Filiado à CUT/FENAJUFE

Ano XVII - nº 55 Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Fevereiro de 2009 e do Ministério Público da União no DF A última chance

TT CATALÃO

A emoção de um afrodescendente no poder máximo dos EUA é realmente magnífica. Porém, emoção, sen- timento e retórica cívica e messiânica para um “res- gate de valores” fundamentais da dignidade perdida podem compor a base inicial do caminho, mas não garantem o avanço. Obama vai oscilar entre a caris- mática redenção dos pecados aviltantes de uma na- ção e a ameaça de martírio (caso fracasse ou desafie muito a “velha ordem”) pela tarefa extraordinária que contrapõe o indivíduo, em pele e consciência, versus a poderosa armadura do Sistema. Mitologia grega com BlackBerry.

A contradição maior desses primeiros dias de instala- ção do governo navega entre a sacralização da pes- soa (“chegou o Redentor”) e os recados duros aler- tando que a máquina está intacta. Desmonte? Só no que já está podre. Mesmo o poder mais decrépito exige podas restauradoras. É tirar o melhor proveito da “mudança” para exorcizar o desastre anterior. Sem deixar que a medula do modelo continue explícita nas operações da máquina (de guerra, submissão, contro- le e lucro sobre os mais fracos).

Nesse clima de “virada” emotiva, perder só o que não é essencial. Ora Obama será um deus da resistência pelo seu caráter – ele parece mesmo encarnar, since- ramente, os valores plurais da América fraterna e míti- ca da liberdade – e, ora, será o Obama que terá que ceder até perder a aura do herói. Miseráveis do mun- do, emergentes da economia, sobreviventes do caos, o colapso global, a degradação do ambiente e o modo de vida predatório do consumismo aguardam muito desse herói ou mártir no comando, formal, de um Sistema abalado. Talvez, a última chance. Ou vira, ou capota. É ruptura ou sutura?

2 Revista do Sindjus Fev/2009 Passivos: direito já foi reconhecido até pelo Supremo Tribunal Federal U. DETTMAR U.

AO LEITOR A batalha pelos passivos

O ano de 2008 ficou ciações com a Secretaria de Orçamento Federal para O Sindjus come- para trás, mas as lutas re- que os recursos necessários sejam liberados o quan- çou 2009 pressio- manescentes não morre- to antes. E quando liberados, atendendo reivindi- nando os tribu- ram com ele. Ao contrário, cação do Sindjus, o desembargador Nívio Gonçal- nais para que qui- ganharam força. Foi exata- ves, presidente do TJDFT, comprometeu-se, por es- tem essa dívida o mente isso o que aconte- crito, a cumprir o direito sem distinção entre ma- mais rápido possí- ceu na luta pelo pagamen- gistrados e servidores. vel. Afinal, esses to dos passivos. O Sindjus Quintos. Estágio Probatório. Devolução do IR começou 2009 pressionan- cobrado sobre juros de mora dos 11,98%. A luta débitos são direi- do os tribunais para que pelo pagamento dos passivos será uma das princi- tos reconhecidos quitem essa dívida o mais pais frentes lideradas pelo Sindjus neste ano. Por pelos tribunais. ARTHUR MONTEIRO ARTHUR rápido possível. Afinal, es- Muita coisa já Roberto Policarpo isso, além de conversar com as presidências dos Coordenador-geral ses débitos são direitos re- tribunais, tenho mantido contato freqüente com a avançou na nego- do Sindjus conhecidos pelos tribunais. Secretaria de Orçamento Federal, reivindicando ciação intensiva Nada mais justo que sejam agilidade nessa questão. Muito tem se ponderado que estamos pro- pagos o quanto antes. E eu posso dizer que mui- a respeito dos efeitos da crise financeira instalada. movendo. ta coisa já avançou nessa negociação intensiva No entanto, tenho contra-argumentado sobre a que o Sindicato vem promovendo. necessidade de investir no serviço público para for- Do início de fevereiro até agora, já me reuni talecer a economia e assegurar o desenvolvimento com a administração do TJDFT, do TSE e do STF do Brasil. E é esse discurso que deve ecoar por to- para resolver esse impasse. Os presidentes dos tri- dos os tribunais. Afinal, a realidade afirma que de- bunais se comprometeram a intensificar as nego- fender os servidores públicos é defender o país.

Revista do Sindjus Fev 2009 3 CARTAS

Cruzeiro Especulação Caros colegas, quero agradecer a boa Andam dizendo que a crise vai inviabilizar idéia de nos premiar com o cruzeiro. Foi o nosso novo Plano de Carreira. Tudo excelente, com muita alegria, atenção e especulação. Querem que a gente tire o CAPA: FOTO DE ARTHUR MONTEIRO conforto. A agência providenciou tudo e time de campo para que o investimento que fomos muito bem atendidos. Quero deve ser feito em nossa carreira beneficie aproveitar para desejar um 2009 repleto outra categoria. Só que nós não vamos de vitórias, realizações e muita saúde, deixar, não é? extensivo a seus familiares. Verônica Santos – JF Maria Cristina Cardoso – TJDFT (Sobre o prêmio às melhores participações no plano Plano de Carreira de lutas aprovado pelo Congresso do Sindjus) Revista do Sindjus É difícil equacionar o desejo dos servidores de aprovar o quanto antes um novo Plano Coordenação editorial TT Catalão - Reg. Prof. 685-DF Passivos de Carreira e os trâmites que o projeto tem Edição Tenho acompanhado o esforço que o que enfrentar. Eu sei que a Comissão Usha Velasco Sindicato tem feito para garantir o Interdisciplinar tem a missão de discutir a Reportagem e redação Daniel Campos pagamento dos passivos. É uma pena que fundo cada detalhe, mas não dava para Eunice Pinheiro seja preciso fazer um estardalhaço para andar um pouco mais rápido? Fabíola Góis receber um direito que já foi reconhecido Eduardo Mota – TRT Thais Assunção Revisão inclusive pelo STF. Patcha Comunicação Jair Monteiro – TSE Projeto gráfico e arte Folia Usha Velasco Adorei a idéia de transformar a luta pelos Tiragem Injustiça passivos em marchinha. Quem sabe assim, 12.000 exemplares Esses tribunais não se emendam mesmo. o pessoal lá de cima, que adora uma folia, Onde já se viu cobrar Imposto de Renda não paga o que é nosso por direito. Sindjus de juros? Às vezes eu tenho a impressão João Alves – TRF Sindicato dos Trabalhadores do de que a Justiça é feita só para o público Poder Judiciário e do MPU no DF externo. Quem está dentro do Tribunal Convênios SDS, Ed. Venâncio V, Bl. R, s. 108 a 114 sofre as mais profundas injustiças. CEP 70393-900 - Brasília-DF Os convênios do Sindjus melhoraram a PABX (61) 3224-9392 Fábio Soares – TJDFT minha realidade. Tenho descontos na minha www.sindjusdf.org.br academia, na minha pós-graduação, no Coordenadores-gerais Professores colégio da minha filha e em clubes. E a Ana Paula Barbosa Cusinato (MPDFT) Roberto Policarpo Fagundes (TRT) Ao produzir um VT sobre o absurdo que cada semana há novas parcerias sendo Wilson Batista de Araújo (TRE/DF) está acontecendo com os professores, o firmadas. Eu apóio totalmente essa política. Coordenadores de Sindjus deu um passo importante à Ana Clara – TST Administração e Finanças construção de uma nova sociedade. O Berilo José Leão Neto (STJ) Cledo de Oliveira Vieira (TRT) Sindicato redimensiona sua luta, Jailton Mangueira de Assis (TJDF) engrandecendo sua participação na realidade social. PARTICIPE! Coordenadores de Assuntos Jurídicos e Trabalhistas Sônia Lins – TST Eliza de Souza Santos Ávila (STF) Envie seus José de Oliveira Silva (TJDF) comentários ou Newton José Cunha Brum (TST) Eu dôo talento Coordenação de Formação De fato, ajudar o próximo é gratificante. sugestões de e Relações Sindicais A campanha Eu dôo talento é uma bela Carlos Alberto de Araújo Costa (TJDF) pauta par Eliane do Socorro Alves da Silva (TRF) iniciativa. Eu sou apaixonada por cuidar cartas@sindjusdfa Raimundo Nonato da Silva (STM) de crianças e me coloco à disposição .org.br Coordenadores de Comunicação, para contribuir. Cultura e Lazer Elza Munhoz – MPDFT Orlando Noleto Costa (TSE) Sheila Tinoco Oliveira Fonseca (TJDF) Valdir Nunes Ferreira (MPF)

4 Revista do Sindjus Fev/2009 OPINIÃO Vila Telebrasília: a escala humana da capital

o final de 2008, às vésperas do Natal, o go- na Chauí, “o Direito para a História e, nessa ação, N vernador do Distrito Federal, em cerimônia para a política transformadora”. pública na Vila Telebrasília, outorgou os títulos de Foi desse modo, e em ações semelhantes nas propriedade definitivos aos ocupantes históricos periferias dos espaços urbanos desde os anos ARTHUR MONTEIRO ARTHUR do velho acampamento dos tempos da constru- 1970, que movimentos sociais com crescente le- ção de Brasília. Quase cinquenta anos depois de gitimação forjaram a agenda internacional do di- muita luta, o ato representou o momento culmi- reito de morar, inscrevendo-o nas declarações de nante de uma história de resistência e perseve- direitos (conforme a Declaração de Istambul, Ha- rança de uma comunidade mobilizada pela con- bitat II, ou Cúpula das Cidades, 1996), para de- quista do direito de morar. pois projetá-lo nas legislações de zoneamento urbano e, no caso brasileiro, na Constituição Fe- Não é por acaso que à entrada da Vila, loca- deral, após 1988, por impulso dos movimentos lizada ao final da Avenida das Nações, na Asa sociais por moradia (tratei disso num texto de Sul, à beira de Lago Paranoá e defronte ao setor 1982, Fundamentação Teórica do Direito de Mo- José Geraldo de de embaixadas, se mantenha instalado uma pla- radia, Revista Direito e Avesso, Boletim da Nova Souza Júnior ca com a inscrição singular: “Aqui tem história!” Escola Jurídica Brasileira, nº 1). Reitor da Universidade de Não conheço um registro igual de uma co- Brasília, professor da Faculdade munidade que se reconheça na identidade de seu A luta da comunidade da Vila ganhou adensa- de Direito e coordenador do projeto O Direito Achado na Rua protagonismo histórico, mas como professor ori- mento nesse trânsito, primeiro como ação políti- entador, em projeto de assessoria jurídica uni- ca de movimento, depois como construção social versitária desenvolvido pela Faculdade de Direi- de sentido. Destaca-se aí a vitória obtida com a to da UnB, com o apoio da Secretaria de Direitos promulgação da lei distrital 161/91, de autoria A comunidade Humanos (então vinculada ao Ministério da Jus- do deputado Eurípedes Camargo, inicialmente reivindicou uma tiça), acompanhei por vários anos o percurso vetada pelo governador e afinal sancionada com dimensão social ao dessa luta, em suas diferentes fases, boa parte a derrubada do veto, aliás o primeiro veto derru- lado das escalas dela documentada em livro de cuja organização bado na história da Câmara Distrital. participei (Direito à Memória e à Moradia. Reali- Mas a principal vitória da comunidade deu-se, arquitetônica, zação de Direitos Humanos pelo Protagonismo a meu ver, no campo simbólico. Refiro-me ao en- monumental e Social da Comunidade do Acampamento da Te- frentamento da objeção de fixação da Vila, apoia- bucólica de Brasília; lebrasília, Universidade de Brasília, 1998). da no discurso do tombamento do Plano Piloto assim estabeleceu, como forma seletiva de apropriação da cidade. para além de sua Este livro põe em relevo as circunstâncias condição de urbs e complexas de diferentes momentos da manifes- Foi nessa circunstância que a comunidade de civitas, uma tação de uma consciência de direitos, afirmada da Vila reivindicou uma dimensão social para con- verdadeira polis, na ação da comunidade, afinal inscrita na for- figurar o Plano de Brasília, ao lado das escalas construída pelo pro- mação de uma Associação de Moradores, que arquitetônica, monumental e bucólica, estabele- tagonismo social. soube conduzir a unidade de um movimento so- cendo, para além de sua condição de urbs e de cial constituído como sujeito coletivo de direito civitas, bela, moderna e funcional, concebida na e em condições de realizá-lo. Nesse passo, e de genialidade do projetista, uma verdadeira polis, O pró-labore de José Geraldo forma nítida, pôde-se constatar claramente a construída pelo protagonismo social, inscrito na para este artigo é doado mensalmente à campanha de ação da coletividade em sua subjetividade me- História, dando a Brasília a dimensão que lhe fal- voluntariado Eu Dôo Talento diadora pronta para abrir, como lembra Marile- tava, a escala humana. (veja em www.sindjusdf.org.br)

Revista do Sindjus Fev 2009 5 CIDADANIA O direito de ter direitos

Usha Velasco

s moradores do antigo Acampamento O da Telebrasília, no extremo sul da Ave- nida das Nações, à beira do lago Paranoá, podem dormir tranqüilos desde janeiro. Mais de cinqüenta anos após se estabele- cer no local, e depois de duas décadas de uma acirrada luta para não ser removida, a comunidade comemora o recebimento das escrituras e a urbanização definitiva da Vila, com asfalto, posto policial e ou- tras benfeitorias. Não se trata de uma dádiva do governo. Pelo contrário. Essa conquista é resultado de uma mobilização sem precedentes no DF, tan- to pelo grau de envolvimento e de organiza- ção dos moradores quanto pelo tempo em que eles conseguiram resistir às tentativas de re- moção. “A comunidade não aceitou ser colo- cada à margem da história e do espaço urba- no; ela conseguiu estabelecer uma interlocu- ção com a cidade, com a sociedade brasilien- se”, afirma José Geraldo de Souza Júnior, rei- tor da Universidade de Brasília e professor da faculdade de Direito, que desde 1988 acom- panha o caso (leia na p. 5). “Foram vinte anos de luta, mas, para o tamanho da vitória, até que não foi tanto tem- po. Dificilmente uma batalha desse porte é finalizada pela mesma geração que começou”, avalia Antônio José Carvalho, vice-presidente da Associação de Moradores do Acampamen- to da Telebrasília (AMAT). Foi uma batalha de Davi contra Golias: de um lado, o governador do DF, a Terracap, o Iphan, a especulação imo- biliária, a imprensa. De outro as famílias hu- mildes, em sua maioria parentes dos pionei- ros que vieram construir Brasília. Não eram os mesmos pioneiros da Vila Planalto, tombada como patrimônio históri- A nova cara co em 1988. “Esses eram privilegiados: lá da Vila: o tempo das moravam os engenheiros, aqui morava a ruas de terra piãozada”, conta Antônio, que é pedreiro. e dos barracos de madeira “Por isso acho que eles não tiveram tantas ficou para trás dificuldades quanto nós. Não chegaram a so-

frer ameaças de retirada”, explica. MONTEIRO ARTHUR

6 Revista do Sindjus Fev/2009 Cinqüenta anos depois de se estabelecer no local, moradores da Vila Telebrasília recebem as escrituras de suas casas. Esse é o resultado de vinte anos de luta contra a remoção, numa mobilização comunitária sem precedentes no DF

Revista do Sindjus Fev 2009 7 Protagonismo social Na rua de entrada, uma placa avi- mas logo que foi eleito fez exatamen- sa: “Aqui tem história”. A Vila surgiu te o contrário”, lembra João. quatro anos antes da inauguração de Mobilizada desde 1988 em torno Brasília, em 1956; chamava-se Acam- da Associação de Moradores, a comu- pamento Camargo Corrêa. O professor nidade reagiu e não aceitou ser retira- João Almeida, presidente da Associa- da. “Ali emergiu uma consciência his- ção de Moradores, conta que o nome tórica, um protagonismo social, a no- ia mudando conforme a empresa em- ção do direito de ter direitos”, afirma pregadora: “Já foi Acampamento DTUI José Geraldo de Souza. Ele coordena (Departamento de Telefones Urbanos há vinte anos o Núcleo de Prática Ju- e Interurbanos) e Acampamento da rídica e Escritório de Direitos Huma- Cotelb (Companhia Telefônica de Bra- nos e Cidadania, formado por alunos sília), antes de virar Acampamento da e professores da UnB, que apoiou a Telebrasília, na década de 70.” luta dos moradores em parceria com Porém, o fato de os moradores te- outras faculdades. rem testemunhado a construção da ci- “O Serviço Social trabalhou o pro- dade e de viverem ali há 34 anos não tagonismo social e a consciência his- impediu que, em 1990, o governador tórica; a Arquitetura contribuiu com a João Almeida, presidente da Joaquim Roriz decidisse removê-los. demarcação das áreas e o projeto ur- Associação dos Moradores: mobilização da comunidade “Ele prometeu regularizar a Vila e ga- banístico; o Direito, com a defesa da pelo direito de morar rantiu que ficaríamos morando aqui, lei e do direito à moradia”, conta.

Antônio Carvalho (esq.), com Dona Maura e Seu Antônio, dois dos moradores mais antigos da Vila

8 Revista do Sindjus Fev/2009 Vitória candanga “Tivemos a ajuda de vários anjos”, diz Antônio Carvalho, lembrando o apoio da Universidade de Bra- sília, do PT e da Ordem dos Advogados do Brasil: “Sem isso, não sei se teríamos conseguido vencer. Os adversários eram fortes demais.” Antônio cita também a iniciativa do então depu- tado distrital Eurípedes Camargo, que em 1991 apre- sentou o projeto de lei 161, determinando “a fixa- ção definitiva do Acampamento da Telebrasília no próprio local onde está estabelecida”. Aprovado na Câmara, o projeto foi vetado pelo governador. Po- rém, a mobilização dos moradores garantiu votos sufi- cientes para que os deputados derrubassem o veto. O governador, porém, ignorou a lei e continuou tentando retirar os moradores. “Todas as pessoas que tinham alguma influência na comunidade foram pres- sionadas, até os padres e pastores. O governo derru- bou nossas três igrejas”, conta Antônio. “Cada vez que criava uma nova cidade, Roriz ten- tava convencer nossas famílias a se mudar”, lembra ele. Algumas aceitavam. Levavam os móveis e mate- riais aproveitáveis; depois, os tratores do governo der- rubavam a casa. “Eles reviravam o terreno e aprovei- tavam para jogar o entulho nas ruas, para atrapalhar ao máximo a nossa vida”, diz Antônio. Por ser um líder comunitário, nessa época ele foi especialmente visado: “Quando meu vizinho se mu- dou, os tratores derrubaram a casa, quebraram a fossa e jogaram toda a porcaria na frente da minha casa, bem na porta”, conta. “Você não imagina o cheiro. Tive que abrir uma passagem pelos fundos do lote para poder sair de casa.” Segundo José Geraldo de Souza, essas ações fa- ziam parte de uma “estratégia terrorista”: “O go- verno tentou convencer os moradores de que eles eram invasores e, portanto, tinham que se mudar. Tentou descaracterizar a legalidade do acampamen- to, inclusive com derrubada de barracos e ações po- liciais muito agressivas. Por fim, já no último man- dato, entrou com uma ação civil pública para des- qualificar a lei, mas não conseguiu.” Para ele, a vitória da comunidade foi uma vitó- ria da cidadania: “Eles conquistaram o direito de permanecer no local em

Campo gramado, posto que construíram sua histó- policial em construção, ria e sua identidade; per- serviço de limpeza urbana maneceram ali como comu- e ruas asfaltadas: conquis- tas recentes, após vinte nidade candanga, constru- anos de muita luta tora da cidade.” FOTOS: ARTHUR MONTEIRO Revista do Sindjus Fev 2009 9 DEPOIMENTO • Remando contra a maré

Maria Rosineide Peixoto de Sousa panha eleitoral. Tínhamos diálogo com Quando criou o Riacho Fundo, o go- é uma mulher batalhadora. Foi lava- o governador, votamos nele, acreditamos vernador achou que ia conseguir tirar deira, sacoleira e dona de bar; há nas suas promessas. Mas ele passou a todo mundo daqui. Realmente, nessa dez anos montou o Mercado Família, não nos receber mais; de repente, todas época, depois de anos de pressão em que emprega seis funcionários. as portas se fecharam. cima da gente, metade das famílias se Nesse meio tempo, criou três filhos Nessa época ficou tudo muito sofri- mudaram. Todos ganharam lotes. Fica- e tornou-se líder comunitária. Há do para nós. Os barracos estavam cain- mos sabendo que o governo oferecia dezoito anos integra a Associação do, mas o governo não deixava a gente mais lotes para quem conseguisse influ- de Moradores do Acampamento consertar; não podíamos fazer nem um enciar os outros, tirar mais gente daqui. da Telebrasília (AMAT). Neste banheirinho a mais. Você imagina como Você não imagina como a gente se depoimento, dona Neide, como é é desconfortável um banheiro de madei- sentia, vendo o Riacho Fundo todo ur- conhecida, conta como foi a luta da ra... Mas vinha fiscal, derrubava a obra, banizado, com asfalto, água, luz, e aqui, comunidade pela direito de morar. levava embora o material de construção. nada... Minha família toda foi para lá, A gente não tinha nada, nem uma luz todos os meus irmãos; só eu e minha “Eu cheguei do Maranhão há 25 no fim do túnel. Então o deputado Eurí- mãe ficamos. Eu resolvi ficar e lutar, por- anos, com meu marido e três filhos pe- pedes Camargo fez a Lei 161/91, garan- que foi uma decepção muito grande dar quenos. Vim para o Acampamento, como tindo o nosso direito de viver aqui. Foi meu voto a um político e ele não cum- chamávamos na época, por causa de um como um galhinho para a gente se segu- prir a sua palavra. Ele tinha que saber tio que morava aqui. Ele foi pioneiro na rar, no meio da correnteza. A Câmara que a gente tinha o direito de ficar aqui. construção de Brasília. aprovou a lei, mas o governador vetou. Foi por isso que entrei para a Asso- Naquela época, nossa preocupação Então, a Câmara derrubou o veto dele. ciação de Moradores, há dezoito anos. eram as condições precárias desse lu- O Roriz ficou uma fera. Para ele, era Nunca pensei que eu fosse ser uma lí- gar: de dia faltava água, de noite falta- como se a lei não existisse. Ele queria der comunitária. Até brigas de casal a va luz... As ruas todas eram de terra, não nos tirar daqui de qualquer maneira, ele gente tinha que administrar: marido e tínhamos esgoto, os barracos eram to- queria essa área... Imagina quem não ia mulher se separavam e vinham nos pro- dos de madeira. Ao mesmo tempo, era querer uma área nobre como esta! curar para saber quem ficava com o lote. também um lugar muito tranqüilo. Po- As maldades que ele fez aqui, isso a Nós éramos consultados sobre tudo. Os díamos dormir com a porta aberta, por- gente nunca esqueceu. Um dia derruba- moradores tinham medo até do recen- que todo mundo se conhecia. Era como ram cinco barracos, deixaram cinco fa- seamento, não queriam falar com nin- viver no coração de Brasília e ao mesmo mílias com a roupa do corpo. Levaram guém antes que a Associação visse do tempo morar na roça. tudo, roupas, móveis, até as escovas de que é que se tratava. Ainda não tínhamos medo de ser ex- dentes. Levaram e trancaram num de- Tivemos também que vigiar a área pulsos; isso só aconteceu depois que Ro- pósito, perto da Rodoviária. Tivemos que contra invasores. Muita gente tentava se riz chegou. Na época da sua primeira entrar na Justiça para eles devolverem. instalar ao redor, na calada da noite. Tí- campanha ele veio aqui fazer comício, Durante todo o governo dele, a pres- nhamos que sair da cama de madruga- reconheceu nossa história, o valor dos são foi muito grande, de todos os lados. da para colocar as pessoas para correr. pioneiros, prometeu urbanizar o Acam- Era governo, polícia, até a imprensa... O Até ameaça de morte nós recebemos. O pamento. Lembro que ele falou: “Quem jornal chamava isso aqui de “invasão da governo não ajudava em nada, achava tirar vocês daqui não ama Brasília!” Telebrasília”, quando, na verdade, está- bom que invadissem, para virar favela e Três ou quatro meses depois de to- vamos dentro da lei, nunca fomos inva- reforçar seus argumentos. mar posse, ele veio aqui de novo. Dessa sores. A revista Veja publicou que o go- Foram anos de muita tristeza, muita vez, negou tudo o que tinha falado an- vernador tinha removido a última favela atribulação. A gente ia dormir sem sa- tes. Disse que não podíamos mais ficar, de Brasília – a nossa. E ele chegou a fa- ber se no dia seguinte a casa ainda es- que todos iam ter que sair. lar para nós, pessoalmente, que nós éra- taria de pé. Tinha que ter muita cora- Nós criamos a Associação de Mora- mos “gentinha” e que ele ia “limpar essa gem. A gente cansa, sabe? Todo dia era dores mais ou menos na época da cam- área”, como se nós fôssemos sujeira. barraco derrubado, fossa ‘ quebrada, ‘ su-

Ele [o governador] chegou a falar que éramos ‘gentinha’ e que ele ia ‘limpar essa área’, como se nós fôssemos sujeira. 10 Revista do‘ Sindjus ‘ Fev/2009 A gente ia dormir sem saber se no dia seguinte a ‘ ‘ ‘ ‘casa ainda estaria de pé. Tinha que ter muita coragem. jeira espalhada... A gente pensava: ai, governo – imagina só, em duas sema- menos parou de nos perseguir. Deus, será que um dia vamos vencer? nas! – ele fez toda uma área nova no Ninguém aqui na Vila acreditava que Quando Cristovam se tornou gover- Riacho Fundo, dizendo que era para nós. o Arruda ia fazer alguma coisa, porque nador, a situação mudou. Ele mandou Fomos lá para ver, mas não aceitamos ele foi secretário de Obras do governo, fazer o EIA-RIMA para começar o pro- sair daqui. Foi uma reunião desastrosa, naqueles anos difíceis. Mas ele atendeu cesso de urbanização. Mas esse relató- virou um verdadeiro bate-boca. Lembro nossas reivindicações: asfaltou, fez mais rio ia, voltava, nunca ficava pronto. Por- que o governador falou: “Vou passar a uma parada de ônibus, o campo de fu- que, quando chegava em qualquer re- máquina em cima da casa de vocês.” Pa- tebol, o posto policial, a praça para as partição com funcionários do lado do recia que era uma coisa pessoal, uma crianças. E o principal: as escrituras. Claro Roriz, a coisa não andava. Eles engave- teimosia. Naquele dia ele me disse: que não foi fácil; no começo, tivemos que tavam mesmo. Acho que tinham muita “Você sabe que eu nunca senti sabor de pressionar até para sermos recebidos. raiva da gente. Mesmo assim, as coisas derrota na vida.” Mas conseguimos, finalmente. acabaram andando. No final dos quatro A última coisa que ele fez contra nós Foram vinte anos de luta. Aprende- anos do governo Cristovam, já estáva- foi tentar derrubar a lei 161/91 de novo. mos muita coisa; todo dia aprendíamos mos com o projeto urbanístico pronto, Nessa ocasião passamos uma semana um pouquinho. Hoje a gente se sente os lotes demarcados, a terraplanagem na Câmara Distrital, pedindo o apoio dos cidadão, com a escritura da nossa casa. feita. As obras de asfaltamento já esta- deputados. Conseguimos. Ele viu que Temos prazer de morar aqui. Eu me sin- vam até licitadas. Mas Roriz ganhou a não ia ganhar e desistiu. Depois disso, to muito orgulhosa, porque todo mun- eleição e a perseguição recomeçou. sossegou. Não moveu nem uma palha do dizia que estávamos remando contra Nos primeiros quinze dias do novo para melhorar a nossa situação, mas pelo a maré, que nunca íamos conseguir.” FOTOS: ARTHUR ARTHUR MONTEIRO FOTOS:

Dona Neide, líder comunitária, e seu mercado: “Resolvi ficar e lutar”

Revista do Sindjus Fev 2009 11 ROTEIRO DAS ARTES

Diálogo com as cidades Brasília é um museu a Franz Weissmann nasceu na Guignard, entre 1944 e 1956. Nessa épo- céu aberto. Poucas Áustria, em 1911, e veio para o ca ele passou a trabalhar com metal, que cidades no mundo têm Brasil ainda criança. O pai e os se tornou a marca registrada de suas obras. esse privilégio. Nas ruas, quatro filhos (Franz era o se- Segundo o poeta , fun- gundo) trabalharam na lavou- dador do movimento neoconcreto, “a arte nos gramados, nas ra de algodão, no interior de concreta encontrou, no campo da escul- fachadas, no interior e São Paulo. Alguns anos depois tura – ou da construção no espaço real – no exterior dos prédios foram para a capital, onde o pai terreno mais propício para seu desenvol- estão expostos trabalhos montou uma pequena fábrica vimento do que na pintura – espaço bi- dos maiores artistas de carrocerias para ônibus em São Paulo. dimensional. (...) Weissmann aprofunda modernos brasileiros. São Aos dezesseis anos Franz saiu de casa essa expressão, encontrando ritmos cada tantos que, muitas vezes, e trabalhou em vários “bicos”, até matri- vez mais econômicos e mais diretos. Che- estão ao nosso lado e nem cular-se no curso de arquitetura da Escola ga enfim a estruturas de grande leveza, notamos. A cada edição, Nacional de Belas Artes. Morou em São ricas de perspectivas que se impunham Paulo, no e em Belo Hori- ao espectador como um milagre de cap- esta seção mostrará o zonte. Abandonou a faculdade para estu- tação dessa coisa impalpável e fugidia trabalho de um artista. dar pintura e escultura, e pouco depois que é o espaço.” Este mês você vai tornou-se aluno de August Zamoyski, es- Entre 1970 e 1990, já consagrado, Weis- conhecer a obra de cultor polonês radicado no Brasil. Com ele, smann participou de dezenas de exposições Franz Weissmann. aproximou-se cada vez mais das tendên- nacionais e internacionais, além de ganhar cias geométricas derivadas do cubismo. vários prêmios. Ele pregava a união entre a Em Weissmann parti- arte e a vida cotidiana; por isso, dedicou-se cipou da criação da primeira escola mi- a criar obras monumentais, que dialogam neira de arte moderna, em parceria com com os espaços urbanos.

Acima, Grande Flor Tropical (Memorial da América Latina - SP). Ao lado, sem título, Coluna Neoconcreta nº 1 e Fita Amarela

12 12RevistaRevista do Sindjus do Sindjus Fev/2009 Fev/2009 Monumento à democracia (1990) é uma ampliação da escultura Três pontos (1958). Em aço pintado, fica na entrada do Museu de Arte de Brasília ARTHUR MONTEIRO ARTHUR

Revista do Sindjus Fev 2009 13 OUTROS EUS

A maior riqueza do homem Brincando com as é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito. Não agüento ser apenas um sujeito que abre palavras portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.

Manoel de Barros

Do alto dos seus 91 anos, o poeta ensina que o ser humano é incompleto, e que isso não é defeito; é qualidade. Assim como ele, muitas outras pessoas precisam ser Outras. E são. Esta coluna publicará mensalmente histórias de gente que concilia o serviço público com as mais diversas atividades. São atletas, chefes de cozinha, professores, pintores, mágicos, mecânicos, músicos... A lista não tem fim.

14 14RevistaRevista do Sindjus do Sindjus Fev/2009 Fev/2009 om muitos versos e rimas se fez a dação pediu para a minha turma es- encantado das palavras. Ainda peque- C trajetória do analista judiciário do crever um texto. Eu optei por escrever no, com sete ou oito anos, ele escre- STM, Adaglion Aires de Andrade, como em forma de versos. A professora gos- veu dois versos, empolgou-se e falou escritor. Há 21 anos ele se dedica cons- tou, elogiou bastante; isso me fez acre- para a mãe: “Um dia serei poeta.” tantemente à leitura e a escrever poe- ditar que eu tinha competência para Nesses 21 anos, o analista judiciá- mas com dedicação e carinho. trabalhar a palavra”, conta ele. rio escreveu dois livros de poesias, ain- “Lembro que, quando tinha cator- Mas Adaglion também recorda que da não publicados. “Faltam somente ze anos de idade, na 8ª série, num co- aquela não foi a primeira vez em que alguns ajustes. Pretendo publicar um légio de Goiânia, a professora de re- ele entrou em contato com o mundo deles ainda este ano”, revela. Talvez Adaglion tenha herdado a habilidade de escrever de seu tio, Ai- denor Aires, um “inventor de metáfo- ras” – apelido criado pelo sobrinho. Ele confessa ser um grande admirador ARTHUR MONTEIRO ARTHUR da obra do tio, um poeta com vários livros publicados. Além de ser um prazer e uma tera- pia, a poesia transforma a vida e até o ambiente de trabalho, segundo o ana- lista judiciário: “Quando escrevo um bom poema, meu sorriso aparece mais, aumenta a empolgação, fico mais dis- posto. Escrever é uma combustão enor- Adaglion Aires: me. Sou movido à poesia”, confessa. “Escrever é uma combustão enorme” “De certa forma, escrever significa para mim a liberdade de brincar com as palavras, como se eu estivesse me divertindo com uma bola. Escrever faz parte de mim”, afirma o poeta. Mas ele também faz questão de lembrar que a atividade criativa não é tão fácil quanto muita gente pode pensar: “Li uma frase de Cecília Meireles que ex- plica isso muito bem: ‘Escrever é duro como quebrar pedras’.”

INSPIRAÇÃO

Para Adaglion, escrever é uma te- rapia, uma brincadeira e um ato de amor, como revelam esses ver- sos do seu poema Inspiração:

Trabalho fiando meu casulo. Fio por fio amando.

Insuflo essas linhas que, às vezes, costuram a boca das palavras.

Revista do Sindjus Fev 2009 15 Montagem com TACAPECOLA, obra de Miguel Simão (foto: TT Catalão) de Miguel Simão (foto: obra TACAPECOLA, Montagem com

A carnavalização da política: Fórum Social Mundial e Davos

ÃO ÃO TAL A carnavalização é um jogo estético a que movimentos descobrem para continua Sader. Toca na questão sensível da "autonomia em relação aos TT CA o protesto que precisam ser "narrados" com novos elementos de cena. governos". Posição meritória, consta na Carta de Princípios, pela estupenda Uma espécie de dramaturgia de rua, politizada, obviamente panfletária, linha de independência que permite inúmeras correntes. O risco é a síndrome mas com alguma arte, graça, rumor e humor conspirando para que os do adolescente que aceita mesada e quer continuar radicalmente isolado. recados não sejam tão áridos ou pregação para convertidos (aquele discurso As correntes ansiosas para "comprovarem" que o FSM se esgota sob "clichês em clichê que repete o que a mesma platéia quer ouvir). O pessoal do meio desatualizados" não divulgaram a reflexão que Sader fez após a autocrítica: ambiente inovou antes nessa festa cívica e os grupos antiglobalização "Onde estão as massas nas ruas mobilizadas pelas ONGs? Quem faz o radicalizaram na estética do grito a partir de 1999, quando 50 mil Fórum são os movimentos populares. Elas [ONGs] têm lugar, mas o manifestantes invadiram Seattle, EUA, contra o tal "pensamento único", protagonismo tem que ser dos movimentos sociais". "império da globalização", OMC, FMI, bancos, corporações etc. Na época escrevia para o Correio Braziliense e nossas matérias iam para o mural do Isso já não interessaria, pois toca no ponto vital da tal crise que no momento encontro. Para minha surpresa um trecho de um artigo meu virou faixa de é ainda virtual e de números e ainda não chegou às ruas. Ainda não chegamos rua (não foi a primeira vez): TUDO para TODOS. Uma utopia romântica a ira das ruas em cobranças explícitas pelo "bacanal do esbanjamento" (para revigora. E uma ilustração montagem ilustrou um panfleto: era uma criança usar um termo dos anos 70 do velho líder Lutzenberg) ou quando a coisa sorrindo com seus dentes rompendo (mastigando) um código de barras começar a repercutir não só nas bobagens materiais em falta e chegar ao comercial e o texto "quem tem de ser especial é você, não o seu cheque". alimento escasso nas mesas. De certa maneira a mobilização é o fator que Passados 10 anos com a criação do Forum Social Mundial em 2001 (quando desestabiliza os "gênios dos carpetes" que confundem fórmulas racionais a anarquia ganhou um certo crachá) e agora nessa virada (ao menos com a vida pulsante. Um fato marcante na eleição de Obama, por exemplo, emocional) do mundo. Continuamos. Carnavalizar não é deboche é foi a concorrência maciça de, digamos, uma participação comunitária decisiva descompressão para colocar prazer na consciência de luta. ou "militante" (algo incomum no sistema bipartidário dos EUA na linha Pepsi ou Coca). Os netroots, pessoas comuns coletando doações de campanha, Os Fóruns de Davos, Suiça, e o Social Mundial, Belém, cumpriram em revelaram um tipo de compromisso que mexeu na balança da mesmice viciada 2009, emblemática função estética para esse momento do mundo. Mais do sistema. Quem sabe continuam como original força de pressão sobre o que as férteis discussões da diversidade, em Belém, ou as tentativas de núcleo duro de poder ainda intacto da era-sapatada Bush? saídas econômicas contra a perplexidade, em Davos, os encontros plasmaram a cara dos contrapontos que sempre demonstraram. É a peleja do "um Veja esse parágrafo de abertura de um artigo jornalístico, publicado em outro mundo é possível" (FSM) versus "desse jeito ficou impossível" (Davos). 31 de janeiro de 2009: "Quando o governo ampliou o Bolsa Família, entendeu-se como gastança federal. Quando o BNDES comprou ações da Caiu a arapuca do "diga-me quanto deves e eu direi o quanto és Aracruz e da Votorantim, entendeu-se como medida contra a crise. Com a grande", linha Davos; confirma-se o "e agora, vamos ficar só no protesto primeira decisão, o governo vai gastar meio bilhão de reais e beneficiar 1,3 ou entramos no rolo?", linha Belém. Observação, para o FSM, fez o sociólogo milhão de famílias pobres; com a segunda, está gastando dois bilhões e Boaventura Santos na Revista Forum desse mês (www.revistaforum.com.br): meio de reais para beneficiar quatro famílias ricas". Acha que saiu em algum "Penso que o FSM pode assumir uma liderança maior, com espaço aberto. blog à esquerda? Pois foi Míriam Leitão em sua coluna no jornalão O Globo. Se os movimentos sociais estivessem preparados com propostas muito Não é nada, não é nada, pode ser nada mesmo, como diria o Barão de concretas do que pode ser feito, neste momento de suspensão do sistema Itararé, mas que os discursos estão voláteis e as viradas zunindo para todos mundial devido à crise e ao novo governo dos EUA, penso que algumas os lados isso estão. No clima de "moldar o mundo pós-crise", em Davos, alianças poderiam ser feitas com organizações e mesmo com partidos dentro rogam pelo Estado quem pregava absoluta farra do "livre mercado"; ou do establishment que percebem que suas soluções não funcionaram". aceitam-se forças de Estado que sejam progressistas, como alguns do FSM desejam. A questão é manter a luta raiz da cidadania que sempre saberá Emir Sader , uma outra cabeça máster dos diversos Fóruns, avaliou o distinguir entre libertos e libertários, porque no fundo desejamos mesmo é encontro cobrando mais rua no Forum. "Parece que está girando em falso", o tal mundo melhor com tudo para todos. SAÚDE

Em busca de equilíbrio

Praticante de Sahaja Yoga, Cynthia (centro) medita duas vezes por dia, sozinha, e uma vez por semana com as amigas Renata e Ângela: “Meu organismo funciona muito melhor”

18 Revista do Sindjus Fev/2009 Terapias complementares Fabíola Góis à medicina tradicional são cada écnica alternativa não serve mais para deno- vez mais utilizadas para garantir T minar as dezenas de terapias não-convencio- a saúde do corpo e da alma nais, como acupuntura, homeopatia, terapia com florais e iridologia. Afinal, o que é alternativo em um mundo cada vez mais aberto a práticas não- tradicionais? Na China, por exemplo, muito do que classificamos como não-convencional é o conven- cional. E os adeptos crescem no Brasil. No Judiciá- rio, a tendência não é diferente. Tribunais e Minis- tério Público se preocupam com a qualidade de vida do servidor e oferecem atendimento nos pró- prios órgãos. A promessa é de garantir a prevenção e o EFICÁCIA tratamento de doenças que nem sempre a medicina tra- “Homeopatia, acupun- dicional consegue explicar. tura, fitoterapia, auto- Os adeptos e estudiosos massagem e meditação do assunto explicam o por- têm eficácia comprova- quê de se reparar o termo da em várias condições “terapias alternativas”. Ci- clínicas onde a medicina entista renomado, médico e ocidental é limitada.”

professor titular do Labora- Carlos Eduardo Tosta, médico tório de Imunologia Celular e professor do Laboratório de da Universidade de Brasília, Imunologia Celular da UnB Carlos Eduardo Tosta expli- ca o erro: “O termo é inadequado porque dá a entender que tais terapias seriam alternativas às terapias convencionais. Elas não são alternativas; são complementares.” O professor Tosta afirma que há uma tendên- cia de que essas terapias sejam cada vez mais ado- tadas. Várias secretarias de saúde no Brasil, inclu- sive a do Distrito Federal, já adotam oficialmente recursos terapêuticos como homeopatia, acupun- tura, fitoterapia, chi kung, automassagem e medi- tação. “Todas essas práticas têm eficácia compro- vada em várias condições clínicas. Essas terapias têm importante aplicação nos casos de doenças crônicas, onde a medicina ocidental convencional apresenta eficácia limitada”, afirmou. Para Tosta, a medicina convencional do ocidente geralmente se limita a tratar a manifestação da doença: anti-inflamatório no caso de inflamação, reposição hormonal na falta de hormônio, retirada de um tumor, correção de uma fratura. A diferença é que as terapias não-convencionais, como home- opatia e aquelas baseadas nas medicinas tradicio- nais indiana e chinesa, atuam sobre as causas da doença, muitas vezes no nível energético. ARTHUR MONTEIRO ARTHUR

Revista do Sindjus Fev 2009 19 SAÚDE

É diante desse cenário que a técnica ju- diciária do Tribunal de Justiça do Distrito Fe- deral e Territórios (TJDFT) Cynthia Aspesi, 39 anos, é adepta da meditação. Todos os dias, às 6h30, antes de trabalhar, a servidora me- dita de 10 a 15 minutos. Repete a prática antes de dormir. É adepta da Sahaja Yoga, um método para obter a auto-realização de forma espontânea, com a união da consci- ência com o nosso ser interior. Ela acredita que a Sahaja Yoga é o passo seguinte na evolução da consciência humana. Foi criada pela indiana Shri Mataji Nirmala Devi em 1970 e, desde então, espalhou-se por mais de 70 países em redor do mundo. Cynthia Aspesi conta que encontrou na técnica o equilíbrio espiritual e mental tão importante nos dias de hoje. “A meditação não só tranqüiliza, mas também promove o equilíbrio do ser humano como um todo”, afirma. Ela começou a praticar Sahaja Yoga há dois anos, quando buscou tratamento para tensão pré-menstrual, e não mais pa- rou. Hoje, conta que dorme melhor e não

sofre com doenças. “Praticamente não tomo URBANIAK AGATA Maria Cecília remédios alopáticos. Se, por acaso, ficar do- Morato, tera- ente, tratarei com homeopatia. Assim, o meu peuta floral do TJDFT: mudança organismo funciona muito melhor”, diz. de hábitos A servidora está no caminho certo, como confirma o professor Carlos Eduardo Tosta: “Em minha opinião, a meditação é a prática mais poderosa para a manutenção da saú- de e a cura de doenças, por ser uma terapia multidimensional. Ela atua sobre os quatro níveis onde a doença pode se iniciar e ser mantida: físico, psíquico-emocional, interpes- soal e espiritual.” Tosta coordena um grupo de pesquisa na Faculdade de Medicina da UnB que pesquisa o impacto psico-neuro-endocrino-imunológi- co da meditação prânica em indivíduos da co- munidade e em pacientes com câncer de mama. A cura prânica estabelece o equilíbrio da vitalidade do organismo, detectando e cor- rigindo desarmonias na sua circulação: defi- ciências, excessos ou bloqueios. Esse é assunto de dois projetos de mestrado e um de douto- rado na Universidade. A perspectiva do pro- fessor é que, em breve, sejam iniciados mais dois projetos sobre o impacto da meditação

prânica em outras condições médicas. MONTEIRO ARTHUR

20 Revista do Sindjus Fev/2009 ARTHUR MONTEIRO ARTHUR

Ana Lídia Sodré: “Nunca pensei que pudesse fazer efeito tão rápido”

conta que desde criança sofria de in- O poder das flores sônia crônica. Eram horas acordadas Estimativa da Associação Brasilei- camos qualidade de vida para essas de madrugada, que provocavam ra de Medicina Complementar indica pessoas. Os florais ajudam no proces- transtornos físicos e mentais durante que mais de quatro milhões de brasi- so de mudança de hábitos e de per- o dia. “Cheguei a tomar remédio de leiros utilizam alguma forma de tera- cepção; é um trabalho de autoconhe- tarja preta para conseguir dormir. Os pia não-convencional para tratar do- cimento”, explica. A essência floral é médicos nunca descobriram a origem enças. Profissionais médicos e não- um preparo natural elaborado a partir do problema. Nunca tive depressão, médicos dos tribunais e do Ministério de essência de flores, plantas ou ar- problemas cardíacos ou trauma na Público convivem com a alta procura bustos, que garante o equilíbrio das infância que pudessem justificar a in- de servidores por práticas não-conven- emoções do paciente. sônia”, conta. cionais. O TJDFT montou, em 2000, o Além da terapeuta Maria Cecília Ela decidiu procurar técnicas não- Programa de Medicina Preventiva (Pro- Morato, o Promep tem uma farmacêu- convencionais no ano passado porque mep) para atender os pacientes no pró- tica e uma técnica de enfermagem que pretendia engravidar, o que a impedi- prio Tribunal. Uma das três profissio- trabalham, respectivamente, com aro- ria de tomar os remédios controlados. nais que atua na área é a analista ju- materapia (tratamento baseado no Em maio, Ana Lídia Sodré começou a diciária Maria Cecília Morato, forma- efeito que os aromas de plantas pro- usar as gotinhas – os florais são admi- da em Serviço Social na área clínica e vocam no indivíduo) e massoterapia nistrados via oral por meio de gotas, de saúde mental. (diversas técnicas holísticas de origem numa solução diluída em álcool. E co- Após fazer o curso de especializa- oriental e ocidental, exercidas por meio meçou a reduzir os medicamentos. “Em ção em Terapia Floral, Morato decidiu de massagens). setembro, eu não tomava mais remé- se dedicar ao trabalho e conquistou Ana Lídia Brandão Sodré, 34 anos, dio tarja preta. Nunca pensei que pu- adeptos no Tribunal. “Temos uma vi- analista judiciária do TJDFT, é a pro- desse fazer efeito tão rápido”, diz a ser- são mais ampla do ser humano e bus- va de que os florais dão certo. Ela vidora, hoje grávida de dois meses.

Revista do Sindjus Fev 2009 21 SAÚDE

Mais próximos dos pacientes Quem lamenta a falta de espaço Universidade de Brasília para fazer e de profissionais para atuar na Pro- uma pós-graduação na área. “Fiquei curadoria Geral da República (PGR) é encantada com a acupuntura. Hoje o cardiologista Messias Dias de Ara- me sinto extremamente feliz com a Magda Montalvão újo Júnior, secretário do Serviço de minha escolha”, afirma. A médica trocou a medicina Saúde da PGR. Com quarenta anos passou dois meses em Pequim, na convencional de profissão, o médico reconhece o China, durante o curso na UnB, e viu pela acupuntura: “É uma abordagem avanço da medicina não-convencio- de perto como os médicos chineses do ser humano nal e promete lutar para que o órgão tratam os doentes. “Acredito que a como um todo” tenha um setor que cuide dos servi- medicina no Brasil tende a voltar ao dores de forma menos tradicional. que era, com cada vez mais clínica “Ainda há resistência no meio médi- geral e menos especializações. As fa- co, mas isso será superado. Houve culdades de medicina no país já co- progresso tecnológico na medicina, meçam a perceber a importância de mas não na parte tratar o doente e não apenas as do- clínica”, reclama. enças”, opina. Araújo Júnior reco- Quanto à resistência dos médicos nhece a importân- em orientar os pacientes para a medi- cia da homeopatia cina não-tradicional, Magda Montal- e da acupuntura na vão acredita que diminuiu bastante. cura e tratamento “Vários colegas encaminham seus pa- de doenças. Elas cientes para a acupuntura e homeo- são as duas únicas patia”, relata. Segundo a médica, as práticas médicas agulhas provocam estímulos na pes- não-convencionais soa e atingem várias partes do corpo, reconhecidas pelo como a neurológica, a ortopédica e a Conselho Federal imunológica. “A acupuntura é excelen- de Medicina (CFM). te para os quadros de dor. Em uma só A acupuntura, sessão pode-se notar uma rápida me- ramo da medicina lhora”, exemplifica. tradicional chinesa O coordenador de Saúde Ocupaci-

Messias Araújo, do MONTEIRO ARTHUR FOTOS: Serviço de Saúde da PGR: que usa a aplica- onal e Prevenção da Secretaria de Saú- “Ainda há resistência ção de agulhas em de do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no meio médico, mas isso determinados pon- o pneumologista Andral Codeço Filho, aceitamos a medicina especializada e será superado” tos do corpo, é a reconhece e admite o tratamento com as reconhecidas pelo Conselho Fede- técnica usada pela a homeopatia e acupuntura, mas não ral de Medicina. Não se pode aceitar médica pediatra Magda Montalvão de aprova técnicas como florais, iridolo- outros métodos”, afirmou. Albuquerque. Há dez anos ela aban- gia ou urinoterapia. No órgão, não há O médico entende que a preven- donou a medicina convencional e pas- profissionais que usem essas técnicas, ção é o melhor caminho para buscar a sou a se dedicar à prática chinesa. “Foi mas no plano de saúde dos servidores saúde, e defende a ampliação de opor- a oportunidade que encontrei para fi- há convênio com médicos homeopa- tunidades para os servidores. “O indi- car mais próxima dos meus pacientes. tas e acupunturistas. víduo precisa saber escolher e prati- Eles me contam como se sentem, o que O STJ atua na prevenção de doen- car os hábitos para uma vida saudá- acontece em suas vidas e me pedem ças de outra forma: lançando progra- vel”, destacou. A Secretaria de Saúde conselhos. É uma abordagem do ser mas específicos para diversas áreas, do STJ tem dezoito médicos, cinco psi- humano como um todo”, relata. como o de combate ao tabagismo, o cólogos, cinco fisioterapeutas, três nu- Formada em Medicina há trinta de gerenciamento de estresse e o de tricionistas, três assistentes sociais e anos, Magda Montalvão procurou a saúde mental. “Aqui no Tribunal só três enfermeiras.

22 Revista do Sindjus Fev/2009 COMO SELECIONAR A TERAPIA CORRETA

Antes de procurar qualquer método Não se esqueça de verificar a qualifica- Nos tratamentos novos e muito alternativo, faça o diagnóstico da do- ção do profissional: onde ele se formou e a diferentes, solicite trabalhos científi- ença com um médico. Só ele tem con- que associações médicas está filiado. cos ou as estatísticas em poder do dições de fazer essa avaliação e dizer médico. Se for um tratamento experi- qual tratamento deverá ser feito. Procure uma clínica com boa reputação mental, o profissional deve propor um e terapeutas diplomados e registrados nos termo de responsabilidade que inclua, Caso procure métodos não-tradi- devidos conselhos profissionais. além dos possíveis efeitos colaterais, cionais para tratar a doença, peça ao a possibilidade de você desistir do profissional para explicar o tratamento: Visite a clínica, assegure-se de que você tratamento no momento que decidir. como será feito, quanto tempo vai aprova a atitude dos profissionais e demorar, se possui efeitos colaterais e funcionários e de que o ambiente é limpo, Fonte: Associação Brasileira de o que você pode esperar dele. alegre e agradável. Medicina Complementar.

Revista do Sindjus Fev 2009 23 ENQUETE Vida ao redor de Brasília

Planejadas por Lucio Costa para funcionar de maneira autônoma, independentes do Plano Piloto, as satélites acabaram se transformando em cidades-dormitório, por conta do desordenado crescimento populacional do DF. Hoje, porém, algumas delas já começaram a retomar o caminho da auto-suficiência e oferecem aos moradores opções de emprego, cultura e lazer. Veja o que alguns servidores que não moram no Plano pensam de suas cidades.

FOTOS: ARTHUR MONTEIRO

Tenho cinco filhos e Vim de São Paulo há Morei na Asa Sul, Águas Claras, Por ser uma cidade nova, nenhum precisa sair de 19 meses e não tive Sudoeste e agora no Guará. o Areal oferece pouca Taguatinga para se dúvidas quanto à cidade Adoro a cidade, não penso em atividade cultural. divertir. Todos adoram que iria escolher: me mudar. A feira é um atrativo Mas já estão sendo a cidade, porque Taguatinga. Toda a gastronômico. Outra atração é construídas quadras de podem escolher à minha família mora lá, a pista de motocross. Os esportes. Gostamos de vontade: tem teatro, meus amigos também. quiosques nas quadras freqüentar o clube Cefis, cinema, comércio, A cidade oferece muita facilitam a interação entre os devido à proximidade. shoppings... Já faz diversão; tem teatro, moradores. Passeio com minha Acho que a tendência é vinte anos que moro lá projetos culturais, filha e adoro o ar de cidade do melhorar, a cidade tem só e não tenho nenhuma shoppings... interior; nem parece que seis anos e está crescendo reclamação. estamos em Brasília. de forma ordenada. Evandro da Cunha Antônio de Oliveira, Menezes, analista Sheila Messerschnidt, Reginaldo Alves Araújo, técnico do STJ do STM analista do STJ técnico do STM

24 Revista do Sindjus Fev/2009 Penso em sair do Guará Tenho três filhos e Minha cidade é Moro na zona rural de por causa do trânsito; escolhi Vicente Pires maravilhosa. Moro no Sobradinho há 36 anos. gasto uma hora até o pela tranqüilidade e Riacho Fundo I há 18 anos Adoro o contato com a meu trabalho; às vezes segurança que o e nem penso em sair. É um natureza e a casa até mais. Mas minha condomínio oferece. Pena pouco distante do trabalho, espaçosa. Meus filhos família e amigos estão que ainda há poucas mas adoro a tranqüilidade podem brincar com todos lá, e isso me deixa áreas de lazer. Mas meus e o clima rural. Cultura e liberdade. Mas a infra- com dúvidas. O comércio filhos estão satisfeitos. diversão ainda são estrutura não está boa, é meio fraco e não há Acredito que logo a atrativos raros, mas mesmo e estamos distantes da shoppings, mas a realidade será modificada; assim meus filhos adoram cidade e do Plano, onde proximidade do Plano realmente acredito na o lugar, e acredito que com há mais vida cultural. resolve isso. minha cidade. o tempo isso vai mudar. Jaqueline Farias Bruna Analhys da Silva, Cláudio Antônio dos João Batista de Souza, Caetano, técnica técnica do TSE Santos, técnico do STM técnico do TSE do MPDFT

Amo a minha satélite, Apesar de ser moradora do Moro em Planaltina desde O Guará está muito moro lá há nove anos e Gama há 19 anos, minha 1972. Adoro as festas próximo do centro de nem penso em sair. Tudo vida está no Plano Piloto, religiosas, como a do Divino e Brasília. Apesar do que preciso eu encontro: porque passo grande parte a Via Sacra, no Morro da trânsito, acredito que seja hipermercado, do dia aqui. Por causa da Capelinha. A cidade tem um uma ótima opção de shoppings, lazer, cinema, distância, devo me mudar lado muito bom: as pessoas moradia. Pena que ainda teatro. Só saio de de lá no final do ano. Vou conversam na porta de casa, tenho que sair de lá para Taguatinga para para Águas Claras. Acho são amigas dos vizinhos. A levar meus filhos ao teatro trabalhar. A região onde que vou sentir muita falta violência é um problema, mas ou cinema. Mas não penso moro também não sofre dos amigos e da família, acho que podemos resolver em me mudar; adoro com a violência; eu me mas, no momento, esta é a isso se trabalharmos com as minha cidade e acho que sinto muito seguro. melhor opção. crianças e adolescentes. ela só vai melhorar.

Willian Gomes Costa, Raquel Ribeiro Teles, Valdimar Pereira da Silva, Carlos César Neves de técnico do MPDFT técnica do TSE técnico do MPDFT Oliveira, técnico do STM

Revista do Sindjus Fev 2009 25 CIDADES SATÉLITES

A cultura e seus

ARTHUR MONTEIRO

26 Revista do Sindjus Fev/2009 Eunice Pinheiro

riadas para abrigar a população removida das primeiras fa- C velas de Brasília, as cidades satélites já nasceram sob o signo da dependência do Plano Piloto. Inauguradas às pressas, antes heróis mesmo da inauguração da nova capital, em 1961 – Taguatinga foi inaugurada em 1958 – as satélites foram entregues com a infra-estrutura muito aquém da projetada por Lúcio Costa. Vira- ram cidades-dormitório, dependentes da economia dos mais ricos Grupos culturais tornam-se que habitavam o Plano Piloto. Hoje, essas cidades têm vida pró- instrumento de inclusão pria. Uma vida que muita gente desconhece. A cultura nas satélites vive. Na verdade, sobrevive aos trancos social, resgate de valores, e barrancos, na base da determinação e persistência. Com muita diminuição da violência, paixão e praticamente sem apoio financeiro, nem público nem privado, os heróicos agentes culturais da periferia vão levando. prevenção ao uso de drogas Exemplo disso são os rappers, com seus milhares de fãs, e os re- e profissionalização de jovens presentantes de tradições populares centenárias, como o Cacuriá Filha Herdeira (foto), o Bumba Meu Boi de Seu Teodoro, o grupo Flor do Cerrado, o Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro e muitos outros. Pesquisar a produção cultural da periferia de Brasília é ver de perto dois mundos diferentes. E como essas diferenças são grandes. O que se produz no Plano Piloto é completamente dife- rente do que é feito em Ceilândia, Planaltina ou Riacho Fundo, por exemplo. No Plano, a cultura leva à diversão, ao lazer. Nas cidades satélites, é um instrumento de inclusão social, de resga- te de valores para a diminuição da violência, de prevenção ao uso de drogas e de profissionalização de jovens. Não há como separar a cultura das ações sociais. "No Lago Sul é possível rock de garagem. Na periferia a garagem não existe; cria-se na rua", diz TT Catalão. Após oito meses como subsecretário de Políticas Culturais, ele pediu demis- são perceber condições objetivas de criar estruturas mais voltadas para a cultura (processo) que para a arte (eventual). "É a tragédia das políticas públicas nas regiões carentes. Queria começar pela valorização das bibliotecas públicas, que são potenciais casas de cultura, embora raras na periferia. A exclusão é cruel e mudar a raiz da exclusão, dentro do Estado, é muito difícil”, afirma.

Quando a realidade atropela os planos

As satélites nasceram antes da ções, começaram a surgir favelas. Como que deveriam ser autônomas em tudo, inauguração de Brasília. Elas estavam o crescimento era muito rápido, ante- inclusive empregos, viraram pratica- previstas no projeto da capital, mas cipou-se a criação das satélites. Essa mente dormitórios. Lúcio Costa imaginava criar uma a população foi levada para lá”, diz a ar- A situação só começou a mudar uma, ao longo dos anos, quando o quiteta Rejane Jung Vianna, mestre em na década de 80, quando Ceilândia, Plano Piloto já estivesse estruturado. desenho urbano pela UnB. Taguatinga e, mais tarde, Samambaia Não se pensou que a construção Ela conta que o objetivo da cria- começaram a se estruturar. Só agora de Brasília fosse atrair tanta gente. Em ção das satélites era abrigar a popu- elas se aproximam da autonomia ima- 1957, eram 12.700 habitantes. Três lação mais pobre que chegasse a ginada por Lúcio Costa. “Não tenho anos depois, 41.700. Em 1970, 538 Brasília.“A idéia já era segregacionis- dúvidas de que, no futuro, essas cida- mil. “Ao lado dos acampamentos do ta; falava-se em proteger o centro”, des estarão totalmente independen- pessoal que trabalhava nas constru- afirma ela. Anos depois, as cidades, tes”, prevê Rejane .

Revista do Sindjus Fev 2009 27 CIDADES SATÉLITES

Capital do rap Enquanto no Plano Piloto e no Lago amento público ou privado. Eles reali- os jovens tocam rock, na periferia os zam oficinas em escolas, igrejas e até rappers arrebanham milhares de fãs. Se- na rua, e compram materiais com dinhei- gundo o produtor musical Rafael Santo- ro do próprio bolso. “Agora, estamos gra- ro, são mais de quinhentos grupos, que fitando os muros das escolas da Ceilân- raramente aparecem nos cadernos de dia. É uma forma de deixá-las mais bo- cultura dos jornais, mas que chegam a nitas e dar mais dignidade e orgulho aos vender cinco mil cópias de um único CD alunos”, explica Satão. nas cidades satélites. X, ex-membro do O Grupo Atitude também trabalha grupo Câmbio Negro, hoje ganha a vida com cultura na Ceilância. Promove rodas como segurança. Nos fins de semana, de leitura, formação para contadores de faz shows e já gravou dois CDs solos. estórias, oficinas de grafite e esportes. Por “Não quero ganhar a vida com música. semana, cerca de trezentas crianças e Canto porque quero que adolescentes passam pelas duas sedes da Populares as pessoas raciocinem so- entidade, na Ceilância Sul e no Setor M bre o que falo. Por isso, im- Norte. “Temos uma rádioweb comunitá- A produção primo poucas cópias”, ria. A programação e a locução são feitas conta. Na época do Câm- pelos meninos. O objetivo é mantê-los brasiliense de rap bio Negro, ele chegou a fora de situações de risco e dar a eles uma só perde para vender oito mil discos. profissão”, conta Sérgio de Cássio Sou- São Paulo. A Hoje imprime apenas dois sa, presidente do Atitude. prensagem é feita mil, mas nunca sobra. O basquete de rua também é uma de forma artesanal Para ter idéia da influ- manifestação cultural forte nas satélites. e a distribuição ência do rap na cultura do A Central Única das Favelas (CUFA) dos CDs é feita DF, a produção brasilien- mantém escolinhas gratuitas para as co- mão-a-mão. se só perde para a de São munidades. Este ano, incluirá Itapoã e Paulo. A prensagem dos Vila Estrutural em projetos com basque-

CDs é feita de forma artesanal, para ba- te, dança de rua, percussão e vídeo. MONTEIRO ARTHUR FOTOS: ratear o produto; com isso, os discos são vendidos por quatro ou cinco reais. A dis- tribuição é feita mão-a-mão. São gru- pos como o Atitude Feminina, de São Se- bastião, Liberdade Condicional, de So- bradinho, Código Penal, de Planaltina, e Voz sem Medo, de Brazlândia, que to- cam nas ruas das satélites. Eles não apenas tocam, mas servem de instrumentos para reunir jovens em torno de projetos sociais. A cultura hip hop possui diversos elementos: dança de rua (ou break), grafite, MCs (ou rappers) e DJs. Alguns grupos promovem oficinas de dança, grafite, música e locução. “O objetivo é prevenir ou retirar o adolescente da marginalidade, mostrar que há outros caminhos. É fazer com que ele pense e escolha uma vida digna”, explica Gilmar Cristiano, o Satão, da ONG DF Zulu Break, na Ceilândia Sul. O único apoio com que o grupo conta é o da própria comunidade; não há financi- Grupos BsB Girls (de vermelho) e Atitude Feminina: mensagens sociais

28 Revista do Sindjus Fev/2009 DF Zulu Break: oficinas em escolas, igrejas ou na rua, com dinheiro do próprio bolso

Cine Periferia Criativa As cidades satélites também conso- guatinga Sul. O mercado, que esteve mem e produzem cinema. Além da pro- abandonado por muitos anos, agora ser- gramação comercial, algumas comuni- ve de moradia para cerca de cinquenta dades contam com esquemas alternati- pessoas. É lá, na loja 3, que elas se reú- vos. A CUFA criou o Cine Periferia Cria- nem para produzir vídeos, geralmente tiva, que roda as cidades projetando fil- com temas sociais, e assistir filmes. mes brasileiros em telões na rua. No ano “Já fizemos documentários sobre as passado, cerca de três mil pessoas as- comunidades de Cavalcante e aldeias de sistiram aos filmes. Paralelamente às índios. É uma criação livre, porque acre- apresentações, numa parceria com o ditamos na liberdade do pensamento”, SESC, foram montadas oficinas de dire- explica André Duarte, diretor do Cine Clu- ção e vídeo com adolescentes. O resul- be. Os vídeos são vendidos, o que gera tado foi o filme Olhos Verdes, Coração recursos para continuar o trabalho. Além Negro, sobre a rodoviária de Brasília, e disso, a comunidade cria móveis e obje- a criação da Cara Dura Produções, mon- tos de decoração artesanais, utilizando tada pelos garotos. sacos de cimento e papelão como maté- Num esquema ainda mais modesto, rias-primas. O Mutirô mantém ainda uma o Cine Clube Mutirô mobiliza a comu- pequena biblioteca e uma videoteca para nidade que vive no Mercado Sul, em Ta- atender à comunidade.

Revista do Sindjus Fev 2009 29 CIDADES SATÉLITES

Tradições populares O hip hop é predominante nas comunidades de periferia, mas, pa- ralelo a ele, o folclore permanece movendo a cultura local. Cristiano Olímpio Silva, filho de Dona Elizene, é um dos que trabalham muito para manter a chama acesa pela mãe. O Cacuriá Filha Herdeira foi criado por dona Elizene ainda em São Luiz do Maranhão, há mais de cinquenta anos. É uma mistura de danças ma- ranhenses com canções entoadas pelas lavadeiras de beira de rio e quebradeiras de côco babaçu. Encan- tada com tudo aquilo, Elizene trou- xe na memória a paixão pela dança, ao se mudar para Brasília. Aqui, encontrou Seu Teodoro, em Sobradinho, com o grupo de Bumba Meu Boi. Nasceu aí a parceria que du- rou ate´ a morte de Elizene, há sete meses. “Continuo mantendo o que mi- nha mãe plantou. Mas confesso que só não desisti por causa dela. Tenho que manter a tradição”, afirma Cristi- ano. Para ele, 2009 será a última apos- ta. Se as coisas não melhorarem, vai voltar para o Maranhão e levar junto o Cacuriá Filha Herdeira. Elizene, a filha herdeira que deu Ankomárcio (segundo a dir.): nome ao grupo, criou também o gru- “Investir em arte é muito mais barato que investir em po Flor do Cerrado, formado por me- segurança pública” ninas de São Sebastião. As apresen- MONTEIRO ARTHUR tações desse grupo, do Cacuriá e do grupo de Seu Teodoro acontecem du- rante as festas de Brasília. Em 2008, para a subsistência do grupo. senta nas praças, feiras e festas po- foram mais de cinquenta apresenta- O grupo Seu Estrelo e o Fuá do pulares. Para sobreviver, criam instru- ções. Fora isso, os ensaios também Terreiro é outro que leva a arte a du- mentos musicais, brinquedos, bonecos são uma festa. Geralmente aconte- ras penas. Mas resiste. Juntou tradi- e os vendem durante as apresentações. cem às quintas e sábados e reúnem ções culturais de diversos estados e “Mas não é fácil. Não temos financia- as comunidades de Sobradinho I e II. criou uma manifestação própria de mento, não temos cachê. É tudo por Mas tudo isso corre o risco de aca- Brasília. O Calango Voador é uma amor a arte”, explica Danielle Freitas, bar, se não houver um apoio mínimo delas. Há cinco anos, o grupo se apre- uma das brincantes do grupo.

30 Revista do Sindjus Fev/2009 Escola de circo forma atores e multiplicadores

Formar profissionais de circo e atores discutem e produzem textos, atuam e ba- da mais a arte do circo e dar uma ocupa- de teatro é o trabalho do Artitude Centro talham para manter a arte viva. ção remunerada às pessoas da comuni- Cultural, com sede no Riacho Fundo. Anko- Em 2008, com o suporte financeiro do dade. As aulas acontecem ao ar livre, nas márcio Saúde, que dirige o Artitude, leva o Fundo de Arte e Cultura (FAC), o grupo con- praças. Mas, quando chove, é necessário trabalho para outras comunidades, como seguiu montar a oficina Jogando no Pica- buscar ginásios e escolas. Taquari, Canegai, Vila Cauy, Varjão, Recan- deiro, que mistura a arte circense com a “Investir em arte é muito mais bara- to das Emas, Santa Maria, Ceilândia e Sa- capoeira do Mestre Cobra. Juntos, aten- to que investir em segurança pública. As mambaia. O Artitude se instala em qualquer dem atualmente duzentas crianças. “Nos- autoridades precisam entender que a lugar onde o velho ônibus amarelo da Tru- so objetivo é escolher os trinta melhores prevenção está aqui, com esses meni- pe do Circo possa estacionar. Nesses locais alunos e transformá-los em multiplicado- nos que montam peças e fazem arte”, são formados grupos de teatro amador, que res. Com isso, poderemos disseminar ain- afirma Ankomárcio.

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