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Brasil, a construção LINE interrompida ON- Revista do Instituto Humanitas IHUNº 439 - Ano XIV - 31/03/2014 ISSN 1981-8769 (impresso) ISSN 1981-8793 (online) Imagem: Golpe de 1964 em Porto Alegre/ Imagem: Golpe de 1964 em Porto Acervo Iconographia - Biblioteca Nacional

Jair Krischke: José C. Moreira: Alexandre Rocha: O regime militar é a “Não há tema mais atual do A invenção interrompida da trajetória da mentira que a memória” cultura da diversidade

Charles Camosy: Bernardo Kucinski: Marcus Mello: O domínio sobre K. em busca da verdade. Livro Noite e nevoeiro: os animais na ética reúne realidade e ficção para “Um alerta para as cristã histórica revisitar os anos de chumbo futuras gerações” E MAIS Brasil, a construção interrompida Impactos e consequências do golpe de 1964

ão há tema mais duação em Ciências Criminais da Pon- festações culturais brasileiras antes e

Editorial atual do que a me- tifícia Universidade Católica do Rio depois do Golpe — uma força ativa e mória”, afirma o Grande do Sul - PUCRS e vice-presi- criativa combatida pelos militares. “Npesquisador José dente da Comissão de Anistia, analisa A historiadora Claudia Wasser- Carlos Moreira. “Entender o passado as relações entre empresários e mili- man, também professora da UFRGS, como morto é o caminho mais rápido tares e o favorecimento aos simpati- analisa a Campanha da Legalidade e para eliminarmos nosso futuro”, des- zantes do regime com financiamentos o seu legado para a sociedade brasi- taca ele em entrevista publicada nesta e contratos públicos. Juremir Macha- leira. Por fim, o documentarista Paulo edição. O direito à memória e ao não do, jornalista, historiador e professor Fontenelle, diretor de Dossiê Jango esquecimento são as principais razões da PUCRS, descreve a relevância do (2012), defende que não investigar o para a IHU On-Line publicar este se- papel da mídia na legitimação do re- falecimento do ex-presidente é fechar gundo volume sobre os 50 anos do gime golpista. os olhos para nossa própria história. Golpe Civil-Militar. As duas edições Marco Aurélio Santana, soció- Complementam esta edição en- inserem-se no contexto do ciclo de logo e professor da Universidade Fe- trevistas com o crítico de cinemaMar - estudos 50 anos do Golpe de 64. Im- deral do - UFRJ, retrata cus Mello, sobre a obra do cineasta pactos, (des)caminhos, processos, as dificuldades e conquistas dos mo- francês Alain Resnais, especialmente promovido pelo Instituo Humanitas vimentos sindicais antes e depois de o filme Noite e Nevoeiro (1955); com Unisinos - IHU. 1964. Fábio Pires Gavião, historiador o jornalista e escritor Bernardo Ku- Ricardo Ismael de Carvalho, di- e coordenador da licenciatura em cinski, sobre seu livro com inspiração retor do Centro Internacional Celso História da Universidade Anhanguera Furtado de Políticas para o Desenvol- de São Paulo, aborda a constituição autobiográfica K. Relato de uma bus- vimento, analisa o golpe de Estado dos movimentos sociais católicos de ca (São Paulo: Cosac Naify, 2014); e, a partir da perspectiva da produção esquerda no contexto do golpe civil- finalmente, com o teólogoCharles Ca- intelectual de Furtado, um dos mais militar de 1964. mosy, professor da Universidade de importantes economistas brasileiros. Antônio Cechin, irmão marista, Fordham (Estados Unidos), sobre a re- Jair Krischke, ativista dos direitos hu- preso e torturado durante o regime, lação do ser humano com os animais manos, ressalta a trajetória de men- aponta que grande parte da Igreja Ca- na perspectiva da ética cristã. Integra tiras que marcou todo o histórico do tólica apoiou o golpe. No entanto, gru- o material, também, uma matéria es- regime militar no Brasil e suas reper- pos minoritários alinhados ao Concílio pecial sobre o Cadernos IHU ideias nº cussões na América Latina, analisando Vaticano II tornaram-se importantes 205, intituladoCompreensão histórica as origens do pensamento militar bra- grupos de resistência. Já Alexandre do regime empresarial-militar brasi- sileiro que levou ao golpe de Estado. Rocha, jornalista e professor da Uni- leiro, de Fábio Konder Comparato. José Carlos Moreira, professor e versidade Federal do Rio Grande do A todas e a todos uma boa leitura pesquisador do Programa de Pós-Gra- Sul - UFRGS, resgata a força das mani- e uma excelente semana!

Instituto Humanitas REDAÇÃO Colaboração: César Sanson, Unisinos André Langer e Darli Sampaio, IHU Diretor de redação: Inácio do Centro de Pesquisa e Apoio Neutzling ([email protected]). aos Trabalhadores – CEPAT, de Endereço: Av. Redação: Inácio Neutzling, IHU On-Line é a revista Curitiba-PR. Unisinos, 950, semanal do Instituto Andriolli Costa MTB 896/MS Projeto gráfico: Agência São Leopoldo/RS. Humanitas Unisinos – IHU ([email protected]), Experimental de Comunicação CEP: 93022-000 ISSN 1981-8769. Luciano Gallas MTB 9660 ([email protected]), da Unisinos – Agexcom. Telefone: 51 3591 1122 – ramal 4128. IHU On-Line pode ser Márcia Junges MTB 9447 Editoração: Rafael Tarcísio E-mail: [email protected]. acessada às segundas-feiras, ([email protected]), Forneck no sítio www.ihu.unisinos.br. Patrícia Fachin MTB 13.062 Atualização diária do sítio: ([email protected]) e Inácio Neutzling, Patrícia Fachin, Diretor: Prof. Dr. Inácio Neutzling. Sua versão impressa circula às www.ihu.unisinos.br Ricardo Machado MTB 15.598 Fernando Dupont, Juliete Rosy Gerente Administrativo: Jacinto terças-feiras, a partir das 8h, ([email protected]). de Souza, Suélen Farias e Julian Schneider ([email protected]). na Unisinos. Revisão: Carla Bigliardi Kober

2 Índice LEIA NESTA EDIÇÃO

TEMA DE CAPA | Entrevistas 5 Ricardo Ismael – Brasil, a construção interrompida 11 Jair Krischke – Regime militar: A trajetória da mentira 18 José Carlos Moreira – “Não há tema mais atual do que a memória” 25 Juremir Machado – A imprensa prepara para o golpe 27 Marco Aurélio Santana – Retração e reação - Os movimentos sindicais no contexto pré- Golpe 30 Fabio Gavião – Igreja e movimentos sociais – Da legalidade à clandestinidade 36 Antonio Cechin – Igreja, entre o apoio e a resistência ao golpe de 1964 42 Alexandre Rocha – A invenção interrompida de uma cultura da diversidade 50 Claudia Wasserman – Conquistas e derrotas da Campanha da Legalidade 53 Paulo Fontenelle – Dossiê Jango – Vida e morte de controvérsias 56 Baú da IHU On-Line

DESTAQUES DA SEMANA 58 Destaques On-Line 59 Marcus Mello – Noite e nevoeiro: “Um alerta para as futuras gerações” 62 Bernardo Kucisnki – K. em busca da verdade 65 Charles Camosy – “Os animais são nossos companheiros, não nosso alimento”

IHU EM REVISTA 68 Agenda de Eventos 69 Especial – Fábio Konder Comparato - A memória do regime empresarial-militar brasileiro www.ihu.unisinos.br 70 Publicação em Destaque – Cadernos Teologia Pública: O lugar da mulher nos escritos de Paulo 71 Retrovisor

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3 Tema de Capa

Destaques da Semana

IHU em Revista www.ihu.unisinos.br

4 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000 Brasil, a construção interrompida Tema de Capa

Ricardo Ismael de Carvalho lança luz sobre o golpe de Estado brasileiro, em 1964, desde a perspectiva da produção intelectual do economista

Por Ricardo Machado e Andriolli Costa

evidente que o golpe é um desfecho queria um capitalismo regulado, cuja inspiração é trágico para uma geração que sonhou o Estado de bem-estar social. (...) Ele deseja um “É com um Brasil que se modernizasse na capitalismo que garanta emprego, educação, saú- economia, mas que também avançasse no pon- de e previdência, que são os pilares clássicos do to de vista democrático e social. É uma geração Estado de bem-estar social”, complementa. impedida de levar a cabo um projeto concebido Ricardo Ismael de Carvalho é graduado em por tantos anos. (...) O livro [Brasil, a Constru- Engenharia Elétrica pela Universidade Federal ção Interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, de Pernambuco – UFPE. Trabalhou na Compa- 1992], portanto, tenta resgatar uma bandeira nhia Hidro Elétrica do São Francisco, empresa que foi muito carregada por Celso Furtado e sua integrante do grupo Eletrobrás, no período de geração: a ideia de retomar a construção de um 1984 a 1992, na qual foi também membro elei- Brasil economicamente moderno e forte, demo- to da Comissão Sindical do Sindicato dos Urba- crático e socialmente justo. Essa é a construção nitários de Pernambuco. Em 1992 iniciou uma interrompida”, esclarece o professor e diretor do transição profissional e concluiu o mestrado Centro Internacional Celso Furtado de Políticas em Ciência Política pelo Instituto Universitário para o Desenvolvimento, Ricardo Ismael de Car- de Pesquisas do Rio de Janeiro – Iuperj, onde valho, em entrevista concedida por telefone à também se doutorou em Ciência Política, em IHU On-Line. 2001. Realizou pós-doutorado no Centro de Es- Poucos anos após a reabertura democrática tudos da Metrópole – CEM, em São Paulo, em do Brasil, Celso Furtado tenta diagnosticar a situ- 2013. Atualmente é professor e pesquisador do ação político-econômica nacional da época, mas Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia a interpreta a partir dos impactos gerados pelo Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC- Golpe Civil-Militar de 1964, embora o contexto -Rio, onde leciona desde 1995, e diretor do Cen- globalizante da década de 1990 impunha novos tro Internacional Celso Furtado de Políticas para desafios. “O livro Brasil: a construção interrom- o Desenvolvimento. pida vem em um momento de muita inquietação As obras de Celso Furtado continuam a ser intelectual de Celso Furtado, em um contexto editadas permanentemente nesses dez anos histórico marcado pela redemocratização e crise desde a morte dele. O ano passado foi o livro econômica no Brasil, tendo como pano de fundo Essencial Celso Furtado (São Paulo: Companhia a lógica da globalização. A partir dos anos 1990, das Letras/Penguin, 2013), seleção de textos de depois da Constituição de 1988, o desafio nacio- sua autoria, tanto de economia como de política, nal é diferente daquele dos anos 1950, marcado cultura e ciência. Este ano está previsto o lança- www.ihu.unisinos.br pela Guerra Fria e pela busca por industrialização. mento do título Obra autobiográfica (São Paulo: Os desafios são outros: que o país fosse capaz de Companhia das Letras, 2014) e, também, Anos de manter a unidade federativa em um mundo onde, Formação: 1938-1948 – o jornalismo, o serviço muitas vezes, os vínculos de um estado brasileiro público, a guerra, o doutorado. Todas as obras fo- com o exterior são maiores do que internamente ram organizadas por Rosa Freire d’Aguiar, esposa com os demais estados”, destaca Carvalho. “Fur- de Celso Furtado. tado era um reformista, e sem dúvida nenhuma, Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a importân- Ricardo Ismael de Carvalho – tado1: olhar o país como um Estado- cia da obra Brasil, a Construção Inter- A primeira edição do livro “Brasil: a rompida para entendermos a história construção interrompida” foi publi- 1 Celso Furtado (1920-2004): economista político-econômica do Brasil após o cada em 1992. A obra retoma uma brasileiro, membro do corpo permanen- te de economistas da ONU. Foi diretor Golpe de 1964? preocupação constante de Celso Fur- do Banco Nacional de Desenvolvimento

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 5 nação em formação, cujo grande Juscelino Kubitschek3, durante o pro- bem-estar social como educação, saú- desafio é definir um projeto de - cesso de industrialização brasileiro. de, previdência, etc. senvolvimento que consiga integrar Naquele período, seguindo as os interesses muitas vezes contra- ideias da Comissão Econômica para IHU On-Line – Em que altura ditórios e divergentes dos Estados a América Latina e o Caribe – Cepal, de sua produção intelectual, Cel- que formam a federação. Em 1999, havia o objetivo de redefinir o papel so Furtado escreve A construção entrevistando Furtado em seu apar- do Brasil na divisão internacional do interrompida? tamento em Copacabana, na cidade trabalho. Assim, ao invés de ser um Ricardo Ismael de Carvalho – A do Rio de Janeiro, ele lembrava que mero exportador de matéria-prima, trajetória de vida Celso Furtado pode a integração nacional não vinha do o Brasil passaria a integrar o clube de ser dividida em algumas fases, e que futebol ou do carnaval, mas de um países industrializados. A industriali- de certa forma se reflete na sua pro- projeto que articule os diferentes zação, que já havia sido implementa- dução bibliográfica. Existe um período interesses econômicos no país. Para da no Sul e Sudeste do país, seria leva- muito rico que será alimentado pelos ele, a última vez que havíamos visto da pelo próprio Celso Furtado para o seus estudos sobre a Europa do pós- algo assim foi nos Governos Vargas2 e Nordeste a partir de 1959, com a cria- guerra, pela sua passagem na Cepal 4 Tema de Capa de Tema ção da . Iniciativas semelhan- e por sua participação nos Governos tes aconteceram também no Norte e JK, Jânio Quadros5 e João Goulart6. no Centro-Oeste. No período que antecede o Golpe Econômico e da Superintendência do De- O projeto nacional, resumida- de 1964, Furtado esteve fortemente senvolvimento do Nordeste e membro da mente, era visto por Celso Furtado envolvido com diagnósticos sobre a Academia Brasileira de Letras. Algumas baseado no seguinte tripé: a defesa realidade brasileira e os instrumentos de suas obras são A economia brasileira (1954) e Formação econômica do Brasil dos interesses nacionais, para não se de ação sobre a mesma. Procura pen- (1959), apresentado pelo Prof. Dr. André deixar subordinar pelo capitalismo sar sobre os desafios do processo de Moreira Cunha (UFRGS) em 11-09-2003 no dos países Desenvolvidos; um viés industrialização – inclusive levando-o evento Ciclo de Estudos sobre o Brasil. A editoria Entrevista da Semana da revista federativo, pois ele sabia que em um para o Nordeste, via Sudene. Depois, IHU On-Line edição 155ª, de 12-09- 2005 país continental como o nosso, o cres- durante o Governo Goulart, tornou-se repercutiu a criação do Centro Interna- cimento deveria ser de todos e, por cional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, na Finlândia, com en- fim, que esta pujança e crescimento 5 Jânio da Silva Quadros (1917–1992): trevistas a diversos especialistas. Confira econômico se transformasse também político e o vigésimo segundo presiden- em http://migre.me/BhSp. (Nota da IHU em bem-estar social. Ou seja, é pre- te do Brasil, entre 31 de janeiro de 1961 On-Line) e 25 de agosto de 1961 – data em que 2 Getúlio Vargas [Getúlio Dornelles ciso que o crescimento seja traduzido renunciou. Em 1985 elegeu-se prefeito Vargas] (1882-1954): político gaúcho, em redução da desigualdade de ren- de São Paulo pelo PTB. (Nota da IHU On- nascido em São Borja. Foi presidente da da, no combate à pobreza e no avan- Line) República nos seguintes períodos: 1930 a 6 João Belchior Marques Goulart ou 1934 (Governo Provisório), 1934 a 1937 ço das políticas clássicas do Estado de Jango (1919-1976): presidente do Brasil (Governo Constitucional), 1937 a 1945 de 1961 a 1964, tendo sido também vice- (Regime de Exceção) e de 1951 a 1954 -presidente, de 1956 a 1961 – em 1955, (Governo eleito popularmente). Sobre 3 de Oliveira foi eleito com mais votos que o próprio Getúlio Vargas, o IHU promoveu o Se- (1902-1976): médico e político brasilei- presidente, Juscelino Kubitschek. Seu minário Nacional A Era Vargas em Ques- ro, conhecido como JK. Foi presidente governo é usualmente dividido em duas tão – 1954-2004, realizado de 23 a 25 de do Brasil entre 1956 e 1961, sendo o res- fases: fase parlamentarista (da posse, em agosto de 2004. Em paralelo ao evento, ponsável pela construção de Brasília, a janeiro de 1961, a janeiro de 1963) e fase foi organizada a exposição Eu Getúlio, nova capital federal. Juscelino instituiu o presidencialista (de janeiro de 1963 ao Ele Getúlio, Nós Getúlios no Espaço Cul- plano de governo baseado no slogan “Cin- golpe militar de 1964). Jango fora ainda tural do IHU. A IHU On-Line dedicou duas quenta anos em cinco”, direcionado para ministro do Trabalho entre 1953 e 1954, edições ao tema Vargas, a 111, de 16-08- a rápida industrialização do país (espe- durante o governo de Getúlio Vargas. Foi 2004, intitulada A Era Vargas em Questão cialmente via indústria automobilística). deposto pelo golpe militar do dia 1º de – 1954-2004, disponível em http://bit.ly/ Além do progresso econômico, no entan- abril de 1964 e morreu no exílio. Confira ihuon111, e a 112, de 23-08-2004, cha- to, houve também um grande aumento a entrevista “Jango era um conservador mada Getúlio, disponível em http://bit. da dívida pública. Sobre JK, confira a reformista”, com Flavio Tavares, de 19- ly/ihuon112. Na edição 114, de 06-09- edição 166, de 28-11-2005, A imaginação 12-2006, em http://bit.ly/ihu191206; 2004, em http://bit.ly/ihuon114, Daniel no poder. JK, 50 anos depois, disponível João Goulart e um projeto de nação in- Aarão Reis Filho concedeu a entrevista O em http://bit.ly/ihuon166. (Nota da IHU terrompido, com Oswaldo Munteal, de desafio da esquerda: articular os valores On-Line) 27-08-2007, em http://bit.ly/ihu270807. democráticos com a tradição estatista- 4 Superintendência do Desenvolvimen- Confira também as entrevistas com Lucí- -desenvolvimentista, que também abor- to do Nordeste (Sudene): entidade de lia de Almeida Neves Delgado, intituladas dou aspectos do político gaúcho. Em fomento econômico desenvolvimentista O Jango da memória e o Jango da Histó- 26-08-2004, Juremir Machado da Silva, brasileira, destinada a promover soluções ria, publicada na edição 371 da IHU On- da PUC-RS, apresentou o IHU Ideias Ge- socioeconômicas à Região Nordeste do -Line, de 29-08-2011, em http://bit.ly/ túlio, 50 anos depois. O evento gerou a Brasil, periodicamente afetada por estia- ihuon371 e ‘’Dúvidas sobre a morte de publicação do número 30 dos Cadernos gens e com populações com baixo poder Jango só aumentam’’, de 05-08-2013, IHU Ideias, chamado Getúlio, romance aquisitivo e pouca instrução educacio- em http://bit.ly/ihu050813. Veja ainda ou biografia?, disponível em http://bit. nal. Sua sede está localizada na cidade “João Goulart foi, antes de tudo, um ly/ihuid30. Ainda a primeira edição dos do Recife, no estado de Pernambuco. Foi herói”, com Juremir Machado, de 26- Cadernos IHU em formação, publicada criada pela Lei 3.692, de 1959, e ideali- 08-2013, em http://bit.ly/ihu260813 e www.ihu.unisinos.br pelo IHU em 2004, era dedicada ao tema, zada no governo do presidente Juscelino Comício da Central do Brasil: a propos- recebendo o título Populismo e Trabalho. Kubitscheck, tendo à frente o economista ta era modificar as estruturas sociais e Getúlio Vargas e , disponí- Celso Furtado, como parte do programa econômicas do país, com João Vicente vel em http://bit.ly/ihuem01. (Nota da desenvolvimentista então adotado. (Nota Goulart, de 13-03-2014, em http://bit. IHU On-Line) da IHU On-Line) ly/ihu130314. (Nota da IHU On-Line)

6 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 Ministro do Planejamento, tentando IHU On-Line – De que maneira a apesar de ter sido a primeira eleição Tema de Capa contribuir para o avanço da agenda interrupção do Plano Trienal propos- direta, foi um governo que deixou reformista. Os tempos de sua forma- to por Celso Furtado torna-se um dos um legado de muita frustração, e ção como economista, a experiência principais entraves à continuidade de que terminou em um impeachment. no setor público e os antecedentes do um modelo de país discutido no livro Enfim, quando ele escreve este livro, regime autoritário estão registrados A Construção Interrompida? preocupa-se muito com a tendência em suas obras autobiográficas: A fan- Ricardo Ismael de Carvalho – dominante de abandonar a ideia do tasia organizada (Rio de Janeiro: Terra Celso Furtado faz parte de uma ge- mercado interno como motor do cres- e Paz, 1985), A fantasia desfeita (Rio ração que sofreu muito com o golpe cimento. Além disso, denuncia que a de Janeiro: Terra e Paz, 1989) e Os militar de 1964. Existe um livro dele lógica da globalização pode levar ao ares do mundo (Rio de Janeiro: Terra chamado A pré-revolução brasileira enfraquecimento da interdependên- e Paz, 1992). (Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, cia das regiões brasileiras, reduzindo Entre suas obras econômicas mais 1962) que procura descrever a natu- os vínculos de solidariedade entre as relevantes podemos destacar: Forma- reza do conflito em curso. Naquele mesmas. Finalmente, discorda forte- ção econômica do Brasil (Rio de Janei- ambiente do Governo Goulart, tínha- mente do predomínio da lógica das ro: Fundo de Cultura, 1959), Desen- mos de um lado forças conservadoras, empresas transnacionais na ordena- volvimento e subdesenvolvimento (Rio que terminaram dando o golpe, e do ção das atividades econômicas, pois de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961) e outro forças no campo da esquerda, seria negar definitivamente a possi- O mito do desenvolvimento econômi- que achavam que as reformas de base bilidade de um projeto nacional que co (Rio de Janeiro: Terra e Paz, 1974). eram insuficientes. articulasse os interesses dos estados Celso Furtado sempre foi um e das regiões brasileiras. Construção Interrompida pensador reformista, e tentava con- O livro, portanto, tenta resgatar O livro Brasil: a construção in- vencer a todos que se aquelas refor- uma bandeira que foi muito carrega- terrompida vem em um momento de mas fossem implementadas, e tives- da por Celso Furtado e sua geração: a muita inquietação intelectual de Cel- sem o apoio da esquerda e de outros ideia de retomar a construção de um so Furtado, em um contexto histórico setores políticos, já representariam Brasil economicamente moderno e marcado pela redemocratização e crise um grande avanço para o país naquele forte, democrático e socialmente jus- econômica no Brasil, tendo como pano momento. De certa forma ele sente o to. Essa é a construção interrompida. de fundo a lógica da globalização. A fracasso de não ter conseguido vencer partir dos anos 1990, depois da Cons- as armadilhas daquele contexto, que IHU On-Line – A partir da cria- tituição de 1988, o desafio nacional é resultaram no golpe militar. É eviden- ção das ligas camponesas e demais diferente daquele dos anos 1950, mar- te que o golpe é um desfecho trágico movimentos de protagonismo social, cado pela Guerra Fria e pela busca por (e está aí o livro A fantasia desfeita), o Nordeste exerce importe papel no industrialização. Os desafios são ou- para uma geração que sonhou com pré-golpe. De que forma a supressão tros: que o país fosse capaz de manter um Brasil que se modernizasse na desse protagonismo pelos militares a unidade federativa em um mundo economia, mas que também avanças- afetou a região? onde, muitas vezes, os vínculos de um se no ponto de vista democrático e Ricardo Ismael de Carvalho – De estado brasileiro com o exterior são social. É uma geração impedida de le- fato há um ponto muito importante maiores do que internamente com os var a cabo um projeto concebido por na sua pergunta. O Nordeste talvez demais estados. O desafio do Brasil nos tantos anos. seja o grande exemplo do subdesen- anos 1990 era encontrar um caminho, Em Brasil: a construção interrom- volvimento brasileiro. O país acabou por onde pudesse continuar fortale- pida, Furtado estava consciente que gerando um sistema híbrido, onde cendo e modernizando sua economia, não podia voltar ao Brasil dos anos havia uma indústria moderna convi- e enfrentando a desigualdade social e 1950, ao Brasil que antecedeu o golpe. a pobreza. O mundo mudou. Havia necessidade www.ihu.unisinos.br de 1990 a 1992, e senador por Alagoas de A preocupação de Furtado pode da indústria e da economia respon- 2007 até a atualidade. Foi o presidente ser assim apresentada: como estabe- derem de outra maneira aos desafios mais jovem da história do Brasil e o pre- lecer um novo projeto nacional que que se apresentavam. Na medida em sidente eleito por voto direto do povo, após o Regime Militar (1964/1985). Seu consiga integrar os diferentes interes- que a globalização chegou com muita governo foi marcado pela implementação ses dos estados brasileiros no contex- intensidade, ele via as elites políticas do Plano Collor e a abertura do mercado to da globalização e que possa levar o e econômicas despreparadas para en- nacional às importações e pelo início de um programa nacional de desestatiza- Brasil a se tornar efetivamente desen- frentar os novos desafios. ção. Seu Plano, que no início teve uma volvido. Não apenas desenvolvido do Furtado escreveu esse livro ain- boa aceitação, acabou por aprofundar a ponto de vista econômico, mas prin- da durante o governo Collor7, que, recessão econômica, corroborada pela extinção, em 1990, de mais de 920 mil cipalmente do ponto de vista social. postos de trabalho e uma inflação na casa E esse projeto ainda hoje está por se dos 1200% ao ano; junto a isso, denún- fazer, não tem uma conclusão. Ainda 7 Fernando Affonso Collor de Mello cias de corrupção política envolvendo o (1949): político, jornalista, economista, tesoureiro de Collor, Paulo César Farias, hoje o Brasil, de certa maneira, luta e empresário e escritor brasileiro, prefeito feitas por Pedro Collor de Mello, irmão tenta estimular a imaginação de seus de Maceió de 1979 a 1982, governador de de Fernando Collor, culminaram com um grandes pensadores nessa direção. Alagoas de 1987 a 1989, deputado federal processo de impugnação de mandato (Im- de 1982 a 1986, 32º presidente do Brasil, peachment). (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 7 vendo com outra economia baseada A tentativa de integrar o Nordes- que precisava ser pensada em uma na exportação de matérias primas e te à economia dinâmica do Sudeste, perspectiva de longo prazo. uma terceira baseada na agricultura de fazer com que as relações se mo- de subsistência – essa sempre muito dernizassem, de desenvolver no se- IHU On-Line – A supressão da frágil. Quando Celso Furtado lidera miárido nordestino uma economia Sudene foi um duro golpe a um de- a criação da Sudene, em 1959, ele mais forte e sólida, que não deixasse senvolvimento de Brasil que se pro- pretendia levar esse ímpeto de indus- as pessoas na penúria, eram certa- punha mais múltiplo e menos - con trialização para o Nordeste. Mas ele mente desafios muito grandes. O Nor- centrador de renda? Que impactos sabia que precisaria enfrentar uma deste teve muitas lideranças, em vá- isso gerou nas décadas seguintes e estrutura social e econômica bastan- rios campos. Podemos citar o próprio que ainda hoje podem ser vistos em te difícil – talvez o fato principal que Paulo Freire10 com a sua Pedagogia do nossa sociedade? reproduzia esse subdesenvolvimento. Oprimido, o então governador Miguel Ricardo Ismael de Carvalho – As terras férteis do Nordeste eram na Arraes11, o líder comunista Gregório Tem que se observar a questão como área litorânea, sendo ocupadas pela Bezerra12, e tantos outros. O Golpe um todo. Na época a região já tinha monocultura da cana, que por sua vez de 1964 vai abortar um esforço que o Departamento Nacional de Obras

Tema de Capa de Tema era controlada por grandes senhores estava começando a surgir, na tenta- contra seca – Denocs, o Banco do de engenhos, com uma mão de obra tiva de diminuir a distância do desen- Nordeste, a Companhia de Desenvol- que só tinha emprego durante a épo- volvimento dessa região em relação vimento dos Vales do São Francisco ca da safra. ao Sudeste industrializado. Isto por- e Parnaíba – Codevasf e também a Na experiência da Sudene, Furta- que uma coisa é você levar indústria Sudene. Ou seja, estas instituições re- do observa que a relação capital-traba- para onde já existem indústrias, outra gionais federais tentavam atuar para lho moderna ainda não tinha chegado é levar para onde ainda não se tem impulsionar o desenvolvimento da no Nordeste. No Nordeste rural, como nada, pois falta infraestrutura, estra- região. Para esse desenvolvimento é no Brasil rural, não havia sindicatos. da, portos, aeroportos, qualificação necessário que o governo federal tra- Por isso a experiência de Francisco Ju- de recursos humanos. Isto é, trata-se duza esse esforço em investimentos. lião8, com as Ligas Camponesas9, era de uma região muito dependente dos Diria mais, é preciso que a União in- importante. E não tinha nada a ver investimentos do governo federal, e vista no Nordeste e convença as ou- com comunismo. Era uma tentativa de tras regiões mais desenvolvidas de organizar os trabalhadores para alme- que é preciso um tratamento diferen- jar a conquista de direitos básicos den- 10 (1921-1997): educador ciado ao Nordeste, pois é a economia brasileiro. Como diretor do Serviço de tro do próprio capitalismo. Exatamente Extensão Cultural da Universidade de mais dependente de investimentos por isso o projeto da Sudene teria que Recife, obteve sucesso em programas públicos e uma economia que tem ser pensado a longo prazo, mas foi de alfabetização, depois adotados pelo um atraso muito grande no setor da governo federal (1963). Esteve exilado abortado muito precocemente. Celso entre 1964 e 1971 e fundou o Instituto educação, de infraestrutura, que tem Furtado inaugura a nova instituição re- de Ação Cultural em Genebra, Suíça. Foi algumas áreas – como o caso do se- gional em dezembro de 1959 e sai em também professor da Unicamp (1979) e miárido – que são muito problemáti- secretário de Educação da prefeitura de maio de 1964. São Paulo (1989-1993). É autor de A Pe- cas. Problemas que são antigos e de dagogia do Oprimido, entre outras obras. difícil solução. Portanto, a prioridade A edição 223 da revista IHU On-Line, de é necessária. 8 Francisco Julião (1915-1999): advoga- 11-06-2007, teve como título Paulo Frei- do brasileiro que defendeu, a partir da re: pedagogo da esperança e está dispo- Desse modo, Celso Furtado reu- década de 50, as causas dos camponeses nível em http://bit.ly/ihuon223. (Nota niu na Sudene uma gama de pensado- organizados, pressionados através de sub- da IHU On-Line) res para fazer um diagnóstico preciso terfúgios da lei pelos senhores de terra 11 Miguel Arraes: político cearense com que tentavam desarticular a organização atuação marcante em Pernambuco, nas- para a questão do Nordeste. Isso por- de ligas camponesas e expulsar de suas ceu em 1917. Foi deputado estadual que na época não existiam universida- terras os moradores do Engenho Galileia. pelo Partido Social Democrático (PSD). des e programas de pós-graduação, ou Para ampliar seu campo de luta, ingressou Elegeu-se prefeito de Recife em 1959, na tribuna política e elegeu-se Deputa- pelo Partido Social Trabalhista (PST) e equipes nos governos estaduais que do Estadual em Pernambuco. Foi um dos governador em 1962, apoiado pelo Parti- pudessem fazer o que a Sudene esta- maiores ativistas pela reforma agrária no do Comunista Brasileiro (PCB). Deposto e va fazendo, que era quem fazia o diag- Brasil. Exilou-se no México quando teve cassado pelos militares em 1964, exilou- seus direitos cassados, em 1964. Foi anis- -se. Retornou ao País em 1979. Em 1980, nóstico e buscava financiamento para tiado em 1979 e faleceu em Tepoztlán, elegeu-se deputado federal pelo Partido resolver o problema do subdesenvol- no México. Sobre sua trajetória, confira do Movimento Democrático Brasileiro vimento regional. Com o golpe militar o livro escrito pelo jornalista Vandeck (PMDB) e, em 1984, governador do esta- , Francisco Julião: luta, paixão e do. Em 1990, filia-se ao Partido Socialista de 1964, Furtado vai para o exílio, boa morte de um agitador. Recife, Assembleia Brasileiro (PSB), elegendo-se novamente parte daquela equipe inicial da Sudene Legislativa, 2001 (Série Perfil Parlamentar deputado federal e, em 1994, novamente se desmancha, e a maioria das forças Século XX). (Nota da IHU On-Line) governador, cargo que ocupou até 1998. 9 Ligas Camponesas: associações de tra- (Nota do IHU On-Line) sociais e políticas que combatiam o balhadores rurais criadas inicialmente no 12 Gregório Bezerra (1900-1983): po- status quo são dispersadas. Na hora estado de Pernambuco, posteriormente na lítico, líder comunista e ex-sargento do www.ihu.unisinos.br em que o Julião começava a organizar Paraíba, no estado do Rio de Janeiro, Goiás Exército brasileiro, foi fortemente per- e em outras regiões do Brasil, que exer- seguido e desumanamente torturado os trabalhadores rurais, vinham à tona ceram intensa atividade no período que ao longo de sua luta pela paz, justiça e as pressões por uma reforma agrária. se estendeu de 1955 até a queda de João contra a opressão do povo. (Nota da IHU Era um movimento importante para Goulart em 1964. (Nota da IHU On-Line) On-Line)

8 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 pressionar pelas reformas sociais. À Nordeste. A visão de Furtado, que aca- é talvez o livro de Celso Furtado mais Tema de Capa medida que se desmantela tudo isso, bou sendo considerado um dos mais adotado nas universidades brasileiras, perde-se a capacidade de pressionar a importantes, senão o mais importante especialmente nos cursos de história sociedade brasileira no sentido de uma economista do Brasil no século passa- econômica. Independentemente da solução para o Nordeste e outras regi- do, é justamente porque ele percebe corrente – liberal ou desenvolvimentis- ões menos desenvolvidas. que “a construção interrompida” é o ta – existe o reconhecimento do méri- que não permite ao Brasil ser consi- to desta obra. É realmente importante IHU On-Line – A propósito, de derado uma nação, uma vez que só se porque o livro aborda, dentro de uma que maneira o fato de Celso Furtado tem desenvolvimento no Sudeste e no tradição que foi trabalhada por Caio ser paraibano impacta em sua cons- Sul. É preciso desenvolver um proje- Prado Júnior15, o processo econômico a trução intelectual? Como ele se tor- to nacional que permita desenvolver partir do século XIX, que vai fazer com nou um pensador importante mesmo todo o território ou a maior parte do que o Brasil deixe de ser um país que estando fora do eixo Rio-São Paulo? território. Essa visão federativa, de produza somente café, açúcar, bor- Ricardo Ismael de Carvalho – integração das economias estaduais, racha e ingresse no período do ciclo Celso Furtado tinha uma cabeça cos- deu a Furtado uma visão mais ampla industrializante. O país começa a subs- mopolita, como Gilberto Freyre13 e da realidade brasileira e regional. Evi- tituir importações e, portanto, a de- Josué de Castro14. Esses pensadores dente que por ter nascido na Paraíba senvolver sua economia nesta ideia de nasceram no Nordeste, mas pensaram e compreender muito bem as relações mercado em que a indústria nacional a região dentro do Brasil e do mundo. sociais, as relações de dominação, a nascente será protegida, apoiada pelo Eles têm uma visão que vai além do tradicional estrutura social e econômi- Estado e terá no mercado interno seu ca do Nordeste, isso concedia a Celso grande estímulo para poder se conso- Furtado uma vantagem em relação a lidar. Por outro lado, a partir do século 13 Gilberto Freyre (1900-1987): escri- outros economistas que pouco conhe- XIX, com o declínio do açúcar no Nor- tor, professor, conferencista e deputado ciam o Nordeste. Esta origem permitiu deste e da borracha no Norte, já co- federal. Colaborou em revistas e jornais brasileiros. Foi professor convidado da que Furtado fosse indicado por Jusceli- meçava a haver uma concentração da Universidade de Stanford (EUA). Rece- no Kubitschek para coordenar o Grupo economia no Sudeste, favorecida pela beu vários prêmios por sua obra, entre de Trabalho para o Desenvolvimento produção de café. No momento em os quais, em 1967, o prêmio Aspen, do Instituto Aspen de Estudos Humanísticos do Nordeste – GTDN, propondo, logo que o Brasil passa a dar os primeiros (EUA) e o Prêmio Internacional La Mado- depois, a criação da Sudene. passos na direção de uma industrializa- ninna, em 1969. Entre seus livros, cita- Celso Furtado sempre foi uma fi- ção, essa concentração vai aumentar. mos: Casa grande & Senzala e Sobrados e Mocambos. O Prof. Dr. Mário Maestri, gura diferente da maioria dos intelec- Celso Furtado percebe isso. O ponto é do PPG em História da Universidade de tuais do Nordeste, por não querer dei- esse, a economia cresce e o Brasil vai Passo Fundo (UPF), apresentou o segundo xar o seu pensamento prisioneiro de crescer muito a partir dos anos 1930, livro na programação do II Ciclo de Estu- dos sobre o Brasil, promovido no dia 15- uma leitura puramente regional. Há mas há uma concentração espacial 04-2004, pelo IHU. Sua palestra originou uma necessidade dos ares do mundo, muito grande da economia. De certa o artigo publicado no Cadernos IHU nº 6, necessidade de um distanciamento do maneira, isso faz com que muitos mu- de 2004, intitulado Gilberto Freyre: da Casa-Grande ao Sobrado. Gênese e Dis- objeto de estudo, que seria o próprio nicípios e Estados não tenham recur- solução do Patriarcalismo Escravista no Nordeste e o Brasil. Portanto, esse sos para investir em políticas públicas, Brasil. Algumas Considerações, dispo- olhar vai ganhando uma visão muito e sejam muito dependentes das trans- nível para download em http://migre. me/69teH. (Nota da IHU On-Line) mais complexa e mais rica. Não há sa- ferências constitucionais e voluntárias 14 Josué Apolônio de Castro (1908- ída para a região Nordeste sem que do governo federal. 1973): médico, nutrólogo, professor, geó- seja por meio de um projeto nacional. O Brasil não conseguiu se desen- grafo, cientista social, político, escritor, ativista brasileiro que dedicou sua vida ao As elites políticas brasileiras precisam volver de maneira equilibrada. A eco- combate à fome. Destacou-se no cenário pensar na integração das cinco regi- brasileiro e internacional, não só pelos ões, e não apenas duas. O esforço do www.ihu.unisinos.br seus trabalhos ecológicos sobre o proble- 15 Caio Prado Júnior (1907-1990): pen- ma da fome no mundo, mas também no ponto de vista analítico e propositivo sador e político brasileiro. Em 1942 pu- plano político em vários organismos in- é pensar o Brasil, pois o país só será blica sua obra mais importante, A forma- ternacionais. Partindo de sua experiência mais forte se o Nordeste for mais for- ção do Brasil contemporâneo, sofrendo pessoal no Nordeste brasileiro, publicou perseguições devido ao seu alinhamento uma extensa obra que inclui: Geografia te. Nesse sentindo, ele vai muito além político com a orientação comunista, da Fome, Geopolítica da Fome, Sete Pal- do interesse regional, como muitos tendo seu mandato cassado dois anos mos de Terra e um Caixão e Homens e fazem, pois acredita que a definição depois da publicação do livro. Sua obra Caranguejos. Exerceu a Presidência do criou, porém, uma tradição historiográ- Conselho Executivo da Organização das de um projeto nacional antecede as fica no Brasil, identificada, sobretudo, Nações Unidas para Agricultura e Alimen- ações da União nos estados e regiões. com o marxismo, buscando uma explica- tação (FAO), e foi também Embaixador ção diferenciada da sociedade colonial. brasileiro junto à Organização das Nações A obra foi apresentada no I Ciclo de Es- Unidas (ONU). Logo após o Golpe de Es- IHU On-Line – Como a obra A tudos sobre o Brasil, promovido pelo IHU tado de 1964, teve seus direitos políticos Construção Interrompida dialoga em 14-08-2003, e é tema de entrevista suspensos pela ditadura militar. Confira com sua obra A formação econômica com a professora Marcia Eckert Miranda, a edição 274 da revista IHU On-Line, de publicada na IHU On-Line número 70, de 22-09-2008, intitulada Josué de Castro do Brasil? 11-08-2003, disponível em http://www. e Graciliano Ramos. A desnaturalização Ricardo Ismael de Carvalho – O ihuonline.unisinos.br/uploads/edico- da fome e disponível em http://bit. livro Formação Econômica do Brasil es/1161285 http://bit.ly/1irilO8. (Nota ly/17kY1cz. (Nota da IHU On-Line) da IHU On-Line)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 9 nomia cresce, mas cresce de maneira não sejam tão desequilibradas. O que possível o Estado assumir os meios de espacialmente concentrada, e isso é ele queria era um capitalismo que pu- produção. Mas ao mesmo tempo sa- um problema, pois a ideia de nação desse operar em um ponto de equilí- bia que da forma como o Brasil estava ou de uma federação consolidada brio com baixa desigualdade de renda, estruturado social e economicamente passa pela autonomia financeira dos baixo desemprego e com gastos sociais não seria possível vencer a questão estados-membros. É preciso pensar o relevantes. Um capitalismo que trou- da desigualdade, nem tampouco fazer Brasil de uma forma diferente daquele xesse benefícios aos trabalhadores. com que a riqueza produzida chegasse que vimos no século XX, na qual o cres- Além disso, Celso Furtado era um à maior parte da população através de cimento ficou concentrado nas regiões nacionalista. Nesse sentido, ele rejei- serviços públicos. Dessa forma, Cel- metropolitanas. Observando estatísti- taria qualquer tipo de subordinação, so Furtado ainda hoje inspira muitos cas do Instituto Brasileiro de Geogra- seja ao imperialismo norte-america- jovens e muita gente no Brasil e no fia e Estatística – IBGE para o ano de no, seja ao imperialismo soviético, mundo, principalmente aqueles que 2011, verificamos que 319 municípios que eram os dois modelos da época da acreditam nas mudanças assentadas do Brasil geram 75% do Produto Inter- Guerra Fria. Furtado tinha um projeto na boa racionalidade econômica, em no Bruto Nacional – PIB. Esta economia de país em que o Brasil se afirmaria no uma sólida articulação política e sem

Tema de Capa de Tema concentrada cria muitas dificuldades, âmbito internacional sem estar subor- abrir mão dos princípios republicanos como estímulo à migração, a presença dinado, nem com alinhamento auto- e democráticos. de uma desigualdade muito grande do mático a qualquer outra nação. Uma ponto de vista social e econômico, por- posição altiva e soberana, em conso- que são muito diferentes os serviços nância com a força dos nossos recur- Leia mais... públicos de uma cidade para outra. É sos naturais, com as possibilidades de preciso pensar como distribuir melhor economia industrializada em ascen- • e Celso Furtado. Demiurgos do Brasil. Edição 317 da as atividades econômicas no território são e com o potencial do povo brasi- IHU On-Line, disponível em http:// nacional, e também procurar equipa- leiro. Sem ignorar o tabuleiro da geo- bit.ly/ihuon317. rar os serviços públicos dos municípios política internacional da época, Celso • Projeto desenvolvimentista furta- brasileiros. Furtado sustentava que o Brasil devia diano: uma experiência teórica. En- se posicionar independentemente. trevista especial com João Trajano IHU On-Line – A partir do pensa- Por fim, o Celso economista, di- de Lima Sento-Sé, na edição 317 da mento de Furtado, podemos pensar ferentemente da maioria dos econo- IHU On-Line, disponível em http:// que o que ele propunha era uma al- mistas, pensa o território, pensa a di- bit.ly/ihuon317. ternativa tanto ao comunismo sovié- mensão política da economia. Ou seja, • Subdesenvolvimento: um proble- tico quanto ao capitalismo estaduni- a economia tem que ser vista sobre os ma estrutural? Entrevista com José dense que polarizavam o mundo no aspectos de como será distribuída a Carlos Braga na edição 317 da IHU contexto da Guerra Fria? Que alter- riqueza produzida pelo país, pois ela On-Line, disponível em http://bit. nativa era essa? influencia no desenvolvimento dos es- ly/ihuon317. Ricardo Ismael de Carvalho – Um tados e influencia o próprio fortaleci- • Uma nação em desenvolvimen- livro que ajuda a entender o pensa- mento da federação. É preciso discutir to. Entrevista com André Moreira mento político de Celso Furtado, e que quem vai financiar o desenvolvimento, Cunha na edição 317 da IHU On- pode oferecer em parte uma resposta quem paga os tributos, quem recebe os Line, disponível em http://bit.ly/ a essa questão, é Pré-Revolução Brasi- benefícios. É preciso se debruçar sobre ihuon317. leira (Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, esta equação. Nós precisamos saber • Projeto de desenvolvimento. A inte- 1962). É um livro dirigido aos jovens e quem são os beneficiários do cresci- gração é o caminho? Entrevista com às forças sociais que estavam encanta- mento e seus financiadores. Sabemos Marcos Formiga na edição 317 da dos com a ideia de revolução no perí- que a população do Brasil é muito he- IHU On-Line, disponível em http:// odo anterior ao golpe de 1964. Nele, terogênea, que não é desejável cobrar bit.ly/ihuon317. Furtado faz uma defesa das reformas uma mesma carga tributária de todos, • Celso Monteiro Furtado (1920- de base e do projeto político liderado nem mesmo dar isenção para todos. 2004). Vida e obra, perfil de Celso pelo então presidente João Goulart. Então é sempre um economista que Furtado na edição 317 da IHU On- Furtado era um reformista, e sem dú- está olhando a relação entre Estado, Line, disponível em http://bit.ly/ vida nenhuma queria um capitalismo mercado e sociedade dentro de uma ihuon317. regulado, cuja inspiração é o Estado visão política. Ele tem uma visão re- • Celso Furtado: o teórico do naciona- de bem-estar social que vai prevalecer formista, mas um reformismo radical, lismo desenvolvimentista. Entrevis- na Europa Ocidental no pós-guerra. Ele que procura mudar de forma profunda ta com José Saraiva Cruz na edição deseja um capitalismo que garanta em- as prioridades na agenda do governo 317 da IHU On-Line, disponível em http://bit.ly/ihuon317. prego, educação, saúde e previdência, federal e a forma de enfrentar os pro- • A atualidade de Celso Furtado. En- que são os pilares clássicos do Estado blemas tradicionais. Não se pode dizer trevista com Maria Eugenia Guima- www.ihu.unisinos.br de bem-estar social; ele deseja um país que desejava ser um revolucionário à rães publicada na edição 320 da IHU em que as forças sindicais e os movi- moda daqueles de 1950 e 1960, por- On-Line, disponível em http://bit. mentos sociais se organizem de modo que ele não queria acabar com o ca- ly/ihuon320. que as forças do trabalho e do capital pitalismo, nem tampouco considerava

10 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 Regime militar: A trajetória Tema de Capa da mentira

“A questão principal que permanece até agora é que o golpe é fruto de uma doutrina, que independe de humores. A doutrina da segurança nacional foi a grande novidade que nos trouxe o golpe de 1964”, pondera Jair Krischke

Por Luciano Gallas

sta ditadura é a ditadura da menti- Esta presença estadunidense entre os ra. Toda sua trajetória é a trajetória militares brasileiros repercute diretamente “Eda mentira, do engodo, quando as no pensamento e formação elaborados nos pessoas são vergonhosamente enganadas. A quartéis, constituindo-se em uma das princi- começar pela data. Eles dizem que a suposta pais influências sobre a doutrina de seguran- revolução, que na verdade nada mais foi do ça nacional – a outra influência, segundo Kris- que um golpe, ocorreu em 31-03-1964. Que chke, diz respeito aos preceitos da guerra de 31 de março coisíssima nenhuma!”, afirma contrainsurgência francesa. “A questão princi- Jair Krischke em entrevista concedida por te- pal que permanece até agora é que o golpe é lefone à IHU On-Line. E segundo ele, “Ainda fruto de uma doutrina, que independe de hu- hoje os simpatizantes desta ditadura seguem mores. A doutrina da segurança nacional foi a grande novidade que nos trouxe o golpe de mentindo”, enfatiza. 1964”, destaca o ativista dos direitos huma- Conforme Jair Krischke, João Goulart de- nos. Ele mesmo completa: “Este pensamento cidiu não reagir ao golpe porque tinha co- no Brasil recebeu um aporte interessantíssi- nhecimento do plano de ação estadunidense mo, pouco pesquisado, do pensamento mili- de, em um contexto de Guerra Fria, utilizar tar francês, que é a guerra de contrainsurgên- a força para impedir uma aproximação entre cia, que aqui teve uma recepção imensa”. o Brasil e a União das Repúblicas Socialistas Jair Krischke é ativista dos direitos hu- Soviéticas, ou mesmo com a China. Opla- manos no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e nejamento, neste caso, significaria invadir o Paraguai. Em 1979, fundou o Movimento de Brasil a partir do estado do Espírito Santo e Justiça e Direitos Humanos, a primeira organi- estabelecer uma divisão territorial, separan- zação de direitos humanos do Brasil. do o Brasil do Norte do Brasil do Sul. Confira a entrevista. www.ihu.unisinos.br IHU On-Line – Porto Alegre e ou- os documentos obtidos pelo Movi- da imprensa, resultando no primeiro tras cidades gaúchas abrigaram mili- mento de Justiça e Direitos Humanos caso levado aos tribunais de Justiça tares argentinos, uruguaios, chilenos, revelam sobre a participação do Rio em todo o Cone Sul de nossa América, paraguaios, bolivianos e peruanos Grande do Sul na operação? episódio que ficou conhecido interna- que vinham ao Brasil fazer cursos de Jair Krischke – Aqui em Porto Ale- cionalmente como “O sequestro dos combate à guerrilha, implementados gre, no dia 12 de novembro de 1978, uruguaios”. Mas eu quero chamar a durante a Operação Condor1. O que ocorreu o primeiro caso de Operação atenção para o fato de que, naquele Condor flagrado e denunciado através momento, não se falava em Operação Condor. Nós desconhecíamos este 1 Operação Condor: Aliança político- militar entre os regimes de excessão da IHU, encontra-se amplo material sobre tipo de operação. Passamos a obter América do Sul nas décadas de 1970 e o assunto. Consultar a entrevista Opera- informação quando Dr. Omar Ferri2, 1980. Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e ção Condor: novas revelações, com Jair Uruguai, em coordenação com a agência Krischke, de 24-03-2013, em http://bit. de inteligência dos Estados Unidos (CIA), ly/ihu240313. Ver ainda, de 28-05-2007, 2 Omar Ferri (1933): advogado e escritor cujo objetivo era articular os governos Operação Condor. A estrutura continua brasileiro, militante dos direitos huma- e eliminar os líderes de esquerda. No existindo, com Neusa Maria Romanzini nos. Autor de Sequestro no Cone Sul. O sítio do Instituto Humanitas Unisinos – Pires em http://bit.ly/ihu280507. caso Lilian e Universindo (Porto Alegre:

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 11 nosso companheiro do Movimento de entrou no edifício. O apartamento era então? Vão investigar: policial, tra- Justiça e Direitos Humanos, foi acio- térreo, de fundos. Eles perceberam balhando no DOPS. Aí entenderam nado por companheiros uruguaios que um senhor vinha atrás deles. De o que estava ocorrendo. A imprensa que se encontravam refugiados em frente para o apartamento onde Lilian colaborou extraordinariamente nes- São Paulo, que relatavam ter recebido e Universindo6 viviam, havia uma es- se episódio. Houve a denúncia, que um telefonema muito estranho de Li- cada pela qual este senhor que vinha resultou em um processo judicial. Foi lian Celiberti3 e passaram a imaginar atrás subiu. Luiz Cláudio e Scalco to- o primeiro caso da Operação Condor que estaria ocorrendo algo de anor- caram a campainha, a porta se abriu flagrado no seu trajeto, denunciado, mal, que colocava a segurança dela e uma pistola foi colocada na cabeça em meio a uma luta incrível – diziam em muitíssimo risco. de cada um. Aquele senhor que havia que mentíamos, que não era verdade, Ferri foi até a rua Botafogo, em subido as escadas já tinha descido de inventaram farsas, mas conseguimos Porto Alegre, onde Lilian residia, to- arma em punho. Luiz Cláudio e Scal- comprovar os fatos. Então este foi o cou a companhia, não encontrou nin- co ficaram chocados por terem sido primeiro caso denunciado da Opera- guém. Estava tudo fechado. Isso era recebidos dessa forma, afirmaram ção Condor. Dois meses antes, ocor- um fim de tarde. Voltou na manhã que eram jornalistas, mostraram suas rera um caso muito semelhante em

Tema de Capa de Tema do dia seguinte, tocou a campainha, licenças. Então os policiais confirma- Passo Fundo. Hoje, nós temos toda a e novamente ninguém. Falou com ram, os liberaram, disseram que es- documentação sobre este outro epi- um senhor que estava no pátio, que tavam investigando um problema de sódio também. Em ambos, atuaram por acaso era o proprietário do apar- contrabando e orientaram para que agentes do DOPS do Rio Grande do tamento, e ele disse que fazia alguns nada falassem sobre o assunto. Sul. Mas vamos ser claros: não foi o dias que não via o casal e as crianças. Ao sair de lá, Scalco disse a Luiz delegado Pedro Seelig8 quem autori- Nosso companheiro Dr. Omar Ferri fez Cláudio Cunha: “este sujeito que me zou o ingresso em território brasileiro então um bilhete dizendo que tinha colocou a pistola na cabeça, eu já foto- de oficiais e soldados do exército uru- estado ali, informou seu telefone e es- grafei”. Então vão examinar no arqui- guaio. Alguém com muito mais poder creveu que ficava à disposição. Passa- vo da Companhia Jornalística Caldas e mando, certamente alguém em Bra- ram-se mais um ou dois dias quando Júnior e se deparam com a fotogra- sília, com muitas estrelas nos ombros, o jornalista Luiz Cláudio Cunha4, tam- fia do jogador de futebol conhecido é que concedeu esta autorização, bém acionado por São Paulo, foi até como Didi Pedalada, Orandir Portassi lá, acompanhado do fotógrafo João Lucas7. E onde estaria este ex-jogador, Batista Scalco5, da revista Placar, e 1945-2005): jogador de futebol com pas- sagem pelos clubes Internacional-RS, grafo brasileiro. Trabalhava em Porto Ale- Cruzeiro-MG, Cruzeiro-RS e Guarany de gre para a revista Placar quando realizou, Bagé-RS, entre outros; inspetor do De- Mercado Aberto, 1981), disponível em em 1978, em conjunto com o jornalista partamento de Ordem Política e Social – http://bit.ly/1njKHjM. Representou Li- Luiz Cláudio Cunha, a série de reporta- DOPS, órgão que funcionou como polícia lian Celiberti e Universindo Diaz na ação gens sobre o sequestro dos uruguaios em política durante o regime de repressão judicial contra o sequestro de ambos por Porto Alegre, pela qual recebeu o Prêmio militar no Brasil. Em 1980, foi condenado uma operação coordenada entre os regi- Esso de Jornalismo de 1979. Destacou-se pela justiça brasileira, junto com outro mes de repressão uruguaio e brasileiro como fotógrafo esportivo, recebendo a agente do DOPS, João Augusto da Rosa, em Porto Alegre. (Nota da IHU On-Line) Menção Honrosa (1977) e obtendo o 3º pela prisão dos jornalistas no apartamen- 3 Lilian Celiberti: professora uruguaia, lugar (1978) no Nikon Photo Contest In- to de Lilian Celiberti, em Porto Alegre, ex-militante do Partido por la Victoria ternational, Japão; o Prêmio Vladimir fato que confirmou a participação do re- del Pueblo (PVP). Morava em Porto Alegre Herzog, do Sindicato dos Jornalistas Pro- gime militar brasileiro na Operação Con- com os filhos Camilo e Francesca e seu fissionais no Estado de São Paulo (1979); dor. Em 1991, por meio de iniciativa do então companheiro, Universindo Diaz, e a melhor foto em preto e branco no 6º então governador Pedro Simon, o Estado quando, em 12 de novembro de 1978, foi Prêmio Abril de Jornalismo, São Paulo do Rio Grande do Sul reconheceu oficial- sequestrada na Rodoviária de Porto Ale- (1981). Era conhecido como o “Van Gogh mente o sequestro dos uruguaios em Por- gre e torturada por policiais brasileiros dos Pampas” devido à qualidade do seu to alegre, procedimento que foi repetido e pelo capitão Yannone, do exército uru- trabalho. Faleceu por problemas cardía- um ano depois pelo então presidente uru- guaio. Vive atualmente em Montevidéu, cos aos 32 anos. (Nota da IHU On-Line) guaio Luis Alberto Lacalle. (Nota da IHU Uruguai. É ativista de direitos humanos e 6 Universindo Rodríguez Diaz (1952- On-Line) coordenadora da ONG feminista Cotidia- 2012): historiador uruguaio, ex-militante 8 Pedro Carlos Seelig: delegado de polí- no Mulher. (Nota da IHU On-Line) do Partido por la Victoria del Pueblo cia, chefe de investigações do Departa- 4 Luiz Cláudio Fontoura da Cunha (PVP). Residia em Porto Alegre em 1978 mento de Ordem Política e Social – DOPS (1951): jornalista brasileiro. Comandava com Lilian Celiberti e os filhos dela, de no Rio Grande do Sul. Era conhecido en- a redação da revista Veja em Porto Alegre oito e três anos de idade, quando a fa- tre os militares como o “Fleury do Sul”, quando do sequestro de Lilian Celiberti e mília foi sequestrada durante uma ope- uma alusão ao delegado do DOPS paulis- Universindo Diaz. A série de reportagens ração conjunta realizada por agentes do ta Sérgio Paranhos Fleury – ambos, jun- que produziu entre 1978 e 1980 sobre o Departamento de Ordem Política e Social to com o major Carlos Alberto Brilhante episódio, realizada em conjunto com o – DOPS, comandados pelo delegado Pedro Ustra, comandante do Destacamento de fotógrafo J.B. Scalco, lhe rendeu o prê- Seelig, e militares uruguaios autoriza- Operações de Informações – Centro de mio Esso de Jornalismo de 1979. É autor dos pelo regime de repressão brasileiro Operações de Defesa Interna – DOI-Codi de Operação Condor: o Sequestro dos a ingressar no país. Universindo perma- do 2º Exército, são considerados os tor- Uruguaios – uma reportagem dos tempos neceu preso ilegalmente por cinco anos turadores mais violentos do regime de da ditadura (Porto Alegre: L&PM, 2008), e foi torturado. Morreu aos 60 anos após repressão militar instaurado em 1964 no vencedor do Prêmio Jabuti da Câmara lutar por seis meses contra um câncer na país. Pedro Seelig comandou as torturas www.ihu.unisinos.br Brasileira do Livro na categoria livro- medula. Durante o período da doença, impostas a Lilian Celiberti e Universindo reportagem. Detém o título de Notório esteve na companhia da ex-mulher Ivon- Diaz após o sequestro do casal, ainda na Saber em Jornalismo pela Universidade ne Trías e do filho, Carlos Ivan Rodríguez Rua Botafogo e depois nas celas do DOPS, de Brasília – UnB. (Nota da IHU On-Line) Trías. (Nota da IHU On-Line) no 2º andar do atual Palácio da Polícia, 5 João Batista Scalco (1951-1983): fotó- 7 Didi Pedalada (Orandir Portassi Lucas, em Porto Alegre. (Nota da IHU On-Line)

12 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 evidenciando que havia uma parce- Aeronáutica, que disse: “olha, isso é Tema de Capa ria entre os aparelhos repressivos da “Os militares no muito grave, nós vamos investigar. América Latina, parceria esta que tem Mas estou surpreendido, porque todo muito a ver com a formação que estes Brasil costumam o acervo documental do CISA [Centro militares receberam no Brasil, dentro de Informações da Aeronáutica, o ser- do pensamento militar brasileiro de dizer que não têm viço secreto da Força Aérea] queimou guerra de contrainsurgência. quando do incêndio do Aeroporto mais documentos Santos Dumont. Nós não temos mais IHU On-Line – O Departamento nenhum desses documentos, porque de Ordem Política e Social – DOPS do porque os tudo queimou”. Rio Grande do Sul teria sido o único Estou falando de dezembro de no país a alegar que havia queimado queimaram. Eu 2002, TV Globo, programa Fantástico. os arquivos da repressão... Outubro de 2010: o então comandan- Jair Krischke – De fato, o Rio Gran- afirmo que é te da Força Aérea, que continua sendo de do Sul foi o único estado brasileiro o mesmo, o brigadeiro Juniti Saito11, que queimou os arquivos do DOPS. A mentira” fez entrega ao Arquivo Nacional, em imprensa foi chamada, fotografou e Brasília, de cerca de 60 mil documen- filmou, a queima foi proclamada aos tos do arquivo secreto. Na ocasião, quatro ventos, o então governador quivos do DOPS do Rio Grande do Sul um jornalista do centro do país per- 9 Amaral de Souza teve participação se encontram no Comando Militar do guntou a minha opinião sobre este ativa neste processo. Uma arremata- Sul. Então esta queima de documen- acontecimento. Eu disse que era fan- da mentira, que hoje nós temos con- tos foi uma farsa. Posteriormente, nós tástico, porque certamente são aque- dições de comprovar. Os papéis foram recuperamos em Montevidéu alguns les documentos que queimaram no queimados? Foram, sim, mas somen- destes documentos “queimados”. E o Aeroporto Santos Dumont. Veja, estes te depois de terem sido microfilma- mais interessante destes documentos são episódios que comprovam a men- dos. Então, na verdade, o que houve “queimados” recuperados é que eles tira. Estes documentos existem, sim. no Rio Grande do Sul foi uma moder- registram duas anotações posteriores No meu depoimento à Comissão da nização dos arquivos, eliminando-se à data em que foram publicamente Anistia, eu iniciei falando de arquivos os papéis que já tinham sido microfil- queimados. A queima dos arquivos do que deveriam ser investigados, mas mados. Lamentavelmente, o destino DOPS é uma arrematada mentira! chamei a atenção para o fato de que destes microfilmes foi o Comando Mi- não escuto falar, no Brasil, da abertura litar do Sul. Estes documentos ainda IHU On-Line – Esse certamente dos arquivos da Polícia Federal brasi- hoje lá se encontram, assim como to- não foi o único episódio em que foi leira, braço por excelência do apare- dos os documentos dos DOPS dos de- alegada a queima de documentos lho repressivo. Ninguém fala. Eu citei mais estados brasileiros se encontram históricos do período da ditadura isso no meu depoimento e, pelo que em mãos do Exército brasileiro. Quem militar... sei, a Comissão Nacional da Verdade diz isso? Eu apenas reproduzo o que Jair Krischke – Os militares no ainda não tomou nenhuma iniciativa 10 o general Lucena , então comandan- Brasil costumam dizer que não têm para resgatar toda esta importante te do Exército brasileiro, declarou ao mais documentos porque os queima- documentação. jornal O Estado de São Paulo em agos- ram. Eu afirmo que é mentira. Há ou- to de 1995: “sou de opinião de que o tros episódios que provam isso, além IHU On-Line – Há casos já rela- Exército deve devolver aos estados os deste que relatei dos documentos do tados pelo Movimento de Justiça e arquivos do DOPS”. Se isso não é con- DOPS do Rio Grande do Sul. Em de- Direitos Humanos de ações da Ope- fissão, eu não sei o que seria. Os ar- ração Condor mesmo após a Anistia,

zembro de 2002, no programa Fan- www.ihu.unisinos.br tástico, da TV Globo, foi apresentada entre eles o sequestro e desapare- 9 Amaral de Souza (1929 – 2012): Político uma matéria [reportagem] na Base cimento de argentinos no Aeropor- brasileiro, exerceu mantato de governa- Aérea de Salvador que afirmava e exi- to do Galeão, no Rio de Janeiro, em dor do Rio Grande do Sul entre 1979 e março de 1980; do padre Jorge Oscar 1983 durante o regime militar brasileiro. bia documentos do serviço secreto da (Nota da IHU On-Line) Força Aérea queimados – alguns to- Adur e do estudante de medicina 10 General Lucena (Zenildo Gonzaga talmente queimados, outros parcial- Lorenzo Ismael Viñas, estes dois últi- Zoroastro de Lucena, 1930): general de mos ocorridos em junho do mesmo exército brasileiro. Como coronel, co- mente. Em um primeiro momento, mandou a Escola Preparatória de Cadetes o que me chamou a atenção foi que ano, em Uruguaiana, dias antes da do Exército, em Campinas-SP. Enquanto uma equipe de televisão ter ingres- visita do Papa João Paulo II a Porto general, comandou a 11ª Brigada de In- Alegre. Como se deram estes fatos? fantaria Blindada (hoje 11ª Brigada de In- sado em uma base aérea, gravado fantaria Leve), também em Campinas, foi as imagens – e note que a câmera é Jair Krischke – Este caso do Ae- vice-chefe do Estado-Maior do Exército e roporto do Galeão ocorreu em 12 de comandante do Comando Militar do Leste um aparelho enorme –, saiu da base (CML), no Rio de Janeiro, e ministro do aérea, sem ninguém ter perguntado Exército no governo de Itamar Franco e nada sobre o ocorrido. Isso chama por 11 Juniti Saito (1942): Militar brasileiro, no primeiro mandato de Fernando Henri- tenente brigadeiro-do-ar e comandante que Cardoso. Vive atualmente no Rio de demais a atenção. A seguir, foi entre- da Força Aérea Brasileira. (Nota da IHU Janeiro. (Nota da IHU On-Line) vistado o chefe do serviço secreto da On-Line).

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 13 março de 1980 e tem como vítimas certa fama há tempos. Mas veja que em ônibus diferentes. Isso aconteceu Horácio Domingo Campiglia e Mônica coisa impressionante: por meio de em 1980, já depois da Anistia. E o la- Susana Pinus de Binstock. A anistia foi documentos norte-americanos, nós mentável é que a Justiça brasileira não em agosto de 1979. Portanto, os res- comprovamos que um avião da Força deu a menor importância. Também o ponsáveis pela desaparição de Horá- Aérea argentina veio ao Brasil e ater- Executivo, o Ministério da Justiça, não cio e Mônica não estão acobertados rissou na Base Aérea do Galeão para deu a menor importância ao fato e pela malfadada Lei de Anistia. Estes realizar esta operação de sequestro. não se fez absolutamente nada. O que episódios se esclarecerão no dia em O documento entra em detalhes, cita é uma vergonha para nós, brasileiros. que nós, brasileiros, tomarmos a sé- quem comandava o avião, dá outras rio o tema e o levarmos às barras da informações. Eu representei as famí- IHU On-Line – Que forças dis- Justiça. Nós não temos feito isso. Mas lias de Horácio Domingo Campiglia putavam o poder político no Estado a Itália fez, porque Horácio Domingo e Mônica Susana Pinus de Binstock no momento do golpe civil-militar? Campiglia também era cidadão italia- aqui no Brasil. A Comissão Especial Como suas lideranças reagiram ao no. Ele era ítalo-argentino. E a Justiça de Mortos e Desaparecidos Políticos golpe? italiana acolheu este caso. Como tam- apreciou o caso. Eu juntei o documen- Jair Krischke – Para respon-

Tema de Capa de Tema bém acolheu o caso de Lorenzo Ismael to que referi e foi concedida a repara- der, temos que olhar um pouquinho Viñas, filho de mãe italiana. Portanto, ção. O governo brasileiro reconheceu, atrás. O golpe de 1964 teve antece- também ítalo-argentino. assim, a sua responsabilidade frente a dentes. Eu vou me situar em 1961, Vou começar pelo caso do Ga- este episódio e indenizou as famílias. quando do Movimento da Legalida- leão. É preciso lembrar que este ae- A mesma coisa ocorreu com Lo- de. O governador era Leonel Brizola. roporto, na verdade, é uma base da renzo Ismael Viñas e o padre Jorge Com a renúncia do presidente Jânio Força Aérea Brasileira, a Base Aérea Oscar Adur, ocorridos os dois casos Quadros, quem deveria assumir, se- do Galeão, em um setor da qual cons- no dia 26 de junho de 1980. O padre gundo a Constituição vigente, era o truiu-se um aeroporto civil. Aquilo é Adur vinha a Porto Alegre em um ôni- vice-presidente eleito, João Goulart, um estabelecimento militar por exce- bus da empresa argentina Gen. Urqui- que se encontrava em visita oficial à lência, famoso também por suas tro- za, para juntar-se às Madres de Plaza China. É muito importante referir isso pelias. Não podemos esquecer que, de Mayo em uma possível audiência para entender os dias atuais. Então, em 1954, no episódio do suicídio de com o Papa, que aqui se encontrava, João Goulart vem regressando, pela Getúlio Vargas, ali na Base Aérea do pois já tinham ido a Roma e não con- rota do Pacífico. Para em Montevidéu, Galeão estabeleceu-se o que se cha- seguiram falar com ele; foram ao Mé- Uruguai, e fica esperando. Leonel Bri- mou a República do Galeão12, quan- xico, durante a conferência de Pue- zola toma a dianteira aqui, numa ação do dali passaram a comandar o país. bla13, e tampouco conseguiram uma de resistência contra o golpe, que se Então é uma base aérea que já tem audiência. Na ocasião, elas nos pedi- chamou Movimento da Legalidade, ram que interviesse junto aos nossos porque a Constituição dizia que, na bispos, buscando alcançar uma audi- renúncia, no impedimento do presi- 12 República do Galeão: nome com o ência com o Papa. Juntamente com o dente, assumiria o vice. A Legalidade qual ficou conhecida a Base Aérea do Ga- leão, no Rio de Janeiro, após a instaura- deputado Antenor Ferrari, apresenta- era Jango assumir. Essa iniciativa de ção de um Inquérito Policial Militar – IPM mos este pleito ao arcebispo auxiliar usar rádio – e nos dias atuais eu vejo para investigar o atentado da rua Tonele- de Porto Alegre, Dom Antonio Cheu- o rádio substituído pela internet (rede ro, ocorrido em 05-08-1954. No episódio, Carlos Lacerda, principal opositor políti- iche, que, junto ao Papa, conseguiu a social), pois nós não podemos deixar co do presidente Getúlio Vargas, foi feri- referida audiência, a qual deveria ser de fazer uma certa comparação da- do no pé, enquanto o major Rubens Vaz, muito breve, pois estaria dentro de quele fato com os episódios recentes da Força Aérea Brasileira, acabou morto a tiros. Lacerda havia se unido a milita- um espaço na agenda do Papa, em da Primavera Árabe, quando pelas res golpistas e a partidos oposicionistas, um encontro com os religiosos que redes sociais se recrutaram pessoas, entre os quais a UDN, em um esforço para ocorreria no [ginásio de esportes] houve uma grande movimentação –, derrubar Vargas, utilizando-se de acusa- ções publicadas em seu jornal, a Tribuna Gigantinho. Foram cinco minutos de Leonel Brizola foi o pioneiro, só que da Imprensa. Vaz integrava um grupo de audiência. O padre Jorge Oscar Adur usando o rádio. Então, estabeleceu-se oficiais que se dispusera a acompanhar nunca chegou. Nós temos todas as uma resistência, o que fez com que os e proteger Lacerda das ameaças que es- taria recebendo durante sua campanha informações, o rol de passageiros do militares tivessem que negociar. Uma contra o presidente. O IPM montado na ônibus, enfim, toda a documentação comitiva foi a Montevidéu negociar Base Aérea do Galeão reuniu os militares – ele usava uma identidade falsa, no com João Goulart, dizendo que ele ligados a Lacerda e aprofundou a cri- se política que o governo enfrentava. O nome de Pedro Ramon Altamirando. poderia assumir como presidente, chefe da guarda pessoal de Vargas, Gre- Nesta mesma noite de 26 de junho mas que se modificaria o regime de gório Fortunato, e o irmão do presiden- de 1980, em um ônibus da empresa presidencialista para parlamentarista. te, Benjamim Vargas, foram acusados de envolvimento no atentado. Com o agra- brasileira Pluma, desapareceu Loren- Esta seria a única forma que os milita- vamento da crise e a pressão de milita- zo Ismael Viñas. Foi no mesmo dia, res aceitariam. res pela renúncia, Vargas suicidou-se em www.ihu.unisinos.br Desta comitiva que foi encontrar 24-08-1954. O suicídio reverteu a opinião pública e provocou uma imensa onda de 13 Terceira Conferência Geral do Epis- com João Goulart em Montevidéu, eu comoção e revolta, o que obrigou Lacer- copado Latino-Americano, realizada em gostaria de destacar duas figuras: Tan- da e parte de seus apoiadores a deixar o Puebla de los Angeles, México, entre 27- credo Neves e o então coronel Ernesto país. (Nota da IHU On-Line) 01 e 13-02-1979. (Nota da IHU On-Line)

14 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 Geisel. Veja como é a vida! João Gou- do as pessoas são vergonhosamente Tema de Capa lart aceitou [os termos da negociação] “O mesmo enganadas. A começar pela data. Eles e decidiu voltar ao Brasil para assumir dizem que a suposta revolução, que o cargo de presidente no regime par- Tancredo Neves na verdade nada mais foi do que um lamentarista (reina mas não governa). golpe, ocorreu em 31-03-1964. Que Primeiro-ministro aprovado: Tancredo que serviu aos 31 de março coisíssima nenhuma! O Neves; porque Tancredo Neves era o golpe ocorreu na madrugada de 1º nome aceito pelos militares. E assim militares lá em para 02 de abril de 1964, quando o foi. De qualquer forma, tivemos aí o Congresso Nacional declarou vago fracasso de uma tentativa de golpe. 1961, em 1985 o cargo de Presidente da República, João Goulart, com muita habilidade, pois o presidente já não se encontra- convocou depois um plebiscito nacio- novamente servia va em território nacional. As tropas nal para que o povo se manifestasse se do general Olympio Mourão Filho preferia o regime parlamentarista ou como uma luva [que já havia participado do integra- desejaria voltar ao presidencialismo, lismo, movimento de inspiração fas- opção que venceu por uma diferença aos propósitos da cista] acamparam no Rio de Janeiro, abissal. Assim, voltou-se ao regime no estádio do Maracanã, no dia 02 de presidencialista. Mas os golpistas não ditadura” abril. João Goulart ainda estava publi- pararam de trabalhar, especialmente camente no Brasil no dia 02 de abril! assistidos pelos norte-americanos. Vê como mentiam! E ainda hoje Isso está claríssimo, a história registra mento da população gaúcha durante os simpatizantes desta ditadura- se com abundância. E aí advém o golpe o Movimento da Legalidade e o com- guem mentindo. Mas veja, em - reu de 1º de abril de 1964. portamento da mesma população no nião no dia 02-04-1964, na casa do Eu quis fazer este retrospecto momento do golpe civil-militar de comandante do 3º Exército – era as- pelo seguinte: ainda ontem eu recebi 1964? sim chamado o atual Comando Militar um artigo muito bem escrito que falava Jair Krischke – Em 1964 nós não do Sul –, lá nos altos da rua Cristóvão da transição que não termina nunca, a tínhamos mais Leonel Brizola no go- Colombo, em Porto Alegre, quando 14 Brizola incitou João Goulart a resistir, transição interminável . Mas eu digo verno do Estado, nós tínhamos Ildo a nomeá-lo ministro da Justiça e, ao que não é transição, é transação. É Meneghetti15, um político tradicional, comandante do 3º Exército, [general bastante diferente. Porque, depois de conservador, já com uma idade bas- 21 anos de ditadura no Brasil, houve a Ladário Teles,] ministro da Guerra, tante avançada, e muito manipulá- maior mobilização de massas até hoje justamente para resistir, João Goulart vel. E, não se tendo a possibilidade, vista, o movimento Diretas Já, que mo- não quis. Hoje, tem-se mais e melho- a estrutura, para realizar a resistên- bilizou o povo brasileiro como nunca. res informações sobre estes fatos. cia, tudo fica muito difícil. Foi o que Também nunca mais se repetiu. A dita- João Goulart estava a par de que um aconteceu. Além do mais, o golpe já dura resistiu e, através do colégio elei- dos projetos elaborados pelos norte- era algo anunciado, só não sabíamos toral [eleição indireta, realizada pelo -americanos seria o de invadir o Bra- como seria; intuía-se que iria acon- Congresso Nacional], elegeu quem? sil pelo estado do Espírito Santo e, a Tancredo Neves. Isso é a prova cabal tecer o golpe. Eu diria que a ditadura partir daí, estabelecer uma divisão, de que houve uma transação. Aque- temia os comandos chamados Grupo prática que eles já tinham levado a 16 le mesmo Tancredo Neves que serviu dos onze , criados por Leonel Brizola, efeito na Coreia e no Vietnã. Teríamos aos militares lá em 1961 e, em 1985, mas que se mostraram absolutamen- então o Brasil do Norte e o Brasil do novamente servia como uma luva aos te desarticulados, não tinham condi- Sul. Hoje se tem boa documentação ções de resistir coisíssima nenhuma. para constatar isso. propósitos da ditadura. Estamos frente www.ihu.unisinos.br a uma clara transação, por esta razão, Esta ditadura é a ditadura da interminável deste processo, e, até os mentira. Toda sua trajetória é a tra- IHU On-Line – O senhor citou a dias de hoje, não conseguimos convi- jetória da mentira, do engodo, quan- importância do Movimento da Lega- ver com uma democracia plena. É por lidade para entendermos o momen- isso que não se abrem arquivos da di- 15 Ildo Meneghetti (1895-1980): enge- to posterior do golpe. Na Legalidade, nheiro e político brasileiro. Foi prefeito tadura militar, é por isso que a Comis- de Porto Alegre por duas vezes e gover- sargentos lotados na Base Aérea de são Nacional da Verdade tem dificulda- nador do estado do Rio Grande do Sul Canoas impediram que oficiais deco- des para avançar. É fruto disso. também por duas vezes. (Nota da IHU lassem com caças da FAB para bom- On-Line) 16 Grupo dos onze: denominação de bardear o Palácio Piratini. Em 1964, IHU On-Line – É possível fazer grupos de militantes sob a influência de qual foi a reação dos militares contrá- uma comparação entre o comporta- Brizola, integrado por onze pessoas, uma rios ao golpe diante da derrubada do das quais estava ligada a outro grupo dos onze, e assim sucessivamente, organizan- presidente? 14 SAFATLE, Vladimir. A eterna transição. do uma rede de apoiadores às reformas Jair Krischke – Esse fato de 1961 Carta Capital. Política. Opinião. Publi- de base implementadas por João Gou- foi um lindo episódio. Oficiais reacio- cado em 24 fev. 2014. Disponível em: < lart, rede esta que fracassou na tentativa http://bit.ly/OtkHmV>. (Nota da IHU de resistência ao golpe de 1964. (Nota da nários tinham decidido decolar da On-Line) IHU On-Line) Base Aérea e bombardear o Palácio

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 15 Piratini com Leonel Brizola dentro e IHU On-Line – A postura do IHU On-Line – Que fatores con- todo mundo mais que ali estava. En- presidente João Goulart de evitar tribuíram para o sentimento de - im tão os sargentos esvaziaram os pneus o derramamento de sangue teria punidade que imperava entre os dos caças. Em outros casos, atravessa- contribuído para que estes militares militares golpistas, a ponto de prati- ram caminhões na frente dos aviões. contrários ao golpe não desencade- carem atos de barbárie e de tortura Nós temos, no Movimento de Justiça assem uma reação mais intensa ao durante a ditadura militar? e Direitos Humanos, um depoimento golpe de 1964? Jair Krischke – Vamos conjugar lindíssimo de uma pessoa que estava Jair Krischke – Sim. Seria necessá- o verbo no tempo correto: este sen- lá e resistiu. Não foram só os sargen- rio um comando maior para que essa timento de impunidade prevalece até tos. Alguns oficiais resistiram junto reação ocorresse. João Goulart certa- agora, e faz os militares parecerem com os sargentos. Ao afirmar isso, mente tinha um bom nível de informa- meninas moças quando impõem que lembro-me do querido amigo, de sau- ção para não querer resistir. Mas sou não se pode falar desses assuntos – dosa memória, capitão aviador Alfre- capaz de afirmar muito categoricamen- eles ficam nervosíssimos. A questão do Ribeiro Daudt. te que o que mais influiu na sua decisão principal que permanece até agora Em 1964, segmentos militares foi a traição de seu compadre, o general é que o golpe é fruto de uma dou-

Tema de Capa de Tema importantes estavam dispostos a re- Amauri Kruel, que era o comandante trina, que independe de humores. A sistir, entre eles os sargentos, que do 2º Exército, com sede em São Paulo. doutrina da segurança nacional foi organizaram a resistência em Porto Amauri Kruel era compadre de Jango, e a grande novidade que nos trouxe o Alegre e também no interior do Esta- o traiu. A imprensa brasileira não deu golpe de 1964. Com ele, pela primeira do. Estavam dispostos a resistir, sim. maior destaque, mas, recentemente, na vez chega à América Latina e tem vi- Nessa reunião que mencionei, realiza- Comissão da Verdade de São Paulo, um gência plena a doutrina de segurança da na madrugada de 02-04-1964, na coronel do Exército contou que, para nacional, muito trabalhada na Escola casa do comandante do 3º Exército, o aderir ao golpe, Amauri Kruel recebeu Superior de Guerra. E tudo isso tem a comandante estava disposto a resistir. duas malas cheias de dólares da Fede- ver com o trabalho do nosso conter- Com esta postura, ele acabou sendo ração das Indústrias do Estado de São râneo, de má memória, Golbery do 18 preso depois. Paulo – Fiesp17. Couto e Silva , que adotou a doutrina Em 1966, vieram para Porto Ale- de segurança nacional com um outro gre mais de vinte sargentos, com ar- IHU On-Line – Em 1966, a resis- elemento pouquíssimo falado, que é a mas e munição, para daqui dar início tência nos meios militares se resumia guerra de contrainsurgência. a uma resistência, que só não acon- a este grupo de sargentos ou havia Para resumir bastante, a doutri- teceu porque um de seus membros outros militares organizados? na de segurança nacional, quando co- acabou preso. Refiro-me ao sargento Jair Krischke – Há um episódio meça a ser elaborada, tem inspiração Manoel Raimundo Soares, assassina- anterior, de 1965, que é a Guerrilha na geopolítica, que depois gera o pan- do no episódio que ficou conhecido de Três Passos, no Rio Grande do Sul. germanismo, que, por sua vez, gera o como Caso das Mãos Amarradas – Este grupo partiu de Montevidéu, nazismo. Resumindo bem resumida- seu corpo apareceu boiando no Rio sob o comando do coronel Jefferson mente seu pensamento: todo o gesto Jacuí. Com a queda do sargento Ma- Cardim de Alencar Osório. Isso ocor- humano é um gesto de guerra, a favor noel Raimundo, este grupo que esta- reu em março de 1965. O grupo era ou contra. O professor na sua cátedra va aqui com armas e munição para composto por vários militares que es- está praticando um gesto de guerra, o iniciar uma ação de resistência à di- tavam exilados no Uruguai, mais um padre no púlpito está praticando um tadura acabou sendo desarticulado. grupo de homens do interior do Rio gesto de guerra. Todos nós, desde o Quero chamar a atenção para o fato Grande, quase todos participantes operário na fábrica ao estudante na de que o sargento Manoel Raimun- dos Grupos dos onze. universidade, permanentemente pra- do Soares morreu sob tortura por- Eles ingressam no Rio Grande do ticamos atos de guerra. O primeiro trabalho elaborado que não entregou, não delatou seus Sul por Santana do Livramento, se- na América Latina sobre a guerra de companheiros. guindo para São Sepé, Catuípe e, final- contrainsurgência é de 1957, de um mente, Campo Novo, onde realizaram pensamento militar francês elabora- IHU On-Line – O sargento Mano- um pequeno treinamento militar. O do apenas dois anos antes, em 1955, el Raimundo Soares era um dos líde- coronel Jefferson costumava dizer: “eu e que diz respeito à derrota francesa res deste movimento? Que destino não posso admitir que estes golpistas no Vietnã, a Argélia “pegando fogo”. foi dado às armas e munições arreca- completem um ano no poder sem Neste momento, os franceses se dão dadas pelos sargentos? nenhuma resistência”. A Guerrilha de conta de que aquela formação con- Jair Krischke – Ele era um dos lí- Três Passos é muito pouco falada, mas vencional do militar não tem mais deres, sim. Daqui estas armas e mu- está muito bem documentada. nições partiram para Caparaó, para a valor. Agora a guerra era diferente. E aí elaboram um pensamento que, famosa Guerrilha do Caparaó, na divi- 17 Sobre o assunto, ver Comissão Muni- www.ihu.unisinos.br sa entre os estados de Minas Gerais e cipal da Verdade ouve coronel do Exér- Espírito Santo [uma das primeiras in- cito sobre suborno a militar, publicada 18 Golbery do Couto e Silva (1911-1987): nas Notícias do Dia do sítio do IHU, em militar e geopolítico brasileiro. Destacou- surgências armadas organizadas con- 28-02-2014, disponível em http://bit.ly/ -se como teórico do movimento político- tra o golpe civil-militar de 1964]. ihu280214. -militar de 1964. (Nota da IHU On-Line)

16 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 aqui no Brasil, acaba tendo um espa- uma questão militar, absolutamente, Tema de Capa ço muitíssimo grande, inclusive com a “Os militares, porque eles, os militares, estão total- presença do então coronel Paul Aus- mente despreparados para tal função. saresses19, que foi adido militar fran- muito Mas agora, frente à incompetência cês no Brasil, professor na Escola Na- da chamada polícia militar brasileira, cional de Informações (em Brasília), e semelhantemente seremos forçados a conviver com o também instrutor no Centro de Ins- mal maior. Nossa presidenta acabou trução de Guerra na Selva (Manaus). aos seguidores por cometer um lamentável e terrível Este pensamento, do qual eu equívoco. discordo profunda, total e absolu- de Adolf Hitler, tamente, mas reconheço que é um IHU On-Line – Gostaria de adi- pensamento tão forte que empolgou até hoje dizem cionar algo? os militares, os quais, muito seme- Jair Krischke – Trata-se da ques- lhantemente aos seguidores de Adolf que prestaram tão da impunidade. Os militares brasi- Hitler, até hoje dizem que prestaram leiros estão convencidos de que cum- um grande serviço ao Brasil – Hitler um grande priram bem o seu papel. Com aquele dizia que estava prestando um gran- viés golpista, puritanista, eles estão de serviço à humanidade. Por favor! serviço ao Brasil. convencidos, sim, de que fizeram um É por isso que eles têm não só este bem para o país, quando, na verdade, sentimento de impunidade, mas uma Hitler dizia que nos infelicitaram e atrasaram o Brasil cartilha na qual eles rezam todos os com duas décadas perdidas. E não ad- dias. Quando na verdade foram “bár- mitem responder sobre seus crimes baros”. Dizem que havia uma guerra, estava prestando de lesa humanidade. mas que guerra? Até esta coisa mais absurda que o ser humano pratica, um serviço à que é a guerra, tem convenção – a Leia mais... Convenção de Genebra, que deter- humanidade” mina, por exemplo, que os inimigos • Operação Condor: novas revela- presos não sejam torturados, tendo ções. Entrevista especial com Jair apenas a obrigação de revelar o nome Latina. Frente a estas mobilizações, Krischke, de 24-03-2013, disponível e a patente. E, aos inimigos mortos junto às questões que envolvem a em http://bit.ly/1h3JBzr em combate, com respeito devem Copa do Mundo de 2014, quando os • “A Lei de Anistia é uma autoanistia”. ser enterrados, registrando-se o local olhos do mundo vão estar voltados Entrevista especial com Jair Kris- e demais dados que ajudem em uma para o Brasil, os militares foram cha- chke, de 25-05-2012, disponível em posterior identificação, facilitando, mados. Não se pode admitir isso. E é http://bit.ly/1dBm2mX assim, que os corpos sejam entregues aí que se dá o problema. • Comissão da Verdade e consoli- aos seus familiares. Nada disso foi ob- dação da democracia. Entrevista IHU On-Line – A chamada segu- servado durante a ditadura militar no especial com Jair Krischke, em 20- rança pública é uma questão das for- Brasil. Romperam até com as regras 09-2011, disponível em http://bit. da guerra e foram covardes. Aliás, têm ças policiais, não dos militares... ly/1dBmkKD sido covardes até hoje, porque não Jair Krischke – A presidenta Dil- • Governo Dilma: as esperanças para assumem os crimes que praticaram, ma Rousseff chamou os militares no os crimes de lesa humanidade. Palácio do Planalto para dizer: “eu a Comissão da Verdade. Entrevista quero que a Copa aconteça. Os senho- especial com Jair Krischke, em 07- IHU On-Line – O senhor vê um res são responsáveis pela segurança”. 01-2011, disponível em http://bit. www.ihu.unisinos.br desdobramento do pensamento da Disse um general: “presidenta, isso ly/1o8HXGm guerra de contrainsurgência nas ini- é atribuição da polícia, não é nossa”. • PNDH-3. Verdade, justiça e repa- ciativas de repressão às manifesta- “General, o senhor já está escalado. ração. Entrevista especial com Jair ções populares hoje em implementa- O senhor será o responsável pela se- Krischke, em 09-01-2010, disponível ção no Brasil? gurança”. Esse diálogo foi relatado em http://bit.ly/1hFduHc Jair Krischke – Lamentavelmen- por alguém que estava lá. Verdade ou • Os 30 anos da anistia no Brasil. En- não, o resultado final foi péssimo20. te, este é o pensamento militar ainda trevista especial com Jair Krischke Sim, esta é claramente uma vigente hoje, não só no Brasil, mas em em 31-08-2009, disponível em ht- geral nas forças armadas da América questão de polícia. A segurança pú- blica é uma questão de polícia, não é tp://bit.ly/1jEb16G • “Quem inaugurou a Operação Con- 19 Paul Aussaresses (1918 – 2013): Ge- dor, quando sequer havia esse no- neral francês que lutou durante a 2ª 20 Ver conteúdo da Portaria Normativa nº me, foi o Brasil”. Entrevista com Jair Guerra Mundial, a Guerra da Indochina e 3.461/MD, de 19 dez. 2013, que dispõe a Guerra da Algéria. Seus métodos causa- sobre a “Garantia da Lei e da Ordem, Krischke, em 01-02-2008, disponível ram grandes controvérsias. (Nota da IHU disponível em http://bit.ly/1kAFt1I. em http://bit.ly/1dBlJbN On-Line) (Nota do entrevistado)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 17 “Não há tema mais atual do que a memória”

José Carlos Moreira analisa as relações entre empresários e militares e o favorecimento aos simpatizantes do regime com financiamentos e contratos públicos

Por Ricardo Machado e Luciano Gallas

Tema de Capa de Tema urante um bom tempo a política que sempre é indiferente às florezinhas pisotea- econômica implementada a fórceps das pelo caminho, sempre colocando em primei- “Dpelos governos militares favoreceu ro lugar a técnica e o dinheiro, e deixando em largamente as elites empresariais e o capital es- segundo plano as vidas, os desejos, as emoções, trangeiro no Brasil. Houve um forte estímulo e as pessoas em suas manifestações e identidades crescimento das exportações, trazendo uma sen- plurais”, pondera o professor. “Quem fará esta sação de euforia que ficou conhecida como ‘mi- sociedade mais inclusiva e humana seremos nós, lagre econômico’”, afirma José Carlos Moreira. sempre aqui e agora, e não porque pensemos “Aproveitando o crescimento das importações e o nos nossos filhos e netos, mas justamente por- afluxo maior do capital estrangeiro, a ditadura re- que recolhemos as vozes e os sonhos dos nossos primiu violentamente as demandas trabalhistas. pais e avós. Entender o passado como morto é o O arrocho salarial foi praticamente uma constante caminho mais rápido para eliminarmos o nosso ao longo dos 21 anos de ditadura, houve quase futuro”, continua. nenhuma política expressiva ou destinação de re- José Carlos Moreira da Silva Filho possui dou- cursos significativos para a educação e a saúde, torado em Direito das Relações Sociais pela Uni- o crescimento da dívida externa foi exponencial, versidade Federal do Paraná – UFPR; mestrado chegando a 43 bilhões e meio de dólares em em Teoria e Filosofia do Direito pela Universida- 1978. Em 1984, já no finzinho da ditadura, e após de Federal de Santa Catarina – UFSC e bachare- o ‘milagre’ ter se dissipado e a recessão ter im- lado em Direito pela Universidade de Brasília – perado, tinha-se uma inflação anual de 224% e a UnB. Atualmente, é professor da Faculdade de dívida externa continuava alta”, complementa. Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio José Carlos Moreira também nesta entrevis- Grande do Sul – PUCRS, exercendo a atividade ta, concedida por e-mail à IHU On-Line, destaca tanto no Programa de Pós-Graduação em Ciên- a relevância e atualidade da memória enquanto cias Criminais quanto na graduação em Direito. É tema. “Como ensinou Benjamin1, a realidade do também vice-presidente da Comissão de Anistia, passado não é composta apenas dos fatos ocor- do Ministério da Justiça; coordenador do grupo ridos, mas também dos sonhos, projetos e vidas de estudos Direito à Verdade e à Memória e Jus- que não prosperaram. A vida pulsa no instante tiça de Transição; membro-fundador do grupo em que o apelo por justiça e reconhecimento é de estudos sobre Internacionalização do Direito ouvido no presente e transformado em gesto de e Justiça de Transição – Idejust. interrupção do ciclo automático do progresso, Confira a entrevista.

1IHU On-Line – De que maneira a tação ao golpe civil-militar de 1964? Partido Comunista Brasileiro e até sociedade civil deu guarida e susten- José Carlos Moreira – Dificilmen- pelo programa de reformas deflagra- te uma ditadura de 21 anos consegui- do pelo presidente João Goulart de ria manter-se em um país de dimen- que o Brasil seria impulsionado por 1 Walter Benjamin (1892-1940): filósofo sões continentais como o Brasil sem uma burguesia nacionalista naufra- alemão. Foi refugiado judeu e, diante da perspectiva de ser capturado pelos nazis- que houvesse, desde o início, o apoio gou. Ao contrário, temerosos com as tas, preferiu o suicídio. Um dos principais de parte expressiva da sociedade civil. políticas de restrição da remessa de pensadores da Escola de Frankfurt. Sobre www.ihu.unisinos.br Tal apoio, contudo, é conduzido pelos lucros para o exterior, da realização Benjamin, confira a entrevista Walter Benjamin e o império do instante, con- interesses de uma parcela minoritá- da reforma agrária, da alfabetização cedida pelo filósofo espanhol José Anto- ria desta sociedade, em especial a política via método Paulo Freire, do nio Zamora à IHU On-Line nº 313, dispo- elite econômica. A aposta feita pelo aumento de salário dos trabalhadores nível em http://bit.ly/zamora313.

18 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 e efetiva implementação de garantias ditadura. Alimentaram o seu império de, o crescimento da dívida externa foi Tema de Capa e direitos para o setor, de estímulo à no ninho da repressão. Os jornalistas exponencial, chegando a 43 bilhões e organização sindical autônoma, de como Samuel Wainer2, do jornal Últi- meio de dólares em 1978 (para se ter nacionalização de certos setores pro- ma Hora, contrários à ditadura, sofre- uma ideia do crescimento da dívida, dutivos, a burguesia brasileira aliou-se ram as consequências com empaste- em 1966 ela era de 4 bilhões e meio ao majoritário grupo de militares e ao lamentos, perseguições e, finalmente, de dólares). Em 1984, já no finzinho seu atávico sentimento anticomunis- o fechamento dos seus veículos. E no da ditadura, e após o “milagre” ter se ta, urdido desde o início do século XX. meio disto tudo, a presença de uma dissipado e a recessão ter imperado, A opção desta aliança, sacramen- classe média temerosa de perder os tinha-se uma inflação anual de 224% tada simbolicamente com o financia- seus privilégios com as políticas de e a dívida externa continuava alta. mento da Operação Bandeirantes em redistribuição de renda propostas por Os políticos e empresas que fo- São Paulo pela maciça maioria dos Jango, ou enfeitiçada pelo canto da ram fiéis ao regime tinham as denún- empresários paulistas, que concor- sereia do anticomunismo paranoico e cias de corrupção arquivadas e eram daram em contribuir com o “chapéu” pelo anúncio fantasioso de uma revo- favorecidos no acesso aos financia- passado pelo diretor do Grupo Ultra, lução comunista no país, ou simples- mentos e contratos públicos. A cor- Henry Boilesen, como bem evidencia mente, herdeira de uma cultura es- rupção era endêmica e era favorecida o excelente documentário Cidadão cravocrata e autoritária. As camadas pela total ausência de transparência Boilesen, de Chaim Litewsky (2009), mais pobres, apoiadas pelos setores das ações públicas e pela rigorosa foi a do alinhamento aos macrointe- minoritários das classes médias, como censura implementada, sem falar que resses estadunidenses e aos grandes setores da Igreja mais abertos, grupos a própria imprensa, de modo majori- conglomerados internacionais, perfi- expressivos de intelectuais, estudan- tário, era fiel ao regime. É bom lem- lando-se à doutrina de segurança na- tes e artistas, bem como políticos mais brar disto antes de concordar com o cional ensinada pelos militares dos Es- alinhados à esquerda, trabalhadores já batido bordão de que “na ditadura tados Unidos aos militares brasileiros mais organizados e uma minoria de não havia corrupção”. Mentira feia. desde pelo menos a Segunda Guerra militares, não estavam empoderadas Mundial, o que era reforçado pela eli- ou preparadas suficientemente para IHU On-Line – Como explicar um te militar intelectual e acadêmica que fazer frente ao golpe, tanto que nem Estado que se desenvolve defenden- grassava na Escola Superior de Guer- sequer houve resistência à queda de do uma liberdade ampla ao mercado ra, na qual um dos membros mais Jango, e a tentativa depois esboçada e uma liberdade mínima à democra- destacados era justamente o artífice foi violentamente massacrada. cia? Como isso é atualizado no século do golpe e futuro líder do primeiro Durante um bom tempo a polí- XXI? governo ditatorial do período, o ge- tica econômica implementada a - fór José Carlos Moreira – O liberalis- neral Humberto Castello Branco. Na- ceps pelos governos militares favore- mo econômico não necessita da de- quela época de amplas oportunidades ceu largamente as elites empresariais mocracia para funcionar muito bem, de lucro para as grandes corporações e o capital estrangeiro no Brasil. Hou- especialmente em sua versão mono- multinacionais e de uma disputa acir- ve um forte estímulo e crescimento polista e financeira. Isto fica claro no rada entre os blocos estadunidense e das exportações, trazendo uma sen- que disse na resposta anterior. O mer- soviético, não era tolerável pelos seto- sação de euforia que ficou conhecida cado não é nada democrático, tende a res alinhados aos EUA a manutenção como “milagre econômico”. De fato, a favorecer sempre os mais poderosos de um governo que adotasse as polí- balança econômica externa melhorou e os que possuem mais recursos, com ticas nacionalistas e sociais que Jango em relação ao momento de crise que uma ajuda sempre providencial do Es- vinha tentando implementar. Daí a vivia Jango. Contudo, tal melhora não tado quando isto for necessário, como conspiração com largo apoio do go- se refletiu em melhoria de vida para se viu na grande crise financeira mun- verno estadunidense e suas agências os setores populares. Aproveitando dial ocorrida em 2008, ou como se viu e a fabricação da atmosfera paranoica o crescimento das importações e o nos regimes ditatoriais da segunda www.ihu.unisinos.br do chamado “perigo vermelho”. Esta afluxo maior do capital estrangeiro, metade do século passado na Amé- foi a opção da nossa “burguesia” su- a ditadura reprimiu violentamente rica Latina. Os mais fracos são sim- postamente nacionalista. as demandas trabalhistas. O arrocho plesmente descartados, não há lugar Houve também o apoio dos seto- salarial foi praticamente uma cons- para eles. Quanto ao que vivemos no res mais conservadores da Igreja Ca- tante ao longo dos 21 anos de dita- século XXI, as liberdades são toleradas tólica, tão ou mais anticomunistas que dura, houve quase nenhuma política até o momento em que não ameacem os próprios militares. A imprensa, de expressiva ou destinação de recursos seriamente os interesses dos gran- modo quase unânime, também parti- significativos para a educação e a saú- des atores do mercado. As tendên- cipou da conspiração e apoiou o golpe cias contra-hegemônicas conseguem desde o primeiro instante, estando os 2 Samuel Wainer (1910 – 1980): Jorna- algumas vitórias sim, muitas delas seus donos atrelados de maneira pro- lista brasileiro, fundador, editor-chefe e simbólicas, mas não são páreo, de um funda aos interesses da elite econô- diretor do jornal Última Hora. Exerceu modo geral, para o poder econômico papel importante no governo de Getúlio mica. Grupos hoje muito poderosos Vargas, sendo ele próprio o redator de assim entendido. Em uma sociedade como as Organizações Globo cresce- alguns dos discursos ou declarações de de mercado, paradoxalmente, o Esta- ram vertiginosamente com o apoio da Vargas – fato que lhe garantiu o apelido do é indispensável para que, através de “Profeta”. (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 19 de políticas sociais, ao menos se possa PCB, no entanto, não era a luta arma- do pela Central Intelligence Agency – obter alguma melhora na busca da di- da e sim o apoio às reformas de base CIA (Agência Central de Inteligência). minuição da desigualdade. É uma luta do Jango e ao empresariado naciona- É incrível que, com tantas evi- difícil, mas certamente muito mais fa- lista. A passagem ao socialismo deve- dências históricas sobre a inexistên- vorecida por um regime democrático ria ser gradual. Sem dúvida que exis- cia de uma possibilidade real de um do que por uma ditadura. tiam grupos de esquerda que eram golpe de esquerda no Brasil, muitos favoráveis a uma ação política mais jornalistas, professores, militares e IHU On-Line – Comentaste do radical e violenta, como o PCdoB5, por cidadãos em geral insistam na tese temor em relação ao comunismo exemplo, mas tais grupos eram pe- do “perigo vermelho”. Em 2010, che- criado na década de 1960. Atualmen- quenos e não tinham nem condições gamos ao ponto de um juiz da nossa te, há um projeto de lei que visa clas- materiais e nem políticas para sequer Suprema Corte afirmar que a ditadura sificar o movimento black bloc como imaginarem a concretização de uma “foi um mal necessário” para afastar terrorista. Como essas sutilezas con- ação como esta. tal perigo. taminam o imaginário coletivo crian- Como restou muito claramente A conexão existente na pergunta do um ambiente favorável a posturas evidenciado no filme O dia que du- entre a criação de um ambiente para-

Tema de Capa de Tema golpistas? rou 21 anos (Camilo Tavares. 2012), noico fantasioso e a ação autoritária José Carlos Moreira – Analisan- houve uma ação concertada entre no âmbito institucional foi exatamen- do o caso brasileiro, fica claro que a órgãos de inteligência dos EUA e se- te a que eu procurei fazer em um pe- chamada “ameaça vermelha” era um tores contrários às reformas de Jan- queno artigo enviado ao jornal Zero fantasma muito conveniente para que go na ala direita da política para criar Hora, publicado no dia 19-02-20148, diferentes setores da elite brasileira um ambiente paranoico e fantasioso para criticar o projeto de lei, ora em (empresários, donos de meios de co- em torno de um suposto e iminente debate no Congresso Nacional, que municação, autoridades eclesiásticas, golpe comunista que estaria prestes procura tipificar o crime de terroris- latifundiários, famílias abastadas, en- a ser dado. Dois órgãos que se des- mo no Brasil. Tal episódio nos mostra tre outros), incomodados com as re- tacaram nesta propaganda antico- o quão frágil é a nossa democracia, formas que o presidente João Goulart munista foram o IPES6 e o IBAD7, que ainda que tenhamos evidentemente buscava encaminhar, conseguissem recebiam mundos e fundos direta- avançado após o final da ditadura. É manter os seus privilégios e aumentar mente enviados dos EUA. A própria preciso ter clareza que o sistema po- ainda mais o fosso de desigualdade Marcha da Família com Deus e pela lítico hoje em vigor – assim como o entre eles e a grande massa popu- Liberdade foi um produto oriundo da segurança pública, inúmeras prá- lar. Tal fantasma também foi conve- desta arquitetura golpista e financia- ticas e regulamentos administrativos, niente aos interesses geopolíticos do o modelo tributário e outras estru- governo estadunidense em manter turas institucionais – não se alterou a liderança econômica, política e mi- sobre fundo vermelho, simbolizando a substancialmente desde o período litar na América Latina, já fracionada união entre os trabalhadores do campo e ditatorial. Tal contexto favorece a pos- da cidade. (Nota da IHU On-Line) 3 pela Revolução Cubana , sem falar 5 PCdoB (Partido Comunista do Brasil): sibilidade de que, mesmo em meio a das grandes empresas transnacionais fundado em 1962 a partir de uma cisão do um regime democrático formal, -se que chegaram inclusive a financiar a PCB – que, originalmente, se chamava Par- jamos capazes de produzir normas tido Comunista do Brasil e que, após a ci- repressão a opositores políticos e a são do início da década de 1960, manteve autoritárias que, na prática, servirão perseguir sistematicamente trabalha- a sigla e mudou o nome; enquanto o novo para estimular e encobrir ações de dores considerados subversivos. partido criado manteria o nome e mudaria violência policial e de criminalização a sigla (para PCdoB). Assim como o PCB, No início da década de 1960 não possui como símbolo uma foice e um mar- de movimentos sociais. O conceito de estavam postas as condições objetivas telo cruzados em amarelo sobre um fundo terrorismo foi largamente aplicado no para que ocorresse uma tomada vio- vermelho. (Nota da IHU On-Line) período ditatorial para estigmatizar, 6 IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos lenta de poder voltada ao espectro es- Sociais): entidade anticomunista fundada perseguir e desumanizar os grupos querdo da política nacional. O Partido em novembro de 1961 por Augusto Traja- que procuraram resistir ao regime com maior poder de penetração po- no de Azevedo Antunes (ligado à Caemi) de exceção, independentemente de e Antônio Gallotti (ligado à Light), cons- 4 pular era o Partidão . O que pregava o tituindo-se em um dos principais núcleos serem grupos armados ou não, de se- de oposição e lançando-se em campanha rem comunistas ou não, bastava ser contra o governo João Goulart. Sua sede, oposição ao governo ditatorial fora 3 Revolução Cubana: movimento popular localizada em um arranha-céu na região que consistiu na derrubada do governo de central do Rio de Janeiro, possuía 13 sa- dos mínimos espaços consentidos e Fulgencio Batista pelo movimento de 26 las. Reunia diversos movimentos de direi- controlados. Hoje no mundo não exis- de Julho e o estabelecimento de um novo ta. (Nota da IHU On-Line) te um consenso semântico a respeito governo, de orientação socialista e lide- 7 IBAD (Instituto Brasileiro de Ação De- rado por Fidel Castro, no início de 1959, mocrática): organização anticomunista do sentido da palavra “terrorismo”. durante o período da Guerra Fria. (Nota fundada em maio de 1959 por Ivan Has- da IHU On-Line) slocher. Reunia vários empresários, entre 4 PCB (Partido Comunista Brasileiro): tam- os quais Gilbert Huber Jr, Glycon de Pai- 8 Não carecemos de uma lei assim. Artigo www.ihu.unisinos.br bém conhecido como Partidão, foi funda- va e Paulo Ayres Filho. Possuía ligações publicado nas Notícias do Dia, do sítio do do em 1922. Tem sua base ideológica no com a CIA estadunidense. Foi extinto em Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em marxismo-leninismo. Seus símbolos são a dezembro de 1963 por ordem judicial. 20 fev. 2014. Disponível em: http://bit. foice e o martelo cruzados, em amarelo, (Nota da IHU On-Line) ly/1piaQgq. (Nota da IHU On-Line)

20 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 Apesar disso, a ação de grupos como tes, na Marcha do MST ocorrida este Tema de Capa a Al Qaeda9 e o ETA10 é a que mais se “Como ensinou ano na Esplanada dos Ministérios, em aproxima do que teríamos hoje como Brasília. consenso. Benjamin, a Voltando ao exemplo que quero Sobre isto digo duas coisas. A dar, é gritante a diferença de trata- primeira é que raramente surge na realidade do mento dado aos black blocs, incensa- legislação mundial e nos grandes ve- dos em repetidas manchetes como o ículos de mídia a explícita referência passado não bode expiatório do momento, e casos ao que poderia ser considerada a pior chocantes de violência policial. Não forma de terrorismo: aquela patroci- é composta seria mais repugnante e grave o que nada pelo Estado. É a pior forma, pois ocorreu com a Dona Cláudia Ferreira o governo detém em suas mãos um apenas dos fatos da Silva11 no Morro da Congonha, na aparelhamento bélico, burocrático, cidade do Rio de Janeiro? Uma mu- técnico e jurídico que nenhum outro ocorridos, mas lher negra, pobre, trabalhadora, que, grupo nacional pode igualar, a não ser ao ir comprar pão com mortadela na em casos limites de guerra civil, sem também dos padaria para os seus filhos e sobri- falar que violenta a sua função princi- nhos, foi alvejada por uma bala dis- pal, que é a de proteger os cidadãos. sonhos, projetos parada pela polícia, depois foi levada Logo, a eficiência em espalhar o terror pelos policiais como se fosse um saco e o medo na sociedade é exemplar. e vidas que não de cimento no bagageiro de um car- A segunda observação é que no ro, no trajeto a porta abre e ela cai no Brasil não temos nada que sequer che- prosperaram” asfalto, sendo arrastada por um bom gue perto às características de grupos tempo pelo carro, já que sua roupa como a Al Qaeda e o ETA, nem há evi- ficou presa na porta. Avisados por dências da ação do primeiro na cha- motoristas que estavam próximos, os de alguns pequenos grupos e pesso- mada Tríplice Fronteira [entre o Bra- policiais não pararam. E só estamos as que destroem bens públicos e es- sil, a Argentina e o Paraguai]. O alvo sabendo disto porque alguém filmou timulam o confronto. Tais ações são evidente do projeto de lei que busca o fato com o seu celular. Este nível em primeiro lugar contraproducentes, tipificar o terrorismo são as manifes- de brutalidade por parte da polícia é pois dão o pretexto esperado para tações contra a Copa mais especifica- cotidiano nessas comunidades, trans- deslegitimar as mobilizações políticas mente (tanto que estádios esportivos formadas em verdadeiras zonas de nas ruas e para justificar (se é que dá são considerados “bens essenciais”, exceção. Perto disto, os black blocs pra justificar) a brutalidade das forças cuja destruição pode tipificar o -cri parecem um grupo de escoteiros. me no projeto) e, mais geralmente, de segurança do país. Em segundo lugar, levam a um beco sem saída po- os movimentos sociais organizados e IHU On-Line – Por que o senhor lítico, não estão atrelados a nenhum suas lideranças, aprofundando a ten- sustenta que em regimes autoritários projeto para o país, não representam dência já existente de criminalização não há crime político? um grupo político com demandas e dos movimentos sociais. José Carlos Moreira – Neste par- propostas concretas para a sociedade, Para terminar, dou apenas um ticular, eu concordo com o que escre- não disputam o espaço democrático. exemplo do caráter artificial e sele- veu Heleno Cláudio Fragoso em um De todo modo, é bom também filtrar tista dos noticiários em geral quando livro publicado em 1981 (portanto, as ações violentas que são obra da apresentam os black blocs e “vânda- ainda durante a ditadura) e intitulado própria polícia, seja com a sua bruta- los” como uma temível ameaça nacio- Terrorismo e Criminalidade Política lidade habitual ao reprimir manifes- nal. Primeiro, é necessário dizer que (Rio de Janeiro: Forense, 1981). Ali www.ihu.unisinos.br tantes (a porcentagem de mortos e não concordo com as ações violentas ele pondera que a categoria do crime feridos nas manifestações deve-se em político aponta para um crime que se sua grande maioria às ações da polí- 9 Al Qaeda: Organização fundamentalis- volta diretamente contra o Estado e a ta da extrema-direita islâmica, conhe- cia), seja com agentes infiltrados que cida por práticas terroristas na África, executam tais ações para que sejam Oriente Médio e América do Norte. Seu 11 Cláudia Ferreira da Silva (1976-2014): fundador e principal colaborador foi Osa- imputadas aos “vândalos”, seja, por Auxiliar de limpeza num hospital, mãe de ma bin Laden. (Nota da IHU On-Line) fim, com provocações armadas para 4 crianças, foi morta por engano em ação 10 ETA (Euskadi Ta Askatasuna – basco causar comoção, como ocorre quan- da PM no Rio de Janeiro. Comoveu o país para Pátria Basca e Liberdade): fundada ao ser retratada em vídeo após ter caído em 1959 por dissidentes do Partido Na- do um ou outro agente policial resolve do porta-malas da viatura e ser arrastada cionalista Basco – por sua vez, fundado provocar grupos mais numerosos dis- no asfalto por 250 metros. Sobre o assun- em 1895 e que sobrevivera na clandes- to, ver as Notícias do Dia do sítio do IHU, tinidade durante a ditadura de Francis- postos ao confronto sem que estejam como em Claudia Silva Ferreira: baleada, co Franco (1939-1975) na Espanha. É um devidamente equipados para evitar arrastada e morta pela PM. Até quando?, grupo que procura a independência do as prováveis agressões. Isto ocorreu de 20-03-2014, em http://bit.ly/1rXkrf3 País Basco (Euskal Herria), reivindicando e Caso Claudia: 72% dos socorridos por as regiões nordeste da Espanha e sudoes- por exemplo, como tive a chance de PMs não resistiram, também em 20-03- te da França. (Nota da IHU On-Line) apurar junto aos próprios manifestan- 2014, em http://bit.ly/ihu200314.

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 21 ordem política e jurídica instituídas, para os crimes”, não é? Inclusive da- para descobrir fatos, documentos e visando a sua derrubada, mas que só queles ocorridos após a edição da narrativas que podem ficar completa- configura crime se o Estado, alvo da Lei em 1979, como foi o caso do Rio- mente escondidos e afastados de uma ação tida como criminosa, for um Es- centro, ocorrido em 1981. A Lei de Comissão da Verdade, por exemplo. tado democrático, cujo governo seja Anistia de 1979 é um claro exemplo O Estado democrático tem o de- legítimo, pois, do contrário, o que de legalismo autoritário, não só pelo ver de usar todas as suas forças e re- teremos é, de um lado, um governo modo antidemocrático como foi feita, cursos para a produção da “verdade” usurpador, ilegítimo e, consequen- ainda que até hoje vendida como um e o resgate da memória política. Res- temente, autoritário, e, de outro, produto democrático ou um “acordo”, gatar a memória significa ser permeá- grupos que exercem o seu legítimo mas também pelo seu conteúdo. Está vel às narrativas dos sobreviventes e a direito de resistência. Por esta razão, fora do conceito de democracia qual- elas dar o devido lugar de destaque. por exemplo, considero inadequada a quer legislação que vise anistiar cri- Produzir a verdade significa franque- linguagem utilizada na inicial da ação mes contra a humanidade. É um limi- ar o acesso a todos os documentos que o Conselho Federal da Ordem te substancial à vontade da maioria, públicos, colher os depoimentos dos dos Advogados do Brasil – OAB, assi- mesmo quando ela exista (como no agentes públicos e privados respon-

Tema de Capa de Tema nada por Fábio Konder Comparato12, caso uruguaio), o que não é o caso no sáveis e envolvidos, colher o teste- ingressou no Supremo Tribunal Fe- Brasil. É pedra assente e fundamen- munho dos sobreviventes, utilizar as deral – STF para questionar a cons- tal na ordem jurídica internacional o arenas e palcos públicos disponíveis, titucionalidade da Lei de Anistia de caráter imprescritível de tais crimes dentre os quais se destacam os do 1979. O texto da petição inicial acaba, e a impossibilidade de que venham a âmbito criminal, para a investigação inadvertidamente, chancelando a lin- ser anistiados, especialmente quando dos fatos. É certo que produzir esta guagem da ditadura, pois afirma que esta anistia significa ausência de in- verdade, ao meu juízo, é algo muito os perseguidos políticos teriam prati- vestigação e responsabilização. diferente de impor uma história ofi- cado crimes políticos. Entendo que a Veja, eu não sou favorável à pena cial ou de atribuir ao resultado final estratégia era afirmar que os tortura- de prisão perpétua ou à pena de mor- da investigação o status de verdade dores não praticavam crimes políticos te para qualquer pessoa, mesmo para definitiva. A academia historiográfica ou conexos ao matarem e torturarem um genocida como o ditador Videla13, não irá e nem deverá fechar-se nas e, portanto, não poderiam ser alcan- na Argentina. Também não acho que interpretações construídas até este çados pela anistia, mas realmente não a prisão seja uma solução social acei- momento. A pesquisa estará sempre concordo com esta linha de argumen- tável para lidar com a criminalidade em aberto, assim como também a tação, primeiro porque os opositores de modo geral, especialmente se es- possibilidade de novos documentos, da ditadura exerciam o direito de re- tivermos tratando de crimes que não fatos e narrativas. Nem mesmo o re- sistência, segundo porque os agentes sejam contra a vida. É mais problema latório final da Comissão da Verdade da ditadura não praticavam crimes que solução. Mas, quando estamos poderá ser encarado como um ponto comuns, como afirmado na petição, e lidando com crimes contra a humani- final neste processo. Nossa agenda de sim crimes contra a humanidade. Creio dade, praticados pela própria organi- transição ainda tem muito o que ven- que faltou na inicial uma fundamenta- zação estatal, que são realidade e ca- cer. As pesquisas sobre o passado são ção mais robusta no campo do Direito tegoria completamente diversa da dos coisa do futuro em um constante pro- Internacional dos Direitos Humanos. crimes comuns, é inegável o impacto cesso de presentificação do passado. simbólico da punição na prevenção Por tais razões, vejo como necessários IHU On-Line – A Lei da Anistia de geral da violência estatal e na luta os processos de responsabilização 1979 serviu aos interesses militares, pela mudança da cultura institucional penal desses crimes, mesmo que, em ao arranjar uma explicação para os dos órgãos de justiça e segurança. A um segundo momento, seja possível crimes cometidos durante o regime meu ver, são os crimes mais graves algum tipo de diminuição da pena, de exceção? e os mais difíceis de serem respon- pois penso que o essencial não é pu- José Carlos Moreira – Você quer sabilizados (dado o envolvimento do nir, mas sinalizar para as responsabili- dizer “arranjar uma não explicação próprio Estado e, não raro, de setores dades, demarcando-as claramente no civis poderosos na sociedade). Não é plano público, e contribuindo assim 12 Fábio Konder Comparato (1936): à toa que são o alvo, ao menos teóri- para uma cultura de não repetição advogado, escritor e jurista brasileiro, co, quando se trata de certos países, formado pela Faculdade de Direito da desses crimes. Universidade de São Paulo. É professor ti- das instâncias judiciais internacionais, Creio que estamos avançando um tular aposentado (em 2006) da Faculdade como os tribunais ad hoc e, hoje em pouco neste campo. Exemplo disto é de Direito da Universidade de São Paulo, dia, do próprio Tribunal Penal Inter- doutor em Direito pela Universidade de a postura do Ministério Público Fede- Paris e doutor Honoris Causa da Univer- nacional. Também é preciso ponderar ral – MPF. Em evento recente ocorrido sidade de Coimbra. Em 2009, recebeu o que uma investigação criminal tende na cidade do Recife (10 a 14 de março título de Professor Emérito da Faculdade a ter muito mais condições e poderes

www.ihu.unisinos.br de Direito da Universidade de São Pau- de 2014), organizado pela Comissão de lo. Recentemente, Comparato colaborou Anistia e voltado ao marco dos 50 anos com o Cadernos IHU ideias nº205, intitu- 13 Jorge Rafael Videla (1925 – 2013): mi- lado A memória do regime empresarial- litar e ditador da Argentina, presidente do golpe e à necessidade de construir- -militar brasileiro (Nota da IHU On-Line) entre 1976 e 1981. (Nota da IHU On-Line) mos uma nova agenda de transição

22 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 política, na qual o relatório final da de lesa-humanidade e da abertura Tema de Capa Comissão Nacional da Verdade é ape- “O liberalismo dos arquivos, tendo contribuído com nas o início, o combativo e qualificado várias ações concretas nesta direção. grupo do MPF conhecido como “GT – econômico A Comissão Nacional da Verdade, por Justiça de Transição” esteve em peso, outro lado, tem uma missão e um lugar e com a presença de promotores de não necessita institucional privilegiados em função outros países latino-americanos que da própria lei que a instituiu. Desde o também lidam com esses crimes, da democracia início, contudo, assistimos a uma pos- como Argentina, Uruguai e Guatema- tura claudicante da Comissão, seja em la, para, pela primeira vez na história para funcionar relação à defesa da responsabilização do Brasil, prestar contas em público pelos crimes da ditadura, seja em tor- (um público qualificado, composto muito bem, nar públicas as suas sessões, especial- por familiares de mortos e desapare- mente os testemunhos, seja em exigir cidos políticos, militantes de direitos especialmente de maneira mais veemente a abertura humanos, pesquisadores e acadêmi- dos arquivos das Forças Armadas. Tal cos oriundos de mais de 16 países, em sua versão hesitação manifestou-se, a meu ver, estudantes, professores e agentes pú- em dois aspectos. Primeiro, interna- blicos) das investigações e ações ora monopolista e mente, com um claro desacordo sobre em curso que buscam responsabilizar estratégias, métodos e até mesmo opi- os crimes da ditadura no Brasil, inclu- financeira” niões políticas, culminando com bri- sive com a divulgação e distribuição gas entre os comissionados e a saída de um relatório escrito e com a pu- de um deles. Em segundo lugar, ficou blicização de detalhes incríveis sobre reitos Humanos, 2007), e, no caso da clara uma interferência férrea da Presi- a investigação do emblemático caso Comissão de Anistia, dos julgamentos dência da República no sentido de co- Riocentro. Mas, para que tudo isto dê itinerantes de pedidos de reparação, locar panos quentes nas questões mais resultado, é indispensável que a Lei conhecidos pelo nome de Caravanas sensíveis aos militares, especialmente de Anistia seja interpretada de acordo da Anistia, e nos quais o testemunho a discussão sobre a Lei de Anistia. Creio com a legislação internacional de Di- dos sobreviventes encontra o seu me- que associado a este segundo aspecto reitos Humanos, de acordo com a nos- lhor lugar até agora no espaço públi- está a resistência das Forças Armadas em colaborar com os trabalhos, como sa Constituição e, inclusive, de acordo co brasileiro14. A Comissão de Anistia se viu quando foi barrada a entrada da com a sentença condenatória do Bra- tem também produzido publicações Comissão no Batalhão onde funciona- sil na Corte Interamericana de Direitos acadêmicas a partir de seminários in- va o DOI-Codi15 no Rio de Janeiro. Esta Humanos no caso Gomes Lund. ternacionais e mantido um periódico resistência, é claro, advém da ausência científico, já em seu oitavo volume, in- de qualquer arrependimento pessoal IHU On-Line – Como o senhor titulado Revista Anistia Política e Jus- dos altos oficiais e dos que hoje estão avalia o trabalho da Comissão Nacio- tiça de Transição. Digno de menção é nal da Verdade? Como vê as críticas na reserva, e institucional, crendo-se também o projeto Marcas da Memó- de que o grupo não pressiona por um até hoje nas escolas, academias e es- ria, que já financiou dezenas de proje- posicionamento mais contundente paços militares que o golpe foi neces- tos culturais e científicos voltados ao da Presidência da República no senti- sário e que a ditadura foi um grande resgate da memória política, dentre do de abrir os documentos da época? bem para o país. eles a produção de filmes (como Re- José Carlos Moreira – Em primei- Apesar deste cenário, acredito pare Bem, Eu me lembro e os docu- ro lugar, é preciso ter claro que o tra- que a Comissão Nacional da Verdade mentários Advogados contra ditadura conseguiu avançar, e tem conseguido balho da Comissão Nacional da Verda- www.ihu.unisinos.br e Militares que disseram não, ambos de não é o único dentro do processo se tornar mais assertiva, especialmen- de transição brasileiro. Antes dela, já dirigidos por Silvio Tendler). te devido à atuação da comissionada 16 vinham desenvolvendo um importan- A posição política da Comissão de Rosa Cardoso e de um ótimo grupo de te acúmulo a Comissão de Mortos e Anistia sempre foi no sentido da res- Desaparecidos Políticos e a Comis- ponsabilização dos agentes públicos 15 DOI-Codi: sigla de Destacamento de da ditadura que cometeram crimes Operações de Informações do Centro de são de Anistia. Ambas são comissões Operações de Defesa Interna, órgão re- de reparação, mas que também vêm pressor criado pela ditadura militar brasi- produzindo memória e verdade. Pro- 14 Sobre o assunto, ver o artigo: SILVA FI- leira e que funcionava como polícia polí- LHO, José Carlos Moreira da; OLIVEIRA, tica, responsável pela prisão e tortura de va disto são, no caso da primeira, a Roberta Cunha de. Os testemunhos das pessoas contrárias ao regime autoritário. publicação do livro/relatório conten- vítimas e diálogo transgeracional: o lu- (Nota da IHU On-Line) gar do testemunho na transição pós-di- 16 Rosa Maria Cardoso da Cunha (1946): do o resultado das investigações das tadura civil-militar brasileira. In: VES- Advogada e professora universitária. Cri- circunstâncias das mortes e desapare- COVI, Renata Conde (org.). Psicanálise e minalista, atuou em defesa de presos po- cimentos de perseguidos políticos (o Direito – uma abordagem interdisciplinar líticos no RJ, SP e no DF. Na advocacia sobre ética, direito e responsabilidade. tem trabalhado particularmente nos deli- livro Direito à Memória e à Verdade, Rio de Janeiro: Cia.de Freud; Vitória, ES: tos previstos na legislação penal especial. Brasília: Secretaria Especial dos Di- ELPV, 2013. p.131-162. Integrou o Conselho Nacional de Política

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 23 assessores. Também tem sido positiva, mea culpa institucional. O poder políti- ao meu ver, a atuação do novo comis- co instituído ainda as teme. Não vi, por Leia mais... sionado Pedro Dallari17. Algumas ações exemplo, nenhuma determinação da importantes foram tomadas, como o Presidência da República, teoricamen- • A memória política brasileira à luz envolvimento nas investigações dos te comandante das Forças Armadas, da Constituição. Entrevista com José casos Rubens Paiva18 e Riocentro (re- para que algo assim ocorresse, como, Carlos Moreira da Silva Filho publi- forçadas pela agenda do general Moli- por exemplo, um pedido público de na, descoberta quando da morte deste desculpas e a mudança da orientação cada na edição 428 da IHU On-Line, em Porto Alegre) e as determinações política e histórica na formação dos jo- disponível em http://bit.ly/ihuon428 da alteração dos atestados de óbito vens militares. • O poder menos transparente da Re- 19 de Vladimir Herzog e Alexandre Van- pública. Entrevista com José Carlos nuchi Leme20 para que informassem a IHU On-Line – Em que medida o Moreira da Silva Filho publicada na morte sob tortura. A organização de direito à memória se torna um direi- audiências e a sua abertura e divulga- to à vida? edição 383 da IHU On-Line, disponí- ção ao público também vêm melhoran- José Carlos Moreira – Não há vel em http://bit.ly/ihuon383

Tema de Capa de Tema do bastante. Creio que o relatório final tema mais atual do que a memória. • A anistia não é esquecimento ou da Comissão Nacional da Verdade será Como ensinou Benjamin, a realidade amnésia. Entrevista com José Carlos para nós um grande começo de um ne- do passado não é composta apenas Moreira da Silva Filho publicada na cessário processo de aprofundamento dos fatos ocorridos, mas também dos democrático e de continuidade das sonhos, projetos e vidas que não pros- edição 358 da IHU On-Line, disponí- pendências da ditadura, inclusive no peraram. A vida pulsa no instante em vel em http://bit.ly/ihuon358 que se refere à produção da verdade, que o apelo por justiça e reconheci- • Políticas de memória: um dever so- isto é, de publicização dos documen- mento é ouvido no presente e transfor- cial. Entrevista com José Carlos Mo- tos públicos e das narrativas. Não creio mado em gesto de interrupção do ciclo reira da Silva Filho publicada na edi- que tão cedo as Forças Armadas abram automático do progresso, que sempre os seus arquivos ou façam a necessária é indiferente às florezinhas pisoteadas ção 343 da IHU On-Line, disponível pelo caminho, sempre colocando em em http://bit.ly/ihuon343 Criminal e Penitenciária (1999/2002) e primeiro lugar a técnica e o dinheiro, e • Um direito mais amplo e interdis- foi Secretária Adjunta de Justiça do Es- deixando em segundo plano as vidas, ciplinar. Entrevista com José Carlos tado do Rio de Janeiro (91/94). É profes- os desejos, as emoções, as pessoas sora concursada da UFF e convidada de Moreira da Silva Filho publicada na diversas outras universidades. É autora em suas manifestações e identidades de livros jurídicos e sobre política. Foi a plurais. A memória da violência do edição 305 da IHU On-Line, disponí- quarta coordenadora da CNV, entre maio passado é a que poderá interromper vel em http://bit.ly/ihuon305 e agosto de 2013. (Nota da IHU On-Line). 17 Pedro Dallari (1959): Advogado e pro- nossa marcha política, econômica e • Caravana da anistia revela a obscu- fessor universitário. É autor de livros e institucional que se volta hoje para um ridade de 1964. Entrevista com José artigos nas áreas de Direito Internacional acirramento das desigualdades e para e Relações Internacionais. Foi nomeado Carlos Moreira da Silva Filho publi- membro da CNV em setembro de 2013. a exclusão de largos contingentes de Assumiu a função de coordenador da CNV seres humanos. Somente levando a cada na edição 277 da IHU On-Line, em 25 de novembro de 2013, cargo para o sério essas vozes silenciadas, ontem e disponível em http://bit.ly/ihuon277 qual foi reconduzido em fevereiro deste ano. (Nota da IHU On-Line) hoje, é que conseguiremos um mundo • “É imoral igualar o terrorismo do Es- 18 Rubens Paiva (1929-?): engenheiro e melhor e mais humano. tado brasileiro à luta que se empre- político brasileiro, desaparecido desde Essa memória é visceralmente 1971, perseguido pelo regime militar. Ex- endeu contra ele”. Entrevista espe- -deputado federal socialista, sua morte política. Ela demarca um novo início, só foi confirmada mais de 40 anos depois, onde a vida é respeitada e cuidada, cial com José Carlos Moreira da Silva após depoimentos de ex-militares envol- mesmo a de uma florzinha. Mas ela Filho de 12-01-2010, disponível em vidos no caso, à Comissão Nacional da Verdade (Nota da IHU On-Line) não garante nada, ela apenas nos http://bit.ly/1hYB1UU 19 Vlado Herzog (1937-1975) jornalista, lembra do que não pode se repetir e • Lembranças vivas, feridas abertas: a professor e dramaturgo nascido na Croá- do que devemos preservar, ela apenas cia, mas naturalizado brasileiro. Passou punição aos torturadores da ditadu- a assinar “Vladimir” por considerar seu aguça os nossos sentidos e o nosso nome muito exótico nos trópicos. Sua pensamento, ela faz o que a história ra no Brasil. Entrevista especial com morte causou impacto na ditadura mili- fria e estatística dos fatos vencedo- José Carlos Moreira da Silva Filho de tar brasileira e na sociedade da época, marcando o início de um processo pela res não nos permite. Quem fará esta 22-08-2009, disponível em http:// democratização do país. A foto que mos- sociedade mais inclusiva e humana bit.ly/1gqVbcq tra Herzog enforcado dentro de uma seremos nós, sempre aqui e agora, e cela no DOI-Codi, em São Paulo, em 25- • A criminalização dos movimentos 10-1975, foi manipulada pela ditadura, não porque pensemos nos nossos fi- tratando-se de uma farsa para encobrir o lhos e netos, mas justamente porque sociais. Entrevista especial com José seu assassinato pelo regime.(Nota da IHU www.ihu.unisinos.br recolhemos as vozes e os sonhos dos Carlos Moreira da Silva Filho de 28- On-Line) 20 Alexandre Vannuchi Leme (1950– nossos pais e avós. Entender que o 07-2008, disponível em http://bit. 1973): Líder estudantil brasileiro. Mor- passado está morto para eliminarmos ly/1g1Dz20 reu aos 22 anos sob suspeitas de tortura. o nosso futuro. (Nota da IHU On-Line)

24 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 A imprensa prepara o golpe Tema de Capa

O jornalista e historiador Juremir Machado, que tem se dedicado a escrever vários livros sobre a história política do Brasil, fala sobre a relevância do papel da mídia na legitimação do regime militar

Por Ricardo Machado e Luciano Gallas

ara Juremir Machado, o golpe de Esta- Juremir Machado da Silva é jornalista e do deflagrado em 1964 pode ser defi- historiador. Possui mestrado e doutorado em Pnido como um “golpe midiático-civil- Sociologia da Cultura pela Université Paris militar”. Ele acredita tanto nesta afirmação V – René Descartes, na França. Atualmente, que a utilizou para batizar seu livro mais -re é professor titular da Pontifícia Universida- cente, dedicado justamente a analisar o pa- de Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. pel desempenhado pela imprensa na legiti- É tradutor, romancista e cronista, tendo pu- mação do regime militar instaurado no Brasil blicado 30 livros individuais – três deles tra- naquele ano. Este foi também o tema central duzidos para o francês. Entre suas obras, desta entrevista, concedida por e-mail à IHU estão Getúlio (Rio de Janeiro: Record, 2004), On-Line. “De que trata realmente meu livro? História regional da infâmia – o destino dos De como jornalistas e escritores hoje canta- negros farrapos e outras iniquidades brasilei- dos em prosa e verso apoiaram escancarada- ras (Porto Alegre: L&PM, 2010), 1930, águas mente o golpe: Alberto Dines, Carlos Heitor da revolução (Rio de Janeiro: Record, 2010), Cony, Antonio Callado, Carlos Drummond de Vozes da Legalidade, política e imaginário Andrade, , Otto Maria Car- na era do rádio (Porto Alegre: Sulina, 2011), peaux, e outros. Alguns, como A sociedade midíocre, passagem ao hiperes- Cony, arrependeram-se ainda na primeira se- petacular – o fim do direito autoral, do livro mana de abril. Outros só mudaram depois de e da escrita (Porto Alegre: Sulina, 2012), Jan- 1968 e do AI-51. Alguns permaneceram fiéis go, a vida e a morte no exílio (Porto Alegre: ao regime. Os mais espertos, como Alberto L&PM, 2013) e 1964 – O golpe midiático-civil- Dines, reescreveram-se”, redigiu o autor em militar (Porto Alegre: Sulina, 2014). seu blog2. Confira a entrevista.

1IHU On-Line – Por que o gol- 2Juremir Machado – Porque o posição de um presidente eleito cons- www.ihu.unisinos.br pe de 1964 pode ser definido como papel da imprensa foi determinante titucionalmente. A mídia forneceu a “midiático-civil-militar”? para a criação do clima necessário ao legitimação. golpe. A mídia acabou preparando o 1 AI-5 (Ato Institucional Número Cinco): espírito da população para a queda IHU On-Line – Além de O Globo, decretado pelo Presidente Arthur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968, foi de Jango. Ajudou a forjar a ideia de algum outro jornal grande da década um instrumento de poder que deu ao re- que Jango era incompetente, perigo- de 1960 que ainda esteja em ativida- gime poderes absolutos e cuja primeira e maior consequência foi o fechamento por so e irresponsável. Difundiu a ficção de reconheceu o apoio aos militares? quase um ano do Congresso Nacional. Re- de que o Brasil estava à beira do co- O que este gesto significou? presentou o ápice da radicalização do Re- gime Militar de 1964 e inaugurou o período munismo. Produziu a balela de que a Juremir Machado – Todos os do regime onde as liberdades individuais “democracia” só seria salva com a de- grandes jornais apoiaram o golpe: Cor- foram mais restringidas e desrespeitadas no Brasil. É o movimento final de “legali- reio da Manhã, Tribuna da Imprensa, zação” da arbitrariedade que pavimentou 2 MACHADO, Juremir. Blog. Correio do Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, O uma escalada de torturas e assassinatos Povo. Publicado em: 5 mar. 2014. Dis- Estado de S. Paulo, O Dia, Diários As- contra opositores reais e imaginários ao ponível em: . regime. (Nota da IHU On-Line) (Nota da IHU On-Line) sociados, etc. Só o Globo pediu descul-

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 25 pas. Não é preciso que esses jornais re- mais de si mesma. Reescreve a his- conheçam que apoiaram, pois o apoio “A mídia produziu tória para dar-se o melhor papel. Só está impresso nas suas páginas. fala de receitas de bolo e de poemas a balela de que a de Camões publicados pelo Estadão e IHU On-Line – A partir de que ‘democracia’ só pelo Jornal da Tarde nos buracos dos momento podemos perceber na mí- textos censurados. Apaga o período dia a construção de um clima de ins- seria salva com a de 1964 a 1968. Tenta fazer crer que tabilidade relacionado a uma supos- ainda não era a ditadura. Mente para ta ameaça comunista? Qual o papel deposição de um o público e para si. Corporativismo to- da Escola Superior de Guerra neste tal. Meu livro será ignorado. contexto? presidente eleito Juremir Machado – O golpe teve IHU On-Line – Qual a responsa- o apoio do jornal O Estado de S. Paulo constitucio- bilidade da imprensa ao relembrar desde 1962. O Jornal do Brasil entrou este período? Era possível realizar

Tema de Capa de Tema em campanha contra Jango em 1963. nalmente. A um golpe de Estado no Brasil sem o A campanha tornou-se compacta [ge- apoio da imprensa? neralizada] em março de 1964. Só a mídia forneceu a Juremir Machado – A mídia pre- Última Hora não foi golpista. A Escola cisa fazer um mea-culpa. Retratar-se. Superior de Guerra funcionou como legitimação Pedir desculpas. Reconhecer o seu matriz ideológica do golpismo. triste papel. A mídia e as Forças Arma- [do golpe]” das. Quanto a possibilidade, não era. IHU On-Line – De que maneira Porque faltaria legitimação. A mídia as telecomunicações se tornaram um apavorou a classe média para fazê-la braço importante da estratégia de le- clamar pelo golpe. gitimação do poder militar? a Folha de S. Paulo louvava o governo Juremir Machado – A unidade do de Médici. Em 1973, o Jornal do Brasil país foi articulada a partir das teleco- tecia loas à “revolução”. Em 1984, O Leia mais... municações como projeto cívico, au- Globo reincidia no seu apoio ao regi- • “João Goulart foi, antes de tudo, um toritário e moral. Foi constituída uma me militar. A mídia traiu o seu papel. herói”. Entrevista com Juremir Ma- rede com nós controlados por amigos Comportou-se como intelectual orgâ- chado publicada no sítio do IHU em do regime. Poucas vezes tecnologia e nico da ditadura. ideologia estiveram tão unidas e com 26-08-2013, disponível em http:// efeitos tão implacáveis. IHU On-Line – Acredita que a bit.ly/1jKsFS0. imprensa aprendeu com os erros do • A defesa de Brizola pela Legalidade IHU On-Line – Por que a im- passado ou permanece agindo de foi heroica. Entrevista com Juremir prensa não se posicionou em favor maneira leviana em relação à com- Machado publicada na edição 372 das reformas de base de Jango, pro- plexidade de nossas sociedades? da IHU On-Line, de 05-09-2011, dis- postas que pareciam ter certo apoio Juremir Machado – Pouco apren- ponível em http://bit.ly/OVcho8. popular? deu. De maneira geral, repete hoje os • Geração Y “parece coisa de revista Juremir Machado – As reformas mesmos erros de 1964. Pode-se dizer Veja”. Entrevista com Juremir Ma- de base tinham apoio da maioria da que as raízes do golpismo midiático es- chado publicada na edição 361 da população. O Correio da Manhã ad- tão em 1954 e 1964. Os temas ainda mitia que essas reformas eram impor- são os mesmos: corrupção e comunis- IHU On-Line, de 16-05-2011, dispo- tantes, mas achava que não podiam mo, Cuba e marxismo. O conservado- nível em http://bit.ly/1m6A6V2. ser feitas da maneira proposta por rismo da mídia renovou-se. Os princi- • A cultura política do RS mudou. Para Jango. O jornal tergiversava. A mídia pais colunistas atuais são intelectuais pior. Entrevista com Juremir Macha- recusou as reformas por conservado- de extrema-direita. do publicada no sítio doIHU em 08- rismo, ideologia e fidelidade aos seto- 10-2010, disponível em http://bit. res mais reacionários do país. IHU On-Line – Por que se ly/1jKuZZ8. fala pouco sobre a participação • “1968 reduz enormemente a carga IHU On-Line – O apoio ao regi- da imprensa no golpe de 1964? O de hipocrisia da sociedade”. Entre- me ditatorial nas décadas de 1960 e que há de corporativismo neste vista com Juremir Machado publica- www.ihu.unisinos.br 1970 por parte da imprensa brasileira comportamento? é uma mancha indelével? Juremir Machado – A mídia não da na edição 250 da IHU On-Line, de Juremir Machado – Uma man- canta os homens e suas glórias, mas 10-03-2008, disponível em http:// cha que nunca se apagará. Em 1971, as ideologias e suas razões. Jamais fala bit.ly/ihuon250.

26 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 Retração e reação – Os Tema de Capa movimentos sindicais no contexto pré-Golpe

Sociólogo Marco Aurélio Santana destaca como, mesmo sem suporte legal e governamental, os movimentos operários conquistaram aberturas dentro da própria estrutura do Estado antes da ascensão do regime ditatorial

Por Ricardo Machado e Andriolli Costa

nspirada pelos ideais de modernidade e cas promovidas pelos militares no pós-golpe, desenvolvimento, a política econômica bra- desestruturando os sindicatos e movimentos Isileira importa modelos internacionais. Tais mais organizados. De início reprimidos, os mo- modelos, no entanto, foram desenvolvidos em vimentos operários começaram a se reestru- outros horizontes sociais, e a tentativa de apli- turar àquela nova realidade. “Assim que pôde, cá-los em outra realidade gera inevitavelmente o movimento avançou suas linhas auxiliares e ruídos. Um deles foi a relação Capital-Trabalho, começou a atuar no sentido de reagir ao regi- em que a exploração da mão de obra seguia a me e às suas medidas na cidade e no campo”, mesma estrutura da burguesia agrícola. A luta defende o sociólogo. por direitos começa a surgir em um contexto Marco Aurélio Santana é cientista social for- no qual as leis trabalhistas ainda estavam em mado pela Universidade Federal do Rio de Ja- desenvolvimento e os movimentos operários neiro – UFRJ, onde cursou mestrado e doutora- buscavam seu espaço como classe. do em Sociologia e Antropologia. É pós-doutor “De qualquer modo, ao longo de todo o pela École des Hautes Études en Sciences Socia- tempo, os trabalhadores e os setores militantes les, na França, e atua como professor na UFRJ. buscaram, ainda que atuando por dentro desta Escreveu Trabalho e Educação: centrais sindi- estrutura, usá-la em seu benefício, ampliar seus cais e reestruturação produtiva no Brasil (Rio espaços, conjugá-los com organizações criadas e de Janeiro: Quartet, 1999), Homens partidos: desenvolvidas por fora dela”, relata o sociólogo comunistas e sindicatos no Brasil (São Paulo/ Marco Aurélio Santana, estudioso dos movimen- Rio de Janeiro: Boitempo, 2001) e Sociologia do tos sindicais. De acordo com ele, em muitos mo- trabalho no mundo contemporâneo (Rio de Ja- mentos, os trabalhadores tiveram espaços am- neiro: Jorge Zahar, 2004), além de ter organiza- pliados agindo por dentro da estrutura. Isso, no do outras obras que tratam o tema do trabalho.

entanto, sofre um grave impacto com a ascensão Santana publicou O mundo do trabalho em www.ihu.unisinos.br do governo ditatorial e sua política repressiva. mutação. As reconfigurações e os seus impac- Em entrevista concedida por e-mail à IHU tos, nos Cadernos IHU ideias nº 34, e Trabalha- On-Line, Santana resgata a importância da Gre- dores e política nos anos 1950: a ideia de sin- ve dos 300 mil, em 1953; a relevância do traba- dicalismo populista em questão, nos Cadernos lho de João Goulart como ministro do Trabalho, IHU ideias nº 82. Os links para acesso a este que promoveu um novo tipo de relação com o material estão disponíveis no final do texto. movimento operário; e as intervenções cirúrgi- Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como se deu a or- Marco Aurélio Santana – Os mente anterior ao Golpe de 1964, a ganização dos movimentos sociais no trabalhadores brasileiros sempre lan- organização se dava tanto por dentro Brasil, principalmente dos trabalha- çaram mão de variadas formas de da chamada estrutura sindical oficial dores, nas décadas que antecederam organização e mobilização ao longo – montada, mantida e supervisionada o Golpe? de sua história. No período imediata- pelo Estado – como por fora dela, arti-

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 27 culando formas organizativas que iam de fábrica foram muito importantes desde aquelas fortemente ligadas aos “Assim que pôde, no sentido de deflagrar e capilarizar o locais de trabalho, até as organizações movimento que teve, para o período, intersindicais de cúpula. o movimento um impacto enorme. Ressalte-se aí a figura de João Goulart, então ministro IHU On-Line – O Ministério do operário avançou do Trabalho – representando uma ala Trabalho foi criado em 1931, no iní- progressista e modernizadora do tra- cio do primeiro mandato de Getúlio suas linhas balhismo na relação com o movimento Vargas. Na época, os sindicatos dos operário, que esteve no epicentro da trabalhadores eram controlados pelo auxiliares e crise gerada pela greve em termos do Estado. Como se dava a organização aumento do salário mínimo, que aca- e como funcionavam os sindicatos começou a atuar bará o derrubando do cargo. Muitas urbanos no decorrer das décadas de das bases de aproximação e articula- 1930, 1940 e 1950? no sentido de ção entre Jango, os sindicatos e a es- Marco Aurélio Santana – Pode- querda estavam sendo lançadas aí. Tema de Capa de Tema -se dizer que, ao longo destas dé- reagir ao regime” cadas, apesar de descontinuidades, IHU On-Line – Que mudanças o muitas continuidades ocorreram. Os fício, ampliar seus espaços, conjugá-los golpe trouxe para o modelo de ação trabalhadores e a militância de es- com organizações criadas e desenvolvi- dos sindicatos urbanos? querda sempre buscaram abrir, garan- das por fora dela. Este tipo de atuação Marco Aurélio Santana – Na tir e avançar em espaços de atuação produziu limites e possibilidades ao verdade, em termos legais de mu- na busca de seus direitos. Por seu movimento dos trabalhadores. Deve-se dança no modelo de ação, pouco ou turno, o Estado sempre trabalhou no dizer também que a interpretação e o nada. O dado é que o regime militar sentido de manter o movimento dos uso que se fazia da legislação em vigor apenas usou e reiterou a face mais trabalhadores dentro de limites, ga- regulando o mundo do trabalho eram dura da legislação, pondo-a em uso. rantindo o que seria o seu controle. permeados pelas conjunturas políticas O que a ditadura quis foi reestruturar Quando não conseguia fazer isso por mais gerais. Assim, em muitos momen- os sindicatos, reforçando sua face de vias, digamos, ideológicas e legais, a tos, os trabalhadores tiveram espaços colaboração, apolítica, assistencial, força sempre foi uma constante ao ampliados agindo por dentro da estru- etc., inibindo qualquer forma de ação longo de todo o tempo. tura. Entre os anos 1950 e 1964, creio, mobilizadora. Para tanto, fez uma in- No caso da estrutura oficial, ela, isso ocorreu. O que, obviamente, não tervenção cirúrgica nos sindicatos em linhas gerais, visava impor um tipo foi o caso nos períodos ditatoriais de de ponta, mais organizados e mobili- de sindicato corporativo, único por 1937/1945 e de 1964/1985. E nem na- zados, cassou e prendeu lideranças, base territorial, que deveria ter reco- quele considerado de abertura demo- controlou o acesso de setores de es- nhecimento do Estado, trabalhar pela crática entre 1945/1950, já que durante querda aos postos sindicais, entre colaboração de classe e não pela luta, o governo Dutra1 o Estado fez centenas outros. Criou-se um clima inóspito preocupando-se com assistência so- de intervenções nos sindicatos, proibiu para formas de participação mais de- cial ao trabalhador, não ser ideológico e reprimiu greves, etc. mocrática. O espaço do sindicato, de nem político. A este tipo de sindicato suas reuniões e assembleias, passou estava interdito um tipo de organi- IHU On-Line – Em termos políti- a ser um espaço de denúncias, pri- zação dentro dos locais de trabalho, cos, qual foi a importância da Greve sões, restrições. O mesmo nos locais bem como de articulação intersin- dos 300 mil, em 1953? Como ela im- de trabalho, onde as empresas se es- dical. Na cúpula desta estrutura não pactou no cenário político que culmi- meraram em colaborar com o regime, caberiam, por exemplo, centrais sin- nou no golpe civil-militar de 1964? passando-lhe informações importan- dicais unindo trabalhadores de diver- Marco Aurélio Santana – A greve tes sobre as organizações, militantes e sas categorias profissionais, apenas as de 1953 foi um ponto luminoso na his- mobilizações em seu interior. confederações por setor de trabalho. tória do movimento dos trabalhadores Em termos esquemáticos, terí- IHU On-Line – O que foram e brasileiros. Sinalizando para o que seria amos um “Sindicato de Metalúrgicos como funcionavam, no contexto do a prática geral do período, ela articulou na base”. Acima dele uma “Federação golpe de 1964, a Juventude Operá- em sua organização e mobilização or- de metalúrgicos” e, acima desta, uma ria Católica – JOC2 e a Ação Católica ganizações de dentro e de fora da es- “Confederação Nacional dos Trabalha- trutura sindical oficial. As comissões dores na Indústria”. Nestes moldes, a 2 Juventude Operária Católica (JOC): classe daria lugar à corporação. De qual- uma das organizações da Ação Católi- 1 Eurico Gaspar Dutra (1883-1974): mili- ca – conjunto de movimentos criados www.ihu.unisinos.br quer modo, ao longo de todo o tempo, tar brasileiro e 16º presidente do Brasil, pela Igreja Católica no século XX, visan- os trabalhadores e os setores militantes natural de Cuiabá – MT. Governou o país do ampliar sua influência na sociedade entre 1946 e 1951, e foi sucedido pelo através da inclusão de setores especí- buscaram, ainda que atuando por den- segundo governo de Getúlio Vargas. (Nota ficos do laicato e do fortalecimento da tro desta estrutura, usá-la em seu bene- da IHU On-Line) fé religiosa, com base na Doutrina Social

28 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 Operária – ACO3, as quais formaram Marco Aurélio Santana – Na ver- Tema de Capa as bases da Pastoral Operária? Qual a “O que a dade, apesar de todas as tentativas e importância destas entidades na re- projetos do regime militar, ele nunca sistência ao regime? ditadura quis foi capaz de eliminar os movimen- Marco Aurélio Santana – Estas foi reestruturar tos. Aqui e ali foi mais exitoso. Mas, organizações foram muito importan- no geral, teve de lidar com ações de tes no sentido tanto de oxigenar as os sindicatos, resistência. Fossem elas derrotas posturas da igreja junto ao movimen- eleitorais, paralisações, greves, ações to dos trabalhadores como de auxiliar reforçando armadas, o regime foi sempre sendo no processo de organização deles. No fustigado. Claro que, logo após o gol- período ditatorial, pós-64, organiza- sua face de pe, o cenário ainda não estava claro ções como a pastoral serviram de es- para muitos setores que enfrentavam paço possível de reunião, formação, colaboração, o novo regime, ocorreu muita divi- organização, mobilização, etc. Diante são, busca de responsabilidades, e o de tantos espaços fechados, estes sur- apolítica e impacto foi muito grande e desarti- giam como lugar possível de participa- culador. Além disso, com a repressão ção e organização política. No quadro assistencial, agindo à larga, prendendo e cassando mais amplo da ditadura, a Igreja ser- militantes, muitas das vértebras dos viu como forte anteparo protetivo. inibindo qualquer movimentos foram quebradas. E isso não é coisa que se recupere da noite IHU On-Line – Que entidades forma de ação para o dia. De todo modo, assim que e movimentos organizados por tra- pôde, o movimento avançou suas li- balhadores foram mais perseguidos mobilizadora” nhas auxiliares e começou a atuar no após o golpe civil-militar? sentido de reagir ao regime e às suas Marco Aurélio Santana – Ob- medidas na cidade e no campo. O viamente que aqueles sindicatos que capital e trabalho surgiu neste perío- movimento dos trabalhadores estará, estiveram na linha de frente nos anos do e quais suas consequências para a sempre que possível, na linha de fren- 1950, capitaneados pela aliança política organização atual do trabalho? te de muitas das ações que ajudaram entre a militância do Partido Comunis- Marco Aurélio Santana – O fim a pavimentar o caminho de enfraque- ta Brasileiro (PCB) e do Partido Traba- da estabilidade no trabalho abriu cimento do regime militar e de sua lhista Brasileiro (PTB), foram os mais espaço para uma rotatividade que substituição pelo regime democrático. duramente atingidos. Estamos falando serviu aos desígnios do capital tan- aqui de setores tão diversificados como, to no sentido de gestão de mão de entre outros, metalúrgicos, bancários, obra como no sentido político con- Leia mais... ferroviários, têxteis. O que a ditadura tra as possibilidades de organização • O sindicalismo está superando a cri- fez foi tentar quebrar a espinha dorsal e mobilização. Apesar de terem sido deste tipo de sindicalismo, pondo um introduzidas, enquanto tais, já no pe- se. Entrevista especial com Marco outro em seu lugar. Estratégia que teve ríodo anterior, as montadoras terão Santana. Entrevista com Marco Au- seu sucesso inicial, mas se demonstrou no regime militar seu ambiente mais rélio Santana publicada nas Notícias pouco exitosa no médio prazo. propício de desenvolvimento. Porta- do Dia de 22-07-2008, disponível doras das formas modernas de pro- em http://bit.ly/ihu220708a. IHU On-Line – Como o golpe im- dução capitalista, elas simbolizariam • Mais produção, menos trabalhado- pactou na organização do trabalho a ponta de lança das transformações www.ihu.unisinos.br no Brasil? Que tipo de relação entre no capitalismo brasileiro durante o res: as transformações do mundo regime militar. O capitalismo brasi- do trabalho. Entrevista com Marco da Igreja. No Brasil, a Ação Católica foi leiro ia se modernizando pelo alto, Aurélio Santana publicada na edição criada em 1935 pelo Cardeal Leme. No à base da repressão aos trabalhado- início dos anos 1960, contava com três 256 da IHU On-Line, disponível em res, do silenciamento da sociedade e organizações destinadas aos mais jovens: http://bit.ly/ihuon256. a Juventude Estudantil Católica (JEC), da castração da participação política • O mundo do trabalho em mutação: formada por estudantes secundários, a plena. O regime articulou repres- Juventude Operária Católica (JOC), que as reconfigurações e seus impactos. atuava no meio operário, e a Juventude são, compressão salarial e aumento Universitária Católica (JUC), constituída da produção do trabalho. Ambiente Cadernos IHU ideias nº 34, disponí- por estudantes de nível superior. (Nota da IHU On-Line) propício para este desenvolvimento vel em http://bit.ly/ihuid34. 3 Ação Católica Operária (ACO): cria- capitalista primitivo. • Trabalhadores e política nos anos da em 1948 por iniciativa de um antigo membro da JOC, inicialmente chamada 1950: a ideia de sindicalismo po- de Liga Operária Católica. A ACO tinha IHU On-Line – Qual é o espa- pulista. Cadernos IHU ideias nº 82, como objetivo agrupar operários católi- ço dos movimentos sociais no Brasil cos adultos, especialmente antigos jocis- disponível em http://bit.ly/ihuid82. tas. (Nota da IHU On-Line) pós-golpe civil-militar de 1964?

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 29 Igreja e movimentos sociais – Da legalidade à clandestinidade

Fábio Pires Gavião aborda a constituição dos movimentos sociais católicos de esquerda no período pré e pós-golpe de 1964

Por Ricardo Machado Tema de Capa de Tema inda que o contexto político e social do governo Juscelino Kubitscheck. (...) Essa brasileiro do início dos anos 1960 fosse militância atuava em diversos movimentos Amuito complexo, cercado de interesses sociais, organizados no campo e na cidade, e articulações secretas, a opinião pública da sobretudo nos estados do Rio de Janeiro, São época discutiu as questões nacionais a partir Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco”, de dois grandes eixos, que, não por acaso, destaca Fábio. refletiam a geopolítica da Guerra Fria: capita- “Após o golpe civil-militar de 1964 e a per- lismo e comunismo. Entretanto, a revisão his- seguição e repressão política que se seguiu, tórica parece clarear o que foi uma paranoia as organizações políticas à esquerda foram nacional em relação ao medo com o comunis- empurradas à clandestinidade, e suas lide- mo, o que resultou na sustentação da socie- ranças exilaram-se no Uruguai, Chile e outros dade civil a um golpe de Estado perpetrado países. Um processo de autocrítica abateu to- pelos militares, que permeou inclusive a Igre- das as organizações, e com ela houve viragens ja, embora o fato seja, no mínimo, paradoxal. nas bases teóricas, estratégicas e táticas das “Seria, sem dúvida, incoerente com os precei- organizações. A AP sofre esse processo, que tos evangélicos uma posição colaboracionis- culmina em 1971 com a adoção do marximo- ta da Igreja Católica a um regime militar, no -leninismo como referencial teórico de orga- Brasil ou na América Latina como um todo. As nização partidária. A AP, depois APML, busca clivagens políticas das sociedades contempo- maior inserção em meios operários, o que râneas se reproduzem também no interior do ocorre com destaque na região do Grande laicato e do clero (regular e secular) da Igreja ABC paulista”, complementa. católica”, destaca Fábio Pires Gavião, profes- Fábio Pires Gavião é graduado em Histó- sor de História, em entrevista por e-mail à ria pela Universidade Estadual Paulista Júlio IHU On-Line. de Mesquita Filho. Na Unicamp, obteve o títu- Anos antes do golpe, em 1962, integran- lo de mestre em História. Atualmente é coor- tes dos setores da Igreja mais alinhados à denador do curso de licenciatura em História esquerda fundam a Ação Popular – AP e, da Universidade Anhanguera de São Paulo – mais tarde, a APML. “A Ação Popular foi uma UNIAN-SP – Campus Santo André. Atua, prin- organização política fundada oficialmente cipalmente, com os temas: religião, esquerda, em 1962, por iniciativa de um grupo de mili- movimento estudantil, Governo João Goulart, tância identificada com a esquerda católica, golpe de 1964, política e ideologia. que foi bastante atuante no contexto do final Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que foi a Ação ca fundada oficialmente em 1962, por iniciativa de um grupo de militância Popular e qual sua importância no contexto que culminou com o Golpe extinta pela ditadura militar e se trans- uma civilização arreligiosa, com Marcelo de 1964? formou, na clandestinidade, em Ação Po- Fernandes de Aquino, na edição 186, de pular marxista-leninista. Sobre Lima Vaz, 26-06-06, disponível em http://bit.ly/ Fábio Pires Gavião – A Ação Po- ver a IHU On-Line 19, de 27-05-2002, dis- ihuon186; Vaz e a filosofia da nature- pular1 – AP foi uma organização políti- ponível em http://bit.ly/ihuon19, intitu- za, com Armando Lopes de Oliveira, na www.ihu.unisinos.br lada Sábio, humanista e cristão. A edição edição 187, de 03-07-06, disponível em 142, de 23-05-2005, publicou a editoria http://bit.ly/ihuon187. Veja também os 1 Ação Popular (AP): Movimento político Memória em homenagem à Lima Vaz, dis- artigos intitulados O comunitarismo cris- criado antes de 1964, cujo inspirador foi o ponível em http://bit.ly/ihuon142. Con- tão e a refundação de uma ética trans- Padre Henrique Cláudio Lima Vaz. A AP foi fira ainda a entrevista Vaz: intérprete de cendental, na edição 185, de 19-06-06,

30 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 identificada com a esquerda católica, 1964). Essa militância que afluiu para primeiro coordenador nacional da AP Tema de Capa que foi bastante atuante no contexto a AP em 1962, atuava em diversos (1962-1964) foi Herbert José de Sou- do final do governo Juscelino Kubits- movimentos sociais, organizados no za, o Betinho8, que chegou a integrar check2 (1956-1961), no período de campo e na cidade, sobretudo nos a equipe de assessores do Ministério instabilidade política que se seguiu à estados do Rio de Janeiro, São Paulo, da Educação do governo João Goulart. eleição e renúncia do presidente Jânio Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. A AP e uma ala à esquerda dentro do Quadros3 em 1961 e em todo o pro- Entretanto, foi no movimento Partido Democrata Cristão – PDC ali- cesso de polarização política que mar- estudantil que a AP se destacou. A nharam-se a outros partidos à esquer- cou o governo de João Goulart4 (1961- liderança da organização foi formada da, que assumiram uma posição mais por estudantes universitários que in- radicalizada com relação às reformas tegravam a Juventude Universitária de base, com destaque para a reforma disponível em http://bit.ly/ihuon185, e Católica – JUC. A JUC e depois a AP agrária. Um diálogo cristão com o marxismo crí- tico. A contribuição de Henrique de Lima elegeram sucessivos presidentes da Sob a liderança de Leonel Bri- Vaz, na edição 189, de 31-07-06, disponí- União Nacional dos Estudantes -UNE, zola9, do Partido Trabalhista Brasilei- vel em http://bit.ly/ihuon189, ambos de em um período que é reconhecido autoria de Juarez Guimarães. Inspirada no pensamento de Lima Vaz, a IHU On- com o momento de maior destaque político brasileiro, filiado ao Partido da -Line 197, de 25-09-2006, trouxe como e importância política do movimento Social Democracia Brasileira – PSDB. Foi tema de capa A política em tempos de estudantil no tabuleiro político na- o trigésimo terceiro governador de São niilismo ético, disponível em http://bit. Paulo entre 1º de janeiro de 2007 e 02 de ly/ihuon197a. Padre Lima Vaz e o diálogo cional. Os presidentes da UNE Aldo abril de 2010. Foi um dos fundadores da com a modernidade foi o tema abordado Arantes5 (1961-1962) e Marcos Vini- Ação Popular (AP) e presidente da União por Marcelo Perine em uma conferência cius Caldeira Brant6 filiavam-se à JUC, Nacional dos Estudantes. Após o golpe em 22-05-2007, no Simpósio Internacio- militar de 1964, refugiou-se em embaixa- 7 nal O futuro da Autonomia. Uma socie- e José Serra (1963-1964), à AP. O das de outros países. Mais tarde radicou- dade de indivíduos? Leia, também, a edi- -se no Chile, onde conheceu sua esposa, ção 374 da IHU On-Line sobre o legado Mónica Serra, com quem tem dois filhos filosófico vaziano, de 26-09-2011, em reformista”, com Flavio Tavares, de 19- nascidos lá. Neste mesmo período fez http://bit.ly/ihuon374. O Cadernos IHU 12-2006, em http://bit.ly/ihu191206; mestrado em Economia pela Escola de em sua 42ª edição também teve um tema João Goulart e um projeto de nação in- Pós-Graduação em Economia da Univer- dedicado ao pensador, intitulado Ética terrompido, com Oswaldo Munteal, de sidade do Chile. Ficou no país até o golpe e Intersubjetividade: a filosofia do agir 27-08-2007, em http://bit.ly/ihu270807. militar de 1973, quando foi para os Es- humano segundo Lima Vaz, de autoria Confira também as entrevistas com Lucí- tados Unidos, onde concluiu um segundo de Antonio Marcos Alves da Silva. Acesse lia de Almeida Neves Delgado, intituladas mestrado e um doutorado na Universida- pelo link http://bit.ly/cadihu42 (Nota da O Jango da memória e o Jango da Histó- de de Cornell. Após catorze anos exila- IHU On-Line) ria, publicada na edição 371 da IHU On- do, Serra voltou ao Brasil e trabalhou na 2 Juscelino Kubitschek de Oliveira -Line, de 29-08-2011, em http://bit.ly/ Unicamp até 1983, quando foi nomeado (1902-1976): médico e político brasilei- ihuon371 e ‘’Dúvidas sobre a morte de pelo governador Franco Montoro como ro, conhecido como JK. Foi presidente Jango só aumentam’’, de 05-08-2013, secretário de Planejamento de São Pau- do Brasil entre 1956 e 1961, sendo o res- em http://bit.ly/ihu050813. Veja ainda lo. (Nota IHU On-Line) ponsável pela construção de Brasília, a “João Goulart foi, antes de tudo, um 8 Herbert de Souza (1935-1997): soci- nova capital federal. Juscelino instituiu o herói”, com Juremir Machado, de 26- ólogo responsável por uma das maiores plano de governo baseado no slogan “Cin- 08-2013, em http://bit.ly/ihu260813 e campanhas contra a fome que o Brasil já quenta anos em cinco”, direcionado para Comício da Central do Brasil: a propos- teve. Acreditava que só a participação a rápida industrialização do país (espe- ta era modificar as estruturas sociais e cidadã seria capaz de mudar o país. Na cialmente via indústria automobilística). econômicas do país, com João Vicente década de 1960, atuou como liderança Além do progresso econômico, no entan- Goulart, de 13-03-2014, em http://bit. nacional dos grupos de juventude cató- to, houve também um grande aumento ly/ihu130314. (Nota da IHU On-Line) lica que representavam as aspirações de da dívida pública. Sobre JK, confira a 5 Aldo Silva Arantes (1938): é um político transformação social, depois reforça- edição 166, de 28-11-2005, A imaginação brasileiro. Iniciou sua militância política das com o Concílio Vaticano II. Exerceu no poder. JK, 50 anos depois, disponível no movimento estudantil secundarista no funções de coordenação e assessoria no em http://bit.ly/ihuon166. (Nota da IHU Liceu de Goiânia, e no movimento estu- Ministério da Educação e Cultura e na Su- On-Line) dantil superior atuou como presidente do perintendência de Reforma Agrária, além 3 Jânio da Silva Quadros (1917–1992): DCE da PUC-RJ; também foi presidente de elaborar estudos sobre a estrutura so-

político e o vigésimo segundo presiden- da UNE, entre 1961 e 1962. (Nota da IHU cial brasileira para a Comissão Econômica www.ihu.unisinos.br te do Brasil, entre 31 de janeiro de 1961 On-Line) para a América Latina (Cepal), da ONU. e 25 de agosto de 1961 – data em que 6 Marcos Vinícius José Caldeira Brant: Com o Golpe de 1964, passou a atuar na renunciou. Em 1985 elegeu-se prefeito nasceu no dia 23 de março de 1941, em resistência contra a Ditadura Militar, di- de São Paulo pelo PTB. (Nota da IHU On- (MG), filho de Leônidas rigindo organizações de cunho democrá- -Line) Vinícius Caldeira Brant e de Neusa Cal- tico de combate ao regime. Foi exilado 4 João Belchior Marques Goulart ou deira Brant. Aluno da Faculdade de Ci- político de 1970 a 1979, ano em que re- Jango (1919-1976): presidente do Brasil ências Econômicas da Universidade de tornou ao país. Envolveu-se inteiramente de 1961 a 1964, tendo sido também vice- Minas Gerais, durante o curso participou nas lutas sociais e políticas, sempre se -presidente, de 1956 a 1961 – em 1955, da organização das Ligas Camponesas, propondo a ampliar a democracia e a jus- foi eleito com mais votos que o próprio presidiu a Liga da Juventude Trabalhista, tiça social. Seu nome foi um dos símbolos presidente, Juscelino Kubitschek. Seu ligada ao Partido Trabalhista Brasileiro, da campanha pela anistia. (Nota da IHU governo é usualmente dividido em duas e também atuou na formação do Movi- On-Line) fases: fase parlamentarista (da posse, em mento Revolucionário Tiradentes, ligado 9 Leonel de Moura Brizola (1922-2004): janeiro de 1961, a janeiro de 1963) e fase às Ligas Camponesas. Militante do movi- político brasileiro, nascido em Carazi- presidencialista (de janeiro de 1963 ao mento estudantil, integrou a Juventude nho, no Rio Grande do Sul. Foi prefeito golpe militar de 1964). Jango fora ainda Universitária Católica – JUC. Em maio de Porto Alegre, governador do Rio ministro do Trabalho entre 1953 e 1954, de 1962, foi um dos fundadores da Ação Grande do Sul, deputado federal pelo durante o governo de Getúlio Vargas. Foi Popular (AP), organização política com extinto estado da Guanabara e duas deposto pelo golpe militar do dia 1º de predominância de militantes católicos de vezes governador do Rio de Janeiro. abril de 1964 e morreu no exílio. Confira esquerda. (Nota da IHU On-Line) Sua influência política no Brasil durou a entrevista “Jango era um conservador 7 José Serra (1942): é um economista e aproximadamente 50 anos, inclusive

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 31 ro – PTB, houve uma aproximação do Fábio Pires Gavião – Após o das Forças Armadas, que se divide trabalhismo com o Partido Comunista golpe civil-militar de 1964 e a per- na “linha castelista”, tendo à testa o Brasileiro – PCB, Partido Comunista do seguição e repressão política que se primeiro presidente militar Castelo Brasil – PCdoB e Polop10, organizações seguiu, as organizações políticas à Branco13; e na chamada “linha dura”, políticas com grande inserção na estru- esquerda foram empurradas para a vitoriosa com a eleição do segundo tura sindical e nos movimentos sociais clandestinidade, e suas lideranças presidente militar, Costa e Silva14, pró-reformas. Organizados na Frente exilaram-se no Uruguai, Chile e ou- em 1967. Os primeiros pretendiam Parlamentar Nacionalista – FPN11, a tros países. Um processo de auto- o rápido retorno ao poder dos civis, esquerda procurou pressionar o gover- crítica abateu todas as organizações, os segundos tinham um projeto de no João Goulart a assumir a pauta das e com ela houve viragens nas bases maior permanência dos militares reformas de base de forma inequívoca. teóricas, estratégicas e táticas das or- no poder. Em 1968, com Costa e Sil- Tal postura de enfrentamento com a ganizações. A AP sofre esse processo, va e o AI-515, o regime abandona as União Democrática Nacional – UDN12 que culmina em 1971 com a adoção “aparências democráticas” e revela e demais setores conservadores, le- do marximo-leninismo como referen- sua face mais autoritária e violenta. vou à ruptura entre o PTB e o Partido cial teórico de organização partidá- Adentramos, então, nos chamados

Tema de Capa de Tema Social Democrático – PSD no processo ria. A AP, depois APML, busca maior “anos de chumbo”, período no qual de aprovação da reforma agrária que inserção em meios operários, o que se intensificam o terrorismo de Esta- tramitava no Legislativo, fraturando a ocorre com destaque na região do do, as práticas de desrespeito aos Di- base de sustentação de João Goulart Grande ABC paulista, com a inserção reitos Humanos, como assassinatos e no Congresso Nacional, já num quadro de militantes com origens na classe torturas. de paralisia e ingovernabilidade que média nas linhas de produção, o pro- Seria sem dúvida incoerente antecede imediatamente o golpe civil- palado “processo de proletarização”. com os preceitos evangélicos uma militar de 1964. A APML, diante de fortes disputas posição colaboracionista da Igreja internas, alinha-se ao maoísmo e à Católica a um regime militar, no Bra- IHU On-Line – Qual a diferença estratégia da “guerra popular pro- sil ou na América Latina como um entre a Ação Popular e a Ação Popu- longada” para o enfrentamento ao todo. As clivagens políticas das socie- lar Marxista-Leninista – APML? Qual regime militar. Simultaneamente, dades contemporâneas se reprodu- foi a importância da APML à época? uma autoproclamada “maioria” den- zem também no interior do laicato e tro do partido discute a possibilidade do clero (regular e secular) da Igreja de incorporação ao PCdoB, também Católica. Com o pontificado de João enquanto exilado pelo Golpe de 1964, contra o qual foi um dos líderes da re- maoísta, o que ocorre em 1973. Os sistência. Por várias vezes foi candidato demais militantes continuaram a os- a presidente do Brasil, sem sucesso, e tentar a sigla até 1978. As organiza- fundou um partido político, o PDT. Sobre 13 Humberto de Alencar Castelo Branco Brizola, confira a primeira edição dos ções de resistência ao regime militar (1897-1967): militar e político brasileiro, Cadernos IHU em Formação intitulado foram desbaratas pelos órgãos de primeiro presidente da ditadura militar Populismo e trabalho. Getúlio Vargas e informação e repressão do regime. A instaurada pelo Golpe Militar de 1964. Leonel Brizola, disponível em http:// (Nota da IHU On-Line) bit.ly/ihuem01, e a edição 107 da IHU APML soma-se a outras organizações 14 Artur da Costa e Silva (1899-1969): On-Line, de 28-06-2004, intitulada políticas adeptas do ideário socialis- militar e político ditador brasileiro, sen- Leonel de Moura Brizola: 1922 – 2004, ta, que adota postura revolucionária do o vigésimo sétimo presidente do Bra- disponível em http://bit.ly/1e3TKMw. sil, o segundo do regime militar de ex- (Nota da IHU On-Line) ao longo da vigência da Ditadura Mi- ceção. Quando assumiu a Presidência da 10 Polop: foi uma organização de es- litar brasileira. República, tinha a patente de marechal querda no Brasil. A Juventude Socialista do Exército Brasileiro e já havia ocupado do Partido Socialista Brasileiro formou, o Ministério da Guerra no governo ante- em 1961, a Organização Revolucionária IHU On-Line – Por que a Igreja, rior, de Castelo Branco. Seu governo ini- Marxista – Política Operária (ORM-Polop). apesar de os seguimentos majoritá- ciou a fase mais dura e brutal do regime (Nota da IHU On-Line) rios terem apoiado o golpe, foi fun- ditatorial militar, com a promulgação do 11 Frente Parlamentar Nacionalista – Ato Institucional nº 5, em 13-12-1968, à FPN: organização interpartidária criada damental na organização de grupos qual o general Emílio Garrastazu Médici, em 1956 no Congresso Nacional. Funcio- de resistência ao regime? seu sucessor, deu continuidade. (Nota da nava como um grupo de pressão que con- Fábio Pires Gavião – Muitos IHU On-Line) denava o imperialismo em geral e a ação 15 AI-5 (Ato Institucional Número Cin- do capital estrangeiro em particular, e setores políticos e sociais que aderi- co): decretado pelo Presidente Arthur reivindicava a regulamentação da remes- ram ao golpe civil-militar de 1964, na da Costa e Silva em 13 de dezembro de sa de lucros para o exterior e o controle perspectiva de evitar as reformas es- 1968, foi um instrumento de poder que estatal sobre a exploração dos recursos deu ao regime poderes absolutos e cuja naturais básicos. Acabou sendo extinta truturais anunciadas no início da dé- primeira e maior consequência foi o fe- em abril de 1964, em função da cassação cada de 1960, avaliavam uma incur- chamento por quase um ano do Congres- da maioria de seus membros pelo regime são militar breve, com rápido retorno so Nacional. Representou o ápice da ra- militar recém-implantado. (Nota da IHU dicalização do Regime Militar de 1964 e On-Line) a um regime civil, no qual os setores inaugurou o período do regime onde as 12 União Democrática Nacional – populares se mantivessem sob con- liberdades individuais foram mais restrin- UDN: foi um partido político funda- gidas e desrespeitadas no Brasil. É o mo- www.ihu.unisinos.br trole e conforme a tradição republi- do no dia 07 de abril de 1945, liberal vimento final de “legalização” da arbitra- conservador,reunindo diversas correntes cana brasileira, afastadas do poder riedade que pavimentou uma escalada de que, nos anos anteriores, haviam-se co- de decisão política. No imediato pós- torturas e assassinatos contra opositores locado em oposição à ditadura do Estado -golpe, ocorre uma cisão no interior reais e imaginários ao regime. (Nota da Novo. (Nota do IHU On-Line) IHU On-Line)

32 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 XXIII16, o Concílio Vaticano II17 (1962- destaque para os Centros Eclesiais de jovens dominicanos como Frei Tito20 Tema de Capa 1965) e ainda mais com a Segunda Base – CEBSs. Tratava-se da “opção e Frei Betto21, Frei Fernando22 e Frei Conferência Geral do Episcopado La- preferencial pelos pobres” proclama- Ivo23. Destacamos ainda, como des- tino-Americano18 em 1968, realizada da na Terceira Conferência Geral do na cidade colombiana de Medellín, Episcopado Latino-Americano, reali- há um reforço de legitimidade para a zada na cidade mexicana de Puebla 20 Frei Tito de Alencar Lima (1945- 1974): religioso dominicano nascido em atuação da esquerda católica latino- de Los Angeles, México, em 1979. Fortaleza. Envolvido no compromisso -americana, que ganha uma nova sis- Essa orientação do clero buscava res- político, assumiu a direção da Juven- tematização teológica e pastoral com ponder a certo distanciamento com tude Estudantil Católica em 1963 e foi morar em Recife. Em outubro de 1968, 19 a Teologia da Libertação (TL) e o as populações mais desprovidas e foi preso por estar participando de um congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna. Foi fichado 16 Papa João XXIII (1881-1963): nascido “Seria sem dúvida pela polícia e tornou-se alvo de perse- Angelo Giuseppe Roncalli. Foi Papa de 28- guição da repressão militar. No início de 10-1958 até a data da sua morte. Consi- 1970, Frei Tito foi torturado nos porões derado um papa de transição, depois do incoerente com da “Operação Bandeirantes”. Em 1971, longo pontificado de Pio XII, convocou o foi deportado para o Chile e, sob a ame- Concílio Vaticano II. Conhecido como o aça de novamente ser preso, fugiu para “Papa Bom”, João XXIII foi declarado be- os preceitos a Itália. De Roma foi para Paris, onde ato por João Paulo II em 2000. (Nota da encontrou refúgio entre os dominicanos. IHU On-Line) Traumatizado pela tortura que sofreu, 17 Concílio Vaticano II: convocado no dia evangélicos Frei Tito submeteu-se a um tratamento 11-11-1962 pelo Papa João XXIII. Ocorre- psiquiátrico. Seu estado era instável. No ram quatro sessões, uma em cada ano. dia 10 de agosto de 1974, um morador Seu encerramento deu-se a 8-12-1965, uma posição dos arredores de Lyon encontrou o cor- pelo Papa Paulo VI. A revisão proposta por po de Frei Tito suspenso por uma corda. este Concílio estava centrada na visão colaboracionista Uma foto de Frei Tito de Alencar Lima é da Igreja como uma congregação de fé, a última imagem do documentário Ato de substituindo a concepção hierárquica do Fé, que trata da relação dos frades domi- Concílio anterior, que declarara a infali- da Igreja Católica nicanos com a Aliança Libertadora Nacio- bilidade papal. As transformações que in- nal (ALN). O filme foi exibido no dia 19 troduziu foram no sentido da democrati- de maio de 2005, último dia do Simpósio zação dos ritos, como a missa rezada em a um regime Internacional Terra Habitável: um desafio vernáculo, aproximando a Igreja dos fiéis para a humanidade, promovido pelo IHU. dos diferentes países. Este Concílio en- Com direção de Alexandre Rampazzo e controu resistência dos setores conserva- militar” produção de Tatiana Polastri, o filme já dores da Igreja, defensores da hierarquia foi comentado nas páginas da IHU On-Li- e do dogma estrito, e seus frutos foram, ne, por Amir Labaki na edição 113, de 30 aos poucos, esvaziados, retornando a também fazer frente ao avanço pro- de agosto de 2004, e por Jurandir Freire Igreja à estrutura rígida preconizada pelo testante nesses extratos sociais. Costa, na 137ª edição, de 18 de abril de Concílio Vaticano I. O Instituto Humani- 2005. (Nota da IHU On-Line) tas Unisinos – IHU promoveu, de 11 de 21 Frei Betto: jornalista, além de frade agosto a 11-11-2005, o ciclo de estudos Apoio dominicano e escritor. Colabora com vá- Concílio Vaticano II – marcos, trajetórias O apoio do clero católico se deu rios jornais e revistas do Brasil e do ex- e perspectivas. Confira a edição 157 da terior. Escreveu mais de 40 livros, dentre IHU On-Line, de 26-09-2005, intitulada em diversos níveis, desde o apoio os quais o mais conhecido é Batismo de Há lugar para a Igreja na sociedade con- logístico aos grupos políticos clan- sangue. A IHU On-Line publicou na edi- temporânea? Gaudium et Spes: 40 anos, destinos, com participação direta ção 165, de 21-11-2005, trechos de uma disponível em http://bit.ly/mT6cyj. Ain- biografia de Charles de Foucauld, escrita da sobre o tema, a IHU On-Line produziu de freis, que acolhiam às escondi- por Frei Betto, disponível para downlo- a edição 297, Karl Rahner e a ruptura do das militantes em mosteiros, atua- ad em http://bit.ly/P7ljyi. (Nota da IHU Vaticano II, de 15-6-2009, disponível em vam na comunicação entre as “cé- On-Line) http://bit.ly/o2e8cX, bem como a edi- 22 Frei Fernando de Brito: frei ção 401, de 03-09-2012, intitulada Con- lulas” das organizações, bem como Dominicano, nascido em Visconde do Rio cílio Vaticano II. 50 anos depois, disponí- providenciavam as necessidades Branco, Monas Gerais. Hoje desenvolve vel em http://bit.ly/REokjn, e a edição básicas para a sobrevivência. São seus trabalhos no litoral norte do Estado www.ihu.unisinos.br 425, de 01-07-2013, intitulada O Concílio da Bahia. Foi preso e torturado durante Vaticano II como evento dialógico. Um emblemáticas as participações de o regime militar. (Nota da IHU On-Line) olhar a partir de Mikhail Bakhtin e seu 23 Ivo Lesbaupin: professor na Universi- Círculo, esta disponível em http://bit. dade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. ly/1cUUZfC. (Nota da IHU On-Line) senvolvida depois do Concílio Vaticano II. Graduado em Filosofia pela Faculdade 18 Segunda Conferência Geral do Epis- Surge na América Latina, a partir da op- Dom Bosco de Filosofia, é mestre em So- copado Latino-americano: realizou-se ção pelos pobres, e se espalha por todo o ciologia pelo Instituto Universitário de em Medellín, na Colômbia, no período de mundo. O teólogo peruano Gustavo Guti- Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ e 24 de agosto a 06 de setembro de 1968. érrez é um dos primeiros que propõe esta doutor em Sociologia pela Université de A Conferência foi convocada pelo Papa teologia. A teologia da libertação tem Toulouse-Le-Mirail, da França. É autor e Paulo VI para aplicar os ensinamentos do um impacto decisivo em muitos países organizador de diversos livros, entre os Concílio Vaticano II às necessidades da do mundo. Sobre o tema confira a edição quais Igreja: comunidade e massa (São Igreja presente na América Latina. A te- 214 da IHU On-Line, de 02-04-2007, inti- Paulo: Paulinas, 1996); e O desmonte da mática proposta foi “A Igreja na presente tulada Teologia da libertação, disponível nação: balanço do governo FHC (Petró- transformação da América Latina à luz do para download em http://bit.ly/bsMG96. polis: Vozes, 1999). Concedeu as entre- Concílio Vaticano II”. A abertura da Con- Leia, também, a edição 404 da revista vistas “Não há mudanças nas estruturas ferência foi feita pelo próprio Papa que IHU On-Line, de 05-10-2012, intitulada geradoras da desigualdade”, disponível marcou a primeira visita de um pontífice Congresso Continental de Teologia. Con- em http://bit.ly/1jNgB42; A Vale do Rio à América Latina. (Nota da IHU On-Line) cílio Vaticano II e Teologia da Libertação Doce e o neoliberalismo no Brasil, pu- 19 Teologia da Libertação: escola impor- em debate, disponível em http://bit.ly/ blicada no sítio do IHU em 13-08-2007, tante na teologia da Igreja Católica, de- SSYVTO. (Nota da IHU On-Line) disponível em http://bit.ly/J5Fo58; e

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 33 dobramentos do Concílio Vaticano tico em torno da luta por reformas II e no contexto maior das referidas “Após o golpe sociais, que em essência eram as conferências episcopais, e como to- propostas do PCB. Tal postura, bas- mada firme de posição na direção civil-militar tante clara nos documentos internos dos Direitos Humanos, a constitui- a partir do Congresso dos 10 anos da ção da Comissão Brasileira de Justi- de 1964 e a JUC (1960), não foi bem vista pela ça e Paz em 1969, que se subdividiu Hierarquia, que soma esforços para em seções regionais, com ostensivo perseguição e reorientar o movimento. As lideran- apoio de arcebispos como Dom Eva- ças jucistas no movimento estudan- risto Arns24, em São Paulo. As Comis- repressão política til percebem que um movimento sões de Justiça e Paz desenvolveram de apostolado leigo, tutelado pela uma ampla rede de prestação de que se seguiu, Hierarquia, não seria o instrumento serviços jurídicos a presos políticos, ideal para uma luta eminentemente o que permitiu, doravante, o arquiva- as organizações progressista. Organizam, portanto, a mento de cópias dos Inquéritos Po- Ação Popular em 1962.

Tema de Capa de Tema liciais Militares – IPMs que hoje nos políticas à permitem estudar diversos agrupa- IHU On-Line – O Humanismo mentos políticos clandestinos. Resul- esquerda foram Cristão pode ser considerado o mar- tante desse trabalho, temos diversas co conceitual das estratégias da Ação publicações que registram e anali- empurradas para a Popular? A propósito, como este con- sam esse período da história brasilei- ceito pode ser compreendido a partir ra. Por fim, cabe destacar o papel do do pensamento dos filósofos Jacques alto clero na interlocução direta com clandestinidade” Maritain26, Louis Joseph Lebret27, autoridades do regime e a denúncia das práticas de tortura, contribuindo 26 Jacques Maritain (1882-1973): filó- para acelerar o processo de abertura to Geisel25, ou seja, para o retorno a sofo francês. O pensamento tomista de política iniciado no governo de Ernes- um regime representativo no Brasil. Maritain serviu-lhe de parâmetro para a abordagem e julgamento de situações concretas como a política, a educação, IHU On-Line – Como foi o pro- a arte e a religião vigentes. Mas tratou “Derrotar o Serra nas urnas e depois a cesso de transição da Juventude Uni- também da base da gnosiologia, decidin- Dilma nas ruas”, disponível em http:// do-se pelo realismo imediato e intuição bit.ly/1bDoYLZ. A solução é a “econo- versitária Católica – JUC para a Ação do ser, tal como no aristotelismo e na mia verde”?, artigo de Ivo Lesbaupin Popular? Por que houve rompimento escolástica originária. Diferenciou a filo- publicado nas Notícias do Dia, de 04- com a Igreja Católica? sofia e a ciência experimental, bem como 03-2012, no sítio do Instituto Humanitas as diversas ciências filosóficas. Advertiu Unisinos – IHU, disponível em http:// Fábio Pires Gavião – No final para a diferença entre o tema da lógi- bit.ly/19N8NI5; “Não há mudanças nas da década de 1950, a JUC foi trans- ca e o da gnosiologia. Foi um dos princi- estruturas geradoras da desigualdade”, formando suas práticas, entendendo pais expoentes do tomismo no século XX. entrevista com Ivo Lesbaupin publicada Uma de suas obras principais é Por um na edição 386, de 19-03-2012, disponí- que a missão evangelizadora naquele humanismo cristão (São Paulo: Paulus, vel em http://bit.ly/19sKVwZ; Risco de momento histórico demandava um 1999). Sobre Maritain, confira Maritain volta da direita?, artigo de Ivo Lesbaupin maior “engajamento no temporal”, à contre-temps: Pour une démocratie vi- publicado nas Notícias do Dia, de 03- vante (Paris: Desclée de Brouwer, 2007), 11-2013, no sítio do Instituto Humanitas forma pela qual justificavam o maior do filósofo jesuíta Paul Valadier. (Nota da Unisinos – IHU, disponível em http://bit. envolvimento dos jucistas no movi- IHU On-Line) ly/18uOPXx. (Nota da IHU On-Line) mento estudantil, marcado à época 27 Louis Joseph Lebret (1897-1966): 24 Dom (1921): é dominicano francês, é considerado um um frade franciscano, sacerdote católico pelos grandes debates políticos e pioneiro do movimento teórico do de- brasileiro, quinto arcebispo de São Paulo, econômicos visando ao desenvolvi- senvolvimento econômico que surgiu tendo sido o terceiro prelado dessa Ar- mento nacional. Ao buscar disputar depois da Segunda Guerra Mundial. Sua quidiocese a receber o título de cardeal. visão humanista da economia segue ten- Atualmente é arcebispo-emérito de São postos de poder no movimento es- do grande atualidade até os dias de hoje. Paulo e protopresbítero do Colégio Car- tudantil, o “setor político” da JUC faz Foi capelão de pescadores e promotor de dinalício. Entre 1979 e 1985, coordenou alianças com militantes marxistas e uma economia cooperativa na busca de com o Pastor Jaime Wright, de forma melhorias para o mundo dos marinheiros. clandestina, o projeto Brasil: Nunca promove um alinhamento programá- Em 1941 fundou o movimento Econo- Mais. Este projeto tinha como objetivo mia e Humanismo, a partir do qual, em evitar o possível desaparecimento de companhia de François Perroux, cons- documentos durante o processo de re- 25 Ernesto Geisel (1908-1996): ditador truiu e ilustrou a problemática e a prá- democratização do país. O trabalho foi militar e político brasileiro. Foi adido tica da Economia Humana, preocupada, realizado em sigilo e o resultado foi a militar no Uruguai, comandante da XI fundamentalmente, em gerar uma nova cópia de mais de um milhão de páginas Região Militar em Brasília, chefe do gabi- aproximação dos estudiosos sociais à rea- de processos do Superior Tribunal Militar nete militar da presidência da República lidade, abrindo-se a uma visão global da (STM). Contudo, este material foi micro- no governo Castelo Branco, ministro do dinâmica das sociedades e das culturas. filmado e remetido ao exterior diante do Superior Tribunal Militar e presidente da Em 1953 integrou-se a Organização das temor de uma apreensão do material. Em Petrobras (1969-1973). Eleito presidente Nações Unidas para estabelecer os Ní- www.ihu.unisinos.br ato público realizado dia 14 de junho de da República por um Colégio Eleitoral veis de Desenvolvimento no Mundo. Em 2011, foi anunciada a futura repatriação, (1973), indicado pelos militares, tomou companhia de Josué de Castro, Diretor digitalização e disponibilização para to- posse em 15 de março de 1974, como pe- da FAO, trabalhou para estabelecer uma dos os brasileiros deste acervo. (Nota da núltimo ditador militar depois do golpe ação internacional, lutar contra as desi- IHU On-Line) de 1964. (Nota da IHU On-Line) gualdades e promover uma nova Ética do

34 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 Teilhard de Chardin28 e Emmanuel Fábio Pires Gavião – O humanis- marxistas no contexto específico do Tema de Capa Mounier29 nesta perspectiva? mo cristão de matriz francesa se de- início da década de 1960 no movi- senvolveu no contexto da resistência mento estudantil e nos movimentos Desenvolvimento. (Nota da IHU On-Line) ao nazifascismo na década de 1930 sociais em geral. Uma vez que a or- 28 Pierre Teilhard de Chardin (1881- na Europa. Por outro lado, por ser ganização de AP se dá no interior dos 1955): paleontólogo, teólogo, filósofo e cristão, não poderia coadunar-se com quadros da JUC, ela foi marcada forte- jesuíta, que rompeu fronteiras entre a ciência e a fé com sua teoria evolucio- o materialismo histórico. Dessa for- mente em sua origem por este ideá- nista. O cinquentenário de sua morte ma, constitui-se em sua face política rio, superado posteriormente após o foi lembrado no Simpósio Internacio- um ideário de terceira via. Ao buscar golpe civil-militar de 1964; contudo, nal Terra Habitável: um desafio para a humanidade, promovido pelo Instituto orientar a prática de engajamento po- semeou os caminhos que levariam ao Humanitas Unisinos de 16 a 19-05-2005. lítico de católicos, justifica a prática desenvolvimento paralelo da Teologia A edição 140 da IHU On-Line, de 09-05- de alianças estratégicas com grupos da Libertação. Uma análise mais por- 2005, dedicou-lhe o tema de capa sob o título Teilhard de Chardin: cientista marxistas, para o combate comum ao menorizada dessa interpretação pode e místico, disponível em http://bit.ly/ nazifascismo. Tais filósofos filiados a ser encontrada ao longo dos capítulos ihuon140. Veja também a edição 304, essa corrente de pensamento cató- de minha dissertação de mestrado. de 17-08-2009, chamada O futuro que advém. A evolução e a fé cristã segundo lico foram a base para a constituição Teilhard de Chardin, em http://bit.ly/ da democracia cristã no pós-guerra, ihuon304. Confira, ainda, as entrevistas e foram reapropriados no Brasil pela Chardin revela a cumplicidade entre o espírito e a matéria, na edição 135, de esquerda católica, para justificar a Leia mais... 05-05-2005, em http://bit.ly/ihuon135 prática de alianças com estudantes e Teilhard de Chardin, Saint-Exupéry, publicada na edição 142, de 23-05-2005, • Ação Popular e a esquerda católica: em http://bit.ly/ihuon142, ambas com um resgate. Entrevista com Fábio Waldecy Tenório. Na edição 143, de 30- Suas obras influenciaram a ideologia da 05-2005, George Coyne concedeu a en- democracia cristã. A edição 155 da IHU Pires Gavião publicada nas Notícias trevista Teilhard e a teoria da evolução, On-Line, de 12-09-2005 tem como tema disponível para download em http://bit. de capa Emmanuel Mounier: por uma re- do Dia, de 27-09-2013, disponível ly/ihuon143. (Nota da IHU On-Line) volução personalista e comunitária, dis- 29 Emmanuel Mounier (1905-1950): filó- ponível em http://bit.ly/ihuon155. (Nota em http://bit.ly/1jXRzgX. sofo francês, fundador da revista Esprit. da IHU On-Line)

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EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 35 Igreja, entre o apoio e a resistência ao golpe de 1964

Antônio Cechin, preso e torturado durante o regime militar, aponta que grande parte da Igreja Católica apoiou o golpe, mas que grupos minoritários alinhados aos apontamentos do Concílio Vaticano II se constituíram em importantes grupos de resistência

Por Ricardo Machado Tema de Capa de Tema

maior parte da Igreja, em relação à cere nas duas ocasiões, mas mantém um po- quartelada cívico-militar de 1964, sicionamento crítico ao pensar nas figuras de “Apor causa principalmente de um an- Scherer e de Dom Hélder Câmara no contex- ticomunismo doentio causado por uma cons- to de 1964. “Para mim, Dom Vicente foi um ciência ingênua, não conseguia dominar e dis- Pastor zelosíssimo daquilo que hoje conside- tinguir diferentes ideologias”, comenta Antônio ro o modelo europeu de catolicismo que che- Cechin, em entrevista por e-mail à IHU On-Line, gou da Europa através de Portugal em 1500. ao refletir sobre o papel da Igreja no Golpe Civil- Modelo esse que se esgotou com o Concílio -Militar de 1964. “A ‘marcha do Rosário pelas Vaticano II. (...) Dom Hélder foi o iniciador da famílias em favor da paz’ no Brasil, capitaneada Igreja do Brasil e com ele retornamos ao mo- pelo padre Peyton, norte-americano, nas véspe- delo de Igreja dos Primórdios, porque ‘Deus é ras do Golpe, em defesa do país contra o comu- para nós o único absoluto, porém o absoluto nismo que a mídia proclamava como iminente, de Deus são os pobres’”, avalia. encheu o largo da Prefeitura de Porto Alegre Antônio Cechin é irmão marista, graduado com milhares e milhares de pessoas. Essas em Letras Clássicas (grego, latim e português) marchas, feitas em todas as principais cidades e em Ciências Jurídicas e Sociais. Trabalha do Brasil, foram o ato de massa que deu legi- como agente de Pastoral em diversas perife- timidade e respaldo civil-religioso ao golpe que rias da região metropolitana de Porto Alegre, se estava gestando em nosso meio e que fora sendo também assessor de Comunidades brecado alguns anos antes pelo Levante pela Le- Eclesiais de Base do Rio Grande do Sul, de ca- galidade do povo rio-grandense comandado por tadores e de recicladores. Desempenha ain- Leonel Brizola”, complementa. da a função de coordenador do Comitê Sepé Preso e torturado duas vezes, Antônio Tiaraju e da Pastoral da Ecologia do Regional Cechin conta que a razão de suas detenções Sul III da CNBB. Escreveu Empoderamento Po- estava relacionada ao fato de ser, como ele pular: Uma pedagogia de libertação (Porto mesmo diz, “um Catequista da Libertação”. Alegre: Estef, 2010). Publica periodicamente Cechin disse diversas vezes que deve sua vida artigos nas Notícias do Diado sítio do IHU. a Dom Vicente Scherer, que lhe tirou do cár- Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como foi a atua- Freire1, nosso maior educador brasi- leiro, criou a palavra conscientização, ção da Igreja Católica quando houve enriquecendo assim o vocabulário da o Golpe de 1964? De que maneira a 1 Paulo Freire (1921-1997): educador língua portuguesa. Até Paulo Freire só instituição se posicionou em relação brasileiro. Como diretor do Serviço de falávamos em tomada de consciência. à situação política da época? Extensão Cultural da Universidade de Porém, conscientização é infinitamen- Recife, obteve sucesso em programas Antônio Cechin – Assim como o de alfabetização, depois adotados pelo te mais do que isso, porque Freire, em Golpe de 1964 não foi somente militar, governo federal (1963). Esteve exilado entre 1964 e 1971 e fundou o Instituto www.ihu.unisinos.br mas sim cívico-militar, fazendo parte de Ação Cultural em Genebra, Suíça. Foi A edição 223 da revista IHU On-Line, de da sociedade civil, também a própria também professor da Unicamp (1979) e 11-06-2007, teve como título Paulo Frei- Igreja teve certa participação. Paulo secretário de Educação da prefeitura de re: pedagogo da esperança e está dispo- São Paulo (1989-1993). É autor de A Pe- nível em http://bit.ly/ihuon223. (Nota dagogia do Oprimido, entre outras obras. da IHU On-Line)

36 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 suas palestras, distinguia sempre qua- pitaneada pelo Padre Peyton3, norte- IHU On-Line – Como o Concílio Tema de Capa tro graus de consciência. Em ordem -americano, nas vésperas do Golpe, Vaticano II gerou reflexos na- postu crescente: consciência mítica, empíri- em defesa do país contra o comunismo ra da Igreja no Brasil com relação ao ca, ingênua e científica. que a mídia proclamava como iminen- Golpe? Quando se trata de análise da te, em Porto Alegre, encheu o Largo da Antônio Cechin – O golpe militar realidade é que mais se pode eviden- Prefeitura com milhares e milhares de se deu durante o período em que se ciar se as pessoas o fazem com uma pessoas. Essas marchas feitas em todas realizava o Concílio Vaticano 6II , que simples tomada de consciência ou se as principais cidades do Brasil foram o iniciou em 11 de outubro de 1962 são pessoas conscientizadas, e até ato de massa que deu legitimidade e com o discurso de abertura do papa mesmo se pode identificar o grau de respaldo civil-religioso ao golpe que João XXIII7. Foi realizado em quatro consciência de cada um e em que es- se estava gestando em nosso meio e sessões, e só terminou no dia 8 de de- pécie de consciência navegam pelo que fora brecado alguns anos antes zembro de 1965, três anos depois de método de alfabetização criado por pelo Levante pela Legalidade do povo ter sido iniciado. Paulo freire. Enquanto não se adota rio-grandense comandado por Leonel O poder político cívico-militar o instrumento global de análise da Brizola4. não poupou esforços para a coopta- realidade alinhavado particularmente A Assembleia Geral da CNBB5 da- ção da Igreja Católica pelo simples fato por Marx2 – inventor do comunismo quele ano de 1964, contra o voto de de que é a Igreja da grande maioria do depois de destrinchar por completo uma minoria conscientizada, agrade- povo brasileiro e de grande influência o sistema capitalista em análise mi- ceu publicamente aos militares pelo no mundo inteiro. Por isso, um dos nuciosa –, embarca-se com a maior fato de terem, através do Golpe, “sal- primeiros atos dos golpistas foi fretar facilidade nos meios de comunicação vado o país do comunismo” e pelo um avião, sem despesa nenhuma para do sistema capitalista que, desde mui- mesmo acontecimento realizaram a CNBB, para a totalidade dos bispos to tempo atrás, para salvar a pele da uma cerimônia de ação de graças a classe dominante do país, em face da Deus e a Nossa Senhora Aparecida, extrema pobreza que o capitalismo padroeira do Brasil. 6 Concílio Vaticano II: convocado no dia 11-11-1962 pelo Papa João XXIII. Ocorre- gera, acaba-se caindo na ideologia ram quatro sessões, uma em cada ano. da sociedade hegemônica. Cunhou- 3 Patrick Peyton (1909-1992): foi um padre Seu encerramento deu-se a 8-12-1965, -se, na época, a expressão “comunista católico irlandês. Era membro da Congre- pelo Papa Paulo VI. A revisão proposta por come crianças” para designar o horror gação de Santa Cruz, pároco de Hollywood este Concílio estava centrada na visão e fundador da Cruzada do Rosário em Famí- da Igreja como uma congregação de fé, causado aos que estão bem demais lia – movimento autorizado pela Igreja que substituindo a concepção hierárquica do no mundo, por causa da riqueza que visava unir as famílias em torno da oração. Concílio anterior, que declarara a infali- esbanjam, em relação a qualquer pos- Padre Peyton tornara-se extremamente bilidade papal. As transformações que in- grato a Nossa Senhora pela recuperação troduziu foram no sentido da democrati- sibilidade de mudança para um sis- de sua saúde e, com a permissão dos seus zação dos ritos, como a missa rezada em tema político de uma sociedade que superiores, iniciou uma cruzada, na qual vernáculo, aproximando a Igreja dos fiéis não seja o capitalismo imperante. pregava a importância da oração, especial- dos diferentes países. Este Concílio en- mente quando feita em família. Era conhe- controu resistência dos setores conserva- A maior parte da Igreja, em re- cido como “o padre de Hollywood”, pelo dores da Igreja, defensores da hierarquia lação à quartelada cívico-militar de gosto por holofotes e multidões. A visita do e do dogma estrito, e seus frutos foram, 1964, por causa principalmente de um Padre Peyton ao Brasil, em 1963, teve tam- aos poucos, esvaziados, retornando a bém um sentido de pregação anticomunis- Igreja à estrutura rígida preconizada pelo anticomunismo doentio causado por ta e contou com o apoio da CIA, no con- Concílio Vaticano I. O Instituto Humani- uma consciência ingênua, não conse- texto da Guerra Fria, contribuindo para a tas Unisinos – IHU promoveu, de 11 de guia dominar e distinguir diferentes preparação do golpe militar de 1964. (Nota agosto a 11-11-2005, o ciclo de estudos da IHU On-Line) Concílio Vaticano II – marcos, trajetórias ideologias. A “Marcha do Rosário pelas 4 Leonel de Moura Brizola (1922-2004): e perspectivas. Confira a edição 157 da famílias em favor da paz” no Brasil, ca- político brasileiro, nascido em Carazinho, IHU On-Line, de 26-09-2005, intitulada no Rio Grande do Sul. Foi prefeito de Por- Há lugar para a Igreja na sociedade con- to Alegre, governador do Rio Grande do temporânea? Gaudium et Spes: 40 anos,

2 Karl Marx (Karl Heinrich Marx, 1818- Sul, deputado federal pelo extinto Estado disponível em http://bit.ly/mT6cyj. Ain- www.ihu.unisinos.br 1883): filósofo, cientista social, econo- da Guanabara e duas vezes governador do da sobre o tema, a IHU On-Line produziu mista, historiador e revolucionário ale- Rio de Janeiro. Sua influência política no a edição 297, Karl Rahner e a ruptura do mão, um dos pensadores que exerceram Brasil durou aproximadamente 50 anos, Vaticano II, de 15-6-2009, disponível em maior influência sobre o pensamento inclusive enquanto exilado pelo Golpe de http://bit.ly/o2e8cX, bem como a edi- social e sobre os destinos da humanida- 1964, contra o qual foi um dos líderes da ção 401, de 03-09-2012, intitulada Con- de no século XX. A edição número 41 dos resistência. Por várias vezes foi candida- cílio Vaticano II. 50 anos depois, disponí- Cadernos IHU Ideias, de autoria de Leda to a presidente do Brasil, sem sucesso, vel em http://bit.ly/REokjn, e a edição Maria Paulani, tem como título A (anti) e fundou um partido político, o PDT. So- 425, de 01-07-2013, intitulada O Concílio filosofia de Karl Marx, disponível em bre Brizola, confira a primeira edição dos Vaticano II como evento dialógico. Um http://bit.ly/173lFhO. Também sobre o Cadernos IHU em formação intitulado olhar a partir de Mikhail Bakhtin e seu autor, confira a edição número 278 da Populismo e trabalho. Getúlio Vargas e Círculo, esta disponível em http://bit. IHU On-Line, de 20-10-2008, intitulada Leonel Brizola, disponível em http://bit. ly/1cUUZfC. (Nota da IHU On-Line) A financeirização do mundo e sua crise. ly/ihuem01. (Nota da IHU On-Line) 7 Papa João XXIII (1881-1963): nascido Uma leitura a partir de Marx, disponível 5 Conferência Nacional dos Bispos do Angelo Giuseppe Roncalli. Foi Papa de em http://bit.ly/rhygyP. Leia, igualmen- Brasil (CNBB): trata-se de um organismo 28-10-1958 até a data da sua morte. Con- te, a entrevista Marx: os homens não são permanente que reúne os bispos católi- siderado um papa de transição, depois do o que pensam e desejam, mas o que fa- cos do Brasil que, conforme o Código de longo pontificado de Pio XII, convocou o zem, concedida por Pedro de Alcântara Direito Canônico, exercem conjuntamen- Concílio Vaticano II. Conhecido como o Figueira à edição 327 da IHU On-Line, de te certas funções pastorais em favor da “Papa Bom”, João XXIII foi declarado be- 03-05-2010, disponível em http://bit.ly/ comunidade católica de seu território. ato por João Paulo II em 2000. (Nota da JwXRSa. (Nota da IHU On-Line) (Nota da IHU On-Line) IHU On-Line)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 37 brasileiros se deslocarem até o Vatica- e, para o setor dos leigos, o cardeal do Vaticano, e o segundo, no recôndito no a fim de participar da sessão conci- Vicente Scherer10. De volta ao Brasil, das Catacumbas do início do cristia- liar do ano de 1964. Conquistando os o cardeal Scherer fechou a Ação Ca- nismo. Perseguidos os cristãos pelos bispos, pensavam que também teriam tólica Brasileira11 especializada, que imperadores romanos, o povo fiel se o povo cristão do seu lado. reunia a fina flor da militância católica reunia secretamente nos subterrâneos Dentro do avião e depois na Do- totalmente contrária ao Golpe e que da cidade. Aí também enterrava seus mus Mariae, em Roma, onde o epis- sofreu o impacto maior da ditadura, mártires. Esse segundo encerramento copado brasileiro esteve hospedado transformando vários deles nos pri- organizado por Dom Hélder Câmara durante mais de um mês de sessão meiros mártires do regime. Exemplo reuniu em torno de uma centena de conciliar, os bispos, apesar do entre- emblemático foi o assassinato do Pa- bispos do mundo inteiro e passou para cruzamento diário nas aulas concilia- dre Henrique Pereira Neto12, em Reci- a história com o nome de Pacto das Ca- res, aproveitaram o ensejo para tam- fe. Ele era Assessor da Juventude Uni- tacumbas14. Estabeleceram entre si um bém eleger a nova direção da CNBB. A versitária Católica – JUC13 na Diocese pacto destinado a transformar a Igre- maioria conservadora do episcopado de Dom Hélder. Não podendo assas- ja universal em autêntica Igreja Pobre elegeu uma diretoria composta de sinar o bispo Dom Hélder, o militares com total opção pelos pobres. Com o

Tema de Capa de Tema bispos conservadores e, como tais, mataram o sacerdote mais engajado Pacto das Catacumbas em Roma, Dom tolerantes em relação ao Golpe. Defe- nos trabalhos pastorais. Hélder profetizou a leva de mártires nestraram simplesmente Dom Hélder Em contraposição, a postura da que a Igreja do Brasil e de todo o con- Câmara8, que era o secretário execu- primeira direção da CNBB, diretoria tinente latino-americano forneceria tivo da CNBB, logo ele que havia sido organizada por Dom Hélder, teve o para enriquecimento do martirológio o fundador do órgão colegiado dos conteúdo central do Concílio aprova- da Igreja Católica. bispos, atendendo solicitação do Papa do dentro da linha progressista João João XXIII. Essa deposição do “bispo XXIII–Helder Câmara. O Concílio na IHU On-Line – O que foram as fi- vermelho”, segundo o epíteto que lhe realidade teve dois encerramentos: o chas catequéticas e por que incomo- criaram os militares da ditadura, ser- primeiro, na grande praça São Pedro davam tanto os militares? Essa “Ca- viu de cobertura à proibição total que tequese Nova e Libertadora”, como o impuseram a toda a imprensa bra- bispo de São Paulo, sendo seu quarto ar- senhor mesmo definiu e propôs, foi a sileira no sentido de jamais publicar cebispo e segundo cardeal. (Nota da IHU razão de suas prisões? algo sobre Dom Hélder, nem o próprio On-Line) Antônio Cechin – Foi no início 10 Dom Vicente Scherer (1903-1996): nome. cardeal brasileiro. Foi ordenado padre em da década de 1950 que Dom Hélder, Também foram demitidos todos 1926, em Porto Alegre. Recebeu ordena- quando bispo auxiliar do cardeal do os assessores que faziam parte dos ção episcopal em fevereiro de 1947. Entre Rio de Janeiro, começou um discurso os anos de 1946 e 1981, foi arcebispo de quadros da Conferência, escolhidos Porto Alegre. (Nota da IHU On-Line) inteiramente novo. Mirrado que era por Dom Hélder. Haviam escolhido 11 Ação católica: nome dado ao con- Dom Hélder fisicamente, fazia discur- para novo presidente Agnelo Rossi9 junto de movimentos criados pela Igreja sos tonitruantes que ecoavam pelo Católica no século XX, visando ampliar sua influência na sociedade, através da mundo inteiro. Com argumentos ir- 8 Dom Hélder Câmara (1909-1999): ar- inclusão de setores específicos do laicato refutáveis, tomando até Jesus Cristo, cebispo lembrado na história da Igreja e do fortalecimento da fé religiosa, com Filho de Deus encarnado como mo- Católica no Brasil e no mundo como um base na Doutrina Social da Igreja. No Bra- grande defensor da paz e da justiça. Foi sil, a Ação Católica foi criada em 1935 delo da opção pelos pobres, pregava ordenado sacerdote aos 22 anos de ida- pelo Cardeal Leme. No início dos anos a obrigação que tínhamos para com de, em 1931. Aos 55 anos, foi nomeado 1960, a Ação Católica contava com três os “últimos” que compõem a imensa arcebispo de Olinda e Recife. Assumiu a organizações destinadas aos mais jovens: Arquidiocese em 12-03-1964, permane- a Juventude Estudantil Católica (JEC), maioria da população brasileira em si- cendo neste cargo durante 20 anos. Na formada por estudantes secundários, a tuação de fome e miséria. época em que tomou posse como arcebis- Juventude Operária Católica (JOC), que Aconteceu então o mergulho da po em Pernambuco, o Brasil encontrava- atuava no meio operário, e a Juventude Igreja nas periferias, nos grotões dos -se em pleno domínio da ditadura militar. Universitária Católica (JUC), constituída Paralelamente às atividades religiosas, por estudantes de nível superior. (Nota campos interioranos e nos meios ur- criou projetos e organizações pastorais, da IHU On-Line) banos mais afastados dos centros das destinadas a atender as comunidades do 12 Antônio Henrique Pereira Neto cidades. Foi a chamada Inserção da Nordeste que viviam em situação de mi- (1940-1969): padre cuja formação sacer- séria. Dedicamos a editoria Memória da dotal foi feita em Olinda, João Pessoa, Igreja nas periferias, empenhada na IHU On-Line número 125, de 29-11-2005, com estudos de psicologia nos Estados organização das Comunidades Ecle- a Dom Hélder Câmara, publicando o arti- Unidos. Foi ordenado sacerdote no dia siais de Base entre os pobres. Traba- go Hélder Câmara: cartas do Concílio, em de Natal de 1965, logo após o término http://bit.ly/ihuon125. Na edição 157, do Concílio Vaticano II. Leia no sítio do lhava-se em duas dimensões, a exem- de 26-09-2005, publicamos a entrevista O IHU matéria especial sobre a morte do plo de Jesus de Nazaré, que dedicava Concílio, Dom Hélder e a Igreja no Bra- Padre Antônio Henrique Pereira Neto, no grande parte de seu tempo à pequena sil, realizada com Ernanne Pinheiro, que link http://bit.ly/1dV5Iv1. (Nota da IHU pode ser lida em http://bit.ly/ihuon157. On-Line) comunidade dos 12 apóstolos, com a Confira, ainda, a editoria Filme da Sema- 13 Juventude Universitária Católica finalidade de servirem de fermento na da edição 227 da IHU On-Line, 09-06- (JUC): foi uma associação civil católica das massas ou multidões. 2007, que comenta o documentário Dom reconhecida pela hierarquia eclesiás- www.ihu.unisinos.br Hélder Câmara – o santo rebelde. O ma- tica em 1950 como setor especializado terial pode ser acessado em http://bit. da Ação Católica Brasileira – ACB. Tinha ly/ihuon227. (Nota da IHU On-Line) como objetivo difundir os ensinamentos 14 O conteúdo do Pacto das Catacum- 9 Dom Agnelo Rossi (1913-1995): foi um da Igreja no meio universitário. (Nota da bas pode ser acessado em http://bit. prelado católico brasileiro, décimo sexto IHU On-Line) ly/1i7GGb7. (Nota da IHU On-Line)

38 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 Paulo Freire, militante cristão da Brasília, a cada novo ano, celebravam procura se deu também pelos necrófi- Tema de Capa diocese de Dom Hélder na cidade de em todo o Brasil o aniversário da “re- los, ou amigos da morte; estes, tendo Recife, inventou também seu método de volução”, na semana que precedia ao a polícia como testa de ferro, bateram educação começando com essa imensa dia 01 de abril. No ano de 1969, no em todos os colégios que utilizavam população mais abandonada e analfabe- dia reservado ao Ministério da Educa- nosso material “altamente subversi- ta. Esse método se chama de “Educação ção, apresentou-se na televisão o pró- vo” a fim de recolher tudo. para a Prática da Liberdade” ou “Pedago- prio titular da pasta, o general Jarbas gia do Oprimido”. Pelos grotões dos cam- Passarinho17. Em longa palestra, com Catequese da discórdia pos, no interior, e na cidade escalando nossas Fichas Catequéticas em pu- Nossas Fichas, naturalmente, morros, buscavam-se: as “palavras gera- nho, lia partes, comentando sempre. como Catequese oficial da Igreja ti- doras” para a alfabetização e os “temas Até o final, acabou lendo por inteiro nham o “nada obsta” (nihil obstat) da geradores” para a educação. duas aulas do feixe de fichas corres- autoridade eclesiástica, bem como o As Fichas Catequéticas, com base pondentes à primeira série ginasial, “imprima-se” (imprimatur) do Arce- no método Paulo Freire, inauguraram intituladas Rumo à Terra Prometida. bispo Metropolitano de Porto Alegre. no Brasil a chamada Catequese Liber- Encucado estava o general com essa O rebu causado pelas Fichas, simples, tadora, à qual se seguiu a Teologia da tal de Terra Prometida, porque a lin- modestas e inocentes que se nos afi- Libertação15. Começou-se com Fichas a guagem de todas as Fichas, sempre guravam, foi de arrepiar. Todo mun- serem utilizadas nas aulas de Religião segundo ele, propositalmente era ne- do, através da mídia falada, escrita e das escolas religiosas e leigas ou públi- bulosa, quando não linguagem cifra- televisionada achou por bem entrar cas e estatais, porque todas as escolas da. Que Terra seria essa? Interrogava com seu pitaco sobre o assunto. Gen- podiam optar pelo ensino religioso, a si mesmo e aos telespectadores. te ilustre e gente menos ilustre. Pro- que era facultativo. Num segundo mo- Não seria o paraíso comunista?... Fa- fessores e religiosos. Bispos e padres. mento, estendemos essa Catequese zendo ilações de todo o tipo, ao fim Sociólogos e psicólogos. Todo mundo Libertadora às próprias Comunidades e ao cabo, asseverou: Este material é procurou entrar com sua colher torta de Base que se constituíam na nova altamente subversivo. Lastimava que no assunto, fosse entendido ou não base da Igreja e também da nova so- colégios públicos e católicos tivessem em Catequese ou Pastoral. ciedade. A Catequese Libertadora para a coragem de utilizar tal material di- O grande teatrólogo considera- a América Latina havia sido urgida na dático com vistas a comunizar o Brasil, do o maior, Nélson Rodrigues18, se grande Assembleia16 do episcopado la- corroendo inteiramente o futuro da ocupou do assunto a fim de execrar o tino-americano realizado na cidade de juventude. Arrematou referindo-se nosso material didático. Gustavo Cor- Medellín, Colômbia, no ano de 1968. a Colégios Católicos particulares que ção19, o grande escritor católico, não até subvenções em dinheiro do gover- se conteve e teceu comentários alta- Material subversivo no recebiam anualmente e cometiam mente destrutivos em relação à “Igre- No ano de 1969, em plena di- o pecado de ingratidão utilizando esse ja de Passeatas” à qual ligava nosso tadura, os militares de plantão em material em salas de aula. material escrito. Nós, os autores, ficamos estarre- cidos diante do que poderia nos acon- Interrogatório 15 Teologia da Libertação: escola impor- tecer. Naturalmente a corrida atrás A Nunciatura me chamou para tante na teologia da Igreja Católica, de- das Fichas se deu no mesmo instante, interrogatório, e nossas Fichas foram senvolvida depois do Concílio Vaticano II. parar no Vaticano. Minha prisão e tor- Surge na América Latina, a partir da op- a começar pelos biófilos, ou amantes ção pelos pobres, e se espalha por todo o da vida, como um precioso e raro ma- tura, ao lado de outros fatores, estou mundo. O teólogo peruano Gustavo Guti- terial para ler e conhecer em profun- convencido de que aconteceram por- érrez é um dos primeiros que propõe esta que fui um Catequista da Libertação. teologia. A Teologia da Libertação tem didade, motivados que estavam pela um impacto decisivo em muitos países ira que tinham contra os militares, e, Aliás, tinha sido eu que apresentara, do mundo. Sobre o tema confira a edição também, não poucos, viram no fato em Medellín, no Congresso Inter- 214 da IHU On-Line, de 02-04-2007, inti- nacional de Catequese, poucos dias www.ihu.unisinos.br tulada Teologia da libertação, disponível uma glória para a Igreja da Cateque- para download em http://bit.ly/bsMG96. se e da Teologia da Libertação. Mas a antes da Assembleia dos Bispos, os Leia, também, a edição 404 da revista IHU On-Line, de 05-10-2012, intitulada Congresso Continental de Teologia. Con- 17 Jarbas Passarinho [Jarbas Gonçal- 18 Nelson Falcão Rodrigues (1912-1980): cílio Vaticano II e Teologia da Libertação ves Passarinho] (1920): militar e polí- dramaturgo, jornalista e escritor brasilei- em debate, disponível em http://bit.ly/ tico brasileiro. Em 15 de junho de 1964 ro. (Nota da IHU On-Line) SSYVTO. (Nota da IHU On-Line) foi empossado governador do Pará em 19 Gustavo Corção (1896–1978): foi um 16 Documento de Medellín: Em 1968, lugar do deposto Aurélio do Carmo, cuja escritor e pensador católico brasileiro, na esteira do Concílio Vaticano II e da presença à frente do Executivo foi dis- autor de diversos livros sobre política e encíclica Populorum Progressio, realiza- pensada pelo novo regime. Jarbas Pas- conduta, além de um romance. Foi mem- -se, na cidade de Medellín, Colômbia, a sarinho filiou-se à ARENA e após deixar bro da antiga União Democrática Nacio- II Assembleia Geral do Episcopado Latino- o governo1 foi eleito senador em 1966, nal (UDN) e um expoente do pensamento -Americano que dá origem ao importante mas em seguida foi nomeado ministro do conservador no Brasil. Sua obra é influen- documento que passou a ser chamado o Trabalho e Previdência Social no gover- ciada pelo Distributismo, a apologia ca- Documento de Medellín. Nele se expressa no Costa e Silva, sendo mantido no cargo tólica do escritor inglês G.K. Chesterton, a clara opção pelos pobres da Igreja La- pela Junta Militar de 1969, que assumiu o influência extensamente explicada no tino-Americana. A conferência foi aberta poder após o afastamento do presidente seu ensaio Três Alqueires e uma Vaca. pessoalmente pelo papa Paulo VI. Era a da República até que o presidente Emílio Entretanto, uma outra influência sobre o primeira vez que um papa visitava a Amé- Garrastazu Médici o nomeou ministro da seu pensamento veio do filósofo Jacques rica Latina. (Nota da IHU On-Line) Educação. (Nota da IHU On-Line) Maritain. (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 39 Princípios Orientadores, bem como o Francisco Julião22, advogado nor- a casa dos meus manos foi devassada método dessa nova catequese liberta- destino, começou a organizar a popu- pelo Diretor do DOPS, que se demorou dora, própria para “países subdesen- lação pobre do nordeste para a Refor- no apartamento das 16 horas até às volvidos”, como eram caracterizadas ma Agrária. A mídia dava a impressão 22 horas, esmiuçou até a cesta do lixo na época as nações do continente de que Julião havia “enfogueirado” as para juntar papeizinhos rasgados. Sain- latino-americano. Nessa apresenta- regiões mais pobres do Brasil. Dom Vi- do do apartamento com os auxiliares, ção em Medellín, tive a assessoria do cente, em reunião com clero e religio- levou mais de 100 livros da biblioteca, teólogo da libertação Hugo Assmann20 sos, declarou que o comunismo esta- certamente por achá-los subversivos. e o apoio de toda a Equipe de Cate- va incendiando o Norte–Nordeste do Alguns até eram contra o comunismo. quese da CNBB. Brasil e que dentro em pouco o comu- Minha mana, em prantos, imediata- nismo desceria até o Rio Grande do mente correu até a cúria metropolita- IHU On-Line – Em diversos mo- Sul, e nós, como Igreja, perderíamos na a fim de pedir o auxílio de D. Vicen- mentos o senhor já manifestou gra- nossos viveiros vocacionais de sacer- te. Da primeira vez em que estive na tidão a Dom Vicente Scherer, que lhe dotes e religiosos fornecidos pelas ca- cadeia, acabei ficando apenas dois dias salvou a vida quando foi preso em tolicíssimas famílias interioranas. incompletos para, ao final do segundo

Tema de Capa de Tema duas ocasiões. Qual a importância de Imediatamente partiu para a dia, o próprio secretário de Segurança Scherer no contexto do regime? ação. Visitou os párocos de toda a Ar- do Estado, Coronel Jaime Mariath, em Antônio Cechin – Dom Vicente quidiocese, dando ordens a que cada seu próprio automóvel – ele de moto- Scherer foi meu amigo a vida intei- pároco convidasse todos os colonos rista e eu de único passageiro –, levar- ra. Conheci-o quando era pároco na do município a fim de criarem em to- -me até a cúria, moradia de D. Vicente, Igreja São Geraldo. Quando morreu dos o seu sindicato rural. Com essa e a ele me entregar. seu antecessor Dom João Becker21, leva de sindicatos rurais, encarregou monsenhor Vicente Scherer, simples o bispo auxiliar D. Edmundo Kunz para IHU On-Line – Aliás, podemos sacerdote, foi eleito pelo cabido da ser o presidente da Federação Agrária entender as figuras de Dom Hélder Arquidiocese como Vigário Capitular Gaúcha – FAG. Mais tarde, a FAG se Câmara e Dom Vicente Scherer como na arquidiocese vacante. Quando me- transformou em Federação dos Traba- antípodas? No que se assemelhavam nos se esperava, a Santa Sé o escolheu lhadores da Agricultura – FETAG. e no que se diferenciavam? para o episcopado e o nomeou logo Antônio Cechin – Os dois, Dom como Arcebispo. De simples padre, IHU On-Line – Qual foi a postura Hélder e Dom Vicente, tinham posi- Dom Vicente passou a arcebispo. de Dom Vicente em relação aos reli- ções muito diferentes em relação não Como sacerdote e pároco que giosos católicos presos e aos demais só à ditadura militar, mas também em comecei a conhecer e depois como presos? relação à Pastoral, à própria teologia e arcebispo, Dom Vicente foi sempre Antônio Cechin – No dia em que à Catequese. um pastor muito zeloso. A paróquia fui preso, depois de a quadra em que A qualidade boa de Dom Vicente que ele dirigia, de São Geraldo, tinha eu estava com meus manos ser cerca- é que não era “espiculão”, como di- um dos melhores grupos de jovens de da com camburões em todas as esqui- ziam os jovens da JEC24 com os quais toda a arquidiocese que até fornece- nas e de me introduzirem no DOPS23, eu trabalhava. Isto é, ele deixava tra- ram vocações sacerdotais gestados balhar sem procurar vigiar ninguém. em seu seio. Um exemplo emblemá- 22 Francisco Julião (1915-1999): advoga- Quando, em um colossal êxodo rural, tico do extraordinário zelo apostólico do brasileiro que defendeu, a partir da chegaram a Canoas nada menos de aconteceu uns anos antes da ditadura década de 1950, as causas dos campo- 13 mil operários para a construção do neses organizados, pressionados através militar no Brasil. de subterfúgios da lei pelos senhores de terra que tentavam desarticular a orga- 24 Juventude Estudantil Católica (JEC): nização de ligas camponesas e expulsar organizou-se, inicialmente, como um de suas terras os moradores do Engenho grupo basicamente feminino, existindo a 20 Hugo Assmann: é professor na Univer- Galileia. Para ampliar seu campo de luta, partir de 1935. Num primeiro momento, sidade Metodista de Piracicaba, São Pau- ingressou na tribuna política e elegeu-se sua atuação se restringiu às Associações lo. É doutor em Teologia pela Pontifícia Deputado Estadual em Pernambuco. Foi Religiosas, tendo por finalidade a des- Universidade Gregoriana (PUG), Itália. um dos maiores ativistas pela reforma coberta da Igreja pelos estudantes e a Gaúcho, foi professor de teologia no Se- agrária no Brasil. Exilou-se no México difusão do cristianismo dentro das esco- minário de Viamão na década de 1960. quando teve seus direitos cassados, em las. Em 1966, com a descentralização dos Exilado, foi um dos pioneiros da teologia 1964. Foi anistiado em 1979 e faleceu em Movimentos em relação à hierarquia da da libertação. Uma vez radicado na Cos- Tepoztlán, no México. Sobre sua trajetó- Igreja, proposto pela CNBB, a JEC organi- ta Rica, inicia uma importante pesquisa, ria, confira o livro escrito pelo jornalista za um Conselhinho Nacional para refletir juntamente com Franz Kinkelammert so- Vandeck Santiago, Francisco Julião: luta, sobre a situação em que se encontrava. bre Economia e Teologia. Já de volta ao paixão e morte de um agitador. Recife, Concluindo que estava com sua base de- Brasil, dedica-se aos temas da educação. Assembleia Legislativa, 2001 (Série Per- sestruturada e que a situação histórica (Nota da IHU On-Line) fil Parlamentar Século XX). (Nota da IHU em que o país se encontrava desarticula- 21 Dom João Batista Becker (1870- On-Line) va qualquer tentativa de mobilização so- 1946): titulado Conde João Becker pela 23 Departamento de Ordem Política e cial, a Equipe Nacional se desliga do Mo- Santa Sé, foi um bispo católico brasileiro. Social (DOPS): criado em 1924, foi o ór- vimento, formando um grupo autônomo Aos 76 anos, faleceu Dom João Becker em gão do governo brasileiro utilizado prin- com objetivos políticos e sociais. Os que www.ihu.unisinos.br Porto Alegre, meses antes de ordenar bis- cipalmente durante o Estado Novo e mais permaneceram na JEC tentaram rearti- po o seu auxiliar na Arquidiocese de Por- tarde na ditadura de 64, cujo objetivo cular o Movimento em algumas regiões to Alegre, Dom Vicente Scherer, que seria era controlar e reprimir movimentos po- no período de 1967 a 1970; não obtendo bispo-auxiliar em Porto Alegre. Era 15 de líticos e sociais contrários ao regime no grandes resultados, decidiram finalizar junho de 1946. (Nota da IHU On-Line) poder. (Nota da IHU On-Line) suas atividades. (Nota da IHU On-Line)

40 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 Polo Petroquímico de Triunfo, eles en- jovens agricultores, estudantes secun- da Europa no início do Brasil propria- Tema de Capa cheram todas as periferias da cidade, daristas, independentes (profissões mente dito. Pergunto hoje a alguém: em beiras de ruas e estradas. Então, liberais), operários e universitários, Foste cursilhista no passado, que tal?! no natal de 1979, ocupamos os lati- apesar de ter sido uma caminhada de Como vês hoje aqueles tempos e com fúndios pertencentes aos herdeiros muito sofrimento, foi também de mui- aqueles movimentos? Em geral todos do sesmeiro Matias Velho, local que o ta alegria e de grande entusiasmo. Há me respondem que têm vergonha de padre vigário não botava o pé, consi- uma frase que ouvi na França e que ter perdido tempo com aquele tipo de derado por ele como invasão e roubo nunca esqueci: “Quando a juventude Igreja. de terra do próximo. perde o seu entusiasmo, o mundo Na visita que Dom Vicente fazia bate os dentes de frio”. As saudades IHU On-Line – Como avalia o tra- uma vez por ano aos padres, ele me desses movimentos de muita mili- balho da Comissão Nacional da Ver- mandou avisar o vigário que, no do- tância são enormes. Foram a base da dade? Por que resgatar a memória mingo seguinte, o próprio Dom Vicen- Igreja da Libertação, com suas espeta- desse período é, mais que um gesto te iria pessoalmente celebrar a missa culares CEBs25, nova base de Igreja e político, uma maneira de valorizar a para os “invasores” na capela que ha- de nova sociedade; foram a base do liberdade e a vida? via sido levantada em mutirão. Man- Partido dos Trabalhadores, que foi Antônio Cechin – Acho espetacu- dou ainda que eu advertisse o pároco fundado por esses movimentos e só lar que tenhamos chegado finalmente para que estivesse pessoalmente ao depois é que se somaram outras for- à Comissão Nacional da Verdade, ape- lado dele na celebração. ças a esse partido que transformou o sar do rugir de dentes das forças ar- Brasil medieval em que vivíamos em madas, hoje bem aposentadas mone- Pastor zeloso um Brasil da modernidade. tariamente, mas com as consciências Para mim, Dom Vicente foi um É uma pena que os percalços da sempre mais indormidas e sobressal- Pastor zelosíssimo daquilo que hoje Caminhada, em grande parte devido tadas. Quem não tem história, não considero o modelo europeu de cato- ao hiato na continuidade atribuído viveu. Apenas vegetou. Sem processo licismo que chegou da Europa através aos dois papas – João Paulo II e Ben- histórico, não há nem salvação, por- de Portugal em 1500. Modelo esse to XVI –, nos tenha interrompido o que a História da Salvação é sinônimo que se esgotou com o Concílio Vatica- processo, porque lembro que quan- de Bíblia, e o nosso Deus dos cristãos no II. Dom Hélder foi o iniciador de um do foi dado por encerrado o Vaticano é um Homem, o Jesus de Nazaré, com novo modelo de Igreja tipicamente II, lendo os documentos produzidos, uma Caminhada Histórica, a mais fan- latino-americano, aprovado no Concí- dizíamos: “o Vaticano está lindo, ma- tástica e inimaginável do mundo. lio Vaticano II e, a partir desse evento, ravilhoso porque ajustou a Igreja Uni- convocado por João XXIII. A este novo versal ao que até hoje construímos no modelo de Igreja deve corresponder Brasil. Absolutamente nada de novo Leia mais... uma nova catequese, uma nova teo- acima do que nós conseguimos estar logia, um novo tipo de vida, religião, vivendo aqui”. • Fichas catequéticas, a prisão e a tor- etc. Estamos hoje bem avançados no tura. Entrevista com Antônio Cechin mundo a ponto de Papa Francisco ser Saudade hoje o primeiro papa do nosso novo Não raro me encontro com jo- publicada nas Notícias do Dia, de modelo, da Igreja da Catequese e Teo- vens daqueles tempos memoráveis, 03-01-2013, no sítio do IHU, dispo- logia da Libertação. hoje gente de idade, e não encontrei nível em http://bit.ly/1dyid1G. Dom Vicente foi um excelente sa- um só que não esteja com saudade cerdote e arcebispo em condições de com expressões do gênero: “A JEC me • Antonio Cechin, irmão marista, dar um salto, porque já diziam os lati- deu embocadura para a vida inteira! Profeta da Ecologia. Publicado nas nos, “a natureza não dá saltos” (natu- Que maravilha!”. O mesmo não acon- Notícias do Dia, de 18-06-2012, no ra non facit saltus). Dom Hélder foi o tece com quem foi de movimentos sítio do IHU, disponível em http:// www.ihu.unisinos.br iniciador da Igreja do Brasil e com ele outros de caráter conservador, que retornamos ao modelo de Igreja dos se ocupavam exclusivamente do reli- bit.ly/1pAcB74. Primórdios, porque “Deus é para nós gioso propriamente dito sem abertura • Catequese Libertadora, a prima-po- o único absoluto, porém o absoluto alguma para o social, que acima ca- bre da Teologia da Libertação? Arti- de Deus são os pobres”, e John Sobri- racterizamos como do modelo vindo no diz que nossa missão como cristão go de Antônio Cechin publicado nas é de despregar da cruz os pobres de Notícias do Dia, de 17-10-2012, no 25 Comunidades Eclesiais de Base hoje, na qual estão crucificados. (CEBs): trata-se de comunidades inclu- sítio do IHU, disponível em http:// sivistas ligadas principalmente à Igreja bit.ly/1l7Mww0. IHU On-Line – Qual foi a impor- Católica que, incentivadas pela Teologia da Libertação após o Concílio Vaticano • “Os pobres me evangelizaram”. En- tância dos movimentos de resistên- II (1962-1965), espalharam-se principal- cia popular capitaneados pela Igreja, mente nos anos 1970 e 1980 no Brasil e trevista com Antônio Cechin publi- na América Latina. O objetivo é a leitura organizados pela Ação Católica? cada nas Notícias do Dia, de 10-06- Antônio Cechin – A caminhada bíblica em articulação com a vida, com a realidade política e social em que vivem 2007, no sítio doIHU , disponível em dos movimentos de resistência da e com as misérias cotidianas com que se Ação Católica Epecializada, isto é, dos deparam na matriz ordinária de suas vi- http://bit.ly/OYpEUM. das comunitárias. (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 41 A invenção interrompida de uma cultura da diversidade

Para Alexandre Rocha da Silva, a cultura brasileira nos anos 1960 era uma força ativa e criativa que foi combatida pelos militares a partir de 1964

Por Ricardo Machado Tema de Capa de Tema obre a cabeça os aviões, sobre de crítica social, outras mazelas diferentes meus pés os caminhões”, cantou daquelas expressas pela figura dos militares “SCaetano Veloso em verso, pro- no poder. A produção artística depois da di- testo e prosa no longínquo 1968, quando o tadura continuou criativa: o cinema, o teatro, Tropicalismo desafiava não somente a estéti- a música, as artes plásticas não morreram ca musical brasileira da época, mas também com a ditadura, pelo contrário. (...) A ditadura os militares, que no mesmo ano imporiam à passou, eles passarinho”, pondera Alexandre. nação o AI-5, restringindo ainda mais as li- “É possível também referir o cinema recente berdades de um país que já sonhava retomar do Nordeste, principalmente de Pernambu- a democracia. Em entrevista concedida pes- co, que está aí demonstrando alta qualidade. soalmente à IHU On-Line, Alexandre Rocha Não penso que isso tenha se esgotado, o que considera que a manifestação artística dos mudou foi a forma de engajamento, agora anos 1960 era um movimento de criação da mais livre e diversa. São muitas as questões cultura brasileira e que a ditadura, sim, foi que advieram – violência policial, vida na pe- uma força reativa. riferia, libertação das mulheres, movimento “Para mim, a força que resistiu, ressenti- negro e LGBT”, complementa. da, por 20 anos, foi a ditadura. A força ativa Alexandre Rocha da Silva é graduado em era a da criação da cultura brasileira. A dita- Comunicação Social – Jornalismo pela Univer- dura vem como força reativa, como uma pai- sidade Federal do Rio Grande do Sul – UFR- xão triste, infelizmente desejada por grande GS, tem mestrado e doutorado em Ciências parcela da população brasileira. Os coletivos da Comunicação pela Universidade do Vale de cultura não estavam resistindo. Pelo con- do Rio dos Sinos, realizando doutorado-san- trário: estavam agindo intensa e positivamen- duíche em Semiótica no Centre d’Étude de La te, e assim continuam. (...) A ditadura preci- Vie Politique Française e pós-doutorado na sou reagir a esses movimentos no sentido de Université de Paris III. É pesquisador e pro- reprimir sua proliferação. O que as formas fessor do Programa de Pós-Graduação em institucionalizadas e os ditadores de plantão Comunicação e Informação da Faculdade de fizeram foi tentar impedir que a alegria proli- Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS. ferasse”, sustenta o entrevistado. Autor de A dispersão na semiótica das mino- Apesar dos esforços em reprimir e sufo- rias (São Leopoldo: Editora Unisinos, 2001) car a produção artístico-cultural dos anos de e de Comunicação e minorias (Porto Alegre: chumbo, a arte sobreviveu vigorosa, embora, Entremeios, 2008). Também organizou uma claro, tenha se reorganizado após a reabertu- série de outras obras e, atualmente, é editor ra política. “Eu acho que a produção mudou da revista Intexto. apenas o foco, passou a enfatizar, em termos Confira a entrevista.

IHU On-Line – De que maneira o curava, na periferia nacional, um Bra- as perseguiu, censurou, atrapalhou.

www.ihu.unisinos.br Golpe Civil-Militar de 1964 rompeu sil muito mais plural e amplo que o já Foi uma bomba no processo civili- com uma manifestação artística nacio- conhecido da elite nacional da época? zatório brasileiro que, no início dos nal, que desde o início da década de Alexandre Rocha – O Golpe não anos 1960, na linha evolutiva da an- 1960 saía do eixo Rio-São Paulo e pro- inviabilizou tais manifestações, mas tropofagia inaugurada por Oswald

42 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 de Andrade1, buscava recriar o país. Jobim7 queria inventar um país, in- na Tropicália9, no Cinema Novo10, no Tema de Capa Criar o Brasil é o oposto de buscar ventar o povo brasileiro esteticamen- Teatro Opinião11, no Teatro Oficina12, sua identidade. A geração de Darcy te, de forma sofisticada, de forma a 2 3 Ribeiro , , Augusto contribuir com a construção não da es e jovens cantores e/ou compositores Boal4, Zé Celso5, Hélio Oiticica6, Tom nossa memória, mas do nosso porvir. de classe média da zona sul carioca. De início, o termo era apenas relativo a um novo modo de cantar e tocar samba na- 1 Oswald de Andrade (1890-1954): poe- quela época, ou seja, a uma reformula- ta, romancista e dramaturgo. Nasceu em “A força ativa era ção estética dentro do moderno samba São Paulo e estudou na Faculdade de Di- carioca urbano. Com o passar dos anos, reito do Largo São Francisco. Sua poesia a Bossa Nova tornou-se um dos movimen- é precursora do movimento que marcou a da criação da tos mais influentes da história da música a cultura brasileira na década de 1960, o popular brasileira, conhecido em todo concretismo. (Nota da IHU On-Line) o mundo. Um grande exemplo disso é a 2 (1922-1977): etnólogo, cultura brasileira. música Garota de Ipanema composta em antropólogo, professor, educador, en- 1962 por Vinícius de Moraes e Antônio saísta, romancista e político mineiro. Carlos Jobim. Sobre o tema, confira a Completou o curso superior na Escola A ditadura vem edição da IHU On-Line intitulada Chega de Sociologia e Política de São Paulo, no de saudade... Bossa Nova, 50 anos, de ano de 1946. Trabalhou como etnólogo no como força 08-09-2008, disponível em http://bit.ly/ Serviço de Proteção ao Índio, e, em 1953, YzDFvb. (Nota da IHU On-Line) fundou o Museu do Índio. Foi professor de 9 Tropicalismo, Movimento tropicalista etnologia e linguística tupi na Faculdade reativa, como ou Tropicália: movimento cultural brasi- Nacional de Filosofia e dirigiu setores de leiro que surgiu sob a influência das cor- pesquisas sociais do Centro de Pesquisas rentes artísticas de vanguarda e da cul- Educacionais e da Campanha Nacional uma paixão triste, tura pop nacional e estrangeira (como o de Erradicação do Analfabetismo, além pop-rock e o concretismo), misturou ma- de ocupar, no biênio 1959/1961, o car- nifestações tradicionais da cultura brasi- go de presidente da Associação Brasilei- infelizmente leira a inovações estéticas radicais. Tinha ra de Antropologia. Foi eleito em 08 de objetivos comportamentais, que encon- outubro de 1992 para a Cadeira n. 11 da traram eco em boa parte da sociedade, Academia Brasileira de Letras. (Nota da desejada por sob o regime militar, no final da década IHU On-Line). de 1960. O movimento manifestou-se 3 Glauber de Andrade Rocha (1939- grande parcela principalmente na música (cujos maiores 1981): cineasta brasileiro, ator e escri- representantes foram , Tor- tor. Começou a realizar filmagens (seu quato Neto, Os Mutantes e Tom Zé); ma- filme Pátio, de 1959), ao mesmo tempo da população nifestações artísticas diversas, como as que ingressou na Faculdade de Direito da artes plásticas (destaque para a figura de Bahia, onde atualmente é a Universidade Hélio Oiticica), o cinema (o movimento Federal da Bahia, entre 1959 e 1961, e brasileira” sofreu influências e influenciou o Cinema logo abandonou para iniciar uma breve novo de Glauber Rocha) e o teatro bra- carreira jornalística, em que o foco era sileiro (sobretudo nas peças anárquicas sempre sua paixão pelo cinema. Ele se de José Celso Martinez Corrêa). Um dos propunha a fazer uma arte engajada ao Traços desta criação podem ser cla- maiores exemplos do movimento tropi- pensamento e pregava uma nova estéti- ramente percebidos na Bossa Nova8, calista foi uma das canções de Caetano ca, uma revisão crítica da realidade. Era Veloso, denominada exatamente “Tropi- visto pela ditadura militar que se insta- cália”. Leia a edição 411 da IHU On-line, lou no país, em 1964, como um elemento só mostra plenamente seus tons, cores, intitulada Tropicalismo. O desejo de uma subversivo. (Nota da IHU On-Line) formas, texturas, grafismos e textos modernidade amorosa para o Brasil, dis- 4 (1931-2009): dramatur- (mensagens como “Incorporo a Revolta” ponível em http://bit.ly/ihuon411. (Nota go, ensaísta e escritor brasileiro. Tem e “Estou Possuído”), e os materiais com da IHU On-Line) expressiva obra dramatúrgica, além de que é executado (tecido, borracha, tinta, 10 Cinema Novo: movimento cinemato- ser conhecido internacionalmente, com papel, vidro, cola, plástico, corda, palha) gráfico brasileiro, influenciado pelo neor- traduções em mais de vinte línguas, de a partir dos movimentos de alguém que o realismo italiano e pela “Nouvelle Vague” suas teorias acerca do Teatro do oprimi- vista. Por isso, é considerado uma escul- francesa, com reputação internacional. do. (Nota da IHU On-Line) tura móvel. Em 1965, foi expulso de uma Surge em circunstâncias idênticas ao do 5 José Celso Martinez Corrêa (Arara- mostra no Museu de Arte Moderna do Rio movimento homônimo português, tam-

quara, São Paulo, 30 de março de 1937): de Janeiro por levar ao evento integran- bém referido como Novo Cinema. (Nota www.ihu.unisinos.br conhecido como Zé Celso, é uma das tes da Mangueira vestidos com parango- da IHU On-Line) figuras mais importantes ligadas ao tea- lés. A experiência dos morros cariocas fa- 11 Teatro Opinião: grupo de teatro ca- tro brasileiro. Destacou-se como um dos zia parte da dimensão da sua obra. (Nota rioca que centraliza, nos anos 1960, o principais diretores, atores, dramaturgos da IHU On-Line) teatro de protesto e de resistência, nú- e encenadores do Brasil. (Nota da IHU 7 Antônio Carlos Brasileiro de Almeida cleo de estudos e difusão da dramaturgia On-Line) Jobim (1927-1994): mais conhecido como nacional e popular. Fundado em 1964, 6 Hélio Oiticica (1937-1980): pintor, es- Tom Jobim, foi um compositor, maestro, logo após o golpe militar de 1964, re- cultor, artista plástico e performático pianista, cantor, arranjador e violonista úne artistas ligados ao Centro Popular de aspirações anarquistas. É considera- brasileiro. É considerado o maior expo- de Cultura da UNE – CPC que havia sido do por muitos um dos artistas mais re- ente de todos os tempos da música brasi- colocado na ilegalidade. Seu grande su- volucionários de seu tempo e sua obra leira pela revista Rolling Stone, e um dos cesso é o musical “Opinião”, com parti- experimental e inovadora é reconhecida criadores do movimento da bossa nova. cipação de Zé Kéti, João do Vale e Nara internacionalmente. Em 1959, fundou o É praticamente uma unanimidade entre Leão (substituída por Maria Bethânia), Grupo Neoconcreto, ao lado de artistas críticos e público em termos de qualida- sob a direção de João das Neves e Augus- como Amilcar de Castro, , Ly- de e sofisticação musical. (Nota da IHU to Boal. Como uma força de resistência, gia Pape e . Na década On-Line) aglutina artistas dispersos ligados aos de 1960, Hélio Oiticica criou o Parangolé, 8 Bossa nova: derivado do samba e com movimentos de arte popular da época. que ele chamava de “antiarte por exce- forte influência do jazz, trata-se de um (Nota da IHU On-Line) lência” e uma pintura viva e ambulan- movimento da música popular brasileira 12 Uzyna Uzona ou sim- te. O Parangolé é uma espécie de capa do final dos anos 1950 lançado por João plesmente Teatro Oficina: é uma compa- (ou bandeira, estandarte ou tenda) que Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Mora- nhia de teatro do Brasil, localizada em

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 43 na experiência concretista, no proje- não queria estar na posição dos que mudar de rumo da bossa, embora to semiológico de produção de uma me venceram. nunca tenham rompido com os ide- linguagem do Terceiro Mundo. Toda ais estéticos do movimento. O que esta experiência foi alvo das forças IHU On-Line – Que Bossa Nova eles fazem é redescobrir o morro, re- repressivas depois de 1964. É im- é essa que surge nos anos 1950 e descobrir Cartola18, Zé Keti19, que já portante ressaltar que, no início dos como se diferencia desta que sobe escreviam versos sem adjetivações, anos 1960, mesmo a Bossa Nova do o morro? Trata-se de duas bossas como os bossanovistas. Portanto, amor, do sorriso e da flor dá lugar distintas? não diria que há uma outra Bossa à bossa do Protesto, embalada pelo Alexandre Rocha – Do ponto de Nova; há, sim, uma ruptura com os ritmo das reformas de base do gover- vista formal é uma coisa só: sofistica- conteúdos das canções, que antes no de Jango13. Retomando a questão, ção musical, adoção de versos sem falavam, como disse, do amor, do diria que este projeto foi macropoli- adjetivação, canto delicado e sutil. A sorriso e da flor e, nos anos sessenta, ticamente derrotado pela ditadura; Bossa Nova dos anos 1950, especial- passam a dizer: “Podem me prender, não temos como saber a extensão mente com Tom Jobim e João Gilber- podem me bater / Podem até deixar- desta derrota. Quando falo dessas to14, é a que descobre e se encanta -me sem comer / Que eu não mudo 20 Tema de Capa de Tema questões lembro-me de Darcy Ribei- com sua própria forma e divulga as de opinião” . ro que, ao avaliar sua trajetória, dizia belezas do Rio de Janeiro, das mulhe- mais ou menos assim: entrei em mui- res, de um país que quer se inventar. Chico de Assis. Nesse ano, conheceu Vi- tas batalhas, perdi quase todas. Mas Nos anos 1960 – com todo o movi- nícius de Moraes, que se tornaria seu mento social que havia no governo parceiro em inúmeras composições de João Goulart – Nara Leão15, Vinícius sucesso, como “Você e eu”, “Coisa mais linda”, “Primavera” e “Minha namora- 16 17 de Moraes , Carlos Lyra resolvem da”, entre outras. Atuou também como São Paulo no bairro do Bixiga. Foi fun- diretor musical do Teatro de Arena. dada em 1958 na Faculdade de Direito (Nota da IHU On-Line) da Universidade de São Paulo – USP por 14 João Gilberto Prado Pereira de Oli- 18 Angenor de Oliveira (1908-1980): Amir Haddad, José Celso Martinez Corrêa veira: conhecido como João Gilberto, mais conhecido como , foi cantor, e Carlos Queiroz Telles. O local de gran- violonista e cantor, é considerado um dos compositor e violonista brasileiro. (Nota de parte da experiência cênica interna- pais da bossa nova brasileira, juntamen- da IHU On-Line) cional, que reuniu de Brecht, Sartre ao te com Tom Jobim. Nasceu em Juazeiro 19 Zé Kéti (1921-1999): nome artístico Living Theatre. Foi neste lugar que foi (BA), em 1931, mudando-se para o Rio de de José Flores de Jesus, foi um cantor e lançado um importante manifesto da cul- Janeiro em 1950. Perfeccionista, apre- compositor do samba brasileiro. Em 1964, tura brasileira, o Tropicalismo, versão na senta-se com sucesso em todo o mundo. participou do espetáculo “Opinião”, ao década de 1960 do movimento antropofá- (Nota do IHU On-Line) lado de João do Vale e Nara Leão, que gico de Oswald de Andrade. Este influen- 15 Nara Lofego Leão Diegues (1942- o levou ao concerto que tornou conheci- ciou músicos, poetas e outros artistas. 1989): cantora brasileira. Aos 14 anos, das algumas de suas composições, como (Nota da IHU On-Line) em 1956, resolve estudar violão na aca- “Opinião” e “Diz que Fui por Aí” (esta 13 João Belchior Marques Goulart ou demia de Carlos Lyra e Roberto Menescal, em parceria com Hortêncio Rocha). No Jango (1919-1976): presidente do Brasil que funcionava em um quarto-e-sala na ano seguinte, lançou “Acender as velas”, de 1961 a 1964, tendo sido também vice- rua Sá Ferreira, em Copacabana. Aos 18 considerada uma de suas melhores com- -presidente, de 1956 a 1961 – em 1955, anos, torna-se professora da academia. posições. Esta música inclui-se entre as foi eleito com mais votos que o próprio Daí em diante, Nara se reaproxima de músicas de protesto da fase posterior a presidente, Juscelino Kubitschek. Seu Carlos Lyra, que rompeu a parceria mu- 1964; a letra deste samba possui um im- governo é usualmente dividido em duas sical com Bôscoli em 1960, e de ideias pacto forte, criado pelo relato dramático fases: fase parlamentarista (da posse, em mais à esquerda. Inicia um namoro com do dia a dia da favela. Nara Leão e Elis janeiro de 1961, a janeiro de 1963) e fase o cineasta e se casa com ele Regina fizeram um enorme sucesso com presidencialista (de janeiro de 1963 ao um tempo depois. Nessa época passa a se a gravação desta música. (Nota da IHU golpe militar de 1964). Jango fora ainda interessar pelo samba de morro. (Nota da On-Line) ministro do Trabalho entre 1953 e 1954, IHU On-Line) 20 Opinião: foi um espetáculo musical durante o governo de Getúlio Vargas. Foi 16 Vinícius de Moraes (1913-1980): nas- dirigido por Augusto Boal, produzido deposto pelo golpe militar do dia 1º de cido Marcus Vinícius de Moraes, no Rio de pelo Teatro de Arena e por integrantes abril de 1964 e morreu no exílio. Confira Janeiro, foi um diplomata, dramaturgo, do Centro Popular de Cultura da UNE a entrevista “Jango era um conservador jornalista, poeta e compositor brasileiro. – instituição que, a esta altura, havia reformista”, com Flavio Tavares, de 19- Poeta essencialmente lírico, o que lhe sido colocada na ilegalidade pelo re- 12-2006, em http://bit.ly/ihu191206; renderia a alcunha “poetinha”, que lhe gime militar recentemente instaurado João Goulart e um projeto de nação in- teria atribuído Tom Jobim, notabilizou-se no Brasil. O elenco era formado por terrompido, com Oswaldo Munteal, de pelos seus sonetos. Conhecido como um Nara Leão (depois substituída por Maria 27-08-2007, em http://bit.ly/ihu270807. boêmio inveterado, fumante e aprecia- Bethânia), João do Vale e Zé Kéti. Os Confira também as entrevistas com Lucí- dor de uísque, era também conhecido por atores-cantores intercalavam canções lia de Almeida Neves Delgado, intituladas ser um grande conquistador. O poetinha a narrações referentes à problemática O Jango da memória e o Jango da Histó- casou-se por nove vezes ao longo de sua social do país. O texto era assinado por ria, publicada na edição 371 da IHU On- vida. Sua obra é vasta, passando pela li- Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho Line, de 29-08-2011, em http://bit.ly/ teratura, teatro, cinema e música. (Nota e Paulo Pontes. O show-manifesto es- ihuon371 e ‘’Dúvidas sobre a morte de da IHU On-Line) treou em 11 de dezembro de 1964, al- Jango só aumentam’’, de 05-08-2013, 17 Carlos Eduardo Lyra Barbosa guns meses depois do golpe militar, no em http://bit.ly/ihu050813. Veja ainda (1936): cantor, compositor e violonista teatro do Shopping Center Copacabana, “João Goulart foi, antes de tudo, um brasileiro. Junto com Roberto Menes- sede do Teatro de Arena no Rio de Ja- herói”, com Juremir Machado, de 26- cal, era uma das figuras jovens da bossa neiro. Opinião tornou-se uma referên- 08-2013, em http://bit.ly/ihu260813 e nova. Fez parte de uma bossa nova mais cia na chamada “música de protesto” e www.ihu.unisinos.br Comício da Central do Brasil: a propos- ativista, propondo o retorno do ritmo é considerado um dos mais importantes ta era modificar as estruturas sociais e às suas raízes no samba. Em 1960, es- da história da música popular brasilei- econômicas do país, com João Vicente creveu a trilha sonora de A mais-valia ra. O registro do show deu origem ao Goulart, de 13-03-2014, em http://bit. vai acabar, seu Edgard, peça teatral de álbum homônimo, lançado em 1965. ly/ihu130314. (Nota da IHU On-Line) Oduvaldo Vianna Filho com direção de (Nota da IHU On-Line)

44 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 IHU On-Line – Qual a relação 1968 francês. A Tropicália propunha Veloso27, Elis Regina28, Gal Costa29, Tema de Capa entre a Bossa Nova e o tropicalismo uma micropolítica do corpo, do sexo, no contexto político em que cada um da voz, da estética. do Brasil. Abordou a ditadura e, fugindo deles surge? dela, criou um pseudônimo para conti- Alexandre Rocha – O contexto IHU On-Line – Durante o perío- nuar compondo e não ser barrado pela do surgimento da Bossa Nova foram do ditatorial, devido à repressão e à censura – Julinho da Adelaide – com o qual compôs apenas três músicas. Sobre 21 os anos JK no Brasil, que aparen- censura agressivas, os artistas – ten- a canção Cálice, além do título da com- temente crescia, era um país demo- do em vista o governo como ‘inimigo posição ter som idêntico à expressão ca- crático onde as instituições pareciam comum’ – eram obrigados a ser mais le-se, seus versos poderiam ser confun- didos com uma divagação religiosa, tal se fortalecer. O projeto de desenvol- criativos e sutis para transmitir sua como no trecho “Pai, afasta de mim esse vimentismo de JK se expressou na mensagem. Qual o espaço delegado cálice, De vinho tinto de sangue, Como Bossa Nova, havia ali uma estética da a essa criatividade com a abertura beber dessa bebida amarga, Tragar a dor, engolir a labuta, Mesmo calada a beleza formal. A Tropicália surge em democrática? É possível pensar em boca, resta o peito, Silêncio na cidade 1968, meses antes do fechamento do um esvaziamento desse tipo de pro- não se escuta”. Gilberto Gil e Chico Bu- Congresso e do AI-522, em um con- dução artística? arque foram proibidos pela censura de cantar a canção em parceria no festival texto político bastante diferente. A Alexandre Rocha – Eu acho que Phono 73, que aconteceu de 11 a 13 de Tropicália revisita a Bossa Nova, mas a produção mudou apenas o foco, maio de 1973, no Anhembi, em São Pau- também aqueles que ficaram no lixo passou a enfatizar, em termos de crí- lo. A dupla resolveu peitar a censura ao vivo, mas teve os microfones desligados. 23 da história, como Vicente Celestino , tica social, outras mazelas diferentes (Nota da IHU On-Line) e apresenta no seu discurso uma or- daquelas expressas pela figura dos 27 (1942): músico, pro- dem de diversidade estética bastante militares no poder. A produção ar- dutor, arranjador e escritor brasileiro. Com uma carreira que já ultrapassa alinhada à ideia de micropolíticas, tística depois da ditadura continuou quatro décadas, construiu uma obra cuja maior expressão foi o maio de criativa: o cinema, o teatro, a músi- musical marcada pela releitura e re- ca, as artes plásticas não morreram novação, considerada de grande valor intelectual e poético. Em 1969, é preso 21 Juscelino Kubitschek de Oliveira com a ditadura, pelo contrário. Chico pelo regime militar e parte para exílio (1902-1976): médico e político brasilei- Science24, por exemplo, veio depois político em Londres, onde lança Caeta- ro, conhecido como JK. Foi presidente do fim da ditadura, o Cazuza25 tam- no Veloso (1971). Transa (1972) repre- do Brasil entre 1956 e 1961, sendo o res- sentou seu retorno ao país e seu expe- ponsável pela construção de Brasília, a bém é desse período. Os artistas de rimento com compassos de reggae. Em nova capital federal. Juscelino instituiu o que falávamos anteriormente con- 1976, une-se a Gal, Gil e Bethânia para plano de governo baseado no slogan “Cin- tinuaram seus trabalhos. A ditadura formar o Doces Bárbaros, típico grupo quenta anos em cinco”, direcionado para hippie dos anos 70, lançando um disco, a rápida industrialização do país (espe- passou, eles passarinho. É possível Doces Bárbaros. Na década de 80 apa- cialmente via indústria automobilística). também referir o cinema recente drinhou e se inspirou nos grupos de rock Além do progresso econômico, no entan- do Nordeste, principalmente de Per- nacionais, aventurou-se nas produções to, houve também um grande aumento dos discos Outras Palavras, Cores, No- da dívida pública. Sobre JK, confira a nambuco, que está aí demonstrando mes, Uns e Velô, e em 1986 participou edição 166, de 28-11-2005, A imaginação alta qualidade. Não penso que isso de um programa de televisão com Chi- no poder. JK, 50 anos depois, disponível tenha se esgotado, o que mudou co Buarque. Na década de 90, escreveu em http://bit.ly/ihuon166. (Nota da IHU Verdade Tropical (1997), e o disco Li- On-Line) foi a forma de engajamento, agora vro (1998) ganha o Prêmio Grammy em 22 AI-5 (Ato Institucional Número Cin- mais livre e diversa. São muitas as 2000, na categoria World Music. (Nota co): decretado pelo Presidente Arthur questões que advieram – violência da IHU On-Line) da Costa e Silva em 13 de dezembro de 28 Elis Regina Carvalho Costa (1945- 1968, foi um instrumento de poder que policial, vida na periferia, libertação 1982): cantora brasileira, conhecida por deu ao regime poderes absolutos e cuja das mulheres, movimento negro e sua presença de palco, sua voz e sua primeira e maior consequência foi o fe- LGBT. Mudou também a indústria personalidade. Com os sucessos de Fal- chamento por quase um ano do Congres- so Brilhante e Transversal do Tempo, ela so Nacional. Representou o ápice da ra- que forma esses artistas. A geração inovou os espetáculos musicais no país dicalização do Regime Militar de 1964 e dos grandes nomes da música bra- e era capaz de demonstrar emoções tão inaugurou o período do regime onde as sileira – Chico Buarque26, Caetano contrárias, como a melancolia e a feli- www.ihu.unisinos.br liberdades individuais foram mais restrin- cidade, numa mesma apresentação ou gidas e desrespeitadas no Brasil. É o mo- numa mesma música. Em 2013, foi eleita vimento final de “legalização” da arbitra- a segunda melhor voz da música brasilei- riedade que pavimentou uma escalada de 24 Francisco de Assis França – Chico ra pela revista Rolling Stone Brasil, supe- torturas e assassinatos contra opositores Science (1966-1997): mais conhecido rada apenas por Tim Maia. Elis foi citada reais e imaginários ao regime. (Nota da pela alcunha de Chico Science, foi um também na lista dos maiores artistas da IHU On-Line) cantor e compositor brasileiro, um dos música brasileira, ficando na 14ª -posi 23 Antônio Vicente Filipe Celestino principais colaboradores do movimento ção, sendo a mulher mais bem colocada. (1894-1968): foi um dos mais importan- manguebeat em meados da década de (Nota da IHU On-Line) tes cantores brasileiros do século XX. 1990. (Nota da IHU On-Line) 29 Maria da Graça Costa Penna Burgos – No dia 23 de agosto de 1968, quando 25 (1958-1990): cantor e compo- (1945): mais conhecida como se preparava para gravar um programa sitor brasileiro que ganhou fama como Gal Costa, é uma cantora brasileira. Gal de televisão, onde seria homenageado vocalista e principal letrista da banda Ba- estreou, ao lado de Caetano Veloso, Gil- pelo Movimento Tropicalista, passou rão Vermelho. Sua parceria com Roberto berto Gil, Maria Bethânia, Tom Zé e ou- mal no quarto do Hotel Normandie, em Frejat foi criticamente aclamada. (Nota tros, o espetáculo Nós, Por Exemplo..., São Paulo, falecendo do coração minu- da IHU On-Line) em 22 de agosto de 1964, que inaugurou tos depois. Seu corpo foi transferido 26 [Francisco Buarque o Teatro Vila Velha, em Salvador. Nesse para o Rio de Janeiro, onde foi velado de Hollanda] (1944): músico, composi- mesmo ano participou de Nova Bossa Ve- por uma multidão na Câmara dos Verea- tor, teatrólogo e escritor carioca. Ga- lha, Velha Bossa Nova, no mesmo local e dores e sepultado sob palmas do públi- nhou fama por sua música, que comenta com os mesmos parceiros. (Nota da IHU co. (Nota da IHU On-Line) o estado social, econômico e cultural On-Line)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 45 Maria Bethânia30, Gilberto Gil31, Rita va um teatro efetivamente coletivo. durante a ditadura, com grandes difi- Lee32, por exemplo – era de um tem- O teatro não podia estar afastado dos culdades e existem também hoje. O po em que a indústria precisava de movimentos sociais. Havia uma inter- que as formas institucionalizadas e os estrelas, vivia disso. Nos anos 1980, -relação vital entre produção artística ditadores de plantão fizeram foi ten- isso começa a mudar. As estrelas e modos de vida. Por isso foram muito tar impedir que a alegria proliferasse. duram pouco, porque a indústria já importantes. Por esta proposta radi- Mas a prova dos nove é outra... tinha uma diversidade muito grande cal no sentido da reinvenção do povo de novos produtos, então se mudou brasileiro foram fortemente persegui- IHU On-Line – Que grandes no- o modo como são construídos seus dos pela ditadura militar. Mas, mes- mes no cenário cultural surgiram des- ícones. Mas a criatividade artística mo perseguidos, foram reconhecidos sa experiência? permanece. no mundo inteiro. Boal espalhou suas Alexandre Rocha – Não dá para ideias por muitos países. A pergunta citar todos. Na música, por exemplo, IHU On-Line – O que eram os que permanece é sobre até onde te- temos Chico Buarque de Holanda, Elis Centros Populares de Cultura – CPCs? ríamos ido estética e politicamente se Regina – que tinha um programa na Qual a importância deles para a his- não houvesse a repressão. televisão chamado O Fino da Bossa, o

Tema de Capa de Tema tória do cinema brasileiro e para as qual foi o centro do debate da música demais artes? brasileira no final dos anos sessenta. Alexandre Rocha – Os Centros Po- Tem o Tropicalismo com Torquato pulares de Cultura tinham o projeto de “A produção Neto34, Tom Zé35, Caetano, Gal, Bethâ- levar às últimas consequências a indis- nia, Gil, Nara. Tem o cinema do Glau- sociabilidade da vida e da arte. O Tea- artística depois ber, o cinema marginal do Sganzerla36 tro do Oprimido33, de Augusto Boal, ao e do Julio Bressane37, tem Ruy Guer- dar voz às expressões populares, cria- da ditadura

34 Torquato Pereira de Araújo Neto continuou criativa: (1944-1972): foi poeta, jornalista, letris- 30 Maria Bethânia Viana Teles Vello- ta de música popular, experimentador so (1946): mais conhecida como Maria da contracultura brasileira. Torquato Bethânia, é cantora brasileira de MPB. o cinema, o teatro, envolveu-se ativamente na cena cultural Nascida em Santo Amaro da Purificação, soteropolitana, onde conheceu Gilberto Bahia, participou, na juventude, de pe- a música, as artes Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria ças teatrais ao lado do irmão, o cantor Bethânia. Em 1962, mudou-se para o Rio Caetano Veloso, e de outros cantores pro- de Janeiro para estudar jornalismo na eminentes da época. Em 1965, mudou-se plásticas não universidade, mas nunca chegou a se for- para o Rio de Janeiro onde começou sua mar. No final da década de 1960, com o carreira musical substituindo a cantora AI-5 e o exílio dos amigos e parceiros Gil Nara Leão no espetáculo Opinião. (Nota morreram com e Caetano, viajou pela Europa e Estados da IHU On-Line) Unidos com a mulher Ana Maria e morou 31 Gilberto Passos Gil Moreira – Gilberto em Londres por um breve período. De Gil (1942): cantor, político, compositor, a ditadura, pelo volta ao Brasil, no início dos anos 1970, multi-instrumentista, escritor, ambienta- Torquato começou a se isolar, sentindo-se lista, empresário e intelectual brasilei- alienado tanto pelo regime militar quan- ro, também conhecido por sua inovação contrário” to pela “patrulha ideológica” de esquer- musical e por ser ganhador de prêmios da. Passou por uma série de internações Grammys, Grammy Latino, galardeado para tratar do alcoolismo, e rompeu di- pelo governo francês, com a Ordem Na- IHU On-Line – De que maneira a versas amizades. (Nota da IHU On-Line) cional do Mérito (1997), e pela Unesco manifestação cultural que emerge no 35 Antônio José Santana Martins – Tom como “artista pela paz”, em 1999. Gil contexto da ditadura militar tornou-se Zé (1936): compositor, cantor, arranja- foi embaixador da ONU para Agricultura dor e jardineiro brasileiro. É considerado e Alimentação e ex-ministro da Cultura um movimento de resistência? uma das figuras mais originais da música do Brasil (2003–2008). Em mais de 50 ál- Alexandre Rocha – Eu acho que a popular brasileira, tendo participado ati- buns lançados, ele incorpora a gama ec- pergunta precisava ser posta de outra vamente do movimento musical conhe- lética de suas influências, incluindo rock, cido como Tropicália nos anos 1960 e se gêneros tipicamente brasileiros, música maneira. Para mim, a força que resis- tornado uma voz alternativa influente no africana e reggae, por exemplo. (Nota da tiu, ressentida, por 20 anos, foi a di- cenário musical do Brasil. (Nota da IHU IHU On-Line) tadura. A força ativa era a da criação On-Line) 32 (1947): cantora, compositora 36 Rogério Sganzerla (1946-2004): foi um e i nstrumentista brasileira. De seus dis- da cultura brasileira. A ditadura vem cineasta brasileiro. Teve como expoente cos, destacamos Lança perfume (1980). como força reativa, como uma paixão de sua carreira o filme O Bandido da Luz (Nota da IHU On-Line) triste, infelizmente desejada por gran- Vermelha, de 1968. O diretor, criticado 33 Teatro do Oprimido: é um método por sua ousadia, concentra em seu pri- teatral que reúne exercícios, jogos e téc- de parcela da população brasileira. meiro longa-metragem toda a sua radica- nicas teatrais elaboradas pelo teatrólogo Os coletivos de cultura não estavam lidade política. Sganzerla pretendia “ser brasileiro Augusto Boal. Os seus princi- resistindo. Pelo contrário: estavam livre – e ao mesmo tempo – acadêmico”, pais objetivos são a democratização dos o que rendeu uma certa complexidade meios de produção teatral, o acesso das agindo intensa e positivamente, e as- artística e intelectual à sua obra. (Nota camadas sociais menos favorecidas e a sim continuam. A ditadura precisou da IHU On-Line) transformação da realidade através do 37 Júlio Eduardo Bressane de Azeve- www.ihu.unisinos.br reagir a esses movimentos no senti- diálogo (tal como Paulo Freire pensou a do (1946): é um cineasta brasileiro. Um educação) e do teatro. Ao mesmo tempo, do reprimir sua proliferação. Nesta digno representante do cinema marginal traz toda uma nova técnica para a prepa- perspectiva, os artistas existiam antes brasileiro, Júlio Bressane começou a fa- ração do ator, que tem grande repercus- da repressão, continuaram existindo, zer cinema como assistente de direção são mundial. (Nota da IHU On-Line) de Walter Lima Júnior, em 1965. Em 1967

46 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 ra38 e Nelson Pereira dos Santos39. Tem sobre a estética da fome, que o nosso Alexandre Rocha – Me parece Tema de Capa ainda Hélio Oiticica, Zé Celso Martines cinema vinha da nossa miséria. Era a que sim. Um dos dispositivos de po- Corrêa, Darcy Ribeiro. Todos artistas transmutação da miséria e da fome. der do regime militar era a questão que hoje caracterizam os anos 1960. O grande objetivo do Glauber não da identidade. Uma identidade criada era fazer um cinema que falasse so- por eles, de um país que vai para fren- IHU On-Line – Como foi possível bre a nossa miséria, mas que fosse a te, ligado ao desenvolvimentismo, fazer cinema de resistência no Brasil expressão violenta, revolucionária e que destrói suas florestas. Um país durante o regime? Além da censura, radical dessa fome. disciplinado. Havia ali, sim, a imposi- que necessitava ser driblada, quem ção de um dado modelo nacional. financiava as obras? IHU On-Line – Como Deus e o Alexandre Rocha – O cinema Diabo na Terra do Sol, lançado em IHU On-Line – Atualmente, ain- brasileiro sempre foi predominante- 1964, ano do golpe, retrata a situ- da há esse desejo de domesticação? mente financiado pelo Estado. Glau- ação de desigualdade do Brasil no ber dizia, quando escreveu um texto período? Alexandre Rocha – Deus e o Dia- saber, o poder e o sujeito romperam com as concepções modernas destes termos, estreou como diretor com “Cara a Cara, bo é um filme revolucionário do ponto motivo pelo qual é considerado por cer- sendo selecionado para o Festival de de vista estético e que, na relação com tos autores, contrariando a sua própria Brasília. Em 1970 fundou a Belair Filmes a política, vinha no mesmo movimen- opinião de si mesmo, um pós-moderno. em sociedade com o também cineasta Seus primeiros trabalhos (História da Rogério Sganzerla. Eles optaram por um to das reformas de base. Não se tra- Loucura, O Nascimento da Clínica, As modelo de realizar filmes de baixo custo tava de encontrar a população brasi- Palavras e as Coisas, A Arqueologia do e produção e com isso conseguiram ro- leira, pois para Glauber a questão não Saber) seguem uma linha estruturalista, dar seis longas-metragens em apenas seis o que não impede que seja considerado meses. Ele chegou a se exilar em Lon- era a identidade do povo brasileiro, geralmente como um pós-estruturalista dres, no início dos anos 1970, mas voltou mas a criação do povo brasileiro. Tem devido a obras posteriores como Vigiar e ao Brasil alguns anos depois e fez um fil- um texto de Deleuze40 sobre ele que Punir e A História da Sexualidade. Fou- me atrás do outro, usando a chanchada e cault trata principalmente do tema do o deboche como suas principais caracte- diz: “Em Glauber o povo brasileiro não poder, rompendo com as concepções clás- rísticas. Seu penúltimo filme, Cleópatra, existe, precisa ser inventado”. Então sicas desse termo. Para ele, o poder não foi apresentado no Festival de Cinema este filme apresenta um rompimento pode ser localizado em uma instituição de Veneza de 2007, fora da competição, ou no Estado, o que tornaria impossível a além de ter sido premiado como melhor com uma ideia romântica de país. A “tomada de poder” proposta pelos mar- filme do 40º Festival de Brasília doCi- ideia de que o Brasil ainda precisava xistas. O poder não é considerado como nema Brasileiro, em novembro de 2007. ser inventado e a forma de invenção algo que o indivíduo cede a um soberano (Nota da IHU On-Line) (concepção contratual jurídico-política), 38 Ruy Alexandre Guerra Coelho Pereira do Glauber era o cinema, do Tom Zé, mas sim como uma relação de forças. Ao – Ruy Guerra (1931): é um realizador de a música, do Zé Celso, o teatro, etc. ser relação, o poder está em todas as cinema, poeta, dramaturgo e professor A antropologia de Darcy Ribeiro e os partes, uma pessoa está atravessada por nascido em Moçambique, então território relações de poder, não pode ser conside- português. Vive no Brasil desde 1958. Es- exemplos anteriores são projetos de rada independente delas. Para Foucault, tudou no Institut des hautes études ciné- invenção de um país, não de descri- o poder não somente reprime, mas tam- matographiques – IDHEC de Paris a partir ção, não de identificação. Trata-se de bém produz efeitos de verdade e saber, de 1952. Até 1958, atuou como assistente constituindo verdades, práticas e subje- de direção, antes de se instalar no Brasil, outra coisa que estava se gestando tividades. Em várias edições a IHU On-Li- onde dirigiu seu primeiro filme, Os Cafa- no início dos anos 1960 e que o golpe ne dedicou matéria de capa a Foucault: jestes (1962). Ingressando nas fileiras do civil-militar fez dissipar-se. edição 119, de 18-10-2004, disponível em Cinema Novo, em 1964 realizou o filme http://bit.ly/ihuon119, edição 203, de Os Fuzis, ao qual se seguiram obras no- 06-11-2006, disponível em http://bit.ly/ táveis como Tendres chasseurs (1969) e IHU On-Line – A extinção des- ihuon203, e edição 364, de 06-06-2011, Os Deuses e os Mortos (1970). A situação ses processos culturais advém de um intitulada ‘História da loucura’ e o dis- política brasileira durante a ditadura mi- curso racional em debate, disponível em litar impôs-lhe uma pausa que terminaria desejo de domesticação, de tornar o http://bit.ly/ihuon364. Confira, tam- em 1976 com A Queda. Em 1980 regres- povo população, para usar os termos bém, a entrevista com o filósofo José Ter- sou a Moçambique, onde rodou Mueda, do Foucault41? nes, concedida à IHU On-Line 325, sob o www.ihu.unisinos.br Memória e Massacre, o primeiro longa- título Foucault, a sociedade panóptica e -metragem desse país. Ainda em Moçam- o sujeito histórico, disponível em http:// bique, realizou diversos curtas e contri- bit.ly/ihuon325. De 13 a 16 de setembro buiu para a criação do Instituto Nacional 40 Gilles Deleuze (1925-1995): filósofo de 2010 aconteceu o XI Simpósio Inter- do Cinema. Viveu e trabalhou também francês. Assim como Foucault, foi um dos nacional IHU: O (des)governo biopolítico em Cuba por alguns períodos. (Nota da estudiosos de Kant, mas tem em Bérgson, da vida humana. Confira a edição 343 da IHU On-Line) Nietzsche e Espinosa poderosas interse- IHU On-Line que traz o mesmo título que 39 Nelson Pereira dos Santos (1928): di- ções. Professor da Universidade de Paris o evento, publicada em 13-09-2010, dis- retor de cinema brasileiro. Bacharel em VIII, Vincennes, Deleuze atualizou ideias ponível em http://bit.ly/ihuon343, e a Direito pela Faculdade de Direito da Uni- como as de devir, acontecimentos, singu- edição 344, intitulada Biopolítica, estado versidade de São Paulo, turma de 1952. laridades, conceitos que nos impelem a de exceção e vida nua. Um debate, dis- Considerado um dos mais importantes transformar a nós mesmos, incitando-nos ponível em http://bit.ly/ihuon344. Além cineastas do país, seu filme Vidas Secas, a produzir espaços de criação e de produ- disso, o IHU organizou, durante o ano de baseado na obra de Graciliano Ramos, é ção de acontecimentos-outros. (Nota da 2004, o evento Ciclo de Estudos sobre Mi- um dos filmes brasileiros mais premiados IHU On-Line) chel Foucault, que também foi tema da de todos os tempos, sendo reconhecido 41 Michel Foucault (1926-1984): filósofo edição número 13 dos Cadernos IHU em como obra-prima. Foi um dos precurso- francês. Suas obras, desde a História da formação, disponível para download em res do movimento do Cinema Novo. É o Loucura até a História da sexualidade (a http://bit.ly/ihuem13 sob o título Michel fundador do curso de graduação em Cine- qual não pôde completar devido à sua Foucault. Sua contribuição para a educa- ma da Universidade Federal Fluminense. morte) situam-se dentro de uma filosofia ção, a política e a ética. (Nota da IHU (Nota da IHU On-Line) do conhecimento. Suas teorias sobre o On-Line)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 47 Alexandre Rocha – Há dois mo- começa nessa época e é desenvolvido vimentos paralelos. Há um desejo de “Um dos bem depois. O documentário ilustra criação que não tem forma definida bem uma das perguntas anteriores, e que precisa de liberdade. Não de dispositivos que é de que maneira a ditadura liberdade no sentido da democracia, atrapalhou a manifestação artística mas da liberdade no sentido de pro- de poder do nacional. Ela atrapalhou, mas a força dução de formas, de criação. Como desse filme era tão grande que ele queria Maiakovski42: não há revolução regime militar permaneceu, foi resgatado, foi refei- sem forma revolucionária. A Bossa se to e, inclusive, Coutinho estava pen- desenvolveu assim, o Tropicalismo e o era a questão da sando nele agora, um pouco antes de Cinema Novo também. Contra essas morrer. Essa obra é daquelas experi- formas violentas de criação, sempre identidade. Uma ências radicais da cultura da alegria haverá uma ordem de reação, e as e da felicidade a que eu me referia reações se diferem no tempo. Os mi- identidade criada anteriormente. litares foram a força reativa possível

Tema de Capa de Tema nos anos 1960. Talvez, hoje, a dilui- por eles, de um IHU On-Line – O que determinou ção, as estratégias de diluição, o ho- a permanência de alguns artistas no mem endividado sejam algumas das país que vai para Brasil e a saída de outros? formas reativas dos novos tempos. É Alexandre Rocha – São razões preciso prestar atenção nessas novas frente, ligado ao muito diferentes. Chico Buarque se estratégias de controle. Vários grupos autoexilou; Caetano Veloso e Gilber- que hoje fazem movimento social são to Gil foram presos e exilados. Elis os mais conservadores; quem está desenvolvi- Regina, Nara Leão, Edu Lobo45 fica- cuidando de quem está na cadeia, ram no país, ainda que permanente- de quem passa fome, são os grupos mentismo” mente vigiados e censurados. Talvez fundamentalistas religiosos, mas eles se possa avançar se conseguirmos estão presentes nestes lugares onde identificar as diferentes formas de em outros tempos esteve o Teatro protestos que experimentamos. Al- do Oprimido, o movimento sindical, a Igreja progressista (destruída pe- gumas são mais facilmente identificá- onde estiveram as forças organizadas los agenciamentos conservadores de veis por se associarem às formas tra- de esquerda. João Paulo II44), o movimento sindical dicionais de protesto, como o que era Isso significa que a presença brasileiro, um conjunto de manifesta- feito por Elis Regina, Chico Buarque, destes grupos nestes outros espaços ções artísticas, grande parte da inteli- Nara Leão, , Geraldo Van- pode indicar uma nova formalização gência da Universidade de São Paulo dré46, com a chamada música de pro- institucional de poder que está em – USP e que gerou a experiência do devir e que a mim preocupa bastan- Lula na Presidência. Hoje essas mi- 45 Eduardo de Góes Lobo – Edu Lobo 43 te. O presidente Lula foi resultado cropolíticas são feitas por grupos mui- (1943): é um cantor, compositor, arranja- de uma micropolítica que envolveu tos conservadores. Temo que grupos dor e instrumentista brasileiro. Filho do fundamentalistas estejam criando as compositor Fernando Lobo, começou na música tocando acordeão, mas acabou se condições para a tomada de poder, e interessando pelo violão, contra a von- 42 Vladimir Mayakovsky (1893-1930): não falo em golpe, como os militares, tade do pai. Iniciou a carreira nos anos também chamado de “o poeta da Revolu- mas creio que se movimenta no Bra- 60 fortemente influenciado pela bossa ção”, foi um poeta, dramaturgo e teórico nova, quando então, numa parceria com russo, frequentemente citado como um sil uma tomada de poder pela direita , compôs Só Me Fez dos maiores poetas do século XX, ao lado conservadora. Bem. Porém, com o decorrer do tempo de Ezra Pound e T.S. Eliot, bem como “o adotou uma postura mais político-social, maior poeta do futurismo”. (Nota da IHU refletindo os anseios da geração reprimi- On-Line) IHU On-Line – Qual a importân- da pela ditadura militar brasileira. Nesta 43 Luiz Inácio Lula da Silva – Lula cia de Cabra marcado para morrer, fase surgiu uma parceria com Ruy Guerra (1945): trigésimo quinto presidente da documentário de , e as composições engajadas Reza e Ale- República Federativa do Brasil, cargo luia. (Nota da IHU On-Line) que exerce desde o dia 1º de janeiro lançado em 1984, para a compreen- 46 Geraldo Vandré (1935): nome artísti- de 2003. É cofundador e presidente são do Brasil do começo da década co de Geraldo Pedroso de Araújo Dias, é de honra do Partido dos Trabalhadores de 1960? cantor, compositor e violonista brasilei- (PT). Em 1990, foi um dos fundadores e ro, conhecido por ser um dos nomes mais organizadores do Foro de São Paulo, que Alexandre Rocha – Não somen- célebres da música popular brasileira. congrega parte dos movimentos políti- te do início da década de 1960, Cabra Seu sobrenome é uma abreviatura do cos de esquerda da América Latina e do marcado para morrer é um filme que sobrenome do seu pai, José Vandregísi- Caribe. Foi candidato a presidente cinco lo. Em 1968, participou do III Festival In- vezes: em 1989 (perdeu para Fernando ternacional da Canção com Pra não Dizer Collor de Mello), em 1994 (perdeu para 44 Papa João Paulo II (1920-2005): Sumo que não Falei das Flores, muitas vezes Fernando Henrique Cardoso) e em 1998 Pontífice da Igreja Católica Apostólica chamada de “Caminhando e cantando”. www.ihu.unisinos.br (novamente perdeu para Fernando Hen- Romana de 16 de Outubro de 1978 até a A composição se tornou um hino de re- rique Cardoso), e ganhou as eleições de data da sua morte, sucedeu ao Papa João sistência do movimento civil e estudantil 2002 (derrotando José Serra) e de 2006 Paulo I, tornando-se o primeiro Papa não que fazia oposição à ditadura militar du- (derrotando Geraldo Alckmin). (Nota da italiano em 450 anos. (Nota da IHU On- rante o governo militar, e foi censurada. IHU On-Line) -Line) (Nota da IHU On-Line)

48 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 testo. Eles eram censurados, contro- Música, quando ainda era professor Tema de Capa lados, mas protestavam em um tom “Os artistas de na Unisinos, defendi a tese de que cuja linguagem era facilmente com- se não fosse a televisão não have- preendida pelo regime. O Tropicalis- que falávamos ria Elis Regina, pelo menos como mo, por outro lado, mais associado a conhecemos. O nome Elis Regina às micropolíticas, introduziram algo anteriormente designa não apenas uma cantora, que desorganizava os códigos reinan- mas o símbolo de uma transição, tes; os donos do poder repressivo continuaram da transição de uma música de rá- não sabiam claramente o que estava dio (portanto sem imagem) para acontecendo ali. Essa micropolítica seus trabalhos. A uma música de televisão, onde a preconizada pelo Tropicalismo tinha imagem é fundamental. Tão funda- um poder de destruição imenso, tal- ditadura passou, mental que a cantora, muitas vezes, vez até maior que a ordem de discur- chegou a comprometer, com gestos so político codificado de uma música eles passarinho” exagerados, a delicadeza da bossa de protesto encabeçada por Vandré, nova. Elis, de certa forma, mata a Chico ou Elis. De certa forma, o poder bossa nova e vai à televisão... Daí, militar percebeu astutamente isso (já uma nova estética começa a ganhar havia a experiência francesa de maio ter se imposto como padrão para se forma. De 1960 para cá tudo parece de 68) e mandou Gil e Caetano para pensar esteticamente a cultura brasi- estar sendo traduzido para a forma o exílio. leira. Só que há um outro movimento audiovisual, audiovisualizado, como que ficou negligenciado, recalcado, sugeres. O Tropicalismo brincava IHU On-Line – Qual foi a im- nisso tudo. Penso que seja a ordem com isso com um certo distancia- portância dos festivais de música do samba de Cartola, do Opinião de mento irônico. A Elis vivenciava tra- brasileira no contexto do regime de Zé Keti, Nara Leão e, depois, de Maria gicamente isso. Dois projetos estéti- exceção? Bethânia, com Carcará; a revolução cos que subsistiram à ditadura. Alexandre Rocha – Foi um mo- musical que aparece em torno da fi- Essa audiovisualização da cul- mento de agregação de muitos jovens gura de Elis Regina e das canções de tura também foi problematizada por e de muitas ideias. O primeiro deles Chico Buarque. Essa outra linha evo- Glauber Rocha no Programa Abertu- revelou a Elis como porta-voz desta lutiva, que não segue os padrões he- ra. Ali, o cineasta defendia a neces- geração, Edu Lobo como um músico gemônicos que descrevem o desen- sidade de se fazer cinema na televi- cuja erudição fazia avançar o movi- volvimento da cultura brasileira pelo são. Para ele, cinema não era uma mento da Bossa, e reapresentou um viés da Antropofagia, da Bossa Nova e tecnologia, mas um exercício de lin- poetinha – Vinícius de Moraes – não do Tropicalismo, ficou por muito tem- guagem audiovisual. Exercitar a lin- como o poeta da primeira fase da po negligenciada na história do Brasil. guagem na televisão – ou seja, fazer Bossa Nova, do amor do sorriso e da Que movimentos hoje a recuperam, e cinema em termos glauberianos –, flor, mas como um autor engajado no em que termos? recuperando a potencialidade per- projeto de expressar as mazelas dos formática do ‘ao vivo’ que caracteri- pescadores no Arrastão. Quando a IHU On-Line – Por que a audio- za o meio, parecia ser a indicação do gente fala desse período dos festivais, visualização da música, por meio da diretor de Terra em Transe (Glauber tendemos a associá-lo à Música de transmissão dos festivais musicais, Rocha, Brasil, Drama, 1h51min) para Protesto, por um lado, e ao Tropica- tornou-se popular durante o perío- as gerações futuras. Esse desafio lismo, por outro. O Tropicalismo, que do? Que relação se pode estabelecer permanece. recupera a linha evolutiva da cultura entre o regime militar e essa relação brasileira inaugurada por Oswald de com as emissoras de TV? Leia mais... www.ihu.unisinos.br Andrade com a Antropofagia, se re- Alexandre Rocha – Não foi só cria depois da ditadura, por exemplo, com a música. Há uma audiovisua- 47 • Tropicalismo. O desejo de uma mo- no Manguebeat . Essa linha parece lização de toda a cultura. A música fez parte disso. Em um trabalho que dernidade amorosa para o Brasil. 47 Manguebeat: movimento musical desenvolvi denominado Imagem- surgido no Brasil na década de 1990, Edição 411, de 10-12-2012, da IHU em Recife, que mistura ritmos regionais com rock, hip hop e música eletrônica. Quatro, ao trabalhar em vídeos ecológi- On-Line, disponível em http://bit. Esse estilo tem como ícone o músico cos. Como o mangue era o ecossistema Chico Science, vocalista da banda Chico biologicamente mais rico do planeta, o ly/ihuon411. Science e Nação Zumbi, idealizador do manguebeat precisava formar uma cena • Alexandre Rocha da Silva. Perfil pu- rótulo mangue e principal divulgador das musical tão rica e diversificada como os ideias, ritmos e contestações do man- manguezais. Devido a principal bandeira blicado na editoria IHU Repórter na guebeat. Outro grande responsável pelo do mangue ser a diversidade, a agitação crescimento desse movimento foi Fred na música contaminou outras formas de edição 253 IHU On-Line, de 07-04- 04, vocalista da banda Mundo Livre S/A expressão culturais como o cinema, a e autor do primeiro manifesto do Mangue moda e as artes plásticas. Confira a en- 2008, disponível em http://bit.ly/ de 1992, intitulado Caranguejos com cé- trevista concedida por 04 a Notícias do rebro. O objetivo do movimento surgiu Dia 25-01-2010, disponível em http:// ihuon253. de uma metáfora idealizada por Zero migre.me/69sIe. (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 49 Conquistas e derrotas da Campanha da Legalidade

Para a historiadora Claudia Wasserman, a lição da Campanha foi demonstrar a capacidade de mobilização da sociedade em momentos de grande polarização ideológica

Por Ricardo Machado e Andriolli Costa Tema de Capa de Tema

m 1961, inicia um movimento convo- o Brasil e para as sociedades latino-america- cado pelo então governador gaúcho, nas”, destaca. “O debate sobre os anos 1960 ELeonel Brizola, para defender a perma- oportuniza, nesse sentido, que não percamos nência de João Goulart na Presidência após de vista as lutas que eram travadas na época.” a renúncia de Jânio Quadros. Com apoio do Claudia Wasserman possui graduação e general Machado Lopes, a assim chamada mestrado em História pela Universidade Fe- Campanha da Legalidade contou com apoio deral do Rio Grande do Sul – UFRGS, com a de alguns setores das Forças Armadas e da so- dissertação A Revolução Mexicana (1910- ciedade civil, levando milhares de pessoas às 1940): um caso de hegemonia burguesa na ruas em uma manifestação que se estendeu América Latina. Doutorou-se em História So- por 14 dias – atrasando o futuro Golpe Militar cial pela Universidade Federal do Rio de Janei- em alguns anos. ro – UFRJ, com a tese A questão nacional na Para a historiadora Claudia Wasserman, o América Latina no começo do século XX: Bra- grande legado da Campanha foi demonstrar a sil, Argentina e México. Seu pós-doutorado foi capacidade de mobilização da sociedade em na Universidade Federal Fluminense. Wasser- momentos de grande polarização ideológica. man é autora das obras História Contempo- Nesta entrevista, concedida por e-mail à IHU rânea da América Latina (1900-1930) (Porto On-Line, Wasserman relembra os papéis de Alegre: EDUFRGS, 1992); História da América Machado Lopes, Leonel Brizola e João Goulart Latina: do descobrimento a 1900 (Porto Ale- durante a Campanha, o papel da imprensa e gre: EDUFRGS, 1996); Palavra de Presidente da Rádio Guaíba e o que significaram – e signi- (Porto Alegre: EDUFRGS, 2002); e Ditaduras ficam – as reformas de base no contexto bra- Militares na América Latina (Porto Alegre: sileiro. “Os temas, conteúdos e projetos dos EDUFRGS, 2004). anos 1950/70 continuam como utopia para Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que foi a Cam- se de João Goulart2 na Presidência da Jango (1919-1976): presidente do Brasil panha da Legalidade e de que manei- de 1961 a 1964, tendo sido também vice- ra ela contribuiu no adiamento do presidente, de 1956 a 1961 – em 1955, Sul, deputado federal pelo extinto Estado foi eleito com mais votos que o próprio Golpe Civil-Militar? da Guanabara e duas vezes governador do presidente, Juscelino Kubitschek. Seu Claudia Wasserman – A Campa- Rio de Janeiro. Sua influência política no governo é usualmente dividido em duas Brasil durou aproximadamente 50 anos, fases: fase parlamentarista (da posse, em nha da Legalidade foi um movimento inclusive enquanto exilado pelo Golpe de janeiro de 1961, a janeiro de 1963) e fase convocado pelo então governador do 1964, contra o qual foi um dos líderes da presidencialista (de janeiro de 1963 ao resistência. Por várias vezes foi candida- golpe militar de 1964). Jango fora ainda estado do Rio Grande do Sul em 1961, to a presidente do Brasil, sem sucesso, ministro do Trabalho entre 1953 e 1954, Leonel Brizola1, para defender a pos- e fundou um partido político, o PDT. So- durante o governo de Getúlio Vargas. Foi bre Brizola, confira a primeira edição dos deposto pelo golpe militar do dia 1º de www.ihu.unisinos.br Cadernos IHU em formação intitulado abril de 1964 e morreu no exílio. Confira 1 Leonel de Moura Brizola (1922-2004): Populismo e trabalho. Getúlio Vargas e a entrevista “Jango era um conservador político brasileiro, nascido em Carazinho, Leonel Brizola, disponível em http://bit. reformista”, com Flavio Tavares, de 19- no Rio Grande do Sul. Foi prefeito de Por- ly/ihuem01. (Nota da IHU On-Line) 12-2006, em http://bit.ly/ihu191206; to Alegre, governador do Rio Grande do 2 João Belchior Marques Goulart ou João Goulart e um projeto de nação in-

50 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 República depois da renúncia de Jânio Exército, Leonel Brizola, o pivô do iní- âmbito ou de conformidade com leis Tema de Capa Quadros3. Sua prédica em torno do cio do movimento de resistência no estabelecidas ou pelo menos aceitas” respeito à Constituição e às leis- sur Rio Grande do Sul, e João Goulart se e, nesse sentido, foi reivindicada por tiu efeitos momentâneos e impediu tornaram figuras-chave para a -Cam diferentes grupos naqueles dias, mas que a polarização que o Brasil vivia panha da Legalidade? nem todos reivindicavam a palavra entre o capitalismo e o socialismo se Claudia Wasserman – No dia 28 como o direito do vice-presidente expressasse através de um golpe. Sig- de agosto de 1961, o então coman- João Goulart em exercer o poder pre- nifica dizer que o fato de a população dante do III Exército, general Macha- sidencial na ausência do chefe de go- ter sido sensível à convocação pela do Lopes, recebeu ordens do ministro verno, em função de sua renúncia. Por Legalidade teve como resultado o re- da Guerra de bombardear o Palácio isso, eu acho que os “ideais de lega- traimento momentâneo de militares e Piratini5. Porém, ele não acatou a de- lidade” não existem idealmente, mas civis que planejavam romper com os terminação e aderiu à Campanha da dependem muito da visão de mundo preceitos da Constituição. Legalidade, liderada por Brizola em e da posição político-ideológica de apoio à posse de João Goulart. Assim, cada um. IHU On-Line – Qual a grande as três personagens tornam-se cen- lição da Campanha da Legalidade? trais para explicar o relativo sucesso IHU On-Line – A negociação de Para que haja um golpe de Estado, do movimento. Jango, que acabou cedendo à pres- quem é mais decisivo, os generais ou são e aceitando o parlamentarismo, o apoio da sociedade? IHU On-Line – De que maneira com as demais siglas e militares foi Claudia Wasserman – Ainda que os ideais da Legalidade sobrevivem a saída encontrada em 1961. No que a História não seja “mestre da vida”, em nossa sociedade? se diferenciam os arranjos político- a importante lição da Campanha da Claudia Wasserman – Para Nor- -partidários da década de 1960 e os Legalidade diz respeito à capacidade berto Bobbio6, a legalidade é conce- atuais? Por que, atualmente, as mo- de mobilização da sociedade em mo- bida como “um atributo e um requi- bilizações sociais de rua parecem se mentos de grande polarização ideoló- sito do poder quando é exercida no distanciar dos partidos? gica. Neste sentido, para que haja um Claudia Wasserman – A Campa- golpe ou uma grande transformação 5 Palácio Piratini: atual sede do Poder nha da Legalidade obteve sucesso ao Executivo do estado do Rio Grande do social, o consenso da sociedade é de- Sul. (Nota da IHU On-Line) conclamar o povo, mobilizar a socie- cisivo, muito mais do que a coerção, 6 Norberto Bobbio (1910-2004): filósofo dade e talvez adiar o golpe de 1964 e senador vitalício italiano. Considerado seja ela exercida pelas forças arma- um dos grandes intelectuais italianos, uma vez mais, mas foi derrotada em das, policiais ou políticas. Bobbio era doutor em Filosofia e Direito sua meta principal que era de dar pos- pela Universidade de Turim, fez parte se a João Goulart como Presidente da do grupo antifascista Giustizia e Libertà IHU On-Line – Como Machado (Justiça e Liberdade). Adepto do socialis- República no regime para o qual ele Lopes4, general-comandante do III mo liberal, Bobbio foi preso durante uma fora eleito vice-presidente. A Jango foi semana, em 1935, pelo regime fascista de Benito Mussolini. Em 1994, Bobbio as- concedido o direito de tomar posse terrompido, com Oswaldo Munteal, de sumiu publicamente uma posição contra como Presidente da República em um 27-08-2007, em http://bit.ly/ihu270807. as políticas defendidas por Silvio Berlus- Confira também as entrevistas com Lucí- coni, que representava o centro-direita regime no qual seus poderes eram li- lia de Almeida Neves Delgado, intituladas nas eleições gerais. Nesta altura, escre- mitados, conferindo a legalidade – leis O Jango da memória e o Jango da Histó- veu um dos seus ensaios mais conhecidos, ria, publicada na edição 371 da IHU On- Direita e Esquerda (São Paulo: Unesp, válidas ou aceitas –, mas não a legiti- -Line, de 29-08-2011, em http://bit.ly/ 2001), no qual se pronunciou contra a midade, cujo significado refere-se ao ihuon371 e ‘’Dúvidas sobre a morte de “nova direita”. Além desta obra, Bobbio exercício do poder; Jango passa a ter Jango só aumentam’’, de 05-08-2013, assinou e realizou mais de 1300 livros, www.ihu.unisinos.br em http://bit.ly/ihu050813. Veja ainda ensaios, artigos, conferências e entrevis- o poder de direito (Legalidade), mas “João Goulart foi, antes de tudo, um tas. Norberto Bobbio recebeu o doutora- não de fato (Legitimidade). Acho que herói”, com Juremir Machado, de 26- mento Honoris Causa pelas Universidades 08-2013, em http://bit.ly/ihu260813 e de Paris, Buenos Aires, , Bolonha os arranjos político-partidários atuais Comício da Central do Brasil: a propos- e Chambéry (France). Autor de livros de teriam as mesmas características no ta era modificar as estruturas sociais e impacto, tinha como principais matrizes econômicas do país, com João Vicente de sua obra a discussão da guerra e da sentido de acomodar as partes. Ago- Goulart, de 13-03-2014, em http://bit. paz, os direitos humanos e a democracia. ra, a afirmação de que as mobiliza- ly/ihu130314. (Nota da IHU On-Line) Escreveu ainda Teoria Geral da Política 3 Jânio da Silva Quadros (1917–1992): (Rio de Janeiro: Campus, 1999); Diálogo ções de rua atuais se distanciam dos político e o vigésimo segundo presiden- em Torno da República (Rio de Janeiro: partidos, não me parece que isso seja te do Brasil, entre 31 de janeiro de 1961 Campus, 2001); Entre Duas Repúblicas correto. Ainda que haja outro tipo de e 25 de agosto de 1961 – data em que (Brasília: Ed. UnB, 2001); Elogio da Se- renunciou. Em 1985 elegeu-se prefeito renidade (São Paulo: Ed. Unesp, 2002); organização além da partidária, não de São Paulo pelo PTB. (Nota da IHU On- O Filósofo e a Política (Rio de Janeiro: significa que as mobilizações não es- -Line) Contraponto, 2003). Em virtude de seu 4 José Machado Lopes (1900–1990): mi- falecimento, aos 94 anos, a edição 89 da tejam também fortemente informa- litar brasileiro que participou da FEB du- IHU On-Line, de 12-01-2004, apresenta a das e influenciadas pelos objetivos rante a 2ª Guerra Mundial. Foi uma das biografia de Norberto Bobbio, disponível figuras centrais da Campanha da Legali- em http://bit.ly/ihuon89. (Nota da IHU político-partidários. dade. (Nota da IHU On-Line) On-Line)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 51 IHU On-Line – Qual foi a impor- do acesso à saúde e cultura para o contra a Ditadura vêm obtendo reco- tância da imprensa para o movimen- povo brasileiro – ainda não foram nhecimento dos prejuízos causados to (particularmente a Rádio Guaíba) realizadas. a sujeitos que se envolveram na luta na década de 1960? O debate sobre os anos 1960 contra a Ditadura, resultando em in- Claudia Wasserman – A impren- oportuniza, nesse sentido, que não denizações a algumas dessas pessoas. sa teve um papel fundamental na percamos de vista as lutas que eram Mas quem indeniza o povo brasileiro mobilização social, papel atualmente travadas na época – o que se estava por ter sido perdida, jogada fora, essa desempenhado pelas redes sociais da disputando, quais eram as forças so- época de ouro da cultura nacional, da internet. A imprensa, hoje, tem um ciais e políticas envolvidas e o que educação, dos projetos de desenvolvi- papel mais amortecedor do que agita- pode ser reatualizado daquele con- mento autônomos do capitalismo, das dor da luta de classes. texto? Retomar aquele desenvolvi- reformas de base que até hoje não fo- mento cultural, político, educacional ram implementadas? IHU On-Line – De que maneira o e projetos de desenvolvimento menos apelo civil pelas reformas de base de submissos, mais independentes é tão

Tema de Capa de Tema Leia mais... Jango, defendidas por Brizola, ressur- difícil quanto retornar do exílio para o ge 50 anos depois, na atual conjuntu- sujeito ao qual foram negados os di- • Um neonacionalismo popular na ra brasileira? reitos de cidadania durante 20 ou 30 América Latina. Entrevista com Claudia Wasserman – Os te- anos. Claudia Wasserman na edição 213 mas, conteúdos e projetos dos anos Os processos movidos pelas or- 1950/70 continuam como utopia ganizações como Anistia Internacio- da IHU On-Line, em http://bit.ly/ para o Brasil e para as sociedades nal7 e pelas Comissões de Resistência ihuon213. latino-americanas. Muitas das pro- • Revolução Mexicana, independên- postas reformistas – diminuição das 7 Anistia Internacional (AI): organização cia e futuros da América Latina. desigualdades sociais, harmonização não governamental fundada em 1961 Entrevista com Claudia Wasserman pelo advogado britânico Peter Benenson. das relações entre capital e traba- A Anistia defende os direitos humanos e na edição 347 da IHU On-Line, em lho, liberdade de imprensa, melhoria é vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 1977 por sua campanha contra a tortura. http://bit.ly/ihuon347. da educação de massas, ampliação (Nota da IHU On-Line)

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52 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 Dossiê Jango – Vida e morte de Tema de Capa controvérsias

Para o cineasta Paulo Henrique Fontenelle, diretor de Dossiê Jango (2012), investigar com seriedade a morte de João Goulart é se recusar a fechar os olhos para nossa própria história

Por Ricardo Machado e Andriolli Costa

o dia 06 de dezembro de 1976, mor- te. “Precisamos esclarecer o que houve não só re João Belchior Marques Goulart – o em relação a Jango, mas também a todas as NJango. Vice de Juscelino a partir de vítimas da ditadura.” 1955, e de Jânio, a partir de 1960, assume a Em entrevista concedida por e-mail à IHU Presidência do país com apoio da Campanha On-Line, Fontenelle retoma, a partir de seu da Legalidade – encabeçada por Brizola. De documentário, sua visão da história de lutas tendência esquerdista, Jango era conhecido de Jango, de sua visão política de vanguarda por medidas “populistas”, que desagradavam e das controvérsias que envolvem sua vida e as elites brasileiras. Em 1953, então Minis- morte. “Recuperar as circunstâncias da morte tro do Trabalho, assume a pasta dobrando o desses homens é recuperar a nossa história”, salário mínimo e acalmando os ânimos dos defende o cineasta. “As histórias oficiais estão grevistas. Como presidente, tenta instituir as repletas de lacunas e inverdades e, somente reformas de base, com diversas medidas polê- conhecendo o nosso passado, poderemos micas, especialmente a reforma agrária. Figura avançar como nação.” controversa, apoiada pelo povo e com grandes Paulo Henrique Fontenelle é graduado em inimigos políticos, sua morte por ataque cardí- Cinema, Radialismo e Jornalismo. É editor e aco ainda hoje permanece um mistério. diretor de programas, documentários e DVDs O cineasta Paulo Henrique Fontenelle pro- musicais. Dirigiu e produziu o curta Mauro blematiza todas estas questões em seu docu- Shampoo (2006), que ganhou mais de 20 prê- mentário Dossiê Jango (2012). Para ele, “ainda mios de melhor filme, no Brasil e exterior. Seu não é possível afirmar com certeza que Jango primeiro longa, Loki (2008), documentário que foi assassinado, mas também não se pode afir- retrata a vida do ex-Mutante Arnaldo Baptista, mar com certeza o contrário. Fechar os olhos rendeu 10 prêmios de melhor filme no Brasil, para as circunstâncias e mistérios que rondam em Nova York, em Toronto e em Miami e ficou a morte de Jango é fechar os olhos para a nossa quatro meses em cartaz no Brasil. Seu último www.ihu.unisinos.br própria história”. Para o cineasta, a mensagem trabalho foi Dossiê Jango (2012). do filme extrapola a própria figura do presiden- Confira a entrevista.

IHU On-Line – Por que Jango Jango era da chapa de Juscelino1, mas teve a maioria da preferência do povo conseguiu, já em 1956, ter sido eleito para ocupar a Vice-Presidência. vice-presidente de JK? Aliás, por que foi eleito vice se obteve 500 mil votos 1 Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976): médico e político brasilei- a mais que o mineiro? ro, conhecido como JK. Foi presidente Paulo Henrique Fontenelle – Na- do Brasil entre 1956 e 1961, sendo o res- Além do progresso econômico, no entan- quela época, o sistema de votação era ponsável pela construção de Brasília, a to, houve também um grande aumento nova capital federal. Juscelino instituiu o da dívida pública. Sobre JK, confira a diferente e você elegia não somente o plano de governo baseado no slogan “Cin- edição 166, de 28-11-2005, A imaginação presidente, mas também o vice, mes- quenta anos em cinco”, direcionado para no poder. JK, 50 anos depois, disponível mo que fossem de chapas diferentes. a rápida industrialização do País (espe- em http://bit.ly/ihuon166. (Nota da IHU cialmente via indústria automobilística). On-Line)

EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 53 IHU On-Line – A partir das elei- mente no que diz respeito à reforma cito, ele retomaria o poder de manei- ções de 1960, como foi a relação de agrária, que sempre foi o grande cal- ra pacífica. Jango com Jânio Quadros? Por que canhar de Aquiles do governo Jango. a estratégia política de Jânio deu Essas medidas batiam de frente com IHU On-Line – Em que medida errado? os interesses dos Estados Unidos, que o resultado do Plebiscito de 1963, Paulo Henrique Fontenelle – influenciaram diretamente na vida com ampla vitória à retomada do Jango foi eleito para Vice-Presidência, política do Brasil, culminando com presidencialismo, foi uma resposta mas disputando o cargo pela chapa o golpe de 64. Hoje, o nosso país se do povo brasileiro às intenções dos concorrente a de Jânio Quadros2. Jâ- recente desse corte. Vemos, nas ma- militares? nio chegou à Presidência com uma vi- nifestações populares de hoje, pesso- Paulo Henrique Fontenelle – O tória esmagadora sem precedentes e, as reivindicando reformas sociais que plebiscito representou uma vitória após poucos meses no poder, tentou faziam parte do projeto de governo de inconteste de Jango e do povo brasi- uma manobra arriscada ao renunciar, Jango há 50 anos, e aí percebemos o leiro. Mais do que isso, demonstrou acreditando que voltaria nos braços quanto nosso país estagnou por conta a capacidade e o poder de estratégia do povo e, assim, teria plenos pode- de um Golpe Militar. Para nós, fica a de Jango, que, numa admirável mano-

Tema de Capa de Tema res. Sua estratégia falhou, e a reação pergunta de quanto o Brasil poderia bra política, conseguiu, sem nenhuma popular que Jânio imaginava não ter avançado como nação se essas re- violência ou crise, retomar o poder de ocorreu. Jango então assumiu a Pre- formas tivessem tido continuidade há forma democrática e pacífica. sidência após um conturbado retorno meio século. ao Brasil de sua missão na China. IHU On-Line – Houve alguma vi- IHU On-Line – Em que medida a tória de Jango depois de 1964? Algo IHU On-Line – Quando Jango se Campanha da Legalidade foi funda- seu permaneceu no país? descobriu presidente brasileiro esta- mental para que Jango conseguisse Paulo Henrique Fontenelle – In- va em viagem de negócios à China. retornar ao país e seguir como líder felizmente o golpe de 64 significou Passados 50 anos, o país oriental nacional até o golpe derradeiro? uma ruptura com todo o projeto de tornou-se um parceiro fundamental Aceitar o parlamentarismo foi uma governo de Jango que faria do Brasil aos negócios dos países capitalistas. derrota ou uma vitória? uma grande potência naquele mo- Havia certo vanguardismo no pensa- Paulo Henrique Fontenelle – A mento. Um corte violento que, pas- mento de Jango ou foi coincidência? Campanha da Legalidade iniciada por sados 50 anos, ainda representa uma O que aproxima e o que distancia Brizola3 no Rio Grande do Sul foi de- enorme lacuna no nosso país. estas duas realidades separadas por cisiva para evitar um golpe de estado cinco décadas? naquele momento. Foi uma mobiliza- IHU On-Line – O que foi a Frente Paulo Henrique Fontenelle – Na- ção popular iniciada no Sul e que se Ampla4 e por que não conseguiu fa- quele momento, o Brasil se tornava o espalhou pelo país, possibilitando o zer frente aos militares? primeiro país ocidental a abrir rela- retorno de Jango ao Brasil com segu- Paulo Henrique Fontenelle – A ções com a China comunista. Uma ati- rança para assumir a Presidência den- Frente Ampla foi um movimento de tude pioneira que abriria o mercado tro de um regime parlamentarista. resistência civil à ditadura militar, exportador com o maior país do mun- João Goulart ter aceitado essas con- tendo como principais líderes João do. Hoje em dia, passado todo esse dições foi a única maneira de evitar Goulart, Juscelino Kubitschek e Carlos tempo, todo mundo quer negociar que o caos se instalasse no país com Lacerda5. Foi uma tentativa de resta- com a China. Isso só demonstra como um possível golpe militar. Foi um ato era visionária aquela missão em 1961. de sabedoria de Jango diante das cir- 4 Frente Ampla: Grupo político que reu- cunstâncias. Mais tarde, com o plebis- niu Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek IHU On-Line – Por que as Re- e João Goulart criado em 1966. Antigos formas Estruturais de Base, como adversários, uniram-se para formar opo- sição ao regime militar, instaurado a par- fundamento ao desenvolvimento do tir de 1966. (Nota da IHU On-Line) país, encontravam ampla resistência 3 Leonel de Moura Brizola (1922-2004): 5 Carlos Lacerda [Carlos Frederico Wer- das elites nacionais? Como a falta da político brasileiro, nascido em Carazinho, neck de Lacerda] (1914-1977): jornalista no Rio Grande do Sul. Foi prefeito de Por- carioca. Iniciou sua carreira profissio- realização dessas reformas impactam to Alegre, governador do Rio Grande do nal em 1929, escrevendo artigos para em nossa sociedade atual? Sul, deputado federal pelo extinto estado o Diário de Notícias, publicados numa Paulo Henrique Fontenelle – Por- da Guanabara, e duas vezes governador seção dirigida por Cecília Meireles. Em do Rio de Janeiro. Sua influência políti- inícios de 1934, acadêmico de Direito, que elas iam de encontro aos interes- ca no Brasil durou aproximadamente 50 aproximou-se da Federação da Juven- ses das classes dominantes, principal- anos, inclusive enquanto exilado pelo tude Comunista, órgão do PCB. Durante Golpe de 1964, contra o qual foi um dos um tempo foi comunista, passando para líderes da resistência. Por várias vezes a extrema-direita, nos anos 1940. Edi- foi candidato a presidente do Brasil, sem tava o jornal Tribuna da Imprensa. Foi 2 Jânio da Silva Quadros (1917–1992): sucesso, e fundou um partido político, o principal inimigo de Getúlio Vargas. político e o vigésimo segundo presiden- o PDT. Sobre Brizola, confira a primeira Para Lacerda, Vargas era excessivamen- www.ihu.unisinos.br te do Brasil, entre 31 de janeiro de 1961 edição dos Cadernos IHU em Formação te tolerante para com os comunistas, e e 25 de agosto de 1961 – data em que intitulado Populismo e trabalho. Getúlio seu governo era minado pela corrupção renunciou. Em 1985 elegeu-se prefeito Vargas e Leonel Brizola, disponível em endêmica e pelo favorecimento dos seus de São Paulo pelo PTB. (Nota da IHU On- http://bit.ly/ihuem01. (Nota da IHU On- aliados. Em 1955, publicou uma série de -Line) -Line) reportagens denominada A Batalha do

54 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 belecer a democracia no país, mas das mortes desses homens, dois de- a democracia se restabelecesse, como Tema de Capa que não pôde ser levado adiante pelo les ex-presidentes? foi o caso, por exemplo, de Juan José endurecimento do regime em 1968 Paulo Henrique Fontenelle – Re- Torres7, da Bolívia, Héctor Gutiérrez com a implantação do AI 5. cuperar as circunstâncias da morte Ruiz8 e Zelmar Michelini9, do Uruguai. desses homens é recuperar a nossa É nesse panorama que, também no IHU On-Line – Em seu documen- história. É entender o que foi o perí- ano de 1976, ocorrem as mortes de JK tário a mensagem que fica é que a odo da ditadura no Brasil, o que foi a e Jango. parada cardíaca de Jango decorreu operação Condor e todas as suas con- de um assassinato e não de causas sequências. As histórias oficiais estão IHU On-Line – O filme Dossiê naturais. O jornalista e historiador repletas de lacunas e inverdades e, so- Jango é, sem dúvida, um documen- gaúcho Juremir Machado, em seu mente conhecendo o nosso passado, to da extensa memória da Ditadura livro Jango (Porto Alegre: LP&M, poderemos avançar como nação. Militar, tendo como pano de fundo a 2013), dá a entender que a morte foi morte de João Goulart. Como pensa natural. Qual sua posição em relação IHU On-Line – Que tipo de con- a importância deste documentário ao caso? juntura no Conesul latino-americano para nossa sociedade atual? Paulo Henrique Fontenelle – O resultou na morte sistemática de di- Paulo Henrique Fontenelle – documentário deixa em aberto essa versas pessoas ligadas a Jango e à re- Fico feliz que o filme tenha consegui- questão, expondo os fatos e indícios sistência contra a ditadura? do essa repercussão a ponto de, final- que nunca foram investigados com a Paulo Henrique Fontenelle – mente, depois de tanto tempo de luta devida seriedade. Ainda não é pos- Após o golpe militar de 64 no Brasil, a por parte da família de Jango, o Estado sível afirmar com certeza que Jango América Latina se viu tomada por uma brasileiro ter decidido exumar o corpo foi assassinado, mas também não se verdadeira epidemia de ditaduras, to- de nosso ex-presidente. Espero que o pode afirmar com certeza o contrário. das apoiadas pelo nosso governo e, filme sirva como um documento que Fechar os olhos para as circunstâncias principalmente, pelo governo dos Es- ajude a resgatar a figura de Jango e, e mistérios que rondam a morte de tados Unidos. Com a eleição de Jimmy acima de tudo, entender um pouco Jango é fechar os olhos para a nossa Carter6, a Presidência dos Estados Uni- o que foi a ditadura no Brasil e na própria história. A mensagem do filme dos em 1976 e a consequente retirada América Latina, os horrores da opera- é de que nós, mais do que nunca, pre- de apoio às ditaduras sul-americanas, ção condor e suas consequências em cisamos esclarecer o que houve não os países do Mercosul se viram diante nossa sociedade. Um povo que não só em relação a Jango, mas também a da possibilidade de uma redemocrati- conhece as tragédias de seu passado todas as vítimas da ditadura. zação que ameaçaria seus governos. corre o enorme risco de repeti-las. Diante dessas circunstâncias, inicia-se IHU On-Line – Passados todos uma série de assassinatos a políticos 7 Juan José Torres Gonzáles (1920 – estes anos após as mortes de JK, La- de oposição que seriam eleitos, caso 1976): Militar de carreira e político bo- cerda e Jango, por que se torna im- liviano, presidente do país entre 1970 e portante recuperar as circunstâncias 1971. (Nota da IHU On-Line) 6 James Earl Jimmy Carter (1924): 8 Héctor Gutiérrez Ruiz (1934 – 1976): Político norte-americano. Foi o 39º pre- Político uruguaio pertencente ao Partido Rio, que puxou a favela para a mídia e sidente dos Estados Unidos da América. Nacional. Foi assassinado durante a Ope- clocou-a no centro do conflito ideológico, Esteve à frente do governo dos Estados ração Condor. (Nota da IHU On-Line) o qual não desaparecera com a simples Unidos entre 1977 e 1981, convertendo- 9 Zelmar Michelini (1924 – 1976): Jorna- prescrição jurídica do Partido Comunista, se no mediador do primeiro acordo de lista e político uruguaio assassinado em que foi posto na ilegalidade. (Nota da paz entre um país árabe e Israel (Nota Buenos Aires durante a Operação Condor. IHU On-Line) IHU On-Line). (Nota da IHU On-Line) www.ihu.unisinos.br

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Confira outras edições da IHU On-Line cujo tema de capa aborda autores e temas ligados à história do Brasil e violência institucionalizada, tendo como perspectiva a conjuntura do país.

• 1964. Um golpe civil-militar. Impactos, (des)caminhos, processos. Edição 437, de 17-03-2014, disponível em http://bit.ly/ihuon437; • 25 anos da Constituição: avanços e limites. Edição 428, de 30-09-2013, disponível em http://bit.ly/ihuon428; • O Desenvolvimentismo em debate. Edição 392, de 14-05-2012, disponível em http://bit.ly/ihuon392;

Tema de Capa de Tema • Anistia. Memória e justiça.Edição 358, de 18-04-2011, disponível em http://bit.ly/ihuon358; • A política econômica do governo Dilma. Continuidade ou mudança? Edição 356, de 04-04-2011, disponível em http://bit.ly/ihuon356; • Biopolítica, estado de exceção e vida nua. Um debate. Edição 344, de 21-09-2010, disponível em http://bit.ly/ihuon344; • O (des)governo biopolítico da vida humana. Edição 343, de 13-09-2010, disponível em http://bit.ly/ihuon343; • A propriedade da terra deve ser limitada? Edição 339, de 16-08-2010, disponível em http://bit.ly/ihuon339; • Movimentos sociais. Perspectivas e desafios. Edição 325, de 19-04-2010, disponível em http://bit.ly/ihuon325; • Tortura, crime contra humanidade. Um debate urgente e necessário. Edição 269, de 18-08-2008, disponível em http://bit.ly/ihuon269; • Movimentos sociais. Criminalização é um atentado à democracia. Edição 266, de 28-07-2008, disponível em http://bit.ly/ihuon266; • Maio de 1968: 40 anos depois. Edição 250, de 10-03-2008, disponível em http://bit.ly/ihuon250; • Raízes do Brasil. Edição 205, de 20-11-2006, disponível em http://bit.ly/ihuon205; • A imaginação no poder. JK 50 anos depois. Edição 166, de 28-11-2005, disponível em http://bit.ly/ihuon166; • 1985-2005. A Nova República. 20 anos depois. Edição 132, de 14-03-2005, disponível em http://bit.ly/ihuon132; • Getúlio. Edição 112, de 23-08-2004, disponível em http://bit.ly/ihuon112; • A Era Vargas em questão 1954-2004. Edição 111, de 16-08-2004, disponível em http://bit.ly/ihuon111; • Leonel de Moura Brizola 1922-2004. Edição 107, de 28-06-2004, disponível em http://bit.ly/ihuon107; • O regime militar: a Economia, a Igreja, a Imprensa e o Imaginário. Edição 96, de 12-04-2004, disponível em http://bit.ly/ihuon96; • 1964-2004. Hora de passar o Brasil a limpo. Edição 95, de 05-04-2004, disponível em http://bit.ly/ihuon95; • Economia Brasileira: Entre os neoliberais e os nacionais-desenvolvimentistas. Edição 86, de 01-12-2003, disponível em http://bit.ly/ihuon86; • 11 de setembro: Trinta anos do golpe contra Allende. Dois anos da queda do WTC. Centenário de T. W. Adorno. Edi- ção 74, de 08-09-2003, disponível em http://bit.ly/ihuon74; • Tolerância! Contra o choque e o terror. Edição 52, de 24-03-2003, disponível em http://bit.ly/ihuon52.

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56 SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 | EDIÇÃO 439 TemaTema dede CapaCapa

DestaquesDestaques da daSemana Semana www.ihu.unisinos.br IHUIHU em em RevistaRevista www.ihu.unisinos.br

57 EDIÇÃO 000 | SÃO LEOPOLDO, 00 DE 00 DE 0000 SÃO LEOPOLDO, 00SÃO DE LEOPOLDO,XXX DE 0000 00 | EDIÇÃODE XXX DE000 0000 | EDIÇÃO 000 57 58 www.ihu.unisinos.br Destaques da Semana jurídicas A biotecnologia easpreocupações ecossistema compartilhado emdebate Soberania, governança globale Apresentamos umresumo delas,quepodemserconferidas, naíntegra, de24/03/2014a28/03/2014. Essa editoria veicula entrevistas queforam destaques nas Destaques On-Line o desenvolvimento debiotecnologias, discute a utilização dos conhecimentos tradicionais para e como repartir osbenefícios gerados apartirda proteger osinteresses dassociedades tradicionais preocupações jurídicas no Brasil. Entre elas,como O avanço biotecnológico tem suscitado algumas Acesse olinkhttp://bit.ly/ihu260314 Publicada nodia26-03-2014 Unisinos. Programa dePós-Graduação em Direito da Direito dasRelações Sociaiseprofessora do Entrevista com Taysa Schiocchet, doutora em a religião”, afirma opesquisador. conhecimento, nãocom amoral, com aética ou com áreas econômicas esociais:asuarelação écom o mundo todo eissotem umavantagem sobre as “Os problemas ambientais sãoosmesmosno na Espanha,propõe asdiscussõesacerca doassunto. Direito Administrativo daUniversidade deAlicante, perspectiva queGabriel Ferrer, professor titularde sociais, econômicas epolíticas. Éapartirdesta necessário transpor essedebate para asquestões das questões ambientais queenvolvem otermo. É este conceito implica, nãosignifica somente tratar Almejar ummundosustentável, com tudoque Acesse olinkhttp://bit.ly/ihu280314 Publicada nodia28-03-2014 Olímpico Internacional. Ambiente, daComissãoEuropeia edoComitê do Programa dasNações Unidaspara oMeio Direito Ambiental queatuou como consultor Entrevista com GabrielFerrer, especialista em determinar as relações de poder e seus beneficiários”. contexto, elaassinala,“o valor econômico acaba por de produtos farmacêuticos e cosméticos”. Nesse comunidades tradicionais, para odesenvolvimento tradicional associadoàbiodiversidade das recursos biológicos éacompanhado doconhecimento pesquisadora Taysa Schiocchet. “O acessoaos

Notícias doDia utilização econômica dabiodiversidade Biopirataria Xinternacionalização: a “El Salvador, umpaísdividido” Oscar Romero. 34anosdepois. o país“nãorompe com essemodelo, porque há processo recorrente nahistória doBrasil. Entretanto, do poderpúblico, conhecida como biopirataria, éum A exploração dosrecursos naturais semautorização Acesse olinkhttp://bit.ly/ihu250314 Publicada nodia25-03-2014 Católica deMinasGerais –PUCMinas. Helder Câmara edaPontifícia Universidade em Direito eprofessor daEscola SuperiorDom Entrevista com André dePaiva Toledo, doutor Paulo IIeBento XVI”, avalia oteólogo. desse porte. Éo‘legado’ dasnomeações deJoão Dei. Massimplesmente nãoháfiguras episcopais Durante 13anos,tivemos até umarcebispo doOpus salvadorenha, hoje,nãoestá àaltura de Romero. as injustiças sociaisdo continente. “Ahierarquia moderna, queatuaram politicamente para combater está entre osmártires da Igreja latino-americana de 1980,enquanto celebrava umamissa,Romero atirador do exército salvadorenho em24demarço 34 anosdepoisdasuamorte. Assassinadoporum Juan Hernández Pico ealgunssetores daIgreja, Salvador, Óscar Romero, élembrado peloteólogo da Igreja até hoje”. Éassimqueoarcebispo deSan “Um símbolodaopção preferencial pelospobres Acesse olinkhttp://bit.ly/ihu240314 Publicada nodia24-03-2014 (UCA). professor daUniversidade Centro-Americana Entrevista com JuanHernández Pico, teólogo e manter nessacondição”, explica. interesses, pressionam oBrasil nosentido dese da própria sociedadebrasileira eemvista deseus Estados, frequentemente apoiadosporsetores Direito André dePaiva Toledo. “Ou seja,osdemais um rompimento absoluto”, esclarece oprofessor de internacional quecriaumasériedeobstáculos a nele umarelação deinterdependência econômica dosite doIHU.

SÃO LEOPOLDO, 31DEMARÇO DE2014 | EDIÇÃO 439

Destaques da Semana www.ihu.unisinos.br 59 ) - - - (1961), (1959) e Hiroshima Hiroshima IHU On-Line ------O ano passado em Aplau As Estátuas Também Também Estátuas As (1922): cineasta francês, era então um jovem di um jovem então era 1 (1959) e (1961). (Nota da (1953), e ainda não havia re ainda não havia e (1953), Hiroshima Meu Amor Resnais Alain Resnais

Ano Passado em Marienbad Ano Passado 1 Ficou conhecido por nascido em Vannes. suas obras de ficção poética meu amor Marienbad anticolonialista Morrem alizado O com os quais a revolucionaria narrati retor, com apenas 33 anos apenas 33 de idade, com retor, de curtas por uma série conhecido o libelo elogiados, como bastante - - - Em 2000, assumiu a função de assumiu Em 2000, a função e colaborador das revistas e colaborador Cinética. Confira a entrevista. Confira Marcus Mello é mestre em Literatura Bra em Literatura Mello é mestre Marcus Teorema Teorema e sileira pela Universidade do Rio Grande do Sul do Rio Grande pela Universidade sileira – UFRGS. Crítico de cinema, é editor darevis ta so na Usina do Gastal, F. da Sala P. programador Gasômetro, em Porto Alegre, primeiro cine ma municipal de Porto Alegre, mantido pela or Também Municipal da Cultura. Secretaria – 5 Anos de Falado Cinema os livros ganizou (Por Alegre Porto seminários cinema em de Sublime 2001), Unidade Editorial, Alegre: to Unidade Editorial, Alegre: (Porto obsessão do cinema e Trajetórias Becker, de Tuio 2003), Ins Alegre: (Porto textos moderno e outros tituto Estadual do Livro; A Nação, 2007), de Enéas de Souza. riências são tão traumáticas que o esqueci Mas de seguir vivendo. forma é a única mento no admissível só é claro, esquecimento, este ao cole individual,relação já que em âmbito tivotemos obrigação de não apagar os acon de nossa história”. terríveis tecimentos , ------trata-se do maior filme da história do da história do maior filme trata-se Noite Noite IHU On-Line IHU bordagem bordagem a um ção francesa, país que após a invasão país que após a invasão francesa, ção um go alemãs manteve das tropas apoiando os colaboracionista, verno nazistas. em 1955, apenas 10 anos após o final Mundial a con e da Segunda Guerra dos sobreviventes liberação sequente aliadas. pelas tropas desses campos ainda Ou seja, um acontecimento uma que permanecia como recente, a ser aberta, incomodamente chaga Outro enfrentada. necessariamente motivo de polêmica estárelacionado à nacionalidade do filme, uma produ abordou “um acon “um abordou - - - se impõeainda se hoje Noite e Nevoeiro Noite Noite Noite

A comoção se comoção A Nevoeiro, foi a primeira a tratar do a tratar a primeira foi Nevoeiro, Noite e Nevoeiro e Noite

polêmica polêmica obra cinematográfica do ci Alain Resnais, francês neasta e Noite e Nevoeiro e Noite Quase 60 anos depois da primeira exibi Quase 60 anos depois da primeira precioso, precioso, que define aexistência decada ser algumas expe humano. tempo, Ao mesmo como como um modelo ético de a­ xeque em colocando delicado, tão objeto do Holocausto”, mais espetaculares versões avalia o crítico de cinema.Para Mello, o lon de em “uma posição o espectador coloca ga A memória é um bem vulnerabilidade. grande como uma chaga incomodamente aberta, aberta, incomodamente uma chaga como a ser necessariamente enfrentada”, afirma à entrevista Mello em Marcus por e-mail. “ ção, tão desconhecidas dos campos de concentra dos campos desconhecidas tão nos quais seis milhões de judeus nazistas, ção Produzi exterminados”. brutalmente foram o que chocou anos depois da Guerra da dez mundo, que permanecia ainda recente, tecimento A en até “imagens a apresentar e Holocausto ser a primeira obra cine obra a primeira ser

Marcus Mello – Mello Marcus IHU On-Line – Quais foram os foram – Quais On-Line IHU

brutalmente exterminados. É impor exterminados. brutalmente tante notar que o filme foi lançado gens até então desconhecidas dos desconhecidas então até gens nos nazistas, de concentração campos quais seis milhões de judeus foram e Nevoeiro e matográfica a abordar diretamente o ima a público trazendo Holocausto, Noite e Nevoeiro (Nuit et Brouillard) (Nuit et e Nevoeiro Noite o público? entre gerou de pelo fato deu inicialmente motivos decomoção e polêmica que Por Márcia Junges e Patrícia Fachin e Patrícia Junges Por Márcia destaca o crítico de cinema Marcus Mello cinema Marcus de o crítico destaca “Para François Truffaut, Truffaut, François “Para cinematográfica”, da crítica as palavras dele com falar impossível cinema, sendo para as futuras gerações” futuras as para Noite e nevoeiro: “Um alerta alerta “Um nevoeiro: e Noite EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 31 DE MARÇO LEOPOLDO, 439 | SÃO EDIÇÃO 60 www.ihu.unisinos.br Destaques da Semana Ophuls sarão aabordar otema, como Marcel irá que exercer em outrosdiretores pas que influência pela sobretudo, apenas porseuaspecto mas, seminal, tiva sobre oHolocausto? tânciadocumentário desse nanarra gada aumpassadoremoto. sempre àespreita, e nãoapenasrele -as sobre ofato deabarbárieestar para asfuturas gerações, prevenindo nais transforma seu filme em um alerta – imagem, texto, montagem –queRes pulação habilidosadesses elementos pelo escritor Jean Cayrol. Épela mani textoextremamente poético, assinado da –e sobrepõe aessas imagens um que separados porapenasumadéca – ainda distintos históricos tempos la montagem,de o jovem diretor interca meio de umextraordinário trabalho Por cor. em rodadas campos, antigos nos presente do cenas com filmagens nais combina imagens dearquivo com -ensaio. Emapenas 32minutos, Res filme um verdade na é cumentário, do um como classificado seja embora forma que Resnais deu ao filme, o qual, todas asformas deextermínio? e nazismo o contra alerta” de sitivo Nevoeiro de concentração. Cayrol devidoroteiristaà adesãodo Jean realizá-lo a convencido foi só e filme do produção na envolvidos éticos ses em relaçãodas inúmeros aos impas o próprioprincípio Resnaisteve dúvi da históriaMas a dahumanidade. sobremais terríveisepisódios um dos imagético documento um ser de ção Guerragunda com Mundial, intena Comitêdo pedido deHistóriada Se era umaobra deencomenda, feita a cinematográfica. va francês, vencedor do Oscar de melhor do Oscar de vencedor francês, 3 Gusen em1943. de viado parao de concentração campo en preso, e traido, ser até Francesa cia Resistênda Cayrol tomou parte França, na nazista ocupação a Durante ro (1955). do filme de Alain Resnais, Noite e Nevoei narração por escrevera conhecido cês, 2 Jean Cayrol Marcel Ophüls Marcus Mello – IHU On-Line –Qual a impor é Marcus Mello – IHU On-Line – Por que 2 , um sobreviventecampos dos 3 em éconsiderado um “dispo A Tristeza e a Piedade (1911 – 2005): Poeta2005): – (1911 fran (Notada (1927): Diretor eator (1927): Noite e Nevoeiro Justamente pela É enorme, não IHU On-Line Noite e ) ------

de Schindler (1982) eSteven Spielberg Alan J. Pakula por cabo a levadas hollywoodianas siva Holocausto (1978)easrecriações comofamosaas da televiminissérie espetacularesmais Holocausto, do cado, colocando em xeque versões ético de abordagem modelo aumobjetotão deli um como hoje ainda ah Lanzmann (1969) e Claude trazendo apúblico foi aprimeira obra imagens até então “ On-Line Soldado Ryan(1999)(Notada do AResgateO (1994) e ListadeSchindler do Oscar de melhor diretor pelos filmes história docinema.Spilbergévencedor da influentes e populares mais retores produtor estadunidense,éum dosdi 6 On-Line e A (1982) Sofia de Escolha de Todos os do PresidenteHomens (1976) como diretor É reconhecido americano. norte- e produtor roteirista decinema 5 mann. com Eich diariamente vel pornegociar de selho Judeu responsá Theresinstadt, do Con presidente o último Murmelstein, Benjamin de vida a retrata que (2013), film seu mais recente, em tema o revisita Lanzmann doholocaustojudeu. dos sobreviventes depoimentos horas, retrata 9 de duração 10 anosparaser produzido. O filme, com cumentário pelo do mais conhecido diretor francês, 4 (Nota da Barbie Klaus de Times and Life The nus: por 1989 em documentário (1985). cinematográfica Steven Spielberg: Alan J. PakulaJ. Alan Noite eNevoeiro Claude Lanzmann dos campos de desconhecidas o Holocausto, concentração diretamente (Notada ) ). a abordar IHU On-Line nazistas” Noite e Nevoeiro (1993). A fortuna crítica fortuna A (1993). Shoah 5 em Le Dernier des IHU On-Line (1928 – 1998): Diretor,1998): – (1928 (1985), que demorou demorou que (1985), A Escolha de Sofia de Escolha A (1925): Escritor e (1925): ). (1946): Cineastae . (Nota da . (Nota 6 Hotel Termi emA ). 4 se impõe em Injustes Sho Lista IHU IHU

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du Cinéma obra de Resnais, como logo confirmalogo comoResnais, obrade vale notar, seráda fundador opilar ro.Este embaralhamentotemporal, futu no repetição barbárie a da pedir im para alerta de sirva que filme um justamente fazer é que principal, tivo obje seu atinja diretor o que para tal presentenessa produção de Resnais? curso de mesclaentre o passado e o mais importante doséculoXX. fenômeno o sobre meditação uma como afirmar-se para poema o passa odocumentário, ou a denúncia ultra ele cinematográfica, pois crítica possívelfalar dele com palavrasas da filme da história do cinema, sendo im Noite eNevoeiro revista prestigiada da crítico Truffaut François Para positiva. te majoritariamen e imensa é filme do Ano Passadoem Marienbad citadosjá nos ficcionais experiências suas riam Ainda NãoViramNada gar aproduções recentes como daAméricaMeu Tio por passando (1963) go de toda a sua filmografia, de tante junto àcategoria damemória? depois”, mascumpre umpapelimpor tido o documentário de Resnais “chega dos campos de concentração. Em que sen a construção filmar não ao ável que ocinemaerrou demodoinexpi SÃO LEOPOLDO, 31DEMARÇO DE2014 | EDIÇÃO 439 sa vie como Truffaut.Um deseusfilmesé cipais nomes da nomes cipais XX. dos prin um também disso, é Além do século perplexidades e os dilemas ra, provocadosempre original equase ágil, e assumiucomo forma, temas de maneira como tomou polêmico, que e guardista van por um cinema reconhecido francês, 8 On-Line produtor eator.roteirista, da (Nota também foi ele cinematográfica, reção a infância. res, apaixãoe di Além da obra foram as mulhe sua de principais Os temas deles. maior parte na crítica de e público sucessode um grande conciliar conseguindo filmes, 26 dirigiu Truffaut como diretor anos decarreira 25 quase do séculoXX. Em da históriadocinema VagueNouvelle dos maioresícones um e como conhecido cinematográfico mento um dosfundadores domovi francês,ta 7

François Truffaut Jean-Luc Godard Marcus Mello – IHU On-Line–Comoanalisa o re IHU On-Line–Godard a Eu Te Amo, Eu Te Amo (1962). ) à época dolançamento de Hiroshima Meu Amor Hiroshima (Nota da Providence ovle Vague Nouvelle , trata-semaior do (1932-1984): cineas (1932-1984): (1980), até che (1930): cineasta cineasta (1930): Ela é fundamen Ela IHU On-Line ! (2012). (1977) e 8 , e ao lon , eao pensava (1968), Cahiers Muriel , assim , Vocês e ) Vivre IHU O 7 ------,

Destaques da Semana www.ihu.unisinos.br 61 ------Entrevista Entrevista Resnais foi um foi Resnais Trata-se de uma de uma Trata-se ) IHU On-Line – Em que consiste – Em que consiste On-Line IHU – Mello Marcus IHU On-Line – Em que aspectos aspectos – Em que On-Line IHU – Mello Marcus IHU On-Line O Decálogo de Kieślowski e o debate debate o e Kieślowski de Decálogo O sobre os Mandamentos. da 321 Mello na edição Marcus com On-Line, IHU disponível em http:// bit.ly/ihuon321 a violência a engendra é que “O pobreza absoluta verificada nas pe- riferias com Entrevista brasileiras”. na edição Mello publicada Marcus em disponível On-Line, da IHU 250 http://bit.ly/ihuon250 • • anos de ascensão de Hitler ao poder, dis anos de ascensão de Hitler ao poder, ponível em http://bit.ly/ihuon265. (Nota da bastante dura. bastante o maior legado cinematográfico de falecido? recentemente Resnais, cine da arte renovadores dos maiores formas novas explorar ao matográfica, narrativas, a partir de interesse seu o tem envolvendo pelas questões po e a memória. Nesse sentido, sua do cinema é à história contribuição inestimável,fazendo esta arteatingir de dar conta capaz patamar, um outro hu da experiência da complexidade imagens em transformando mana, e não então até de consciência estados por seus antecessores. representados Leia mais... omissão da maior parte da sociedade omissão parte da maior de exceção. momento daquele diante procurou terminou, Quando guerra a os que de todos impressão -se dar a cidadãos franceses fizeram parte da inte incluindo aí vários Resistência, que o que sabemos lectuais ponta, de não é verdade. temá outra e Hiroshima, Auschwitz tica de Resnais, são “possíveis” so da arte? através mente pelo retórica, meramente questão Hiroshima de que tanto simples fato quanto Auschwitz ocorreram mente, vitimaram real milhões seres de nada de arte humanos não e houve de sobrevivente a um ali. Pergunte ain eles mas poucos, são – Auschwitz possível aquilo – se só foi da existem através de uma experiência artística. resposta uma lhe dará ele Certamente - - , ------Nazi Noite e Noite IHU On-LineIHU Por seu cará Por ou mesmo sobre a ou mesmo sobre 9 (1889-1945): ditador aus A Queda Queda – as últimas horas A , de 21-07-2008, trata dos 75 , disponível em http://bit.ly/ do filme” ser uma produção francesa, francesa, uma produção ser momento em momento “Acredito que que “Acredito Marcus Mello – Mello Marcus chegado, nem chegado, comprovado a comprovado e isto pode ser pode e isto exatamente no no exatamente que deveria ter ter que deveria Resnais chegou chegou Resnais Adolf Hitler Hirschbiegel, de Hitler edição 265, intitulada A ihuon145. simo: a legitimação da irracionalidade e da barbárie ganizações militares e políticas alemãs, e quer dizer “condutor”, “guia” ou “líder”. Suas teses racistas e anti-semitas, bem Alemanha como seus para objetivos a ficaram patentes no seu livroMein Kampf (Minha Luta). No período de 1924, judeus e outros os da ditadura de Hitler, grupos minoritários considerados “inde sejados”, como ciganos e foram negros, perseguidos e exterminados no que se convencionou chamar de Holocausto. Co meteu o suicídio no seu Quartel-General (o Führerbunker) em Berlim, com o Exér cito Soviético a poucos quarteirões de edição 145 da A distância. de 13-06-2005, comentou na editoria Fil Oliver por dirigido filme o Semana, da me 9 tríaco. O termo Führer foi o título adota do por Hitler para designar o chefe máxi Nazista. O nome e do Partido mo do Reich significa o chefe máximo de todas as or cada nova revisão revisão nova cada antes nem depois, nem depois, antes Nevoeiro bastante uma relação país que tem discutívelcom oregime nazista. Após o final da Segunda seu en apagar tentaram franceses Guerra, muitos evitando os nazistas, com volvimento com seu colaboracionismo sobre falar de Hitler o regime ter revelatório, que mostra de forma de forma que mostra revelatório, ter dos da experiência o horror pioneira então até de concentração, campos de foto apenas através conhecidos valeTambém as e cinejornais. grafias de o fato sinalar mais uma vez ------A Lis Noite e Nevoei Noite Na medida em Godard, não es Godard, partiram de Godard. IHU On-Line – Como esse docu Ao mesmo tempo, algumas ex Ao mesmo tempo, Marcus Mello – Marcus IHU On-Line – Em que medida o On-Line – Em que medida IHU Marcus Mello – Mello Marcus mostra imagens da construção dos da construção imagens mostra visibilidade que os campos tinham à de seu funcionamento? época mentário dialoga com a pretensa in a pretensa com dialoga mentário ce sobre o passado, está dirigida ao está o passado, sobre ce sempre que esteja Um futuro futuro. cons em do passado, aos erros alerta não repeti-los. vigilância para tante história. Essa contradição permeia o Essa contradição história. faz e fim, ao início do Resnais de filme se debru que, embora dele uma obra vidual, já que em relação ao coletivo os de não apagar obrigação temos de nossa terríveis acontecimentos esquecimento é a única forma de se forma a única é esquecimento esquecimento, Mas este guir vivendo. indi no âmbito só é admissível claro, fine a existência de cada ser humano. de existência fine a periências são tão traumáticas que o Ambas colocam o indivíduo por e, Ambas colocam em uma o espectador, consequência, A vulnerabilidade. de grande posição que de memória é um bem precioso, impossibilidade são ex de esquecer por terríveis, periências igualmente que isso possa parecer. paradoxal do cineasta francês? francês? do cineasta ou a de lembrar que a incapacidade desespero de não lembrar ou de não ou lembrar de não desespero im poder esquecerelementos são obra nessa aparecem que portantes fragilidade do discurso de Godard. do discurso fragilidade mais de 50 anos, mantém intacta a intacta mais de 50 anos, mantém A propósito, sua força. ro denuncia a logo que desde o campos, ter chegado, nem antes nem depois, nem antes chegado, ter a cada comprovado ser pode isto e nova revisão do filme, que, passados ta de Schindler de ta exata chegou que Resnais Acredito que deveria em no momento mente de fazer algo para impedi-la. Vale impedi-la. Vale para algo de fazer mais que alguns dos ataques lembrar e seu Spielberg contra violentos mínio dos judeus, Godard teria cha teria mínio dos judeus, Godard por haver de imoral, mado seu colega ao invés a barbárie registrar preferido bombásticasfrases efeito.de Prova velmente, se Resnais tivesse chegado constru a filmado ter pudesse e antes exter ou próprio o desses campos ção queçamos, é um eterno provocador, provocador, é um eterno queçamos, lançar adora que nato, um polemista EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 31 DE MARÇO LEOPOLDO, 439 | SÃO EDIÇÃO 62 www.ihu.unisinos.br Destaques da Semana período marcado pela violência e seria oderevelarno estrangeiro este exterior.dos méritosUm dolivro ria brasileira é pouco conhecida no Por Luciano Gallas da memóriaosacontecimentos sombriosdoperíodoregime militar noBrasil Livro dojornalista Bernardo Kucinski reúne realidade eficção para resgatar dofundo K. embusca daverdade Estante IHU On-Line –Emgeral, a histó na sua busca por informações sobre a filha Ana inspiradode Bernardo,pai no MajerKucinski,e da famíliaautor:do de uma narrativa ficcional para contar a história 50 anos do golpe civil-militar de 1964, utiliza-se A obra, relançadacontextono efemérideda de glês eem traduçãopara italiano o hebraico.e o paraduzido catalão, oespanhol, alemão e in Telecom e São Paulode Literatura de 2012, tra prêmios PortugalNaify, dos finalista sac 2014), livrono narrada da história pelo jornalista eprofessor Bernardo Kucinski central condutor fio o é U zido comobjetivoszido majoritariamente literários, sensaçãode insegurança.disseminada Produ a direitos, perseguições,e uma impunidade atosde opressão, arbitrariedade, desrespeito meados dadécada de1960 e que acobertou a pesadaatmosfera queencobriuo Brasil em muitas vezesaté esquecidos, –,reconstruindo guardadosnas lembranças decada– indivíduo e interlocutores emgeralfatosos estavam que resgatacinski damemóriadefamiliares, amigos Ku Bernardo filha, da desaparecimento do no tiada do pai na procura sobre a verdade em tor cia afunção deprofessora deQuímica. de de São Paulo – USP, instituição na qual exer de repressãodentro campus do Universida da Rosa KucinskiSilva, sequestradaórgãos pelos Ao narrar sobriamente a trajetória angus K. Relatode umabusca leiro e desaparecida desdeentão.Este pelo regime de repressão militar brasi sequestrada filha, da busca em pai m K. , o personagem central, é K. -

exterior, masbemconhecidapelos ria brasileira é pouco conhecida no de ditadura militar? pelo autoritarismo quefoi o regime (São Paulo:(São Co Bernardo Kucinski – ------pouquinho se o governopouquinho sua leitura incluísse da ditadura.e criminosos Poderia mudarum brasileirada sociedade em relaçãocrimes aos “ entrevista concedidapor e-mailà seja”,que autor,o o ou afirma denúncia, nesta “ Paulo: CosacNaify, 2014). Você vaivoltar pramime outros contos sítio do Amanhã quais os entre alternativos, jornais de dador America PoliticalLatin Report, no Brasil dosjornaisingleses e dojornal 2003 e 2006, editor-assistente darevista Veja cação SocialdaPresidência daRepública entre foi assessorespecialdaSecretaria deComuni – Departamento deJornalismoeEditoração, tuição junto àEscola deComunicações eArtes insti mesma professor da como tou-setitular Ciências daComunicação pelaUSP, aposen rário dalínguaiídiche. Possui doutorado em lite crítico e escritor foi Kucinski, Majer pai, o – Polônia da imigrantes judeus de família completa. política”,fazer de forma nossa de e Estado de que isso, mudar anaturezaaparelhonosso do antesciso próprio o mudar governo e, mais escolares.currículos Mas,para isso, seriapre e de algunsoutros livros sobre nos o período K. K. não tem nenhum objetivo educativo,nenhum tem de não ou nãovai mudar a postura decomplacência Confira aentrevista. Bernardo Kucinski édescendente deuma A histó Carta Maior , Opinião Gazeta Mercantil - , militar,conhecida. émenosainda Já sinam sãochavões. Quanto àditadura a deveriam conhecer. en Oque nos conhecidamal todosquase por que poucos queaconhecem; Brasil,no é Movimento SÃO LEOPOLDO, 31DEMARÇO DE2014 | EDIÇÃO 439 . Éautor também dolivro e correspondente The Guardian além de e Em Tempo IHU On-Line

cofun (São , e , e ------. - Destaques da Semana www.ihu.unisinos.br 63

------4 ------or reúne reúne Nenhu de for K. . K. 3 – IHU On-Line) ) Bernardo Kucinski Bernardo IHU On-Line – O ex-delegado do – O ex-delegado On-Line IHU – Kucinski Bernardo – O livro On-Line IHU Ação Libertadora Nacional – ALN: Nacional – Ação Libertadora rência da Organização Latino-Americana de Solidariedade em – Olas, Havana, Cuba. A ALN se definia da seguinte for guerrilheiros, e somos nós ma: “Todos não homens que dependem de votos de outros revolucionários ou de quem quer que seja para se desempenharem do de ver de fazer a revolução. O centralismo democrático não se aplica a organizações revolucionárias como a nossa”. (Nota da IHU On-Line entrevistagravada foi em 2012 para A 4 o programa de televisão Observatório da Imprensa. (Nota da 3 ganização política de ideologia socialista que participou da luta armada contra a ditadura militar no Brasil. O grupo sur Carlos de saída a com 1966, de fim no giu Comunista Brasilei Marighela do Partido ro – PCB, após sua participação na confe usados pelos na militantes clandesti Este violentos. vezes algumas nidade, a um exercício corresponde esforço de reflexão sobre uma banalidade humanas ações nas mal presente do de regime o durante implementadas exceção? nível mesmo no coloca alguma ma e opressores suas vítimas. O livro não ao favoráveis personagens apresenta golpe, no sentido de endossá-los. O co de variedade uma apresenta livro desde a repressão, com laboradores um torturador, como diretos, agentes de tribunais donos e de re juízes até passando por infor des de televisão, foram foram encontrados. Ambos tinham e empregos, com normal, legal, vida Também reais. nomes seus usavam papel de passado. Am casados eram ALN da militantes bos eram en em afirmou Guerra Cláudio DOPS Dines Alberto ao jornalista trevista Rosa de Ana o corpo recebeu que Que informa ser incinerado. para a esse respeito? tem a família ções A do Cláudio Guerra ma informação. com recebida ser deve e a única é reservas. so de vista pontos e diversos muitos para O esforço militar. o regime bre fa dos veracidade da aproximar-se de métodos abordagem a incluiu tos ------órgão , ) – O pouco – O pouco procura pela procura Destacamento de Destacamento K. (Sérgio Fernando Para IHU On-Line ) 1933-1979): delegado do

: sigla de chavões” de São Paulo e ao delegado e ao delegado de São Paulo 1 . Desapareceram sem deixar deixar sem . Desapareceram quase todos todos quase 2 “No Brasil, [a [a Brasil, “No IHU On-Line – No enredo do li do enredo – No On-Line IHU Bernardo Kucinski Bernardo conhecida por conhecida história] é mal história] IHU On-Line DOI-Codi que a deveriam que a deveriam conhecer. O que O que conhecer. Sérgio Fleury nos ensinam são nos ensinam – DOPS de São Paulo, conhecido conhecido pelos mé de– DOPS São Paulo, de tortura brutais todos que usava para obter confissões de presos políticosépoca do regime militar no Brasil. (Nota na da 1 de Informaçõesdo Centro Operações Interna de Defesa de Operações repressor criado pela ditadura militar brasileira e que funcionava como polícia política, responsável pela prisão e tortu ra de pessoas contrárias ao regime auto ritário. (Nota da 2 nhos Fleury, e Social Departamento de Ordem Política de bandidos, totalmente à revelia de à revelia de bandidos, totalmente qualquer das leis queeles lei, mesmo nunca Seus corpos baixaram. mesmos cunstâncias ocorreu a prisão de sua prisão a ocorreu cunstâncias irmã pelos militares? que se sabe é que minha e meu irmã em ple sequestrados cunhado foram ao na luz do dia por grupos ligados DOI-Codi Fleury de or Não há nenhum registro traços. delegacia, em entrada dem de prisão, nada. Os órgãos inquérito, de abertura quadrilhas agiam como de repressão ridades, mas todos têm em comum o comum em têm ridades, mas todos uso da violência e a bestialidade. o personagem vro, filha, uma militante política desapa exceção. de regime o durante recida história na é baseada A personagem Silva, Kucinski Rosa irmã, Ana de sua Universi na de Química professora Em que cir – USP. Paulo dade de São

, ------K. K. (Par Meu pai A opção foi foi A opção não foi escri foi não K. Também escrevi escrevi Também K. ? Eu diria tudo é que Poalei Tzion Smal Tzion Poalei K. Bernardo Kucinski – Kucinski Bernardo IHU On-Line – O personagem – O personagem On-Line IHU Bernardo Kucinski – Kucinski Bernardo IHU On-Line – Embora seja uma IHU On-Line – Embora e maus propósitos. Cada um tem seu Cada um tem maus propósitos. e particula suas bandeira, sua discurso, teceu aqui está na natureza universal universal na natureza aqui está teceu seus traços ditatoriais, dos regimes de desumanidade, estupidez comuns tido dos Trabalhadores Sionistas de tudo o que entre O nexo Esquerda). o que acon e na Europa aconteceu nesa que o perseguiu para ajudar a para nesa que o perseguiu fundar um partido político de sionista o esquerda, não veio fugido do nazismo. Veio um fugido do nazismo. Veio não veio fugido da polícia polo antes, pouco se entrelaçam os autoritarismos do do autoritarismos os se entrelaçam brasilei militar regime e do nazismo no livro? ro nacionalidade polonesa. O nazismo nazismo O polonesa. nacionalidade foi o motivo de Majer Kucinski De que forma ter o Brasil? para viajado é baseado na história do seu pai, Ma seu pai, do história na é baseado e judia origem tinha que jer Kucinski, tempo e no espaço. A matéria-prima é matéria-prima A no espaço. e tempo é ficcional. a narrativa autobiográfica, autobiográfico, mas tudo de fusões através no plano literário recriado no deslocamentos e de personagens como como um fenômeno não planejado há de autobio Quanto e imprevisto. gráfico em diversas, não apenas de repressão e não apenas de repressão diversas, Em meio a esse processo ditadura. nasceu à literatura, de conversão que não tem as característicastobiográficas au de situações de tratando contos muitos pela criação literária e começou com com começou e literária pela criação ainda não publicada, obra, uma outra em detrimento de uma obra biográfi obra uma de detrimento em de há quanto Em complemento, ca? ficcional? obra nesta autobiografia história real de familiares que inspi que de familiares real história na retratados os personagens raram Por que trama. sua opção pela ficção obra obra de ficção, o livro é baseado na to to com nenhum objetivo pedagógico por necessidade escrito Foi ou outro. Só isso. escritor. pessoal do foi esquecida como presente e ainda e ainda presente esquecida como foi His nos currículos como não entrou tudo isso, Com tória. EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 31 DE MARÇO LEOPOLDO, 439 | SÃO EDIÇÃO 64 www.ihu.unisinos.br Destaques da Semana de malignidade é frutode malignidade de ações con tipo Esse mal. no nenhuma nalidade ba discutir. há aqui Não vou não que Arendt vras.temNão fundamento.A Hannah de umjogopassa mal, não de pala saram professores de universidades. corpos. Para nãodizer quenunca cas suicídio. Nunca desapareceram com ca levaram ninguémàloucura eao nun filhos, seus de frente na pais ram amarradas eindefesas, nunca tortu ques elétricos navagina de mulheres cho deram nunca mutilaram, nunca num paude arara, nunca estupraram, ninguém penduraram nunca tinidade da ditadura. Osmilitantes daclandes quanto aquelesusadospelosagentes dade eram algumasvezes tão violentos clandestini militantesna pelos usados te falso opressuposto dequemétodos cunhado e minhairmã.Éabsolutamen de muitas vidas, inclusive asde meu o que levou àperda desnecessária parar quando aluta jáestava perdida, te pornãoterem odiscernimento de essencialmen os cobro eu tinidade, de SãoPaulo emestado dedesrazão. mantes e professores da Universidade ihuon207. (Nota da Brudny, disponívelemhttp://bit.ly/ provocativos presença a entrevista 2006, Veja04-12- de 207 edição na também, http://bit.ly/ihuon206. em download 1906-1975 Arendt nah moderno é o mundo sem política.Han intitulada 27-11-2006, de 206, edição a e http://bit.ly/ihuon168 em ad o séculoXX ram marca Trêsque Stein. mulheres Edith e sob otítulo da ções 168 xote, 1978). Sobre Arendt, confira as edi Totalitário mal do – Umareportagemsobre a banalidade obras, citamos: suas grega. Entre cidade piração aantiga ins como modelo de tendo econômica, esfera da separada política concepção Preconizaindivíduos. uma regresso a um atomizar os para tendência à sua sas e as mas de sociedade à crítica numa senta filosofia Sua país. deste versidades uni nasprincipais suas obras.Lecionou das parte grande escreveu onde os EUA, para partiu em 1941, seguições nazistas, e Heidegger das per Karl Jaspers.Emconsequência Husserl, por influenciada Foi de origemjudaica. socióloga alemã, 5 Hannah Arendt (Lisboa: Tenacitas,e 2004) Quanto àtesedo da banalidade Quanto aosmilitantes daclandes 5 io n bl, o motivos por bola, na pisou (Lisboa: PublicaçõesDomQui (Lisboa: IHU On-Line Hannah Hannah WeilArendt, Simone , disponível para downlo para disponível , Eichmann em JerusalémEichmann (1906-1975): filósofa e filósofa (1906-1975): Um pensamento e uma Um pensamento IHU On-Line , de Michelle-Irène , deMichelle-Irène , disponívelpara , de 12-12- 2005, 12-12- de , O Sistema O mundo ) ------continuidade da luta de luta da continuidade mais fortes presentes no livro é a de nossaforma defazer política. tureza aparelhonosso do de Estado e governo e, isso,mais que mudarana seria precisoantes próprioo mudar escolares.currículos Mas,para isso, guns outros livros sobre nos o período o governosua leitura incluísse e de al quinho, um da ditadura. Poderia mudar umpou em relaçãoaos crimesecriminosos complacênciabrasileirasociedade da caso, uma obraÉ seja. literária.Em todo o que o ou denúncia, de ou educativo, já disse, de exceção? regime pelo Brasil no praticados to de dos de torturacrimes e assassina superarmos acondição de impunida atuais? Pode também colaborar para preendermuitos deseusproblemas de forma condições acriar para com passado, seu sobre reflita e revisite buir para que a sociedade brasileira copatas, quenadatêm debanal. poder, psi pelo e doentias mentes de cretas, de lavagens cerebrais, delutas natureza universal traços comuns de desumanidade” ditatoriais, seus que aconteceu IHU On-Line–Umadasideias Bernardo Kucinski – IHU On-Line – “O nexo entre aconteceu na K. aqui está na dos regimes não vai não mudar apostura de tudo oque Europa eo K. não tem nenhum objetivo nenhum tem não tantico , se, por exemplo, K. pode contri K. , quemili Como eu ------tativas aoescrever epublicar pel decríticos e contestadores. sia Leia mais... nenhuma. Ao publicar, alguma satisfa comeram Essa chamados. dos séculos XIX e XX, a “intelligentsia”, intelectuaisdos papel do Europana que marcoua suageração e a herança bém o componente do iluminismo, hátam pai, meu do específico caso povosermos um tão perseguido. No presentecultura na judaica, talvez por nesse caso,muito de umhumanismo está presente navidadeseupai? valor dedefesa dos direitos humanos contexto que Em estefilha. da tância brasileiro. Ele não conhecia a mili contrae aviolência do regimemilitar tava pela causa judia, na luta da filha, tor oumero escrevinhador. paracia especial me dizer escri se sou vai voltar pra mim contos de livro novo o sentido, comopossibilidades escritor. Nesse do, muitome disse não sobre minhas psicografa sido tivesse se como gem, parto natural, ou,para usaroutra ima formapela como nasceu,digamos, de ca. Comosetrata deumlivro único, luta armada e presos políticos da épo da militantes antigos pelos recebido ção, em especialpelaforma como foi SÃO LEOPOLDO, 31DEMARÇO DE2014 | EDIÇÃO 439 • • • nãoconseguiase ver senão nopa nível emhttp://bit.ly/ihuon230. IHU On-Line, de 06-08-2007, dispo Kucinskipublicada ediçãona 230 da sistente”. Entrevista com Bernardo “A política macroeconômica é incon- disponível em http://bit.ly/ihuon254. 254 daIHUOn-Line, de14-04-2008, nardo Kucinski publicada naedição lismo brasileiro. Entrevista com Ber As grandestransformações dojorna- http://bit.ly/ihuon322. Line publicada naedição 322 da IHU On- Entrevista com Bernardo Kucinski Um capitale semmarcasem pátria . Bernardo Kucinski – IHU On-Line – Quais suas expec Bernardo Kucinski , de 22-03-2010, disponível em tem uma importân –Trata-se, Ao escrever, intelligent K. ? Você ------Destaques da Semana www.ihu.unisinos.br 65 ------Ca Na medida emNa Além (Cam Peter Singer Peter (Grand Rapids: (Grand University of Califor IHU On-Line – Em que aspectos aspectos – Em que On-Line IHU – Charles Camosy consumir a carne desses animais é desses animais a carne consumir vergonhoso um ato com compactuar e pecaminoso? base no com carne compramos que ver dos atos cúmplices somos preço, acima trazi e pecaminosos gonhosos dos. Afinal, o motivo pelo qual as“fa para matarmos estes animais, mas animais, estes matarmos para como Eles são vistos entendeu. você ao nosso dis que estão “coisas” meras como qualquer por, outro tipo de pro supermercado. um em duto Too Expensive to Treat? – Fini Treat? to Expensive Too - - - (Franciscan (Franciscan Media: Cincinatti, 2013), Charles Camosy possui graduação em Filo possui graduação Charles Camosy a entrevista. Confira . Atualmente é professor assistente de Ética manos, cujos direitos – tal como dos animais – como – tal manos, cujos direitos recusados. vezes são muitas sofia eem ComunicaçãoTeatroe pela Universi universidade, mesma Pela Dame. de Notre dade Sistemá Teologia em mestrado possui também tica e doutorado emÉtica Cristã, alémde dou torado em Filosofia pela nia (EUA). de Fordham na Universidade Cristã do livro que baseia esta entrevista, For Love intitulado of Animals: ChristianEthics, Consistent Action de autor é mosy Neonatal and the Tragedy, tude, 2010) e Press, B. Eerdmans Wm. and ChristianEthics: BeyondPolarization 2012). Press, University bridge: vegetarianismo vegetarianismo como alternativas, destaca a o de Peter com de seu pensamento diferença dos os direitos que defende autor (outro Singer hu os fetos sobre sua posição animais) marca e ------no menor espaço de tempo; portanto, portanto, tempo; de no menor espaço famintas. constantemente estão elas incluindo mais, muito Eu poderia dizer as práticas repugnantes empregadas conseguem fazer sexo com seus pares, pares, seus com sexo fazer conseguem do macho que o sêmen precisando seja “obtido manualmente”para in seminar artificialmente fêmea. a Gali passam a vida inteira nhas chocadeiras 50 cm² com empilhadas, gaiolas em de espaço, sendo atingidas pelasfezes as galinhas acima. Hoje, das galinhas manipuladassão detalgeneticamente “estu se sintam nunca elas que forma possível, quanto tanto comam e fadas” ------, critica duramente a crueldade

rescei e multiplicai-vos, enchei e do e enchei multiplicai-vos, e rescei os pei Dominai sobre minai a terra. dos e céus as aves sobre mar, do xes Estas Estas práticas

Camosy, que concede entrevista por e-mail entrevista que concede Camosy, IHU On-Line IHU com animais durante todo o dia é quando os todo animais durante com comem.” O filósofotrata veganismo do e do à contra os animais para fins de desejar simples o ele, fato com De acordo de alimentação. mos nos alimentar de suas carnes não é moti vo suficiente para promover o sofrimento dos pesso muitas “Para não humanos”. “animais em que elas interagem momento as, o único go dos anos. “Nosso domínio deveria seguir o dos anos. “Nosso domínio deveria go significa liderança quem para Jesus, de exemplo à margem. aos que estão serviço não violento pertencentes como constar Os animais devem propõe. marginal”, tipo de população a este “C na terra”, os animais que se movem todos sobre do Gêne do livro capítulo o primeiro comanda Charles Camosy, o teólogo para sis. No entanto, que Deus deu ao homem vem “domínio” este ao lon mal interpretado vezes sendo muitas

Charles Camosy – Charles Camosy IHU On-Line – Em que consistem On-Line – Em que consistem IHU

virar para trás. As peruas criadas pos As peruas trás. para virar sequer que grande tão o peito suem porcos em “gaiolas de parto” nas quais de parto” em “gaiolas porcos suas vi de passam a maior parte eles se para um espaço ter mesmo das sem não estão limitadas às fazendas ame às fazendas limitadas não estão maxi para mas são projetadas ricanas, por me proteicas as “unidades mizar os Elas incluem manter quadrado”. tro em confinamento nasfazendas in nos EUA? dustriais as práticas condenáveis às quais você quais às condenáveis práticas as de animais a criação sobre se refere EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 31 DE MARÇO LEOPOLDO, 439 | SÃO EDIÇÃO sobre a cumplicidade do consumidor com a crueldade contra os animais contra a crueldade com a cumplicidade do consumidor sobre Correa Gomes Isaque / Tradução: e Andriolli Costa Junges Por Márcia O teólogo Charles Camosy, autor de livros sobre o amor cristão aos animais, alerta aos animais, alerta o amor cristão sobre livros de autor Camosy, Charles O teólogo companheiros, não nosso alimento” não nosso companheiros, “Os animais são nossos animais “Os Teologia Pública Teologia 66 www.ihu.unisinos.br Destaques da Semana te não pensamosnoque sobrepensamos eles, e certamen tornamsimplesmente invisíveis.Não migram parase ascidades,osanimais mente conformepessoas e mais mais modernas, especial sensibilidades deste comportamento. significativaPara muitas parte uma é centrismo não humanos? demonstrando para com osanimais ploratório que ahumanidade vem comportamento consumista eex um dos pilaresé que explica esse que medida oantropocentrismoem mos oensino(adoutrina)católico. isso aeles, especialmente serespeitar bondade aosanimais, eprecisamos dar Devemos é usada. justiça de guagem “devemos bondadeaosanimais”. Alin daIgrejacismo Católica que insiste que soa for católica, podemoscitar oCate humanos? dade devebondade aos animais não companheiros, nãonossoalimento. são é são nossos a de que osanimais que ohomemesteja só”. A compreen a Adão“porqueos animais nãoé bom nesis, capítulo2, mostra queDeustraz pecadoo ter entradoGê mundo). no (comeraparece animais apenas após tenhamosque uma dieta vegetariana e ordenahumanos, humanos, anós, “bem”, independentementeseres dos estãoque osanimais Gênesis 1 diz fato, De marginal. população de tipo constar como pertencentes aeste estão àmargem.devem Osanimais que aos violento não serviço significa de Jesus, paraplo quemliderança deveria domínio nosso seguir oexem o “domínio”sobre Porém, os animais. nesis, capítulo1, diz quenosfoi dado viver com osanimaisnãohumanos? do Genesis sobre como devemos con uma compreensão equivocada dolivro nos recusar acomprá-las devez. portanto, maiscaras –outeremos de animais que foram bemtratados –e, baixo. Precisamos comprar carnes de comprar seus produtos pelo preço mais reduzir oscustos para que possamos de forma tão terrível éporque tentam zendas industriais” tratam osanimais Charles Camosy – disso, partir A – On-Line IHU Charles Camosy – IHU On-Line – Por que a humani Charles Camosy – IHU On-Line–Emquemedidahá Bem, seapes O livro deGê O antropo devemos a ------opçãopreferencial vulne mais pelos Católica insiste que devemos ter uma ta.Social que o aDoutrina É por isso consumis vida de estilo um vivermos carreirasàs nossas e capacidades de estes bebês representam prejuízos poder,no les especialmente quando -natal também é inconveniente àque de nossas criançasa dignidade nopré que querem comer carne fresca. Mas é inconvenientemais de nós àqueles para opoderoso.ani dos A dignidade dofracoa dignidade é inconveniente o fraco,mina principalmente quando em queopoderoso episódios do do do pode ser contada como constituin modo, nossa históriade peca humana éticas desse tipo de posicionamento? direitos”. Quais são as implicações fetos,muitos por considerados “sem humanos, ocorreo mesmo com os nega a dignidade dos animais não que boa parteem da humanidade que funcionempara cada umdenós. O queprecisamos é encontrar formas culturaem nossa animais consumista. trata resistircomo à exploração de de certa para todose quando mundo” sistência. Nãoháuma“única resposta métodosque elessão acho úteis de re sumo decarne? con o lado de deixarmos para éticas vegetarianismo surgemcomo opções te aQuaresma. a estas práticas, especialmente duran Deveríamosne. prestaratenção mais a rejeiçãoincluindo deconsumir car história de práticas alimentares éticas, E astradições cristãs têm uma longa de seencontra mergulhada? ao consumismo noqual a humanida nossa dieta contrapontospodemser carnemir reduzi-laou mesmo em mento consumista eabusivo. mos atomar parte deste comporta além de nosrecusarnão humanos, buem parasofrimento o animais dos cientes de comoações nossas contri tornarmose nos isso mudar ciso mais todoos comem. o diaé quando Épre elas interagem comdurante animais tas pessoas,oúnico momento em que mui Para justiça. de termos em eles IHU On-Line – Oveganismo e o Charles Camosy – IHU On-Line – Deixar deconsu Charles Camosy – IHU On-Line tempo– Ao mesmo Charles Camosy – Sim, são. E eu Sim, são. Sim, poderia. De algum ------tificar o mal que lhes causamos, dis causamos, lhes que o mal tificar em comer carne jus pode não animal sobre o fatointeresse dequenosso emboraE mais. euconcorde comele mais asérioostatus moralani dos levemos que de sentido no trabalho deçoEle tem porisso. feito umbelo trato deste assunto; então euoagra tão em meus pensamentos quando lugar, dePeter asopiniões Singer es Singer cia deseupensamento com Peter cipais pontos dedebate econvergên nós para falarmos poreles. ções marginalizadasque precisam de popula são aos animais) sejam iguais (embora obviamente os bebêsnão quantonos crianças nossas pré-natais dito quetantonão huma osanimais contranidade poderosos. os acreEu uma voz queasdefenda em sua dig ráveis; estas populações precisam de tituem, na forma como Deusdesejou. viver comoelas cons asespéciesque estas criaturas nãosepermite ser e eles sofrem, mas também porque a é terrível,mais animais só porque não como tratamos nós, humanos, osde morteé, sua Assim, aforma é ruim. que animal o florescer como e ser em pleto devidacriatural.Como falhou de contribuirpara com ouniverso re florescer fim a Deus e de desígnios os conforme ser em falhado ter por zer que amorte deumpássaro éruim morteOs cristãos éruim. di podem problemaspara explicar por quetal terá utilitarismo o qual no caso dor, Mas ele pode terruim. sem morrido Se umpássaroos criou. morre, é isso Deus que já animais, dos florescer do rências, masoscristãos podemfalar falar somente deprazer, doreprefe valor dosanimaisnãohumanos. sobre a forma como descrevemos o neonatal, mastambém discordodele ral dascrianças em estado pré-natal e completopor dele sobre status o mo preferencial.Discordo, obviamente, utilitarismo seu de sobretudo, cordo, SÃO LEOPOLDO, 31DEMARÇO DE2014 | EDIÇÃO 439 we eat. autor,é Singer outros, de entre Compaixão Sobriedadee Por umaéticadoalimento. IHU On-Line, da edição 191 na entrevista Concedeu 1 On-Line (New York: Rodale,da (Nota 2006). Peter Singer Charles Camosy – IHU On-Line – Quais são os prin A teoria moral deleolimita a 1 ? ) h or od hie matter? choices food our Why , em http://bit.ly/ihuon191. http://bit.ly/ihuon191. , em

(1946) de 14-08-2006, intitulada intitulada 14-08-2006, de : filósofo australiano. Em primeiro The way IHU ------

Tema de Capa

Destaques da Semana www.ihu.unisinos.br IHU em Revista

EDIÇÃO 000 | SÃO LEOPOLDO, 00 DE 00 DE 0000 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000 67 68 www.ihu.unisinos.br IHU em Revista Local: Horário: Debatedores: Evento: OGolpede64eosdireitos humanos Local: Horário: 1985, parte 2,116min) Evento: Exibição do Documentário Local Horário Debatedor: Humanos contra asDitaduras doConeSulesuaConexão Repressiva Evento: IHU ideias – Memórias da Resistência e da Solidariedade: o Movimento de Justiça e Direitos Local: Horário: Debatedora: Evento: Feminismo, configurações de gênero eaditadura noBrasil Local: Horário Debatedores: Evento: Mesa-redonda: Ogolpe eaditadura militar: 50anosdepois 07-04-2014 03-04-2014 01-04-2014 : SalaIgnacioEllacuríaeCompanheiros, noIHU SalaIgnacioEllacuríaeCompanheiros, noIHU SalaIgnacioEllacuríaeCompanheiros, noIHU SalaIgnacioEllacuríaeCompanheiros, noIHU Auditório Central : 17h30minàs19h : 19h30minàs22h 19h30minàs22h 19h30minàs22h 19h30minàs22h Agenda de JairKrischke Profa. Dra. Cristina Scheibe Wolff –Universidade Federal deSanta Catarina – UFSC Prof. Dr. SolonEduardo AnnesViolaeProfa. Dra. SirleiGedoz –Unisinos Prof. Dr. JacquesTávora Alfonsín eProfa. Dra. EloisaHelenaCapovilla daLuzRamos–Unisinos Eventos L EIA OS WWW.IHU.UNISINOS.BR NO SIT C Shoah ADERNOS (Claude Lanzmann, Documentário/Testemunhos, França, programados paraoperíodode01-04-2014a07-04-2014. Eventos doInstituto Humanitas Unisinos–IHU E DO IHU IHU

SÃO LEOPOLDO, 31DEMARÇO DE2014 | EDIÇÃO 439 I DEIAS IHU em Revista www.ihu.unisinos.br 69 - - - - - da Universidade de Coim de da Universidade lítico, passando a apoiar as chama base” do governo de das “reformas a agrária, João Goulart: a reforma bancária, a tributária e a política de frisa estrangeiro”, ao capital repúdio o autor. profunda cisão lavrada entre os dois os dois entre cisão lavrada profunda compuseram grupos que sempre os agentes brasileira: a oligarquia políticos e a classe dos grandes pro (...) Deve empresários. e prietários época que naquela aliás, notar, -se médias das nossas classes boa parte abandonado sua tradicional havia po do espectro à direita colocação - - - Honoris Causa dualista” do Brasil, a a do Brasil, “Em todo o “Em todo possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (1959) (1959) de São Paulo pela Universidade em Direito possui graduação Para pensar as complexidades pensar as complexidades Para uma estrutura uma estrutura organização do organização curso da História da História curso poder apresentou poder apresentou lo – FIESP, que convidou empresas empresas convidou que lo – FIESP, e a a Ford – enquanto a colaborar Volkswagen forneciam automóveis, e caminhões emprestava a Ultragás a carceragem abastecia a Supergel congeladas. refeições com militar de de Estado do golpe gênese “Na a encontramos 1964, de março 31 de inerentes à história do Brasil, o au do Brasil, à história inerentes desde do Brasil à história recorre tor passando pelo o período colonial, velha, período imperial, república “Era final Vargas”, dos anos 1950 e o pré-golpe. Nesse sentido, explica não empresários os grandes como hesitaram em financiar instalação a como estatal, de terror de aparelhos (embrião Bandeirante a Operação ou ainda a Fe DOI-CODI), do futuro de São Pau das Indústrias deração ------A memória A memória Cadernos IHU Cadernos IHU Fábio Konder Comparato Comparato Konder Fábio e doutorado em Direito pela Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) (1963). Professor Emérito da da Emérito (1963). Professor 1 (Panthéon-Sorbonne) Paris pela Université em Direito e doutorado e Doutor de São Paulo da Universidade de Direito Faculdade Titular da Medalha Rui Político. Humanos e Direito Direitos Filosofia do Direito, em É especialista bra. do Brasil. dos Advogados da Ordem Federal Conselho pelo conferida Barbosa, do Instituto Humanitas Uni , de Fábio Konder Comparato. Comparato. Konder de Fábio ,

A publicação A publicação

Quem é Fábio Konder Comparato Konder Quem é Fábio aqueles aqueles uma influência determinan texto. em seu Comparato aponta te”, oficialmente como titulares do poder poder do titulares como oficialmente político e administrativo, os segun dos, graças ao seu poderio sobre exercer de não deixaram econô mico, tentados privados, ou seja, os gran privados, tentados En e empresários. des proprietários apresentaram se os primeiros quanto do poder apresentou uma estrutura uma estrutura apresentou do poder os lado, um de englobando, dualista, os po de outro, e, estatais agentes o terrorismo de Estado e o neolibe de Estado o terrorismo o curso “Em todo capitalista. ralismo a organização do Brasil, da História e os grandes empresários, nacionais nacionais empresários, e os grandes esse consór e como e estrangeiros, cio político engendrou duasexperi ências pioneiras na América Latina: que se instalou no país após o Gol instalou que se das de 1964 fundou-se na aliança pe latifundiários os com Armadas Forças militares. Desde este espectro, Com espectro, este Desde militares. parato, ao escrever o artigo, político regime tenta o como compreender estiveram muito próximos do poder, ou coad protagonistas seja como juvantes: as elites econômicas e os sileiro O artigo articula a história do Brasil sociais que sempre os atores com ideias, o recentemente lançou sinos – IHU, número 205 intitulado bra do regime empresarial-militar empresarial-militar brasileiro empresarial-militar A memória do regime regime do A memória Especial EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 31 DE MARÇO LEOPOLDO, 439 | SÃO EDIÇÃO 70 www.ihu.unisinos.br IHU em Revista unisinos.br/cadernos-ihu-teologia. solicitadas– IHUou Unisinos endereçopelo [email protected]. informaçõesMais telefone no +55(51)35908247. Batismo torna-os irmãos,eapartirdelenãohámotivos para divisão. fraternal.A categoria é acategoria“irmão/irmã” O homem. do relação caso– no que também comomulher –a situa da “par” numa varões, e livres judeus, com direitos de igualdade em e plenamente participam mulheres e escravos bíblicos, édemonstradoescatológica a unidade que incorporaçãopela sedá de todos povoao pagãos,qual de Deus,do lugarescritos damulhernos Mediante paulinos. destasminuciosa uma análise dicotomiasem relação aoutros textos escravose livres, e mulheres, homens citadosem Gálatas 3:28, este estudose debruça sobre aquestãodo doutrinal “escatológica” quese dá “em Cristo” e superandoexistentesas divisões entre na humanidade os parese judeus gregos, unidade a referência como Quilmes. Tomando de Diocese da Formação Teológica de Instituto no e Aires Buenos de critos dePaulo O lugar damulhernosescritos dePaulo Cadernos Teologia Pública Publicação emdestaque Acesse a versão em PDF em http://bit.ly/ihuteo82. Confira as demais edições dos Cadernos em http://www.ihu. em Cadernos dos edições demais as Confira http://bit.ly/ihuteo82. em PDF em versão a Acesse Esta e outras edições dos Cadernos Teologia Pública , de autoria de Eduardo de la Serna, professor de Teologia no Instituto Superior de Estudos Estudos de Teológicos Superior TeologiaInstituto professorde no Serna, la de Eduardo de autoria de , Cadernos Teologia Pública , em sua 82ªedição, de 20fevereiro de2014, apresenta podem ser adquiridas diretamente no Instituto Humanitas Instituto diretamenteno adquiridas ser podem SÃO LEOPOLDO, 31DEMARÇO DE2014 | EDIÇÃO 439 O lugar da mulhernoses O lugar - IHU em Revista www.ihu.unisinos.br 71

- - - IHU On-Line IHU . O número tem como objetivo objetivo como tem número O .

- - - IHU On-Line

IHU On-Line IHU . IHU On-Line A oportunidade dos cinquenta anos da eleição, do golpe e contragolpe que ga e contragolpe do golpe anos da eleição, A oportunidade dos cinquenta O atual governo brasileiro é desenvolvimentista? E o que é o desenvolvimentis o é que o E desenvolvimentista? é brasileiro governo atual O contribuir para que a academia discuta mias sobre os impasses e problemas de nos os impasses e problemas mias sobre discuta que a academia para contribuir Dulci, Hélio Jaguaribe, Otávio a discussão Cláudio Bojunga, para so país. Contribuem Hagemann. Lauro Beozzo, José Oscar O Desenvolvimentismo em debate em debate O Desenvolvimentismo 392 – Ano XII – 14-05-2012 Edição em http://bit.ly/ihuon392 Disponível dos anos 1950 e 1960 ideológico o debate que galvanizou esse o tema mo? era Não brasileiras? a esquerda e dividindo e direita a caracterizando do século passado, Qual é o sentido deste debate hoje? Contribuem para esta edição da Vianna, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Luiz Werneck como e sociólogos economistas Arruda Sampaio Jr. Amir Khair e Plínio de Cardim, Fernando Kupfer, David Edição 166 – Ano X – 28-11-2005 Edição em http://bit.ly/ihuon166 Disponível do conservadora modernização da história na época marca que JK, de posse a rantiu da edição desta de capa é o tema Brasil, A imaginação no poder. JK 50 anos depois no poder. A imaginação

Nos dias 01 a 07 de setembro de 2010 foi realizado o Plebiscito Popular pelo Popular o Plebiscito realizado foi 2010 de de setembro Nos dias 07 a 01

debate debate o Contribuem tema nocentral desta iniciativa popular. debate Jacques Al Zander Navarro. e Fernando Prioste Sauer, Martinho Lenz, Sérgio fonsin, Limite da Propriedade da Terra, promovido pelos movimentos sociais, pastorais so sociais, pastorais pelos movimentos promovido da Terra, da Propriedade Limite ciais, centrais sindicais, que com juntamente outras entidadesconstituem a Cam da edição Esta da Terra. da Propriedade panha Nacional pelo Limite Edição 339 – Ano X – 16-08-2010 339 Edição em http://bit.ly/ihuon339 Disponível A propriedade da terra deve ser limitada? deve da terra A propriedade

Releia algumas das edições já publicadas da já publicadas das edições algumas Releia Retrovisor EDIÇÃO 439 | SÃO LEOPOLDO, 31 DE MARÇO DE 2014 31 DE MARÇO LEOPOLDO, 439 | SÃO EDIÇÃO - XIV A técnica como . , o Instituto Humanitas Unisi , Retomando as discussões que têm - - como objetivo a preparação para o – Revoluções Simpósio Internacional IHU tecnocientíficas, culturas,sociedades indivíduos e nos – IHU apresenta como conferência de reabertura a palestra bit.ly/ihuon http://bit.ly/CultSocIHU , de Franz Franz , de , do professor Jorge David Barrientos-Parra, da Barrientos-Parra, , do professor Jorge David http://bit.ly/Pas Estética do Acaso: Missa Cellensis - In . Fica conosco, pois a noite já vem

http://bit.ly/1hF6nP2 em sua 45ª edição publica twitter.com/ihu . , de Marcos Freire de Andrade Neves. A pesquisa, realizada , de Marcos Freire Cadernos IHU Mais informações em Concluída a partir de um trabalho de campo realizado durante quatro O Instituto Humanitas O Instituto - IHU apresenta Unisinos em sua program 11ª

Chocolatão nos três últimos anos anteriores à transferência da Vila Chocolatão a um bairro distante do centro, objetivou, ademais, acompanhar o primeiro ano do chamado Residencial Nova Chocolatão, onde foi possível observar o processo de mudança através da perspectiva econômica e estética. anos, o um estudo antropológico sobre a dinâmica estética e econômica na Vila entre 8h45min e 11h45min entre 8h45min e 11h45min de Haydn), ambos na Sala Ignacio (audição Mais informações em Ellacuría e Companheiros, no IHU. coaIHU2014 de Johann Sebastian Bach, e Missa de Santa Cecília: Santa Cecília: Missa de Bach, e Johann Sebastian de honorem Beatissimae Caznok obras Joseph Haydn. As professoraserão comentadas pela Yara Filho - Unesp. Mesquita Júlio de Estadual Paulista (foto), da Universidade Virginis Mariae,Os eventos estão previstos para ocorrer nos dias 10 de abril, quinta-feira, Hob. XXII:5,entre 17h30min e 19 horas (a audição de Bach), e 11 de abril, sexta-feira, em Dó maior ação de Páscoa audições comentadas das obras Cantata BWV 6, Bleib Páscoaação de obras Cantata BWV comentadas das audições - Abend werden bei uns, denn es will Palestra debate a obra de Jacques Ellul: debate a obra Palestra natureza humana a técnica como segunda Estética do Acaso: um estudo antropológico sobre a Vila Chocolatão Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU. Mais informações em Mais informações em IHU. Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Cadernos IHU segunda natureza humana no pensamento de Jacques Ellul Filho – Unesp. O evento ocorrerá Júlio de Mesquista a partir das 19h30 na Sala Universidade Estadual Paulista Johann Sebastian Bach e Franz Joseph Haydn Joseph Franz e Bach Sebastian Johann Unisinos na comentadas em audições Contracapa IHU em Revista