A·Novela Como Narrativa Sobre Opressio E Mudança *

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A·Novela Como Narrativa Sobre Opressio E Mudança * li' CDU 869.0 (81) - 32:654.19 A·Novela como Narrativa sobre Opressio e Mudança * Para Aristóteles, o elemento que definia o drama não era a personagem, mas a ação. Segundo ele, poderiam haver ações sem personagens, mas não persona­ gens sem ação (BARTHES, 1977). Embora nossas idéias sobre personagem e ação dramática tenham mudado muito desde a era clássica, a análise da narrativa contemporânea ainda considera a ação como o elemento essencial. Estruturalistas franceses como Bremond e Barthes consideram a ação como o ponto central de suas análises. O mesmo ocorre com o marxista norte-americano Chatman que, em seu livro sobre estrutura narrativa, es­ tal:>elece uma distinção entre "kernels", ações que são logicamente essenciais para a h~ória, e ações satélites, sem maior importância para a mesma. De acordo com Chat~an, seria possível analisar uma história concentrando-se nas ações decisivas e nas escolhas entre alternativas de narrativas, revelando-se as intenções do narrador. Isto talvez seja válido para um romance ou para um filme. Mas será que uma novela também pode ser analisada desta mesma maneira? Quando argüido sobre a possibilidade de usar a distinção entre Kernels e satélites na análise de novelas, o autor Mário Prata começou a rir, lembrando das improvisações necessárias para se manter o ritmo de produção deste gênero de tra­ balho.l36 Diversos fatores interferem no curso da linha da história, que não têm qualquer ligação com coerência lógica ou psicológica. Como exemplo desses fato­ res, foram citados a censura ou uma doença do ator principal, o intérprete do he­ rói. Isto não significa que na novela a ação seja menos importante. Contudo, não é correto deduzir do curso da ação que o narrador exibe um pensamento (i)lógico. Na novela, a ação, ou melhor, a antecipação da ação, também é o elemento central do prazer do telespectador. Apesar dessas dificuldades, o objetivo deste estudo é"o de analisar uma razão para se dar o enfoque para a ação nas novelas. O que nos interessa não são somente imagens de diferenças de classe ou sexo, mas todas as ações realizadas pelas classes oprimidas para superarem opressão de classe e de sexo. Este ponto compreende o tÓDico da segunda e da terceira seções deste capítulo. * Tradução de: VINK, Nico. The Novel as Narrative on Oppression and Change. ln: --o The Telenovel and Emancipation; a study on TV and social change in Brazil. Amsterdam, Koninklijk Instituut voor de Tropen, 1988. cap. 7, p. 196­ 218. Traduzido por: Oxford Traduções Ltda. R. Bibliotllcon. & Comun., Porto Alegre. 4: 7-28 jan.ldez. 1989- 7 A novela como narrativa ... por N. Vinck A novela como narrativa ... por N. Vinck A primeira questão a ser colocada é como os discursos sobre sexo e classe es­ u.ma .pessoa rica vive temporariamente com uma pobre, da classe operária e se cons­ tão relacionados nas novelas, ou, para sermos mais específicos, será que as novelas clentlza de que nem a propriedade nem a riqueza são bases para a felicidade M' _ sugerem que o amor pode superar barreiras de d~sigualdade so~ial? Ao fi~al des!e . d h ,. ar CIO, um os erolS de "0 Astro", é o típico exemplo desta trama. Uma variação so- capítulo, daremos especial atenção ao desenvolvimento nos discursos e a relaçao bre o mesmo tema é aquela em que a pessoa pobre é só aparentemente pobre. Ela com a mudanca social na sociedade como um todo. ou ele ou os pais se tornaram pobres, embora tenham sido ricos anteriormente e 1 Pode o amor superar diferenças de classe social? por esta razão, tem o "direito natural" de casar com alguém da elite. Cristiano' d~ De acordo com Michele Mattelart, a personagem repressora do discurso de "Selva de Pedra" é um exemplo disto. Sua família se tornou pobre, somente porque novela é . I d . ( "aquela que invalida qualquer forma de luta contra deslgua da es SOCiaiS a seu pai renunciou à riqueza por motivos religiosos. Isaura é uma escrava, mas seu pai existéncia é admitida) através desta difusa explicação: somente o amor po­ foi um homem rico, e, como uma pianista branca, ela é admitida nos saraus da clas­ se dominante. de ultrapassar barreiras sociais. (...)O amor se torna uma explicação uni­ versal que pode resolver contradicões sociais..." (MATTELART, 1986:70) Certamente existem casos em que pessoas pobres se casam com ricas e se tor­ nam felizes. Mas este tipo de casamento jamais é conseqüência apenas do amor. O Este tipo de raciocínio é também muito comum entre cientistas sociais de amor não é apresentado como um tipo de mágica, capaz de transformar pobreza em esquerda no Brasil. Caparelli (1982), Fischer (1984) e Kehl (1979/80) concordam riqueza. O amor é meramente descrito como uma fonte de inspiração e de ajuda que, devido à ligação entre ascensão social, amor e casamento, as novelas são alie­ para ola) amante pobre, para trabalhar duramente e melhorar sua posição, dessa nantes. É verdade que o tema do amor entre casais de diferentes condições sociais é maneira, aumentando seu status social, econâmico ou cultural. Sozinho, não se muito comum em novelas. Um pobre herói está apaixonado pela rica heroína ou constitui no passaporte para a terra prometida_ Alguns exemplos de cada cate­ vice-versa. Da amostra deste estudo, somente duas novelas não exibem este tema: goria serão especificados no decorrer deste capítulo. "Roque Santeiro" e "0 Bem Amado", ambas de Dias Gomes. A ascensão econâmica é principalmente atingida por personagens masculi­ Contudo, a importância deste tema não implica que a mensagem central das nas, que trabalham muito e exibem capacidade de gerenciamento nas indústrias novelas seja que o amor pode superar desigualdade social. Uma análise mais cui­ de suas amadas ou de suas famílias. O dinheiro da famílida da mulher é de grande dadosa revela algo bem diferente; a maioria dos enredos e finais de novelas não ofe­ ajuda, mas, certamente, não é um presente. Ultimamente, as novelas também co­ recem qualquer argumento para apoiar esta tese. Embora as novelas realmente apre­ meçaram mostrar mulheres que são bem sucedidas em seus trabalhos e ganham di­ sentem uma história de 'Cinderela', da amostra estudada, nenhuma defende a idéia nheiro. A posição da personagem pobre também pode melhorar através de seu aper­ de que o rapaz pobre possa atingir a felicidade, somente pelo amor. Como foi feiçoamento cultural: as pessoas se tornam pintores, músicos, escritores famosos e evidenciado no capítulo anterior, o amor não é unidimensional, mas consiste em respeitados. Seguramente, este engrandecimento cultural não ocorre através da edu­ vários conceitos. Abaixo, segue um inventário que demonstra os finais alternativos cação formal; todos os tipos de educação informal podem servir para tais propósi• usados nas novelas: tos, tais como cursos de língua ou de boas maneiras, viagens ao exterior, educa­ -O herói pobre permanece pobre e não se torna um membro de uma classe ção autodidata ou a leitura de "bons livros". Como um ótimo exemplo disto, te­ social superior. A novela "Irmãos Coragem" oferece o exemplo mais claro desta al­ mos o diálogo de um casal da novela"Água Viva", que está exposto mais abaixo. ternativa: o herói havia encontrado o maior diamante do mundo, o que poderia tor­ No caso em quetão, com a finalidade de conseguir o amor do milionário Mi­ ná-lo rico. João renuncia a esta oportunidade e destrói o diamante, dividindo-o em guel, a pequena burguesa Lígia tenta melhorar seu nível educacional, estudando partes e oferecendo um fragmento para cada espectador de sua ação (para o pessoal por conta própria. Quando finalmente o herói declara seu amor por Lígia, num que o cercava naquele momento). Ele prefere permanecer pobre. momento inoportuno, uma vez que ela também está apaixonada pelo irmão de - Uma pessoa pobre pode ser bem sucedida ao se casar com alguém rico, Miguel, esta resolve revelar a verdade, ou seja, decide contar ét Miguel que ele mesmo usando meios desonestos. No entanto, isto não é garantia de felicidade. está apaixonado por uma mulher diferente, já que sua aparência de mulher fina A empregada doméstica Nice em "Anjo Mau" consegue se casar com o seu rico pa­ e educada é só externa. tr:~o, m '"." '31g<:n2-lo (' colocar i1 cul~.-) ",r: ~u. ri-"lL ') ca~anento ~.: tr8,sf arrnr> num ;;'f~rnc' 'l~ ~;lhQ. I\J1ce f'"j,)rre parte) de seu - "Eu tlflgi ser lJITlJ mulr.er dlfc'"me_ - Algumas vezes, as novelas dão indícios claros de que o amor e o casamento - Talvez ,você tenha tentado fingir, mas para mim você sempre foi trans- entre casais de diferentes classes sociais é muito difícil, ou até mesmo impossível. A parente. E claro que você também está interessada no meu dinheiro, mas diferença social entre as classes não pode ser ultrapassada. Os pobres ficam cegos pe­ isto é muito normal. Minhas posses, tudo o que eu tenho é resultado do la ambição e se tornam vítimas das piadas cruéis dos ricos, como acontece em que eu sou, faz parte da minha personalidade. (. ..) Você foi ingênua em "Marron Glacé". pensar que poderia me enganar; de que os seus beijos eram apenas parte - Um encontro entre a heroína pobre e o herói rico pode ser facilitado por de seu plano. Você gosta de mim Ugia. Estes livros e estas notas são a pro. um revés temporário na vida do rico. Por acidente, ou mesmo por temperamento, va disto. Você lutou para me conseguir com as poucas armas que você possuía. E eu fiquei desesperadamente apaixonado, não pela mulher que 8 R. Bibliotecon. & Comun., Porto Alegre, 4: 7-28 jan./dez.
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