Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Carolina Maria Fernandes Guerra

O posicionamento da mídia paulista em relação ao governo Temer

Mestrado em Ciências Sociais

São Paulo 2020 Carolina Maria Fernandes Guerra

O posicionamento da mídia paulista em relação ao governo Temer

Mestrado em Ciências Sociais

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, sob a orientação da Profa. Dra. Vera Michalany Chaia.

São Paulo 2020

Banca Examinadora

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Dedico este trabalho à minha querida orientadora Vera Chaia por fazê-lo possível em tempos impossíveis, pelo apoio, pelas discussões, e à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que viabilizou sua realização.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Processo 88887.189107/2018-00.

AGRADECIMENTOS

Não poderia deixar de mencionar os meus amigos queridos Daniel Fuentes, André de Arruda, Anna Paola Lorusso Martino, Heitor Ozawa, Tamino Furian, Francisco Toledo, Rita Cruz, João Batista Jr., Luiz Felippe Bochetti, Leonardo Bersi, Vilma Bokany, Mariana Zylberkan, Lara Leal e João Bertholini e tantos outros, pelas conversas, apoio e carinho. Por fim, a Fabio Giorgio, que ajudou a organizar todas as ideias.

A política não se situa no polo oposto ao de nossa vida. Desejemos ou não, ela permeia nossa existência, insinuando-se nos espaços mais íntimos. (Angela Davis) RESUMO

Este estudo analisa o posicionamento da mídia – em específico dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo – durante o governo de , transcorrido entre maio de 2016 e dezembro de 2018. Para isso, pesquisa quantitativa e qualitativamente os editoriais de ambos os diários em todo o período da gestão Temer, suas relações com o Congresso e o avanço das principais pautas da época – a reforma trabalhista, a reforma da previdência, o teto dos gastos –, além dos casos de corrupção que têm envolvimento (direto e indireto) do ex-presidente e o levaram à prisão. Já objetivo macro deste estudo foi analisar como as turbulências no campo político no período Temer refletiram no posicionamento da mídia ao cobrir o avanço das pautas econômicas do governo.

Palavras-chave: Ciência Política. Imprensa. Michel Temer. Congresso.

ABSTRACT

The text analyzes the editorial stances of the newspapers O Estado de S. Paulo and Folha de S. Paulo during the Temer government, from May 2016 to December 2018. The study examines the editorial positions of the newspapers towards the president, his relations with Congress and the advancement of the main elements of his agenda: the labor reform, the pension reform and the spending ceiling. It also analyzes the newspapers’ stances regarding the corruption cases that implicated Temer. The macro objective of this study, on the other hand, was to analyze how the turbulences in the political field in the Temer period reflected in the positioning of the media when covering the advance of the government's economic agendas.

Keywords: Political Science. Press. Michel Temer. Brazilian Congress.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mensagem de Temer no Twitter...... 22

Figura 2 – Logos e slogans dos governos Dilma e Temer (montagem)...... 28

Figura 3 – Reprodução do diálogo entre Romero Jucá e Sérgio Machado (fragmento 1)...... 29

Figura 4 – Reprodução do diálogo entre Romero Jucá e Sérgio Machado (fragmento 2)...... 30

Figura 5 – Reprodução de capa e trecho do editorial da Folha de S.Paulo (montagem)...... 31

Figura 6 – Dados quantitativos dos editoriais da Folha de S.Paulo que mencionam ou não o governo Temer, Câmara e Senado, de maio de 2016 a dezembro de 2018...... 77

Figura 7 – Dados quantitativos dos editoriais de O Estado de S. Paulo que mencionam ou não o governo Temer, Câmara e Senado, de maio de 2016 a dezembro de 2018...... 78

Figura 8 – Dados qualitativos dos editoriais da Folha de S. Paulo que avaliam ou não o governo Temer, Câmara e Senado, de maio de 2016 a dezembro de 2018...... 79

Figura 9 – Dados qualitativos dos editoriais de O Estado de S. Paulo que avaliam ou não o governo Temer, Câmara e Senado, de maio de 2016 a dezembro de 2018...... 80

Figura 10 – Dados qualitativos dos editoriais da Folha de S.Paulo que mencionam as reformas trabalhista e da previdência, o teto dos gastos e casos de corrupção do governo Temer, de maio de 2016 a dezembro de 2018...... 81

Figura 11 – Dados qualitativos dos editoriais de O Estado de S. Paulo que mencionam as reformas trabalhista e da previdência, o teto dos gastos e casos de corrupção do governo Temer, de maio de 2016 a dezembro de 2018...... 82

Figura 12 – Editorial da Folha de S.Paulo, 15 maio 2016...... 83

Figura 13 – Editorial da Folha de S.Paulo, 24 maio 2016...... 85

Figura 14 – Editorial da Folha de S.Paulo, 19 jun. 2016...... 86

Figura 15 – Editorial da Folha de S.Paulo, 18 jul. 2016...... 88

Figura 16 – Editorial da Folha de S.Paulo, 20 out. 2016...... 89

Figura 17 – Editorial da Folha de S.Paulo, 14 dez. 2016...... 90

Figura 18 – Editorial da Folha de S.Paulo, 13 jan. 2017...... 92 Figura 19 – Editorial da Folha de S.Paulo, 14 fev. 2017...... 94

Figura 20 – Editorial da Folha de S.Paulo, 25 jun. 2017...... 96

Figura 21 – Editorial da Folha de S.Paulo, 31 dez. 2017...... 98

Figura 22 – Editorial da Folha de S.Paulo, 31 dez. 2018...... 99

Figura 23 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 6 jun. 2016...... 100

Figura 24 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 15 jul. 2016...... 101

Figura 25 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 5 nov. 2016...... 102

Figura 26 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 10 jun. 2017 ...... 103

Figura 27 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 5 ago. 2017...... 104

Figura 28 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 31 out. 2017...... 105

Figura 29 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 18 dez 2018...... 106

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Consolidação das Leis do Trabalho...... (CLT)

Controladoria Geral da União...... (CGU)

Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar...... (Diap)

Fernando Henrique Cardoso...... FHC)

Índice de Preços ao Consumidor...... (IPCA)

Medida Provisória...... (MP)

Ministério do Desenvolvimento Social...... (MDS)

Movimento Democrático Brasileiro...... (MDB)

Partido da Mobilização Nacional...... (PMN)

Partido da Social Democracia Brasileira...... (PSDB)

Partido do Movimento Democrático Brasileiro...... (PMDB)

Partido dos Trabalhadores...... (PT)

Partido Progressista – Progressistas (desde 2017) ...... (PP)

Partido Socialista Brasileiro...... (PSB)

Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios...... (Pnad)

Polícia Federal...... (PF)

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo...... (PUC-SP)

Programa Bolsa Família...... (PBF)

Superior Tribunal de Justiça...... (STJ)

Tribunal Superior Eleitoral...... (TSE)

Universidade de São Paulo...... (USP)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 13 1 MICHEL TEMER: DE GRANDES ARTICULAÇÕES NO CONGRESSO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA ...... 17 1.1 O rompimento com o PT e o processo de impeachment de Dilma ...... 21 1.2 PMDB e sua Ponte para o futuro ...... 24 1.3 A presidência de Temer após o impeachment ...... 27 1.4 Escândalo da JBS ...... 33 1.5 O Programa Bolsa Família no governo Temer e outras políticas sociais ...... 35 1.6 Segurança pública e intervenção militar ...... 40 1.7 O período pós-presidência, prisão e processos ...... 43 2 GOVERNO TEMER, CONGRESSO E REFORMAS ...... 46 2.1 Dilma, impeachment e o Congresso em 2014 e 2015 ...... 46 2.2 Temer, Congresso e coalizão ...... 50 2.3 As relações entre Executivo e Legislativo ...... 57 2.4 Presidencialismo de coalizão e medidas provisórias ...... 60 2.5 Reformas e agenda neoliberal ...... 67 3 O POSICIONAMENTO DA FOLHA DE S.PAULO E DE O ESTADO DE S. PAULO DURANTE O GOVERNO TEMER ...... 70 3.1 Perfis dos jornais ...... 74 3.1.1 Folha de S.Paulo ...... 74 3.1.2 O Estado de S. Paulo ...... 75 3.2 Análise dos editoriais ...... 76 3.2.1 O posicionamento da Folha de S.Paulo durante o governo Temer ...... 81 3.2.2 O posicionamento de O Estado de S. Paulo durante o governo Temer .... 98 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 107 REFERÊNCIAS ...... 110

INTRODUÇÃO

Michel Temer foi um presidente que, mesmo sendo altamente impopular e tendo batido recordes históricos de rejeição, conseguiu terminar seu mandato. Seu governo foi marcado por mudanças profundas que abriram espaço para a chegada ao poder do controverso Jair Bolsonaro. Vendido como anti-estabilishment, Bolsonaro exerce um tipo de administração que parece se aproveitar da intensificação das fragilidades institucionais percebidas durante o processo de impeachment da presidente e, depois, na gestão Temer. Portanto, estudar o período em que Temer presidiu o país é também um exercício de busca de respostas para o Brasil de Bolsonaro. Partindo dessa conjuntura, o questionamento que guiou o presente trabalho relaciona-se diretamente com o posicionamento assumido pelos jornais mais tradicionais de São Paulo – O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo – em relação à gestão Temer, suas propostas econômicas, e como foram abordados nesses periódicos os casos de corrupção que eclodiram ao longo do período. Ora, os editoriais apresentam a linha opinativa dos jornais em relação a determinados assuntos, mas aqui, fundamentalmente, considera-se o campo político. Afinal, notou-se que a pauta das reformas, em especial a da previdência e a trabalhista, esteve entre os principais temas abordados nos textos de opinião de ambas as empresas jornalísticas. Isto posto, indaga-se: Qual o interesse dos jornais estudados na insistente propagação da necessidade das reformas? Em qual contexto se encontrava o país naquele período? Como Temer se relacionou com o Congresso? Como essa mídia se comportou ao repercutir esses agentes e a pauta das reformas? E, ao longo do mandato de Temer, como os referidos veículos de imprensa lidaram com escândalos envolvendo o presidente? Ao compilar um panorama dos principais acontecimentos do período, esta dissertação procura fornecer elementos que auxiliem a compreensão do que significou para o país o governo Temer. Os capítulos deste trabalho se apresentam da seguinte forma: 1- Abordagem da trajetória de Michel Temer. De sua chegada ao poder – incluindo os fatores que o favoreceram durante o processo de impeachment da

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presidente Dilma e os principais vetores de seu governo – até sua prisão e os consequentes processos judiciais. 2- Repercussão dos aspectos essenciais nas relações entre Executivo e Legislativo, o presidencialismo de coalizão e a agenda de governo de Temer. 3- Análise dos editoriais de dois jornais paulistas – Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo – quanto às principais medidas adotadas pelo governo Temer. Enfoca questões de conjuntura e a estrutura da mídia no Brasil. Em relação ao terceiro capítulo, a metodologia aplicada consistiu em analisar o editorial de abertura de ambos os jornais – seção na qual os veículos costumeiramente expõem suas opiniões e reflexões. O período investigado é a totalidade do governo Temer, ou seja, de 12 de maio de 2016 (ainda de forma interina) até 31 de dezembro de 2018, data do fim de seu mandato. Os temas prioritários escolhidos foram o teto de gastos instituído pelo então governo, as reformas da previdência e trabalhista, e os escândalos de corrupção envolvendo o próprio presidente e outros personagens relevantes para os fatos estudados. Para a análise dos editoriais, foram respondidas as seguintes perguntas: ● O editorial citou o governo Temer? As respostas possíveis na análise dos editoriais foram “Sim”, quando o texto em questão abordou diretamente Michel Temer ou a Presidência da República; “Não”, para os casos em que o editorial abordou outros temas; e “Indiretamente”, nos textos em que órgãos ligados ao governo federal (como ministérios e secretarias) ou a União Federal foram citados. ● Citando Temer, o enfoque foi positivo, negativo ou neutro? O critério para a resposta desta pergunta priorizou a visão do veículo em relação ao presidente, se o criticou, elogiou ou manteve-se neutro. Nos casos em que a corrupção do governo foi abordada – os editoriais que defenderam de alguma forma o presidente foram considerados positivos, apesar de o tema per si ter repercussão negativa. Os casos considerados neutros foram tanto os que apresentaram pontos negativos e positivos de uma mesma questão envolvendo o governo como os que apenas citaram o governo sem de fato externar qualquer julgamento de valor. ● Citou Câmara dos Deputados? Neste caso, as respostas possíveis foram “Sim”, para textos que abordaram diretamente a Câmara dos Deputados, ou

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algum deputado federal, ou o presidente da Casa; e “Não”, para textos em que a Câmara e seus representantes sequer foram mencionados. ● Citando a Câmara, o enfoque foi positivo, negativo ou neutro? Como critério para esta pergunta, o principal quesito foi avaliar se o editorial em questão criticou a Câmara ou algum de seus membros, elogiou ou manteve-se neutro. Os casos considerados neutros foram tanto os que apresentaram pontos negativos e positivos de uma mesma questão envolvendo a Câmara como os que apenas citaram determinada ação da Casa sem resultar em um julgamento de valor. ● Citou o Senado? As respostas possíveis para esta pergunta foram “Sim”, para textos que abordaram a Casa, algum senador ou o presidente do Senado; e “Não”, para textos em que foram abordados outros temas. ● Citando o Senado, o enfoque foi positivo, negativo ou neutro? O critério para a resposta desta pergunta foi o de avaliar se o editorial em questão criticou o Senado ou algum de seus membros, elogiou ou manteve-se neutro. Os casos considerados neutros foram tanto os que apresentaram pontos negativos e positivos de uma mesma questão como os que apenas citaram determinada ação da Casa sem resultar em um julgamento de valor. ● Citou a Reforma Trabalhista? Aqui também foram usadas como respostas possíveis apenas “Sim” e “Não”. O critério para a resposta desta pergunta levou em conta se o editorial analisado citou ou não a reforma trabalhista. Nos casos em que o editorial citou a questão das reformas, mas sem especificar quais, considerou-se pelo contexto que se referia às reformas trabalhista e da previdência, portanto, a resposta também foi “Sim”. ● Citou Reforma da Previdência? “Sim” ou “Não” também foram usados como possibilidades de resposta. Nos casos em que o editorial citou a questão das reformas, mas não especificou quais, considerou-se pelo contexto que se referia às reformas trabalhista e da previdência, portanto, a resposta também foi “Sim”. ● Citou teto dos gastos? As respostas possíveis para esta pergunta foram “Sim” ou “Não”, levando em conta se o texto analisado citou a questão do teto dos gastos ou não.

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● Citou investigações de casos de corrupção que envolveram Temer? Mais uma vez, as respostas possíveis foram “Sim” ou “Não”. O critério para definir a resposta desta pergunta levou em conta se o texto analisado citou casos de corrupção envolvendo a figura do presidente Temer, como foi a investigação da empresa JBS, uma das maiores do mundo no setor de alimentos. Nos casos de editoriais que citaram o julgamento da chapa Dilma- -Temer por supostas ilegalidades na campanha eleitoral de 2014, julgado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em junho de 2017, considerou-se que a figura do presidente estava em questão, e assim, a resposta também foi afirmativa. A análise dos editoriais adotou como base teórica os estudos de Vera Chaia, Sérgio Abranches, Fernando Antônio de Farias Azevedo, Rosemary Segurado, Fernando Limongi, Norberto Bobbio, Jorge Miranda, André Singer, Naomi Klein, entre outros. A partir dos dados coletados na pesquisa, obtiveram-se os resultados sobre o posicionamento dos dois jornais supracitados durante o governo Temer. Houve momentos concordantes entre os veículos, como na necessidade da reforma da previdência; e outros discordantes, como a postura adotada no processo de impeachment que levou Temer à presidência. Do ponto de vista pessoal, escolher o governo Temer e seus processos como objetos de pesquisa manifesta o interesse em entender a guinada da política brasileira em direção a decisões que atendem primeiramente aos interesses do mercado e das grandes empresas. Como jornalista atuante há cerca de dez anos na área econômica, dedicada ao acompanhamento de diversos setores da indústria brasileira, entender os laços que entremeiam os setores privado e público são de maior interesse. O repórter de economia assiste e está cotidianamente exposto a relações de poder entre as esferas pública e privada que, não raro, extrapolam os limites da ética. Daí o motivo da escolha de esmiuçar o posicionamento da mídia quanto às relações entre agentes do poder público e setores privados – e o quanto a pauta íntima ao mercado torna-se central nas discussões políticas do nosso país.

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1 MICHEL TEMER: DE GRANDES ARTICULAÇÕES NO CONGRESSO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Conhecido pela fama de hábil negociador durante sua longa trajetória no Congresso Nacional (1987-1991; 1994-2011), Michel Temer é considerado por muitos jornalistas e acadêmicos um dos grandes articuladores do golpe1 orquestrado contra a presidente Dilma Rousseff. Após cumprir um período de mais de cinco anos como seu vice-presidente, “herdou” um mandato de pouco mais de dois anos e meio (entre a interinidade e a efetivação no cargo – de maio de 2016 a dezembro de 2018). E, logo a seguir, praticamente sem intervalo, buscou viabilizar os interesses dos diversos grupos que o levaram e o ajudaram a se sustentar no poder, realizando reformas de orientação altamente neoliberal já nos primeiros meses de gestão, que provavelmente teriam ido mais adiante caso não tivesse se envolvido – direta e indiretamente – em atos de corrupção, em especial no caso JBS2. Temer protagonizou um governo com baixíssima aprovação em todo o seu percurso3. Porém, em nenhum momento, deixou de ser sustentado por setores de mídia e de mercado que viam nele a possibilidade de implementação de medidas de austeridade altamente impopulares4 – e que não constavam do programa original da chapa vencedora do pleito presidencial de 20145. A tônica desse período de forte turbulência política, aliado a um cenário de crescente conservadorismo na população brasileira – sustentado em boa parte por notícias falsas disseminadas pelas redes sociais –, inegavelmente favoreceu a ida do deputado do baixo clero Jair Bolsonaro à presidência – com um discurso antidemocrático e agressivo, calcado na imagem de conservador nos costumes e liberal na economia.

1 Um dos artigos que sustenta a tese disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2020. Além disso, Rosemary Segurado e Luiz Antonio Dias(2018, p. 9), organizadores do livro O Golpe de 2016: razões atores e consequências, apontam que “[...] apesar do verniz de legalidade – conferido pelos meios de comunicação que se apresentaram como “porta-voz” da opinião pública – o episódio de afastamento da presidenta Dilma Rousseff teve características de um Golpe de Estado, envolvendo diversos atores da sociedade civil”. 2 Linha do tempo das denúncias contra que levaram Temer à prisão disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2020. 3 Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2020. 4 Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2020. 5 Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2020. 17

Assim, investigar essa figura emblemática, bem como suas relações políticas e o comportamento da mídia durante seu governo, torna-se uma das chaves fundamentais para entender a crise recente no Brasil – potencializada a partir da ascensão de Bolsonaro ao cargo de chefe de Estado. A forte polarização que caracterizou o cenário da eleição presidencial de 2018, entre outros motivos, impulsionado por uma direita que, além de se tornar mais articulada, radicalizou discursos e estratégias, encontrou na era Temer um período propício para angariar forças e demarcar território. Nesse sentido, é amplamente perceptível que seu governo empreendeu ajustes e direcionou o país muito mais à direita, especialmente em contraposição aos governos petistas. Como visto, Michel Temer, uma espécie de elo perdido entre o petismo e o bolsonarismo, não por acaso, construiu carreira de forma discreta – ora mais à direita, ao atuar como presidente da Câmara por algumas vezes durante os governos FHC; ora supostamente mais à esquerda, ao formar chapa com Luiza Erundina na eleição municipal de 2004 em São Paulo. Sua entrada na política coincide com a decadência do regime militar. Durante os anos da ditadura, porém, manteve postura neutra, sem apoiar nem resistir aos anos de chumbo. Sua trajetória acadêmica começa quando conclui o bacharelado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em 1963, e prossegue com o título de doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 1974, de acordo com o site da presidência6. Inclusive, consta que chegou a dirigir o curso de pós-graduação da faculdade de direito da última instituição, mas antes atuara como professor de direito constitucional7. A filiação ao então Partido Democrático Brasileiro (PMDB) – atual Movimento Democrático Brasileiro (MDB) acontece em 1981, após se aproximar de Franco Montoro, à época também professor da PUC-SP e já experiente na política, com dois mandatos de deputado federal no currículo. No ano seguinte, Montoro se elege governador e, em 1983, indica Temer à Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. Em 1984, é a vez de assumir a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São

6 Biografia disponível em: ; . Acessos em: 18 nov. 2018. 7 Informações de matéria disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2018. 18

Paulo. Durante seu mandato, além de criar a primeira delegacia da mulher do Brasil8, institui a primeira delegacia de proteção aos direitos autorais. Deixa o cargo em 1986 para concorrer a deputado federal pelo PMDB. Eleito como suplente, consegue a cadeira após o titular, seu colega de partido Tidei de Lima, partir para a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo9. Nesse ínterim, como integrante da Assembleia Constituinte, Temer atua na elaboração da Carta Magna de 1988 – documento fundamental do processo de redemocratização do Brasil. Nesses trabalhos, assume posicionamento contrário à pena de morte; à limitação do direito de propriedade privada; à estabilidade do emprego; à remuneração 50% superior para trabalho extra; à estatização do sistema financeiro; e à desapropriação da propriedade produtiva. Por outro lado, manifesta- -se favorável ao rompimento das relações diplomáticas com países com política de discriminação racial; ao mandado de segurança coletivo; à legalização do aborto; à unicidade sindical; à soberania popular; ao presidencialismo; ao mandato de cinco anos para o presidente José Sarney; e à anistia aos micro e pequenos empresários10. Em seguida, durante nova suplência na Câmara dos Deputados, licenciou-se para assumir a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, em outubro de 1992, no governo de Luiz Antônio Fleury, seis dias após a deflagração do massacre do Carandiru, na capital paulista. Consta que foi sua a ideia de obrigar os policiais militares envolvidos a fazer tratamento psiquiátrico e psicológico, e de realizar exames para verificar vestígios de pólvora na mão das vítimas. De volta à Câmara dos Deputados, ocupou a presidência da Casa, em 1997, 1999 e 2009. Ao longo desse período, ganhara a confiança do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), e assim acabou indicado a relator da reforma da previdência, em 1996 – aprovada em primeiro turno em março daquele ano. Em outros temas, Temer votou a favor da emenda da reeleição, e chegou até a organizar uma viagem de parlamentares ao exterior enquanto a oposição tentava instalar uma CPI para apurar denúncia de compra de votos. Em 1999, barrou um pedido de impeachment da oposição contra FHC. Ainda nessa época, Temer se indispôs com o

8 Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2020. 9 Informações de matéria disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2019. 10 Informações extraídas de verbete disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2020. 19

então presidente do senado Antônio Carlos Magalhães, que, de forma mordaz, o apelidou de mordomo de filme de terror11, alcunha que, entre outras similares, o caracterizaria anos mais tarde, período em que desfrutou de sua menor credibilidade como figura pública e teve a vida política devassada. Ao fim do governo FHC, nas eleições de 2002, Michel Temer tenta se lançar candidato a governador, mas não consegue apoio do partido em São Paulo, perdendo para o grupo de Quércia. Sondado a mudar de partido após esse episódio, decide permanecer na sigla e mais uma vez se candidata à reeleição para deputado federal. Na mesma eleição, apoia José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) à presidência, enquanto outros membros do partido apoiam Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), que acaba vencedor. Em 2004, concorre como vice-prefeito nas eleições, na chapa encabeçada por Luiza Erundina, então no Partido Socialista Brasileiro (PSB), que incluía o PMDB e o Partido da Mobilização Nacional (PMN)12. Em 2006, no pleito presidencial, Temer trabalha para que o PMDB tenha candidato próprio, porém, sem sucesso, apoia Geraldo Alckmin (PSDB), que acaba derrotado por Lula, reeleito no segundo turno. Com Lula no poder, o ainda presidente do PMDB Michel Temer negocia a adesão do partido ao governo. Após a conciliação, a sigla ganha ministérios e cargos. Em 2009, é escolhido novamente presidente da Câmara. O político conseguira se livrar de alegações de envolvimento em escândalos como a farra das passagens e a Operação Castelo de Areia, que investigou a construtora Camargo Corrêa. Ainda em 2009, o PT cogitava como vice-presidente da chapa que elegeria Dilma Rousseff naquele mesmo ano, mas Temer se impôs como candidato para concorrer ao lado da futura presidente. O nome foi aceito, pois era preciso o tempo de TV da então maior sigla partidária do Brasil para a campanha sair- se vitoriosa. Assim, em 2010, ele se torna vice-presidente do país pela chapa vencedora de Dilma Rousseff e, no ano seguinte, é escolhido presidente nacional do PMDB. Em 2014, com Dilma reeleita pelo PT, novamente se elege vice-presidente. Na cerimônia de posse, em 1º de janeiro de 2011, a imprensa repara na jovem esposa de Temer, Marcela, então com 27 anos, e dá enfoque desmedido ao tema.

11 Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2018. 12 Informações de matéria disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2019. 20

Porém, importa aqui frisar que, ao longo dos primeiros anos do primeiro mandato de Dilma, a atuação do vice-presidente é percebida como discreta. Característica que se transforma durante os protestos de 2013, ao se opor frontalmente à ideia de formar- -se uma Constituinte exclusiva para a reforma política13, ideia defendida pela presidente para aplacar os ânimos àquela altura. Temer também apoiou a condução do desafeto do PT, Eduardo Cunha (PMDB), à presidência da Câmara – fato que, indiscutivelmente, selou o destino daquele governo –, mas isso só ocorreria em 1º de fevereiro de 2015. Um fato biográfico talvez periférico demonstra outras ambições do personagem estudado: no mesmo 2013, portanto antes de chegar à presidência, Temer lança seu livro de poemas, Anônima intimidade, que se juntou a quatro anteriores, entre eles Elementos de direito constitucional (1982) e Democracia e cidadania (2006).

1.1 O rompimento com o PT e o processo de impeachment de Dilma

A estratégica parceria com Dilma, mantida para a eleição de 2014, em que a vitória se deu em disputa acirrada contra Aécio Neves (PSDB) – a diferença entre os candidatos foi pouco superior a três milhões de votos –, parecia estar funcionando sem ressalvas. Inclusive, como a popularidade da presidente começava a cair, em abril de 2015, Dilma incumbe a Temer a função de articulação política do governo. Temer, que posteriormente afirmou ter sido “sabotado” por Dilma e que seus acertos eram desautorizados pela presidência – uma possível justificativa para a articulação contrária aos interesses do governo durante o segundo mandato –, mantinha postura no mínimo dúbia. Em março, uma de suas declarações parecia supor fidelidade, firmando posição contrária à possibilidade de impeachment:

13 Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2020. 21

Figura 1 – Mensagem de Temer no Twitter

Fonte: Twitter. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2018.

Poucos meses depois, em agosto de 2015, ele se afastava da articulação política. As atribuições passavam à responsabilidade do então ministro da Secretaria de Aviação Civil (PMDB). Dilma tentava outra concessão à base aliada para manter os compromissos firmados, ao aumentar o número de ministérios comandados pelo PMDB de seis para sete, incluindo o Ministério da Saúde. Ao mesmo tempo, oito das então 39 pastas existentes14 foram extintas. Durante entrevista realizada no mesmo agosto de 2015, a suspeita de que algo não ia bem surgiu, quando o vice-presidente declarara que o país precisava de alguém que fosse “[…] capaz de reunificar a todos na crise”15. No mês seguinte, em conversa com empresários, o tom de contrariedade aumentava, afinal, ele entendia que “[…] ninguém resistiria mais três anos” conduzindo o país da mesma forma. Em setembro ainda, a percepção de ruptura política se intensifica com a veiculação de propaganda partidária do PMDB na TV com críticas ao governo, conclamando a unificação e sugerindo que o estrelismo deveria ser deixado de lado. As relações seguiram em tensão crescente até que, em dezembro de 2015, o presidente da Câmara Eduardo Cunha – que havia sido conduzido à liderança da Casa por articulações lideradas por Temer – acatou o pedido de abertura de processo de impeachment contra Dilma. Com isso, Eliseu Padilha é o primeiro a deixar o governo16. Em 7 de dezembro, Temer envia carta à presidente relatando sua insatisfação com a falta de função imposta por ela ao cargo que ocupava – o

14 Informações de matéria disponível em: . Acesso em: 15 maio 2019. 15 Trecho extraído de matéria disponível em: . Acesso em: 15 maio 2019. 16 Informações de matéria disponível em: . Acesso em: 15 maio 2019. 22

argumento era de que tinha passado o primeiro mandato um tanto “limitado” – e também a relação de desconfiança que o governo estabeleceu em relação a ele e ao PMDB, o maior partido da base. Temer escreveu o seguinte:

Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas17.

O rompimento oficial do PMDB com o governo Dilma, porém, ocorreria somente em março de 2016, anunciado pelo senador Romero Jucá, então vice-presidente do partido. Após a decisão do grupo diretivo, todos os ministros da sigla deveriam deixar os cargos18. Em 11 de abril daquele ano, Temer divulgava a integrantes do PMDB um áudio em que discursa como se já fosse presidente, manifestando que, “[…] sem sacrifícios, não conseguiremos avançar para retomar o crescimento e desenvolvimento que pautaram a atividade do nosso país”19. No dia seguinte, Dilma tentou desmascarar o plano em curso contra si, fazendo referências à mensagem divulgada por Temer20 a um grupo de WhatsApp. Em discurso no Palácio do Planalto, a ainda presidente afirmara:

Se ainda havia alguma dúvida sobre o golpe, a farsa e a traição em curso, não há mais. Se havia alguma dúvida sobre a minha denúncia de que há um golpe de Estado em andamento, não pode haver mais. Os golpistas podem ter chefe e vice chefe assumidos. Não sei direito qual é o chefe e o vice chefe. Um deles é a mão não tão invisível assim que conduz com desvio de poder e abusos inimagináveis o processo de impeachment. O outro esfrega as mãos e ensaia a farsa do vazamento de um pretenso discurso de posse. Cai a máscara dos conspiradores. O Brasil e a democracia não merecem tamanha farsa.

Em 2 de dezembro de 2015, Cunha havia autorizado a abertura do processo de impeachment. Em resposta, Dilma reafirmara sua confiança no vice-presidente, como se a relação entre ambos estivesse vigorando plenamente. Porém, com a carta

17 Trecho extraído de matéria disponível em: . Acesso em: 15 maio 2019. 18 Informações de matéria disponível em: . Acesso em: 15 maio 2019. 19 Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2019. 20 Informações de matéria disponível em: . Acesso em: 15 maio 2019. 23

remetida à presidente, ainda em dezembro de 2015, e o áudio distribuído para um grupo de correligionários do PMDB em que se declarava já como presidente, em abril de 2016, as máscaras finalmente caíram. No discurso acima transcrito, a presidente omitiu os nomes, mas não deixou de transparecer o processo em curso21. Enquanto isso, Temer rompia com o PT e restabelecia antigos elos com o PSDB. Em maio, tornar-se-ia presidente interino e, em agosto, assumiria em definitivo o cargo com um discurso de “unir o país”22.

1.2 PMDB e sua Ponte para o futuro

Em 29 de outubro de 2015, ainda antes de romper publicamente com o governo Dilma e com o PT, o PMDB lançou o programa Ponte para o futuro23, no qual apresentava supostas saídas para a crise do Brasil, diagnosticando problemas dos cenários econômico e sociopolítico, e propunha diretrizes para sua resolução. O conteúdo programático pretendia “[…] preservar a economia brasileira e tornar viável o seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas sociais que combatam efetivamente a pobreza e criem oportunidades para todos”. No entanto, o que saltava aos olhos e já constava do documento era um evidente prenúncio de golpe:

Nesta hora da verdade, em que o que está em jogo é nada menos que o futuro da nação, impõe-se a formação de uma maioria política, mesmo que transitória ou circunstancial, capaz, de num prazo curto, produzir todas estas decisões na sociedade e no Congresso Nacional. Não temos outro caminho a não ser procurar o entendimento e a cooperação. A nação já mostrou que é capaz de enfrentar e vencer grandes desafios. Vamos submetê-la a um novo e decisivo teste.

E o partido de Temer continuava sua declaração de intenções:

Para ser funcional ele deve distribuir os incentivos corretos para a iniciativa privada e administrar de modo racional e equilibrado os conflitos distributivos que proliferam no interior de qualquer sociedade. […]

21 Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2019. 22 Informações de matéria disponível em: . Acesso em: 15 maio 2019. 23 Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2019. 24

Ainda que mudássemos completamente o modo de governar o dia a dia, com comedimento e responsabilidade, mesmo assim o problema fiscal persistiria. Para enfrentá-lo teremos que mudar leis e até mesmo normas constitucionais, sem o que a crise fiscal voltará sempre, e cada vez mais intratável, até chegarmos finalmente a uma espécie de colapso.

O primeiro ponto abordado manifesta a intenção de não aumentar tributos, pois “[…] qualquer ajuste de longo prazo deveria, em princípio, evitar aumento de impostos, salvo em situação de extrema emergência e com amplo consentimento social”. E, mesmo ainda compondo a base do governo, o PMDB tecia graves críticas ao comando político, quando menciona que, no Relatório Global de Competitividade 2015-2016, do Fórum Econômico Mundial,

[…] o Brasil ficou em 75º lugar, entre 140 países, perdendo 18 posições em relação ao relatório anterior, de 2014, sendo ultrapassado pelos emergentes – Rússia, África do Sul, Índia e México, o que mostra que algo muito errado está acontecendo com o nosso país nestes últimos anos.

Ainda no mesmo documento, é mencionada a necessidade de decomposição dos fatores que compõem o índice relativo aos impostos e à complexidade tributária. Na visão dos autores, tais parâmetros combinados respondem por 25% – o maior fator – dos problemas para realizar negócios no país. O segundo entrave seriam as leis trabalhistas (sic), com 14% de responsabilidade; seguido do ônus da corrupção, com 12% na hierarquia das causas impeditivas. Sobre a previdência, o documento afirma que “[…] diferentemente de quase todos os demais países do mundo, nós tornamos norma constitucional a maioria das regras de acesso e gozo dos benefícios previdenciários, tornando muito difícil a sua adaptação às mudanças demográficas”. O texto também prenunciava os futuros cortes profundos na saúde e educação com a chegada de Temer e do partido à presidência, de forma interina, a partir de maio de 2016. De acordo com o Ponte para o futuro, se fazia necessário

[…] acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação, em razão do receio de que o Executivo pudesse contingenciar, ou mesmo cortar esses gastos em caso de necessidade. […] porque no Brasil o orçamento não é impositivo e o Poder Executivo pode ou não executar a despesa orçada.

No âmbito social, o programa propõe orçamento com base zero, o que significa avaliar a cada ano todos os programas estatais por meio de um comitê independente,

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com autonomia para sugerir a continuação ou o fim de cada medida, de acordo com os seus custos e benefícios. A justificativa: “Hoje os programas e projetos tendem a se eternizar, mesmo quando há uma mudança completa das condições. De qualquer modo, o Congresso será sempre soberano e dará a palavra final sobre a continuação ou fim de cada programa ou projeto.” Segundo o documento, os gastos do PIB brasileiro com a previdência a níveis próximos de 12% são insustentáveis, pois o país tem outras questões como “jovens para atender, [...] problemas de assistência de saúde, de educação, de segurança.” Outro argumento compara os valores daqui com os de países que têm gastos parecidos e populações muito mais velhas do que a nossa, como Alemanha e França, e países que gastam a metade do que o Brasil gasta, como EUA, Japão e China. Ainda em relação à economia, o programa critica os juros altos do país, indicando que a inflação está muito acima da meta de 4,5% e já ameaça sair do controle, pois “[…] qualquer voluntarismo na questão dos juros é o caminho certo para o desastre”. A fórmula sugerida pelo documento alia reforma do orçamento, adaptação da previdência às mudanças demográficas e redução da dívida pública, o que resultaria em mais previsibilidade no ambiente econômico, normalização da atividade produtiva e recuperação da capacidade de investimento público. O documento também acena para mais abertura no que tange as privatizações ao citar entre seus objetivos o de

[…] executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos.

Em relação à , o plano é o retorno ao regime anterior de concessões na área de petróleo, mesmo que dando à empresa o direito de preferência. Para o comércio internacional, busca-se “[…] maior abertura e acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles”. Este documento ainda inclui a promessa de obedecer às instituições democráticas, apesar de falar em reconstituição do Estado:

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Faremos esse programa em nome da paz, da harmonia e da esperança, que ainda resta entre nós. Obedecendo as instituições do Estado democrático, seguindo estritamente as leis e resguardando a ordem, sem a qual o progresso é impossível. O país precisa de todos os brasileiros. Nossa promessa é reconstituir um estado moderno, próspero, democrático e justo.

1.3 A presidência de Temer após o impeachment

O dia 17 de abril de 2016 torna-se central para o governo Dilma: é quando os deputados aprovam o prosseguimento do processo de impeachment da presidente. Em 12 de maio, o processo chega ao Senado para deliberação e, no mesmo dia, a presidente é comunicada oficialmente de seu afastamento temporário por conta da abertura do processo. A notificação, assinada pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros, relata sua suspensão por 180 dias. No mesmo 12 de maio, Temer assume interinamente a presidência. Ele, que há muito conspirava contra sua ex-chefe, não perde tempo para anunciar os nomes que assumiriam o ministério a partir dali: Henrique Meirelles, na Fazenda; Romero Jucá, no Planejamento; , na Secretaria de governo, entre outros24. A equipe era constituída apenas por homens, o que não ocorria desde o governo Geisel. Sua chegada à presidência ocorre com a economia brasileira em crise e o índice de desemprego na casa de 12 milhões. Apesar da conjuntura negativa, tem amplo apoio do mercado – a lua de mel se inicia com medidas de desregulamentação trabalhista e definição de limite do teto de gastos públicos. Temer afirma publicamente que seu governo seria reformista. O foco de atuação: tirar o Brasil da crise e retomar o crescimento econômico. Político experiente, tentava construir sua coalizão espelhado no perfil do Congresso, e assim calculou que seria mais fácil passar reformas impopulares – medidas de ajuste como a reforma trabalhista, a extinção do fundo soberano e a reforma do ensino médio. A substituição do slogan do governo Dilma pelo de Temer também sugere essa mudança de rumos. De “Brasil, pátria educadora”, numa nítida referência a um

24 Disponível em: . Acesso em: 17 maio 2019. 27

importante trabalho de base social, o novo slogan passa apenas a constar a mesma frase da bandeira nacional, “ordem e progresso”.

Figura 2 – Logos e slogans dos gove rnos Dilma e Temer (montagem)

Fonte: GaúchaZH. Arte disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2020.

No entanto, o primeiro revés do governo recém-empossado não tardaria. Em 23 de maio de 2016, o então ministro do Planejamento e senador licenciado Romero Jucá (PMDB) se encontrava no centro de um escândalo: diálogos a que a Folha de S.Paulo25 teve acesso revelavam uma articulação para afastar a presidente Dilma Rousseff e conter a Operação Lava Jato. No áudio de pouco mais de uma hora, Jucá afirmava que o processo que levou Temer ao poder seria um acordo “[…] com o Supremo [Tribunal Federal], com tudo”, visando delimitar as ações da operação Lava Jato. O registro havia sido feito pelo ex- presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que tentava negociar uma delação premiada com o Ministério Público Federal. Parte da conversa é transcrita abaixo.

25 Transcrição do áudio disponível em: . Acesso em: 21 maio 2019. 28

Figura 3 – Reprodução do diálogo entre Romero Jucá e Sérgio Machado (fragmento 1)

Fonte: UOL. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2020.

Em outro trecho, Jucá sugere um pacto para estancar a sangria. Na ocasião, ele havia dito que eram poucos os ministros do Supremo aos quais não tinha acesso, e que um deles seria Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no tribunal. Imediatamente após a exposição pública das conversas, o ministro do Planejamento de Temer deixava o cargo, que seria ocupado por Dyogo Oliveira, ex-secretário executivo do ministro da Fazenda Nelson Barbosa, do governo Dilma. Era o primeiro escândalo do governo ainda interino, entre muitos outros que viriam à tona depois. A seguir, a transcrição de outra parte do revelador diálogo.

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Figura 4 – Reprodução do diálogo entre Romero Jucá e Sérgio Machado (fragmento 2)

Fonte: UOL. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2020.

Com um escândalo em apenas 12 dias de governo, além da forma como havia chegado ao poder, editorial da Folha de S.Paulo26, de 24 de maio de 2016, antecipa uma discussão sobre as possíveis consequências que Temer teria ao abrigar investigados em sua equipe, mesmo que, àquela época, ele ainda não fosse peça- -chave de diversos inquéritos e investigações.

26 Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2018.

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Figura 5 – Reprodução de capa e trecho do editorial da Folha de S.Paulo (montagem)

Fonte: Folha de S. Paulo. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2018.

Uma semana depois, em 30 de maio de 2016, o ministro da Transparência (antiga CGU), , pedia demissão após ser identificado em áudios de

31

Sérgio Machado criticando a Lava Jato27. No áudio, Silveira, que integrava o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), critica a atuação de Rodrigo Janot e sugere a Renan Calheiros, em reunião na casa do senador, como se defender das acusações. Cerca de 230 servidores em funções de chefia ameaçavam deixar seus cargos caso Silveira não saísse. Em seu lugar assume . Sobre sua relação com a Câmara, Temer diria em entrevista à Folha de S.Paulo, em 12 de julho, quando perguntado sobre a tese de plebiscito para convocar novas eleições: “Primeiro eu preciso renunciar. […] Depois, digo com toda tranquilidade, temos tido mais de 300, às vezes mais de 340 votos na Câmara28. Isto reflete confiança neste governo.” No entanto, três dias depois, em depoimento do delator Machado, Temer é apontado como negociador de propina para a campanha de Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo em 201229. O novo acontecimento dimensiona os riscos a que o governo interino se expunha em relação à Lava Jato. Como consequência, em 16 de julho, foi a vez do ministro do Turismo, Eduardo Alves, pedir demissão30 e, em 15 de setembro, Fábio Medina Osório, da AGU, fora demitido, ambos por questões ligadas à corrupção. Osório, inclusive, em 24 de agosto de 2016, gravou um vídeo institucional31 destacando suas ações em 100 dias de governo. O então presidente discriminou-as: redução de mais de quatro mil cargos comissionados; aprovação de regras para nomeações em estatais; aprovação de uma meta fiscal, em 2016, de R$170,5 bilhões. Nesse sentido, Temer assumiu o compromisso de encaminhar medida para limitar as despesas de gastos públicos à inflação do ano anterior – a PEC dos Gastos. As diretrizes desse pacote foram anunciadas pela primeira vez em 25 de maio de 2016, um dia após a saída de Romero Jucá, que voltava ao Senado.

27 Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2019. 28 Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2019. 29 Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2020. 30 Na queda do ministro do Turismo Henrique Alves, após delação de Sérgio Machado, a Folha de S.Paulo cita os riscos da estratégia de Temer, por “[...] fazer vista grossa em troca de maior governabilidade no Congresso”. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2019. 31 Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2019. 32

Somente em dezembro de 2016 – definitivamente empossado – o presidente conseguiria aprovação da PEC 55, que impõe teto para os gastos do governo em 20 anos. A medida, aprovada no Senado32 por 53 votos a favor e 16 contrários, estabelece que as despesas de um ano não podem crescer acima da inflação registrada no exercício anterior, e afeta especialmente os gastos com saúde e educação. Na época, pesquisa do Datafolha33 apontou que 60% dos entrevistados eram contra essa PEC. Mais à frente, em julho de 2017, o governo Temer promulgaria a reforma trabalhista, alterando mais de 100 itens da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inclusive estabelecendo que acordos entre empregados e patrões pudessem se sobrepor à lei vigente, o que aumentaria o rigor para a entrada de ações trabalhistas, somada à anterior aprovação da terceirização da atividade-fim. Já a reforma da previdência, que propõe aumentar o tempo de contribuição dos trabalhadores para receber aposentadoria integral, ainda não havia sido aprovada. Temer também anunciara, em meados de 2017, planos para que uma série de empresas estatais pudessem ser privatizadas, incluindo a Eletrobras, empresas estatais de saneamento e outras – pacote que acabou não avançando durante seu mandato.

1.4 Escândalo da JBS

Em maio de 2017, os rumos do governo foram novamente redefinidos quando Joesley Batista – dono do frigorífico JBS – fechou acordo de delação com a Procuradoria Geral da República (PGR) e gravou uma conversa com Temer no Palácio do Jaburu. O episódio abriu uma crise sem precedentes, e a permanência do presidente no poder era colocada em questão. O empresário relatou, entre outras práticas, que estava pagando propina a Eduardo Cunha a pedido de Temer. Na

32 Informações de matéria do portal do Senado disponível em: . Acesso em: 22 maio 2019. 33 Disponível em: . Acesso em: 33

transcrição do diálogo, revelado pela Folha de S.Paulo no dia 17 daquele mês, a fala do interlocutor de Joesley soava emblemática: “É. Tem que manter isso, viu?”34. No dia seguinte à revelação de mais “segredos de alcova” ligados à elite do poder político, Temer fazia um pronunciamento à nação em que se recusava a renunciar. “Não comprei o silêncio de ninguém. Não renunciarei. Repito, não renunciarei”. No dia 24 de maio, enquanto acontecia uma série de protestos no país, Temer insistia na sua inocência, mas Rodrigo Janot o denunciava sob a acusação de corrupção passiva, concluindo que o presidente tinha incentivado pagamentos para comprar o silêncio de Eduardo Cunha – o intermediador, Rodrigo Rocha Loures, fora filmado correndo com uma mala de dinheiro. No mês seguinte, Temer conseguia uma vitória importante ao ser absolvido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no processo de cassação da chapa com Dilma para as eleições de 2014. Em agosto de 2017, o plenário aprovava o arquivamento da denúncia com 263 deputados votando com Temer no caso JBS. Em setembro de 2017, Janot apresentou acusação de obstrução de justiça e participação em organização criminosa – envolvendo crimes contra a Petrobras, Caixa e Furnas. Temer seria o líder. Em outubro de 2017, o então presidente conseguia novamente barrar a denúncia no Congresso. Com isso, sua popularidade caiu a 5%; e a rejeição subiu a 73% – superando os índices de Dilma. Em janeiro de 2018, o presidente declarava à Folha de S.Paulo que “[…] as pessoas têm vergonha de dizer que apoiam o governo [e que havia] […] uma tentativa de desmoralizar o presidente da república35“. A tese de conspiração liderada por Temer contra Dilma constou do depoimento de um dos delatores da Operação Lava Jato, o doleiro Lucio Funaro36. Segundo ele, diariamente, junto ao então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o vice-presidente arquitetara a queda da presidente e a sua subsequente ascensão ao cargo. Funaro, um confesso operador de propinas do PMDB, fechara um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal, firmado em agosto de 2017 e homologado no mês seguinte pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson

34 Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2020. 35 Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2020. 36 Informações de matéria disponível em: . Acesso em: 25 maio 2019. 34

Fachin. De acordo com o doleiro, enquanto Cunha funcionava como uma espécie de “banco” de propinas do PMDB, Temer atuava no núcleo político, viabilizando os interesses de empresas que pagavam suborno. Antes mesmo de repercutir publicamente mais essa delação, os índices de reprovação de Temer já atingiam níveis históricos. Em junho de 2018, de acordo com pesquisa do Ibope37 divulgada no UOL, 79% dos entrevistados consideravam seu governo ruim ou péssimo. Tratava-se, até então, do pior índice desde o governo Sarney, em 1986. Apenas 4% entendiam a gestão como ótima; 16%, regular; e 1% dos entrevistados disseram não saber ou não responderam. A pesquisa ainda avaliou a maneira de governar de Temer: 90% a desaprovavam; 7%, aprovavam; e 3% não souberam responder. Além disso, 63% dos entrevistados afirmaram que o governo Temer era pior que o governo Dilma.

1.5 O Programa Bolsa Família no governo Temer e outras políticas sociais

A questão social na gestão Temer caracterizou-se pelo aumento da pobreza e estagnação no combate à desigualdade no Brasil. Conforme dados do IBGE38, a proporção de pessoas pobres na população do país subia de 25,7%, em 2016, para 26,5%, em 2017. O número correspondia à variação de 52,8 milhões de pessoas para 54,8 milhões. O contingente de indivíduos com renda inferior a US$1,90 por dia (R$140 por mês, na cotação à época), integrando a faixa da extrema pobreza – critério do Banco Mundial –, representava 7,4% da população em 2017, comparado a 6,6% em 2016. Ou seja: de 15,2 milhões de pessoas, em 2017, para 13,5 milhões em 2016. Contraditoriamente, Temer, em entrevista de dezembro de 2018, mencionara os programas sociais que manteve e ampliou durante sua gestão39. O presidente citava o Programa Bolsa Família (PBF), exaltando que zerou a fila de famílias que aguardavam inclusão no programa e promoveu um reajuste superior à inflação.

37 Disponível em: . Acesso em: 25 maio 2019. 38 Disponíveis em: . Acesso em: 25 maio 2019. 39 Disponível em: . Acesso em: 25 maio 2019. 35

O PBF foi criado em 20 de outubro de 2003 durante o primeiro governo do presidente Lula, com o intuito de combater a miséria, a pobreza e outras formas de privação das famílias, por meio da transferência direta de renda a elas. Todos os meses, atende famílias com um benefício em dinheiro, transferido diretamente pelo governo federal. A gestão do programa é descentralizada, ou seja, tanto a União quanto estados e municípios têm atribuições em sua execução. No nível federal, o programa consta da pasta do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), e é a Caixa Econômica Federal o agente que executa os pagamentos. Em maio de 2019 o programa contabilizava 14,3 milhões de famílias beneficiadas40 em todos os municípios do Brasil, atendendo lares em situação de pobreza e de extrema pobreza com renda mensal per capita de até R$178 e R$89, respectivamente. O PBF nasceu a partir da união de uma série de benefícios pagos isoladamente a famílias carentes durante o governo FHC. Desde sua criação, em 2003, teve seis ajustes, incluindo as mudanças promovidas por Temer, saltando o número de famílias beneficiadas de 3,6 milhões, inicialmente, para os atuais 13 milhões41. Tal política teve peso fundamental para que, em 2014, o país saísse do Mapa da Fome da ONU. Como consequência, em 2015, a subalimentação teve redução pela metade42. Porém, o melhor indicador foi atingido em 2012, quando o número caiu para abaixo de 5% da população brasileira passando fome. O PBF também refletiu na economia, ao aquecer o consumo interno. Dados do IPEA, de 2013, mostraram que cada R$1 investido no Bolsa Família se transformava em R$1,78 no PIB43. Além disso, desde a criação do programa, a taxa de mortalidade infantil, que havia caído 2,6% entre mil nascimentos, em 2002, perdeu metade de sua eficiência, atingindo 1,3% de redução, em 2015. O programa também resultou em queda significativa nos índices de trabalho infantil, que, entre 2001 e 2013, caiu 58%, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Mesmo assim, sua criação e efetividade foram alvo de críticas pesadas de diversos setores da sociedade, incluindo grupos conservadores e parte da imprensa,

40 Dados disponíveis em: . Acesso em: 2 set. 2019. 41 Dados disponíveis em: . Acesso em: 25 maio 2019. 42 Dados disponíveis em: . Acesso em: 25 maio 2019. 43 Dados disponíveis em: . Acesso em: 25 maio 2019. 36

que, entre outras razões, viam no programa fins eleitoreiros e um impacto pouco efetivo na redução, de fato, do número de pobres44, principalmente ao final do governo Dilma. A crítica também encontrou espaço entre os defensores do Estado mínimo – um cenário que o Brasil enfrenta atualmente, de tendência para corte de gastos públicos e busca por austeridade econômica. No dia 30 de abril de 2018, véspera do dia do trabalhador, o presidente Michel Temer anunciou um reajuste de 5,67% no Bolsa Família, passando de uma média de R$177,71 para R$187,79. Apesar de ainda estar aquém do que seria necessário para extinguir a miséria, o reajuste, oficializado em 1º de junho, foi maior que a inflação acumulada do período, com índice de 4%, segundo a presidência. Na data, Temer gravara um vídeo45 cuja parte do conteúdo está transcrita abaixo.

Nesse primeiro de maio, o presidente da República não podia deixar de mostrar serviço. Por isso, anuncio que acabo de autorizar o reajuste do Bolsa Família. E também renovei o programa Luz para Todos, que beneficiará mais de dois milhões de pessoas que não têm sequer um bico de luz. O projeto do salário mínimo está encaminhado, será o maior salário mínimo da nossa história. É isso! Enquanto alguns passam o dia criticando, a gente passa o dia trabalhando. E nessa data especial, o país agradece a quem faz, a quem produz e a quem realiza. Trabalhadora e trabalhador brasileiro, meus parabéns!

Esse aumento foi o único anunciado durante todo o governo Temer, e significou pouca mudança real de investimento no programa, em comparação ao governo Dilma Rousseff (2011-2016). A dimensão de seus custos representava cerca de 0,4% do PIB. Dados do MDS46 discriminavam os gastos da seguinte forma: • OUTUBRO DE 2016 Gasto de R$2.5 bilhões –13,9 milhões de famílias atendidas – média de R$181,98 por família; • OUTUBRO DE 2017 Gasto de R$2,4 bilhões –13,5 milhões de famílias atendidas – média de R$179,37 por família;

44 Editorial de O Estado de S. Paulo, 5 abr. 2018, disponível em: . Acesso em: 25 maio 2019. 45 Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2019. 46 As folhas de pagamento podem ser encontradas em: ; ; . Acessos em: 30 maio 2019. 37

• OUTUBRO DE 2018 Gasto de R$2.62 bilhões – 13.9 milhões de famílias atendidas – média de R$188,14 por família. O anúncio de Temer, portanto, colocou o programa Bolsa Família em níveis próximos aos do ano de 2016. O aumento anterior havia ocorrido em maio de 2016, último ano do governo Dilma, já com o espectro do impeachment à vista. Na ocasião, a presidente anunciou um reajuste médio de 9%47. Em relação às diferenças de valores, de acordo com o MDS, a folha de pagamentos do Bolsa Família flutua mensalmente em virtude dos processos de inclusão, exclusão e manutenção de família. As exclusões, segundo o governo, estão relacionadas aos procedimentos de averiguação e revisão cadastrais, fiscalização, desligamentos voluntários, descumprimento de condicionalidades ou superação das condições necessárias para a manutenção dos benefícios. As inclusões dependem do quantitativo de famílias habilitadas para o programa e estratégias de gestão da folha. O MDS afirmou ainda que, nos últimos anos, foi possível zerar a fila de habilitados a receber o benefício, ou seja, todas as famílias com cadastro atualizado, perfil para o programa e sem informações divergentes foram incluídas. Apesar de ter promovido esse aumento – ainda que parco – no PBF, Temer não caracterizou seu governo por mobilizar esforços para a resolução das questões sociais e para a formulação de políticas públicas que agissem nesse sentido. Muito pelo contrário. Sua gestão foi marcada pela adoção de políticas restritivas de gastos como a Proposta de Emenda Constitucional 55 – ou PEC 55 –, e reformas pró- -mercado como a trabalhista (e a tentativa de reforma da previdência). Na verdade, durante seu governo, de 2016 para 2017, o número de pessoas consideradas pobres subiu de 52,8 milhões para 54,8 milhões48. Para efeito de comparação, a taxa de desemprego ao final do terceiro trimestre de 2018 ficou em 11,8%, traduzida em 12,5 milhões de pessoas. No mesmo período em 2017, a taxa estava em 12,2% (12,7 milhões de pessoas); e, em 2016, atingiu 11,8%, sendo que no começo daquele ano tinha atingido seu menor índice, 9,5%49.

47 Dados disponíveis em: . Acesso em: 30 maio 2019. 48 Ver nota de rodapé 1. 49 Dados do Pnad disponíveis em: . Acesso em: 30 maio 2019. 38

Ou seja, mesmo com o aumento no benefício, durante o mesmo período, os reajustes do salário mínimo ficaram abaixo da inflação e a extrema pobreza atingiu 14,8 milhões de indivíduos em 2017, um tanto superior aos 13,3 milhões de 201650. Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), divulgados em setembro de 201851, apontam que no ano anterior havia menos de 5,2 milhões de brasileiros passando fome, contra menos de 5,1 milhões, em 2014, e menos de 4,9 milhões, em 2010. Outro dado significativo de perda social no período é que, após uma política neoliberal adotada pela Petrobras de livre flutuação dos preços, o gás de cozinha subiu 4,4% em julho de 2018,e, em novembro do mesmo ano, a empresa anunciou um novo reajuste de 8,5%52, fazendo com que em algumas cidades o consumidor pagasse em torno de 70 reais pelo botijão. Para quem vive do benefício do Bolsa Família, um botijão de gás representa cerca de 37% do orçamento. Em pesquisa de abril daquele ano, o IBGE53 apontou que mais de 1 milhão de pessoas tinham voltado a usar fogão à lenha, e 6,7 milhões foram morar de favor em casa cedidas por parentes. São números trágicos que escapam à estatística do simples aumento do Bolsa Família. Assim, apesar de não ter promovido cortes no programa PBF, a gestão Temer atendeu significativamente aos anseios do mercado e de setores que apoiaram o golpe de 2016 em detrimento da expansão de políticas públicas e de bem estar social. No seu governo, os direitos trabalhistas foram flexibilizados e reduzidos, a desarticulação política chegou a níveis extremos e o combate à miséria ficou estagnado. A escolha de Temer pela aplicação de políticas pró-mercado evidenciou a piora dos índices socioeconômicos, ocasionando aumento da fome e do custo de vida. A percepção dessa estratégia é ainda mais grave em considerando que a adoção dessas políticas não fazia parte do programa de governo da presidente Dilma, vencedora da eleição 2014.

50 Dados de matéria disponível em: . Acesso em: 30 maio 2019. 51 Dados de matéria disponível em: . Acesso em: 30 maio 2019. 52 Dados de matéria disponível em: . Acesso em: 30 maio 2019. 53 Dados de matéria disponível em: . Acesso em: 30 maio 2019. 39

Temer, ao priorizar o crescimento econômico em seu governo, adotou uma estratégia no mínimo perigosa, pois impôs medidas de austeridade e corte de gastos públicos que impactaram diretamente os beneficiários de programas sociais e, em um grau adiante, contribuíram para o aumento da miséria. Como comentado anteriormente, o PBF, apesar de não ter sofrido cortes em sua gestão, foi alvo de ataques de setores da sociedade que, em contexto similar, também defenderam o impeachment da presidente Dilma. A justificativa estava associada a uma possível reserva de votos do PT ao conceder o benefício, portanto, a política deveria ser atacada. Muitos setores da classe média brasileira, que também apoiaram o golpe, não viam no PBF um programa de distribuição de renda e redução da pobreza, mas sim um mecanismo de garantir lealdade das classes mais pobres. A gênese dessa “crítica”, que aumentou com a campanha midiática de apoio à Lava Jato, escancara a aversão a um modelo socioeconômico que não encontra apoio entre os mesmos setores.

1.6 Segurança pública e intervenção militar

Durante toda a gestão Temer, observou-se um deslocamento da agenda governista do campo do ajuste fiscal para a pauta de segurança pública, de maior apelo popular, deixando em suspenso a pauta da reforma da previdência. O exemplo mais bem acabado dessa mudança ocorreu em 16 de fevereiro de 2018, quando o presidente assinara o decreto nº 9288, publicado no Diário Oficial da União54 no mesmo dia, estabelecendo uma intervenção federal no estado do Rio de Janeiro. Assim, foi nomeado como interventor o general do exército Walter Souza Braga Netto, que imediatamente assumiu o comando da Polícia Militar do Rio de Janeiro, da Polícia Civil, do Corpo de Bombeiros e do sistema penitenciário. A justificativa da medida era conter a “[…] escalada da crise de segurança pública no estado, sobretudo com os avanços nos índices de violência sobretudo durante o feriado do Carnaval, levaram o governador Luiz Fernando Pezão a recorrer ao governo federal” – de acordo com o site da Secretaria de Governo55. A mesma fonte explica que “[…] o presidente Temer

54 Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2018. 55 Ibidem. 40

decretou a intervenção para ‘pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública’ e restabelecer a segurança à população”. Também ficou determinado que a medida fosse mantida até o dia 31 de dezembro de 2019, mas, na prática, acabou sendo encerrada poucos dias antes, em 27 de dezembro, com uma cerimônia dos militares56. Não há indícios de que a intervenção melhorou a segurança pública no Rio de Janeiro. Desde seu início, 32.312 homens das forças armadas participaram de 18 operações integradas com as polícias estaduais57. Entre março e maio de 2018, foram registrados 1.397 casos de homicídio, o que representa um aumento de 2,79% em relação ao mesmo período do ano anterior, com 1.359 casos. O dado é um dos principais índices de segurança pública. Durante o período foram apreendidas 2.229 armas, representando uma queda de 4,9% na mesma comparação, e o número de mortes causadas por intervenção policial subiu 17,3% com 352 casos registrados. Foi durante esse mesmo período, ou mais precisamente no dia 14 de março de 2018, que a vereadora do PSOL na capital e ativista de direitos humanos Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, foram brutalmente assassinados – um atentado no qual o carro que a transportava fora alvejado por um atirador desconhecido até o momento. Acredita-se que os assassinos estejam ligados a milícias do Rio de Janeiro, embora a autoria e o mando permaneçam desconhecidos58. Apesar da repercussão mundial do caso, e de o crime ter sido fortemente associado à intervenção militar, pois despertou a desconfiança de que as instituições não estavam seguindo parâmetros constitucionais, Temer tentou reverter a situação a seu favor, ao afirmar que a medida tomada em relação à segurança pública fluminense59 servia para evitar situações como essa. Mais uma vez, o argumento não colou. Ainda que tenha tentado medidas populares como o foco na segurança pública, e seus resultados não tenham surtido o efeito desejado, Temer flertava com a possibilidade de concorrer à presidência nas eleições de 2018, mas as pesquisas

56 Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2018. 57 Dados divulgados por O Globo e reproduzidos pelo Zero Hora disponíveis em: . Acesso em: 2 jun. 2019. 58 Informações disponíveis em: . Acesso em: 2 jun. 2019. 59 Informações disponíveis em: . Acesso em: 2 jun. 2018. 41

não ajudaram. Entre 21 de maio e 1º de junho de 2018 houve a greve dos caminhoneiros, aprofundando ainda mais a crise política. Com isso, houve desabastecimento de combustíveis e alimentos em diversas regiões do país. A situação exigiu que o governo cedesse, negociando três medidas provisórias que beneficiavam a categoria60. Os caminhoneiros aceitaram a isenção de pedágio para viagens sem carga e a que houvesse uma reserva mínima de 30% do frete contratado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para cooperativas e associações de transportadores autônomos. Temer, em uma de suas derradeiras entrevistas como presidente da república, afirmara ao Correio Braziliense61 que “[…] ninguém consegue milagre sem o Congresso”. Na mesma oportunidade, ele se vangloriava que em seu mandato o PIB havia subido de 3,6% negativos para 1% positivo. Uma de suas propostas para diminuir os gastos e ampliar os resultados econômicos era emplacar a reforma da previdência. Seu governo ensaiou outras tentativas para implantá-la, mas saiu da pauta do Legislativo para se tornar o principal tema de seu sucessor, Jair Bolsonaro. Na mesma entrevista, publicada em 14 de dezembro de 2018, ele ratificou sua base política: Por exemplo, como eu cheguei até aqui? Por causa do apoio do Congresso. E não foi só por lideranças. Eu tinha um apoio pessoal. Eu crio contatos pessoais com deputados, senadores. Convenhamos, fui vítima de dois pedidos de impeachment62. E, com maior tranquilidade, foram recusados. […] Eu exerci um governo, até vocalizei isso, próximo do semipresidencialismo, porque fui três vezes presidente na Câmara dos Deputados, e eu me recordo que o Congresso sempre foi um apêndice do Poder Executivo. [...] Eu trouxe um Congresso para participar do governo.

Ao longo da campanha presidencial de 2018, Temer passou a fazer vídeos para responder críticas dos então candidatos. Gravou vídeos dedicados a João Doria, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad. Nas eleições, porém, o resultado foi negativo para o PMDB, que acabou menor, diminuindo sua influência. Um lance decisivo para seu futuro – supostamente fora da política, como admitiu em entrevistas – ocorreu em outubro de 2018: a polícia federal informou que

60 Informações disponíveis em: . Acesso em: 30 nov. 2018. 61 Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2019. 62 Corrigindo sua fala, Temer foi alvo de 30 pedidos de impeachment, na verdade, mas nenhum deles avançou, conforme matéria disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2019. 42

havia concluído inquérito de propina no setor portuário. A procuradora-geral Raquel Dodge encampou a denúncia contra o presidente e outros cinco investigados – por corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro – e ainda pediu que tramitasse na 10ª Vara Federal em Brasília, assim o presidente perderia a prerrogativa de foro privilegiado no Supremo63. No final de sua gestão, em 5 de dezembro de 2018, Temer manifestou em entrevista à EBC64 que não havia tomado medidas populistas em seu governo, visando melhor avaliação entre os brasileiros. E achou curioso o número de visualizações do movimento #FicaTemer, criado de forma bem-humorada nas redes sociais por brasileiros contrários ao perfil extremista do presidente recém-eleito, Jair Bolsonaro.

1.7 O período pós-presidência, prisão e processos

Poucos meses após o fim do seu governo, em 21 de março de 2019, Temer foi preso preventivamente em São Paulo pela polícia federal quando saía de sua residência, após decisão do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro. A PF também fez buscas em sua casa e escritório. Na ocasião, a polícia cumpriu um total de oito mandados de prisão preventiva e dois de prisão temporária, além de 26 buscas e apreensões nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Distrito Federal. Foram também decretadas as prisões preventivas do ex-ministro de Minas e Energia, , de João Batista Lima Filho (o coronel Lima, amigo de Temer), da mulher dele, Maria Rita Fratezi, e de seu sócio, Carlos Alberto Costa. As prisões foram relativas à Operação Radioatividade, decorrente da 16ª fase da Lava Jato, iniciada em julho de 2015. A investigação tinha como foco as práticas de corrupção para a construção da usina Angra 3, da Eletronuclear – a denúncia identificou propinas de 1% nos contratos ao MDB, segundo delatores de empresas de construção.

63 Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2019. 64 Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2020. 43

Segundo cobertura de O Estado de S. Paulo65, Temer é alvo de um total de dez inquéritos criminais: • DELAÇÃO DA J&F Após ser gravado pelo empresário Joesley Batista, Temer tornou-se suspeito de ter atuado na compra de silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e do doleiro Lúcio Funaro; • ODEBRECHT Temer e outros políticos do MDB são suspeitos de receber propina da construtora Odebrecht – R$10 milhões – após acerto em jantar no Palácio do Jaburu; • REFORMA DE IMÓVEL DA FILHA É suspeito de ter praticado lavagem de dinheiro em reforma de imóvel em São Paulo que está no nome de sua filha, Maristela Temer; • PORTO DE SANTOS Temer foi citado por um delator por ter recebido propina em um contrato fictício no valor de R$375 mil para serviços no porto de Santos; • ARGEPLAN Há dois inquéritos na Justiça Federal de São Paulo apurando se Temer recebeu propina em contratos irregulares da Argeplan, empresa ligada ao coronel Lima; • ENGEVIX Ex-presidente é suspeito de receber R$1,1 milhão em propinas ligadas à execução de Angra 3, sendo que o valor teria sido solicitado pelo coronel Lima e por Moreira Franco. As prisões a que foi submetido estão relacionadas a esse caso. Após quatro dias de prisão, no dia 25 de março Temer deixou a Superintendência da PF no Rio de Janeiro e, naquela mesma noite, embarcou em voo rumo à São Paulo66. A saída ocorreu após habeas corpus concedido pelo desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF- -2). Também foram soltos Moreira Franco e outros seis suspeitos. O desembargador

65 Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2019. 66 Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2019. 44

Athié apontou em sua decisão que não havia motivos constitucionais para manter a prisão preventiva de Temer, ainda que houvesse indícios de crimes praticados. O Ministério Público Federal recorreu da decisão de soltura e, em 8 de maio, o TRF-2 determinou por dois votos a um que o ex-presidente voltasse à prisão, ainda que preventiva, e assim revogou o habeas corpus67. A decisão também valeu para o cel. Lima. Já Moreira Franco foi considerado sem fundamentos para que voltasse a ser preso. No dia seguinte, Temer se entregou à Polícia Federal em São Paulo. No dia 14 de maio, os quatro ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinaram a soltura de Temer e do cel. Lima. A decisão foi unânime e permeada por críticas à imposição de prisões preventivas, citando que estas não podem representar uma indevida antecipação de pena, de acordo com cobertura da Folha de S.Paulo68. O STJ impôs medidas mais leves a Temer como a proibição de manter contato com outros investigados, proibição de mudar de endereço e de sair do país, obrigação de entregar o passaporte e bloqueio de bens. Temer também ficou impedido de ocupar cargos públicos e de direção partidária, além de não poder manter operações em empresas investigadas. O ministro do STJ, Antonio Saldanha, relator do habeas corpus, entendeu que o fato de os crimes terem sido praticados sem violência e de Temer estar afastado de cargo público fizeram com que o caso carecesse de elementos concretos que pudessem provar que ele tentou atrapalhar as investigações. A decisão foi unânime. Na ocasião, o presidente da Sexta Turma, ministro Néfi Cordeiro, afirmou que juízes não podem prender para “[…] atender a desejos sociais de justiça instantânea”.

67 Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2019. 68 Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2019. 45

2 GOVERNO TEMER, CONGRESSO E REFORMAS

2.1 Dilma, impeachment e o Congresso em 2014 e 2015

As eleições de 2014 resultaram no aumento da polarização entre direita e esquerda no Brasil, com um Congresso ainda mais conservador na comparação com a configuração anterior, referente ao pleito de 2010, e um cenário de crise estabelecido, que afetou os campos político, econômico e social. Contou para a desestabilização daquela gestão uma série de manifestações ocorridas em 2013 – conhecidas como jornadas de junho –, que teve como gatilho no país o anúncio do aumento das tarifas de ônibus na cidade de São Paulo. Como consequência, ao final daquele mês, a popularidade da presidente Dilma caía 24 pontos com os protestos, de 54% para 30%69. Ainda assim, em outubro, Dilma se reelege, vencendo no 2º turno Aécio Neves, do PSDB, com 51,6% dos votos válidos. O início do segundo governo Dilma fora marcado por uma crise política severa, com o governo perdendo a base de apoio no Congresso, e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (inimigo declarado da então presidente), apesar de envolvido em diversos escândalos de corrupção, atuando ativamente para sua derrubada. No campo econômico, a presidente sofria severas críticas pela alta do dólar, que começou o ano a R$ 2,65 e terminou em R$ 3,9870. No campo social, o aumento do desemprego – de 8,5%, em 2015, para 11,5%, em 2016 – também contribuiu para a piora do cenário. Outra fonte de crise para o governo foi a deflagração da operação lava jato, em março de 2014, que afetou diretamente o partido de Dilma, o PT, além do forte aumento das discussões políticas pela internet, especialmente pelo Facebook e presença maciça em protestos nas ruas. Como observaram Fabricio Brugnago e Vera Chaia (2014)71:

Os conservadores de São Paulo tentaram tomar os créditos das manifestações para si, visando a que todo movimento fosse interpretado

69 Dados extraídos de matéria disponível em: . Acesso em: 70 Matéria disponível em: . Acesso em: 71 BRUGNAGO, Fabricio; CHAIA, Vera. A nova polarização política nas eleições de 2014: radicalização ideológica da direita no mundo contemporâneo do Facebook. In: Aurora: revista de arte, mídia e política, São Paulo, v. 7, n. 21, p.99-129, out. 2014-jan.2015. 46

como um manifesto pela indignação contra a corrupção e o governo [...]. Nesses últimos manifestos, a esquerda já havia se retraído em seu movimento, com o fim de não deixar sua luta se vincular a essa nova direita que se colocava nas ruas.

Em tal contexto, efetivou-se um forte aumento do conservadorismo e do discurso de ódio ao PT, além do crescimento do número de parlamentares ligados a setores conservadores. Segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), 257 dos 513 deputados eleitos em 2014 tiveram suas campanhas financiadas pelo agronegócio, outros 55 estavam ligados à polícia, e 82 deputados eram representantes de igrejas, formando uma significativa bancada evangélica. No mesmo pleito, deputados defensores de causas sociais caíram de 83 para 46. Jair Bolsonaro foi o deputado mais votado no Rio, com 464.572 votos. Ainda segundo Brugnago e Chaia (2014):

Com a derrota de Aécio Neves, a militância da direita entrou em desespero. Os valores democráticos foram jogados de lado e, imediatamente, começaram a se discutir soluções para se verem livres do PT. As soluções passaram por ondas de separatismo para a desconexão do Nordeste, imediato desejo de impeachment e até de um golpe militar.

Em 2014, a configuração da Câmara após as eleições resultou em aumento no número de partidos representados – de 28 partidos ante 22 partidos na disputa de 2010. Do total de eleitos, 238 eram novos parlamentares, enquanto 275 foram reeleitos. O PT conquistou a maior bancada, com 70 deputados, mas perdeu 18 cadeiras na comparação com o pleito anterior, de acordo com dados da Agência Brasileira de Comunicação (EBC)72. O PMDB elegeu a segunda maior bancada, porém encolheu cinco cadeiras na comparação com a gestão anterior, ficando com 66 deputados. O PSDB elegeu a terceira maior bancada, com 54 deputados. Ainda assim, a presença feminina permaneceu subrepresentada, com 51 deputadas eleitas, ante 47 em 2010.

72 Disponível em: . Acesso em: 9 abr. 2020. 47

A coligação da chapa que levou Dilma à vitória e a seu segundo mandato contou com nove partidos: PT, PMDB, PSD, PP, PR, PRB, PDT, Pros e PCdoB – somando um total de 304 deputados, segundo dados do G173. Já no Senado, cuja eleição renovou um terço da Casa, o PMDB se confirmou como a maior bancada no mesmo pleito, totalizando 19 parlamentares. O PT emplacou a segunda, com 12 senadores, seguido do PSDB, com 10 senadores. Havia um total de 15 partidos representados. Entre 1º de fevereiro de 2015 e 5 de maio de 2016 – quando teve de deixar o mandato por decisão do STF–, Eduardo Cunha presidira a Câmara, quando uma liminar assinada por Teori Zavascki considerou que o deputado estava atrapalhando as investigações da operação Lava Jato. Dias antes, em 17 de abril, Cunha havia comandado o processo de votação de impeachment. Seu sucessor foi Waldir Maranhão, do Partido Progressista (PP) – desde 2017 Progressistas –, que assumiu de forma interina até 14 de julho de 2016. No mesmo mês, para o lugar de Cunha, a Casa elegeu Rodrigo Maia (PP), que permaneceu no posto até o final do governo Temer, sendo reeleito já no governo Bolsonaro, em 2019. Nesse mesmo intervalo, o Senado teve a presidência de Renan Calheiros (PMDB), que ficou de 2013 a 2016, seguido de seu companheiro de partido Eunício Oliveira para o biênio 2017-2018. Em 2015, o Congresso já havia dado sinais de que se tornara mais conservador em sua configuração. Por exemplo: a Câmara se mostrou a favor de pautas como a aprovação da redução da maioridade penal – de 18 anos para 16 anos em casos de crimes hediondos –, com 323 votos a favor e 155 contra, sendo que o projeto ainda tramita no Senado, segundo levantamento do Diap74. No mesmo exercício, promoveu mudanças para o benefício de pensão por morte e auxílio doença, impondo regras como período de carência, tempo mínimo de casamento ou união estável e fim a vitaliciedade do benefício quando obtida com idade menor que 44 anos75. Em julho daquele ano, foi a vez dos senadores atingirem os anseios do povo brasileiro, ao rejeitarem a emenda 105, que pretendia corrigir o salário mínimo a partir da variação do Índice de Preços ao Consumidor (IPCA). Vera Chaia viu essa composição e a conjuntura da seguinte forma:

73 Disponível em: . Acesso em: 9 abr. 2020. 74 Estudo disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2020. 75 O projeto teve aprovação no Senado em maio de 2015. 48

Uma nova onda conservadora tomou conta do cenário político brasileiro. Evangélicos e católicos, de matrizes conservadoras, têm ingressado na esfera político-partidária e consolidado suas forças no cenário nacional. Os representantes da indústria armamentista estão entre os parlamentares mais votados no congresso mais conservador pós-1985. Atualmente, esses são atores políticos relevantes que possuem poder para interferir nas decisões do parlamento, não sendo mais possível ignorar sua presença no espaço público. Além disso, movimentos sociais conservadores no aspecto moral e liberal no aspecto econômico ganharam simpatia por parte da população brasileira. Os movimentos “Movimento Brasil livre”, “Vem pra rua”, “Revoltados online”, “Movimento endireita Brasil”, dentre outros, conseguiram mobilizar, por meio das redes sociais, grandes manifestações anti-PT e articularam-se na defesa de pautas morais, também trabalhando para o crescimento da representação parlamentar conservadora na Câmara dos Deputados76.

No mesmo 2015, o Congresso esteve às voltas com a votação da reforma política, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 182. Em maio, o plenário rejeitou por 267 votos a 210 votos um substitutivo da reforma que pretendia estabelecer o distritão como sistema eleitoral. Caso fosse aprovado, seria o fim do sistema proporcional em que vagas são preenchidas de acordo com a votação do partido ou coligação. O plenário também aprovou a lei por meio da qual ficou estabelecido que empresas só poderiam fazer doações a partidos, e não a candidatos. Já no Senado, em setembro de 2015, ficou ratificado o fim do financiamento de campanha por empresas (Projeto de Lei da Câmara – PLC 75/2015) e, em fevereiro de 2016, aprovou-se o fim da obrigatoriedade de exploração das reservas do pré-sal pela Petrobras (Plano de Logística Sustentável – PLS 131/2015). O ano seguinte, 2016, é marcado pelo processo de impeachment, após pedido entregue na Câmara em outubro de 2015, assinado pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal77. O processo, aceito por Eduardo Cunha em dezembro de 2015, acabou analisado por André Singer, na obra O lulismo em crise78:

Na Câmara dos Deputados, o enfraquecimento da presidente impulsionava o “blocão”, agrupamento no qual Cunha ia reunindo os descontentes com cada espanada da faxina republicana. É sabido que, quando a Presidência da República se enfraquece, o fisiologismo fica forte e pode se desencadear

76 CHAIA, Vera. O conservadorismo e a ascensão da Nova Direita. In: DIAS, L. A.; SEGURADO, R. (org.). O Golpe de 2016: Razões, atores e consequências. São Paulo: Intermeios, 2018. p. 23. 77 Cronologia disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2019. 78 SINGER, André. O lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letra, 2018. p. 292-293. 49

numa agitação de tipo golpista (renúncia, impedimento etc.). Assim, o farol amarelo do impeachment começara a piscar já em 2014.

Singer continua sua observação detalhada das movimentações conjunturais em torno do afastamento de Dilma:

Unido aos pemedebistas Michel Temer e Eduardo Cunha, o tucano José Serra, um dos políticos mais competentes de sua geração, compôs o trio que organizou a derrubada de Dilma. Mas o PSDB, enquanto partido, dividido entre vários projetos, entre eles o de provocar eleições antecipadas, não conseguiu tomar a frente do impeachment, embora tenha dado contribuições decisivas para ele. Na prática, Temer foi o artífice ao mesmo tempo decidido e escorregadio da queda de Dilma. O vice-presidente desenvolveu uma bizarra ambiguidade, que lhe permitia estar nos dois lados (pró-impeachment e anti-impeachment) simultaneamente, mostrando que a política brasileira, às vezes, ultrapassa as leis da física. O curioso estratagema de Temer consistia em declarar em público que ora o impeachment era impensável, ora que Dilma não chegaria ao final do mandato. Apesar de um tanto ridícula e caricata, a letalidade da tática revelou-se superior à de Cunha, que abriu o caminho a tiros, queimou-se e foi para a prisão, ou à de Serra, afastado do ambicionado ministério da Fazenda às vésperas da chegada ao poder79. Enquanto isso, Temer organizava friamente a coalizão golpista, conquistando aos poucos a confiança do PSDB, do empresariado e da classe média para galgar o gabinete do terceiro andar do Planalto.

Em abril de 2016, a Câmara aprovou a abertura do processo de impeachment contra Dilma, por 367 votos a favor e 137, contra. Em 11 de maio o Senado decidiu pela instalação do processo, que levou ao imediato afastamento da presidente. No dia seguinte Temer assume de forma interina, sendo que, em 31 de agosto, portanto 100 dias depois, o processo era aprovado no Senado e Dilma, afastada em definitivo.

2.2 Temer, Congresso e coalizão

Ao assumir a presidência, Temer já tinha um plano de governo elaborado – premeditação gratuita? – e uma de suas missões era angariar os votos necessários no Congresso para as reformas que pretendia executar, especialmente a do teto dos gastos, a trabalhista e a da previdência. Para esse fim, compartilhou o comando das pastas entre os partidos da coalizão em uma proporção equilibrada. Como observa o

79 Serra acabou assumindo o cargo de chanceler em maio de 2016, prazo que se estendeu até fevereiro de 2017, quando pediu demissão, alegando "problemas de saúde". O tucano é senador por São Paulo e tem mandato até 2022. Cobertura disponível em: . Acesso em: 28 jun. 2019. 50

levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP)80 à época,

[...] apenas 9,4% dos recursos autorizados (ou R$ 106,56 bilhões) e 11,6% dos recursos discricionários (R$ 15,39 bilhões) do total destinado aos ministérios são gerenciados pelo PMDB. No número de pastas, o partido concentra sete, porém, em termos orçamentários, compartilha com os partidos aliados o comando dos ministérios com maiores recursos [...].

O estudo segue suas observações:

Em termos de gestão do orçamento total autorizado (incluindo valores de caráter obrigatório e discricionário) o PSD lidera, com R$ 547,94 bilhões. Isso porque o Ministério da Previdência (agora integrado ao da Fazenda), que teve Henrique Meirelles, filiado ao PSD em 2011, como ministro, obteve o maior orçamento de todos, com a maior parte destinada a gastos obrigatórios. Seguido do PP, em pastas que totalizam R$ 131,16 bilhões de recursos e do próprio PMDB, que administra R$ 106,56 bilhões.

Cabe destacar que, no segundo governo Dilma, o PT era responsável pelo maior orçamento autorizado, com R$ 772,3 bilhões disponíveis, seguido pelo PROS, com R$ 109,6 bilhões. O jurista Paulo Ricardo Schier, na obra Presidencialismo de Coalizão81, aponta a lógica implícita na distribuição do bolo:

Cargos que representam o acesso a parcelas mais substanciosas do orçamento em regra são os mais cobiçados, tal como sucede o Ministério da Saúde, por onde transita grande parte dos recursos orçamentários brasileiros [...]. A lógica da distribuição destes cargos e funções não é aleatória. Partidos políticos que obtiveram a maior taxa de sucesso no pleito parlamentar em regra terão acesso aos cargos e funções mais relevantes, tanto pelo critério econômico financeiro quanto pelo critério da importância política. Serão esses partidos os garantidores da governabilidade, da estabilidade e, portanto, das vitórias do presidente no parlamento.

Assim, a primeira decisão de Temer, editada em 12 de maio de 2016 como medida provisória, a MP 726, reduziu de 39 pastas para 24 o número de ministérios, posteriormente convertida na lei 13.341, de 201682. A ação decretou o fim dos ministérios da Previdência Social, do Desenvolvimento Agrário, da Ciência e

80 Disponível em: . Acesso em: 28 jun. 2019. 81 SCHIER, Paulo Ricardo. Presidencialismo de coalizão: contexto, formação e elementos na democracia brasileira. Curitiba: Juruá, 2017. p. 115.

82 Íntegra do texto da lei disponível em: . Acesso em: 30 jun. 2019. 51

Tecnologia e das Comunicações, e assim suas atribuições foram incorporadas ao então novo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. O Ministério da Cultura, que seria extinto, posteriormente seria recriado após pressão de artistas e produtores culturais83. A Controladoria Geral da União (CGU) também acabou extinta para dar lugar ao novo Ministério da Transparência. A medida previu ainda a perda do status de ministro para o advogado geral da União e para o presidente do Banco Central, e vinculou a Previdência Social ao Ministério da Fazenda. A medida determinada por Temer ainda dissolveu os seguintes órgãos: a secretaria dos portos, a secretaria de aviação civil, o ministério do desenvolvimento agrário, o ministério das mulheres, da igualdade racial, da juventude e dos direitos humanos; a casa militar da presidência República e a secretaria de comunicação social da Presidência da República. Os cargos de ministro e secretário dos respectivos órgãos também foram extintos. O mesmo decreto transformou os seguintes ministérios: ● o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior em Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços; ● o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; ● o Ministério da Educação em Ministério da Educação e Cultura (revogado pela Medida Provisória nº 728, de 2016); ● o Ministério do Trabalho e Previdência Social em Ministério do Trabalho; ● o Ministério da Justiça em Ministério da Justiça e Cidadania; ● o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário; ● o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão em Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; e ● o Ministério dos Transportes em Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil.

83 Em 23 de maio, o então ministro do Planejamento Romero Jucá solicitou ao presidente que recriasse o ministério da Cultura, alegando que o reconhecimento da importância da cultura para a identidade nacional passa pelo ministério e que várias atividades relacionadas à cultura geram emprego e renda. Texto estabelecido na MP 728, de 23 de maio de 2016, disponível em: . Acesso em: 30 jun. 2019. 52

O presidente ainda criou o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. As competências dos ministérios extintos foram transferidas da seguinte forma: ● da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República e da Secretaria de Portos da Presidência da República para o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil; ● da Controladoria-Geral da União para o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle; ● do Ministério das Comunicações para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; ● do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos para o Ministério da Justiça e Cidadania, ressalvadas as competências sobre políticas para a juventude; ● do Ministério do Desenvolvimento Agrário para o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário; ● do Ministério da Cultura para o Ministério da Educação e Cultura (revogado pela Medida Provisória nº 728, de 2016); ● da Casa Militar da Presidência República para o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; e ● da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República para a Casa Civil da Presidência da República. ● da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República e da Secretaria de Portos da Presidência da República para o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil; ● da Controladoria-Geral da União para o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle; ● do Ministério das Comunicações para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; ● do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos para o Ministério da Justiça e Cidadania; ● do Ministério do Desenvolvimento Agrário para o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário;

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● do Ministério da Cultura para o Ministério da Educação e Cultura (revogado pela Medida Provisória nº 728, de 2016); ● da Casa Militar da Presidência República para o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; e ● da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República para Casa Civil da Presidência da República. Os motivos para a mudança foram expostos em um documento de apenas duas páginas84, apontando que a ideia da reforma era “[...] recombinar competências e atribuições de modo a propiciar melhor organicidade, sistemática e eficiência às atividades desempenhadas”, além de reduzir despesas públicas. No mesmo 12 de maio de 2016, Temer editou uma segunda Medida Provisória (MP), criando um Programa de Parcerias e Investimentos (PPI)85, dedicado a tornar mais ágeis as concessões públicas e viabilizar a interação entre Estado e iniciativa privada para gerar investimentos em infraestrutura no Brasil. O argumento oficial destacava que era preciso

[...] eliminar entraves burocráticos e excesso de interferências do Estado”. Assim, a proposta criava um Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos da Presidência da República, cujo objetivo era coordenar e integrar as ações do governo referentes aos empreendimentos públicos de infraestrutura com participação privada86.

Essa medida promoveu, ainda, modificações na Lei de Concessões (lei 8.987, de 1995) para a preparação de projetos. Levantamento do portal G187 feito posteriormente, em janeiro de 2019, aponta que o programa até então havia resultado em 69 projetos de privatização em andamento, incluindo a Eletrobras, a Casa da Moeda, a venda da participação da Infraero no aeroporto de Guarulhos, Brasília e Confins, além de outras dezenas de empreendimentos em rodovias, ferrovias e terminais portuários.

84 Documento disponível em: . Acesso em: 30 jun. 2019. 85 Documento disponível em: ; http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13334.htm>. Acessos em: 86 Justificativa da lei disponível em: . Acesso em: 30 jun. 2019. 87 Matéria disponível em: . Acesso em: 30 jun. 2019. 54

Em 15 de dezembro de 2016, o governo Temer conseguiu a aprovação do teto dos gastos pelo Senado, que limitou as despesas públicas por 20 anos. De acordo com o texto, para 2017, primeiro ano de vigência da PEC, o limite ficou definido com base na despesa primária paga em 2016 (incluídos os restos a pagar), com a correção de 7,2% do valor anterior – aumento referente à inflação prevista para aquele ano, segundo informações da Agência Senado88. O resultado alcançado, a partir de 2018, delimitou o aumento dos gastos federais à inflação acumulada conforme o IPCA – a inflação a ser considerada será a acumulada em 12 meses, até junho do ano anterior. Naquele ano, por exemplo, a inflação foi calculada a partir da média entre julho de 2016 e junho de 2017. A medida estabeleceu que o regime valeria para os orçamentos fiscal e de seguridade social e para todos os órgãos e poderes da República. Este teto poderá ser revisto uma vez a cada mandato presidencial a partir do décimo ano de validade, ou seja, em 2026. O presidente inicia o ano de 2017 sancionando a lei de Reforma do Ensino Médio, que promoveu mudanças na base curricular e alterou a carga horária nas escolas e, em março, sancionou projeto de lei que regulamenta a terceirização de todas as atividades de uma empresa. Em abril daquele ano, o plenário aprovou a criação do regime de Recuperação Fiscal dos estados para ajudar os entes endividados em troca de contrapartidas, como a elevação de alíquotas de contribuição social de servidores e a redução de incentivos tributários e privatizações, de acordo com informações do Diap89. Para a entidade, o regime prevê, entre outras medidas, que

[...] antes de começar a contar com os benefícios do regime, o estado interessado deve aprovar leis com as contrapartidas exigidas pelo projeto, como autorização para privatizar empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento e outros, se necessário à quitação de passivos; adoção de fundo complementar de aposentadoria para os servidores.

No aspecto político, o começo de 2017 marca a divulgação da operação Carne Fraca, da Polícia Federal (PF), em março, e posteriormente, em maio, a divulgação das conversas gravadas por Joesley Batista, afirmando que estava pagando propina

88 Conteúdo disponível em: . Acesso em: 2 jul. 2019. 89 Estudo disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2020. 55

para Eduardo Cunha na cadeia. Logo em seguida, o ex-assessor especial de Temer, Rodrigo Rocha Loures, é gravado pela PF saindo de uma pizzaria com uma mala de dinheiro, criando suspeita que seria intermediário de Temer. A partir daí, os protestos Fora Temer foram intensificados, com alto grau de repressão violenta em diversas capitais brasileiras. O presidente inicia, nesse período, um longo processo político em sua própria defesa. Em junho, Temer é absolvido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no processo de cassação da chapa com Dilma para as eleições de 2014, porém, no mês seguinte, acaba denunciado por Janot pelo crime de corrupção passiva. Ainda assim, sanciona o projeto de lei da reforma trabalhista – de cunho fortemente neoliberal, promovendo medidas mais austeras aos trabalhadores e mais facilidades aos empregadores. Em agosto de 2017, o plenário da Câmara aprova o arquivamento da denúncia no caso JBS. Em outubro, o de outra denúncia de Janot, em que o presidente era acusado de obstrução de justiça e participação de organização criminosa – o presidente seria o líder de esquema envolvendo Petrobras, Caixa e Furnas. Sua popularidade no período vai a 5%. Já em novembro de 2017, o plenário aprova a criação de um regime especial de importação de bens a serem usados na exploração, no desenvolvimento e na produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos90. O texto inclui a ampliação de isenção de tributos para as petroleiras estrangeiras até 31 de dezembro de 2040. O ano de 2018 marca uma guinada do governo Temer para a pauta da segurança. Em 16 de fevereiro, o presidente assina o decreto de intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. A medida, prevista para durar até 31 de dezembro do mesmo ano, impediu a votação de emendas constitucionais, incluindo a da reforma da previdência. Mesmo assim, à época, o governo apresenta uma lista de 15 medidas prioritárias na área econômica ao Congresso, após desistir de mudar a previdência, sendo que, segundo a Folha de S.Paulo, 11 delas se tratavam de projetos de lei já em tramitação, como a privatização da Eletrobras, que não ganharam grande apelo político91.

90 Estudo disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2020. 91 Disponível em: . Acesso em: 2 jul. 2019. 56

O começo do ano também é marcado pela pitoresca nomeação da deputada pelo Rio de Janeiro Cristiane Brasil (PTB), filha do deputado Roberto Jefferson, para o cargo de ministra do Trabalho – detalhe: ela já havia sido condenada anteriormente por violar a CLT na contratação de um motorista. O intuito da nomeação seria o governo manter boas relações com Jefferson, cacique petebista e pivô do escândalo do mensalão. O decreto termina por ser anulado no mês seguinte, em fevereiro, após Cristiane aparecer em vídeo comentando que é normal ter processos trabalhistas92. Em maio e junho de 2018 ocorre a greve dos caminhoneiros, que aprofunda a crise política no país e faz com que o governo aprove medidas para beneficiar a categoria. Nesse período, Temer desiste da ideia de candidatar-se à reeleição. Os últimos meses de seu governo são marcados por um fim melancólico: a PF conclui um inquérito sobre propina no setor portuário, indiciando o presidente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia, oficializada pela procuradora- -geral Raquel Dodge no começo de dezembro, resultaria em sua prisão preventiva em março de 2019. Ainda em dezembro de 2018, Temer decreta intervenção federal em Roraima após paralisação dos agentes de segurança – o estado enfrentava uma situação de descontrole nas finanças e em presídios, além de tensões políticas entre brasileiros e imigrantes venezuelanos93.

2.3 As relações entre Executivo e Legislativo

A ideia original de separação de poderes nasce com Montesquieu em O espírito das leis (1748), estabelecendo que a existência de um poder capaz de contrariar o outro pode prevenir que um deles tenha supremacia sobre os demais, em seu conceito de freios e contrapesos. Assim, entende-se que os três poderes – a saber, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário – devem, ao menos em tese, ser independentes entre si e harmônicos. John Locke, em Segundo tratado sobre o Governo Civil, também versou sobre a separação dos poderes, concebendo-a como pré-requisito

92 Disponível em: . Acesso em: 2 jul. 2019. 93 Disponível em: . Acesso em: 2 jul. 2019. 57

para que a lei seja imparcialmente aplicada. A própria Constituição de 1988, promulgada no Brasil poucos anos após o fim da ditadura civil-militar (1964-1985), reproduz a ideia ao estabelecer, no Art. 2°, que: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. No âmbito da União, enquanto o Legislativo elabora as leis, o Executivo as executa e o Judiciário atua na sua aplicação e nas soluções de conflitos de interesse. Outra atribuição do Poder Executivo é exercer a função de governar o povo e administrar os interesses públicos de acordo com as leis previstas na Constituição Federal. Ao tomar posse, o chefe do executivo tem o dever de sustentar a integridade e a independência do Brasil, apresentar um plano de governo com programas prioritários, projeto de lei de diretrizes orçamentárias e propostas de orçamento. Cabe a esse poder executar as leis elaboradas pelo Legislativo, mas recai sobre si, também, a atribuição de iniciar o processo para tal fim. De acordo com o site do Governo Brasileiro, em artigo sobre as atribuições presidenciais, determina-se que:

Embora o Poder Executivo sancione leis elaboradas pelo Poder Legislativo, o Presidente pode iniciar o processo legislativo. A Constituição permite que ele adote medidas provisórias em caso de relevância e urgência, proponha emendas à Constituição, projetos de leis complementares e ordinários ou, ainda, leis delegadas (em que o Congresso autoriza o Presidente a legislar). Ele possui ainda o direito de rejeitar ou sancionar matérias aprovadas no Congresso, expedir decretos e vetar projetos de lei94.

O presidente também tem o direito de rejeitar ou sancionar matérias e, ainda, acumula poder para:

[...] decretar intervenção federal nos estados, estado de defesa e de sítio; declarar guerra em caso de agressão estrangeira ou celebrar a paz, desde que autorizados pelo Congresso Nacional; manter relações com estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso95 [entre outros].

Compete ao Poder Executivo nomear e exonerar os Ministros de Estado e exercer, com o auxílio deles, a direção da administração federal, além de iniciar o

94 Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2018. 95 De acordo com o portal do Governo: . Acesso em: 7 jul. 2019. 58

processo legislativo nas formas previstas pela Constituição. Nesse quesito cabe ainda sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos para sua fiel execução, e vetar projetos de lei total ou parcialmente. Em caso de viagem ou impossibilidade de exercer o cargo, o primeiro na linha sucessória a ocupar o cargo de Presidente é o vice-presidente. Em seguida vêm o presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e o presidente do Supremo Tribunal Federal, seguido pelos demais dez ministros da corte. O Presidente é o chefe máximo do Poder Executivo Federal, sendo auxiliado pelos Ministros de Estado, nomeados por ele. Ao tomar posse, o Presidente se compromete a manter, defender e cumprir a Constituição Federal; observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a União, a integridade e a independência do País. Historicamente, Dilma e Temer são considerados presidentes da Sexta República, iniciada em 1985, a partir da convocação para os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, de 1° de fevereiro de 1987 até outubro de 1988. A nova Constituição é também chamada de Constituição Cidadã, em oposição aos aspectos da Quinta República, iniciada em março de 1964 com o golpe civil-militar. É comum, portanto, que a Constituição promulgada na Sexta República seja comparada à da Quarta República, iniciada em 1945, com o fim da ditadura do Estado Novo e interrompida com o início do governo militar. O Brasil viveu uma curta experiência de parlamentarismo no governo João Goulart, em 1961. A medida resultou de um acordo político após a renúncia de Jânio Quadros. Após os militares vetarem sua posse, Jango (como era conhecido Goulart) aceitou um acordo que retirava poderes constitucionais da presidência para transferi- los ao cargo de primeiro-ministro, após emenda aprovada em setembro de 1961 pelo Congresso. Ao final de seu mandato, em 1965, haveria um plebiscito para definir a permanência ou não do sistema. Durante esse período, o Brasil teve três primeiros- ministros: Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima. No entanto, Goulart conseguiu antecipar o plebiscito para 1963 e, com uma vitória com mais de 80% dos votos, efetivar a volta do presidencialismo – em tese. Porém, em abril do ano seguinte, os militares deram um golpe na presidência, com apoio de setores da sociedade civil, e instauraram o ato institucional n.1, que marcou o início do período de ditadura – ou do Estado de exceção.

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A Nova República, portanto, é marcada pela (re)democratização do Brasil, retorno das liberdades sociais de imprensa, manifestação política, de opinião etc., além de garantir a volta do sistema político multipartidário, em contraposição ao regime militar, que só permitiu a existência da Arena e do MDB – sistema bipartidário. A literatura sobre o tema apontou diagnósticos pessimistas para a consolidação das instituições democráticas, posto que a combinação do sistema político produziu a necessidade flagrante de um consensualismo calcado no multipartidarismo, o que dificulta a governabilidade e leva à necessidade de coalizão. Autores como Fernando Limongi (2006)96 desvelaram diferenças entre a Constituição de 1946 e a de 1988, concluindo que atualmente foram incluídos certos poderes legislativos ao Executivo, ausentes em 1946, tais como: editar decretos com força de lei (medida provisória); editar leis sob requerimento de delegação pelo Congresso; projetos de lei administrativos, orçamentários e tributários; solicitar a urgência de projetos e impor restrições a emendas orçamentárias do Congresso. Já na comparação entre direitos dos líderes partidários da Câmara dos Deputados, no período entre 1946-1964 e pós-1988, nota-se que eles podem: determinar a agenda do plenário; representar os membros do partido em bancadas; restringir emendas e votações em separado; apontar e substituir membros de comissões permanentes e comissões mistas que analisam medidas provisórias e que analisam orçamento e direito amplo (não restrito como em 1946) de retirar leis de comissões por meio de procedimentos de urgência.

2.4 Presidencialismo de coalizão e medidas provisórias

Medida provisória é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República em casos de relevância e urgência, de acordo com a definição do site da Câmara dos Deputados97, que produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para que seja transformada em lei de forma

96 LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Novos estudos, Cebrap, São Paulo, n. 76, p. 17-41, nov. 2006. Disponível em: . Acesso em: 7 maio 2020. 97 Definição disponível em: ; e no Art. 62 da Constituição de 1988, disponível em: . Acessos em: 7 jul. 2019. 60

definitiva. Seu prazo de vigência é de 60 dias, prorrogáveis por outros 60 dias. Caso não seja aprovada no prazo de 45 dias, contados de sua publicação no Diário Oficial, a MP tranca a pauta de votações da Casa em que se encontrar, seja Câmara ou Senado, sendo que na Câmara só se pode votar alguns tipos de proposição extraordinária. Quando as MPs chegam ao Congresso, é criada uma comissão mista formada por deputados e senadores, que devem aprovar um parecer sobre a MP. Após esse processo, o texto segue para o plenário da Câmara e depois para o plenário do Senado. Se a MP não for apreciada em até 45 dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência. Soma-se a isso a emenda constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2011, cujo texto estabelece que: “Havendo medidas provisórias em vigor na data de convocação extraordinária do Congresso Nacional, serão elas automaticamente incluídas na pauta de convocação.98“ O mesmo decreto estabelece que medidas provisórias relativas à nacionalidade, cidadania, direitos políticos e direito eleitoral são vedadas. O mecanismo também não poderá lidar com questões de direito penal, processual e processual civil, e da organização do poder judiciário e do ministério público. Outra limitação do instrumento refere-se a medidas que impliquem instituição ou majoração de impostos99. Caso seja rejeitado por alguma das Casas, ou se a MP perder a eficácia, os parlamentares devem editar um decreto legislativo que discipline os efeitos jurídicos gerados durante sua vigência. Caso o conteúdo de uma MP seja alterado, esta passará a tramitar como projeto de lei em conversão. De acordo com o Art. 62 da Constituição Federal de 1988, que rege as medidas provisórias, é vedada a edição de MPs relativas à nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral, além de relativas ao direito penal, processual penal e processual civil. Também estão vedadas MPs relativas à organização do Judiciário e Ministério Público, planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais,

98 Art. 57, § 7º, disponível em: . Acesso em: 2 maio 2020. 99 Há exceções, previstas nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, postulando que tais medidas só produzirão efeitos no exercício financeiro seguinte se convertidas em lei. 61

nem referentes à instituição ou majoração de impostos, com exceções previstas na lei. Após a aprovação na Câmara e no Senado, a MP – ou projeto de lei de conversão – é enviada à Presidência da República para sanção. O Presidente pode vetar o texto parcial ou integralmente caso discorde das alterações feitas no Congresso. Além disso, é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, caso a MP tenha sido rejeitada ou perdido sua eficácia por conta de prazo. Voltando ao personagem em estudo, Temer, ao longo de seus 31 meses de governo, foi o presidente que mais se utilizou desse recurso, encaminhando 142 MPs ao Legislativo – perfazendo a média de uma MP a cada 6,5 dias100. A média de Temer superou a de FHC, que editou 365 MPs ao longo dos seus 96 meses de governo, ou uma a cada 7,8 dias; e de Lula, que terminou com média de uma MP a cada 6,8 dias. José Sarney, com uma MP a cada 5,8 dias e Itamar Franco, com 5,7 dias para cada MP, usaram o instrumento jurídico mais vezes em média. Já a média de Dilma, ao longo de seus 62 meses de governo, ficou em uma a cada 9,1 dias, portanto abaixo dos demais presidentes desde 1985. A Constituinte de 1988 decidiu por manter a prerrogativa de o presidente da república iniciar a legislação, outorgada do regime autoritário de 1964-1985. Assim, a presidência tem o privilégio do poder de agenda, enquanto muitas vezes cabe ao Congresso um papel mais reativo. De acordo com José Álvaro Moisés101:

O Congresso Nacional tem um índice muito baixo de produção legislativa, os seus projetos são mais alterados ou vetados do que aqueles do executivo e, além de demorarem tempo excessivo para serem considerados e aprovados – prejudicando a relação entre representantes e representados -, muitas das atuais proposições parlamentares estão bloqueadas, isto é, deixadas fora da pauta de tramitação congressual, enquanto a atuação positiva do parlamento está voltada principalmente para proposições simbólicas, pouco efetivas em termos de políticas públicas, e praticamente nulas no que se refere às funções de fiscalização e controle do executivo.

100 Informação de matéria com dados da Câmara disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2019. 101 MOISÉS, José Álvaro (org.). O papel do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2011. p. 27. 62

Sérgio Abranches cunhou o termo presidencialismo de coalizão como a “[...] necessidade, mais ou menos frequente, de recurso à coalizão interpartidária para a formação do Executivo (gabinete)”. Suas observações sobre o tema vão além:

A frequência de coalizões reflete a fragmentação partidário-eleitoral, por sua vez ancorada nas diferenciações socioculturais; é improvável a emergência sistemática de governos sustentados por um só partido majoritário. Essa correlação entre fragmentação partidária, diversidade social e maior probabilidade de grandes coalizões beira o truísmo. É nas sociedades mais divididas e mais conflitivas que a governabilidade e a estabilidade institucional requerem a formação de alianças e maior capacidade de negociação102.

Abranches aponta ainda que o Brasil é o único país a combinar proporcionalidade, multipartidarismo e presidencialismo imperial, ou seja, baseado na independência entre os poderes (se não na hegemonia do Executivo), além de organizar o ministério com base em grandes coalizões. O país, como entende o mesmo autor, no conjunto das nações democráticas, é o único caso de presidencialismo de coalizão. Como exposto na obra em comento, a lógica de formação das coalizões tem dois eixos, o partidário e o regional (estadual). E assim, o cálculo relativo à base de sustentação política do governo não é apenas partidário-parlamentar, mas também regional. Por isso, “[...] torna-se necessário que o governo procure controlar pelo menos a maioria qualificada que lhe permita bloquear ou promover mudanças constitucionais”103. O sistema presidencialista brasileiro conta com características como natureza fragmentada do sistema partidário e representação proporcional de lista aberta, em que cada partido receberá a quantidade de cadeiras proporcionais ao número de votos conseguidos nas eleições em que o voto no partido determina o número de cadeiras que terá na câmara e o voto no candidato indicará a posição dele na lista de preferências104. De acordo com Fabiano Santos (2002)105, a combinação dos mesmos fatores leva o presidente a distribuir pastas ministeriais entre os membros dos principais

102 ABRANCHES (1988, p. 20-21). 103 Ibidem, p. 22. 104 O sistema se contrapõe ao de lista fechada, em que os eleitores votam apenas no partido, e não nos candidatos. 105 Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2019. 63

partidos e, assim, tentar obter apoio do Congresso na implementação de sua agenda de políticas públicas. Estudiosos sobre o tema divergem em relação à lógica do comportamento partidário, em que uma corrente percebe os partidos como indisciplinados e, portanto, o comportamento da Câmara como imprevisível; enquanto outra corrente defende que o comportamento dos partidos é disciplinado e as decisões da Câmara, previsíveis106. Enquanto um lado considera que os legisladores têm interesses particulares envolvendo sua reputação pessoal, a despeito de sua filiação partidária, no mesmo artigo supracitado, Santos argumenta que existe um grau razoável de disciplina nas votações nominais no plenário. Outro aspecto observado é o evidente discernimento dos partidos governistas em relação aos partidos de oposição:

O presidente somente acreditará na veracidade de uma retaliação quando o grupo que está decidido a abandonar sua base de apoio for numeroso e seu comportamento, minimamente disciplinado. Portanto, a estabilidade dos acordos entre o presidente e os legisladores, no sentido de que estes últimos se sintam seguros de que irão receber a patronagem reivindicada como parte da barganha, dependerá da capacidade dos congressistas para superarem os problemas de ação coletiva e se conduzirem como uma entidade coletiva vis-à-vis o presidente. [...] Quanto mais homogêneas são as posições sobre as várias questões políticas, maior é o poder de barganha de cada membro individualmente. Assim sendo, o comportamento coeso em uma legenda comum é do interesse de cada deputado como forma de conferir credibilidade a uma ameaça que, do contrário, não chegará a importunar ator político tão poderoso quanto o presidente brasileiro.

A hipótese do autor é que os partidos políticos são mais relevantes no período recente porque sua existência traz vantagens para os parlamentares em suas negociações com o Executivo. Assim, organizados em siglas minimamente disciplinadas, eles se protegem da ação monopólica do presidente. Isso, por sua vez, garante o fluxo de projetos no plenário da Câmara, e, em compensação, os legisladores recebem do Executivo benefícios de patronagem a ser distribuídos em seus redutos eleitorais. Nesse sentido, observa Sérgio Abranches, a adesão às proposições políticas do partido é um bem público para a bancada como um todo, e esse benefício somente pode ser alcançado se os parlamentares delegarem aos líderes uma parte

106 De acordo com Santos (2002), representam o primeiro grupo: Ames, 1995; 2000; Amorim Neto, 1998; Geddes, 1994; Lamounier, 1991; Mainwaring, 1997; 1999; Samuels, 1998. Já o segundo grupo é representado por: Figueiredo e Limongi, 1999; Meneguello, 1998; Pereira, 2000; Santos, 1997. Já Nicolau (2000) representa uma posição intermediária. 64

considerável de seu controle sobre a pauta legislativa com a finalidade de remover os problemas de coordenação. O autor aponta ainda que o presidente é o ator mais interessado na estabilidade do sistema político brasileiro, pois é o responsável pela promoção de políticas públicas que só podem ser decretadas em um ambiente institucional estável. Outro fator é o incentivo eleitoral em promover políticas de impacto mais amplo. O cenário, portanto, caminha para um presidente que precisa impor sua agenda, e legisladores que buscam benefícios para seus redutos eleitorais. De acordo com Octavio Amorim Neto e Paulo Tafner107:

A necessidade de envio de propostas de emenda à Constituição e de projetos de lei aprovados em uma Casa para revisão na outra pode ser entendida como um controle institucional estabelecido por seus mandantes, o eleitorado, para que uma verifique o desempenho da outra. Da mesma forma, o veto presidencial é também um mecanismo de controle institucional do Executivo sobre o Legislativo.

Um freio legal importante é que a Constituição de 1988 impõe monopólio do Executivo sobre a execução orçamentária, gerando um cenário que pode ser forte incentivo para que deputados federais se organizem em partidos que votam com disciplina e de forma mais previsível. Por outro lado, o Executivo é a única fonte distribuidora de benefícios, o que lhe garante um grande poder de barganha. Parlamentares recebem, em contrapartida ao seu apoio, benefícios para serem mostrados em seus redutos eleitorais. Limongi (2006)108 entende que nada autoriza tratar o sistema político brasileiro como singular. O autor aponta que coalizões obedecem e são regidas pelo princípio partidário – características próprias do Brasil como federalismo, o poder dos governadores e a diversidade e heterogeneidade da sociedade brasileira tornam as coalizões imperiosas. A formação da base parlamentar de apoio ao presidente, portanto, não pode ser estritamente partidária. O autor esmiúça a questão:

107 AMORIM NETO, Paulo; TAFNER, Paulo. Governos de coalizão e mecanismos de alarme de incêndio no controle legislativo das medidas provisórias. In: Dados, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n. 1, p. 16, 2002. 108 LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. In: Novos estudos, Cebrap, São Paulo, n. 76, p. 17-41, nov. 2006. Disponível em: . Acesso em: 23 jun. 2019. 65

O fato é que o presidente brasileiro é poderoso do ponto de vista legislativo não porque usurpe o poder legislativo, mas porque a Constituição de 1988 assim o estabeleceu. O presidente tem a prerrogativa exclusiva de iniciar legislação nas principais áreas de política: tributação, orçamento e fixação dos quadros do funcionalismo, para citar as áreas fundamentais. Logo, o presidente não é um legislador qualquer. Porém, O mandato do Executivo não é mais legítimo que o da maioria parlamentar com que ele é forçado a negociar.

Ainda no que tange aos limites dos poderes do chefe do Executivo, há três tipos de urgência: a urgência constitucional, que pode ser solicitada unilateralmente pelo Presidente da República e assim forçar o plenário a deliberar matérias que submete ao Legislativo; e outros dois, porém, que são aprovados pelo próprio Congresso e regulados pelo Artigo 155 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Já as minorias partidárias podem recorrer a estratégias como estender indefinidamente o debate, provocar votações constantes, negar quórum, entre outras. Importante pontuar que a coalizão não é tida como solução, mas expressão da dificuldade enfrentada pelo presidente ao governar. Para Limongi (2006), porém, o sistema não afasta o Brasil de outras democracias existentes porque, afinal, há

[...] o poder de decreto, a medida provisória [...] que se trata de um entre tantos recursos à disposição do presidente. O mais poderoso sem dúvida alguma, pois altera unilateralmente o status quo. No entanto, não pode ser usado contra a maioria. A passagem de uma medida provisória a lei depende de aprovação legislativa. Para o ponto em discussão, importa notar que a minoria não tem como impedir que o presidente edite uma medida provisória.

Já Edison Nunes109 manifesta entendimento que regimes multipartidários tendem a produzir efeitos específicos sobre a divisão de poderes, especialmente pela ausência de um partido majoritário

[...] capaz de curto-circuitar o isolamento dos poderes legislativo e executivo. Contudo, tendo que governar pela formação de coalizões, não bastando a autoridade do presidente sobre seu partido para alinhar o parlamento às suas políticas, o executivo encontra também uma maioria parlamentar heterogênea composta de vários partidos. O resultado provável é a ausência de uma oposição consistente e coesa, o que certamente dá maior liberdade de ação ao executivo e condições propícias de governabilidade. Ao contrário do senso comum, coalizões multipartidárias podem ser estáveis com partidos heterogêneos exatamente porque a polarização das posições não encontra esteio institucional aglutinador.

109 NUNES, Edison. Fragmentação de interesses e morosidade no parlamento brasileiro. In: MOISÉS, José Álvaro (org.). O papel do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2011. p.32 66

Em relação a Temer, não fosse seu envolvimento em casos de corrupção, o presidente teria se beneficiado da configuração do Congresso pós-impeachment e, provavelmente, seguido a onda de apoio que o fez conseguir aprovar as reformas trabalhistas e o teto dos gastos, ambas via MPs, para também aprovar a reforma da previdência. Lembrando que boa parte dos congressistas que apoiaram o impeachment da presidente Dilma formaram a base do governo Temer. O próprio político defendeu o elo entre o Congresso e o Senado, em artigo de 2010110, afirmando que “[..] o presidencialismo de coalizão é o que mais se aproxima do parlamentarismo, sinalização extremamente democrática”.

2.5 Reformas e agenda neoliberal

Como mencionado no começo deste capítulo, ao assumir o governo, Temer procurou dividir o comando dos ministérios em uma proporção equilibrada, buscando assim maior apoio das Casas nas pautas do governo, em especial as reformas e o teto dos gastos. O presidente adotava uma nova agenda, que atendeu em muito o interesse do mercado, em detrimento da agenda da presidente Dilma Rousseff. Outra característica observada refere-se a rapidez com que o presidente se dispôs a propor um número considerável de reformas de grande impacto – especialmente a trabalhista e a da previdência (mesmo sem obter sucesso na última) –, aproveitando-se de um momento em que a oposição se encontrava desorganizada após a derrota desgastante no processo de impeachment. O caso Temer foi citado, inclusive, na obra da ativista canadense Naomi Klein, Não basta dizer não, cuja ênfase é a importância da resistência ao projeto neoliberal111:

As táticas de choque foram empregadas pela primeira vez a serviço do neoliberalismo no início da década de 70, na América Latina, e ainda hoje são usadas para obter concessões ao “livre mercado” contra a vontade popular. Vimos isso acontecer recentemente, antes de Trump, em cidades americanas que incluíram Detroit e Flint, onde uma bancarrota municipal iminente se tornou pretexto para dissolver a democracia local e nomear “administradores de emergência”. Está acontecendo em Porto Rico, onde uma crise de dívida em curso está sendo usada para implantar a inimputável

110 Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2020. 111 KLEIN, Naomi. Não basta dizer não: resistir à nova política de choque e conquistar o mundo do qual precisamos. Trad. Marina Vargas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2017. p. 150-151. 67

Junta de Supervisão e Administração Financeira, um mecanismo de aplicação de duras medidas de austeridade, incluindo cortes em pensões e ondas de fechamento de escolas. Está sendo empregado no Brasil, onde ao altamente questionável impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, se seguiu a instalação de um regime não eleito e zelosamente pró- -empresarial que congelou os gastos públicos pelos próximos vinte anos, impôs uma austeridade punitiva e começou a vender aeroportos, centrais elétricas e outros bens públicos em uma onda de privatizações.

As acusações de corrupção envolvendo Temer, no entanto, mudaram o cenário de relativa facilidade que ele encontrara para aprovar seu projeto de reformas. Também a aproximação do pleito seguinte, em 2018, pois muitos parlamentares não quiseram se associar a medidas de austeridade que poderiam impactar seus resultados eleitorais. Tal posicionamento dos congressistas tornou-se explícito no estudo dos editoriais da Folha de S.Paulo e do Estadão – tema do capítulo seguinte. Sobre as pautas de seu governo, é notório que a aprovação da reforma trabalhista, em 2017, não diminuiu o problema do desemprego. O Brasil terminou 2018 com uma taxa de desemprego de 11,6%, comparado a 12,7%, em 2017112 – ano da aprovação da reforma trabalhista. A principal mudança observada refere-se a acordos entre empregados e empregadores, que passaram a prevalecer (apesar de garantidos férias e 13º salário), além da contribuição sindical, que deixou de ser obrigatória. Inclusive, segundo especialistas, essas medidas trouxeram grande desequilíbrio às negociações trabalhistas, somadas a um cenário de aumento da informalidade113. Em relação às jornadas de trabalho, antes limitadas a oito horas por dia, passou a se aceitar o regime de 12 horas de trabalho, seguidas de 36 horas de descanso, o que possibilitou o trabalho intermitente, cuja prestação de serviços ocorre de forma não contínua114. Em relação ao teto dos gastos, já no começo de 2019, membros do governo iniciaram discussões a fim de flexibilizar a medida, alegando dificuldades para sustentar a regra. Em setembro de 2019, os economistas Fabio Giambiagi e Guilherme Tinoco, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDES,

112 Dados do IBGE. 113 Informações disponíveis em: . Acesso em: 30 jun. 2019. 114 Informações disponíveis em: . Acesso em: 30 jun. 2019. 68

publicaram o artigo “O teto de gasto público – mudar para preservar” 115, já prevendo que a dinâmica de despesas tornará impossível cumprir o valor estabelecido.

Uma coisa era ter uma regra de teto estável, com a perspectiva de que a reforma previdenciária fosse aprovada em 2017 para ter vigência a partir de 2018 e a economia retomasse um crescimento moderado entre 2,5% e 3% já a partir de 2017, o que ajudaria a alavancar a receita e conduziria a uma rápida reversão do déficit primário. Outra muito diferente é não ter se aprovado a reforma até agora, com a despesa previdenciária tendo continuado a crescer continuamente esses anos e a economia indo para o terceiro ano consecutivo com um patamar de crescimento de escasso 1% ao ano (a.a.). Nesse ambiente macroeconômico deprimido, o achatamento de diversas rubricas de despesa está começando a afetar seriamente políticas do governo que dependem da existência de verbas adequadas. É essa realidade que motiva a necessidade de reflexão na procura de alternativas que mantenham o compromisso com a sustentabilidade fiscal.

A proposta aprovada no governo Temer previa evitar qualquer crescimento real das despesas públicas de 2017 a 2026, com uma possibilidade de alterar a regra por lei complementar para o período de 2027 a 2036. Porém, a pandemia do coronavírus (covid-19), deflagrada no começo de 2020, também poderá pressionar as discussões para a revisão do limite – apesar de não ter havido, ainda, nenhuma manifestação do governo Bolsonaro nesse sentido. Por fim, salienta-se que a reforma da previdência fora aprovada, em novembro de 2019, na gestão supracitada, que manteve a agenda neoliberal na economia e a política de redução de direitos.

115 Disponível em: . Acesso em: 30 jun. 2019. 69

3 O POSICIONAMENTO DA FOLHA DE S.PAULO E DE O ESTADO DE S. PAULO DURANTE O GOVERNO TEMER

Comum nos jornais tradicionais, o exercício do jornalismo opinativo é veiculado por meio de editoriais que disputam espaço com as matérias informativas – e geralmente estão dispostos em seções que ocupam as primeiras páginas das publicações. Por analogia, como o editorial manifesta a opinião da empresa jornalística em determinado assunto – considerando que a mídia também é um ator político (COOK, 2011)116 –, o jornalismo compartilha destino semelhante com os três poderes constitucionais, por ser parcialmente independente e parcialmente dependente de outras instituições para cumprir sua própria tarefa. Nesse sentido o noticiário, especialmente nos jornais que têm a limitação física do espaço no papel impresso, é necessariamente seletivo. “A seletividade leva ao viés quando, dia sim, dia não, certos tipos de atores, partidos políticos e questões receberem maior cobertura e forem apresentados mais favoravelmente que outros” (COOK, 2011, p. 203-247). Ocorre, ainda, que há um conflito inerente entre o que os atores políticos gostariam que fosse noticiado e o filtro próprio da mídia usado na construção de narrativas, dando maior ou menor importância a determinados atores, pois, como complementa Cook no mesmo artigo:

O poder político e o impacto político do jornalismo são, portanto, um tanto contraditórios. O primeiro serve para dar maior acesso às notícias – e, por extensão, à esfera pública – aos funcionários públicos, que por isso ganham recursos para dirigir atenção a problemas e questões específicas (e afastá-la de outros), para iniciar (ou encerrar) discussões e debates, e para enquadrar a responsabilidade e fugir às acusações. Mas o segundo implica que, embora os funcionários tenham facilitada sua entrada na esfera pública, não podem enviar sem filtro suas mensagens. Os valores de produção das notícias os dirigem – e a nós – a valores políticos específicos, não tanto empurrando a política para a direita ou para a esquerda, quanto para padrões de boas histórias que não levam a resultados políticos igualmente bons.

Com entendimento convergente, na literatura da comunicação política, destacam-se as teorias do agendamento e da espiral do silêncio, que tratam sobre a

116 COOK, Timothy E. O jornalismo político. In: Revista Brasileira Ciência Política, Brasília, n. 6, p. 203-247, jul./dez. 2011. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2020. 70

seletividade dos temas a serem abordados pelos veículos de notícias. Em relação ao assunto, W. F. DeGeorge (1981 apud BARROS FILHO, 1995)117 destaca que:

A importância da seleção temática no agendamento do público é quase óbvia. Se o agenda setting denuncia uma determinação da agenda do público pela agenda temática dos meios de difusão, a primeira dependerá dos elementos selecionados que compuserem a segunda.

Já a espiral do silêncio aponta que “[...] quanto mais uma opinião for dominada dentro de um universo social dado, maior será a tendência a que ela não seja manifestada” (BARROS FILHO, 1995, p. 208) – o que impacta no alcance das vozes discordantes, fazendo-as se tornarem ainda mais minoritárias. Em um tom mais pessimista (ou realista?), o pensador estadunidense Noam Chomsky, em Controle da mídia: os espetaculares feitos da propaganda (2002, p. 25), expõe a opção dos donos de empresas jornalísticas de manter o público acuado, visando inibir seus questionamentos e condicionando-o a concordar com medidas que não atendem seus interesses:

Temos que mantê-lo (o público) bastante assustado porque a menos que não esteja bastante intimidado com todo o tipo de ameaças, capazes de o destruir interna ou externamente, ele pode começar a pensar o que é muito perigoso, porque ele não tem discernimento para isso. Por isso é importante distraí-lo e marginalizá-lo.

Alguns desses conceitos (agenda setting, espiral do silêncio e mesmo o sentido de ameaça) foram usados na abordagem das reformas ao longo do período estudado. Observou-se, na análise dos textos de opinião dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo sobre o governo Temer, que: 1- A maior parte dos editoriais publicados nesse arco temporal versou sobre questões de governo e política; 2- Ambos os diários enfatizaram a questão da necessidade de avanço das reformas trabalhista, previdenciária e o teto dos gastos como de vital importância para o desenvolvimento brasileiro, salientando que, sem essas medidas, o país estaria condenado à falência de suas finanças públicas.

117 DEGEORGE, W. F. Conceptualization and Measurement of Audience Agenda. In: BARROS FILHO, Clóvis. Ética na Comunicação. São Paulo: Moderna, 1995. p.185 71

Nos editoriais, nota-se com clareza que a abordagem das pautas econômicas privilegiou a defesa das reformas, com pouca ou nenhuma ponderação oposta ou voz dissonante sendo levada em conta. Luiz Antonio Dias e Rosemary Segurado (2018)118, ao comentar a atuação da mídia, consideram que:

A cobertura jornalística da política atua com base na produção espetacular, tanto quando enaltece determinados fatos quanto no momento em que os invisibiliza. Há determinados atores políticos que estão sempre expostos nas mídias, cuja imagem é ininterruptamente exibida, mas será que isso significa necessariamente dar transparência e às ações desse ator? Nem sempre isso depende da forma como a cobertura jornalística apresenta o ator político. A representação da política e dos políticos pela mídia está permeada pelo projeto político editorial adotado por cada empresa midiática.

Corroborando no sentido de “consenso fabricado”, pode-se dizer que muitos dos textos pesquisados adotaram uma postura próxima da binária – ou seja, positiva a Michel Temer, quando havia indicações de avanço das pautas defendidas pelos jornais, e crítica ao presidente, quando algum fator político aparecia como empecilho às reformas pretendidas. Outro ponto de convergência com o que afirmam Dias e Segurado é que, para ambos os jornais, o processo de impeachment de Dilma Rousseff seguiu os trâmites legais. Porém, enquanto a Folha de S.Paulo defendia a cassação da chapa Dilma- -Temer, O Estado de S. Paulo apoiou o impeachment apenas para a presidente eleita em 2014. Em relação ao governo Temer, a Folha mostrou-se mais crítica ao governo do que O Estado, que defendeu a gestão em diversas ocasiões, mesmo quando o presidente teve seu nome atrelado a denúncias de corrupção como no caso JBS. Apesar da disputa de espaço dos jornais tradicionais com as novas fontes de informação oriundas de blogs e redes sociais, os principais meios da categoria encerraram 2019 com aumento de circulação/leitores – quando somadas as versões impressas e digitais –, de acordo com dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC)119.

118 DIAS, Luiz Antônio; SEGURADO, Rosemary. O golpe de 2016: Razões, atores e consequência. São Paulo: Intermeios, 2018. p. 111. 119 Dados disponíveis em: ; e . Acessos em: 3 maio 2020. 72

Por exemplo: no mesmo ano, a Folha de S.Paulo registrou média mensal de 328.438 exemplares diários pagos, sendo que O Globo veio em segundo, com 323.172, e O Estado, em terceiro, com 242.373 unidades. Na comparação com 2018, a Folha cresceu 6,4%, O Globo, 7,2% e O Estado registrou ligeira queda de 0,8%. As versões digitais correspondem à maior parte das unidades comercializadas nos três casos. Já a média digital de exemplares vendidos pela Folha, em 2019, ficou em 236.059 unidades e em 92.379 de jornais impressos; O Globo, 213.352 exemplares digitais e 109.820 impressos; e O Estado, 141.536 exemplares na média mensal digital e 100.838 nos impressos. Em relação aos maiores diários do país, Fernando Azevedo (2016, p. 49)120 entende que:

Com a circulação dirigida para os leitores da classe AB, considerados “formadores de opinião”, os grandes jornais diários, além da linguagem sóbria e culta, priorizam a cobertura política e econômica e praticam um ativo jornalismo opinativo, através dos editoriais e colunas que coexistem com as páginas de informação. Este jornalismo de comentário, orientado para as elites, é funcional para o público a que se destina e tem potencial de agenda e influência na formação da opinião pública, ao pautar o jornalismo televisivo e repercutir nos sites, nos blogs e nas redes sociais.

Já o desempenho dos jornais nas redes sociais apresenta outros desafios. Um levantamento feito pela Folha em fevereiro de 2018 apontou que as páginas brasileiras de notícias falsas e sensacionalistas haviam ganhado mais engajamento no Facebook que o jornalismo profissional121. O jornal comparou 21 perfis que postaram fake news122 e 51 de jornalismo profissional. O resultado constatou uma taxa média de interações com aumento de 61% em relação ao primeiro grupo, entre outubro de 2017 e janeiro de 2018, e queda de 17% no segundo grupo. Após essa pesquisa, em 8 de fevereiro de 2018, a Folha de S.Paulo anunciou que deixaria de publicar conteúdo no Facebook123. A decisão aconteceu em resposta

120 AZEVEDO, Fernando Antonio Farias de. A grande imprensa brasileira: paralelismo político e antipetismo (1989-2014). 2016. 172 f. Tese (Professor Titular). Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. 121 Disponível em: . Acesso em: 4 maio 2020. 122 A definição de fake news usada pela Folha de S.Paulo é “notícias falsas”, geralmente criadas com objetivo político ou financeiro, de acordo com matéria sobre o assunto disponível em: . Acesso em: 3 maio 2020. 123 Conteúdo disponível em: . Acesso em: 4 maio 2020. 73

ao anúncio feito pela rede social, em janeiro de 2018, que seria dado menos espaço a reportagens de empresas jornalísticas e vídeos virais para, assim, priorizar conteúdo feito por amigos e familiares dos usuários. Em relação ao tema, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, havia postado em 11 de janeiro daquele mesmo ano124:

As primeiras alterações vocês verão no feed de notícias, onde poderão ver mais de seus amigos, famílias e grupos. Enquanto isto está em desenvolvimento, vocês verão menos conteúdos públicos como posts de negócios, marcas e de mídia.

A Folha respondeu que “[...] as desvantagens em utilizar o Facebook como um caminho para essa distribuição ficaram mais evidentes após a decisão da rede social de diminuir a visibilidade do jornalismo profissional nas páginas de seus usuários”, apontando que o problema tinha sido agravado pela distribuição em massa de conteúdo deliberadamente mentiroso, ou seja, “as chamadas fake news”. O jornal informou ainda que manteria perfis atualizados em outras redes, como Twitter, Instagram e LinkedIn, e que os leitores poderiam continuar compartilhando seu conteúdo no Facebook. Posicionamento similar não se viu n’O Estado de S. Paulo, que continuou a alimentar sua página de modo regular na mesma rede social125.

3.1 Perfis dos jornais

3.1.1 Folha de S.Paulo

A Folha de S.Paulo nasceu em 1960 a partir da fusão entre os jornais Folha da Noite, fundado em 1921, e os posteriores Folha da Tarde e Folha da Manhã, criados respectivamente em 1925 e 1949. No ano de 1961 foi vendido aos empresários Otavio Frias Filho e Carlos Caldeira Filho, que promoveram uma modernização do diário ao longo das décadas seguintes (AZEVEDO, 2016126).

124 Postagem original em inglês (tradução nossa) disponível em: . Acesso em: 4 maio 2020. 125 Página de O Estado de S. Paulo no Facebook disponível em: . Acesso em: 4 de maio de 2020. 126 Disponível em: . Acesso em: 30 abr. 2020. 74

A Folha é o jornal mais vendido do país entre os diários nacionais de interesse geral, segundo o site do veículo127. O jornal se descreve como plural, apartidário, crítico, independente e adotou a missão de

[...] produzir informação e análise jornalísticas com credibilidade, transparência, qualidade e agilidade [...] por meio de um moderno e rentável conglomerado de empresas de comunicação, que contribua para o aprimoramento da democracia e para a conscientização da cidadania.

O Grupo Folha adotou como objetivo institucional estratégico “[...] consolidar- -se como o mais influente grupo de mídia do país”, e entre seus princípios e valores estão a independência econômica e editorial; compromisso com o leitor, ética, defesa da liberdade de expressão, da livre iniciativa, do pioneirismo e respeito à diversidade, ainda de acordo com a própria empresa. Atualmente, o jornal é presidido por Luiz Frias, filho do fundador e dono de uma fortuna de US$2,2 bilhões, obtida primordialmente com participações na empresa de pagamentos digitais Pag Seguro e no portal UOL, que são controlados pela Folhapar S.A.128. O Grupo Folha tem participação minoritária, indireta e em ações sem direito a voto no UOL. O diretor de redação do jornal, no momento, é Sérgio Dávila.

3.1.2 O Estado de S. Paulo

Fundado em 1875, quando então se chamava A Província de São Paulo, O Estado de S. Paulo é um dos jornais mais tradicionais do país. Entre seus fundadores está um grupo de republicanos, liderados por Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense, que então combatiam a monarquia e a escravidão. Após a proclamação da República, o jornal adotou o atual nome e passou a ser controlado por Júlio Mesquita – genro de um dos fundadores –, tornando-se representante das ideias da elite rural paulista (AZEVEDO, 2010). O jornal, atualmente, é presidido por Francisco Mesquita Neto, da mesma família129.

127 Disponível em: . Acesso em: 30 abr. 2020. 128 Informações extraídas de: , e . Acessos em: 4 maio 2020. 129 Informação disponível em: . Acesso em: 4 maio 2020 75

O Grupo Estado adotou como missão, segundo o código ética130 próprio,

[...] ser um grupo empresarial rentável nos setores de informação e comunicação, nos segmentos de jornalismo, de serviços de informação, divulgação de publicidade, entretenimento e serviços gráficos [...] [além de] divulgar e defender os princípios da democracia e da livre iniciativa.

Para não pairar dúvidas, em texto institucional, a empresa afirma ter como valores de sua missão editorial, reitera-se, o “[...] compromisso com a democracia, a luta pela defesa da liberdade de expressão e de imprensa, a promoção da livre iniciativa, da justiça e a permanente busca da verdade”.

3.2 Análise dos editoriais

A metodologia adotada para a análise dos editoriais de Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo consistiu em pesquisar o arco total de publicações dessa seção durante todo o período do governo Temer, ou seja, de 12 de maio de 2016 a 31 de dezembro de 2018. O estudo verificou se os textos opinativos de ambos os jornais citaram o governo Temer, a Câmara dos Deputados ou o Senado, e se os enfoques da cobertura foram positivos, negativos ou neutros. Outro ponto aferido relaciona-se à citação da reforma trabalhista, reforma da previdência e à questão do teto dos gastos, além de observar a ocorrência de menções a casos de corrupção que envolveram Temer – direta ou indiretamente. Dentre os 964 editoriais analisados da Folha de S.Paulo, observou-se que o diário citou o governo de forma direta em 412 ocasiões, e em outras 147 de forma indireta. Dentre estas menções, em 283 vezes o enfoque foi crítico ao governo, ante 83 menções positivas. Em outras 193 vezes, adotou-se neutralidade. Observe nos gráficos131 a seguir (figuras 6 e 8).

130 Disponível em: . Acesso em: 30 abril 2020. 131 Elaboração própria com dados extraídos dos editoriais da Folha de S.Paulo (12 maio 2016 a 31 dez. 2018). 76

Figura 6 – Dados quantitativos dos editoriais da Folha de S.Paulo que mencionam ou não o governo Temer, Câmara e Senado, de maio de 2016 a dezembro de 2018 Folha de S.Paulo

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo disponível no portal UOL.

No mesmo período considerado, que também perfaz 964 editoriais, a análise constatou a ocorrência de 441 menções diretas ao governo e 156 menções indiretas nos editoriais de O Estado de S. Paulo. As referências foram majoritariamente positivas, por 234 vezes, seguidas de 252 com caráter neutro e 111, negativo. Veja nos gráficos132 a seguir (figuras 7 e 9).

132 Elaboração própria com dados extraídos dos editoriais de O Estado de S. Paulo (12 maio 2016 a 31 dez. 2018). 77

Figura 7 – Dados quantitativos dos editoriais de O Estado de S. Paulo que mencionam ou não o governo Temer, Câmara e Senado, de maio de 2016 a dezembro de 2018

O Estado de S. Paulo

Fonte: Acervo de O Estado de S. Paulo disponível no portal Estadão.

Ainda na mesma amostragem, a Folha de S.Paulo (figuras 6 e 8) citou a Câmara dos Deputados por 279 vezes, sendo que 144 menções foram negativas, ante 119 neutras e 16 positivas. O Estado de S. Paulo (figuras 7 e 9) mencionou a Câmara em 349 ocasiões, sendo 164 das vezes de forma negativa, 148, neutra e 37, positiva. Observe nos gráficos a seguir os dados qualitativos (figuras 8 e 9).

78

Figura 8 – Dados qualitativos dos editoriais da Folha de S. Paulo que avaliam ou não o governo Temer, Câmara e Senado, de maio de 2016 a dezembro de 2018

Folha de S.Paulo

193

283 119 94

144 115 83 16 12

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo disponível no portal UOL.

Figura 9 – Dados qualitativos dos editoriais de O Estado de S. Paulo que avaliam ou não o governo Temer, Câmara e Senado, de maio de 2016 a dezembro de 2018

O Estado de S. Paulo

252

111 148 142

234 164 127 37 16

Fonte: Acervo de O Estado de S. Paulo disponível no portal Estadão. Dentre os três elementos avaliados, o Senado foi o menos citado em ambos os jornais, com 221 menções, na Folha de S.Paulo, e 285, em O Estado de S. Paulo.

79

Das referências no primeiro jornal, prevaleceu o enfoque negativo, com 115 menções, seguido do neutro, com 94 menções e do positivo, em apenas 12 ocasiões. No segundo, a maioria das referências foi neutra, com 142 menções, seguida da negativa, com 127 ocorrências, e 16, positiva. Considerando todos os temas analisados, a questão da reforma da previdência se estabeleceu como majoritária nos dois periódicos – a Folha de S.Paulo a abordou em 157 ocasiões, enquanto O Estado de S. Paulo fez 252 citações a ela. Em relação à reforma trabalhista e ao teto dos gastos, os jornais divergiram. A Folha mencionou o teto dos gastos em 91 ocasiões e, em 74 vezes, a reforma trabalhista. Já O Estado deu mais ênfase à reforma trabalhista, com 122 menções, e menor destaque ao teto, com 94 citações. Na questão dos casos de corrupção envolvendo o governo Temer ou o presidente diretamente, a Folha repercutiu mais vezes o assunto, com 102 menções; n’O Estado o tema foi menos recorrente, com 78 menções. Observe os gráficos133 a seguir (figuras 10 e 11).

Figura 10 – Dados qualitativos dos editoriais da Folha de S.Paulo que mencionam as reformas trabalhista e da previdência, o teto dos gastos e casos de corrupção do governo Temer, de maio de 2016 a dezembro de 2018

Folha de S.Paulo

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo disponível no portal UOL.

133 Elaboração própria com dados extraídos dos editoriais da Folha de S.Paulo e de O Estado de S. Paulo (12 maio 2016 a 31 dez. 2018). 80

Figura 11 – Dados qualitativos dos editoriais de O Estado de S. Paulo que mencionam as reformas trabalhista e da previdência, o teto dos gastos e casos de corrupção do governo Temer, de maio de 2016 a dezembro de 2018

O Estado de S. Paulo

Fonte: Acervo de O Estado de S. Paulo disponível no portal Estadão.

3.2.1 O posicionamento da Folha de S.Paulo durante o governo Temer

Os editoriais que marcaram os primeiros dias do governo de Michel Temer na Folha de S.Paulo foram caracterizados por elogios às novas diretrizes econômicas, apesar de levantar dúvidas em relação à execução das propostas (14 de maio). Um dia depois, o diário apontara que o impeachment “[...] não foi a solução ideal”, mas caberia ao então presidente interino as tarefas de “reviver a economia” e “desarmar espíritos na sociedade”. Observe a reprodução a seguir.

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Figura 12 – Editorial da Folha de S.Paulo, 15 maio 2016

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo. Disponível no portal UOL em: . Acesso em: 4 maio 2020.

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Alguns dias à frente, o diário elogia a indicação de Henrique Meirelles para o ministério da Fazenda, de Pedro Parente para a Petrobras e Maria Silvia Bastos para o BNDES (17 de maio e 21 de maio); e a chegada de José Serra ao Itamaraty (23 de maio). No entanto, ao comentar a saída de Romero Jucá da pasta do Planejamento, após a revelação dos diálogos com Sérgio Machado, clama que o governo tenha cautela para “parecer honesto”. Veja abaixo.

Figura 13 – Editorial da Folha de S.Paulo, 24 maio 2016

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo. Disponível no portal UOL em: . Acesso em: 4 maio 2020.

Na mesma semana, porém, quando Temer anuncia as diretrizes para a pauta do teto dos gastos, a Folha não comenta o escândalo de Jucá no editorial, apenas cobra rigidez no remanejo de verbas (25 de maio). Ainda sobre a questão do teto, o jornal chega a estimar que o ideal para a aplicação da medida seria um prazo de cinco anos, manifestando como “drástico demais” o tempo de duração de uma década (12 de junho). Dias depois, ao se referir a mesma questão, argumenta que se tratava de um plano “inevitável” e elogia suas diretrizes. Observe a seguir.

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Figura 14 – Editorial da Folha de S.Paulo, 19 jun. 2016

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo. Disponível no portal UOL em: . Acesso em: 4 maio 2020.

Aliás, em relação a Temer, é importante frisar que a Folha se mostrou muito mais crítica que O Estado no período estudado. O jornal reprovou os arranjos de poder da parte do presidente para obter apoio no Congresso (29 de junho e 3 de julho). Também apontou problemas no plano orçamentário apresentado por ele (10 de julho); 85

o criticou, junto ao Congresso, pela retirada do regime de urgência para o exame do pacote de medidas anticorrupção (13 de julho); e comentou sobre o descrédito dos poderes Executivo e Legislativo e das “agruras” do presidencialismo de coalizão (14 de julho e 15 de julho). No entanto, dias depois, voltou a exaltar a equipe econômica de Temer, elogiando especialmente a iniciativa da reforma trabalhista. Confira abaixo.

Figura 15 – Editorial da Folha de S.Paulo, 18 jul. 2016

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo. Disponível no portal UOL em: . Acesso em: 4 maio 2020.

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A análise percebeu maior pluralidade de temas nos editoriais da Folha em comparação a O Estado, mesmo de assuntos relativos ao governo. O diário cobrou punições aos responsáveis pelo caso Samarco (27 de julho); criticou a desaceleração do programa Minha Casa, Minha Vida (21 de julho); a venda de armas ao Zimbábue e o sigilo sobre o assunto da parte do então ministro da Defesa (3 de agosto). A Folha também se mostrou progressista nos costumes, ao levantar questões como feminicídio e violência contra mulheres (28 maio e 29 de maio); e liberal na economia, defendendo que um Estado menor e menos intervencionista resulta em maior inclusão no mercado de trabalho (7 de agosto). Não por acaso, elogia a proposta federal de orçamento (2 de setembro); e o programa de parcerias e investimentos de orientação liberal apresentado pelo governo (14 de setembro). O jornal cobrou maturidade na negociação da dívida com os estados, comentando que a MP da reforma do ensino médio foi “[...] um bom começo com um mau passo”, e criticou o governo por lançar mão de medida provisória para um assunto que exigia mais debate (26 de setembro). Em outubro, o jornal escreveu que Temer “demonstrou força” ao conseguir que a Câmara aprovasse a proposta do teto dos gastos na primeira rodada de votações (11 de outubro); e defendeu projeto de lei para acabar com a exclusividade da Petrobras na exploração do pré-sal (13 de outubro e 15 de outubro). A pauta relativa ao governo volta a ficar negativa no diário dias depois, quando criticou o silêncio de Temer após a prisão de Eduardo Cunha, prevendo que eventual delação premiada seria uma “bomba” em Brasília. Observe a seguir.

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Figura 16 – Editorial da Folha de S.Paulo, 20 out. 2016

Fonte: Acervo da Folha de S.Pau lo. Disponível no portal UOL em: . Acesso em: 4 maio 2020. Nos dias posteriores, a Folha de S.Paulo segue com críticas a Temer pela ausência de políticas para a preservação da Amazônia (25 de outubro); e pela proposta de socorro do governo federal aos estados endividados (21 de novembro e 26 de novembro). Abrindo dezembro, o jornal elogia a aprovação do teto dos gastos 88

em primeiro turno no Senado (1° de dezembro de 2016); mas logo volta a criticar o presidente pelo resultado negativo do PIB (3 de dezembro); responsabilizando a “morosidade” do governo pela recessão do país (10 de dezembro). Após a aprovação final do teto pelo Senado, o texto volta a focar na questão da previdência, argumentando que sem mudanças na aposentadoria não tardará para os gastos “[...] engolirem parcela descomunal do orçamento”. Confira abaixo.

Figura 17 – Editorial da Folha de S.Paulo, 14 dez. 2016

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo. Disponível no portal UOL em: . Acesso em: 4 maio 2020. 89

O ano de 2017 se inicia com críticas da Folha a Temer e ao ministro da Justiça , relatando “caos” na política carcerária após a revolta nos presídios de Manaus (AM) e Boa Vista (RR). Observe abaixo.

Figura 18 – Editorial da Folha de S.Paulo, 13 jan. 2017

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo. Disponível no portal UOL em: . Acesso em: 5 maio 2020.

O diário dedica editorial negativo ao presidente no episódio da saída de Geddel Vieira Lima (14 de janeiro); e cita a ocorrência do nome de Temer no caso das 90

delações da Odebrecht ao comentar o processo de substituição de Teori Zavascki no Supremo, que havia falecido dias antes em um acidente de helicóptero (21 de janeiro). Após a escolha do novo relator da Lava Jato no Supremo, o ministro Edson Fachin, realizada por sorteio (3 de fevereiro); o jornal volta a criticar Temer pela nomeação de Moreira Franco para a Casa Civil, por se tratar de mais um político implicado na Lava Jato (4 de fevereiro de 2017). A Folha de S.Paulo segue sua linha crítica ao abordar o aumento promovido pelo governo aos servidores públicos (7 de fevereiro); e a indicação de Alexandre de Moraes para o Supremo (8 de fevereiro e 23 de fevereiro). Ainda nesse mês, manifesta contrariedade a uma liminar da 21ª Vara Cível de Brasília que impediu o jornal de publicar matéria sobre tentativa de extorsão sofrida pela primeira-dama Marcela Temer, que havia tido seu celular clonado no ano anterior. No caso, Silvonei José de Jesus Souza foi condenado ao exigir R$ 300 mil para não divulgar arquivos do telefone da esposa do presidente. Veja a seguir.

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Figura 19 – Editorial da Folha de S.Paulo, 14 fev. 2017

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo . Disponível no portal UOL em: . Acesso em: 5 maio 2020.

No final daquele mesmo mês e início do seguinte, o jornal manifestou críticas à indicação de para a pasta da Justiça (25 de fevereiro); e sobre a menção ao nome de Temer nas delações da Odebrecht (3 de março). Mesmo assim, defendia o avanço da pauta do governo, enquanto diversos políticos ligados à gestão

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e que constavam da lista da Odebrecht eram expostos publicamente (16 de março). Em maio, o editorial cita pesquisa do Datafolha cujo resultado atingiu 71% de rejeição às reformas (2 de maio), e mais uma vez as defende. Com a deflagração do escândalo da JBS, a Folha chega a cogitar uma possível substituição de Temer (28 de maio); poucos dias depois, repercute o enfraquecimento do político e, consequentemente, da pauta da reforma da previdência (31 de maio e 1º de junho). Os editoriais de junho seguem na mesma linha, com críticas ao presidente após o veredicto do Supremo que decidiu pela não cassação da chapa Dilma-Temer, contrariando a posição assumida pelo jornal (11 de junho). No final do mês, o texto comenta os dados do Datafolha que resultaram em 76% de rejeição a Temer (ver figura 20 a seguir). No mês seguinte, discutia-se a base parlamentar do presidente, reduzida a apenas 61 deputados (7 de julho).

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Figura 20 – Editorial da Folha de S.Paulo, 25 jun. 2017

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo . Disponível no portal UOL em: . Acesso em: 5 maio 2020. Naqueles meses, o presidente conseguiu mostrar alguma recuperação de força política com a aprovação da reforma trabalhista, ainda em junho (15 de junho); e com a rejeição da denúncia elaborada pelo Procurador Geral da República Rodrigo Janot no caso JBS, no mês seguinte (4 de agosto).

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No mês de setembro, os artigos de opinião da Folha de S.Paulo comentam os bons resultados do PIB (2 de setembro); sugerindo que a ordem democrática “passou no teste”, ao mencionar o cenário de um ano após a conclusão do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (3 de setembro). Novos textos estabelecem previsões de cenário com Temer permanecendo no cargo, por “esgotamento de opções”, e dando prosseguimento às reformas (13 de setembro e 22 de outubro). Ao fazer um balanço de 2017, no último dia do ano, o jornal sugere que o presidente “[...] esgueirou-se inacreditavelmente de crise em crise”. Observe a seguir.

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Figura 21 – Editorial da Folha de S.Paulo, 31 dez. 2017

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo. Disponível no portal UOL em: . Acesso em: 5 maio 2020.

O ano de 2018 começa para Temer com o episódio da indicação de Cristiane Brasil para a pasta do Trabalho (11 de janeiro); ao mesmo tempo em que as eleições presidenciais começam a dominar a pauta (7 de janeiro, 10 de janeiro e 12 de janeiro).

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Em fevereiro, com a decretação da intervenção federal no Rio de Janeiro, a Folha critica Temer pela suspensão da pauta da reforma da previdência (19 de fevereiro). O presidente, que ainda mantinha intenções de se candidatar, após o assassinato de Marielle Franco (16 de março) e um clima político cada vez mais tenso – incluindo um episódio de ataque a tiros a uma caravana de Lula (29 de março) –, acaba desistindo da ideia (8 de maio). O jornal mais uma vez avalia negativamente o presidente, agora após o episódio da greve dos caminhoneiros (24 de maio a 1° de junho). A justificativa é tanto a queda crescente de popularidade (10 de junho) quanto a alta do dólar (9 de junho). Nos meses seguintes, com a aproximação das eleições presidenciais, Temer vai lentamente sumindo dos editoriais da Folha de S.Paulo, porém, em duas oportunidades, é criticado nos editoriais por ter concedido aumento de salários ao Executivo e ao Judiciário (31 de agosto de 2018); e pelo incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro (4 de setembro). No último dia do ano, em editorial de balanço sobre o governo, o jornal elabora um texto com enfoque positivo, exaltando o avanço da modernização da economia brasileira com Temer, além de projetar os desafios para o governo seguinte, de Jair Bolsonaro, como a reforma da previdência. Veja a seguir.

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Figura 22 – Editorial da Folha de S.Paulo, 31 dez. 2018

Fonte: Acervo da Folha de S.Paulo. Disponível no portal UOL em: . Acesso em: 5 maio 2020.

3.2.2 O posicionamento de O Estado de S. Paulo durante o governo Temer

A negação enfática de que houve um golpe para derrubar Dilma Rousseff da presidência foi tema recorrente nos editoriais de O Estado de S. Paulo, especialmente nos primeiros meses de Michel Temer à frente do governo. Ainda em maio de 2016, mês em que Temer assumiu interinamente, o jornal dedicou textos a exaltar a nova equipe econômica, além de defender a aceleração do processo de conclusão do impeachment para efetivá-lo no cargo (19 de maio, 23 de maio e 6 de junho). O diário se mostrou altamente crítico à presidente Dilma e ao PT (2 de maio, 6 junho e 7 de junho), mesmo na ocasião do vazamento das conversas gravadas pelo

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presidente da Transpetro, Sérgio Machado, em diálogo com o então ministro do Planejamento Romero Jucá – no áudio, Sérgio defende que a “[...] solução mais fácil era botar o Michel”. O jornal, subvertendo a responsabilidade do ato, comentou o episódio como “desespero petista” para derrubar Temer. Veja a reprodução abaixo.

Figura 23 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 6 jun. 2016

Fonte: Acervo de O Estado de S. Paulo. Disponível no portal Estadão em: . Acesso em: 5 maio 2020.

Ao comentar o seguimento do processo de impeachment para o Senado (10 de junho), o texto de opinião menciona que a tese de golpe presidencial é uma questão de “má-fé”. Ao mesmo tempo, sustenta o avanço do processo contra Eduardo Cunha e novamente defende a permanência de Temer (11 de junho). Para o jornal, é ele a solução para colocar o Brasil de volta ao eixo e, assim, “[...] corrigir os erros de 13 anos de lulopetismo” (17 de junho). Ainda nos primeiros meses, O Estado defende que Temer terá habilidades para negociar reformas importantes com o Congresso como a reforma da previdência (27 de junho); também elogia o governo ao buscar estabelecer uma política econômica que classifica como menos protecionista e mais liberal (23 de junho). A escolha de para presidir o Banco Central merece elogios do diário (29 de junho). Ao mesmo tempo em que críticas ao PT são recorrentes nos editoriais, com menções a Lula quase sempre adjetivadas com o título de chefão (4 de julho), o jornal conclama Temer a assumir “compromisso de responsabilidade” para fazer um bom

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governo, com a justificativa da necessidade de avançar com a reforma da previdência (6 de julho). No mesmo período, os textos são bastante severos com o “centrão” – grupo de deputados formado por diversos partidos, conhecidos no jargão popular por serem afeitos a negociações políticas sem compromisso ideológico ou programático (12 de julho). Há lugar até para um evidente apoio à eleição de Rodrigo Maia (PP) para presidente da Câmara, afirmando que ele poderia “moralizar” a Casa. Observe abaixo.

Figura 24 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 15 jul. 2016

Fonte: Acervo de O Estado de S. Paulo. Disponível no portal Estadão em: . Acesso em: 5 maio 2020.

Ainda sobre a reforma da previdência, o jornal defende que o tema deveria ser prioridade do governo (10 de agosto), para pouco tempo depois criticar a decisão de Temer de adiar o envio da reforma (7 de setembro) e, no dia seguinte, voltar a elogiar o presidente quando ele reafirma seu compromisso em passar a medida (8 de setembro). O mesmo assunto consta de outro editorial (17 de setembro) – o tom é de exaltação à disposição do presidente de apoiar as reformas, com a ressalva da necessidade de se construir uma base parlamentar comprometida com a pauta. Sobre a equipe de governo, O Estado frequentemente tece críticas ao então ministro da Justiça Alexandre de Moraes (28 de setembro), ao mesmo tempo, elogia tanto a expectativa do Banco Central para que sejam adotados juros mais baixos (29

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de setembro) quanto a decisão de alinhar o Brasil às recomendações do Fundo Monetário Internacional (1º de outubro). O jornal se esforça para apoiar o presidente, “encaixando-o” em um comentário sobre as eleições municipais daquele ano (4 de outubro) – menciona-se a “[...] compreensível impopularidade de Michel Temer”. Ainda no mês de outubro, quando Temer consegue avançar a proposta relativa ao teto dos gastos no Congresso, dedicam-se elogios à sua figura (11 outubro e 12 de outubro), para um dia depois voltar a cobrar a reforma da previdência (13 de outubro). No mês seguinte, um artigo de opinião mostra-se desfavorável às ambições eleitorais de Temer, apontando que o governo parece ter “entregado os pontos” na luta por uma reforma “minimamente ousada e eficaz”. Veja abaixo.

Figura 25 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 5 nov. 2016

Fonte: Acervo de O Estado de S. Paulo. Disponível no portal Estadão em: . Acesso em: 5 maio 2020.

Outro motivo de crítica foi a demora na decisão de manter Geddel Vieira Lima como ministro da Secretaria de governo, após denúncias envolvendo o então ministro da cultura (23 de novembro) em uma questão sobre pressões para liberar uma obra no centro histórico de Salvador134.

134 Informações disponíveis em: . Acesso em: 30 abr. 2020. 101

O Estado de S. Paulo se mostra ainda favorável a um governo aliado ao agronegócio (12 de dezembro) e defende a permanência de Temer na presidência para não agravar a crise econômica, citando novamente a importância da aprovação das reformas (13 de dezembro e 14 de dezembro). O ano de 2016 termina com diversos editoriais positivos a Temer (27 de dezembro e de 29 de dezembro a 31 de dezembro) – sua atuação na negociação da dívida dos estados, na aprovação do teto dos gastos e nos avanços da agenda econômica é elogiada. Em 2017, a pauta que dominou os editoriais do jornal foi novamente a reforma da previdência. Sobre os casos de corrupção envolvendo Temer, o diário se manteve como ferrenho defensor da manutenção do presidente até o fim do mandato. Em grande parte dos textos, culpam-se outros agentes pelos casos envolvendo o presidente – direta ou indiretamente –, com críticas aos empresários da J&F e ao então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. O mês de janeiro, no entanto, é fortemente marcado por comentários acerca da crise dos presídios (de 7 a 9 e dia 19 de janeiro) – o jornal, ao mesmo tempo em que cobra ações do governo, critica o uso de forças militares para mitigar o conflito. Temer voltou a ser elogiado em diversos dias pela queda de juros promovida pelo Banco Central e com a condução da política econômica (dias 13 de janeiro a 15 de janeiro, 20 de janeiro e 1º de fevereiro), porém, logo em seguida, os textos de opinião tornam a mencionar a necessidade da reforma da previdência (6 fevereiro e 7 de fevereiro). Em relação à equipe do governo, O Estado critica a nomeação de Moreira Franco para a Secretaria Geral da Presidência (10 de fevereiro) e, duas semanas depois, elogia a postura “antibolivariana” de Serra como chanceler (24 de fevereiro). O periódico adotou postura neutra ao comentar a chegada de Osmar Serraglio à pasta da Justiça (26 de fevereiro), mas se manteve altamente crítico à Alexandre de Moraes (8 de fevereiro, 11 de fevereiro e 21 de fevereiro) e à Eliseu Padilha (2 de março) – sugerindo que fosse afastado por suspeitas de envolvimento em casos de corrupção. No caso do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE, o jornal defende Temer (30 de março) e ainda tece elogios a sua figura, apesar de reconhecer seus altos índices de impopularidade (4 de abril). Posteriormente, uma crítica é tecida a essa peça jurídica, o fato de o conteúdo da delação da Odebrecht ter sido descartado. Observe a seguir.

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Figura 26 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 10 jun. 2017

Fonte: Acervo de O Estado de S. Paulo. Disponível no portal Estadão em: . Acesso em: 5 maio 2020. Antes, o periódico havia exaltado os esforços do então ministro da Economia Henrique Meirelles para avançar com a reforma da previdência, e criticado os parlamentares que se opuseram à medida (21 de abril e 26 de abril). No entanto, voltaria a dar enfoque positivo à Câmara, quando esta aprovou a reforma trabalhista (28 de abril). Ao fazer o balanço de um ano do governo Temer, outro elogio era feito ao presidente (12 de maio e 16 de maio) – o jornal manteve sua posição de defesa do político ao comentar o caso da delação da JBS (19 de maio a 21 de maio). Na mesma linha, critica o acordo de delação de Joesley e Wesley Batista, da JBS, que não foram presos, além de apontar erros na divulgação da gravação da conversa com o presidente e negar que ele tenha concordado com a manutenção do pagamento de propina para manter o silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (22 de maio a 24 de maio e 27 de maio). O caso J&F, aliás, que aconteceu na mesma época da condenação de Lula pelo então juiz federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, tomou muito do noticiário no período. O Estado dedica vários dias para exaltar a decisão de Moro e criticar Lula (13, 14, 23 e 24 de julho). No mês seguinte, é dedicado um editorial inteiro para elogiar a decisão da Câmara, que negava autorização ao Supremo para encaminhar denúncia contra Temer feita pelo procurador Rodrigo Janot, no caso da delação de Joesley Batista, afirmando não terem sido apresentadas provas que o presidente havia recebido

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propina de R$ 500 mil (4 de agosto). Em outros textos, o jornal comenta que a rejeição da denúncia abriu espaço para o avanço de reformas, inclusive a política (ver figura 25 abaixo), além de elogiar o diálogo de Temer com o Congresso em prol da reforma da previdência (8 de agosto).

Figura 27 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 5 ago. 2017

Fonte: Acervo de O Estado de S. Paulo. Disponível no portal Estadão em: . Acesso em: 5 maio 2020.

No último trimestre do ano, o diário começa a reconhecer que a pauta da previdência estava perdendo fôlego (22 de outubro), mas se mantinha fiel ao presidente por ele governar “com o Congresso”, e não “comprando o Congresso”. Observe a seguir.

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Figura 28 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 31 out. 2017

Fonte: Acervo de O Estado de S. Paulo. Disponível no portal Estadão em: . Acesso em: 5 maio 2020.

O jornal ainda insistiu no tema da reforma da previdência ao longo de novembro, mas já argumentando que a aproximação das eleições traria complicações ao avanço da pauta (12 de novembro a 16 de novembro e 19 de novembro). Em dezembro, dois editoriais comentavam que a decisão de passar o tema para o ano seguinte poderia evitar sua derrota (15 de dezembro e 16 de dezembro). O ano de 2018 começava já com um editorial crítico ao Congresso pela demora em votar a reforma da previdência (1º de janeiro), enquanto outros dois textos reconheciam que o assunto talvez fosse um desafio para o próximo presidente (6 janeiro e 7 de janeiro). O jornal alegava que Temer “fez sua parte”, ao tentar negociar a pauta no Congresso (3 de fevereiro), e criticava o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por considerar o seu arquivamento (16 de fevereiro). Em meados de fevereiro o governo decretava intervenção federal no Rio de Janeiro, e O Estado de S. Paulo tecia críticas à suspensão da pauta da reforma da previdência (20 de fevereiro e 21 de fevereiro), comentando que governo precisava definir seus rumos (26 de fevereiro). O jornal voltou a dedicar vários editoriais à prisão de Lula (4 de abril a 8 de abril, 10 de abril e 11 de abril), sempre em defesa da medida, para então voltar a exaltar o legado de Temer e a pauta das reformas (27 de abril e 28 de abril). Com a aproximação do pleito presidencial daquele ano, o periódico tece elogios à definição da candidatura de Henrique Meirelles pelo PMDB (24 de maio), além de

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novamente criticar Temer pela "falta de pulso" na greve dos caminhoneiros (29 de maio a 31 de maio, 1º de junho e 2 de junho). O segundo semestre de 2018 é marcado por textos com menor destaque a Temer – a eleição presidencial com Lula preso e o crescimento da popularidade de Bolsonaro tomam os editoriais. O jornal voltaria a elogiar Temer somente em outubro, após o governo emitir um documento de recomendações ao próximo mandatário (30 de setembro, 1º de outubro e 3 de outubro), e no final do ano, ao comentar que o presidente entregaria a Bolsonaro uma “[...] economia em marcha lenta, mas, de toda forma, em movimento e em condições de avançar mais velozmente”. Veja abaixo.

Figura 29 – Editorial de O Estado de S. Paulo, 18 dez 2018

Fonte: Acervo de O Estado de S. Paulo. Disponível no portal Estadão em: . Acesso em: 5 maio 2020.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O período em que Michel Temer chefiou o Estado brasileiro representou a ponte que mudou as diretrizes da política brasileira do petismo para o bolsonarismo. O próprio documento lançado por seu partido, o (ainda) PMDB, em outubro de 2015, intitulado Ponte para o futuro, já anunciava as premissas de um projeto nacional de orientação neoliberal – mesmo que, naquela época, a sigla ainda fizesse parte da base de apoio da presidente Dilma Rousseff. Esse foi um dos primeiros grandes sinais, do lado de fora dos bastidores, de que havia uma articulação em curso com o objetivo de abandonar a ala governista, deixando os “petistas” lidarem com a crise política sozinhos. Portanto, a chegada de Temer ao poder, em maio de 2016, veio acompanhada de um novo conteúdo programático, baseado em uma série de reformas econômicas austeras, em especial a do teto dos gastos e a reforma trabalhista, que foram aprovadas ainda naquele ano pelo Congresso, e a reforma da previdência, que emplacou apenas no mandato seguinte, de Jair Bolsonaro. Ao longo da gestão do pmdebista, a mídia tradicional – representada neste trabalho por Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo – apoiou o projeto neoliberal implementado por Temer desde o início de seu mandato. Considerando todo o material jornalístico pesquisado (cujo detalhamento está incluso no capítulo 3 desta dissertação), observou-se que, apesar das diferenças entre os dois veículos – a Folha mais crítica a Temer, e O Estado em geral mais favorável –, o posicionamento de ambos não divergiu em temas relativos à agenda econômica. Depreende-se disso que a propagação dos interesses do mercado permeou toda a orientação editorial dos diários paulistas durante o período analisado. Mais do que defender a necessidade do avanço das reformas de modo constante, na ótica da Folha e d’O Estado – os editoriais são bem diretos em relação ao tema –, caso não fossem aprovadas e empreendidas as mudanças, o Brasil estaria condenado à falência de suas finanças. Sim, os dois jornais se mostraram grandes defensores tanto do teto dos gastos – que congelou por 20 anos os orçamentos da saúde e educação – e da reforma trabalhista – que reduziu direitos e não se provou eficaz no combate ao desemprego – como da reforma da previdência – também com caráter austero e impopular. Evidenciou-se, ainda, forte ausência de crítica aos

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modelos das reformas – dos 964 editoriais estudados de cada uma das fontes, os enfoques positivos ou negativos a Temer e ao Congresso se deram quase que exclusivamente conforme o avanço ou retrocesso das discussões das pautas supracitadas. Em relação aos casos de corrupção que implicaram Temer – direta ou indiretamente –, os jornais apresentaram posturas distintas. Enquanto a Folha criticou, O Estado defendeu o término do mandato do presidente, chegando inclusive a questionar os que o implicaram em práticas ilícitas, como o empresário Joesley Batista e o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em linha similar, O Estado de S. Paulo dedicou diversos editoriais para elogiar Temer, seu diálogo com o Congresso, ao mesmo tempo que não deixou de cobrar a reforma da previdência. A Folha de S.Paulo, por outro lado, mostrou-se mais crítica ao presidente tanto nas negociações do mandatário com o Congresso como na ocasião da suspensão da pauta da reforma da previdência com o advento da intervenção federal. Já em relação à impopularidade do presidente, a Folha manteve o enfoque negativo, enquanto O Estado classificou a baixa taxa de aprovação de Temer como compreensível – associando sempre que possível os problemas do Brasil aos anos de administração petista. Sobre o alcance dos dois jornais, notou-se que embora houvesse aumento na circulação diária durante o governo Temer, graças às edições digitais, ambas as empresas tiveram (e ainda têm) dificuldades para se impor nas redes sociais, passando cada vez mais a disputar espaço com páginas de notícias falsas e sensacionalistas, as chamadas fake news. Nesse ínterim, inclusive, a Folha anunciou sua retirada do Facebook, em fevereiro de 2018, apesar de ainda permitir compartilhamento de seus conteúdos nessa rede social. O Estadão não promoveu mudanças nesse sentido, ou seja, continua com uma página própria e ativa na referida mídia. Mais recentemente, com a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, muda também o trato da presidência com a mídia. Durante a gestão Temer, tanto o governo quanto os jornais tinham interesse nas reformas, e, com isso, as instâncias de poder representadas pelo presidente e a imprensa encontravam mais diálogo – fosse por conveniência ou afinidade. E, como ambos propagaram a pavimentação de mudanças de ordem econômica que abriu mais espaço ao mercado, ironicamente ambos

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sofreram com as consequências desse processo ao fim do mandato: Temer foi temporariamente preso e responde por processos judiciais; enquanto a mídia tradicional se viu colocada em uma batalha pela credibilidade ao ter que disputar espaço com novas mídias, muitas delas propagadoras de fake news. E mesmo que O Estado e a Folha em nenhum momento tenham apoiado abertamente Bolsonaro durante a eleição presidencial de 2018, o atual presidente brasileiro, na gestão da economia, tem endossado o discurso das mesmas pautas reformistas, porém com desprezo evidente aos veículos de notícias historicamente estabelecidos – com exceção de alguns, como Record TV e SBT. Aliás, desde o início de seu mandato, Bolsonaro vem promovendo insultos frequentes à imprensa. A estratégia de comunicação do presidente se dá muito por suas próprias redes. Por exemplo, no mesmo dia em que esta breve conclusão está sendo escrita, em meio à pandemia do coronavírus, a Folha de S.Paulo publica manchete emblemática: “Bolsonaro manda repórteres calarem a boca”135. Dias antes, profissionais de O Estado de S. Paulo foram fisicamente agredidos por apoiadores do presidente durante manifestação pró-governo – e contra as instituições democráticas – em Brasília136. Assim, dentre as várias questões que ficam ressoando nas considerações finais deste estudo, incluindo como a mídia tradicional encontrará respostas aos novos desafios que se desenham, uma delas, se fosse possível, seria endereçada diretamente aos atores políticos que assumiram protagonismo do processo de impeachment de Dilma até a eleição de Bolsonaro: terá valido a pena?

135 Matéria disponível em: . Acesso em: 6 maio 2020 136 Cobertura de vídeo do Estadão disponível em: . Acesso em: 6 maio 2020 109

REFERÊNCIAS

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