Anais Do XXI Encontro Estadual De História –ANPUH-SP - Campinas, Setembro, 2012
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Experimentalismo e Indústria fonográfica nos anos 1970: o caso do Som Imaginário Maria Beatriz Cyrino Moreira 1 1- Que som é esse? O grupo Som Imaginário, surgiu em 1969 a partir de uma ideia do então produtor musical de Milton Nascimento José Mynssen que consistia na junção de músicos que pudessem traduzir estilisticamente as novas propostas artísticas de Milton. A música do artista se voltava às sonoridades do rock n´roll , porém, não deixava de lado seus traços característicos anteriores, como a música mineira e o jazz. Assim, o Som Imaginário estreou a turnê intitulada Milton Nascimento e Ah... o Som Imaginário! e gravou o LP que marcou a mudança estética do músico, Milton (1970) 2. O grupo, formado por integrantes com diferentes backgrounds musicais (o trio de jazz Wagner Tiso, Luis Alves e Robertinho Silva e os jovens músicos apaixonados pelo pelo rock Zé Rodrix, Fredera e Tavito) acompanhou diversos outros artistas durante os primeiros anos da década de 1970, como Marcos Valle, Odair José, Taiguara e Gal Costa. Com Gal o grupo realizou a turnê intitulada Deixa Sangrar , na qual a cantora, com vocais e atitudes inspiradas em Janis Joplin, demonstrava sintonia com os ideais contraculturais e sonoridades psicodélicas. Além de ter acompanhado diversos artistas, o Som Imaginário gravou três álbuns autorais, intitulados Som Imaginário (1970), Som Imaginário (1971) e Matança do Porco (1973). Atualmente, os canais de informação virtual e a mídia em geral atribuem ao grupo inúmeros papéis e rótulos. Em sua maior parte, consideram o Som Imaginário como um representante do rock progressivo brasileiro ; o apontam como importante precursor da música instrumental brasileira e outros ainda garantem que o Som Imaginário representa um desdobramento direto do tropicalismo e de suas experimentações, assim como outros artistas deste mesmo período. O estudo que dá origem a este artigo, em linhas gerais buscou, através de um estudo musicológico que envolveu a busca de informações sobre o grupo em arquivos e 1 Universidade Estadual de Campinas. FAPESP. 2 Milton Nascimento. LP. Milton Nascimento. Odeon. 1970. Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 2 uma análise minuciosa da narrativa musical, clarificar a história do grupo e, através dela, compreender mais profundamente um momento histórico brasileiro de muitas implicações na vida cultural e social do país, que é a transição da década de 1960 para os anos de 1970. Neste artigo, à luz do objeto proposto, pretendo discutir três categorias que nos dão margens para elaborar questionamentos e discussões acerca dos conflitos e das ambigüidades reveladas naquele momento histórico específico da MPB, principalmente a indústria fonográfica e o experimentalismo. 1 – Para não viver “fora do ar” – indústria fonográfica no início dos anos 1970 Sabemos que durante os anos 70, concomitantemente ao período em que viveu o “milagre econômico”, o país assistiu ao crescimento da indústria cultural. Este desenvolvimento econômico possibilitou que a classe média, beneficiada pelo sistema de crédito, tivesse acesso a bens de consumo produzidos em larga escala pelo setor empresarial, que recebia um número cada vez maior de investimentos estrangeiros. O setor fonográfico, no período de 1965 a 1972 observou um crescimento de 400% em suas vendas de disco. Com isso, a mentalidade empresarial era desenvolvida e aprimorada (RIDENTI, 2000, p.56) e dentro dos estúdios, diversos profissionais como produtores executivos e diretores artísticos eram responsáveis por etapas na confecção dos álbuns de seu casting . A indústria fonográfica passou a hegemonizar o processo de produção e circulação das canções, à medida que os “segmentos” se hierarquizavam dentro do mercado, ampliando a quantidade de gêneros e consequentemente de grupos distintos de consumidores. Assim, podemos dizer que este período é marcado por uma transição de posturas mercadológicas por parte dos grandes estúdios e das gravadoras, e cada uma delas, apresentava características próprias na hora de supervisionar um artista. O caso do Som Imaginário esclarece esta situação. Em 1969 a Odeon, gravadora responsável por parte dos discos de Milton Nascimento até este ano, foi vendida para uma multinacional, a EMI. Entretanto, diretores como Milton Miranda e Mariozinho Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 3 Rocha, habituados com procedimentos mais artesanais na produção de discos, ainda eram responsáveis por boa parte dos lançamentos. De acordo com Zuza Homem de Mello, Milton Miranda depositava grande confiança na carreira de Milton permitindo que o artista gravasse o que quisesse, quando quisesse. Desta maneira, o autor afirma que o sucesso de vendagens de Milton Nascimento “demorou a acontecer, atingindo números satisfatórios apenas no ano de 1975 com o disco Minas” (MELLO, 2003, p.249). O jornalista Aramis Millarch afirma em artigo de 1974, que Miranda era responsável por produções bem acabadas, álbuns de capa dupla que valorizava o trabalho do produtor, trabalhando tanto na linha comercial como nas produções mais sofisticadas. O grupo Som Imaginário, obteve aval da Odeon para gravar seus LPs autorais, tendo direito a horas a fio de gravação, sem direcionamentos estéticos ou supervisão de qualquer outro profissional que não fosse os próprios músicos. Encontramos evidências destes fatos no Jornal Folha de São Paulo, de 1971: “Odeon vai deixar que Milton Nascimento, o Som Imaginário, Equipe Mercado, A tribo e o Conjunto Módulo 1.000 façam um elepê com plena liberdade. Nada comercial. Cada um vai produzir sua parte”. O ambiente de liberdade propiciado pelo momento de transição da indústria fonográfica, o aquecimento do mercado de discos, a alta das vendas e a segmentação do mercado fomentaram a produção de inúmeros artistas desta época, contrariando as perspectivas negativas que visualizam o pós-68 como um período de “vazio cultural”. VARGAS (2010, p.89), afirma que esta condição da expansão do mercado criou mais visibilidade a um “artista dentro de um espectro de gosto mais específico”, mesmo porque este mesmo mercado estava sempre em busca de novidades. É importante especificar que o campo da música popular brasileira era regido ainda com base em uma orientação ideológica nacional-popular e engajada – e grupos que incluíssem em seus discursos musicais elementos estrangeiros e sonoridades elétricas ligadas ao rock eram quase sempre vistos como objetos puramente comerciais. Desta forma, duas ações entravam em conflito dentro da indústria fonográfica – “resistir” e “cooptar” (NAPOLITANO, 2006, p.127). A primeira, abarcaria os significados postos pelo ideário nacional-popular de protesto, crítica a ditadura e priorização de elementos culturais vindos da “tradição brasileira”. A segunda, estaria ligada à assimilação destas Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 4 informações musicais estrangeiras e ao mesmo tempo à aceitação das regras comerciais impostas pela racionalização da indústria fonográfica. Os dois primeiros discos, de canções, são bastante influenciados pela música estrangeira. Entretanto, ambos se aproveitam da facilidade e liberdade de criação, itens que, a medida do tempo, contribuíram para diferenciar os “artistas comerciais” de um grupo selecionado de “artistas de prestígio” ligados a sigla MPB. O terceiro disco do grupo, gravado em 1972 após o afastamento de alguns de seus membros, é lançado em um momento de reacomodações dos elementos nacionais e internacionais. Não se comprometendo politicamente através de um dos binômios da canção crítica da década de 60, letra e melodia, consistia em faixas completamente instrumentais. Neste disco, a incorporação de gêneros estrangeiros já era mais aceita por parte de um segmento jovem já consolidado. Retomando alguns elementos considerados “brasileiros”, como o samba, Matança do Porco ganha uma roupagem orquestral, garantindo o “status” mais elevado dentro do campo da MPB. Ao mesmo tempo, o disco sabe aproveitar o formato LP que atingia maior popularização entre os consumidores, permitindo que o produto das gravadoras não fosse simplesmente uma canção de sucesso, mas sim um “trabalho com maior consistência estética e conceitual, aquilo que podemos chamar de “obra autoral”. (VARGAS, 2010, p.92) Assim, Matança do Porco ganhou uma unidade estética bem definida, enfatizadas principalmente pela reutilização dos temas musicais presentes no disco nas chamadas “vinhetas”, fonogramas de curta duração que combinavam a formação do Som Imaginário (piano, baixo, guitarra, bateria) com as formações orquestrais. 3 - Categorias de análise da produção pós-tropicalista – alguns apontamentos Em seu mais recente artigo sobre experimentação na década de 1970, o historiador Herom Vargas, levanta algumas discussões acerca das categorias de análise da produção pós-tropicalistas. Utilizarei os apontamentos do pesquisador para refletir sobre a produção musical do Som Imaginário e discutir sobre os limites entre estas categorias, que, a grosso modo, na visão do autor, podem muitas vezes estancar as intenções das criações artísticas do pós-70, considerando-as, na maioria das vezes, como respostas a Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 5 determinadas instâncias, sobretudo às pressões das ações censórias do governo militar, que ao meu ver, ainda dominam boa parte dos discursos sobre a música popular brasileira daquela época. Vargas distingue três visões diferentes, elaboradas