4. O Som Das Palavras No Sambajazz
4. O som das palavras no sambajazz 4.1. O vôo dos “canários” no sambajazz Se as percussões estão em um lugar especial dentre os instrumentos do samba moderno pelo seu uso regular dos “ruídos” (ou “sons de altura indeterminada”, excluídos do sistema tonal ocidental) a voz também ocupa uma posição especial, porque ela remete à fala e às palavras. Se as percussões descem ao baixo, à cozinha e aos ritmos, conforme se afirmou anteriormente, com referência à Bakhtin (1999), a voz, em sua ligação com a literatura remete ao “alto”, às palavras elevadas pela arte literária e pela linguística115. Esta oposição entre a atividade mais alta dos cantores com relação aos demais músicos está explícita na gíria “canário”, usada pelos instrumentistas do sambajazz para designá-los. A topografia retorna aqui, opondo o vôo dos “canários” cantores à batucada da “cozinha”, que designa a atividade da seção rítmica, associada aos baixos corporais da deglutição e do sexo. Robertinho Silva, baterista de uma geração um pouco posterior à dos músicos focados, mas que conheceu o Beco das Garrafas muito novo, ainda no período do sambajazz, costuma se referir a esta topografia associada ao vôo dos “canários”. Silva distingue entre os “canários que voam alto”, ou seja, os artistas que fazem muito sucesso na indústria cultural, como Milton Nascimento, a quem Silva “acompanhou” por três décadas, e aqueles que “voam baixo”, ou seja, a grande maioria dos cantores, menos conhecidos. O cantor e compositor Caetano Veloso, citando o baterista Édison Machado, faz um relato sobre o período em que se deu conta de que os instrumentistas contratados se referiam aos cantores, “sempre em tom pejorativo”, como “canários”: O mais importante baterista da história do samba moderno, Edson Machado, estava tocando com Bethânia, assim como o pianista Osmar Milihto, entre outros músicos, todos muito bons, todos jazzísticos e todos oriundos do Beco das Garrafas.
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