Partido Alto (1976/1982), De Leon Hirszman
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EM DEFESA DO NACIONAL-POPULAR: O papel da voz over no documentário Partido Alto (1976/1982), de Leon Hirszman Mariana Rosell* RESUMO: O presente artigo pretende analisar o curta documentário Partido Alto, dirigido por Leon Hirszman e realizado com a colaboração do cantor e compositor Paulinho da Viola e financiamento do MEC e da Embrafilme entre os anos de 1976 e 1982. Enfocamos nossa análise nas estratégias formais utilizadas pelos realizadores, especialmente a voz over, e identificamos que tais recursos contri- buíram para que o discurso fílmico estivesse em consonância com o projeto político do Partido Co- munista Brasileiro (PCB), do qual o cineasta sempre esteve bastante próximo. PALAVRAS-CHAVE: Voz over; Nacional-popular; Leon Hirszman. IN DEFENSE OF THE NATIONAL-POPULAR: THE ROLE OF VOICE OVER IN THE DOCUMENTARY PARTIDO ALTO (1976/1982), BY LEON HIRSZMAN ABSTRACT: This article aims to analyse the short documentary Partido Alto, directed by Leon Hir- szman and made with the collaboration of the composer and singer Paulinho da Viola, MEC and Embrafilme funding between the years of 1976 and 1982. We focus our analysis on the formal strat- egies used by the filmmakers, especially voice-over, and identify that these resources contributed so that the film discourse was in line with the political project of the Brazilian Communist Party (PCB), which the filmmaker has always been quite close. KEYWORDS: Voice-over; National-popular; Leon Hirszman. * * * 178 * Mestranda em História Social (PPG-FFLCH-USP), sob orientação do Professor Marcos Napolitano e com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). E-mail: [email protected]. Revista Poder & Cultura, Rio de Janeiro, Vol. 3, Nº 5, pp.178-194, Jan.-Jun.2016| www.poderecultura.com A resistência ao regime militar e o frentismo cultural urante todo o regime militar as artes tiveram um papel de grande importância na resistência ao governo autoritário, configurando-se já nos primeiros momentos D após o golpe, o conceito de resistência cultural, pautado especialmente pelo papel central da atuação dos intelectuais e pela capacidade de unir em torno de si agentes de diferentes ideologias em nome da luta contra o regime e da defesa da democracia. Em sua tese de livre-docência, Marcos Napolitano dedicou um capítulo para o estudo do conceito da resistência cultural enquanto categoria histórica. Nele, o autor destaca a noção frentista própria da natureza do conceito, forjado, especialmente, pelos liberais Carlos Heitor Cony e Alceu Amoroso Lima em suas colunas em jornais de grande circulação, mas endossado também pelos comunistas, e afirma que esses dois pensadores cristalizaram a imagem que resistir ao regime militar e seus atos arbitrários era um imperativo ético e um exercício de livre pensamento crítico, para além de qualquer partidarismo ou im- posição ideológica. Essa definição do espaço cultural e seu papel histórico se plasmaram na própria natureza de ‘resistência cultural’ como categoria histórica.1 Mas, para além disso, a ideia de resistência cultural no Brasil também está imbricada com o projeto nacional-popular e a crise pela qual ele passou ao ser combatido pelos militares e questionado pela oposição ao regime. Sendo assim, além da defesa da união de diferentes setores ideológicos, parte da resistência cultural2 – leia-se a ala liberal e os comunistas ligados ao PCB – defendia também a união entre as classes populares e a classe média progressista, a fim de derrubar o regime militar, restabelecer a democracia e, sobretudo para os comunistas, recuperar projetos que favorecessem os “de baixo”3. Mesmo com as duras críticas sofridas pelo nacional-popular e seus principais fiadores, os comunistas, Napolitano aponta que Se nos dois anos que se seguiram ao golpe a perspectiva nacional-popular era hegemônica como lastro criativo da arte de esquerda, o debate, entre 1967 e 1968, acabou por conduzir 1 NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: arte, resistência e lutas culturais durante o regime militar. Tese de Livre Docência em História do Brasil Independente, Universidade de São Paulo, 2011, p. 53. 2 Sobre os diferentes grupos que constituíram na resistência cultural, cf. Idem, ibidem, pp. 11-15. 3 Esse projeto político não surgiu após o golpe de 1964, mas forjou-se no final da década de 1950, mais especificamente 179 em 1958, quando o PCB abandonou a política de enfrentamento em nome de maior inserção no campo político e da defesa da chamada “questão democrática”. Assim, no campo da resistência cultural ao regime militar, esse projeto foi defendido sobretudo por artistas e intelectuais ligados ao Partido Comunista Brasileiro e seria tão importante quanto criticado ao longo dos 21 anos de vigência do governo autoritário. Revista Poder & Cultura, Rio de Janeiro, Vol. 3, Nº 5, pp.178-194, Jan.-Jun.2016| www.poderecultura.com à sua revisão crítica. Ainda assim, o nacional-popular estaria presente ao longo dos anos 1970, como um mote para o frentismo cultural de amplos setores da esquerda.4 Assim, nos anos 1970, período em que o documentário de Hirszman foi produzido, o nacional- popular ainda tinha importância dentro do campo da resistência cultural e disputava espaço com outros projetos artístico-culturais. E, especialmente em 1973 e 1979, período que abrange a derrota definitiva da luta armada e o esvaziamento político do projeto frentista, ganhou novo fôlego e forneceu as bases político-ideológicas para muitas das obras artísticas paradigmáticas do período, especialmente aquelas produzidas dentro do campo das três artes de espetáculo: o cinema, o teatro e a música popular. Dentre as principais questões que nortearam não só os críticos do nacional-popular como tam- bém a reavaliação que os artistas fiadores desse projeto buscaram fazer ao longo dos anos 1970, pode- mos apontar aquelas relacionadas ao público ideal da arte engajada e qual a linguagem mais adequada para estabelecer uma comunicação com esse público. Ao longo deste artigo, veremos como Leon Hirs- zman buscou dialogar com essas questões a partir da análise de Partido Alto. A trajetória política e artística de Leon Hirszman Leon Hirszman esteve desde muito jovem filiado ao Partido Comunista Brasileiro e pode-se afirmar uma recíproca importância de um para a trajetória do outro. Da mesma forma que as discussões do partido foram fundamentais para a formação da consciência sócio-política do cineasta, também a obra deste foi importante para o projeto político do partido, posto em debate e em circulação através dos filmes de Hirszman. Rodrigo Patto Sá Motta aponta essa relação de dupla troca característica da adesão de artistas ao comunismo no mundo como um todo, afirmando que a categoria social dos artistas e intelectuais tinha importância especial para as organizações partidárias, pois ajudava a produzir imagens, discursos, ideias e a disseminá-las entre a população, inclusive graças ao seu prestígio social. [...] [Em contrapartida, alguns desses artistas] aproveitaram a máquina cultural dos partidos (edito- ras, jornais, prêmios) para divulgar melhor a sua obra.5 180 4 NAPOLITANO, op. cit., pp. 42-43. 5 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A cultura política comunista. Alguns apontamentos. In: NAPOLITANO, Marcos; CZAJKA, Rodrigo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Comunistas brasileiros: cultura política e produção cultural. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013, p. 29. Revista Poder & Cultura, Rio de Janeiro, Vol. 3, Nº 5, pp.178-194, Jan.-Jun.2016| www.poderecultura.com Além disso, não é difícil perceber que os filmes de Hirszman expressam componentes da agenda política pecebista ao longo das décadas em que ele esteve atuante, colocando em pauta, inclusive, as continuidades e rupturas que marcaram a atuação comunista no período do regime militar6. No caso de Partido Alto, como veremos mais detalhadamente no decorrer deste artigo, aparecem temas como a va- lorização do popular enquanto sujeito e de sua cultura como expressão do nacional, além de uma pro- posta de diálogo entre as classes sociais, entre outros. Ademais, até o final da década de 1970, no caso específico do Brasil, o esvaziamento político do PCB seria compensado pela forte presença de intelectuais e artistas em seus quadros. Segundo Napolitano, Em certo sentido, os artistas comunistas e seus compagnons de route foram bem sucedidos na defesa dos valores do nacional-popular, a aliança de classes pela democracia, na denúncia do autoritarismo e das mazelas do regime, sem falar na política de ocupação de espaços, mesmo enfrentando um duro debate na área cultural.7 Ou seja, os artistas ligados ao partido, por filiação ou afinidade, foram fundamentais para que o projeto pecebista se mantivesse em debate a despeito de sua perda de espaço no jogo político estrito. Nessa conjuntura, como apontou Reinaldo Cardenuto, Hirszman e outros artistas comunistas de sua geração entendiam que sua arte deveria ser uma ferramenta de transformação social e adotaram “como ponto de partida um nacionalismo combativo, em boa parte oriundo da esquerda pecebista, a partir do qual poderia se originar uma recusa do processo de colonização cultural, acusado de nos alienar das tradições e dos problemas brasileiros”8. Daí, por exemplo, a “busca por revelar o povo” que o pes- quisador Arthur Autran identifica no filme aqui analisado.9 Além da própria relação com o partido, a ligação de Hirszman com o Teatro de Arena de São Paulo em seu período de virada politizadora, tendo participado dos Seminários de Dramaturgia e das peças Revolução na América do Sul, de Augusto Boal, e Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho, também foi fundamental para sua formação enquanto artista. No Seminário de Dramaturgia foram discutidos vários temas fundamentais para a conformação da resistência cultural ao regime militar e para 6 Para uma análise da obra de Leon Hirszman, cf. CARDENUTO, Reinaldo. O cinema político de Leon Hirszman (1976-1981): engajamento e resistência durante o regime militar brasileiro. Tese de doutorado, ECA/USP. São Paulo, 2014 181 7 NAPOLITANO, p.