FILOZOFICKÁ FAKULTA MASARYKOVY UNIVERZITY

ÚSTAV ROMANSKÝCH JAZYKŮ A LITERATUR

Portugalský jazyk a literatura

Bc. Miluše Gráfová

Português de

Magisterská diplomová práce

Vedoucí práce: Mgr. Iva Svobodová, PhD.

2013

Prohlašuji, že jsem diplomovou práci vypracovala samostatně s využitím uvedených pramenů a literatury.

Tištěná verze se shoduje s verzí elektronickou.

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Děkuji Mgr. Ivě Svobodové, PhD., za cenné připomínky, věnovaný čas a trpělivost.

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1. Índice

1. Índice 4

2. Introdução 6

3. Metodologia e objectivo 7

4. Língua portuguesa em Macau 8

5. Contexto sócio-histórico 10

5. 1 População em Macau 10

5. 2 Situação linguística em Macau 12

5. 3 Ensino em Macau 15

5. 4 Manutenção da língua portuguesa em Macau 18

5. 5 A situação actual 19

6. Ortografia e transcrição 20

7. Fonética e fonologia 21

7. 1. Os ditongos 22

7. 2 Vogais [ẹ] [ọ] em variação com ditongos [ej] [ow] 23

7. 3 Vogal [eɳ] em variação com [ẽ] 25

7. 4 A africada [ʧ] 25

7. 5 As fricativas s, z 26

7. 6 A vibrante r 30

7. 6. 1 R – posição inicial 31

7. 6. 2 R – posição central 32

7. 6. 3 R – posição final 34

4

7. 7 As palatais de português standard [λ] [ŋ] 36

7. 8 L alveolar em vez de l lateral dental 36

7. 9 Omissão de uma consoante, vogal ou grupos de consoantes, sílabas 36

7. 10 Algumas outras particularidades 38

8. Morfologia e sintaxe 39

8. 1 Queda do r na posição final no verbo infinitivo 44

8. 2 Concordância verbal, entre sujeito e predicado, e entre sujeito

e predicativo 44

9. Lexicologia 50

10. Conclusão 55

11. Bibliografia 56

12. Apêndice 58

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2. Introdução

A presente tese propõe-se a investigar as diferenças entre o português europeu e o português de Macau do ponto de vista linguístico. Como a fonte principal da língua padrão, servir-nos-á a Nova Gramática do Português Contemporâneo de Cunha (1991). Estudaremos diferentes manifestações da língua macaense na área de fonética e fonologia, de morfologia, de sintaxe e de lexicologia. Não tomamos em consideração o acordo ortográfico porque não é o nosso objetivo estudar a forma escrita.

Por vastidão da problemática, concentraremos o nosso interesse principalmente em aspectos com uma considerável variação sociolinguística e esperamos que sirva como inspiração para futuras investigações.

Escolhemos este tema porque a língua macaense tem sido pouco estudada e deixada para trás por patuá.

A nossa pesquisa, feita no próprio terreno, pretendia adquirir informações sobre o verdadeiro estado da língua portuguesa utilizada pelos falantes de origem portuguesa, que nasceram e viveram em Macau e que fazem parte da vida pública. Um factor importante, levado em consideração no nosso trabalho, foi também a origem dos pais deles. Também eles deveram nascer e viver nesta cidade. Não foram incluídos na nossa pesquisa falantes portugueses recentemente chegados a Macau e nem pessoas que não falam português apesar de serem de origem portuguesa ou conhecem só algumas palavras.

Na investigação aplicámos também, embora marginalmente, o factor sociológico: analisámos a língua falada por pessoas da mesma classe social, quase da mesma idade e com a mesma possibilidade de utilizar a língua portuguesa no trabalho.

Para a análise, utilizámos gravações de quatro entrevistas que foram realizadas a diferentes pessoas sobre vários assuntos ligados com Macau, feitos para a Rádio Macau, que nos amavelmente disponibilizou o chefe do Departamento Rádio Macau Canal Português, Gilberto Lopes. Devido à longueza dos diálogos, analisámos só dez minutos da conversa Conseguimos também conhecer através de perguntas, baseadas em informações obtidas das fontes secundárias (Baxter: 2009, Correia: 1999, Diez: 2000), o estado da língua na geração mais nova. Analisámos a língua portuguesa falada por um jovem macaense. Outras

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informações recebemos de um chinês, estudante de língua portuguesa na Faculdade de Direito.1 Infelizmente foram só estes dois que se prestaram a ajudar-nos.2

O nosso estudo compor-se-á de nove capítulos.

No primeiro capítulo apresentaremos as informações básicas sobre a cidade de Macau, sobre a sua história e sobre o seu estado actual.

À continuação, dedicar-nos-emos a fonologia e fonética, morfossintaxe e lexicologia do português macaense comparando o material obtido da análise com os resultados de Alan N. Baxter no livro O português em Macau: contacto e assimilação (2009), de Ana Cristina Rouillé Correia no livro A Língua Portuguesa em Macau. Do passado para o presente: Que futuro? (1999) e de Blanca Aurora Diez no livro Language Change in progress in the Portuguese of Macau (2000).

Sendo o nosso objectivo investigar a diferença entre o português de Macau e o português padrão, escolhemos pessoas de profissão no sector público que realmente têm a possibilidade de falar português. Devido ao carácter formal das entrevistas, pressupomos que as diferenças fossem mínimas.

3. Metodologia e objectivo

Como já mencionámos acima focalizamos o nosso interesse na variedade da língua portuguesa, à qual não se tem prestado muita atenção, do ponto de vista linguístico. O nosso objetivo é estudar sobretudo o registo gravado. Não nos interessa a forma escrita. Como fonte primária serviram-nos entrevistas gravadas de quatro pessoas que confrontamos com os resultados de outros autores que se dedicaram a esse assunto e com a Nova gramática do português contemporâneo de Cunha (1991). Visto que o português de Macau tem raízes na língua do século XVI e está sob a influência de chinês, tentamos também encontrar alguns traços que podiam demonstrar esta influência no português macaense.

1 Achamos contributivo saber sobre os problemas e as dificuldades de chineses com a língua portuguesa. 2 As informações básicas sobre os dois participantes, foram colocadas no apêndice. 7

4. Língua portuguesa em Macau

Com o desenvolvimento do negócio português nas costas de outros continentes surgia também a importância da língua portuguesa. Esta servia como uma comunicação não apenas entre os negociantes mas também pelos governantes locais nos seus contactos com outras pessoas.

A língua portuguesa nessa altura se mantem no Brasil, São Tomé e Príncipe, Mosambique, Cabo Verde, Angola e Timor L´Este. Em algumas localidades muitas palavras portuguesas foram incorporadas por vários idiomas orientais como por exemplo as da Índia, do suaili, malaio, indonésio, bengali, japonês, do Ceilão, o tetum de Timor, da África do Sul.3

Nós dedicar-nos-emos a Macau onde ainda hoje a língua portuguesa serve como a língua oficial e a sua importância ainda surge por contactos comerciais com o Brasil e por esforço do Instituto de Camões.

Macau é uma região administrativa especial da República Popular da . O seu nome parece ter origem na deusa A-Ma, Amagau (baía de A-Ma), Amacao, Macao e, no fim, Macau. A bandeira portuguesa esteve sempre içada em Macau, mesmo durante a ocupação de espanhóis em Portugal, e D. João IV, Rei de Portugal, recompensou este acto de confiança gratificando Macau com o título "Cidade Santo Nome de Deus de Macau, Não Há Outra Mais Leal". Macau é território chinês e esteve sobre a administração portuguesa, até ao dia 20 de Dezembro de 1999.4

No início foi povoado por pescadores e camponeses chineses. No século XVI chegaram os portugueses e estabeleceram-se nesta localidade. Para os portugueses era um importante intermediário no comércio entre a China, a Europa o Japão.

3 Revistasarara.com. Macau – sua história e cultura. Disponível em:

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4 Wikipedia.org. História de Macau. Disponível em:

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Após a conquista da Índia por Afonso de Albuquerque em 1509, Dom Manuel tentou dominar as linhas comerciais-marítimas do Índico e do Mar da China. O primeiro contacto com a China conseguiu ao conquistar Malaca em 1511. Passados dois anos, Jorge Álvares domina a ilha de Tamão (hoje ilha de Lantau e incluída no território de ), em 1516 Rafael Perestelo atingiu Cantão. Em 1520 os chineses atacaram os portugueses por estes não respeitarem o decreto do Imperador que fechava o porto de Cantão aos estrangeiros. Os portugueses estabeleceram feitorias em Liampó e Chinceu, no litoral. Nos anos quarenta, como chegaram ao Japão, aumentaram o comércio e estabeleceram novas feitorias nas ilhas de Sanchuang e Lampacau. Naquele tempo, o capitão Leonel de Sousa conseguiu obter do governador de Cantão licença para que os portugueses se pudessem fixar naquela aldeia de pescadores. Sanchuang e Lampacau entraram em declínio e Macau começou a crescer, tornando-se uma povoação de mercadores. Em 1557 os portugueses fixaram-se permanentemente em Macau, quando o pirata Chang Tse-Lac foi vencido com a ajuda deles nos mares da costa de Macau, esta terra foi concedida pelo imperador chinês aos portugueses. Logo os portugueses conseguiram manter o monopólio que assegurava o comércio entre o Oriente e o Ocidente até fins de século XVII.5

Macau tornou-se cedo, por um lado, um porto muito próspero, mas por outro lado também um lugar de muitas actividades ilícitas, sendo que os portugueses asseguraram a sua posição também por ajudarem às autoridades locais suprimindo revoltas das tropas costeiras.

A conclusão do Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal em 1887 possibilitou a Portugal “a perpétua ocupação e governo de Macau”, mas ficaram dúvidas quanto à soberania do Território pertencer à China ou a Portugal.6

Já na segunda metade do século XX, em 1979, quando a China e Portugal estabeleceram relações diplomáticas, ficou acordado que Macau seria um território chinês sob administração

5 Wikipedia.org. História de Macau. Disponível em:

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6 Revistasarara.com. Macau – sua história e cultura. Disponível em:

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portuguesa. E a Declaração Conjunta entre os dois países, em 1987, preestabilizou, que a China retomaria o exercício da soberania sobre Macau em 20 de dezembro de 1999, conforme ocorreu.7

Em conformidade com a lei, além da língua chinesa, pode ser usada também a língua portuguesa, nos organismos do governo, no órgão legislativo e nos tribunais. Mas a maior parte da população usa o dialecto cantonense no dia-a-dia, nas atividades profissionais do sector privado, lojas, bancos etc., usa-se o inglês.

Durante o estabelecimento dos portugueses em Macau muitas variações, dialectos e formas standard de diferentes línguas tiveram influência no português macaense. Por isso importa saber as condições sociais daqueles que chegaram da Índia e de outros países, que fizeram parte da globalidade da Ásia onde se estabeleceram os portugueses, o que foram factores decisivos no processo de formação e extensão do desenvolvimento das diferentes formas de português ali existente.

5. Contexto socio-histórico

Durante o estabelecimento dos portugueses em Macau muitas variações, dialectos e formas standard de diferentes línguas tiveram influência no português macaense.

5. 1. População em Macau

Os portugueses que chegaram a Macau tiveram que enfrentar o desfavorável problema da desproporção numérica da população lá estabelecida. Por isso esses portugueses casaram-se com chinesas que se tinham convertido ao cristianismo. Foram eles, chamados casados, os principais responsáveis pelo aportuguesamento das comunidades locais que viviam nos territórios ocupados pelos portugueses, os principais transmissores de determinadas variedades de português (de variações regionais, ou uma forma simplificada ao estilo de foreigner talk e ainda de uma qualquer forma pidgin ou crioula já existente). Filhos nascidos desses casamentos mistos tiveram duas línguas maternas – a portuguesa, já distanciada do português padrão, e a língua materna, usada como a língua veicular de toda a comunidade

7 Ibidem. 10

local influenciada pelo malaio. A língua materna foi uma língua influenciada pelos crioulos portugueses de Malaca trazidos de Malaca, ou pela formação de grupos isolados devido à organização social de Macau por parte das comunidades bilingues em crioulos portugueses de Malaca (ou um pidgin português) e em malaio (ou uma variedade dialectal do mesmo), migradas para Macau, cristalizando assim essas influências como uma marca identitária, ou pela continuação do fluxo migratório até ao séc. XIX através de vários grupos sociais, incluindo escravos (Nunes 2010: 6). Baxter (2009: 281) comenta essa influência com as seguintes palavras:

A presença de malaios é documentada nas primeiras décadas da colónia e a influência do malaio sobre o emergente CPM8 foi significativa a julgar pelo grande número de lexemas malaios que perduram no crioulo (…) O léxico malaio teria originado dos escravos, mas também das famílias dos casados que vieram do sudeste asiático, e muito provavelmente de Malaca, a colónia mais próxima e que servia como entreposto.

Baxter (2009) ainda acrescenta baseando-se em George Bryan Souza (The Survival of Empire. Portuguese trade and society in China and the South China Sea, 1630-1754. Cambridge: Cambridge University Press, 1986), que outra proveniência da influência do malaio pode ser atribuída à presença portuguesa desde o século XVII no porto de Macassar (hoje Ujung Pandang), em Sulawesi.

As documentações e crónicas existentes, como por exemplo Subrahmanyam (citado segundo Nunes 2010: 7) distinguem sete categorias de gente portuguesa no Oriente na primeira fase do seu estabelecimento: (i) casado ou casado morador, (ii) soldado, (iii) religioso, (iv) ministro, (v) arrenegado, (vi) alevantado ou lançado, (vii) chatim ou solteiro. As primeiras quatro categorias encontravam-se dentro dos limites territoriais oficiais portugueses. Os restantes viviam fora das áreas controladas oficialmente pelo Estado da Índia, e por isso é difícil a avaliar o seu contributo para o fluxo linguístico e cultural depois da chegada a Macau.

8 Baxter utiliza esta sigla para designar crioulo português de Macau, maquista. 11

Além de sete categorias mencionadas acima um número significativo na Ásia constituía o clero.

5. 2. Situação linguística em Macau

Com o estabelecimento do Estado da Índia, com capital em Goa, as rotas comerciais portuguesas espalharam-se e com elas, as comunidades de aportuguesados também. A partir de Malaca, que caiu nas mãos dos holandeses em 1641, pelo Golfo de Bengala, sudeste asiático e Extremo Oriente chegaram a Macau, tinham trazido consigo as suas famílias e escravos oriundos de Malaca.9

Do séc. XV mercadores oriundos dos sultanatos malaios onde os portugueses já dominavam (Malaca, Molucas e o Sião) e o crioulo português de Malaca já funcionava como língua franca a par do malaio serviam de jurubaças10 nos primeiros contactos e trocas comerciais entre os portugueses e os chineses.

Após um período em que os mercadores portugueses aproveitaram o porto de Macau como abrigo sazonal para os seus comércios com Cantão (1553 – 1556), estabeleceram-se permanentemente a partir de 1556 (Barreto citado segundo Nunes 2010: 10). Outra parte significativa da população era composta por mercadores de Fujian,11 muitos dos quais frequentemente eram sócios de mercadores portugueses. Naquela época Cantão encontrava-se dividida em duas repartições: intramuros e extramuros. Os portugueses, como outros comerciantes europeus eram sujeitos a um rigoroso controlo à entrada da cidade de porto fluvial, não podendo aí permanecer após o anoitecer: “(…) tudo o que não se insere na ordem, fica do outro lado da muralha. Não tem lugar na cidade intramuros.” (Flores citado segundo Nunes 2010: 10).

Macau tornou-se a cidade cristã separada por uma muralha da cidade chinesa o que tinha limitado o convívio entre chineses e portugueses. E assim tinha originado um contacto

9 151 anos após o estabelecimento dos portugueses naquela cidade, e num período em que já tinham decorrido 100 anos desde a chegada dos portugueses a Macau.

10 Termo derivado do malaio – guru bahasa – adoptado pelos portugueses no oriente, e significando tradutor. 11 Da provincia de Fujian, no sul da China, província vizinha de Cantão. 12

inter-linguístico com a língua local em menor escala do que se pode observar em Malaca e nos restantes portos com crioulos.

A autorização de se instalarem em Macau foi permitida aos portugueses após a missão do Capitão-mor Leonel de Sousa (1552 – 1554).12 Tudo indica que tal instalação e o consequente estabelecimento de Macau tivesse lugar em 1557. A Macau vieram desde o início militares, religiosos, comerciantes, aventureiros, piratas e escravos casando-se com mulheres asiáticas (malaias, indianas, japonesas, e só posteriormente e em menor número, chinesas). Formou-se um panorama linguístico muito provavelmente constituído por: i) uma minoria linguística falante do português europeu da época (que detinha o poder político e económico e o prestígio social); ii) uma massa maioritária em que se encontravam falantes de versões aproximadas desse modelo de português europeu como língua materna; iii) diversas variedades de português língua secundária de crioulo português do sudeste asiático (dos quais, o maior número deles, foram falantes do crioulo português de Malaca; iv) falantes de maquista; v) uma possível minoria de falantes de crioulo português de África; vi) falantes de línguas asiáticas desde o sul da Índia, Ceilão, arquipélago malaio-indonésio, entre outras; vii) falantes de línguas chinesas da região circundante a Macau.13 Baxter (2009: 278) explica:

Na primeira década após a sua fundação em 1557, a população de Macau contava principalmente com estrangeiros: o contingente português, politicamente dominante, e um maior contingente subordinante de marinheiros, soldados e outros auxiliares, todos de diversas origens. (…) nesta complexa sociedade, os contactos entre o português, o chinês e outras línguas presentes deram lugar a processos de pidginização e crioulização, à formação de uma variedade de português local falado como língua materna (…) e a variedades de português falado como segunda língua (…)

12 Para mais informações veja o capítulo 2.1. 13 Esta divisão está baseada na opinião fornecida informalmente por Alan Baxter. 13

O número de pessoas em Macau, tanto chinesas como portuguesas ao longo dos tempos esteve sempre sujeito à situação política e militar, tanto da China como de Portugal. A população portuguesa podia aumentar em número com refugiados de Portugal que perdia o controlo de um dos territórios sob o seu poder no sudeste da Ásia, para voltar a diminuir caso eles não se fixassem ali. O mesmo acontecia com a população chinesa cada vez que havia mudanças internas no Império.

Toda esta gente constituía peças chave na formação de pidgins e crioulos de base lexical portuguesa, e de variedades asiáticas de português. Tais variedades linguísticas, sobretudo aquelas desenvolvidas no espaço geográfico das línguas malaias – os crioulos de Malaca, Tugu, Bidau e os pidgins e crioulos de outros sítios do arquipélago, como Ternate, Banda, Ambon, e Flores (Baxter citado segundo Nunes 2010: 15), passaram a servir de língua franca por toda esta região. Assim, mesmo antes da entrada dos mercadores portugueses no sul da China, variedades de língua (pidgin ou crioula) franca de base lexical portuguesa estavam bastante difundidas pelo sudeste asiático.

Baxter (citado segundo Nunes 2010: 15) comenta:

The setting for the development of MCP was highly complex. (…) It would have involved the importation of both foreigner talk and pidgin models from India and beyond, a local genesis, and the eventual introduction of creole models from India. (Baxter 1988, Holm 1989). Subsequently, there may have been further influence on the creole through continuity of trade with Asian ports where Portuguese and Creole Portuguese communities existed (…).

Para além de grupos linguísticos asiáticos não chineses em Macau temos de considerar ainda a crescente presença de europeus não portugueses em Macau.

Em meados do século XIX estabeleceu-se a colónia britânica de Hong Kong o que influenciou a sociedade macaense. A comunidade falante de maquista foi exposta directamente a uma nova influência linguística – ao inglês em Hong Kong, e ao inglês e dialecto de Xangai. Durante três séculos a comunidade macaense foi mantida 14

consideravelmente afastada de uma exposição mais intensa ao português europeu, essa tendência começou a ser invertida por virtude de políticas administrativas, sobretudo aquelas ligadas ao ordenamento da educação pública em Macau (Nunes 2010: 17).

5. 3. Ensino em Macau14

A instrução do ensino em Macau foi iniciada por Jesuítas em 1572 com a abertura do Colégio de São Paulo na residência por eles fundada. A 18 de Novembro 1573 o Padre António Vaz, superior da residência, informava o Geral que “(…) é uma escola de ler e escrever (e) aritmética, em que acodem muitos meninos (…)” (citado segundo Nunes 2010: 18). Noutra referência – na carta datada de 29 de Novembro 1578, o Padre Mateus Lopes, S. J. informava: “estamos aqui de ordinário seis ou sete da Companhia, cinco Padres, os mais Irmãos, ocupamo-nos em pregar, confessar, ensinar meninos a ler, escrever, contar e cantar” (citado segundo Nunes 2010: 18). A importância do Colégio de São Paulo em Macau confirma o aumento dos alunos. Numa carta datada de 26 de Dezembro 1577 o Padre Cristóvão da Costa pede ao seu Geral em Goa um “Mestre que seja suficiente pêra escola dos menynos de ler que serão 150” (citado segundo Nunes 2010: 18). Apenas sete anos mais tarde, em 1584, o Padre Lourenço Mexia, S.J. “comunicava ao Geral que havia mais de 200 alunos na Escola, que tinha as disciplinas de ler, escrever, contar e música; “ahora a alunos maiores se explica a gramatica” (citado segundo Nunes 2010: 18-19). Quanto à identidade destes primeiros alunos do Colégio São Paulo, Teixeira (citado segundo Nunes 2010: 19) refere como sendo “filhos de moradores de Macau e meninos cativos que estavam ao serviço dos mesmos.”

Em 1728 foi fundado o Seminário de São José, também pertencente aos Jesuítas e frequentado tanto por alunos internos (que pretendiam seguir a vida eclesiástica) como alunos externos. Até à expulsão dos Jesuítas em 1762, estes dois colégios seminaristas representaram a única possibilidade de instrução para rapazes macaenses e portugueses. Em 1822, em consequência das guerras liberais em Portugal, esta ordem seria expulsa também de Macau. Iniciou-se assim mais uma interrupção na oferta de instrução aos rapazes das comunidades macaense e portuguesa até 1862 (Nunes 2010: 19).

14 Para melhor orientação adicionamos uma tabela extraída de Nunes (2010: 20) ao apêndice. 15

A instrução em português para raparigas começou no mesmo período (séc. XVI – XVIII), mas as fontes não são consensuais. Manuel da Silva Mendes (citado segundo Nunes 2010: 19), afirma que “As claristas, pregadoras mudas, ensinavam meninas; e todas as meninas macaenses ricas iam lá beber o leite da sabedoria. Letras maiores latim, retórica, o mais difícil do ‘trivium’ (excepto a música) eram franciscanos dali ao pé que ministravam”. Mas Teixeira (citado segundo Nunes 2010: 19) crítica à incapacidade das ordens religiosas femininas no que toca à instrução que poderiam facultar às raparigas da comunidade cristã, e sobretudo às órfãs que albergavam.

Ensino para as raparigas foi praticado pelas claristas no seu convento fundado em 1634 e fechado em 1835 na sequência da expulsão das ordens conventuais em Macau. Contrapõe-se com o ensino para raparigas dirigido a partir de meados do século XIX pelas religiosas do Recolhimento de Santa Rosa de Lima; criado em 1792 e anexado por decreto real de 2 de Outubro de 1856 “(…) a fim de ali crear-se uma casa d’educação para o sexo feminino” – (citado segundo Nunes 2010: 19).

Ao longo dos três primeiros séculos de existência de Macau várias gerações de macaenses não tiveram acesso a uma instrução formal. Não passaram por uma aprendizagem formal do português europeu. Por isto como língua materna para esses jovens excluídos de um processo de instrução escolar, serviu o maquista. Uma variante de português europeu como língua secundária teria variado dependendo da profissão e nível social em adulto. Para as jovens raparigas desta comunidade uma aprendizagem de português europeu em qualquer grau de língua secundária foi ainda mais remota, o que durou até finais do século XVIII.15

Com a expulsão dos Jesuítas de Portugal e das suas colónias o ensino passa a ser administrado pelo Estado (Barata citado segundo Nunes 2010: 22). Para Macau a expulsão e o encerramento do Colégio de São Paulo e o Seminário São José significou a inexistência de qualquer instituição de ensino. O primeiro professor enviado de Portugal chegou a Macau em 1775 onde leccionou até 1787 acusado constantemente de se dedicar mais aos negócios do que à docência. O mesmo passou também com o seu filho.

15 Seguiu-se um período de 190 anos de ensino regular a parte dos jovens do sexo masculino. Formou-se uma elite de macaenses bilingues (em maquista e português), mas o período de 100 anos sem instrução que se seguiu eliminou quaisquer elementos do padrão transferidos no período anterior.

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Em 23 de Dezembro de 1778 o senado pedia a permissão de estabelecer cinco escolas “de ler e escrever, de gramática latina, de philosophia, moral e theologia.” (Mercês citado segundo Nunes 2010: 22). Mas não foi atendido pelo monarca, continuando a mencionada Escola das Primeiras Letras.

Em 1834 a vitória do Liberalismo em Portugal significou em Macau só nova interrupção da instrução. Para além do fecho dos conventos, foram encerradas também as escolas por eles mantidas. Perante esta situação e com base na Reforma de 1845 do Ensino Primário No Ultramar Português, o Senado, esforçou-se para criar escolas primárias, confrontando-se com a inexistência de professores na cidade. Em 1843 o Senado designou duas senhoras (leigas) como Mestres da Escola Publica de caridade. As escolas destinavam-se a meninas de famílias carenciadas e funcionavam nas próprias casas das mestras (Teixeira citado segundo Nunes 2010: 22).

Em 1847 o Senado deliberou a criação da Escola Principal de Instrução Primária, que começou por funcionar numas casas do Recolhimento de Santa Rosa de Lima, o que se realizou graças ao donativo deixado por James Matheson para fins caritativos de crianças órfãs, ao retirar-se de Macau. Como se pode ler no Artigo 2° do documento da dita Reforma (citado segundo Nunes 2010: 23):

Em cada uma das escolas se ensinará: ler, escrever, e contar; princípios geraes de moral, doutrina christã, exercícios grammaticaes, princípios de geographia e especialmente a notícia das diversas Províncias da Monarchia portugueza; História Sagrada do antigo e novo testamento; História Portugueza.

Este período marcou um processo de deslocação do crioulo português de Macau (descrioulização), porque cada vez mais jovens macaenses passaram a frequentar a escola pública, independentemente da sua origem social. Isto acelerou-se quando essas escolas públicas começaram a ser frequentadas por raparigas, que anteriormente muito raramente tinham tido possibilidades de receberem instrução, pelo menos em português.

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Com a nova saída dos Jesuítas em 1871 e o consequente fecho do Colégio São José obrigou a elite macaense a tomar o ensino dos seus filhos nas suas próprias mãos. Formou-se a Associação Promotora dos Macaenses (APIM) a 17 de Setembro de 1871 e por iniciativa desta associação fundou-se a Escola Comercial, anexa ao Seminário São José em 1878 com matérias adequadas aos jovens que posteriormente procurariam emprego em Hong Kong. As aulas de comércio foram em inglês, mas não se esquecia uma base sólida de português (Nunes 2010: 25).

5. 4. Manutenção da língua portuguesa em Hong Kong

Como mencionámos acima muitos jovens macaenses procuravam trabalho em Hong Kong. Ali a comunidade macaense não deixou de se esforçar por preservar a herança linguística e cultural lusa. Em 1844 foi criada a primeira escola particular, seguida de outra em 1849 e mais duas em 1850. Continuavam a dar aulas de inglês e outras disciplinas gerais em língua inglesa, havendo igualmente aulas de português. Em 1848 foi fundada a Escola Anglo-lusa integralmente em inglês, com aulas de português de nível elementar. Na década seguinte, fundaram-se Canossian Sisters’School for Catholic Girls (1860), St. Savioiurs’College (1865) que posteriormente em 1882 viria a ser convertido no St. Joseph’s College, frequentados por crianças macaenses com aulas integralmente em inglês mas com aulas de nível elementar em português (Nunes 2010: 27).

Publicaram-se também jornais em português: A Voz Macaísta (1846), Amigo do progresso (1850), O impulso às Letras (1858-1869), O Português (1913), Pró Pátria (1915- 1917), foram fundadas duas bibliotecas, a Biblioteca Portuguesa em 1857 e a Bibliotheca Lusitana em 1861, e clubes, O Clube Português e o Clube Lusitano (1865), onde se debatiam ideias políticas e sociais em português. O objectivo foi manter viva a língua portuguesa porque as gerações já ali nascidas ou criadas desde pequenas se alheavam cada vez mais da língua e cultura portuguesa (Nunes 2010: 27).

Tudo isso continuava só entre o grupo de uma elite cultural minoritária. Por parte da faixa que se denominava como “classes mais baixas” mantinha-se o crioulo.

O português continuou a ser a língua de prestígio social para uma elite (agora acrescida do inglês). Mas para os grupos de macaenses menos favorecidos cessaram de ser uma língua

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alvo, desejada por motivos de prestígio socioeconómico. Esta foi rapidamente substituída pelo inglês e uma maior aproximação do cantonense.

A invasão japonesa de Hong Kong a 8 de Dezembro 1941 causou uma evacuação das comunidades macaense e portuguesa ali residentes para Macau. Foi criada uma Comissão de Assistência e Beneficência, para tratar de todos os assuntos relativos ao acolhimento dessas famílias, incluindo a instrução dos jovens em idade escolar. Uns foram colocados em escolas de língua veicular inglesa e os restantes colocados em escolas onde se garantia a aprendizagem do português. O Chefe de Serviços, Menezes Alves, sugeriu que o Governo português pedisse às editoras que autorizassem em Macau a publicação de 6 livros escolares em português para as crianças refugiadas, sem pagamento de direitos, ou abaixo custo (citado segundo Nunes 2010: 29):

Ordenou-me V. Exa., verbalmente depois da chegada dos refugiados portugueses de Hong Kong que se mandassem fazer os livros necessários, afim das Escolas poderem começar a funcionar e grande número destes portugueses poderem aprender convenientemente a nossa língua (…).

Mas acabou-se por não autorizar a sua publicação nos termos solicitados, e os manuais já impressos e distribuídos pelas escolas tiveram sido recolhidos e queimados. Contudo, o ensino de português às crianças macaenses refugiadas prosseguiu de igual modo com base em outros meios da parte dos professores.

5. 5. A situação actual

Português como língua materna e não-materna é ensinado na Escola Portuguesa de Macau, na seção portuguesa de duas escolas oficiais de RAEM – as escolas Luso-Chinesas – uma escola primária e uma escola secundária, nas Licenciaturas e Mestrados do Departamento de Português e uma Licenciatura de Faculdade de Direito da Universidade de Macau, no curso

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de Tradução do Instituto Politécnico de Macau e no curso de Administração Pública do Instituto Politécnico de Macau.

As escolas que têm português restrito apenas à sala de aula como disciplina de língua não materna são o Departamento de Português de Universidade de Macau e Instituto Politécnico de Macau, que oferecem cursos de português para toda a comunidade acadêmica, a Universidade de São José, as escolas oficiais de RAEM – as escolas Luso-Chinesas – do Jardim de Infância ao Secundário, o Instituto Português do Oriente, o Instituto de Formação Turística, o Centro de Difusão de Línguas da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude e várias escolas particulares que recebem subsídios do governo quando incluem o português apenas como língua de opção.

Nestes dias Macau conta ainda com Associação dos Escritores de Macau, Associação Poemas de Maio de Macau, Associação de Arte Poética de Macau e Associação Técnica de Composição. Hoje em dia saem diários matutinos (Macau Hoje, Futuro de Macau e Gazeta Macaense), o vespertino (Jornal de Macau) e os semanários (O Clarim, e Tribuna de Macau). Vale a pena mencionar também o Instituto Cultural de Macau, o Instituto Português de Oriente e o Instituto Internacional de Macau. Todas estas instituões esforçam-se por manter a língua e cultura portuguesa em Macau.

6. Ortografia e transcrição

A ortografia e transcrição de dialetos e outras formas da fala discordantes da escrita codificada são muito problemáticas em geral. Na maioria dos casos, os dialetos surgem num ambiente do analfabetismo e por isso os textos escritos de falantes nativos tardam. Não existe uma ortografia própria porque há um português padrão com que se escreve apesar de falar de modo diferente. A escrita é sempre mais elaborada e preparada. Antigamente não se necessitava tanto escrever em Macau e os primeiros foram missionários que simplesmente apontavam o que ouviam.

Como não encontrámos um sistema único que as fontes secundárias utilizassem decidimos da internacional, criada pela Associação Fonética Internacional, com as adaptações de Tláskal (2006).

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Como as fontes secundárias que nos servem da comparação transcrevem só uma parte da palavra, por exemplo lín[ga] (Diez 2000: 53), decidimos utilizar o mesmo modo da transcrição.

7. Fonética e fonologia

Um papel importante na fonologia desempenha-o a inércia dos órgãos da fala – a economia da energia articulatória, que conduz à simplificação da articulação, por exemplo falta de fonema no fim de palavra ou simplificação de um conjunto de consonantes (Lamprecht-Šlosar 1986: 16).

Como antítese do primeiro figura a tendência para distinguir, o mais possível, o mais efectiva e contrariamente, diferentes fonemas e o esforço para manter o equilíbrio do sistema. Outras línguas também têm, marginalmente, influência na fonologia da língua com que estão em contacto, mas só no caso em que não se vai contra o sistema fonológico da língua que aceite as mudanças. Ou ainda, podem surgir na língua alguns factores que não a inovam mas só influenciam a velocidade da evolução da língua (Lamprecht-Šlosar 1986: 17).

O exemplo mais antigo do pidgin de base portuguesa podemos encontrar em A Voyage to the East Indies in 1747 and 1748 que descreve o contacto entre marinheiros britânicos e um alcoviteiro chinês em Cantão, onde se pode detectar a influência chinesa na fonologia, por exemplo hola (no inglês whore) ʻprostitutaʼ. Nesta palavra o -l- representa a consoante [l] do chinês e corresponderia à fonologia de um dialeto inglês com r implosiva. A letra a em posição final de palavra manifesta a influência chinesa sobre a estrutura silábica da palavra (Baxter 2009).

Dos glossários chinês-português o glossário do Aomen Jilüe apresenta várias características fonológicas dos crioulos portugueses do sudeste asiáticos. Como exemplo apresenta a africada [ʧ] tchang [´ʧaɳ]ʻchãoʼ, [s] em lugar de [ʃ] pei-si [pe´si] ʻpeixeʼ, l em lugar de [λ] fei-lou [´fêlo] ´filho´ e a sequência vogal + [ɳ] em vez da vogal nasal ou ditongo nasal [´teɳ] ´ter, tem´. A língua chinesa teve uma influência também na reestruturação silábica das palavras portuguesas, por exemplo i-lei-mang ʻirmãoʼ e so-ku-la ʻsograʼ e também no

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tratamento do r português que se elimina na posição implosiva pó-tá ʻportaʼ e na posição plosiva corresponde a um lateral líquido lou-á ʻruaʼ (citado segundo Baxter 2009).

No século XIX foi publicado um poema que representa um diálogo entre dois primos maquistas, um de Macau e outro de Hong Kong que não considera o português útil nos negócios. De maneira indirecta o poema prevê o processo de descrioulização e o declínio do crioulo em Macau que se mantinha só em Hong Kong. A decrioulização continuou também no século XX (Baxter 2009).

No século XX intensificaram-se os contactos entre o crioulo português de Macau e o português padrão o que casou uma descrioulização radical do crioulo e, com raras excepções, a sua assimilação ao português standard. O crioulo mantinha-se entre os idosos bastante conservador. Nas gravações de falantes crioulos idosos realizadas recentemente (Charpentier 1992, Nunes 2001), onde é visível o contacto prolongado com o português padrão, por exemplo a nasalização da vogal que é seguida de consoante nasal ([sãũ] em vez de [saɳ]), pronúncia palatal do s na posição final de sílaba, uso dos ditongos do português padrão em vez das vogais crioulas [ẹ] e [ọ] em palavras como peito e outro (Baxter 2009).

O português macaense tem modificado pelo trilinguismo dos seus falantes. Assimilou o antigo crioulo português de Macau, está num contacto permanente como o chinês, mantém contacto com o inglês e recebe uma considerável pressão do português europeu (Baxter 2009).

O objectivo deste capítulo é apresentar as diferenças fonéticas do português macaense em comparação com o português padrão através da fonte secundária (Correia 1999, Diez 2000, Baxter 2009) e o material autêntico do português falado em Macau (as gravações). Especializámo-nos nos casos que menciona a fonte secundária e que são mais que evidentes nas gravações estudadas.

7. 1 Os ditongos

Em português existem dois tipos de ditongos: crescentes e decrescentes, nasais e orais. Trata-se de um encontro intervocálico, do qual um é semivogal. O ditongo que nos interessará é o ditongo ei e ou. Não os escolhemos por acaso. O ditongo ei foi mantido só no Norte de Portugal, no Sul monotongizou-se em [ẹ]. O limite entre o Norte e o Sul parte da costa 22

atlântica, no nível de Óbidos, passando por Lisboa, direcciona-se para o nordeste, deixando ao sul o vale do Tejo, segue o Zêzere até a fronteira espanhola, a nordeste de Castelo Branco. No século XVIII, e por ei caracterizava o falar popular do Alentejo, mas as suas primeiras manifestações foram mais antigas. Acentuando o contraste entre a parte inicial e a parte final do ditongo, fê-lo passar a [-α˰i]. Em comparação com monotongação do ditongo ou penetrou na língua padrão (Teyssier 2001: 63-64).

7. 2 Vogais [ẹ] [ọ] em variação com ditongos [e˰i] [oṷ]

Uma das diferenças entre o português padrão e o português macaense que a fonte secundária anota, é a variação destes ditongos. Baxter (2009: 296) indica como exemplos palavras peito e pouco.

A monotongação de ou começou a realizar-se no século XVII no Sul e na maior parte do Centro de Portugal, o resto de país mantinha o antigo ditongo [oṷ]. A inovação vinda do Sul impôs-se ao português padrão e suplantou o antigo uso marginalizando-o (Teyssier 2001: 52). À monotongação de ou em [ọ] a monotongação de ei em [ẹ] não é tão simétrica. Ocorreu só no Sul onde não foi incluída Lisboa, e por isso apesar de ser praticada por grande número de falantes de origem meridional, não se incorporou à norma da língua portuguesa. Houve um outro fenómeno de diferenciação da parte inicial e a parte final do ditongo (Teyssier 2001: 63- 64). Foi a evolução de ei [e˰i] em [a˰i], -em [ẽ˰i] em [ã˰i] e de e tónico em [ä] diante de consoante palatal. ˰

Produção de [a˰i] apareceu primeiro em Lisboa e foi admitida na língua padrão, desconhecida na zona meridional de monotongação e na zona setentrional não parece estar totalmente concluída.

O mesmo mas com nasalidade aconteceu com ditongo nasal em posição final nas palavras em -em ou -ens como bem, tem, correm, tens e homens. Ainda no século XVIII, os gramáticos anotam a forma da pronúncia desse fenómeno como [e˰i], primeiro sentido a nova pronúncia [a˰i] como vulgar e típica de Lisboa. Durante o século XIX adquiriu o direito de cidade como aponta Teyssier (2001: 64).

A mudança de [ẹ] tónico em [ä] diante da consoante palatal ocorreu diante das quatro consoantes palatais nh, lh, [ʒ] escrito j ou g, e [ʃ] escrito ch ou x, por exemplo venho, vejo, 23

fecho (substantivo). Esta é considerada ainda hoje como uma particularidade fonética exclusiva de Lisboa apesar de ser incorporada à língua padrão (Teyssier 2001: 65).

Nas gravações estudadas aparecem palavras como provou-se, outras, aproveitámos, ajudou, pouco, falou, ouvir, ou, estou, sou, vou (referente1), primeiro, lei, dou, fiquei, maneira, direito, levantei, seis, deixaram, meio, houve, perfeito, outro, vou, apresentei, estou, eleitos, eleições, sei, doutora (referente2), ouvintes, ficou, aproveitar, estou, primeiro, engenheiros, outro, conceito, presentei, perfeitamente, houver, respeitar, lei, estou, ou, responsáveis, outra, expliquei, utilizou, inventou (referente3), pouco, procurou, juntou-se, contei, falou, houve, sou, rotineira, satisfeitos, liderei-me, verifiquei, entreguei, aproveitei, ou, advoguei, almoçou, falei, mostrei, responsáveis, imperfeições, imperfeito (referente4).

Na maioria dos casos não encontrámos nenhum traço de particularidade da língua padrão. O único que omite i no ditongo ei é o referente3 e o referente4. O referente2 tem i enfraquecido no adjectivo primeiro (… deve ser revisto em primeiro lugar o seguinte … referente2. O referente3 não pronuncia uma parte do verbo estar na primeiro pessoa do singular e realiza-o como [´tu] (porque estou ligada à área da de plataforma de Macau … referente3)16 . O referente4 omite no substantivo responsáveis i e realiza-o como responsáve[]s (… porque tive oportunidade de dizer a respectivo responsáveis … referente4) (… os respectivos responsáveis que o diploma não é fácil … referente4). Como a omissão do referente4 na palavra responsáveis aparece duas vezes, pressupomos que não se trata de uma omissão ocasional mas antes sistemática que é talvez a consequência da evolução de ei em [ẹ], alofono típico de certos dialetos portugueses. Não podemos de dois casos confirmar o que nos anotam as fontes secundárias (Baxter 2009, Diez 2000), mas seguramente na fala do referente4 aparece em vez de ei [ẹ] no substantivo responsáveis como menciona Baxter (2009: 296).

16 No caso do referente3 com a palavra estar acreditamos que é uma versão falada que acontece também em Portugal na língua coloquial, e não se trata de caso por nós estudado, e também a fonte secundária não regista nada sobre uma alteração similar. 24

7. 3 Vogal [eɳ] em variação com [ẽ]

Outra diferença fonológica mencionada por Baxter (2009) é [eɳ] utilizado em variação com [ẽ], por exemplo tem t[eɳ].

Como anota Teyssier (2001: 28), já no galego-português existiam vogais nasais nasalizadas por uma consoante nasal implosiva, seguida de outra consoante, ou no final de palavra. A mais comum grafia na posição final de palavra foi por muito tempo -n. Desde o período do galego-português medieval começaram a aparecer nesta posição grafias em -m.

Nas gravações aparecem palavras como jovens, viagem, sem, quem, em, tem, têm, aparecem, enfim, querem, também, bem, estabelecerem-se nas réplicas do referente1, em, persistem, fazem, existem, se atrevem, têm, devem, se digladiassem, possem, exigem, dizem, representarem, bem, também, mandarem, decretarem nas respostas do referente2, em, também, tem, querem, vêem, começarem, aprendizagem, entrarem, jovens, têm do referente3, e além, olhagem, estem, bem, em, também, tem, quem no diálogo com o referente4.

Não reparámos em nenhum caso onde aparecesse diferente pronúncia do português padrão. O referente4 tem uma particularidade na palavra estem que trataremos mais detalhadamente no capítulo sobre morfossintaxe (… o meu amigo Francisco Manhal estem está a assumir as redes de gestão e os seus pares … referente4), como no caso do referente2 com o verbo possem (… não se deve permitir que as empresas possem baixar os salários sem homologação da DSAL17 … referente2).

7. 4 A africada [ʧ]

Segundo as fontes secundárias (Baxter 2009, Correia 1999) o fonema [ʧ] coexiste no português macaense com a fricativa [ʃ] (na escrita realizada por ch). Não se realiza sempre como no português padrão e nos dialetos centro-meridionais mas corresponde à africada palatal surda [ʧ] que aparece em alguns dialetos setentrionais.

Esta africada [ʧ] existente no galego-português escrita ch (não se confundia com a constritiva simples, escrita x) perdia a partir do século XVII o seu elemento inicial e confundia-se com [ʃ]. Desde o século XVIII ainda alguns gramáticos tentaram defender a

17 Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais 25

antiga pronúncia africada, mas já não o conseguiram, a pronúncia fricativa já estava estabelecida e africada levava valor dialectal (Teyssier 2001: 54).

Nas gravações a nós possibilitadas não encontrámos nenhum traço da pronúncia africada. Nos diálogos examinados aparecem palavras como achar, chefe, chegar, China, chineses, chumbado e chuva mas nenhuma delas é pronunciada como africada. O único caso de particularidade da norma de português standard é a pronúncia de acho como [´asu] do referente2 (… eu acho que naquela altura … referente2). O referente2 pronuncia outro verbo acho com [ʃ] (… eu acho que sim porque da forma como como consegue controlar a assembleia … referente2) o que nos sublinha que se pudesse tratar de um desvio ocasional causado por uma rápida fala do interlocutor.

Das gravações estudadas podemos deduzir que o fenómeno não se realiza como dizem as fontes secundárias ou não é tão frequente. Não encontrámos nenhuma palavra com a pronúncia africada, mas pode ser por causa da fala oficial, pouco material examinado ou por ser palavras que se tinham estabelecido na língua macaense com a diferente pronúncia que mudou com a sua adaptação. Este único pressuposto vem de Correia (1999: 75) que menciona a mudança de [ʃ] em semi-oclusiva [ʧ] em palavras proveniente do patuá18. Também nas nossas gravações não apareceram palavras tacho ta[ʧ]o (prato típico da cozinha macaense) e bicho-mel bi[ʧ]o-mel (abelha) que servem como exemplos nas fontes secundárias (Baxter 2009: 296, Correia 1999: 75), só Diez (2000: 63) menciona [ʧ] como alofone de [ʃ] em verbos acho (posição intervocálica) e chegou (posição inicial), e no substantivo chineses. Das literaturas consultadas sobre o dialeto macaense (Ávila de Azevedo: 1984) não se encontra nenhuma anotação sobre este fenómeno.

Examinando as gravações, ainda podemos reparar que apesar de existir em patuá alteração de j, ge e gi em [ʤ], esta não penetrou em português macaense dos referentes por nós estudados, o que está em oposição com o que menciona Diez (2000: 63), também no caso do verbo chegar [ʤ]egar que utiliza como exemplo.

7. 5 As fricativas s, z

O português medieval possuía quatro sibilantes [ts] cen, [s] sen, [dz] cozer e [z] coser,

18 Infelizmente a autora não desenvolve mais o pressuposto. 26

mas por volta de 1500, as duas africadas [ts] e [dz] tinham perdido o seu elemento oclusivo inicial, mantendo a oposição entre os dois fonemas por a articulação não for a mesma. Em posição intervocálica o português tinha predorsodentais sonoras e surdas e ápico-alveolares sonoras e surdas (Teyssier 2001: 49-50).

Em fins do século XVI o português comum (do centro e sul de Portugal) reduziu os quatro fonemas a dois em favor das predorsodentais. A zona que atravessa Portugal de noroeste ao centro-leste manteve as ápico-alveolares em vez das predorsodentais. Além dessa zona, uma parte de Minho, Trás-os-Montes e uma parte da Beira Alta, não mudou nada, as quatro sibilantes ficavam no sistema (Teyssier 2001: 50-51).

Entre os séculos XVI e XVIII começam a realizar-se todos os s e todos os z implosivos – no final da sílaba – como chiantes. Como primeiro a anotá-lo foi Luís António Verney no Verdadeiro Método de Estudar. Este fonema caracteriza hoje em dia o português padrão, mas do noroeste ao centro-leste, onde em posição intervocálica as ápico-alveolares fizeram desaparecer as antigas predorsodentais, os -s e -z implosivos são sentidos como ápico- alveolares (Teyssier 2001: 55-56).

Segundo Diez (2000) a sibilante alveolar altera com sibilante palatal no fim de palavras, como exemplo dá substantivo bolos. Em vez da pronúncia adequada bolo[ʃ], profere-se bolo[s].

-s surge no fim de palavras19: abusos, acesos, actividades, advogados, africanos, alguns, algumas, ambiguidades, anos, anteriores, aposentados, apostadas, apresentados, aproveitámos, aqueles, áreas, arquitectos, as, associações, associados, atitudes, atraídas, para atrás, boas, cálculos, camadas, caros, cedidos, centenas, (por) centos, certas, chegámos, chineses, chineses, cidades, cinzentas, coisas, comemoramos, comunidades, condições, congratulações, conseguimos, contactámos, continuamos, contratos, convenções, convidados, curiosos, cursos, daqueles, das, departamentos, depenetes20, depois, deputados, desfavorecidos, despesas, dessas, detrás, deverimos21, devimos22, dias, dificuldades, digamos,

19 Não dividimos as palavras segundo classes porque não encontrámos nada que indicasse uma dependência do uso de diferentes variantes da pronúncia. 20 dependentes 21 deveremos 22 devemos 27

dirigentes, discutimos, divimos23, dois, dois mil, domésticas, dos, dúvidas, económicas, económicos, eleições, eleitos, eles, empreendimentos, empregadoras, empresários, empresas, engenheiros, entregámos, enviados, escolas, espaços, esses, estádios, estamos, estarmos estas, estatais, estradas, estruturas, estudantes, exemplos, explorações, falamos, falámos, festas, finalidades, finidores, fixas, fotografias, frequentadores, fundadores, géneros, grandes, graves, gregos, ideias, imperfeições, indirectos, infraestruturas, interesses, intermediários, introduzidos, introduzimos, jornais, jovens, lacunas, legitimadas, levantei-as, lhes, línguas, lojas, macaenses, maiores, mais, margens, mas, mecanismos, médicos, meios, melhores, pelo menos, mensagens, mensais, mercados, meses, ministérios, moradores, muitas, muitos, necessários, negociações, nelas, nenhumas, nessas, nomeados, nós, nossas, nossos, novos, obras, oficiais, opiniões, os, outras, outros, ouvintes, país, países, palavras, parabéns, pares, particularidades, passámos, pernas, partes, pendurados, pensamos, percebemos, pessoas, pisos, podemos, podemos, políticos, português, portuguesas, portugueses, potencialidades, preocupações, preocupamo-nos, privilegiadas, problemas, produtos, professores, profissionais, projectos, propôs, próprios, províncias, próximos, públicos, quais, queremos, questões, quis, razões, realizámos, redes, relacionadas, representantes, residentes, resolveres, respetivos, responsáveis, reticentes, sabemos, sabes, salários, salvaguardados, satisfeitos, séculos, seis, seiscentos, semelhantes, serviços, seus, simples, sindicados, sítios, situações, soluções, suas, superiores, temos, tempos, teríamos, (em) termos, tínhamos, tivemos, todos, trabalhadores, tradicionais, tradições, (por) trás, três, troianos, turquistas24, últimos, uns, vamos, várias, vários, verificámos, vimos, votos

-z surge no fim de palavras: arroz, capaz, dez, talvez, vez e no imperativo do verbo dizer (diz) e nas formas do verbo fazer (faz, fiz).

O referente1 liga -s ou -z final com a vogal seguinte25, por exemplo … todas as festas…, … que haja mais pessoas ainda … . -s final enfraquecido no fim de palavra aparece na conversa do referente1 só uma vez, no caso de artigo feminino plural, as (… todas a(s) potencialidades … referente1). O apagamento pode ser causado pela fala rápida do interlocutor. A ideia dessa conclusão é acentuada também por o fenómeno do apagamento aparecer na fala do referente1 só uma vez.

23 devemos 24 turistas 25 Se não é mencionado o contrário, a pronúncia corresponde com a do português padrão. 28

O referente2 prefere ligar -s e -z final com a vogal seguinte, mas encontrámos bastantes casos em que não o faz, por exemplo … todos os dias … (referente2), … eles acham que … (referente2), … denunciar estas explorações … (referente2), … intermediação das associações legitimadas … (referente2). Muitas vezes o -s final é enfraquecido, por exemplo … todos o(s) anos … (referente2), ... todos o(s) dias … (referente2), … estão minimamente salvaguardado(s) … (referente2), … muita(s) das situações … (referente2), … nem das empresa(s), nem de Macau … (referente2), … trabalho das empregadas doméstica(s) … (referente2), … quer perante os serviços públicos … (referente2), … muito(s) dos deputados eleitos … (referente2).

O referente3 mais liga do que não, por exemplo todas as comunidades (referente3), temos outros empre-, profissionais (referente3), todos os chineses (referente3), mais uma oportunidade (referente3), nossos empresários (referente3), outras obras (referente3), grandes áreas (referente3). Às vezes tem o -s final enfraquecido, por exemplo empresas portuguesa(s) (referente3) e muito(s) deles (referente3).

O mesmo acontece na fala do referente4 que liga por exemplo os aposentados (referente4), alguns associados (referente4), mais acesos (referente4), digamos algumas alguns empreendimentos (referente4), digamos uma parte (referente4), nós entregámos um projecto (referente4), mais uma vez (referente4), digamos é (referente4), digamos um sistemo (referente4), digamos a feitura (referente4), muitas ambiguidades (referente4), mas o governo (referente4), mas aquilo (referente4), e às vezes tem o -s final enfraquecido, por exemplo nó(s) não temos (referente4), um dos fundadore(s) (referente4), digamo(s) (referente4), todos o(s) dias (referente4), mais aceso(s), a(s) coisa(s) (referente4), dois mese(s) (referente4), com fotografia(s) (referente4), digamo(s) algun(s) (referente4).

Como podemos deduzir dos parágrafos anteriores, reparámos só em um caso em que -s ou -z final não seguiu a norma padrão. Trata-se de … duas grandes áreas … na conversa do referente3 que pronúncia -s como -z, e … mais acesos … na conversa do referente4 que pronúncia -s como sibilante alveolar, mas não palatal, como anota Diez (2000). O referente3 está a pensar o que dizer e como é a um discurso espontâneo, não preparado, pode ser que quis dizer imediatamente a palavra áreas. No caso do referente4 trata-se de -s que é enfraquecido, pode ser que é só resultado de uma fala rápida. Tratando-se de um só caso, não

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podemos fazer uma conclusão mais detalhada sobre a causa da alteração.

Das gravações estudadas resulta que no final das palavras não acontece muito frequentemente a alteração da sibilante alveolar em sibilante palatal como menciona Diez (2000). As consoantes finais conjugam-se com a vogal seguinte ou enfraquecem. O enfraquecimento ou até omissão de fonemas finais é um fenómeno que na verdade ocorre no português macaense e que com outros fonemas, iremos tratar mais adiante.

Não classificámos casos como … por uma questão muito simples, ora de almoço … (referente2) porque neste contexto simples e ora não formam um conjunto fonético.

7. 6 A vibrante r

No português padrão existe r como uma consoante sonora e oral. Segundo a posição e o modo de articulação distinguem-se dois tipos da articulação.

Cunha (1991) distingue a vibrante forte ou múltipla como velar e uvular. A vibrante forte é mais utilizada na pronúncia em Portugal contemporâneo em Lisboa, no Rio de Janeiro e extremas áreas do país. A vibrante alveolar múltipla é ainda mantida na maior parte de Portugal e em extremas zonas do Brasil como Rio Grande do Sul, uma realização dorso- uvular múltipla, que às vezes aparece em Lisboa e no português popular do Rio de Janeiro. Outra realização, línguo-palatal velarizada, conhecida também como r-caipira, surge só no Norte de São Paulo e no Sul de Minas. Para o português popular de Setúbal é característico o r simples na posição intervocálica (caro) e no fim de palavra (andar), mesmo como o r vibrante uvular nas palavras como rua e carro, r nas pronúncias normalizadas de Portugal e do Brasil o r simples apical algumas vezes perdido na pronúncia popular brasileira, quando em final absoluta (Nunes 1991: 42-47).

Em português existia r brando (de uma vibração) e ao mesmo tempo o r forte (de várias vibrações) em posição intervocálica (caro e carro). Nas outras posições existia apenas um fonema que até uma data recente teve a pronúncia (ponto de articulação) apical. Durante o século XIX aparece a articulação uvular do r forte, que não aparece no português de Macau. Em 1883 a nova articulação do r assinalada em Lisboa era considerada variante individual. Em 1913 espalhava-se progressivamente pelas cidades mas ainda era vista como viciosa.

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Nesta altura é geral em Lisboa e largamente adoptada pelo resto de Portugal sem suplantar a antiga articulação apical (Teyssier 2001: 65).

Segundo Diez (2000) a distribuição do r depende da sua posição na palavra. Vibrante uvular ocorre como alofone do r alveolar na posição intervocálica, por exemplo fora fo[R]a. Vibrante alveolar ocorre como alofone do r uvular na posição inicial, por exemplo receita [r]eceita. No final absoluto há uma tendência muito forte para eliminar r no fim da palavra ou pode também ocorrer que a palavra se possa prolongar com um vogal adicional, por exemplo quer que[r] ou que[re]. Na estrutura mais próxima, no conjunto mais estreito, difícil ou complexo, pode eliminar-se o r presente, por exemplo principalmente p[]incipalmente. E também vogais abertas podem eliminar o consoante que vai depois destas vogais, por exemplo porque po[]que.

Baxter (2009: 296) chama atenção a diferente pronúncia do -rr- onde r alveolar simples está em variação com as variantes de português padrão uvular e alveolar múltipla, por exemplo carro ca[r]o. Na posição final da sílaba aparece segundo ele em vez do r alveolar simples ou uvular do português padrão, queda do r, por exemplo falar fala[] e porque po[]que. Este último fenómeno pode estar mais ligado à posição final de palavra.

Correia (1999: 75) refere-se à existência de um r simples em vez de r alveolar múltipla como exemplo dá aroz em vez de arroz, e queda do r em posição final no infinitivo.

7. 6. 1 R – posição inicial

Resultados: Power Row (referente1), razão (referente2), razão (ref4), razões (ref4), reacção (ref2), realidade (ref3), realizámos (ref1), recentemente (ref2), recentemente (ref4), recusão26 (ref4), redes (ref4), RAEM27 (ref2), RAEM (ref3), RAEM (ref4), reflectir (ref2), reflectindo (ref2), reflectir (ref2), regresso (ref2), regulado (ref2), regulamentar (ref2), reial28 (ref1), relacionamento (ref4), relacionamento (ref4), relação (ref1), relançar (ref1), relançar (ref1), relatório (ref4), repara (ref1), repara (ref1), reparado (ref4), repensar (ref4), repopulada (ref3), repopulada (ref3), repopulada (ref3), repopulada (ref3), repopulada (ref3), representantes (ref2), residentes (ref3), resolver (ref2), respectivo (ref4), respectivo (ref4),

26 recusação 27 Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China 28 O referente1 se calhar não pronunciou bem a palavra real, pretendendo dizer primeiro o substantivo rei. 31

respeitar (ref3), responder (ref2), responsabilidade (ref2), responsabilidade (ref2), responsabilidade (ref3), responsáveis (ref4), responsáveis (ref4), resto (ref2), reticentes (ref1), revelar (ref4), revisto (ref2), risco (ref2), Rita (ref2), Rita (ref3), rota (ref4), rotina (ref4), rotineira (ref4), rua (ref3)

Como podemos saber da nossa análise, os referentes estudados não utilizam o r uvular na posição inicial da palavra. Na maioria dos casos os referentes pronunciam este r como alveolar múltipla, mas não uvular. A pronúncia uvular não foi encontrada em nenhuma palavra dos interlocutores por nós examinados.

7. 6. 2 R – posição central

R1: aberto, abraçaram, acordado, agora, altura, anteriores, aparece, aparecem, apertar, aproveitámos, atraídas, atrair, Brasil, celebra-se, celebrado, celebrar, certas, certeza, claro, colaboração, conseguiram, considerar, contra, conversa, crítica, cultura, cultural, curiosidade, curiosos, determinante, detrás, diferente, disponibilizaram, durante, entretenimento, espero, estabeleceram-se, estiveram, foram, géneros, gostaria, gregos, história, importância, importante, interessar, largo, melhorar melhores, mereceram, organizar, outra, outras, outro, para, parece, parte, participação, participam, participantes, particular, particularidades, se pensaram, perdi, pertence, por, porque, portanto, Portugal, portuguesa, portugueses, prática, precisamente, precisar, preligioso29, preocupamo-nos, preocupar, se pretende, prever, princípios, produtos, projecto, propriamente, provavelmente, provou-se, próxima, próximo, querem, queremos, quero, repara, sardinhada, sempre, senhoras, seria, servir, tarde, teatro, teríamos, terminar, (em) termos, tradição, três, tiro, troianos, turquistas30, valoriza, valorizar, valorizo, várias, vários, verdade, vitória

Bairro

R2: altura, apresentar, aprovado, artigo, se atrevem, clara, comemoramos, contra, contratos, controlar, corda, cumprir, decretaram, decreto, deixaram, demostra, demostram, dentro, deveria, direito, empregadas, empregador, empregadores, empresa, empresarial, empresas, enorme, entre, era, explorações, explorados, explorar, finidores, forma, futura, garganta,

29 prodigioso 30 Veja 19. 32

governo, graves, greve, histórico, iceberg, informando, interesses, internacional, intervenção, interviram31, maneira, maré, natureza, obrigado, ora, outro, outros, para, parte, patronal, pendurados, perfeito, pergunta, permita, permite-se, permitir, persistem, poderia, porque, portanto, prática, preciso, presidente, pretende, prevenção, prevenir, previa, primeiro, privado, problemas, projecto, própria, próprias, próprio, próprios, protecção, provado, quatro, regresso, representantes, salarial, salários, salvaguardados, serve, serviços, tarde, trabalhador, trabalhadores, trabalho, trabalhos, trás, travão, urgente

Corrigido, percorrido

R3: abranger, africanos, agora, altura, aprender, aprendizagem, apresentei, aprofundar, aproveitar, área, áreas, arquitectos, através, austerior, caros, central, centro, começarem, comendadora, comprar, concretizar, construção, contribuição, contributo, cooperação, cultura, cursos, deveria, diariamente, directamente, directar, director, directos, dirigente, dirigentes, dirigiram, embora, empresários, empresa, empresas, engenheiros, entram, entrar, entrarem, entre, estradas, formação, futuramente, Gilberto, gostaria, gostariam, govércia, governo, grande, grandes, híbrido, importante, infraestruturas, intermediários, intervenção, introduzimos, jornais, larga, mandarim, mercados, ministérios, mostrar, obras, obrigado, oportunidade, outra, outras, outro, palavras, para, parte, participação, participar, (a) partir, perfeitamente, pergunta, perguntas, plataforma, poderá, poderão, porque, portanto, português, portuguesa, portuguesas, portugueses, prazer, presenta, pretende, primeiro ministro, principalmente, princípio, privada, privilegiadas, professores, profissionais, projectos, propôs, proposta, províncias, querem, queri32, secretariar, serviços, sobrinha, sofrer, supermercado, tarde, (em) termos, trabalhada, trabalhar, trabalho, trasmeti, transmitir, três, universidade, várias, verão, verificámos

Arroz, erro

R4: abrangente, abranger, acredito, agora, apercebi, aproveitar, arquitectos, atrás, celaboral claro, concretizar, congratulações, construir, conversa, creo, departamentos, deveremos, deveria, diariamente, diria, empreendimentos, encontro, entregamos, entregue, entreguei, esperiência, estiveram, estruturas, forma, fotografias, Francisco, frente, frequentadores, fundadores, Gilberto, governo, imperfeições, imperfeito, internacional, irá,

31 intervirem 32 quis 33

lidrei, melhores, merecer, mostrei, oportunidade, ora, para, pares, particularmente, percebemos, percebi, pertencente, porque, portanto, preocupação, preocupações, preparada, se presa, se prese, presidente, privado, processo, procurou, projecto, pronto, pronúncia, próprio, província, próximo, quatro, querem, relatório, representar, rotineira, segural, seria, sobre, sorte, superiores, temporariamente, teria, termos, territórios, tornar, trabalhar, trajecta, transmiti, trinta, trocar, universal, várias, verificado, verifiquei

Território, territórios

Na posição central da palavra os referentes utilizam r simples (no caso de um -r-) ou alveolar múltipla (no caso de dois -rr-). Não acontece nenhuma alteração em r uvular como anota Diez (2000). O único que está diferente do português padrão e do que ainda não apontámos é a pronúncia do referente2 e referente3 na palavra governo e do referente4 na palavra território. O referente2 utiliza o substantivo governo quatro vezes, mas omite o r só uma vez (… é o facto do gove(r)no dizer que … referente2). Se o referente2 pronúncia em outros casos a palavra governo com r, pode ser que se tratasse apenas de uma omissão causada ocasionalmente. Mas o referente3 também utiliza o substantivo governo sem r (… até a presenta data o gove(r)no da RAEM … P1). Pode ser que o referente2 e o referente3 pronunciem a palavra governo sem r, mas na fala oficial, em nosso caso para o rádio, tentaram pronunciá-lo em modo mais distinto. O referente4 pronuncia o substantivo com r simples como acontece no português macaense segundo Baxter (2009). Encontrando só duas palavras, não podemos fazer nenhuma conclusão sobre a palavra território e a causa da sua alteração.

7. 6. 3 R – posição final

R1: abraçar, apertar, aplaudir, assinalar, atrair, calhar, celebrar, considerar, continuar, dirão, dizer, estar, falar, fazer, interessar, invasor, jogar, melhor, melhorar, organizar, ouvir, particular, passar, pensar, popular, por, precisar, preocupar, prever, relançar, satisfazer, secular, sedimentar, sensibilizar, ser, servir, terminar, valorizar, ver, vir

R2: actualizar, andar, anterior, apresentar, baixar, conceber, conseguir, continuar, controlar, cumprir, dar, deixar, denunciar, despedir, dever, empregador, evitar, existir, explorar, falar, favor, fazer, haver, chegar, lazer, lugar, maior, manter, melhor, meter,

34

negociar, pagar, permitir, por, por (centos), prevenir, quer, reflectir, regulamentar, resolver, responder, sector, ser, sustentar, ter, tiver, trabalhador, ver, vir, voltar

R3: abranger, ajudar, aprender, aprofundar, aproveitar, assentar, austerior, colocar, completar, comprar, comunicar, concretizar, condutor, conhecer, conversar, dar, desempenhar, directar, director, dizer, entrar, fazer, houver, incentivar, maior, melhor, mostrar, opostar, participar, (a) partir, pensar, poder, popular, por, respeitar, senhor, ser, sofrer, ter, Timor-Leste, trabalhar, transmitir, trazer, vendedor, voltar

R4: abranger, afastar, andar, assistir, assumir, (se) calhar, colocar, concretizar, conhecer, construir, dar, dar(-lhes), desejar, dizer, estar, expandir, falar, fazer, melhor, merecer, mudar, pensar, poder, por, qualquer, quer, repensar, representar, revelar secretariar, ser, ter, tornar, trabalhar, trocar, ver, viver

Analisando todas as palavras com r no fim de palavra, reparámos só em uma omissão, a do referente2 no verbo responder responde[r]. (… para responder a pergunta … referente2). Outra vez, não temos bastante frequência da palavra. Isto não nos possibilita fazer uma conclusão adequada, e também como o verbo aparece só uma vez, não podemos dizer que o interlocutor pronúncia todos estes verbos sem r no fim da palavra.

Como podemos saber da nossa análise o r uvular na posição inicial de palavra não se utiliza em português macaense. Em vez de r uvular pronuncia-se o r alveolar múltipla e às vezes simples. Também -rr- se pronuncia como r alveolar múltipla e não como uvular. A omissão de r foi registada por nós só duas vezes, nas palavras governo e responder. Por ser só uma vez que as palavras foram mudadas, não podemos concluir que se trate de um caso frequente. Mas das gravações estudadas parece que o referente2 tenha uma inclinação a omissão de r mais do que os outros. Ainda queremos adicionar que não reparámos em nenhuma prolongação com um vogal adicional no fim de palavras como anota Diez (2000).

Esta ausência do r uvular pode ser histórica, porque os portugueses chegaram à costa da China antes do aparecimento desse r. Também o facto de que chineses do sul não gostem do r uvular, que aparece no chinês oficial, saindo do norte, podia causar o “não desenvolvimento”

35

da mudança do r em Macau. Baxter (2009: 296) mantem a mesma opinião baseando-se nos crioulos de português de Macau com um apoio indirecto no cantonês.

7. 7 As palatais de português standard [λ] [ŋ]

A palatalização de l e n foi iniciado já na época imperial mudando a fonologia da língua. Quando yod proveniente de e ou i em hiato seguia l ou n, estas consoantes passaram a lh e nh palatais ou “molhados” (Teyssier 2001: 10-11).

Diez (2000: 63) anota despalatalização de lh, por exemplo em velhinhas ve[l]inhas. Outras fontes secundárias por nós estudadas (Correia 1999, Baxter 2009), que falam sobre o tema, não anotam nenhuma omissão ou mudança nesta área, nem nós encontrámos uma diferença notável que fosse causa de uma pronúncia diferente da do português padrão.

Ao contrário do lh, a palatal nh, segundo a fonte secundária (Baxter 2009, Correia 1999, Diez 2000), não se despalataliza. Nem nós deparámos com uma alteração de nh em n.

7. 8 L alveolar em vez de l lateral dental

Correia (1999: 75) menciona a substituição do l lateral dental pelo l alveolar33, mas infelizmente não apresenta nenhum exemplo. Nem nós encontrámos um único caso em que seja documentada uma diferente pronúncia de l. Nem outras fontes secundárias (Diez 2000, Baxter 2009) anotam uma possível mudança do l. Diez (2000: 63) regista omissão de l alveolar lateral por exemplo em palavras como família famí(l)ia, mas é um caso de que trataremos adiante.

7. 9 Omissão de uma consoante, vogal ou grupos de consoantes, sílabas

Este subcapítulo estuda a omissão de consoantes na fala de interlocutores analisados. Deixamos de lado os casos em que os falantes evidentemente não terminaram a palavra ou frase para modificar a sua resposta. Como por exemplo acontece na fala do referente1 (Eu

33 Infelizmente Correia (1999) não define o l alveolar. 36

julgo que sim, a viage(m), todos os, todas as festas … ) (… a questão fo(i), é o tempo …) ou referente4 (… os aposen(tados) estão tem estado bem …). Não o classificamos como omissão.

Baxter (2009: 296) lembra a simplificação dos grupos de consoantes (pincipal em vez de principal, fala em vez de falar, exempo em vez de exemplo) sob a influência de cantonês. Diéz (2000: 64) anota simplificação nas palavras exemplo exemp()o e principalmente p()incipalmente ou principa()mente. Mencionando a omissão de r na posição final da palavra não dá exemplos. Correia (1999: 75) sugere queda do r em posição final no infinitivo dos verbos (come em vez de comer).

R2: (es)tou a falar de AGOM34, nós temos conseguido resolver ma(i)s problemas com este novo chefe executivo

R3: porque (es)tou ligada a área de da plataforma, se não (es)tou me erro

R4: para além da simpati(a) eu creio, nós estamos muito depenetes (dependentes) da China, construir digamos uma parte especialmente disci(pli)nada, a classe em activo

Na linguagem do referente1 não reparámos em nenhuma palavra que revelaria uma omissão de qualquer fonema. O referente2 omite sílaba es- no verbo estou que acontece na linguagem coloquial de português padrão. A palavra mais no registo do referente2 tem a vogal i enfraquecida, mas não a perde. O referente3 tem como referente2 a omissão da sílaba es- no verbo estar. Como a omissão nesta palavra é um fenómeno que se realiza também em português padrão, não o consideramos uma omissão que podia ser fora da norma de português standard na sua forma falada. A palavra simpatia tem a vogal final enfraquecida. Não se trata de omissão. O refrente4 pronuncia a palavra dependentes como [depe´neteʃ]. Não podemos dizer se é um erro léxico do interlocutor ou apenas uma omissão, porque a palavra é utilizada só uma vez. No caso da palavra disciplinada onde é omitida a sílaba -pli- acreditamos que é uma omissão, mas novamente não podemos afirmar que é uma pronúncia frequente ou até regular no registo do português de Macau.

34 Associação Geral dos Operários de Macau 37

Como se trata de uma discurso não preparada muitas vezes acontece que as pessoas mudam de ideia e querem dizer ou falar sobre um assunto novo. Não podemos ter a certeza de as falhas estarem relacionadas na maioria dos casos com uma omissão habitual ou até uma omissão regular. Apontamos só que o referente4 omite mais fonemas ou sílabas do que os outros referentes. Não podemos concluir se é ou não o caso que mencionam as fontes secundárias por ter pouco material a estudar.

7. 10 Algumas outras particularidades

Neste subcapítulo trataremos de algumas outras particularidades na pronúncia dos referentes estudados.

R1: atrair pessoas, atrair turquistas (em vez de turistas), atrair, atrair curiosos, foi aquele tiro preligioso (em vez de prodigioso)

R2: quando nós cos (em vez de os) contactámos ainda esta manhã

R3: deste (em vez de desde) dois mil nove três até

R4: verifiquei em loco (em vez de logo), daqueles cidades [ʃ]idades (em vez de cidades [s]idades)

A palavra turquistas parece ser um erro de língua. É um substantivo que não existe em português padrão e não encontrámos nenhum comentário nas fontes secundárias sobre o aparecimento deste substantivo na língua de Macau. A palavra preligioso parece ser um erro léxico, mas de um só aparecimento não se pode fazer uma conclusão exacta. Cos [´kuʃ] é uma contracção antiga de preposição com e pronome os, hoje em dia não utilizada em português standard. Não podemos ter a certeza se o referente2 quis dizer cos ou apenas antecipou a palavra contactámos que o segue, querendo dizer os. As palavras deste e loco têm consoantes originais d e g (desde, logo) dessonorizadas. As fontes secundárias não mencionam nenhuma palavra em que acontecesse uma dessonorização em português macaense. Pode tratar-se de um erro de língua ou dessonorização, mas para poder classificar o caso não temos bastante

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material. O substantivo cidades assume na posição inicial da palavra [ʃ] da palavra precedente aqueles. Diez (2000: 64) anota substituição de [s] com [ʃ], mas no caso de cidades não desaparece [s], mas temos dois [ʃ]. Disto concluímos que é mais uma causa da fala rápida não preparada, um fenómeno ocasional.

As particularidades encontradas são os casos difíceis de analisar. Aparecem só uma vez e pode tratar-se apenas de um erro de língua em que os referentes não repararam ou simplesmente não queriam afetar a fluente fala da conversa, deixando-o sem o corrigir.

Como mencionámos acima conseguimos falar com um representante da geração mais nova e com um chinês, estudante de português. Na pronúncia do jovem macaense não notámos nenhuma diferença do português padrão, mas como aprende novamente o português na universidade, não contámos com um erro. O estudante chinês acha difícil a distinção entre [a] e [α], [s] e [z], r e l e a pronúncia de r uvular.

8. Morfologia e Sintaxe

Este capítulo tem por objectivo delinear brevemente os aspectos morfossintácticos mais notáveis, da língua macaense, que se distinguem do português padrão. Baseamo-nos no trabalho de Baxter (2009), Correia (1999) e Diez (2000) como já mencionámos acima.

Os autores das fontes secundárias (Baxter 2009, Diez 2000, Correia 1999) não classificam palavras em nove classes gramaticais tradicionais do português padrão (substantivo, artigo, adjectivo, pronome, verbo, advérbio, preposição, conjunção, interjeição). Como comparamos os nossos resultados com os deles, achamos conveniente adoptar a sua divisão.

A morfologia está estreitamente ligada com a sintaxe. Serve ao plano sintáctico (morfemas gramaticais) e ao plano semântico-denominativo (morfemas radicais e de formação de palavras). Morfemas, a maioria deles, estão realizados de morfes fónicos (não falando sobre morfes zero). O facto que morfes sofrem mudanças fonéticas, pode causar mudança de alguns morfes e isto pode conduzir a impossibilidade do funcionamento destes 39

morfes e por isso em seguida mudá-los.

O plano sintáctico está, mais como os outros planos da língua, ligado com o pensamento da humanidade. Seguramente não podemos interpretar todas as mudanças que ocorrem na sintaxe com novos conhecimentos da população, mas o desenvolvimento do pensamento de pessoas e o seu nível mais alto e abstracto reflecte-se na sintaxe. Períodos complexos, relações entre orações e as suas conjunções tornam-se mais complexos. O que também influencia a sintaxe é o facto que a língua tem uma forma escrita que não possibilita exprimir com letras todas as facilidades da linguagem (intonação, gestos, expressões fisionómicas e outras eventualidades não-verbais) e a ausência de um interlocutor da comunicação, com maior frequência de receptor. Todos estes factores têm que ser compensados com meios sintáticos. A morfologia e a sintaxe, durante a sua evolução, foram influenciadas pelas línguas de prestígio, o latim e o grego.

Decidimos tratar desses dois planos da língua como um só porque a morfologia serve a sintaxe e são assim estreitamente ligadas.

No plano morfossintáctico do português macaense existem muitas diversidades. Nas páginas sucessivas queremos apontar as características mais salientes.

Como na fonologia o exemplo mais antigo do pidgin de base portuguesa encontra-se em A Voyage to the East Indies in 1747 and 1748. No provável pidgin português a posição pré- nominal dos adjectivos grande e pickenini (a palavra tornou-se geral no pidgin inglês da China) na frase Carei grandi hola pickenini hola? ʻQuer uma prostituta velha ou uma prostituta jovem?ʼ pode provir da influência chinesa e britânica (Baxter 2009).

Dos glossários chinês-português é o glossário do Aomen Jilüe que nota algumas características morfológicas dos crioulos portugueses do sudeste asiáticos. Por exemplo não há evidências de um artigo definido e o numeral 1 e uŋga como no crioulo português de Macau moderno (crioulo português de Malaca ŋwaga). Os verbos são principalmente derivados da forma da terceira pessoa de singular do português, por exemplo uai ʻvaiʼ (ir), sâi ʻsaiʼ (sair), sán-tá ʻsentaʼ (sentar), e em certos casos parecem ser derivados do infinitivo português, por exemplo uân-té (da palavra portuguesa vender) ʻvenderʼ. O aspecto perfectivo é indicado por já, por exemplo iá-olá já olhar ʻolhouʼ (Baxter 2009).

A morfologia não era flexional (em diferença com crioulos portugueses da Índia). O

40

verbo teng representava ʻterʼ e ʻhaver, existirʼ. A negação poderia ter origem na palavra portuguesa não ou nunca, como nos testemunham exemplos como kam-teng uân-tou ʻnão há ventoʼ ou nông-teng ʻnão háʼ. Baxter (2009) apoia a segunda hipótese, porque na sequência kam-teng a sílaba kam podia ser derivada da segunda sílaba da palavra portuguesa nunca. A nasalidade em kam, segundo ele, talvez provenha da influência da negação verbal e adjectival cantonense. Depois acrescenta que a sílaba nông em nông-teng representa a primeira sílaba de nunca. O ditongo nasal português corresponde, segundo ele, ao crioulo português de Macau. Outra diferença é na utilização do verbo intransitivo subir que não rege preposição, por exemplo sou-pât-má-tou ʻsubir matoʼ. O demostrativo provém do português esse, por exemplo is-si mé-si ʻesse/este mêsʼ à diferença da forma estunga ʻesse/esteʼ do crioulo português de Macau moderno. Todas estas características correspondem aos crioulos portugueses do sudeste asiático e aos crioulos portugueses da Índia. O que se destaca é a ausência da preposição em algumas expressões, por exemplo pó-tá si-ta-ti ʻporta da cidadeʼ, que Baxter (2009) classifica mais possivelmente sob a influência do cantonês. O que ainda aponta o glossário é a frase á-kó-lá tché-ká ʻagora chegaʼ, onde agora pode indicar o aspecto imperfectivo (Baxter 2009).

A gramática do crioulo português de Macau da segunda metade do século XIX está bem conservada em diversos textos de falantes nativos e de portugueses que conheceram o crioulo. Nesse período o crioulo foi utilizado nas famílias de descendência luso-asiática, mas já tinha cedido muito ao português padrão. O crioulo utilizava-se em textos satíricos e críticos sócio- políticos (muitas vezes na forma de pasquins e cartas enviadas a jornais e revistas) e na poesia. Por outro lado o crioulo foi proibido sob pressão por parte do português padrão, com o desenvolvimento da educação e a criação de várias escolas portuguesas na segunda metade do século XIX (Baxter 2009).

Nos textos do século XIX o sistema verbal do crioulo português de Macau tem formas e uma sintaxe frequentes nos crioulos portugueses do sudeste asiático e no crioulo português de Malacca. As partículas pré-verbais já ʻperfectivoʼ, ta35 ʻaspecto contínuoʼ, logo ʻfuturo irrealisʼ36 e nadi ʻnegação + futuro irrealisʼ modificam tempo, aspecto e modo de verbos nas formas invariáveis (Baxter 2009). No Aomen Jilüe (citado segundo Baxter 2009) são apresentados exemplos como:

35 Achamos que seja tá, porque nos outros casos que aparecem no texto utiliza tá. 36 Achamos que seja irreais. 41

Outro dia eu já assisti festa de Senhora Rosário ʻNo outro dia assisti à festa de Nossa Senhora do Rosário.ʼ

Nós tá contá cô elle este história ʻNós lhe contávamos esta história.ʼ

Si sium nom pôde intendê eu logo falá modo de agora ʻSe o senhor não consegue entender (o crioulo antigo), explicarei no crioulo actual.ʼ

Por isso que iou nadí fala nada ʻÉ por isso que não direi nada.ʼ

A influência chinesa apresenta-se nos eventos verbais perfectivos e os não perfectivos têm uma forte tendência omitir os marcadores pré-verbais aspectuais (já, tá) no contexto em que se possa recuperar o valor aspectual. O seguinte exemplo demostra o carácter facultativo do já, porque só um dos nove verbos leva este marcador, é o verbo que termina a narrativa.

Outro dia acunha mofina di ama abrí janela, eu erguí cedo, sai fóra, apanhá vento, ficá constipado. Priméro tomá sincap, misinha de vento, … (…) … mas nunca pôde ficá bom … (…). Dôtôr falá sam doença d´idade, mas eu nunca sentí assim, chomá mêstri Ahoi, que tudo gente falá sam capaz, ele já curá.

ʻNo outro dia aquela desgraçada da empregada abriu a janela. Me levantei cedo, saí fora e apanhei o vento. Pequei uma gripe. Primeiro tomei sin-kap, a medicina para esses casos de ´vento´, … (…) … mas não melhorei … (…). O médico disse que era doença de idade, mas eu não concordei. Chamei o mestre Ahoi, que todos dizem é capaz, e ele me curou.ʼ (Baxter 2009)

Outras semelhanças do crioulo português de Macau com os crioulos portugueses do sudeste asiático são a configuração geral SVO (sujeito predicado objecto), a negação pré- verbal com nang/nom (da palavra portuguesa não) ʻnãoʼ, nunca (da palavra portuguesa

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nunca) ʻnãoʼ e nadi (do conjunto das palavras portuguesas não há de) ʻnegativo+futuro- irrealisʼ. O sintagma nominal é composto de determinantes pré-nominais e de adjectivos e cláusulas relativas pós-nominais. Não há artigo definido, o artigo indefinido e numeral 1 é unga (da palavra portuguesa uma). A posse é geralmente marcada por um genitivo invariável, por exemplo ele sa família ʻa família deleʼ, ilostro sa família ʻa família delesʼ. Não se utiliza caso gramatical nos pronomes, nem género, por exemplo iou ʻeuʼ, vos (da palavra portuguesa vós) ʻtu, vocêʼ, osé (da palavra portuguesa você) ʻtu, vocêʼ, ele ʻele, elaʼ, nos ʻnósʼ, vosotro (do conjunto das palavras portuguesas vós + outro/outros) ʻvocêsʼ, ilotro (do conjunto das palavras portuguesas ele + outro/outros) ʻeles, elasʼ. Não existem regras de concordância (de género, número, sujeito-verbo). O complemento directo humano leva marcador preposicional e a mesma preposição utiliza-se com os complementos indirectos. No crioulo português de Macau é utilizado cum ou para, por exemplo dispidi cô nôs tudo ʻDespediu-se de todos nós.ʼ, elotro olá pr´eu na botica de Long-seng ʻeles me viram na loja de Long-seng.ʼ, Vôsso tio grande já prohibi pra eu nunca escrevê mas pra vôs ʻO seu tio maior proibiu que eu te escrevesse jamais.ʼ (Baxter 2009).

O que distingue o crioulo português dos outros crioulos portugueses do sudeste asiático é um uso constante de um verbo copulativo sang (da palavra portuguesa são) ʻserʼ, por exemplo Nôtro tempo pescaria são na agu salgado ʻAntigamente se pescava no mar.ʼ. Depois os demostrativos do crioulo português de Macau incorporam o artigo indefinido ou numeral akunga (do conjunto das palavras portuguesas aquele + uma) ʻaqueleʼ, istunga (do conjunto das palavras portuguesas este + uma) ʻesteʼ, por exemplo Outro dia acunha mofina di ama abrí a janela ʻNoutro dia aquela desgraçada da empregada abriu a janela.ʼ Estas duas diferenças indicam a influência do cantonês. Mas o cantonês tem o verbo copulativo haih ʻserʼ semelhante ao sang no crioulo português de Macau. Não se sabe se sang entrou no sistema do crioulo português de Macau nas frases iniciais da colónia ou se é um produto da prolongada convivência do crioulo português de Macau com o português padrão. O demonstrativo que incorpora o artigo indefinido ou numeral parece sair do chinês.

No século XX a descrioulização do crioulo português de Macau causou uma morfologia flexional variável. Há variações nas regras de concordância de número e género na frase nominal e de concordância sujeito-verbo em termos de pessoa e número, e variações na gama de flexões de tempo-aspecto-modo. Segundo a investigação de Nunes (citado segundo Baxter 2009) o verbo português no tempo presente de aspecto de habitual e progressivo incorporou-

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se no crioulo português de Macau mais rápido de que outras formas de valores temporais e aspectuais.

8. 1 Queda do r na posição final no verbo infinitivo

Diez (2000) coloca no plano morfossintáctico a variação em relação a queda do r no final de sílaba concentrada no verbo infinitivo. Baseando-se na sua pesquisa, detectou aumento da queda do r na posição final de palavra em infinitivos entre falantes jovens.

Baxter (2009) considera a queda do r na posição final de palavra de origem cantonesa, apesar de poder tê-las nos antecedentes crioulos do português de Macau. A origem cantonesa sai do pressuposto de que o contacto mais frequente com essa língua é estabelecido por parte dos macaenses da classe social humilde e sobretudo por parte dos jovens estudados por Diez (2000). A questão que fica é se a queda do r no final de sílaba é privilegiada pelo infinitivo ou se é simplesmente o resultado da omissão fonológica do r em posição final de sílaba. Baxter (2009) defende a primeira versão, baseando-se em crioulos do português macaense que não têm a distinção entre verbos finitos e infinitos e não têm verbos com r no final de palavra. Da nossa pesquisa não podemos identificar-nos com nenhuma das alternativas propostas porque a omissão do r na posição final de sílaba apontámos só duas vezes, uma no infinitivo (responder) e uma no substantivo (governo).

8. 2 Concordância verbal, entre sujeito e predicado, e entre sujeito e predicativo

Diez (2000) menciona a concordância entre o sujeito e o predicado como carecente. Como exemplo dá a companhia não querem em vez de a companhia não quer, eles consegue em vez de eles conseguem, com um verbo, os alunos prefere mais ir à praia ou vão pa Hong Kong em vez de os alunos preferem, eles vão de manhã e só volta à noite em vez de voltam, com dois verbos, os bloco são pequeno, se fosse grande, tinha em vez de os blocos são pequenos, se fossem grandes, tinham, com três verbos, chama-se panchões em vez de chamam-se panchões, no passivo.

Correia (1999) apresenta como diferente a não concordância em género e número entre determinantes, substantivos e adjectivos, não realização do feminino e no plural a realização de um ou dois destes elementos.

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Não estudamos casos nos quais não há sujeito ou é geral como não tem dúvida (referente1), quando se sabe (referente1), deve ser revisto (referente2), o que acontece (referente2), imperativo repara (referente1), olha (referente2).

R1: Eu julgo, todas as festas foi foram sempre boas festas, nós realizámos, a questão foi, é o tempo, as pessoas gostam, foi uma iniciativa boa, a influência foi afectada pela chuva, aparece muita gente, eu julgo, eu estou aberto, o ambiente é estupendo, é tão emblemático (o bairro), tem todas as potencialidades (o bairro), chineses que aparecem, pode servir (o sítio), uma das finalidades precisamente é esta, assim meto tudo, é envolvimento (o que ajude), andámos a interessar, falámos, eles continuam reticentes, querem ver, as coisas são, não são, eu julgo, nós não queremos, que esta festa de São João seja entendida, não queremos, não é isso que se pretende, pertence no largo, valorizar que está aqui na causa, não é uma cultura portuguesa, é cultura de Macau, que está aqui em causa, não é sardinhada, não é bifana que faz o a festa, é toda essa tradição, existe uma história, que está por trás (a história), Macau viveu esta história, muita coisa que está em jogo, que viesse esse bom tempo, preocupámo- nos, continuamos a preocupar, estamos na fase, a festa tem que sedimentar, é das coisas, que se pensaram fazer (coisas), o tempo começa a apertar, parte que me toca, eu fico, eu fico aflito, tenho que organizar o teatro Patuá, outras associações têm as suas actividades, é um peso a considerar, é uma questão, tudo é uma questão de timing, falta aí uma parte cultural, nós aproveitámos a boa disposição, o tempo nitidamente ajudou e faz com que nós tínhamos mais vontade, o próprio dia de vinte quatro de Junho vai calhar no sábado, que chove ou não vai ver São João, o que se pensa no fundo o que é importante, que se faça, o que até agora nós não conseguimos fazer, não é só celebrar aquele dia, isso é importante, há pouco falou (ele), celebra-se em Portugal, celebra-se no Brasil, onde existe comunidade portuguesa, assuma uma importância particular (a celebração), foi sempre de uma cidade e perdi, muita gente não gosta de ouvir, é uma vitória de do população de Macau, foi celebrado durante séculos (a vitória), estamos até em ano, eu digo sempre, foi aquele tiro predigioso37, se ele não tivesse acordado, teríamos sido uma Malaca, este é como tudo, eu não tenho nenhuma crítica, as pessoas que participam na festa, eu só tenho só tenho a valorizar, porque é que valorizo, estiveram, abraçaram (as pessoas), eu estou a falar dos portugueses, eles disponibilizaram o seu tempo, podiam estar em casa (eles), estiveram, mereceram um

37 Veja a página 36. 45

aplauso, não se pode satisfazer grecos e troianos, eu só tenho aplaudir, quando nós falamos em termos de qualidade, nós temos que ver, que tipo de disposição nós estamos a falar, quando nós falamos, quando nós estamos, nós temos à nossa disposição um pavilhão, se a festa de São João se pensa em termos de pavilhões, aí temos uma conversa completamente diferente, não sou só eu que vou dizer, dirão (as pessoas), eu espero que haja mais participação, que não sejam sempre as mesmas pessoas, gosto que, muito gostaria que continuassem (pessoas), o espaço inventa-se, a ideia é precisamente, é abraçar o bairro, isto seria um projecto, isto vai continuar

R2: comemoramos o dia mundial trabalhador, continua tudo na mesma, o facto é que persistem em ela graves problemas que fazem, os trabalhadores sejam explorados, dou-lhe um exemplo, fiquei a de conhecimento, uma empresa de jogo foi acusada, isto demostra e é aponta, de que existem ainda outros problemas, que os trabalhadores não se atrevem a denunciar, porque têm a corta na garganta (trabalhadores), têm os contratos finidores (trabalhadores), estão contra um gigante (trabalhadores), que é o empregador, como têm despesas (trabalhadores), tudo isto faz com que adiam o a forma (trabalhadores), em que eles acham que devem vir ao público, não existem mecanismos, estão minimamente salvaguardados (trabalhadores), uma lei que é a permite a intermediação, é isso que se exige, eles tinham qualidade, não se pode conceber, que os trabalhadores não tenham direito, como é a nossa ATFM, têm devido ao passado histórico a possibilidade (associações), como se conseguiu, serve (lei), mas devia ser melhor, poderia ser, eu levantei-as, não fui atendido, o governo não tinha uma posição, os seus representantes quando vinham à comissão deixaram que os deputados se digladiassem, o projecto inicial que foi aprovado, não foi o mesmo projecto que foi provado, dois projectos novos que foram introduzidos, que as empresas possam baixar os salários, isto já existia, o anterior diploma previa essa situação, que as empresas baixam os salários, isto não serve, é um regresso, estamos a voltar para trás, isto deve ser corrigido, dificuldades que neste momento existem, o resto poderia ser mais claro, como digo, que de facto existem, existem mecanismos, exista um sistema, são os mecanismos que existem neste momento, temos as convenções que dizem, que exigem, o governo deveria regulamentar, que existe já a protecção, nós pensamos que, os trabalhadores por si próprios decretarem uma greve, esta é ainda massiva numa cidade que se pretende que seja de lazer e de turismo, eu acho que sim, como consegue controlar a assembleia (governo), eu penso que é moral, faça composição da própria assembleia (governo), como tem apresentado a maioria

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(governo), projectos são apresentados, o governo se demite, põe sobre a responsabilidade outro deputado (o governo), eu vou continuar a cumprir a minha missão, está no programa, apresentei por duas vezes, foi chumbado, isto não vai deixar, que é mais importante mecanismo (a lei), eu não penso que a lei de greve seja tão importante, penso que em momento em que se vive, os sindicatos para se apresentarem, muto entendimento que deve existir, penso que a negociação, seja forma mais correcta (forma), eu penso que não, o governo não tiver a vontade, estou a falar do AGOM, tiveram aquela pressão (os deputados), nós vamos ter eleições, eu acho que naquela altura, eles terão que dar a cara (deputados), esses projectos que são nitidamente a favor, dos que têm maiores problemas, eu tenho que cumprir a minha missão, sabe que em Macau (você), as pessoas têm a memória curta, sabem que dividam essa memória curta (as pessoas), que as pessoas têm muitas vezes, muitos dos deputados eleitos pela via directa apoiam cegamente os projectos, sei que não vão conseguir, eu e a doutora Rita temos percorrido, as pessoas demostram grande confiança, chegam a pé de nós (pessoas), nós temos conseguido resolver mais problemas, os serviços públicos demostram maior reacção, quando nós cos contactamos, estive em contacto com o presidente, o que era impossível (encontro), eu penso que…

R3: eu não posso dizer, foi uma das privilegiadas, estava lá assim cinquenta pessoas, dirigiram para mim, ficou comendadora, foi por isso, que tive ocasião, estou ligada à área da de plataforma, eu tenho a grande responsabilidade, essa plataforma deveria ter apoio, sabemos que já efectivamente temos uma vez, é presenta data, vimos que no ano passado a plataforma de Macau foi levada portanto ao nível do da plataforma, verificámos que muitas das províncias de China querem conhecer mais Macau, tenho auscultado muitas opiniões, que nós sabemos, temos advogados, temos engenheiros, temos arquitectos, temos médicos, temos empre- profissionais, querem fazer a sua quota parte (empresários), eu posso dizer que é uma realidade, eu só queri38 completar a pergunta, que eu fiz, eu apresentei uma proposta, sabemos perfeitamente que em várias províncias da China existem cursos, são enviados para Macau (estudantes), esse título poderá ser implementado, poderá ao mesmo tempo incentivar todos os chineses, eu fiz esta proposta, isso tem que ser analisada, esse número não é suficiente, eu gostaria que toda a população de Macau, possam também comunicar com os países (condutor, vendedor), quando vêm ao Macau (países), língua oficial de Macau está ser utilizada plenamente, tem que ser mais trabalhada (segunda língua), eu pessoalmente

38 Quis. 47

também transmiti ao executivo, a língua portuguesa tem que ser começada desde a infância, nós passámos antigamente mal, não tivemos a língua chinesa, muitos macaenses estão sofrer disso, que eles começarem, que começamos, eu acho que sim, as duas línguas oficiais são a língua po- chinesa e portuguesa, a língua portuguesa é muito importante, outra coisa que é também importante, eu também gostaria de assen- assentar isso, os empresários chineses que não dominarem, eu estou contente, a escola portuguesa está também a dar mandarim, eu estou a conversar diariamente, estavam várias pessoas se não estou me erro, foram dez pessoas a fazer perguntas, ele disse que tinha apontado com muito cuidado as questões, verão portanto de voltar ao Pequim (questões), que eu também propus, que também foi solicitação (outra questão), eles têm manifestado a sua dificuldade, nós sabemos que a maior parte das empresas, são de pequenas empresas que não têm grande capacidade, eles gostariam de poder também participar, expliquei, esses empresários têm uma larga ligação, esta proposta foi também advogada, eu penso que Repopulada39 China vai pensar nesse assunto, nós sabemos que China tem muitos projectos, muitos deles são engenheiros, poderão dar o seu contributo (os nossos empresários), dando o contributo pelo menos poderá mostrar que efectivamente utilizou Macau, haja muitos projectos que sejam directamente para lá, muitos dos projectos directos têm uma quota parte, dou-nos uns alguns exemplos, que Repopulada China está a fazer em Timor-Leste, cultivo de arroz híbrido que está a abranger quase duas duas grandes áreas, nós introduzimos essa empresa, grande empresa que é o pai do que inventou o arroz híbrido que é Yuan Longping40 e que está a fazer portanto a plantação

R4: eu acho que foi um pouco mais, eu creio que o chefe que quis quis esta olhagem, não conseguiu juntar a comunidade toda (o chefe), procurou juntar aqueles (o chefe) que ele entendeu podiam representar de uma forma algum metódaço, juntou-se talvez para aí não contei não fiz cálculos, eu fui um dos convidados, não discutimos nada, falámos sobre tudo, falámos sobre a própria comida, cada um falou digamos lá em particularidade, não foi nenhum discurso, eu sabi41 que eu percebi, eu penso que a comunidade não deve ter preocupações, aqueles que estão muito próximo de mim, nós não temos nenhuma preocupação, eu acho que temos sorte, nós estamos a viver bem, o território está saído bem, a

39 República popular da China. 40 Yuan Longping é considerado o pai de arroz híbrido do mundo por desenvolver as primeiras variedades do cereal na década 70 e que hoje ocupa o cargo de presidente de honra da empresa Anhui Longping High-Tech Seeds. 41 Soube. 48

gestão está pronto está a andar bem, nós estamos muito depenetes42 da China, a China está a dar uma especial atenção a RAEM, eu sou um dos fundadores, gestão rotineira da APOMAC está bem, todos eles estão a trabalhar bem, eu tenho reparado, tenho verificado, tenho acompanhado, daquilo que eu percebi, estão todos muito bem, aqueles são nossos associados, têm estado em na APOMAC, diria mesmo diariamente, alguns aposentados estão lá todos os dias, eles são os frequentadores, daquilo que nós percebemos, estamos bem, os aposentados estão tem estado, estamos bem, Gilberto tem razão, eu por acaso transmiti esta mensagem, velou as coisas hoje (o chefe), tive o privilégio falar em privado, transmiti-lhe esta minha preocupação, eu transmiti-lhe também esta minha a minha opinião, eu livrei-me de uma ligação, eu fui fazer um pouco daquele daquela trajecta, quis conhecer e tevo43 apoio, lá portanto podemos assistir, onde estão os aposentados, verifiquei em loco, eles têm de facto estruturas (aposentados), eu transmiti portanto esta opinião, entreguei um relatório, aproveitei para dizer, nós podemos ter coisas semelhantes, nós temos condições económicas muito superiores, nós sendo uma cidade digamos que se presa ser internacional, podemos ter digamos alguns alguns empreendimentos, onde é que o governo está está a pensar nalguns sítios do território querem colocar, nós podemos até pensar, seja uma classe aposentada, nós entregamos um projecto, eu advoguei a expansão, APOMAC neste momento ocupa um andar e meio, onde estamos é nossa sede, temos só ver/haver mais quatro pisos, são pisos pertencentes ao governo, podiam ser muito bem nos cedidos (pisos), nós podemos fazer muito mais, eu aposto nesse nesse sentido, eu aliás disse ao chefe, eu já tive com ele, o chefe quis revelar, eu nunca quis revelar essa situação, chefe almoçou connosco, nós podemos trocar várias opiniões, a classe aposentada é classe mesmo, que eu tive, eu falei a la uma forma as questões, falámos de tudo, mostrei-lhe portanto esta minha preocupação, a filosofia é muito boa, a ideia é excelente, cidade ou país que se prese envolvida tem um sistemo44 segural, nós deveremos ter, o chefe teve uma ideia boa, eu acho que pessoa, as pessoas que estiveram os arquitectos, deveriam merecer digamos nossas congratulações, devemos dar-lhes parabéns, isto é que ficou a quem do desejado, tive oportunidade, o diploma não é fácil, existe muitas ambiguidades, o diploma está a quem digamos do desejar, o governo pode e muito bem modificá-lo, eu suponho que o governo tem consciência digamos das imperfeições do diploma, eu acredito que o governo irá mudar aquilo que está imperfeito, eu não conheço

42 Veja a pagina 35. 43 Tive. 44 Sistema. 49

bem as razões, o presidente foi o mudar, eu acho que até então ele tem que estar na frente daquela digamos daquela estrutura, eu só tive uma conversa com ele, que me apercebi, não é uma pessoa de fácil ligação, não é de fácil relacionamento, porque ele teria sido afastado, não me pronúncia em relação de capacidade, eu acho que seria injusto, se ele não é capaz, se ele é capaz, de facto não conheço bem a pessoa, a pessoa de que não é de fácil relacionamento, isto me apercebi, da conversa que tive com ele, não acho esta ideia boa, são apostadas estas ideias, eu suponho que o chefe que o chefe se calhar vai ter que representar esta situação, nós temos espaço

A concordância entre o sujeito e o predicado é respeitada pelos falantes estudados. Não reparámos em nenhum caso em que acontecesse uma carência como aponta Correia (1999) ou Diez (2000). Nem entre sujeito e predicativo houve uma discordância nos discursos dos referentes examinados.

Baxter (2009) menciona ainda a concordância de número e género numa frase nominal até como o mais óbvio na morfossintaxe. Mas nem essa forma diferente do português padrão aconteceu na linguagem dos falantes examinados.

Na morfossintaxe do representante da geração macaense mais nova não notámos nenhuma diferença do português padrão, mas como aprende novamente o português na universidade, não contámos com um erro. Perguntando-o sobre o género da palavra sal, hesitou um momento e depois classificou a palavra como masculina. Interessante foi o número 1900 que pronunciou como mil e novecentas, em feminino, apesar de utilizar masculino na pronúncia do número 302, trezentos e dois. O estudante chinês utiliza muitas vezes masculino em vez de feminino. Não distingue entre substantivos e adjectivos, normalmente o adjectivo serve para ele também como substantivo.

9. Lexicologia

A lexicologia está estreitamente ligada com a vida da sociedade. Todos os fenómenos reconhecidos, todas as relações descobertas têm que ser primeiro denominadas, para poderem 50

servir à comunicação, e tornar-se parte da propriedade da toda a sociedade. A vida da sociedade retrata-se então no crescimento do vocabulário da língua e as suas mudanças reflectem-se no plano denominativo muito rapidamente. Mas o plano denominativo não cresce linearmente só com novas denominações mas também podemos ver mudanças de significado e relações entre unidades denominativas, mudanças das formas com as quais denominamos e desaparecimento de algumas palavras (Lamprecht-Šlosar 1986: 19). O vocabulário duma língua muda sob a influência extralinguística (surgimento e desaparecimento de novos fenómenos), psíquica (com o desenvolvimento do pensamento de pessoas), emocional (incluindo eufemismus) e linguística (por exemplo mudanças de fonemas).

Nisso tudo têm influência também outros planos da língua (fonologia, morfologia, sintaxe) e um pouco factores psíquicos. Denominações motivadas estão incorporadas no sistema através das suas relações paradigmáticas. Denominações não motivadas estão inseridas no sistema através das suas relações paradigmáticas com as unidades da mesma categoria léxico-semântica, como é por exemplo sinonímia ou antonímia (Lamprecht-Šlosar 1986: 20).

O vocabulário da língua então muda dependentemente com os factores extralinguísticos, mas também sob a influência dos outros planos da língua.

A fonte secundária (Baxter 2009: 282) anota que o léxico português já temos na agenda de Peter Mundy, misturado com outras palavras de origem indiana, malaia e chinesa. Mundy (citado segundo Baxter 2009: 282) não apresenta exemplos da estrutura desse português, mas podemos supor que possivelmente o vocabulário português era variado e pidginizado.

Outra percepção de Baxter (2009: 284) liga-se com o glossário do Aomen Jilue do século XVIII (conhecido como Monografia de Macau) que é um dos glossários que testemunham o português ser essencial na comunicação entre os chineses e os portugueses. Nele aparecem muitas correspondências com os crioulos portugueses do sudeste asiático na forma dos itens derivados do português. Mas há também palavras da origem chinesa, por exemplo kâng-kông ʻuma variedade de couveʼ, kán-tchi ʻmingauʼ, fa-tchi-i ʻpauzinhosʼ. Há uma palavra do malaiala a-lek-ka ʻareca nutʼ, e várias palavras do malaio lât-tá ʻrattanʼ, iâm-mou-lóng ʻjambolangʼ, iâm-mou-iá ʻpomeloʼ, tchou-lou pá-sá ʻintérpreteʼ, si-pút ʻcaracolʼ, mán-tou-ku ʻsapoʼ.

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Como já mencionámos no capítulo sobre a sintaxe existem textos do século XIX que detectam duas tendências sociolinguísticas. O crioulo utiliza-se na poesia como sátira e crítica da sociedade e da política, e no outro lado, o crioulo é censurado por portugueses como uma língua defeituosa, que não permitiam nas escolas recentemente construídas. Deste facto infere-se que no século XIX utilizava-se como língua dominante o português standard (Baxter 2009: 284).

No século XX intencificaram-se os contactos entre o crioulo português de Macau e o português padrão, o que descrioulizou o crioulo português de Macau, com raras excepções, e assimilou-o ao português. Batalha (citado segundo Baxter 2009: 287) regista nesse crioulo além do maioritário um léxico de base portuguesa um considerável número de palavras de origens diversas: 151 do malaio, 86 de crioulos de base portuguesa da Índia e de Malaca, 42 palavras do inglês e outras 82 de diversas origens asiáticas e ocidentais. Em Macau contactos com diferentes países influenciaram o português principalmente no campo semântico, incluindo por exemplo a comida (lacassá ʻaletriaʼ), o vestuário (baju ʻcasaquinho largo de pano branco antigamente utilizado pelas mulheresʼ), a casa (cacús ʻlatrina, retrete, sentinaʼ; pancá ʻgrande ventilador de pano, suspenso do teto e movido a mãoʼ), práticas típicas (laissi ʻdinheiro oferecido como presente a familiares e amigos, por ocasião de festas chinesasʼ) e produtos dessas regiões (jaca ʻfruto da jaqueira, jacaʼ; missó ʻpasta de feijão de soja e salʼ) (Baxter 2009: 288).

Em tempos recentes Charpentier e Nunes (citado segundo Baxter 2009: 288) conseguiram gravar falantes crioulos idosos onde o contacto prolongado com o português é mais aparente no léxico, em conceitos que não existem em crioulo. Devido a necessidades funcionais, o léxico limitado do crioulo português de Macau incorporou o léxico do português moderno, e ao mesmo tempo podemos dizer que, durante os séculos XIX e XX, o português de Macau assimilou o léxico do crioulo português de Macau.

No século XXI o crioulo já está a parte. Falam-no só alguns idosos de Macau e Hong Kong e macaenses que conhecem o material escrito no século XIX e XX e obras literárias e teatrais mais recentes (Tomás, citado segundo Baxter 2009: 291). Com o crescimento da influência do inglês no nível mundial também em Macau utilizam-se palavras do inglês na vida quotidiana.

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As fontes secundárias (Baxter 2009, Diez 2000, Correia 1999) não se orientam muito em léxico por causa da sua variabilidade, assim não temos muito material para poder compará-lo com o nosso.

Diez (2000: 85-91) apresenta só algumas palavras de português modificadas, por exemplo a restaurante ʻo restauranteʼ, a senhor ʻa senhoraʼ, alguém ʻalgumas pessoasʼ, algumas palavras incorporadas na língua de Macau de patuá, por exemplo atuá ʻdoce macaense de Natalʼ, canja ʻsopa de carne com arrozʼ, mano ʻirmão mais velhoʼ, bebinga ʻpudimʼ, tá ʻestáʼ, e também de espanhol, por exemplo a maior ʻa mais velhaʼ, a vezes ʻàs vezesʼ, a sal ʻo salʼ, bromista ʻbrincalhãoʼ e tenda ʻlojaʼ.

Das fontes secundárias também Correia (1999: 76-77) menciona alguns exemplos, infelizmente sem mencionar o significado em português. Segundo a sua investigação o português de Macau inclui além do vocabulário do português vulgar também palavras provenientes do crioulo, reconhecidas mas não utilizadas, como gurunhar, chuchumeca, bicho-mel, palavras que designam elementos da cultura tradicional sobreviventes actualmente, nomeadamente relacionados com a alimentação, como tacho, sutate, balilchão, chá-gordo etc; palavras ou expressões chinesas, incluindo interjeições; palavras de origem inglesa ou chinesa com sufixação portuguesa, como parcar, dangeroso ou pacfanista; pronúncia de palavras inglesas utilizadas também pelo português standard não da forma corrente em Portugal mas mais semelhante à pronúncia do inglês, como hamburger (à inglesa) em vez de hambúrguer (à portuguesa). A autora inclui estes traços na lexicologia e não na fonologia porque lhe parece que em causa está o facto de essas palavras terem entrado no português de Macau directamente do inglês e de a sua pronúncia não se ter alterado no sentido como tal sucedeu em Portugal.

Nós deparamos com palavras diferentes do português padrão que estão ligadas com a realidade chinesa, macaense, como nomes de associações ou grupos como RAEM (… a possibilidade fazer chegar as mensagens e conseguir actualizar da forma como se conseguiu depois sobre semento da RAEM … referente2) (… a China está a dar uma especial atenção a RAEM … referente4), APOMAC (… eu sou um dos fundadores de a APOMAC … referente 4) (… APOMAC neste momento ocupa um andar e meio … referente4) (… têm estado em na APOMAC, diria mesmo diariamente … referente4), ATFM (… já há associações para sindicais, como é a nossa ATFM, têm devido ao passado histórico a possibilidade … referente2) AGOM (… estou a falar do AGOM … referente2), putonghua (… a aprendizagem 53

da língua oficial da China que é a putonghua …. referente 3) ou Yuan Longping (… é o pai do que inventou o arroz híbrido que é Yuan Longping … referente3). A influência de inglês demonstra-se no léxico de referente 1 com a utilização da palavra timing (esta vontade de fazer outra festa é até um é um peso a considerar, mas lá está, é uma questão é tudo uma questão de timing).

Nos diálogos dos referentes analisados não há muitas palavras que sejam distintas do português standard. Como nos outros casos a rara ocorrência do léxico não pertencente ao português padrão é possivelmente causada por analisar pessoas da vida pública, estudiosos, e também por tratar-se de conversas formais.

Na pronúncia do representante da geração mais nova não notámos nenhuma diferença do português padrão, mas novamente como aprende o português na universidade, não contámos com um erro. Distingue palavras de patuá não sabendo o significado delas. O único que está diferente é a utilização da palavra quarto em vez da palavra edifício ou oficina. O estudante chinês acha difíceis palavras longas e evita o adjectivo alto que segundo ele é para chineses uma palavra estranha.

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10. Conclusão

Este trabalho teve por objectivo apresentar e descrever a língua portuguesa de Macau. Começámos este trabalho com a admiração pelo facto que podia existir uma língua portuguesa num país tão distante e conservador.

Como a língua portuguesa de Macau não é muito estudada na República Checa decidimos fazer uma breve introdução à história de Macau e da situação actual das línguas lá existentes, incluindo patuá.

É claro que num trabalho desta extensão não podíamos atingir todas as áreas discutíveis do português de Macau, como por exemplo a omissão do artigo definido, omissão de preposições, dos pronomes de caso gramatical ou transformação de verbos reflexos em verbos não reflexos. Esperamos que o trabalho poderá servir como uma base de algumas outras futuras investigações.

Muitas das propostas oferecidas não se podem aceitar tão facilmente por ter só quatro pessoas a analisar. Quisemos só apresentar uma língua que se salvou durante anos num território tão distante de Portugal.

Da análise dos referentes escolhidos concluímos que o português de Macau dos falantes examinados com o português padrão não tem tantas diferenças. São só únicos casos como por exemplo a palavra responsáveis do referente4 onde o falante omite i. Mais marcante na fonética é a diferença na pronúncia do r uvular. Todos os referentes pronunciam-no como alveolar. Na morfossintaxe não houve nenhuma diferença e no léxico marcámos algumas palavras da província inglesa, por exemplo a palavra timing. Não encontrámos quase nenhuma alteração, mas do discurso de quatro pessoas de apenas dez minutos, não podemos tirar uma conclusão exata sobre a língua. Consultando as fontes secundárias sobre o tema, não reparámos em muitas das diferenças citadas.

Para a nossa análise escolhemos os falantes que utilizam a língua portuguesa na vida quotidiana, assim, não contámos com muitas diferenças do português padrão. O que dificultou a análise foi que se tratava de conversas não preparadas. Isto causou que muitas das palavras e frases não foram completas. A análise também foi dificultada por ter sido um discurso para a rádio, sendo que os referentes podiam estilizar-se.

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11. Bibliografia

ÁVILA DE AZEVEDO, Rafael. A influência da Cultura Portuguesa em Macau. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1984. 138 s.

BAXTER, Alan N. O português em Macau: contacto e assimilição. In Português em Contato. Madrid: Iberoamericana Editorial, 2009. 390 s.

CORREIA, Ana Cristina Rouillé. A Língua Portuguesa em Macau. Do passado para o presente: Que futuro? Macau: Imagem Redonda, 1999. 150 s.

CUNHA, Celso. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1991. 734 s.

DIEZ, Blanca Aurora. Language Change in progress in the Portuguese of Macau. Michigan: University Microfilms Internacional, 2000. 150 s.

LAMPRECHT, Arnošt; ŠLOSAR, Dušan; BAUER, Jaroslav. Historická mluvnice češtiny. Praha: Státní pedagogické nakladatelství, 1986. 423 s.

TLÁSKAL, Jaromír. Fonetika a fonologie současné evropské portugalštiny. Praha: Karolimun, 2006. 302 s.

Revistasarara.com. Macau – sua história e cultura. Disponível em:

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Wikipedia.org. História de Macau. Disponível em:

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12. Apêndice

As informações básicas sobre o jovem macaense e o estudante chinês

Jovem macaense – nasceu em Hong Kong em 1978 (pais são de Macau, ele também), o português tem utilizado só na escola, doze anos não falava português, aprende novamente a língua portuguesa na universidade

Estudante chinês – frequentou secundária luso-chinesa (com as suas palavras ʻnão lhe serviuʼ), a língua portuguesa estudou cinco anos

O ensino às comunidades portuguesa e macaense: 1556 -1862

Ensino a jovens do sexo masculino Ensino a jovens do sexo feminino

Período Situação Período Situação

1556 – 1572 inexistência de 1556 – 1634 inexistência de instituições de ensino instituições de ensino (16 anos) (178 anos)

1572 – 1762 Colégio S. Paulo 1634 – 1835 Mosteiro S. Clara

(190 anos) Colégio S. José (201 anos) (actividade lectiva reduzida e incerta)

1762 – 1862 Interrupção da 1792 - Colégio de S. Rosa de instrução Lima (100 anos)

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