UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (UNESP)

“JULIO MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO (FAAC)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

JÉSSICA DE CÁSSIA ROSSI

AS REPRESENTAÇÕES DA MULHER BRASILEIRA NA MÍDIA PORTUGUESA: JORNAL

BAURU/SP 2011

JÉSSICA DE CÁSSIA ROSSI

AS REPRESENTAÇÕES DA MULHER BRASILEIRA NA MÍDIA PORTUGUESA: JORNAL EXPRESSO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação, área de concentração – Comunicação Midiática, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Bauru, como requisito para obtenção do título de Mestre em Comunicação, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Inez Mateus Dota.

BAURU/SP 2011

Rossi, Jéssica de Cássia. As representações da mulher brasileira na mídia portuguesa : jornal Expresso / Jéssica de Cássia Rossi, 2011 255 f.

Orientadora: Maria Inez Mateus Dota

Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2011

1. Teorias do jornalismo e da notícia. 2. Análise do discurso. 3. Mulher brasileira. . Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título.

JÉSSICA DE CÁSSIA ROSSI

AS REPRESENTAÇÕES DA MULHER BRASILEIRA NA MÍDIA PORTUGUESA: JORNAL EXPRESSO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação, área de concentração – Comunicação Midiática, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Bauru, como requisito para obtenção do título de Mestre em Comunicação, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Inez Mateus Dota.

BANCA EXAMINADORA:

Presidente: Professora Doutora Maria Inez Mateus Dota Instituição: FAAC, UNESP – BAURU

Titular: Professor Doutor Maximiliano Vicente Martin Instituição: FAAC, UNESP – BAURU

Titular: Professora Doutora Terezinha Fátima Tagé Dias Fernandes Instituição: Escola de Comunicação e Artes (ECA), Universidade de São Paulo (USP)

Bauru, 17 de agosto de 2011.

Dedico este trabalho, em primeiro lugar, ao Senhor Deus, Senhor do milagre mais importante que já existiu: A Vida. Agradeço por ter me proporcionado a Vida, Senhor, e a partir dela pode ter vivido momentos que me proporcionaram muitos aprendizados e experiências que hoje resultam na presente Dissertação. Ela foi construída com a ajuda de diversas pessoas importantes que conheci ao longo da minha vida. Dedico este trabalho a todas elas também, sem exceção.

AGRADECIMENTOS

- Em primeiro lugar, agradeço de todo o coração ao Senhor Deus por ter me concedido a vida. Agradeço as experiências, os aprendizados, as conquistas e as derrotas que tive a oportunidade de viver. Obrigada por cada ser humano que tive a oportunidade de conhecer, tenho certeza que cada pessoa que conheci me ajudou a se tornar alguém melhor.

- Agradeço a toda minha família por todo o suporte que sempre me deu para eu ir atrás dos meus sonhos. À minha mãe Aparecida Rossi, por ter sido meu pai e minha mãe ao mesmo tempo e por sempre ter me dado os melhores ensinamentos. Tenho certeza que o meu pai Luiz Carlos Rossi (in memorian), ao lado do grande Senhor Deus, está muito feliz pelo direcionamento que você deu à minha vida. Aos meus irmãos (Fabiano, Kleber e Kátia), às minhas cunhadas (Dionaíde e Erica) e aos meus sobrinhos (Bruno e Mateus), amo todos vocês!

- Agradeço ao meu namorado Alexandre, companheiro de uma vida repleta de sonhos, de lutas, de derrotas e de conquistas. O encontro de nossas vidas foi uma benção divina. Obrigada por ter acreditado em mim e em meus sonhos. Você é parte desta realização! Tenho certeza que você também está no caminho da realização de seu sonho. Agradeço também à sua família e especialmente ao seu pai, Aylor Lopes, um ser humano com uma linda trajetória de vida e exemplo para todos nós. Obrigada por nossas reflexões e discussões sobre os assuntos mais diversos, o senhor é o pai que a vida me deu de presente.

- Agradeço à Professora Maria Inez Mateus Dota por ter me orientado e possibilitado a existência deste trabalho. Obrigada por cada ensinamento, por sua paciência, por sua seriedade e por sua dedicação.

- Agradeço à minha querida Professora Maria Antônia Vieira Soares que com seu amor e sua dedicação pela atividade acadêmica me ensinou a ver nessa área não somente uma profissão, mas sim a realização de uma vida. Agradeço por seus ensinamentos, por seu carinho, sua atenção e seu incentivo. Mais do que minha Orientadora de Pesquisa, ela é minha Orientadora de Vida!

- Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) por ter financiado a presente pesquisa. Obrigada pela concessão da Bolsa de Mestrado ao longo dos últimos 24 meses que proporcionaram minha manutenção e dedicação integral à realização

dessa pesquisa, à participação de eventos, apresentação de trabalho e a produção e socialização de conhecimentos.

- Agradeço aos professores Maximiliano Martin Vicente (Max) e à Professora Terezinha Fátima Tagé Dias Fernandes por terem gentilmente aceitado a participar da Banca Examinadora da presente dissertação. Agradeço também ao professor Murilo Cesar Soares e novamente ao professor Max por terem participado da Qualificação da presente pesquisa e por terem dado importantíssimas contribuições. A qualidade deste trabalho tem a marca de ambos.

- Agradeço ao meu grande amigo Marcelo Silva por toda a consideração e ajuda que me deu ao longo da minha trajetória de Mestrado. Nossas reflexões e discussões na área da Comunicação contribuíram para a proposta inicial deste trabalho, para a obtenção da Bolsa de Mestrado da Fapesp e para a construção da presente dissertação. Sou muito grata a Deus por ter conhecido uma pessoa tão iluminada e abençoada. É um profissional que terá um futuro brilhante e contribuirá muito para a área de Relações Públicas e Comunicação.

- Agradeço aos meus queridos amigos e companheiros de Mestrado, Adriana Donini e Bruno Garrido. Foi maravilhoso compartilhar cada momento de vida que a trajetória do Mestrado nos proporcionou. Obrigada por todo carinho, consideração, atenção e companheirismo. A amizade de vocês foi um dos mais belos presentes que o Mestrado me proporcionou, tenho certeza que ela continuará pelo resto de nossas vidas.

- Agradeço também aos meus queridos amigos do Ministério do Trabalho de São Manuel, praticamente minha segunda família. A todas as pessoas que conviveram comigo durante o tempo em que estive lá. Agradeço especialmente à Bete (a PEPA) e à Mytia por todo apoio, carinho e consideração que sempre tiveram comigo. Obrigada por terem acreditado em mim e por terem possibilitado a realização do meu sonho. Vocês sempre estarão em meu coração.

- Agradeço à Ana Paula e à Noemi Bueno pela amizade, carinho e consideração. Sou grata também às reflexões e discussões que tivemos e que me ajudaram muito em minha pesquisa.

- Agradeço às minhas grandes amigas de graduação Juliana Tancler e Roseli Jardim por sempre terem me apoiado em minhas escolhas. Um agradecimento especial à Marina Castelini (Marinão) por também sempre ter me apoiado e muito mais que isso por ter me ajudado muito

no começo do Mestrado, ao me receber em sua casa nos dias em que precisei ficar em Bauru. Deus abençoe-a por tudo!

- Agradeço aos alunos do curso de Relações Públicas (turma 2008-2011) pelos ensinamentos que me proporcionaram no papel de Professora. Com vocês aprendi a importância ensinar e também aprender.

- Agradeço aos funcionários da Seção de Pós-Graduação da Unesp (Helder, Silvio e Luis Antônio) por toda a atenção e consideração que sempre tiveram comigo. Agradeço também a toda a FAAC pelos serviços e apoio prestados.

“Os significados que damos as palavras produzem o conhecimento social que temos das coisas”.

Jéssica de Cássia Rossi

RESUMO

O discurso produz sentidos que nos ajudam na construção das representações sobre os diversos temas em um contexto social. Por isso, na presente dissertação, pretendemos analisar como os sentidos produzidos pelo jornal Expresso de influenciam na construção de representações da mulher brasileira entre os portugueses. O nosso objetivo de pesquisa é avistar como o discurso do jornal Expresso (des)constrói as representações sobre a mulher brasileira no contexto da sociedade portuguesa. Para tanto, apresentamos, a partir da Teoria Social da Mídia e principalmente das Teorias do Jornalismo e da Notícia, os fatores que determinam as Condições de Produção das notícias. Após isso, explicamos a metodologia a partir da qual verificamos as Condições de Produção das notícias do jornal Expresso, que é a Análise do Discurso e, dessa forma, como analisamos a sua produção de sentidos. Em seguida, observamos como se construíram algumas representações da mulher brasileira no imaginário português ao longo do relacionamento histórico entre Brasil e Portugal. Desse modo, realizamos a Análise do Discurso de oito notícias/reportagens sobre a mulher brasileira que selecionamos na versão digital do jornal Expresso entre os anos de 2008 e 2009. Por fim, apresentamos os resultados obtidos em um Quadro Geral de Formações Discursivas, separado cada notícia/reportagem, e os discutimos.

Palavras Chaves: teorias do jornalismo e da notícia; análise do discurso; mulher brasileira; mídia portuguesa; jornal Expresso.

ABSTRACT

The discourse produces meanings that help us in the construction of representations about different themes in a social context. Therefore, in the present thesis, we intend to analyze how the meanings produced by the newspaper Expresso of Portugal influence the construction of representations of Brazilian woman among the Portuguese people. Our research goal is to perceive how the discourse of the newspaper Expresso (de)constructs the representations of Brazilian women in the context of Portuguese society. For this, from the Theory of Social Media and especially the Theories of Journalism and News, we present the factors that determine the Production Conditions of news. After that, we explain the methodology from which we verify the Production Conditions of news in the newspaper Expresso, that is the discourse analysis, and thus, how we analyze the production of meanings. Then we examine how some representations of Brazilian women in the Portuguese imaginary, along the historic relationship between Brazil and Portugal, are constructed. So we conduct a discourse analysis of eight news/reports about the Brazilian woman which we selected from the digital version of the newspaper Expresso between the years 2008 and 2009. Finally, we present the results obtained in a discursive formations chart, separate each new/report analyzed, and we discuss the results.

Keywords: theories of journalism and news; discourse analysis; Brazilian woman; Portuguese media; newspaper Expresso.

SUMÁRIO

Introdução 14

1 As Condições de Produção do Jornalismo – da Teoria Social da Mídia e das Teorias do Jornalismo e da Notícia à atuação do Jornalismo Português 19 1.1 A Teoria Social da Mídia 21 1.2 A construção do campo jornalístico 23 1.3 As Teorias do Jornalismo e da Notícia 26 1.3.1 A Teoria do Espelho 27 1.3.2 A Teoria da Ação Pessoal ou Teoria do Gatekeeper 28 1.3.3 A Teoria Organizacional 28 1.3.4 As Teorias de Ação Política 30 1.3.5 As Teorias Construcionistas 31 1.3.5 A Teoria Estruturalista 32 1.3.6 A Teoria Interacionista 34 1.4 Desafios contemporâneos do campo jornalístico 39 1.5 Critérios de Noticiabilidade ou Valores-Notícia 44 1.6 O jornalismo em Portugal 51 1.6.1 A agência de notícia Lusa 55

2 Análise de Discurso Francesa – do caráter social da linguagem à constituição de um corpus na Análise de Discurso Francesa 58 2.1 O caráter social da linguagem 60 2.2 O desenvolvimento dos estudos discursivos 62 2.3 A construção da Análise de Discurso Francesa na esfera do conhecimento 64 2.3.1 Ideologia 66 2.3.2 Discurso 68 2.3.3 A sistematização da Análise de Discurso por Pêcheux 70 2.3.4 As Condições de Produção, o Interdiscurso e o Esquecimento 73 2.3.5 Formação Ideológica e Formação Discursiva 77 2.4 A Análise de Discurso no campo da comunicação 80 2.5 A constituição de um corpus na Análise de Discurso Francesa 85

3 Representações da mulher brasileira no imaginário português – da construção das representações da mulher brasileira à atuação do jornal Expresso em Portugal 90 3.1 A construção das representações da mulher brasileira no imaginário português 92 3.1.1 A colonização portuguesa no Brasil 92 3.1.2 O carnaval brasileiro 97

3.1.3 A recente imigração brasileira em Portugal 101 3.1.4 Principais produtos midiáticos/jornalísticos sobre a mulher brasileira em Portugal e o movimento Mães de Bragança 105 3.2 Jornal Expresso 113 3.2.1 Atuação histórica do jornal Expresso em Portugal 116 3.2.2 Código de conduta dos jornalistas do Expresso 121

4 As representações da mulher brasileira na mídia portuguesa: jornal Expresso 126 4.1 Análise do Discurso das matérias sobre a mulher brasileira no jornal Expresso 128 4.1.1 Matéria 1 – Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritariamente brasileiras e de Leste 128 4.1.1.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 1 129 4.1.2 Matéria 2 - Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras 138 4.1.2.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 2 139 4.1.3 Matéria 3 - Caso “Mães de Bragança” vira pesquisa universitária 145 4.1.3.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 3 146 4.1.4 Matéria 4 - Filhas de Bragança 156 4.1.4.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 4 156 4.1.5 Matéria 5 - Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos 169 4.1.5.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 5 169 4.1.6 Matéria 6 - Morar ao lado da prostituição 179 4.1.6.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 6 179 4.1.7 Matéria 7 - Mercado do sexo não escapa à crise 187 4.1.7.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 7 187 4.1.8 Matéria 8 - Fátima: Maior problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações 194 4.1.8.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 8 194 4.2 Resultados 203 4.2.1 Quantificação e Especificação dos Resultados 204 4.2.1.1 Formações Discursivas Identificadas 208 4.2.1.2 Sentidos Identificados 211 4.2.1.3 Critérios de Noticiabiliade ou Valores-Notícia Identificados 216 4.2.1.4 Cruzamento de Formações Discursivas (FDs), sentidos e valores-notícia 219

Considerações Finais 224

Referências 234

Anexos 242 Anexo A: Código de Conduta dos jornalistas do Expresso 242 Anexo B: Matéria 1 Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente são maioritamente brasileiras e de Leste 245 Anexo C: Matéria 2 Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras 246

Anexo D: Matéria 3 Caso “Mães de Bragança” vira pesquisa universitária 247 Anexo E: Matéria 4 Filhas de Bragança 248 Anexo F: Matéria 5 Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos 250 Anexo G: Matéria 6 Morar ao lado da prostituição 251 Anexo H: Matéria 7 Mercado do sexo não escapa à crise 253 Anexo I: Matéria 8 Fátima: Maior problema da comunidade imigrante é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações 255

INTRODUÇÃO

Nas situações cotidianas, produzimos discursos sobre diversos assuntos, dando significados a eles. A forma como esses significados se constrói em nossas palavras é algo que, muitas vezes, não temos consciência de como ocorre. É uma produção que acontece simultaneamente à escolha de nossos enunciados que são determinados pela situação em que nos encontramos no momento da enunciação. Esse contexto pode ser denominado como as Condições de Produção (CPs) de um ato de linguagem; elas determinam a forma como enxergamos a realidade, ou seja, nosso posicionamento ideológico, e a maneira como elaboramos nossas falas, isto é, nossos discursos em uma determinada sociedade. É um processo que está sempre transformando nossas visões e nossas palavras sobre a realidade que nos cerca. Por essa via, produzimos os significados, também conhecidos como sentidos, que damos às coisas e às representações que construímos sobre elas.

Tendo em mente que o discurso produz sentidos que ajudam na construção das representações sobre os diversos temas em um contexto social, pensamos que analisar como ocorre a produção de sentidos no discurso seria uma forma viável de verificar como se constrói as representações sobre um determinado tema em um determinado contexto social. Por isso, na presente dissertação, pretendemos analisar como os sentidos produzidos pelo jornal Expresso de Portugal influenciam na construção de representações da mulher brasileira entre os portugueses. O nosso objetivo de pesquisa é avistar como o discurso do jornal Expresso (des)constrói as representações sobre a mulher brasileira no contexto da sociedade portuguesa e observar como os jornalistas articulam seus discursos sobre a prostituição e a violência em relação à clandestinidade a que mulheres imigrantes brasileiras estão associadas em Portugal.

A escolha dessa temática se justifica por uma série de fatores históricos que tem influenciado o relacionamento entre brasileiros e portugueses. Esse percurso se inicia no período das relações coloniais entre Brasil e Portugal que proporcionou os primeiros contatos entre ambos. Por ele, os portugueses conheceram a mulher brasileira (na época a mulher indígena e a mulher negra) que servia para a manutenção sexual do colonizador, bem como criaram-se as primeiras percepções sobre ela. Dessa época advém também a imagem da mulher brasileira com disponibilidade sexual e do Brasil como um “paraíso sexual”. Mais adiante, temos o surgimento do carnaval brasileiro, divulgado ao redor do mundo, por meio da “mulata seminua sambando” que criou a percepção de que o mesmo é um evento em que há a

cultura do corpo, da sensualidade e da raça. Após isso, temos também a recente imigração brasileira em Portugal em que há diversas mulheres imigrantes brasileiras que vão para lá. Entre elas, há aquelas que vão trabalhar em diversas ocupações e concorrem com os portugueses pelas escassas ofertas de emprego em uma economia em recessão que leva à concorrência entre ambos e à discriminação dessas mulheres como um grupo minoritário; e há também outras que vão para trabalhar como prostitutas que estereotipam ainda mais a imagem da mulher brasileira, a qual, muitas vezes, é vista pelos portugueses, segundo Cunha (2005, p.537), como “[...] arquétipo de sensualidade, disponibilidade sexual e transitoriedade afetiva”.

Esses fatores históricos influenciam as relações entre os dois países e são reforçadas na atualidade pela mídia, por meio da tropicalização como uma característica do Brasil. Por ela, segundo Pontes (2004), ocorre a comercialização do local, da História, da paisagem, das performances culturais e mesmo da corporalidade dos brasileiros por meio de um processo de marketing que explora a especificidade do país. O resultado é a construção de elementos como o “à-vontade” e o “calor humano”. O jornalismo capta uma parte da convivência entre brasileiros e portugueses e das imagens que são construídas pela mídia em diversas situações e a representa no formato de matérias. Por isso, se torna válida a compreensão dessa interpretação, para elucidar qual é o papel do discurso jornalístico na (des)construção das representações da mulher brasileira no imaginário português.

O nosso problema de pesquisa está nas representações sobre a mulher brasileira apresentadas pelo jornal Expresso em Portugal. A imagem da mulher brasileira presente nos enunciados do Expresso difere do que realmente é? Os enunciados veiculados pelo jornal (des)constroem as representações da mulher brasileira no imaginário português? O discurso jornalístico do Expresso sobre prostituição e violência contribui e legitima a associação de mulheres imigrantes brasileiras à clandestinidade? Hipoteticamente, as marcas históricas de Brasil e Portugal engendraram formas de relacionamento entre ambos, carregadas de exploração, que se refletem na atualidade. Por isso, a imagem da mulher brasileira no contexto lusitano tem sido construída dentro dessa raiz histórica. A mídia portuguesa tem participado disso por meio de representações jornalísticas criando imagens, positivas ou negativas. Queremos entender a contribuição do jornal Expresso nesse processo, ao produzir matérias que associam a mulher brasileira à clandestinidade. Compreender por meio de que Formações Discursivas (FDs) ele tem apresentado a mulher brasileira em Portugal.

Dessa forma, no primeiro capítulo apresentamos, a partir da Teoria Social da Mídia e principalmente das Teorias do Jornalismo e da Notícia, os fatores que determinam as CPs das matérias jornalísticas. Mostramos, por meio desse conjunto de reflexões teóricas, o papel social da mídia na atualidade e as diversas teorias do campo jornalístico que nos indicam como os fatores pessoais, organizacionais, sociais e profissionais condicionam a atividade jornalística na construção de notícias e reportagens. Expomos também algumas mudanças que as novas tecnologias vêm trazendo ao campo jornalístico e os desafios que isso acarreta. Apontamos como a comunidade jornalística procura selecionar e construir as matérias diante de uma realidade repleta de acontecimentos que se repercutem rapidamente devido à velocidade com que as informações são transmitidas nos últimos tempos. Esclarecemos que os critérios de noticiabilidade, também conhecidos como valores-notícia, são mecanismos que respondem a essa demanda e que dinamizam o trabalho jornalístico. Eles são um conjunto de valores que define a forma como a comunidade jornalística enxerga o mundo e seleciona as notícias e as reportagens. No final do primeiro capítulo, apresentamos ainda algumas reflexões históricas e atuais sobre o jornalismo português e sobre a agência de notícias portuguesa Lusa, para entendermos as características do jornalismo praticado em Portugal que influencia as CPs das matérias do jornal Expresso.

No segundo capítulo, procuramos explicar a metodologia a partir da qual verificamos as CPs das notícias e das reportagens do jornal Expresso e, dessa forma, como analisamos a sua produção de sentidos. Esclarecemos que optamos trabalhar com a Análise do Discurso (AD), na linha francesa de estudos de Pêcheux. Nesses termos, apontamos a diferença entre a AD Francesa e a Linguística e explicamos que a primeira leva em conta a exterioridade da linguagem. Em seguida, elucidamos como Pêcheux sistematizou essa linha de estudos discursivos com as contribuições de Althusser sobre ideologia e de Foucault sobre o discurso. Expomos também alguns conceitos e dispositivos de análise próprios dessa metodologia como: as Condições de Produção (CPs), o Interdiscurso, o Esquecimento, a Formação Ideológica (FI) e a Formação Discursiva (FD). Após isso, apontamos como definimos nosso corpus de análise, a forma como analisamos as notícias e as reportagens e o modo de obtenção de resultados.

Já no terceiro capítulo, observamos, de acordo com as referências consultadas, como se construíram algumas representações da mulher brasileira no imaginário português ao longo do relacionamento histórico entre Brasil e Portugal. Pensamos que é importante apresentá-las porque elas são fontes de discursos que influenciam no modo de enxergar a mulher brasileira,

que são as Formações Ideológicas (FIs), as quais fundamentam e regulam a construção de discursos sobre ela, que são as Formações Discursivas (FDs), entre os portugueses. Para tanto, mostramos, desde a colonização portuguesa no Brasil, passando pela definição do que é o carnaval brasileiro e sua divulgação ao redor do mundo até chegarmos à recente imigração brasileira em Portugal, como ocorreu a construção de algumas percepções sobre a mulher brasileira na sociedade portuguesa. Mostramos que ela é vista como uma mulher com um comportamento diferente em relação as outras mulheres. Indicamos também como a mídia portuguesa e internacional participa dessa construção por meio de seus produtos, entre os quais estão as matérias do jornal Expresso. Explicamos como tem sido a participação do jornal nesse contexto com a publicação de notícias/reportagens sobre a mulher brasileira, principalmente após a ocorrência do episódio Mães de Bragança em 2003, na cidade de Bragança em Portugal. Apontamos ainda alguns dados históricos e atuais que nos mostram como tem sido a atuação do Expresso, a importância que ele tem para a sociedade lusitana e o Código de Conduta de seus jornalistas.

No quarto capítulo, realizamos a Análise do Discurso de oito matérias sobre a mulher brasileira que selecionamos na versão digital do jornal Expresso entre os anos de 2008 e 2009. Essas matérias são: Matéria 1 – Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritariamente brasileiras e de Leste; Matéria 2 – Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras, Matéria 3 – Caso “Mães de Bragança” vira pesquisa universitária, Matéria 4 – Filhas de Bragança; Matéria 5 – Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos; Matéria 6 - Morar ao lado da prostituição; Matéria 7 – Mercado do sexo não escapa à crise; Matéria 8 - Fátima: Maior problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações. Em cada uma delas, expomos um Quadro de Formações Discursivas com as principais FDs encontradas, os sentidos identificados e os valores-notícia que pensamos que o jornal Expresso possa ter usado para selecionar os acontecimentos e construir as notícias e as reportagens sobre a mulher brasileira. Logo após isso, apresentamos os resultados obtidos em um Quadro Geral de Formações Discursivas, separados por matérias, e os discutimos. Buscamos também quantificar e especificar, separadamente, as FDs, os sentidos e os valores-notícia encontrados nas notícias e reportagens analisadas a fim de explorar melhor os resultados.

Por esse caminho que percorreremos, buscamos, nas considerações finais, apresentar algumas reflexões sobre os propósitos de nossa pesquisa. Respondemos se a produção de sentidos dos enunciados do jornal Expresso (des)constrói as representações da mulher

brasileira entre os portugueses.. A partir disso, apresentamos as contribuições que acreditamos que nossa pesquisa pode proporcionar para o avanço do conhecimento sobre o tema, os desafios e as possibilidades que ela nos abre.

Capítulo 1: As Condições de Produção do Jornalismo – da Teoria Social da Mídia e das Teorias do Jornalismo e da Notícia à atuação do Jornalismo Português

Todo exercício de linguagem praticado pelo homem ocorre em um determinado contexto, ou seja, é algo localizado. Em qualquer análise que envolva um ato de linguagem não podemos nos esquecer dessa particularidade e isso não é diferente em relação à matéria jornalística. Ela é um ato de linguagem que ao analisarmos devemos levar em consideração o contexto, ou seja, as condições a partir das quais ela é produzida. Por isso, recorremos, no presente capítulo à Teoria Social da Mídia e, principalmente, às Teorias do Jornalismo e da Notícia para elucidar o papel social do jornalismo e as especificidades de sua atuação que nos apontam as Condições de Produção (CPs) das notícias e das reportagens.

O caminho a percorrer é um tanto longo, mas essencial para que possamos ter essa compreensão. Primeiramente, expomos a Teoria Social da Mídia que nos explica o papel e o tipo de poder que a mídia exerce em sociedade. Ela nos ajuda a localizar o lugar que o jornalismo ocupa nessa dimensão e, dessa forma, a expormos as propriedades das Teorias do Jornalismo e da Notícia. É uma fundamentação em que é possível compreendermos os fatores condicionantes do trabalho jornalístico, porque as notícias são como são e a importância do jornalismo em sociedade. Entretanto, em seguida, apresentamos alguns desafios que o campo jornalístico tem enfrentado na contemporaneidade para continuar existindo, como a emergência do jornalismo digital.

Frente a uma realidade cada vez mais complexa e cheia de acontecimentos por todos os lados, buscamos também mostrar os mecanismos que os jornalistas usam para selecionar e construir o que será noticiado que são os critérios de noticiabilidade ou os valores-notícia. Indicamos como eles são determinados e quais são os critérios mais comuns. Eles são importantes para nossa pesquisa porque nos mostram os valores dos jornalistas acerca da realidade que influenciam em suas produções enunciativas. Ademais, especificamos as características do jornalismo que abordamos ao apresentar a trajetória histórica e alguns dados atuais do jornalismo português. Por fim, não poderíamos deixar de expor a atuação da agência de notícias portuguesa, denominada Lusa, que tem sido fonte de diversas notícias e reportagens do jornal Expresso. Por essa exposição, apresentamos as CPs do jornalismo que é o primeiro passo para a análise de qualquer ato de linguagem que em nosso caso são as matérias do jornal Expresso1.

1 As matérias do jornal Expresso que iremos analisar é um conjunto de notícias e reportagens sobre a mulher brasileira. Na presente dissertação, nos referimos a esse conjunto por meio do termo matérias ou como notícias e reportagens.

1.1 A Teoria Social da Mídia

A Teoria Social da Mídia nos explica o papel da mídia na sociedade moderna e dessa forma, nos ajuda a localizar aonde se insere a atuação social do jornalismo. Acreditamos que esse esclarecimento é importante porque ele nos faz enxergar, em parte, a partir de que CPs a atividade jornalística se realiza. A Teoria Social da Mídia nos mostra como se configura o contexto social em que as práticas midiáticas e jornalísticas normalmente ocorrem. Contudo, acreditamos que para os objetivos da nossa pesquisa ela não é suficiente para caracterizar a atividade jornalística em si. É por isso que, mais adiante, recorremos, prinicpalmente, às Teorias do Jornalismo e da Notícia para detalharmos melhor as condições em que os jornalistas produzem as notícias.

Para entendermos o papel social da mídia, devemos compreender, antes de tudo, como se configura o espaço social em que os indivíduos se relacionam. De acordo com Thompson (2008, p.21), um conjunto social é composto por indivíduos que buscam realizar diferentes objetivos a partir de condições previamente estabelecidas a fim de proporcionar oportunidades para, pelo menos, uma parte desses indivíduos. Essas condições determinam a distribuição do poder social que não ocorre de maneira igualitária, mas sim de modo desproporcional. A quantidade de poder que um indivíduo possui determina a quantidade de recursos disponíveis a ele. Isso leva os indivíduos a adotarem diferentes posicionamentos sociais assegurados, muitas vezes, pelas instituições sociais. Elas é que controlam a distribuição de poder porque são responsáveis pelas regras, recursos e relações que dão coesão a uma sociedade a fim de que esta possa atingir seus objetivos. As instituições sociais regulam o poder por meio de uma série de mecanismos que determinam o posicionamento dos indivíduos.

O poder é o fator condicionante do posicionamento social de uma pessoa. O poder pode ser entendido, de acordo com Thompson (2008, p.21) como, “[...] a capacidade de agir para alcançar os próprios objetivos ou interesses, a capacidade de intervir no curso dos acontecimentos e em suas consequências”. Quanto mais poder um indivíduo tem, maior é seu grau de influência sobre seus objetivos e interesses. Devemos lembrar que o poder não se restringe à política ou às ações do Estado. O poder, segundo Foucault (1996), está presente em toda sociedade, nas mais diversas situações cotidianas. Todos os indivíduos exercem diferentes graus de poder em sociedade.

De acordo com Mann (apud THOMPSON, 2008, p.22), existem quatro formas de poder em uma sociedade que são: o poder econômico; o poder político; o poder coercitivo; e o

poder simbólico. São categorias analíticas de poder que explicam as diferentes formas de atuação dos homens e as diferentes formas de recursos que eles utilizam para exercer o poder. A seguir, definimos melhor cada um deles:

Poder Econômico: consiste na produção de bens a partir de recursos materiais e/ou financeiros que servem para a subsistência humana e que podem ser trocados em um mercado. Quanto mais recursos um indivíduo ou uma organização acumula, mais poder econômico ele ou ela têm. Exemplo: Empresas Comerciais;

Poder Político: se refere à capacidade de regulamentação e coordenação das ações dos indivíduos em uma sociedade. Esse poder é exercido por um conjunto de instituições por meio de um sistema de regras e procedimentos. Elas mostram como os indivíduos devem agir. Exemplo: O Estado;

Poder Coercitivo: se realiza por meio do uso da força física ou armada contra um oponente. Quanto mais força física e armas um indivíduo, organização ou país possui, maior é sua capacidade de eliminar seu inimigo ou submetê-lo à sua vontade. Exemplo: A Polícia;

Poder Simbólico: é um poder que surge a partir das atividades de produção, circulação e recepção de conteúdos simbólicos e está relacionado à capacidade de influenciar os acontecimentos, as ações de outras pessoas e criar novos eventos. Para tanto, os indivíduos utilizam os recursos dos meios de informação e comunicação para intervir nas ações simbólicas. Exemplo: As Indústrias da Mídia.

Por essa classificação, vemos que a atuação da mídia se localiza no exercício do poder simbólico, juntamente com outras organizações como as instituições religiosas (como as igrejas) e as instituições educativas (como as universidades). Consideramos importante essa constatação porque ela identifica o tipo de poder que a mídia exerce em sociedade e, consequentemente, seu papel social. Tendo isso claro, podemos localizar também o papel da atividade jornalística em sociedade.

Como nos mostrou Mann (apud THOMPSON, 2008, p.22), o poder simbólico ocorre nas atividades de produção, transmissão e recepção de formas simbólicas através dos meios de informação e comunicação. O funcionamento desses meios depende de uma série de recursos como:

[...] os meios de fixação e transmissão; as habilidades, as competências e formas de conhecimento empregadas na produção, transmissão e recepção de informação e de conteúdo simbólico [...] e o prestígio acumulado, o reconhecimento e o respeito tributados a alguns produtores ou instituições. (THOMPSON, 2008, p.24)

Essa série de recursos garante o funcionamento dos meios de informação e comunicação que têm a capacidade de influenciar as atitudes e atividades dos indivíduos de diversas maneiras. Por ter esse poder, a mídia junto com as outras instituições religiosas e educacionais ocupam um papel muito importante em sociedade.

O jornalismo, ao fazer parte da atuação da mídia, é também uma atividade que concentra e exerce esse poder simbólico em sociedade. A importância de ter isso claro é fundamental para que possamos explicar a influência social do jornalismo, ao produzir a notícia e a reportagem, a qual nos revela seu posicionamento social. Contudo, para que possamos identificar esse poder e esse posicionamento, precisamos entender melhor as condições a partir das quais o jornalismo produz seu discurso. Ela é um ato de linguagem que, como nos afirmou Thompson (2008) ao formular a Teoria Social da Mídia, deve estar associado ao contexto social em que foi produzido. Por isso, apresentamos como foi a construção do campo jornalístico, as diversas Teorias do Jornalismo e da Notícia, os desafios contemporâneos do jornalismo, os critérios de noticiabilidade, a história do jornalismo em Portugal e a atuação da agência Lusa para elucidar, de acordo com os objetivos da nossa pesquisa, as condições em que o jornal Expresso produz seu discurso, ou seja, suas notícias e reportagens sobre a mulher brasileira em Portugal.

1.2. A construção do campo jornalístico

A forma como o jornalismo ocidental é praticado na contemporaneidade surgiu entre o século XIX e o século XX. Ele é o resultado de uma série de transformações sócio-históricas que ocorreram nesse período. Por isso, recorremos aos pensamentos dos autores portugueses, Traquina (2005a) e Sousa (1999), para explicar esse contexto. Acreditamos que essa indicação é importante porque explica o surgimento das diversas Teorias do Jornalismo e da Notícia.

Segundo Traquina (2005a), a origem da imprensa como comunicação de massa ocorreu no século XIX. Nesse período, o jornalismo baseado na política e na propaganda foi abandonado; surgiu um novo jornalismo baseado na informação, graças à comercialização do

jornal. Esse formato passou a privilegiar os fatos e não mais a opinião, assim como passou a privilegiar a atualidade, a rapidez e a exclusividade. Essas características tornaram-se um marco fundamental na identidade jornalística. E a notícia, segundo Sousa (1999, p.42), se tornou central no discurso jornalístico com o advento da imprensa popular nos Estados Unidos, na década de 1830, que passou a se interessar por outros temas além da política.

No contexto da imprensa de massa, Traquina (2005a) aponta a importante atuação das agências de notícias para a massificação e a globalização das notícias. Segundo o autor, muitos investigadores da área omitiram o papel das agências noticiosas no desenvolvimento do novo jornalismo. Por isso, devemos considerar o papel relevante que essas agências tiveram na disseminação da informação. É importante observarmos também que o crescimento da imprensa no século XIX foi mais intenso em momentos de maior liberdade. O novo jornalismo surgiu a partir da forma do penny press que encara os jornais como um negócio que pode render lucros. Em Portugal, o exemplar desse novo jornalismo é o Diário de Notícias, em 1864, que segundo o autor (p.51), “[...] privilegia informação e não propaganda, distinção que era vista como pressupondo um novo conceito de notícia onde existiria a separação entre fatos e opiniões”. As agências de notícia que surgiram entre 1830 a 1860 foram um dos maiores defensores desse formato jornalístico.

Entre as características do novo jornalismo estão: o uso de testemunhas oculares e a produção da reportagem por meio da técnica da descrição. As novas práticas do jornalismo introduziram o formato industrializado das notícias por meio do lide. As notícias passaram a ser tratadas como um produto, elas se tornaram estandartizadas ao serem produzidas no formato “pirâmide invertida”. Para Traquina (2005a, p.60), “[...] a utilização da pirâmide invertida reconheceu implicitamente o jornalista como ‘perito’ [...]”. Algumas das mais importantes mudanças do jornalismo, no século XIX, foram: a industrialização da imprensa e o surgimento do mito do “Quarto Poder”; o novo paradigma jornalístico que enfoca os fatos e não as opiniões; a profissionalização do jornalismo e a conquista de uma autonomia relativa; a definição de dois polos dominantes no jornalismo: o polo econômico (comercialização da imprensa) e o polo de posicionamento social dos jornalistas (jornalismo como serviço público).

Nesse contexto, também se formou o ethos do trabalho jornalístico, considerado muito importante nas sociedades democráticas. Esse ethos existente até hoje, segundo alguns profissionais da área citados por Traquina (2005a), é o papel de informar a opinião pública e

exercer uma função de contra-poder. Em uma democracia, o jornalismo é um meio de informação que deve conscientizar os cidadãos sobre seus direitos e expressar as preocupações sociais. O jornalista é conhecido, segundo o mesmo autor (2005a), como o guardião da democracia em emergência. Por ter esse ethos profissional, o jornalismo é regido por um conjunto de valores e normas profissionais como a liberdade, a verdade, o rigor, a exatidão, a honestidade e a objetividade. Esse último tem um sentido muito específico no campo jornalístico. Para Schudson (1978 apud TRAQUINA 2005a, p.135), “[...] o conceito de objetividade no Jornalismo não surgiu como negação da subjetividade, mas como o reconhecimento de sua inevitabilidade”. O surgimento do valor da objetividade na atividade jornalística ocorreu devido à contestação da razão pela psicologia no início do século XX e a dois fatores, ainda de acordo com Schudson, que ajudaram a gerar dúvidas em relação aos fatos pela comunidade jornalística: a propaganda da 1ª Guerra Mundial e o surgimento da profissão de Relações Públicas.

A notícia encarada como um espelho da realidade, como algo objetivo, é questionável porque ela é o resultado da interpretação de um mundo complexo. Cada vez mais o ser humano tem consciência de sua subjetividade. Por isso, a objetividade jornalística:

[...] não é negação da subjetividade, mas uma série de procedimentos que os membros da comunidade interpretativa utilizam para assegurar uma credibilidade como parte não interessada e se protegerem contra eventuais críticas ao seu trabalho (TRAQUINA, 2005a, p.139).

É uma forma que a atuação jornalística encontrou para se prevenir de qualquer ataque ou para se defender das críticas. Entre os procedimentos de defesa promovidos pelos jornalistas podemos citar, de acordo com Gaye Tuchman (1972/1993 apud TRAQUINA, 2005a): a apresentação de possibilidades conflituosas, a apresentação de provas auxiliares, o uso judicioso das aspas e a estruturação da informação numa sequência apropriada. Esses procedimentos possibilitam a “objetividade jornalística”, mas também é uma forma de otimizar o trabalho jornalístico. Fundamentado pela Teoria Democrática, Traquina (2005a) acredita que a própria sociedade influencie a definição da postura profissional dos membros da comunidade jornalística nos últimos tempos. Já na visão de Baccega (1998), a objetividade no discurso jornalístico é uma forma da mídia tentar construir uma visão monológica de mundo para preservar o status quo. É muito difícil a possibilidade de crítica porque qualquer desvio aos valores sociais dominantes é repudiado. Por isso, a autora pergunta onde estaria a objetividade nessa situação, já que existe

no discurso jornalístico uma tensão entre o que as palavras manifestam (a visão de uma classe dominante) e as mudanças contidas nas palavras que nos revelam a construção de uma nova sociedade. A objetividade jornalística é a ausência do sujeito, o comunicador deve entender a linguagem como puro código. O discurso “objetivo” esconde o processo social que gerou o fato para não provocar questionamentos (críticas). A emergência do novo jornalismo no século XIX e a constituição da objetividade no século XX trouxeram diversas reflexões e desafios para o campo jornalístico. Desse modo, surgiram as Teorias do Jornalismo e da Notícia para tentar explicá-los. São diversas teorias que se confundem e se complementam nessa tentativa e que apresentam uma série de limitações que precisam ser superadas. De qualquer modo, é a fundamentação teórica que elucida como ocorre o processo noticioso. Por isso, a usamos como suporte teórico para continuar explicando as CPs do jornalismo.

1.3 As Teorias do Jornalismo e da Notícia De acordo com Traquina (2005a), os primeiros estudos sobre o jornalismo, enquanto campo científico, ocorreram nas primeiras décadas do século XX em países como os Estados Unidos. Apesar do longo período de tempo de estudos, não há um consenso em torno da questão. É apenas um esforço de se refletir sobre os processos jornalísticos por meio de teorias que se influenciam, mas são insuficientes. Seja como for, retomamos essas teorias, de acordo com Traquina (2005a), em conjunto com o pensamento de Sousa (1999), a fim de compreender as CPs do jornalismo2.

1.3.1 A Teoria do Espelho

A teoria mais antiga é a Teoria do Espelho, a qual se desenvolveu durante o século XIX e início do século XX, em alguns países em que a imprensa se estruturava como indústria. Essa evolução ocorreu graças a fatores como a comercialização do jornalismo, a profissionalização dos jornalistas e a formação de uma esfera democrática em que se definiu o papel da mídia como um contra-poder que fiscaliza o poder público. Nesse contexto, as notícias passaram a ser vistas como informação e o papel do jornalista passou a ser definido como, segundo Traquina (2005a, p.147), um observador da realidade que não emite opiniões

2 Embora as Teorias do Jornalismo e da Notícia enfoquem como é a produção de notícias, consideramos que suas reflexões servem para explicar a produção de outros tipos de matérias jornalísticas como a reportagem. Ao longo da exposição dessas teorias, colocamos apenas como ocorre a produção de notícias para respeitar as reflexões dos autores consultados. Contudo, implicitamente, consideramos que essas reflexões servem também para as reportagens.

pessoais. Essa concepção se tornou muito forte no jornalismo ocidental devido a dois fatores históricos que são: a emergência do novo jornalismo, no contexto positivista do século XIX, que tentava reproduzir a realidade como uma máquina fotográfica e a adoção do valor da “objetividade” pelos jornalistas para dar mais credibilidade aos fatos diante de uma série de ocorrências, abordadas anteriormente, que podiam colocar os fatos em dúvida. Sousa (1999, p.5) também acredita que a objetividade pode ter contribuído para a construção da concepção do jornalismo como espelho da realidade quando aborda a separação que houve entre informação e opinião, entre fato e comentário. Por essas considerações, a Teoria do Espelho sustenta a ideia de que as notícias são determinadas pela realidade e que os jornalistas são imparciais e objetivos em seu trabalho mediador. Influenciada pela forma que os jornalistas enxergam a realidade, a Teoria do Espelho defende que esses profissionais apenas reproduzem os fatos. É uma visão que atribui uma função passiva ao jornalista, já que ele apenas “reproduz os fatos”. Essa teoria não é reconhecida pela literatura acadêmica de jornalismo, tem poucas explicações e é questionada pelos estudos jornalísticos posteriores.

1.3.2 A Teoria da Ação Pessoal ou Teoria do Gatekeeper

A primeira teoria, reconhecida pela literatura acadêmica de Jornalismo, segundo Traquina (2005a), é a Teoria da Ação Pessoal ou Teoria do Gatekeeper que surgiu nos anos 1950. O termo gatekeeper foi criado por Kurt Lewin, em 1947, em um artigo de psicologia e é definido como a pessoa que toma uma decisão a partir de uma série de escolhas. David Manning White introduziu a metáfora do gatekeeping aplicada à produção de informação jornalística. Nessa visão, o processo de produção de notícias passa por diversos portões (gates) em que o jornalista (gatekeeper) decide o que será notícia ou não3. É uma seleção baseada em opções particulares e subjetivas dos jornalistas para a construção das notícias. Eles eram influenciados mais por suas experiências, seus valores e suas expectativas do que por constrangimentos organizacionais. É uma teoria que explica a ação pessoal dos jornalistas na construção de notícias. Por isso, é uma teoria microssociológica que aborda a análise da notícia apenas ao nível do indivíduo em detrimento de outros fatores macrossociológicos como a empresa jornalística. Além disso, essa versão teórica trouxe poucos avanços para os estudos jornalísticos, por ser muito limitada. Ela perdeu prestígio em estudos posteriores

3 É uma teoria resultante de uma pesquisa realizada por White, publicada em 1950, que avaliou os motivos que levaram um jornalista a rejeitar algumas notícias (TRAQUINA, 2005, p.150).

como a Teoria Construcionista; verificou-se que as decisões do Gatekeeper estavam mais influenciadas por critérios profissionais do que individuais. A Teoria do Gatekeeper é uma perspectiva teórica de nível pessoal.

1.3.3 A Teoria Organizacional

O surgimento da Teoria Organizacional, ainda na década de 1950, expandiu as reflexões sobre o jornalismo para a organização jornalística. Essa teoria indica que os condicionantes organizacionais determinam a produção de notícias. É uma teoria que tem suporte em estudos de Warren Breed sobre o papel da organização no trabalho de um jornalista. O autor aponta que os constrangimentos organizacionais influenciam as atividades jornalísticas, bem como que o jornalista é influenciado mais pela política editorial da organização do que por suas crenças pessoais. Essa política é um conjunto de regras e valores organizacionais incorporados indiretamente pelos jornalistas de modo a construir uma sintonia entre seu trabalho e a organização. Por isso, a Teoria Organizacional enfatiza mais a socialização do jornalista à cultura organizacional de onde ele trabalha do que à cultura profissional de sua área de atuação.

Embora haja essa adaptação dos jornalistas aos valores da organização, Breed (1955; 1993 apud TRAQUINA, 2005, p.153) reconhece que não existe um determinismo organizacional no trabalho jornalístico, visto que esse exige certa autonomia para o cumprimento de suas funções. Qualquer ação obrigatória na atividade jornalística poderia ser vista como uma ameaça à independência profissional dos jornalistas. Ainda de acordo com Breed, existem alguns procedimentos que esses profissionais podem adotar para ultrapassar a política editorial de uma organização e terem certa autonomia em seu trabalho como: quando a política editorial da empresa não é totalmente clara, ele pode procurar brechas para sua atuação; na construção das notícias os jornalistas podem usar formas de subversão da política editorial ao escolher, segundo o mesmo autor (apud TRAQUINA, 2005a, p.156), “[...] que itens realçar, quais a enterrar e, de modo geral, que tom dar aos vários elementos possíveis da notícia”; etc. Contudo, de modo geral, os jornalistas seguem os valores das organizações porque a sua fonte de recompensas não está entre os leitores, mas sim na redação em que eles trabalham.

A Teoria Organizacional mostra também a importância do fator econômico na atividade jornalística. O desempenho de uma empresa jornalística depende do balanço financeiro entre suas receitas e suas despesas. A partir desse fator, a organização pode adotar medidas que limitem ou aumentem o trabalho jornalístico. Ela pode, por exemplo, optar por notícias de interesse geral como as sensacionalistas em detrimento de outros acontecimentos. Além disso, a ênfase econômica dessa teoria permite ver que a notícia é um produto que deve satisfazer o leitor. Quanto mais atual melhor, a notícia é um produto perecível, se desgasta rapidamente. Dessa forma, a busca por “notícias frescas” acirra a concorrência entre as empresas jornalísticas. Já a concentração das propriedades dos meios de comunicação nas mãos de poucos indivíduos ou grupos homogeniza a produção de conteúdos midiáticos.

Acreditamos que a Teoria Organizacional, ao realçar a importância dos fatores organizacionais, ilumina pontos que até então permaneciam obscuros nos estudos sobre o campo jornalístico. Entretanto, não aponta outros fatores que são considerados essenciais no desempenho da atividade jornalística que foram enfatizados por teorias posteriores.

1.3.4 As Teorias de Ação Política

Na década de 1970, ocorreu o surgimento das Teorias de Ação Política que expandiram as reflexões sobre o jornalismo em relação ao seu papel em sociedade. Entre as principais preocupações dessa corrente estão, de acordo com Gaye Tuchman (1991 apud TRAQUINA, 2005a, p.161), as implicações políticas e sociais do jornalismo, a função social das notícias e as propriedades que o jornalismo tem como um Quarto Poder. Desse modo, nasceu o News Bias Studies que avalia a existência de parcialidade jornalística por meio de metodologias como a Análise de Conteúdo (AC). São reflexões que verificam como a objetividade ou o seu oposto, a parcialidade, estão presentes no papel social do jornalismo. Para os estudos da parcialidade, as notícias devem reproduzir a realidade sem distorção. Dessa forma, alguns estudiosos dessa corrente teórica analisam se há ou não distorções nas notícias, pois para eles os jornalistas constituem uma nova classe política que distorcem as notícias para veicular suas ideias anticapitalistas. Em versão oposta, Herman e Chomsky acreditam que as notícias servem para manter o sistema capitalista.

De qualquer modo, as Teorias de Ação Política enfatizam o uso instrumentalista da mídia noticiosa de acordo com os interesses políticos de cada grupo social: seja na posição de

direita que defende a manutenção do capitalismo, seja na posição de esquerda que questiona o sistema capitalista. Ambos os lados acreditam que as notícias são usadas para proteger a visão de mundo de certos agentes ou grupos sociais. A versão da direita enfatiza a existência de uma nova classe formada por intelectuais e burocratas (entre os quais estão os jornalistas) que propagam através da mídia seus valores anticapitalistas. Por essa perspectiva, os jornalistas têm um papel ativo frente ao produto jornalístico por que: controlam pessoalmente as notícias; podem expressar suas preferências jornalísticas no produto noticioso; e possuem valores políticos coerentes e estáveis. Para a versão da esquerda, os jornalistas ocupam um papel passivo na produção de notícias. São apenas executores do serviço capitalista com o qual podem ser coniventes. Um dos estudos mais completos dessa versão é de Herman e Chosmky que enfatizam que o conteúdo das notícias é determinado a nível macroeconômico. São pensamentos que acreditam que os proprietários dos meios de comunicação e os anunciantes reforçam por meio da mídia o poder social instituído.

Apesar da profundidade das reflexões de Herman e Chomsky, Traquina (2005a) nos aponta algumas limitações dessas reflexões quando diz que podem existir divisões entre a “elite econômica” e que a metodologia de AC não explica as intenções dos produtores ou não analisa os processos de produção de notícias. Para o autor, é uma visão muito determinista sobre o funcionamento do campo jornalístico. De qualquer modo, são teorias que expandem as reflexões sobre o campo jornalístico e nos ajudam a enxergar a atividade jornalística em sua dimensão social e política.

1.3.5 As Teorias Construcionistas

Na esteira de estudos sobre o campo jornalístico, na década de 1970, surgiram as Teorias Construcionistas que veem a notícia como uma construção. Essa corrente representa, de acordo com Traquina (2005a, p.168), “[...] um momento de virada [...]” porque é uma concepção que nega totalmente a notícia como distorção (Teorias de Ação Política) e questiona a visão de mundo dos jornalistas e a Teoria do Espelho. As Teorias Construcionistas enfatizam o papel ativo que a mídia tem na construção da realidade e, desse modo, questionam a ideia de que os jornalistas apenas reproduzem ou distorcem a realidade.

Para esse paradigma, o produto jornalístico não é uma ficção, mas sim uma convenção. Essa perspectiva reconhece o caráter narrativo das notícias sem negar seu vínculo

com a realidade exterior, bem como sem negar seu valor informativo. Ela admite que a notícia é uma estória, que a notícia é, de acordo com Gaye Tuchman (1988; 1993, p.265 apud TRAQUINA 2005a, p.169), uma construção real com validade interna própria. Contudo, essa definição da notícia como estória não é bem aceita pelos jornalistas. A partir da visão que eles têm da profissão, eles não conseguem enxergar as notícias como um ato de contar estórias. Principalmente porque eles afirmam, segundo Itzhak Roek (1989, p.162, apud TRAQUINA, 2005a, p.170), que a linguagem é transparente. Pensam que apenas estão transmitindo um fato, mas na realidade estão construindo uma estória.

Outro ponto importante das Teorias Construcionistas foi a adoção de inovações metodológicas provenientes da antropologia que ajudaram a enriquecer as pesquisas sobre jornalismo nos anos 1970. Essa introdução possibilitou estudos por meio da abordagem etnometodológica nos locais de atuação dos jornalistas, por um longo período de tempo, a fim de analisar profundamente as atitudes deles. É uma ferramenta que permitiu verificar a visão de mundo dos jornalistas, a atuação dos produtores de notícias e as suas crises, ao contrário de outras ferramentas que focam apenas a notícia. As contribuições dessa metodologia para o jornalismo foram: reconhecer a pertinência que a rede de relacionamentos dos jornalistas tem no processo produtivo; e reconhecer a influência que as rotinas têm na produção de notícias. Essas contribuições deram suporte para que as Teorias Construcionistas pudessem questionar as Teorias de Ação Política que viam a notícia como uma distorção.

As Teorias Construcionistas contribuíram também para o surgimento das Teorias Estruturalista e Interacionista que compartilham a ideia da notícia como uma construção social. Apesar de divergirem em alguns pontos em relação às Teorias Construcionistas, as duas teorias complementam esse paradigma. Elas admitem a influência de fatores microssociológicos no trabalho jornalístico. Reconhecem até mesmo a influência de fatores organizacionais apresentados por Warren Breed, na Teoria Organizacional, e a ideia de que os jornalistas se inserem em uma comunidade profissional. Elas consideram também a importância da dimensão cultural na atividade jornalística como, por exemplo, a estrutura dos valores-notícia. Para ambas as teorias, os jornalistas são agentes ativos no processo de construção das notícias e da realidade.

Acima de tudo, as reflexões do paradigma construcionista reconhecem a participação dos jornalistas na construção da realidade em oposição a outras teorias. Isso porque esse

paradigma enxerga a importância que a interação social tem no trabalho jornalístico. É uma relação dialética em que o jornalista é produtor e produto da realidade que o cerca.

1.3.6 A Teoria Estruturalista

A Teoria Estruturalista, assim como as Teorias de Ação Política, apresenta uma visão esquerdista sobre as notícias. Ambas são teorias macrossociológicas, de inspiração marxista, que tratam do papel da mídia na reprodução dos valores sociais dominantes. No entanto, existe uma diferença entre elas, a Teoria Estruturalista reconhece, de acordo com Traquina (2005a, p.175), “[...] a autonomia relativa dos jornalistas em relação a um controle econômico direto”, contrariamente às Teorias de Ação Política que não a reconhece. A Teoria Estruturalista tem como um dos seus representantes Stuart Hall e seus co-autores. Para eles, as notícias são um produto social resultante de fatores como: a rotina burocrática existente na mídia noticiosa; a escala de valores-notícias e o posicionamento profissional dos jornalistas que condicionam o que é uma notícia; e a construção das notícias a partir de uma escala de valores culturais4 que tornam um acontecimento inteligível para o público.

Para os autores dessa corrente teórica, as notícias ajudam a construir o consenso de uma sociedade, ao mesmo tempo, em que são possíveis porque elas pressupõem esse consenso social existente. Por isso que as notícias contribuem para a manutenção dos valores sociais dominantes. O posicionamento da mídia é explicado de modo diferente nessa teoria em relação a outras teorias que defendem o uso da mídia de modo conspirativo, como fazem as Teorias de Ação Política. Ao contrário, Stuart Hall explica que os jornalistas não agem de acordo com os interesses dos poderosos, mas sim que agem de acordo com a estrutura de trabalho que lhes é oferecida (o tempo para fechamento das notícias, a imparcialidade, a objetividade, etc.). Essa estrutura facilita o acesso à mídia para fontes com posições privilegiadas socialmente. Desse modo, essas fontes são, muitas vezes, “definidores primários” de um acontecimento.

Por essa perspectiva, a mídia ocupa um papel secundário na estrutura de poder, pois ela apenas reproduz as definições das fontes com acesso privilegiado à mídia (os “definidores primários”). Contudo, Hall et al (1973; 1993 apud TRAQUINA, 2005a, p.179) reconhece que

4 Esse último fator está ligado à visão culturalista da Teoria Estruturalista proposta por Stuart Hall e outros autores conhecidos como a Escola Culturalista Britânica.

esse processo não é perfeito, uma vez que a mídia e as fontes de notícias são instituições diferentes e possuem motivações e lógicas que podem entrar em conflito. Cada instituição possui uma posição na estrutura de poder que pode gerar disputas. De qualquer forma, são casos excepcionais que não alteram a essência dessa teoria, a qual acredita que a mídia reproduz os valores dominantes.

Ademais, sabemos que a Teoria Estruturalista e a Teoria Interacionista defendem a ideia da notícia como construção. Contudo, quando se trata da relação entre fontes e jornalistas ambas divergem. Para a Teoria Estruturalista, as fontes oficiais são iguais, os conflitos entre elas são minimizados. Essa teoria apresenta uma estrutura que não tem mudanças e tem uma relação unidirecional com os jornalistas. As fontes são encaradas como um bloco unido, em que não há disputas e os jornalistas não encontram espaço para a resistência e atuação. Essa perspectiva leva a um determinismo em excesso; sua limitação está em não reconhecer que os jornalistas podem ser agentes ativos na estrutura de poder.

1.3.7A Teoria Interacionista

A Teoria Interacionista apresenta uma explicação mais abrangente sobre o trabalho jornalístico. Para ela, as notícias são resultantes de um processo de percepção, seleção e transformação dos acontecimentos em notícias. O fator essencial desse processo é avaliar quais acontecimentos podem se tornar notícias, ou seja, avaliar sua noticiabilidade. Para o jornalismo é importante saber, segundo Wolf (1987 apud TRAQUINA, 2005a, p.180), “[...] o que é a notícia?, ou seja, quais os critérios e os fatores que determinam a noticiabilidade dos acontecimentos”. Esse monopólio sustenta a independência e a competência dos jornalistas em sociedade.

Essa vertente teórica reconhece a pressão que o fator tempo exerce na atividade jornalística; admite que o trabalho jornalístico é voltado para a prática e para o cotidiano. Para dar conta dessa pressão temporal, as organizações jornalísticas adotam procedimentos que tentam organizar no tempo e no espaço a captação de notícias. Em relação ao espaço, elas montam uma “rede noticiosa” que cobre os acontecimentos de locais mais importantes em detrimento de outros de menor importância. Um exemplo disso é mostrado por Traquina (2005a) e por Sousa (1999) quando dizem que em Portugal a maior parte da cobertura jornalística se concentra na cidade de Lisboa. Em relação ao tempo, as organizações

jornalísticas também tentam controlá-lo para conseguir realizar seu trabalho cotidiano. O tempo jornalístico tem algumas particularidades, de acordo com Traquina (2005a, p. 183), que são: em primeiro lugar, as organizações jornalísticas têm um ritmo próprio de trabalho e, em segundo lugar, o imediatismo do trabalho jornalístico enfatiza os acontecimentos em detrimento das problemáticas.

A produção noticiosa é um constante processo de interação em que os diversos agentes sociais negociam o que será noticiado. Entre esses agentes, de acordo com Molotch e Lester (1974; 1993 apud TRAQUINA, 2005a, p.184), estão: os news promoters (promotores de notícias) que tornam um acontecimento observável; os news assemblers (jornalistas) que tornam um acontecimento público; e os news consumers (consumidores de notícias) que recepcionam os acontecimentos disponibilizados pela mídia. Os autores acreditam que as notícias apresentam apenas os aspectos mais relevantes de uma realidade objetiva. Para eles, os jornalistas têm um papel estratégico nas sociedades atuais, porque eles fazem o gerenciamento de ocorrências importantes. Esse gerenciamento da informação pelos jornalistas é relevante porque cada indivíduo ou coletividade tem necessidades diferentes de informação. Os jornalistas adaptam as ocorrências às diferentes necessidades de acontecimentos que os atores sociais (receptores da notícia) têm.

Na esfera de promoção de notícia, os mesmos autores acreditam que existe uma intencionalidade por trás de muitos acontecimentos tratados pelas fontes que, muitas vezes, não passam de “pseudo-acontecimentos”. Nesse ponto, os autores reconhecem a existência da concorrência entre os promotores de notícia quando eles buscam definir quais ocorrências se tornarão notícias para serem expostas ao público e tentam definir a forma como um acontecimento será apresentado e talvez interpretado pelo público.

Por isso, nas sociedades contemporâneas, os diversos agentes sociais (principalmente os políticos) tentam criar uma correspondência de suas “necessidades de acontecimentos” com as “necessidades de acontecimento” dos jornalistas. O reconhecimento dessas necessidades dos jornalistas pela Teoria Interacionista, mostra o papel ativo desses profissionais na construção das notícias. Essa autonomia é variável em cada esfera jornalística, mas é ela que pode influenciar na construção da agenda jornalística. As diferentes “necessidades de acontecimentos” entre os promotores da notícia e os jornalistas é o que torna o papel institucional das organizações jornalísticas iguais, mas diferentes quando se trata da construção de notícias.

Para a Teoria Interacionista, o acesso aos meios jornalísticos é composto, em sua maioria, por agentes de maior poder e recursos econômicos. Contudo, ao contrário da Teoria Estruturalista, ela reconhece a possibilidade de outros agentes sociais terem acesso à mídia, bem como reconhece o poder dos jornalistas na definição do que será notícia e como ela será construída.

Além disso, a formação da “rede noticiosa” e o modo como os jornalistas estão inseridos nesse processo também influenciam na construção de notícias. Isso acontece porque, de acordo com Gaye Tuchman (apud TRAQUINA, 2005a), a distribuição da “rede noticiosa” articula-se com critérios de noticialibilidade que priorizam fontes que estão ligadas a setores importantes da sociedade e também porque é possível conhecer os critérios de noticiabilidade que regem cada meio de comunicação social. A distribuição da “rede noticiosa” concentra a cobertura dos acontecimentos em apenas alguns jornalistas, isso leva esses profissionais a valorizarem as informações que recebem das fontes. Dessa forma, o trabalho jornalístico tende a construir uma rede de fontes que supra suas necessidades de informação. É importante construir essa rede de fontes de modo que ambas as partes possam construir uma relação de confiança e possam negociar seus interesses em comum. Por isso, os jornalistas tendem cada vez mais a receber informações do que sair à busca de notícias.

De acordo com Traquina (2005a), uma forma de avaliar as fontes é por sua autoridade (respeitabilidade), produtividade (qualidade dos materiais produzidos) e credibilidade (confiança). Os jornalistas priorizam as fontes oficiais porque elas atendem melhor às necessidades das redações e adquirem credibilidade devido à sua prática rotineira de promoção de informações ao longo do tempo. O trabalho previsto que as fontes oficiais desenvolvem é mais compatível com as necessidades do trabalho jornalístico, pautado pelo tempo, e passam a ser as fontes preferidas dos jornalistas.

A rotina é outro fator que condiciona o trabalho jornalístico. A assimilação da rotina de uma organização jornalística pelos diretores e repórteres permite-lhes controlar seu trabalho, assim como dominar as técnicas de escrita e o saber de como agir na construção da notícia. Na visão de Sousa (1999, p.21), a rotina jornalística é um meio institucionalizado pelas organizações para se atingir um fim, que é a notícia. A “rotina do inesperado” que condiciona a atuação jornalística torna seus profissionais dependentes dos “canais de rotina” para dar conta dos diversos acontecimentos e do tempo escasso. A interdependência dos jornalistas em relação às fontes cria, na visão de Lippmann (apud TRAQUINA, 2005a, p.

196), uma mesma rotina entre ambos. Já na visão de Bennete et al (1985 apud TRAQUINA, 2005a, p.196), essa interdependência pode trazer benefícios para os jornalistas como a eficácia, a estabilidade e a credibilidade e, para as fontes, a promoção de seus atos e legitimidade social.

A Teoria Interacionista considera que a rotina cria a dependência dos jornalistas em relação às fontes oficiais. Essas fontes se destacam porque o acesso ao campo jornalístico é bastante estruturado. As fontes são diferentes, nem todas têm o mesmo acesso aos jornalistas. Dessa forma, é mais difícil para outros agentes sociais conseguirem acesso constante às mídias. Os movimentos sociais, de acordo com exemplo dado por Traquina (2005a), com dificuldades em transformar seus acontecimentos em notícia, precisam adaptar a sua forma de relacionamento social ao modo das outras organizações. Uma maneira de esses movimentos sociais conseguirem acesso à esfera jornalística é se pautarem pelos critérios de noticiabilidade que se direcionam ao que é anormal e contra os valores sociais.

Os grupos sociais que atuam de modo marginal, fora do que é legitimado em sociedade, têm mais dificuldades de ter acesso às mídias porque a noticiabilidade é, de acordo com Tuchman (apud TRAQUINA, 2005a), a afirmação do poder vigente. Nesse ponto, a Teoria Interacionista se aproxima da Teoria Estruturalista, uma vez que ambas reconhecem que as organizações mais prestigiadas influenciam as notícias. Boa parte dos acontecimentos noticiados é proveniente das fontes oficiais; elas refletem a estrutura de poder social existente. Por isso, as duas teorias têm posicionamentos próximos em relação ao papel político dos jornalistas. Para elas, as ligações existentes entre fontes e jornalistas tornam as notícias um instrumento de grupos reconhecidos socialmente; suas interpretações sobre a realidade predominam nas notícias.

Entretanto, vale ressaltar que a Teoria Interacionista não encara a relação entre fontes e jornalistas de modo determinista. Segundo Sousa (1999, p. 25), as fontes não são iguais, mas todas podem influenciar a construção social da realidade. A posição das fontes oficiais é conquistada, por isso é importante para os grupos sociais que não tem acesso à mídia saberem quais são os recursos que as fontes oficiais possuem para terem seus acontecimentos e enquadramentos nas notícias. Não existem muitas pesquisas sobre isso, mas alguns desses recursos podem ser, segundo Traquina (2005a, p.200), “[...] 1) o seu capital econômico; 2) o seu capital institucional, isto é, o grau de institucionalização da fonte; 3) o seu capital sócio- cultural, na forma de autoridade, ‘saber’ e credibilidade; e 4) a sua estratégia e táticas de

comunicação”. Atentar-se para esses recursos, pode ser uma forma de muitos grupos sociais terem acesso à mídia. A Teoria Interacionista consegue aprofundar os estudos jornalísticos porque ela reconhece que o jornalismo pode ser, por um lado, uma força conservadora e, por outro lado, pode ser um recurso para grupos sociais que contestam o poder dominante. O jornalismo, segundo Traquina (2005a), é um Quarto Poder o qual possui mecanismos que direciona sua atuação, na maioria das vezes, para a defesa do status quo e, algumas vezes, atua como um contra poder.

Nessa corrente teórica, outro fator que influencia a construção das notícias é o processo de interação entre os próprios jornalistas, que é uma comunidade profissional. Essa interação promove entre eles um conhecimento compartilhado, uma linguagem própria, a consulta de opiniões e a leitura de textos de outros jornalistas, troca e favores e a concorrência que influenciam a construção das notícias. Por isso, segundo Tuchman (1973, p.44, apud TRAQUINA, 2005a, p.202), a noticiabilidade dos acontecimentos é construída por acordos entre os jornalistas para atender suas necessidades profissionais e burocráticas. O estabelecimento de critérios de noticiabilidade entre eles é possível porque possuem uma forma própria de enxergar a realidade. É uma comunidade que compartilha valores como: o imediatismo, a objetividade, a independência e a verdade. Além disso, uma série de outros fatores contribuiu para a formação dessa comunidade como o conjunto de valores profissionais dos jornalistas e a sociedade que atribuem um ethos para o papel do jornalista que é informar os cidadãos e fiscalizar o poder. É uma comunidade profissional cujo poder está na:

[...] decisão última de decidir o que é notícia, sabendo que a notícia dá existência pública aos acontecimentos ou à problemática [...] [e na] última palavra sobre a construção do acontecimento como notícia. As notícias são construções, narrativas, ‘estórias’. As notícias são elaboradas com a utilização de padrões industrializados [...] como, por exemplo, a “pirâmide invertida” (TRAQUINA, 2005a, p.203).

A indicação desse poder significa reconhecer não apenas a influência que os jornalistas podem ter sobre as pessoas em relação ao que pensar, mas também a forma como elas devem pensar. De acordo com Traquina (2005a), algumas pesquisas sobre jornalismo, feitas no final do século XX, indicam a existência de uma influência variável do jornalismo

sobre as pessoas e sobre diversos temas. Essa influência é maior em indivíduos mais abertos ao jornalismo e em busca de informação e sobre temas que não têm experiência direta.

Ao levarmos em consideração todos os itens abordados pela Teoria Interacionista, vemos que ela enxerga os jornalistas como participantes ativos na construção da realidade. O processo de interação social que possibilita a construção das notícias envolve uma série de aspectos; a realidade é apenas uma das condições que tornam as notícias possíveis. Devemos lembrar que elas envolvem também: os constrangimentos organizacionais, as narrativas jornalísticas, as rotinas, os valores-notícia e as identidades das fontes de informação. A Teoria Interacionista nos mostra que, ao contrário do que o conjunto de valores profissionais jornalístico sugere, os jornalistas vão muito além da reprodução da realidade; a atuação jornalística é bem mais rica e ampla do que poderia se pensar.

1.4 Desafios contemporâneos do campo jornalístico

As diversas Teorias do Jornalismo e da Notícia não são bem delimitadas, há explicações comuns entre elas. Por isso, Sousa acredita (2000, p.6), apesar da complexidade e da heterogeneidade das teorias, ser possível traçar uma explicação global para as notícias (opinião da qual Traquina não compartilha). Essa teoria vê o processo produtivo das notícias como uma construção e não como um reflexo da realidade como a Teoria do Espelho. Sousa (1999) diz que sua concepção teórica é fundamentada na visão construcionista das notícias que aproveita e amplia as reflexões da Teoria Organizacional, da Teoria Estruturalista e das Teorias de Ação Pessoal. Nessa perspectiva, a realidade é apenas uma das dimensões que influencia a notícia, do mesmo modo que essa influencia aquela. O autor utiliza o pensamento de alguns estudiosos como Shoemaker e Reese e Shudson (até mesmo o pensamento de Traquina), para expor o que considera como uma “teoria unificada da notícia”:

[...] a notícia é o resultado da interação simultaneamente histórica e presente de forças de matriz pessoal, social (organizacional e extra-organizacional), ideológica, cultural, do meio físico e dos dispositivos tecnológicos, tendo efeitos cognitivos, afetivos e comportamentais sobre as pessoas, o que por sua vez produz efeitos de mudança ou permanência e de formação de referências sobre as sociedades, as culturas e as civilizações (SOUSA, 2000, p.9-10).

Por essa perspectiva, o exercício da atividade jornalística e as notícias são explicados pela influência de diversos fatores que concorrem entre si no processo de produção, circulação e consumo de notícias. É uma tentativa de criar uma teoria científica com fundamentação e abrangência maiores para as reflexões existentes sobre o jornalismo. É uma iniciativa muito questionada, mas que reflete uma necessidade das Teorias do Jornalismo e da Notícia: a necessidade de revisão crítica de sua produção científica existente para que assim seja possível explicar as notícias.

Há outros assuntos que poderiam ser incluídos nas Teorias do Jornalismo e da Notícia além dos estudos do processo de produção, circulação e consumo das notícias. Os assuntos que poderiam ser incluídos são:

[...] as próprias técnicas de narração da notícia, os aspectos semiológicos do discurso jornalístico, o estudo das diferentes funções do profissional de imprensa e a análise de editorias específicas. Além disso, também é possível incluir de forma tangencial uma abordagem histórica, ética e epistemológica do jornalismo, bem como discussões estilísticas, instrumentais e de gênero (PENA, 2008, p.217).

A reflexão epistemológica das Teorias do Jornalismo e da Notícia torna-se ainda mais significativa na atualidade. As inovações tecnológicas desafiam a atuação jornalística, segundo McNair (1998 apud TRAQUINA, 2005, p.210), “[...] acelerando ainda mais a velocidade dos processos de produção de notícias, corroendo as barreiras de tempo e do espaço, globalizando as notícias e as audiências, criando novos canais de acesso aos membros da comunidade jornalística”. A “explosão” da Internet possibilita novas formas de acesso à informação e comunicação que criam vozes alternativas na sociedade. Isso promove o descontrole político do jornalismo e a concorrência neste campo passa a ser entre todos os membros da sociedade. De acordo com Moretzsohn (2002), a criação da Internet aumentou a velocidade na transmissão de informações e, desse modo, redimensionou o processo de produção das notícias. Todos os tipos de jornalismo existentes foram afetados, passaram a trabalhar em “tempo real”. A qualidade na produção de notícias passou a ser a rapidez na transmissão de informações. Segundo Wolf (1987 apud SOUSA, 1999, p.7), a capacidade que as redações têm em dar informações em “tempo real”, ocorre por meio de uma situação inusitada, pois essa grande quantidade de informações são assuntos, temas e indivíduos definidos antecipadamente. Nesse cenário, o jornalismo impresso perdeu boa parte do seu espaço social para o jornalismo digital. A produção das notícias (do discurso) submete-se a essa “lógica da

velocidade”, cujo resultado não é uma dinâmica de trabalho do jornalismo, mas sim uma rotina industrial do capitalismo. Desse modo, não há como analisar a prática jornalística fora desse contexto, a velocidade tornou-se o principal critério de noticiabilidade.

Antes de tudo, importa chegar na frente do concorrente, e alimentar o sistema com dados novos, num continuum vertiginoso a pautar o trabalho nas grandes redações, que, além dos tradicionais produtos impressos diários, oferecem simultaneamente serviços de informação em tempo real (MORETZSOHN, 2002, p.13).

Esses dois meios de produção de notícias (o jornalismo impresso e o jornalismo digital) tornaram-se práticas comuns nas empresas jornalísticas. Elas buscam realizar a utopia da Internet que é a tentativa, assim como acontece no mercado financeiro, de conectar o planeta com informações em “tempo real” e em fluxo contínuo.

Nesse cenário tecnológico, há a emergência do jornalismo digital que, segundo Pena (2008), é um novo formato jornalístico; a definição sobre ele ainda não está totalmente estruturada; os teóricos da área tentam entender o que é o jornalismo digital. Existem diversos termos para denominar esse novo formato jornalístico como webjornalismo, jornalismo online, ciberjornalismo, etc. Apesar dessas limitações, acreditamos que:

Jornalismo digital, então, pode ser precariamente definido como a disponibilização de informações jornalísticas em ambiente virtual, o ciberespaço, organizadas de forma hipertextual com potencial multimidiático e interativo (PENA, 2008, p.176).

É a existência do jornalismo em um novo ambiente de comunicação que extrapola a realidade. O espaço virtual redimensionou a produção, a circulação e a recepção de notícias em todos os veículos jornalísticos. As informações tornaram-se descentralizadas em inúmeros portais, websites e blogs, os quais inviabilizam a checagem das informações. A velocidade e a facilidade de acesso às informações na Internet possibilitaram um novo modo de fazer jornalístico, cujos conteúdos são organizados pelo hipertexto e influenciados pelas bases de dados.

Diante disso, o jornalismo e seus profissionais precisam transformar a atividade, conforme afirma Ferrari (2003 apud PENA, 2008, p.178), “[...] desenvolvendo uma visão multidisciplinar e a capacidade de trabalhar com diversas mídias”. Desse modo, a emergência da rede de computadores demanda a transformação da área jornalística e não o seu fim. De

acordo com Pena (2008), é um exagero pensar isso, assim como afirmar que a Internet acaba com as dimensões de tempo e de espaço, produzindo uma “sociedade pós-humana”. De acordo com Traquina (2005a), o jornalismo continuará existindo na contemporaneidade. A essência da atividade prevalecerá, tanto que algumas das críticas do jornalismo tradicional continuam válidas no universo digital como a velocidade, a simplificação, a superficialidade e a banalização. A Internet potencializa ainda mais essas críticas e as relaciona com a ilusão de anulação das dimensões de tempo e de espaço. Existe a fantasia que qualquer um pode ser mediador no espaço virtual, por isso não haveria necessidade de jornalistas na produção de conteúdos da Internet. Na visão de Sousa (1999, p.43), o futuro do jornalismo está na capacidade que os jornalistas têm de se especializar e atender as necessidades de um público cada vez mais alfabetizado e segmentado e na capacidade de transformar as informações brutas em produtos de qualidade que possam ser distinguíveis em meio à grande quantidade de informações que temos atualmente. Outra forma de entendermos os processos jornalísticos na atualidade é, de acordo com Charaudeau (2009), a partir do que ele chama de “instância midiática”. O autor aponta que o discurso da informação produzido pela mídia está relacionado a três espaços específicos de construção de sentido (produção, produto e recepção). O primeiro lugar na instância midiática compreende a produção da informação como a organização, seus atores, etc. O segundo lugar compreende a construção do produto como o artigo de jornal, o boletim radiofônico, o telejornal, etc. O terceiro lugar compreende as condições de interpretação dos leitores, dos ouvintes, dos telespectadores, etc. Por essa distinção, é possível, segundo Charaudeau (2009, p.28), “[...] explicar a informação como algo que não corresponde a apenas a intenção do produtor, nem apenas a intenção do receptor, mas como resultado de uma co-intencionalidade que compreende os efeitos visados, os efeitos possíveis e os efeitos produzidos”. Assim, podemos enxergar de outra forma a dimensão na qual os processos jornalísticos encontram-se inseridos.

O jornalista é o agente principal na construção de sentido das notícias na mídia. Ele direciona a percepção das pessoas para determinados acontecimentos e interpretações ao invés de outros. A seleção e a transformação dos acontecimentos em notícias, até chegar ao receptor que a interpreta, é um processo complexo. A “instância midiática” é regida, ainda de acordo com Charaudeau, por certas especificidades do seu contrato de comunicação que influenciam os processos jornalísticos. O contrato de comunicação midiática se pauta por uma contradição, ao mesmo tempo, precisa ter grande credibilidade na informação e grande

captação de receptores. O primeiro item desse contrato é, segundo o mesmo autor, a “visada de informação”, a qual consiste em fazer saber o cidadão, ao produzir um objeto de conhecimento segundo uma lógica cívica de informar as pessoas. Já o segundo item é a “visada de captação” que consiste em fazer sentir o parceiro da troca, ao tentar produzir um objeto de consumo, segundo uma lógica comercial, para captar as massas e sobreviver à concorrência. A “visada de informação” é dominante porque está ligada à credibilidade que supõe que o mundo seja reportado com seriedade. Já a “visada de captação”, ligada à dramatização, é secundária porque é contrária à anterior. Contudo, as mídias navegam entre esses dois polos de acordo com sua visão de realidade e da natureza dos acontecimentos. Às vezes, utilizar a dramaticidade na exposição dos acontecimentos é um modo contraditório de proporcionar o processo cognitivo da informação por meio de um mecanismo psíquico que integra o saber às representações captadoras.

Diante disso, o trabalho jornalístico precisa adotar critérios que selecionem e transformem acontecimentos em notícias de modo eficaz e eficiente. Por isso, existe uma gama de critérios de noticiabilidade ou valores-notícia que busca selecionar e construir as notícias, as quais informam e captam o público. Somente uma pequena porcentagem de acontecimentos se torna notícias, pois a maior parte dos acontecimentos é considerada normal. Os critérios de noticiabilidade selecionam acontecimentos que se desviam do consenso social. Entre os acontecimentos noticiáveis, há alguns tipos, de acordo com Sousa (1999, p.6), que são abordados pela mídia como: os acontecimentos imprevistos (os quais o autor considera que são os “verdadeiros acontecimentos”), pseudo-acontecimentos, acontecimentos midiáticos, acontecimento não categorizados e não acontecimentos. São alguns tipos de acontecimentos que os jornalistas selecionam e transformam em notícias pelos critérios de noticiabilidade ou valores-notícia. Tendo isso em vista, consideramos importante compreender esses critérios para ver como eles condicionam o processo noticioso.

1.5 Critérios de Noticiabilidade ou Valores-Notícia Frente à grande quantidade de acontecimentos que ocorrem diariamente, os jornalistas precisam capturar aqueles que têm mais noticiabilidade. Essa definição é realizada por uma série de critérios que avaliam a noticiabilidade dos acontecimentos e dinamizam o trabalho jornalístico. Dessa forma, os jornalistas dão conta da produção de notícias dentro do curto espaço de tempo que têm para essa realização. São referências ligadas a conhecimentos práticos, acordadas entre os próprios jornalistas, para facilitar a produção. Os critérios de

seleção sobre o que é notícia são feitos, segundo Hall (1970 apud PONTE, 2005, p.184), por esses profissionais em termos de significância de conhecimentos inferidos sobre a audiência e a sociedade. Principalmente acontecimentos que violem as normas sociais, sejam contraditórios ao cotidiano e às expectativas, sejam dramáticos ou estejam próximas da vida dos receptores. Os critérios de noticiabilidade são provenientes, na opinião de Sousa (1999, p.44), “[...] da índole social, ideológica e cultural, embora não se exclua a acção pessoal [dos jornalistas] [...]”. A partir dessas considerações, os critérios de noticiabilidade podem ser entendidos como:

[...] o conjunto de valores notícia que determinam se um acontecimento, ou assunto, é susceptível de se tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser transformado em matéria noticiável e por isso, possuindo “valor notícia” (“newsworthiness”) (TRAQUINA, 2005b, p. 63).

Os valores-notícia selecionam acontecimentos que visam atender as expectativas do público. O acontecimento nasce do discurso e se torna notícia quando é levado ao conhecimento de alguém. Mas é importante ressaltar que a instância midiática tem pouco conhecimento sobre os receptores. Existem, segundo Charaudeau (2009), poucos estudos que analisam a instância de recepção. Isso ocorre porque é difícil conhecer, adequadamente, essa dimensão. As sondagens e as pesquisas de recepção não conseguem viabilizar conhecimentos significativos sobre isso. Então as mídias constroem suposições sobre os efeitos que pretendem provocar nos receptores, mas não têm noção sobre quais foram os efeitos produzidos.

Para escolher os acontecimentos que se tornarão notícias, a mídia, ainda de acordo com Charaudeau (2009), se fundamenta em dados como o tempo, o espaço e a hierarquia. Já segundo Galtung e Rose (1965 apud PONTE, 2005, p.192), os critérios de noticiabilidade não se pautam, sobretudo, pelo inesperado ou pela negatividade. É preciso acentuar outras dimensões de valores-notícia. O processo noticioso varia de uma cultura para outra, por isso, de acordo com Sousa (1999, p.44), “[...] os critérios de noticiabilidade não são rígidos nem universais”. Eles podem ser, algumas vezes, opacos e, outras vezes, contraditórios e podem também trabalhar de forma conjunta e integrada na produção de notícias. Tudo depende da forma como a organização jornalística atua e como se organiza frente à desordem. Devemos considerar também que os valores-notícia mudam com o tempo e têm diversas naturezas. Contudo, de acordo com Ponte (2005), existem alguns critérios de noticiabilidade comuns

entre a comunidade internacional de jornalistas que são: “o tempo do acontecimento ou a frequência do sinal”; “a amplitude e a clareza”; “a significância”; “a consonância”; “a impresivibilidade”; “a continuidade”; “a complementaridade”; “a relação com as elites”; “a personalização”; e “a negatividade”.

Já para Traquina (2005b), o processo de seleção dos acontecimentos que se tornam notícias depende da política editorial de uma empresa jornalística. O autor classifica os critérios de noticiabilidade em valores-notícia de seleção e valores-notícia de construção. Os primeiros são critérios usados pelos jornalistas na seleção dos acontecimentos, ou seja, qual acontecimento se transformará em notícia. Esses valores são divididos em “valores-notícia de seleção (critérios substantivos)” e “valores-notícia de seleção (critérios contextuais)”. Os “valores-notícia de seleção (critérios substantivos)” se referem a uma avaliação do acontecimento em termos de importância ou interesse como notícia. Esses valores são: “a morte”; “a notoriedade”; “a proximidade”; “a relevância”; “a novidade”; “o tempo”; “a notabilidade”; “o inesperado”; “o conflito ou a controvérsia”; e “a infração”. Já os “valores- notícia de seleção (critérios contextuais)” se referem à avaliação da qualidade de um acontecimento para a sua construção como notícia, que funcionam como linhas guia para a apresentação do material. Esses valores são: “a disponibilidade”; “o equilíbrio”; “a visualidade”; “a concorrência”; e “o dia noticioso”. E o segundo são os “valores-notícia de construção” os quais se referem a elementos de um acontecimento dignos de serem incluídos na elaboração da notícia. Entre esses critérios estão: “a simplificação”; “a amplificação”; “a relevância”; “a personalização”; “a dramatização” e “a consonância”. A seguir, especificamos melhor os critérios de noticiabilidade a partir da classificação de Traquina (2005b). Contudo, complementamos o pensamento do autor com os valores-notícia apresentados por Ponte (2005) e com algumas reflexões de Charaudeau (2009), a fim de aprofundarmos a compreensão dos valores-notícia mais usados pela comunidade jornalística:

“valores-notícia de seleção – critérios substantivos”:

- “morte e negatividade”: a morte é considerada um valor-notícia importante porque justifica o negativismo do mundo jornalístico apresentado em todos os momentos. Já a negatividade, de acordo com Ponte (2005), está ligada a outros critérios de noticiabilidade. A negatividade chama mais a atenção das pessoas porque trata do inesperado, raro e imprevisível. Quando associadas a spot news5, a negatividade, de acordo com van Dijk (1988a apud PONTE, 2005,

5Spot news podem ser entendidas como “últimas notícias” ou “notícias inesperadas”.

p.214), é importante para o processamento da informação cognitiva, emocional e social dos receptores. Pela perspectiva psicanalítica, a negatividade presente nas notícias revela nossos próprios medos; ver o sofrimento dos outros pode nos causar tensão ou alívio. Desse modo, esse critério de notíciabilidade atende as próprias necessidades humanas; - “notoriedade e significância”: a notoriedade é considerada um valor-notícia fundamental, pois se refere à importância do ator principal de um acontecimento. Já a significância está organizada por critérios de etnocentrismo e de relevância. Esta se refere ao que é importante, interessante e poderoso. Contém significados que interessam particularmente aos receptores. Já o etnocentrismo garante a proximidade cultural daquilo que é familiar. Dependendo de qual for os valores dominantes, os dois critérios servem para definir a identidade de cada grupo social (o eu e o outro). Para Charaudeau (2009), a importância na hierarquia dos acontecimentos impõe certo recorte do espaço público e certa configuração de um acontecimento; - “proximidade e amplitude”: o primeiro é um critério que valoriza a proximidade, principalmente, em termos geográficos, mas também em termos culturais. Quanto mais próximo, maior é o valor de um acontecimento. O segundo critério, a amplitude, corresponde a fatores ligados à distância e à afinidade cultural. A mídia tenta estar em todos os lugares ao mesmo tempo e usa recursos para descobri-lo e alcançá-lo. Segundo Charaudeau (2009), é o modo de tratamento da notícia que determina a distância ou proximidade do lugar do acontecimento; - “relevância”: refere-se à importância que um acontecimento pode ter na vida das pessoas; - “novidade”: refere-se ao surgimento de um novo acontecimento ou de um elemento novo de um acontecimento já noticiado; - “tempo” e “tempo do acontecimento ou frequência de sinal”: para Traquina (2005b), o “tempo” é um critério usado de diversas formas. Pode se referir à atualidade de um acontecimento, que também pode ser usada como um gancho para se falar de outro acontecimento. Além disso, o tempo pode ser usado como um gancho para se explicar a noticiabilidade de outro acontecimento que já foi publicado no passado, mas em uma mesma data específica. Exemplo: o dia 11 de setembro. Já de acordo com Ponte (2005), o “tempo do acontecimento ou a frequência do sinal” definem o enquadramento de um acontecimento no espaço e no tempo disponível na mídia. Eles precisam ter correspondência com o imaginário de criação de um sentido de atualidade (aqui e agora). É por isso que deve existir uma co- temporalidade entre produção e recepção das notícias. A atualidade guia as escolhas temáticas das notícias e explica, segundo Charaudeau (2009), a efemeridade e a-historicidade do

discurso midiático. A efemeridade da notícia é para evitar a saturação de temas e a- historicidade é porque a instância midiática tem dificuldade para olhar para o passado e o futuro. Essa visão superficial do tempo pelas mídias ocorre porque elas usam, segundo o mesmo autor (p.134), “o blefe da narratividade” o qual dá uma espessura temporal aparente para as notícias em detrimento da referencialidade do acontecimento;

- “notabilidade”: refere-se a qualquer aspecto de um acontecimento que pode ser manifesto. É a qualidade de ser visível ou de ser tangível. Por esse critério, vemos que o campo jornalístico está mais voltado para a cobertura de acontecimentos do que de problemáticas. A “notabilidade” pode se referir também à inversão (ao que é contrário do normal), ao insólito, ao excesso e à escassez. O valor-notícia “notabilidade” implica, de acordo com Traquina (2005b, p.85), “[...] um pressuposto sobre a natureza consensual da sociedade [porque ajuda] [...] a construir a sociedade como um consenso”;

- “inesperado e imprevisibilidade”: o primeiro diz respeito a acontecimentos que irrompem e que surpreendem a expectativa de jornalistas. Já o segundo tem como pressuposto que tudo o que é ordinário e esperado não chama a atenção do público, mas que o imprevisível exerce fascínio nos jornalistas e no público. A imprevisibilidade se refere a acontecimentos raros, muito improváveis e surpreendentes de ocorrerem. São acontecimentos que não são controláveis pela sociedade. Mas pode ser também algo inesperado como alguma novidade sobre o que já foi noticiado e/ou alguma surpresa. O inesperado compensa, mas também interage, com o significado e a consonância de um acontecimento, uma vez que ele tem algum significado e atrai a atenção das pessoas;

- “conflito ou controvérsia”: trata da violência física ou simbólica, por exemplo, uma discussão verbal entre lideres políticos. A violência também se refere à ruptura de uma ordem social; - “infração”: podemos entender como sendo a violação, a transgressão de regras normativas. A cobertura de alguns pormenores de certos eventos dramáticos é uma forma de dar um tratamento diferente à cobertura rotinizada do crime. Nesse critério, estão associados também acontecimentos que envolvem o escândalo como, por exemplo, o caso Watergate; valores-notícia de seleção – critérios contextuais:

- “disponibilidade”: refere-se à facilidade com que um acontecimento pode ser coberto ou não. Essa facilidade está ligada ao dispêndio que a empresa jornalística terá para noticiar um acontecimento (a empresa se pergunta se o acontecimento vale a pena); - “equilíbrio, complementaridade e continuidade”: o “equilíbrio” é, para Traquina (2005b) um critério que se refere à quantidade de notícias, ou seja, a frequência de um acontecimento e/ou assunto produzido por uma empresa jornalística. Já a “complementaridade”, na visão de Ponte (2005), trata da diversidade e o equilíbrio na visualização das notícias. Ela busca captar o receptor, sem saturar a sua atenção, por meio de uma variedade informativa. As rubricas apresentadas em cada jornal para o seu público também é um critério de complementaridade. Elas facilitam a leitura, mas também constroem representações culturais dos acontecimentos. E, por fim, a “continuidade”, apontada pela mesma autora, busca manter algo que se instalou como notícia e permaneceu em destaque na agenda midiática mesmo perdendo a amplitude. A “continuidade” se refere também à concorrência, à autorreferência das mídias e à consonância, pois cada mídia segue um mesmo enquadramento na produção de notícias; - “visualidade”: refere à presença de elementos visuais como a fotografia ou o filme que devem ter qualidade e expressividade. No jornalismo televisivo, a existência de material visual é fundamental; - “concorrência”: as empresas jornalísticas têm concorrentes diretos e indiretos, por isso, a busca pelo “furo” (a exclusividade) provoca a dinâmica dos concorrentes jornalísticos. De acordo com Bourdieu (1997 apud TRAQUINA, 2005b, p.89), “[...] o mundo dos jornalistas é um mundo dividido em que há conflitos, concorrências, hospitalidades”; - “o dia noticioso”: há dias com vários acontecimentos com valores-notícia e outros dias com poucos acontecimentos com valores-notícia. Um acontecimento concorre com outro. Por isso, a noticiabilidade de um evento depende do dia em que ele ocorre;

“valores-notícia de construção”: - “simplificação e clareza”: para o jornalismo, quanto menos ambiguidade e complexidade um acontecimento noticiado tiver, maior a sua chance de ser notado e compreendido. De acordo com Traquina (2005b, p.91), “[...] por simplificação, portanto, entendemos tornar a notícia menos ambígua, reduzir a natureza polissêmica do acontecimento”. Já a “clareza”, de acordo com Ponte (2005), tem como pressuposto que a simplificação das notícias reduz a polissemia dos significados. A construção de interpretações claras e não ambíguas dos acontecimentos indica o que é compatível ou não com os valores sociais;

- “amplificação”: quanto mais um acontecimento é abrangente (seja a amplificação do ato, do interveniente ou das supostas consequências do ato), mais probabilidade tem a notícia de ser notada; - “relevância”: nesse caso compete ao jornalista mostrar a importância/significância de um acontecimento. A notícia dá sentido ao acontecimento e o torna mais notável; - “personalização”: é um critério que é denominado da mesma forma por Traquina e Ponte. Na visão de Traquina (2005b), esse valor-notícia prioriza as pessoas envolvidas nos acontecimentos. A personalização da notícia aumenta a importância/noticiabilidade de um acontecimento. Na visão de Ponte (2005), uma notícia tem mais força quando o tratamento é feito em termos pessoais do que por meio de um conceito, um processo ou uma generalização. Muitas vezes, o critério de personalização é combinado com o critério de dramatização para apresentar acontecimentos envolvendo figuras públicas ou populares. O foco nas pessoas é uma estratégia que pode ocultar discussões sociais e econômicas. A personalização é uma maneira de representar os padrões culturais e sociais que as pessoas devem ser enquadradas/pensadas; - “dramatização”: reforça os aspectos mais críticos, a emoção e o conflito. Nesse critério, é comum vermos a utilização do sensacionalismo; - “consonância”: é um critério apresentado tanto por Traquina como por Ponte com a mesma denominação. Para Traquina (2005b), a notícia precisa ser interpretada a partir de um contexto conhecido para atender as expectativas do público. A notícia deve se enquadrar em uma “narrativa” já estabelecida. A consonância é considerada um valor-notícia importante porque justifica o negativismo do mundo jornalístico apresentado em todos os momentos. Já para Ponte (2005), é um critério que se refere à correspondência entre o que se percepciona e o que se espera percepcionar. É uma expectativa que pode ser prevista ou desejada e serve para o reconhecimento de uma ocorrência. As notícias, segundo Ponte (2005, p.206), devem reafirmar as normas sociais porque, desse modo, elas são mais facilmente compreendidas e aceitas por jornalistas e leitores (consenso de valores sociais). A consonância pode servir também para a construção social de estereótipos por meio do poder simbólico das palavras e de objetos que levam ao exagero e à distorção da realidade;

Por fim, um critério citado apenas por Ponte (2005) e que não se encontra nas reflexões de Traquina (2005b) é: - “a relação com as elites”: a mídia tende a centrar suas atenções nas elites ao invés das pessoas comuns, porque as ações daquelas têm mais consequências do que estas. Essa

situação ocorre também entre os diversos países, as nações elites têm mais espaço na mídia do que outras nações. Além disso, vemos que o acesso à mídia não é diversificado, porque a maior parte das notícias provém das fontes oficiais e institucionais. Por isso, de acordo com Fowler (1991 apud PONTE, 2005, p.211), são poucas as vozes com acesso à mídia. As fontes oficiais e institucionais impõem uma forma de enxergar a realidade que predomina socialmente. Por isso, ocorre uma concentração de interpretações do mundo social baseadas em algumas fontes, as quais podem estar em sintonia com as elites e o poder dominante.

Os critérios apresentados são os valores mais utilizados pela comunidade jornalística para avaliar a noticiabilidade dos acontecimentos. Os valores-notícia, em geral, são elementos fundamentais no trabalho jornalístico, eles revelam como os jornalistas enxergam e constroem o mundo. Os valores-notícia complementam-se no processo de produção noticiosa, cada um cumpre um papel específico. Um acontecimento transformado em notícia é segundo Wolf (1985 apud PONTE, 2005, p.216), “[...] o resultado de uma ponderação entre avaliações relativas a elementos de diferente peso, relevo e rigidez quanto aos processos produtivos”. De alguma forma, os valores-notícia estão ligados aos valores dominantes. Em cada circunstância/ocorrência, é possível vermos a presença de significados sociais diferentes combinados com determinados valores-notícias. Eles devem ser vistos, conforme assinala Fowler (1991 apud PONTE, 2005, p.218), não como marcas de seleção, mas sim como marcas de representação. Isso quer dizer que os critérios de noticiabilidade representam valores sociais de um determinado grupo social, no caso os jornalistas, inserido no jogo de forças sociais existentes.

1.6 O jornalismo em Portugal

Nossas reflexões sobre o jornalismo nos possibilitam a compreensão das condições a partir das quais as matérias são produzidas. Contudo, acreditamos que é importante também resgatarmos, brevemente, o desenvolvimento e alguns dados atuais sobre o jornalismo em Portugal a fim de entendermos melhor as particularidades do contexto em que o jornal Expresso atua. Para tanto, devemos saber que o jornalismo lusitano se pauta pelo modelo de jornalismo ocidental. Esse formato jornalístico se desenvolve em contextos democráticos, ele se foca principalmente na veiculação de informações para os cidadãos. O jornalismo ocidental existe, de acordo com Sousa (1999, p.26), para controlar e influenciar o poder público, mas às vezes parece ocorrer o contrário, o poder público parece controlar o jornalismo.

De acordo com o Instituto da Comunicação Social de Portugal (2000), o surgimento do primeiro jornal português, denominado Gazeta, ocorreu em 1641, em que se veiculavam informações sobre a corte lusitana. A prática do jornalismo no país permaneceu nesse formato até o século XIX sem grandes mudanças. A evolução da atuação jornalística portuguesa ocorreu somente com a Revolução Liberal, em 1820, quando a censura estabelecida pelo Estado português e pela Inquisição da Igreja Católica foi substituída pela 1ª Lei de Imprensa que assegurava a liberdade de expressão. A partir dessa revolução, surgiu em 1835, na Ilha de São Miguel (Açores), o jornal Açoriano Oriental, o qual é considerado o veículo de comunicação mais antigo de Portugal. Mais tarde, houve o lançamento de novos títulos com algumas inovações no jornalístico português, como aconteceu com o Diário de Notícias, em 1864, ao introduzir anúncios em suas páginas e diminuir o preço de venda de suas publicações6. Nessa mesma linha, criaram-se outras publicações na segunda metade do século XIX como: O Comércio do Porto, O Primeiro de Janeiro, Jornal de Notícias, Jornal de Comércio e O Século. Essas publicações são consideradas, de acordo com o Instituto da Comunicação Social de Portugal (2000, p.91), “[...] grandes clássicos do jornalismo escrito português” porque existem até hoje, exceto o Jornal do Comércio e O Século.

Após a queda da Monarquia em Portugal, no início do século XX, o desenvolvimento do jornalismo impresso português foi um pouco limitado porque a Primeira República restringiu relativamente a liberdade de expressão dos meios de comunicação na época. Essa censura moderada era vista, por exemplo, nos espaços em branco dos jornais impressos no período da 1ª Guerra Mundial. Essa situação se acentuou no período da Ditadura Militar Portuguesa, de 1928 a 1933, e se agravou ainda mais com a ditadura de Salazar (denominada de Estado Novo) a qual estabeleceu a censura prévia entre 1933 até 1974, quando ocorreu um golpe de Estado (o chamado 25 de Abril) que pôs fim ao regime.

No pós 25 de abril, os meios de comunicação portugueses passaram por intensas transformações. Foi um período de conflitos entre partidos políticos portugueses, com posicionamentos sociais diversos, que se refletiram nos veículos de comunicação. Em cada um deles, aumentaram-se os confrontos internos que atingiram grandes proporções como aconteceu, em 1975, no “caso República”7. Essas discussões no seio da Comunicação Social

6 Conforme indicamos anteriormente nesse mesmo capítulo, na parte “A construção do campo jornalístico”, o Diário de Notícias foi o primeiro jornal, em Portugal, que adotou o formato penny press (o qual encara o jornalismo como um negócio que rende lucros) e que passou a separar os fatos das opiniões. 7 O “caso República” foi uma manifestação de diversos setores da sociedade portuguesa que questionou a orientação política que estava sendo conduzida pelas Forças Armadas após a Revolução 25 de Abril. Foi um

portuguesa integravam a luta maior dos partidos políticos para a definição da situação política de Portugal. Os resultados apontaram o êxito de ideias democráticas e pluralistas como, segundo o Instituto da Comunicação Social de Portugal (2000, p.91), “[...] a produção de diplomas legislativos fundadores da nova moldura mediática, nomeadamente a Lei de Imprensa (1975) e a Constituição (1976)”. Apesar dessas conquistas, o novo governo português8 nacionalizou importantes jornais da imprensa portuguesa como O Século, O Jornal do Comércio, O Comércio do Porto, Diário Popular e . Havia também outros jornais que já dependiam do governo português antes da Revolução de 25 de Abril como: o Diário de Notícias, Jornal de Notícias e o Diário de Lisboa. Os únicos jornais que permaneceram na iniciativa privada, na época, foram os vespertinos República e O Primeiro de Janeiro.

Na década de 1980, toda a imprensa pertencente ao Estado português foi privatizada e desenvolveu-se um novo jornalismo com direcionamento popular. Esse gênero afirmou-se em publicações já existentes como A Capital e em novas publicações como Correio da Manhã e Tal & Qual. O novo formato jornalístico orientou a imprensa portuguesa a abordar novas reivindicações da opinião pública. Além disso, o desenvolvimento de jornais semanais que se tornaram meios de comunicação importantes é um fator que contribuiu para a evolução da imprensa portuguesa. Entre os principais semanários estão o Expresso, o Jornal, o Semanário e . Na década de 1990, contudo, extinguem-se as publicações vespertinas como o Diário de Lisboa e o Diário Popular, somente o vespertino A Capital permaneceu em atividade.

A entrada de Portugal na Comunidade Econômica Européia (CEE)9, ainda na década de 1980, foi uma das razões que motivou a intensificação do jornalismo econômico tanto na criação de suplementos econômicos quanto no lançamento de novas publicações especializadas na imprensa portuguesa. Nos anos 1990, outro fator evolutivo no jornalismo português foi a criação do diário Público o qual enriqueceu as publicações em formato momento em que se discutiu como deveriam ser tratadas as conquistas democráticas da revolução, assim como provocou um intenso debate em Portugal e também na Europa sobre conceitos como liberdade de expressão, controle social dos meios de comunicação e a intervenção do Estado na emergente democracia lusitana (GUINOTE et. al, 1997). 8 De acordo com os dados encontrados no site do Governo de Portugal (2011, p.1), esse novo governo foi liderado por Mário Soares, do Partido Socialista (PS), e ficou conhecido como o I Governo Constitucional no período de 1976 a 1978. 9 A Comunidade Econômica Européia (CEE) foi um acordo internacional, criado no Tratado de Roma em 1957, cujo objetivo foi estabelecer um mercado comum europeu. Contudo, a partir do Tratado de Maastricht em 1992, passou a denominar-se Comunidade Européia (CE) e criou-se também a União Européia (UE). Portugal entrou para a CEE em 1986 e continuou como membro após o Tratado de Maastricht.

qualitypaper. A partir de 1998, intensificou-se também o jornalismo de estilo popular- sensacionalista como o Diário 24 horas. Ainda na década de 1990, surgiram também algumas news magazines como a Grande Reportagem, a Visão, o Jornal e a revista Focus. Além disso, houve o lançamento de novas publicações voltadas para o público feminino como as revistas: Elle, Máxima, Activa e Cosmopolitan; a edição de revistas especializadas em economia como: Exame e Valor; e revistas sobre conteúdos televisivos devido ao aparecimento de canais televisivos privados.

Nos últimos anos, surgiram diversas publicações voltadas para novas temáticas, a fim de atender um público leitor cada vez mais diversificado em Portugal. De acordo com o Instituto da Comunicação Social de Portugal (2000, p.13), entre as dez maiores tiragens das publicações jornalísticas de Portugal no 1º semestre de 1999, estavam algumas revistas voltadas para o público feminino e para a sociedade e jornais de informação geral e desportivo. Dentre essas publicações, a revista Maria ocupava o 1º lugar com uma tiragem em torno de 353 mil exemplares e o jornal Expresso, estava no 5º lugar, com uma tiragem de 165 mil exemplares semanais, em um período em que já era considerado um jornal prestigiado em Portugal.

Uma característica do jornalismo português apontado por Sousa (1999, p.28), embora não existam pesquisas sobre o assunto, é que apesar da concorrência existente entre os jornais impressos de Portugal, eles apresentam um modelo padrão de temas e estilos abordados. Para o autor, a competição existente entre esses veículos de comunicação não assegura a diversidade de temas e estilos no jornalismo português. Ademais, o mesmo autor (p. 40), diz que embora o jornalismo em Portugal se paute pelo jornalismo ocidental, o qual acredita que a função social dos jornalistas é a missão cívica de vigiar o poder (ser um “cão de guarda”), há espaço para um envolvimento passional e opinativo na produção de notícias entre os jornalistas portugueses como acontece, por exemplo, com a atuação de Miguel Sousa Tavares10.

De acordo com uma pesquisa realizada por Garcia (1998 apud SOUSA, 1999, p.18), verificou-se o perfil dos jornalistas portugueses no cenário contemporâneo. Segundo ele, notou-se: certa feminilização da profissão em Portugal uma vez que as mulheres

10 De acordo com Mattos (2004, p.1), Miguel Sousa Tavares é um cronista politemático na mídia portuguesa. Ele já escreveu crônicas para meios de comunicação impressos como o Público, e Máxima. Além disso, Tavares é autor de diversas obras literárias. Atualmente, ele é colunista do jornal Expresso, escreve crônica para o jornal A Bola e apresenta o programa de entrevistas Sinais de Fogo, na emissora de televisão Sociedade Independente de Comunicação (SIC) em Portugal.

correspondiam a 32,8% das pessoas entrevistadas pela pesquisa; o aumento da formação universitária entre os jornalistas pesquisados, pois 68,5% haviam frequentado ou concluído esse nível de ensino; o rejuvenescimento da categoria, já que 66% dos entrevistados tinham menos de 40 anos de idade; a maioria dos jornalistas portugueses, cerca de 58%, encontram- se na região metropolitana de Lisboa; os salários do profissionais no mercado jornalístico não são equivalentes, a pesquisa notou certa variação salarial entre eles; e os valores principais que os profissionais pesquisados compartilham são: primeiro a honestidade e o rigor, segundo a credibilidade e terceiro a objetividade e a imparcialidade. Acreditamos que a apresentação desses dados, levantados por Garcia, nos ajudam a conhecer um pouco mais o perfil dos jornalistas portugueses nos últimos anos.

A partir dos dados apresentados sobre o jornalismo português, vimos sua atuação histórica desde o século XVII até o século XXI. Contudo, cabe ressaltar que esse percurso foi marcado por longos períodos de restrições ao trabalho jornalístico e poucos períodos de desenvolvimento para o jornalismo português. Essas fases ocorreram durante o século XIX e nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI que coincidem com os períodos de mais democracia na história de Portugal. Notamos também que cada vez mais o perfil dos jornalistas portugueses tem se tornado diversificado e com certo grau de profissionalização. Por essas características, é possível dizermos que o jornalismo português tem consolidado sua atuação no país nos últimos anos.

1.6.1 A agência de notícia Lusa

Muitas matérias publicadas na mídia portuguesa são produzidas pela Agência de Notícias de Portugal (Lusa). De acordo com o Instituto da Comunicação Social de Portugal (2000, p.16), ela é a única agência de notícias do país e seu capital social pertence, na maior parte (97%), ao Estado português. A sede fica em Lisboa, mas a rede de cobertura da agência se estende a seis delegações em algumas das principais cidades de Portugal, aos seus correspondentes no país e aos seus representantes em outros 35 países. Diariamente, a agência oferece um conjunto de notícias e reportagens locais e internacionais que são utilizadas por diversos órgãos de informação em Portugal e no exterior. Por ser uma agência de prestação de serviço público, segundo o acordo estabelecido entre a Lusa e o Estado português em 1998, a mesma deve assegurar a cobertura informativa regional e nacional de acontecimentos ligados à União Européia, aos países de língua portuguesa e com comunidades portuguesas no

exterior. Além disso, a Lusa é membro da Aliança das Agências de Informação de Língua Portuguesa (ALP), também desde 1998, cujo objetivo principal é, segundo o Instituto da Comunicação Social de Portugal (2000, p.17), “[...] o intercâmbio e cooperação entre os seus associados e a ‘difusão de um serviço noticioso de âmbito mundial que sirva e suporte os objectivos definidos para a CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa’ [...]”.

Entre os propósitos de atuação da agência Lusa percebemos que um de seus objetivos é construir informações sobre países de língua portuguesa entre os quais se inclui o Brasil. A partir disso, podemos considerar que nosso país e as relações luso-brasileiras recebem atenção especial nas matérias que são produzidas por essa agência e que são publicadas pelo jornal Expresso11 e a mídia portuguesa em geral. Dessa forma, acreditamos que é importante levarmos em consideração a atuação dessa agência na produção de notícias/reportagens sobre as relações entre brasileiros e portugueses, em que se inclui a mulher brasileira, para as análises que empreendemos no quarto capítulo desta dissertação. As notícias e reportagens produzidas pela Lusa, publicadas no jornal Expresso, podem apresentar em seu discurso alguns sentidos que (des)constroem as representações da mulher brasileira no imaginário português.

. . .

As reflexões sobre o campo e a atuação jornalística apresentadas neste capítulo nos explicam as CPs do jornalismo. Por elas, vimos o papel e o tipo de poder que a mídia tem em sociedade por meio da Teoria Social da Mídia. É uma fundamentação teórica que nos elucida aonde se localiza o jornalismo em sociedade, mas cujas propriedades foram mostradas, principalmente, pelas Teorias do Jornalismo e da Notícia. Nesse caminho, apresentamos como se desenvolveu e se estruturou o campo jornalístico para exercer seu papel social de informar os cidadãos sobre os acontecimentos. Em seguida, indicamos como as diversas Teorias do Jornalismo e da Notícia pensam a atuação jornalística, cada uma com suas contribuições e limitações. Mostramos também os principais desafios que a atualidade (principalmente as

11 Entre as matérias do jornal Expresso analisadas no quarto capítulo, notamos que das oito notícias/reportagens selecionadas, quatro delas têm como fonte a agência Lusa que são: Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritariamente brasileiras e de Leste; Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras; Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos; e Fátima: Maior Problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações.

tecnologias) impõe para o campo e para a atuação jornalística. Apontamos ainda, frente a uma realidade repleta de acontecimentos, como os jornalistas selecionam e transformam acontecimentos em notícias por meio dos critérios de noticiabilidade ou valores-notícia que aperfeiçoam o trabalho jornalístico. E por último, aprofundamos ainda mais nossa compreensão da atividade jornalística, ao apresentarmos o contexto histórico e alguns dados atuais do Jornalismo português e a atuação da agência de notícias Lusa. São pensamentos que elucidam o contexto mais próximo em que o jornal Expresso atua.

Esse percurso nos mostrou que existe uma série de fatores que condicionam a construção das notícias e reportagem pelo jornalismo como: as fontes; as organizações jornalísticas; a rotina jornalística; as pressões externas, os critérios de noticiabilidade; as preferências pessoais dos jornalistas, etc. São condicionantes diversas que constroem as matérias jornalísticas, as quais oferecem diversos enunciados que influenciam a percepção que as pessoas têm da realidade. Entretanto, esses atos de linguagem se referem a visões que os jornalistas têm da realidade influenciadas pelo contexto social em que esses profissionais estão inseridos e que não são notadas por uma leitura desatenta. Dessa forma, precisamos identificar os posicionamentos que os jornalistas têm sobre a realidade por meio de um método de análise adequado.

Para tanto, recorremos às ferramentas teórico-metodológicas oferecidas pela Análise do Discurso (AD), na linha francesa de estudos de Pêcheux. Ela nos possibilita analisar os posicionamentos ideológicos que os jornalistas imprimem em seus discursos em um determinado contexto social. Pela produção enunciativa jornalística avistamos, no quarto capítulo, como o discurso do jornal Expresso (des)constrói as representações sobre a mulher brasileira no contexto da sociedade portuguesa e observamos como os jornalistas articulam seus discursos sobre a prostituição e a violência em relação à clandestinidade a que mulheres imigrantes brasileiras estão associadas em Portugal. Por isso, no segundo capítulo, explicamos as propriedades da AD e o modo como a utilizamos em nossas análises das materias do jornal Expresso.

Capítulo 2: Análise do Discurso Francesa – do caráter social da linguagem à constituição de um corpus na Análise do Discurso Francesa

Escolhemos trabalhar com a Análise do Discurso (AD), na linha francesa de estudos de Pêcheux12, a qual denominamos no presente trabalho de Análise do Discurso Francesa, porque ela é um método que nos permite levar em consideração as Condições de Produção (CPs), ou seja, o contexto social em que as notícias são produzidas a fim de identificarmos os posicionamentos que os jornalistas imprimem em seus discursos. No capítulo anterior, mostramos quais são e como funcionam as condições em que os jornalistas produzem seus enunciados por meio da Teoria Social da Mídia e, principalmente, pelas Teorias do Jornalismo e da Notícia. Por elas, vimos que diversos fatores como a ação pessoal dos jornalistas, a organização jornalística, a ação social do jornalismo, as fontes, os critérios de noticiabilidade, a comunidade jornalística e outros influenciam a construção das matérias que apresentam determinada visão acerca da realidade. Por elas, podemos identificar qual é a visão dos jornalistas acerca de um determinado tema.

Entretanto, essa identificação não ocorre por meio de uma leitura simples das notícias e reportagens, precisamos adotar métodos específicos para realizar isso. Desse modo, escolhemos uma das metodologias que tornam essa análise possível que é a AD Francesa. Ela possui ferramentas teórico-metodológicas que identificam o posicionamento que cada grupo ou classe social assume em seu discurso, levando-se em consideração as condições em que ele foi produzido. Para a AD, os posicionamentos que um grupo ou classe ocupa no jogo de forças sociais lhe oferecem uma forma de enxergar e organizar o mundo (uma ideologia) a partir da qual eles produzem seus discursos. O papel dessa metodologia é fornecer instrumentos de análise que permitem identificar esses posicionamentos, os quais, em nossa pesquisa, chamamos de posicionamentos ideológico-discursivos. Isso porque eles são posicionamentos que revelam um modo de enxergar e organizar a realidade (uma ideologia) de um grupo ou classe social por meio de sua produção discursiva. Contudo, o emprego dessas ferramentas teórico-metodológicas não exige apenas essa definição e explicação. A AD é um método de análise com uma trajetória e características próprias que devemos levar em conta para aplicá-la em nossas análises.

Por isso, no presente capítulo apresentamos a construção da AD Francesa na esfera do conhecimento e suas propriedades. Nossas reflexões iniciam-se com a abordagem sobre o caráter social da linguagem em que mostramos como os estudos linguísticos passaram a se

12 Reconhecemos que há diversas linhas de estudos discursivos, atualmente, tanto na França como em outros países. Contudo, no presente trabalho denominamos de “Análise do Discurso Francesa” os estudos discursivos sistematizados por Pêcheux com contribuições de Althusser, Foucault e seguidos, de certa forma, por Maingueneau, Charaudeau, entre outros autores na França e por Brandão, Orlandi, entre outros autores no Brasil.

preocupar com a exterioridade da linguagem. Em seguida, apresentamos como se desenvolveram os primeiros estudos sobre as significações até chegarmos à AD. Nesse ponto, elucidamos como foi a longa trajetória de construção da AD Francesa na esfera do conhecimento. Indicamos a partir de que áreas do conhecimento surgiu a AD e suas particularidades. Apontamos também as reflexões de alguns autores como Althusser sobre a ideologia e Foucault sobre o discurso que Pêcheux (o sistematizador da AD13) usou para o desenvolvimento dos estudos da AD Francesa. Após isso, mostramos as três épocas de trabalho da AD do autor na sistematização da AD Francesa e os principais conceitos teóricos dessa área do conhecimento que são: as Condições de Produção (CPs), o interdiscurso e o esquecimento e Formação Ideológica (FI) e Formação Discursiva (FD). Ademais, apresentamos a importância que a AD e suas propriedades têm para o campo da comunicação e suas pesquisas. Por último, tendo em consideração toda essa abordagem, apresentamos a forma como usamos a AD em nossa pesquisa e como constituímos nosso corpus de análise.

2.1 O caráter social da linguagem

A proposta da AD Francesa de levar em consideração as CPs de um ato de linguagem é uma característica que transformou os estudos linguísticos. Para apresentar essas propriedades, a AD precisou superar uma série de obstáculos que impediam que os estudos linguísticos fossem considerados dessa maneira. Ela precisou mobilizar uma série de reflexões que sustentam a linguagem ligada à sua exterioridade. Por isso, demonstramos como ocorreu esse desenvolvimento a fim de compreender melhor a AD e, após isso, apresentamos suas propriedades e dispositivos de análise.

Os estudos linguísticos nem sempre levaram em consideração a linguagem e a influência que um contexto social exerce sobre ela. Os primeiros estudos da área ocorreram com Saussure que introduziu a ideia dicotômica entre a língua e a fala. É uma concepção que vê a língua como um sistema de signos que oferece os elementos necessários para a realização da fala sem que essa fosse considerada em si como um campo de estudos pela Linguística. No início, os pensamentos de Saussure trouxeram avanços para os estudos linguísticos, mas o

13 Segundo Baccega (1998), Michel Pêcheux foi o sistematizador da AD e não o seu fundador. Este foi Bakhtin ao inscrever a exterioridade da linguagem.

enfoque apenas na língua tornou as reflexões do autor limitadas. Um dos estudiosos que sentiu essa restrição foi Bakhtin, o qual foi um dos precursores dos estudos da fala. Esse autor procurou desenvolver melhor o pensamento saussuriano ao mostrar que, de acordo com Brandão (1996, p.9), “[...] a língua é um fato social cuja existência funda-se nas necessidades de comunicação”. Mais que isso, Bakhtin foi além do pensamento do “pai da Linguística” porque mostrou a importância da fala, ao conceber, de acordo com a mesma autora, “[...] a língua como algo concreto, fruto da manifestação individual de cada falante”. Por essa via, Bakhtin formulou a “Teoria do Enunciado” que reconhece que qualquer ato de linguagem leva em consideração tanto a matéria Linguística como o contexto da enunciação que corresponde à manifestação do real na linguagem. Desse modo, as reflexões bakhtinianas introduziram os estudos da linguagem cujo objeto é o enunciado e mostraram a importância da situação de enunciação para o entendimento de um ato de linguagem.

Os estudos de Bakhtin sobre o enunciado enxergam o ato de enunciação como um momento intersubjetivo em que o “Outro” tem influência na constituição de um significado. É o reconhecimento do social na linguagem que, assim como a língua, influencia uma situação de comunicação. Por essa perspectiva, Bakhtin mostrou a importância das ideias, segundo Gregolin e Baronas (2007, p.7), “[...] de heterogenidade, do dialogismo, da inscrição da discursividade em um conjunto de traços sócio-históricos em relação ao qual todo sujeito é obrigada a se situar”. Ao expressar-se, um indivíduo elabora o conteúdo de uma mensagem levando-se em consideração o contexto próximo de sua fala e os interlocutores à sua volta. É por isso que a Linguística não pode se reduzir à língua, ela precisa articular, em sua dimensão, o linguístico e o social.

Por esse caminho, é possível verificarmos as relações entre a linguagem e a ideologia14 porque, segundo Brandão (1996, p.10), “[...] a linguagem é um distanciamento entre a coisa representada e o signo que a representa. E é nessa distância, no interstício entre a coisa e sua representação sígnica que reside o ideológico”. É pela palavra que a ideologia se manifesta; a palavra é um signo ideológico porque possibilita diversas maneiras de significar a realidade segundo a visão de quem a utiliza. Ela reflete vozes de diferentes posicionamentos em jogo em uma sociedade que querem ser ouvidas. Pelo reconhecimento da importância do social na linguagem, foi possível ver que ela é o lugar no qual a ideologia se materializa.

14 Na presente dissertação, conceituamos o termo “ideologia” como “uma visão de mundo”, “uma forma de enxergar a realidade” ou “um modo de organizar o mundo, conforme entende a AD Francesa e que está explicada no presente capítulo, na seção em que apresentamos reflexões sobre a ideologia na AD Francesa.

Mais tarde, a ênfase ideológica dada ao signo foi confirmada também por Barthes ao definir a tarefa da Semiologia. Na visão dele, a ideologia não está somente nos temas, mas também, nas formas, ou seja, no funcionamento da linguagem, local onde a ideologia se concretiza.

Dessa forma, os estudos da área se ampliaram para além do sistema de Saussure, de língua e de fala. Essa nova dimensão de estudos é o discurso em que é possível trabalharmos como o nível linguístico e extralinguístico. É uma área em que se reconhece que as condições sócio-históricas (as Condições de Produção - CPs) constituem as significações. O discurso torna-se o ponto de encontro entre a ideologia e os acontecimentos linguísticos porque ele não é apenas um instrumento de comunicação, mas também um modo de produção social, é o lugar de manifestação da ideologia. O discurso, na visão de Braga (1980 apud BRANDÃO, 1996, p.12), “[...] é o sistema de suporte das representações ideológicas (...) é o ‘medium social’ em que se articulam e defrontam agentes coletivos e se consubstanciam relações interindividuais”. Por isso, a linguagem é um espaço de conflitos ideológicos, ela deve ser entendida dentro de um contexto sócio-histórico, ou seja, levando-se em conta suas CPs.

2.2 – O desenvolvimento dos estudos discursivos

Os primeiros estudos da AD ocorreram nos anos 1960, mas antes dela surgir houve estudos diversos que já tratavam da produção de sentidos ao longo do século XX. Um deles foi os estudos dos formalistas russos, nas décadas de 1920 e 1930, que viam no texto uma possibilidade de análise que não fosse por meio do método tradicional da Análise de Conteúdo (AC). A diferença entre o novo método que iria surgir, a AD, e a AC é que esta busca, de acordo com Orlandi (2003, p.17), extrair sentidos do texto respondendo “O quê este texto significa?” e a AD, para a qual não existe transparência na linguagem, identifica os sentidos do texto respondendo “Como este texto significa?”. Essa diferença de questionamento de um texto do termo “o quê” da AC para o termo “como”, que seria formulada pela AD, mostra o deslocamento que iria ocorrer nos estudos da área. A partir da AD, iria se verificar que o texto produzia um conhecimento próprio, porque a questão “como este texto significa” vê o texto, segundo a mesma autora (p.18), “[...] como tendo uma

materialidade simbólica própria e significativa, como tendo uma espessura semântica: ela [a questão] o concebe em sua discursividade”.

Outro precursor dos estudos do discurso foi o estruturalista15 Zelig S. Harris, na década de 1950, nos Estados Unidos. Em seus estudos, ele ampliou a análise de um texto de unidades menores, como as frases, para uma unidade maior que era o próprio texto (visto como uma frase longa). Por esse método chamado “distribucional”, o teórico realizava a análise de um texto da mesma forma que fazia com uma frase. Era uma forma reducionista de analisar o texto, pois esse método fazia perder sua especificidade, não o via como um todo com uma origem específica. Além disso, Harris, de acordo com Baccega (1998, p. 82), foi quem criou o termo “Análise do Discurso”, no início dos anos 1950, em seu livro denominado Discourse Analysis Reprints, no qual o termo se manifestava como uma expressão de Linguística, ainda não tratava das significações como é o caso da AD Francesa.

Os estudos de Emile Benveniste também apresentaram reflexões importantes aos estudos discursivos. O autor mostrou que o sujeito falante ocupa um papel importante no processo de enunciação e que esse sujeito participa da produção de seus enunciados. Ao introduzir a noção, conforme Brandão (1996, p.16), de “[...] ‘posição’ do locutor, ele [Benveniste] levanta a questão da relação que se estabelece entre o locutor, seu enunciado e o mundo”. São reflexões que fundamentaram os estudos da AD sobre o posicionamento sócio- histórico que um enunciador ocupa.

Já o inglês M.K.A. Halliday, pensador do estruturalismo europeu, ao contrário de Harris, via o texto como uma unidade para a análise da linguagem. Para ele, o texto, segundo Orlandi (2003a, p.18), não é formado por sentenças, mas sim é realizado por elas. É uma perspectiva que inverteu os estudos linguísticos. Foi uma consideração importante para a AD, mas ele não via o discurso como o lugar de materialização da ideologia, por isso, se tornou limitada.

15 O Estruturalismo, uma vertente teórica que surgiu durante o século XX na área de Ciências Humanas e foi influenciada pela Teoria Linguística de Saussure, entende que a sociedade é constituída por um conjunto formal de relações.

2.3 A construção da Análise do Discurso Francesa na esfera do conhecimento

Ao levarmos em consideração o caráter social da linguagem e o desenvolvimento dos estudos discursivos, temos na década de 1960, na França, o surgimento da AD a partir da confluência de três áreas do conhecimento: a Línguística, o Marxismo e a Psicanálise. A explicação para essa convergência é que:

Daí conjugando a língua com a história na produção de sentidos, esses estudos do discurso trabalham o que vai se chamar a forma material (não abstrata como a Linguística) que é a forma encarnada na história para produzir sentidos: essa forma é portanto lingüístico-histórica (ORLANDI, 2003a, p.19).

Na AD, a língua não é só vista como estrutura, mas também como acontecimento. Ambas características tornam possível a materialização da linguagem,na qual o indivíduo, afetado pela história, se constitui em sujeito de seu discurso. E a contribuição da Psicanálise está na explicação de como um individuo se torna sujeito de seu discurso.

Essa confluência de disciplinas possibilitou a AD estabelecer três considerações que, de acordo com Orlandi (2003a), são:

a) A língua é um sistema com autonomia relativa e deve ser analisada no contexto de sua produção em que o sujeito de um discurso se encontra (Linguística);

b) A história é influenciada pelo simbólico, seus fatos são portadores de sentidos (Materialismo Histórico - Marxismo);

c) Tanto o inconsciente como a ideologia afetam um sujeito discursivo, mas sem que esse tenha noção de como elas influenciam sua produção discursiva (Psicanálise);

Por essas considerações, a AD explica que as palavras proferidas carregam consigo sentidos que foram constituídos há muito tempo e que têm significados, de acordo com Orlandi (2003a, p.19), “[...] em nós e para nós [...]”.

A Linguística, o Marxismo e a Psicanálise são as disciplinas base a partir das quais nasceu a AD Francesa, um novo campo do conhecimento, com um novo objeto de estudo que é o discurso. Ela se interessa pelas diferentes formas de significação que a linguagem possibilita. Desse modo, a AD verifica como a significação ocorre no discurso, ela busca analisá-lo. A palavra “discurso” concentra a ideia, em sua raiz etimológica, de curso e de movimento que quer dizer, de acordo com Orlandi (2003, p.15), “[...] palavra em movimento, prática de linguagem [...]”. Por isso, o estudo do discurso, ao qual a AD Francesa se propõe, é a observação, de acordo com a mesma autora, “[...] [do] homem falando [...]”.

Dessa forma, o objetivo da AD Francesa é entender a linguagem produzindo sentidos em um contexto sócio-histórico. Para a AD, a linguagem, ou seja, o discurso é o meio a partir do qual o homem cria significados que interferem na realidade. O discurso é a função simbólica que ajuda a construir a própria existência humana. É uma pespectiva que se interessa pela língua em movimento, correndo pelo mundo na fala dos homens e produzindo sentidos entre eles. Por isso, essa vertente considera o homem em sua história, que torna possível a análise das CPs de um enunciado. Ao relacionar a linguagem à sua exterioridade, a AD permite-nos identificar as regularidades de uma produção discursiva. Por tudo isso, de acordo com Orlandi, (2003a, p.16), “[...] os estudos discursivos visam pensar o sentido dimensionado no tempo e no espaço das práticas do homem, descentrando a noção de sujeito e relativizando a autonomia do objeto da Linguística”. A AD estabelece uma relação entre língua-discurso-ideologia porque reconhece que a terceira depende da segunda que depende da primeira para se concretizar. É uma ligação que é realizada pelo sujeito, elo que une esses três elementos, pois como diz Pêcheux (1975), o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e faz a língua produzir sentidos.

A partir dessas reflexões, a AD estabeleceu a relação da língua com o seu contexto sócio- histórico e por meio dos estudos de Pêcheux, segundo Brandão (1996, p.18), ela mostrou a importância dos conceitos de ideologia e discurso. O primeiro conceito é tributário das reflexões de Althusser sobre os “Aparelhos Ideológicos de Estado” do qual Pêcheux usou o conceito de “formação ideológica”. Já o segundo conceito vem de Foucault, de sua obra Arqueologia do Saber, da qual Pêcheux usou a expressão “formação discursiva” para um emprego específico nos estudos do discurso. São noções essenciais que passamos a explicar, mais especificamente, como influenciaram os estudos da AD.

2.3.1 Ideologia

O conceito de ideologia, elaborado por Pêcheux, vêm da obra Ideologia e aparelhos ideológicos do estado (1970), de Althusser, em que o autor, influenciado pelo pensamento marxista, diz que a ideologia é um dos instrumentos usados pela classe dominante para a perpetuação e a manutenção do poder. De acordo com Althusser, o uso da ideologia para prática do poder por uma classe dominante ocorre com a ajuda do Estado por meio dos Aparelhos Repressores (ARE), como o Exército e os Tribunais, que exercem repressão, e pelos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), como a Escola e a Família, que aplicam a ideologia. Por esses aparelhos, na visão do autor, é possível submeter a classe dominada ao poder da classe dominante. Nesse ponto, o papel da ideologia, exercida por meio dos AIE, seria a manutenção das relações de produção e exploração.

As reflexões althusserianas, usadas por Pêcheux nos estudos discursivos, são provenientes da conceitualização que Althusser realizou sobre a “ideologia em geral”, a partir de três hipóteses (BRANDÃO, 1996):

a) Althusser acredita que a ideologia faz a mediação entre o pensamento dos indivíduos e a realidade em que vivem. Ele acredita que a relação dos indivíduos com a realidade é imaginária; b) Ele considera também que a ideologia é algo concreto porque se materializa em um aparelho ideológico de Estado e em suas práticas. O autor acredita que as ideias de um indivíduo existem em seus atos porque, com a ajuda dos AIEs, ganham materialidade; c) Para o autor, os indivíduos se tornam sujeitos porque são interpelados pela ideologia. Isso quer dizer que os indivíduos ao inserirem, de acordo com Brandão (1996, p.23), “[...] as práticas reguladas pelos aparelhos ideológicos” em suas ações, são influenciados pela ideologia que os transforma em sujeitos;

Por essas reflexões, Pêcheux elaborou o conceito de ideologia na dimensão da AD Francesa. Para o teórico, toda produção discursiva carrega em si uma ideologia que provém de um posicionamento social que um grupo, uma classe ou instituição se encontra. Dessa forma, o autor quer dizer que todo discurso é institucionalizado e provém de uma forma de enxergar e organizar a realidade (uma ideologia).

A partir dessas considerações, Brandão (1996) também nos explica o que é a ideologia na AD Francesa tendo como base o pensamento de Marx, Althusser e Ricouer. Para a autora, há duas noções de ideologia, sendo a primeira uma visão marxista, compartilhada por Althusser, que enxerga a ideologia como algo mais específico. É uma concepção que a entende como algo que faz desaparecer as contradições que existem em uma realidade social. Para que isso seja possível, a visão marxista acredita que há um discurso ideológico que usa diversos mecanismos para legitimar o poder de um grupo ou classe social. Já a segunda concepção é mais ampla e baseada nas reflexões de Ricouer, a qual entende a ideologia como uma visão de mundo de uma determinada comunidade social em um determinado momento histórico. É uma noção que apresenta a relação entre linguagem e ideologia porque mostra que a linguagem é uma das formas mais importantes pelas quais a ideologia se concretiza. Essa segunda vertente nega a ideia da primeira vertente, da ideologia como dissimulação, porque acredita que todos os discursos são ideológicos. A segunda versão enxerga a ideologia, nas palavras de Brandão (1996, p.27), “[...] como algo inerente ao signo em geral [...]”, pois acredita que pela arbitrariedade do signo, a linguagem pode ser usada tanto para a produção de sentidos (exemplo: criar algo) ou para construir referências manipuladas (exemplo: eliminar contradições).

Ainda na visão da mesma autora, essas duas concepções se complementam se a ideologia for vista, como uma forma de se conceber o mundo. Embora essa maneira de enxergar o mundo (influenciada pela subjetividade) possa ser legítima, ela pode não ter correspondência com a realidade, é um modo de se pensar e de se organizar o mundo que pode ser incompatível com a realidade e pode se manifestar de forma inconsciente. Nesse ponto, usando o pensamento de Ricouer sobre ideologia, Brandão acredita que pensamos e agimos a partir do funcionamento da ideologia que há por trás de nós e sobre qual, muitas vezes, não temos consciência porque não o tematizamos. Contudo, a autora reconhece também que uma ideologia pode ser construída de modo intencional, conscientemente, como acontece com os discursos institucionalizados (Exemplo: o discurso político e o discurso religioso). Nesses discursos, ocorre a manipulação de certos dados que impendem que a realidade seja apresentada de modo completo como acontece em relação às contradições sociais existentes. Ao selecionar e mudar os dados de uma realidade, ainda na esteira de pensamento de Brandão (1996, p.27), “[...] a ideologia escamoteia o modo de ser do mundo”. Ela é um recorte, normalmente, de uma instituição ou classe social em um determinado contexto sobre a realidade que mostra assim, de modo enviesado, uma perspectiva de mundo.

Por essas reflexões, vemos que para AD a ideologia é uma concepção de mundo, organizada por um determinado grupo, classe ou instituição em um determinado contexto sócio-histórico sobre a realidade que se manifesta nos seus discursos. Nesses termos, a ideologia, de acordo com Maingueneau (1997), é muito mais que um conjunto de “representações mentais”, ela é, de fato, “um processo de organização” em que a realidade seria expressão dessa produção. É por isso que, em nossa pesquisa, entendemos o termo ideologia dentro da dimensão da AD que pode ser sintetizado como uma forma de se enxergar e organizar o mundo.

2.3.2 Discurso

Em relação ao discurso, Foucault apresentou diversos conceitos válidos para a AD. Contudo, suas reflexões não tinham a intenção de elaborar uma “Teoria do Discurso”, já que seu pensamento era voltado para a História e a Filosofia. Suas preocupações eram voltadas para as relações entre os saberes e os poderes na história da sociedade ocidental e, dessa forma, sua pesquisa ocorreu em várias direções. O projeto foucaultiano:

[...] buscou compreender a transformação histórica dos saberes que possibilitam o surgimento das “ciências humanas” na sua fase chamada de “arqueológica”, tentou compreender [também] as articulações entre os saberes e os poderes, na fase denominada de “genealógica”, [e ainda] investigou a construção histórica das subjetividades, em uma “ética e estética da existência” [...] (GREGOLIN, 2006, p. 54).

De alguma forma, essas temáticas estão ligadas às reflexões sobre o discurso. O autor vê o discurso como uma dispersão cujos elementos não têm uma unidade. Por essa perspectiva, segundo Brandão (1996), o papel da AD é buscar as regras (denominada por Foucault como “regras de formação”) que regem a formação dos discursos a fim de relatar a sua descontinuidade. Essas regras permitem verificar os elementos de um mesmo discurso que são: os objetos, os enunciados e os temas e as teorias16.

A identificação das regras de um discurso permite determinar a Formação Discursiva (FD) que é um sistema de relações entre os elementos de um discurso. Por essa identificação, podemos verificar a singularidade de uma FD e encontrar a sua regularidade. Na visão de

16 Referem-se às diversas estratégias que introduzem ou excluem os temas e as teorias em uma formação discursiva.

Foucault, segundo Brandão (1996), o discurso é uma família de enunciados que compõem uma FD e a análise de uma FD consiste na identificação dos enunciados que a constituem. O autor entende um enunciado, diferentemente da Linguística em que é visto como frase, como a unidade básica de uma produção discursiva. Para Foucault os enunciados são compostos por quatro características que são:

a) Referencialidade: diz respeito ao que um enunciado apresenta, é o que torna possível a forma como um objeto e suas relações aparecem nas frases. Um enunciado possibilita a existência de determinados objetos porque os concretiza por meio de seus conteúdos no tempo e no espaço; b) Relação do enunciado com o sujeito: para Foucault, o sujeito não é o fundador do seu pensamento e do objeto pensado. Na visão dele, esse processo não é contínuo, mas sim uma descontinuidade que se manifesta em um discurso. Com isso, podemos entender que o sujeito não é uma subjetividade fundadora, mas sim um espaço a ser preenchido por indivíduos ao formularem seus enunciados. No discurso, o sujeito é concretizado pela dispersão que resulta das diferentes posições que um indivíduo pode assumir ao produzir um enunciado. As reflexões de Foucault sobre o discurso com um campo em que, segundo Brandão (1996, p.30), “[...] diversas posições de subjetividade podem manifestar-se, redimensiona o papel do sujeito no processo de organização da linguagem, eliminando-o como fonte geradora de significações”; c) “Campo Adjacente” ou “Espaço Colateral”: o autor acredita que todo enunciado pertence a um determinado conjunto de enunciados. Para Foucault, não existe enunciado neutro e independente, ele sempre pertence a uma dimensão discursiva em que cada enunciado desempenha um determinado papel; d) Enunciado e Enunciação: refere-se à condição material que faz um enunciado surgir como objeto. Essa materialidade é caracterizada por Foucault por meio da distinção entre enunciado e enunciação. O primeiro ocorre sempre que alguém emite um conjunto de signos e no segundo não existe repetição, cada enunciação é singular porque ela depende da instituição a partir da qual se materializa. De acordo com Brandão (1996, p.31), “[...] enunciações diferentes podem encerrar o mesmo enunciado [...]”.

As reflexões de Foucault apresentaram diversas contribuições para a AD, mas concretização do discursivo no nível linguístico é uma explicação que o autor deixou para os linguistas elaborarem. Isso porque ele não via o discurso como um problema da Linguística.

Entre as contribuições foucaultianas para os estudos da linguagem estão: a ideia do discurso como prática ligada à formação dos saberes e à articulação do discurso com outras práticas não discursivas; a noção de “formação discursiva” que é determinada pelas “regras de formação”; a distinção entre enunciado e enunciação; a visualização do discurso como uma ação estratégica e polêmica; o reconhecimento de que o discurso é formulado a partir de um saber institucional que cria um determinado poder; e a noção de que toda produção discursiva, como fonte geradora de poder, deve ser controlada a fim de eliminar qualquer ameaça a esse poder.

2.3.3 A sistematização da Análise do Discurso por Pêcheux

As reflexões apresentadas por Althusser sobre a ideologia e por Foucault sobre o discurso foram muito importantes para o trabalho de Pêcheux no desenvolvimento da AD. Ele é considerado, de acordo com Baccega (1998), o sistematizador da AD. Por isso, apresentamos a trajetória de trabalho de Pêcheux e em que ponto o pensamento de Althusser e de Foucault contribuíram com seus estudos sobre a AD.

Pêcheux, de acordo com Gregolin (2006), buscou desenvolver a AD a partir da linguagem, do sujeito e da história e, por isso, dialogou, constantemente, com a Linguística, mas também manteve relações conflituosas com Saussure, Marx e Freud. A construção de uma “teoria materialista do discurso” por Pêcheux estava ligada a seu projeto político de intervenção na luta de classes sociais. Foi, desse modo, que Pêcheux tentou construir um método de análise (a análise automática) para a AD. Os estudos de Pêcheux estão divididos, segundo a mesma autora, em três épocas:

- Primeira Época: ocorreu a partir da década de 1960, um período conhecido como “a aventura teórica”. Iniciou-se com o livro Analyse Automatique Du Discours (1969) no qual o autor pensou a língua (na forma de sistema), com o suporte dos processos discursivos, ligando-a com o sujeito e a história. Em Pêcheux, na:

[...] concepção do objeto discurso cruzam-se Saussure (relido por Pêcheux), Marx (relido por Althusser) e Freud (relido por Lacan). As teses althusserianas sobre os aparelhos ideológicos e o assujeitamento propõem um sujeito atravessado pela ideologia e pelo inconsciente (um sujeito que não é a fonte nem a origem do dizer; que reproduz o já dito, o já-lá, o pré-construído)” (GREGOLIN, 2006, p. 61).

A proposta metodológica da “análise automática”, derivada do estruturalismo harrisiano17, buscou identificar enunciados produzidos pela “máquina discursiva”. Em sua auto-crítica, Pêcheux reconhece que os propósitos metodológicos adotados pela “análise automática” teve como resultado a identificação do mesmo sobre o outro, em que a análise priorizou a busca de invariâncias e de paráfrases. O reconhecimento dessas características metodológicas conduziu o autor à sua “segunda época”;

- Segunda Época: ocorreu no final da década de 1960 e durante a década de 1970. Nesse momento, o autor direcionou suas reflexões para a heteregoneidade, ao outro. É a chamada “época dos tateamentos”. Foi nesse período que Pêcheux, a partir da perspectiva marxista, desenvolveu um estudo crítico das reflexões foucaultianas sobre o discurso. O autor considerava que era pertinente usar o que havia de materialista no trabalho de Foucault. Isso foi possível no artigo Quadro Epistemológico Geral da AD, em 1975, em que Pêcheux e Fuchs, ao explicarem a vinculação da AD com o Materialismo Histórico, a Linguística, a Teoria do Discurso e a Psicanálise, trabalharam as reflexões materialistas de Foucault. Nesse trabalho, o autor elaborou também a “teoria dos dois esquecimentos” 18. Foi na obra Les Verites de La Palice19 que o autor propôs uma “teoria materialista do discurso”, tendo em conta duas considerações iniciais: a primeira é que a Semântica não é uma área da Linguística como outras áreas porque ela concentra as contradições que caracterizam a própria

17 Estudos desenvolvidos por Zelig S. Harris sobre a linguagem, conforme abordamos anteriormente, na página 63. 18 Apresentamos a definição dos dois esquecimentos mais adiante de acordo com as reflexões de Orlandi (2003a) e Pêcheux (1975). 19 O título em português dessa obra é “Semântica e Discurso” (1975) que foi traduzida por Eni P. Orlandi e é utilizada em nossas reflexões sobre a AD no presente capítulo (PÊCHEUX, 1975).

Linguística e a segunda é que, por ter essa característica, a Semântica é o ponto da Linguística que se aproxima da Filosofia ou mais especificamente do Materialismo Histórico. Nesse caminho, o autor fez um levantamento da situação da Linguística em que identificou três tendências: a formalista, a histórica e a linguística da fala. Pêcheux (1975) notou que elas se aproximam por meio de relações contraditórias, sendo um exemplo dessas contradições o objeto da Semântica que ele considerava como (1975, p.22), “[...] uma contradição entre sistema linguístico (a langue) e determinações não sistêmicas, que à margem do sistema, se opõem a ele e intervêm nele”. O autor não se propôs a resolver essa contradição, mas sim aprofundou sua análise por meio do Materialismo Histórico. Essa intervenção trouxe diversos questionamentos sobre a Linguística e seus próprios objetos na dimensão da “ciência das formações sociais”. Pêcheux tentou mostrar a ligação dos fenômenos linguísticos com a Filosofia Materialista, ao citar a contradição entre explicação e determinação. Podemos perceber essa contradição quando o autor diz que tanto o materialista como o idealista dispõem do mesmo sistema de língua para formular seus discursos, mas esses nunca são os mesmos.

Por essas reflexões, o autor apresentou duas concepções importantes: a primeira é de base linguística em que ele considerou que o sistema linguístico é um conjunto de estruturas fonológicas, morfológicas e sintáticas com certa autonomia e leis próprias. Já a segunda é uma concepção do processo ideológico-discursivo que, fundamentado pela base linguística, é produzido, de acordo com a ideia de Foucault sobre “sistema de formação”, a partir de uma série de regras que tornam possível a existência dos enunciados. Tendo clara essa distinção, Pêcheux acredita que a base linguística é um sistema invariante que possibilita a produção de discurso e os processos discursivos possibilitam a produção dos efeitos de sentidos de um discurso que se materializam pela língua. Desse modo, o autor entende que o discurso é o espaço em que surgem as significações, cujos sentidos são constituídos em uma FD. Ela é um dispositivo, assim como, as CPs e a Formação Ideológica (FI) que constituem a base teórica da AD e os principais mecanismos20 pelos quais analisamos as matérias do jornal Expresso. A obra Les Verites de La Palice, de Pêcheux, representou o espaço em que surgiram as principais reflexões da AD e também o fechamento do segundo ciclo do autor.

20 Mais adiante, explicamos o que é cada uma delas e como as utilizamos em nossas análises.

- Terceira Época: ocorreu de 1980 a 1983, em um contexto de crise das esquerdas francesas, que ficou conhecido como o período da “desconstrução dirigida”. Foi o momento em que Pêcheux se afastou das posições dogmáticas vinculadas à sua participação no Partido Comunista e se aproximou da Nova História e das teses foucaultianas. Por esse encontro, Pêcheux criticou a política e as posições derivadas da luta na teoria e abriu diversas discussões sobre o discurso, a interpretação, a estrutura e o acontecimento. Além disso, o encontro com a Nova História (em autores como Michel de Certeau, Jacques Le Goff e Pierre Nora), de acordo com Gregolin (2007, p.7), viabilizou a proposta da análise dos discursos cotidianos.

2.3.4 As Condições de Produção, o Interdiscurso e o Esquecimento

No primeiro capítulo, usamos o termo Condições de Produção (CPs) para explicar as condições a partir das quais os jornalistas produzem as notícias e reportagens, porque acreditamos que essa é uma forma de mostrarmos o que influencia o trabalho jornalístico. Já no segundo capítulo, dissemos que escolhemos utilizar a AD Francesa em nossas reflexões porque ela é uma metodologia que leva em conta o contexto sócio-histórico, ou seja, no qual um discurso é produzido. Tendo isso em vista, passamos a explicar o que são as CPs na visão da AD Francesa que tem o mesmo significado para nós toda vez que a empregamos em nossas reflexões. É uma noção importante porque por ela entendemos o contexto a partir do qual as matérias sobre a mulher brasileira na versão digital do jornal Expresso são produzidas. E em seguida, elucidamos o que é o interdiscurso, o que é o esquecimento e as relações que essas três noções mantêm entre si.

A ideia que o termo CPs encerra começou a ser desenvolvida a partir de alguns estudos na área da Psicologia Social e da Linguística durante o século XX. Eram noções que, de modo limitado, consideravam que as condições sociais de um ato de linguagem influenciavam em sua produção. No entanto, uma noção um pouco mais abrangente sobre isso surgiu somente na década de 1960 com os estudos de Pêcheux. Ele tentou elaborar uma noção empírica geral de CPs no modelo “informacional” da comunicação de Jakobson no qual pôs, segundo Brandão (1996, p.36), “[...] em cena os protagonistas do discurso e o seu ‘referente’ que permite compreender as condições (históricas) da produção de um discurso”. As reflexões do autor deram uma nova interpretação para os protagonistas do discurso porque deixou de considerar apenas sua presença física e passou a considerar a representação do lugar que eles

ocupam na estrutura de uma formação social. Para Pêcheux, cada indivíduo ocupa um determinado lugar no interior de uma instituição ou classe social que o leva a agir de determinada maneira. As relações que se estabelecem entre essas posições são concretizadas no discurso em que são representadas por, segundo Brandão (1996, p.36), “[...] formações imaginárias [...]” que atribuem a posição do emissor e do receptor e a imagem que cada um faz de si e do outro. Assim, ambos podem prever as representações de si e do outro e formular estratégias discursivas.

Entretanto, a definição de Pêcheux sobre CPs era, na visão de Courtine apud (1981 apud BRANDÃO, 1996) limitada porque Pêcheux manteve-se ligado às noções psicossociológicas sobre o termo. Para Courtine, os termos “imagem” e “formação imaginária” deveriam ser substituídos pela ideia de papel21. O autor propôs uma definição que rompeu com essas correntes, a noção de CPs passou a ter correspondência com, segundo Brandão (1996, p.37), “[...] à análise histórica das contradições ideológicas presentes na materialidade dos discursos e articulada teoricamente com o conceito de formação discursiva [FD]”.

Desse modo, podemos entender que as CPs são constituídas pelos sujeitos e pela situação em que ocorre a produção de um discurso. As CPs se referem às circunstâncias a partir das quais ocorre uma enunciação e são divididas por Orlandi (2003a) em contexto imediato e contexto amplo. O primeiro é o local próximo em que ocorre a produção de um discurso e o segundo é o contexto sócio-histórico e ideológico no qual se insere; esse contexto é a forma como uma sociedade e suas instituições estão organizadas e condicionam a elaboração de um determinado discurso. Nesse conjunto, temos também a participação da memória (o interdiscurso) que é responsável por fazer valer as CPs de um discurso.

A memória, também denominada como interdiscurso, se refere à utilização de discursos já enunciados em outros momentos, mas de modos diferentes. Isso quer dizer que a memória discursiva ou o saber discursivo nos possibilita, segundo Orlandi (2003a, p.31), “[...] todo dizer e que retorna sob a forma de pré-construído, o já dito que está na base do dizível, sustentando cada palavra”. A palavra não pode ser considerada uma propriedade particular, o significado de cada uma delas ocorre pela língua e pela história. Por isso, o interdiscurso oferece as falas a partir das quais o sujeito produz sentidos em uma situação discursiva.

21 De acordo com Brandão (1996), a noção de papel é usada nas “Teorias do Papel” que se insere na Sociologia de Parsons ou nas reflexões de Goffman sobre o “interacionismo psicológico”.

Em cada enunciação, há a relevância de certos fatores discursivos ao invés de outros para as condições de significação de um texto (o que é dito e o que não é dito). Dessa forma, identificamos o que no contexto de uma enunciação, segundo Orlandi (2000), devemos levar em conta para a constituição de um sentido. Ele é produzido em um discurso historicamente dado. O discurso não tem começo já que o sentido das palavras é proveniente de situações anteriores. A produção de sentidos depende da posição que o enunciador ocupa no jogo de forças sociais. Cada posição social corresponde a uma memória discursiva de um grupo ou classe social, uma vez que, de acordo com Possenti (2007, p.43), “[...] as formulações não nascem de um sujeito que apenas segue as regras de uma língua, mas do interdiscurso, vale dizer, as formulações estão sempre relacionadas a outras formulações”.

Na visão de Orlandi (2003a), a existência de um já-dito que torna possível todo dizer é a chave para entendermos como o discurso funciona e para compreendermos a relação do sujeito com a ideologia. Desse modo, a autora considera que existe uma relação entre o já-dito (o interdiscurso) e o que é dito (o intradiscurso), em um determinado momento, ou ainda de acordo com a mesma autora (p.32), “[...] a constituição de sentido e sua formulação”. O interdiscurso que é a “constituição do sentido” é mostrado por Courtine (1984 apud ORLANDI, 2003a) como um eixo vertical que concentra o já-dito que representa o dizível, e o intradiscurso, que é a “formulação” de um sentido, é apresentado como um eixo horizontal no qual se concentra o que estamos dizendo em uma determinada situação discursiva. Essa configuração do dizer é importante porque nos mostra que toda “formulação” do dizer (o intradiscurso) é determinada pela “constituição” do já-dito (o interdiscurso). A partir desse jogo é que são produzidos os sentidos.

Pela historicidade, o interdiscurso determina também o que, em um contexto de produção, é importante para o discurso. O funcionamento do interdiscurso anula a exterioridade de uma enunciação a fim de colocá-la no interior de um texto. O interdiscurso determina, segundo Pêcheux (1983 apud ORLANDI, 2003a, p.33), como “[...] um acontecimento histórico [...] é suscetível de vir a inscrever-se na continuidade interna, no espaço potencial de coerência próprio em uma memória”.

Ademais, não devemos confundir o interdiscurso com o intertexto, uma vez que o primeiro trata de formulações que já dissemos e já foram esquecidas, mas que influenciam o que dizemos e dão sentido às nossas palavras. No interdiscurso, de acordo com Courtine

(1984 apud ORLANDI, 2003a), a voz que fala não é identificada. Cada vez que enunciamos nos filiamos à rede de sentidos que não sabemos quais são e como fazemos isso. Essa aproximação fica a cargo da ideologia, do inconsciente e da história. Embora não tenhamos consciência de como elas influenciam nossa ligação com os sentidos, é certo que elas dependem da forma como nos relacionamos com a história e com a língua por meio da ideologia. Nesses termos, a proposta da AD é, segundo Orlandi (2003a, p.34), “[...] construir escutas que permitam levar em conta esses efeitos”. Para a AD, encontramos certos dizeres e certas formas de dizer em um discurso que podemos não encontrar em outros discursos, buscamos encontrar o não dito no que é dito que seria, segundo a mesma autora, “[...] como uma presença de uma ausência necessária”. Apesar do interdiscurso tratar de relações de sentido, assim como faz o intertexto, ambos são diferentes. O interdiscurso trata da memória afetada pelo esquecimento em um discurso e o intertexto refere-se à ligação de um texto com outros textos.

O esquecimento é determinante para o interdiscurso, pois quando produzimos um enunciado temos a ilusão de que somos o sujeito (o responsável) por essa produção. Isso ocorre, segundo Orlandi (2003a) e Pêcheux (1975) devido à existência de dois esquecimentos no discurso. O esquecimento número dois, da ordem da enunciação, diz respeito a nossas falas, as quais fazemos de uma maneira e não de outra. Esse esquecimento dá a impressão de realidade do nosso pensamento, é uma ilusão referencial. Já o esquecimento número um, conhecido como esquecimento ideológico, refere-se às consequências que a ideologia provoca em nosso inconsciente. Por ele, temos a ilusão de ser a fonte do que dizemos, mas, na realidade, recuperamos sentidos pré-existentes (o interdiscurso).

O discurso é algo dinâmico, está sempre em movimento, nós não somos o ponto de origem a partir do qual a línguagem e a história surgem. Elas já estão em andamento e os indivíduos servem apenas para a sua concretização. É dessa forma que se determinam os sujeitos e os sentidos. A constituição deles ocorre em parte pelo esquecimento porque a ilusão que ele promove possibilita o funcionamento dos sujeitos e a construção dos sentidos. De acordo com Orlandi (2003a, p.36), “[...] os sujeitos ‘esquecem’ o que já foi dito [...] para, ao se identificarem com o que dizem, se constituírem em sujeitos”. Eles precisam ter a ilusão de que eles são a fonte de seu discurso, que a mesma autora (2000) chama de “efeito-sujeito”, para que suas palavras adquiram sentidos. É pelo movimento dos sujeitos e dos sentidos que as palavras produzem diferentes significações.

2.3.5 Formação Ideológica e Formação Discursiva

Ao longo desse capítulo, enfatizamos, diversas vezes, que o discurso é um dos espaços nos quais a ideologia se materializa, embora não tenhamos consciência sobre isso ao produzirmos nossos discursos. Essa relação, torna essencial também trazermos às nossas discussões os conceitos de Formação Ideológica (FI) e Formação Discursiva (FD). Para elucidá-las, nos remetemos, de acordo com Pêcheux (1975), à parte do Materialismo Histórico que interessa aos estudos discursivos - a superestrutura ideológica (a qual corresponde ao sistema de produção dominante em uma sociedade). Ela e a materialidade econômica possibilitam a concretização e o funcionamento da ideologia. É a partir dessa perspectiva que Pêcheux, influenciado pelo trabalho de Althusser, representou a exterioridade da língua.

Uma das formas de funcionamento da ideologia é pela interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso. Ela convoca o indivíduo a tomar uma posição de um grupo ou classe social. Essas relações são constituídas e mantidas, na visão althusseriana, pelos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) que põem em jogo as práticas de cada classe ou grupo social. É, dessa maneira, que surgem as relações de classes as quais provocam, segundo Brandão (1996, p.38), “[...] [o] afrontamento de posições políticas e ideológicas que se organizam de forma a entreter entre si relações de aliança, de antagonismos ou de dominação [entre as classes]”. Nessa determinação de posicionamentos políticos e ideológicos, se constituem as Formações Ideológicas (FIs). Uma FI é um elemento de um AIE que age como uma força contra outras forças ideológicas existentes em uma sociedade. Mais especificamente uma FI pode ser entendida como, segundo Haroche et alli (1971, p.102, apud BRANDÃO, 1996, p.38), “[...] um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem ‘individuais’ nem ‘universais’ mas se relacionam mais ou menos diretamente a posição de classe em conflito umas em relação as outras”.

Uma FI é a forma como a ideologia se materializa no discurso e é composta por uma ou mais Formações Discursivas (FDs) ligadas entre si. O papel delas é regular, segundo a perspectiva de uma relação de classe, o que cada posição social em uma determinada conjuntura pode e deve dizer. A FD é o espaço em que ocorre a ligação entre a língua e o discurso. Na visão de Brandão (1996), uma FD encerra duas formas de funcionamento que são a paráfrase/a polissemia e o pré-construído.

a) A paráfrase e a polissemia: a primeira é um sistema presente em cada FD que por meio da retomada e da reformulação de enunciados busca o fechamento e a identidade de uma FD. Já a segunda exerce um papel oposto à paráfrase, ela desfaz os limites de uma FD ao misturar as fronteiras entre diversas FDs que leva à pluralidade de sentidos. b) O pré-construído: representa um dos principais pontos de articulação entre a Linguística e a Teoria do Discurso. É uma noção ligada ao interdiscurso que corresponde ao que já foi dito anteriormente e que influencia o que vai ser dito (o intradiscurso). O pré-construído se refere à existência de um Sujeito Universal no seio de uma FD que determina o que cada um pode dizer, conhecer e compreender. Por essa perspectiva, o pré-construído é um elemento incorporado pelo enunciador, em seu assujeitamento ideológico, quando ele se identifica com o Sujeito Universal de uma FD.

A FD tem o papel de regular os sentidos que os sujeitos falantes dão às palavras. Ela permite diversas formas de linguagem em uma mesma língua. É por isso que o fechamento de uma FD é instável, ou seja, não pode ser determinado. Ela é uma fronteira que se desloca, de acordo com o pensamento de Maingueneau (1997), em função dos embates de uma luta ideológica. A FD é considerada o lugar de trabalho do interdiscurso, pois incorpora todas as mudanças que ocorrem no jogo de forças sociais; ela não é uma apresentação estável de um grupo social. Todas as mudanças discursivas são captadas por uma FD e ficam à disposição para serem usadas pelos enunciadores de um determinado grupo ou classe social por meio do interdiscurso. Desse modo, cada FD tem uma memória discursiva que estabelece suas regularidades e seu interdiscurso.

Apesar das fronteiras instáveis de uma FD, a definição de sua identidade pode ser feita, de acordo com o mesmo autor, por meio da descoberta dos “pontos sensíveis” do metadiscurso de um locutor, já que esse recurso se refere à elaboração de um discurso sobre outro discurso. Uma FD concorre com outras em cada ato de enunciação, por isso, é importante diferenciá-las e definir sua identidade. Para a AD, uma operação metadiscursiva regula a enunciação às suas coerções imediatas ou gerais. A unidade de uma FD é feita, em primeiro lugar, pela glosa a qual faz acreditar que seja possível circunscrever a indeterminação do discurso, e, em segundo lugar, porque o encaminhamento a um exterior especificado ou a ser especificado de uma FD determina automaticamente seu interior. Este define seus pontos de divergência com seu exterior e assim marca seu território próprio em um campo de lutas. Contudo, o sujeito,

por meio de seu poder metadiscursivo, denega o lugar que uma FD se constitui e o identifica. O sujeito tem a ilusão de que ele é o agente construtor das fronteiras de uma FD.

Além disso, é possível classificarmos, ainda de acordo com Maingueneau (1997), as relações que ocorrem entre as FDs em um processo discursivo da seguinte forma: universo discursivo, campo discursivo e espaço discursivo. O primeiro pode ser entendido como o conjunto de FDs de todos os tipos que coexistem entre si, é um campo finito, mas impossível de ser dimensionado pela AD. O segundo é definido como um conjunto de FDs que são concorrentes e identificáveis em uma dada região enunciativa como, por exemplo, a área política. O recorte dos campos discursivos só deve decorrer de hipóteses explícitas. O terceiro delimita um subconjunto de um campo discursivo, em que é possível encontramos pelo menos duas FDs que mantém relações importantes para o entendimento dos discursos considerados. É uma classificação que nos mostra as relações existentes entre as FDs e permite-nos verificar como suas identidades são construídas. As FDs e suas relações não podem ser vistas de modo estanque, devemos entender que é na relação com o outro que elas se definem.

Ademais, a natureza de uma FD é heterogênea; ela é uma unidade, de acordo com Courtine (1982 apud BRANDÃO, 1996), cujo princípio de existência é baseado na contradição. Ela é o que permite o funcionamento da historicidade no discurso. Apesar de uma FD estabelecer as regularidades discursivas que homogeniza o que um falante pode e deve dizer, a heterogeneidade se expressa no interior de uma FD por meio das oposições entre os grupos e as classes sociais. Devemos lembrar que a FD é um espaço de diversas oposições (como a homogeneidade e a heterogeneidade, a unidade e a diversidade, etc.) que ao serem relatadas possibilitam definir, segundo Foucault (1986, p.187, apud BRANDÃO, 1996, p.40), “[...] o ponto em que elas [as oposições] se constituem, de definir a forma que assumem as relações que têm entre si e o domínio que elas comandam”. Por isso, o papel da AD Francesa é identificar as contradições ideológicas que se concretizam em um discurso, tendo em vista, sua relação com a língua e com a história. A AD é a metodologia que permite verificar, por meio de uma FD, como uma dispersão de textos inscritos na história pode se constituir em um espaço de regularidades discursivas.

2.4 A Análise do Discurso no campo da comunicação

A AD é uma metodologia muito importante para as pesquisas em comunicação. De acordo com Baccega (1998, p.81-82), a comunicação é um campo para o qual se convergem os discursos sociais e no qual se produzem “discursos outros” que, potencializados por dispositivos tecnológicos, se expandem por toda a sociedade e estimulam o silêncio. Essa metodologia é bastante útil para o campo da comunicação porque consegue ir além do intradiscurso de um texto, ela analisa as condições sócio-históricas em que os discursos são produzidos. Por isso, na opinião da autora, a AD pode ser usada em estudos na área de comunicação. Isso é possível porque a versão francesa da AD enxerga o campo da comunicação como um espaço de construções ideológico-discursivas em que as enunciações expressam os valores de um grupo ou classe no jogo de forças sociais. A AD vai ao texto para aprender a sua historicidade, ou seja, colocar os significados em relação de confronto de sentidos. Essa concepção é a base das relações de articulações da AD com o processo social da mediação feito pela mídia. De acordo com Baccega (1998), trabalhos como os de Orlandi e Charaudeau 22 são exemplos de estudos dessas articulações da AD com o campo da comunicação. Esse modo de análise é:

[...] uma teoria capaz de articular a investigação sobre o discurso às suas condições de produção [CPs], de circulação e consumo. Isto é, uma teoria que começa a estabelecer relações não mecânicas entre os diferentes níveis do processo de comunicação: da produção dos discursos como regime de propriedade dos meios, com os diferentes tipos de relação que com eles estabelecem os aparelhos de Estado e com as modalidades de decodificação e “respostas” dos distintos grupos sociais às mensagens recebidas. Mas isso exige recolocar não só as respostas que durante certo tempo nos vimos dando, mas também as perguntas a partir das quais interrogamos e formulamos problemas (MARTÍN-BARBERO apud BACCEGA, 1998, p. 91).

Dessa forma, como nossa pesquisa se insere na área da comunicação, vemos, pela perspectiva demonstrada por Martín-Barbero, a importância que a AD tem para nossa investigação. A introdução da metodologia da AD no campo da comunicação, de acordo com Baccega (1998), desloca as investigações comunicacionais realizadas no interior de um discurso em relação à constituição de sentido para os processos sócio-culturais mais abrangentes.

A mídia tem uma maneira própria de produzir as enunciações que apresenta. Ela impõe ao cidadão, segundo Charaudeau (2009, p.151), uma perspectiva de realidade

22 Autores que utilizamos em nossas reflexões como Orlandi (2000, 2003a e 2003b) e Charaudeau (2008 e 2009).

previamente construída, mas que é apresentada como uma visão natural de mundo. Os modos discursivos da mídia são divididos pelo autor em: acontecimento relatado, acontecimento comentado e acontecimento provocado. Vejamos, mais detalhadamente, o que o autor entende sobre esses modos discursivos midiáticos:

- acontecimento relatado: é a elaboração de uma temática por meio do discurso sob diferentes formas textuais como: o anúncio, a notificação, o relatório, etc. O relato propõe, de acordo com Charaudeau (2009, p. 175), uma perspectiva de realidade a partir da constatação, mesmo quando é algo inventado. O relato possibilita a identificação do receptor ao tomar conhecimento do que está sendo relatado. Existem dois tipos de acontecimentos relatados: fatos e ditos. O primeiro é objeto de uma descrição, de uma explicação ou de uma reação. O segundo já se refere à retomada, à repetição e à imitação do que outras pessoas dizem. Isso pode ser feito ao se apropriar, reconstituir, modificar e/ou inovar o que foi dito em seu próprio ato de enunciação e que constitui a identidade de um falante;

- acontecimento comentado: é a produção de questionamentos sobre alguma coisa que já foi relatada. O comentário constitui uma atividade que complementa o relato. Refere-se à possibilidade de analisar os motivos e as formas como as pessoas organizam o mundo e os fatos que são produzidos nesse espaço. De uma perspectiva discursiva, Foucault (2009, p.25- 26) considera que o comentário é o acaso do discurso porque possibilita dizer algo além do texto desde que o mesmo texto seja dito e realizado. Já na visão de Charraudeau (2009, p.176), o comentário propõe uma visão de realidade a partir da ordem explicativa. Ele coloca também ao leitor questionamentos, estimula-o a refletir. Compreende, basicamente, a análise e o comentário como vemos em produções textuais que trazem pontos de vistas (por exemplo: editoriais, investigações, reportagens, crônicas, etc.);

- acontecimento provocado: a mídia ocupa apenas uma parte do espaço público democrático, mas por esse espaço que ela ocupa constrói um espaço publico midiático que provoca o acontecimento. Podemos ver esse acontecimento em tribunas de opinião, entrevistas e debates. Nesses casos, ainda de acordo com Charaudeau (2009, p. 189), as falas convocadas devem ser exteriores à mídia, motivadas por um tema atual, justificadas pela identidade de quem fala (por exemplo, um especialista.), apresentadas por um representante da mídia (por exemplo, um entrevistador) e em um espaço de visibilidade apropriado (por exemplo, as páginas de opinião de um jornal impresso).

Pela classificação de Charaudeau (2009) sobre os modos discursivos que a mídia utiliza, fica mais fácil compreendermos as estratégias enunciativas midiáticas e também identificarmos em qual delas as notícias e as reportagens se inserem. Acreditamos que as notícias sejam acontecimentos relatados, já que tratam-se de constatações sobre diversas situações cotidianas. Entretanto, reconhecemos que haja acontecimentos comentados, já que o discurso jornalístico trabalha com posicionamentos ideológicos, sejam eles diretos (como no caso do editorial) ou indiretos (como no caso de uma enunciação considerada “objetiva” pela comunidade jornalística, mas em que identificamos seus posicionamentos ideológico- discursivos pelas ferramentas teórico-metodológicas da AD Francesa). Já as reportagens, pensamos que sejam “acotecimentos comentados” porque trazem uma visão explicativa da realidade e coloca alguns questionamentos ao leitor. Em relação aos “acontecimentos provocados”, conforme nos diz Charaudeau (2009), eles são comuns em espaços apropriados (como os editoriais de um jornal) Contudo, acreditamos que as notícias e as reportagens podem apresentar alguma estratégia discursiva relacionada a esse tipo de acontecimento como, por exemplo, quando convoca a fala de um especialista para tratar de determinado assunto.

No campo da comunicação, a interdiscursividade também está presente. De acordo com Baccega (1998, p.104), o comunicador é enunciador de um determinado discurso, mas no momento de sua elaboração, ele estará reproduzindo os diversos discursos que recebe, ou melhor, ele também é enunciatário. A comunicação se constitui por discursos de outros campos discursivos, por isso a pesquisa nessa área deve procurar:

[...] “os fios ideológicos” (expressão de Bakhtin) com as quais vem sendo tecida a inter-relação entre eles. Trata-se duma trama dialógica, presente na polifonia, que manifesta as relações macroestruturais com a vida cotidiana, fazendo aflorar a importância dos indivíduos/sujeitos de ambos os pólos, na configuração das verdades, dos valores que permeiam o imaginário, dos comportamentos que estão presentes no cotidiano das pessoas, dos grupos, das classes sociais. São essas verdades, esses valores e esses comportamentos que, formando a consciência social, ideológica e estética, vão atualizar as manifestações dos produtos da indústria cultural, ajudando a construir a história (BACCEGA, 1998, p. 104-105).

É um modo dos estudos comunicacionais identificarem enunciações pertencentes a determinadas Formaçoes Discursivas (FDs), dita de diferentes formas (o interdiscurso), que revelam os valores ideológicos, a Formação Ideológica (FI) presente no discurso da mídia. Afinal, ela vai muito além da economia e da tecnologia, ela produz o simbólico que constrói o

sentido social entre as pessoas. Por essa análise, podemos identificar o posicionamento ideológico da mídia que a faz utilizar determinados discursos ao invés de outros. Acreditamos que a AD é uma metodologia com vastos recursos que nos possibilitam análises muito ricas sobre o discurso midiático/jornalístico. É uma forma de trazermos à tona perspectivas sobre a mulher brasileira que uma leitura normal não poderia identificar.

É preciso considerar que a mídia trabalha com a informação que, segundo Charaudeau (2009, p. 19), é ligada à linguagem, a qual não é transparente. Para o mesmo autor, uma perspectiva teórica como a Teoria do Espelho que enxerga a mídia, ou mais especificamente a atividade jornalística, como espelho da realidade não tem validade, pois a mídia é um espelho que apresenta a realidade de modo deformante. Um enunciado não pode ser objetivo porque o enunciador não é sujeito do seu discurso. Na realidade, o posicionamento que um indivíduo ocupa, em um grupo ou classe social, é que determina aquilo que ele deve dizer. Contudo, o enunciador não tem consciência disso no momento de sua enunciação, ele cria a ilusão de ser o autor do seu próprio discurso. É por isso que os jornalistas pensam que são responsáveis pelo que dizem e que são isentos em suas afirmações. Essa ilusão ocorre, conforme apontamos anteriormente de acordo com as reflexões de Orlandi (2003a) e Pêcheux (1975), devido à existência de dois esquecimentos no discurso.

Na origem de toda a enunciação, existe a intenção do individuo de ser autor de seu discurso. É uma maneira de ele dar coerência e totalização a uma representação, pois assim, ele se constitui em autor de um texto. De acordo com Vignaux (1979 apud ORLANDI, 2000, p.56), a função do discurso é garantir a existência de certa representação e não produzir uma representação fiel da realidade. A ilusão do sujeito é algo necessário porque representa o sentido como algo transparente. O indivíduo precisa acreditar que ele tem “liberdade” para produzir seus discursos porque, na realidade, eles são controlados. A posição social que um indivíduo ocupa, ligada a certa FI de um grupo ou classe social, determina quais FDs que regularizam o que pode e deve ser dito em sua produção discursiva. Esse controle é denominado por Foucault (2009), de “ordem do discurso”. O indivíduo deve se assujeitar a essa ordem para se tornar sujeito do seu discurso.

Tendo isso em vista, podemos considerar que a AD desfaz essa ilusão do sujeito e nos revela posicionamentos que são ocultados pela linguagem. A AD nos mostra que a linguagem é opaca, por trás dela há posicionamentos ideológico-discursivos construídos por sujeitos que não têm consciência dessa produção. É a ilusão que cada um de nós temos, ao pensarmos que

somos a origem de nossa produção discursiva, quando na verdade essa produção é influenciada pelo posicionamento que ocupamos em sociedade com determinados valores ideológicos (FI) e determinadas regularidades discursivas (FD). A AD nos oferece a possibilidade de investigarmos a origem dessas construções e os sentidos que nossas enunciações produzem.

2.5 A constituição de um corpus na Análise do Discurso Francesa

Apesar das propriedades bem fundamentadas da AD, devemos ter em mente que nos últimos tempos ela tem enfrentado alguns desafios. De acordo com Maingueneau (1997, p.188), a AD constituída a partir dos estudos da Escola Francesa não é uma disciplina fugaz que surgiu, no contexto do Estruturalismo, da convergência entre o Marxismo, a Psicanálise e a Linguística com as quais deveria desaparecer. Na realidade, a AD não depende dessas disciplinas para continuar existindo, principalmente da Linguística. A AD precisa perceber a particularidade de sua própria existência e enfrentar o maior perigo que a cerca: ela tem que se livrar do sucesso e do entusiasmo que seu próprio nome provoca. Nesse ponto, o autor nos sugere que a AD deve delimitar suas fronteiras; ela deve excluir elementos externos a ela ao invés de se beneficiar de uma situação errônea que, em longo prazo, pode comprometer a sua própria existência.

Uma forma de delimitarmos as fronteiras da AD é considerarmos que, de acordo com Orlandi (2000, p.23), “[...] a possibilidade de análise em análise do discurso derivada da consideração do discurso como parte de um mecanismo em funcionamento, correspondente a certo lugar no interior de uma formação social”. A responsabilidade do analista do discurso é a formulação de uma questão que desencadeia a análise de um objeto simbólico. Por isso, os dispositivos teóricos da AD são os mesmos, mas os dispositivos analíticos não. Esses dependem da questão formulada, da natureza do material analisado e da finalidade de análise.

Por isso, consideramos que é importante demarcarmos a forma como a AD será utilizada em nossas análises para que não seja confundida com outros modos de investigação. Realizar uma “Análise do Discurso” como nos aponta Maingueneau (1997), pode ser visto como algo positivo e entusiástico, mas não é qualquer análise que, realmente, pode ser considerada como tal nos moldes como propõe a AD Francesa. Por isso, diante dessa situação,

procuramos delimitar bem do que trata nossa pesquisa e como constituímos nosso corpus de análise para que o mesmo não seja visto como algo fugaz.

Acreditamos que a AD na versão francesa é a opção metodológica mais adequada para nossa pesquisa porque ao identificarmos os sentidos das matérias23 sobre a mulher brasileira verificamos, de acordo com o nosso objetivo geral de pesquisa, se realmente os enunciados jornalísticos do Expresso, na versão digital, (des)constroem24 as representações da mulher brasileira no contexto da sociedade portuguesa e observaremos como os jornalistas articulam seus discursos sobre a prostituição e a violência em relação à clandestinidade a que mulheres imigrantes brasileiras estão associadas em Portugal.

O nosso problema de pesquisa está nas representações sobre a mulher brasileira apresentadas pelo jornal Expresso em Portugal. A imagem da mulher brasileira presente nos enunciados do Expresso difere do que realmente é? Os enunciados veiculados pelo jornal (des)constroem as representações da mulher brasileira no imaginário português? O discurso jornalístico do Expresso sobre prostituição e violência contribui e legitima a associação de mulheres imigrantes brasileiras à clandestinidade? Hipoteticamente, as marcas históricas de Brasil e Portugal engendraram formas de relacionamento entre ambos, carregadas de exploração, que se refletem na atualidade. Por isso, a imagem da mulher brasileira no contexto lusitano tem sido construída dentro dessa raiz histórica. A mídia portuguesa tem participado disso por meio de representações jornalísticas criando imagens, positivas ou negativas. Queremos entender a contribuição do jornal Expresso nesse processo, ao produzir notícias e reportagens que associam a mulher brasileira à clandestinidade. Compreender por meio de que Formações Discursivas (FDs) ele tem apresentado a mulher brasileira em Portugal.

Desse modo, as matérias a serem analisadas se referem às mulheres imigrantes brasileiras que vivem em Portugal, são prostitutas ou exercem outras ocupações profissionais e são abordadas pelo jornal Expresso em situações cotidianas. No caso das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem, as notícias e reportagens selecionadas se referem

23 Conforme dissemos anteriormente, nosso corpus de análise é constituído por notícias e reportagens produzidas pelo jornal Expresso. 24 Em nossa pesquisa, o termo “(des)controem” significa a construção, a manutenção e a desconstrução de representações sobre a mulher brasileira pelas enunciações do jornal Expresso. O termo tem esse significado específico em nossas análises, por isso, não devemos confundí-lo com termos iguais usados por outros autores, com outros significados, em outros tipos de reflexões teóricas ou análises.

principalmente, a algum episódio de transgressão social, como as matérias em que elas são responsabilizadas por alguma instabilidade causada a sociedade portuguesa. Já no caso das mulheres imigrantes brasileiras que exercem outras ocupações profissionais, predominam notícias/reportagens sobre situações cotidianas, em geral, em que os portugueses associam a presença dessas mulheres, de nacionalidade brasileira, em Portugal à prática da prostituição e à figura da prostituta. De modo geral, em todas as notícias e reportagens verificamos como o discurso do Expresso associa as mulheres imigrantes brasileiras em Portugal à clandestinidade.

Nos estudos do jornalismo, a AD é utilizada, segundo Benetti (2008), no mapeamento de vozes e na identificação de sentidos. Em nosso caso, identificaremos os sentidos por meio das FDs existentes nas notícias e reportagens do jornal Expresso. O nosso corpus de análise é composto por uma amostra seletiva de matérias25 da versão digital do jornal Expresso, publicadas nos anos de 2008 e 2009, que correspondem ao nosso problema de pesquisa e às nossas hipóteses. Foram encontradas 8 notícias/reportagens que tratam do assunto em questão e todas foram selecionadas para serem analisadas separadamente. Em cada uma buscaremos a FI e a FD ou FDs26 existentes para a identificação dos sentidos sobre as mulheres imigrantes brasileiras em Portugal. Em cada notícia/reportagem, as análises são realizadas por meio de um quadro de Formações Discursivas. Cada FD estará numerada e nomeada de acordo com os sentidos nucleares relacionado ao nosso problema de pesquisa. Localizamos os sentidos mais representativos de cada FD. Buscaremos também, segundo Benetti (2008, p.113), “[...] fora do âmbito do texto analisado, a constituição de discursos ‘outros’ que atravessam o discurso jornalístico”, como as marcas históricas e atuais sobre as relações entre Brasil e Portugal.

Após as análises de cada notícia e reportagem, verificamos se os principais sentidos identificados (que serão os nossos resultados) no discurso do jornal Expresso (des)controem as representações da mulher brasileira no imaginário português e como o discurso do jornal as

25 As matérias do jornal Expresso são divididas em notícias e reportagens, sendo que as notícias são: Matéria 1 Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritariamente brasileiras e de Leste; Matéria 2 Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras; Matéria 8 Fátima: Maior problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações. Já as reportagens são: Matéria 3 Caso “Mães de Bragança” vira pesquisa universitária; Matéria 4 Filhas de Bragança; Matéria 5 Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos; Matéria 6 Morar ao lado da prostituição; e Matéria 7 Mercado sexo não escapa à crise; 26 Conforme mostramos no presente capítulo, na seção Formação Ideológica e Formação Discursiva, cada discurso é composto por determinada FI que representa uma forma de enxergar e organizar o mundo por um grupo ou classe social, em um determinado contexto sócio-histórico, e que regula por meio de uma ou mais FDs o que pode e deve ser dito.

associa à clandestinidade. Os nossos resultados de análise não indicarão as marcas do texto em si, mas sim como os discursos do jornal Expresso funcionam produzindo sentidos. Os resultados obtidos serão tratados, de acordo com Orlandi (2003b), como fatos de linguagem em sua memória, semântica e materialidade linguístico-discursiva. Nos fatos de linguagem, o principal recurso é o indivíduo que ao se tornar sujeito de um discurso, em determinado contexto sócio-histórico, produz sentidos. Por essa via, apresentamos alguns dados quantitativos sobre os resultados que nos auxiliam nas análises interpretativas dos resultados que realizamos por meio de um texto dissertativo e analítico. Dessa forma, encontramos as relações entre os sentidos identificados e as representações sobre a mulher brasileira no imaginário português.

. . .

O caminho que percorremos até aqui nos mostrou a trajetória e as características próprias da AD. Foi um processo de desenvolvimento bastante longo e que contou com a participação de algumas áreas do conhecimento e de diversos pensadores. Por ele, foi possível construir conceitos como as CPs, o interdiscurso e o esquecimento e a FI e a FD que são essenciais para estudarmos as significações. A AD é uma das formas mais apropriadas para analisarmos os posicionamentos ideológicos que os falantes imprimem em seu discurso, a levarmos em consideração o contexto a partir do qual um enunciado é produzido.

No entanto, não conseguiríamos realizar essas análises sem considerarmos como se construíram algumas representações da mulher brasileira no imaginário português. Precisamos entender como os portugueses enxergam a mulher brasileira para que, dessa forma, possamos analisar como essas percepções se imprimem no discurso jornalístico. Por isso, de acordo com as referências bibliográficas apontadas, mostramos como se construíram algumas dessas percepções desde os tempos da colonização portuguesa no Brasil até o contexto atual em que muitos brasileiros migram para o território português. Esse longo histórico de relacionamento entre Brasil e Portugal nos revelará como se desenvolveram algumas representações entre ambos os países e, mais especificamente, como foram construídas as representações sobre a mulher brasileira entre os portugueses. Elas nos

mostrarão as percepções e a produção discursiva que foi elaborada em torno da mulher brasileira. Além disso, apresentaremos como é a atuação do jornal Expresso na sociedade lusitana. Desse modo, teremos condições de identificar a FI e as FDs que são construídas nas matérias do jornal Expresso quando ele aborda a mulher brasileira em suas enunciações. Conhecer essas representações é conhecer algumas FIs com suas respectivas FDs que fundamentam a construção de discursos sobre a mulher brasileira pela sociedade portuguesa e pelo jornal Expresso.

Capítulo 3: Representações da mulher brasileira no imaginário português – da construção das representações da mulher brasileira à atuação do jornal Expresso em Portugal

Ao escolhermos analisar a produção de matérias sobre a mulher brasileira na versão digital do jornal Expresso, torna-se imprescindível também conhecermos como se construíram algumas representações sobre ela no imaginário português porque essas representações são as fontes a partir das quais, de certo modo, surgiram algumas formas de se enxergar a mulher brasileira (FIs)27 que fundamentam e regulam a construção de discursos (FDs) sobre ela. Desse modo, neste capítulo, retomamos alguns acontecimentos que ocorreram, de acordo com as referências consultadas, nos últimos 500 anos nas relações luso-brasileiras e que deixaram marcas no imaginário português; e abordamos também como tem sido a atuação do jornal Expresso, desde a sua fundação.

Para tanto, apresentamos como se construíram algumas dessas representações da mulher brasileira entre os portugueses. Inicialmente, mostramos como a colonização portuguesa no Brasil, as configurações do carnaval brasileiro e a recente imigração brasileira em Portugal influenciam a percepção que os portugueses têm da mulher brasileira. Além disso, indicamos como a mídia capta essas percepções em seus produtos midiático- jornalísticos. Nesse contexto, apresentamos também como tem sido a participação do jornal Expresso nessas (des)construções midiáticas.

Entretanto, a abordagem que realizamos sobre o jornal Expresso não se restringe a esse aspecto. Procuramos ir um pouco além, ao apresentarmos as principais características desse jornal, a fim de expressar a importância que ele tem no contexto português. É por isso que elucidamos a trajetória histórica do Expresso, a qual se confunde com a recente história da imprensa livre em Portugal. Indicamos também, resumidamente, o Código de Conduta dos jornalistas do Expresso que nos mostra os valores que regem seu trabalho. Acreditamos que esses apontamentos são importantes porque eles nos dão subsídios para nossas análises. Por fim, consideramos que o presente capítulo é uma pequena projeção de algumas das representações sobre a mulher brasileira as quais influenciam algumas FIs e suas respectivas FDs que fundamentam os posicionamentos ideológico-discursivos dos portugueses e do jornal Expresso, as quais analisaremos no quarto capítulo.

3.1 A construção das representações da mulher brasileira no imaginário português

27 Conforme apontamos no capítulo anterior, uma FI é a forma pela qual um grupo ou classe social enxerga e organiza a realidade que regula sua produção discursiva por meio de FDs. Neste capítulo, mostraremos algumas representações da mulher brasileira que, certo modo, influenciam as FIs e FDs que os portugueses e o jornal Expresso utilizam ao se referirem à mulher brasileira.

Como vimos anteriormente, um grupo ou classe social a qual um indivíduo pertence determina a FI e suas respectivas FDs que condicionam sua produção enunciativa, levando-o a adotar determinados posicionamentos. Nesse momento, identificamos, especificamente, alguns aspectos das representações mais comuns sobre a mulher brasileira, com base nas referências consultadas, porque acreditamos que elas exercem influência nas percepções (FIs) e nos discursos (FDs) que alguns grupos ou classes sociais lusitanas têm sobre a mulher brasileira e determinam alguns posicionamentos ideológico-discursivos sobre esse tema. Nosso intuito é levantarmos alguns aspectos dessas representações que podem influenciar os posicionamentos ideológico-discursivos do jornal Expresso que serão identificados no quarto capítulo.

Inicialmente, apresentamos como foi a colonização portuguesa no Brasil, momento em que os portugueses tiveram os primeiros contatos com a mulher brasileira. Mostramos como eram as relações entre eles num contexto colonial em que a mulher indígena e a mulher negra serviam para a manutenção sexual do colonizador português (homem branco). Após isso, esboçamos alguns pontos do carnaval brasileiro que contribuíram para algumas representações da mulher brasileira associada à sexualidade e à promiscuidade ao redor do mundo. Indicamos também como o processo de globalização potencializou a imigração brasileira em Portugal, a partir da década de 1990, que tem afetado o relacionamento entre portugueses e brasileiros. E, por último, como a mídia em geral tem usado esses acontecimentos para criar e manter algumas representações sobre a mulher brasileira em seus produtos midiáticos/jornalísticos, bem como exemplificamos tal situação na cobertura midiática do movimento Mães de Bragança. A seguir, passamos a explicar melhor cada um desses pontos.

3.1.1 A colonização portuguesa no Brasil

Portugal foi o primeiro país a colonizar o território brasileiro, num período em que só se encontravam as populações indígenas por aqui. A colonização lusitana, de acordo com Priory (2000), foi predominantemente de homens; poucas mulheres vinham para cá. As características deste espaço emergente não eram propícias para a presença feminina, as condições ambientais eram muito diversas da Europa. Somente o homem, interessado em enriquecer, vinha para a colônia “tentar a sorte”. Em meio a tantos portugueses, havia a presença da mulher indígena e da mulher negra. Muitas delas eram utilizadas para satisfazer

as necessidades sexuais do homem branco, serviam de “reserva sexual” diante da falta da mulher portuguesa (mulher branca), principalmente nos séculos XVI e XVII. No caso da mulher indígena, além de servir aos portugueses, praticava atividades em suas tribos. A indígena era considerada diferente, de acordo com a mesma autora, pois tinha valores diversos dos portugueses. Os registros existentes enxergam a mulher indígena de maneira preconceituosa, não descrevem como era o seu modo de vida. Nas tribos indígenas, não se estimulava a maternidade e a presença da família. Os papéis de mãe e esposa não eram uma cobrança entre as populações indígenas. A introdução da índia nas tribos ocorria a partir do primeiro fluxo menstrual. Os rituais visavam garantir a ela, a concepção de filhos saudáveis. As regras familiares permitiam a união de parentes próximos, não havia celebração de casamento. Mas após a união do casal indígena, o adultério feminino era condenado. Existiam brigas entre os casais, quando o marido violentava a mulher, ela também batia nele. De acordo com Teles (1999), algumas mulheres indígenas desempenhavam papéis submissos enquanto outras mulheres desempenhavam papéis de dominação. Em determinados espaços, as propriedades eram das mulheres e em outros espaços, as propriedades eram dos homens. As mulheres se ocupavam, em alguns lugares, da plantação e da colheita. Na ocasião do parto, homens e mulheres ajudavam a mulher indígena a ter filhos. Elas também carregavam os filhos nas costas. Ao longo da colonização portuguesa no Brasil, de acordo com Priory (2000), os religiosos que viam a dinâmica das comunidades indígenas sob a ótica lusitana e católica se indignavam com elas. Diziam que a mulher indígena iniciava a sexualidade muito cedo, que ela era tentada pelo diabo. Relacionavam tais atos femininos ao pecado original cometido por Eva. Além disso, a prática do canibalismo entre os indígenas era muito criticada pelos portugueses. A mulher indígena participava dos rituais de canibalismo, a ela era reservado o aproveitamento do corpo do inimigo. Ela ocupava posições que supostamente eram destinadas ao homem. Ao índio era mais enfatizado o papel de caça e à mulher o prazer dos rituais. Os colonizadores portugueses acreditavam que as consequências desses atos, considerados um pecado pelos católicos, refletiam-se na velhice da mulher indígena. A degradação física era o preço que ela pagava por praticar o canibalismo. Os efeitos dessa transgressão espiritual eram sentidos quando fosse idosa. Dizia-se, de acordo com a mesma autora, que o canibalismo levava os povos ameríndios à degradação fisiológica e cultural. A chegada dos jesuítas, de acordo com Teles (1999), no século XVI, transformou os indígenas de selvagens em “criaturas racionais”, mediante o emprego da força. Os colonizadores viam os índios da seguinte maneira: os homens para o trabalho escravo e as

mulheres como esposas, concubinas ou empregadas domésticas. A mulher indígena foi usada pelos colonizadores portugueses, de acordo com a mesma autora (1999, p. 17), “[...] que se apropriaram assim de sua capacidade reprodutora, perdendo paulatinamente sua capacidade erótica nesta função sexual reprodutora separada do prazer”. Uma visão negativa da mulher indígena pode ser notada na obra de Freire (1998): o autor diz que quando os portugueses chegaram ao Brasil, havia várias mulheres indígenas esperando-os para se oferecerem a eles. A nudez era motivo de horror para pessoas com outras percepções. Achavam que esse comportamento explicava a fragilidade moral do índio. O catolicismo explicava tais condutas pela presença demoníaca entre esses povos. De acordo com a visão católica, expressa pela Bíblia na Idade Média, a mulher era associada ao pecado, por isso, toda degeneração dos indígenas se manifestava nela. A expansão demográfica da colônia portuguesa ocorreu por meio da introdução da mão de obra escrava. De acordo com Teles (1999, p. 20), “os negros eram chamados de ‘pés e mãos dos senhores’ e Angola ‘nervos das fábricas do Brasil’ [...]”. Pelo trabalho escravo, a economia da colônia portuguesa foi construída e o trabalho manual passou a ser considerado inferior. O trabalho escravo praticado pelo homem negro se voltava para o serviço mais pesado das plantações e minas e o trabalho doméstico era exercido pela mulher negra. Ela estava em situação melhor que o homem negro, bem como, mais próxima dos senhores. Muitas aspiravam a uma vida de conforto, quando não existia uma mulher branca que se vingasse delas. Na lavoura, a mulher negra executava as mesmas tarefas dos homens negros. Além do trabalho desempenhado, a mulher negra era usada, segundo Teles (1999, p.21), como “[...] instrumento de prazer sexual do seu senhor, podendo até ser alugada a outros senhores. O concubinato era comum entre os escravos [...]”. A mulher negra, de acordo com Priory (2000), fascinava os homens brancos com seu corpo atraente, tinha um enorme poder de sedução frente ao corpo robusto das sinhás. Além disso, a mulher negra exercia diversas atividades que mantinham o Brasil- colônia. Ela, muitas vezes, trabalhava nas “casas grandes”, cuidava da casa e dos filhos do Senhor. A mulher negra contribuiu tanto com a reprodução da força de trabalho, ao ter filhos de homens brancos e negros que trabalharam na produção de plantações, quanto no trabalho doméstico nas casas dos senhores. Ela foi geradora de mais valia em setores econômicos importantes como minas, fazendas e plantações. A mulher negra contribuiu para a acumulação primitiva do capital. A divisão do trabalho por sexo se consolidou pela dupla opressão da mulher: de sexo e de classe. Ainda de acordo com Teles (1999, p.21), “o machismo e a exploração econômica serviu ao sistema global de dominação patriarcal e de

classe”. Em algumas situações, a mulher negra resistiu a participar da manutenção da escravatura, ela praticava o aborto e até matava seus filhos para impedir que um novo escravo surgisse. Mesmo quando os senhores apoiavam a escrava para ter filhos, ela se recusava. Os negros sempre lutaram e não aceitaram pacificamente a condição de escravo. Resistiram de diversas formas à dominação portuguesa ao criar fugas organizadas e quilombos (principal forma de resistência). Em relação à mulher branca, de origem portuguesa, sua presença era mínima na colônia. A maioria delas se dedicava aos papéis de mães e esposas e a sexualidade era, intensamente, controlada. Era preciso evitar “os desejos da carne”; a transgressão da mulher branca poderia comprometer toda a ordem social. Por isso, os portugueses usavam as mulheres nativas para sua manutenção sexual. De acordo com Teles (1999), os jesuítas criticavam essa postura dos portugueses. O padre Manuel da Nobrega (primeiro governador geral da colônia em 1549) pediu ao rei de Portugal para que enviasse para o Brasil, segundo a mesma autora (1999, p.18), “[...] mulheres órfãs e de toda qualidade, até meretrizes”. Entretanto, continuou faltando mulheres brancas na colônia. Isso pode ter contribuído para elevar o status da mulher branca e para a miscigenação de brancos com negros e índios. Conforme a colônia ia sendo povoada, encontravam-se mulheres de todos os tipos como portuguesas, índias, africanas e mestiças, livres e escravas. De acordo com relatos de alguns estrangeiros que passaram pelo Brasil nessa época (apud TELES, 1999), os portugueses eram muito ciumentos com suas esposas, mal deixavam elas saírem de casa. Em contrapartida, as mulheres eram quase todas libertinas e, de alguma forma, escapavam da vigilância dos maridos. Contudo, quando eram descobertas eram assassinadas pelos maridos. Cerca de 30 mulheres eram assassinadas, por ano, na colônia portuguesa. No período da colonização portuguesa no Brasil, de acordo com Teles (1999), a população local era explorada em benefício do nascente capitalismo europeu. Para a mulher, coube uma parcela de exploração ainda maior, como ocorre nos dias de hoje: por um lado, porque era uma parcela da população brasileira que não tinha poder de decisão (domínio da metrópole); e por outro lado, porque a sociedade da época organizou-se sob a forma patriarcal, em que o poder estava nas mãos dos homens. Diante disso, o papel da mulher branca era o de esposa e mãe dos filhos legítimos do senhor. Ela se casava muito jovem e o marido, geralmente, era mais velho. Além de cuidar do lar, a mulher branca praticava outras atividades como fiação, tecelagem, rendas, bordados e o cuidado com o pomar. Às vezes, a mulher branca era vista como preguiçosa e indolente, mas o principal era que ela se colocasse de forma subalterna em relação ao homem. Era muito difícil para a mulher branca fugir dos

padrões; a única saída que ela tinha, quando era rebelde e inconformada, era ir para o internato em um convento. Somente lá a mulher branca recebia alguma instrução. No período colonial, a educação era uma responsabilidade

[...] da igreja católica, em especial dos padres jesuítas. A igreja disseminava a ideologia patriarcal e racionalizava seu significado: “Adão foi induzido ao pecado por Eva e não Eva por Adão. É justo que aquele que foi induzido ao pecado pela mulher seja recebido por ela como soberano”, pensamento de Santo Ambrósio que embasava, na época, as práticas pedagógicas (TELES, 1998, p.19-20).

Por esse pensamento, a mulher branca se tornava mais tímida, ignorante e submissa. Desse modo, ela reproduzia os valores tradicionais, conservadores e atrasados, ou seja, a mulher era um elemento fundamental para a manutenção da situação existente.

Levando-se em consideração as condições da mulher indígena, negra e branca nos tempos da colonização, de acordo com os dados das referências consultadas, podemos apontar a construção, de alguns pontos das primeiras representações da mulher brasileira no imaginário português, associadas, muitas vezes, ao sexo, à nudez e à liberdade. Pela relação entre metrópole e colônia, os portugueses passaram a ver o Brasil como um lugar voltado para a satisfação do prazer. Recordam-se da grande quantidade de mulheres indígenas e negras que praticava sexo com os colonizadores bem como dos corpos nus das indígenas. Na visão portuguesa, a mulher brasileira é, segundo JOTA (2008, p. 130-132), “[...] livre, sensual, não mede esforço para atingir seus objetivos e não vê barreiras que a impeçam de trocar de par se ela não está feliz”. É uma percepção que a vê como uma mulher volúvel que se confunde com a figura de uma prostituta.

De acordo com Cunha (2005), vemos como a herança colonial permanece viva entre os portugueses:

[...] o contato, e as relações coloniais, forjaram em Portugal um imaginário sobre o Outro, homem, mulher ou comunidades. Este imaginário, alimentado durante séculos, compreende imagens-síntese, muito próximas de estereótipos que se encontram inculcadas, em diferentes níveis nos cidadãos das ex-metrópoles coloniais. Garantindo a coesão identitária estas imagens-síntese assumem, no mais das vezes, a forma de preconceitos identificáveis não só nos comportamentos como nas representações do Outro. A estas imagens não foge a mulher brasileira entendida como arquétipo de sensualidade, disponibilidade sexual e transitoriedade afetiva (CUNHA, 2005, p.537).

A construção dessas imagens, ou “imagens síntese”28 como expressa a autora, mostra- nos a construção de alguns estereótipos e representações negativas da mulher brasileira. Estas são reforçadas pelas imagens e conteúdos expressivos do carnaval brasileiro que passamos a explicar como influenciam a percepção portuguesa da mulher brasileira.

3.1.2 O carnaval brasileiro O modo como é comemorado o carnaval brasileiro é resultado de uma trajetória de diversas influências culturais. Verificaremos a forma como ele passou a ser comemorado no Brasil e como passou a ser visto por estrangeiros. Por esse percurso, compreenderemos a importância da expressividade desse evento na cultura brasileira que é disseminado ao redor do mundo e alguns pontos sobre ele que constroem representações da mulher brasileira. As primeiras celebrações do carnaval no Brasil ocorreram por meio da introdução do Entrudo pelos portugueses no século XVIII. Era uma festa que consistia de brincadeiras e folguedos que variavam conforme o contexto realizado. Durante o período colonial e imperial a prática do Entrudo foi proibida diversas vezes. Era considerada uma festa desorganizada, por isso o Império tentou civilizar o carnaval brasileiro com a introdução dos bailes e dos passeios mascarados como ocorriam em Paris. O primeiro baile de carnaval no Brasil, de acordo com Arnt (2005, p.2), “[...] aconteceu em 1840, no Hotel Itália, no Rio, ao som de valsas, quadrilhas e habaneras”. O Entrudo passou a ser seriamente controlado, mas ainda assim ele continuou a ser praticado. Aos poucos, as pessoas passaram a frequentar os bailes usando máscaras e disfarces de inspiração parisiense. Muitas fantasias são originárias da commedia dell’arte29 que são o Pierrot, o Arlequim e a Colombina. Em 1855, surgiram os primeiros grandes clubes carnavalescos, os quais foram os precursores das atuais escolas de samba. Entre o final do século XIX e início do século XX, surgiu uma série de blocos, cordões e ranchos carnavalescos no Rio de Janeiro, cada qual com um modelo de folia diferente. Em um desses cordões, no caso o cordão Rosas de Ouro, foi composta a primeira música carnavalesca Ô abre alas, em 1890, por Chiquinha Gonzaga. Na Bahia, ainda no final do século XIX, os negros se reuniram para formar sociedades carnavalescas com influências culturais africanas.

28 De acordo com Cunha (2005), “imagens-síntese” podem ser entendidas como uma imagem que representa apenas uma característica de alguma coisa em detrimento de sua totalidade. É a ação de generalizar alguma coisa assim como faz um estereótipo. 29 De acordo com Lindomar (2008), a commedia dell’arte é uma forma de comédia improvisada e popular que surgiu em oposição à comédia erudita na Itália, entre os séculos XV e XVI, e manteve-se assim até o século XVIII na França. Atualmente, há alguns grupos de teatros que ainda praticam essa forma de atuação teatral.

A primeira escola de samba, chamada Deixa Falar, foi fundada em 1928 no Rio de Janeiro. Desde então, foram surgindo outras escolas que, de acordo com Arnt, (2005, p.2), “[...] com o tempo, adquiriram estrutura e orientação empresariais, reunindo até 15.000 integrantes. Hoje, elas comercializam apresentações, direitos autorais e de imagem, sob o patrocínio do Estado e de banqueiros do jogo do bicho”. Em 1933, o Rei Momo foi instituído como o símbolo do carnaval pelo jornal carioca A Noite. A prefeitura do Rio de Janeiro legalizou o desfile das escolas de samba em 1935. Ainda na década de 1930, o samba se tornou o ritmo musical oficial do carnaval brasileiro30, o qual, por sua vez, se tornou um dos elementos da identidade do país. A identidade brasileira passou a ser representada nos eventos carnavalescos pela figura da mulata. Já esta passou a fazer parte da identidade nacional brasileira por meio da obra Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freire (1994), publicada pela primeira vez em 1933. A obra do autor elegeu a mestiçagem31 como o elemento principal que constituiu a identidade brasileira. Foi um livro com bastante repercussão nacional e internacional que confirmou a representação da mulata associada à identidade nacional que já vinha sendo construída pela literatura e continua sendo construída até hoje. Essa associação da mulata com o Brasil foi reforçada também durante o governo Getúlio Vargas, principalmente no período do Estado Novo. Nessa época, Vargas tentou construir a identidade brasileira associada a uma série de elementos que representavam o país. Entre esses elementos estavam: a criação do “Dia das Raças’, a nacionalização da capoeira e a transformação do carnaval em símbolo nacional a fim de celebrar a “harmonia racial” existente no Brasil. No caso do carnaval, especificamente, a “mulata” se tornou sua figura principal. Essa noção da identidade nacional, em que se inclui o carnaval brasileiro, foi intensamente divulgada no exterior pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), durante o Estado Novo, para incentivar o turismo no Brasil. Foi a partir desse momento que começou a se construir no exterior, inclusive em Portugal, a imagem da mulata associada ao carnaval em que ela aparece seminua sambando e que passou a representar, de modo geral, a mulher brasileira.

30 De acordo com Schwarcz (1998), o samba deixou de ser o estilo musical dos negros e passou a ser o ritmo musical brasileiro para exportação, nas palavras da autora (p.196), “[...] o samba passou da repressão à exaltação [...]”. 31 Gilberto Freire considera que a formação do Brasil é resultado do encontro entre o homem branco (principalmente português) com a mulher índia e/ou negra que possibilitou a miscigenação do povo brasileiro representado pela figura do mulato ou da mulata. A miscigenação possibilitou o crescimento social e econômico do Brasil. Por isso, o autor considera a mulata como representante da identidade nacional brasileira.

Já nos anos 1970, os governos militares intensificaram a imagem do Brasil associada ao carnaval no exterior por meio de campanhas publicitárias promovidas pela Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR) para incentivar ainda mais o turismo no Brasil. Foi o primeiro órgão governamental a cuidar especificamente da imagem do Brasil no exterior. Uma de suas campanhas, que trazia o carnaval brasileiro como representante da imagem do Brasil no exterior, foi escolhido estrategicamente porque os símbolos relacionados a ele como o samba e a mulata, de acordo com Alfonso (2006, p.83), “[...] lembram ‘a raiz africana do Brasil’; portanto, uma alegoria das ‘três raças’ formadoras, mostrando o Brasil como um país constituído de diversidade”. É a noção da “harmonia racial brasileira” cuja concepção é proveniente da obra de Gilberto Freire, relatada anteriormente, a qual a ditadura militar também usou para mostrar uma imagem de um “Brasil unido” frente ao autoritarismo do regime da época e ao descontentamento político de muitos brasileiros. Essa promoção do turismo no Brasil associada a elementos do carnaval brasileiro, serviu ainda mais para construir algumas representações da mulher brasileira entre os portugueses. Ao longo do século XX, as escolas de samba no Rio de Janeiro e em várias cidades do Brasil passaram a fazer desfiles organizados em que todas disputam a eleição de melhor escola do ano. Elas se desenvolveram tanto que o seu processo de criação se especializou e passou a gerar muitos empregos. As composições dos enredos, das fantasias e dos carros alegóricos apresentam boa qualidade e são muito valorizados e admirados pelas pessoas. Atualmente, podemos dizer que existe uma indústria do carnaval, pois há um conjunto de atividades para a preparação dos desfiles das escolas de samba que movimenta muito dinheiro e gera empregos. Para atingir a popularidade que o carnaval brasileiro tem atualmente houve importante contribuição dos meios de comunicação de massa. Primeiro com o rádio, de acordo com Arnt (2005, p.3), o carnaval “[...] difundiu-se e profissionalizou-se [...]” e depois com a televisão, o carnaval se industrializou. Hoje, o carnaval brasileiro é considerado a maior festa popular do planeta. Por ser bastante expressivo e por estar ligado à identidade brasileira, ficou conhecido por muitas pessoas ao redor do mundo. Os estrangeiros admiram ou estranham a grandiosidade da festa e o modo como ela é realizada. Isso porque a cultura do carnaval brasileiro, de acordo com Pontes (2004), remete ao culto do corpo, à sexualidade, à raça, à pobreza e à nacionalidade por meio da figurativização da “mulata seminua sambando”, a qual representa o Brasil em diversas situações no exterior. A criação dessa representação do Brasil transmite a ideia de um país de cultura permissiva e promíscua, em que o sexo e a nudez são elementos comuns. Nesse ponto, a mulher brasileira, principalmente a mulata, é a figura que representa e o reúne

todos esses elementos e qualificações. Por isso, em diversas situações que se evoca a mulher brasileira ocorre essa aproximação com carnaval brasileiro e ao que está associado a ele.

Figura 1: Carnaval Brasileiro Fonte: BBC Brasil (apud MUNDO LUSIADA, 2008) http://www.mundolusiada.com.br/politica/pole 350.jun08.htm.

Algumas dessas representações sobre o carnaval brasileiro influenciam o modo como a mulher brasileira é vista pelos portugueses. Por essas representações, muitos portugueses veem a brasileira com “um comportamento diferente”. Ela é considerada uma mulher sensual, exótica e com disponibilidade sexual, mas também acreditam que ela seja uma pessoa sem valores morais, uma vez que nem todas as mulheres se exporiam da mesma forma. Pensam que a mulher brasileira é permissiva e por isso, se expõe tanto, pratica sexo à vontade, usa roupas curtas e tem transitoriedade afetiva. Desse modo, ela é vista de forma negativa entre os portugueses, os quais têm um modelo de papel feminino bastante conservador, correspondente ao da igreja católica. Além disso, apesar de os portugueses terem sido os precursores do carnaval no Brasil por meio do Entrudo, o carnaval brasileiro se transformou e, atualmente, é bastante diverso do modo como é comemorado o carnaval pelos portugueses. Ele é bastante tradicional e ligado à cultura portuguesa como, por exemplo, o carnaval de Torres Vedra (Carnaval de Torres) considerado o mais antigo e mais português de todos os carnavais que ocorrem no território lusitano. Nessas celebrações não se aceita o samba como ritmo musical nem a influência de elementos estrangeiros à cultura portuguesa. O carnaval português difere do carnaval brasileiro, o qual é resultado de múltiplas influências culturais (como a portuguesa, a africana, a francesa, etc.) e que criou um modelo de carnaval bastante diverso dos outros países. Por isso, essas práticas culturais diferentes influenciam na construção de algumas representações da mulher brasileira.

3.1.3 A recente imigração brasileira em Portugal Desde o final do século XX, a formação de fluxos migratórios do Brasil para Portugal vem influenciando as relações luso-brasileiras, bem como vem construindo algumas representações sobre a mulher brasileira no imaginário português. A imigração é um fenômeno recente em Portugal, até a década de 1960 a 1970, somente os portugueses migravam para suas colônias (na América do Sul e na África) e para outros países. Dificilmente, o país recebia imigrantes. No entanto, devido a descolonização portuguesa na África esse processo se inverteu. A partir de 1974, muitos portugueses residentes nas colônias africanas retornaram para o seu país. O recenseamento de 1981 realizado por órgãos oficiais do Estado português, segundo Ferreira (2000, p.364), apontou que o país recebeu, entre 1974 e 1976, cerca de 505.000 retornados das colônias africanas (especialmente de Angola e de Moçambique). Um número considerado significativo no total da população portuguesa que no mesmo recenseamento totalizava quase 10 milhões de habitantes. A realidade sócio- econômica de Portugal sofreu forte impacto devido a esse retorno migratório. Os primeiros fluxos imigratórios para Portugal ocorreram, de acordo com Cunha (2005, p.541), com: imigrantes originários de Cabo Verde que substituíram trabalhadores portugueses emigrados na Europa (final da década de 1960); retornados de ascendência luso- africana após a independência das colônias portuguesas na África (a partir de 1974); o aumento de imigrantes advindos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) (durante a década de 1980). Além disso, após a Revolução dos Cravos na década de 1970, acentuou-se a entrada de imigrantes em Portugal devido ao processo de industrialização e à inserção do país na Associação Européia de Livre Comércio32. De acordo com Castells (2000), os fluxos migratórios são uma consequência do processo de globalização e do surgimento de novas tecnologias que compõem o que o autor denomina de “sociedade em rede”. Nesse conjunto social interligado globalmente, as pessoas procuram oportunidades de trabalho e de vida nas cidades e países mais favoráveis. Muitos imigrantes de países considerados menos desenvolvidos veem a Europa, e mais especificamente Portugal, como um lugar com melhores condições de vida por ser considerado um país desenvolvido. Apesar de nem sempre tais imigrantes conseguirem realizar suas expectativas, os fluxos migratórios são um fenômeno muito intenso nos dias atuais. Ainda de acordo com Castells, tal situação é natural na “sociedade em rede”, na qual

32 De acordo com Normande (2009, p.1), trata-se “de um acordo comercial entre Portugal, Reino Unido, Áustria, Dinamarca, Noruega, Suécia e Suíça que não faziam parte da então Comunidade Econômica Européia (CEE)”.

há alguns pontos (centros urbanos e tecnológicos) que reúnem as melhores oportunidades econômico-sociais. É o que ocorre em Portugal nos tempos da globalização. O processo de globalização, nas décadas de 1980 e 1990, criou as condições necessárias para o aumento dos fluxos imigratórios do Brasil para Portugal. De um lado, a globalização estimulou a entrada de Portugal na Comunidade Econômica Européia (CEE), conferindo-lhe um status econômico e social de um país desenvolvido. Dessa forma, tornou- se um destino desejado por muitos imigrantes. Além disso, houve também o acordo de Schenge, em 1993, que passou a permitir a livre circulação de pessoas entre os países pertencentes à União Européia (UE). E por outro lado, o Brasil adotou medidas durante os governos Sarney, Collor de Mello, Franco e Cardoso a fim de internacionalizar sua economia, mas elas provocaram prejuízos econômicos e sociais ao país. Isso estimulou, de acordo com Cunha (2005), a emigração brasileira para Portugal: primeiro de indivíduos de estatuto sócio- econômico elevado (cerca de 20.000 imigrantes) e depois imigrantes de perfil diversificado (totalizando cerca de 100.000 imigrantes). Além das condições econômicas, a mesma autora atribui esse aumento no fluxo imigratório do Brasil para Portugal a uma matéria exibida pelo programa Fantástico da Rede Globo, em outubro de 1999, sobre o aumento de oportunidades de empregos para brasileiros em Portugal e as diversas reportagens sobre o assunto, elaboradas pela revista Veja, da editora Abril.

No começo do século XXI, a economia portuguesa passou a ter resultados negativos, apesar dos avanços econômicos da década de 1990. O país passa por um momento ruim, intensificado pela crise econômica de 2008 e 2009. Muitos portugueses acreditam que a presença de imigrantes brasileiros pode prejudicar ainda mais a situação porque eles aumentam a concorrência por empregos no país. Dessa forma, estigmatizam os brasileiros como uma minoria por meio de representações comuns sobre o Brasil como o jogador de futebol (que representa a malandragem33) e a prostituta (que representa o sexo). Atualmente, de acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (apud LUSA, 2009, p.1)34, há em torno de 107.000 brasileiros vivendo em Portugal. Apesar de seu perfil ser diversificado, de acordo

33 A ideia de malandragem advém, segundo Schwarcz (1998, p.198), da figura do malandro brasileiro que surgiu, entre as décadas de 1930 e 1940, nas rodas de samba. O malandro é uma figura caracterizada pela simpatia, por não gostar de trabalhar regularmente, pela mestiçagem e pela sociabilidade que foi representado pelo personagem Zé Carioca, da Wall Disney, em 1943. Esse personagem representa um olhar estrangeiro acerca do malandro brasileiro que se difundiu por todo o mundo e que permanece atualizado no imaginário português por meio do jogador de futebol. 34 Essa informação encontra-se em uma das matérias do jornal Expresso que analisamos: Fátima: Maior problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações (Notícia/Reportagem 8).

com Cunha (2005) podemos apontar algumas características desse grupo: cerca de 60% são homens e 40% são mulheres; a faixa etária da maioria está entre os 18 e 40 anos; a maior parte é originária de cidades de porte médio e grande (nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, e, recentemente, nos Estados do Paraná e Santa Catarina); o grau de escolaridade está entre o Ensino Médio ou Superior (nível acima da taxa média de escolaridade existente no Brasil35 e em Portugal36); exercem ocupações socialmente desqualificadas e aquém de sua formação educacional. Muitos brasileiros vão à busca de algo melhor, no entanto, deparam-se com condições de vida precárias, temporárias e ilegais. Sendo que um número considerável de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal, por opção ou não, tornam-se prostitutas 37 38.

Em um estudo sobre as atitudes e os valores perante a imigração junto à sociedade portuguesa, realizado por Lages e Policarpo (2003 apud CUNHA, 2005), verificamos que os portugueses são contra a entrada de mais imigrantes, de qualquer origem, no país. Contudo, os brasileiros são apontados como os mais favoráveis à integração por uma parte dos pesquisados. Cunha (2005) nos alerta que há poucos estudos sobre as comunidades de imigrantes brasileiros em Portugal, as informações sobre eles ainda são desconhecidas. Isso também ocorre na imprensa portuguesa que aborda muito pouco39, segundo Sousa (2002, p.43), “[...] as várias facetas da imigração brasileira em Portugal (que vai dos profissionais qualificados aos profissionais desqualificados, que se sujeitam a qualquer tipo de trabalho) [...]”. É por isso que, segundo Agustin (2005), muitas organizações e movimentos sociais que dão assistência (como orientação sexual) a imigrantes brasileiros, e também a imigrantes latino-americanos, não conseguem atender as principais necessidades desse grupo,

35 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2002), a taxa de escolaridade média da população brasileira com acima de 10 anos de idade é de 6,2 anos de estudo, ou seja, é equivalente ao Ensino Fundamental incompleto. 36 Segundo Portugal Digital (2010), a escolaridade média em Portugal é de oito anos que quase seria equivalente ao Ensino Fundamental completo no Brasil, mas não é porque esse nível de ensino passou de 8 para 9 anos de formação. 37 PONTES, Luciana. Mulheres brasileiras na mídia portuguesa. Caderno Pagu. n 23. Campinas. 2004. Disponível em: . Acesso em: 05 fev. 2010. 38 É muito difícil dimensionar a quantidade exata de prostitutas brasileiras em Portugal, não existe muitas pesquisas a respeito. Contudo, segundo o Instituto Europeu para a Prevenção e Controle do Crime (apud RATTNER, 2005), estima-se que haja em Portugal cerca de 6.500 prostitutas das quais 50% são estrangeiras e de acordo com Sabino (apud RATTNER, 2005), acredita-se que as brasileiras formam o maior grupo de prostitutas estrangeiras no país. Ainda de acordo com Sabino, o perfil das prostitutas brasileiras em Portugal é composto, em sua maioria, por mulheres de 20 a 30 anos, provenientes do Nordeste e semi-analfabetas. 39 Recentemente, no levantamento que fizemos no jornal Expresso para selecionar as notícias e as reportagens que analisamos, encontramos algumas matérias que abordam um pouco mais a situação da imigração brasileira em Portugal.

principalmente prostitutas e homossexuais. Na realidade, faltam pesquisas que levantem os principais problemas desses imigrantes em Portugal e também na Espanha.

3.1.4 Principais produtos midiáticos/jornalísticos sobre a mulher brasileira em Portugal e o movimento Mães de Bragança

O passado histórico em comum entre Brasil e Portugal, as configurações do carnaval brasileiro “mundo afora” e o aumento da imigração brasileira em Portugal na atualidade são alguns acontecimentos, com base nas referências consultadas, que promovem a coexistência de duas culturas específicas que gera modos de relacionamento entre ambos e algumas representações. A mídia capta uma parte dessa convivência em diversas situações e a representa no formato de seus diversos produtos midiáticos/jornalísticos. Devemos lembrar que o discurso midiático é bastante peculiar, pois, segundo Santos (2004), é construído por meio de uma polissemia estruturada. O poder discursivo da mídia na construção de textos é muito maior do que o poder dos espectadores para reinterpretar significados.

Nessa (des)construção40, a mídia tem apresentado, em primeiro lugar, conteúdos e imagens do Brasil que tropicalizam o país. O resultado é a construção de elementos como o “à-vontade” e o “calor humano”. Contudo, nem todos consideram essa abordagem sobre o Brasil negativa. O estudo de Sousa (2002, p.42), por exemplo, diz que as informações sobre o Brasil presentes em jornais portugueses de grande circulação é considerada, na maior parte, positiva para as relações luso-brasileiras. O autor acredita que a abordagem sobre o Brasil como um país televisivo, musical, futebolístico e com grande potencial econômico pelos jornais cria a representação para os portugueses de que o Brasil é um país com grande capacidade de produção e exportação de produtos culturais, assim como uma potência econômica. Contudo, em algumas situações, a representação que aborda o potencial de fabricação e exportação de produtos culturais brasileiros para os portugueses pode não ser tão positiva da forma como pensa o autor. Essa noção pode criar a impressão de que o Brasil só consegue fabricar produtos que expressam sua cultura tropicalizada, como o futebol, a música, as telenovelas, etc. Pensamos que a construção de imagens positivas sobre o Brasil passa também pelo reconhecimento de temas pouco abordados, conforme reconhece o próprio Sousa (2002, p.42 - 43), como “[...] as atividades acadêmicas (nomeadamente os projetos de

40 O termo “(des)construção” encerra o mesmo significado que viemos adotando, até agora, em nossa pesquisa.

pesquisa comuns), [...] os ‘restantes’ produtos culturais em língua portuguesa, etc”. Em segundo lugar, a mídia trata o fenômeno da imigração, e especificamente a imigração brasileira no país, como uma agressão externa porque a vê com desconfiança e competitividade. A seguir, apontamos alguns produtos midiáticos/jornalísticos que influenciam a (des)construção de algumas representações da mulher brasileira no imaginário português:

1) Telenovelas e programas brasileiros veiculados em Portugal: há mais de 30 anos (desde 1977) as telenovelas brasileiras são exibidas em Portugal. Nelas, vemos a valorização da beleza corporal e da força psicológica, bastante estereotipada, das personagens femininas que evocam o “comportamento e a personalide” da mulher brasileira. De acordo com Cunha (2005)41, essas personagens representam papéis avançados e modernos que servem como modelos de emancipação do papel feminino para a sociedade portuguesa, ainda tradicional. A maior parte dessas telenovelas foi produzida pela Rede Globo42 no Brasil e comprada por canais televisivos portugueses públicos e privados como a Rádio e Televisão de Portugal 1 (RTP1), a Rádio e Televisão de Portugal 2 (RTP2) e a Sociedade Independente de Comunicação (SIC). Esses canais compram os produtos brasileiros para suprir lacunas em suas programações. Existem também adaptações dos produtos midiáticos/jornalísticos brasileiros para versões portuguesas, como é o caso de um seriado humorístico que foi exibido pela SIC, congênere do programa Sai de Baixo, da Rede Globo. Nesse programa havia uma personagem que encenava uma empregada doméstica brasileira; as situações que ela representava eram totalmente sexualizadas, inferiorizantes, classistas e reducionistas. A justificativa dos portugueses para exibir programas de humor, músicas, séries e telenovelas brasileiras são as afinidades da língua e da cultura e a relação custo/qualidade.

41 Cunha (2005) analisou algumas novelas brasileiras exibidas em Portugal: Gabriela Cravo e Canela (1977); A Escrava Isaura ( 1978); O Bem Amado (1984); A Guerra do Sexos (1984/85); Roque Santeiro (1987/88); Vale Tudo (1989/90); Pantanal (1991/1992); Renascer (1993/94); Rei do Gado (1996/97); Torre de Babel (1998/99). 42 De acordo com Cunha (2005), uma das telenovelas que não foi produzida pela Rede Globo, é a novela Pantanal (1991/92) produzida pela extinta Rede Manchete.

Figura 2: Gabriela – Cravo e Canela Fonte: Freire (2005) http://geraldofreire.uol.com.br/conteudoPrimeirapagina1404.4.htm

2) Publicidade/Propaganda do Brasil no exterior por meio da EMBRATUR, revistas brasileiras e agências de turismo para incentivar o turismo no país: durante a ditadura militar até a década de 1990, de acordo com Pontes (2004), o governo brasileiro, por meio da EMBRATUR, conforme explicamos anteriormente, promoveu campanhas de publicidade/propaganda no exterior, como também em Portugal, para incentivar o turismo no Brasil. Nessas campanhas, durante a década de 1970, apareciam a exuberância da natureza brasileira (praias bonitas) e a beleza convidativa de mulheres brasileiras seminuas. A imagem delas, de acordo com Alfonso (2006), aparecia associada às praias (Figura 3) ou ao carnaval brasileiro. Elementos considerados “tipicamente brasileiros” que reforçam a imagem do país como um lugar exótico e “à vontade”. Além da EMBRATUR, segundo a mesma autora, a revista brasileira Rio, Samba e Carnaval veiculava no exterior, com o apoio da EMBRATUR, a imagem da mulher brasileira como a atração turística do Rio de Janeiro (Figura 4). Já na década de 1980, a mulher brasileira continuou sendo representada nas campanhas da EMBRATUR e na revista Rio, Samba e Carnaval, porém, menos associada ao carnaval brasileiro e mais vinculada à imagem do Brasil como um país sensual. A revista Rio, Samba e Carnaval, de acordo com Alfonso (2006), “[...] trazia na edição de 1982 uma reportagem sobre a cidade do Rio do Janeiro intitulada ‘Rio é , é cio’ [...]”. No final da década de 1980, a imagem da mulher brasileira representando um país sensual foi minimizada, mas continuou sendo explorada para a promoção do turismo no Brasil. Já na década de 1990, a

EMBRATUR deixou de promover campanhas publicitárias com a imagem da mulher brasileira como símbolo de sensualidade porque verificou que esse tipo de associação estava prejudicando a imagem do Brasil no exterior e de, certa forma, estimulando o turismo sexual com menores de idade entre os estrangeiros. Desse modo, desde então, o governo brasileiro não promoveu mais essas campanhas. Contudo, as agências de turismo ainda produzem campanhas com mulheres sensuais e exóticas para promover o turismo no Brasil.

Figura 3: Campanha EMBRATUR Fonte: Revista Rio, Samba & Carnaval (1973, apud ALFONSO, 2006)

Figura 4: Campanha da Revista Rio, Samba & Carnaval com o apoio da EMBRATUR Fonte: Revista Rio, Samba & Carnaval (1973, apud ALFONSO, 2006)

3) Processos de marketing de empresas brasileiras: muitas empresas brasileiras elaboram grandes processos de marketing que estimulam a projeção de suas marcas no exterior. Nesses processos, essas empresas utilizam elementos, considerados tipicamente brasileiros, para associar sua marca. Contudo, ao fazerem isso, algumas empresas utilizam elementos brasileiros estereotipados como aconteceu, de acordo com Cunha (2005), com a marca Garoto, em uma feira de exposições em Portugal, ao colocar mulatas de biquíni para entregar chocolates aos visitantes e com a marca Guaraná Antarctica43, segundo a mesma autora, em uma promoção de uma pizzaria portuguesa que sortearia uma viagem para o Rio de Janeiro: um anúncio trazia a foto de uma mulher com uniforme apertado da seleção brasileira, “matando” a bola no peito (com seios marcados) junto com a imagem do Guaraná Antarctica e informações sobre a pizzaria portuguesa (Figura 5). São ideias e imagens sexualizadas e exotizadas da mulher brasileira, reduzindo-as completamente.

Figura 5: Publicidade do Guaraná Antarctica Fonte: BBDO Portugal (2002 apud PONTES, 2004) http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332004000200008&script=sci_arttext.

4) Matérias de jornais, revistas e televisão na mídia portuguesa e estrangeira: após o aumento da imigração brasileira em Portugal, principalmente a partir de 2003, quando cerca de 30.000 brasileiros foram legalizados em um acordo entre Brasil e Portugal, a

43 De acordo com Pontes (2004), o Guaraná Antarctica é conhecido em Portugal como Guaraná Brasil.

mídia portuguesa e estrangeira44 tem dado grande destaque a imigração, mas sem explicar, fundamentalmente, o fenômeno45. Entre os meios de comunicação que veiculam estas matérias contrárias à presença de imigrantes brasileiros ilegais estão: os jornais impressos (Diário de Notícias, Público e Expresso), as revistas (a Visão e a revista estrangeira Time) e os canais de televisão abertos (RTP1, RTP2, SIC e TV1). É comum eles veicularem matérias de imigrantes brasileiros, mais especificamente de mulheres imigrantes brasileiras presas por ilegalidade, prostituição e tráfico de drogas.

Figura 6: Mulheres Imigrantes Brasileiras que se prostituem Fonte: Revista Visão (16-10-2003 apud PONTES, 2004) http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332004000200008&script=sci_arttext.

Esses produtos midiáticos/jornalísticos contribuem, ainda mais, para reforçar algumas representações da mulher brasileira no imaginário português. De alguma forma, os portugueses podem levá-los em consideração na percepção que eles têm sobre as mulheres imigrantes brasileiras no país. Um episódio em que essas mulheres foram bastante destacadas foi no movimento Mães de Bragança. Ele ocorreu em abril de 2003, na cidade de Bragança (Nordeste de Portugal), em que algumas mães e esposas portuguesas acusaram as prostitutas brasileiras de “destruírem seus lares”. Esse grupo de mulheres portuguesas descobriu que seus maridos frequentavam casas/bares ligados à prostituição e nos quais as brasileiras foram apontadas como a maioria das prostitutas. Por isso, o movimento exigiu das autoridades locais a expulsão das prostitutas brasileiras, muitas imigrantes ilegais, do país. Segundo essas mulheres portuguesas (mães e esposas), a movimentação das brasileiras estaria “desmoralizando” a cidade de Bragança. O episódio ganhou intensa repercussão, de acordo

44 O assunto foi publicado na revista Time, versão européia. 45 Essa intensidade de cobertura midiática se deve também ao movimento Mães de Bragança, conforme explicamos mais adiante.

com Cunha (2005), em um primeiro momento nas mídias locais, desencadeando um conjunto de ações fiscalizadoras pelas Forças de Segurança portuguesas. Essas ações, ou rusgas46, foram acompanhadas por jornalistas, principalmente à noite para avaliar a legalidade das casas/bares de prostituição47, dos seus proprietários e das trabalhadoras. Já em um segundo momento, houve uma repercussão internacional da presença de prostitutas brasileiras na cidade de Bragança, ao ser publicada uma reportagem de capa na Revista Time Europe, em outubro de 2003, sobre a situação desencadeada pelo movimento Mães de Bragança. Foi o momento de internacionalização do fenômeno. A matéria chamou a atenção, de acordo com a mesma autora (2005, p.548), “[...] para a atuação das redes de tráfico e exploração de mulheres, sobretudo brasileiras, naquela região de Portugal”.

Figura 7: Europe’s New Red Light District (Novo bairro de prostituição da Europa) Fonte: Revista Time, 20-10-2003 http://www.time.com/time/europe/magazine/0,13006,901031020,00.html

46 De acordo com Cunha (2005), o termo rusgas se refere às fiscalizações em casas e bares noturnos ligados à prostituição. 47 Em Portugal, as “casas/bares de prostituição” são conhecidas, muitas vezes, como “casas/bares de alterne”.

Nesse contexto, o jornal Expresso atuou intensamente na cobertura do fenômeno Mães de Bragança como também passou a questionar a imigração brasileira em Portugal. De acordo com Pontes (2004), o veículo tem apontado diversas situações de clandestinidade em que há mulheres imigrantes brasileiras envolvidas. Principalmente em matérias que tratam de algum episódio de violência, transgressão e/ou prostituição, como, por exemplo, quando elas são presas por ilegalidade em batidas policiais. A construção dessas notícias e reportagens ocorre a partir de algumas representações sobre a mulher brasileira no imaginário português e critérios de noticiabilidade determinados pela posição ideológico-discursiva em que o jornal Expresso está no processo sócio-histórico. Ele participa do processo de produção de sentidos por meio de suas próprias FDs.

Entretanto, o jornal Expresso não passou a abordar essa temática somente após o movimento Mães de Bragança. Essa abordagem já ocorria desde 1999, pois conforme constatou a pesquisa quantitativa realizada por Sousa (2002, p. 41), “[...] o semanário Expresso [...] [foi] o único periódico que [...] [abordou] o tema das relações políticas e diplomáticas entre Portugal e Brasil”. É um veículo, de certo modo, pioneiro no tratamento do assunto das relações entre ambos os países, as quais se intensificaram após a contestação da presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal pelo movimento Mães de Bragança. Essa constatação nos confirma a importância que questões dessa natureza têm para esse veículo de comunicação e o quão importante podem ser nossas análises sobre algumas matérias que abordam a presença de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal em situações cotidianas, conforme explicamos na constituição do nosso corpus no segundo capítulo.

3.2 Jornal Expresso

O jornal Expresso é um veículo de referência no contexto lusitano, em conjunto com o jornal Público e o Diário de Notícias. É um jornal que aborda informações gerais sobre Portugal em sua versão impressa que é publicada semanalmente (aos sábados) e na sua versão digital com atualizações diárias. O Expresso começou a circular em 6 de janeiro de 1973, em Lisboa. Seu fundador é Francisco Pinto Balsemão que foi diretor do jornal de 1973 a 1981. Além dele, o veículo teve como diretores: Marcelo Rebelo de Sousa e Augusto de Carvalho

(1981 a 1983), José Antonio Saraiva (1984 a 2005) e Henrique Monteiro (2005 a 2010)48. Atualmente, é o semanário de maior tiragem no país. De acordo com Costa (2009, p.1), de janeiro a outubro de 2009, o Expresso vendeu em média 111.594 exemplares por semana. Contudo, esse número já foi bem maior anteriormente, de acordo com o Instituto da Comunicação Social de Portugal (2000, p.13); no primeiro semestre de 1999, o Expresso contava com uma tiragem de 165.487 exemplares, ocupando o 5º lugar entre as dez maiores tiragens em Portugal. Já a versão digital do jornal contou, em 2008, segundo Superbrands (2009, p.1), “[...] com um aumento de 57% nas visitas e 90% nas páginas vistas”.

O jornal Expresso pertence ao grupo empresarial Impresa, que se considera o maior grupo de comunicação social português e cujo volume de negócios girou, no final de 2008, em torno de 273 milhões de euros. A Impresa é responsável por uma série de meios e produtos informativos, com mais de 30 publicações, no mercado lusitano como: o jornal Expresso, a revista Visão, a revista Caras, a revista Activa, a revista Exame, é acionista majoritário do canal televisivo Sociedade Independente de Comunicação (SIC), etc. O grupo surgiu junto com a fundação do jornal Expresso em 1973, a primeira publicação do grupo, quando Francisco Pinto Balsemão criou o Sojornal/Expresso. Ao longo do tempo, a Impresa foi expandindo sua atuação como empresa de comunicação em Portugal, ao realizar inovações, parcerias e aquisições. Entre as mais significativas estão: a criação da VASP em 1975 que distribuia as publicações do grupo; a criação da Controljornal em 1988 que passou a ser a empresa de holding do grupo e a controlar todas suas participações; a abertura da Controljornal para investidores externos em 1991 que criou a super holding Imprensa e foi uma das acionistas que fundaram a emissora SIC (canal televisivo português com bastante audiência); no ano 2000 a empresa passou a negociar suas ações na bolsa de valores; já no ano 2003, ocorreu a fusão do grupo Impresa com o grupo suíço Edipress que criou o grupo Edimprensa, o qual passou a controlar o setor de revistas do grupo Impresa. No entanto, em 2008, o grupo Edimprensa passou integralmente para as mãos do grupo Impresa; no ano de 2007, o grupo criou uma nova área de negócios denominada Impresa Digital voltada para serviço de internet e novas tecnologias. Atualmente, o grupo tem três frentes de negócios que são a SIC, a Impresa Publishing (que abrange as publicações do grupo) e a Imprensa Digital.

48 De acordo com Pacheco (2010, p.1), Henrique Monteiro, até então diretor do Expresso, deixaria suas atividades em 31/12/2010 para assumir um cargo de administração editorial no grupo Impresa. Ele seria substituído por Ricardo Costa, ex diretor do SIC Notícias (telejornal produzido no canal português SIC), a partir de 01/01/2011.

Ademais, algumas matérias do jornal Expresso são publicadas tanto na sua versão impressa como na sua versão digital. A versão impressa é dividida, da seguinte forma: Primeiro Caderno49, Economia, Revista Única50, Actual51, Classificados (caderno Emprego e caderno Espaços & Casas) e Última Hora. Irregularmente o jornal publica alguns suplementos como o Guia do Estudante. O Expresso também conta com colunistas importantes e com artigos de opinião. Já a versão digital do Expresso está dividida da seguinte forma: Início, Wikileaks Portugal, Actualidade, Economia, Dinheiro, Life & Style, Desporto, Tecnologia, Opinião, Blogues, Empregos, Casas e Autos. O Expresso foi o primeiro jornal a publicar sua versão impressa em HTML e a permitir aos usuários comentar as matérias da versão impressa publicadas no site e as matérias da versão digital.

Alguns números revelam a importância que o jornal Expresso tem atualmente na sociedade portuguesa. De acordo com a pesquisa feita pela Bareme Imprensa de Markfest (apud SUPERBRANDS, 2009 p.2), o Expresso detém 71,8% do mercado de jornalismo impresso semanal, já que é lido por cerca de 672.000 pessoas. O perfil do seu público está divido da seguinte forma:

[...] são maioritariamente das faixas [etária] entre os 25 e os 34 anos (26,9%) e entre os 35/44 anos (19,1%), pertencem às classes A/B (51,1%) e C1 (30,3%), são quadros médios e superiores (33,2%), residentes em regiões urbanas, com a Grande Lisboa a ocupar a maior porcentagem (36,1%) (BAREME IMPRENSA DE MARKEFEST apud SUPERBRANDS, 2009, p.2).

Por esses dados percentuais, percebemos que boa parte do público leitor do jornal Expresso é formada por pessoas adultas, de classe média ou alta e que residem em grandes cidades. Podemos dizer que é um público dinâmico, atento aos principais acontecimentos da atualidade na sociedade portuguesa. Por isso, acreditamos que o jornal aborde principalmente matérias ligadas à política, à economia, às principais práticas culturais e à temas e/ou problemas atuais. Ainda de acordo com Superbrands (2008, p.1), a preocupação do jornal Expresso é ter um caráter inovador, desenvolvendo iniciativas que o valorizem, seja lançando publicações como o Mapa das Estradas, o livro Boa Cama, Boa Mesa, o livro Lusíadas e a

49 No Primeiro Caderno, de acordo com Superbrands (2009, p.1), são publicadas matérias sobre política, internacional ou temas da sociedade. E ainda segundo Heitlinger (2008), há uma seção chamada Rede Expresso em que são publicadas notícias locais, tanto do norte como do sul de Portugal. 50 A Revista Única, segundo Superbrands (2009, p.1), pratica o chamado “jornalismo de fusão” em que um tema é abordado sobre diversas perspectivas com diversos formatos jornalísticos. 51 O caderno Actual, de acordo com Superbrands (2009, p.1), trata de temas relacionados à cultura e espetáculos.

Bíblia com edições inéditas ou desenvolvendo ações de sustentabilidade junto aos seus leitores como o mês da sustentabilidade, o Prêmio Ideias Verdes e o Prêmio Branquinho da Fonseca. Esse comportamento inovador do jornal parece ter correspondência com o seu público leitor dinâmico.

O êxito atual do jornal Expresso junto ao seu público é resultado de uma trajetória construída ao longo das últimas décadas. É um veículo que acompanhou os acontecimentos e transformações recentes na história de Portugal. Sua história é paralela à história da imprensa livre no cenário lusitano após a ditadura de Salazar e a Revolução dos Cravos. Acreditamos que o cumprimento dos nossos objetivos nesse trabalho passa pelo entendimento da trajetória do meio de comunicação que estamos analisando. Por isso, a seguir mostramos como se construiu a história do jornal Expresso no território português.

3.2.1 Atuação histórica do jornal Expresso em Portugal

O jornal Expresso testemunhou e participou de eventos importantes na história recente de Portugal. Ele surgiu em 1973, no período final da crise da ditadura de Salazar (1933-1974), e em um momento em que o país estava sendo pressionado a conceder a independência de suas colônias na África. Foi um período de luta por um regime político democrático e pela independência das colônias portuguesas na África. Por isso, o jornal Expresso nasceu com o intuito de lutar pela democracia (no estilo europeu) e pela descolonização. O veículo dizia que não se identificava, de acordo com Infopédia (2003-2005, p.1), com o regime de Salazar e nem com a oposição. Seu ideal era ser um jornal independente, isento e partidário de um jornalismo voltado para a objetividade, no estilo anglo-saxônico. Devido a esse posicionamento, o Expresso sofreu problemas de censura no regime salazarista. Apesar disso, o jornal conseguiu o que queria, de acordo com Sousa (1998, p.7), devido à “[...] moderação de Francisco Pinto Balsemão [e o] entusiasmo de Augusto de Carvalho”. O Expresso surgiu como um jornal de centro europeu, mas era visto como um jornal de esquerda nacional. A tiragem inicial do jornal era de 65.000 exemplares.

O período posterior ao golpe militar que pôs fim à ditadura de Salazar, em 25 de abril de 1974 (Revolução dos Cravos), representou uma fase difícil para o jornal Expresso. Ele passou a ser rejeitado por diversos setores da sociedade portuguesa porque continuava sendo um jornal independente. Mesmo assim o Expresso continuou lutando por seus ideais

democráticos e descolonizador, mas seu êxito foi maior na busca do primeiro ideal do que pelo segundo ideal. Devido à sua luta democrática, o jornal lançou a edição Expresso-Extra às quartas feiras (além da edição de sábado), entre 1975 e 1976. No início, a composição do jornal era formada por um caderno principal e uma revista. Aos poucos, o veículo foi introduzindo outros cadernos com diferentes formatos como, segundo Infopédia (2003-2005, p.1), “[...] de Economia e Desporto, Emprego e Imobiliário, todos em broadsheet, o grande formato. Em formato tablóide passaram a existir os suplementos Cartaz, Viva e XXI”. O jornal procurou publicar informações nacionais e internacionais separadas das matérias de opinião elaboradas por intelectuais portugueses renomados52. Por isso, o jornal atingiu uma tiragem semanal aproximada de 150 mil exemplares e se tornou o semanário mais vendido no território lusitano.

As mudanças democráticas portuguesas introduziram uma nova configuração no cenário político. Essa configuração desmobilizou a atuação de muitos atores sociais que lutaram pela democracia. Foi o que ocorreu com a imprensa, de acordo com Sousa (1998, p.7), “[...] heróica, política, ideológica [...]” da época. A esquerda radical reposicionou o jornal Expresso do centro para a direita política. Nos anos de 1976 a 1978, o jornal passou por sua primeira grande crise; teve dificuldades financeiras por causa das despesas assumidas com o lançamento da edição extra às quartas-feiras. Foi um período em que o jornal também tentou encontrar um novo rumo em sua atuação, mas não conseguiu.

Já de 1979 a 1981, foi um período de mudanças na direção e na estrutura do jornal Expresso. Francisco Pinto Balsemão53 deixou a direção do jornal Expresso que passou para as mãos de Marcelo Rebelo Sousa e depois para as mãos de Augusto de Carvalho (1981 – 1983) e a revista que era publicada junto com o jornal passou para as mãos de Vicente Jorge Silva. O objetivo foi, segundo Sousa (1998, p.78), “[...] criar dois jornais diferentes num só – o jornal de centro do passado, mais uma revista de futuro, mais à esquerda e sobretudo mais jovem”. Essa foi uma estratégia do jornal Expresso para se tornar líder no tratamento de grandes temas culturais. O veículo produziu grandes publicações como as Memórias de Nixon

52 O Expresso passou a seguir a linha do novo jornalismo que surgiu no século XIX que separa os fatos das opiniões, conforme explicamos no primeiro capítulo, no item “A construção do campo jornalístico”, nas páginas 23-26 . 53 O fundador e primeiro diretor do jornal Expresso, Franscisco Pinto Balsemão ajudou também a construir, em 1975, o Partido Popular Democrático (PPD) que mais tarde passou a se chamar Partido Social Democrata (PSD). Devido a essa ligação, em 1981, Balsemão saiu da direção do jornal Expresso para assumir o cargo de Primeiro Ministro português de 1981 a 1983.

e as entrevistas com Oriana Fallaci54. Foi um momento em que o jornal partilhou seu apoio político aberto à Aliança Democrática55. Diante de todas as inovações realizadas, o Expresso ajudou a colocar a Aliança Democrática no poder.

No período de 1981 a 1983, a escolha de Francisco Pinto Balsemão como Primeiro Ministro de Portugal deu um novo fôlego ao jornal Expresso. Ele apoiou o processo político de Abolição do Conselho Revolucionário de Portugal em que obteve ganhos parciais. Apesar da proximidade de Balsemão com o Expresso, ele nunca interveio no jornal. Ao contrário, por um tempo, o Primeiro Ministro sofreu duras críticas do veículo. Devido a isso, o jornal se afastou do Partido Popular Democrático (PPD)/Partido Social Democrata (PSD)56 e da Aliança Democrática e adotou uma posição mais à esquerda política. Já no final de 1983 até 1985, o jornal Expresso testemunhou um período de estabilidade do Bloco Central 57 na política portuguesa. Foi uma fase de consenso e monotonia, sem grandes acontecimentos para a imprensa política lusitana. No ano de 1983, o Expresso passou por sua segunda grande crise, pois o jornal, de acordo com Sousa (1998, p.8), “[...] não era mais de centro, do arranque da Democracia, do empurrão do PSD, da tensão conjuntural”.

A partir de 1984, a entrada de Jose Antônio Saraiva na diretoria do Expresso, levou o jornal a uma posição de centro esquerda, mas aberto a posições mais à direita. Ficou conhecido como um jornal moderado (árbitro das grandes disputas). Dessa forma, esse veículo de comunicação conseguiu superar sua segunda crise e desvincular-se totalmente de seus fundadores. Foi o momento de institucionalização e grande crescimento do jornal Expresso.

A entrada de Anibal Cavaco Silva no governo português em 1985, como Primeiro Ministro, proporcionou a Portugal um período de maior estabilidade política e um crescimento econômico-social. Nesse período, o país participou da integração européia, a denominada Comunidade Econômica Européia (CEE). O fim do Bloco Central político em

54 Jornalista e escritora italiana que foi esquerdista nos anos 1960 e atualmente é a principal crítica do Islã na Itália. 55 A Aliança Democrática foi uma vinculação de partidos de centro-direita formada pelo Partido Social Democrata (PSD), pelo Centro Democrático Social (CDS) e pelo Partido Popular Monárquico (PPM), em 1979, no parlamento português. Essa aliança elegeu como Primeiro Ministro, Francisco Sá Carneiro, de 1979 a 1980, e depois Francisco Pinto Balsemão, de 1981 a 1983. 56 O PPD foi legalizado em 1975; seus fundadores foram Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão e Joaquim Magalhães Mota. No início, o partido não pode adotar o nome de PSD porque haviam partidos com nomenclaturas bem parecidas com essa. Somente mais tarde, o PPD conseguiu mudar sua denominação para PSD. 57 Aliança formada, entre 1983 a 1985, por dois partidos centrais e importantes da política portuguesa na época, que são o Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Socialista (PS).

Portugal não prejudicou o jornal Expresso porque apesar de ele não concordar com o novo estilo político, entendeu a sua dimensão em relação à área econômica e social. Em um posicionamento esquerdista, o jornal acompanhou as reformas ocorridas de 1985 a 1990 no cenário lusitano. Foi uma atuação moderada correspondente com a realidade de Portugal na época. A partir de 1989, na campanha eleitoral em Lisboa, o Expresso passou a abordar os grandes problemas das cidades e metrópoles, um tema raramente discutido até aquele momento. Nesse mesmo ano, segundo Infopédia (2003-2005, p.1), o veículo passou por uma fase difícil devido à saída de vários membros de sua redação para o novo diário Público. Contudo, o Expresso contratou novos jornalistas e conseguiu dar um novo impulso em sua atuação.

O início da década de 1990 apresentou importantes mudanças no cenário político e econômico europeu. Foi um período em que o governo lusitano (liderado pelo PSD) passou a se preocupar com a política da União Européia e a implantação da nova moeda (o euro), em detrimento da política interna do país. Nesse cenário, o jornal Expresso desempenhou um papel importante, ao antecipar mudanças significativas no cenário político português. Isso foi possível porque, de acordo com Sousa (1998), o Expresso obteve as melhores informações políticas. O jornal pode, por exemplo, desvendar uma crise que ocorreu no governo de Anibal Cavaco Silva um pouco antes de sua saída do governo. A linha editorial do jornal se posicionou cada vez mais à esquerda em relação ao Executivo e foi bem sucedida como ocorreu nas eleições legislativas de 1995 e nas eleições presidenciais de 1996.

No ano de 1995, um fato inédito ocorreu em Portugal, foi um momento em que o Partido Socialista (PS) conseguiu estabelecer uma aliança entre o Presidente da República e o Parlamento. Essa concentração de poder foi, segundo Sousa (1998, p.9), “[...] acompanhada de uma colagem de informação ao governo, já não na via publicista do período anterior, mas pela via dos acordos e aproximações entre os donos privados dos meios e o Executivo”. O jornal Expresso não participou dessa “colagem de informação” que predominou na maior parte da mídia portuguesa, por isso era visto como um jornal de oposição pelo governo português. Na realidade, o posicionamento do jornal continuava na esquerda moderada ou de centro esquerda. Ao não se alinhar à convergência temporária entre o governo português e os proprietários dos meios de comunicação, o Expresso demonstrou-se coerente com seus próprios valores.

Os anos 2000 representaram para o jornal Expresso um período de inovações e transformações em sua atuação. No ano de 2003, o jornal deixou seu histórico edifício localizado na rua Duque de Carmela e se instalou no edifício São Francisco de Sales junto a outros jornais e revistas produzidos pelo grupo Impresa. Já em 2006, o Expresso adotou algumas transformações em seu formato: passou do formato broadsheet para o formato berliner (único jornal com esse formato em Portugal).

Por muito tempo, o Expresso foi considerado um jornal de credibilidade e era conhecido como o jornal das pessoas que “sabiam ler”. A credibilidade do jornal Expresso se manifestava, de acordo com Superbrands (2009, p.1), “[...] na frase ‘Acredite se ler no <>’ [...] [ e o gosto pela leitura resumia-se] em três slogans que acompanharam a história do jornal: ‘Nunca mais é sábado’ para que ‘os grandes leitores que fazem um grande jornal’ leiam “muito mais do que palavras’ [...]”. O reconhecimento público da importância que o Expresso tem para os portugueses pode ser confirmado pelos diversos prêmios que ele ganhou ao longo do tempo. Entre os principais prêmios, de acordo com a mesma fonte, estão: Medalha de Mérito Cultura (1987); Meios & Publicidade (2002 a 2009); European Newspaper Award (2007); World’s Best-Designed Newspaper concedido pela Society for News Design (2007-2008); medalha de ouro de Redesign para a Revista Única atribuído pela Society for News Design (2009); etc. Além isso, há mais de 20 anos o jornal Expresso promove o prestigiado Prêmio Pessoa que reconhece a atuação importante de pessoas do meio artístico, literário e científico na sociedade portuguesa.

Pela trajetória do jornal Expresso, é possível traçarmos algumas considerações sobre sua atuação no contexto português. Ao longo do tempo, o Expresso manteve seus objetivos iniciais referentes à Democracia e à Descolonização que atualmente podem ser entendidos, de acordo com Sousa (1998, p.11), como “[...] Democracia, União Européia, Mundo da Lusofonia”. O período de 1973 a 1983, pode ser considerado a “fase fundacional do jornal” que tinha como diretores: Francisco Pinto Balsemão, Marcelo Rebelo de Sousa e Augusto de Carvalho. Foi o período em que o veículo de comunicação manteve intensas ligações com o PPD/PSD. Somente com a saída de seus fundadores é que, a partir de 1984, sob a longa direção de Jose Augusto de Saraiva, o jornal Expresso assumiu um posicionamento de centro esquerda ou esquerda moderada. Foi o momento que esse jornal se institucionalizou e passou a ter uma preocupação social mais acentuada. A formação de esquerda do novo diretor deu ao jornal Expresso nova estabilidade institucional, novo conteúdo e estilo. Mudanças que contribuíram muito para a consolidação e legitimidade da atuação do jornal Expresso na

sociedade portuguesa ao longo de sua história. Ademais, é importante, ainda de acordo com Sousa (1998), reconhecer a contribuição de Francisco Pinto Balsemão que soube se afastar no momento certo do jornal. Por essas considerações, vemos a importante atuação do jornal no contexto português. As matérias produzidas por um jornal tão significativo são referências de assuntos e discussões para muitos portugueses. É exatamente essa característica que valida e justifica nossa escolha pelo jornal Expresso para analisar as notícias e reportagens sobre a mulher brasileira na mídia portuguesa.

3.2.2 Código de conduta dos jornalistas do Expresso

O jornal Expresso tem um conjunto de valores que rege a conduta de seus jornalistas58. Para os propósitos da nossa pesquisa, citamos, resumidamente, cada um desses valores, visto que, acreditamos que eles podem nos ajudar a analisar melhor as enunciações do veículo. A seguir, de acordo com o próprio jornal Expresso (2011, p.1-3), especificamos rapidamente o que compreende cada um desses valores59.

1) Objetividade: o Expresso reconhece que a objetividade absoluta não existe, mas acredita que ela deve ser um critério na busca da “verdade factual”. Para tanto, o jornalista deve buscar a pluralidade de fontes, o trabalho em equipe e a investigação cuidadosa e sem preconceitos; 2) Exatidão: o jornalista não deve divulgar informações imprecisas e sem rigor que distorça os fatos. O uso de nomes fictícios só é tolerado para proteger a identidade de fontes, desde que seja informado; 3) Fontes não identificadas: a identificação das fontes é uma forma de dar credibilidade e autoridade à informação. Por isso, o jornalista deve evitar a citação anônima, o rumor e identificar a fonte de origem de uma informação; 4) Plágio: o jornal não aceita o uso do plágio, todas as transcrições devem ter a identificação dos autores; 5) Honestidade de procedimentos: todas as pessoas e organizações colocadas em causa nas notícias do jornal têm o direito de apresentar seus argumentos em condição de

58 O Código de Conduta do jornal Expresso trata dos princípios éticos que o jornal considera importante para na atuação de seus jornalistas e não trata especificamente da política editorial do jornal. 59 O Código de Conduta dos jornalistas do Expresso completo está disponível no Anexo A da presente dissertação.

igualdade. De acordo com o jornal Expresso (2011, p.1), “(...) a função do jornal não é julgar, não devendo confundir suspeita com culpa”; 6) Correção dos erros: o jornal reconhece que erros ou enganos podem acontecer, mas acredita que é seu dever corrigí-los. Por isso, erros e omissões devem ser claramente assumidos e corrigidos com devida importância; 7) Direito de respostas: os jornalistas do Expresso devem dar o direito de resposta a pessoas e organizações desde que seja devidamente fundamentado; 8) Linguagem: a linguagem textual do jornal deve ser acessível à maioria dos leitores. Os jornalistas devem evitar o uso abusivo da gíria e de jargões técnicos; 9) Opinião: para o Expresso, opinião e informação devem ser diferenciadas e assinadas; 10) Assinatura: todas as produções do jornal devem ser assinadas, exceto textos da primeira e da última página ou em casos específicos; 11) Releitura das entrevistas: geralmente, as entrevistas não devem ser mostradas aos entrevistados antes da publicação, somente em casos excepcionais autorizados pela direção; 12) Privacidade: os jornalistas do Expresso devem respeitar a privacidade, a vida familiar, a casa, a saúde e a correspondência de todos os cidadãos. Somente em situações legítimas e de interesse público a invasão de privacidade é permitida. 13) Independência: o Expresso reconhece o direito dos seus jornalistas participarem de movimentos políticos, sociais e culturais enquanto cidadãos. Mas acredita que o mesmo não possa escrever matérias sobre entidades que ele tenha algum tipo de relação; 14) Assessoria e gabinetes de imprensa: os jornalistas do Expresso não podem exercer, além de suas funções no jornal, atividades de assessoria de imprensa em outras instituições ou ser proprietário de empresas dessa natureza; 15) Atividades fora do jornal e dever de lealdade: o jornalista só poderá prestar serviços jornalísticos a outras entidades desde que comunique ao jornal Expresso. Entretanto, não poderá prestar tais serviços quando houver conflito de interesses com os assuntos que o jornalista aborda no Expresso; 16) Jornalismo financeiro: o jornalista do Expresso não pode usar em proveito próprio ou divulgar a terceiros informação financeira recebida no exercício de sua profissão; 17) Ofertas: o veículo proíbe que seus jornalistas aceitem ofertas (gratificações, presentes, etc.) de terceiros cujo valor seja superior a 10% do salário mínimo nacional;

18) Pagamento da informação: a regra do Expresso é não se pagar por informações e entrevistas, os casos muito excepcionais deverão ser avaliados pela direção editorial; 19) Publicidade: os anúncios publicitários e promocionais devem ser bem identificados a fim de que não sejam confundidos pelo leitor. O nome de empresas e marcas só deve aparecer em matérias quando forem úteis para a informação; 20) Viagens: os jornalistas do Expresso só poderão aceitar convites em viagens oficiais ou particulares desde que sejam autorizadas pela direção do jornal e seja reconhecido seu interesse jornalístico; 21) Discriminação: de acordo com o Expresso, qualquer tipo de discriminação deve ser evitado. A “identificação discriminatória” só é permitida quando for um elemento importante para uma matéria jornalística; 22) Assédio: Para obter informações ou imagens, os jornalistas do Expresso não podem usar o recurso à intimidação, à chantagem, ao assédio, à perseguição ou à vigilância; 23) Respeito pela dor: os jornalistas não devem obter informações das pessoas em momentos de dor, de sofrimento, de fragilidade física ou psicológica. Deve-se priorizar a obtenção de informações em momentos de serenidade; 24) Crianças: a identidade de menores de 16 anos deve ser preservada. A obtenção de declarações ou imagens de crianças e adolescentes sobre assuntos que os envolvam só são permitidas com o consentimento dos seus responsáveis legais; 25) Crimes sexuais: uma vítima de abuso sexual não pode ser identificada sem a sua autorização. Em crimes e escândalos de natureza sexual, os menores envolvidos não podem ser identificados.

A partir dos valores apresentados pelo Código de Conduta elaborado pelo jornal Expresso para seus jornalistas, vemos que o veículo busca o exercício de um jornalismo ético, objetivo e cidadão (acima de interesses particulares). São pressupostos do jornalismo ocidental exercido em muitos países, como ocorre também no Brasil. Por isso, consideramos que a síntese apresentada sobre o Código de Conduta do jornal é uma forma de conhecermos um pouco melhor o modo de produção de matérias pelo Expresso, bem como nos ajuda a entender como ocorre a construção de seus enunciados sobre a mulher brasileira, na versão digital, que analisamos no próximo capítulo.

. . .

Pelo caminho percorrido no presente capítulo, pudemos verificar alguns acontecimentos que influeciaram, com base nas referências consultadas, a construção de algumas representações da mulher brasileira entre os portugueses. Mostramos que a partir das relações coloniais entre Brasil e Portugal surgiram alguns aspectos das primeiras representações sobre a mulher brasileira. Na época, a mulher indígena e a mulher negra serviam para a manutenção sexual do colonizador. Foi um acontecimento que ajudou a construir a representação do Brasil como um lugar voltado para o sexo, a nudez e a liberdade (em resumo um “paraíso tropical”). Mais tarde, surgiram outras representações que acentuaram, ainda mais, essa percepção da mulher brasileira pelos portugueses com a divulgação do carnaval brasileiro como um elemento da identidade brasileira ao redor do mundo, inclusive em Portugal. É um evento que constrói a percepção de um país de cultura permissiva e promíscua por meio da figurativização da “mulata seminua sambando”. São algumas representações que influenciam diretamente a percepção dos portugueses sobre a mulher brasileira vista, conforme já nos apontou Cunha (2005, p.537), “[...] como arquétipo de sensualidade, disponibilidade sexual e transitoriedade afetiva”.

Além disso, as representações da mulher brasileira se tornaram ainda mais negativas entre os portugueses com a presença excessiva de imigrantes brasileiros em Portugal na contemporaneidade. Entre eles, há muitas mulheres imigrantes brasileiras que exercem diversas atividades ou se prostituem em território lusitano. Elas não são bem aceitas pelos portugueses porque são vistas, a partir de algumas representações abordadas anteriormente, com desconfiança por serem imigrantes ilegais e competitividade porque podem concorrer com os portugueses pelas escassas vagas de emprego no país. Muitas vezes, os portugueses associam essas mulheres à figura da prostituta e quando algumas dessas mulheres realmente são prostitutas parecem confirmar, ainda mais, algumas das representações existentes no imaginário português. Essas percepções são construídas a partir do posicionamento e dos valores ideológicos de cada grupo ou classe social portuguesa que se manifestam em suas enunciações. Mostramos que a mídia capta uma parte dessas representações e as apresenta em seus diversos produtos midiáticos/jornalísticos como, por exemplo, as matérias de jornais, de revistas e televisão na mídia portuguesa e estrangeira. Nesse ponto, indicamos que o jornal Expresso tem apresentado matérias que influenciam na (des)construção de algumas representações da mulher brasileira como ocorreu no caso Mães de Bragança.

Nesse caminho, vimos que o jornal Expresso é um veículo de comunicação que tem publicado diversas notícias e reportagens, nos últimos anos, sobre a mulher brasileira em que a associa, conforme apontamos anteriormente, à clandestinidade. Desse modo, apresentamos também algumas características do jornal Expresso, sua atuação histórica, e o Código de Conduta de seus jornalistas. Essas reflexões nos mostraram a importância que o jornal Expresso tem entre os portugueses e a influência que ele pode exercer entre os mesmos.

Tudo que foi abordado no presente capítulo são fontes de alguns discursos sobre a mulher brasileira que nos revelam os modos como ela é vista entre os portugueses (FIs) que fundamentam algumas regularidades discursivas sobre ela (FDs) de alguns grupos e classes sociais de Portugal. Essas reflexões servem de base para as análises das oito matérias sobre a mulher brasileira na versão digital do jornal Expresso que realizamos no quarto capítulo. Nele, apresentamos também os resultados obtidos que nos mostram se os sentidos produzidos pelos enunciados do jornal Expresso (des)constroem as representações da mulher brasileira no contexto português.

Capítulo 4: Representações da mulher brasileira na mídia portuguesa: jornal Expresso

As reflexões que apresentamos sobre a construção de algumas representações da mulher brasileira, assim como alguns dados sobre o jornal Expresso no terceiro capítulo, nos ajudarão, neste capítulo, a verificar como se constrói alguns posicionamentos ideológico- discursivos sobre a mulher brasileira nas matérias que analisaremos. Acreditamos que essas representações da mulher brasileira abordadas sirvam como fonte de discursos que constroem alguns posicionamentos ideológicos (FI), presentes em algumas Formações Discursivas (FDs), que nos possibilitarão identificar quais são os sentidos produzidos pelo discurso do jornal Expresso nas notícias e reportagens sobre a mulher brasileira.

Para tanto, realizamos a análise de oito matérias que foram selecionadas na versão digital do jornal Expresso, entre os anos de 2008 e 2009. Essas notícias/reportagens, conforme apontamos no segundo capítulo, se referem às mulheres imigrantes brasileiras que vivem em Portugal, são prostitutas ou exercem outras ocupações profissionais e são abordadas pelo jornal Expresso em situações cotidianas. No caso das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem, as matérias selecionadas se referem, principalmente, a algum episódio de transgressão social, como as notícias e as reportagens em que elas são responsabilizadas por alguma instabilidade causada a sociedade portuguesa. Já no caso das mulheres imigrantes brasileiras que exercem outras ocupações profissionais, predominam matérias sobre situações cotidianas, em geral, em que os portugueses associam a presença dessas mulheres, de nacionalidade brasileira, em Portugal à prática da prostituição e à figura da prostituta. De modo geral, em todas as notícias e reportagens verificamos como o discurso do Expresso associa as mulheres imigrantes brasileiras em Portugal à clandestinidade.

Essas matérias60 são analisadas separadamente; em cada uma apresentamos um Quadro de Formações Discursivas com as FDs, os sentidos e os valores-notícia identificados. A ordem como estão expostas as notícias e as reportagens é de acordo com a data de publicação delas, iniciamos as análises no ano de 2008 e terminamos no ano de 2009. A ordem em que elas estão expostas é: Matéria 1 - Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritariamente brasileiras e de Leste; Matéria 2 - Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras; Matéria 3 - Caso “Mães de Bragança” vira pesquisa universitária;

60 As matérias do jornal Expresso são divididas em notícias e reportagens, sendo que as notícias são: Matéria 1 Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritariamente brasileiras e de Leste; Matéria 2 Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras; Matéria 8 Fátima: Maior problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações. Já as reportagens são: Matéria 3 Caso “Mães de Bragança” vira pesquisa universitária; Matéria 4 Filhas de Bragança; Matéria 5 Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos; Matéria 6 Morar ao lado da prostituição; e Matéria 7Mercado sexo não escapa à crise;

Matéria 4 - Filhas de Bragança; Matéria 5 - Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos; Matéria 6 - Morar ao lado da prostituição; Matéria 7 - Mercado sexo não escapa à crise; Matéria 8 - Fátima: Maior problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações.

Após as análises apresentamos um Quadro Geral de Formações Discursivas, separado por matérias, com todas as FDs, os sentidos e os valores-notícia identificados que servem de base para discutirmos os resultados obtidos. Além disso, quantificamos e especificamos, separadamente, as FDs, os sentidos e os valores-notícia em gráficos e apontamos algumas reflexões sobre eles. A partir desses dados, fazemos um cruzamento entre as três principais FDs, sentidos e valores-notícia identificados ao longo das análises. Por essas reflexões, poderemos responder, nas considerações finais, as perguntas de nossa pesquisa, verificar nossas hipóteses e cumprir os objetivos de nossa pesquisa.

4.1 Análise do Discurso das matérias sobre a mulher brasileira no jornal Expresso

4.1.1 Matéria 1 (M1) – Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritariamente brasileiras e de Leste

A notícia Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritariamente brasileiras e de Leste61, elaborada pela agência de notícias Lusa, foi publicada na seção Última Hora da versão digital do jornal Expresso, no dia 7 de fevereiro de 2008. Ela apresenta o estudo Tráfico de Mulheres em Portugal para Exploração Sexual, produzido pela pesquisadora Madalena Duarte, do Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra, entre os anos de 2005 e 2007. A matéria aponta que o estudo mostra quem são as mulheres exploradas sexualmente em Portugal, as causas da exploração e a atuação do Estado português frente a essa situação. Tendo isso em vista, apresentamos a seguir, no Quadro de Formações Discursivas, as Formações Discursivas (FDs) identificadas na notícia em questão e os principais sentidos encontrados em cada Formação Discursiva (FD).

4.1.1.2 Quadro de Formação Discursivas da Matéria 1 (M1)

61 A notícia está disponível no Anexo B do presente trabalho.

M1 – Formação Discursiva 1 (FD1) “Ciência”: por muito tempo ao longo da história da humanidade, o saber humano se fundamentou na crença e nos mitos que eram passados de geração a geração. Era dessa forma que o homem conhecia o mundo e passava a explorá-lo. O conhecimento advinha das experiências cotidianas do mundo e também de valores e regras definidos pela Igreja Católica. Entretanto, desde o Renascimento, nos séculos XV e XVI, e mais ainda após o Iluminismo, no século XVIII, a ciência passou a ser fonte de conhecimento mais válida para o homem. O saber passou a ser fundamentado a partir da pesquisa, da evidência e da razão. Isso se acentuou ainda mais no decorrer dos últimos séculos e para que algo tenha validade precisa passar pelo crivo da ciência. Existem críticas quanto a essa forma de conhecimento, pois há quem defenda que ele não seria o único. Entretanto, é a forma mais aceita quando se trata de mostrar a validade de algum saber. No caso da notícia em análise, o jornal Expresso mostra que as informações apresentadas sobre a exploração sexual de mulheres, de outras nacionalidades, em Portugal foram obtidas por meio de uma pesquisa científica. Para tanto, o jornal usa as palavras da pesquisadora responsável, Madalena Duarte, a fim de tornar as informações válidas. De acordo com Charaudeau (2009), quando aborda os modos discursivos midiáticos, no item “acontecimento provocado”62, nos diz que, algumas vezes, a mídia aborda acontecimentos cujas falas são exteriores a ela, motivadas por um tema e justificadas pela identidade de quem fala como, por exemplo, um especialista. Tal situação parece ocorrer na matéria em questão, já que o jornal Expresso justifica a apresentação da informação pela identidade da pesquisadora que é especialista no tema da exploração sexual de mulheres imigrantes63. Não devemos esquecer também que o assunto é um tema muito atual em Portugal64 e por isso justifica-se também essa abordagem. Vejamos como ocorre essa abordagem discursiva na notícia e a produção de sentido:

M1 – FD1 – Sentido A “Legitimidade e Credibilidade da Informação”: o jornal Expresso procura dar legitimidade e credibilidade às informações que são apresentadas na notícia Coimbra: mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritariamente brasileiras e de Leste, ao mostrar a fonte dos dados apresentados e ao trazer citações diretas ou indiretas da pesquisadora responsável, Madalena Duarte, sobre o assunto. Apesar de ter sido a agência de notícias Lusa a responsável pela produção da matéria e o jornal Expresso ter sido o meio de comunicação que a

62 Abordamos esse assunto no segundo capítulo da presente Dissertação nas páginas 81-82. 63 Entretanto, esse “acontecimento provocado” não ocorre, conforme apontou Charaudeau (2009), em um espaço específico de expressão da opinião como um editorial de um jornal, mas sim na própria notícia. 64 A atualidade é um critério de noticiabilidade que se encontra no valor-notícia “tempo” e “tempo do acontecimento ou frequência de sinal”. Por isso, se justifica a abordagem da notícia.

veiculou, acreditamos que a mesma apresente elementos que são correspondentes ao próprio modo de o jornal Expresso elaborar uma matéria. Podemos citar como exemplo, nesse caso, que a notícia/reportagem em questão apresenta, constantemente, a fonte das informações sobre a pesquisa nas citações diretas e indiretas, procedimento que vai ao encontro do Código de Conduta do jornal Expresso65 quando defende no item 2 a “Exatidão”, a divulgação de informações precisas e no item 3 “Fontes não identificadas”, a identificação das fontes para dar credibilidade às informações. Tendo isso em vista, acreditamos que o jornal Expresso concorde, em boa parte, com a forma e o conteúdo em questão produzido pela agência Lusa. Dessa maneira, podemos dizer que ambos acreditam que apresentar as informações por meio da fala de um especialista traz legitimidade e credibilidade para o que está sendo abordado. Há um posicionamento ideológico-discursivo presente na FD1 “Ciência” que defende que somente o discurso científico pode apresentar um conhecimento válido e verdadeiro. Por isso, o jornal Expresso se fundamenta nessa FD para construir suas enunciações quando produz o sentido de credibilidade e legitimidade que a informação científica tem. Podemos ver essa construção em alguns trechos da matéria como: “O perfil foi apresentado [...] pela investigadora Madalena Duarte, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra [...]”; “O estudo ‘Tráfico de Mulheres em Portugal para a exploração sexual’ foi encomendado ao CES [Centro de Estudos Sociais] da Universidade de Coimbra pela Comissão de Igualdade e Gênero [...]”; “Segundo a investigadora e socióloga [...]”; “Madalena Duarte refere [...]”; “De acordo com a responsável pelo estudo [...]”; etc. Nesses trechos, vemos que os enunciados procuram deixar bem claro quem é a responsável pela informação, qual é sua profissão/especialidade e a que instituição científica pertence. Essa descrição minuciosa da fonte de informação são os recursos utilizados pelo jornal Expresso para dar legitimidade e credibilidade à informação que está sendo noticiada. É por isso que acreditamos que a notícia em questão constrói esse sentido.

M1 – Formação Discursiva 2 (FD2) “Ordem/Desordem”: conforme o ser humano passou a explorar o mundo em que ele vive, ele passou a organizar, a classificar e a definir todas as coisas existentes. A organização trouxe a ele segurança e em relação a realidade em que vive. Por isso, o homem passou a buscar a ordem das coisas nas mais diversas situações. Já a

65 65 O Código de Conduta dos jornalistas do Expresso pode ser consultado integralmente no Anexo A da presente Dissertação ou resumidamente no terceiro capítulo nas páginas 121 a 123.

desordem é vista como sinônimo de desorganização, aquilo que é estranho é considerado negativo pelo homem. Isso acontece porque ele desconhece um determinado elemento ou situação e não consegue lidar com isso. Dessa forma, desde a Antiguidade até a atualidade66, é comum o homem colocar ordem em tudo o que o cerca a fim de dominar e racionalizar a realidade à sua volta. Na notícia em questão, vemos a presença de alguns sentidos que priorizam a ordem ou a desordem que estão ligadas à presente FD2 “Ordem/Desordem”. São sentidos que, de alguma forma, consideram o que está ligado à ordem como algo positivo e o que está ligado à desordem como algo negativo:

M1 – FD2 – Sentido A “Legal/Ilegal”: em uma sociedade o Estado procura manter a ordem por meio de um conjunto de instituições públicas que combatem o que foge ao seu controle (a legalidade). Em boa parte das situações, o Estado consegue manter a legalidade, mas dificilmente em sua totalidade. Por isso, por mais eficiente que seja a atuação de um Estado, sempre poderá haver um número mínimo que seja, de práticas e situações ilegais que fogem ao seu controle. É o que ocorre com a exploração sexual de mulheres imigrantes em Portugal apontadas na notícia em questão. O enunciado do jornal Expresso mostra que o fenômeno ocorre porque há a atuação de traficantes, principalmente em outros países, que levam as mulheres imigrantes para serem exploradas sexualmente em Portugal. Para justificar a falta de controle sobre a situação, o jornal Expresso apresenta enunciados que apontam a responsabilidade do fenômeno para agentes e dimensões que vão além do Estado português. A produção discursiva do jornal Expresso mostra que a causa do problema é externa ao Estado português já que admite, nas palavras da pesquisadora sobre o assunto, que o recrutamento das mulheres imigrantes exploradas sexualmente ocorre nos países de origem e com o estímulo de pessoas próximas e de confiança dessas mulheres como vemos nos trechos: “[...] a dificuldade das políticas de combate a este crime [...] [está no fato de que o recrutamento] passa por familiares, amigos e colegas de trabalho”, “Situações que tornam difícil a obtenção de provas [...]”, “[...] os recrutadores estão na origem, local para onde as mulheres pretendem depois regressar”. Nesse ponto, vemos a presença de dois valores-notícia que tornam o acontecimento em questão noticiável para o jornal Expresso. São os valores-notícia “significância”67, ligada ao

66 Muitos estudiosos denominam a atualidade de “pós-modernidade”, mas existem controvérsias sobre essa denominação/classificação que não serão discutidas em nossos estudos. 67 O valor-notícia “significância” apontado aqui está indicado no primeiro capítulo, na página 46, como “notoriedade e significância”. Nas análises acima, indicamos somente o valor “significância” por que o valor

etnocentrismo, e a “proximidade e amplitude” (valores-notícia de seleção – critério substantivo) que valorizam o que tem proximidade cultural e desvalorizam o que é distante. Por essa perspectiva, queremos dizer que a construção discursiva do jornal Expresso valoriza a atuação do Estado português e desvaloriza a atuação dos traficantes/exploradores sexuais cuja maioria são provenientes de outros países. Contudo, devemos reconhecer que o discurso do jornal Expresso admite a participação de portugueses nesse fenômeno quando apresenta o perfil dos exploradores: “São, na sua maioria, homens entre os 30 e 40 anos, havendo o envolvimento de portugueses, que assumem o papel de donos, transportadores e seguranças [...]”. Embora reconheça a atuação dos portugueses na exploração sexual das mulheres imigrantes, o discurso do Expresso reconhece, nas palavras da pesquisadora Madalena Duarte, que a criminalização dos clientes portugueses que sustentam financeiramente esse fenômeno, já que pagam pelos “serviços sexuais” dessas mulheres e cujo dinheiro é distribuído aos participantes do esquema, é um ponto polêmico, porque, ao mesmo tempo em que são responsáveis pelo financiamento do tráfico, não deixam de ser portugueses. Isso é expresso no seguinte trecho: “[...] embora um aspecto da Lei que se prende com a criminalização de clientes esteja envolto em polêmica”. Mais uma característica da notícia que confirma o uso do valor-notícia “significância”, que defende tudo aquilo que é familiar aos enunciadores. Pelo posicionamento ideológico- discursivo do enunciador, o Estado português vem fazendo o seu papel no combate ao tráfico de exploração sexual como quando diz que “[...] os operadores judiciais tem uma ‘visão optimista’ do novo Código de Processo Penal [...]”, mas quando se trata de responsabilizar os portugueses pela atuação no fenômeno, como acontece com os clientes portugueses, apresenta resistência, porque a comunidade jornalística defende tudo aquilo que lhe é familiar ao seu contexto de enunciação (ou seja, as Condições de Produção – CPs), a uma determinada sociedade, por meio dos valores notícias “significância” e “proximidade e amplitude” (valores notícia de seleção – critérios substantivos) identificados na notícia em questão. Para o enunciador, a desordem que possibilita a existência do tráfico de exploração sexual são condições existentes em outros países que fogem à ordem social e à legalidade existente em Portugal. Esse posicionamento apresenta outro valor-notícia usado pelos jornalistas para destacar a

“notoriedade” não foi identificado nesta situação. Já a especificação “etnocentrismo” é um critério existente dentro desse valor-notícia que está dividido em “etnocentrismo” e “relevância”. Essa identificação se repete em diversas situações ao longo das análises em que apontamos apenas o valor-notícia “significância” (etnocentrismo).

noticiabilidade dos acontecimentos que é a “consonância” (valor-notícia de construção). Por ele, os jornalistas procuram destacar elementos de um acontecimento que sejam consonantes às normas sociais existentes que no caso da notícia em questão, é a atuação eficiente do Estado lusitano e a boa conduta dos portugueses. Nessa zona discursiva, encontramos tudo o que é válido e legal para o enunciador e a sociedade portuguesa. Já o que é errado e ilegal pertence aos países de origem das mulheres exploradas sexualmente e as redes de tráfico atuantes em outros países. Contudo, devemos dizer que as enunciações do jornal Expresso reconhecem, na voz da pesquisadora, que um trabalho eficaz para o combate ao tráfico de mulheres exploradas sexualmente seria por meio da articulação entre a polícia portuguesa e as polícias ou congêneres dos países de origem dessas mulheres como vemos no seguinte trecho: “[...] a investigadora do CES defende uma ‘maior articulação entre as polícias nacionais e as congêneres do país de origem’ [...]”. A notícia em questão nos permite a construção desse sentido contraditório entre o legal e o ilegal.

M1 – FD2 – Sentido B “Riqueza/Pobreza”: a quantidade de recursos financeiros e materiais que uma pessoa, uma organização ou um país tem define, muitas vezes, sua classe social e suas condições de vida. A riqueza é sinônimo de abundância de recursos que possibilita o acesso a bens que promovem o conforto e a qualidade de vida. Para uma pessoa, a riqueza é a condição que promove, muitas vezes, o acesso à boa educação e a boas oportunidades de vida. Ela promove a estabilidade, ou seja, a ordem, na vida de uma pessoa. Já a pobreza que representa o acesso escasso aos recursos materiais e financeiros, é uma situação que oferece más condições de vida para um indivíduo. Nesse caso, algumas vezes, as pessoas não têm acesso a uma boa formação educacional e por isso, não tem boas oportunidades de emprego e, outras vezes, as pessoas não podem nem estudar porque a necessidade as leva a trabalhar. É uma condição que leva as pessoas a viverem em situações de instabilidade, ou seja, de desordem. A riqueza e a pobreza são condições de vida vistas, muitas vezes, a partir dessas regularidades discursivas por determinados grupos e classes sociais, as quais, dependendo de seu posicionamento ideológico, produzem discursos que justificam essas condições de vida68. Na notícia em questão, vemos a construção do sentido

68 A riqueza e a pobreza são vistas, muitas vezes, por esse posicionamento ideológico-discursivo, mas isso não quer dizer que não existam outros posicionamentos ideológico-discursivos a respeito. Na atualidade, há muitas pessoas que conseguem melhorar ou piorar suas condições de vida, de acordo com o comportamento adotado,

“Riqueza/Pobreza” quando o jornal Expresso utiliza enunciados para justificar os motivos pelos quais as mulheres imigrantes vão para Portugal, conscientes ou não, para serem exploradas sexualmente. De acordo com as informações apresentadas pela pesquisadora Madalena Duarte, a justificativa é que muitas dessas mulheres vivem em situação de pobreza e miséria. A necessidade seria um fator que torna essas mulheres vulneráveis a aceitarem as propostas dos traficantes sexuais e/ou a tomarem decisões de se prostituir em outros países. A situação de escassez dessas mulheres chamou a atenção do jornal Expresso porque é um critério de noticiabilidade. Nesse ponto, o valor-notícia identificado é a “notabilidade” (valor-notícia de seleção – critério substantivo) que se refere também à inversão (ao que é contrário do normal) como acontece com a miséria que essas mulheres vivem. Os enunciados que confirmam esse sentido são os seguintes trechos: “A maioria das mulheres exploradas sexualmente em Portugal são [...] provenientes de contextos sociais fragilizados, classes baixas e com filhos [...]; “[...] situações de vulnerabilidade econômica e social”. O jornal Expresso escolheu a condição de pobreza das mulheres imigrantes para justificar o motivo que as leva a serem exploradas sexualmente em Portugal; e desse modo produziu o sentido “Riqueza/Pobreza”.

M1 – Formação Discursiva 3 (FD3) “Mulher Brasileira”: desde os tempos da colonização portuguesa no Brasil tem se construído em Portugal uma série de regularidades discursivas que indicam como é o “comportamento da mulher brasileira”. As primeiras percepções construídas advêm do fato da mulher índia e da mulher negra terem servido para a manutenção sexual do colonizador. É uma situação que construiu a ideia de uma mulher com disponibilidade sexual e de uma mulher volúvel. Um comportamento que foi confirmado, mais tarde, com a veiculação de imagens do carnaval brasileiro ao redor do mundo. É um evento do culto ao corpo, da sensualidade e da nudez representado, muitas vezes, pela “mulata seminua sambando”. Mais uma situação que cria a percepção da falta de seriedade da mulher brasileira. São acontecimentos que construíram algumas representações sobre ela entre os portugueses que influenciam a forma como ela é vista atualmente. Outro fator que vem contribuindo para essas percepções é a recente imigração brasileira em Portugal. Desde a década de 1990, muitos brasileiros vão para Portugal em busca de melhores condições de vida. Entre esses imigrantes, há muitas mulheres que vão para lá para se prostituírem. A

sem que a condição material seja determinante. Por exemplo, há muitas pessoas que conseguem enriquecer porque tiveram uma boa formação educacional, apesar de terem crescido na pobreza.

presença de prostitutas brasileiras em Portugal confirma ainda mais as representações da mulher brasileira ligadas à disponibilidade sexual e à volubilidade. Mas essa situação não ocorre somente com as prostitutas, boa parte das mulheres de nacionalidade brasileira são associadas a essas representações, independentemente da atividade que exerçam em Portugal. É uma situação de generalização sobre ”o comportamento da mulher brasileira’ que não abre espaço para outras percepções. A mídia tem colaborado com a construção dessas representações por meio de seus produtos midiáticos/jornalísticos69 como: ao veicular as novelas brasileiras em Portugal; ao divulgar imagens da mulher brasileira seminua no exterior para incentivar o turismo, no Brasil; para vender produtos brasileiros no exterior e ainda ao produzir matérias sobre a mulher brasileira associadas à prostituição. A partir dessa FD, vejamos o sentido que é produzido pela notícia em questão:

M1 – FD3 – Sentido A “O comportamento da mulher brasileira”: tendo por base as regularidades discursivas que foram construídas sobre o comportamento e a personalidade da mulher brasileira, o jornal Expresso constrói as enunciações da notícia apontando que a maior parte das mulheres imigrantes brasileiras que são exploradas sexualmente em Portugal não está no papel de vítimas, mas que elas fazem isso conscientes e por opção. Diferentemente de mulheres de outras nacionalidades como as romenas e as africanas que são vítimas. Podemos verificar isso no seguinte trecho:

Entre as exploradas, Madalena Duarte, refere que existem dois tipos: “as que sabiam que vinham para a indústria do sexo mas desconheciam as condições e as que desconheciam que vinham para a prostituição e foram obrigadas”. “Mas a grande maioria, sobretudo as brasileiras, sabia que vinham para a prostituição”, salientou a investigadora, contrariamente às de Leste que “desconheciam que vinham para a prostituição”(LUSA, 2008a, p.1).

É um enunciado que, apesar de ter comprovação científica, é construído pelo jornal Expresso tendo por base a FD em questão. Se o “comportamento da mulher brasileira” é diferente de outras mulheres e associado à ideia de disponibilidade sexual e volubilidade, então é “natural” que ela opte por se prostituir de modo consciente. Além disso, o discurso do enunciador apresenta a mulher imigrante brasileira que se prostitui em Portugal em uma posição privilegiada porque a notícia diz que boa parte das prostitutas brasileiras pratica a prostituição de forma mais sofisticada, junto com as

69 Especificamos como ocorre a influência dos produtos midiáticos/jornalísticos no 3º capítulo, nas páginas 105 a 113.

prostitutas do Leste Europeu, do que as prostitutas de outras nacionalidades. Vejamos o trecho que confirma essa enunciação: “A tendência, segundo a socióloga, é para as brasileiras e as de Leste serem colocadas ‘em prostituição abrigada e de luxo’ e as africanas e romenas nas ruas”. Acreditamos que, nesse caso, também a FD3 “Mulher Brasileira” nos explica porque os enunciados apresentam as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em posição privilegiada. Existe uma série de enunciados sobre a disponibilidade sexual da mulher brasileira que apontam sua “competência” nessa área e por isso ela tem direito a “posição privilegiada”. Já as mulheres de outras nacionalidades (romenas e africanas), no discurso do jornal Expresso, são vítimas de exploradores sexuais dos seus países de origem e só aceitam se prostituírem porque são forçadas ou porque as condições de pobreza as obrigam. Ademais, a notícia procura deixar bem claro também que no Brasil não há redes de tráfico de exploração sexual como nos outros países. É para esclarecer que as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem não são forçadas, na maioria das vezes, a realizar tal prática. Os enunciados até admitem que haja algumas redes de tráfico no país, mas diz que elas são improvisadas e sem qualquer estrutura. Um discurso que mostra que a falta de organização na atuação do tráfico de exploração sexual de mulheres brasileiras está associada à ideia do improviso, do “jeitinho brasileiro”, que é muito recorrente. Já as redes de tráficos do Leste Europeu são apresentadas como organizadas, conforme vemos no trecho a seguir:

“Quanto aos traficantes, a autora do estudo diz que actuam a dois níveis, um mais organizado, com estrutura hierárquica, onde se inserem as máfias de Leste, e outro mais artesanal, constituído por três ou quatro indivíduos, mais ligados ao tráfico de jovens brasileiras e romenas nas ruas” (LUSA, 2008a, p.1).

A qualificação das redes de tráfico do Leste Europeu pode ter sido enunciada pelo jornal Expresso porque é um lugar mais próximo dos portugueses do que em relação ao Brasil. As redes do Leste Europeu e a sociedade portuguesa pertencem ao mesmo continente, a Europa, cuja proximidade cultural e geográfica é maior do que o Brasil. Identificamos aqui dois valores-notícias no que parecem dar mais noticiabilidade ao acontecimento em questão. São os valores notícia da “significância”, ligada ao etnocentrismo, e à “proximidade e amplitude” (valores-notícias de seleção - critérios substantivos) que primam pela proximidade cultural e geográfica. Tendo em vista as considerações apresentadas, acreditamos que o jornal Expresso produz o sentido “o comportamento da mulher brasileira”.

Nossa Análise do Discurso sobre a notícia Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritarimente brasileiras e de Leste, nos permitiram identificar as FDs e os sentidos em questão. Vimos que há a FD1 “Ciência” que fundamenta a construção do sentido “Legitimidade e Credibilidade da Informação”, a FD2 “Ordem/Desordem” com os sentidos “Legal/Ilegal” e “Riqueza/Pobreza” e a FD3 “Mulher Brasileira” com o sentido “O comportamento da mulher brasileira”. Observamos também que há a presença de alguns valores-notícias que mostram a noticiabilidade do acontecimento em questão que contribuem para a produção de sentidos identificados que são: “significância”, “proximidade e amplitude” e “notabilidade”.

De modo geral, percebemos que a FD1 “Ciência” é usada na notícia em questão para dar legitimidade e credibilidade às enunciações que são apresentadas pelo jornal Expresso sobre a exploração sexual de mulheres imigrantes em Portugal. É um fenômeno que não acontece somente em Portugal porque a exploração dessas mulheres se inicia no país de origem de muitas delas. Por esse posicionamento ideológico-discursivo, os enunciados do jornal tentam justificar a existência do fenômeno em Portugal na FD2 “Ordem/Desordem”, já que ele também acontece em outros países e foge ao controle do Estado português. Além disso, por essa FD coloca-se a pobreza dessas mulheres imigrantes e a pressão dos traficantes/exploradores e pessoas próximas como fatores determinantes para que elas se prostituam. Com exceção, é claro, das prostitutas brasileiras que parecem ter “pré-disposição” a se prostituir devido à sua “disponibilidade sexual’ que se fundamenta na FD3 “Mulher brasileira”. Os enunciados procuram deixar bem claro que a maioria das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem faz isso por opção. No Brasil, segundo o enunciador, há pouca atuação das redes de tráfico e, quando há, são artesanais. Não podemos nos esquecer também que a competência sexual da brasileira, justificada pela FD3 dá a elas uma posição privilegiada no “mercado da prostituição” em Portugal que o jornal não se esquece de enunciar.

O discurso do jornal Expresso aponta as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em um cenário de desordem, seja associada à sua presença ilegal em Portugal ou associada, em alguns casos, às redes de tráfico de exploração sexual. Seja de uma forma ou de outra, a justificativa do jornal é que elas são exploradas sexualmente por opção, não há quem as obrigue. Esse comportamento já faz parte do seu modo de ser. Por esse posicionamento

ideológico-discursivo, o jornal Expresso contribui para a (des)construção de algumas representações da mulher brasileira no imaginário português. Em nossa opinião, as enunciações da notícia em questão confirmam algumas percepções que são comuns entre os portugueses como o diferente “comportamento da mulher brasileira” e a sua associação com a ilegalidade.

4.1.2 Matéria 2 (M2) – Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras

A notícia Braga: SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] deteve oito cidadãs brasileiras70, produzida pela agência de notícias Lusa, foi publicada na versão digital do jornal Expresso, na seção Actualidade, no dia 1 de abril de 2008. A matéria aborda uma ação de fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que identificou a presença ilegal de mulheres imigrantes brasileiras no país. Elas foram encontradas prestando mão de obra ilegal em organizações turísticas, as quais foram multadas por empregar essas “cidadãs brasileiras”. A seguir, procuramos identificar as Formações Discursivas (FDs) e os principais sentidos produzidos no Quadro de Formações Discursivas abaixo.

4.1.2.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 2 (M2)

M2 – Formação Discursiva 1 (FD1) “Ordem/Desordem”: conforme vimos também nas análises da M1, a FD “Ordem/Desordem” é composta por regularidades discursivas que procuram organizar e definir todas as coisas existentes em uma sociedade. É por essa via que o homem consegue conhecer e dominar a realidade ao seu redor. Já as coisas que ele não pode organizar e classificar são coisas estranhas e desconhecidas por ele, por isso representam a desordem. É uma situação que pode ser vista como uma ameaça a ele e colocá-lo em situações perigosas. Dessa forma, existe uma série de discursos que procuram construir a ordem como algo positivo e a desordem como algo negativo. No âmbito do Estado, essa regulação da ordem social também ocorre por meio das instituições públicas. Tudo o que é regulado por elas é classificado como legal e o que não é classificado como ilegal. De modo geral, o Estado consegue manter a ordem social, mas não em sua totalidade. Há algumas práticas sociais que o Estado não consegue controlar e através de suas instituições procura combater as

70 A notícia está disponível no Anexo C do presente trabalho.

ilegalidades que escapam do seu controle. Tendo isso em vista, identificamos na notícia Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras a produção de sentidos ligados à atuação do Estado português no combate à angariação e contratação de mão de obra de mulheres imigrantes brasileiras no país de modo ilegal. Vejamos os sentidos produzidos a partir dessa FD na notícia em questão:

M2 – FD1 – Sentido A “Legal/Ilegal”: identificamos na notícia Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras alguns discursos que produzem o sentido “Legal/Ilegal”, ao relatar a ação do Estado português contra o trabalho irregular de mulheres imigrantes brasileiras no país. Embora existam irregularidades em Portugal, a produção discursiva do jornal Expresso procura deixar claro que o governo português, por meio de suas instituições fiscalizadoras, vem combatendo-as. É como se o jornal Expresso dissesse que a legalidade está predominando sobre a ilegalidade. É algo que é esperado pela sociedade portuguesa, por isso é um acontecimento noticiável porque apresenta o valor-notícia “consonância” (valor-notícia de construção) que destaca a ligação de um acontecimento com o consenso social existente. O setor responsável pela ação foi o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que, por meio de sua Delegação Regional, na cidade de Braga71, em Portugal, prendeu e notificou um grupo de mulheres imigrantes brasileiras. Essa informação é de tal importância na visão do jornal que a mesma informação é destacada tanto no título como no lead da notícia. Vejamos, a seguir, os trechos que compõem essas enunciações: título “Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras” e lead “O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [SEF] realizou em Março uma acção de fiscalização na área de Braga, no sector de unidades hoteleiras e similares, que culminou na identificação de 13 cidadãs brasileiras, anunciou hoje fonte do SEF”. A ação do Estado português é um acontecimento próximo geográfica e culturalmente dos portugueses, por isso outros valores-notícia que identificamos caracterizam “significância”, ligada ao etnocentrismo, e à “proximidade e à amplitude” (valores-notícia de seleção – critérios substantivos). É importante que o jornal Expresso noticie acontecimentos que são próximos aos portugueses porque os mesmos se interessam por tais informações. Apesar de a notícia ser curta e apresentar informações gerais sobre a ação do Estado português, ela é bem clara e simples na linguagem que utiliza. Nesse ponto, os valores-notícia que identificamos são a

71 Braga é uma cidade localizada ao norte de Portugal e a mais antiga do país. É uma cidade com forte tradição católica e conta com, aproximadamente, 176.000 habitantes.

“simplificação e a clareza” (valores-notícia de construção). Esses valores-notícia justificam também sua noticiabilidade na versão digital do jornal Expresso porque esse novo formato de notícias procura apresentar acontecimentos objetivos, simples e claros. É uma característica do jornalismo digital, conforme vimos no primeiro capítulo de acordo com Moretzsohn (2008), porque ele prioriza o imediatismo72. Quanto antes uma notícia simples, clara e objetiva for noticiada, melhor. O jornalismo digital usa um discurso mais simples, diferentemente do jornalismo impresso que prioriza notícias mais longas. Ademais, outros trechos que confirmam o sentido em questão são: “A acção, que envolveu os sete inspectores da Delegação Regional de Braga ‘enquadra-se num plano de actuação’ [do Estado português] [...]”.

M2 – FD1 – Sentido B “Relações Trabalhistas”: as relações trabalhistas são uma prática que também é regulada pelo Estado. Ele define e procura garantir os direitos e deveres tanto do empregador quanto do empregado. Há instituições específicas para o controle das relações trabalhistas em uma determinada sociedade. Um trabalhador para se empregar precisa, no mínimo, ter uma carteira de trabalho para garantir seus direitos e cumprir seus deveres. Entretanto, para ser portador desse documento, ele precisa ser cidadão nativo ou cidadão naturalizado em um determinado país. Quando uma pessoa de outra nação não tem a cidadania do país em que ela está, não pode se empregar e exercer qualquer atividade profissional remunerada porque ela não tem permissão para isso, não está legalizada. Nessa situação, um Estado pune a presença dessa pessoa no país, notificando-a a deixar a nação o quanto antes e em último caso, ela pode ser deportada para o seu país de origem. Essa ação não é realizada pela instituição que regula as relações do trabalho, mas sim por instituições que controlam a entrada de imigrantes no país. Foi o que aconteceu na notícia em questão com a presença de mulheres imigrantes brasileiras que estavam trabalhando, de modo ilegal, em organizações hoteleiras e similares na cidade de Braga. Elas não tinham permissão para estar em Portugal, por isso tanto elas como as organizações empregadoras foram multadas pelo SEF que é a instituição portuguesa responsável por tais fiscalizações. Foi uma ação do governo português para combater a desordem, uma vez que esse tipo de trabalho ilegal não recolhe tributos e impostos trabalhistas como os demais empregos formais legalizados. O jornal Expresso procura deixar claro as punições que a contratação de mão de obra ilegal acarreta. É uma forma de mostrar que a

72 Essas reflexões podem ser consultadas nas páginas 40 - 41 da presente dissertação.

contratação de trabalhadores ilegais pode ser mais barata no início, mas depois que uma organização é multada, a contratação ilegal sai muito mais cara do que uma contratação legal de trabalhadores. O enunciado que confirma esse sentido é: “Na ocasião, foi ainda levantado um auto de contra-ordenação à entidade patronal por 13 infracções detectadas, para pagamento de coimas73 cujo valor mínimo total ascende a 41.229 euros”.

M2 – Formação Discursiva 2 (FD2) “Próximo/Distante”: tudo o que pertence a uma determinada comunidade, que é próximo a ela, é mais valorizado que aquilo que não pertence e é distante. O que é próximo é concebido a partir dos valores de uma determinada comunidade e conhecido por ela. Dessa forma, essa comunidade tem domínio sobre aquilo que ela cria. Já o que vem de fora foge aos seus valores e conhecimentos, por isso uma comunidade tende a desvalorizá-lo e não o vê de forma positiva. Por essa distinção, uma comunidade (que poder ser também uma sociedade ou um país) separa objetos, pessoas e valores que lhes são próximos ou distantes. No que se refere ao fluxo de pessoas que entram e saem de um determinado lugar, como um país, existe mecanismos que controlam esses movimentos. Há as pessoas nativas desse país que emigram para outras nações, que são os emigrantes, e há as pessoas de outras nações que imigram para esse país, que são os imigrantes. Na maioria das vezes, para imigrar para um determinado país, as pessoas de outras nacionalidades têm que atender uma série de requisitos para poder entrar nesse país, mesmo que seja como turista. Já para se tornar um cidadão naturalizado é mais difícil ainda, pois o imigrante tem que atender mais exigências como comprovar vínculos pessoais, estudantis ou profissionais com o país em questão. Para qualquer nação, receber pessoas que são de outros lugares e com valores culturais diferentes, pode não ser algo fácil, ainda mais quando há fluxos imigratórios intensos. É um fenômeno que pode causar a desestabilidade econômica e social de uma nação, a qual pode não ter condições de absorver tantos imigrantes74. Por isso, muitos países (principalmente os países desenvolvidos como os Estados Unidos, Japão e diversos países europeus), adotam uma série de medidas de controle à imigração. Eles são vistos como lugares favoráveis à imigração porque apresentam melhores condições de vida que muitos outros países. Além disso, a recente crise econômica mundial, entre os anos de 2008 e 2009, levou muitas nações à recessão econômica, o que agravou ainda mais a situação.

73 “Coimas” podem ser entendidas como “multas”. 74 Reconhecemos que há casos inversos em que a entrada de imigrantes em um determinado país pode ser necessária e até estimulada. Podemos citar como exemplo o Brasil, entre os séculos XIX e XX, que recebeu muitos imigrantes de outros países para substituir a mão de obra escrava. Em boa parte dos casos, a imigração foi estimulada pelo governo do Brasil na época.

Dessa forma, o controle de imigrantes é ainda mais acentuado, mas não podemos deixar de reconhecer que há muitos imigrantes que conseguem entrar nesses países de modo ilegal e viver neles sob essas condições. Nesses casos, o Estado de um determinado país adota formas de identificação e punição desses imigrantes ilegais que quando são descobertos podem até serem deportados para os seus países de origem. É uma situação que está acontecendo em Portugal em relação à entrada de mulheres imigrantes ilegais que vão para lá a fim de trabalhar. A notícia Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras se refere à ação do Estado português que identificou um grupo de mulheres imigrantes brasileiras que estavam trabalhando em organizações turísticas e foram notificadas por sua presença ilegal em Portugal. A partir da FD em questão identificamos a produção do seguinte sentido:

M2 – FD2 – Sentido A “Imigração Brasileira em Portugal”: desde o final do século XX, Portugal passou a receber muitos imigrantes, um fenômeno que até então não era muito comum entre os portugueses. O país sempre foi um território de emigração para suas colônias e não de imigração. Mas com a globalização, esse fenômeno se inverteu, ainda mais, depois que Portugal passou a fazer parte da União Européia e a apresentar resultados econômicos positivos, na década de 1990. Entre os imigrantes em Portugal, há muitos brasileiros que têm ido para lá em busca de melhores condições de vida. De acordo com Cunha (2005), cerca de 40% desses imigrantes brasileiros são mulheres, o que é uma porcentagem considerável de mulheres imigrantes brasileiras no país. Elas trabalham em muitos setores da economia portuguesa, mas nem todas têm permissão para estarem no país. Devido a esse fenômeno, o Estado português tem adotado constantemente ações de fiscalização contra a presença de imigrantes ilegais no país. Tendo isso em vista, a veiculação da notícia em questão pelo jornal Expresso se justifica porque é um acontecimento que também apresenta o valor-notícia da “significância”, ligada ao etnocentrismo, e à “proximidade e amplitude” (valores- notícia de seleção – critérios substantivos) que valorizam o que é próximo geográfica e culturalmente dos portugueses. Na visão do jornal Expresso, é importante noticiar tais acontecimentos porque a presença de imigrantes ilegais no país pode afetar a dinâmica econômica e social do território português como, por exemplo, diminuir a oferta de empregos para os portugueses e diminuir a arrecadação de impostos trabalhistas ao governo do país, já que os imigrantes ilegais trabalham em empregos informais. Além disso, é um acontecimento que pode representar algum risco para o status quo existente, uma vez que pode desestabilizar a ordem social portuguesa. Dessa forma,

acreditamos que há outro valor-notícia que justifica a noticiabilidade do acontecimento em questão. É o valor-notícia “consonância” (valor notícia de construção) que prioriza o consenso social de um determinado lugar, no caso de Portugal. Ademais, a ação fiscalizadora não trata somente de uma mulher imigrante brasileira, mas sim da identificação de treze delas, das quais oito foram detidas, conforme destaca o título da notícia. É um acontecimento abrangente em que há o envolvimento de um grupo considerável de “cidadãs brasileiras”. Nesse caso, outro valor-notícia que identificamos na construção da notícia em questão é a “amplificação” (valor-notícia de construção). Não é todo dia que o SEF identifica a presença de treze mulheres imigrantes brasileiras trabalhando em condições ilegais no país, por isso há a amplificação do ato que justifica sua noticiabilidade. Alguns enunciados da notícia Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras que confirmam a construção do sentido de combate à contratação da mão de obra ilegal de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal são: “Da operação realizada [...] resultou a detenção de duas cidadãs [brasileiras], por permanência irregular em Portugal, na notificação de outras oito para abandonarem voluntariamente o território nacional no prazo de dez dias e ainda na notificação de outras três para comparecerem no SEF”; “A acção [...] ‘enquadra-se num plano de actuação que visa o combate à angariação e contratação de mão de obra ilegal’ [...]”.

A Análise do Discurso que realizamos na notícia Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras nos possibilitou a identificação das FDs e os respectivos sentidos apresentados. Vimos que fundamentada na FD1 “Ordem/Desordem”, essa notícia produz o sentido “Legal/Ilegal” e o sentido “Relações Trabalhistas”. Já em relação a FD2 “Próximo/Distante” pudemos verificar que ela fundamenta a produção do sentido “Imigração Brasileira em Portugal”. Na identificação de cada sentido verificamos também a existência de um conjunto de valores-notícia que são: “consonância”, “significância”, “proximidade e amplitude”, “simplificação e clareza” e “amplificação”.

Em geral, percebemos que a FD1 “Ordem/Desordem” é usada pelo jornal Expresso para produzir sentidos que justificam a atuação legítima do Estado português no combate à desordem representada pela angariação e contratação de mão de obra ilegal de mulheres imigrantes brasileiras no país. As regularidades discursivas presentes nessa FD mostram que

essa ação ilegal resultou na punição tanto das organizações turísticas que contrataram esse tipo de mão de obra quanto das “cidadãs brasileiras” que aceitaram trabalhar sem ter autorização para isso. Por mais que algumas pessoas consigam escapar da ação fiscalizadora do Estado português, os sentidos construídos na FD1 mostram que a ordem tende a prevalecer sobre a desordem. Já a FD2 “Próximo/Distante” é acionada pelo jornal Expresso para mostrar que tudo o que não pertence aos portugueses deve ser visto com desconfiança. No caso, a presença e o trabalho ilegal de mulheres imigrantes brasileiras é um fenômeno que pode trazer riscos para a sociedade portuguesa porque o aumento de imigrantes no país pode diminuir a oferta de empregos para os próprios portugueses e a diminuição de arrecadação de impostos para o governo. É uma situação que se for intensificada pode levar ao aumento da desordem na sociedade portuguesa. Tendo por base a FD2 “Próximo/Distante” em associação com a FD1 “Ordem/Desordem”, o jornal Expresso constrói também enunciados que criam posicionamentos ideológico-discursivos que concebem a presença ilegal das mulheres imigrantes brasileiras como algo estranho e perigoso para a sociedade portuguesa.

Por suas enunciações, o jornal Expresso aponta que a presença de muitas mulheres imigrantes brasileiras em Portugal desestabiliza a ordem e o consenso da sociedade portuguesa. As análises realizadas nos permitem dizer que a produção discursiva do jornal Expresso constrói sentidos sobre a mulher brasileira que criam algumas percepções entre os portugueses. Ao associar a presença das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal com a ilegalidade e ao apontar que a presença desse grupo de mulheres é intensa no país, o jornal Expresso cria representações sobre a mulher brasileira no imaginário português ligadas à desordem.

4.1.3 Matéria 3 (M3) - Caso ‘Mães de Bragança’ vira pesquisa universitária

A reportagem Caso ‘Mães de Bragança’ vira pesquisa universitária75, produzida pelo jornalista Hugo Franco e a foto por Jorge Simão, foi publicada na versão digital do jornal Expresso em 25 de abril de 2008. A matéria trata do desenvolvimento de uma pesquisa universitária sobre o movimento Mães de Bragança pela estudante brasileira Priscila Araújo, da Universidade Federal de Viçosa, de Minas Gerais. Na reportagem, o jornal mostra as dificuldades que a estudante, por ser brasileira, enfrentou durante a realização do estudo e

75 A notícia está disponível no Anexo D do presente trabalho.

algumas informações levantadas pela pesquisa. A seguir no Quadro de Formações Discursivas, mostramos as Formações Discursivas (FDs) existentes na matéria em questão, e os seus respectivos sentidos.

4.1.3.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 3 (M3)

M3 – Formação Discursiva 1 (FD1) “Ciência”: conforme o desenvolvimento das relações humanas, o conhecimento deixou de ser fundamentado em crenças e em mitos, contados de geração a geração, e passou a ser fundamentado por meio de estudos científicos. A ciência foi o modo que o ser humano encontrou para obter conhecimentos que possam ser comprovados por meio de evidências. É uma forma de saber considerada “objetiva” (racional) e não “subjetiva” (emocional) como se consideram as crenças e os mitos. Dessa forma, a FD1 “Ciência” apresenta uma série de regularidades discursivas que apontam os enunciados científicos como a forma de conhecimento existente mais válida. A justificativa é que os dados obtidos através de pesquisas científicas são obtidos de forma rigorosa por pessoas que têm formação e competência para tanto. É como nos diz Foucault (2009) que a posição que uma pessoa ocupa em sociedade lhe permite dizer certas coisas e não outras. No caso da FD em questão, um cientista ou um pesquisador, seja qual for sua área de atuação, tem legitimidade e credibilidade para apresentar conhecimentos que sejam considerados válidos socialmente. Tendo por base esse posicionamento ideológico-discursivo, o jornal Expresso apresenta na notícia em questão enunciados sobre o movimento Mães de Bragança por meio de informações obtidas na pesquisa científica realizada pela estudante universitária Priscila Araújo. Essa estratégia enunciativa é usada pelo jornal para dar validade às informações que ele apresenta, assim como verificamos na análise da M1, na FD1 “Ciência”76, do presente trabalho. A seguir, apontamos o sentido que os discursos da reportagem Caso ‘Mães de Bragança’ vira pesquisa universitária do jornal Expresso produziu:

M3 – FD1 – Sentido A “Legitimidade e Credibilidade da Informação”: para a atividade jornalística é muito importante mostrar a fonte de uma informação, já que é uma forma de indicar que o discurso jornalístico é “objetivo” e que seus enunciados são verídicos. É algo que, assim como o discurso científico, dá legitimidade e credibilidade às informações jornalísticas. No caso da M3, o jornal Expresso cumpre

76 As análises da M1 referentes a FD1 “Ciência” podem ser consultadas nas páginas 129-131 da presente dissertação.

essa função ao mostrar a fonte de uma informação, mas vai um pouco além ao apresentar informações sobre o movimento Mães de Bragança na voz da estudante universitária Priscila Araújo. Nesse ponto, o jornalista Hugo Franco do Expresso cumpre exatamente os itens 2 “Exatidão” e 3 “Fontes não identificadas” do Código de Conduta dos jornalista do Expresso77 que priorizam, respectivamente, as informações precisas e a identificação das fontes. A pesquisa realizada por Priscila Araújo tem validade porque ela se fundamentou em critérios científicos rigorosos. Apesar da estudante ainda não ter formação universitária, no momento de realização da pesquisa, ela foi orientada por pesquisadores especialistas em Economia Doméstica, do Instituto Politécnico em Bragança (Portugal). A partir do posicionamento ideológico-discursivo existente na FD1 “Ciência” de que todo conhecimento científico é baseado em evidências, o jornal procura demonstrar como foi o processo de obtenção das informações sobre o movimento Mães de Bragança pela pesquisadora brasileira, a fim de dar mais legitimidade e credibilidade aos enunciados apresentadas na M3. Os enunciados que nos permitem identificar a produção do sentido “Legitimidade e Credibilidade da Informação” são os seguintes trechos: “A estudante brasileira Priscila Araújo, da Universidade Federal de Viçosa/Minas Gerais, esteve quatro meses no Instituto Politécnico de Bragança a desenvolver uma pesquisa intitulada ‘Prostituição: Fenómeno Mundial - Ênfase no Oportunismo das Fragilidades Econômicas e Sociais: Caso das ‘Meninas de Bragança’ – Portugal’ [...]”; “Priscila acabou por obter o testemunho de um dos homens da noite Bragantina que lhe contou como era realizado o recrutamento das prostitutas [brasileiras]”; “Durante a pesquisa universitária, Priscila conclui que [...]”; “[...] conta a estudante de Economia Doméstica, que irá publicar o trabalho ainda este ano [2008]. ‘Vou regressar a Portugal em breve para aprofundar a pesquisa’ [...].

M3 – Formação Discursiva 2 (FD2) “Mulher Brasileira”: os discursos existentes sobre a mulher brasileira entre os portugueses advém das relações luso-brasileiras, desde os tempos da colonização portuguesa no Brasil, passando pela divulgação do carnaval brasileiro ao redor do mundo até a recente imigração brasileira em Portugal. São acontecimentos que influenciaram uma série de regularidades discursivas que construíram algumas representações sobre a mulher brasileira no imaginário português. São percepções construídas, ao longo do

77 O Código de Conduta dos jornalistas do Expresso pode ser consultado integralmente no Anexo A da presente Dissertação ou resumidamente no terceiro capítulo nas páginas 121-123.

tempo, que são reforçadas pela mídia por meio de seus produtos midiáticos/jornalísticos78. Em geral, essas representações apontam a mulher brasileira como uma mulher sensual, volúvel e com “disponibilidade sexual” que pode ser associada à figura de uma prostituta. Percepções que, muitas vezes, são negativas e produzem enunciados que desqualificam a mulher brasileira frente aos portugueses. São discursos que constroem a noção de que a mulher brasileira tem “um comportamento diferente” das outras mulheres, principalmente as mulheres portuguesas que são consideradas mais sérias. A partir dessa FD, o jornal Expresso também constrói sua produção discursiva na notícia/reportagem Caso ‘Mães de Bragança’ vira pesquisa universitária, a qual nos permite identificar o seguinte sentido:

M3 – FD2 – Sentido A “O comportamento da mulher brasileira”: para os portugueses, a mulher brasileira tem “um comportamento diferente” do comportamento ideal de uma mulher. Devido a algumas representações que foram construídas ao longo do relacionamento luso-brasileiro, a mulher brasileira é vista como alguém que está sempre, de acordo com Cunha (2005), à procura de sexo, tem transitoriedade afetiva e uma beleza exótica (principalmente a mulata). Por essas qualificações, os portugueses pensam que boa parte das mulheres imigrantes brasileiras que está em Portugal, vai para lá para se prostituir ou porque está à procura de “aventuras sexuais e afetivas”. Independentemente do motivo pelo qual uma mulher imigrante brasileira esteja em Portugal, ela é considerada uma prostituta ou uma mulher à procura de sexo. É uma percepção que tem sido reforçada por situações como o próprio movimento Mães de Bragança que dizia que a maioria das prostitutas em Portugal é de nacionalidade brasileira. Por essa situação, constrói-se a representação de que a mulher brasileira, em geral, só vai a Portugal para se prostituir. É um tipo de discriminação que atrapalha a vida de muitas brasileiras em Portugal como aconteceu com a própria estudante Priscila Araújo, a qual foi para lá justamente para pesquisar o fenômeno Mães de Bragança. Por um lado, em sua produção discursiva, o jornal Expresso reconhece a existência do preconceito contra a mulher brasileira em geral, de modo explícito em suas enunciações na voz da estudante brasileira como vemos no trecho a seguir: “[...] ‘De início, fui alvo de preconceito e até de agressões verbais por ser brasileira. Sentia olhares estranhos até na cantina do Politécnico. Havia quem pensasse que eu também era prostituta’ conta” (depoimento de Priscila Araújo). Apesar do reconhecimento desse preconceito, ele não é tratado como uma

78 Conforme vimos no 3º capítulo nas páginas 105-113.

problemática, mas sim apenas como um evento isolado que ocorreu com a estudante. A construção da notícia a partir do preconceito que a estudante foi alvo, é uma forma de personalizar a situação, uma vez que essa estratégia dá mais força de noticiabilidade ao acontecimento em questão. Nesses termos, o valor-notícia usado pelo jornal Expresso é a “personalização”79 (valor-notícia de construção), é uma forma de excluir as discussões sobre o que causa a discriminação da mulher brasileira entre os portugueses e focalizar o problema apenas em uma pessoa e na situação. Por outro lado, o jornal Expresso apresenta, em sua produção discursiva, um enunciado que discrimina as mulheres imigrantes brasileiras em Portugal que se prostituem, porque diz que elas fazem isso por que querem. É um enunciado que cria o sentido de que a mulher brasileira está sempre à procura de sexo e por isso tem “um comportamento diferente”. O Expresso apresenta esse enunciado na voz de um empresário português, o qual tinha um negócio de prostituição em Bragança na época do movimento Mães de Bragança, conforme vemos a seguir: “Segundo este empresário, a maioria das prostitutas [brasileiras] [...] Viajavam para Portugal ‘porque queriam dinheiro e não porque fossem pobres. E sabiam que vinham trabalhar como prostituta’ [...] as prostitutas eram ‘muito bem tratadas pelos donos dos bordéis e tinham bastante liberdade’ [...]”. Como vemos, a justificativa da prática da prostituição por mulheres imigrantes brasileiras em Portugal é por opção e não por necessidade e elas têm consciência do porque vem para cá. Fundamentando-se na FD2 “Mulher Brasileira”, o jornal Expresso produz o sentido de que “o comportamento diferente da mulher brasileira” a faz optar por esse modo de vida, a busca pelo sexo. Tanto que o jornal procura deixar claro que devido à sua “competência sexual”, elas são muito bem tratadas pelos proprietários de negócios de prostituição. É a produção do mesmo sentido que vemos na N/R1, na FD3 “Mulher Brasileira”, no Sentido A “O comportamento da mulher brasileira”80. É um sentido comum na produção enunciativa do jornal Expresso porque o modo de ser da mulher brasileira é considerado diferente do modo de ser da mulher portuguesa, ou seja, é um comportamento que não tem afinidade cultural dos portugueses. Por ser um comportamento diferente e estranho, o jornal Expresso o noticia para reforçar os próprios valores portugueses que são bem tradicionais e conservadores. Os valores-notícia que justificam também a seleção desse

79Apesar do nome valor-notícia, os critérios de noticiabilidade são usados também para selecionar e produzir reportagens. 80 Na M1 o sentido A “O comportamento da mulher brasileira” está localizado na FD3 “Mulher Brasileira”, no Sentido A, nas páginas 135-137.

acontecimento como notícia são a “significância”, ligada ao etnocentrismo, e à “proximidade e amplitude” (valores-notícia de seleção – critérios substantivos) que valorizam o que é próximo dos portugueses em detrimento ao que é distante. É dessa forma que conseguimos identificar a produção do sentido “O comportamento da mulher brasileira”.

M3 – Formação Discursiva 3 (FD3) “Próximo/Distante”: como já vimos nas análises das matérias anteriores, é comum uma sociedade valorizar aquilo que lhe é próximo e desvalorizar aquilo que lhe é distante. Essa relação de valorização ou não de algo ocorre porque o que lhe é próximo é concebido ou visto a partir dos valores culturais próprios, diferentemente do que lhe é distante e que pode ser concebido ou visto a partir de valores estranhos. Tendo isso em vista, as pessoas que vêm de um lugar distante para uma determinada sociedade, que são os imigrantes, tendem a ser vistos de modo diferente do que as pessoas pertencentes a essa sociedade. Por isso, os imigrantes são, em muitos casos, discriminados pelos moradores de um determinado lugar. Muitas vezes, a presença deles é vista como um risco para o status quo existente; as pessoas pensam que os estrangeiros estão ali pelo interesse em tirar algo que lhes pertence como, por exemplo, empregos e outros tipos de oportunidades. Por isso, há alguns países que valorizam somente a sua cultura, ou seja, são etnocêntricos81 e outros países que têm aversão aos imigrantes, ou seja, que são xenófobos82. São situações que não acontecem em um país por inteiro, mas pode ocorrer com alguns determinados grupos ou classes sociais. Tudo depende do posicionamento ideológico- discursivo de um grupo ou classe que se fundamenta na FD em questão para valorizar o que lhe é próximo. É mais comum se adotar um posicionamento etnocêntrico do que um posicionamento xenófobo, que ocorre em casos mais extremos. No caso de Portugal, acreditamos que determinados grupos ou classes sociais portuguesas adotem um discurso mais etnocêntrico do que xenófobo83 porque é um país bastante tradicional e conservador em relação aos seus costumes. Como vimos anteriormente, somente há poucas décadas o país passou a receber imigrantes, entre os quais estão os brasileiros. Pensamos que o jornal Expresso, em alguns enunciados, fundamentado nesta FD, demonstrou sua preferência por

81 O etnocentrismo é a valorização de uma cultura como sendo a única verdadeira e a desvalorização das outras culturas como algo errado. Exemplo: considerar que somente a cultura ocidental é a melhor e a cultura oriental é a pior. 82 O xenofobismo é uma aversão contra estrangeiros ou estranhos. 83 Acreditamos que atitudes xenófobas não sejam comuns entre os portugueses. Pensamos que essas atitudes possam ocorrer em casos isolados, mas não em grandes proporções.

aspectos próximos dos portugueses. Vejamos o sentido que é produzido nas enunciações do jornal:

M3 – FD3 – Sentido A “Imigração Brasileira em Portugal”: desde que a imigração brasileira para Portugal aumentou, na década de 1990, os conflitos entre portugueses e brasileiros têm se intensificado. Os portugueses veem os brasileiros como um grupo de concorrentes pelas vagas de trabalho e por outras oportunidades existentes no país. Essa concorrência cresceu, principalmente, durante a década de 2000 que foi um período em que Portugal passou por problemas econômicos, o qual foi agravado durante a crise econômica mundial entre 2008 e 2009, e levou a economia portuguesa à recessão84. Além disso, algumas representações dos portugueses sobre os brasileiros não são tão positivas. De acordo com Cunha (2005), conforme vimos no terceiro capítulo da presente dissertação, muitas vezes, o brasileiro é visto como malandro e a brasileira como prostituta. Por isso, além de concorrentes, eles são vistos com desconfiança. No caso das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal, a discriminação vai um pouco além. Em 2003, a ocorrência do movimento Mães de Bragança ajudou a intensificar esse preconceito porque suas integrantes denunciaram às autoridades locais a presença ilegal e excessiva de prostitutas brasileiras em casas/bares de prostituição85 na cidade de Bragança. Para elas, as prostitutas brasileiras, muitas das quais não tinham permissão para estar em Portugal, eram a maioria nos locais de prostituição que seus maridos frequentavam e por isso, as Mães de Bragança diziam que as brasileiras estavam “destruindo a moral” na cidade de Bragança. Foi um acontecimento que mobilizou uma série de posicionamentos ideológico-discursivos, os quais intensificaram a discriminação não só das prostitutas brasileiras, mas da maioria das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal que são vistas como prostitutas. Um exemplo disso é o próprio preconceito que a estudante Priscila Araújo foi vítima em Portugal durante a realização de sua pesquisa, só pelo fato de ter nacionalidade brasileira. O caso Mães de Bragança foi um evento muito marcante em Portugal que motivou a pesquisa científica da estudante brasileira sobre o tema. Devido à importância que o fenômeno produziu entre os portugueses, o jornal Expresso procurou noticiar o estudo da pesquisadora brasileira em Portugal. A

84 Segundo o site Euronews (2011), atualmente o governo português está negociando empréstimos financeiros com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para reduzir o déficit público da economia portuguesa. A realização do empréstimo depende da aprovação da União Européia e do próprio parlamento português. 85 As “casas/bares de prostituição” em Portugal são também conhecidas como casas/bares de alterne.

noticiabilidade do acontecimento ocorreu porque é um evento próximo cultural e geograficamente dos portugueses. Nesse ponto, há a existência de dois valores-notícia que são a “significância”, ligada ao etnocentrismo, e a “proximidade e amplitude” (valores-notícia de seleção – critérios substantivos) que priorizam o que é próximo geográfica e culturamente dos portugueses. Ademais, o fenômeno Mães de Bragança foi um acontecimento que contestou a ameaça aos valores morais portugueses. O objetivo do movimento foi acabar com a desordem provocada pelas prostitutas brasileiras e reafirmar o consenso social lusitano. Por isso, acreditamos que há a existência de outro valor-notícia que levou o jornal Expresso a noticiar a pesquisa realizada pela estudante brasileira sobre o caso Mães de Bragança. É o valor-notícia “consonância” (valor notícia de construção) que destaca elementos de um acontecimento que valorizam o consenso social. Acreditamos que, na reportagem analisada, a valorização do consenso social português ocorre porque o movimento é compatível com os valores portugueses, mas ao mesmo tempo, apresenta informações a partir de uma pesquisa científica, que dá mais credibilidade ao que é dito, e ainda na voz de uma estudante brasileira que confirma a prática da prostituição por mulheres imigrantes brasileiras em Portugal. Alguns enunciados que produzem o sentido “Imigração Brasileira em Portugal” são os seguintes trechos: “[...] deu-lhe vontade de escrever sobre as meninas brasileiras que foram perseguidas pelas denominadas Mães de Bragança”; “[...] os contatos com as prostitutas [...] revelou-se ‘frustrante’, já que elas desmarcavam constantemente as entrevistas. É que cinco anos depois, o assunto continua a ser tabu”; “[...] a maioria das prostitutas era de Minas Gerais, Goiás e Goiânia [...]”86.

M3 – Formação Discursiva 4 (FD4) “Ordem/Desordem”: já verificamos nas análises anteriores a existência da FD “Ordem/Desordem” na qual apontamos que ela constrói posicionamentos ideológico-discursivos que procuram enquadrar e classificar todas as coisas existentes a fim de organizá-las. É uma forma que o homem encontrou para controlar o mundo ao seu redor. A ordem lhe dá domínio de uma determinada dimensão, já a desordem é vista como insegurança porque o homem não tem controle sobre ela. No âmbito do Estado, a ordem tende a predominar também para se organizar as relações de uma sociedade. Tudo o

86 A partir do depoimento de um empresário da “noite bragantina”, o jornal Expresso apresenta em citação indireta a informação dos lugares de onde a maioria das prostitutas brasileiras vem na reportagem Caso “Mães de Bragança” vira pesquisa universitária. A informação apresenta o estado de Goiás e a sua capital Goiânia como dois lugares diferentes. Tendo isso em vista, o jornal Expresso não se preocupou em verificar se realmente eram dois Estados brasileiros distintos ou se se tratava de um mesmo lugar.

que é controlado pelo Estado é legal e o que não é controlado é considerado ilegal. Na reportagem Caso ‘Mães de Bragança” vira pesquisa encontramos enunciados que abordam a relação contraditória entre o que é legal ou não na sociedade portuguesa que produzem o sentido a seguir:

M3 – FD4 – Sentido A “Legal/Ilegal”: os enunciados da reportagem que produzem esse sentido são mínimos, mas não podemos deixá-los de considerá-los para verificar como funciona o discurso do jornal Expresso. O embate o que é legal e ilegal na reportagem em questão ocorre porque ela apresenta alguns enunciados de uma pesquisa no âmbito de Economia Doméstica que abordam como eram os negócios praticados pelas casas/bares de prostituição na cidade de Bragança. As casas/bares de prostituição, as quais são conhecidas em Portugal como casas/bares de alterne têm a função de servir bebidas aos seus clientes e proporcionar companhia principalmente aos homens. É uma prática por natureza que é legal, mas no caso de Bragança, as casas/bares de alterne ofereciam também os serviços de prostituição. É uma prática que não é legal, mas também não é considerada ilegal, está no entremeio dessa oposição. O que gerou as fiscalizações nesses negócios, após o movimento Mães de Bragança, foi a presença ilegal de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituiam. É por esse embate que acreditamos que a reportagem em questão produz o sentido “Legal/Ilegal”. Além disso, o jornal Expresso aponta que a ilegalidade não se restringia à presença das prostitutas brasileiras ilegais, havia também outras práticas como o tráfico de mulheres e drogas que são totalmente condenáveis pelo Estado português. Acreditamos também que seja um acontecimento noticiável para o jornal Expresso porque mostra que práticas ilegais como essas não são aceitas pela sociedade portuguesa e que, mais cedo ou mais tarde, o Estado tende a descobrir e punir infratores. Mais uma vez, o jornal Expresso enxerga a noticiabilidade do acontecimento em questão a partir do valor-notícia “consonância” (valor-notícia de construção) o qual dá ênfase a elementos de um acontecimentos que enfatizam o consenso social. Os enunciados que confirmam a construção do sentido em questão são os seguintes: “[...] ‘Havia uma agência especializada em Braga que fazia os contactos no Rio de Janeiro’ [...]” (depoimento de empresário de casa/bar de prostituição em Bragança); “[...] em Bragança ‘era difícil haver alterne sem haver prostituição’. E ainda que o tráfico de mulheres e o de drogas estava (sic)

interligados.”, “[...] ‘Cinco anos depois o empresário afastou-se da noite Bragantina e já não ostentava o mesmo nível de vida”.

A Análise do Discurso que realizamos na reportagem Caso ‘Mães de Bragança’ vira pesquisa universitária nos permitiram verificar a existência das FDs e dos seus respectivos sentidos apresentados. Identificamos que a FD1 “Ciência” fundamenta a construção do sentido “Legitimidade e Credibilidade da Informação”, a FD2 “Mulher Brasileira” fundamenta o sentido “O comportamento da mulher brasileira”, a FD3 “Próximo/Distante” fundamenta o sentido “Imigração Brasileira em Portugal” e a FD4 “Ordem/Desordem” fundamenta o sentido “Legal/Ilegal. Percebemos também a existência de alguns valores- notícia que ajudam na produção dos sentidos em questão que são: “personalização”, “significância”, “proximidade e amplitude” e “consonância”.

Em linhas gerais, percebemos que a FD1 “Ciência” é usada, assim como na M1, para dar validade às informações que são apresentadas sobre o movimento Mães de Bragança. Já a FD2 “Mulher Brasileira” apresenta regularidades discursivas que indicam que a mulher brasileira é uma mulher à procura de sexo. Dessa forma, o jornal mostra que muitas mulheres imigrantes brasileiras vão para Portugal, para se prostituírem, porque elas têm “competência” para isso. É um posicionamento ideológico-discursivo indiscriminado que os portugueses têm da mulher imigrante brasileira que justifica o preconceito sofrido pela estudante brasileira Priscila Araújo, ao ser vista como uma prostituta durante a realização de sua pesquisa. Já a FD3 “Próximo/Distante”, apresenta enunciados que apontam a rejeição à presença de imigrantes brasileiros em Portugal, ainda mais após a ocorrência do movimento Mães de Bragança. Esse movimento expressou a “ameaça” que a presença de prostitutas portuguesas tem causado para a moral portuguesa. Por fim, a FD 4 “Ordem/Desordem” nos mostrou o embate entre o que é legal e ilegal que cercava os negócios das casas/bares de alterne de Bragança à época do fenômeno Mães de Bragança. São lugares que, ao mesmo tempo, praticam negócios legais e ilegais e nos quais um número considerável de mulheres imigrantes brasileiras pratica a prostituição.

Esse conjunto de FDs na M3 nos permitiu verificar que o jornal Expresso faz um retorno à polêmica presença de prostitutas brasileiras em Portugal por meio de uma pesquisa científica sobre o assunto. Tratar do fenômeno Mães de Bragança na voz de uma pesquisadora brasileira foi a estratégia discursiva encontrada pelo jornal para mostrar que

prostitutas brasileiras estão em Portugal porque estão em busca de sexo. Reafirma a ideia de que a nacionalidade brasileira é o fator determinante para que a mulher brasileira seja vista como prostituta. Uma representação muito comum entre os portugueses que os leva a ver as mulheres imigrantes brasileiras, independentemente do que façam em Portugal, como uma ameaça aos valores morais a ponto de desencadear manifestações como o fenômeno Mães de Bragança. O retorno à contestação provocada por esse movimento é uma forma de o jornal Expresso reafirmar que os portugueses agiram corretamente frente ao comportamento inadequado das prostitutas brasileiras no país.

4.1.4. Matéria 4 (N/R4) – Filhas de Bragança

A reportagem Filhas de Bragança87, cujo texto e fotos não são assinados por nenhum jornalista e fotógrafo, foi publicada na versão impressa e na versão digital do jornal Expresso no dia 28 de abril de 2008. A matéria mostra que após cinco anos da ocorrência do caso Mães de Bragança, em 2003, as mulheres imigrantes brasileiras continuam se prostituindo em Bragança de forma um pouco diferente que antes. Ao longo da reportagem, o jornal Expresso mostra se os donos de casas/bares de prostituição foram punidos e o que aconteceu com as prostitutas brasileiras que estavam em Bragança na época. A seguir, apontamos as Formações Discursivas encontradas e os seus respectivos sentidos no Quadro abaixo.

4.1.4.1 Quadro de Formações Discursivas da Notícia 4 (N4)

M4 – Formação Discursiva 1 (FD1) “Ordem/Desordem”: a presente FD tem sido a mais recorrente nas matérias que estamos analisando. Acreditamos que essa frequência se justifique pelo fato de que ela seja uma regularidade discursiva com muitos enunciados que produzem sentidos relacionados à organização de um espaço. Podemos considerá-la como uma FD que fundamenta a produção de muitos sentidos que procuram classificar, definir e organizar as coisas existentes, por exemplo, em uma sociedade, assim como a produção de sentidos inversos ligados à desordem. De modo geral, temos notado que esse posicionamento ideológico-discursivo organizador tem sido importante paras as construções enunciativas do jornal Expresso. Tendo como pressuposto que os valores jornalísticos são correspondentes aos valores dominantes em uma sociedade, pensamos que o posicionamento ideológico-discursivo ligado à ordem e à desordem do jornal Expresso talvez se justifique pelo fato de ele seguir o

87 A reportagem está disponível no Anexo E do presente trabalho.

posicionamento ideológico-discursivo conservador e moralistas dos grupos e classes sociais portuguesas dominantes. Dessa forma, na reportagem Filhas de Bragança vemos que essa FD apresenta uma série de enunciados que abordam as consequências que o movimento Mães de Bragança e a presença ilegal das prostitutas brasileiras causaram para a ordem da sociedade portuguesa, produzindo os seguintes sentidos:

M4 – FD1 – Sentido A “Legal/Ilegal”: um Estado regula uma sociedade a fim de organizar as relações que ocorrem nela. Por essa organização, ele estabelece a ordem e torna possível o convívio coletivo entre as pessoas. Para tanto, o Estado elabora uma série de regras que devem ser cumpridas pelas pessoas, ou seja, ele estabelece o que é legal. Tudo o que vai contra a essas regras é considerado ilegal. Quando isso ocorre, o Estado estabelece formas de punição aos infratores dessas regras a fim de reprimir as ilegalidades que possam ocorrer em uma sociedade. A partir disso, vemos que na reportagem Filhas de Bragança o jornal Expresso apresenta enunciados que indicam um embate entre o que é legal e o que não é, quando diz que a prostituição continua sendo praticada por mulheres imigrantes brasileiras na cidade de Bragança. A produção discursiva do jornal mostra que, apesar das ações de fiscalizações ocorridas em 2003, desencadeadas pelo movimento Mães de Bragança, a prática da prostituição por mulheres imigrantes brasileiras ilegais continua ocorrendo em Bragança com o conhecimento das autoridades policiais portuguesas. À época do movimento, as forças de segurança de Portugal foram muito pressionadas, principalmente pela mídia portuguesa e internacional para realizar diversas rusgas88 nas casas/bares de prostituição bragantinos. Foram ações que culminaram na punição e notificação de alguns proprietários e até na expulsão de prostitutas brasileiras ilegais no país. No entanto, a estrutura que sustenta a prática da prostituição na região de Bragança se mostrou muito mais forte que a repressão policial89 porque continuou existindo após a ocorrência do movimento Mães de Bragança. Tempos depois, cientes disso, as autoridades de segurança portuguesas não atuam diretamente no combate à prostituição em Bragança, apenas procuram vigiar o que acontece porque não encontram uma forma eficaz para acabar com a prática. Tendo isso em vista, o jornal Expresso apresenta a convivência entre as forças bragantinas legais com a presença

88 Rusga pode ser entendida como “ação de fiscalização”. 89 Neste caso, não consideramos que o fenômeno da prostituição tenha vencido a força da mídia e nem que ela tenha sido derrotada porque a sua participação no combate ao movimento foi pontual ao momento de repercussão do movimento Mães de Bragança em 2003. Consideramos apenas a força policial porque essa é a instituição pública responsável pelo combate permanente às ações ilegais no país.

ilegal de mulheres imigrantes brasileiras que continuam se prostituindo em Bragança. Um dos critérios que justificam a noticiabilidade desse acontecimento é o valor notícia “consonância” (valor-notícia de construção) que busca destacar elementos de uma matéria que reiteram o consenso social de um lugar. No caso em questão, a falta de atuação das autoridades portuguesas é o que parece colocar em risco o consenso social português. Dessa forma, o jornal Expresso enxerga nessa omissão uma forma de cobrar o Estado a atuar em favor dos interesses portugueses. Podemos confirmar a coexistência das forças legais com a ilegalidade nos seguintes trechos:

[...] “Às vezes, aparecem as estrangeiras. Nem todas legalizadas”, revela uma fonte policial, que garante um ‘controlo discreto’ do local mas que, por enquanto, é “difícil de actuar”. Outro ponto é o bar Madrugada, perto de castelo, “Aí é mais difícil de entrar em acção” [...] (depoimento de uma fonte policial) (JORNAL EXPRESSO, 2008, p.1).

[..] durante mais de dois anos as casas estiveram abertas e eram do conhecimento de todas entidades locais. “Apesar disso, e frequentando a casa (policiais, funcionários da Câmara e do Tribunal) nunca os avisaram de que corriam o risco de poder vir a responder criminalmente’ [...] (depoimento do advogado de alguns proprietários de casas/bares de prostituição) (JORNAL EXPRESSO, 2008, p.1).

E ainda o trecho a seguir: “[...] ‘Quando haviam rusgas noutras casas, ele [um dono de casa de alterne] era avisado por alguém. Quando a polícia lá chegava, já lá não estavam as ilegais’ [...]” (depoimento de Cynthia – uma prostituta brasileira). Além disso, a reportagem em questão é um acontecimento próximo geograficamente dos portugueses, bem como de fácil cobertura pelo jornal Expresso. Por isso, identificamos a presença de outros valores-notícia que são a “proximidade e amplitude” (valor notícia de seleção – critério substantivo) e a “disponibilidade” (valores-notícia de seleção – critérios contextuais). Os primeiros critérios valorizam acontecimentos próximos ao lugar em que um jornal atua e o segundo critério a facilidade que ele tem para a cobertura de um acontecimento. Ademais, vemos que no discurso do jornal Expresso a produção do sentido “Legal/Ilegal” ocorre também quando o veículo enfatiza a impunidade que os donos das casas/bares de prostituição em Bragança foram submetidos após a denúncia das irregularidades. Mais uma vez o jornal parece cobrar a atuação da ordem contra a desordem, já que isso representa não só interesse dele, como também da elite portuguesa. Os trechos que confirmam esse posicionamento ideológico discursivo são:

As denúncias de 2003 culminaram em três processos judiciais, num total de 15 arguidos, várias condenações e muitas casas encerradas. Dos três patrões da noite de Bragança, Manuel Pudence, Camilo Gonçalves e Vitor Jorge, só o último cumpriu a pena de prisão na totalidade. Os dois primeiros saíram do país e continuam a viver no estrangeiro (JORNAL EXPRESSO, 2008, p.1)

Por essas considerações, identificamos a produção do sentido “Legal/Ilegal”. M4 – FD1 - Sentido B “Moral/Imoral”: conforme já dissemos em algumas ocasiões na presente dissertação, a sociedade portuguesa é bastante conservadora e moralista. A explicação para esse posicionamento talvez esteja no fato de que Portugal é um país bastante ligado à Igreja Católica que prega valores bastante tradicionais aos seus fiéis. Em tempos de globalização, esse posicionamento vem sendo bastante confrontado com a presença cada vez mais intensa de imigrantes brasileiros em Portugal, entre os quais estão os brasileiros. Essa convivência dos portugueses com pessoas, as quais podem ter valores diversos aos seus, tem sido um desafio para eles. Os imigrantes, ou mais especificamente as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem90, possuem um modo de ser diferente deles que podem, muitas vezes, ir contra a moral portuguesa. Esse fator foi o que ocasionou a ocorrência do movimento Mães de Bragança segundo as suas manifestantes. O movimento denunciou o perigo que a presença de prostitutas brasileiras representava para a moral da cidade de Bragança, uma vez que as mesmas estariam “destruindo famílias portuguesas”. É um discurso que foi usado pelo movimento e bastante enfatizado pela mídia portuguesa e internacional em 2003 que retorna à cena discursiva do jornal Expresso em suas enunciações na reportagem Filhas de Bragança. O posicionamento ideológico-discursivo que há por trás do embate entre a moralidade e a imoralidade em relação a esse fenômeno persiste em muitos grupos ou classes sociais portuguesas e o jornal Expresso reproduz esse posicionamento em enunciações, uma vez que parece concordar com ele. Nesse ponto, outros critérios que justificam a noticiabilidade do acontecimento são os valores- notícia “significância”, ligada ao etnocentrismo, e “proximidade e amplitude” (valores-notícia de seleção – critérios substantivos), porque se referem a significados culturais, relativos à moral, importantes para os portugueses. São valores jornalísticos que veem no acontecimento em questão, quando relata as consequências negativas que a imoralidade de imigrantes como as prostitutas brasileiras causam à moral

90 No caso da mulher brasileira em geral, há uma Formação Discursiva (FD), como já vimos em outras análises, com regularidades discursivas que apontam que ela tem um comportamento diferente da mulher portuguesa.

portuguesa, uma forma de reafirmação dos valores predominantes entre os portugueses (a moral conservadora da Igreja Católica). Desse modo, o jornal Expresso apresenta algumas consequências que as prostitutas brasileiras “causaram” às famílias das participantes do movimento Mães de Bragança em que mostra a construção do embate entre a moralidade e a imoralidade na perspectiva da sociedade portuguesa. Vejamos alguns trechos que confirmam a produção desse sentido nas enunciações do veículo: “Das quatro Mães mais activas, duas divorciaram-se depois do caso que abalou Trás- os-Montes91 – uma delas perdeu o marido para uma das brasileiras que tanto repudiava [...]”; “[...] ‘Pintou um clima entre nós logo no primeiro encontro. Acreditei nas palavras dele. E ele também confiou em mim’ conta” (depoimento de Michelle, ex- prostituta brasileira que ficou com um dos maridos das participantes do caso Mães de Bragança); “Meses depois, divorciou-se da mulher portuguesa, negociou com o patrão da brasileira o seu ‘valor de mercado’, e casaram-se” (relato do jornal Expresso sobre o que um dos ex-maridos das Mães de Bragança fez para ficar com uma das prostitutas brasileiras). Esses enunciados mostram a “destruição” ocorrida nas famílias das participantes do movimento Mães de Bragança por causa do relacionamento de seus maridos com algumas prostitutas brasileiras. É pelo embate entre a moral portuguesa das Mães de Bragança e do comportamento imoral das prostitutas brasileiras que identificamos o presente “Moral/Imoral”.

M4 – FD1 – Sentido C “Dia/Noite”: a noção de dia e noite também está fundamentada na FD “Ordem/Desordem” porque ambos estão ligados aos valores de claro e escuro. O primeiro diz respeito a tudo o que é organizado e conhecido e o segundo ao que é desorganizado e desconhecido pelo homem. São valores ligados às raízes culturais da humanidade e muito usado pela Igreja Católica nos conceitos de bem e mal. Um exemplo disso está no surgimento da humanidade, o qual se inicia com um ato de luz, como mostra a passagem da Bíblia com o trecho Fiat Lux92. Tendo por base essas regularidades discursivas, o jornal Expresso usa em suas enunciações os valores de claro e escuro, ao falar sobre prática da prostituição na cidade de Bragança, cinco anos após a ocorrência do movimento Mães de Bragança. De modo geral, as práticas da prostituição são mais comuns no período noturno, período ligado ao valor

91 Trás-os-Montes, também conhecida como Alto Douro, refere-se a uma região, na qual se situa a cidade de Bragança, que por, algumas vezes, foi uma província de Portugal, com alguns limites e atribuições que mudaram ao longo da história do país. 92 Fiat Lux, segundo Gênesis (1-3 apud BIBLIA, 1991, p.14), que dizer “[...] ‘Que exista a luz’ [...]”.

escuro que representa a desordem e o momento do dia, em que é difícil ocorrerem essas práticas ou ocorrem de forma bastante isolada, é um período ligado ao valor claro que representa a ordem. No entanto, para a produção discursiva do jornal Expresso não é isso que parece acontecer, visto que a prática da prostituição tem crescido durante o dia também, apesar de toda a repressão das Mães de Bragança e da ação das autoridades de segurança portuguesas. É um acontecimento que apresenta uma inversão ao que é considerado “normal”, de modo geral, pelas pessoas. Por isso, o jornal Expresso enxerga nesse acontecimento outro valor-notícia que justifica a sua noticiabilidade. Trata-se do valor-notícia “notabilidade” (valor-notícia de seleção - critérios substantivos), uma vez que a prática da prostituição por mulheres imigrantes brasileiras durante o dia é algo que não é normal, trata-se de uma inversão. É desse modo, que acreditamos que as enunciações da notícia/reportagem Filhas de Bragança produz o sentido “Dia/Noite”. Mostramos as enunciações que confirmam esse sentido nos trechos a seguir:

Aproxima-se a hora do almoço e a maioria dos quartos já estão ocupados. Não se ouvem ruídos por detrás das portas [...], mas pelo movimento furtivo entre clientes de idade avançada e jovens mulheres de rosto marcado pela profissão é fácil adivinhar o que se passa pelos corredores da pensão [...] (JORNAL EXPRESSO, 2008, p.1).

E ainda os outros enunciados que são: “Com o cair da noite, cresce o movimento em redor do café, do mesmo dono e de portas contíguas às da pensão.”; “Há um ano que se passa tudo à luz do dia [...]”; “[...] Podem aparecer duas a três prostitutas ilegais numa noite e voltar tudo ao normal na noite seguinte [...]” (depoimento de uma fonte policial).

M4 – Formação Discursiva (FD2) “Próximo/Distante”: conforme já dissemos em análises anteriores, esta FD se refere a regularidades discursivas que indicam a importância que alguma coisa próxima ou distante tem para uma determinada sociedade. Quanto mais próximo é um objeto, uma pessoa, um modo de ser, um procedimento, entre outros, mais valor ele tem para essa sociedade, visto que eles são concebidos a partir de valores próximos a ela. Diferentemente do que é distante que, frequentemente, apresenta valores diversos aos seus. Tendo por base esse posicionamento ideológico-discursivo, o jornal Expresso apresenta enunciados que, de certa forma, demonstram certa rejeição, tanto por parte do jornal como por parte das declarações das mulheres portuguesas participantes do movimento Mães de Bragança na reportagem Filhas de Bragança, em relação às mulheres imigrantes brasileiras

que se prostituem em Portugal. Essa visão negativa em relação às brasileiras tem fundamentação nessa FD porque elas são pessoas distantes dos valores portugueses e provenientes de outro lugar. É um preconceito que foi se construindo com base em algumas representações que os portugueses têm da mulher brasileira e foi se acentuando após o aumento da imigração brasileira em Portugal, que levou à ocorrência do movimento Mães de Bragança – fatos que contribuíram para a produção de uma série de discursos, ao longo dos anos, que concebe a mulher imigrante brasileira como um elemento estranho à cultura portuguesa. A partir dessas considerações, acreditamos que o jornal Expresso produza o seguinte sentido:

M4 – FD2 – Sentido A “Imigração Brasileira em Portugal”: nas outras análises vimos que as enunciações do jornal Expresso produziram o presente sentido, a partir da FD “Próximo/Distante”, e mais uma vez na reportagem Filhas de Bragança identificamos essa produção. Já viemos discutindo, desde a primeira análise, que a imigração brasileira em Portugal tem se intensificado bastante nas últimas décadas, bem como acentuado alguns conflitos nas relações luso-brasileiras. Um dos problemas provocados por essa coexistência foi a ocorrência do movimento Mães de Bragança em que algumas mulheres portuguesas (mães e esposas) questionaram a presença ilegal de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituiam em Bragança. Elas diziam que as prostitutas brasileiras estavam colocando em risco seus casamentos, já que seus maridos frequentavam os lugares de prostituição nos quais elas trabalhavam. Foi uma manifestação que provocou uma intensa reação, tanto das autoridades de segurança de Portugal quanto da mídia portuguesa e internacional, que passou a fiscalizar e questionar essa presença em Portugal. Com o passar do tempo essa pressão diminuiu, mas criou-se uma série de enunciados que veem a presença de prostitutas brasileiras em Portugal de forma ainda mais negativa93. Tendo consciência das marcas que essa manifestação ocorrida em Bragança em 2003 teve para os portugueses, o jornal Expresso retoma a discussão desse acontecimento cinco anos após (2008) à sua ocorrência. Contudo, o jornal não se restringe a recordar o que aconteceu, ele apresenta novas informações sobre o movimento porque as mulheres imigrantes brasileiras ilegais continuam se prostituindo em Bragança de forma um pouco

93 Podemos considerar que essa discriminação se estendeu também às mulheres imigrantes brasileiras em geral que, em qualquer contexto e independentemente do que façam em Portugal, são confundidas como prostitutas. Podemos citar como exemplo o caso da estudante Priscila Araújo que durante sua presença no país, para pesquisar o caso Mães de Bragança conforme descrito na Matéria 3 (M3) do jornal Expresso que está em nossas análises, foi associada à figura de uma prostituta.

diferente do que antes, apesar das contestações das Mães de Bragança em 2003. Nesse caso, identificamos a presença de dois valores-notícias que justificam a noticiabilidade do acontecimento em questão. São os valores notícia “novidade” e “tempo” e “tempo do acontecimento ou frequência de sinal” (valores-notícia de seleção – critérios substantivos). O primeiro se refere ao surgimento de um elemento novo de um acontecimento já noticiado e o segundo se refere ao tempo que faz que um acontecimento foi noticiado e é usado como gancho para explicar a noticiabilidade de outro acontecimento. Na reportagem em questão, a novidade do acontecimento é a continuação da presença ilegal de prostitutas brasileiras em Bragança e o tempo usado como gancho para outro acontecimento que é o quinto aniversário (2003-2008) de ocorrência do movimento Mães de Bragança que abre espaço para a noticiabilidade da matéria Filhas de Bragança. O valor jornalístico do tempo é tão presente na reportagem em questão que ele justifica até mesmo o título da matéria com o termo Filhas de Bragança que seria uma sucessão temporal ao termo Mães de Bragança. Pelo posicionamento ideológico-discursivo do jornal Expresso, podemos entender que do movimento Mães de Bragança surgiram as Filhas de Bragança alguns anos depois, porque esse movimento não conseguiu expulsar as prostitutas brasileiras ilegais da cidade. O termo Filhas também passa a ideia de que as mulheres imigrantes brasileiras em Portugal criaram raízes na cidade de Bragança. A sociedade portuguesa e o jornal Expresso não esperavam que isso tivesse acontecido, visto que houve uma intensa manifestação contra a presença ilegal das prostitutas brasileiras em Bragança. Acreditamos que o título da reportagem talvez seja também uma forma de “crítica” em relação à situação a fim de demonstrar o inconformismo dos portugueses e do jornal em relação a isso. A seguir mostramos os enunciados que confirmam a continuidade da presença ilegal de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Bragança e aos seus arredores, de modo um pouco diferente do que em 2003 e o inconformismo com a situação nos trechos: “Cinthia [...] atravessou o atlântico em 2003: ‘[...] Vivo em Bragança, mas muitas vezes trabalho em Espanha, em Alcanizes, para onde vão muitos portugueses’ [...]”; “Segundo uma fonte policial, ‘há menos prostitutas na cidade do que há cinco anos [...] Mas a procura continua em alta...’ enfatiza”; e ainda temos o trecho a seguir:

“A 30 de abril de 2003, o movimento denominado Mães de Bragança entregou um Manifesto às autoridades, para que expulsassem as meninas brasileiras que ‘estavam a dar voltas à cabeça dos maridos’. Cinco anos depois, as signatárias preferem não falar do tema. Isabel (nome fictício) [...] diz que ‘pouco mudou’ em Bragança, numa alusão ao número elevado de prostitutas brasileiras. A comerciante continua casada com o marido que em 2003, esbanjava o orçamento da família com as meninas [...]” (JORNAL EXPRESSO, 2008, p.1).

A partir das considerações apresentadas que chegamos à identificação do sentido “Imigração Brasileira em Portugal” produzido pelo discurso do jornal Expresso.

M4 – Formação Discursiva 3 (FD3) “Violência”: por muito tempo, todas as formas de violência existentes nas relações humanas não eram condenadas porque eram vistas como comportamentos naturais. Bater em uma mulher, xingar uma criança ou até abusar sexualmente de alguém não era algo errado. A ideia que o termo violência comporta, segundo o que abordamos em outro trabalho (ROSSI, 2007), surgiu há pouco tempo; ele trata de um fenômeno que somente nas últimas décadas a sociedade vem sendo orientada sobre como lidar com a questão. O conceito de violência passou a ser desenvolvido na década de 1960 em relação às agressões envolvendo crianças e aprofundado um pouco mais, na década de 1970, quando surgiu o conceito de violência contra a mulher para se referir aos diversos tipos de agressões a que as mulheres eram expostas. A partir daí foram surgindo uma série de definições para dimensionar o fenômeno da violência, sendo que os principais tipos, segundo Schraiber (2005), são a violência física, a violência sexual, a violência psicológica, a violência patrimonial e a violência moral. A primeira se refere a todos os tipos de agressões físicas cometidos, a segunda a todas as formas de relações sexuais indesejadas, a terceira se refere a todas as formas de agressões verbais e simbólicas, a quarta se realiza quando ocorre dano a algum pertence material ou pessoal de alguém e a quinta está relacionada às agressões morais contra uma pessoa como a calúnia, difamação e a injúria. São noções e classificações que foram construídas com base em diversos enunciados, os quais, por sua vez, criaram uma série de regularidades discursivas que fundamentam a FD “Violência”. Tendo por base essas enunciações, verificamos que o jornal Expresso apresenta alguns enunciados ligados a essa FD na reportagem Filhas de Bragança. Ao discorrer sobre a continuidade da presença de prostitutas brasileiras ilegais em Bragança, o jornal Expresso constrói discursos que apontam alguns tipos de violência a que algumas das prostitutas são submetidas a partir do momento que passam a trabalhar em casas/bares de prostituição em Portugal, mesmo que seja por decisão própria. Pelo posicionamento ideológico-discursivo do jornal, identificamos a produção do seguinte sentido:

M4 – FD3 – Sentido A “Exploração”: entre as mulheres que se prostituem, algumas fazem isso por necessidade ou porque são obrigadas e outras fazem por opção própria94. São diversos motivos que levam essas mulheres a venderem seus corpos em troca de algum dinheiro. No primeiro caso, é comum as mulheres serem violentadas (das mais diversas formas) para praticar a prostituição porque são forçadas e/ou obrigadas. Já no segundo caso, quando a prática é feita por opção, pressupomos que a violência não seria algo necessário, já que é algo feito com o consentimento da pessoa. No entanto, apesar disso não ocorrer tão frequentemente como no outro caso, a prática da violência junto a essas mulheres parece ter alguma incidência. Tal situação nos parece ocorrer porque, nas enunciações da reportagem Filhas de Bragança, o jornal Expresso nos mostra alguns tipos de violência a que as prostitutas brasileiras, que estão em Portugal por opção, estão sendo expostas. São enunciados que abordam alguns tipos de exploração, não apenas sexual, a que essas mulheres imigrantes brasileiras estão sendo acometidas e que produzem o sentido “Exploração”. Acreditamos que esses enunciados estão presentes no discurso do jornal Expresso porque são compatíveis com os valores-notícia “conflito ou controvérsia” (valor- notícia de seleção – critério substantivo), os quais selecionam acontecimentos que apresentem alguma forma de violência. A existência desse critério confere mais noticiabilidade ao acontecimento em questão, ainda mais porque elas estão se prostituindo porque “querem”. É uma forma de mostrar que a prática da prostituição tem diversas formas de violência em muitas situações. O tipo de violência que enxergamos na reportagem em questão é a exploração que as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem são expostas junto aos donos de casas/bares de prostituição. Pela exploração sexual dessas mulheres, esses proprietários ganham dinheiro porque ficam com uma parte do valor pago em cada “programa”. Mesmo que essas mulheres façam isso por opção, não deixa de ser um tipo de violência porque

94 Na análise da M1, verificamos que o jornal Expresso apresenta enunciações que mostram que as mulheres estrangeiras em Portugal que são exploradas sexualmente fazem isso porque suas condições as obrigam ou fazem isso por opção. Para o jornal, as prostitutas de países pobres, em sua maioria, se enquadram no primeiro caso, já as prostitutas brasileiras, em sua maior parte, se enquadram no segundo caso. Acreditamos que essas diferentes razões para a prática da prostituição existam, mas como mostramos na M1 a ideia de que as mulheres imigrantes brasileiras se prostituem por opção, nos parece ocorrer porque existe uma FD, no caso a FD “Mulher Brasileira”, que justifica essa associação. Tendo essa FD regulando seu discurso, o Expresso recorre a ela para construir outros enunciados, sustentados pela FD “Violência”, na reportagem Filhas de Bragança, para produzir o sentido “Exploração”. Isso ocorre da seguinte forma: o jornal usa seu posicionamento ideológico-discursivo que tem das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem por opção para mostrar que mesmo em tal situação elas estão expostas à violência, assim como as prostitutas de outros países, que fazem isso por obrigação/necessidade, e normalmente estão expostas a várias formas de violência.

para conseguir “clientes” elas têm que se submeter às condições impostas por esses proprietários. E quando parecem descumprir tal acordo sofrem agressões físicas e verbais porque os donos dos locais de prostituição pensam que são proprietários da “mercadoria”, ou seja, das prostitutas brasileiras. Podemos confirmar isso nos enunciados que seguem: “[...] os dois empregados [de uma casa/bar de prostituição] [...] controlam, ao pormenor, a ‘performance’ delas [das prostitutas brasileiras]”; “[...] ‘Eles [os donos de casas/bares de prostituição] combinam entre si e colocam as ‘meninas’ a rodar nas diferentes casas’ [declaração de uma fonte policial]. Esse sistema de ‘rodízio’ permite que os clientes tenham sempre caras novas”. E ainda o trecho a seguir:

A brasileira Vanessa [...] não guarda boas recordações dos oito meses em Trás-os- Montes. “Não tínhamos liberdade. Se éramos vistas, de dia a beber um café com um cliente da noite, descontavam-nos cem euros do trabalho com a justificação que estávamos a ‘facturar por fora’. Queriam a percentagem que acreditavam ser deles de direito”. Ela viu o patrão a bater num colega e em clientes, quando não pagavam o consumo. Mas nunca ninguém fez queixa dele [...] (JORNAL EXPRESSO, 2008, p.1).

Como verificamos, a exploração dessas mulheres, não é apenas sexual, os proprietários dos locais de prostituição praticam outras formas de violência contra essas mulheres como a violência física e psicológica. Devido a essa exploração, muitas mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal deixam de trabalhar em casas/bares de prostituição e passam a trabalhar por conta própria. É uma maneira de elas se livrarem da violência, em parte, que são submetidas e continuar a praticar a prostituição de outra forma, como o próprio jornal Expresso mostra nas enunciações a seguir:

Em Bragança, depois da febre das casas de alterne [casas de prostiuição], cresce agora um outro fenômeno: o dos apartamentos. As prostitutas de nacionalidade brasileira, são contactadas pelos clientes através de anúncios de jornais e recebem- nos em um quarto arrendado. Actuam por conta própria [...] (JORNAL EXPRESSO, 2008, p.1).

E ainda outros enunciados que são: “Para além dos classificados, [...] as novas ‘meninas’ de Bragança percorrem as ruas do centro da cidade [...] para angariar

clientes”; “[...] Cynthia [...] [uma mulher imigrante brasileira que se prostitui diz] ‘Larguei o alterne e tenho meu negócio por conta própria [...] É mais arriscado do que estar numa casa de alterne, com protecção. Mas é mais rentável’ [...]”. É uma alternativa que há para a prática da prostituição por mulheres imigrantes brasileiras em Portugal, mas não quer dizer que não seja arriscado. Como o próprio depoimento de Cynthia reconhece, existem outros riscos que podem levar a outras formas de violência. De qualquer modo, acreditamos que o discurso do jornal Expresso, na notícia/reportagem Filhas de Bragança, consegue construir um posicionamento ideológico-discursivo que associa a prática da prostituição, em geral, a qualquer tipo de violência. É por isso que acreditamos que as enunciações do jornal produzem o sentido “Exploração”.

De acordo com a Análise do Discurso que realizamos, identificamos na reportagem Filhas de Bragança algumas FDs com seus respectivos sentidos. Percebemos a existência da FD1 “Ordem/Desordem” com os sentidos “Legal/Ilegal”, “Moral/Imoral”, “Dia/Noite”, a FD2 “Próximo/Distante” com o sentido “Imigração Brasileira em Portugal” e a FD3 “Violência” com o sentido “Exploração”. Além disso, identificamos a existência dos seguintes valores- notícia: “consonância”, “proximidade e amplitude”, “notabilidade”, “disponibilidade”, “significância”, “novidade”, “tempo” e “tempo do acontecimento ou frequência de sinal” e “conflito ou controvérsia”.

De modo geral, na FD1 “Ordem/Desordem” percebemos a construção de sentidos, que mais uma vez, mostram o confronto entre o que é organizado ou não. Isso ocorre porque o jornal Expresso produz enunciados que mostram que apesar das ações do Estado e da sociedade portuguesa contra a presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal, após o movimento Mães de Bragança em 2003, elas ainda continuam em Bragança, de modo ilegal, se prostituindo com o conhecimento das autoridades portuguesas. Causando danos à “moral portuguesa” a qualquer hora do dia, não mais somente à noite como antes. Já a FD2 “Próximo/Distante” fundamenta alguns enunciados que apontam o incomodo que é para a sociedade portuguesa conviver com as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal, uma vez que elas são seres estranhos à cultura portuguesa. Tanto que quando o jornal Expresso relembra o acontecimento Mães de Bragança, mostra as “marcas” que essa presença ilegal deixou entre os portugueses. E a FD3 “Violência” traz algumas regularidades discursivas que até agora não havíamos identificando no repertório discursivo do jornal Expresso. Ela mostra que até mesmo quando uma mulher se prostitui por opção, a

violência é um fenômeno presente. O jornal Expresso constrói um posicionamento ideológico-discursivo que apresenta a prostituição praticada pelas mulheres imigrantes brasileiras como algo que se leva a exploração delas, das mais diversas formas, por donos de casas/bares de prostituição em Bragança.

O conjunto de FDs em questão nos permite enxergar na reportagem Filhas de Bragança um posicionamento ideológico-discursivo inconformado com a continuidade da presença ilegal de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem na cidade de Bragança. Pelo posicionamento do jornal Expresso, e porque não da sociedade portuguesa, o movimento Mães de Bragança deveria ter sido suficiente para acabar com o fenômeno em Bragança. No entanto, pelos sentidos produzidos nos enunciados em questão, isso não ocorre, as prostitutas brasileiras ilegais continuam em Bragança com o conhecimento das autoridades de segurança portuguesas que não podem fazer nada a respeito. Mesmo o jornal Expresso expondo a violência, nas mais diversas formas de exploração, que elas são expostas, isso não parece ser um motivo para essas brasileiras abandonarem a prostituição e o país. Conforme o próprio título da reportagem sugere, elas construíram raízes em Portugal porque se tornaram Filhas de Bragança. São diversos enunciados que (des)constroem representações da mulher brasileira no imaginário português de que ela é persistente e faz tudo o que quer para alcançar seus objetivos, mesmo que para isso tenha de se submeter à ilegalidade e até mesmo à exploração.

4.1.5 Matéria 5 (M5) – Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos

A reportagem Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos95, produzida pela agência de notícia Lusa, foi publicada na versão digital do jornal Expresso no dia 22 de setembro de 2008. A matéria aborda as dificuldades que estudantes universitários brasileiros e africanos enfrentam para alugar um quarto para morar em diversos lugares de Portugal. De acordo com a reportagem, os proprietários dos imóveis, pessoas idosas, têm alguns preconceitos contra esses imigrantes (tanto brasileiros quanto africanos) e por isso não alugam os quartos. Situação que muda quando se trata de uma pessoa de nacionalidade portuguesa. Vejamos a Formação Ideológica (FI) existente na presente notícia a partir da identificação de suas Formações Discursivas e os sentidos que cada uma delas compreende.

95 A reportagem esta disponível no Anexo F do presente trabalho.

4.1.5.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 5 (M5)

M5 – Formação Discursiva 1 (FD1) – “Próximo/Distante”: temos visto até aqui que as regularidades discursivas que fundamentam a presente FD tem sido frequentemente identificadas em nossas análises das matérias do jornal Expresso. Valorizar o que é próximo a determinada comunidade, sociedade ou país, é um posicionamento ideológico-discursivo recorrente. Em diversas Condições de Produção (CPs) de um determinado discurso, esta FD é acionada porque o indivíduo, o qual se torna sujeito de sua enunciação, tende a ver o que é próximo e conhecido de forma positiva e o que é distante e desconhecido de forma negativa. O que é distante é algo estranho, não é próximo dos valores que uma determinada sociedade tem, por isso há uma série de enunciados que justificam essa percepção negativa de elementos estranhos a um determinado lugar. Tudo depende do posicionamento ideológico-discursivo que um enunciador ocupa no momento da produção de um discurso. Se esse enunciador passa a conhecer melhor um elemento que lhe é estranho, com certeza ele se tornará próximo dele porque o conheceu e assim por diante. O discurso é dinâmico, muda conforme nossos posicionamentos ideológico-discursivos. Na notícia/reportagem Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos, verificamos a existência de enunciados que concebem os imigrantes, tanto brasileiros como africanos, como algo estranho e negativo para os portugueses. Contudo, quando esses imigrantes são conhecidos de alguns portugueses (como familiares e amigos de imigrantes brasileiros em Portugal), passam a ser vistos de forma mais positiva por outros portugueses. A partir desses enunciados, verificamos a produção de alguns sentidos que mostram essa mudança de posicionamento entre os portugueses, de algo distante para algo próximo, conforme verificamos abaixo:

M5 – FD1 – Sentido A “Imigração Brasileira em Portugal”: segundo o que temos mostrado em outras análises, a imigração brasileira em Portugal tem sido um fenômeno recente entre os portugueses. Até há pouco tempo, o país não recebia tantos imigrantes, de diversos lugares, como passou a receber nas últimas décadas, entre os quais estão os brasileiros. A presença crescente dos brasileiros não tem sido bem vista pelos portugueses, ainda mais quando se trata das mulheres imigrantes brasileiras. Há uma série de fatores que levam a essa rejeição que vão desde os problemas econômicos que Portugal vem enfrentado na última década, o que acirra a concorrência de empregos entre portugueses e brasileiros, passando por algumas

representações negativas da mulher brasileira no imaginário português e as marcas que o movimento Mães de Bragança construiu entre os lusitanos sobre a presença ilegal de prostitutas brasileiras no país. São acontecimentos que tem construído alguns posicionamentos ideológico-discursivos que veem a presença de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal de forma preconceituosa e discriminatória. A reportagem Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos é um exemplo desses enunciados, visto que ela apresenta uma produção discursiva que aponta o preconceito que estudantes universitárias brasileiras sofrem para alugar um quarto ou imóvel em Portugal. É uma discriminação, principalmente comum, entre pessoas idosas que tendem a ser mais conservadoras e moralistas em relação à presença de pessoas estranhas à sua cultura e ao local em que vivem. É um acontecimento noticiável porque apresenta elementos que valorizam o que é próximo, geográfica e culturalmente, dos portugueses e desvalorizam o que é distante. Os valores-notícia em questão são a “significância”, ligada ao etnocentrismo, e à “proximidade e amplitude” (valores-notícia de seleção – critérios substantivos) que dão preferência a acontecimentos próximos do enunciador, no caso o jornal Expresso. Percebemos nas enunciações do jornal, discursos que mostram a valorização do que é próximo e a desvalorização do que é distante. Os enunciados que confirmam a valorização do que é próximo aos portugueses são: “[...] quando o sotaque é português aqueles quartos estão livres.”; “[...] a Lusa [agência portuguesa de notícias] liga para o mesmo número e o discurso mudou: ‘Tenho um quarto muito bom que pode ficar em 250 a 300 euros, caso opte por ter tratamento de roupa’ [...]”. Já os enunciados que demonstram a desvalorização do que é distante aos portugueses são: “Anúncio após anúncio, a jovem brasileira ouve sempre a mesma resposta: ‘O quarto já está arrendado’ [...]” (declaração de um proprietário de imóvel em Portugal); “São cerca de três mil os brasileiros a estudar no ensino superior em Portugal [...]”; “Maria (nome fictício), sabe, por experiência própria, que as brasileiras têm grandes dificuldades para conseguir arrendar um quarto ou uma casa [...]”; “[...] ‘Sim, ainda está livre... mas vai ficar no fim da lista e aviso-lhe já será muito difícil ficar com ele. Há muita gente para ver o quarto e vão ficar à sua frente”, é a resposta que ouve do outro lado do telefone’ [...]” (resposta de uma pessoa de idade, proprietária de um imóvel ou quarto, a Maria, uma estudante universitária brasileira]; “[...] o sotaque brasileiro impediu a estudante de conseguir um quarto [...]”. Apesar de identificarmos esse posicionamento ideológico-discursivo na presente reportagem, percebemos no próprio discurso em

questão o reconhecimento do preconceito que existe contra imigrantes brasileiros, não por uma voz portuguesa como o jornal Expresso ou da Agência Lusa (produtora/fonte da notícia), mas sim em uma voz brasileira, de Heliana Bibas, representante da Casa Brasil em Lisboa. Vejamos o enunciado que confirma esse posicionamento no trecho a seguir: “Heliana Bibas, da Casa Brasil, reconhece que [os imigrantes brasileiros] já foram ‘mais bem recebidos e que ‘em alguns casos a situação tem vindo a piorar’, tudo porque ‘existe um estereótipo do papel [do imigrante]’ [...]”. O reconhecimento é importante, mas na voz de uma pessoa de nacionalidade brasileira pode representar algo tendencioso porque a discriminação é vista pela perspectiva dos brasileiros e não pela perspectiva dos portugueses. O desafio que se apresenta é os próprios portugueses reconhecerem essa discriminação. Até que isso ocorra, as mulheres imigrantes brasileiras continuarão sendo discriminadas pelos portugueses e uma das formas de enfrentar isso tem sido o agrupamento de imigrantes brasileiros que passam a morar juntos, conforme nos mostram os enunciados do Expresso no trecho a seguir: “Nas cidades universitárias, como Évora, existem residências só para brasileiros [...]”. Por essas reflexões apresentadas, acreditamos que o jornal Expresso apresenta alguns enunciados que produzem o sentido “Imigração Brasileira em Portugal”.

M5 – FD1 – Sentido B “Imigração Africana em Portugal”: o preconceito em relação aos imigrantes, não ocorre somente com os brasileiros, ou mais especificamente com as mulheres imigrantes brasileiras. Conforme os enunciados da reportagem em questão mostram, a discriminação em relação a imigrantes em Portugal acontece também com os africanos. Só que nesse caso, a situação é um pouco pior porque a desvalorização dos imigrantes africanos é acompanhada do racismo, uma vez que a maioria desse grupo é composta por pessoas negras. Embora a discriminação de imigrantes africanos em Portugal não seja o foco do nosso estudo, acreditamos que é importante apresentar a produção desse sentido porque confirma que o preconceito contra imigrantes vai além dos brasileiros. É um posicionamento ideológico-discursivo do jornal Expresso e da sociedade portuguesa, que se fundamenta na presente FD e apresenta enunciados que valorizam o que é próximo e desvaloriza o que é distante. Devido a isso, mais uma vez, os valores-notícia que justificam a noticiabilidade do acontecimento em questão são a “significância”, ligada ao etnocentrismo, e a “proximidade e amplitude” (valores-notícia de seleção – critérios substantivos) que valorizam o que é próximo geográfica e culturalmente dos portugueses em detrimento

dos imigrantes africanos que são pessoas distantes da cultura portuguesa. Vejamos alguns enunciados que confirmam a discriminação a que os imigrantes africanos são expostos em Portugal nos trechos a seguir: “De acordo com dados do Ministério da Ciência e do Ensino Superior, no ano passado [2007] estavam inscritos nas universidades [portuguesas] 10.990 africanos, o dobro dos que há dez anos escolheram Portugal para estudar. No entanto, a mentalidade dos senhorios não mudou.”; “[...] ‘Trata-se de casos aberrantes da prática do racismo neste país. Em Portugal existe um racismo camuflado’ acusou Fernando Sá, presidente da Associação Guineense de Solidariedade Social”; “[...] ‘Há um anúncio de um quarto que quando ligam para lá dizem que está livre, mas quando lá aparecem os senhorios dizem que já está ocupado [...] Tudo devido à cor da pele’ alertou” (depoimento de Fernando Sá). Frente a essa série de enunciados que produzem o presente sentido de discriminação da comunidade de imigrantes africanos em Portugal, o jornal Expresso apresenta também alguns enunciados com iniciativas de combate a essa discriminação em cidades portuguesas como Évora e Porto. No primeiro caso, a solução foi agrupar os imigrantes africanos em uma mesma residência, uma iniciativa que não resolve o preconceito porque isola os africanos dos portugueses. Já no segundo caso, a solução parece ser um pouco mais adequada porque promove a interação entre ambos que ocorre quando um idoso português adota um estudante africano e dessa forma diminui o preconceito. Os enunciados que confirmam essas iniciativas são os trechos a seguir, respectivamente: “Nas cidades universitárias, como Évora, existem residências [...] só para africanos [...]”; “Ivo Santos garante [...] que no Porto não existem preconceitos raciais e recorda que vários africanos já aderiram ao Programa Aconchego, em que um idoso acolhe gratuitamente em sua casa um universitário”; “A Lusa [agência portuguesa de notícias] ligou para sete anúncios de quartos no Porto e a situação não foi tão gritante como em Lisboa, já que apenas dois mudaram a história consoante o sotaque do ‘estudante’ [...]”. Por essa via, é que identificamos a construção do sentido em questão. A discriminação da comunidade de imigrantes africanos em Portugal é bem alta, mas apesar de tudo os enunciados mostram que há algumas iniciativas que vão na contra- mão do preconceito.

M5 – FD1 – Sentido C “Influência de Familiares e Amigos Portugueses”: verificamos nos enunciados do jornal Expresso que quando os imigrantes brasileiros em Portugal são próximos e conhecidos de algum português, a discriminação diminui

por parte deles. Há uma mudança de posicionamento ideológico-discursivo porque esses imigrantes passam a ser conhecidos pelos portugueses a partir de alguém, normalmente familiares e amigos de imigrantes brasileiros, próximos e conhecidos deles e, muitas vezes, de confiança. Esses imigrantes precisam ter sua seriedade e seu caráter confirmados por alguém, preferencialmente um português, para que possam ter um voto de confiança por parte dos proprietários de imóveis e quartos em Portugal a fim de poder arrumar um lugar para morar. Como podemos verificar, o presente sentido se constrói a partir da mesma FD com regularidades discursivas que valorizam o que é próximo ou o que não é. São enunciados que nos mostram que tudo depende do posicionamento ideológico-discursivo que uma determinada pessoa ocupa no momento de sua enunciação. Com base nas reflexões sobre a AD Francesa, que abordamos no segundo capítulo, em todo momento os indivíduos estão assumindo novos posicionamentos que levam a diferentes produções discursivas e à produção de diferentes sentidos. É o que notamos nas análises em questão que conforme os portugueses passam a conhecer os imigrantes brasileiros, seus discursos sobre eles mudam. Os enunciados que confirmam a produção do presente sentido são os seguintes trechos: “[...] os que não tem familiares ou amigos a viver no país atravessam sérias dificuldades para conseguir arrendar um quarto ou uma casa”. “Normalmente acabam por conseguir casa através da rede de amigos ou familiares já instalados em Portugal [...]”. É por essa via que conseguimos identificar a produção do sentido em questão.

M5 – Formação Discursiva 2 (FD2) “Mulher Brasileira”: conforme já vimos em análises anteriores, as percepções que os portugueses têm da mulher brasileira foram construídas ao longo das relações luso-brasileiras. Desde os tempos da colonização portuguesa no Brasil foram se produzindo representações sobre a mulher brasileira associadas à sua sensualidade e ao sexo que foram intensificadas pela cultura do carnaval brasileiro, divulgado ao redor do mundo, e vem sendo aprimoradas com a crescente presença de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal. São representações que atribuem à mulher brasileira um comportamento e uma personalidade diferente da maioria das mulheres (principalmente portuguesas). Enquanto essas são vistas como mulheres sérias e recatadas, aquelas são vistas como mulheres volúveis e sensuais que sempre estão “à procura de sexo” ou fazem alguma coisa para se dar bem. São percepções muito fortes no imaginário português, por isso, constituem uma série de regularidades discursivas que em diversas situações são expressas nas enunciações de muitos

portugueses, como também nas enunciações do jornal Expresso produzindo alguns sentidos, conforme verificamos abaixo:

M5 – FD1 – Sentido A “O comportamento da mulher brasileira”: fundamentando- se na FD “Mulher Brasileira”, o jornal Expresso apresenta alguns enunciados que produzem o sentido de que a mulher brasileira tem “comportamento diferente” em relação as outras mulheres. Conforme já enunciamos, ela é vista pelos portugueses como uma mulher sensual, com transitoriedade afetiva e com “disponibilidade sexual”. São características que não dão credibilidade e seriedade a elas, como ocorreria, por exemplo, com uma mulher portuguesa. Por isso, a mulher brasileira muitas vezes, é vista como uma prostituta pelos portugueses. Dessa forma, em diversas situações que eles têm contato com uma mulher imigrante brasileira, independentemente de qual seja a atividade profissional dela e do motivo pelo qual ela esteja em Portugal, eles a associam à figura da prostituta. É um estereótipo ligado à nacionalidade, basta que, muitas vezes, os portugueses percebam que uma mulher é brasileira (normalmente percebem isso pelo sotaque) que já a associa à prostituição. O próprio jornal Expresso reconhece, em seu discurso, que essa associação e preconceito existem entre os portugueses conforme observamos nos trechos a seguir: “[...] ‘As raparigas [moças] são associadas à prostituição [...]”. Há quem acuse os portugueses de ‘um racismo camuflado96’ [...]”; “[...] ‘E sobre as brasileiras existe um grande preconceito de que possam ser prostitutas e não estudantes’, criticou Luis Ricardo Ferreira, presidente da Associação Acadêmica de Aveiro”; “Helena Bibas, da Casa Brasil, reconhece que [...] [há] ‘uma associação da brasileira à prostituição’ [...]”. No entanto, como é comum no discurso jornalístico, o Expresso apenas aborda as situações em que normalmente ocorre esse preconceito na reportagem em questão e não a problemática, o que realmente gera essa discriminação. É um posicionamento ideológico-discursivo que nos apontam alguns valores-notícia existentes nos enunciados em questão são: notabilidade” (valor-notícia de seleção – critério substantivo) e “personalização” (valor-notícia de construção). O primeiro se refere a aspectos de um acontecimento que podem ser manifestos no caso da reportagem

96 Na mesma notícia quem reconhece a existência de um “racismo camuflado em Portugal” não é um português e sim um africano como vemos no trecho a seguir: no trecho “[...] ‘Em Portugal existe um racismo camuflado’, acusou Fernando Cá, presidente da Associação Guineense de Solidariedade Social”. São enunciados que comprovam que é difícil para os portugueses reconhecerem o preconceito que têm contra imigrantes (já tratamos disso na FD “Próximo/Distante” da presente reportagem e no caso em questão contra as mulheres imigrantes brasileiras.

Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos é a recusa de pessoas idosas em alugar quartos para estudantes brasileiros. Além disso, esse critério de noticiabilidade valoriza mais a cobertura de uma situação do que de uma problemática. Já o segundo valor-notícia, foca um acontecimento em uma pessoa, na reportagem em questão o Expresso personaliza o acontecimento em Maria (nome fictício), uma estudante universitária brasileira, ao falar de sua dificuldade para alugar um quarto para morar. Embora o jornal Expresso reconheça que a discriminação dos portugueses em relação às mulheres imigrantes brasileiras seja algo geral, nesse ponto o Expresso centraliza o problema em uma situação por meio do uso da personalização do problema em Maria. O foco na pessoa permite ocultar discussões sociais mais amplas, como é o caso em questão, e dar mais noticiabilidade a um acontecimento. Os enunciados que confirmam essa estratégia discursiva são: título “Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos”; “Maria (nome fictício) sabe, por experiência própria, que as brasileiras têm grande dificuldade de arrendar quartos [...]; “[...] o sotaque brasileiro impediu a estudante [Maria] de conseguir um quarto [...]”. Por essas considerações, acreditamos que o jornal Expresso produz o sentido “o comportamento da mulher brasileira”.

M5 – FD2 – Sentido B “Desconfiança”: fundamentando-nos ainda na FD2 “Mulher Brasileira”, observamos que o jornal Expresso produz mais um sentido. A partir de regularidades discursivas que descredibilizam o comportamento da mulher brasileira entre os portugueses, vemos que o jornal apresenta enunciados que apontam a desconfiança que existe entre os “senhorios” portugueses para alugar quartos ou imóveis a estudantes brasileiras no país. Entre esses enunciados, existe a representação comum de que as mulheres imigrantes brasileiras vão para Portugal para se prostituírem. Dizer que elas vão lá para estudar parece ser totalmente incompatível com a percepção que os lusitanos têm da mulher brasileira. É a confrontação entre a representação de uma mulher descompromissada com uma mulher séria que são totalmente diferentes no imaginário português. Por isso, há uma série de discursos que justificam a desconfiança de pessoas idosas em relação às mulheres imigrantes brasileiras a ponto dessas pessoas pedirem para essas mulheres comprovantes de que realmente estão em Portugal na condição de estudante. Alguns enunciados que confirmam a produção desse sentido são os seguintes trechos: “[...] Há até quem exija comprovativo da universidade em como é estudante”; “Depois de cinco telefonemas,

[...] surge finalmente alguém disposto a recebê-la [Maria, nome fictício, estudante brasileira]. Mas com uma condição: ‘Tem que trazer comprovativo da faculdade em como está a estudar’ [...]”. São exemplos de que as estudantes universitárias brasileiras precisam ter um documento que comprovem sua idoneidade e seriedade, não basta apenas sua palavra. Ademais, vemos que a produção do sentido “Desconfiança” apresenta enunciados que mostram que a discriminação não ocorre apenas com a estudante brasileira Maria (nome fictício), mas que ocorre também com várias outras estudantes brasileiras. É uma característica da notícia/reportagem Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos que mostra que é uma situação abrangente. Por isso, é um aspecto que dá mais noticiabilidade ao acontecimento em questão, visto que o valor-notícia presente nesse ponto é a “amplificação” (valor-notícia de construção). É um critério que valoriza aspectos de um acontecimento que tenham ampla incidência em um determinado contexto. No caso em questão, verificamos a amplificação do ato de desconfiança dos “senhorios” portugueses em relação às estudantes universitárias brasileiras. O trecho que confirma tal amplificação é: “[...] ‘Temos vários relatos de pessoas que pediram documentos a mais’ [...] criticou Luis Ricardo Ferreira, presidente da Associação Acadêmica de Aveiro”. Foi a partir dessas reflexões que identificamos a produção do presente “Desconfiança”.

A Análise do Discurso que realizamos nos permitiu identificar as FDs apresentadas e seus respectivos sentidos. Percebemos a existência da FD1 “Próximo/Distante” com os sentidos “Imigração Brasileira em Portugal”, “Imigração Africana em Portugal” e a “Influência de Familiares e Amigos Portugueses”, bem como a FD2 “Mulher Brasileira” com os sentidos “O comportamento da mulher brasileira” e “Desconfiança”. Além disso, pudemos identificar os seguintes valores-notícia: “significância”, “proximidade e amplitude”, “notabilidade”, “personalização” e “amplificação”.

Na FD1, percebemos a construção de sentidos que aponta a desvalorização por parte dos portugueses, principalmente de pessoas idosas, em relação a imigrantes, tanto brasileiros como africanos. São grupos que, apesar de estarem cada vez mais presentes em Portugal, são vistos como pessoas estranhas à cultura lusitana. Por isso, muitos portugueses os discriminam como pudemos notar nas enunciações do jornal Expresso. Entretanto, observarmos que

quando, em alguns casos, os imigrantes brasileiros, principalmente estudantes universitárias, têm proximidade com algum português, como familiares ou amigos, essa percepção muda. Arrendar um quarto ou imóvel por intermédio de algum conhecido que confirme o caráter responsável de uma brasileira é o caminho mais eficaz para que as mulheres imigrantes brasileiras não sejam tão discriminadas entre os portugueses. Nesse ponto, ocorre uma mudança de posicionamento (da pessoa distante para a pessoa próxima) que muda totalmente o discurso de um português. Já a FD2 nos aponta de onde vêm tantos preconceitos entre os portugueses em relação às mulheres imigrantes brasileiras que estudam em Portugal. Advém de algumas representações negativas da mulher brasileira, nas quais ela é concebida como uma mulher volúvel, sensual e com disponibilidade sexual. São percepções que associam a mulher brasileira à prostituição e também à desconfiança. Pelo posicionamento ideológico- discursivo em questão, ser mulher e brasileira é como atestar que a mesma pode ser uma prostituta e sua palavra pode ter pouca validade, a ponto de ter que apresentar documentos que comprovem o que ela está falando.

Por essas considerações, podemos dizer que o preconceito em relação a imigrantes não é algo que ocorre somente com as mulheres imigrantes brasileiras. De modo geral, os portugueses tendem a discriminar pessoas de outros lugares. No caso das imigrantes brasileiras, especificamente as mulheres, tal preconceito é associado a outras percepções comuns sobre a mulher brasileira entre os portugueses. Além de elas serem pessoas distantes da cultura e da sociedade lusitana, são também vistas como prostitutas e com desconfiança. Por isso, as mulheres imigrantes brasileiras têm dificuldades para levar uma vida normal em Portugal. Em seus ombros pesa além da sua condição de imigrante, a sua nacionalidade.

4.1.6 – Matéria 6 (M6) - Morar ao lado da prostituição

A reportagem Morar ao lado da prostituição97, produzida pela jornalista Mafalda Ganhão e as fotos por Luiz Carvalho, foi publicada na versão impressa e na versão digital do jornal Expresso em 7 de fevereiro de 2009. A notícia aborda a presença de mulheres imigrantes brasileiras, assim como homossexuais e transexuais98, que pratica a prostituição em imóveis da Rua Luciano Cordeiro, na cidade de Lisboa. A matéria enfatiza o quanto a presença delas tem prejudicado a dinâmica social da região, principalmente dos habitantes

97 A reportagem está disponível no Anexo G do presente trabalho. 98 Apesar de a reportagem abordar também a presença de homossexuais e transexuais, abordamos somente a presença da mulher brasileira que é foco do nosso estudo.

próximos. Apresentamos as principais Formações Discursivas (FDs) e os respectivos setnidos encontrados em cada FD no Quadro de Formações Discursivas exposto a seguir.

4.1.6.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 6 (M6)

M6 -Formação Discursiva 1 (FD1) “Ordem/Desordem”: identificamos novamente na construção discursiva do Expresso esta FD que separa o que está organizado do que está desorganizado. Ela apresenta a contradição entre ordem e desordem, elaborada a partir de regularidades discursivas que procuram enquadrar, classificar e definir todas as coisas existentes. Esses procedimentos são muito importantes para controlar um determinado espaço, ou mesmo uma sociedade. A desordem pode representar, por exemplo, um risco para a manutenção do status quo em um conjunto social. Por isso, para as classes sociais dominantes é importante controlar a ordem social existente. Com base nisso, vemos que o jornal Expresso apresenta enunciados que fazem essa regulação do poder social instituído. Isso ocorre porque os valores jornalísticos são compatíveis com os valores dominantes. Desse modo, percebemos em seus enunciados a preocupação em construir um discurso que aponta a presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem como um risco para a ordem da cidade de Lisboa. Identificamos essa FD a partir de alguns sentidos que recorrem à ideia de ordem e desordem na enunciação desse jornal:

M6 - FD1 – Sentido A “Tradicional/Moderno”: os enunciados iniciais da reportagem em questão abordam a existência de uma sociedade tradicional que, aos poucos, vai apresentando alguns sinais de modernização, ou seja, coisas novas. Alguns trechos que expressam esse sentido são: “[...] fachadas envelhecidas [...]”, “[...] comércio tradicional [...]”, “[...] raros andares renovados [...]”, “[...] prédio recém construído [...]”, etc. Ao lado dessas novas construções, o jornal Expresso destaca a chegada de algumas mulheres imigrantes brasileiras, as quais se prostituem, que promoveram algumas mudanças na tradicional região de Lisboa. É um acontecimento noticiável porque acontece em um local próximo, geográfica e culturalmente, de muitos portugueses. Nesse caso, o jornal utiliza os valores-notícia “significância”, ligada ao etnocentrismo, e “proximidade e amplitude”(valores notícia de seleção – critérios substantivos). Além disso, conforme nos apontou Traquina (2005a) na Teoria Interacionista, a cobertura jornalística se concentra em alguns lugares estratégicos. De acordo com o mesmo autor e com Sousa (1999), em Portugal, a maioria dos jornais

concentra sua cobertura na cidade de Lisboa. Por isso, outro valor-notícia presente nesse fato é o critério “disponibilidade” (valor-notícia de seleção – critério contextual), pois o Expresso tem facilidade de cobrir esse acontecimento em Lisboa. Mais adiante, o jornal Expresso confirma a contradição entre o tradicional e o moderno, ao dizer que a prostituição é praticada em um lugar onde residem muitas pessoas idosas. O novo (a presença de prostitutas brasileiras) tenta se inserir no que já é antigo (bairro de Lisboa) e próximo aos portugueses, mudando a dinâmica social do lugar como, conforme exemplifica o jornal Expresso, provocando a desvalorização da venda dos imóveis na região. O Expresso enfatiza apenas as consequências negativas da presença das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem para os portugueses e não faz o inverso. O jornal contraria seu próprio Código de Conduta que garante, no item número 5 denominado de “honestidade de procedimentos”99, dar o direito às pessoas expostas nas matérias de se defenderem em condição de igualdade. Alguns termos que confirmam o sentido de embate entre o antigo e o novo são: “[...] freguesia envelhecida [...]”; “[...] o ambiente nocturno afasta muitos potenciais moradores [...]”; etc. Produz-se o sentido de que esse embate entre o novo e o antigo prejudica a vida dos moradores do local e gera conflitos.

M6 - FD1 – Sentido B “Moral/Imoral”: por ser tradicional, a sociedade portuguesa valoriza bastante a moral e os bons costumes. A prostituição, por ser considerada uma atividade desviante dos valores morais, é condenada pela percepção portuguesa. Desde que as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem passaram a viver na região da Rua Luciano Cordeiro, em Lisboa, os valorais morais dos moradores do local foram ameaçados pelo comportamento inadequado delas (praticar sexo por dinheiro, fazer barulho, vestir roupas curtas e extravagantes, etc.). Trata-se de um acontecimento em que há a inversão de valores ao que é considerado normal pela moral e pelos bons costumes portugueses. Nesse ponto, o valor-notícia usado pelo Expresso é o valor da “notabilidade” (valor-notícia de seleção – critério substantivo) que seleciona acontecimentos que contenham alguma inversão ao que é considerado normal. Percebemos o incômodo dos moradores com a presença de prostitutas brasileiras em algumas expressões como: “Os vizinhos querem-se sossegados [...]”; “[...] a questão ultrapassa o lado da moral [...]”; “Maria B [...] reside num andar com vistas para o

99 Conforme apontamos anteriormente, o Código de Conduta dos jornalistas do Expresso encontra-se no Anexo A da presente dissertação.

‘pecado’ e [...] tão pouco convencional vizinha.”, etc. Vemos um forte posicionamento ideológico-discursivo de maniqueísmo (contradição entre o bem, a moral, e o mal, a imoral) no discurso do jornal Expresso. Esse posicionamento presente na FD em questão está relacionado também à forte influência da Igreja Católica entre os portugueses. Cometer um “pecado” é algo que desestabiliza os preceitos da Igreja Católica. Por isso, tendo como pressuposto o valor notícia “notabilidade” que enfatiza o desvio da ordem, o jornal Expresso constrói o sentido de que as prostitutas brasileiras devem ser condenadas porque invertem a ordem social existente.

M6 - FD1 – Sentido C “Legal/Ilegal”: a construção discursiva do jornal Expresso, na reportagem Morar ao lado da prostituição, também recorre à ideia do que é considerado válido ou não em uma sociedade, ou seja, o que é legal ou ilegal. Essa concepção está ligada ao valor-notícia “consonância” (valor-notícia de construção) que pressupõe o consenso social existente entre os portugueses. O enunciador mostra que o exercício da prostituição por mulheres imigrantes brasileiras em Portugal precisa do controle da força policial. Essa seria uma forma de o Estado reprimir o avanço da desordem, ou seja, da ilegalidade (o que não é válido socialmente). Apesar de a polícia ter um papel controlador, ela não consegue acabar com o movimento nos arredores da Rua Luciano Cordeiro, já que a prostituição não é crime. A atividade está no entremeio daquilo que é legal e daquilo que não é legal, pois a prática não leva à prisão. Somente o comportamento desordeiro das prostitutas e a condição ilegal delas no país é que podem ser considerados motivos para que elas sejam presas. Nesse ponto, vemos que o Expresso usa os valores-notícia “significância”, ligado ao etnocentrismo, e “proximidade e amplitude” (valores-notícia de seleção – critérios substantivos) porque a imigração brasileira, principalmente em condição ilegal, é um acontecimento que está afetando a vida de muitos portugueses (proximidade geográfica e cultural) e por isso é um fato que a sociedade portuguesa deve tomar conhecimento. Alguns termos que expressam esse posicionamento são: “[...] chamar a polícia por causa do barulho [...]”; “As autoridades garantem que não lhes é fácil actuar [...]”; “Se é chamada, a polícia intervém, pede a identificação dos indivíduos [...] mas os problemas voltam sempre na noite seguinte”. Vemos um posicionamento ideológico nessa FD a favor da atuação da força legal dos policiais, da ordem, para resolver o problema que tem se tornado constante. É importante que a força repressora

do Estado combata qualquer transgressão (ilegalidade) para que ela não afete a ordem social vigente.

M6 - FD1 – Sentido D “Dia/Noite”: o jornal Expresso também recorre a construções discursivas que diferenciam o dia e a noite. Durante o dia, a ordem e a tradição parecem predominar na descrição do cenário feito pelo jornal; entretanto, à noite, momento em que ocorrem as práticas de prostituição pelas mulheres imigrantes brasileiras, a desordem e o que parece novo e estranho dominam a região da Rua Luciano Cordeiro. Tal perspectiva tem correspondência com os valores de claro e escuro (valores bastante ligados também à questão religiosa100) em que no primeiro, tudo é conhecido e organizado e, no segundo, tudo é desconhecido e desorganizado. A construção da notícia/reportagem Morar ao lado da prostituição é feita dentro de uma narrativa já conhecida pelos portugueses que corresponde às enunciações existentes sobre os valores de claro e escuro. Enxergamos nesse ponto da reportagem o uso do critério de noticiabilidade “consonância” (valor-notícia de construção) que destaca características de um acontecimento que correspondam às expectativas do público. Percebemos esse sentido nas expressões: “[...] luz do dia [...]”; “São 15 horas [...]”; “É a noite que o cenário muda [...]”; “[...] movimentações nocturnas [...]”; etc. Pelo posicionamento do enunciador, vemos que dia e noite é outro sentido o qual confirma a ideia de que a desordem, causada pelas prostitutas à noite na região da Rua Luciano Cordeiro, representa uma ameaça aos portugueses.

M6 – Formação Discursiva 2 (FD2) “Mulher Brasileira”: ao longo da M6, identificamos construções discursivas que consideram a mulher brasileira com um comportamento diferente de outras mulheres. Na perspectiva enunciativa do jornal, as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal são exuberantes, divertidas, barulhentas, etc. A presença dessa FD está ligada a algumas percepções que atribuem à mulher brasileira um exotismo sem comparações. Isso pode ocorrer devido à algumas representações existentes no imaginário português ligadas ao período colonial lusitano no Brasil, ao carnaval brasileiro e ao trabalho da própria mídia que considera a mulher brasileira, segundo Cunha (2005, p.537), “[...] como arquétipo de sensualidade, disponibilidade sexual e transitoriedade afetiva”. Exatamente a

100 Conforme abordamos na análise da Matéria 4 (M4), da FD1 “Ordem/Desordem”, Sentido C “Dia/Noite”, nas páginas 160-161.

ideia de uma mulher volúvel que se confunde com a figura da prostituta. A seguir, identificamos alguns sentidos que confirmam essas construções discursivas:

M6 - FD2 – Sentido A “Uso de termos com aspas para se referir à mulher brasileira”: em algumas passagens da reportagem Morar ao lado da prostituição há o uso de termos com aspas para se referir às mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal como: “meninas” e “brasileiras”. Isso ocorre tanto nas enunciações do jornal como no uso de declarações de moradores da região da Rua Luciano Cordeiro, em Lisboa. O uso de termos com aspas para se referir a elas é uma forma de diferenciá-las em relação ao resto do enunciado considerado. Isso ocorre porque o discurso jornalístico deve ser o mais simples e claro possível que corresponde aos valores-notícias “simplificação e clareza” (valores-notícia de construção) que tornam a reportagem mais compreensível e reduz a polissemia de significados. O uso das aspas é uma forma de mostrar que os termos “meninas” e “brasileiras” estão sendo usados com significados específicos que se referem ao comportamento diferente da mulher brasileira em relação a outras mulheres. São termos que não podem ser incorporados à linguagem dos jornalistas e/ou à linguagem dos portugueses. Na visão deles, a mulher brasileira é “diferente” das outras mulheres, por isso precisa ser distinguida. Trata-se de um procedimento discursivo que pode ser visto como a construção de um sentido de discriminação da mulher brasileira. Um posicionamento do Expresso que parece ir na contramão do seu próprio Código de Conduta, pois o item 1 “objetividade” valoriza a investigação cuidadosa e sem preconceitos. É a ideia de que a mulher brasileira tem um modo de ser muito peculiar que não se confunde com o comportamento convencional de uma mulher, principalmente a mulher portuguesa.

M6 - FD2 – Sentido B “O comportamento da mulher brasileira”: a personalidade e o comportamento da mulher brasileira são vistos como algo exótico, ou seja, elementos destacados e diferenciados que chamam a atenção e podem ser até motivos de risos. É um modo de ser que não tem proximidade e afinidade cultural com os portugueses. Nesse caso, podemos ver a presença dos valores-notícia “significância” (etnocentrismo) e “proximidade e amplitude” (valores-notícia de construção – critérios substantivos), os quais destacam o que não tem valor para os portugueses como algo positivo e o que não tem como algo negativo. No posicionamento ideológico-discursivo em questão, as prostitutas brasileiras são vistas como seres distantes da cultura lusitana a qual é

valorizada pelo enunciador. O jornal Expresso trabalha com enunciados que causam estranhamento e até diversão àqueles que veem o comportamento das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem na cidade de Lisboa. Isso pode ser visto em expressões como: “[...] natureza divertida [...]” (depoimento de Maria Palmira); “[...] sorriso matreiro quando fala das ‘brasileiras’ [...]” (depoimento de João Veríssimo); “[...] barulho de tão pouco convencional vizinhança [...]”; etc. De acordo com a visão do enunciador, o exotismo da mulher brasileira pode ser confirmado pelo comportamento exuberante, barulhento e divertido das prostitutas brasileiras na região da Rua Luciano Cordeiro, em Lisboa. Elas são desacreditadas perante os portugueses porque o posicionamento ideológico-discursivo do jornal Expresso as apresenta como seres exóticos em um espetáculo.

M6 – Formação Discursiva 3 (FD3) “Próximo/Distante”: em qualquer agrupamento social é comum as pessoas distinguirem o que pertence e o que não pertence a elas. É uma forma de definir o que é próximo ou distante e o valor que cada elemento tem para um determinado grupo social. Normalmente, o que é considerado “próximo” (familiar) tem mais valor e importância para uma sociedade do que aquilo que é considerado distante (estranho). Essa definição contribui para o controle tanto de coisas como de pessoas que entram e saem de um determinado espaço social. É por essa classificação que uma sociedade define o que é ou não importante para ela. No que se refere ao controle de pessoas, ela é realizada por meio dos registros de emigração e imigração que ocorre em uma sociedade. A imigração representa a entrada de pessoas de outros lugares em um determinado conjunto social. É por essa via que se identifica quem é “externo” a um determinado espaço social e, desse modo, possibilita a desvalorização de imigrantes, principalmente em sociedades que valorizam o que é próximo, que são etnocêntricas. Essa situação é o que parece ocorrer em Portugal porque o país até pouco tempo atrás recebia poucos imigrantes e atualmente o país passa por uma recessão econômica, conforme já explicamos nas análises anteriores. Por isso, a presença dos brasileiros não é bem vista pelos portugueses. Essa situação ficou ainda mais difícil, principalmente para as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem, após a ocorrência do movimento Mães de Bragança em 2003. Desde então, a imigração brasileira em Portugal tem sido bastante discutida e vista de modo negativo. A partir dos posicionamentos ideológico-discursivos construídos em torno do movimento Mães de Bragança, vemos que a reportagem Morar ao lado da prostituição, do jornal Expresso, recorre a eles para condenar a

presença das prostitutas brasileiras e acabar com as movimentações da prostituição também em Lisboa. Percebemos isso na identificação do seguinte sentido:

M6 - FD3 – Sentido A “Mobilização dos portugueses contra a presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem no país”: os enunciados mostram que os moradores da região da Rua Luciano Cordeiro em Lisboa se mobilizaram e questionaram a presença das prostitutas brasileiras no local. A esperança dos moradores era conseguir a mesma força do movimento Mães de Bragança que, apesar de ter fracassado, gerou bastante repercussão midiática; contudo, os moradores de Lisboa não conseguiram nada. Houve em torno da mobilização Mães de Bragança a construção de uma série de posicionamentos ideológico-discursivos que fundamentam e explicam a publicação da reportagem Morar ao lado da prostituição. Era difícil prever que um episódio semelhante ao movimento Mães de Bragança poderia ocorrer. Foi uma surpresa que revelou um acontecimento com o valor-notícia “inesperado” (valor-notícia de seleção – critério substantivo), que confirma a importância da noticiabilidade desse acontecimento pelo jornal Expresso. Identificamos a produção desse sentido nos seguintes trechos: “[...] foi feito um abaixo assinado [...]”; “[...] deu em nada [...]” (depoimento de Maria); “[...] daí nunca mais ter havido outra iniciativa para resolver o problema [...]”. Mesmo tendo como referência a mobilização das Mães de Bragança, a iniciativa dos moradores de Lisboa não foi bem sucedida. De qualquer modo, a produção discursiva do Expresso utiliza os posicionamentos ideológico-discursivos construídos pelo movimento de Bragança para contestar a presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Lisboa.

Na Análise do Discurso que realizamos, identificamos as FD e os respectivos sentidos apresentados. Verificamos a existência da FD1 “Ordem e Desordem” com os sentidos “Tradicional/Moderno”, “Moral/Imoral”, “Legal/Ilegal” e “Dia e Noite”, a FD2 “Mulher Brasileira” com os sentidos “Uso de termos com aspas para se referir à mulher brasileira” e “o comportamento da mulher brasileira” e a FD3 “Próximo/Distante” com o sentido “Mobilização dos portugueses contra a presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem no país”. Além disso identificamos os seguintes valores-notícia: “significância”; “proximidade e amplitude”; “disponibilidade”; “notabilidade”; “consonância”; “simplicidade e clareza”; e “inesperado”.

De modo geral, na FD1 verificamos a construção de sentidos que associam a presença das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal ao que é considerada uma desordem (novo, estranho, imoral e ilegal). Essa FD disponibiliza os principais discursos para o enunciador produzir sentidos que culpabilizam a presença das prostitutas brasileiras pela desordem existente na região da Rua Luciano Cordeiro, em Lisboa. Já as FD2 e a FD3 são fontes de posicionamentos ideológico-discursivos que descredibilizam o comportamento da mulher brasileira e sua presença em Portugal. Elas servem para mostrar que o comportamento inadequado das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal é responsável pela desordem, apontada na FD1, que é causada no país.

Na produção discursiva do jornal Expresso, notamos que a FD2 e a FD3 apresentam o que leva as prostitutas brasileiras a atrapalharem a vida dos portugueses, ou seja, a causa é o seu comportamento e a FD1 apresenta as consequências que a presença delas gera no país, ou seja, a desordem por que elas são “responsáveis”. Por esse posicionamento ideológico- discursivo do Expresso, verificamos que a produção de sentidos que desqualificam a mulher brasileira enquanto ser humano. A imoralidade, a ilegalidade e “o comportamento da mulher brasileira” são percepções muito fortes no imaginário português. O jornal Expresso parece usar isso como motivo para associá-las ao discurso da desordem.

4.1.7 Matéria 7 (M7) - Mercado do sexo não escapa à crise

A reportagem Mercado do Sexo não escapa à crise101, produzida pelo jornalista Nelson Marques e a foto por Carlos Ramos, foi publicada na versão digital do jornal Expresso, na seção Actualidade, em 24 de fevereiro de 2009. De modo geral, a matéria aborda como a crise econômica mundial, entre os anos de 2008 e 2009, afetou o “mercado do sexo” em Portugal. A matéria procura as causas da crise no setor que levaram a um aumento da oferta e a uma diminuição na procura por serviços ligados à prática do sexo. Em seguida, apresentamos as Formações Discursivas (FDs) que são identificadas na reportagem em questão e os principais sentidos encontrados em cada Formação Discursiva (FD) no Quadro de Formações Discursivas abaixo.

4.1.7.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 7 (M7)

101 A reportagem está disponível no Anexo H do presente trabalho.

M7 – Formação Discursiva 1 (FD1) “Ordem/Desordem”: conforme já vimos em outras análises, esta FD procura classificar e organizar todas as coisas existentes em um determinado espaço. A ordem permite ao homem um domínio maior do espaço ao seu redor. Em uma sociedade isso não é diferente, ela tem suas relações reguladas pelo Estado, o qual define o que é considerado legal e ilegal nas áreas da economia, política, saúde, educação, etc. Essa regulação é necessária para organizar a sociedade e manter o poder vigente. Apesar disso, muitas pessoas atuam de forma ilegal para enfrentar as dificuldades do dia a dia. Quem atua dessa maneira é discriminado pela sociedade de forma negativa. É uma maneira de se mostrar que quem está errado não é o poder vigente, mas sim as pessoas marginalizadas. Mais que isso, é uma forma de se impedir qualquer ameaça ao status quo vigente. A partir disso, encontramos nos enunciados do jornal Expresso alguns enunciados fundamentados pela presente FD que produzem os seguintes sentidos: M7 – FD1 – Sentido A “Legal/Ilegal”: na área econômica, há diversas formas de negócios, sendo algumas legais e outras ilegais. Embora haja essa diferença, fenômenos como a crise econômica mundial de 2008/2009, que atingiu Portugal, apresentou impactos negativos em muitos negócios existentes no país. Tendo-se em conta a atualidade da crise econômica mundial, no momento de produção da reportagem Mercado do sexo não escapa à crise em 24 de fevereiro de 2009, ela é usada como um gancho pelo jornal Expresso para noticiar de que forma a crise afetou, não somente o setor legal da economia, mas também o setor ilegal usando como exemplo o “mercado do sexo” em Portugal. Nesse caso, o jornal usou os valores-notícia “tempo” e “tempo do acontecimento ou frequência sinal” (valores-notícia de seleção – critérios substantivos) para selecionar o acontecimento. Além disso, é um acontecimento noticiável porque o “mercado do sexo” é um setor ilegal da economia e como não é regulado pelo Estado português pode representar uma ameaça ao poder dominante existente. Por isso, é importante o jornal Expresso noticiar esse acontecimento porque ele apresenta o valor-notícia “relação com as elites”102. Como o mercado do sexo é um setor informal da economia, não existe arrecadação de impostos nem dados oficiais sobre “seus negócios”; dessa forma é importante o jornal vigiar e alertar a elite portuguesa sobre essas práticas ilegais a fim de impedir que elas ameacem o poder vigente. Apesar da falta de dados oficiais no setor, o jornal Expresso arrumou uma forma de mostrar como está a crise nessa área ao dizer que: “[...] basta falar com alguns ‘actores’ desse meio [o mercado do sexo] [...]” para se saber

102 Esse valor-notícia apresentado por Ponte (2005) não entrou na classificação de valores-notícia proposta por Traquina (2005b).

qual é a situação no setor. Nessa passagem, é clara a desqualificação que o jornal faz das pessoas que trabalham no “mercado do sexo” (principalmente “acompanhantes”), ao utilizar aspas no termo “actores”. Entre esse “actores”, conforme foi apontado pela mídia portuguesa e internacional, ao tratar do movimento Mães de Bragança, a maioria das “acompanhantes” são brasileiras. Por isso, o jornal Expresso e muitos portugueses acreditam que as prostitutas brasileiras sejam maioria nesse setor. Por essa perspectiva, não é à toa que o jornal Expresso apresenta mais depoimentos da “acompanhante”103 brasileira, Paula Lee, em relação ao depoimento da “acompanhante” portuguesa, Isabella, que aparece somente uma vez. Nesse caso, existe o consenso social de que a presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal é dominante. Por isso, os portugueses esperam ver mais prostitutas brasileiras ao invés de prostitutas portuguesas na notícia do Expresso. O jornal responde a essa expectativa usando o valor-notícia “consonância” (valor-notícia de construção) ao construir a notícia apresentando mais depoimentos da “acompanhante” brasileira, Paula Lee, do que da “acompanhante” portuguesa, Isabella. Além disso, o Expresso usa o raciocínio formal da economia (da oferta e da procura) para explicar a crise em um setor informal, a partir dos critérios de noticiabilidade “simplificação e clareza” (valores-notícia de construção), os quais destacam elementos de um acontecimento que simplificam a notícia/reportagem e reduzir a polissemia de significados, como: “A crise, defende a acompanhante, está por isso ‘mais ligada a quem oferece do que a quem procura’. Um fenômeno que provoca um efeito dominó preocupante [...]” (depoimento de Paula). A racionalidade lógica atua a favor da visão do enunciador, ao simplificar a explicação da crise no “mercado do sexo” para a grande oferta de prostitutas brasileiras. Por essas enunciações, a responsabilidade pela crise no “mercado do sexo” pode ser atribuída às mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal. O jornal Expresso também ressalta que: “Diminuir o número de bailarinas [prostitutas] é que está fora de questão [...]” (depoimento de dono de uma casa de prostituição). Isso quer dizer que as prostitutas brasileiras continuarão presentes na sociedade portuguesa. Pela visão do jornal, vemos que a crise no “mercado do sexo” não é causada pela crise econômica mundial de 2008/2009, mas sim pela grande oferta de prostitutas brasileiras em um setor ilegal da economia.

103 Acreditamos que o significado do termo “acompanhante” é igual ao significado do termo “prostituta” que significa “praticar sexo por dinheiro”, por isso, usamos o termo “prostituta” como sinônimo do termo “acompanhante”.

M7 – FD1 – Sentido B “Saúde/Contaminação”: na zona da legalidade, um Estado procura adotar medidas para o controle da saúde de uma população. No entanto, quando há práticas ilegais em sociedade sem um controle do Estado, há o risco de desenvolvimento de doenças perigosas como Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA)104, etc. É o que vem acontecendo no “mercado do sexo” em Portugal, o aumento da oferta de prostitutas tem feito com que muitas delas não usem preservativos por exigência dos clientes. É um acontecimento que apresenta riscos para a saúde que são inesperados pelos portugueses, por isso identificamos, nesse ponto, o uso do critério de noticiabilidade “negatividade” (valor-notícia de seleção – critério substantivo) pelo jornal Expresso para noticiar o acontecimento. É necessário que os portugueses saibam e lutem contra os riscos que a contaminação dessas doenças representa. Se a possibilidade de tal contaminação não for controlada, ela pode se disseminar pela sociedade portuguesa. É algo que pode por em xeque todo o controle social de saúde existente em Portugal. Vemos o alerta do Expresso sobre o perigo que as prostitutas, principalmente brasileiras, representam em trechos como: “Principalmente preocupante, alerta, é o número de profissionais do sexo que acedem a ter relações desprotegidas.”; “Hoje, pelo menos 60% fazem-no [relação sexual desprotegida] [...]” (depoimento de Paula). Muito mais que um descontrole de saúde, esse acontecimento noticiado pelo Expresso pode ser um risco ao poder dominante em que identificamos o valor-notícia “relação com as elites”105, bem como porque causa uma inversão no controle da saúde pública portuguesa em que identificamos o valor-notícia “notabilidade”106 (valor notícia de seleção – critério substantivo). O primeiro valor-notícia destaca acontecimentos que sejam de interesse das elites que no caso em questão é a manutenção do status quo e o segundo valor-notícia seleciona acontecimentos que apresentem alguma inversão ao que é considerado normal. Por essas considerações, vemos que o jornal Expresso constrói o sentido de que a presença de prostitutas brasileiras em Portugal representa um risco para a saúde pública do país porque elas podem ser o agente desencadeador de contaminação de algumas doenças sexuais contagiosas.

M7 – Formação Discursiva 2 (FD2) “Próximo/Distante”: existe uma série de discursos que surgem a partir do posicionamento ideológico de que tudo o que é próximo e pertence a um

104 Também conhecida como AIDS, abreviatura do termo em inglês; 105 Conforme já dissemos anteriormente, esse valor-notícia não entrou na classificação de valores-notícia proposta por Traquina (2005b). 106 O valor-notícia “notabilidade” também seleciona acontecimentos cujos aspectos possam ser manifestos (tangíveis e/ou visíveis).

determinado grupo social, classe social ou sociedade, tem mais valor em relação ao que é distante e não pertence a um determinado agrupamento social. Tendo por base essa noção, em muitas sociedades a vinda de pessoas (imigrantes) de outros lugares para o espaço dessa sociedade pode não ser bem vista pela população local. Muitas vezes, os imigrantes são discriminados e vistos como um grupo social minoritário e recebem um tratamento diferente porque são pessoas estranhas e com “menos valor” em relação à população local. Em Portugal, o aumento dos imigrantes, nas últimas décadas, entre os quais estão muitos brasileiros, parece se aproximar dessa situação de discriminação de imigrantes. O país ainda não recebe muito bem os imigrantes; no caso das mulheres imigrantes brasileiras essa rejeição é pior devido a presença excessiva delas no mercado do sexo que provocou acontecimentos com o movimento Mães de Bragança em 2003, conforme explicamos nas análises anteriores. Isso serviu para desqualificar ainda mais a presença das mulheres imigrantes brasileiras de modo geral em Portugal. A partir dessa FD, vejamos o sentido identificado na reportagem Mercado do sexo não escapa à crise:

M7 – FD2 – Sentido A “A presença excessiva de prostitutas brasileiras em Portugal’: na reportagem em questão, percebermos a predominância do critério de noticiabilidade “significância”, por meio do etnocentrismo (valor-notícia de seleção – critério substantivo), quando o jornal aborda a quantidade de prostitutas brasileiras que vem trabalhando no “mercado do sexo” em Portugal. Essa presença tem atrapalhado a vida de muitos portugueses e por isso é importante o jornal Expresso noticiar acontecimentos próximos culturalmente dos lusitanos. Os enunciados que confirmam isso são os seguintes trechos: “[...] Este sector foi muito explorado em Portugal, até o ponto em que atingiu uma saturação” (depoimento de Paula); “[...] a acompanhante [Paula] aponta o aumento da concorrência como principal responsável pela crise no sector. ‘Todos os dias recebo e-mails de mulheres [...] que querem entrar nesta actividade’ [...]”. A presença excessiva de prostitutas brasileiras no país, não é bem vista pelos portugueses, por isso o jornal Expresso as responsabiliza pela crise no “mercado do sexo”. Por não serem portuguesas, as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem são consideradas diferentes (etnocentrismo) e de um lugar distante; não existe afinidade cultural entre elas e os portugueses. Vemos também o uso dos valores-notícia “proximidade e amplitude” (valores-notícia de seleção – critérios substantivos), eles são os critérios mais usados pelos jornalistas para se diferenciar o que é próximo geografica e culturalmente e conhecido do que é distante e

desconhecido. Esses critérios também estão presentes quando o enunciador se refere à nacionalidade das “acompanhantes”: “As palavras de Paula Lee, uma call girl brasileira de 27 anos [...]” e “[...] Isabella, outra acompanhante, também loira e de 27 anos, mas portuguesa”. Ao descrever a nacionalidade da “acompanhante” portuguesa, o termo “mas” pode não servir apenas para diferenciar a nacionalidade da “acompanhante” portuguesa em relação à “acompanhante brasileira”, mas também para qualificá-la. Apesar de Isabella ser prostituta, ela é portuguesa. Na visão da sociedade lusitana, considerada bastante tradicional e moralista, poucas mulheres portuguesas se submetem à prostituição107. Já entre as mulheres imigrantes brasileiras, na visão do senso comum, essa prática é frequente. O jornal Expresso constrói o sentido de que a presença excessiva delas é que causou a crise no “mercado do sexo”. Além disso, no momento em que o jornal Expresso optou por construir a reportagem, apresentando o depoimento das “acompanhantes”, usou o critério de noticiabilidade “personalização” (valor-notícia de construção) para expor o problema no “mercado do sexo”. O foco da situação nas duas “acompanhantes” (em que se predomina os depoimentos da “acompanhante” brasileira) é uma forma de abordar, pontualmente, a situação da crise no “mercado do sexo” em que trabalham muitas prostitutas brasileiras, e não abordar o problema que, no caso, seria o que leva uma grande quantidade de mulheres imigrantes brasileiras a se prostituírem em Portugal. Tratar de situações e não de problemáticas, é um posicionamento ideológico-discursivo muito comum entre os jornalistas. Por isso, o jornal Expresso adota esse posicionamento na notícia/reportagem em questão. Por fim, na FD2 “Próximo/Distante” percebemos que a reportagem Mercado do sexo não escapa à crise apresenta esse sentido.

Frente à Análise do Discurso que realizamos na presente reportagem, verificamos a existência das FDs e os sentidos apresentados. Pudemos identificar a existência da FD1 “Ordem/Desordem” com os sentidos “Legal/Ilegal” e “Saúde/Contaminação” e a FD2 “Próximo/Distante” com o sentido “A presença excessiva de prostitutas brasileiras em Portugal”. Ademais, pudemos identificar nessa mesma análise os seguintes valores-notícia: “tempo” e “tempo do acontecimento ou frequência de sinal”, “relação com as elites”,

107 A sociedade portuguesa é bastante conservadora; seus valores são guiados por uma moral cristã que entende a prática do sexo por dinheiro como um pecado. Já as mulheres brasileiras, de acordo com Jota (2008, p 130-134.), são consideradas como “mulheres à procura de sexo”.

“consonância”, “simplificação e clareza”, “negatividade”, “notabilidade”, “significância”, “proximidade e amplitude” e “personalização”. De modo geral, percebemos na FD1 a existência de sentidos que nos apontam a responsabilização das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem pela crise existente no “mercado do sexo” português. O tratamento da crise econômica mundial de 2008/2009 como um fenômeno que afeta a economia formal e se estende à economia informal é apenas o cenário para a apresentação do problema. Pelo uso do raciocínio lógico econômico (da oferta e da procura), o jornal Expresso mostra em que ponto ele acredita que está o problema desse setor informal: o excesso de oferta. O jornal recorre a essa forma objetiva para explicar a situação cuja finalidade é criticar a presença excessiva de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem na sociedade portuguesa. Já a FD2 “Próximo/Distante” nos explica os motivos pelos quais o jornal Expresso adota esse posicionamento, o qual é correspondente à visão de muitos portugueses. Eles acreditam que a presença de mulheres imigrantes brasileiras em território lusitano atrapalha a manutenção do status quo vigente como aconteceu no caso Mães de Bragança. Dessa forma, já que o grupo é visto como uma ameaça à ordem da sociedade portuguesa, é melhor buscarem-se maneiras de responsabilizá-los pelos problemas e afastá-los de Portugal. O enunciado do Expresso sobre a crise no “mercado do sexo” se constrói sob essa fundamentação ideológico-discursiva. Pelo quadro de FDs da Matéria 7 (M7), vemos no jornal Expresso um posicionamento ideológico-discursivo de responsabilização das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem pela crise no “mercado do sexo”, o qual encontra-se em um contexto ilegal. As pessoas que se inserem nessa dimensão, de acordo com o que vimos na FD1, não têm credibilidade e nem legitimidade social para a atividade que exercem. O direcionamento das prostitutas brasileiras pela produção discursiva do jornal Expresso a esse setor informal é uma forma de discriminá-las entre os portugueses. Por irem contra o poder dominante e contra as leis, são consideradas, socialmente, pessoas marginais. São justamente esses sentidos que o discurso do jornal Expresso produz na reportagem em questão ao tratar da presença de prostitutas brasileiras em Portugal.

4.1.8 Matéria 8 (M8) – Fátima: Maior Problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações

A notícia Fátima: Maior Problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações108, produzida pela Agência de Notícias Lusa, foi publicada na versão digital do jornal Expresso em 11 de agosto de 2009. A matéria aborda uma iniciativa da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM) de combate ao preconceito e a discriminação que a comunidade de imigrantes brasileiros109 sofre em Portugal. O jornal Expresso aponta os motivos pelos quais isso ocorre e a ação da instituição no combate a esse fenômeno. Tendo isso em vista, procuramos na notícia a identificação das Formações Discursivas (FDs) e seus respectivos sentidos no Quadro de Formações Discursivas abaixo.

4.1.8.1 Quadro de Formações Discursivas da Matéria 8 (M8)

M8 – Formação Discursiva 1 (FD1) “Mulher Brasileira”: esta FD apresenta regularidades discursivas que concebem a mulher brasileira como um ser bastante peculiar. Por essa FD, ela não é vista como uma mulher igual à maioria, as quais muitas vezes são vistas como sérias e comportadas. Ao contrário disso, a mulher brasileira é vista, conforme já enfatizamos diversas vezes ao longo dessas análises, como uma mulher à procura de sexo, volúvel e sensual. São representações que foram construídas ao longo das relações luso-brasileiras que concebem uma imagem negativa à mulher brasileira. No imaginário português, essas percepções estão bastante cristalizadas e mantidas principalmente pela mídia, conforme apontamos no terceiro capítulo da presente dissertação. São poucas ou quase nulas as representações que valorizam e prestigiam a mulher brasileira. Sendo assim, em muitas situações, essas regularidades discursivas retornam a cena discursiva entre os próprios portugueses e, em nosso caso, no jornal Expresso. Tendo isso em vista, identificamos na notícia Fátima: Maior Problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações enunciados que apontam diretamente a existência dessa discriminação. A publicação da iniciativa elaborada pela Obra Católica Portuguesa de Migrações pelo jornal tem justamente o objetivo de abordar e promover discussões sobre os preconceitos existentes entre os portugueses, em relação à comunidade de imigrantes de brasileiros no país. A seguir,

108 A notícia está disponível no Anexo I do presente trabalho 109 Embora a Matéria 8 (M8) trate do preconceito sofrido pela comunidade de imigrantes de brasileiros em geral em Portugal, abordamos especificamente o preconceito sofrido pelas mulheres imigrantes brasileiras no país que é o foco do nosso estudo e também porque elas fazem parte dessa comunidade.

vejamos o sentido produzido pela notícia em questão, quando ela apresenta enunciados que tratam da imagem da mulher brasileira:

M8 – FD1 – Sentido A “O comportamento da mulher brasileira”: verificamos que o jornal Expresso apresenta alguns enunciados sobre o comportamento e a personalidade da mulher brasileira fundamentados nas representações negativas que apresentamos mais acima. A partir delas, existe a percepção comum entre os portugueses de que o modo de ser da mulher brasileira é igual ou muito próximo de uma prostituta. É um estereótipo recorrente, por isso em diversas situações em que a imagem da mulher brasileira vem à tona ocorre, muitas vezes, esta associação. No caso da notícia em questão, essa imagem surge, conforme reconhecem os enunciados do próprio jornal Expresso, quando se trata da presença de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal. A presença delas no país é discriminada pelos portugueses porque as representações sobre “o comportamento da mulher brasileira” são as primeiras percepções que os portugueses têm e são responsáveis por uma série de discursos que as veem como uma prostituta. Pelas enunciações do jornal Expresso, a condição de nacionalidade é um fator que cria a discriminação e o preconceito a que as mulheres imigrantes brasileiras estão associadas em Portugal. Os primeiros indícios desse reconhecimento podem ser verificados no título e no lead da notícia nos trechos a seguir: “Maior problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações”; “[...] O director da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM), frei Francisco Sales, disse à Agência Lusa que o maior problema da comunidade brasileira residente no país é a imagem que lhe está associada”. Já os enunciados que apontam exatamente qual é o problema a que as mulheres imigrantes brasileiras estão associadas são explicados ao longo da notícia. Por eles, percebemos que o problema de imagem delas está associado à sua nacionalidade. Os enunciados que apresentam essa relação são os seguintes trechos: “[...] ‘Criaram-se estereótipos na sociedade portuguesa à volta dessa comunidade que ligam [...] à prostituição’ [...]” (declaração de Francisco Sales; “[...] [Francisco Sales aponta] Portugal como um país na rota do tráfico de seres humanos para prostituição que está associada à mulher brasileira, o responsável defendeu a necessidade de ‘trabalhar bastante para recuperar a imagem [das mulheres imigrantes brasileiras]’ [...]”. No entanto, o discurso do jornal não explica os motivos pelos quais ocorre essa discriminação. Apenas aponta que a mídia teria alguma responsabilidade na

(des)construção do preconceito em relação à criminalidade que os brasileiros estariam associados110 e não diz nada sobre a associação das brasileiras com a prostituição, como vemos no trecho a seguir: “[...] [Francisco Sales critica] a comunicação social [...] por ‘identificar actos criminais com determinada nacionalidade’ [...]”. Podemos verificar também que a maior parte dos enunciados apresentados na produção do presente sentido, é feito na voz do responsável pela iniciativa de combate à discriminação a que as mulheres imigrantes brasileiras estão envolvidas e não pelo jornal, e sem explicar porque ocorre esse problema. Em relação a isso, já verificamos que a ênfase jornalística na situação ao invés da problemática é um procedimento comum para a comunidade jornalística. Além disso, percebemos a existência de dois valores-notícia que justificam o tratamento dado pelo jornal Expresso. São os valores- notícia “notabilidade”111 (valor-notícia de seleção – critério substantivo) e “amplificação” (valor-notícia de construção). O primeiro seleciona acontecimentos que se referem ao que é contrário ao normal (em que há inversões) e que pode ser manifesto, já o segundo se refere à abrangência do acontecimento. A situação de discriminação das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal tem noticiabilidade porque elas têm um comportamento diferente do normal, existe uma inversão, que é manifesto (“notabilidade”), na visão dos portugueses, no comportamento de uma prostituta e também porque a discriminação que ocorre com as mulheres imigrantes brasileiras é um acontecimento abrangente (“amplificação”). Diante dessa situação tão ampla que o jornal Expresso noticia, mas só reconhece que ocorre indiretamente nas palavras de Francisco Sales, uma solução talvez seja o combate à discriminação promovido pela instituição católica portuguesa conforme vemos nos enunciados a seguir: “A 37ª Semana Nacional de Migrações [...] tem como tema ‘Viver o amor fraterno sem distinções nem discriminações’ [...]; “Um dos momentos mais aguardados [...] é a Perigrinação do Migrante e do Refugiado ao Santuário de Fátima [...] coincidente com a peregrinação internacional, que este ano destaca a comunidade imigrante brasileira no país”. A partir dessas considerações, acreditamos que os enunciados do jornal Expresso produzem o sentido “o comportamento da mulher

110 Conforme enfatizamos anteriormente, a notícia trata da discriminação da comunidade de imigrantes brasileiros em geral, por isso ela apresenta também alguns enunciados que tratam da associação de homens imigrantes brasileiros à criminalidade. 111 O valor-notícia “notabilidade” serve também para dar mais ênfase na situação do que na problemática. Dessa forma, ele confirma o posicionamento jornalístico adotado na notícia em questão, quando a mesma só aborda a situação de discriminação que está ocorrendo com as mulheres imigrantes brasileiras em Portugal e não aborda o que ocasiona isso.

brasileira”. Acreditamos que a FD “Mulher Brasileira” fundamenta os enunciados, ligados à nacionalidade brasileira, que causam a discriminação das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal. A condição nacionalidade, segundo a construção discursiva do jornal, é um dos fatores da discriminação que esse grupo é alvo em território lusitano.

M8 – Formação Discursiva 2 (FD2) “Próximo/Distante”: esta FD está relacionada à regularidades discursivas que valorizam o que é próximo e desvaloriza o que é distante. O que está próximo é conhecido e concebido a partir de valores de uma determinada comunidade, já o que é distante e desconhecido, é visto como algo estranho. Tendo em conta essas regularidades discursivas, a população de um determinado lugar vê as pessoas e as coisas que vêm de outro lugar com desconfiança, porque não as conhece. Em relação à receptividade de imigrantes também ocorre essa situação, nem em todos os lugares, muitas vezes, eles são bem vistos pela população autóctone. Pensam que os imigrantes podem representar algum tipo de ameaça para eles. É exatamente, dessa forma, que os portugueses se sentem em relação às mulheres imigrantes brasileiras que estão em Portugal. A condição de imigrante, de acordo com as enunciações do jornal Expresso, seria outro fator que leva à discriminação das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal. Tendo isso em vista, vejamos os enunciados que apontam essa ocorrência e o sentido que eles produzem:

M8 – FD2 – Sentido A “Imigração Brasileira em Portugal”: a imigração é um fenômeno recente para os portugueses. Nas últimas décadas o país tem recebido bastante imigrantes, entre os quais muitos brasileiros. Esse grupo não é bem visto pelos portugueses porque eles veem os imigrantes com desconfiança e como uma ameaça aos seus interesses. Em relação à mulher imigrante brasileira isso também ocorre e por isso verificamos a existência de enunciados que também a discriminam. A partir disso, o jornal Expresso aborda como a condição de imigrante dessas mulheres interfere em suas vidas em Portugal. De acordo com o jornal, a discriminação das mulheres imigrantes brasileiras é algo generalizado e por isso dificulta a vida delas no dia a dia. Entretanto, o Expresso reconhece, na voz de Francisco Sales, que essa generalização é prejudicial ao grupo e, dessa forma, justifica a importância da iniciativa da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM) de combater a discriminação, conforme verificamos no enunciado a seguir:

“A maioria é gente boa. Não podemos deixar cair na generalidade uma comunidade inteira [...]” realçou, considerando, ainda, que, por causa desses estereótipos, muitos

imigrantes “têm dificuldades em encontrar alojamento” e até “dificuldades em instituições sociais e públicas” [...]. (depoimento de Francisco Sales) (LUSA, 2009, p.1).

O jornal Expresso aponta também porque os imigrantes de diversas nacionalidades são discriminados em Portugal. Um dos motivos está nos problemas econômicos que o país vem passando desde o início dos anos 2000. Esses problemas acentuam a concorrência entre portugueses e imigrantes na busca pelas escassas ofertas de trabalho no país, conforme verificamos nos enunciados a seguir: “Francisco Sales apontou ainda ‘a crise [econômica], que origina desemprego’ como outro problema com que se debatem os brasileiros [e as brasileiras] que vivem em Portugal”; “[...] ‘Por causa da crise econômica, o imigrante é visto como alguém que vem ocupar um posto de trabalho que poderia ser para um autóctone’ exemplificou, alargando este problema à restante comunidade imigrante residente no país” (declaração de Francisco Sales). Vemos que o jornal Expresso abordar os motivos da discriminação das mulheres imigrantes brasileiras levando-se em consideração como a presença de alguém distante prejudica os interesses dos portugueses. Nesse ponto, o jornal adota um posicionamento ideológico-discursivo que reconhece que a discriminação ocorre porque os imigrantes são pessoas distantes e desconhecidas da sociedade e da cultura portuguesa. Por um lado, o Expresso admite que a sociedade portuguesa valoriza o que é próximo e discrimina o que é distante, no caso os estrangeiros, apresentando até mesmo alguns casos de xenofobia contra imigrantes. Ele diz também que esse preconceito é algo em geral contra todos os imigrantes, independentemente da nacionalidade. Contudo, acreditamos que nesse ponto o jornal se contradiz porque, conforme nossas análises, a notícia demonstra que o preconceito contra a comunidade de imigrantes brasileiros é intenso devido à “[...] imagem que lhe está associada [...]”. Se essa imagem fosse algo que abrangesse a todos os imigrantes e não fosse particular aos brasileiros, o jornal poderia ter apresentado uma notícia que abordasse a imagem a que toda comunidade imigrante estaria associada em Portugal e não apenas uma discriminação ligada à comunidade brasileira. É por isso que acreditamos que o jornal Expresso se contradiz quando enuncia isso na voz de Francisco Sales. Os enunciados que confirmam esse posicionamento são: “[a discriminação] [...] ‘cria medo e dificulta a integração, acolhimento e abertura aos imigrantes’ [...]”; “[...] registam-se casos de xenofobia. ‘São poucos, mas não deixam de acontecer’, observou, acrescentando que

‘no geral [o imigrante] não é tratado da mesma forma’, independentemente da nacionalidade”. Por outro lado, o Expresso acredita, novamente na voz de Francisco Sales, que esse preconceito vem diminuindo com o decorrer dos anos, pois a sociedade portuguesa vem se acostumando com a presença dos imigrantes, como verificamos no trecho a seguir: “[...] reconhecendo que [...] a sociedade portuguesa tenha registado uma evolução positiva em matéria de integração de imigrantes [...]” (depoimento de Francisco Sales). De modo geral, esses enunciados ligados ao posicionamento ideológico-discursivo do que é próximo ou distante dos portugueses é ressaltado na notícia pelo jornal Expresso, porque apresenta aspectos do acontecimento em questão ligados aos valores jornalísticos. O acontecimento apresenta características que destacam o que é importante ou não para os portugueses que dão mais noticiabilidade à ocorrência. Os critérios de noticiabilidade que identificamos aí são os valores-notícia “significância”, ligada ao etnocentrismo, e “proximidade e amplitude” (valores-notícia de seleção – critério substantivo) que valorizam acontecimentos com proximidade cultural e geográfica dos portugueses. Tendo por base esses valores, vemos que o jornal Expresso noticia o combate à discriminação das mulheres imigrantes brasileiras, tentando justificar, na voz de Francisco Sales, o preconceito por parte dos portugueses com os enunciados fundamentados na presente FD. Por essa via, acreditamos que a condição de imigrante é outro fator que leva à discriminação das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal e que produz nos enunciados do jornal Expresso o sentido “Imigração Brasileira em Portugal”.

M8 – Formação Discursiva 3 (FD3) “Ordem/Desordem”: esta FD separa o que está organizado do que está desorganizado. Ela apresenta regularidades discursivas que procuram enquadrar, classificar e definir todas as coisas existentes. Esses procedimentos são importantes para controlar as relações sociais, uma vez que a desordem pode representar um risco para a manutenção do status quo. Isso é feito por meio do Estado que procura controlar todas as relações e práticas existentes, a fim de imprimir ordem em um determinado lugar. Entretanto, esse controle nem sempre é integral e existem algumas relações e práticas que escapam da vigilância do Estado. Para tentar inibi-las, ele procura adotar formas de punições às pessoas que não cumprem as regras estatais. Esse controle do que é certo ou não pelo Estado, é denominado de legal e ilegal. Existe uma série de regularidades discursivas que surgem a partir desse posicionamento ideológico-discursivo para classificar se alguma coisa está dentro da ordem ou não, se é legal ou ilegal. Na análise da notícia em questão,

verificamos também que o jornal Expresso constrói enunciados relacionados a essa classificação, quando aborda a situação das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal que produz o sentido que expomos a seguir:

M8 – FD3 – Sentido A “Legal/Ilegal”: no que se refere ao fenômeno da imigração, um Estado procura controlar a entrada e saída de imigrantes de um determinado país. Nem todas as pessoas que vão para um país têm autorização para entrar ou permanecer nele, por isso algumas pessoas fazem isso de forma escondida para que não sejam proibidas de estarem lá. Elas precisam escapar de uma série de ações fiscalizadoras para se manter nesse país. É um sacrifício que muitos imigrantes acreditam que compensa porque, muitas vezes, os lugares, para onde eles vão, oferecem melhores condições de vida do que em seu país de origem. É o que acontece com uma parte das mulheres imigrantes brasileiras que vão para Portugal, de modo ilegal, em busca de melhores condições de vida. Quando o jornal Expresso aborda o fenômeno da imigração brasileira em Portugal, procura deixar claro que há uma parte desse grupo no país ilegalmente. Vejamos os trechos que apontam a condição ilegal de uma parte das mulheres imigrantes brasileiras no país nos enunciados a seguir: “[...] [há a] comunidade imigrante [brasileira] no país, onde se inclui os que se encontram em situação ilegal”; “[...]’Temos muitos milhares de imigrantes ilegais que não deixam de ser pessoas com direitos’ alertou o responsável [pela iniciativa, Francisco Sales] [...]”. Por esses enunciados, acreditamos que o jornal Expresso aponta outra condição que motiva a discriminação das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal que é a ilegalidade. Estar ilegal no país, é estar contra a ordem social portuguesa existente, é ir contra os valores portugueses, por isso que acreditamos que exista esse outro fator condicionante de discriminação em relação aos imigrantes brasileiros. É um motivo que identificamos nos enunciados em questão que até justifica, em parte, a noticiabilidade do acontecimento em si. A presença de mulheres imigrantes brasileiras ilegais em Portugal é algo que vai contra a ordem, contra o que é normal. Dessa forma, é importante mostrar à sociedade portuguesa a ameaça que essa presença ilegal representa ao poder existente no país. O valor-notícia que destaca esse aspecto é a “notabilidade” (valor-notícia de seleção – critério substantivo) que valoriza acontecimentos que vão contra o que é considerado normal em uma sociedade. Contudo, cabe destacarmos que a prática ilegal por parte das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal não se resume apenas à questão da imigração. Em determinado

ponto da notícia, o jornal Expresso apresenta enunciados que dizem que a presença delas em Portugal está associada também à prática de atos marginais, como o tráfico de pessoas para a prostituição. Essa prática também é considerada ilegal pelo Estado português, serve para confirmar a aproximação das mulheres imigrantes brasileiras com alguns tipos de práticas ilegais que poderiam colocar em ameaça a ordem social existente em Portugal. Os enunciados que expressam isso são: “[...] apontando Portugal como um país na rota do tráfico de seres humanos para a prostituição, que está associada à mulher brasileira [...]”; “[...] ‘[...] algumas pessoas [imigrantes brasileiros] cometeram actos marginais’ [...]”. Pelas considerações apresentadas, acreditamos que o jornal Expresso, ao apresentar enunciados que abordam o que é legal ou não no comportamento das mulheres imigrantes brasileiras, produz o sentido “Legal/Ilegal” e nos apresenta um novo fator condicionante da discriminação a que as mulheres imigrantes brasileiras são vítimas em Portugal, ou seja, a ilegalidade.

Pela Análise do Discurso que realizamos da notícia Fátima: Maior Problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações, pudemos identificar as FDs e os sentidos apresentados. Verificamos que há a FD1 “Mulher Brasileira” que fundamenta o sentido “O comportamento da mulher brasileira”, a FD2 “Próximo/Distante” que fundamenta o sentido “Imigração Brasileira em Portugal” e a FD3 “Ordem/Desordem” que fundamenta o sentido “Legal/Ilegal”. Ademais, identificamos também alguns valores notícia que contribuem para a produção dos sentidos da presente notícia que são: “notabilidade”, “amplificação”, “significância” e “proximidade e amplitude”.

Em geral, em nossas reflexões verificamos que a FD1 apresenta enunciados sobre a mulher brasileira que a apontam como uma mulher diferente da maioria. São enunciados que a associa à figura de uma prostituta que leva à discriminação das mulheres imigrantes brasileiras entre os portugueses. Já a FD2 nos apresenta enunciados que explicam que os portugueses tendem a valorizar o que é próximo e desvalorizar o que é distante. Vemos que eles discriminam a mulher brasileira porque para eles, elas representam uma ameaça aos interesses portugueses. Já na FD3 vemos enunciados que descrevem a presença de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal relacionada à ilegalidade, seja por causa de sua presença ilegal no país na condição de imigrante, seja por causa de sua associação ao tráfico de pessoas

para a prostituição. Por essa produção discursiva, o jornal Expresso mostra que a presença dessas mulheres em Portugal representa um risco à ordem social portuguesa.

Pelo quadro de FDs analisadas, as enunciações da Matéria 8 (M8) nos apontam quais são os motivos que levam à discriminação das mulheres imigrantes brasileiras pelos portugueses. Um fator está relacionado à condição de nacionalidade dessas mulheres, o outro fator é a condição de imigrante delas em Portugal e ainda outro fator é a condição de ilegalidade de uma parte delas no país. Para a produção discursiva do jornal Expresso, ser brasileira, ou seja, ter “um comportamento diferente”, ser imigrante, ou seja, ser alguém distante e estranho à cultura e a sociedade portuguesa e ser ilegal, ou seja, ser alguém que não segue a ordem social portuguesa, são razões suficientes para a discriminação das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal. É uma generalização que não dá abertura a outras possibilidades porque, embora o jornal Expresso reconheça a existência desse preconceito entre os portugueses, não apresenta outras FDs e não produz outros sentidos que descrevam a mulher brasileira de outra maneira. Por essas considerações, acreditamos que os enunciados do jornal Expresso produzem sentidos que desvalorizam a mulher brasileira entre os portugueses.

4.2 Resultados

Diante da Análise do Discurso que realizamos das oito matérias da versão digital do jornal Expresso, entre os anos 2008 e 2009, passamos agora a apresentar e discutir os resultados alcançados. Conforme havíamos exposto no segundo capítulo deste trabalho, as nossas análises procuram identificar a produção de sentidos das notícias e reportagens do jornal Expresso para que, dessa forma, possamos verificar o funcionamento do discurso desse veículo de comunicação. Desse modo, poderemos, nas considerações finais, responder as perguntas de nossa pesquisa e cumprir nossos objetivos que é avistar se os enunciados do jornal Expresso (des)constroem as representações da mulher brasileira no contexto da sociedade portuguesa e dizer como os jornalistas articulam seus discurso sobre a prostituição e a violência em relação à clandestinidade a que as mulheres imigrantes brasileiras estão associadas em Portugal.

Para tanto, primeiramente, apresentamos um Quadro Geral de Formações Discursivas (Quadro 1), separado por cada matéria com as principais FDs encontradas e os seus

respectivos sentidos. Incluímos também a apresentação dos valores-notícia que identificamos, ao longo das análises, porque acreditamos que eles nos ajudam a discutir melhor os resultados, uma vez que pensamos que eles expressam o posicionamento ideológico- discursivo dos jornalistas e, em nosso caso, o posicionamento ideológico-discursivo do jornal Expresso. Em seguida, quantificamos e especificamos esses resultados em gráficos para ilustrar melhor os resultados obtidos e os discutimos.

Dividimos essa discussão em alguns itens; primeiro apresentamos um gráfico das FDs identificadas ao longo das análises (Gráfico 1), em seguida, fazemos o mesmo com os sentidos encontrados nessas FDs (Gráfico 2) e também apresentamos, da mesma forma, todos os valores-notícia identificados nos sentidos (Gráfico 3). Por fim, fazemos um cruzamento entre as três principais FDs, sentidos e valores-notícia predominantes nas matérias analisadas, expostas no Quadro 2 que relaciona esses dados, e traçamos algumas considerações a respeito.

4.2.1 Quantificação e Especificação dos Resultados

Inicialmente, apresentamos o Quadro Geral de Formações Discursivas que está separado por matérias; expomos as FDs, os sentidos e os valores-notícias identificados em cada uma delas. Ao observar esse quadro, notamos que nas 8 matérias analisadas foram encontradas 22 FDs, 33 sentidos e 64 valores-notícia. Por essas informações, podemos dizer que foram identificadas, aproximadamente, pelo menos 2 FDs112, 4 sentidos e 8 valores- notícia em cada notícia ou reportagem analisada. Nessa média, observamos uma relação quantitativa nos resultados alcançados: 1 matéria do jornal Expresso sobre a mulher brasileira precisa se fundamentar em pelo menos 2 FDs, produzir 4 sentidos e encontrar 8 valores- notícia em um acontecimento sobre a mulher brasileira para existir. É como se cada um desses itens precisassem se multiplicar por 2 para sustentar essa relação.

Formações Matérias Discursivas (FDs) Sentidos Valores-notícia Sentido A “Legitimidade - Não há; e Credibilidade da

112 Em média, encontramos 2,75 FDs por matéria. Por não ser um número inteiro, consideramos que cada matéria apresenta, pelo menos, 2 FDs, por isso trabalhamos com esse valor em nossos resultados.

FD1 “Ciência” Informação” M1 Coimbra: Sentido A “Legal/Ilegal” - “significância” Mulheres (etnocentrismo); exploradas FD2 - “proximidade e sexualmente são “Ordem/Desordem” amplitude”; maioritariamente de Sentido B - “notabilidade” brasileiras e de “Riqueza/Pobreza” Leste Sentido A “O jeito de ser - “significância”

FD3 “Mulher da mulher brasileira” (etnocentrismo); Brasileira” - “proximidade e amplitude” Sentido A “Legal/Ilegal” - “consonância”; - “significância (etnocentrismo); FD1 - “proximidade e “Ordem/Desordem” amplitude”; M2 Braga: SEF - “simplicidade e deteve oito cidadãs clareza”; Sentido B “Relações - “consonância”; Trabalhistas Sentido A “Imigração - “significância” Brasileira em Portugal” (etnocentrismo); FD2 - “proximidade e “Próximo/Distante” amplitude”; - “consonância”; - “amplificação”; Sentido A “Legitimidade - não há; e Credibilidade da FD3 “Ciência” Informação” - “personalização”; Sentido A “O jeito de ser - “significância” FD2 “Mulher da mulher brasileira” (etnocentrismo); Brasileira” - “proximidade e M3 Caso “Mães de amplitude” Bragança” virá pesquisa - “significância” universitária (etnocentrismo); FD3 Sentido A “Imigração - “proximidade e

“Próximo/Distante” Brasileira em Portugal” amplitude”;

- “consonância”;

FD4 Sentido A “Legal/Ilegal - “consonância”; “Ordem/Desordem”

Sentido A “Legal/Ilegal” - “consonância”; - “proximidade e amplitude”; FD1- - “Ordem/Desordem” “disponibilidade”; Sentido B “Moral/Imoral” - “significância” (etnocentrismo); M4 Filhas de - “proximidade e Bragança amplitude”; Sentido C “Dia/Noite” - “notabilidade” Sentido A “Imigração - “novidade”; FD2 Brasileira em Portugal” - “tempo” e “Próximo/Distante” “tempo do acontecimento ou frequência de sinal”; FD3 “Violência” Sentido A “Exploração” - “conflito ou controvérsia”; - “significância” Sentido A “Imigração (etnocentrismo); M5 Universidades: Brasileira em Portugal” - “proximidade e Senhorios recusam amplitude”; arrendar quartos a FD1 Sentido B “Imigração - “significância”; brasileiros e “Próximo/Distante” Africana em Portugal - “proximidade e africanos amplitude”; Sentido C “Influência de - não há; Familiares e Amigos Portugueses” Sentido A “O jeito de ser - “notabilidade”; da mulher brasileira” - “personalização”; FD2 “Mulher Sentido B “Desconfiança” - “amplificação”; Brasileira” Sentido A - “significância” “Tradicional/Moderno” (etnocentrismo); - “proximidade e

amplitude”; - FD1 “disponibilidade”; “Ordem/Desordem” Sentido B “Moral/Imoral” - “notabilidade”; Sentido C “Legal/Ilegal” - “consonância”; - “significância (etnocentrismo)”; - “proximidade e amplitude”; Sentido D “Dia/Noite” - “consonância”; FD2 “Mulher Sentido A “Uso de termos - “simplificação e Brasileira” com aspas para se referir clareza”; Morar ao Lado M6 à mulher brasileira” da Prostituição Sentido B “O jeito de ser - “significância” da mulher brasileira” (etnocentrismo); - “proximidade e amplitude”; Sentido A “Mobilização - “inesperado”; dos portugueses contra a presença de mulheres FD3 imigrantes brasileiras que “Próximo/Distante” se prostituem no país” - “tempo” e “tempo do acontecimento ou frequência de Sentido A “Legal/Ilegal” sinal”; - “relação com as FD1 elites”; “Ordem/Desordem” - “consonância”; M7 Mercado do - “simplificação e a sexo não escapa à clareza”; crise Sentido B - “negatividade”; “Saúde/Contaminação” - “relação com as elites”; - “notabilidade”; Sentido A “A presença - “significância” excessiva de prostitutas (etnocentrismo); FD2 brasileiras em Portugal” - “proximidade e “Próximo/Distante” amplitude”; - “personalização”;

FD1 “Mulher Sentido A “O jeito de ser - “notabilidade”; M8 Fátima: Maior Brasileira” da mulher brasileira” - “amplificação”; problema da Sentido A “A Imigração - “significância” comunidade FD2 Brasileira em Portugal” (etnocentrismo); imigrante brasileira “Próximo/Distante” - “proximidade e é a imagem que lhe amplitude”; está associada – Obra Católica de FD3 Sentido A “Legal/Ilegal” - “notabilidade”; Migrações “Ordem/Desordem” Total FDs = 22 Sentidos = 33 Valores-Notícia = 64

Quadro 1: Quadro Geral de Formações Discursivas

Em relação aos valores-notícia, essas reflexões quantitativas nos ajudam a perceber, também, que quando o jornal Expresso produz uma matéria sobre a mulher brasileira em Portugal precisa encontrar em um acontecimento, em média, 8 valores-notícia que confiram noticiabilidade a ele. Nessa seleção, os acontecimentos que se tornam notícia ou reportagem são compatíveis com o posicionamento ideológico-discursivo do jornal Expresso porque esses critérios de noticiabilidade se aproximam de sua forma de enxergar a realidade113. Ao usar esses valores-notícia, o Expresso precisa se fundamentar em pelo menos 2 FDs existentes em seu posicionamento ideológico-discursivo para produzir sentidos (cuja média são 4 por matéria) sobre a mulher brasileira em Portugal.

4.2.1.1 Formações Discursivas Identificadas

Sobre as FDs, notamos que as 22 FDs encontradas se distribuem em 5 diferentes tipos de FDs que são identificadas da seguinte forma: a FD “Ordem/Desordem” aparece 7 vezes (32%); a FD “Próximo/Distante” aparece 7 vezes (32%); a FD “Mulher Brasileira” aparece 5 vezes (22,5%);); a FD “Ciência” aparece 2 vezes (9%) ; e a FD “Violência” aparece 1 vez (4,5%). Percebemos que o jornal Expresso recorre, principalmente e com a mesma porcentagem, às FDs “Ordem/Desordem” e “Próximo/Distante” para fundamentar a sua produção enunciativa nas matérias sobre a mulher brasileira. Essas FDs foram identificadas 7 vezes (32%) cada uma, conforme verificamos no Gráfico 1, nas 8 matérias analisadas. Isso

113 A forma como os jornalistas enxergam a realidade, de acordo com Ponte (2005), é compatível com os valores dominantes de uma sociedade. Já para Tuchman (apud TRAQUINA, 2005a), os valores-notícia servem para afirmar o poder vigente.

quer dizer que elas aparecem em quase todas as notícias e reportagens que analisamos, exceto: a FD “Ordem/Desordem” não aparece na Matéria 5 (M5) Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos e a FD “Próximo/Distante” não aparece na Matéria 1 (M1) Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritariamente brasileiras e de Leste.

Por essas considerações, observamos que o discurso do jornal Expresso sobre a mulher brasileira se fundamenta, principalmente, em regularidades discursivas que valorizam a ordem das coisas existentes na sociedade lusitana e valorizam elementos próximos e conhecidos dos portugueses. A mulher brasileira é alguém que, no posicionamento ideológico-discursivo do jornal, não pertence à forma como está organizada a sociedade e a cultura portuguesa, por isso o Expresso tende a aproximá-la ao que é desorganizado e estranho aos portugueses. Esse desconhecimento da mulher brasileira gera, muitas vezes, medo e insegurança que evitam uma aproximação e estimula até mesmo o desinteresse dos portugueses em conhecê-la melhor. Situação que, algumas vezes, gera representações negativas sobre a mulher brasileira e produz a discriminação das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem ou não em Portugal, conforme verificamos nas notícias e reportagens. É um posicionamento ideológico- discursivo de desconhecimento que leva o jornal Expresso a construir discursos que desvalorizam a mulher brasileira entre os portugueses.

4,5%

9%

32% “Ordem/Desordem” “Próximo/Distante” 22,5% “Mulher Brasileira” “Ciência” “Violência”

32%

Gráfico 1: Formações Discursivas (FDs) Identificadas

Ademais, não podemos deixar de considerar que a FD “Mulher Brasileira” também aparece de forma considerável no discurso do jornal Expresso; ela foi identificada em segundo lugar, em 22,5% dos casos, ou seja, ela aparece 5 vezes. A FD “Mulher Brasileira” fundamenta discursos que concebem a mulher brasileira com um ser bastante diferente de uma mulher “normal”. Essa FD, juntamente com as FDs “Ordem/Desordem” e “Próximo/Distante”, ajuda o jornal Expresso a construir um posicionamento ideológico- discursivo com enunciados cuja associação da mulher brasileira à desordem e ao que é distante (estranho) se justifica, em boa parte das vezes, pelo comportamento inadequado dela que é incompatível com o comportamento da mulher na sociedade lusitana.

São FDs fundamentadas na Formação Ideológica (FI) que compreende o posicionamento que o jornal Expresso ocupa na sociedade portuguesa de valorização a tudo o que é português, o qual está associado à ordem e a um comportamento socialmente adequado. Acreditamos que esse posicionamento do jornal Expresso é o posicionamento dos grupos e classes sociais dominantes em Portugal. É um posicionamento que se constrói a partir de algumas particularidades da própria história lusitana que nos mostram as Condições de Produção (CPs) do jornal Expresso que já apontamos na presente dissertação. Portugal é um país que até a algumas décadas atrás não recebia imigrantes, por isso não estava acostumado a conviver com pessoas de outros valores e outros comportamentos114. Dessa forma, os valores portugueses muito ligados à ordem, à tradição e à moral conservadora da Igreja Católica sempre foram dominantes e respeitados. A chegada de imigrantes, como as mulheres imigrantes brasileiras em Portugal, representa a inserção de novos valores, muitas vezes, diversos aos portugueses. É uma situação em que há o embate de valores tradicionais portugueses com valores novos e diversos que nos apontam as condições a partir das quais o posicionamento do jornal Expresso e da sociedade portuguesa, em geral, vem sendo produzido. Essas Condições de Produção (CPs) se fundamentam no processo de modernização pelo qual a sociedade portuguesa vem passando por meio de sua globalização econômica e cultural desde a década de 1970 com o início do recebimento de imigrantes de diversos lugares, passando pela internacionalização da economia portuguesa ao entrar na Comunidade Econômica Européia (atualmente conhecida como União Européia) na década de 1980, passando também pelo crescimento econômico e social positivo da década de 1990

114 Exceto na situação de colonização portuguesa no Brasil e na África em que os portugueses passaram a conviver com pessoas de outros valores culturais. Mas nesse caso, ainda, os portugueses impunham, muitas vezes, seus valores aos colonizados e não o contrário. Já em território português a convivência com outras culturas não ocorria sempre, somente há algumas décadas isso passou a ocorrer com mais intensidade.

até chegar à crise econômica iniciada nos anos 2000 e que atualmente tem levado Portugal a fazer empréstimos financeiros junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), para não provocar uma crise econômica na União Européia, quiçá, no mundo inteiro.

4.2.1.2 Sentidos Identificados

A partir da Formação Ideológica (FI) apontada com as respectivas Formações Discursivas (FDs) identificadas, vemos que o jornal Expresso produziu uma série de sentidos nas matérias analisadas. Entre os 34 sentidos identificados, há 17 tipos diferentes com diversas porcentagens de frequência. De modo geral, a distribuição dos sentidos ocorre da seguinte forma:

- a FD “Ordem/Desordem” produziu 7 sentidos que aparecem 15 vezes (44%) entre os sentidos identificados ou mais especificamente: o sentido “Legal/Ilegal” aparece 7 vezes (20%), o sentido “Riqueza/Pobreza” aparece 1 vez (3%), o sentido “Relações Trabalhistas” aparece 1 vez (3%), o sentido “Moral/Imoral” aparece 2 vezes (6%), o sentido “Dia/Noite” aparece 2 vezes (6%), o sentido “Tradicional/Moderno” aparece 2 vezes (6%) e “Saúde/Contaminação” aparece 1 vez (3%);

- a FD “Mulher Brasileira” produziu 5 sentidos que aparecem 9 vezes (22,5%) entre os sentidos identificados ou mais especificamente: o sentido “O comportamento da mulher brasileira” aparece 5 vezes (14,5%), o sentido “Uso de termos com as aspas para se referir à mulher brasileira” aparece 1 vez (3%), o sentido “Desconfiança” aparece 1 vez (3%), o sentido “Mobilização de Portugueses contra a presença de mulheres imigrantes brasileiras no país” aparece 1 vez (3%) e o sentido “A presença excessiva de prostitutas brasileiras em Portugal” aparece 1 vez (3%);

- a FD “Próximo/Distante” produziu 3 sentidos que aparecem 8 vezes (22,5%) entre os sentidos identificados ou mais especificamente: o sentido “Imigração Brasileira em Portugal” que aparece 5 vezes (14,5%), o sentido “Imigração Africana em Portugal” que aparece 1 vez (3%) e o sentido “Influência de Amigos e Familiares Portugueses” que aparece 1 vez (3%);

- a FD “Ciência” produz 1 sentido que aparece 2 vezes (6%) entre os sentidos identificados ou mais especificamente: o sentido “Legitimidade e Credibilidade da Informação”) que aparece 2 vezes (6%);

- a FD “Violência” produziu 1 sentido que aparece 1 vez (3%) entre os sentidos identificados ou mais especificamente: o sentido “Exploração” que aparece 1 vez (3%).

Sentidos Identificados

“Legal/Ilegal”

“Riqueza/Pobreza”

“Relações Trabalhistas”

“Moral/Imoral”

"Dia/Noite" 3% 6% "Tradicional/Moderno" 3% 21% 3% “Saúde/Contaminação”

“O jeito de ser da mulher brasileira”

15% 3% “Desconfiança” 3% “Uso de termos com as aspas para se referir à 6% mulher brasileira” 3% “Mobilização dos portugueses contra a presença de 3% mulheres imigrantes brasileiras no país” 6% 3% “A presença excessiva de prostitutas brasileiras em 3% 3% Portugal” 3% “Imigração Brasileira em Portugal” 15%

“Imigração Africana em Portugal”

“Influência de Familiares e Amigos Portugueses”

“Legitimidade e Credibilidade da Informação”

“Exploração”

Gráfico 2: Sentidos Identificados

Além da FD “Ordem/Desordem” ser a FD dominante no conjunto das FDs identificadas, juntamente com a FD “Próximo/Distante”, apresenta também a maior produção

de sentidos tanto em relação ao tipo, que são 7 diferentes sentidos, quanto em relação à quantidade de produção, que ocorrem 15 vezes (44% dos casos). No conjunto de sentidos da FD “Ordem/Desordem”, o sentido “Legal/Ilegal” é o sentido mais produzido; ele aparece 7 vezes (20%), de acordo com o Gráfico 2, nos sentidos identificados no funcionamento discursivo do jornal Expresso, assim como a FD “Ordem/Desordem” (a partir da qual ele é produzido) aparece 7 vezes também nas FDs encontradas. Por essas considerações, percebemos que toda vez que o jornal Expresso usa a FD “Ordem/Desordem” produz o sentido “Legal/Ilegal”.

Acreditamos que o predomínio da FD “Ordem/Desordem” e de seus sentidos, ocorre porque essa FD apresenta diversas regularidades discursivas que buscam organizar e classificar as coisas existentes em uma determinada sociedade nos seus mais diversos setores como: a política (sentido “Legal/Ilegal”), a economia (sentidos “Riqueza/Pobreza” e “Legal/Ilegal”), a saúde (sentido “Saúde/Contaminação”), o trabalho (sentido “Relações Trabalhistas”), a cultura (sentidos “Moral/Imoral” e “Tradicional/Moderno”) e o tempo (sentido “Dia/Noite’). São regularidades discursivas que fundamentam a produção de sentidos que procuram ordenar e classificar todas as relações existentes em uma sociedade. Em relação às matérias analisadas, a FD “Ordem/Desordem” produz os sentidos apresentados para mostrar que a mulher brasileira, personificada, muitas vezes, nas mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem ou não em Portugal, está associada à ilegalidade, ao trabalho irregular, à imoralidade, à noite, ao moderno e à contaminação de doenças contagiosas. Em nenhum momento, verificamos o uso da FD “Ordem/Desordem” pelo jornal Expresso para produzir um sentido sobre a mulher brasileira que a associa ao que é organizado.

Além disso, não podemos deixar de considerar a FD “Mulher Brasileira” com 26,5% dos sentidos identificados e a FD “Próximo/Distante” com 23,5 % dos sentidos encontrados que apresentam resultados consideráveis para a produção discursiva do jornal Expresso. A FD “Mulher Brasileira” produz sentidos que, de modo geral, indicam que a mulher brasileira tem “um comportamento diferente” de outras mulheres que provoca “a desconfiança” dos portugueses em relação a ela, a discriminação pelo jornal “ao usar aspas para se referir” e até mesmo a “mobilização de moradores” para protestar contra a “presença excessiva” dela em Portugal”, principalmente de prostitutas brasileiras. O sentido “o comportamento da mulher brasileira” é o mais produzido pela FD em questão; ele aparece 5 vezes (14,5%) entre todos sentidos identificados. A produção desse sentido nos enunciados do jornal Expresso acontece, muitas vezes, para explicar porque ocorre alguns acontecimentos e situações que

envolve as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal e os motivos que as levam a se prostituir ou o que leva as mulheres imigrantes brasileiras que não se prostituem a serem associadas à figura da prostituta. De acordo com o posicionamento ideológico- discursivo do jornal Expresso, isso ocorre porque ela tem um comportamento exótico, sensual, tem “disponibilidade sexual” e é uma mulher volúvel. Vemos que a representação da mulher brasileira se limita, nas matérias analisadas, a essa percepção cristalizada há muito tempo no imaginário português.

Já a FD “Próximo/Distante” produz sentidos que nos apontam a dificuldade dos portugueses em aceitar pessoas distantes de sua cultura, tanto em relação aos brasileiros quanto em relação aos africanos. Somente quando a distância entre portugueses e imigrantes é superada é que parece haver alguma aceitação da sociedade lusitana em relação aos imigrantes, mas esses casos ainda são exceção, conforme vimos na Matéria 5 (M5) Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos. Entre os sentidos que identificamos na FD “Próximo/Distante”, o sentido “Imigração Brasileira em Portugal” é o mais produzido por essa FD; ele aparece 5 vezes (14,5%) entre o total de sentidos que encontrados. A recorrência na produção desse sentido pelo jornal Expresso, ocorre, muitas vezes, para demonstrar o incômodo e a insatisfação que a presença de mulheres imigrantes brasileiras no país produz entre os portugueses. Isso ocorre em diversas situações como: por causa da presença excessiva de prostitutas brasileiras no país que desencadeou o movimento Mães de Bragança, devido à presença ilegal de algumas mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem ou exercem outras atividades em Portugal ou ainda por causa da crise econômica que o país vem passando nos últimos anos.

A predominância dos sentidos das FDs “Ordem/Desordem” (44%), “Mulher Brasileira” (26,5%) e “Próximo/Distante” (23,5%) são, razoavelmente, correspondentes à predominância das FDs mais identificadas nas matérias analisadas. Entretanto, há algumas diferenças na ordem ocupada por elas quando identificamos somente as FDs e quando identificamos somente os sentidos. No primeiro caso, a FD “Ordem/Desordem” e a FD “Próximo/Distante” foram as FDs mais identificadas no discurso do Expresso, já que cada uma foi identificada em 32% dos casos (ambas ocupando o primeiro lugar) e a FD “Mulher Brasileira” apareceu 5 vezes em 22,5% do total (ocupando o segundo lugar). Já no segundo caso, os sentidos da FD “Ordem/Desordem” são predominantes, aparecem em 44% dos sentidos identificados; seguido pelos sentidos da FD “Mulher Brasileira” que aparecem em 26,5% dos casos; em terceiro lugar, temos os sentidos da FD “Próximo/Distante” que

aparecem em 23,5% dos casos. Por essas informações, podemos depreender que a predominância de aparecimento de uma FD no discurso do jornal Expresso não determina a predominância de produção de sentidos dessa mesma FD como podemos ver no caso da FD “Próximo/Distante”; ela é a FD mais usada, junto com a FD “Ordem/Desordem”, pelo jornal Expresso, mas é a FD que menos produz sentidos entre as três principais FDs que o jornal Expresso se fundamenta para produzir seu discurso. De qualquer forma, essas três FDs são as principais fontes de produção de sentidos nas enunciações do jornal Expresso.

Ademais, apontamos também quais foram os três sentidos mais usados entre a totalidade dos sentidos identificados que são: o sentido “Legal/Ilegal” da FD “Ordem/Desordem que aparece em 20 % do total dos sentidos identificados; o sentido “O comportamento da mulher brasileira” da FD “Mulher Brasileira” e o sentido “Imigração Brasileira em Portugal” que aparecem, igualmente cada um, em 14,5% do total dos sentidos identificados. Eles nos mostram que o discurso do jornal Expresso sobre a mulher brasileira funciona em 49 % dos resultados obtidos recorrendo a essas FDs e produzindo esses sentidos. Construir significados relacionados ao que é legal ou ilegal, ao que diz respeito ao “comportamento da mulher brasileira” e que tenham alguma ligação com a imigração brasileira em Portugal nos parece ser a principal associação que o jornal Expresso faz em seus enunciados quando trata da mulher brasileira em seu discurso.

Essa produção de sentidos ocorre a partir do posicionamento ideológico-discursivo que o jornal Expresso ocupa no jogo de forças sociais portugueses. Esse posicionamento condiciona a forma como o jornal Expresso enxerga a realidade, ou seja, sua ideologia (Formação Ideológica), que influencia a sua produção enunciativa, (ou seja, em quais Formações Discursivas o jornal se fundamenta para produzir seu discurso); a Formação Ideológica determina a partir de quais Formações Discursivas um discurso como um discurso é elaborado. Tendo isso em vista, acreditamos que os valores-notícia ou critérios de noticiabilidade são valores que influenciam a forma como o jornal Expresso enxerga a realidade. Por isso, no próximo item, mostramos os principais critérios de noticiabilidade identificados nas matérias analisadas sobre a mulher brasileira, porque acreditamos que eles nos ajudem a explicar o que levou o jornal Expresso a produzir os sentidos apresentados.

4.1.2.3 Critérios de Noticiabilidade ou Valores-Notícia Identificados

Em relação aos valores-notícia, verificamos que eles foram encontrados 64 vezes em 14 critérios de noticiabilidade diferentes, conforme a seguinte ordem: 1) “proximidade e amplitude” aparece 15 vezes que totaliza 24% dos casos; 2) “significância” (etnocentrismo) aparece 14 vezes que totaliza 22% dos casos; 3) “consonância” aparece 9 vezes que totaliza 14,5 % dos casos; 4) “notabilidade” aparece 7 vezes que totaliza 11% dos casos; 5) “simplificação e clareza” aparece 3 vezes que totaliza 4,5% dos casos; 6) “amplificação” aparece 3 vezes que totaliza 4,5% dos casos; 7) “personalização” aparece 3 vezes que totaliza 4,5% dos caso; 8) “disponibilidade” aparece 2 vezes que totaliza 3 % dos casos; 9) “relação com as elites” aparece 2 vezes que totaliza 3 % dos casos; 10) “tempo e tempo do acontecimento e frequência de sinal” aparece 2 vezes que totaliza 3 % dos casos; 11) “novidade” aparece 1 vez que totaliza 1,5% dos casos; 12) “inesperado” aparece 1 vez que totaliza 1,5% dos casos; 13) “conflito ou controvérsia” aparece 1 vez que totaliza 1,5% dos casos; 14) “negatividade” aparece 1 vez que totaliza 1,5% dos casos. Esses 14 valores-notícia que identificamos fazem parte de uma classificação, apontada por Traquina (2005b)115, na qual o autor os divide em 22 valores-notícia diferentes116. Desse total, percebemos que o jornal Expresso recorreu a 14 deles, ou seja, aproximadamente 67%. Por isso, acreditamos que o jornal Expresso explorou a maior parte desses critérios de noticiabilidade, apontados no primeiro capítulo117, na construção de suas matérias sobre a mulher brasileira.

Além disso, de acordo com a classificação dos valores-notícia de Traquina (2005b) dos valores-notícia, os quais são divididos em “valores-notícia de seleção (critérios substantivos e critérios contextuais)” e “valores-notícia de construção”, notamos que o jornal Expresso os usou da seguinte forma: no caso dos “valores notícia de seleção – critérios substantivos”, divididos em 10 valores, o jornal Expresso usou 8 valores-notícia desse total, ou seja, 80 % deles; já no caso dos “valores-notícias de seleção – critérios contextuais”, os quais totalizam 5 valores-notícia, vemos que o jornal Expresso usou apenas 1 deles, ou seja, 20% deles; em relação ao caso dos “valores-notícia de construção”, o qual compreende 6 valores-notícia, o mesmo jornal usou 4 valores, ou seja, por volta de 67% deles; e não

115 Nessa classificação de Traquina (2005b), levamos em consideração os valores-notícia apontados por ele e também por Ponte (2005). 116 Esses valores são divididos em “valores-notícia de seleção, critérios substantivos e critérios contextuais” e “valores-notícia de construção”. Exceto o valor-notícia “relação com as elites” que não entrou nessa classificação, mas que foi contabilizado no total de valores-notícia que apresentamos. 117 A classificação de valores-notícia pode ser consultada nas páginas 46-51 da presente dissertação.

podemos deixar de considerar o valor-notícia “relação com as elites” que foi usado duas vezes nas notícias analisadas118.

Valores-Notícia Identificados “Proximidade e Amplitude”

“Significância”

2% “Consonância” 1% 2% 1% “Notabilidade”

3% “Simplificação e Clareza” 3% 23% 3% “Amplificação” 5% “Personalização” 5% “Disponibilidade”

5% “Relação com as Elites”

“Tempo e Tempo do Acontecimento e 11% 22% Frequência de Sinal” “Novidade”

14% “Inesperado”

“Conflito e Controvérsia”

“Negatividade”

Gráfico 3: Valores-Notícia Identificados

Essas reflexões nos mostram que o jornal Expresso recorreu, principalmente, aos “valores-notícia de seleção – critérios substantivos” para selecionar se um acontecimento sobre a mulher brasileira é importante ou se há algum interesse do público nele para se tornar notícia ou reportagem. Isso ocorreu principalmente com os valores-notícia “proximidade e

118 Apesar de o valor-notícia “relação com as elites” não ter entrado na classificação de Traquina (2005b) por não ter um valor-notícia próximo a ele, uma vez que ele foi indicado por Ponte (2005b) e não por Traquina, acreditamos que ele seja um “valor notícia de seleção – critérios substantivos”, porque ele avalia se o acontecimento tem ou não importância para as elites. É um critério que consideramos que seleciona ou não um acontecimento.

amplitude” e “significância” (etnocentrismo), uma vez que o primeiro foi usado em 24% dos casos e o segundo foi usado em 22% dos valores-notícia que identificamos, conforme Gráfico 3. Juntos eles correspondem a 46 % dos valores-notícia que identificamos e foram utilizados para avaliar se os acontecimentos noticiados sobre a mulher brasileira tinham importância cultural ou geográfica para os portugueses.

De acordo com nossas análises, notamos também que o jornal Expresso usou, de modo relevante, os “valores-notícia de construção” para destacar elementos das matérias sobre a mulher brasileira dignos de serem noticiados. Isso ocorreu, principalmente, com o valor- notícia “consonância” que aponta elementos de uma notícia ou reportagem que são esperados pelo público e que foi usado em 14,5 % dos valores-notícia que identificamos nas matérias analisadas, conforme Gráfico 3. Nelas, esse critério de noticiabilidade foi usado para reforçar informações sobre a mulher brasileira que fazem parte do consenso social português ou para reafirmar a ordem social existente como a associação do “comportamento da mulher brasileira” com a prostituição, a presença excessiva de prostitutas brasileiras em Portugal, a ameaça que a presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem ou não representa para o país, etc.

De modo geral, a porcentagem de cada valor-notícia encontrado em nossas análises pode ser verificada no Gráfico 3, em que notamos que os valores-notícia mais identificados ocorrem na seguinte ordem: em primeiro lugar está o valor-notícia “Proximidade e Amplitude” em 24% dos valores-notícia identificados, seguido pelo valor-notícia “Significância” (etnocentrismo) em 22% dos casos, em terceiro lugar está o valor-notícia “consonância” com 14,5% e em quarto lugar está o valor-notícia “notabilidade” com 11% do total.

4.1.2.4 Cruzamento de Formações Discursivas (FDs), sentidos e valores-notícia

A partir dos resultados apresentados sobre as FDs, os sentidos e os valores-notícia identificados, realizamos um cruzamento entre ambos e apontamos algumas considerações. Para tanto, consideramos as três FDs e os três sentidos predominantes nas análises que efetuamos. Consideramos também os três valores-notícia predominantes nos três principais sentidos encontrados em nossas análises. Não consideramos os três valores-notícias mais identificados, em geral, como fizemos com as FDs e os sentidos porque um valor-notícia pode

ser identificado em mais de uma FD e em mais de um sentido. Para discutir os resultados, tivemos que relacionar os valores-notícia mais identificados como os três sentidos das três FDs predominantes em nossos resultados. Acreditamos que apontar essas reflexões nos ajuda a expor melhor os resultados, porque o jornal Expresso se fundamentou nas FDs que encontramos, produziu os sentidos que apresentamos e usou os valores-notícia que identificamos. Além disso, por esses resultados, nas considerações finais, responderemos as perguntas de nossa pesquisa e cumpriremos os propósitos de nosso trabalho.

em em

em Notícia notícia

- (FDs) de FDs de Sentidos Formações de sentidos relação aos Discursivas cada sentido cada valores- relação ao total relação ao total Valores identificados em Porcentagem em Porcentagem em Porcentag “Ordem/ 32% “Legal/ 20% “Consonância” 32% Desordem” Ilegal” Total por 32% Sentido “Próximo/ 32% “Imigração 14,5% -“Significância” 30,5% Distante” Brasileira em (etnocentrismo) Portugal” - “Proximidade 30,5% e Amplitude” Total por 61% Sentido “Mulher 22,5% “O jeito de 14,5% -“Significância” 27% Brasileira” ser da mulher (etnocentrismo) brasileira” - “Proximidade 27% e Amplitude” Total por 54% Sentido Total 86,5% Total 49%

Quadro 2: Principais Resultados Obtidos

Conforme apontamos, as FDs mais utilizadas foram a FD “Ordem/Desordem” em 32% dos casos, assim como a FD “Próximo/Distante” com a mesma porcentagem (32% do casos) e a FD “Mulher Brasileira é usada a em 22,5% dos casos. Vejamos, a partir delas, as relações entre os sentidos e os valores-notícia mais usados em cada sentido abaixo:

1) Na FD “Ordem/Desordem”, o sentido mais usado foi o sentido “Legal/Ilegal” que aparece em 20% dos sentidos identificados. Nele o valor-notícia mais usado é a “consonância” que aparece em 32% dos valores-notícia identificados nesse sentido, conforme pode ser visto no Quadro 2. Esse critério de noticiabilidade é usado pelos jornalistas para apresentar elementos de uma notícia ou reportagem que sejam compatíveis com as expectativas do público e também para destacar elementos de um acontecimento que reafirmam o consenso social de um determinado lugar. No caso das nossas análises, esse valor-notícia é usado para defender ou reafirmar a importância da legalidade no combate à presença das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem ou não em Portugal, que aparecem associadas à ilegalidade. Em boa parte dos enunciados existentes no sentido em questão, observamos a existência de discursos que mostram que a presença delas causa alguma instabilidade social que é considerada ilegal como: a associação ao tráfico de seres humanos para a prostituição, a presença ilegal no país, a perturbação da dinâmica social portuguesa, a prática da prostituição119, etc. Em contraponto a isso, o jornal Expresso apresenta enunciados que demandam ou mostram a atuação das forças legais do Estado português para combater essa ilegalidade a que as mulheres imigrantes brasileiras estão associadas. Ao realizar isso, vemos que a produção discursiva do Expresso produz sentidos que associam a mulher brasileira à relação contraditória do que é legal ou ilegal;

2) Na FD “Próximo/Distante”, o sentido mais usado foi “Imigração Brasileira em Portugal” que aparece em 14,5% dos sentidos identificados ao longo das análises que realizamos. Nesse sentido, os valores-notícia “significância” (etnocentrismo) e “proximidade e amplitude” aparecem, cada um, em 30,5% dos valores-notícia identificados, juntos correspondem a 61 % desse universo120. Eles são critérios de noticiabilidade que selecionam acontecimentos que tenham alguma importância geográfica ou cultural para uma determinada sociedade. Na FD e no sentido em questão, esses critérios de noticiabilidade apontam que a presença de mulheres imigrantes brasileiras atrapalha os interesses portugueses como, por exemplo: quando elas concorrem pelas escassas ofertas de emprego existentes em Portugal, devido à recessão econômica pela qual o país vem passando ultimamente; quando o movimento Mães de Bragança questiona a presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem por

119 A prática da prostituição em si não é considerada um ato ilegal, mas ela ocorre em um ambiente ligado a outras práticas que não são ilegais. Por isso, consideramo-la como um ato que provoca alguma instabilidade social. 120 No sentido “Imigração Brasileira em Portugal”, os valores-notícia “significância” (etnocentrismo) e “proximidade e amplitude” foram identificados com a mesma porcentagem, por isso são considerados como os principais valores-notícia mais utilizados.

estarem “destruindo suas famílias”; e quando o Expresso recorda o acontecimento Mães de Bragança e mostra que apesar da mobilização que ele estimulou, ainda há prostitutas brasileiras no país; etc. O sentido em questão, por meio dos valores-notícia apresentados, mostra que há uma valorização do que é português em detrimento do que é de fora. A presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem ou não no país é apontada pelo jornal Expresso, em diversas enunciações que analisamos, como algo que tem atrapalhado a vida de muitos portugueses. Por essas considerações, acreditamos que essas mulheres são discriminadas nas enunciações do jornal Expresso;

3) Na FD “Mulher Brasileira”, o sentido mais identificado foi “O comportamento da mulher brasileira” em 14,5% de todos os sentidos que foram encontrados. Nele, os valores-notícia mais identificados foram “significância” (etnocentrismo) e “proximidade e amplitude”; cada um foi encontrado em 27% dos casos e juntos totalizam 54% dos casos121. De acordo com o que dissemos na FD anterior, esses critérios de noticiabilidade servem para selecionar acontecimentos que tenham alguma importância cultural ou geográfica para um determinado lugar. No caso da FD e do sentido acima, esses valores-notícia apontam que a mulher brasileira tem um comportamento que não é compatível com os valores portugueses. A mulher portuguesa tem um comportamento bastante respeitoso e sério, compatíveis com os valores da Igreja Católica, diferente da mulher brasileira, cuja FD “Mulher Brasileira” e o sentido “O comportamento da mulher brasileira” apontam produções discursivas que a concebem como uma mulher à procura de sexo, sensual, exótica e volúvel, um comportamento que é considerado muito próximo ao de uma prostituta. A produção discursiva do jornal Expresso sobre “o comportamento da mulher brasileira” é usada até mesmo para justificar porque algumas mulheres imigrantes brasileiras em Portugal se prostituem. Por ser um comportamento bastante diverso dos valores portugueses, as mulheres imigrantes brasileiras em Portugal, independentemente do que façam no país, são, muitas vezes, associadas à figura de uma prostituta e por isso são bastante discriminadas pelo jornal Expresso.

. . .

121 No sentido “o comportamento da mulher brasileira”, os valores-notícia “significância” (etnocentrismo) e “proximidade e amplitude” foram identificados com a mesma porcentagem, por isso são considerados como os principais valores-notícia mais utilizados.

Ao longo do presente capítulo, realizamos as análises das oito matérias que foram selecionadas entre os anos de 2008 e 2009 na versão digital do jornal Expresso. Em cada uma delas, apontamos um Quadro de Formações Discursivas com as principais FDs encontradas que fundamentam os enunciados do jornal Expresso, assim como apontamos a produção dos principais sentidos verificados. Além disso, identificamos também os valores-notícia que acreditamos que o jornal Expresso tenha usado para selecionar e construir as matérias analisadas sobre a mulher brasileira em cada sentido, de cada FD que encontramos.

Após isso, apresentamos e discutimos os resultados obtidos com a Análise do Discurso das notícias e reportagens do jornal Expresso. Expomos um Quadro Geral de Formações Discursivas, separados por cada notícia/reportagem, com as FDs, os sentidos e os valores- notícia identificados. Em seguida, quantificamos e especificamos, separadamente, as FDs, os sentidos e os valores-notícia encontrados em gráficos. A partir deles, discutimos os resultados apresentados e fizemos algumas considerações. Por fim, realizamos um cruzamento entre as três principais FDs, sentidos e valores-notícia encontrados nas matérias e apresentamos algumas considerações sobre os resultados obtidos.

Diante delas, pretendemos, nas considerações finais, responder as perguntas do nosso problema de pesquisa, verificar se nossas hipóteses são verificáveis ou não e cumprir nossos objetivos de pesquisa que é avistar se os enunciados do jornal Expresso (des)constroem as representações da mulher brasileira entre os portugueses e dizer como os jornalistas articulam seus discursos sobre a prostituição e a violência em relação à clandestinidade a que as mulheres imigrantes brasileiras estão associadas em Portugal. Desse modo, poderemos apresentar algumas reflexões sobre a nossa pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde as reflexões iniciais da nossa dissertação, temos exposto que para podermos analisar como ocorre a produção de sentidos por um determinado grupo ou classe social, devemos, primeiramente, compreender as condições a partir das quais seus enunciados são produzidos. As Condições de Produção (CP) nos revelam o posicionamento ideológico, em um jogo de forças sociais, pelo qual um grupo ou classe constrói seu discurso. As CPs nos permitem entender os significados construídos por um enunciador no momento de sua produção discursiva.

Tendo isso em vista, procuramos, no primeiro capítulo, expor a partir da Teoria Social da Mídia e, principalmente, das Teorias do Jornalismo e da Notícia, reflexões que nos mostram alguns fatores que influenciam o trabalho jornalístico no processo de produção de notícias e reportagens. Apontamos que os fatores pessoais, organizacionais, profissionais, políticos e sociais influenciam as CPs da atividade jornalística. Além disso, apontamos também a existência de critérios de noticiabilidade, também conhecidos como valores-notícia, que influenciam a forma como os jornalistas enxergam a realidade. A partir desses valores, a comunidade jornalística seleciona acontecimentos que serão notícias e reportagens e dá destaque a determinados elementos desses acontecimentos que tenham alguma importância ou interesse para o público. É uma visão da realidade própria dos jornalistas que os fazem ver o mundo de uma forma e não de outra. Acreditamos que os fatores que apontamos acima e os critérios de noticiabilidade dos jornalistas determinam as CPs das matérias. Desse modo, ao longo do primeiro capítulo, procuramos explicar cada um desses itens.

Após isso, no segundo capítulo, apresentamos a metodologia que nos ajudou a analisar a produção de sentidos do jornal Expresso a partir das CPs de seu discurso. Escolhemos a Análise do Discurso (AD), na linha francesa de estudos sistematizada por Pêcheux, para realizar essa análise. Indicamos, inicialmente, o que diferencia essa linha de estudos da AD de outros estudos na área de Linguística e quais são suas particularidades. Deixamos claro que o diferencial dela é levar em consideração a exterioridade de um ato de linguagem para entender a produção de significados. Apontamos também como Pêcheux sistematizou essa linha de estudos discursivos com as contribuições de Althusser sobre a ideologia e de Foucault sobre discurso. Além disso, explicamos alguns conceitos e mecanismos de análise próprios da AD que são: as Condições de Produção (CPs), o Interdiscurso, o Esquecimento, a Formação Ideológica (FI) e a Formação Discursiva (FD). Diante dessa exposição,

especificamos como foi constituído nosso corpus de análise em que apontamos nossos objetivos, nossos problemas e nossas hipóteses de pesquisa, como selecionamos as matérias e a forma como obteríamos os resultados.

Já no terceiro capítulo, conhecemos como se construiu algumas representações da mulher brasileira no imaginário português. Fizemos essa exposição porque pensamos que essas representações são fontes de discursos que nos apontam formas de enxergar a mulher brasileira (que são as Formações Ideológicas) que fundamentam e regulam a construção de discursos sobre ela (que são as Formações Discursivas). Por isso, mostramos a partir da colonização portuguesa no Brasil, passando pela definição do que é o carnaval brasileiro e como ele é visto mundo afora, não nos esquecendo também do fenômeno recente da imigração brasileira em Portugal, como se construiu, de acordo com os autores consultados, algumas representações sobre a mulher brasileira entre os portugueses. Resumidamente, a sociedade lusitana vê a mulher brasileira, em muitas situações, como uma mulher à procura de sexo, sensual, exótica e volúvel. São percepções reforçadas pelos produtos midiáticos/jornalísticos da mídia portuguesa e internacional que explicamos também quais são no terceiro capítulo. Entre esses produtos, mostramos a participação do jornal Expresso com a publicação de algumas matérias sobre a mulher brasileira, principalmente, após a ocorrência do movimento Mães de Bragança em Portugal em 2003. Ademais, apresentamos também alguns dados sobre a atuação do jornal Expresso e o Código de Conduta de seus jornalistas que nos deram subsídios para analisar suas notícias e reportagens sobre a mulher brasileira, publicadas na versão digital do jornal.

Com base em todas as reflexões e informações apontadas nos três primeiros capítulos de nossa pesquisa, realizamos, no quarto capítulo, as análises das oito matérias sobre a mulher brasileira que são: Matéria 1 – Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritariamente brasileiras e de Leste; Matéria 2 – Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras, Matéria 3 – Caso “Mães de Bragança” vira pesquisa universitária, Matéria 4 – Filhas de Bragança; Matéria 5 – Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos; Matéria 6 - Morar ao lado da prostituição; Matéria 7 – Mercado do sexo não escapa à crise; Matéria 8 - Fátima: Maior problema da comunidade imigrante brasileira é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações. Em cada uma delas, apresentamos um Quadro de Formações Discursivas com as principais FDs encontradas, os sentidos identificados e os valores-notícia que acreditamos que o jornal Expresso tenha usado para selecionar os acontecimentos e construir as notícias e reportagens

sobre a mulher brasileira. Em seguida, expusemos os resultados alcançados em um Quadro Geral de Formações Discursivas, separados por matérias, e os discutimos. Além disso, quantificamos e especificamos as FDs, os sentidos e os valores-notícia encontrados, separadamente, em quadros e gráficos e apresentamos algumas reflexões a respeito. Por eles, elaboramos algumas considerações sobre as três FDs, os três sentidos e os três valores-notícia que identificamos como os mais usados pelo jornal Expresso nas notícias e reportagens analisadas122. Após o longo caminho percorrido em que buscamos a partir das CPs do jornal Expresso analisar a sua produção de sentidos sobre a mulher brasileira, procuramos, por meio dos principais resultados alcançados, responder nossos propósitos de pesquisa.

Inicialmente, verificamos que o discurso do jornal Expresso funciona produzindo sentidos sobre a mulher brasileira, principalmente, a partir de três FDs, conforme apontamos nos Quadro 2 na discussão dos resultados no quarto capítulo, que são: FD “Ordem/Desordem”, FD “Próximo/Distante” e a FD “Mulher Brasileira”. É, de acordo com Maingueneau (1997), um “espaço discursivo”, o qual delimita um sub-conjunto de FDs de um “campo discursivo”, necessário para entendermos os discursos que analisamos. Esse espaço nos mostra que o jornal Expresso constrói enunciados sobre a mulher brasileira a partir de regularidades discursivas que classificam a sua presença em Portugal associada à ordem ou à desordem, se ela é alguém próximo ou distante da cultura e da sociedade portuguesa e a associa a algumas percepções comuns que os portugueses têm da mulher brasileira. Tais FDs existentes na produção discursiva do jornal Expresso derivam do seu posicionamento ideológico na sociedade portuguesa o qual nos revela a Formação Ideológica (FI) que sustenta essas regularidades discursivas123. Essa FI, presente no posicionamento do jornal Expresso, defende a valorização de tudo o que é português, o qual está associado à ordem e a um comportamento socialmente adequado, cujas CPs que levam a esse posicionamento foram explicados na discussão dos resultados no quarto capítulo, mas, sinteticamente, está relacionada ao processo de modernização da sociedade portuguesa por meio da sua globalização econômica e cultural na atualidade. É um posicionamento ideológico que, em nossa opinião, parece ir contra um dos principais valores que o jornal Expresso define como sendo seu na atualidade, que segundo Sousa (2008, p.11), são “[...] Democracia, União

122 No caso dos valores-notícias encontrados no sentido “Imigração Brasileira em Portugal” da FD “Próximo/Distante” e dos valores-notícias identificados no sentido “O comportamento da mulher brasileira”, da FD “Mulher Brasileira”, apresentamos os dois valores-notícias mais identificados que são “Significância” (etnocentrismo) e “Proximidade e Amplitude”, porque eles apresentaram as maiores porcentagens, de modo igual, e também porque são muito parecidos; ambos selecionam acontecimentos que tenham alguma proximidade geográfica ou cultural com uma determinada sociedade. 123 Conforme dissemos no segundo capítulo, uma FI sustenta a produção de uma ou mais FDs.

Européia, Mundo da Lusofonia”. Acreditamos que isso acontece em relação ao valor “Mundo da Lusofonia”124, o qual busca a integração dos países de Língua Portuguesa nos quais se insere o Brasil. Observamos, de acordo com as análises realizadas, que, ao mesmo tempo, em que o jornal Expresso defende a integração desses países de língua portuguesa, associa em seu discurso a mulher brasileira à prostituição (FD “Mulher Brasileira), discrimina a presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem ou exercem outras atividades em Portugal (FD “Próximo/Distante”) e relaciona sua presença ao que é considerado uma desordem (FD “Ordem/Desordem”), conforme Quadro 2 exposto no quarto capítulo.

Ao fazer isso, o jornal Expresso produz os principais sentidos que identificamos em cada uma dessas FDs que são: o sentido “Legal/Ilegal” (da FD “Ordem/Desordem”), o sentido “Imigração Brasileira em Portugal” (da FD “Próximo/Distante) e o sentido “O comportamento da mulher brasileira” (da FD “Mulher Brasileira”). Por esses sentidos, fundamentados nas FD expostas acima, e com o uso dos valores-notícia que identificamos, vemos como o jornal Expresso constrói esse posicionamento ideológico sobre a mulher brasileira. Sinteticamente, conforme apontamos no quarto capítulo, o discurso do jornal Expresso funciona da seguinte forma:

1) Fundamenta-se principalmente na FD “Ordem/Desordem”, produzindo o sentido “Legal/Ilegal” e usando o valor-notícia “consonância”. Nesses enunciados, o discurso do jornal Expresso procura defender ou reafirmar a importância da legalidade no combate à presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem ou não em Portugal, que aparecem associadas à ilegalidade; 2) Fundamenta-se, em segundo lugar, na FD “Próximo/Distante”, produzindo o sentido “Imigração Brasileira em Portugal” e usando os valores-notícia “significância” (etnocentrismo) e “proximidade e amplitude”. Nesses enunciados, o discurso do jornal Expresso aponta que a presença de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal atrapalha, de alguma forma, a vida dos portugueses; 3) Fundamenta-se, em terceiro lugar, na FD “Mulher Brasileira”, produzindo o sentido “O comportamento da mulher brasileira” e usando os valores-notícia “significância” (etnocentrismo) e “proximidade e amplitude”. Nesses enunciados, o discurso do jornal Expresso mostra que o comportamento da mulher brasileira é diferente e que não tem compatibilidade com os valores portugueses.

124 O termo “Lusofonia” é usado, de acordo com o site E-português (2001, p.1), “[...] para designar o conjunto das comunidades de língua portuguesa no mundo”.

Frente a essas considerações, pensamos que os enunciados jornalísticos do Expresso, na versão digital, (des)constroem, de certa forma, algumas representações da mulher brasileira no contexto da sociedade portuguesa. Já em relação à articulação do discurso jornalístico sobre a prostituição e a violência à clandestinidade a que as mulheres imigrantes brasileiras estão associadas em Portugal, acreditamos que essa relação ocorra, mas com algumas ressalvas. Sobre a (des)construção das representações da mulher brasileira pelos enunciados do jornal Expresso, pensamos que isso ocorre de “certa forma” e com “algumas representações” porque:

- por um lado, verificamos que o jornal Expresso reforça algumas representações que são comuns no imaginário português como a associação do comportamento e a personalidade da mulher brasileira ao de uma prostituta. Em diversas passagens das matérias analisadas, o jornal produz esse sentido e, algumas vezes, reconhece, na voz de outras pessoas, que essa relação ocorre. Além disso, também reforça que a presença das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal (prostitutas ou não) é algo que atrapalha os interesses portugueses em diversas situações. É um posicionamento ideológico-discursivo que ganhou força com o movimento Mães de Bragança e tem se intensificado cada vez mais entre os portugueses. Eles pensam que as pessoas de outros lugares nem sempre são úteis para a sociedade portuguesa porque elas podem representar uma ameaça aos interesses do país. Em ambos os casos, o jornal Expresso concorda com esses posicionamentos, os quais são comuns, principalmente, entre grupos e classes sociais dominantes portugueses, e os reforça em sua produção discursiva;

- por outro lado, não vemos o jornal Expresso desconstruir nenhuma representação sobre a mulher brasileira que já existe no imaginário português. Ele conseguiria fazer isso se desconstruísse alguma das percepções sobre a mulher brasileira que apontamos no terceiro capítulo; no entanto, mostramos que o jornal apenas as reforça em suas enunciações no quarto capítulo. As representações sobre “o comportamento da mulher brasileira” e sua condição de imigrante persiste no discurso do jornal; não vemos, por exemplo, o jornal falar das diversas ocupações que muitas mulheres imigrantes brasileiras exercem em Portugal e da qualidade e contribuição que o trabalho delas proporciona ao país. Ademais, verificamos que o discurso do jornal constrói uma nova representação da mulher brasileira no imaginário português quando produz sentidos que associa a presença das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal que se

prostituem ou exercem outras ocupações à ilegalidade. De certa forma, esta associação já existia no imaginário português, principalmente em relação às prostitutas, cuja presença, em diversas situações, é ilegal e está associada à prática de atos ilegais, mas não no caso das mulheres imigrantes brasileiras que exercem outras atividades, isso não parecia ser tão comum. Nas notícias analisadas, vemos que em quase todas, exceto na Matéria 5 (M5) Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos, o jornal se fundamenta na FD “Ordem/Desordem” e produz o sentido “Legal/Ilegal”, construído, muitas vezes, pelo valor jornalístico “consonância” que reforça a atuação da ordem social existente no combate à ilegalidade a que as mulheres imigrantes brasileiras estão associadas. Por essas considerações, acreditamos que os enunciados do jornal Expresso ajudam a construir a representação da mulher imigrante brasileira associada à ilegalidade.

Tendo isso em vista, acreditamos que o jornal Expresso articula seus discursos sobre a prostituição e a violência sobre as mulheres imigrantes brasileiras à clandestinidade em algumas representações. Acreditamos que isso ocorra, em relação às mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal porque é nesse momento que o jornal produz seu discurso sobre a prostituição125 que, muitas vezes, é ligado à prática de atos ilegais como a presença ilegal de prostitutas brasileiras no país, a associação delas com o tráfico internacional de seres humanos para a prostituição, etc. Em relação ao discurso da violência, vemos que ele ocorre apenas na Matéria 4 (M4) Filhas de Bragança em que há uma FD sobre isso que produz o sentido “Exploração” que aborda as diversas formas de violência a que muitas prostitutas brasileiras são submetidas. No entanto, não verificamos nenhuma associação desse discurso com a ilegalidade ou a clandestinidade, porque o discurso sobre a violência existente nas enunciações em questão apresenta a exploração a que as prostitutas brasileiras são submetidas, como uma condição a que elas são expostas devido à “vida” que levam.

Ademais, observamos que o discurso jornalístico do Expresso faz uma associação das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal à clandestinidade. Os enunciados do Expresso sobre a presença de mulheres imigrantes brasileiras que exercem outras atividades em Portugal (que não são prostitutas) as relaciona à ilegalidade, conforme algumas considerações

125 Esse discurso é recorrente nas matérias que tratam das mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem em Portugal: Matéria 1 (M1) Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente em Portugal são maioritarimente brasileiras e de Leste; Matéria 4 (M4) Filhas de Bragança, Matéria 6 (M6) Morar ao Lado da Prostituição e Matéria 7 (M7) Mercado do sexo não escapa à crise.

que apontamos anteriormente. As matérias como a Matéria 2 (M2) Braga: SEF deteve oito cidadãs, Matéria 3 (M3) Caso “Mães de Bragança” vira pesquisa universitária e a Matéria 8 (M8) Fátima: Maior problema da comunidade imigrante é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações, que abordam a presença de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal que exercem outras atividades, apresentaram a FD “Ordem/Desordem” e nessas enunciações o Expresso produziu o sentido “Legal/Ilegal”. Por essas considerações, verificamos que o discurso do jornal Expresso sobre a presença de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal que exercem outras ocupações, apresenta enunciados que associam essas mulheres à clandestinidade.

Diante disso, respondemos também as perguntas que fizemos, de acordo com nosso problema de pesquisa que está nas representações sobre a mulher brasileira apresentadas pelo jornal Expresso em Portugal:

1) A imagem da mulher brasileira presente nos enunciados do Expresso difere do que realmente é? Acreditamos que sim porque a mulher brasileira não se resume a um comportamento e a uma personalidade próximos de uma prostituta; a presença de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal nem sempre atrapalha os interesses portugueses, uma vez que há várias mulheres que exercem diversas ocupações que contribuem para o desenvolvimento da sociedade portuguesa; além disso, há muitas delas que não exercem atividades ilegais em Portugal, mas sim atividades legais, e são cidadãs que cumprem seus deveres e exercem seus direitos; 2) Os enunciados veiculados pelo jornal Expresso (des)constroem as representações da mulher brasileira no imaginário português? Acreditamos que sim, mas em parte, porque o jornal Expresso apresenta enunciados que criam a representação de que as mulheres imigrantes brasileiras estão associadas à ilegalidade, principalmente as mulheres que não se prostituem; reforçam algumas representações já existentes no imaginário português como a associação do comportamento e da personalidade da mulher brasileira à figura de uma prostituta e o reconhecimento de que a presença de mulheres imigrantes brasileiras atrapalha os interesses portugueses; mas não desconstroem nenhuma representação da mulher brasileira que existe no imaginário português; 3) O discurso jornalístico do Expresso sobre a prostituição e violência contribui e legitima a associação de mulheres imigrantes brasileiras à clandestinidade?

Sim, mas parcialmente. O discurso do jornal Expresso sobre prostituição apresenta alguns enunciados sobre as mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem ligados a situações ilegais que as associam à clandestinidade. Mas em relação ao discurso da violência, verificamos que na única vez que ele apareceu, na Matéria 4 (M4) Filhas de Bragança que apresenta enunciados sobre a presença de mulheres imigrantes brasileiras que se prostituem, não faz nenhuma associação à ilegalidade ou à clandestinidade. Ademais, notamos que o discurso do Expresso sobre a presença de mulheres imigrantes brasileiras que exercem outras atividades em Portugal é relacionado à ilegalidade, a qual legitima a associação dessas mulheres à clandestinidade.

Acreditamos que tudo isso ocorra porque o discurso do jornal Expresso se fundamenta principalmente nas FDs: “Ordem/Desordem”, “Próximo/Distante” e “Mulher Brasileira”. São FDs que fundamentam a produção de sentidos que criam e reforçam representações negativas sobre a mulher brasileira no imaginário português. Não há presença de outras FDs no discurso do Expresso que desconstroem essas representações e produzam sentidos que criem novas representações da mulher brasileira que sejam positivas para a percepção portuguesa.

Por isso, pensamos que nossa hipótese de pesquisa se confirma de modo relativo, porque as marcas históricas entre Brasil e Portugal influenciaram principalmente a construção de representações sobre “o comportamento da mulher brasileira”. Entretanto, as representações sobre a mulher brasileira não se limitam a essas percepções; houve outros acontecimentos em Portugal que deram novas nuances a essas representações, bem como criaram outras percepções como o comportamento volúvel da mulher brasileira. Além disso, a mídia vem participando dessa construção por meio de seus produtos midiáticos/jornalísticos que no caso do jornal Expresso, em nossa opinião, servem para reforçar essas representações comuns no imaginário português e criar outras percepções como quando ele associa a presença das mulheres imigrantes brasileiras que não são prostitutas à clandestinidade. O Expresso tem contribuído com essa associação criando imagens que, de acordo com nossas análises, são negativas. Há outras marcas que vão além do relacionamento exploratório entre Brasil e Portugal que condicionam a construção das representações da mulher brasileira no contexto lusitano. Uma delas é o fato de que a própria situação que o processo de modernização que a sociedade portuguesa vem atravessando tem possibilitado novos posicionamentos ideológico-discursivos. Esse contexto tem determinado novas Condições de Produção para o discurso do jornal Expresso que tem valorizado o que é português (FD

“Próximo/Distante”), que está associado à ordem (FD “Ordem/Desordem”) e a um comportamento socialmente adequado (FD “Mulher Brasileira”). É a partir dessas FDs que o discurso do jornal Expresso tem apresentado a mulher brasileira em Portugal.

Frente a isso, pensamos que os nossos objetivos foram cumpridos, nossas perguntas foram respondidas e nossas hipóteses foram relativamente confirmadas, mostrando que a construção de representações da mulher brasileira no imaginário português não se restringe ao discurso jornalístico da prostituição e da violência. Mas por que essa construção das representações da mulher brasileira vai muito além disso? Porque o discurso é dinâmico, ele acompanha as mudanças que as Condições de Produção (CPs) provocam nos posicionamentos ideológicos dos sujeitos, grupos e classes sociais. A mudança de posicionamentos leva a outros conhecimentos sociais que, de acordo com Charaudeau (2008), são as representações sociais. Se elas mudam, nossos discursos se transformam. É o que acreditamos que venha ocorrendo com a sociedade portuguesa nos últimos tempos, devido à sua modernização que vem influenciando também o discurso do jornal Expresso. Isso tem mudado o posicionamento ideológico, as representações sobre a mulher brasileira e o discurso do jornal Expresso. Vemos que o discurso do Expresso sobre a associação de mulheres imigrantes brasileiras à clandestinidade tem construído novas representações da mulher brasileira no contexto lusitano. Pensamos que, com o tempo, esse não será, talvez, o discurso presente nas regularidades discursivas do jornal Expresso, podem surgir outros que irão depender das CPs e do posicionamento ideológico desse veículo de comunicação no momento de sua enunciação em Portugal. O movimento do discurso nos mostra que as representações da mulher brasileira no imaginário português estarão sempre em construção. Por fim, pensamos que esse trabalho tenha apresentado algumas reflexões que possam ajudar nas discussões sobre o assunto e também abrir novas possibilidades de estudos sobre o tema em questão.

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ANEXOS ANEXO A – Código de Conduta dos Jornalistas do Expresso

ANEXO A – Código de Conduta dos Jornalistas do Expresso

ANEXO A – Código de Conduta dos Jornalistas do Expresso

ANEXO B - Matéria 1 (M1) Coimbra: Mulheres exploradas sexualmente são maioritamente brasileiras e de Leste

ANEXO C – Matéria 2 (M2) Braga: SEF deteve oito cidadãs brasileiras

ANEXO D – Matéria 3 (M3) Caso “Mães de Bragança” vira pesquisa universitária

ANEXO E – Matéria 4 (M4) Filhas de Bragança

ANEXO E – Matéria 4 (M4) Filhas de Bragança

ANEXO F – Matéria 5 (M5) Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos

ANEXO G - Matéria 6 (M6) Morar ao lado da prostituição

ANEXO G – Matéria 6 (M6) Morar ao lado da prostituição

ANEXO H - Matéria 7 (M7) Mercado do sexo não escapa à crise

ANEXO H - Matéria 7 (M7) Mercado do sexo não escapa à crise

ANEXO I – Matéria 8 (M8) Fátima: Maior problema da comunidade imigrante é a imagem que lhe está associada – Obra Católica de Migrações