BALDUINIA. n.18, p. 20-25, 15-IX-2009

ANATOMIA DA MADEIRA DE DUAS BIGNONIÁCEAS DA FLORESTA ESTACIONAL DE MISIONES - ARGENTINAl

GRACIELA INES BOLZON DE MuNIZ2 JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORP

RESUMO São anatomicamente descritas e ilustradas as madeiras de Jacaranda micrantha Chamo e albus (Cham.) Mattos, com base em material procedente de Misiones, Argentina. Palavras-chave: Jacaranda micrantha, Handroanthus albus, , anatomia da madeira.

SUMMARY [Wood anatomy of two Bignoniaceous species fram Misiones Seasonal Forest - Argentina). The woods of Jacaranda micrantha Chamo and Handroanthus albus (Cham.) Mattos are anatomically described and illustrated, based on materiaIs from Misiones province, Argentina. Key words: Jacaranda micrantha, Handroanthus albus, Bignoniaceae, wood anatomy.

INTRODUÇÃO sula orbicu1ar, de bordo ondulado (Sandwith & O presente estudo trata da descrição Hunt, 1974). Cabe salientar que a estrutura anatômica da madeira de duas Bignoniáceas anatômica desta espécie de madeira foi anteri- euxilóforas da Floresta EstacionaI de Misiones: ormente publicada como Tabebuia semisserrata Jacaranda micrantha Cham., a popular caroba, e Cham., por Tortorelli (1956). Handroanthus albus (Cham.) Mattos, conhecido Nativa da Argentina, Paraguai e Brasil, de como lapacho-amarillo, na Argentina (Dimitri et e ao Rio Grande aI., 2000), e ipê-amarelo, ipê-da-serra ou ipê- do Sul (Gentry, 1992), Handroanthus albus vacariano, no Brasil (Sobral et al., 2006). (Cham.) Mattos comumente figura na literatura Nativa no leste do Paraguai, nordeste da Ar- botânica como Tabebuia alba (Cham.) gentina (Misiones) e Brasil, de Minas Gerais Sandwith, binômio atualmente reduzido à ao (Gentry, 1992), Jacaranda sinonímia. Árvore de grande porte, com tron- micrantha é árvore de 10 - 25 m de altura, com cos de até 30 m de altura e 1,50 m de diâmetro, fuste de 10 - 15 m, e copa alongada. Muito pa- apresenta casca espessa castanho-acinzentada, recida a Jacaranda puberula Cham., a espécie com fissuras longitudinais. A madeira, muito em foco difere, na mata, principalmente por seu pesada e de notável resistência, também mere- maior tamanho e pelos frutos em forma de cáp- ceu descrição anatômica, por Tortorelli (1956).

MATERIAL E MÉTODOS Para cada uma das espécies foram estuda-

1 Recebido em 20-2-2007 e aceito para publicação em das amostras de madeira de três árvores, proce- 30-8-2007. dentes de uma floresta natural da Universidad 2 Engenheira Florestal, Dra., Professora Titular do De- Nacional de Misiones (departamento de partamento de Engenharia e Tecnologia Florestal, Uni- versidade Federal do Paraná. Curitiba (PR). CEP Guarani, Argentina). Extraído em região de 80070.230. [email protected] albumo e à altura do peito, o material 1enhoso 3 Engenheiro Florestal, Dr., Professor Titular do Depar- foi incorporado ao acervo do Laboratório de tamento de Ciências Florestais, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria (RS). CEP 97105.900. Dendrología, da Facultad de Ciencias Forestales [email protected] da mesma universidade.

20 De cada indivíduo foram preparados três ginal terminal, em faixas interrompidas (Figura corpos-de-prova, orientados para a obtenção de IA, B). cortes anatômicos nos planos transversal, lon- Vasos: arredondados (74 - 84 - 104 Ilm; s = gitudinal radial e longitudinal tangencial. Após 30,09), em porosidade difusa e com paredes amolecimento por fervura em água, os corpos- medianamente espessas (cerca de 3 Ilm); pre- de-prova foram seccionados em micrótomo de dominantemente solitários, em múltiplos radi- deslizamento (modelo Spencer AO n. 860), re- ais de 2 a 5 e em escassos cachos (Figura IA, gulado para a obtenção de cortes com espessu- B). Elementos vasculares de 179 - 250 - 329 ra nominal de 18 Ilm. Usou-se coloração com Ilm de comprimento (s = 32,89), com placas de acridina-vermelha, crisoidina e azul-de-astra perfuração simples. Pontoações intervasculares (Dujardin, 1964), desidratação em série alcoó- alternas (Figura lD), circulares (3,5 - 6 - 8,5 lica e montagem permenente com "Entellan". Ilm; s = 0,76), com aberturas horizontais, inclu- No preparo de lâminas de macerado seguiu- sas, por vezes coalescentes. Pontoações raio- se o método de Jeffrey (Freund, 1970), usando- vasculares e parênquimo-vasculares, semelhan- se coloração da pasta de fibras com safranina e tes às intervasculares. o mesmo meio-de-montagem anteriormente re- Parênquima axial: paratraqueal escasso e ferido. confluente em faixas interrompidas de 1- 4 cé- Os dados quantitativos da estrutura ana- lulas de espessura. Células parenquimáticas em tômica foram processados diretamente em séries de 2 a 4, com cerca de 60 Ilm de altura e analisador de imagens "Videoplan", acoplado a 30 Ilm de largura. computador, obtendo-se os respectivos valores Raios: heterogêneos, não estratificados (Fi- mínimos, médios, máximos e desvio padrão (s), gura 1D), com freqüência de 8 - 9 - 11 por mm com o uso de programas aplicativos. e 97 -171- 349 Ilm de altura (s = 47,78). Rai- A descrição de elementos macroscópicos os unisseriados, principalmente de células qua- baseou-se na Copant (1973). As mensurações dradas e eretas; os multisseriados (bi a tetras- de elementos celulares individuais e descrições seriados), com células procumbentes, na parte microscópicas seguiram Ibama (1992). As central, e células quadradas e eretas nas mar- fotomicrografias foram tomadas em aparelho gens (Figura 1C). Raios fusionados, freqüentes. Carl Zeiss, usando-se filme Kodak Panatomic Fibras: libriformes, não septadas e de seção X ASA 32 e ampliações em papel fotográfico poligonal, com pontoações simples ou Kodabromid F-3 brilhante. inconspicuamente areoladas nas faces radiais da parede; medem 616 - 900 - 1125 Ilm de com- DESCRIÇÃO DAS MADEIRAS primento (s = 99,00) e 12 - 15 - 23 Ilm de 1 - Jacaranda micrantha Chamo diâmetro. Caracteres gerais: madeira leve a modera- Outros caracteres: canais intercelulares, ca- damente pesada (0,61 g/cm3), de cerne e alburno nais celulares, cistos glandulares, estruturas indistintos e cor branco-palha, levemente rosa- estratificadas, floema incluso, células oleíferas, da, com delicadas estrias longitudinais mais es- células mucilaginosas e máculas medulares, curas. Sem odor e gosto característicos, com fi- ausentes. Cristais e sílica, não observados. gura demarcada pela disposição dos poros e te- cido fibroso, apresenta brilho suave, textura 2 - Handroanthus albus (Cham.) Mattos média heterogênea e grã direita a irregular. Caracteres gerais: madeira com massa espe- Anéis decrescimento: quase sempre distin- cífica de 0,80 a 1,00 g/cm3, de alburno branco- tos, individualizados pela variação na espessu- rosado e cerne rosa, sem odor e gosto distintos, ra da parede de fibras entre os lenhos tardio e de textura média, grã irregular a revessa, com inicial, bem como pelo parênquima axial mar- superfície lisa ao tato, irregularmente lustrosa e

21 FIGURA 1 - Aspectos anatômicos da madeira de Jacaranda micrantha. A - Seção transversal, mostrando limite de anel de crescimento e porosidade difusa, com vasos solitários e em múltiplos radiais de poucas unidades. B - Mesmo plano anatômico, destacando um limite de anel de crescimento (seta), poros solitários e em múltiplos radiais de poucas unidades, e parênquima paratraqueal (p) escasso a confluente, em estreitas faixas interrompidas, de I - 4 células de espessura. C - Tecido radial heterogêneo, em seção longitudinal radial. D - Seção longitudinal tangencial, mostrando raios uni e multisseriados, não estratificados, parênquima seriado (Ps) e elementos vasculares com pontoações intervasculares alternas. Escala = 125 11m(A,C); 40 11m(B, D).

22 FIGURA 2 - Aspectos anatômicos da madeira de Handroanthus albus, em seção transversal. A - Porosidade difusa, com vasos arredondados, em sua maioria solitários, menos comumente em múltiplos radiais de 2 - 3 e escassos cachos, e parênquima paratraqueal vasicêntrico, tendente a aliforme e aliforme-confluente. B - Vasos solitários, geminados, e parênquima axial aliforme, aliforme-confluente e em estreita faixa termi- nal (seta). C - Vista parcial de placa de perfuração reticulada (seta). Escala = 125 /-lm(A); 40 /-lm(B); 12,5 /-lm(C).

23 FIGURA 3 - Aspectos anatômicos da madeira de Handroanthus albus, em seções longitudinais. A - Tecido radial homogêneo, composto inteiramente de células procumbentes, e parênquima axial estratificado (seção radial). B - Raio homogêneo, com cristais de oxalato de cálcio em células procumbentes, e pontoações raio- vasculares (seção radial). C - Estratificação de todos os elementos celulares, vista em seção tangencial. D - Parênquima axial com 2 - 3 células por série, organizado em estratos, juntamente com raios multisseriados (seção tangencial). Escala = 125 Ilm (A, C); 40 Ilm (D); 12,5 Ilm (B).

24 de aspecto fibroso; notável por sua alta durabi- 17 - 21 - 28 11mde diâmetro (s = 2,31). lidade, mesmo exposta às intempéries. Outros caracteres: Canais intercelulares, ca- Anéis de crescimento: pouco demarcados, nais celulares, cistos glandulares, floema inclu- reconhecidos por estreitas linhas de parênquima so, células oleíferas, células mucilaginosas e marginal (Figura 2B). máculas medulares, ausentes. Vasos: em porosidade difusa, com freqüên- cia de 6 -14 -17 poros/mm2(s = 2,98); solitá- ANÁLISE DA ESTRUTURA ANATÔMICA rios, em múltiplos radiais de 2 a 3 e em escas- As duas espécies em estudo são facilmente sos cachos (Figura 2A,B). Vasos arredondados separadas mediante estudo da estrutura (58 - 100 - 158 11m; s = 27,65), com paredes anatômica. Handroanthus albus distingue-se, de 5 11mde espessura média (Figura 2A, B). prontamente, pela estrutura estratificada com- Elementos vasculares estratificados (Figura 3C), pleta, pelos raios homocelulares e pelas fibras de 200 - 240 - 280 11mde comprimento (s = de paredes espessas, contrastantes com o 20,78), com placas de perfuração simples, hori- parênquima axial em corte transversal. zontais ou levemente inclinadas; placas Jacaranda micrantha, por sua vez, carece de reticuladas, raras (Figura 2C). Pontoações estratificação, apresenta raios heterogêneos e intervasculares alternas, circulares (2,5 - 7 11m), suas fibras, de paredes relativamente finas, pou- com abertura lenticular, inclusa. Pontoações co contrastam com o parênquima axial em pla- raio-vasculares (Figura 3B) e parênquimo- no transversal. vasculares, muito pequenas, semelhantes às intervasculares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Parênquima axial: paratraqueal vasicêntrico, COPANT (Comissão Panamericana de Normas Téc- por vezes incompleto, com certa tendência a nicas). Descrição macroscópica, microscópica unilateral, aliforme e aliforme-confluente (Fi- e geral da madeira - esquema I de recomenda- gura 2A, B); também em faixa terminal estreita ção. Colômbia, n. 30, p. 1-19, 1973. DIMITRI, M.J.; LEONARDIS, R.F.J.; BILONI, J.S. (Figura 2B). Séries parenquimáticas de 200 - El nuevo libro dei arbol. Buenos Aires: El 240 - 260 11mde altura (s 24,32), compostas = Ateneo, 2000. 124 p. de 2, raro 3 células (Figura 3D). Cristais de oxalato DUJARDIN, E.P. Eine neue Holz-Zellulosen- de cálcio pequenos, prismáticos, fusiformes e faerbung. Mikrokosmos, n. 53, p. 94, 1964. aciculares, presentes na maioria das células. FREUND, H. Handbuch derMikroskopie in der Parênquima estratificado, acompanhando a Technik. Frankfurt: Umsham Verlag, 1970. 375 p. estratificação de vasos e raios (Figura 3C, D). IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Raios: homogêneos, compostos inteiramen- Recursos Naturais Renováveis). Normas e pro- te de células procumbentes (Figura 3A, B) e com cedimentos em estudos de Anatomia da Madei- ra. Brasília, 1992. 17 p. (Ser. Técn. n. 15). freqüência de 5 - 7 - 11 raios/mm; são geral- MATTOS, J.R. Handroanthus, um novo gênero para mente trisseriados, com menor freqüência os "ipês" do Brasil. Loefgrenia, São Paulo, bisseriados e tetrasseriados, havendo poucos 5- n. 50, p. 1-4, 1970. seriados e raros unisseriados. Raios SANDWITH, N.Y.; HUNT, D.R. Bignoniáceas. In : estratificados (Figura 3C, D), de 70 - 210 11m REITZ, P.R. Flora Ilustrada Catarinense. Itajaí: de altura, raro fusionados, correspondendo à al- Herbário Barbosa Rodrigues, 1974. 172 p. tura de 2 estratos. Cristais de oxalato de cálcio SOBRAL, M.; JARENKOW, J.A.; BRACK, P.; semelhantes aos do parênquima axial, abundan- IRGANG, B.; LAROCCA, 1.; RODRIGUES, tes (Figura 3B). R.S. Flora arbórea e arborescente do Rio Gran- de do Sul, Brasil. São Carlos: RiMA: Novo Am- Fibras: libriformes, com pontoações simples biente, 2006. 350 p. ou inconspicuamente areoladas; medem 690 - TORTORELLI, L.A. Maderas y bosques argentinos. 800 - 900 11mde comprimento (s = 112,31) e Buenos Aires: ACME, 1956.910 p.

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