UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Artes

JULIANA CUNHA PASSOS

O PROCESSO DE CRIAÇÃO EM DANÇA E SUA RELAÇÃO COM ELEMENTOS DA ARTE VISUAL E MUSICAL: Uma Proposta de Utilização de Métodos de Improvisação de Rolf Gelewski

CAMPINAS-SP 2016

JULIANA CUNHA PASSOS

O PROCESSO DE CRIAÇÃO EM DANÇA E SUA RELAÇÃO COM ELEMENTOS DA ARTE VISUAL E MUSICAL: Uma Proposta de Utilização de Métodos de Improvisação de Rolf Gelewski

Orientadora: Profª Drª Elisabeth Bauch Zimmermann

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do Título de Doutora em Artes da Cena. Área de concentração: Teatro, Dança e Performance.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA JULIANA CUNHA PASSOS E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. ELISABETH BAUCH ZIMMERMANN

Assinatura da Orientadora

CAMPINAS-SP 2016

BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO

JULIANA CUNHA PASSOS

ORIENTADORA (A): PROFA. DRA. ELISABETH BAUCH ZIMMERMANN

MEMBROS:

1. PROFA. DRA. ELISABETH BAUCH ZIMMERMANN 2. PROF(A). DR(A). ANA MARIA RODRIGUEZ COSTAS 3. PROF(A). DR(A). ADILSON DO NASCIMENTO DE JESUS 4. PROF(A). DR(A). PAULO JOSÉ BAETA PEREIRA 5. PROF(A). DRA(A). ATÍLIO JOSÉ AVANCINI

Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena na área de concentração Teatro, Dança e Performance do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

DATA: 08.07.2016

Dedico este trabalho aos meus pais, familiares e amigos que sempre me apoiaram.

Aos artistas voluntários da pesquisa e à minha orientadora por todos os anos de apoio e atenção às minhas pesquisas.

À Casa Sri Aurobindo e a Rolf Gelewski (in memorian).

AGRADECIMENTOS

À minha família e amigos que sempre me apoiam e comemoram comigo as minhas conquistas, mesmo à distância. À minha orientadora Elisabeth Zimmermann pelos quase dez anos de orientação e apoio às minhas quatro pesquisas, na Graduação e na Pós- graduação, por ter me apresentado o universo de Rolf Gelewski e especialmente pela atenção e carinho para além da pesquisa.

Ao professor Paulo Baeta (UFMG) e à professora Rosa Koshiba pelos ensinamentos e atenção às minhas pesquisas. Aos professores que apoiaram minhas pesquisas: Jorge Schroder, Eusébio Lobo e Marília Vieira (UNICAMP), Arnaldo Alvarenga (UFMG), Carmem Paternostro (UFBA).

Às professoras Holly Cavrell, Júlia Ziviani e Cássia Navas, cujos ensinamentos eu tive o privilégio de receber na Graduação e que foram essenciais para a minha formação como pesquisadora. Agradecimento especial às professoras Daniela Gatti, Marisa Lambert e Silvia Geraldi pelos estágios PED realizados em 2011, 2013 e 2014 que foram bastante enriquecedores.

À Casa Sri Aurobindo e aos queridos Ricardo de Oliveira, Ana Elisa, Lenora Cunha e Fernando, pela carinhosa atenção e apoio recebidos em todas às minhas visitas a Belo Horizonte. Também pelo compartilhamento de informações, vivências, depoimentos concedidos e doação de materiais para as pesquisas.

Aos funcionários do Departamento de Artes Corporais e de Artes Cênicas e do Programa de Pós-graduação do Instituto de Artes da UNICAMP, pela ajuda e informações fornecidas. Aos funcionários do Instituto de Artes, Airton de Oliveira e Anderson da Silva, pelos suportes técnicos de som e iluminação e ao Rodolfo Teixeira pelo suporte aos projetos e pesquisas. Aos chefes do Departamento de Artes Corporais e de Artes Cênicas, professora Holly Cavrell e Marcelo Lazzaratto, pelos espaços e equipamentos disponibilizados para a pesquisa.

Ao Igor Capellato, Roberto Giglio e João Araújo pela ajuda e parceria com os vídeos da pesquisa. À Roberta Santana, Tânia Villarroel e Hugo Abacher, respectivamente, pela parceria na elaboração do cenário, acompanhamento de ensaios e apoio técnico de apresentações. Aos fotógrafos Rodrigo Faria, Francisco Silva e Maurício Ribeiro por cederem seus registros fotográficos das apresentações. E um agradecimento especial às colegas Adriana Barcellos, Maria Fernanda Miranda e Kamilla Mesquita.

À FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e ao FAEPEX (Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e Extensão da UNICAMP), pela bolsa e auxílios financeiros recebidos para a realização da pesquisa.

Aos artistas-pesquisadores voluntários que permaneceram até o fim, que abraçaram a pesquisa e a minha jornada dançante, apesar de todas as dificuldades: Eliana Mônaco, Érica Alves, Renata Volpato e Pâmela Raizia. Agradeço também aqueles que não puderam continuar conosco mas que também contribuíram com a pesquisa: Hugo Abacher, Telma Ribeiro, Beatriz Regina, Maria Fernanda Miranda, Luara Zago, Laís Rodriguez, Felipe Castro, Gláucia Soboll e Diego Alexandre de Souza.

Agradeço também aos colegas e professores que contribuíram com sugestões e críticas ao longo do processo: Aryamani, Adriana Barcellos, Maria Fernanda Miranda e André Sarturi. Agradecimentos especiais aos professores da banca: Paulo Baeta (EBA/UFMG), Adilson Nascimento (FE/Unicamp), Ana Terra (IA/Unicamp), Atílio Avancini (ECA/USP) e suplentes Ernesto Boccara (IA/Unicamp), Silvia Geraldi (IA/Unicamp) e Carmem Paternostro (ED/UFBA).

Por fim, meu enorme agradecimento ao grande mestre Rolf Gelewski, cujos ensinamentos chegaram até a mim, apesar da distância espaço-temporal, e que foram essenciais para minha formação e crescimento como artista. Sou extremamente grata por ter tido a oportunidade de conhecer e difundir seu trabalho, de enorme valor educacional e artístico.

“Na origem de nosso mundo – nós esquecemos isto – está uma divina alegria, e a cada coisa e ser é inerente a vibração desta alegria. E como deleite e movimento provêm, intimamente unidos, da mesma fonte, podemos dizer que a dança e alegria são uma só coisa, que a dança nasceu da alegria, e que é a alegria, oculta no mundo, nas coisas e no homem, que nos impele para dançar."

Rolf Gelewski

RESUMO

Esta pesquisa teórico-prática de Doutorado em Artes da Cena tem como tema principal a utilização de improvisações no processo de criação em dança, a partir de métodos elaborados por Rolf Gelewski e as possibilidades de relação entre a Dança e os elementos da linguagem visual e musical. Inicialmente, propôs um resgate histórico do trabalho artístico- pedagógico de Gelewski (1930-1988), dançarino, professor e pesquisador de dança que atuou no Brasil entre as décadas de 1960 e 1980. Em um segundo momento, desenvolveu propostas de improvisação com artistas voluntários utilizando elementos da linguagem visual e musical para estimular a criação em dança. Nesta etapa, foram utilizados dois métodos de improvisação, estruturada e livre, contidos na publicação Ver ouvir movimentar-se: dois métodos e reflexões referentes à improvisação na dança (1973) de Gelewski. Esta publicação aborda essencialmente um trabalho com improvisações em dança, a partir de obras musicais sugeridas. Inicialmente foi explorada a utilização de músicas como energia motora e estimuladora do movimento, como propõem os métodos de Gelewski. Posteriormente, o trabalho foi expandido, desenvolvendo improvisações a partir de obras das Artes Visuais (figurativas e abstratas), adaptando os métodos para esta linguagem artística. Por fim, na fase artístico-criativa, improvisações e laboratórios de criação foram realizados para elaboração do espetáculo de dança contemporânea “Doar-se dor”, fruto do processo criativo coletivo. Na fase anterior, as relações ocorreram em um único sentido: música ou imagem estimulando a criação de movimentos e de sentidos. Na fase final, foram criadas novas relações e inter-relações entre movimento, imagens (linguagem visual) e sons (linguagem musical), a partir de criações do próprio grupo. As relações romperam as barreiras e extravasaram em múltiplos sentidos e combinações possíveis: Som/Imagem/Movimento que gera imagem, que gera movimento, que gera som, que gera cena, que gera espetáculo... E onde foi mesmo que toda esta criação começou?

Palavras-chave: Dança; Improvisação; Processos criativos; Rolf Gelewski; Linguagens artísticas.

ABSTRACT

The main theme of this theoretical and practical research for PhD in Performing Arts is the use of improvisation in the creative dance process, based on two methods developed by Rolf Gelewski and the possibilities of relationship between dance and elements of visual language and musical. Initially, the project proposed a historical review of Gelewski´s artistic and pedagogical work. Gelewski (1930-1988) was a dancer, teacher and researcher of dance who lived and worked in Brazil between the 1960s and 1980s. In a second moment, the research developed improvisation proposals with volunteer artists using elements of visual and musical language to stimulate the creation of dance. At this stage, we used two methods of improvisation, structured and free, contained in the publication “To see, To hear, To move: two methods, and thoughts on improvisation in dance” (1973) of Gelewski. This publication addresses primarily a work with improvisation in dance, with suggested musical works. Initially music was explored as a driving energy in order to stimulate movement, as proposed the methods of Gelewski. Later, the work was expanded by developing improvisations from works of Visual Arts (figurative and abstract), adapting the methods for this artistic language. Finally, in the artistic-creative phase, improvisations and labs of creation were performed for the development of contemporary dance "Doar-se dor", the result of the collective creative process. In the first phase, relations occurred in only one direction: music or image stimulating the creation of movements and senses. In the final phase, there were created new relationships and interrelationships between pictures (visual language) and sounds (musical language), from the group's own creations. The relationship broke barriers and elaborated in multiple directions and possible combinations: Sound / Image / Movement which generate image, which generate movement, which generate sound, which generate a scene that generates spectacle ... And where does all this creation come from?

Key words: Dance; Improvisation; Creative processes; Rolf Gelewski; Artistic languages.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 01 Juliana Passos, por Rodrigo Faria (2015) 18 Figura 01 Polifonias, Paul Klee (1932) 29 Foto 02 Rolf Gelewski por Antony Worley (anos 1960) 45 Foto 03 Grupo de Dança da UFBA, fotógrafo não identificado (1971) 47 Foto 04 Rolf Gelewski, por Manuel Reis (1977) 50 Foto 05 grupo de artistas da pesquisa, por Juliana Passos (2015) 65 Foto 06 artistas executando proposta 1, por Juliana Passos (2014) 69 Foto 07 artistas executando proposta 1, por Juliana Passos (2014) 70 Foto 08 desenho livre com a música, por Juliana Passos (2014) 71 Foto 09 artistas executando proposta 2, por Juliana Passos (2014) 72 Foto 10 desenho livre com música, por Juliana Passos (2014) 73 Figura 02 estrutura musical para etapa 3 da proposta 3 73 Figura 03 estrutura musical para etapa 4 da proposta 3 74 Figura 04 estrutura musical para etapa 5 da proposta 3 74 Foto 11 artistas executando proposta 4, por Juliana Passos (2014) 74 Figura 05 estrutura musical para etapa 2 da proposta 4 75 Figura 06 estrutura musical para etapa 4 da proposta 4 76 Foto 12 artistas executando proposta 4, por Juliana Passos (2014) 76 Figura 07 estrutura musical para etapa 2 da proposta 5 77 Figura 08 estrutura musical para etapa 3 da proposta 5 77 Foto 13 desenhando a estrutura musical, por Juliana Passos (2014) 78 Foto 14 artistas executando a proposta 5, por Juliana Passos (2014) 79 Foto 15 desenhando a estrutura musical, por Juliana Passos (2014) 80 Foto 16 desenhos da estrutura musical, por Juliana Passos (2014) 80 Figura 09 estrutura musical para etapa 3 da proposta 6 81 Figura 10 estrutura musical para etapa 4 da proposta 6 81 Figura 11 estrutura musical para etapa 5 da proposta 6 82 Foto 17 artistas executando a proposta 06, por Juliana Passos (2014) 82 Figura 12 desenho livre 83 Figura 13 desenho livre 83 Figura 14 desenhos da estrutura musical 84

Figura 15 desenhos da estrutura musical 84 Figura 16 estrutura musical para etapa 3 da proposta 7, por Juliana Passos (2014) 85 Foto 18 desenhos livres com música, por Juliana Passos (2015) 85 Figura 17 estrutura musical para etapa 4 da proposta 8 86 Foto 19 desenhos da estrutura musical, por Juliana Passos (2015) 86 Figura 18 estrutura musical para etapa 5 da proposta 8 87 Figura 19 estrutura musical para etapa 7 da proposta 8 88 Foto 20 desenhando a estrutura musical, por Juliana Passos (2015) 89 Foto 21 artistas executando a proposta 09, por Juliana Passos (2015) 90 Figura 20 estrutura musical para etapa 7 da proposta 9 90 Foto 22 desenhos da estrutura musical, por Juliana Passos (2015) 91 Figura 21 estrutura musical para a etapa 4 da proposta 10 92 Figura 22 estrutura musical para etapa 5 da proposta 10 92 Figura 23 estrutura musical para etapa 6 da proposta 10 93 Figura 24 estrutura musical para etapa 7 da proposta 10 93 Figura 25 estrutura musical para etapa 7 da proposta 10 94 Foto 23 artistas executando a proposta 10, por Juliana Passos (2015) 94 Foto 24 desenhando a estrutura musical, por Juliana Passos (2015) 95 Foto 25 desenhos da estrutura da música, por Juliana Passos (2015) 96 Figura 26 estrutura musical para etapa 5 da proposta 11 96 Figura 27 estrutura musical para etapa 7 da proposta 11 97 Foto 26 artistas executando proposta 11, por Juliana Passos (2015) 98 Figura 28 obra de Paul Klee (1920) 99 Foto 27 desenhando impressões da imagem, por Juliana Passos (2015) 100 Foto 28 desenhos das impressões, por Juliana Passos (2015) 100 Foto 29 artistas executando proposta 12, por Juliana Passos (2015) 101 Foto 30 pinturas abstratas, por Juliana Passos (2015) 102 Foto 31 improvisação livre a partir dos desenhos, por Juliana Passos (2015) 103 Figura 29 desenhos das impressões, por Juliana Passos (2015) 104 Foto 32 desenhando a partir de pinturas abstratas, por Juliana Passos (2015) 105 Foto 33 artistas executando a proposta 14, por Juliana Passos (2015) 106 Figura 30 Quadrado negro (Kandinsy, 1923) 108 Foto 34 cena do espetáculo “Doar-se dor”, por Rodrigo Faria (2016) 110

Figura 31 obra de Paul Klee (1920) 114 Foto 35 estudo cênico I, por Adriana Barcellos (2013) 115 Foto 36 estudo cênico I, por Adriana Barcellos (2013) 116 Foto 37 Juliana Passos, por Francisco Silva (2015) 120 Foto 38 Juliana Passos, por Rodrigo Faria (2015) 120 Foto 39 estruturando cenas individuais, por Juliana Passos (2015) 121 Foto 40 discutindo impressões e desenhos, por Juliana Passos (2015) 122 Figura 32 desenho de Eliana, a partir da obra 1 de Klee 123 Figura 33 desenho de Renata, a partir da obra 1 de Klee 125 Figura 34 desenho de Pamela, a partir da obra 1 de Klee 127 Figura 35 desenho de Érica, a partir de imagem 1 de Klee 128 Figura 36 desenho de Diego, a partir de imagem 1 de Klee 130 Foto 41 laboratório de performances, por Stefanie Gaspar (2016) 132 Foto 42 performances, por Rodrigo Faria (2016) 133 Foto 43 o cortejo, por Maurício Ribeiro (2016) 134 Foto 44 a bolha, por Rodrigo Faria (2016) 135 Figura 37 Forgetful angel (Paul Klee, 1939) 136 Foto 45 acolher o público, por Rodrigo Faria (2016) 137 Foto 46 suavizando relações, por Rodrigo Faria (2016) 137 Figura 38 desenho de Diego (anjo 2 de Klee) 138 Figura 39 desenho de Érica (anjo 2 de Klee) 138 Figura 40 desenho de Eliana (anjo 2 de Klee) 138 Figura 41 desenho de Pâmela (anjo 2 de Klee) 138 Foto 47: cena 4 duo, por Rodrigo Faria (2016) 140 Foto 48: cena 4 trio, por Rodrigo Faria (2016) 140 Figura 42 estrutura da música 01 141 Figura 43 estrutura da música 02 141 Figura 44 estrutura da música 03 142 Figura 45 estrutura da música 04 142 Figura 46 estrutura da música 05 143 Foto 49 figurinos do espetáculo, por Juliana Passos (2016) 143 Foto 50 figurino, por Renata Volpato (2016) 144 Foto 51 figurinos, por Diego Alexandre (2016) 145

Figura 47 croqui do cenário, por Roberta Santana (2016) 146 Foto 52 maquete do cenário, por Roberta Santana (2016) 146 Figura 48 mapa de palco (cenário e objetos cênicos) 147 Figura 49 mapa de iluminação 148 Figura 50 cartaz 1, por Diego Alexandre de Souza (2016) 150 Figura 51 cartaz 2, por Diego Alexandre de Souza (2016) 150 Figura 52 programa do espetáculo, por Rodrigo Faria (2016) 151 Foto 53 cena do espetáculo, por Rodrigo Faria (2016) 153

LISTA DE TABELAS Tabela 01 Algumas obras de Gelewski publicadas pela Casa Sri Aurobindo 162 Tabela 02 Resumo da atuação artística de Gelewski (1960-1987) 164 Tabela 03 Encontros do grupo de pesquisa 167

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas ANDA – Associação Nacional de Pesquisa em Dança APSE – Associação Pernambucana de Servidores do Estado AUGM – Associação das Universidades do Grupo Montevideo CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico EAD – Escola de Artes Dramáticas da USP EMAC – Escola de Música e Artes Cênicas da UFBA EUA – Estados Unidos da América FAEPEX – Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FEIA – Festival do Instituto de Artes da Unicamp. GDC – Grupo de Dança Contemporânea da Escola de Dança da UFBA ICBA – Instituto Cultural Brasil Alemanha ICEIA – Instituto Central de Educação Isaías Alves, da Fundação Cultural do Estado da Bahia MASP – Museu de Artes de São Paulo Assis Chateaubriand PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SESC – Serviço Social do Comércio TUCA – Teatro da Universidade Católica de São Paulo UB – Universidade da Bahia UCLA – Universidade da Califórnia, Los Angeles (EUA) UFBA – Universidade Federal da Bahia UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFPR – Universidade Federal do Paraná UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas UNIDANÇA – Mostra do Departamento de Artes Corporais da UNICAMP USP – Universidade Estadual de São Paulo

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...... 18 1.1 Histórico e justificativa da Pesquisa ...... 19 1.2 A pesquisa de Doutorado …...... 25

2. SONS E IMAGENS NA CRIAÇÃO EM DANÇA ...... 29 2.1 A linguagem musical e a Dança ...... 30 2.2 A linguagem visual e a Dança ...... 35 2.3 Inter-relações entre linguagem visual e musical ...... 40

3. ROLF GELEWSKI ...... 45 3.1 Rolf Gelewski e seu trabalho artístico-pedagógico ...... 46 3.2 A influência da dança moderna e do expressionismo alemão ...... 50 3.3 A improvisação e os métodos didáticos de Gelewski ...... 56

4. IMPROVISAÇÕES ESTRUTURADAS E LIVRES ...... 65 4.1 A etapa didático-pedagógica ...... 66 4.2 Improvisações: Música e dança …...... 69 4.3 Improvisações: Artes visuais e dança …...... 98

5. PROCESSO CRIATIVO ...... 110 5.1 A etapa artístico-criativa ...... 111 5.2 O espetáculo “Doar-se dor”...... 132 5.3 Elementos Cênicos e material gráfico ...... 141 5.4 Sinopse e Ficha técnica ...... 152

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 154

7. BIBLIOGRAFIA ...... 157

8. ANEXOS ...... 161 8.1 Algumas obras de Gelewski publicadas pela Casa Sri Aurobindo ...... 162 8.2 Resumo da atuação artística de Gelewski (1960-1987) ...... 164 8.3 Encontros do grupo de pesquisa ...... 167 8.4 Depoimento dos artistas voluntários e parceiros ...... 168 8.5 Lista de Vídeos ...... 178

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Foto 01: Juliana Passos, por Rodrigo Faria (2015).

1 – INTRODUÇÃO

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1.1 Histórico e justificativa da pesquisa

Iniciei meus estudos em dança1 em 1993, na Escola de Dança Marian Guimarães, na cidade de Caçapava-SP, onde cursei aulas das técnicas de ballet clássico e jazz até o final do ano de 2003. Nesta escola, participei de muitos espetáculos e festivais de dança, fui estagiária e professora, ministrando aulas para crianças e adultos iniciantes e tendo as primeiras experiências como coreógrafa. Desde pequena sempre gostei muito de dançar e passava horas, sozinha, inventando coreografias para músicas infantis, tendo como referência os artistas que apareciam na televisão. Quando me perguntavam o que queria ser quando crescer, respondia sem nenhuma dúvida: dançarina, bailarina e professora. Nesta época nem tinha referências de dança, nunca nem sequer havia assistido uma apresentação de dança ou ido em um teatro e as aulas de dança em escolas especializadas eram caras para o padrão socioeconômico de minha família. Fui diagnosticada com pé chato (plano valgo) ainda bem pequena e usei as famosas botinhas ortopédicas. O ortopedista também recomendou exercícios para os pés e caminhadas na meia ponta todos os dias e que fizesse natação, luta ou dança. Assim, finalmente aos nove anos de idade meu pai me matriculou em aulas de dança pois era uma recomendação médica. Quando finalmente pude ter aulas de dança, me senti extasiada. Foram dez anos de dedicação à dança, muitas aulas, ensaios, apresentações. Teve épocas em que fazia aulas duas vezes por dia, todos os dias da semana! Ensaios, espetáculos, viagens para participações em festivais, uma rotina bastante agitada para uma adolescente de uma cidade do interior... Porém eu dançava o tempo todo algo que não havia sido criado por mim e muitas vezes sentia que era algo que não me pertencia. Eu sentia uma alegria e um prazer imenso em conseguir realizar os exercícios ou os passos da coreografia corretamente. Com o passar do tempo comecei a sentir um vazio, sentir que algo me faltava mas eu não sabia muito bem o que era... A liberdade alcançada com o aprendizado da técnica e dos passos aos poucos se tornou uma escravidão: existia uma maneira correta de dançar, não era permitido fazer movimentos “fora do padrão” ou movimentos que não fossem os passos codificados da

1 Neste capítulo e em todos os outros que o seguem, a palavra dança estará sempre se referindo à dança cênica ocidental, especificamente ao ballet clássico, à dança moderna ou à dança contemporânea.

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modalidade de dança (ballet ou jazz). Além disso, havia a competição acirrada em festivais de dança, e mesmo entre as colegas que dançavam juntas, o que me incomodava bastante. Eu não queria ser melhor do que ninguém queria apenas dançar!!!!! Nesta época, já sentia que o que me motivava a dançar era a música. As músicas suaves, mais melódicas, me tocavam com sensibilidade e as músicas mais rítmicas ou percussivas me impulsionavam ao movimento. Lembro que minha professora me chamava atenção para o tempo (pulso) da música, me corrigindo muitas vezes por estar “atrasada” ou “adiantada”. Porém eu era guiada muito mais pela emoção que a música me transmitia do que pelo pensamento racional das contagens. Em 2003, decidi prestar vestibular para o Curso de Dança, por ter interesse e vontade de estudar a dança, de não somente dançar, mas também refletir, pesquisar e compreender melhor o que fazia, como fazia e por que fazia. Ingressei no Curso de Dança do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2004, concluindo o Bacharelado no final de 2007 e a Licenciatura em 2009. Ao longo do curso pude obter uma formação mais ampla em dança, abordando seus aspectos criativos, expressivos, históricos, teóricos, educativos, fisiológicos e antropológicos, e também os aspectos técnicos, porém com uma maior conscientização do corpo e seus movimentos. No início foi um pouco difícil pois eu ainda estava bastante presa aos padrões anteriores de movimentação e a uma concepção de dança um pouco limitada. Em 2005, cursei uma disciplina eletiva da Graduação em Dança, ministrada pela professora Elisabeth Zimmermann, onde tive meu primeiro contato com o trabalho e os materiais didáticos de Rolf Gelewski, seu professor e mestre por dez anos em Salvador-BA. Gelewski (1930-1988) foi um dançarino, coreógrafo, professor e pesquisador de dança alemão que atuou no Brasil nas décadas de 1960 e 1980. Foi docente da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA) de 1960 a 1975, continuando posteriormente seu trabalho artístico-pedagógico através da Casa Sri Aurobindo2. Não sei dizer o que me motivou a pesquisar sobre Gelewski, mas acredito muito que não escolhemos o tema de uma pesquisa, ele é que nos escolhe, nos persegue. Lembro que na época fiquei encantada ao conhecer seus materiais didáticos pois nunca havia visto algo daquele tipo: eram apostilas e materiais bem escritos e detalhados com propostas de exercícios e reflexões teóricas sobre dança.

2 Instituição fundada por Rolf Gelewski em Salvador-BA, em 1971. Atualmente a sede da instituição está localizada em Belo Horizonte-MG. Para maiores informações acesse www.casasriaurobindo.com.br

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O que me chamou mais a atenção foi que não eram descrições de exercícios técnicos, o que é facilmente encontrado em livros sobre técnica de dança clássica por exemplo. Eram propostas de improvisação estruturada para despertar a consciência dos artistas e estudantes sobre o espaço, o tempo e as formas e consequentemente desenvolver suas capacidades criativas e expressivas. Eu queria vivenciar todas aquelas propostas no meu (e com o meu) corpo, como artista e pesquisadora de dança, mas também queria ter estes materiais, para complementar a minha formação e atuação como professora. Vale ressaltar que estas propostas didáticas, por não serem de exercícios técnicos de dança, podem ser facilmente vivenciadas por qualquer pessoa, artistas ou não, estudantes de arte ou não, em diversas faixas etárias e contextos. Haverá diferenças de aprofundamento das propostas e de objetivos a serem alcançados, por exemplo, o desenvolvimento destas propostas em um contexto de ensino formal ou não-formal, onde a importância maior está no vivenciar / experienciar a arte e não na aprendizagem da técnica de alguma linguagem artística específica, será diferente daquele realizado em um contexto de formação de artistas. Ambas as situações são possíveis e com certeza serão enriquecedoras para a formação do indivíduo, cabendo ao professor adequar as propostas ou criar outras. E é aqui que está outro mérito destes materiais: as propostas não são enrijecidas. O próprio autor ressalta nos textos introdutórios que cabe ao professor desenvolver outras possibilidades de acordo com sua necessidade. O mais importante é absorver os princípios contidos nestes materiais, e a partir deles é possível criar propostas próprias de improvisação e de educação através da arte! Além do encantamento, confesso que tive uma identificação com o trabalho e os métodos de Gelewski e com suas concepções relacionadas à arte, à dança, à educação e à vida. O contato com os materiais didáticos Estrutura Sonoras I (1973) e Estudo do espaço (196?) e a realização de propostas de improvisação estruturada e livre foi um “divisor de águas” para a minha atuação como docente e como artista. Ao descobrir que é possível participar de aulas de dança que não focam a definição prévia de movimentos ou de sequência de exercícios técnicos, e mesmo assim estar dançando, aprendendo dança e desenvolvendo capacidades criativas e expressivas, percebi que novas possibilidades podem surgir. Surgem novas possibilidades de dançar, de criar, de aprender e de ensinar a dança! E as relações entre música e dança, entre dança, tempo e espaço? Descobri que existem infinitas possibilidades para estabelecer estas relações e de ouvir uma música. Pode

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existir dança na ausência de som porque o movimento manipula o tempo e também pode produzir sons. Pode existir dança na ausência de movimento porque o corpo cria formas e preenche o espaço e o tempo. Através dos métodos de Gelewski pude sentir e perceber a música com meu corpo (físico e mental). A música dançada não seria apenas um metrônomo, uma marcação ou divisão objetiva do tempo ou um “pano de fundo” para a dança. Há qualidades expressivas nas músicas, há diferenças de timbres, de melodia, de ritmos. É possível perceber as nuances e sutilezas da energia musical para enriquecer os trabalhos de dança. A partir de minha trajetória na dança e de muitos colegas de profissão pude perceber que na formação do artista de dança se apresenta muitas vezes uma grande fenda: de um lado a formação técnica, que prepara o corpo do intérprete para atuar em uma determinada técnica/estética, e de outro lado, os processos de criação em dança. Quando o artista cria ou interpreta uma obra cuja estética esteja mais vinculada à técnica específica de sua formação, talvez não sinta tantas lacunas ou dificuldades. Por outro lado, quando há a exigência ou necessidade do artista ser criador de novas formas expressivas e não somente reorganizador de formas e modelos já existentes, como pensar a sua formação? O artista em formação faz inúmeras aulas de técnica de dança e depois lhes é solicitada a criação de alguma obra com originalidade. Talvez eu tenha esta sensação de fenda ou de falha na minha formação artística devido a minha própria trajetória na dança. Realizei um grande salto da formação técnica de ballet clássico para uma formação em dança contemporânea que tende a ser mais heterogênea, interdisciplinar ou multidisciplinar. Muitos professores de dança contemporânea possuem formação em ballet clássico e dança moderna, e às vezes também em alguma técnica de educação somática ou outras práticas corporais. Na época em que cursei a Graduação em Dança, sentia a necessidade de uma formação mais estruturada em disciplinas específicas para trabalhar os elementos do movimento (corpo, espaço, tempo, peso) de uma forma mais consciente e desenvolver minhas habilidades criativas e expressivas, tendo em vista que em minha formação anterior estas habilidades foram pouco desenvolvidas. Participar de propostas de improvisação estruturada dos materiais didáticos de Gelewski que abordavam estes temas, de certa maneira preencheu esta “fenda” na minha formação artística. Como deve ser então o processo de formação de um artista criador em danças? E por outro lado, como proporcionar vivências em dança para adultos e crianças em ambientes

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que não sejam de formação de artistas e que estejam mais ligados à formação do indivíduo de uma forma mais ampla e integral, como por exemplo, em contextos de educação formal e não formal? A resposta para ambas às questões não poderá ser encontrada em exercícios de técnica de dança, mas acredito que poderá ser encontrada em propostas de improvisação estruturada e livre, como estas contidas nos materiais didáticos de Gelewski. Elas podem ser entendidas como uma possibilidade de ligação desta “fenda” existente na formação de artistas da dança, entre a formação técnica e criativo-expressiva. E também proporcionar espaços de vivência do movimento, da consciência, da percepção e da expressão do indivíduo. Há inúmeras outras propostas didáticas que foram e continuam sendo criadas por artistas e professores de dança no mundo todo. Como podemos acessá-las quando não há a possibilidade de frequentar suas aulas? Estas propostas foram de alguma forma organizadas em linguagem verbal escrita? Algumas das propostas didáticas de Gelewski foram publicadas e isso é muito valioso. Por isso é importante o resgate e divulgação destes materiais, para que este trabalho não se perca ou fique restrito àqueles que puderam ter contato com ele diretamente. O encantamento e identificação que tive com seu trabalho veio acompanhado de inquietações: por que nunca havia ouvido falar de Rolf Gelewski e de seu trabalho artístico- pedagógico desenvolvido no Brasil, mesmo frequentando contextos de formação de artistas de dança por doze anos? Por que ele não aparece nos livros e textos sobre história da dança no Brasil? Se ele foi o responsável pela estruturação do primeiro Curso Superior de Dança do país, por que não tem sua importância reconhecida nos meios de ensino e pesquisa em dança? Com estas inquietações e disposta a reverter um pouco esta situação, escrevi meu primeiro projeto de iniciação científica, “Rolf Gelewski: reflexões e material didático- pedagógico como base para uma composição coreográfica”, com orientação da professora Elisabeth Zimmermann. Com este projeto obtive financiamento do PIBIC/CNPQ3, de agosto de 2006 a julho de 2007. Ao realizar a pesquisa, fiz uma viagem à Salvador-BA (com auxílio-pesquisa de 2006 do FAEPEX4, da UNICAMP), para visitar a Escola de Dança da UFBA, recolher dados, documentos e depoimentos de alguns de seus ex-alunos. Em 2007, desenvolvi um segundo projeto de iniciação científica, com o título

3 PIBIC/CNPQ - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 4 FAEPEX - Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão da Pró-Reitoria de Pesquisa da UNICAMP.

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“Rolf Gelewski: da improvisação estruturada à dança criativa e espontânea, um método para composição coreográfica”, sob orientação da professora Elisabeth Zimmermann e financiamento do PIBIC/CNPQ (vigência de agosto de 2007 a julho de 2008). Neste período, realizei outra viagem à Salvador para visitar novamente a Escola de Dança da UFBA e uma viagem à Belo Horizonte-MG, para visitar a sede da Casa Sri Aurobindo, recolher dados e entrevistar outros ex-alunos de Gelewski. Em Belo Horizonte, participei de aulas com professores da Casa Sri Aurobindo que abordaram materiais didáticos de Gelewski. Ambas as viagens foram realizadas com auxílio-pesquisa FAEPEX de 2007. As duas pesquisas de iniciação científica tiveram como objetivo principal o resgate dos materiais e do trabalho didático-pedagógico e artístico-criativo de Rolf Gelewski para processos criativos em dança. Na primeira pesquisa, a composição coreográfica “Corpo- espaço-tempo” foi elaborada a partir dos exercícios de estudo do espaço e da relação entre música e dança, que serviram de estímulos para a criação, através do método de improvisação estruturada. Na segunda pesquisa, foram abordadas as relações entre improvisação e criação para a elaboração da composição “Formas e caminhos de uma busca”, baseada nos métodos de composição utilizados nas três fases distintas da atuação artística de Gelewski: improvisação estruturada, dança criativa e dança espontânea. Em 2010, dando continuidade à pesquisa sobre Rolf Gelewski e sobre as relações entre improvisação e processos de criação, iniciei o mestrado em Artes na UNICAMP, por considerar que o resgate dos materiais didáticos de Gelewski é de extrema importância pois apresentam um alto grau de aprofundamento e de detalhamento de questões essenciais para o ensino e criação em dança. Assim entre os anos de 2010 e 2012, desenvolvi a pesquisa “Rolf Gelewski e as inter-relações entre forma, espaço e tempo: uma proposta pedagógica de improvisação para processos criativos em dança” com orientação da professora Elisabeth Zimmermann e financiamento da FAPESP: Em 2015, a convite do Editor-chefe da Editora Prismas (Curitiba- PR), a dissertação foi publicada com o título “Rolf Gelewski e a improvisação na criação em dança: Formas, Espaço e Tempo5”. Esta pesquisa abordou as inter-relações entre forma, espaço e tempo no movimento da dança, a partir do estudo teórico-prático de propostas didáticas de Gelewski,

5 PASSOS, Juliana Cunha. Rolf Gelewski e a improvisação na criação em dança: Formas, Espaço e Tempo. Curitiba-PR: Editora Prismas, 2015.

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objetivando a elaboração de um experimento cênico coletivo. Inicialmente realizei um aprofundamento teórico sobre as inter-relações entre forma, espaço e tempo na dança, através de leituras de obras de referência. Em seguida, desenvolvi com alunos voluntários propostas de improvisação estruturada de exploração destas relações, baseadas nos materiais didáticos de Rolf Gelewski “Estudo do espaço” (196?), “Estruturas sonoras I” (1973) e “Estudo básico de formas” (1971). Por fim, realizei laboratórios de improvisação e de criação para montagem do experimento cênico “Viraser”, fruto do trabalho coletivo dos artistas voluntários da pesquisa. Durante o mestrado realizei três viagens à Belo Horizonte-MG, para visitar a sede da Casa Sri Aurobindo, participar dos Encontros Casa (janeiro de 2011 e 2012) e da 3ª vivência do trabalho didático/ criativo de Rolf Gelewski, recolher dados e entrevistar outros ex-alunos de Gelewski. Pude participar também de atividades práticas e vivências enfocando o trabalho de Gelewski. As viagens foram realizadas com auxílio-pesquisa FAEPEX de 2011. Em 2012 elaborei uma Proposta de Pesquisa de Doutorado que foi aprovada no Processo Seletivo do Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da UNICAMP. A pesquisa “O processo de criação em dança e sua relação com elementos da Arte Visual e Musical: uma proposta de utilização de método de improvisação de Rolf Gelewski” foi desenvolvida com financiamento da FAPESP e orientação da professora Elisabeth Zimmermann, entre agosto de 2012 a junho de 2016.

1.2 A pesquisa de Doutorado

Esta pesquisa teórico-prática de Doutorado em Artes da Cena teve como objeto de investigação a utilização de improvisações no processo de criação em dança, a partir de dois métodos elaborados por Rolf Gelewski e as possibilidades de relação entre a Dança e os elementos da linguagem visual e musical. A pesquisa teve como objetivos principais realizar um resgate histórico do trabalho artístico-pedagógico de Gelewski, pouco difundido nos meios artísticos e de ensino de dança no Brasil; retomar e aprofundar sua pesquisa relacionada à utilização de improvisações em processo de criação em dança; trabalhar a improvisação como recurso pedagógico, estimulando e desenvolvendo capacidades criativas, reflexivas e expressivas dos artistas.

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Também propôs o desenvolvimento e a discussão de questões pertinentes às inter- relações entre as linguagens da Dança, da Música e das Artes Visuais, proporcionando aos integrantes da pesquisa reflexões teóricas e vivências práticas do material didático de Gelewski e uma experiência de processo criativo coletivo em dança, a partir de improvisações estruturadas e livres. Inicialmente, foi realizado um resgate histórico do trabalho artístico-pedagógico de Gelewski e uma reflexão teórica sobre os temas abordados. Em um segundo momento, foram desenvolvidas propostas de improvisação com artistas voluntários, utilizando elementos da linguagem visual e musical para estimular a criação em dança. Nesta etapa, foram utilizados dois métodos de improvisação, estruturada e livre, contidos na publicação Ver ouvir movimentar-se: dois métodos e reflexões referentes à improvisação na dança (1973) de Gelewski. Esta publicação aborda essencialmente um trabalho com improvisações em dança, a partir de obras musicais sugeridas, como por exemplo, peças de Béla Bartók (1881-1945), Ravel (1875-1937), Schoenberg (1874-1951), Brahms (1833-1897), Chopin (1810-1849) e Schumann (1810-1856). Nas propostas de improvisação foram utilizadas músicas como energia motora e estimuladora do movimento, como propõem os métodos da referida publicação. Posteriormente, obras de artes visuais também foram utilizadas em novas propostas inspiradas nos mesmos métodos. Foram utilizadas obras de pintores modernos, como por exemplo, obras abstratas e/ou figurativas de Kandinsky (1866-1944) e Paul Klee (1879-1940), além de produções visuais do grupo de artistas voluntários. Assim, a elaboração dos laboratórios de improvisação estruturada e livre aconteceu a partir de dois temas: possibilidades de relação entre Música e Dança (os elementos da linguagem musical estimulando a criação de movimentos) e entre Artes Visuais e Dança (os elementos da linguagem visual estimulando a criação de movimentos). Por fim, a pesquisa desenvolveu um trabalho artístico-criativo, a partir de laboratórios de improvisação e de criação para elaboração do espetáculo de dança contemporânea “Doar-se dor”, fruto do processo criativo coletivo. Na fase anterior, as relações ocorreram em um único sentido: música ou imagem estimulando a criação de movimentos e de sentidos. Nesta fase, foram criadas novas relações e inter-relações entre movimento, imagens (linguagem visual) e sons (linguagem musical), a partir de criações do próprio grupo. Com as possibilidades de inter-relações entre linguagem visual e musical e de

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cada uma destas linguagens com a dança, a proposta da pesquisa foi estabelecer relações entre imagens, sons e movimentos na criação em dança. Imagens e sons estimulando a criação em dança, percepções e impressões auditivas e visuais representadas em desenhos e se transformando em dança, movimento gerando imagens e sons, entre outras possibilidades. A metodologia esteve relacionada às três etapas da pesquisa: teórico-histórica, didático-pedagógica e artístico-criativa. Assim, na primeira parte, realizada durante os dois primeiros semestres (agosto de 2012 a dezembro de 2013), a metodologia incluiu pesquisa bibliográfica dos conceitos abordados (improvisação, processo criativo, linguagem musical e visual), além de leitura de textos e métodos didáticos elaborados por ele. Na segunda parte (didático-pedagógica), iniciada em 2014, a metodologia incluiu a elaboração de exercícios de improvisação (estruturada e livre) em dança e a pesquisa e seleção de obras musicais e imagens para serem utilizadas nos laboratórios de improvisação com os artistas voluntários. A seleção de músicas foi realizada a partir de dois critérios: obras com uma estrutura formal básica de fácil compreensão e obras que contivessem alguma característica específica (de natureza melódica, rítmica, formal, intensidade ou expressão). Nos meses que se seguiram, foram realizados encontros semanais com os artistas voluntários para discussão da pesquisa, reflexões sobre os conceitos abordados e realização de propostas didáticas de Gelewski em laboratórios de improvisação estruturada e livre. Na última etapa da pesquisa (artístico-criativa), foram realizados laboratórios de improvisação e criação para explorar as inter-relações entre as linguagens corporal, musical e visual, a partir da elaboração de desenhos livres e composições visuais estimuladas por elementos da linguagem musical e corporal e da realização de improvisações livres e estruturadas estimuladas por elementos da linguagem musical e visual. Foi realizada também a discussão da temática e da estrutura do espetáculo, a partir de ideias e/ou cenas surgidas com as improvisações e a organização das impressões, sensações, relatos, imagens e relações em cenas do espetáculo; desenvolvimento da concepção e a elaboração dos elementos cênicos (figurinos, cenário, objetos cênicos, trilha sonora, iluminação); realização de ensaios, produção, divulgação e apresentações. Nos próximos capítulos desta tese de doutorado serão apresentadas e discutidas cada uma das fases do desenvolvimento da pesquisa. No segundo capítulo são apresentadas reflexões sobre as possibilidades de relação entre música e dança, enfatizando a influência das músicas nos processos criativos em dança e na construção de sentidos pelo público. As imagens também estimulam a criação em dança, assim, o texto esclarece como acontece a

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percepção visual e quais os elementos que influenciam na construção de sentidos. Por fim, apresenta uma breve discussão sobre as possibilidades de inter-relação entre as linguagens visuais e musicais. O capítulo três apresenta um resumo do trabalho artístico-pedagógico de Rolf Gelewski e as influências da dança moderna e do expressionismo alemão. Reflete também sobre a utilização da improvisação em processos criativos e o seu caráter pedagógico. Por fim, apresenta os métodos didáticos de Gelewski “Ver ouvir movimentar-se” (1973) e “Estruturas Sonoras 1” (1973), cujos princípios foram usados como referência para as propostas de improvisação e criação realizadas pelo grupo de artistas voluntários da pesquisa. O quarto capítulo apresenta descrições e reflexões sobre os laboratórios de improvisação estruturada e livre realizados com os artistas voluntários da pesquisa. Inicialmente apresenta as propostas que abordam a relação entre música e dança e também os laboratórios de improvisação abordando a relação entre dança e artes visuais, utilizando imagens (figurativa e abstrata) como estímulo para a criação em dança. O último capítulo apresenta os laboratórios de criação realizados pelo grupo de artistas voluntários e o desenvolvimento do processo de criação do espetáculo “Doar-se dor”. Apresenta também uma discussão sobre a temática do espetáculo, a estruturação das cenas, os elementos cênicos, material gráfico para divulgação do espetáculo e fotos de ensaios e apresentações. Em anexo há tabelas com as publicações de Gelewski e resumo de sua atuação artística (anos de 1960 a 1980), uma tabela com as datas dos encontros e participantes do grupo de pesquisa, depoimentos e currículo dos artistas voluntários e a listagem dos vídeos.

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Figura 01: Polifonias, Paul Klee (1932).

2 – SONS E IMAGENS NA CRIAÇÃO EM DANÇA

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2.1 - A Linguagem musical e a Dança

A música é tão inerente à dança que ao vermos, em silêncio, a movimentação de um dançarino, interiormente temos a capacidade de “ouvir” sua música. Isto acontece porque os movimentos da dança “são musicais por excelência, ou seja, eles acentuam um ritmo, sugerem o desenho de uma melodia, evocam o timbre de certos instrumentos e a sua dinâmica expressa a intensidade dos sons”. (ROBATTO, 1994, p.291) O processo de criação em dança pode iniciar-se de diversas maneiras, não há uma regra a ser seguida ou etapas a serem cumpridas. Alguns artistas iniciam seus processos criativos a partir de uma música escolhida, às vezes de forma aleatória, em outras vezes escolhida por apresentar alguma característica específica (estrutura, elementos rítmicos ou melódicos, elementos expressivos). Segundo Robatto (1994, p.292), o coreógrafo pode escolher, em um acervo musical disponível, as peças que integrarão o roteiro musical de seu trabalho e, a partir delas, iniciar a criação coreográfica. Ou então pode inspirar-se num contexto temático para criar uma estrutura coreográfica e a partir dela, procurar um repertório de peças musicais adequadas e que expressem suas ideias. Ou ainda, pode encomendar uma peça musical a ser especialmente composta para seu trabalho, sendo desenvolvida simultaneamente à dança. Existem outras formas, menos convencionais, como criar uma composição coreográfica utilizando uma determinada música e depois, na execução da obra, substitui-la por outra, mantendo os movimentos originais, recriando as inter-relações entre som e movimento. Há ainda a possibilidade da obra musical e coreográfica serem independentes, ou seja, a composição musical não determinando ou influenciando a estrutura da coreografia e vice-versa. É estabelecido somente um relacionamento de confronto expressivo, definido pelos elementos sonoros e gestuais. São inúmeras as possibilidades de tratamento coreográfico da música sendo interessante analisar o trabalho de integração entre as duas linguagens, onde o gesto tanto pode enfatizar um elemento sonoro como criar um contraste pela oposição. Por exemplo, num trecho em que a música é de grande agitação, os dançarinos podem negar esta dinâmica, movimentando-se muito lentamente ou até mesmo imobilizando-se.

O que eu não aceito é a leviandade de alguns coreógrafos que utilizam uma composição musical apenas para marcar a pulsação dos passos – como um metrônomo – ignorando a ideia expressiva e estrutural da peça.... Ou ainda, a leviandade do coreógrafo ao usar

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uma música como mero adereço – música de fundo ou ambiente – onde a dança capta apenas o clima geral da música, sem criar nenhuma integração com ela, nem mesmo um conflito, oposição ou superação e interdependência consciente e proposital. (ROBATTO, 1994, p.293) Robatto (1994, p.301) afirma também que nos processos criativos, o coreógrafo pode adotar as seguintes relações entre dança e música: a dependência da dança à música, quando a coreografia é criada a partir de uma peça já existente no acervo musical, observando a sua estrutura de composição e expressão; ou a interdependência das duas linguagens, quando a dança funciona complementada por determinadas peças musicais especialmente compostas ou adaptadas para aquela coreografia. Há ainda as possibilidades de um estímulo mútuo, quando as criações musicais são improvisadas diante do público, a partir da música, ou vice-versa; ou da independência das duas linguagens, quando acontecem simultaneamente e qualquer coincidência entre elas sendo meramente acidental. Na dança, a relação do dançarino com a música tem muitos aspectos, porém Gelewski (1990, p.14) salienta que esta relação deve ter a consciência como condição primordial. Acho que o dançarino que é apenas um boneco nas mãos de um coreógrafo, executando seus papéis sem participação inteligente e sem um conhecimento real da vida, do significado e da dimensão dela, é algo que pertence ao passado. Hoje, no momento em que o mundo está, só é concebível o dançarino que com todo seu ser, natureza e consciência, se esforça e se doa a fim de realizar um trabalho integral e integrado. (GELEWSKI, 1990, p.14) A relação consciente de movimento e música tem muitas possibilidades. Abrange desde o cumprimento exato, fiel e minucioso dos detalhes musicais através da dança até a inteira liberdade desta diante da música. Não se trata então de ignorar estruturas e expressões musicais, mas de responder a esta com inteira liberdade e espontaneidade. É neste último caso que se inclui também a resposta do silêncio: tanto a música tocando e o dançarino silenciando, se imobilizando, quanto a dança se realizando antes da música, depois dela ou durante suas pausas – preparando, continuando ou completando assim a vida sonora. Segundo Gelewski (1990, p.14), “entre estes dois extremos existe toda uma gama de gradações”. Como a própria música é energia e como nosso corpo é totalmente regido pela energia, só existindo a partir dela, então a ligação, o entremear-se, a fusão de corpo e som, movimento e melodia, ritmo, espaço e harmonia, é um dos êxtases, um dos mais altos e mais felizes momentos da dança.

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Assim percebemos que a música pode influenciar os processos criativos em dança, tanto aqueles baseados em improvisações (utilizadas como recurso para a elaboração da composição ou como fim em si mesmo, quando a improvisação é levada para a cena) quanto àqueles processos baseados em elaborações e seleções conscientes de movimentos corporais estruturados (coreografias). A música pode ser um estímulo para o uso de ritmos, pulsação, fluência ou intensidade dos movimentos e também para a elaboração de conteúdos expressivos do dançarino. A própria relação entre movimento e som pode vir a ser o tema de uma composição ou improvisação, onde o dançarino pode deixar-se influenciar pela música (a reação aos fatores externos comandando a criação), pode negar ou não considerar a existência do estímulo sonoro (os impulsos interiores comandando a criação) ou pode conscientemente escolher momentos para reagir aos fatores externos ou agir por impulsos internos. A mesma música pode ser percebida e sentida de maneiras distintas entre aqueles que dançam e também entre os dançarinos e seu público. As relações podem acontecer de diversas formas, com diversos “pontos de vista”, por exemplo, diferentes agrupamentos de pulsação, escolha de diferentes relações a partir do pulso, melodia, timbres, harmonia ou estrutura musical. A música pode ser a mesma para todos que a ouvem mas é possível construir percepções e relações individuais, subjetivas. Vale a pena ressaltar também a influência da música na elaboração dos sentidos e significados por parte do público que assiste a dança, ou seja, a importância e influência da música no caráter expressivo da dança. Esta influência ocorre independente da vontade do coreógrafo, ou do dançarino, muitas vezes inclusive leva a criação de outros sentidos, diferentes do objetivo inicial do artista ao elaborar sua obra. Outros fatores, além da música e dos movimentos, influenciam também a construção de sentidos: cenário, figurino, iluminação, tipo de espaço físico escolhido para apresentação, imagens ou textos projetados na cena, sons, falas ou ruídos produzidos pelos dançarinos, pelo próprio movimento dos corpos ou emitidos na cena, além de textos (escritos ou falados) sobre a obra (release do programa do espetáculo, críticas da imprensa, relatos pessoais). Assim é possível verificar que uma mesma cena ou sequência de movimentos realizada sem música ou com uma determinada música (ou com músicas diversas) pode suscitar sentidos e significados distintos para o público. Da mesma forma que uma cena realizada num palco italiano, no meio da rua ou num teatro de arena (diferentes espaços) pode

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gerar diferentes significados. Tudo que está na cena e acontece na cena fornece elementos para a significação da obra. Segundo Schroeder (2000, p. 37) a música exerce, involuntariamente, determinadas funções na dança, denominadas bloqueadora, atrativa e dimensionadora. A primeira função se refere ao fato da música bloquear os sons ambientes que possam eventualmente atrapalhar a fruição da obra de dança, auxiliando a envolver o público na cena. A segunda função, derivada da anterior, se refere ao fato do som atrair a atenção do público e poder demarcar o início e o fim dos acontecimentos da cena. A música também contribui para uma delimitação melhor do espaço cênico da dança através de dois recursos, um mais direto, por meio da qualidade de ressonâncias, ecos e reverberações e um indireto, por sugestões e clima que oferece ao espectador. Ambos propiciam a sensação de dimensão espacial. Por meio da manipulação do som é possível sugerir vários ambientes diferentes para o ouvinte, como ar livre, sala grande ou pequena, caverna, garagem, etc. Além disso, a música altera de forma mais subjetiva a sensação do ambiente circundante, conforme o timbre dos instrumentos, tipo de articulação ou de textura utilizado. A música exerce também influência sobre o estado emocional das pessoas, mesmo que este estado possa variar de pessoa para pessoa ou de um contexto para outro. Por exemplo, posso me sentir bem e tranquila ouvindo uma determinada música, porém se estiver lendo um livro talvez este som possa me deixar incomodada e irritada. É sempre possível encontrar, nas mais variadas épocas e estilos, exemplos de músicas que parecem ter a intenção de levar o ouvinte a um estado de espírito específico ou induzi-lo a certas reações emotivas. As estratégias para se conseguir isso são inúmeras. Vão desde a imitação, minuciosamente trabalhada na escolha dos instrumentos e na forma de construção dos trechos, de sons conhecidos do nosso dia- a-dia, encaixados nas músicas de modo identificável – como rugido de animais, canto de pássaros, trovão, ranger de porta etc. – até a sugestão de atmosferas que remetem a certos locais ou situações específicos – como matas e florestas, ambientes sombrios ou assustadores, locais isolados ou movimentados, ambientes leves e aconchegantes etc. Por meio desses tecidos sonoros é possível a indução (parcial, é verdade, mas, por vezes, bastante convincente) de estados de ânimo – euforia, desânimo, pesar, nervosismo, etc. – por meio da escolha cuidadosa de timbres, de articulações e do engenhoso uso de convenções sonoras. (SCHROEDER, 2000, p.28) De acordo com Roseman (2008, p.27), a música é simultaneamente um artefato da física do som, da biofisiologia da sensação e percepção e dos significados sociais, culturais,

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históricos e individuais (do artista e do público). Assim deve ser entendida como um “fenômeno físico espaço-temporal e de experiência sensorial e cultural”. Roseman (2008, p. 28) propõe quatro eixos de investigação relacionados às influências da música no público: as estruturas musicais do som, os significados socioculturais, as manipulações performativas e as transformações psicofisiológicas. Alguns elementos físicos do som como altura (ou tom), intensidade, duração e timbre, ou elementos organizacionais como melodia, harmonia, ritmo, andamento ou compasso podem se relacionar a determinadas emoções ou comportamentos (padrões socialmente aprendidos ou cognitivamente inerentes). Por exemplo, um som que perdura por um longo período de forma contínua pode alongar e transformar nossos sentidos pessoais, sociais e biológicos do tempo. Um compasso binário (com o primeiro tempo forte e o segundo, fraco) pode ser associado ao ato de caminhar ou marchar ou às batidas do coração, onde a sensação física do som passa a ter um significado cultural. A música de Billie Holiday ou o som da guitarra de Jimi Hendrix podem ser associados à melancolia ou a um lamento. Uma valsa de Strauss ou um concerto de violino de Vivaldi podem trazer imagens alegres e sensações de suavidade. “Mecanismos da música para transmitir significado e poder emocional pode ser referencial, não-referencial, ou uma estratificação polissêmica de ambos os tipos de construção de significado.” (Roseman, 2008, p.29) Quando os artistas optam por utilizar músicas em seus espetáculos de dança devem primeiramente se tornar público daquela obra. Saber ouvi-la, percebê-la com um “ouvido cego”, receptivo, sem interpretações, sem pré-definições, sem pré-conceitos. Apenas se banhar na massa de ondas sonoras, vibrações, não somente com o ouvido mas com o corpo todo. Som é movimento, é vibração. Em uma fase posterior, se desejarem, podem perceber suas características estruturais, expressivas e refletir sobre as emoções, imagens, pensamentos, lembranças ou significados que elas lhes suscitam. Pode-se também perceber que determinados elementos musicais se associam a determinados significados, dependendo do contexto sócio-histórico- cultural do público, além das próprias experiências individuais. A obra, no momento que ocorre a relação com o público, é sempre maior do que o artista e sua intenção. Não é possível controlar nem determinar o que o público irá pensar, sentir ou interpretar. O sentido de uma obra de arte é resultado da união do artista (sua

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história, pesquisa, pensamentos, intenção, expressão, emoção) com o público (sua história, emoções e sentimentos, percepções, sensações, interpretações). O artista tem uma intenção, ideia, emoção ou intuição sobre alguma coisa, sobre um tema e com isto inicia a criação de sua obra, trabalhando com os elementos e materialidades específicas da linguagem artística escolhida. Porém isto não significa que o público vai perceber, sentir ou interpretar exatamente o que o artista desejou ou planejou. É evidente que não podemos deixar toda a responsabilidade da significação da obra nas “mãos” do público, já que neste caso não haveria necessidade de existir artistas. A maneira como o artista escolhe e organiza as imagens (visuais, sonoras, cinéticas) interfere no sentido que o público vai dar à obra. São as escolhas do artista (conscientes ou não) que definem o que a obra será. Assim é extremamente importante que o artista entenda e conheça as possibilidades de utilização da música em suas obras para que isso aconteça de forma a favorecer a sua intenção poética, mesmo que esta surja a partir de relações de oposição. É preciso que as escolhas de relação, oposição, influência ou de reforço ocorram de forma consciente e não somente pela intuição ou emoção.

2.2 - A Linguagem Visual e a Dança

O processo de criação em dança nem sempre utiliza a música como fator estimulante para a criação dos movimentos. Em muitos casos, é o próprio movimento (ou os movimentos encadeados) ou a vontade de se movimentar que estimula a criação. O estímulo inicial pode surgir também a partir de percepções (visuais, olfativas, tácteis), emoções ou sentimentos, lembranças, sonhos, imaginação, ideias, experiências vividas, fatos cotidianos, conceitos, pensamentos. E em alguns casos, outras obras estimulam a criação em dança, como romances, poemas, canções, peças de teatro, fotografias, filmes, pinturas, esculturas. Em quase todos estes exemplos surge um elemento importante para a criação em dança: a imagem que tanto pode ser real (uma fotografia ou uma pintura, por exemplo) ou mental (um sonho ou uma fantasia). Imagens estão sempre estimulando processos de criação em dança, tanto como estímulos iniciais ou quanto estímulos que alimentam todo o processo. Afinal a dança em si é também imagem, sendo formas que se movimentam (ou se silenciam) no espaço e no tempo.

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O artista da dança interage o tempo todo com imagens durante o processo de criação de uma obra, desempenhando um papel de público ou fruidor destas imagens. Ele percebe e interpreta estas imagens, atribuindo-lhes significados e sentidos que influenciarão consciente ou inconscientemente os elementos (visuais, sonoros ou cinestésicos) da obra coreográfica. De acordo com Santaella (2012, p. 1), setenta e cinco por cento da percepção humana é visual. A orientação do ser humano no espaço, responsável pelo seu poder de defesa e sobrevivência no ambiente em que vive, depende da visão. Os outros vinte por centos são relativos à percepção sonora e os cinco restantes se referem aos outros sentidos (tato, olfato e paladar). Os órgãos do sentido são uma ponte entre o mundo exterior (objetivo) e o mundo interior (subjetivo). A mente elabora a compreensão e o significado do que percebemos da realidade mas existe um descompasso, não há uma correspondência exata entre o resultado perceptivo e aquilo que o provoca. A linguagem é a forma de síntese de que dispomos para a ligação entre o exterior e o interior. Assim, os signos podem ser entendidos como processos de mediação. [...] se há uma contribuição da mente, que acrescenta algo, no processo perceptivo, que não está presente no próprio fenômeno percebido, de onde provêm os dados para essa contribuição da mente e por que ela concorda tão bem com meio exterior no qual nos movemos e atuamos? Se há algo de subjetivo, puramente mental, na percepção, por que são tão escassas as ocasiões em que somos guiados por percepções ilusórias? (SANTAELLA, 2012, p. 7) Santaella (2012, p.75) esclarece que a percepção estabelece a ligação entre o mundo da linguagem (a consciência, o cérebro, a mente) com a realidade externa. A percepção envolve também elementos não cognitivos, além de elementos inconscientes. “Só alcançamos controle sobre a percepção no momento em que o percepto – aquilo que se apresenta à percepção – é interpretado.” Perceber é se dar conta de algo externo a nós, o percepto. Assim, o que caracteriza a percepção é o senso de externalidade de que o percepto vem acompanhado. Vale ressaltar também que nada podemos dizer sobre aquilo que aparece (o percepto) se não for através da mediação de um juízo perceptivo (julgamento de percepção ou interpretação). Dondis (1997, p. 51) afirma que grande parte do que sabemos sobre a interação e o efeito da percepção humana sobre o significado visual provém das pesquisas e dos experimentos da psicologia da Gestalt, cuja base teórica é “a crença em que uma abordagem

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da compreensão e da análise de todos os sistemas exige que se reconheça que o sistema (ou objeto, acontecimento, etc.) como um todo é formado por partes interatuantes, que podem ser isoladas e vistas como inteiramente independentes, e depois reunidas no todo.” Assim, qualquer imagem pode ser decomposta em elementos, para melhor compreendermos o todo. Vale ressaltar que qualquer alteração em um dos elementos constituintes da obra ocasionará uma alteração no todo. Os elementos básicos de qualquer imagem são: o ponto, a linha, o plano, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a escala, a dimensão e o movimento. Basicamente, o ato de ver envolve uma resposta à luz. Em outras palavras, o elemento mais importante e necessário da experiência visual é de natureza tonal. Todos os outros elementos visuais nos são revelados através da luz, mas são secundários em relação ao elemento tonal, que é, de fato, a luz ou a ausência dela. O que a luz nos revela e oferece é a substância através da qual o homem configura e imagina aquilo que reconhece e identifica no meio ambiente, isto é, todos os outros elementos visuais. (DONDIS, 1997, p.30) Além destes elementos básicos é importante destacar que a linguagem visual trabalha com três níveis da inteligência visual: representacional (aquilo que vemos e identificamos com base no meio ambiente e na experiência), abstrato (o fato visual reduzido a seus componentes visuais básicos e elementares) e simbólico (sistema de símbolos codificados pelo homem e seus significados atribuídos). Quanto mais representacional for a informação visual (ou seja, quanto mais próxima e fiel do objeto a que se refere), mais específica será sua referência. Quanto mais abstrata (reduzida aos elementos básicos), mais geral e abrangente. A abstração pode existir tanto na redução à mínima informação representacional de uma manifestação visual, quanto na abstração pura e desvinculada de qualquer relação com dados visuais conhecidos (ambientais ou vivenciais). Quando visualizamos uma imagem todos estes aspectos, os elementos básicos e os níveis de inteligência visual se associam a outros elementos da linguagem visual para definir nossas impressões e interpretações. Ou seja, existem outros aspectos da imagem que influenciam psicológica e fisicamente a percepção humana. Por exemplo, o equilíbrio ou a tensão dos elementos que constituem a figura. Com relação a uma composição visual, a falta de equilíbrio ou de regularidade é um fator de desorientação para aquele que a visualiza. O processo de ordenação, de reconhecimento intuitivo da regularidade ou de sua ausência é inconsciente e não requer

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explicação ou verbalização. A estabilidade e a harmonia são polaridades daquilo que é visualmente inesperado e daquilo que cria tensões na composição. Estes opostos são chamados de nivelamento e aguçamento. Em ambos os casos, há clareza de intenção. Através de nossa percepção automática, podemos estabelecer equilíbrio ou uma ausência do mesmo e também reconhecer facilmente as condições visuais abstratas. Há um terceiro estado da composição visual que é chamado de ambiguidade, no qual o olho precisa esforçar-se para analisar os componentes no que diz respeito a seu equilíbrio. Dondis (1997, p.44) esclarece que a força de atração nas relações visuais constitui outro princípio da Gestalt de grande valor compositivo: a lei de agrupamento. É uma condição visual que cria uma circunstância de concessões mútuas nas relações que envolvem interação. Além disso, na linguagem visual, os opostos se repelem e os semelhantes se atraem. “Assim, o olho completa as conexões que faltam, mas relaciona automaticamente, e com maior força, as unidades semelhantes”. Algumas técnicas visuais exercem influência e certo controle na percepção como, por exemplo, a simetria e assimetria, regularidade e irregularidade, simplicidade e complexidade, unidade e fragmentação, economia e profusão, minimização e exagero, previsibilidade e espontaneidade, atividade e estase, sutileza e ousadia, neutralidade e ênfase, transparência e opacidade, estabilidade e variação, exatidão e distorção, planura e profundidade, singularidade e justaposição, sequencialidade e acaso, agudeza e difusão, repetição e episodicidade. Por fim, vale destacar também que as diversas formas de linguagem trabalham com materialidades distintas que possuem maior ou menor grau de “abertura” de interpretações e construção de sentidos pelo público. A linguagem verbal é constituída por palavras (conceitos pré-determinados de uma língua, pertencente a uma determinada cultura) que definem pessoas, objetos, ações, sentimentos, elementos da natureza, qualidades, temporalidades, lugares, modos, relações. Quando escrevo a palavra “cadeira”, por exemplo, todos aqueles que sabem ler a língua portuguesa compreenderão que estou me referindo ao objeto utilizado para sentar, porém esta palavra define uma classe de objetos que podem ser de tamanhos, formatos, cores, materiais diversos. Cada leitor irá imaginar (ou lembrar) a cadeira da maneira que quiser (interpretação subjetiva), mas todos pensarão em cadeiras não em sofás ou mesas

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(significação definida pelo conceito a qual a palavra se refere). Esta mesma palavra escrita numa frase ou mesmo dentro de um texto pode ter distintos significados. Em um poema ou uma história, por exemplo, pode significar ou representar algo diferente de “objeto utilizado para sentar”. Textos escritos possuem menor ou maior grau de “abertura” de interpretação (mesmo considerando as interpretações subjetivas dos conceitos). Por exemplo, textos científicos, normas e leis, textos técnicos, em geral, possuem significados mais fechados do que romances, narrativas de ficção, que por outro lado podem ter significados mais fechados que poemas e poesias. Porém todos os tipos de textos são passíveis de outras interpretações, como por exemplo, as “brechas” encontradas nas leis. Quando o texto é falado, as possibilidades de interpretação aumentam de acordo com o contexto, com a entonação, com as relações afetivas entre emissor e receptor, entre outros. Se na linguagem verbal, que possui conceitos pré-definidos, as possibilidades de interpretação e de criação de sentidos são vastas, as linguagens que não possuem códigos e conceitos tão definidos, dificilmente terão um único sentido ou significado. Cores, formas, texturas, sons, luzes, gestos ou movimentos não representam significados pré-definidos. Certamente uma representação pictórica de uma paisagem que busque um pacto mimético (cópia fiel) com a realidade (arte figurativa ou fotografia ou cinema realista) apresenta determinados conceitos ao público, como por exemplo a forma, cor e textura de determinadas árvores e flores. Neste caso apresenta um significado mais “fechado” do que a palavra escrita ou falada pois apresenta uma árvore e uma flor específica e não qualquer árvore e flor que pudesse ser imaginada ou lembrada pelo leitor/ouvinte. O que esta imagem significará para o fruidor, no sentido mais amplo, nas construções de relações e sentidos (onde emoções, sentimentos, memória, experiências pessoais podem vir à tona) não poderá ser pré-determinado pelo artista, criador desta obra. Esta imagem poderá evocar saudade ou felicidade, tristeza ou medo, ou indiferença. Vale ressaltar também que esta representação por mais fiel que possa ser da realidade passa pela subjetividade do olhar ou da imaginação do artista. A escolha das cores, dos efeitos de luz e sombra, das proporções, do ponto de vista interfere na forma da obra. Em obras de arte abstratas (ou na música por exemplo) a abertura de significados é ainda mais ampla. Se o público constrói significados a partir de suas experiências e conhecimentos e o artista não tem o controle total destes significados de sua obra, isto não significa que o olhar

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do público (ou do artista sobre sua obra) deverá ser um olhar prático, buscando sempre fazer conexões e interpretações. Tampouco que o artista deva almejar um significado fechado de sua obra pois a beleza está justamente nas possibilidades de reverberações. As formas criadas pelo artista (a cor, o traço, o movimento, a melodia, a harmonia, as luzes) e suas escolhas (materialidades, temporalidade, espacialidade) são os canais (ou os disparadores) para a construção de significados pelo público e também de emoções, lembranças, questionamentos. A experiência estética, sensorial, a vivência e as percepções (dos sentidos) não devem ser abandonadas em detrimento da compreensão racional de conceitos e significados. Assim, o grande desafio para os artistas (e também para o público) é se desprender de seus padrões: de movimentação, de percepção, de sentimentos. Nossa relação com o mundo é sempre perpassada pela nossa história pessoal, pelas nossas experiências, pela cultura, contexto sócio-histórico. Como incentivar e buscar novos olhares pela mesma janela? Artistas e arte-educadores deveriam objetivar isto sempre, para si e para seu público.

2.3 - Inter-relações entre linguagem visual e musical

A música é a arte do tempo, da efemeridade. As linguagens visuais preenchem o espaço com traços, formas, luz e cores. A música é considerada por muitos, a arte mais abstrata por não possuir suporte concreto palpável ou visível (som) e por seu modo de presentificação se valer do tempo. Mas será que podemos perceber alguma dimensão visual- espacial na música ou uma dimensão musical-temporal na linguagem visual? Casnok (2008, p.20) afirma que a audição esteve sempre estreitamente ligada à visão, ou seja, “o ouvir, na tradição da música ocidental, articula-se ao ver desde há muito tempo”. Também é possível estabelecer relações da produção pictórica não-figurativa com a linguagem musical. As relações entre música e imagens podem ocorrer de diversas formas, por exemplo, na escrita musical como representação gráfico-espacial (quando se criam símbolos ou formas de representação de elementos musicais na bidimensionalidade), nos processos de criação de compositores (quando ideias musicais são ao mesmo tempo ideias visuais, com uma preocupação da visualização de gestos ou imagens na execução da obra) e na construção de sentidos pelo público na fruição.

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Nas músicas com letras, as palavras e versos constroem significados e podem servir de estímulos à imaginação visual. No campo da música instrumental há duas correntes que pressupõem a visualização de paisagens, de cenas ou de sinais que denunciam estados afetivos por meio de referências explícitas a sons da natureza ou a movimentações físicas, espirituais e emocionais: a corrente descritiva e a teoria dos afetos. Entende-se por música descritiva a prática poética que incorpora em sua estrutura de agenciamento dos parâmetros musicais a ideia de imitação de sons ou ruídos do mundo cotidiano ou da natureza. [...] Grosso modo, podem-se distinguir três momentos históricos em que o conceito de imitação da natureza apareceu com grande força: Renascimento, Barroco e Romantismo. (CASNOK, 2008, p.90-91) Segundo Casnok (2008, p.23), a Teoria dos afetos é um procedimento estético- musical barroco cujos compositores e teóricos acreditavam que as emoções eram passíveis de controle e de conhecimento, e que a música deveria, por meio do estudo dos efeitos emocionais que certos elementos musicais produzem no ouvinte (tonalidades, motivos rítmico-melódicos, andamentos, entre outros), suscitar, excitar e representar esses afetos e emoções. No século XIX, a vertente da música programática traz para o debate novos elementos, tais como a descrição de visões internas, imagens oníricas e alucinações produzidas por uma subjetividade ilimitada. Entre todas as formas de relacionamento audiovisual, a correspondência entre os sons e as cores é a mais antiga e comum, e geralmente refere-se aos timbres ou às alturas (frequências). Termos do vocabulário cotidiano dos músicos explicitam estas relações: tom, tonalidade, cromatismo, color, coloratura, textura musical, entre outras. É comum também relacionar sons graves com cores escuras (ou quentes) e sons agudos com cores claras (ou frias). A percepção da densidade e da textura musicais envolve a corporeidade da obra e do fruidor. A rugosidade e a granulação podem, por exemplo, presentificar sensações táteis, visuais e auditivas relacionadas a uma superfície. A textura se refere a como as partes da música ou vozes são combinadas e relacionadas. Já a densidade indica a quantidade de elementos presentes na superposição (densidade vertical) e na linearidade (densidade horizontal). A dimensão acústico-espacial está muito presente nas músicas tocadas ao vivo, quando o habitat acústico influencia a fruição da música e sua construção de significados. Assim, muitos compositores criam obras para serem apresentadas em determinados

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ambientes, tendo uma preocupação espacial. Com o advento da música concreta francesa e eletrônica alemã, no final da década de 1940, o desenvolvimento da ideia de espacialização do som ganhou contornos nítidos e definidos, criando uma nova poética assentada sobre as possibilidades trazidas pela tecnologia. No âmbito da música eletroacústica, o conceito espacialização tornou-se um parâmetro essencial e seu significado refere-se à ideia de distribuir no espaço diversos pontos de emissão sonora, de forma a propiciar ao ouvinte a fruição real de uma multidirecionalidade sonora que se apresenta e se movimenta à sua volta. (CASNOK, 2008, p.75) No início do século XX vemos o rompimento com o figurativismo nas Artes Visuais (tendo Kandinsky e Mondrian como grandes representantes do Abstracionismo) e do tonalismo na Música (com Schoenberg e Webern como grandes representantes do dodecafonismo). O futurismo, corrente artística do Modernismo que valorizava as máquinas, a velocidade, a energia, foi representado na música por compositores que criavam sons-ruídos (sirenes, assovios, rangidos, sons percutidos em metal, pedra e madeira) ou sonoridades estridentes, ligadas à energia, ao movimento e à aceleração. Outras correntes como Cubismo, Dadaísmo e Surrealismo também tiveram uma estreita relação com a música. Alguns compositores utilizam a linguagem visual (desenhos e gráficos) como ferramenta para elaboração de matrizes composicionais no estágio inicial do processo de criação. O desenho ajuda a organizar as ideias com simplicidade, criando correspondências entre a substância espacial, inerente à linguagem pictórica, e a dimensão sonora do discurso musical propriamente dito. Nesse caso, a partitura criada será fruto da interface ou mesmo da simbiose entre suas referidas fórmulas, ou seja, a espacialidade do desenho conduzirá ao gesto sonoro, às possibilidades de emissão de cada instrumento, gerando a construção do discurso musical pretendido. (FELICISSIMO e JARDIM, 2013, p.20) Villa-lobos, por exemplo, compôs a “Sinfonia nº 6” (1935), a partir da transposição de imagens fotográficas de montanhas em gráficos. A ideia foi elaborar uma melodia das silhuetas de montanhas. O eixo vertical destes gráficos apresenta as subdivisões de uma escala diatônica com a finalidade de fixar uma relação direta entre alturas físicas (espaciais) com as alturas musicais (frequências). O eixo horizontal relaciona distâncias à duração dos sons. Também compôs “Ciclo das Três Marias” (1939), a partir dos desenhos de estrelas do céu.

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No século XX, inúmeros artistas plásticos foram seduzidos pela ideia de espetáculos multissensoriais, criando “pinturas em movimento” que uniam produções não- figurativas à música e ao cinema. Nestes espetáculos, o papel da música não era ilustrativo ou interpretativo, era a realização concreta dos movimentos dinâmicos e rítmicos da tela. Também nesta época surgiu a Arte cinética, uma corrente das artes plásticas que explora efeitos visuais por meio de movimentos físicos ou ilusão de óptica ou truques de posicionamento de peças. Duchamp (1887-1968), Calder (1898-1976), Soto (1923) e Palatinik (1928) são alguns representantes desta modalidade que inseriu explicitamente a dimensão da temporalidade nas obras de arte através do movimento. Segundo Casnok (2008, p.112), a corrente “musicalista”, surgida nos anos de 1930 na França, propôs que “uma obra pictórica deveria exprimir o dinamismo e o ritmo do espaço-tempo e produzir uma sensação de equilíbrio semelhante àquela que a harmonia musical realiza”. Seu objetivo não era traduzir plasticamente nenhum dos atributos da linguagem musical, mas revelar os ecos psíquicos da música no domínio visual. Kandinsky (1866-1944), Mondrian (1872-1944) e Klee (1879-1940) reconheceram a proximidade entre o fazer pictórico e o musical. Para eles, o espaço era também temporal e as cores possuíam acústica. Klee revelou conceitos relativos ao estudo das cores durante o período em que lecionou na escola de Bauhaus (1919-1933), época em que construiu uma série de estudos relativos à pintura polifônica. A respeito do espaço como conceito temporal, afirmava “Quando o ponto se torna movimento e linha, isso implica tempo. A mesma coisa ocorre quando uma linha se desloca para formar um plano. Igualmente no que diz respeito ao movimento dos planos para formar espaços” (KLEE, 2001 apud VALLE, 2007). É possível estabelecer a relação entre música e pintura nas obras de Klee a partir de dois aspectos: relação iconográfica (obras em que o título se relaciona de alguma forma à linguagem musical ou ao universo musical); e paralelismos estruturais (obras que manifestam um parentesco estrutural com determinadas formas ou procedimentos musicais, notadamente a polifonia e a fuga). Algumas pinturas “polifônicas” criadas por Klee se baseiam na sobreposição de áreas transparentes de cor, que se interpenetram e produzem assim uma estrutura de ordem mais complexa. Também elaborou um procedimento chamado “progressão cardinal”, que incorporava a lógica de proporção na qual se baseia a relação entre as diversas figuras rítmicas do sistema de notação musical ocidental (breve, mínima, colcheia, fusa, etc).

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Klee começou por demonstrar como várias linhas paralelas se combinam para formar padrões simples, a que ele chamou "ritmos estruturais", formados por linhas verticais e horizontais que se cruzam. O resultado é um padrão de tabuleiro de xadrez, usado não apenas para demonstrar conflitos, tensão e relaxamento entre as cores, mas também para estudar aspectos ligados ao ritmo. Segundo Valle (2007, p.5), “as tentativas de transposição estrutural entre música e pintura levadas a cabo por Klee são mais circunscritas no tempo e encontradas com mais frequência a partir de 1920, particularmente na passagem para a década 1930.” Klee também criava gráficos e representações pictóricas de músicas. A partir da notação gráfica da Sonata nº 6 para violino e cembalo de J. S. Bach, Klee concebe um sistema que estabelece a altura das notas em três oitavas. Por meio deste princípio, ele formula um sistema associando agrupamentos qualitativos para estabelecer padrões rítmicos e de dinâmicas, e quantitativos, para organizar medições de valores rítmicos, a partir de estruturas de compassos musicais. (FELICISSIMO e JARDIM, 2013, p.53)

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Foto 02: Rolf Gelewski por Antony Worley (anos 1960).

3 – ROLF GELEWSKI

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3.1 Rolf Gelewski e seu trabalho artístico-pedagógico

Rolf Werner Gelewski6 nasceu em Berlim, em 07 de abril de 1930, filho de Friedrich Wilhelm Gelewski e Lucie Johanna Gelewski. Na juventude, estudou música, pintura, dramaturgia e poesia, até encontrar a dança. Decidiu-se pela última como caminho de vida e de crescimento, estudando dança criativa com Gret Palucca, Mary Wigman e Marianne Volgelsang. Aos 16 anos, iniciou seus estudos em ballet clássico e aos 18 anos, em dança moderna. Entre 1953 e 1960, foi dançarino solista e professor do Teatro Metropolitano de Berlim, além de coreógrafo de suas próprias danças em recitais solísticos na Alemanha. Em 1960 foi convidado, pelo reitor Edgar Santos da Universidade da Bahia e pelo professor de música Hans-Joachim Koellreutter, a dirigir a Escola de Dança e ministrar aulas de Dança Moderna. Gelewski aceitou a proposta pois ficou interessado ao saber que a Escola era a primeira escola de dança moderna fundada no Brasil. Chegou ao Brasil em 05 de agosto de 1960. A Escola de Dança foi pioneira na América Latina no ensino sistematizado de dança em curso superior. Fundada em 1956 com a estrutura de cursos livres e profissionalizantes de dança, teve como organizadora a dançarina polonesa Yanka Rudska que também foi a responsável pela criação do Conjunto de Dança da Escola. Gelewski assumiu a direção da Escola de Dança até 1965, quando então Dulce Aquino, dançarina e professora formada por ele, ocupou este cargo até 1971. Neste período, o currículo do Curso foi estruturado e adaptado ao sistema educacional do país com a introdução do vestibular. Este currículo posteriormente serviu de modelo para o Conselho Federal de Educação criar um currículo mínimo para os cursos superiores de dança de todo o país. Gelewski foi professor na Escola de Dança de disciplinas como estudo do espaço, estudo da forma, rítmica métrica, improvisação, composição, coreografia e filosofia da dança no período de 1960 a 1975. Foi também chefe do Departamento de Educação e Integração Artística, por ele criado, de 1969 a 1971. Neste período, publicou vários métodos didáticos para o ensino da dança, como o Estudo básico de formas7 e também ensaios e contribuições

6 Para maios informações, ver GELEWSKI, Rolf. Movimento, irradiação, transformação: Buscando a dança do ser. Salvador-BA: Casa Sri Aurobindo, 1990. 7 GELEWSKI, Rolf. Estudo básico de formas: distinções elementares de formas aplicados em exercícios de movimentação. Salvador: Editora da UFBA, 1971.

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teóricas, especialmente para a cadeira de “Filosofia da Dança” por ele criada. Em 1960, Gelewski assumiu também o cargo de coreógrafo e diretor do Conjunto de Dança da Escola de Dança que em 1962 rebatizou com o título de Grupo Juventude Dança. Em março de 1965, o Grupo adquiriu o título de Grupo de Dança Contemporânea (GDC) que existe até hoje, mas composto somente por alunos da Escola (anteriormente professores e bailarinos contratados também participavam dos espetáculos). Com este novo título, o Grupo foi oficializado e os integrantes passaram a receber bolsas-auxílio. No período de 1968 a 1970, outros coreógrafos realizaram trabalhos com o Grupo, como Shabelewsky e Roger George. Em 1970, Gelewski voltou a coreografar para o Grupo, porém em julho de 1971 se desligou completamente, período em que Dulce Aquino, Carmem Paternostro, Marli Sarmento e Luiza Borja assumiram as coreografias.

Foto 03: Grupo de Dança da UFBA, fotógrafo não identificado (1971).

A partir de 1960, Gelewski realizou recitais solísticos no Brasil e no exterior, atuando também em 1970 e 1971 como professor convidado em algumas universidades norte- americanas. De 1967 a 1971, a convite do Instituto Goethe, de Munique, fez várias tournées pelas Filipinas e Índia, como dançarino solista e professor de dança criativa. Deu-se em 1968, seu primeiro contato, através de um recital, com o Sri Aurobindo Ashram (comunidade espiritual) na Índia do Sul, efetuando-se a partir disso uma mudança decisiva e progressiva em sua vida. Encontrou-se com a dirigente da comunidade, a francesa

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Mira Alfassa, chamada A Mãe, que reforçou a sua atuação como dançarino e influenciou-o a deixar qualquer coreografia e unicamente a dançar espontaneamente. Em 1971, passou a viver em comunidade com um grupo de jovens em Salvador- BA, onde em setembro fundou a Casa Sri Aurobindo8, uma associação civil sem fins lucrativos, de caráter cultural, filosófico e de desenvolvimento espiritual. Assim, a partir de então, propôs-se cada vez mais decisivamente a um trabalho educacional, tendo como objetivo a busca e a vivência de uma consciência intensificada e interiorizada. Gelewski escreveu e publicou pela Casa, a partir de 1973, trabalhos que enfocam a educação, a conscientização e o desenvolvimento do corpo, a prática da interiorização e concentração, o estudo do ritmo, estórias e jogos criativos para crianças e adultos9. Publicou também a revista mensal “Ananda” e as primeiras traduções das obras de Sri Aurobindo e d’A Mãe em língua portuguesa, entre outras obras. Encarregou-se do programa de expansão da Casa com recitais solísticos de dança, cursos intensivos de movimentação espontâneo-criativa, de orientação educacional, vídeos, audiovisuais, palestras e seminários sobre vários temas. Em 1986, Gelewski começou a compor músicas “vivências-som” em órgão-eletrônico, passando a utilizá-las em exercícios de concentração e interiorização, audições contemplativas a partir de imagens, aulas de movimentação do corpo e também em seus recitais. Rolf Geleweski não poupou esforços para tornar realizável uma nova educação e, para tanto, transformou todos os campos da arte (música, dança, pintura, fotografia, linguagem escrita e oral) em fontes de crescimento. Realizou um amplo trabalho de divulgação e formação, onde buscou ajudar outros a crescerem e se conscientizarem do sentido, da riqueza e do futuro da vida. A Casa Sri Aurobindo tem por finalidade promover o livre desenvolvimento da consciência, através do estudo da concepção filosófica e formulação prática denominada Yoga Integral. Este objetivo é buscado principalmente através da realização de um trabalho de autoconhecimento e formação cultural baseado em tais ensinamentos, utilizando sobretudo o instrumental didático-pedagógico desenvolvido por Gelewski. A Casa deixou de existir como comunidade em 1980, tornando-se uma “comunidade livre”, constituída por um número de colaboradores reunidos em vários núcleos

8 Atualmente a sede da instituição está localizada em Belo Horizonte-MG. Para maiores informações acesse www.casasriaurobindo.com.br 9 Ver Tabela 01, na página 162 com a descrição de algumas obras publicadas por Gelewski que são até hoje vendidas pela Casa Sri Aurobindo.

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pelo Brasil, como Belo Horizonte-MG, Salvador-BA, São Paulo-SP e São José do Rio Preto- SP. Gelewski faleceu precocemente, no início de 1988, num acidente de carro em Feira de Santana-BA. Em 1992, a sede da Casa foi transferida para o núcleo de Belo Horizonte-MG, onde permanece até hoje. Sua atividade principal é a promoção de eventos semestrais de âmbito nacional, os Encontros CASA, em janeiro, e a Semana Sri Aurobindo, em julho. Realiza também trabalhos regulares, como cursos e vivências, e seu principal veículo de divulgação é a Revista Ananda, publicada trimestralmente. A grande importância de Gelewski para a dança no Brasil não se resume somente à sua atividade pedagógica, ministrando aulas, cursos e palestras pelo Brasil e no exterior e estruturando o Curso de Dança da Escola de Dança da UFBA, onde inúmeros profissionais da dança foram formados com seus ensinamentos, ou à sua atividade intelectual, escrevendo e publicando diversos textos e livros relacionados à Dança e à Educação. Ele também teve sua presença marcada como intérprete-criador, realizando diversos espetáculos solísticos pelo Brasil e no exterior, como EUA, Índia, Filipinas e Alemanha; e como diretor artístico e coreógrafo do Grupo de Dança Contemporânea da Escola de Dança da UFBA, elaborando diversos espetáculos de dança moderna que foram apresentados em várias cidades do Brasil, como Salvador-BA, Ilhéus-BA, Curitiba-PR, Belo Horizonte-MG, Ouro Preto-MG, São Paulo-SP, -RJ, Porto Alegre-RS, entre outras. Gelewski foi responsável por ampliar o número de produções artísticas do GDC e fortalecer o nome da Escola de Dança da UFBA. Conseguiu, nos anos 60, época em que pouco se falava em dança moderna no Brasil, atingir seu grande objetivo de divulgar a dança moderna pelo país, e forneceu experiência artístico-interpretativa para diversos artistas que trabalharam com ele. Em vinte e oito anos de atuação artística no Brasil, conseguiu levar ao público brasileiro espetáculos de grande potencial artístico. 10 O trabalho pedagógico de Rolf Gelewski ainda está presente entre seus antigos alunos e discípulos, porém é um material de difícil acesso, visto que grande parte reside apenas na lembrança e na memória corporal destas pessoas. Há muitos textos e apostilas elaboradas por este pesquisador, porém a grande maioria está espalhada entre seus ex-alunos, o que dificulta bastante o seu acesso.

10 Ver Tabela 02 na página 164 com o resumo da atuação artística de Gelewski, os títulos de algumas de suas obras e locais de apresentação, entre os anos de 1960 e 1987.

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A Casa Sri Aurobindo, fundada por Gelewski em 1971, mantêm até hoje um acervo de suas publicações, mas poucas pessoas têm acesso a ele. A consulta e os empréstimos destas obras são permitidos aos frequentadores da Casa e algumas publicações continuam sendo vendidas, mas não há um trabalho de divulgação nacional, nem mesmo a viabilização de reedições de obras esgotadas. Todo o material produzido por Gelewski, tanto as contribuições teóricas quanto os materiais didáticos, apresenta um alto grau de aprofundamento e de detalhamento de questões essenciais para o ensino e criação em arte, possuindo um enorme valor, em especial para a dança. Uma pesquisa para resgatar essa fonte de conhecimento, pouco difundida nos meios artísticos e de ensino de dança no Brasil, é extremamente necessária. Realizar um resgate histórico do trabalho artístico-pedagógico de Gelewski e da sua importância para a história da dança no Brasil é também extremamente importante, principalmente para o fortalecimento da consciência histórica dos artistas e estudantes de arte.

Foto 04: Rolf Gelewski por Manuel Reis (1977).

3.2 - Influências da dança moderna e do expressionismo alemão

A questão central que aflige muitos artistas é como se libertar dos padrões, do senso comum, do óbvio e deixar livre o fluxo de criação e a inspiração. Tudo que nós

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vivemos, todas as experiências, sensações corporais, emoções, sentimentos, relacionamentos (consigo, com o outro, com o mundo) marcam nossa vida e nos fazem ser quem somos (fisicamente e psicologicamente). Não é a genética que nos defini totalmente, são nossas vivências. Dois irmãos gêmeos idênticos não apresentam personalidade e comportamentos iguais. Nem mesmo seus corpos (fenótipos) são necessariamente iguais: um pode ser gordo e o outro mais magro (diferentes relações com a alimentação), um pode ser corcunda e o outro não (diferentes relações com a postura), um pode ser musculoso e o outro flácido (diferentes relações com o tônus muscular). A forma como nos movimentamos, sentamos, deitamos, caímos, ficamos em pé, pegamos objetos, nos vestirmos ou nos despirmos, comemos, recebemos e damos carinho, conversamos, respiramos, choramos ou beijamos, entre tantas outras atividades humanas, marca nossa aparência física, nossa personalidade, nosso comportamento, nossa história de vida. Nós somos nossas vivências e nossas memórias. Quando iniciamos um processo criativo em alguma linguagem artística, toda esta “bagagem” aparece: não é possível separar a nossa existência de nossa história vivida. Eu sou o que vivi e o que eu vivo. Esta “bagagem”, em alguns aspectos, está presente no nosso consciente e em grande parte, guardada no inconsciente, podendo ser ou não acessada, vir ou não vir à tona, dependendo de fatores externos ou internos. Nas artes corporais, cujo material do artista é ele próprio, isto se torna mais evidente. O artista é objeto de pesquisa, de criação e a própria obra. Criador e criatura. Sujeito e objeto. Forma e conteúdo. O corpo se expressa e comunica sentidos e significados mesmo quando não há intenção ou desejo de fazê-lo. Existem certos padrões de movimento específicos de cada pessoa, que muitas vezes estão relacionados com sua cultura corporal ou habitus (experiências e técnicas de uso do próprio corpo). Rudolf Laban11, grande teórico da dança do século XX, desenvolveu uma metodologia de análise do movimento humano e distinguiu quatro fatores: espaço (direto ou flexível), tempo (súbito ou sustentado / rápido ou lento), força/peso (forte/pesado e leve/fraco) e fluência (livre e controlada). Em cada movimento é possível analisar cada um dos fatores. Assim ao observarmos, por exemplo, pessoas andando livremente numa rua, percebemos qualidades específicas e combinações destes fatores: algumas andam rápido, firme, direto e controlado,

11 Ver LABAN, Rudolf. O domínio do movimento. [Org. Lisa Ullman]. São Paulo-SP: Summus, 1978.

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outras pessoas andam devagar, suave, de maneira flexível e livre (sem definir uma trajetória específica). Às vezes estas qualidades são determinadas por fatores externos ao indivíduo: estar atrasado para um compromisso nos força a andar mais rápido; muitas pessoas na rua nos forçam a andar de maneira mais flexível (desviando dos obstáculos) ou mais devagar (tendo dificuldade de mobilidade). Porém se retirarmos toda influência externa e colocarmos uma pessoa num ambiente vazio e pedirmos para caminhar ou se movimentar livremente, cada pessoa o fará de acordo com suas próprias vivências e história pessoal. Alguns irão realizar movimentos pequenos, lentos e contidos. Outros poderão fazer movimentos mais amplos, rápidos e fluentes. Alguns se deslocarão pelo espaço, outros se movimentarão sem deslocamentos. Alguns farão movimentos mais curvos, outros realizarão movimentos mais retos. Alguns se movimentarão em pé, outros estarão sentados ou deitados. E isto também acontece com nossa maneira de ouvir, ver, cheirar, sentir. Aprendemos a nos relacionar com o mundo através de nossos órgãos do sentido e de nossas experiências sensório-motoras. Mas ao mesmo tempo nos tornamos prisioneiros destes padrões. Mas frequentemente a história da percepção vai fazer com que. pouco a pouco, eu não possa mais reinventar os objetos do mundo. Minha projeção vai associá-los sempre da mesma maneira. Ou seja, vejo sempre a mesma coisa. sempre através do filtro de minha história. Portanto, poderíamos dizer que há uma "neurose do olhar". Algo que diria respeito ao fato de que o meu olhar não é mais capaz de voltar a desempenhar uma subjetividade em sua relação com o mundo. (GODARD, Hubert; ROLNIK, Suely. 2006, p.73) O que define as escolhas, as decisões ou os padrões? Estas escolhas são conscientes ou regidas por fatores inconscientes? A memória (consciente ou não, voluntária ou não) de todas nossas vivências, a memória “encarnada”, presentificada em nossos órgãos, músculos, ossos, pele. Memória não somente no sentido do retorno do sujeito ao passado (“lembranças de situações ou fatos anteriores”) ou como uma atitude, uma intenção (“vou fazer determinado movimento que eu já fiz ou já vi alguém ou algo fazendo”). Memória que nos diz quem somos, que nos define como somos. Se apenas podemos usar nossa (s) memória (s), ou seja, o que somos, como ferramenta para criar, como deixar de ser o que nós somos e sermos outro (s)? Como nos libertarmos das amarras que nos prendem a nossa existência, que nos prendem ao que somos? Como perceber o mundo como se fosse a primeira vez? Sem julgamentos, sem definições,

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sem pretensões. GODARD (2006) afirma que na criança originalmente há um olhar (audição/olfato/tato/paladar) sem história, sem interpretação, pura sensação. “E depois, pouco a pouco, algo se constrói, sobretudo com a linguagem. Penso que é importante essa questão do lugar da escuta, do lugar do olhar ou do lugar do tato e como essa espécie de ida·e vinda perpétua permite abrir novos sentidos, novas interpretações, novos olhares.” A espontaneidade é a porta da intuição e chave da criação. Seu alicerce consta da disposição psíquico-orgânica de corresponder de maneira não preparada a estímulos inesperados, por meio da manifestação de qualquer reação. A espontaneidade constitui a pré- condição do surgimento e realização do vivo, do dinâmico e do móbil, sendo deste modo um fator essencial na improvisação. (GELEWSKI, 1973b, p.38) Muitos artistas e pesquisadores das artes cênicas têm se debruçado sobre estas questões há muitos séculos, refletindo sobre a expressividade e a capacidade de interpretação do homem. Noverre (1727-1810), no século XVIII, buscava a expressividade na dança e realizava pesquisas sobre interpretação de gestos e pantomimas. Delsarte (1811-1871) realizava pesquisas dos mecanismos pelos quais o corpo traduz os estados sensíveis interiores. Sua premissa era de que a intensidade do sentimento comandava a intensidade do gesto. A Dança Moderna surge no final do século XIX e início do século XX, e, num primeiro momento, buscou a antítese ao já estabelecido – o ballet clássico, e contra seus códigos de movimentação tradicional propôs para a dança um movimento mais natural do corpo humano. Surgem novas teorias e pensamentos sobre dança, a partir de grandes personalidades: Rudolf Laban (1879-1958) e o estudo das qualidades do movimento; Isadora Duncan (1878-1927) e a dança livre (“dança da alma”); Ruth Saint-Denis (1878-1968) e as pesquisas sobre os gestuais ritualísticos. Mary Wigman (1886-1973) com sua dança expressionista buscava libertar o dançarino de seu vocabulário corporal, atribuindo-lhe total responsabilidade sobre a expressão. Como uma reação às técnicas de dança na época, Laban começou a explorar a dança como uma forma de arte. Ele começou a dar aulas de dança livre, que nascia do ritmo interno do movimento corporal, e independente da música ou de um relato de alguma história, mas principalmente a expressão de elementos dinâmicos e espaciais contidos no movimento. (PARTSCH-BERGSOHN, apud SCHAFFNER, 2012, p.10) De acordo com Navas (1992, p.45), além da liberdade de movimentos, dos temas

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ligados a estados emocionais e de uma aversão à imitação, a Dança Moderna teve como grande característica a supervalorização da expressão individual. Os dançarinos passaram a refletir o íntimo conflituoso do homem e os conteúdos de suas histórias cotidianas. Surgiram novas posturas, movimentos e formas de uso do espaço. O homem passou a ser o centro do universo da dança e para seu próprio corpo se voltam os dançarinos: contrações, torções, espirais, quedas, movimentos iniciados do centro do corpo. Os pés se apresentam quase sempre descalços e há uma maior utilização do nível baixo e médio (relação com a terra e primitividade ritualística). A improvisação também aparece como recurso expressivo e didático nos trabalhos dos artistas e professores de dança moderna. Na juventude, Rolf Gelewski estudou Dança Moderna e Dança criativa com professoras alemãs como Mary Wigman, Gret Palucca e Mariane Vogelsang. Em seus textos ou em suas aulas de dança, não fazia muitas referências a estes mestres, porém é possível perceber que seu trabalho artístico-pedagógico foi bastante influenciado pelos princípios da dança moderna e pela estética expressionista alemã. Quando estruturou o Curso de Dança Moderna da Escola de Dança da UFBA em disciplinas como técnica de dança, improvisação, rítmica, composição solística, coreografia de grupo, estudo do espaço, estudo da forma, entre outras, Gelewski inspirou-se na estrutura das escolas de dança moderna que frequentou na Alemanha. Gelewski desenvolveu métodos de improvisação estruturada objetivando o desvencilhar das amarras, máscaras, clichês, da educação, das técnicas, das vivências que nos aprisionam. Passando pela experiência de realizar uma improvisação estruturada, o artista pode conseguir um enriquecimento da sua movimentação corporal e do seu vocabulário de movimento que se refletirá depois nas improvisações mais livres. O trabalho com improvisações estruturadas pode ser tão criativo quanto o trabalho com improvisações livres, porém alguns artistas têm dificuldades para criar em um ambiente com muitas escolhas e possibilidades. Assim, as improvisações estruturadas podem ter também um caráter formativo e libertador, sendo uma ferramenta para desenvolver as potencialidades criativas e expressivas dos artistas. Além disso, pode-se perceber que o interesse de Gelewski pelo estudo do espaço e do tempo na dança tem relação direta com as investigações de Laban e Wigman (e assim, indiretamente às pesquisas de Delsarte e Dalcroze), apesar de ter criado seus próprios métodos didáticos e sua própria metodologia. As temáticas dos seus trabalhos coreográficos

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nos anos de 196012 também têm bastante influência da estética expressionista alemã. Segundo Bisse (1999, p.18), o movimento expressionista alemão está relacionado ao abandono das ideias tradicionais de naturalismo (a representação dos objetos tais como são observados) em favor de distorções e exageros de formas que expressam a emoção do artista. Esse movimento foi dominante nas manifestações artísticas na Alemanha entre os anos de 1905 e 1930 e na dança o seu maior representante foi Rudolf Von Laban e Mary Wigman. O movimento expressionista [...] vinha em oposição ao Impressionismo e esteticamente privilegiava a emoção, a intuição, o inconsciente, como criadores da obra artística, exprimindo uma nova visão de mundo e um novo humanismo. A beleza agora era categoria de pouca ou nenhuma importância. A força expressiva valia muito mais. (BISSE, 1999, p.18) Apesar de ter frequentado aulas de ballet clássico, Laban foi mais influenciado por princípios do movimento expressivo de Delsarte (1811-1871), cantor francês que pesquisou as relações entre a voz, o gesto e a emoção interior. Segundo Bourcier (1987, p.247), Laban integrou em seu próprio sistema de ensino vários princípios delsartianos. As consequências das ideias de Delsarte sobre a dança são imediatas: todo o corpo é mobilizado para a expressão, principalmente o torso, que todos os dançarinos modernos de todas as tendências consideram a fonte e o motor do gesto; a expressão é obtida pela contração e pelo relaxamento dos músculos [...] A extensão do corpo está ligada ao sentimento de auto realização; o sentimento de anulação se traduz por um dobrar do corpo; estas posições reforçam os sentimentos que traduzem. Todos os sentimentos têm sua própria tradução corporal. O gesto os reforça e, por sua vez, eles reforçam o gesto. (BOURCIER, 1987. P.245) Mary Wigman, antes de frequentar a Escola de Laban na Suíça, frequentou em Hellerau (Dresden, Alemanha) o instituto de Jaques-Dalcroze (1865-1950), músico e pedagogo suíço que investigou a importância da educação corporal para a educação musical e os princípios da rítmica. A rítmica de Dalcroze é um método ativo de educação musical mediante o qual o sentido e o conhecimento da música se desenvolvem através da participação corporal no ritmo musical. Segundo RODRIGUES (2014, p. 31), as matérias básicas do método Dalcroze são a rítmica (movimento e ritmo), o solfejo e a improvisação. O estudo do ritmo desenvolve o sentido rítmico corporal (qualidades de receptividade, gradações de força, elasticidade no espaço e no tempo, concentração na análise e espontaneidade na execução dos motivos rítmicos) e o sentido auditivo dos ritmos

12 Ver Tabela 02, no item 8.2 Resumo da atuação artística de Gelewski, na página 164.

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(qualidades de receptividade, expressão de matizes de força e duração dos sons, concentração e espontaneidade em sua análise e em sua realização vocal). A consciência do som se forma graças a experiências reiteradas do ouvido e da voz. A consciência do ritmo se forma através de experiências reiteradas do movimento do corpo inteiro. [...] O ritmo é movimento, o movimento é de essência física e exige espaço e tempo. A experiência física forma a consciência musical; o aperfeiçoamento dos meios físicos tem como consequência a utilidade da percepção; o aperfeiçoamento dos movimentos no tempo assegura a consciência do ritmo musical. O aperfeiçoamento dos movimentos no espaço assegura a consciência do ritmo plástico. (DALCROZE, apud RODRIGUES, 2014, p. 33) Guimarães (1998, p.83) afirma que “embora tenha estudado durante dois anos com Jaques Dalcroze, chegando a se formar professora de Euritmia, Wigman sentia-se insatisfeita com este método, visto que este não permitia que a dança fosse tida como uma parte independente da música.” Porém é possível notar claramente influências do pensamento deste pedagogo no trabalho da artista que influenciaram Gelewski. “Para ela, a música é o meio indispensável de uma união indissociável entre o ritmo corporal e o ritmo mental” (BOURCIER, 1987, p. 299).

3.3 – A improvisação e os métodos didáticos de Gelewski

Haselbach (1989, p.7) define improvisar como dar uma forma espontânea; executar algo sob certas condições não previamente planejado; adaptar-se às dificuldades tornando-se ponto de partida para uma mudança individual ou composição concreta. A improvisação pode ser motivação, etapa preparatória ou campo experimental para as criações em dança: um método de experimentação de movimentos que posteriormente poderão ser selecionados e organizados numa composição coreográfica ou uma forma de expressão em si (improvisações livres ou estruturadas compondo parte ou o total de uma obra de dança). Para Nachmanovitch (1993, p.19), toda arte é improvisação, algumas obras são apresentadas no momento em que nascem e outras são improvisações estudadas, revisadas e reestruturadas. Improvisação é a livre expressão da consciência do material que emerge do inconsciente. É a intuição em ação, em um jorro contínuo e rápido de opções. Segundo Gelewski (1973b, p.16), as improvisações podem ser um importante recurso didático para o treino das capacidades de reação, concentração e sensibilidade, além

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das qualidades expressivas, imaginativas e criativas dos artistas. Ele organizou diversos materiais didáticos relacionados ao uso de improvisações na dança, como por exemplo, Ver ouvir movimentar-se (1973), Estruturas Sonoras 1 (1973) e 2 (1975), Estudo do espaço (196?) e Estudo básico de formas (1971)13. Em suas aulas, utilizava tanto a improvisação livre quanto a improvisação estruturada, partindo de estruturas mais diretivas para as mais livres. Segundo Gelewski (GELEWSKI, 1973a, p.), a improvisação estruturada é um método para a realização de uma movimentação corpórea espontânea e criativa que procura conduzir a pessoa gradativamente a uma experiência do corpo, que deve culminar com sua libertação das limitações e desconfianças que a educação, a convenção e as vivências inserem nele. Gelewski (1973b, p.35) ressalta ainda que a improvisação de dança deve ser considerada um dos meios verdadeiramente eficientes educacionais e de desenvolvimento, pois atinge o ser humano em sua inteireza. Por meio da concentração dirigida a uma funda penetração de motivações lançada pelo educador ou encontradas com a ajuda dele, e pelo próprio esforço de transformá-las em movimento irradiante, o improvisando é levado a reduzir e finalmente abandonar a limitada identificação mental com sua personalidade exterior e entrar em uma relação dinâmica com seus mundos interiores. (GELEWSKI, 1973b, p.35) Descobrir e aprender novas maneiras de ouvir, de se relacionar com os sons, as músicas, com o tempo. Descobrir novas maneiras de perceber o espaço e de se relacionar com ele. Aprender novas maneiras de perceber e de se relacionar com meu corpo e o corpo do outro. Novas maneiras de movimentar-se, sentir e perceber o mundo. Novos pontos de vista, novos olhares. Ver-ouvir-movimentar-se. Não posso mudar de gesto se não mudar a minha percepção. É uma ilusão acreditar que se podem aprender gestos por uma decomposição mecânica; tudo aquilo que chamamos de coordenações, os habitus corporais de alguém são, na realidade, habitus perceptivos. Portanto, tornara-se evidente para os dançarinos contemporâneos que se quisessem mudar a natureza de um gesto e sair de certa forma de repetição, não podiam fazê-lo senão passando por um trabalho com a percepção. (GODARD, Hubert; ROLNIK, Suely. 2006, p.75) Ao longo de seu processo artístico-criativo Gelewski também utilizou a improvisação como método de criação em dança, de três maneiras distintas: inicialmente, improvisando sobre uma mesma música diversas vezes, num processo mútuo de integração entre o dançarino e a melodia e a partir desta criação espontânea de movimentos, elaborava a

13 Ver PASSOS, Juliana Cunha. A improvisação e a criação na dança: Formas, espaço e tempo. Curitiba- PR: Editora Prismas, 2015.

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coreografia num trabalho consciente de seleção, organização e estruturação dos elementos. Assim a improvisação livre e espontânea era uma etapa inicial para se chegar à dança elaborada ou coreografia. Em outros trabalhos, ele apresentava improvisações em cena, de forma estruturada, o que ele denominava de “dança criativa”. Segundo Gelewski (1969), “a dança criativa envolve uma consciência que visa uma construção, uma expressão determinada. Ela ocorre quando se une ao movimento do corpo toda uma prontidão para ser instrumento de manifestação dinâmica”. Para tanto, deve-se estruturar a composição após improvisar várias vezes, determinando, por exemplo, uma posição inicial e final, a coincidência de certos pontos no espaço com certos momentos fixados que são ligados harmoniosamente, sem perder o fluxo e a espontaneidade. Uma estrutura base deve ser elaborada mentalmente e na improvisação, experimentar reações aos estímulos da música, através de estilos variados de movimentação. Em uma terceira fase de seu trabalho artístico-criativo, Gelewski experimentou a improvisação livre como forma de espetáculo, sendo denominada por ele de “danças espontâneas”. Nelas, dançava pela alegria de dançar sem nada estabelecido, nada preparado. Segundo Gelewski (1990, p.15), dança espontânea é o livre jogo da energia pura, isento de todo e qualquer intento, o deleitado jorro do movimento, do ritmo, da dinâmica, da expressão. Pureza total e entrega incondicional. Nesta improvisação, a escolha dos movimentos não é feita pela mente, não se realiza a partir de percepções criteriosas ou da vontade pessoal, se realiza a partir da inspiração e intuição. Para Ostrower (2007, p.147), ser espontâneo nada tem a ver com ser independente de influências, já que isto em si é impossível ao ser humano. Ser espontâneo é ser livre e também ser coerente consigo mesmo. Então se o homem não consegue fugir das influências, o que acontece em um ato criativo espontâneo é a seleção destas influências. Quanto maior a nossa seletividade, maior nosso grau de espontaneidade. Já Nachmanovitch (1993, p.98) salienta que em uma improvisação espontânea, existe também uma estrutura. Sem a imposição de uma intenção preconcebida, uma improvisação é capaz de se estruturar por si mesma. A primeira seleção de sons, movimentos ou formas pode ser livre, mas à medida que o artista prossegue, as seleções já feitas influenciam as próximas. O próximo passo será uma consequência ou uma oposição, o padrão desenvolvido poderá ser reforçado, modulado ou rompido. Há sempre um diálogo constante entre as premonições confirmadas e as premonições frustradas.

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Dançar não significa abolir o intelecto – significa, ao contrário, desenvolvê-lo e fazer dele um componente do completo instrumental do qual o dançarino deveria dispor. Mas admitir o intelecto não quer dizer ser dominado por ele. Sua admissão e inclusão no trabalho de dança visam apenas seu uso consciente como recurso, nada mais. A entronização do intelecto como princípio absoluto, equivalente à rejeição da espontaneidade e dos poderes intuitivos e expressão, seria um engano absoluto. (GELEWSKI, 1971, p.2)

O método didático Estruturas Sonora 114 Na improvisação com estímulos sonoros, em geral as pessoas tendem a perceber a música de uma determinada forma e refleti-la em sua movimentação. Algumas pessoas são mais influenciadas pelo ritmo ou pulsação da música, outras pessoas se influenciam pela melodia, timbre dos instrumentos ou estrutura da música. O método didático Estruturas sonoras 1 (1973) elaborado por Gelewski possibilita a descoberta de outras formas de relacionar a música com os movimentos do corpo, inclusive com momentos de pausas (ausência de movimento) e silêncio (ausência de som). Segundo Gelewski (1973a, p.6), o trabalho das Estruturas Sonoras reside na “percepção da importância de determinadas relações fundamentais entre música e movimento para a dança e a aplicação e crescente conscientização destas relações em aulas de improvisação e composição, como também sua transposição para o trabalho coreográfico”. A publicação é um meio didático para uma audição e conscientização elementar da música que abrange o estudo da percepção musical e de gráficos de trechos de 25 músicas selecionadas. Os gráficos foram desenvolvidos a partir de um desenho básico esquematizado, fornecendo uma representação visual e uma elementar análise estrutural da música, além de sugestões de propostas didáticas para movimentação. Eles simbolizam a música ouvida e percebida pelo corpo e a sua interpretação é importante para a recepção e percepção auditiva. A “Nota Preliminar” deste material esclarece como o conteúdo foi elaborado gradualmente, a partir de tentativas de representar graficamente o fraseado e outros elementos de certas peças musicais, de uma maneira que por um lado os tornasse mais claros e enfáticos, e por outro lado os tornassem visíveis para quem não domina a leitura de uma partitura tradicional. A proposta era de tornar mais diretamente perceptível a unidade do organismo

14 GELEWSKI, Rolf. Estruturas sonoras 1: uma percepção musical elementar a ser aplicada na educação. Salvador-BA: Ananda Educação – Nós Editora, 1973a. Para maiores informações sobre este trabalho ver também PASSOS, Juliana C. Rolf Gelewski e improvisação na criação em dança: Formas, espaço e tempo. Curitiba-PR: Prismas, 2015.

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musical em sua constituição de unidades e sub-unidades, enfatizando suas relações formais de ordem e equilíbrio. O objetivo almejado era atingir uma audição mais consciente e uma correspondência mais delicada aos dinamismos de cada peça musical. Neste trabalho, aprender a ouvir é uma parte essencial e uma colocação bem concreta, dado que os próprios gráficos foram concebidos e elaborados exclusivamente a partir de audições. Não foram usadas partituras ou outros recursos de natureza abstrato-teórica no seu processo de formulação, sendo sua única fonte a audição viva e concentrada das músicas. Assim, Gelewski (1973a, p.11) ressalta a importância do ouvir e o valor da concentração. Ouvir é uma atividade do silêncio, uma vivência da concentração, um abandono de si e um gesto puro de entrega. Ouvir significa abrir-se, receber e deixar o recebido entrar em si, lá dentro despertando ou aquietando, trabalhando, modificando. Para ouvir uma música é necessário silêncio e concentração, ouvir sem preconceitos ou expectativas pré-estabelecidas. Não somente o ouvido deve escutar a música mas todo nosso ser. A música é um organismo “vivo”, pulsante cuja vibração nos atinge totalmente. Pereira (2014, p.50) afirma que “quanto mais calmos e concentrados nós estivermos, melhor compreenderemos uma música, tanto mais claramente sua entidade e a força que ela traz em si atuarão em nós e tanto melhor poderemos expressá-la em dança.”

O método didático “Ver ouvir movimentar-se”15 A publicação “Ver ouvir movimentar-se” (1973) de Rolf Gelewski é composta por dois métodos para o ensino da improvisação na dança. O primeiro, o método de improvisação estruturada, parte da realização de correspondências fundamentais entre música e movimento efetivadas de uma maneira consciente e objetiva, sem eliminar fatores da espontaneidade e vivência dinâmica. Este método foi concebido na forma de um exercício modelo, desdobrado em nove fases principais de trabalho, referentes a improvisações de dança e a audições de músicas. Com relação à utilização de músicas, Gelewski (1973b, p.15), salienta que há duas formas distintas: aplicar a uma só música todo o conjunto de fases (ou as fases que se queira trabalhar) ou usar várias músicas para a execução repetida de uma mesma fase.

15 GELEWSKI, Rolf. Ver ouvir movimentar-se: dois métodos e reflexões referentes à improvisação na dança. Salvador-BA: Nós Editora, 1973b.

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O primeiro modo, pela colocação de um mínimo de material musical, significa um desenvolver e prosseguir diretos do processo didático, como proposto pelo próprio exercício, conduzindo ainda, pela repetição e múltipla aplicação de uma mesma música, a um conhecimento aprofundado da música utilizada; o segundo modo, pela aplicação de um material musical variado, tanto educa a capacidade de reação e discernimento e a adaptabilidade do aluno quanto possibilita, pela repetida execução de uma mesma fase, a concentração no princípio-base desta fase e assim sua experiência intensificada e mais consciente. (GELEWSKI, 1973b, p.15) As nove fases deste primeiro método, de improvisação estruturada, consistem em: FASE 1: improvisação – reação espontânea, sem determinação específica. Ouvir a música uma ou duas vezes, de maneira bem concentrada e em seguida, sem comentar ou analisar a música, improvisar livremente com espontaneidade. FASE 2: audição – conscientização fundamental da música. Ouvir a música novamente de forma concentrada e intensificar o contato a partir de duas possibilidades: considerar a música como fenômeno artístico, percebendo seu caráter, expressão, significados ou considerar a música como criação de uma determinada época e cultura, analisando a vida do compositor e o contexto histórico. FASE 3: improvisação – unificação da movimentação por meio de uma redução máxima da reação física à música. Realizar um único movimento durante toda a duração da música, sem interrupção de maneira lenta e contínua. FASE 4: audição – conscientização do desdobramento básico da estrutura formal da música e de seus determinados elementos constituintes. Ouvir a música e identificar suas partes principais (unidades maiores) e posteriormente perceber subdivisões características determinadas (formais, rítmicas, melódicas, dinâmicas). FASE 5: improvisação – estruturação quantitativa da improvisação, sem distinção qualitativa dos movimentos aplicados. Realizar um único movimento para cada uma das partes principais da música, percebidas na fase anterior. A sucessão dos movimentos deve ocorrer de maneira contínua, causando a impressão de ser o desdobramento de um único movimento. FASE 6: improvisação – estruturação quantitativa da improvisação, com distinção qualitativa dos movimentos aplicados. Realizar um único movimento distinto para cada uma das partes principais da música, percebidas na fase anterior. Cada movimento deverá apresentar um modo de movimentação distinto, por exemplo, diferentes ações (salto, giros, locomoção), partes do corpo (ou corpo todo), muito e pouco, perto e longe, curvo e reto, entre

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outros. FASE 7: audição – conscientização quanto às correlações, correspondências e funções das diversas partes e elementos, identificados na fase 4, dentro da unidade musical. Ouvir a música novamente e perceber a relação das partes com o todo da unidade musical. FASE 8: improvisação – criação espontânea de sucessões de modos de movimentação, em correspondência consciente à evolução da unidade musical. Realizar uma improvisação livre, desenvolvendo espontaneamente sucessões de modos de movimentação que estejam em plena concordância com a evolução e unidade da música, a partir da audição da fase anterior. FASE 9: improvisação – estruturação qualitativa pré-elaborada da improvisação, em correspondência consciente à evolução da unidade musical. Elaborar uma ou mais estruturas para a realização de improvisações, procurando corresponder o mais consciente possível à evolução e organicidade da música, a partir das partes ou elementos musicais escolhidos. Segundo Pereira (2014, p.44), este primeiro método conduz à improvisação estruturada e pode ser considerado como um processo preparatório para elaboração de composições em dança. Já o segundo método conduz à improvisação livre. O primeiro método parte da exploração gradativa dos movimentos do corpo, com uma complexidade crescente, apoiada na exploração da estrutura da peça musical, do seu aspecto mais simples até o mais elaborado. A análise musical proposta acontece, porém, exclusivamente através do ouvir direto e concreto da peça musical, e não a partir de um conhecimento prévio da teoria musical convencional. (PEREIRA, 2010, p.33) O segundo método contido na publicação, de improvisação livre, visa realizar uma aproximação à unidade original de movimento e som, em uma base correspondente ao nível mental e interior do ser humano. Não pretende ser uma volta aos moldes primitivos ou um retrocesso para estágios menos conscientes. O objetivo do método é muito mais um crescer em consciência e um ir-além, um intensificar e unificar (no sentido de centralizar) do que um voltar e retroceder. Segundo Gelewski (1973b, p.25), o trabalho proposto neste método, consta, em primeiro plano, da realização prática de exercícios, procurando evitar todo lastro teórico e exclusivamente intelectual, ainda que processos de conscientização sempre se coordenem com as experimentações concretas.

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Com apoio em uma redução inicial da multiplicidade ao absolutamente básico e na efetuação de uma pesquisa de relações elementares entre dança e música, realiza-se uma renovada e mais funda interligação de movimento, figura e som, uma reaproximação à fundamental unidade do ver, ouvir e movimentar-se no sentido de, desta maneira, se constituir um potencial que posteriormente irá expandir-se e desdobrar-se em poderes particulares, ações e comunicações distintas e variadas. (GELEWSKI, 1973b, p.25). As sete fases deste segundo método, de improvisação livre, consistem em: FASE 1: concentrar-se na realização exclusiva no fator continuidade, qualidade essencial de toda unidade, realizando uma só forma de movimento elementar e potente sobre a música (ou parte dela ou frase musical). Sugere-se movimentos totais ou parciais em um dos oito percursos espaciais básicos (de baixo para cima, de cima para baixo, do lado direito para o esquerdo, do lado esquerdo para o direito, de trás para a frente, de frente para trás, de dentro para fora e de fora para dentro). Em cada execução, partir de uma posição inicial e terminar numa posição final que definam claramente as situações espaciais indicadas. FASE 2: conscientizar desdobramentos orgânicos e primários da unidade musical e realizar movimentos contínuos correspondentes a eles, sob duas possibilidades: todos os movimentos representando segmentos de um único percurso espacial (mesma direção), separando-se por pequenas pausas ou cada movimento possuir uma direção espacial específica. FASE 3: conscientizar desdobramentos menores da música e improvisar movimentos contínuos isolados ou sequências simples de movimentação. Introduzir as qualidades (estados) de mobilidade/imobilidade e movimentação no lugar/locomoção. FASE 4: realizar sequências de movimentos com modos distintos de movimentação para cada um dos desdobramentos menores da música, por exemplo, diferentes ações (salto, giros, locomoção), partes do corpo (ou corpo todo), muito e pouco, perto e longe, curvo e reto, entre outros. FASE 5: conscientizar determinados elementos característicos constituintes da estrutura musical e a correlação destes elementos, por exemplo, sequências de tons ou intervalos, terminações, repetições, contrastes, variantes, acentos, etc. Realizar improvisações estruturadas que representem as sucessões e correlações destes elementos. FASE 6: conscientizar qualidades e aspectos mais centrais e globais da música, por exemplo, gradações de intensidades, distinção de atmosferas, evoluções expressivas, evoluções formais, etc. Realizar improvisações individuais, procurando em cada vez

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identificar-se o mais fundo possível com o aspecto escolhido. FASE 7: improvisar livremente, correspondendo à música de maneira complexa. Possivelmente começar antes da música e terminar depois dela para criar um contexto maior. O segundo método começa com uma improvisação completamente livre sobre uma peça musical, e se desenvolve para dentro de uma improvisação estruturada em conexão com aspectos estruturais, tanto do movimento quanto da música com a qual se está trabalhando, para terminar novamente com outra improvisação completamente livre. Esta última improvisação livre acontece como o resultado da tomada de consciência por experimentação das estruturas pertinentes, de sua assimilação e, finalmente, do desprender-se delas, de seu abandono. (PEREIRA, 2010, p.33-34)

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Foto 05: grupo de artistas da pesquisa, por Juliana Passos (2015).

4 – IMPROVISAÇÕES ESTRUTURADAS E LIVRES

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4.1 A etapa didático-pedagógica

Os dois métodos de improvisação contidos na publicação “Ver ouvir movimentar- se” de Gelewski (1973) foram usados como referência para a elaboração das propostas de improvisação realizadas nesta etapa da pesquisa. Este material apresenta um estudo das possibilidades de relação entre música e dança. Nem todas as fases destes métodos16 foram realizadas em todas as propostas didáticas desta etapa da pesquisa, algumas foram adaptadas ou novas fases foram incluídas, principalmente nas propostas de improvisação a partir de imagens (propostas 12 a 15). Em 1973, Gelewski publicou também o material didático “Estruturas sonoras 1”17 que representa um prolongamento e desdobramento desta publicação anterior, apresentando propostas de audição de 25 trechos de músicas selecionadas para uma relação consciente entre música e dança. Os princípios contidos neste material também foram utilizados nesta etapa da pesquisa, inclusive algumas destas músicas foram utilizadas para a realização das propostas com o grupo. Ouvir músicas, perceber suas unidades maiores e menores realizando desenhos, improvisar ou criar sequências a partir das propostas de audição da música, foram etapas bastante utilizadas. As primeiras reuniões com os artistas voluntários foram realizadas em junho de 2014 para apresentação do projeto e dos principais princípios contidos nestes materiais didáticos. Também foi apresentado um relato da pesquisa de mestrado desenvolvida anteriormente e leitura de trechos de textos de Gelewski. A escolha dos voluntários se deu de uma maneira bem diferente da realizada na pesquisa de mestrado (2010-2012). Nela, os voluntários haviam sido recrutados via lista de e- mails da secretaria da graduação do Instituto de Artes da UNICAMP. Assim, surgiram muitas pessoas interessadas mas que em pouco tempo se desinteressaram e não deram continuidade ao projeto. Além disso, não conheciam a pesquisa, tampouco sabiam quem era Rolf Gelewski. Desta forma, na pesquisa de mestrado o foco maior esteve na parte pedagógica, em processos de ensino-aprendizagem, pela própria necessidade do público envolvido. A proposta da pesquisa atual de doutorado foi desenvolver um grupo de estudos, de reflexões, de experimentações, de vivências. Assim o convite foi feito a pessoas que de alguma forma já

16 Ver páginas 60 a 64 do capítulo 3.3. 17 Ver páginas 59 e 60 do capítulo 3.3.

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haviam tido contato com os materiais de Gelewski em disciplinas da graduação e da pós, para que pudessem desenvolver melhor a experimentação cênica e não somente aprender os conceitos. Todo processo de relação humana é perpassado por processos de ensino- aprendizagem, assim todo processo de criação artística também é um processo pedagógico. A tentativa desta vez foi no sentido de que estes processos pudessem ocorrer de forma multidirecional e que a pesquisa pudesse ser desenvolvida por todos, não somente pela pesquisadora. Os encontros dos meses de setembro a dezembro de 2014 foram dedicados à exploração e à conscientização da relação entre música e dança, a partir de princípios e propostas contidas no método didático “Estruturas Sonoras 1” de Rolf Gelewski e de explorações de unidades rítmicas e melódicas de músicas diversas. Nestes encontros foram discutidas questões relacionadas aos conceitos de pulsação, ritmo, timbre, melodia, altura, andamento, estrutura musical, entre outros. Também refletiu-se sobre os significados e possibilidades de interpretação de obras musicais e a importância do concentrar-se e do saber ouvir. Inicialmente foram propostos exercícios de aquecimento corporal e de sensibilização auditiva, a partir de músicas variadas. Depois gradativamente foram sendo incluídas propostas de improvisação de dança a partir de elementos das músicas, tendo como referência os materiais didáticos de Gelewski. Para a execução de todas as propostas, não foi solicitado em nenhum momento que os voluntários realizassem contagens da pulsação da música. A duração das partes da improvisação esteve relacionada à percepção de frases musicais (unidades da música) ou de tamanhos e proporções, mesmo naquelas propostas que envolviam identificação de pulsações distintas das músicas. Nas improvisações foram também utilizados conceitos relativos ao corpo, ao movimento e ao uso do espaço, tais como diferenças entre movimentos totais e parciais, entre um único movimento e uma sequência de movimentos, diferenças nas qualidades de movimento (forte/leve, rápido/lento, direto/indireto, livre/controlado), nas formas do movimento (curvo/reto, contraído/dilatado) ou na utilização do espaço (metades/ regiões/ zonas). Estes conceitos estão contidos em outros materiais didáticos de Gelewski como

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“Estudo básico de formas18” e “Estudo do espaço19”, que também foram utilizados como obras de referência complementar20. Para efeitos de esclarecimentos, um movimento representa uma continuidade constante de sua progressão espacial, intensidade e velocidade. Qualquer modificação brusca nestes três fatores (espaço, força e tempo) causaria a interrupção ou terminação da continuidade e, com isso, a terminação do movimento. “Será denominado como ‘um movimento’ o transcurso espacial contínuo que o corpo ou alguma(s) parte(s) sua(s) realiza(m), durante o tempo da atualização de seu movimento, entre uma situação de partida e chegada.” (GELEWSKI, 1967, p.8) Em abril de 2015, dando continuidade ao trabalho desta etapa, foram elaboradas propostas de improvisação a partir de imagens. O desenho como recurso expressivo já estava presente nas propostas anteriores, porém como um intermediário entre a música e a dança, entre a percepção interna da música ouvida e sua exteriorização e representação em desenhos. Nestas novas propostas, a imagem foi utilizada como estímulo para as improvisações em dança. A sensibilização aconteceu por meio das cores, formas, linhas, luz e sombra, estrutura das composições e não mais pelos timbres, melodias, pulsação, ritmo ou estrutura das músicas. As impressões, sensações, sentimentos, memórias despertadas por estas imagens foram o impulso que conduziu a execução das propostas. Assim, os processos criativos em dança foram estimulados a partir de diferentes abordagens das imagens: elementos estruturais ou composicionais, elementos relacionados aos níveis de inteligência visual21, elementos relacionados aos possíveis conteúdos e significados percebidos, associações mentais ou expressivas, entre outros. Vale ressaltar que foram realizadas com o grupo onze propostas de improvisação de dança a partir de músicas (e suas variações) e apenas quatro propostas de improvisação a partir de imagens selecionadas. Porém uma das propostas de imagens foi aprofundada no processo de criação do espetáculo “Doar-se dor”22, a partir de novas propostas de experimentações.

18 GELEWSKI, Rolf. Estudo básico de Formas: distinções elementares de formas aplicados em exercícios de movimentação. Salvador-BA: Universidade Federal da Bahia, 1971. 19 GELEWSKI, Rolf. Estudo do espaço - Caderno 2: Exercícios referentes às três dimensões do espaço e às direções no espaço e Caderno 3: Exercícios referentes ao caminho reto e curvo no espaço. (Apostila fornecida aos alunos da Escola de Dança da UFBA). Salvador-BA: [s.n] [196-?] 20 Para maiores informações sobre estes materiais ver PASSOS, Juliana C. Rolf Gelewski e improvisação na criação em dança: Formas, espaço e tempo. Curitiba-PR: Prismas, 2015. 21 Ver capítulo 2.2 nas páginas 35 a 40. 22 Ver capítulo 5 nas páginas 110 a 153.

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4.2 Improvisações: Música e dança

Proposta 1: Exploração de unidades rítmicas de músicas diversas

Foto 06: artistas executando proposta 1, por Juliana Passos (2014).

Esta proposta foi utilizada em vários encontros do grupo para aquecimento corporal, concentração e sensibilização para relações entre movimento e tempo (aquecimento dos “ouvidos”). Inicialmente, foi solicitado que o grupo percebesse alguma divisão quantitativa (relacionada à duração) do tempo da música, a partir do uso de palmas ou batidas dos pés. Esta divisão, algumas vezes pode corresponder com a “pulsação” da música, outras vezes, a outros agrupamentos, como por exemplo, pulsações a 2 tempos ou a 4 tempos23. Em seguida, foi proposto um aumento na duração da pulsação elementar, que corresponde ao número 1 (ou “pequeno”). Assim, criou-se a percepção de novos agrupamentos de pulsação sonoras, correspondendo ao dobro e ao quádruplo da duração da unidade inicial, respectivamente nomeados como número 2 (ou “médio”) e número 3 (ou “grande”). Foram realizadas improvisações livres de movimentos correspondendo às durações pequenas, médias e grandes e também explorações de passagem das unidades (por exemplo, realizar movimentos referentes à unidade 1, à unidade 2 e depois à unidade 3 e o seu inverso).24

23 Tempo é o nome dado à pulsação de uma música. Ele pode ser medido ou marcado por um aparelho chamado metrônomo (cada clique corresponde à marcação do tempo da música). Os tempos se agrupam em valores iguais e fixam-se dentro de divisões das pautas musicais conhecidas como compassos. 24 Ver vídeo 01 (orientações na página 158).

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Foto 07: artistas executando proposta 1, por Juliana Passos (2014).

Como variação desta proposta, foi solicitado uma divisão em sub-grupos, cada um correspondendo a um dos agrupamentos de pulsação (1, 2 e 3) e durante as improvisações livres foram solicitadas trocas destes agrupamentos para cada sub-grupo, além de momentos de pausas intercaladas. Por fim, realizar improvisações livres de movimentos, onde cada pessoa pode escolher qual agrupamento de pulsações ou de tempos musicais (pequeno, médio ou grande) para se relacionar com a música.25 É possível também realizar esta proposta com todo o grupo disposto em uma linha e cada pessoa realizar uma improvisação a partir de um agrupamento de pulsação (pequeno, médio ou grande), inicialmente somente fazendo uma marcação com os pés e depois improvisando movimentos livremente, sempre mantendo a formação em linha, com o corpo virado para a mesma direção. Como se o grupo fosse uma “engrenagem”, onde cada “peça” (ou pessoa) é movimentada em uma velocidade distinta (movimentação correspondendo à pulsação ou a agrupamentos dos tempos musicas, como 2 tempos ou 4 tempos).26 Outra variação interessante desta proposta é trabalhar com instrumentos musicais e estabelecer relações com duplas. Cada dupla trabalhará com um tipo de agrupamento (pequeno, médio ou grande) dos tempos musicais, porém uma das pessoas fará a marcação do tempo com o instrumento musical, no início de cada agrupamento, enquanto a outra pessoa realizará a improvisação de movimentos equivalentes àquela duração. Solicitar depois a

25 Ver vídeo 02 (orientações nas páginas 178 a 180). 26 Ver vídeo 03 (orientações nas páginas 178 a 180).

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inversão de papéis e inserir também pausas.27 Em geral, foram utilizadas músicas de percussão para a realização desta proposta (e suas variações), porém em alguns momentos foram utilizadas outros tipos de música (como músicas eletrônicas ou músicas mais melódicas). O critério de seleção das músicas foi possuir uma pulsação bem definida e regular e a possibilidade de diferenciar três agrupamentos de duração do tempo proporcionais (como por exemplo frases com 8 pulsações, subdividida em frases menores com 4 e 2 pulsações, ou seja, frases grandes, médias e pequenas).

Proposta 2 – Estruturas Sonoras 1 música 04 Esta proposta de improvisação foi baseada na música 04 (trecho de Gigue de Johann Sebastian Bach), da publicação Estruturas Sonoras 1, de Gelewski. Foram realizadas as seguintes etapas de improvisação livre e estruturada: 1 – audição relaxado-passiva da música (ouvir sem movimentar-se, com os olhos fechados). 2 – na repetição da música, realizar um desenho livre na folha de sulfite. Perceber e analisar as sensações, imagens, sentimentos, lembranças que a música possa ter sugerido e em seguida, observar as formas, cores e estrutura do desenho.

Foto 08: desenho livre com a música, por Juliana Passos (2014).

3 – realizar uma improvisação livre de movimentos, sem música, a partir da observação do desenho e das reflexões realizadas na etapa anterior. Em seguida, realizar uma

27 Ver vídeos 04 e 05 (orientações nas páginas 178 a 180).

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improvisação livre de movimentos, com a música.28 4 – ouvir a música novamente sem movimentação, dando ênfase à sua estrutura e às suas unidades principais. Na repetição da música, realizar um novo desenho, a partir desta nova proposta de escuta, de percepção da estrutura da música e suas partes.

Foto 09: artistas executando proposta 2, por Juliana Passos (2014).

5 – em duplas, realizar uma improvisação de movimentos com a música, a partir do segundo desenho. Enquanto uma pessoa improvisa, a outra deve observar o desenho e os movimentos realizados. Na repetição da música, inverter os papéis. Realizar uma conversa com a dupla sobre as impressões e detalhes observados sobre a improvisação. 6 – realizar uma improvisação de movimentos, com a música, a partir do desenho da outra pessoa. Realizar uma conversa sobre esta nova experiência, discutindo as diferenças encontradas na realização de movimentos, a partir do olhar do outro sobre a música. 7 – realizar uma improvisação livre final com a música.

Proposta 3 – Estruturas Sonoras 1 música 08 Esta proposta de improvisação foi baseada na música 08 (trecho de Tourdion de anônimo do séc. XVI), da publicação Estruturas Sonoras 1, de Gelewski. Foram realizadas as seguintes etapas de improvisação livre e estruturada: 1 - ouvir a música, de olhos fechados (audição relaxado-passiva).

28 Ver vídeos 06 e 07 (orientações nas páginas 178 a 180).

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2 – realizar um desenho livre na folha de papel de forma contínua, em toda a duração da música. Em seguida, realizar uma improvisação livre de movimentos com a música.

Foto 10: desenho livre com música, por Juliana Passos (2014).

3 – ouvir a música novamente e perceber que ela é composta por duas unidades (ver gráfico abaixo). Realizar uma improvisação livre com duas sequências de movimentos distintos, em correspondência a cada uma das duas unidades da música. Para efeitos de esclarecimentos, cada unidade possui dezesseis pulsações ou tempos musicais (informação não fornecida ao grupo).

Figura 02: estrutura musical para etapa 3 da proposta 3.

4 – ouvir a música novamente e perceber que é possível dividir cada unidade em duas sub-unidades (ver gráfico abaixo). Para efeitos de esclarecimentos, cada uma das quatro sub-unidades possui oito pulsações ou tempos musicais. Realizar um diálogo improvisado (conversa falada) onde cada pessoa do grupo deverá falar durante a duração de cada uma das sub-unidades da música. A ordem das falas pode ser definida a priori e a música poderá ser repetida para que todos do grupo participem da conversa (se necessário, poderá repetir algumas pessoas). O tema é definido pela pessoa que inicia a conversa.

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Figura 03: estrutura musical para etapa 4 da proposta 3. 5 – ouvir a música novamente e perceber uma nova divisão nas sub-unidades anteriores, formando oito sub-unidades menores (ver gráfico abaixo). Para efeitos de esclarecimentos, cada uma destas sub-unidades possui quatro pulsações ou tempos musicais. Realizar uma improvisação livre de um único movimento distinto em cada uma das oito sub- unidades. Como variação desta etapa, pode-se realizar uma improvisação (de sequências de movimentos ou de movimentos distintos) em duplas, com alternância de movimentos e pausas (“pergunta e resposta”): uma pessoa movimentando nas sub-unidades ímpares e a outra pessoa, nas sub-unidades pares.

Figura 04: estrutura musical para etapa 5 da proposta 3.

Proposta 4 – Estruturas Sonoras 1 música 06 Esta proposta de improvisação foi baseada na música 06 (trecho de Ritornello de Claudio Monteverdi), da publicação Estruturas Sonoras 1, de Gelewski. Foram realizadas as seguintes etapas de improvisação livre e estruturada:

Foto 11: artistas executando proposta 4, por Juliana Passos (2014).

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1 – ouvir a música de olhos fechados, sem movimentação, em seguida realizar uma improvisação livre de movimentos com a música. 2 – ouvir a música novamente e perceber que ela é composta por duas unidades distintas (ver gráfico abaixo): Tema A e Tema A1. Para efeitos de esclarecimentos, cada uma corresponde a dezesseis pulsações ou tempos da música (informação não fornecida ao grupo). Realizar uma improvisação livre de movimentos, com características distintas, em cada uma das duas unidades. Como variação desta etapa, pode-se executar, por exemplo, uma improvisação livre na região da altura (nível alto), correspondendo à primeira unidade e outra improvisação na região da profundidade (nível baixo), na segunda unidade.29

Figura 05: estrutura musical para etapa 2 da proposta 4.

3 – realizar uma improvisação de movimentos em duplas correspondendo às unidades musicais: Tema A – uma pessoa realiza uma improvisação de movimentos e/ou deslocamentos espaciais enquanto a outra pessoa permanece em pausa. Tema A1 – o inverso: a outra pessoa inicia uma improvisação enquanto a primeira pessoa está em pausa. Na repetição da música, realizar o inverso (iniciando a improvisação com a outra pessoa).30 4 - perceber quadro sub-unidades em cada unidade da música, como Tema A, Tema A1, Tema A2 e Tema B (ver gráfico abaixo). Para efeitos de esclarecimentos, cada sub- unidade corresponde a quatro pulsações ou tempos da música (informação não fornecida ao grupo). Realizar a seguinte improvisação estruturada: durante a execução das sub-unidades de temas A, A1 e A2, realizar um único movimento (M) e no Tema B, uma sequência de movimentos (S). Ou seja, executar a estrutura 1M – 2M – 3M – 4S e sua repetição. Como variação desta etapa, realizar o inverso: nos Temas A, A1 e A2 realizar sequências distintas de movimentos (S) e no Tema B, realizar um único movimento (M), seguindo a estrutura de improvisação 1S – 2S – 3S – 4M e sua repetição.

29 Ver vídeo 08 (orientações nas páginas 178 a 180). 30 Ver vídeo 09 (orientações nas páginas 178 a 180).

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Figura 06: estrutura musical para etapa 4 da proposta 4.

5 – realizar um único movimento distinto (M) em total correspondência a cada uma das oito sub-unidades da música (ver gráfico acima). Como variação desta etapa, pode-se solicitar o trabalho em duplas, com alternâncias de movimento (M) e pausas (X). A primeira pessoa executando a sequência 1M – 2X – 3M – 4X e assim sucessivamente por todas as oito sub-unidades musicais e a segunda pessoa, o inverso 1X – 2M – 3X - 4M, sucessivamente. Na repetição da música pode-se inverter quem inicia o movimento. 31

Foto 12: artistas executando proposta 4, por Juliana Passos (2014).

6 – realizar um trabalho em duplas, de improvisação de sequências de movimentos (S), pausas (X) e um só movimento (M), em correspondência as oito sub- unidades da música (ver gráfico acima). A primeira pessoa executando a sequência 1S – 2X – 3X – 4M – 5S – 6X – 7X – 8M e a segunda pessoa executando simultaneamente a sequência 1X – 2S – 3X – 4M – 5X – 6S – 7X – 8M. Na repetição da música, inverter as sequências. Perceber que nas sub-unidades 1, 2, 5 e 6 há alternância das duplas na realização da sequência de movimentos (mobilidade) e na

31 Ver vídeo 10 (orientações nas páginas 178 a 180).

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pausa (imobilidade). Já nas sub-unidades 3 e 7, ambas as pessoas estarão em pausa e nas sub- unidades 4 e 8, ambas estarão executando um único movimento.32

Proposta 05 – Estruturas Sonoras 1 música 07 Esta proposta de improvisação foi baseada na música 07 (trecho de Moresca de Claudio Monteverdi), da publicação Estruturas Sonoras 1, de Gelewski. Foram realizadas as seguintes etapas de improvisação livre e estruturada: 1 – ouvir a música de olhos fechados, em seguida realizar uma improvisação livre com a música. 2 – ouvir a música novamente e perceber que ela é composta por duas unidades distintas (ver gráfico abaixo), Tema A e Tema A1. Para efeitos de esclarecimentos, cada unidade corresponde a trinta e duas pulsações ou tempos musicais (informação não fornecida ao grupo). Realizar uma improvisação livre de movimentos, com características distintas, em cada uma das unidades da música.

Figura 07: estrutura musical para etapa 2 da proposta 5.

3 – ouvir novamente a música e tentar perceber sub-unidades menores, procurando formas de representar sua estrutura através de desenho em folha de papel. Cada unidade da música deverá ser dividida em quatro sub-unidades, totalizando oito sub-unidades (ver gráfico abaixo). Para efeitos de esclarecimentos, cada sub-unidade apresenta oito pulsações ou tempos musicais (informação não fornecida ao grupo).

Figura 08: estrutura musical para etapa 3 da proposta 5.

32 Ver vídeo 11 (orientações nas páginas 178 a 180).

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Foto 13: desenhando a estrutura musical, por Juliana Passos (2014).

4 – realizar um único movimento distinto em total correspondência a cada uma das oito sub-unidades da música (ver gráfico acima). Em seguida, realizar improvisações livres de sequências de movimentos em cada uma das sub-unidades. Na repetição da música, pode-se sugerir uma interação em duplas.33 Como variação desta etapa, realizar as improvisações em duplas, com alternância de pausas (imobilidade): a primeira pessoa improvisando nas sub-unidades ímpares e a outra pessoa, nas sub-unidades pares34. 5 – realizar improvisações de sequências de movimentos (S), intercalando com pausas (X), em total correspondência com as oito sub-unidades da música (ver gráfico acima). Assim, executando a seguinte estrutura para a improvisação: 1S – 2X – 3S – 4X – 5S – 6X – 7S – 8X. Na repetição da música, inverter a estrutura da improvisação, na primeira sub- unidade executar uma pausa e depois seguir a estrutura inversa 1X – 2S – 3X – 4S – 5X – 6S - 7X – 8S. Como variação desta etapa, realizar um único movimento (M) em cada sub- unidade ímpar da música, intercalando com pausas (X): 1M – 2X – 3M – 4X – 5M – 6X – 7M - 8X. Na repetição da música, inverter a estrutura, ou seja improvisando nas sub-unidades ímpares e pausando nas pares.35

33 Ver vídeo 12 (orientações nas páginas 178 a 180). 34 Ver vídeo 13 (orientações nas páginas 178 a 180). 35 Ver vídeos 14 e 15 (orientações nas páginas 178 a 180).

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Foto 14: artistas executando a proposta 5, por Juliana Passos (2014).

Nesta proposta, é necessário enfatizar que as sequências de movimento, correspondentes às sub-unidades da música, podem ser executadas em diferentes velocidades ou dinâmicas. Há uma tendência de realizar sequências de movimento onde cada movimento corresponde a uma pulsação da sub-unidade da música. O interessante é sair desse padrão, buscar novas formas de interação com a música, como por exemplo, realizando movimentos muitos lentos ou muito rápidos, ou criando variações de dinâmica dentro da mesma sequência de movimentos. Também é importante destacar qualidades expressivas diferentes em cada sequência, variando, por exemplo, a forma ou a intensidade do movimento, ou o uso do espaço. Como se em cada sequência de movimentos existisse um tema diferente de interação com a sub-unidade.

Proposta 06 – Estruturas Sonoras 1 música 16 Esta proposta de improvisação foi baseada na música 16 (trecho de Xangô de Heitor Villa-lobos), da publicação Estruturas Sonoras 1, de Gelewski. Foram realizadas as seguintes etapas de improvisação livre e estruturada: 1 – realizar uma improvisação livre com a música.36 2 – ouvir a música e representá-la com desenhos, durante a sua execução, escolhendo algum elemento para destacar (fluência, dinâmica, partes principais, vozes, etc).37

36 Ver vídeo 16 (orientações nas páginas 178 a 180). 37 Ver foto 16 na página 80.

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Foto 15: desenhando a estrutura musical, por Juliana Passos (2014).

Foto 16: desenhos da estrutura musical, por Juliana Passos (2014).

3 – ouvir a música novamente e perceber que possui duas unidades principais (A e A1), com um intervalo de preparação no início de cada uma delas (ver gráfico abaixo). Realizar duas improvisações livres de movimentos, em correspondência a estas duas unidades, com pausas de movimentos nas preparações (X). Para efeito de esclarecimentos, cada unidade (A e A1) é composta por dezesseis e dezoito pulsações, respectivamente e as preparações (X), no início de cada unidade, possuem quatro e duas pulsações ou tempos musicais (informações não fornecidas ao grupo).38

38 Ver vídeo 17 (orientações nas páginas 178 a 180).

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Figura 09: estrutura musical para etapa 3 da proposta 6.

4 – ouvir a música novamente e perceber sub-unidades menores dentro das unidades A e A1. Para efeitos de esclarecimento, a primeira unidade pode ser dividida em duas sub-unidades: A e B, com oito pulsações ou tempos musicais cada uma e a segunda unidade, dividida em A1 e B1, com oito e dez pulsações, respectivamente (informações não fornecidas ao grupo). É possível também dividir a segunda unidade em três sub-unidades (A1, B1 e C com oito, oito e duas pulsações cada uma delas), porém nesta etapa não foi abordada esta possibilidade com o grupo. Realizar uma improvisação livre de quatro sequências distintas de movimentos, em total correspondência às sub-unidades A, B, A1 e B1 (mantendo as pausas X no início das unidades, anteriores as sub-unidades A e A1). Como variação desta etapa, pode-se realizar um único movimento distinto em cada sub-unidade.

Figura 10: estrutura musical para etapa 4 da proposta 6.

5 – perceber sub-unidades menores (ver gráfico abaixo) da música, dividindo as sub-unidades do gráfico anterior A, B e A1 em duas outras sub-unidades e a sub-unidade B1, em outras três sub-unidades. Para efeitos de esclarecimento, as duas sub-unidades decorrentes da divisão das sub-unidades A, B e A1, possuem quatro pulsações (ou tempos musicais) cada, já as três sub-unidades decorrentes da divisão da sub-unidade B1, possuem quatro, quatro e duas pulsações, respectivamente (informação não fornecida ao grupo). Realizar uma improvisação livre de nove movimentos distintos, em total correspondência às sub-unidades (mantendo as pausas X no início das unidades)39. Como variação desta etapa, pode-se realizar uma improvisação em grupo, onde cada pessoa realiza uma sequência de movimentos em uma sub-unidade apenas. Por exemplo, em um grupo de quatro pessoas, a primeira pessoa deverá improvisar movimentos na primeira

39 Ver vídeo 18 (orientações nas páginas 178 a 180).

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e quinta sub-unidade, a segunda pessoa, na segunda e sexta sub-unidade e assim sucessivamente, porém a quarta pessoa deverá improvisar na quarta, oitava e nona sub- unidade.

Figura 11: estrutura musical para etapa 5 da proposta 6.

Foto 17: artistas executando a proposta 06, por Juliana Passos (2014).

Proposta 07 – Buckethead – Wishing Well Esta proposta de improvisação foi realizada com a música Wishing Well (1998) do compositor americano Buckthead. Foram realizadas as seguintes etapas: 1 – ouvir a música e realizar um desenho livre sobre a música. Em seguida, realizar uma improvisação livre de movimentos com a música, a partir dos desenhos.40

40 Ver vídeo 19 (orientações nas páginas 178 a 180) e figuras 12 e 13 (página 83).

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Figura 12: desenho livre.

Figura 13: desenho livre.

2 – ouvir a música novamente percebendo suas partes, sua estrutura, escolhendo formas de representar com desenhos os elementos da música que julgar mais importantes (estrutura musical).41 Em seguida, realizar uma nova improvisação livre de movimentos, dando ênfase aos elementos destacados no desenho.

41 Ver figuras 14 e 15 (página 84).

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Figura 14: desenhos da estrutura musical.

Figura 15: desenhos da estrutura musical.

3 – realizar a seguinte improvisação estruturada, elaborada a partir de elementos chaves da estrutura musical (ver gráfico abaixo): pergunta-resposta (P – R), temas e sub-temas (A e B), pausas (M) e variação livre (C e D). Estrutura da improvisação: P – R movimento e resposta (com movimento ou com pausa), temas e sub-temas (improvisação de sequências de movimentos distintas), pausas (trocas de posições estáticas), variação livre (improvisação livre). Realizar esta etapa no mínimo quatro vezes para que se consiga assimilar a estrutura e tenha possibilidade de criar a partir da estrutura dada. Pode-se solicitar também interações em duplas ou em grupos, para que a fluência da proposta fique mais orgânica. É importante ressaltar que apesar de existir uma estrutura comum a todos do grupo (de

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percepção musical e de improvisação), as possibilidades de realização são únicas para cada pessoa, permitindo escolhas e subjetividades.42

Figura 16: estrutura musical para etapa 3 da proposta 7.

Proposta 08 – Estruturas Sonoras 1 música 10 Esta proposta de improvisação foi baseada na música 10 (trecho de Ária de John Adson), da publicação Estruturas Sonoras 1, de Gelewski.

Foto 18: desenhos livres com música, por Juliana Passos (2015).

1 – ouvir a música de olhos fechados sem movimentação. 2 – fazer um desenho livre contínuo, seguindo o fluxo da música (o desenho deve

42 Ver vídeos 20 e 21 (orientações nas páginas 178 a 180).

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iniciar-se com o primeiro som da música e terminar com o último, mantendo a continuidade, a fluência). Em seguida, realizar uma improvisação livre de movimentos com a música. Neste momento o corpo em movimento corresponderá aos traços, aos desenhos e o espaço tridimensional da sala de aula representará o espaço bidimensional do material desenhado. 3 – ouvir novamente a música sem movimentação e perceber qualidades expressivas ou temas. Escrever no papel palavras-chaves que representem imagens (personagens, cenário, cores, objetos, paisagem), sensações (cheiro, textura, sabor) ou sentimentos que a música possa ter trazido. Em seguida, realizar uma improvisação livre de um único movimento, durante toda a duração da música43. 4 – ouvir novamente a música e perceber duas unidades principais. Realizar dois desenhos que as representem44. Em seguida, realizar uma improvisação com duas sequências livres de movimento, cada uma representando uma unidade (ver gráfico abaixo), com total correspondência de início e término entre a movimentação e a unidade musical.

Figura 17: estrutura musical para etapa 4 da proposta 8.

Foto 19: desenhos da estrutura musical, por Juliana Passos (2015).

43 Ver vídeo 22 (orientações nas páginas 178 a 180). 44 ‘ Ver foto 19: desenhos da estrutura musical (página 86).

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Como variação desta etapa, realizar um só movimento (parcial ou total) em cada unidade musical. Para efeitos de esclarecimentos, cada unidade corresponde a dezesseis pulsações ou tempos musicais (informação não fornecida ao grupo).45 5 – ouvir a música e perceber uma nova divisão em quatro sub-unidades (ver gráfico abaixo). Realizar um só movimento (parcial ou total) em correspondência a cada uma das sub-unidades da música. Para efeito de esclarecimentos, nesta etapa os temas A1 e A2 são divididos ao meio, criando novas sub-unidades, cada uma correspondendo a oito pulsações ou tempos musicais (informação não fornecida ao grupo). Como variação desta etapa, realizar a seguinte improvisação estruturada: 1 – um só movimento (M), 2 – uma sequência de movimentos (S), 3 – um só movimento (M) e 4 – uma sequência de movimentos (S) - 1M – 2S – 3M – 4S e na repetição da música, realizar a estrutura inversa (1S – 2M – 3S – 4M).

Figura 18: estrutura musical para etapa 5 da proposta 8.

6 – realizar uma improvisação em duplas, a partir das quatro sub-unidades da música (ver gráfico acima), com cada pessoa realizando uma improvisação estruturada da variação da etapa anterior: uma pessoa seguindo a estrutura 1M – 2S – 3M – 4S e a outra, a estrutura contrária 1S – 2M – 3S – 4M. Assim, realizar uma improvisação intercalando-se um só movimento (M) e uma sequência de movimento (S), ou vice-versa. Como variação desta etapa, incluir pausas intercaladas, para cada pessoa de cada dupla: uma pessoa seguir a estrutura 1M – 2X – 3S – 4X e a outra, a estrutura 1X – 2S – 3X – 4M (ou vice-versa: 1X – 2M – 3X – 4S e 1S – 2X - 3M – 4X), onde (X) corresponde às pausas, (S) às sequências de movimento e (M) a um só movimento. 7 – ouvir a música e perceber oito sub-unidades musicais, cada uma correspondendo à metade da sub-unidade da etapa anterior (ver gráfico abaixo). Para efeito de esclarecimentos, nesta etapa os temas A1, B1, A2 e B2 são divididos ao meio, criando novas sub-unidades, cada uma correspondendo a quatro pulsações ou tempos musicais (informação não fornecida ao grupo).

45 Ver vídeos 23 e 24 (orientações nas páginas 1780 a 180).

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Figura 19: estrutura musical para etapa 7 da proposta 8.

8 - realizar uma improvisação, a partir de pares de opostos de movimentos, ou seja, escolher uma qualidade para realizar movimentos e outra qualidade oposta (por exemplo: muito e pouco, total e parcial, pequeno e grande, rápido e lento, curvo e reto, deslocamentos e movimentos no mesmo lugar, perto e longe, alto e baixo, entre outras). Realizar esta improvisação a partir das quatro sub-unidades da música (ver gráfico da etapa 5), com cada qualidade de movimento escolhida correspondendo a duração de cada sub-unidade. Como variação desta etapa, realizar a improvisação a partir das quatro ou oito sub-unidades da música (ver gráfico da etapa 7), à critério do executante.46 9 – improvisar livremente com a música (no mínimo executada quatro vezes), tentando resgatar imagens, sensações e/ou sentimentos percebidos na improvisação livre da etapa 3. Perceber e descrever quais movimentações foram recorrentes (na etapa 3 e 9). Por fim, selecionar e elaborar uma improvisação estruturada com estas movimentações.47 Aqui vale destacar que há uma diferença na abordagem das imagens surgidas a partir da música. Pode-se solicitar uma escuta da música, buscando qualidades expressivas ou temas e a partir desta percepção, buscar imagens, sensações ou sentimentos (induzir uma atenção/consciência voltada para este fim) ou ao contrário, solicitar a audição sem pretensões e uma improvisação livre de movimentos e somente ao final questionar se apareceram imagens, sensações ou sentimentos durante a improvisação. Nesta proposta, foi utilizada a primeira abordagem tanto na etapa 3 quanto na etapa 9.

Proposta 09 – Estruturas Sonoras 1 música 15 Esta proposta de improvisação foi baseada na música 15 (trecho de Música para criança “Ostinato” de Gunild Keetmann), da publicação Estruturas Sonoras 1, de Gelewski. Foram realizadas várias etapas de improvisação livre e estruturada: 1 – ouvir a música de olhos fechados.

46 Ver vídeos 25 e 26 (orientações nas páginas 178 a 180). 47 Ver vídeo 27 (orientações nas páginas 178 a 180).

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2 – fazer um desenho livre contínuo, seguindo o fluxo da música (o desenho deve se iniciar com o primeiro som da música e terminar com o último, para manter a continuidade, a fluência). 3 – improvisar movimentos livremente com a música. Neste momento o corpo em movimento corresponderá aos traços, aos desenhos e o espaço tridimensional da sala de aula representará o espaço bidimensional do material desenhado. Os movimentos “desenham” o espaço. Nesse momento é importante que não ocorram marcações de pulsação ou diferenciações de partes da música, pois o foco é o fluxo contínuo da música, do início ao fim. 4 – ouvir novamente a música e tentar perceber suas partes principais, procurando formas de representar sua estrutura através de desenho (formas livres ou estruturadas). A música foi repetida duas vezes, a primeira para audição atenta às partes da música, e a segunda vez para a realização do desenho.

Foto 20: desenhando a estrutura musical, por Juliana Passos (2015).

5 – analisar e discutir o desenho de cada um (representativo de sua percepção da estrutura da música). A música foi repetida para que cada um mostrasse no seu desenho a estrutura da música. Nesse caso, com o grupo houve representações de quatro, oito e dez sub- unidades da música. 6 – improvisação estruturada individual com música: realizar uma improvisação a partir do desenho, ou seja, da representação da percepção individual da estrutura musical.48

48 Ver vídeo 28 (orientações nas páginas 178 a 180).

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Foto 21: artistas executando a proposta 09, por Juliana Passos (2015).

7 – perceber doze sub-unidades menores da música e realizar uma improvisação de um único movimento (parcial ou total) para cada uma delas (ver gráfico abaixo). Para efeito de esclarecimento, cada sub-unidade apresenta duas pulsações ou tempos musicais (informação não fornecida ao grupo).49

Figura 20: estrutura musical para etapa 7 da proposta 9.

É necessário que a realização de cada um dos doze movimentos (correspondentes a cada sub-unidade da música) aconteça de forma contínua, sem pausas ou explosões. Cada movimento deve iniciar-se e finalizar-se, correspondendo a cada inicio e término de cada sub- unidade musical.

Proposta 10 – Estruturas Sonoras 1 música 15 Esta proposta de improvisação também foi baseada na música 15 (trecho de Música para criança “Ostinato” de Gunild Keetmann), da publicação Estruturas Sonoras 1, de Gelewski. Foram realizadas várias etapas de improvisação livre e estruturada:

49 Ver vídeo 29 (orientações nas páginas 178 a 180).

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1 – ouvir a música, de olhos fechados, duas vezes (audição relaxado-passiva). 2 - ouvir novamente a música e tentar perceber suas partes principais, procurando formas de representar sua estrutura através de desenho (formas livres ou estruturadas). A música deve ser repetida várias vezes até que todos do grupo terminem sua representação em desenho.

Foto 22: desenhos da estrutura musical, por Juliana Passos (2015).

3 - analisar e discutir o desenho de cada um (percepção individual da estrutura da música). Nesse caso, com o grupo houve representações de quatro, sete e dez sub-unidades da música. A música foi repetida para que cada um mostrasse no seu desenho a estrutura da música. Nas próximas etapas estas diferentes formas de representação da estrutura serão trabalhadas em improvisações de movimentos. 4 – ouvir a música e perceber quatro unidades principais da música (ver gráfico abaixo) e realizar uma improvisação estruturada de sequências de movimentos distintas, cada uma correspondendo ao início e término da unidade musical. Para efeito de esclarecimento, a introdução da música e o tema B apresentam quatro pulsações ou tempos musicais, e o tema A e A1 apresentam oito pulsações cada (esta informação não é fornecida ao grupo, somente que há unidades com durações maiores e outras com durações menores).

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Figura 21: estrutura musical para a etapa 4 da proposta 10.

5 – ouvir a música e perceber sete sub-unidades (ver gráfico abaixo), a partir da divisão das três últimas unidades principais. Para efeito de esclarecimentos, as partes com Tema A, Tema B e Tema A1 foram divididas ao meio, formando assim as sub-unidades A1, A2, A3 e A4 com quatro pulsações cada, e B1 e B2 com duas pulsações. A introdução mantêm-se como unidade, com quatro pulsações ou tempos musicais (informações não fornecidas ao grupo). Realizar a seguinte estrutura de improvisação de movimentos, correspondendo as sete sub-unidades da música: 1 - um único movimento (M), 2 - uma sequência de movimentos (S), 3 - outra sequência de movimentos (S), 4 - um único movimento (M), 5 - outro movimento (M), 6 - uma sequência de movimentos (S) e 7 - outra sequência de movimentos (S). Assim em correspondência à seguinte estrutura: 1M - 2S – 3S - 4M – 5M – 6S – 7S.50

Figura 22: estrutura musical para etapa 5 da proposta 10.

6 – ouvir a música e perceber outra forma de sub-divisão de suas unidades, em outras sete sub-unidades (ver gráfico abaixo). Para efeito de esclarecimentos, as unidades Introdução, Tema A, e Tema A1 foram divididas ao meio, formando as sub-unidades Intro (com duas pulsações) e A1, A2, A3 e A4 (com quatro pulsações cada). O Tema B mantêm-se como unidade com quatro pulsações ou tempos musicais (informações não fornecidas ao grupo). Realizar a seguinte estrutura de improvisação de movimentos, correspondendo as sete sub-unidades da música: 1 - um único movimento (M), 2 - outro movimento distinto (M), 3 - uma sequência de movimentos (S), 4 - outra sequência de movimentos (S), 5 - um único

50 Ver vídeo 30 (orientações nas páginas 178 a 180).

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movimento (M), 6 - uma sequência de movimentos (S) e 7 - outra sequência de movimentos (S). Assim em correspondência à seguinte estrutura: 1M – 2M - 3S – 4S - 5M – 6S – 7S.

Figura 23: estrutura musical para etapa 6 da proposta 10.

Como variação desta etapa, cada pessoa pode realizar uma parte da estrutura da improvisação de movimentos. Em um grupo de três pessoas, por exemplo, uma pessoa corresponderá à introdução da música, realizando dois movimentos distintos nestas sub- unidades (1M – 2M) enquanto as ouras estão em imobilidade. A segunda pessoa corresponderá as sub-unidades A1 e A2, realizando duas sequências distintas de movimentos (3S – 4S). A primeira pessoa retomará a movimentação na unidade tema B (5M) e a última pessoa, nas sub-unidades A3 e A4, realizará duas sequências distintas de movimentos livres (6S – 7S). 7 – ouvir a música e perceber outra forma de sub-divisão de suas unidades, em doze sub-unidades (ver gráfico abaixo). Para efeito de esclarecimentos, as unidades Introdução e Tema B e as sub-unidades A1, A2, A3 e A4 foram dividas ao meio. Assim, cada uma das doze sub-unidade passa a ter duas pulsações ou tempos musicais (informações não fornecidas ao grupo). Realizar uma improvisação estruturada de doze movimentos distintos (totais e/opu parciais), correspondendo a cada uma das doze sub-unidades da música.51

Figura 24: estrutura musical para etapa 7 da proposta 10.

Como variação desta etapa, realizar uma improvisação estruturada com um movimento distinto (M), correspondendo a cada uma das sub-unidades da música, intercalando com pausas (X), como por exemplo, nas sub-unidade 2 (Intro), 5 (A3), 7 (B1) e 12 (A8). Assim, a improvisação corresponderia à seguinte estrutura: 1M – 2X – 3M – 4M –

51 Ver vídeo 31 (orientações nas páginas 178 a 180).

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5X – 6M – 7X – 8M – 9M – 10M – 11M – 12X (ver gráfico abaixo).52

Figura 25: estrutura musical para etapa 7 da proposta 10.

É importante destacar que na execução destas propostas, podem acontecer diferenças entre as percepções da música ouvida, a música desenhada (representação da percepção da música ouvida) e da música dançada. Por exemplo, às vezes quando as pessoas somente ouvem a música (audição relaxado-passiva), tem uma determinada percepção de tamanho / duração da música ou de suas partes e quando improvisa a música com movimentos, passa a ter outra percepção de suas partes e/ou durações das sub-unidades. Assim, embora a pessoa possa fazer um desenho representando determinada quantidade de partes da música ouvida, quando executa a improvisação de movimentos, se relaciona com a música a partir de outras sub-unidades. E é nisso que se encontra o valor deste tipo de trabalho, propiciar novas relações entre percepção e expressão.

Foto 23: artistas executando a proposta 10, por Juliana Passos (2015).

52 Ver vídeo 32 (orientações nas páginas 178 a 180).

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Proposta 11 - Estruturas Sonoras 2 música 06

Esta proposta de improvisação foi baseada na música 06 (Melodias da Finlândia – Velikulta Veikkoseni), da publicação Estruturas Sonoras 253, de Gelewski. Foram realizadas várias etapas de improvisação livre e estruturada: 1 – ouvir a música, de olhos fechados (audição simples, relaxado-passiva). 2 – realizar uma improvisação livre de movimentos com a música54. 3 - ouvir novamente a música três vezes e tentar perceber suas partes principais (unidades maiores). Depois, sem a música, procurar formas de representar a estrutura musical percebida através de desenho (formas livres ou estruturadas).

Foto 24: desenhando a estrutura musical, por Juliana Passos (2015).

4 - analisar e discutir o desenho de cada um do grupo (representativo da percepção individual da estrutura da música). A música deverá ser repetida para que cada um mostre em seu desenho como percebeu a estrutura musical. Nesse caso, com o grupo houve representações de cinco e oito sub-unidades da música.55

53 GELEWSKI, Rolf. Estruturas sonoras 2: exercícios de concentração e unificação com base em audições específicas de música e na movimentação reduzida do corpo. Salvador-BA: Nós Editora, 1975. 54 Ver vídeo 33 (orientações nas páginas 178 a 180). 55 Ver foto 25: desenhos da estrutura da música (página 96).

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Foto 25: desenhos da estrutura da música, por Juliana Passos (2015)

5 – ouvir a música novamente e perceber três partes principais (ver gráfico abaixo): início (Tema A), desenvolvimento (Tema B) e finalização (Tema A1). Realizar uma improvisação de movimentos com a música, a partir destas três unidades. Para efeitos de esclarecimentos, as unidades Temas A e A1 possuem 30 pulsações ou tempos musicais cada e o Tema B possui 20 pulsações (informações não fornecidas ao grupo).

Figura 26: estrutura musical para etapa 5 da proposta 11.

Como variação desta etapa, pode-se realizar uma improvisação de movimentos em grupo, com cada pessoa ou grupo de pessoas se movimentando somente em uma das três unidades, enquanto os outros integrantes permanecem imóveis.

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6 – em duplas, realizar uma improvisação de movimentos em uma única direção, como, por exemplo, um deslocamento em diagonal, da lateral esquerda da zona posterior da sala até a lateral direita da zona média, seguindo a fluência da música e diferenciando as três unidades com movimentações com qualidades distintas. A direção do movimento deve-se manter continuamente para frente, não podendo recuar para trás. Como variação desta etapa, pode-se sugerir que duas duplas realizem a improvisação em direções opostas (a segunda dupla iniciando na lateral direita da zona média e deslocando-se em direção à lateral esquerda da zona posterior).56

7 – ouvir a música e perceber que a unidade Tema A pode ser dividido em três sub-unidades e a unidade Tema B, dividido em duas, totalizando 8 sub-unidades (ver gráfico abaixo). Para efeitos de esclarecimentos, cada sub-unidade terá dez pulsações ou tempos musicais (informação não fornecida ao grupo), exceto a sub-unidade A6 que terá 11 pulsações. Realizar uma improvisação estruturada de movimentos que corresponda a estas oito partes da música, realizando um só movimento e/ou sequências de movimentos distintos durante a execução de cada sub-unidade.

Figura 27: estrutura musical para etapa 7 da proposta 11.

8 – realizar uma improvisação estruturada com oito movimentos distintos (parciais ou totais) indicando oito direções espaciais de livre escolha, cada movimento correspondendo à duração de cada uma das oito sub-unidades da música (conforme gráfico acima). O início e o término de cada movimento deve corresponder ao início e término de cada sub-unidade musical. Repetir a música quatro vezes para elaboração e definição individual da sequência dos oito movimentos, podendo utilizar desenhos para registrar uma partitura dos movimentos (com formas livres). Realizar apresentação desta sequência de movimentos em grupo.57

56 Ver vídeo 34 (orientações nas páginas 178 a 180). 57 Ver vídeo 35 (orientações nas páginas 178 a 180).

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Foto 26: artistas executando proposta 11, por Juliana Passos (2015).

9 – realizar uma improvisação livre de movimentos com a música. Em seguida, descrever imagens, sensações, sentimentos e/ou lembranças que a música possa ter despertado. Apareceram personagens, cenários, paisagens, objetos, cores, cheiros ou algum sentimento ao ouvir e dançar a música? 10 – ouvir a música e elaborar uma pequena história ou cena, correspondendo às partes principais (unidades) da música (início A, desenvolvimento B e finalização A1). A música deverá ser executada no mínimo três vezes para que o grupo possa improvisar movimentos que representem de maneira poética (evitando representações de sentido literal, como mímica, por exemplo) a cena ou história elaborada. Cada pessoa irá apresentar sua cena e o grupo irá discutir as possibilidades de construção de sentidos e significados. Em seguida, todas as cenas deverão ser executadas juntas, após uma breve análise das trajetórias espaciais, posições iniciais e finais, e realizando as adaptações necessárias para evitar colisões.58

4.3 Improvisações: Artes Visuais e dança

Proposta 12 – Paul Klee 1 – contemplar a imagem abaixo por alguns minutos como se fosse uma música que vai se apresentando aos poucos (visão relaxado-passiva). O olhar poderá percorrer a

58 Ver vídeo 36 (orientações nas páginas 178 a 180).

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imagem de cima para baixo lentamente ou da esquerda para direita (ou a critério do fruidor).

Figura 28: obra de Paul Klee (1920).

2 - em uma música estão presentes muitos elementos (melodia, timbres, pulsação, ritmo) e não conseguimos nos ater a todos ao mesmo tempo. É necessário direcionar a audição e a atenção, se quisermos reconhecê-los ou percebê-los. O mesmo ocorre com a visão, assim nesta etapa deve-se escolher algo que chama a atenção, algo para focar na observação: cores, formas, linhas ou traços, estrutura da composição, figuras, etc. Observar este elemento, percebendo se sugere sensações, sentimentos, lembranças ou até mesmo outras imagens. Elaborar um desenho que represente de algum modo seu olhar subjetivo (impressões) sobre a imagem. Quais sensações, sentimentos, lembranças ela despertou? Não é necessário fazer um desenho muito elaborado, pode ser figurativo ou abstrato (utilizar no máximo 5 minutos para esta etapa). Escrever atrás do desenho algumas palavras-chave que se relacionem com estas impressões.59

59 Ver fotos 27 e 28 (página 100).

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Foto 27: desenhando impressões da imagem, por Juliana Passos (2015).

Foto 28: desenhos das impressões, por Juliana Passos (2015).

3 - realizar improvisações livres de movimentos, sem música e depois com duas ou três músicas diversas (com qualidades expressivas, rítmicas, melódicas diferenciadas), a partir do desenho individual, do olhar subjetivo sobre a imagem inicial. O foco agora não deve ser a música, assim ela não deverá influenciar os movimentos, sua velocidade ou dinâmica. Neste momento, a música deverá ser somente um pano de fundo ou um facilitador para estabelecer a conexão entre o desenho das impressões e a improvisação de movimentos. O foco estará no que a imagem despertou. Assim, a improvisação de movimentos será inspirada pelos desenhos individuais e os temas / imagens / lembranças suscitados pela

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imagem original.60 4 – após realizar cada improvisação livre da etapa anterior, anotar atrás do desenho qualidades de movimento (peso, dinâmica, velocidade, fluência, uso do espaço, regiões e direções do espaço), formas (curvas, retas, contraídas, dilatadas), ações ou gestos que se tornaram recorrentes. Perceber se os elementos se repetem em cada improvisação ou se são modificados, intensificados ou se desaparecem. 5 – selecionar cinco ações ou gestos recorrentes e três deslocamentos que surgiram ao longo das improvisações de movimentos. Elaborar uma pequena cena com estes elementos, primeiramente sem música. Posteriormente, todas as cenas individuais poderão ser executadas juntas, após uma breve análise das trajetórias espaciais, posições iniciais e finais, e realizando as adaptações necessárias para evitar colisões.61

Foto 29: artistas executando proposta 12, por Juliana Passos (2015).

6 – discutir em grupo os elementos formais da imagem (cores, traços, figuras, distribuição no espaço, direções, formas, equilíbrio, estrutura, etc). Apresentar o título da imagem: “A Spirit Serves a Small Breakfast, Angel Brings the Desired” (1920) e informações sobre o artista Paul Klee. Discutir sobre os possíveis significados da imagem. Perceber se as primeiras impressões foram alteradas após o conhecimento do título e autor. Muitas vezes, elementos que não tinham importância na construção dos sentidos, poderão ser identificados. É importante destacar que os significados e sentidos de uma obra de arte (uma música ou pintura, por exemplo) se relacionam com a cultura (ambiente em que vive) do

60 Ver vídeo 37 (orientações nas páginas 178 a 180). 61 Ver vídeo 38 (orientações nas páginas 178 a 180).

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fruidor e também com suas vivências pessoais. Esta construção de significados também pode ser influenciada por informações relacionadas à vida do autor, época e local em que a obra foi criada, título e/ou tema, história relacionada à sua criação, entre outros fatores. Algumas obras são mais fechadas (por exemplo, obras figurativas ou como mimese da realidade) e outras mais abertas (por exemplo, obras abstratas ou subjetivas), porém a construção de significados também depende das vivências pessoais do fruidor. Todos podem ver um coração vermelho (sua forma e sua cor) e uma figura que serve algo, porém o significado desta imagem para cada um poderá ser diferente: como gratidão / caridade ou submissão / servidão. Assim, é importante não apresentar um significado fechado para a imagem e permitir que as pessoas apresentem seus pontos de vista e significações, sem influenciá-los.

Proposta 13: pinturas abstratas

Foto 30: pinturas abstratas, por Juliana Passos (2015).

1 – apresentar pinturas abstratas com temas diversos ao grupo. Na realização desta proposta, foi solicitado que uma integrante do grupo (Érica Alves) levasse algumas de suas produções visuais pré-existente (pinturas em aquarela)62. Quando não houver produções visuais do grupo, é possível produzi-las na própria atividade, como uma preparação (desenhos livres) ou apresentar imagens de algum artista (ou artistas) previamente selecionado.

62 Ver foto 30: pinturas abstratas (página 102).

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Observar/ contemplar passivamente todas as imagens, buscando neste primeiro momento não realizar associações mentais ou interpretações, podendo se deslocar pelo espaço enquanto observa as imagens. Realizar um olhar “esvaziado”, sem pretensões. Posteriormente selecionar uma imagem que tenha chamado sua atenção por algum aspecto e realizar improvisações livres com músicas diversas.63

Foto 31: improvisação livre a partir dos desenhos, por Juliana Passos (2015).

2 – realizar uma segunda observação da imagem escolhida: Quais sensações, sentimentos ou lembranças ela despertou? Buscar interpretações e construção de significados pessoais para a imagem. Elaborar um desenho que represente de algum modo o olhar subjetivo (impressão) sobre a imagem64. Não é necessário fazer um desenho muito elaborado (utilizar no máximo 5 minutos para esta etapa). Escrever atrás do desenho algumas palavras- chave que se relacionem com estas impressões e significações. 3 – em uma roda de conversa, apresentar os desenhos individuais e impressões sobre as imagens utilizadas como inspiração. Refletir e discutir algumas questões: Por que escolhi esta imagem? O que ela despertou em mim? O que percebi na imagem (elementos formais, e/ou estruturais)?

63 Ver vídeo 39 (orientações nas páginas 178 a 180). 64 Ver foto 32: desenhos das impressões (página 104).

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Figura 29: desenhos das impressões (2015).

4 - realizar improvisações livres de movimento, com pelo menos duas músicas diversas (com qualidades expressivas, rítmicas, melódicas diferenciadas), a partir do desenho individual, do olhar subjetivo sobre a imagem original. Fazer novas anotações sobre as sensações / impressões dos movimentos realizados na improvisação. Repetir a improvisação sem música, percebendo se há diferenças nos movimentos realizados.65

A sensação do fogo, da base, de aquecer a base e começar a efervescer, a crescer, a respingar, a criar outras formas, a se modificar Sensação de caos, de loucura, de confusão, de fusão. Anotações sobre a improvisação: Sensação de inflamação, exuberância, contágio, explosão, expansão, desordem, vibração, espasmos, contração, agressão. (anotações de Eliana Mônaco, 15/05/2015, vide figura 29 acima, desenho 1, superior esquerdo)

Círculo que concentra, protege, retém óvulo. Linhas que se prolongam e se movimentam, serpente, espermatozoide. Água, útero, água intrauterina. Anotações sobre a improvisação: Dervixe. Feto. Serpente com cabeça rápida, no chão, no alto. Círculo rodante. Espermatozoide em volta do óvulo rápido. (anotações de Renata Volpato, 15/05/2015, vide figura 29 acima, desenho 2, superior direito)

Novos símbolos novas linguagens, era atômica, códigos

65 Ver vídeos 40 e 41 (informações nas páginas 178 a 180).

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indecifráveis, alienígenas, runas, ruínas, erro, imperfeição, incompletude, antimatéria. Anotações sobre a improvisação: Butô, estrebuchar, convulsão, libertário, errático, repentino, inesperado, ritmo dos músculos, bola com braços. (anotações de Érica Alves, 15/05/2015, vide figura 29 acima, desenho 3, inferior esquerdo)

Entrelaçar, caminhos indiretos, formas retilíneas, pontuados, centro – extremidade. Anotações sobre a improvisação: Jogar, atirar. Concentrar e soltar. Displicência. Liberdade. Caminhos. Investigação. (anotações de Laís Rodriguez, 15/05/2015, vide figura 29 acima, desenho 4, inferior direito)

5 – trocar o desenho individual com outro membro do grupo, formando duplas preferencialmente com imagens originais distintas. Realizar improvisações livres, a partir do olhar do outro sobre outra imagem. Não utilizar a imagem original como estímulo. Esta etapa deverá ser realizada sem música. 6 – apresentar uma improvisação livre de movimentos, com música, para a pessoa que produziu o desenho. Na repetição da música, inverter a ação de observador e executor. Realizar no final uma conversa entre as duplas. Questões a serem discutidas com o grupo: Quais as diferenças podem ser apontadas sobre a improvisação realizada a partir de seu olhar sobre uma imagem e da improvisação realizada sobre o desenho de outro? A improvisação realizada pelo outro sobre seu desenho mostrou outros aspectos antes não observados na imagem? É possível ver uma relação entre os movimentos finais com a imagem original, inspiradora dos desenhos?

Foto 32: desenhando a partir de pinturas abstratas, por Juliana Passos (2015).

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Proposta 14: pinturas figurativas 1 – apresentar para o grupo imagens figurativas que abordem um mesmo tema (por exemplo, a figura humana, paisagens da natureza, natureza morta, retrato, paisagens urbanas). Com o grupo foram apresentados dois desenhos com o tema da figura feminina, produzidos por uma integrante do grupo (Laís Rodriguez)66, porém esta etapa pode ser realizada com imagens selecionada de artistas diversos. Realizar uma contemplação relaxado- passiva das imagens, primeiramente no silêncio (sem música) e depois com uma música de livre escolha do orientador da proposta.

Foto 33: artistas executando a proposta 14, por Juliana Passos (2015).

2 – selecionar uma das imagens e elaborar um texto (narrativo / descritivo / poético) sobre a figura que aparece na imagem, criando uma história ou um enredo. Escolher também se o texto será escrito em primeira pessoa como observador da imagem ou como sendo o próprio personagem, ou em terceira pessoa, falando sobre a imagem. Questões para reflexão: O que eu vejo e o que sinto? Onde estou? Quais sensações, sentimentos ou lembranças foram despertadas pela imagem? O que aconteceu antes e o que irá acontecer depois com aquele personagem?

66 Ver foto 33: artistas executando a proposta 14 (página 106).

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Em um quarto sem janela, um livro se abre como tal. Já consigo ver um universo por frestas, buracos, rasgos e afins. O envolvimento é tamanho.. posso perceber quadriculados translúcidos sobre a parede e enxergo além, através, entre... Não sinto frio, nem medo, nem angústia... Não quero fechar esse mundo, como fecho o livro, pois caso feche-me junto intuo perder-me, perder o pouco que achei. (texto produzido por Pâmela Raizia, 12/06/2015)

Essa personagem (mulher) desperta para o desejo, algo a transborda, a luz a preenche, dentro para fora. É manhã. Ela está sozinha em casa e em sua mente há apenas seus sonhos recorrentes da noite. O olhar na janela faz lembrar quando era criança, de quando seus olhos eram pequenos. (texto produzido por Felipe de Castro, 12/06/2015)

Quem é? O que é? É uma moça com rosto sem definição. Ela escorrega e flui mas mantêm os seios firmes. É um lugar macio e fofo. Sinuoso. Clareza. Feminilidade. (texto produzido por Laís Rodriguez)

3 – realizar improvisações livres de movimento, a partir do texto elaborado, sem música e com músicas diversas (no mínimo duas). Perceber se os elementos (gestos, ações, movimentos) presentes se repetem em cada improvisação ou se são modificados, intensificados ou desaparecem. 67 4 – selecionar pelo menos 5 ações ou momentos recorrentes na improvisação de movimentos para estabelecer uma estrutura para uma pequena cena. Deve-se elaborar uma improvisação estruturada, com cinco temas ou momentos de movimentos, surgidos ao longo das improvisações. 5 – apresentar para o grupo o texto e a pequena cena elaborada. O grupo deverá discutir as possibilidades de construção de sentidos e significados. Em seguida, todas as cenas deverão ser executadas juntas, após uma breve análise das trajetórias espaciais, posições iniciais e finais, e realizando as adaptações necessárias para evitar colisões.

Proposta 15: Wassily Kandinsky

1 – contemplar a imagem (figura 29 na página 108) abaixo por alguns minutos como se fosse uma música que vai se apresentando aos poucos (visão relaxado-passiva). O olhar poderá percorrer a imagem de cima para baixo lentamente ou da esquerda para direita

67 Ver vídeo 42 (informações nas páginas 178 a 180).

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(ou a critério do fruidor). Realizar um único movimento (total ou parcial) relacionado à imagem. Em seguida, realizar uma improvisação livre de movimentos a partir da imagem.

Figura 30: Quadrado negro (Kandinsy, 1923).

2 – perceber as partes que compõem a imagem (estrutura formal) e agrupá-las em unidades principais, por exemplo, percebendo formas e cores dispostas no espaço: a forma na parte superior da imagem (arcos amarelos), a forma central (escada vermelha e círculo amarelo com triângulos azul e vermelho), a figura da esquerda (triângulo amarelo, arcos coloridos, círculo preto e figura vermelha), e os círculos e linhas pretas no canto direito. Realizar quatro movimentos (totais ou parciais) relacionados a cada uma destas unidades da imagem. 3 – perceber partes menores que compõem a imagem (análise quantitativa das formas) e agrupá-las por características comuns: por exemplo, agrupar todos os círculos, arcos, triângulos, linhas ou retângulos ou agrupá-los por cores, as formas pretas, amarelas, azuis, vermelhas, cinza. Realizar sequências de movimentos em correspondência à quantidade e tipos de agrupamentos escolhidos. 4 – realizar uma segunda observação da imagem escolhida, analisando suas qualidades expressivas ou buscando a construção de significados para as formas. Por

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exemplo, o agrupamento de arcos coloridos pode ser interpretado como um arco-íris, o círculo amarelo, como um sol ou uma lua, arcos como nuvens, retângulos e triângulo como montanhas e arvores. Em seguida, imaginar que está dentro desta cena / paisagem e realizar uma improvisação livre com músicas diversas. 5 – realizar uma terceira observação, buscando interpretações e construção de significados pessoais para a imagem. Quais sensações, sentimentos ou lembranças ela despertou? Elaborar um desenho que represente de algum modo o olhar subjetivo (impressão) sobre a imagem. Não é necessário fazer um desenho muito elaborado (utilizar no máximo 5 minutos para esta etapa). Escrever atrás do desenho algumas palavras-chave que se relacionem com estas impressões e significações. 6 - realizar improvisações livres de movimento, a partir do desenho das impressões e das palavras-chave, sem música e com músicas diversas (no mínimo duas). Perceber se os elementos (gestos, ações, movimentos) presentes se repetem em cada improvisação ou se são modificados, intensificados ou desaparecem.

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Foto 34: cena do espetáculo “Doar-se dor”, por Rodrigo Faria (2016).

5 – PROCESSO CRIATIVO

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5.1 A etapa artístico-criativa

A etapa criativa da pesquisa pode ser dividida em momentos distintos: inicialmente o desenvolvimento do estudo cênico I (solo de dança contemporânea), no segundo semestre de 2013, e seu aprofundamento no segundo semestre de 2014, a partir de uma gravura de Paul Klee (A Spirit Serves a Small Breakfast, Angel Brings the Desired, 192068) e laboratórios individuais de improvisação e criação em dança. Posteriormente, em abril de 2015, esta proposta foi apresentada ao grupo como exercício das possibilidades de relação entre dança e elementos da linguagem visual, conforme já descrito no capítulo 4.3. Em 2015, o estudo cênico foi ampliado e apresentações parciais foram realizadas em fevereiro e junho. Assim, optou-se por dar continuidade e aprofundamento na proposta para construção de um espetáculo com o grupo de artistas voluntários. Foram realizados laboratórios de improvisação e criação para que cada integrante pudesse elaborar um solo de dança, utilizando o conceito de improvisação estruturada, que regeu também o estudo cênico. Cada integrante buscou outras referências, além da obra de Klee, para a construção de seus personagens, como poemas, textos, filmes, músicas ou outras imagens. Também foi estimulado que escrevessem textos sobre seus processos de criação. E meu papel passou a ser de orientação dos processos criativos individuais e de direção do espetáculo. Em um terceiro momento, no segundo semestre de 2015, foram realizadas conversas e reflexões com o grupo sobre as possibilidades de temática do espetáculo, além de novos laboratórios coletivos, para criar novas cenas e definir a estrutura do espetáculo. Foram desenvolvidos laboratórios da performance inicial (espaço externo - arena) e do cortejo (transição do elenco e do público para a espaço de apresentação – palco italiano ou semi- arena). Neste período, foi realizada uma parceria com Érica Alves, artista voluntária do grupo com formação em música, para desenvolver a trilha sonora69 do espetáculo (compor músicas para cenas e editar e/ou criar efeitos em músicas pré-existentes). Também foi criado um grupo fechado em rede social da Internet para servir de diário de compartilhamento do processo, onde foram postados vídeos dos laboratórios e ensaios, fotos, textos e imagens e o grupo participou com comentários, reflexões e materiais. No primeiro semestre de 2016, surgiu a necessidade de buscar outra imagem de

68 Ver figura 31 na página 114. 69 Ver item trilha sonora, do capítulo 5.3 nas páginas 141 a 143.

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Klee que pudesse fazer oposição à primeira imagem e às impressões do grupo. Realizamos uma pesquisa de outros “anjos” de Klee e encontramos uma imagem (Forgetful angel, 1939) que nos pareceu pertinente com o tema que queríamos abordar para conclusão do espetáculo. Assim, realizamos um trabalho inverso: a primeira obra foi utilizada como inspiração, como disparadora de temas, já a segunda obra, serviu para reforçar uma necessidade interna da dramaturgia da cena. Foram realizados novos laboratórios de improvisação e criação e duas músicas foram compostas, a partir da nova imagem de Klee, do tema abordado e das movimentações surgidas. Posteriormente o trabalho corporal foi estruturado a partir da estrutura das músicas, em um fluxo contínuo de inspirações: imagem (Klee) que inspira dança e música, dança que inspira música e música que inspira dança. Por fim, foram realizadas duas parcerias com artistas visuais, Diego Alexandre de Souza (também voluntário da pesquisa) que criou os materiais gráficos do espetáculo (cartaz e programa)70, a partir de desenhos de sua autoria inspirados nas cenas, personagens e temática do espetáculo. E também a artista visual Roberta Santana que criou o cenário71 do espetáculo, inspirado nas movimentações e nas cenas e nos desenhos elaborados pelo grupo a partir da primeira obra de Klee. E assim, o fluxo de inspirações foi se retroalimentando: dança inspirando imagens (material gráfico e cenário), desenhos inspirados em imagem (Klee) e inspirando novas imagens (cenário). A concepção e escolha dos figurinos72 e objetos cênicos foram realizadas por mim, a partir de discussões com o grupo sobre as necessidades dos personagens e das cenas. E a iluminação do espetáculo também foi elaborada por mim, em parceria com técnicos do Instituto de Artes, Valmir Perez e Airton Oliveira73. Vale destacar também a parceria com a atriz Tânia Villarroel que participou de todos os encontros e ensaios do grupo, a partir de fevereiro de 2016, dando suporte técnico (som e vídeo) e sugestões pertinentes ao processo de criação. Também orientou um trabalho prático para auxiliar o processo de criação em março de 2016. Outros artistas e professores foram convidados ao longo do primeiro semestre de 2016 para assistir os ensaios e dar sugestões para o aprimoramento do trabalho: professor Atílio Avancini e Paulo Baeta, Aryamani, a mestranda Maria Fernanda Miranda e os

70 Ver item material gráfico do capítulo 5.3, nas páginas 150 e 151. 71 Ver item cenário, do capítulo 5.3, nas páginas 145 a 147. 72 Ver item figurinos, do capítulo 5.3, nas páginas 143 a 145. 73 Ver item iluminação, do capítulo 5.3, nas páginas 148 e 149.

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doutorandos André Sarturi e Adriana Barcellos. No início de maio de 2016, realizamos no Departamento de Artes Cênicas da UNICAMP dois ensaios abertos (público em geral) para testes do cenário, figurino e iluminação com elenco completo. A defesa com a estreia do espetáculo ocorreu em julho de 2016, porém um integrante do grupo não pode participar da apresentação. Apresentamos uma nova versão adaptada do espetáculo somente com as mulheres, o que deu outro caráter para o trabalho, reforçando a questão do feminino nas relações humanas. Com o término da pesquisa, o grupo se desfez devido aos projetos pessoais de cada integrante (pesquisas de mestrado, viagens e tournées internacionais). Sendo assim, atualmente o trabalho foi reestruturado e adaptado para um solo a partir da mesma estrutura do espetáculo grupal. É interessante observar que o processo de criação iniciou-se através do estudo cênico I (solo) que foi expandido para o trabalho coletivo e retorna agora como solo com outra roupagem, modificado pela experiência coletiva.74 Segue abaixo a descrição e reflexões sobre todo o processo de criação do espetáculo “Doar-se dor”, além dos elementos cênicos (figurino, trilha sonora, cenário, iluminação) e material gráfico de divulgação.

Estudo cênico I: solo de Juliana Passos Ao me deparar com esta gravura de Klee75 (ver figura 30 na próxima página), fui tocada primeiramente pelas cores, um vermelho vivo emoldurando um amarelo forte, cores bem quentes que contrastavam com os traços pretos, suaves e simples, quase infantis, que formam a figura central. O coração vermelho no centro da figura vertical também me chamou muita atenção. Confesso que somente percebi o real significado da figura após ler o título da obra (A Spirit Serves a Small Breakfast, Angel Brings the Desired). Pude então visualizar que a figura possuía asas e carregava uma bandeja de café. De qualquer forma, não tive uma leitura muito positiva da imagem: não a interpretei como uma alma bondosa ou realizando um gesto de carinho, afeto ou caridade. As informações sobre a obra (título e autor) alteraram minha percepção original, mais focada os elementos formais da imagem (cores, traços e formas), e construíram novos significados: servidão, opressão, doação, entrega, sofrimento, dor.

74 Ver vídeo 61 (informações nas páginas 178 a 180). 75 Paul Klee (1879 – 1940), pintor suíço naturalizado alemão, com influências das correntes modernistas expressionismo, cubismo, surrealismo e abstracionismo. Atuou como professor na Escola de Bauhaus.

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Figura 31: obra de Paul Klee (1920).

Após as reflexões iniciais, realizei improvisações livres com músicas diversas e surgiram alguns temas recorrentes na movimentação. Foi possível perceber algumas tendências de qualidade dos movimentos: movimentos mais contidos, contraídos e curvos realizados na região mediana (com ênfase nos braços, mãos e cabeça) e à medida que o corpo subia para a região da altura, a inclusão de deslocamentos espaciais e de movimentos mais amplos, enfatizando as formas e trajetos curvos e o peso mais leve (parte superior do corpo).

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Foto 35: estudo cênico I, por Adriana Barcellos (2013).

Duas sensações ficaram bastantes presentes nas improvisações: o centro do peito (o coração) e o movimento curvo, a sinuosidade (ora com tensões e ora com suavidade). O doar-se para o outro, gesto que pode trazer um conforto, uma sensação de calma e tranquilidade pela satisfação de ajudar, pode em algumas vezes trazer sofrimentos e angústias. Doar-se (sentimento que se projeta de dentro para fora, de você para o outro) sem nunca receber nada pode também causar dor e sofrimento (sentimento que invade de fora para dentro, do outro para você). Durante as improvisações surgiu também uma terceira referência, algo relacionado com a cabeça e com os cabelos. Surgiram movimentos de puxar, embaralhar, acariciar. Foi criando forma uma personagem feminina, mulher com cabelos longos, porém que não tinha rosto, somente costas, braços e cabelos. Em todo o momento da cena aparecia de costas, em alguns momentos de perfil e nos raríssimos momentos em que aparecia de frente, os cabelos lhe cobriam o rosto. Personagem mulher, sem identidade. Doou-se demais e esvaziou-se. Após estas primeiras experiências, realizei outras improvisações sem música e busquei resgatar as imagens, as sensações iniciais e os movimentos realizados. Alguns movimentos e posições / direções no espaço foram sendo definidos, porém o estudo permaneceu como uma improvisação. Não há movimentos coreografados (em quantidades ou ordem pré-definidas), somente posições iniciais e finais e determinados percursos espaciais pré-definidos, compondo assim uma improvisação estruturada.

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Foto 36: estudo cênico I, por Adriana Barcellos (2013).

A estrutura final do estudo76 (apresentação, desenvolvimento e conclusão) só foi definida completamente quando escolhi uma música para compor sua trilha sonora. Como a pesquisa aborda o processo de criação em dança e suas relações com a linguagem visual e musical, considerei pertinente relacionar o estudo também com uma música, construindo uma rede de influências e de (re) significações. Assim, realizei um laboratório de pesquisa de trilhas, com audições de diversas músicas buscando elementos formais e/ou estruturais que se relacionasse com o trabalho corporal desenvolvido e com minhas impressões / significações sobre a imagem de Klee. Busquei sonoridades distorcidas, com sinuosidade, lentidão, peso e que ao mesmo tempo trouxessem um pouco de amplitude e leveza. Encontrei no trabalho do artista Yo-Yo Ma77 “Obrigado Brazil” (2003), uma música instrumental que preencheu minhas necessidades de reforçar o trabalho corporal (e suas qualidades expressivas). Depois de improvisar com a música várias vezes os movimentos e gestos surgidos nos laboratórios, pesquisei sobre o título da música e o compositor: Apelo (1966), música de Baden Powell78 e letra de Vinícius de Moraes79. Também analisei a estrutura80 da composição (partes, frases), a partir do método Estruturas Sonoras 1 de Gelewski e defini uma estrutura para a cena.

76 Ver vídeo 43, com apresentação do estudo em disciplina da professora Elisabeth Zimmermann, da pós- graduação em Artes da Cena (novembro de 2013) da UNICAMP (orientações nas páginas 178 a 180). 77 Violoncelista francês (1955-) de origem chinesa. 78 Violonista brasileiro (1937-2000). 79 Poeta, compositor, dramaturgo e jornalista brasileiro (1913-1980). 80 Ver item 5.3 na parte da trilha sonora do espetáculo, nas páginas 141 a 143.

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Iniciei posteriormente um estudo da letra da canção, como uma referência poética. Apesar de utilizar uma versão da música somente instrumental e modificada com arranjos de Yo-Yo Ma para violoncelo (a música originalmente foi composta para violão e tocada com influência da bossa nova), pesquisei a letra da música e a partir de algumas palavras selecionadas, busquei estabelecer uma relação entre gesto/movimento e palavra/texto. Assim o estudo passou por modificações, intensificadas pelas palavras da canção, não somente pela imagem de Klee e pela música. O texto auxiliou na construção da história desta personagem feminina que “partistes sem sequer dizer adeus” devido à dor e a tristeza que o amado lhe causou. Em uma pesquisa por outras gravações desta música, encontrei uma versão81 com interpretação de Toquinho, Maria Bethânia82 e Vinícius de Moraes, cujo poema “Soneto da separação” é declamado no final. O poema foi incorporado também como referência poética do trabalho. Abaixo segue a letra da música e do poema com os trechos considerados mais relevantes para este estudo:

Apelo, Vinícius de Moraes Ah, meu amor não vais embora Vê a vida como chora, vê que triste esta canção Não, eu te peço não te ausentes Pois a dor que agora sentes só se esquece no perdão Ah, minha amada me perdoa Pois embora ainda te doa a tristeza que causei Eu te suplico não destruas tantas coisas que são tuas Por um mal que eu já paguei Ah, minha amada se soubesses Da tristeza que há nas preces Que a chorar te faço eu Se tu soubesses num momento todo arrependimento Como tudo entristeceu Se tu soubesses como é triste Perceber que tu partistes

81 Do álbum Vinícius + Bethânia + Toquinho em “La fusa” (Mar del Plata). Buenos Aires: 1971. 82 Toquinho (Antônio Pecci Filho) é cantor, compositor e violonista brasileiro (1946-). Maria Bethânia (1946-) é cantora e compositora brasileira.

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Sem sequer dizer adeus Ah, meu amor tu voltarias E de novo cairias A chorar nos braços meus!

Soneto da separação, Vinícius de Moraes De repente do riso fez-se o pranto, silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento, Que dos olhos desfez a última chama, E da paixão fez-se o pressentimento, E do momento imóvel fez-se o drama. De repente não mais que de repente, Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho que se fez contente. Fez-se do amigo próximo, o distante, Fez-se da vida uma aventura errante, De repente não mais que de repente.

Como etapa final, defini um vestido preto como figurino, com as costas em evidência e com tinta guache vermelha pintei as mãos e uma linha ligando-a ao coração. Uma referência direta à moldura vermelha do quadro de Klee mas também ao gesto da doação, realizado pelas mãos, transmitindo afeto (simbolizado pela forma do coração no quadro e também o local metafórico do sofrimento, da angústia). Criei um título para o trabalho: “Doar-se dor”. A dor do se doar e se perder de si. O estudo foi apresentado no evento Encontros Casa Sri Aurobindo (Caeté-MG) 83 em fevereiro de 2015 e surgiram alguns questionamentos do público sobre a personagem e se eu, como intérprete-criadora, não sentiria um desejo de solucionar o problema, o conflito apresentado em cena. Esta personagem feminina que sofreu, que se esvaziou e se perdeu de si, não iria se reencontrar? Não recuperaria sua identidade e sua alegria?

83 Ver vídeo 44, com apresentação do trabalho no referido evento (orientações nas páginas 178 a 180).

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Assim, retomei o trabalho de investigação e a partir do tema da recuperação da identidade, da amenização do sofrimento e do conflito, realizei novos laboratórios de improvisação e criação que culminaram em uma nova cena. Gestos e movimentos da cena anterior reapareceram com uma roupagem nova: com leveza, suavidade, sem o peso de outrora. O gesto / ação que anteriormente era o de se doar (movimento para fora, com o foco externo), representado com as mãos abertas e espalmadas, se transformou em um gesto de recolher, de trazer para si (movimento para dentro, com o foco interno). A personagem recupera sua identidade (representada por seu rosto), suaviza os gestos e movimentos, recolhe lembranças e os “cacos” para se reconstruir. Para esta nova cena foi realizada uma nova seleção de trilha sonora, a partir dos temas trabalhados nas improvisações: leveza, suavidade, pureza, esperança, recuperação. Encontrei, no trabalho do artista Yo-Yo Ma, outra música instrumental que preencheu esta necessidade, via elementos formais e estruturais de suas sonoridades. A composição escolhida foi A lenda do caboclo (1920, composta originalmente para piano) de Heitor Villa-lobos84. Também analisei a estrutura85 da composição (partes, frases), a partir do método Estruturas Sonoras 1 de Gelewski e defini uma estrutura para a improvisação da cena. O estudo completo, com as duas cenas, foi apresentado em eventos, como Unidança86 (Auditório do Instituto de Artes da Unicamp, junho de 2015), demonstração técnica no 5º Seminário de Pesquisas em Andamento do PPGAC-USP (São Paulo-SP, setembro de 2015), Mostra Artística da Jornada de Pesquisa em Artes do PPG Artes-Unesp (São Paulo-SP, setembro de 2015), Encontros Casa Sri Aurobindo (Mário Campos-MG, janeiro de 2016) e apresentação como convidada do grupo de pesquisa do professor Adilson Nascimento da FE-Unicamp (Campinas-SP, março de 2016). Para o evento da Unesp, preparei uma performance inicial, anterior ao trecho do solo de dança, para ser apresentado no saguão do prédio (o solo foi apresentado dentro da sala de espetáculo). Nesta cena, apresentei a personagem se relacionando com um espelho: observa seu rosto, seu corpo, o espaço e as pessoas através do reflexo. Em seguida, o ato de pintar as mãos e os braços é incorporado à cena. À medida que a performance foi se desenvolvendo, pequenos gestos e ações do estudo cênico aparecem como um resumo, uma síntese e o corpo cotidiano vai dando lugar ao corpo distorcido, tenso, sem rosto que caminha em direção à sala do espetáculo, conduzindo o

84 Heitor Villa-lobos (1887-1959), maestro e compositor brasileiro. 85 Ver item 5.3 na parte sobre a trilha sonora do espetáculo, nas páginas 141 a 143. 86 Ver vídeo 45, com apresentação do trabalho no referido evento (orientações nas páginas 178 a 180).

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público como um cortejo para o início do solo. Posteriormente esta cena da performance e do cortejo foi aprofundada com o grupo e incorporada ao espetáculo. Ressalto que a proposta de usar uma imagem como estímulo para criação em dança não se relacionou com a reprodução (ou representação) desta pelos movimentos e gestos corporais. O anjo com a bandeja de café da manhã de Paul Klee não foi representado na personagem feminina sem rosto, como mimese ou cópia, porém algo os unia: as mãos que doam seu coração para o outro. A minha dança representa o meu olhar sensível sobre esta imagem do anjo, os elementos que atraíram meu olhar e os significados que criei. O meu “anjo” sofre e sente dor. Cabeça, ausência de rosto, cabelos longos, mãos, coração, costas, tensão, braços, círculos, entregar. Razão e emoção buscando o equilíbrio numa corda bamba. Movimentos que ora parecem querer abrir o peito, o coração, ora parecem querer retirar algo da cabeça (lembranças). Personagem sem rosto, que diz com as mãos. O sofrimento tem rosto? Doar-se Dor.

Foto 37: Juliana Passos, por Francisco Silva (2015). Foto 38: Juliana Passos, por Rodrigo Faria (2015).

Estudo cênico II – solos dos integrantes do grupo O grupo que chegou até a fase final da pesquisa (algumas pessoas deixaram de

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participar ao longo do processo87) é composto por uma cantora e musicista de São Paulo-SP, Érica Alves, um estudante de Artes Visuais, Diego Alexandre de Souza e uma jornalista e professora de dança de Campinas-SP, Eliana Mônaco, que participaram das atividades desde o início, em 2014. Em 2015 duas atrizes, mestrandas em Artes da Cena, Pâmela Raizia e Renata Volpato, passaram a integrar também o grupo.88 Dois destes integrantes foram voluntários da pesquisa de mestrado desenvolvida entre os anos de 2011 e 2012, Eliana Mônaco e Diego Alexandre, atuando como intérpretes- criadores no experimento cênico “Viraser”. Os demais integrantes tiveram contato comigo e com os ensinamentos de Gelewski em disciplinas da professora Elisabeth Zimmermann, orientadora desta pesquisa, na pós-graduação em Artes da Cena da UNICAMP. Em abril de 2015 foi proposto para o grupo um exercício de improvisação a partir da mesma imagem de Paul Klee utilizada para a realização do estudo cênico I. O grupo não participou dos laboratórios nem das apresentações deste estudo, para não ser influenciado pelas minhas impressões e interpretações da obra de Klee. Posteriormente, no segundo semestre de 2015, decidi trabalhar com esta imagem para elaboração do espetáculo de conclusão desta pesquisa e os trabalhos com o grupo foram retomados. Cada integrante aprofundou seu estudo corporal, a partir de seu desenho (olhar individual / impressões sobre a obra de Klee) e após laboratórios de improvisação livre, definiu uma estrutura, uma sequência para os conteúdos corporais trabalhados (improvisação estruturada).89

Foto 39: estruturando cenas individuais, por Juliana Passos (2015).

87 Ver tabela 03 na página 167. 88 Ver depoimentos e currículo dos artistas voluntários no capítulo 8.4, nas páginas 168 a 177. 89 Ver vídeos 46 e 47 (orientações nas páginas 178 a 180).

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Em uma etapa posterior, os trabalhos individuais foram agrupados em duos e trios90, a partir de laboratórios de experimentações das relações entre os temas, os movimentos ou trajetórias espaciais individuais. Foi escolhida também uma trilha sonora91 para esta cena: “Bodas de Prata & Quatro cantos” de Egberto Gismonti / Geraldo Carneiro (1974)92. Foram realizadas também discussões e reflexões sobre o que cada integrante percebeu / interpretou da imagem de Klee e como desenvolveu estes elementos nos trabalhos corporais individuais. Elementos estruturais da imagem (formas, cores, traços) serviram de inspiração para seus processos de criação, porém elementos relacionados aos significados da imagem também vieram à tona nas improvisações.

Foto 40: discutindo impressões e desenhos, por Juliana Passos (2015).

Renata Volpato utilizou como referência as asas do anjo de Klee para uma metáfora da liberdade e da coragem de se lançar em desafios. Eliana Mônaco utilizou a forma do peito inflado do anjo, estabelecendo uma relação de orgulho, de confronto com o outro (que não está na cena, assim também como na obra de Klee, onde o outro que é servido não está presente). Érica Alves escolheu a imagem do olho e da ponta da asa como um cílio, trabalhando o tema do controle e dominação daquele que serve o outro. A integrante Pâmela Raizia focou suas pesquisas na forma do número 8 (ou do

90 Ver vídeos 48, 49 e 50 (orientações nas páginas 178 a 180). 91 Ver item 5.3 na parte sobre a trilha sonora do espetáculo, nas páginas 141 a 143. 92 Egberto Gismonti (1947-) é compositor, cantor, multinstrumentista e arranjador brasileiro de música instrumental. Geraldo Carneiro (1952-) é poeta, letrista e roteirista brasileiro.

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infinito) presente na figura do anjo, correspondendo a sua bacia e peito unidos, com uma interpretação de nós, torções, espirais, dificuldade de mobilidade, tensões. Diego Alexandre selecionou a forma do coração que na gravura de Klee é vermelho e localizado no abdômen da figura do anjo. Abaixo apresento trechos das pesquisas individuais do elenco, como anotações, estrutura de cena, referências poéticas, desenhos, entre outros:

Solo de Eliana Mônaco93 Palavras anotadas atrás do desenho (ver figura 32 abaixo): Ponto inflamado, peito alto, inflado, respiração presa, enfrentamento, fuga, distanciamento, isolamento, rastejar, tentativa de fazer o próprio caminho, auto afirmar, fluir, nova tentativa mais segura.

Figura 32: desenho de Eliana, a partir da obra 1 de Klee.

Estrutura da improvisação: 1 - peito estufado enfrentar / peito: puxar o peito para cima, na camisa, caminhar com o peito inflado, gesto para baixar o peito e a cabeça 2 - rejeição - cansaço, descanso e olhar para trás, tentar reconhecer 3 - rastejar cansada mas insistir 2 ou 3 vezes ate desistir

93 Ver vídeos 46, 47 e 49 (informações nas páginas 178 a 180).

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4 - recuar e sair para um caminhar ainda pesado, sofrido, tentar se libertar / limpar 5 - retornar mais leve e pedir, oferecer, deixar sair do peito 6 - caminhar mais solto mais livre / libertar 7 – voltar com humildade / harmonizar

Referência poética: Bicho de 7 cabeças – Geraldo Azevedo (1994) Não dá pé não tem pé nem cabeça Não tem ninguém que mereça Não tem coração que esqueça Não tem jeito mesmo Não tem dó no peito Não tem nem talvez Ter feito o que você me fez Desapareça cresça e desapareça Não tem coração que esqueça Não tem ninguém que mereça Não tem pé não tem cabeça Não dá pé não é direito Não foi nada eu não fiz nada disso E você fez um bicho de 7 cabeças Bicho de 7 cabeças Não dá pé não tem pé nem cabeça Não tem coração que esqueça Não tem ninguém que mereça Não tem jeito mesmo Não tem dó no peito Não tem nem talvez Ter feito o que você me fez Desapareça Bicho de sete cabeças, bicho de sete cabeças

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Solo de Renata Volpato94 Anotações atrás do desenho (ver figura 33 abaixo): casulo, asas, leveza, liberdade (o que almejo), coragem e a dificuldade de se alcançar. Deslocamento abrindo asas para frente e recolhendo asas para trás em gradação. Chacoalhar a partir do peito. Saltinhos. Voar, circular. Descer ao chão. Pular no abismo

Figura 33: desenho de Renata, a partir da obra 1 de Klee.

Estrutura da improvisação: 1 ovo/casulo – iniciar. Força para sair ate ficar em pé 2 peito, chacoalhar 3 liberdade com asas em oposições / batidas de asas 4 voar e recolher em gradações / voadas entrecortadas 5 atirar-se ao vento, voar, circular / voo circular 6 saltinhos: pés juntos e intercalados 7 queda 8 recuperação: do desequilíbrio à liberdade

Texto elaborado sobre o solo: “Um dia as asas chegaram. Asas que inspiravam liberdade, mas lembravam do duro caminho para conquistá-la. A dificuldade de um filhote de

94 Ver vídeos 47, 49 e 50 (informações nas páginas 178 a 180).

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pássaro quebrar o ovo e de se aventurar com seu corpinho e suas asinhas na imensidão do céu. A mesma dor que sofre uma lagarta para sair do casulo e virar borboleta mas que ninguém pode abreviar seu sofrimento tirando-a do casulo antes do tempo. O tempo é o de seu próprio esforço para metamorfosear-se em borboleta. O pássaro diante do abismo, frente ao desconhecido...treme de medo...acha que não terá coragem de se lançar...falta a confiança de que pode mais do que pensa poder. Até que a coragem toma suas entranhas e finalmente se arrisca a voar... Bate suas asas loucamente e para todas as direções, sem rumo certo, sem controle e apavorado... O descontrole cresce tanto que sucumbe ao chão e, estatelado, procura se recuperar. Depois de muito esforço se reorganiza e com harmonia e autodomínio voa finalmente em liberdade e confiança rumo ao desconhecido!”

Referência poética: "Asas que são braços abertos designam uma felicidade da terra. É a imagem oposta a braços que são asas e que nos transportam ao céu." (Bachelard, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1997)

Solo de Pâmela Raizia95 Anotações no desenho (ver figura 34 na página 127): micro tensões rápidas / máximas circularidades / quadril atrás (boom) / busca mãos.

Estrutura da improvisação: t1 - circular vários movimentos sem deslocamento t2 - tensão / inicio do deslocamento - conduz pelo peito t3 - baile entre circularidade e tensão t4 - circularidade que leva para plano médio (agachado sobre joelhos) t5 - deslocamentos tensão - conduz cabeça par frente e para cima t6 - circularidade que leva para plano baixo t7 - dedos mexendo e cabeça – desloca t8 - quadril que sobe / tensão

95 Ver vídeos 46, 49 e 50 (informações nas páginas 178 a 180).

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Figura 34: desenho de Pamela, a partir da obra 1 de Klee.

Textos elaborados sobre o solo: “Circularidade, uma fluída tensão entre opostos que bailam em uma leveza disfarçada... às vezes leva e traz, outrora rompe, quebra e por fim estica até não caber mais tanta falta, tanto tudo, tanto nada.. passa a simplesmente ser... é...” “A circularidade do afeto precisa silenciar-se, somar suas angústias, nutrir nobres anseios. O silêncio, curativo da alma, é quebrado pelo coração, que se abre para a vida, para o outro. O corpo do outro não mais amedronta, ele nos evoca a compartilhar das cicatrizes, do que outrora fomos e aquilo que queremos construir. Pela dança o silêncio tem o seu tempo verbal próprio, pois podemos simplesmente ser, sem muito explicar... O peito se abre, os olhos visam o horizonte, as mãos tentam alcançar e os pés, com força e coragem – vão!”

Solo de Érica Alves96 Anotações atrás do desenho (ver figura 35 na página 128): olhar, cílios, movimentos com vento, cabelos ao vento, círculos, bolas, gif animado, filetado, repetição,

96 Ver vídeos 46, 47, 48 e 50 (informações nas páginas 178 a 180).

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plano 2D, anêmonas, penas, pavão. Olhar severo e exigente de quem serve ao outro. Dívida/ cobrança.

Figura 35: desenho de Érica, a partir de imagem 1 de Klee.

Estrutura da improvisação: 1- onda percorre corpo e braços (mãos e dedos). Início, impulso, emoções involuntárias. 2- formar bolas com braços e penas com os pés. Tronco em bola, braços são penas. O instinto animal, do inseto. 3- pernas e braços para o ar. Sacudir como uma barata. 4- plano baixo: arcar corpo para frente e para trás (vontade de transcender a condição). Plano médio: braços mais controlados, brincar com as pernas (perceber que é maior que uma barata). Plano alto: saltar, brincar com movimentos totais (sentir o poder).

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5- percorrer mãos com dedos por baixo dos olhos. Avistar o outro como perigo. 6- deslocamento lateral 2 D, entregando coisas, oferendas. 7- deslocamento trás frente / ataque. Assustar o outro. 8- deslocamento circular, descendo de plano, só de novo. Voltando ao início.

Texto elaborado sobre o solo: Vejo o silêncio lá Do outro lado da sala o silêncio é tão grande E gira, gira, gira sem parar A música em torno Me gira cada vez mais nos seus braços A música que nos abraça Girando, girando, girando Sem parar O silêncio que há entre eu e você Não há mais nada aqui A música nos abraça

Solo de Diego Alexandre97 Estrutura da improvisação: I - andar para trás II - cambalhota frente III - rolar IV - mão na cara V - salto / pêndulo VI - caranguejo rápido VII - braços em espiral / rodar VIII - braço e perna que cai

97 Ver vídeos 46, 47 e 48 (informações nas páginas 178 a 180). Ver figura 36 na página 130.

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Figura 36: desenho de Diego, a partir de imagem 1 de Klee.

Texto referente ao momento I (andar para trás). Trecho do livro Júbilo, Memória e Noviciado da Paixão, de Hilda Hilst (São Paulo: Massao Ohno, 1974) Se te pareço noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água desejasse. Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há um tempo. Entendo que sou terra. Há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento.

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Texto referente ao momento II (cambalhota - frente ) Uma arte (poesia de Elizabeth Bishop) A arte de perder não é nenhum mistério; Tantas coisas contêm em si o acidente De perdê-las, que perder não é nada sério. Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero, A chave perdida, a hora gasta bestamente. A arte de perder não é nenhum mistério. Depois perca mais rápido, com mais critério: Lugares, nomes, a escala subsequente Da viagem não feita. Nada disso é sério. Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero Lembrar a perda de três casas excelentes. A arte de perder não é nenhum mistério. Perdi duas cidades lindas. E um império Que era meu, dois rios, e mais um continente. Tenho saudade deles. Mas não é nada sério. — Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

Texto referente ao momento III (rolar): “Sinto uma corda que pode arrebentar a qualquer momento. Numa floresta densa, com muitas folhas caídas no chão. O sol não pode ser visto, as copas das árvores são gigantes.”

Texto referente ao momento IV (mão na cara): “Saia daqui!! Não te suporto, embora tenha que te aguentar. Fora! Como eu pude ter gostado de estar junto de você? Vá embora! Por favor fique porque eu te adoro ainda! Saia de perto de mim! Me dê um pedaço de bolo de chocolate, me dê um beijo, me abrace. Tenho nojo de você!”

Texto referente ao momento V (salto pêndulo): “Por que ela estava tão ardente e leve, como o ar que vem do fogão que se destampa? O dia tinha sido igual aos outros e talvez

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daí viesse o acúmulo de vida. Acordara cheia de luz do dia, invadida. Ainda na cama, pensara em areia, mar, beber água do mar na casa d tia morta, em sentir, sobretudo, em sentir. Esperou alguns segundos sobre a cama e como nada acontecesse viveu um dia comum. Ainda não se libertara do desejo - poder - milagre, desde pequena. A fórmula se realizava tantas vezes: sentir a coisa sem possuí-la. (...) Quis o mar e sentiu os lençóis da cama. O dia prosseguiu e deixou-a atrás, sozinha.” (Lispector, Clarice. "Perto do coração selvagem". Rio de Janeiro: Rocco, 1999)

5.2 O espetáculo Doar-se dor A partir dos dois estudos cênicos realizados e de discussões com o grupo sobre o tema do espetáculo, estabeleceu-se que os personagens surgidos nos laboratórios se apresentariam para o público em uma performance inicial, do lado externo do local da apresentação do espetáculo. Assim, deveríamos criar uma cena anterior aos conflitos abordados nos solos individuais. Foram realizados laboratórios de exploração do espaço externo e de gestos / ações destes personagens. Inicialmente, eles foram realizados na área externa do prédio do Instituto de Artes da UNICAMP, e posteriormente, no Departamento de Artes Cênicas. Esta performance inicial acontece no silêncio, sem trilha sonora, durante a chegada do público.98

Foto 41: laboratório de performances, por Sthefanie Gaspar (2016).

98 Ver vídeos 51, 52 e 59 (informações nas páginas 178 a 180).

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Foto 42: performances, por Rodrigo Faria (2016).

Para interligar esta cena externa, das performances iniciais, às cenas dos solos individuais (realizadas na parte interna), elaborou-se um cortejo que convida o público a entrar no espaço da apresentação. Foram realizados laboratórios de improvisação para estabelecer resumos / sínteses de gestos e ações que aparecem nos solos e estudos para o cortejo, a partir da ideia de um bloco que se movimenta para frente em fluxo lento e contínuo.99

99 Ver vídeos 53 e 54 (informações nas páginas 178 a 180).

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Foto 43: o cortejo, por Maurício Ribeiro (2016).

Foi composta uma trilha sonora exclusiva para esta cena, cuja estrutura em três partes distintas serviu de base para a criação da estrutura do cortejo: início com poucos gestos, pouca amplitude de movimentação, sem mudança de níveis, direções ou de lugar individual dentro do bloco. Em um segundo momento, a quantidade e amplitude dos gestos se amplia, com algumas mudanças de níveis e direções. Na etapa final, a proposta é um bloco com muitos gestos, mudanças de direção, níveis e lugares individuais. Assim, acontece uma crescente transformação das ações do cortejo / bloco no fluxo contínuo de seu deslocamento.100 Com relação ao estudo cênico I, algumas alterações e adaptações foram realizadas para incorporar o grupo e para estabelecer uma linha dramatúrgica coerente com nossas inquietações e reflexões. O solo foi dividido ao meio, com a primeira parte relacionada especificamente à obra de Klee e a segunda parte, relacionada à superação do conflito. As músicas foram editadas com distorções e efeitos eletrônicos para enfatizar alguns aspectos da movimentação e da significação da cena. Na primeira parte do solo, no momento dos deslocamentos espaciais, criou-se uma interferência do restante do elenco, a partir de uma imagem de contenção, de aprisionamento. Formou-se uma grande “bolha”, em semicírculo em torno da personagem, flexível

100 Ver vídeo 55 (orientações nas páginas 178 a 180). Ver também capítulo 5.3: elementos cênicos e material gráfico (páginas 141 a 151)

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e ao mesmo tempo resistente, impedindo o acesso para seu exterior. Como um inseto se debatendo dentro de uma redoma de vidro maleável ou uma folha de árvore em rodopios dentro de um furacão. 101

Foto 44: a bolha, por Rodrigo Faria (2015).

Para a segunda parte do solo, quando a personagem consegue recuperar sua identidade, recolhendo memórias e “cacos”, optou-se por convidar o restante do elenco a participar da cena. O gesto de recolher passa a significar também o acolhimento do outro.102 Para finalização do espetáculo, foi realizada uma pesquisa sobre outras representações de anjo de Klee que pudessem estabelecer um vínculo com o tema da superação / solução dos conflitos, em oposição a todo o primeiro bloco de cenas. Foi selecionada a obra “Forgetful angel” (1939) e novos laboratórios de improvisação livre e estruturada foram realizados com os temas: leveza, simplicidade, suavidade, tranquilidade, introspecção / interiorização, silenciar, acolhimento, compartilhamento. Também novos desenhos individuais sobre a imagem foram realizados.103

101 Ver foto 44 na página135. 102 Ver vídeo 60 (orientações nas páginas 178 a 180). 103 Ver vídeo 56 (orientações nas páginas 178 a 180). Ver figuras 37 a 40 na página 138.

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Figura 37: Forgetful angel (Paul Klee, 1939).

Duas novas trilhas foram compostas para a realização dos laboratórios e estruturação das cenas finais do espetáculo. A primeira cena, inspirada neste segundo anjo, estruturou-se a partir da própria estrutura da música, definindo quatro momentos para a improvisação: realização de exploração individual dos temas selecionados, sem deslocamentos espaciais; em seguida, expandir a exploração com deslocamentos espaciais. 104 Em um terceiro momento, formar uma linha na zona posterior do espaço e construir trajetórias sagitais (direção frente e direção trás) com os gestos síntese dos personagens, re-significados, a partir do tema do compartilhar e acolher. Sugeriu-se neste momento, a exploração de velocidades, intensidades e inclusão de pausas na improvisação. É

104 Ver capítulo 5.3: elementos cênicos e material gráfico (páginas 141 a 151).

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um momento de relação direta com o público, incluindo-o também na cena através das intenções e expressividade dos gestos dos personagens.105 Por fim, a última cena do espetáculo foi construída a partir de laboratórios de improvisação com a música composta106. Representa a construção de novas relações entre os personagens, a superação dos conflitos de relacionamento com o outro. As mãos que outrora doaram, esvaziaram-se ou atacaram, agora descobrem relações mais suaves, como o toque, o abraço, o acolher. Um reconhecimento dos outros como parceiros e não como inimigos ou causa de sofrimento e dor.

Foto 45: acolher o público, por Rodrigo Faria (2016).

Foto 46: suavizando relações, por Rodrigo Faria (2016).

105 Ver vídeo 57 (informações nas páginas 178 a 180). 106 Ver vídeo 58 (informações nas páginas 178 a 180). Foram realizados diversos laboratórios para esta cena final, porém optou-se por não apresentá-la, finalizando o espetáculo na cena anterior.

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Figura 38: desenho de Diego (anjo 2 de Klee). Figura 39: desenho de Érica (anjo 2 de Klee).

Figura 40: desenho de Eliana (anjo 2 de Klee). Figura 41: desenho de Pâmela (anjo 2 de Klee).

Estrutura das cenas107 O espetáculo foi concebido a partir de pares de oposição, sinalizando duas partes dicotômicas que representam as duas imagens de anjo de Klee: conflito /solução, tensão /relaxamento, peso /leveza, doar /compartilhar, descontrole /controle, perder de si /centralizar,

107 Ver vídeo 59 e 60 (informações nas páginas 178 a 180).

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escuro /claro, ruído /som. Assim é possível identificar dois blocos distintos, identificados pela troca de figurino do elenco e pela mudança na expressividade e características da movimentação. O bloco 1 é constituído por quatro partes ou cenas: a primeira com a performance externa, em seguida o cortejo (transição do espaço externo para o interno), solo da personagem 1 (com interferência do restante do elenco no final, “ a bolha”), duos dos personagens 2 e 3, e trio dos personagens 4, 5 e 6. O bloco 2 é constituído por 2 pequenas cenas (uma individual e outra coletiva): solo da personagem 1 com novo figurino (com inclusão do elenco no final) e cena coletiva com todo o elenco (com novo figurino). O espetáculo totaliza 40 minutos.

Bloco 1 Cena 1: performance externa (duração 12 minutos) sem música. Espaço aberto, público livre no espaço. Luz ambiente. Apresentação dos seis personagens, relação com objetos (bacia, água, tecido, tinta, copos e garrafa, mesa e cadeira, cobertor, livro) e espaço. Momento anterior ao conflito. Cena 2: transição (o cortejo de entrada dos personagens no espaço da apresentação) com música 1 (6 minutos). Síntese de gestos e movimentos de identificação dos personagens. A massa amorfa sem relações internas, em deslocamento contínuo horizontal. Cena 3: solo da personagem 1 (mulher vestida de preto com as mãos e parte interna dos braços tingidos de vermelho) e “a bolha” coletiva da opressão (interferência do elenco na cena e retirada da personagem). Exposição do conflito. Música 2 (5 minutos). Cena 4: duos dos personagens 2 e 3 (mulher de calça e blusa azul e mulher com figurino de tiras roxas de tecido amarradas pelo corpo) e trio dos personagens 4, 5 e 6 (mulher de roupa social cinza, personagem com roupa preta e pena na cabeça / pulsos e homem de calça e camisa social marrom escuro). Exposição dos conflitos e dificuldades de superação. Personagem 1 realiza cena entre as cortinas do cenário e troca de figurino (sombra chinesa). Música 3 (6 minutos).

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Foto 47: cena 4 duo, por Rodrigo Faria (2016).

Foto 48: cena 4 trio, por Rodrigo Faria (2016).

Bloco 2 Cena 5: solo da personagem 1 (mulher de vestido bege). A superação, recolhendo as memórias e os “cacos”. Os outros personagens realizam a troca de figurino atrás das cortinas do cenário (sombra chinesa). “Acolhimento” das memórias e do grupo. Superação. Música 4 (3 minutos). Cena 6: improvisação individual de todos com os temas: silenciar, interiorização, simplicidade, leveza. Improvisação estruturada: acolher / compartilhar. O toque, o afeto. Música 5 (5 minutos).

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5.3 Elementos cênicos e material gráfico

Trilha sonora Estrutura da música 01 (Cortejo – Érica Alves): 06:10 minutos parte 1 – marcações de batidas / pulso até o corte (neutro, quase sem movimentos) parte 2 – apresentação do tema até o inicio da parte melódica (mudanças de direção e níveis) parte 3 – parte melódica (movimentação interna, maior amplitude e velocidade)

Figura 42: estrutura música 01.

Estrutura da música 02 (Apelo – Baden Powell / arranjos Yo-Yo Ma / edição Érica Alves): 4:55 minutos parte 1 (Tema A) – torções mãos e costas parte 2 melódica (Tema B1) – nível baixo e médio parte 3 melódica (Tema B2) – nível alto com final (entrada do grupo) parte 4 bossa nova (Tema C) – a “bolha”, interações de opressão final – saída do cortejo

Figura 43: estrutura música 02.

Estrutura da musica 03 (Bodas de prata & Quatro cantos - Egberto Gismonti e Geraldo

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Carneiro/ arranjos Yo-Yo Ma / edição Érica Alves): 6:26 minutos Parte A – piano (duo Renata e Pâmela) Parte B – melódica (entrada Eliana na queda do duo, entrada de Érica na saída de Pâmela) Parte C – altos e baixos (entrada Diego, construindo relação com Eliana) Parte B1 – encontro Érica e Diego no chão Parte A1 – continuidade das cenas do trio Parte B2 – saída de Eliana, em seguida de Érica. No final da cena de Diego, entrada de Juliana

Figura 44: estrutura música 03.

Estrutura da música 04 (A lenda do caboclo – Villa-lobos / arranjos Yo-Yo Ma / edição Érica Alves): 03:11 minutos introdução – limpeza das mãos e braços melodia 1 (Tema A) – carinho no cabelo / desnudamento do rosto cordas (Tema B e C) – improvisação livre pelo espaço parte rápida (Tema D) – improvisação lento (Tema E) – ida para o chão/ relação carinho com o cabelo melodia 2 (Tema B1) – pegar as lembranças em todas as direções / acolher o grupo / recolher os cacos final (Tema A1) – recolher, trazer para si

Figura 45: estrutura música 04.

Estrutura da música 05 (Anjo novo 1 – Érica Alves): 04:55 Introdução (Tema A, A1 e A2) – improvisação individual sem deslocamentos Acordes (Tema B) – improvisação individual com deslocamentos

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Dedilhados (Tema C) – corredor sagital com gestos dos personagens resignificados (compartilhar com público) Graves (Tema D) – formação do bloco Final - toque / acolher / afeto

Figura 46: estrutura música 05.

Figurinos A proposta dos figurinos se apresenta como dois blocos opostos: o primeiro, com figurinos compostos por uma única cor para cada um dos integrantes, com cores escuras, como por exemplo, preto, cinza, marrom, azul, roxo. Cada personagem foi definido com seu figurino próprio, relacionando de alguma maneira às movimentações e expressividade dos intérpretes e com os desenhos elaborados por eles a partir da primeira obra de Klee. 108

Foto 49: figurinos do espetáculo, por Juliana Passos (2016).

108 Ver figuras 32 a 36 nas páginas 123 a 130. Ver fotos 49 e 50 nas páginas 143 e 144.

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Foto 50: figurino, por Renata Volpato (2016).

A personagem feminina de cabelos soltos e longos criada por Juliana Passos se apresenta com um vestido preto longo, frente única, com as costas descobertas porque toda a cena inicial de seu solo ocorre de costas e há um trabalho expressivo com as mãos nas costas que precisava ser destacado109. A personagem de Érica Alves surge como uma punk com bota e blusa de renda e meias. Há a presença de penas amarradas no pulso como uma referência à movimentação em cena e a ponta da asa do anjo de Klee, escolhida pela intérprete-criadora para seu processo criativo. A personagem feminina de Eliana Mônaco é identificada como uma executiva de salto alto e roupa social cinza escuro (saia e camisa) e de Diego Alexandre como um homem de calça social e camisa marrom escuro. A personagem de Pâmela Raizia utiliza um tecido roxo retorcido e amarrado em seu corpo, como uma referência à movimentação sinuosa e tensa e aos desenhos circulares elaborados pela intérprete-criadora. Já a de Renata Volpato utiliza a cor azul royal com uma calça indiana (com as laterais abertas como “asas”) e uma camiseta com transparência.110 O segundo bloco é composto por figurinos de cores claras, como bege ou creme, com leveza (vestidos, camisolas, camisas, etc). É importante para as cenas a exposição da pele dos intérpretes-criadores, devido à própria proposta de encenação. A oposição temática dos dois blocos é refletida no contraste dos figurinos claros e escuros. Optou-se também por

109 Ver foto 50 na página 144 e fotos 37 e 38 na página 120. 110 Ver fotos 42 a 44, 47 e 48, nas páginas 133 a 140.

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rendas e bordados em todos os dois blocos de figurinos para criar uma ligação entre eles.111

Foto 51: figurinos, por Diego Alexandre (2016).

Cenário e objetos cênicos Estabeleceu-se uma parceria com uma artista convidada para criação e confecção do cenário do espetáculo112: cinco cortinas brancas transparentes, dispostas no fundo do palco, com figuras pintadas a partir dos desenhos do grupo inspirados na primeira obra de Klee, além das próprias obras de Klee e do material gráfico do espetáculo. Estas cortinas são utilizadas também para a troca de figurino e efeito de sombra chinesa no momento de transição entre o bloco 1 e 2 do espetáculo. Há também, no bloco 2 uma “chuva” de papéis dourados picados que simbolizam a libertação das amarras e ao mesmo tempo são metáforas para as lembranças e para o ato de “recolher os cacos e recomeçar”. Na cena inicial, composta pela performance externa, há também a utilização de objetos cênicos que se relacionam com o processo de criação e vivências pessoais dos intérpretes-criadores, e que identificam a história de cada personagem como, por exemplo, o espelho e a tinta vermelha (representando a perda da identidade e o sofrimento gerado pelo ato de se doar), tecidos e água (representando as amarras, as tensões), mesa, cadeira e utensílios de jantar (cenário para a cena de espera cujo convidado não aparece), entre outros objetos.

111 Ver fotos 45 e 46 nas páginas 137 e foto 51 na página 145. 112 Ver figura 47 e foto 53 na página 146. Ver também figura 48 na página 147.

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Figura 47: croqui do cenário, por Roberta Santana (2016).

Foto 52: maquete do cenário, por Roberta Santana (2016).

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Mapa de palco (cenário e objetos cênicos)

Figura 48: mapa de palco (cenário e objetos cênicos).

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Mapa de Iluminação

Figura 49: mapa de iluminação.

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Roteiro de luz / som / contra regragem

CENA 1 (cortejo) Abre portão, solta MÚSICA 1 e acende CORREDOR 1 e PLATÉIA (após público entrar, fechar o portão). Quando o cortejo virar para esquerda: acende CORREDOR 2 e apaga o CORREDOR 1. Quando o cortejo virar pra direita novamente: mantêm o CORREDOR 2 e apaga PLATÉIA. No final, quando o cortejo for saindo: fade out CORREDOR 2 e fade in FOCO CENTRAL P.

CENA 2 (solo juliana) Mantêm FOCO CENTRAL P (MÚSICA 2) Após puxar cabelo pra cima e começar a cair para os lados: trocar para FOCO CENTRAL G (entrada do restante do elenco). Quando desmancha a bolha: fade out do FOCO CENTRAL G e fade in dos CORREDORES 1 e 2

CENA 3 (solos) Acender um pouco de CONTRA BRANCO e GERAL ÂMBAR (fraco). Mantêm os CORREDORES 1 e 2.

CENA 4 (solo juliana) Limpando a tinta dos braços (MÚSICA 3). Mantêm CONTRA BRANCO e CORREDORES, apaga GERAL AMBAR, acende um pouco GERAL BRANCA (fraco) Quando acariciar o cabelo e mostrar o rosto: CHUVA de papéis (central). Quando inicia o deslocamento pelo espaço, acende as 5 SOMBRAS CHINESAS. À medida que for tirando as pessoas de trás das cortinas, ir apagando as SOMBRAS CHINESAS e CHUVA de papeis total. Quando todos estiverem fora da cortina: apagar CORREDORES e aumentar GERAL BRANCA e CONTRA BRANCO.

CENA 5 (final) (MUSICA 4) Mantêm GERAL BRANCA E CONTRA BRANCO. No final quando todos estiverem no centro: fade out música e da luz. Acender GERAL BRANCA para agradecimentos e depois LUZ SERVIÇO (abrir portão para saída da plateia).

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Material gráfico

Figura 50: cartaz 1, por Diego Alexandre de Souza (2016).

Figura 51: cartaz 2, por Diego Alexandre de Souza (2016).

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Figura 52: programa do espetáculo, por Rodrigo Faria (2016).

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5.4 Sinopse e ficha técnica

Sinopse

Espetáculo de dança contemporânea decorrente de pesquisa de Doutorado em Artes da Cena (Unicamp, 2012-2016), com orientação da profª Drª Elisabeth Zimmermann e financiamento da FAPESP. Investiga a improvisação nos processos de criação em dança, a partir da relação entre as linguagens artísticas (dança, música e artes visuais) e de métodos de Rolf Gelewski (dançarino e professor alemão que atuou na Escola de Dança da UFBA nos anos de 1960 e 1970).

Representações de “anjos” de Paul Klee serviram de estímulo para o processo de criação, entrelaçando memórias e vivências pessoais dos intérpretes-criadores. Os personagens apresentam distintas formas de conflito em relacionamentos abusivos (inter e intra pessoal) e como conseguir a superação, vencendo seus próprios medos e inseguranças e encontrando no outro (próximo ou distante) novas possibilidades de relação.

Doar-se. Servidão e Entrega. Controle e Dominação. Anjo do bem ou anjo do mal. Anjo do bem e do mal. Lembranças, memórias. Juntar os cacos e recomeçar. O sofrimento tem rosto? Doar-se dor.

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Foto 53: cena do espetáculo, por Rodrigo Faria (2016).

FICHA TÉCNICA Direção e concepção: Juliana Passos Intérpretes-criadores: Juliana Passos, Diego Alexandre de Souza, Eliana Mônaco, Érica Alves, Pâmela Raizia e Renata Volpato. Cenário: Roberta Santana Figurino: Juliana Passos e grupo Iluminação: Airton de Oliveira e Juliana Passos Operação de som e luz: Airton de Oliveira e Tânia Villarroel Trilha sonora: Baden Powell, Egberto Gismonti e Villa-lobos (versão instrumental Yo-Yo Ma), Érica Alves / Edição de trilha: Érica Alves Vídeo: João Araújo, Anderson Kaltner e Igor Capelatto/ Edição de vídeo: Roberto Giglio Fotografia: Francisco Silva, Rodrigo Faria e Maurício Ribeiro Arte gráfica: Diego Alexandre de Souza Contra-regragem: Hugo Abacher, Kamilla Mesquita e Adriana Barcellos

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6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contato e a realização de propostas contidas no material didático Ver ouvir movimentar-se, de Gelewski e a sua experimentação a partir de novos elementos (Artes Visuais) e de novas relações entre movimentos, imagens e sons forneceu experiências aos artistas voluntários da pesquisa e propiciou um desenvolvimento de suas capacidades criativas e expressivas (como é possível visualizar nos depoimentos dos artistas voluntários no item 8.4 nas páginas 168 a 177).

Assim, esta pesquisa colaborou para a formação destes artistas, proporcionando uma experiência que enfatizou a sua atuação como criadores, intérpretes e pesquisadores, em uma proposta que abordou vários campos de conhecimento artístico. Uma proposta interdisciplinar (abordando elementos de diversas áreas artísticas) que relacionou a teoria e a prática artística. A contribuição desta pesquisa está também na discussão sobre procedimentos pedagógicos e criativos em dança, investigando processos de construção da cena.

Outro aspecto para se destacar da pesquisa se refere à importância dada à dança como potencialidade para o desenvolvimento humano, para a formação e transformação do indivíduo. E a possibilidade da dança e da arte para todos, tanto para aqueles que a realizam e para o público que a assiste. Isto porque o trabalho realizado não foi exclusivamente para bailarinos ou dançarinos (nem deveria ser pelos próprios ensinamentos de Gelewski), podendo ser ampliado também para outros contextos educacionais (não artísticos).

Artistas da dança têm utilizado improvisações em processos de criação há muito tempo. No atual contexto da dança contemporânea, há uma grande valorização dos processos criativos individuais dos intérpretes, que deixaram de ser “apenas” intérpretes de movimentos elaborados por outras pessoas e passaram a ser também criadores e propositores.

Uma proposta que desenvolva improvisações estruturadas e mais diretivas com artistas pode encontrar certa resistência nos meios de ensino e de pesquisa em dança. Muitas vezes pode ser apontada como inimiga da criatividade e das capacidades expressivas individuais dos artistas.

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O princípio de improvisação estruturada, que parte de estruturas mais diretivas para estruturas mais livres, pode propiciar ao intérprete-criador uma maior experimentação das possibilidades de movimentação e de expressão de seu corpo. Em geral, as pessoas tendem a realizar movimentos parecidos ou padronizados e não explorar novas possibilidades, quando há muita liberdade de movimentação.

Existem certos padrões de movimento específicos de cada pessoa, que muitas vezes estão relacionados com sua cultura corporal (experiências e técnicas de uso do próprio corpo). Passando pela experiência de realizar uma improvisação estruturada, há a possibilidade de conseguir uma ampliação de sua movimentação corporal e do seu vocabulário de movimento, o que se refletirá depois nas improvisações mais livres.

Assim, acredito que o trabalho com improvisações estruturadas pode ser tão criativo quanto o trabalho com improvisações livres. Alguns artistas têm dificuldades para criar em um ambiente com muitas escolhas e possibilidades e neste caso, as improvisações estruturadas podem ter um caráter formativo e libertador, sendo uma ferramenta para desenvolver potencialidades criativas e expressivas.

As improvisações estruturadas, onde há uma preocupação maior com a reflexão, conscientização e integração do raciocínio com o trabalho corporal, também podem ser entendidas como uma etapa preparatória para as improvisações livres, onde aspectos mais inconscientes do artista poderão vir à tona, como a imaginação, sonhos e memória.

O foco principal desta pesquisa nunca esteve nos resultados e sim nos processos (de criação / formação). O objetivo foi criar sugestões de propostas didáticas para estimular processos de criação em dança. Assim, estas mesmas propostas realizadas em outros contextos, com outras pessoas poderão gerar novos processos criativos e novos resultados. Também podem estimular a criação de novas propostas que estimularão outros processos, em um ciclo de criação sem fim.

Todo processo de criação é um processo de formação e de crescimento para aqueles que o vivenciaram e também para aqueles que terão contato com seus resultados. Uma tese é resultado de um processo de criação, e como tal, será sempre síntese. O que

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importa é ter participado do processo, e ter crescido com ele. Assim não podemos falar de processos de criação sem refletirmos sobre processos de formação, que vão muito além das questões didáticas do ensino das artes, ultrapassando questões da formação integral do indivíduo.

Encerro este trabalho num momento bem peculiar, quando estou completando dez anos de pesquisa sobre Rolf Gelewski (iniciada em 2006). Conhecer o trabalho deste grande mestre e seus ensinamentos foi um divisor de águas em minha carreira. Desenvolver as pesquisas, vivenciar e elaborar propostas didáticas e criativas ao longo destes anos alteraram minhas concepções e maneiras de me relacionar com a arte, com minhas criações e com a própria vida.

Posso afirmar que realizar estas pesquisas sobre Rolf foi um grande processo de formação. Eu me formei como pesquisadora, artista e professora de dança realizando todas as etapas das pesquisas (iniciação científica, mestrado e doutorado). Todas as pesquisas abordaram aspectos teóricos, pedagógicos e criativos. Tive a oportunidade de elaborar e conduzir / orientar as propostas didáticas e criativas para os artistas voluntários e também orientar seus processos criativos e dirigir e produzir espetáculos de dança.

Ao longo destes anos algumas pessoas me questionaram se sou “autorizada” a ensinar os métodos de Rolf. Não sou autorizada porque não existe uma escola de formação em métodos de Rolf Gelewski, porém realizei um mergulho e um aprofundamento em seus materiais e textos, experimentando possibilidades criativas em meu próprio corpo e estimulando os processos de artistas voluntários. Os conceitos compreendidos intelectualmente com as leituras foram vivenciados, experienciados e agora estão “encarnados”.

Também posso afirmar que no início apenas compreendia e executava algumas propostas elaboradas por Rolf, porém aos poucos fui tendo autonomia para elaborar minhas próprias propostas e ter uma identidade como artista, pesquisadora e docente. E agora para onde me levarão os fluxos de criação / formação?

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7 – BIBLIOGRAFIA

BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo-SP: Martins Fontes, 1997.

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2013, Salvador. Anais do III Encontro Científico da ANDA, Salvador-BA: Escola de Dança da UFBA, 2013. ______“O processo de criação em dança e sua relação com elementos da Arte Visual e Musical.” In: Seminários de Dança 9, Joinville-SC: Festival de Dança de Joinville, 2016. ______“Processo de criação em dança a partir de imagens”. In: V Simpósio Internacional Reflexões Cênicas Contemporâneas – LUME, 2016, Campinas. Anais do V Simpósio do LUME, Campinas-SP: Instituto de Artes da Unicamp, 2016. ______. “Processo de criação em dança: improvisação, sons e imagens.” In: IV Encontro Científico da Associação Brasileira de Pesquisadores em Dança, 2015, Santa Maria. Anais do IV Encontro Científico da ANDA, Santa Maria-RS: Centro de Educação Física e de Desportos da UFSM, 2015. ______. “Processos criativos em dança: improvisação, corpo e memória”. In: VIII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisa e pós-graduação em Artes Cênicas, 2014, Belo Horizonte. Anais do VIII da ABRACE, Belo Horizonte-MG: Escola de Belas artes da UFMG, 2014. ______. “Rolf Gelewski e a dança moderna: Alemanha e Brasil.” In: III Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Dança, 2014, Salvador. Anais do III Congresso da ANDA, Salvador-BA: Escola de Dança da UFBA, 2014. ______. Rolf Gelewski e improvisação na criação em dança: Formas, espaço e tempo. Curitiba-PR: Prismas, 2015. PEREIRA, Paulo J. Baeta. A improvisação integral na dança. Campinas-SP: Editora Medita, 2014. ______Reconectando Corpo e Alma: Sobre o processo de improvisação e criação em dança. Tese (Doutorado em Artes) – Universidade de Campinas, Instituto de Artes, Campinas- SP, 2010. ROBATTO, Lia. Dança em processo: a linguagem do indizível. Salvador-BA: Centro Editorial e didático da UFBA, 1994. RODRIGUES, Iramar. A rítmica de Émile Jaques Dalcroze: uma educação por e para a música. (Apostila fornecida aos alunos do Curso de Extensão de Rítmica Dalcroze, Instituto de Artes da Unicamp). Genebra: Instituto Dalcroze, 2014. ROSEMAN, Marina. “A Fourfold Framework for Cross-Cultural, Integrative Research on Music and Medicine”. In: KOEN, Benjamin, ed. Oxford handbook of medical

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ethnomusicology. Oxford: Oxford University Press, 2008, p.18-45. SANTAELLA, Lúcia. Percepção: Fenomenologia, Ecologia, Semiótica. São Paulo-SP: Cengage Learning, 2012. SCHAFFNER, Carmem Paternostro. A dança expressionista alemã. In II Congresso da Associação Nacional de Pesquisa em Dança, 2012, São Paulo. Anais do II Congresso ANDA, São Paulo-SP: Instituto de Artes da UNESP, 2012. SCHROEDER, Jorge Luiz. A música na dança: reflexões de um músico. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2000. VALLE, Arthur. “O paralelo entre a pintura e a música no pensamento e na obra de Paul Klee.” In: Anais do II Colóquio de Psicologia da Arte, São Paulo: USP, 2007.

Documentos Sonoros BUCKETHEAD. Colma. EUA: CyberOctave [1998]. 1 CD (ca. 55 min) GELEWSKI, Rolf. Estruturas Sonoras 1. Belo Horizonte-MG: Casa Sri Aurobindo, [199?]. 1 CD (ca. 27 min). Versão original: fita K7 (1973). GELEWSKI, Rolf. Estruturas Sonoras 2. Belo Horizonte-MG: Casa Sri Aurobindo, [199?]. 1 CD (ca. 33 min). Versão original: fita K7 (1975). YO-YO MA. Obrigado Brazil. EUA: [2003] 1 CD (74 min).

Sites da Internet: www.casasriaurobindo.com.br http://www.paulklee.net/ http://www.yo-yoma.com/ http://www.badenpowell.com.br/ www.jupassoscpv.wix.com/portfolio

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8 – ANEXOS

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8.1 Algumas obras de Gelewski publicadas pela Casa Sri Aurobindo

TÍTULO DESCRIÇÃO / ANO / AUTOR CONTEÚDO

CRESCER – DANÇANDO – Exercícios de movimentação; 1976; Orientação para um trabalho AGINDO 1 (esgotada) Rolf Gelewski e membros da consciente com crianças no comunidade da CASA campo da movimentação do corpo, tanto em relação ao desenvolvimento e ao fortalecimento do físico, quanto à expressão, invenção e espontaneidade infantil.

CRESCER - DANÇANDO - Uma proposta educativa do Núcleo Sugestões e elaboração de AGINDO 2 Salvador orientada pelo Professor elementos-aula, nos diversos Rolf Gelewski; 1981; 3a edição: campos da educação artística - um 1989. trabalho construtivo e inovador.

ESTRUTURAS SONORAS I Uma percepção musical elementar a Sugestões para um trabalho ser aplicada na educação; 1973; educativo a partir da audição e (livro e CD) Rolf Gelewski utilização de gráficos para uma percepção direta, viva e total da música.

ESTRUTURAS SONORAS II Exercícios de concentração e A música e o movimento como unificação com base em audições veículos únicos que levam a uma (2 livros, 2 CDs, caderno específicas de música na interioridade, à realidade mais introdutório e gráficos) movimentação reduzida do profunda em nós. corpo;1974; Rolf Gelewski.

EDUCAR PARA O FUTURO Publicação realizada a partir de um A responsabilidade do educador (esgotada) ciclo de palestras proferidas por no processo educacional. O lugar Rolf Gelewski para educadores, em que a Educação ocupa em nossa escala nacional; 1978. vida.

PROPORÇÃO E PRECISÃO Um método de rítmica com base em Um trabalho educacional de metros gregos; 1986; Rolf natureza criativa aplicada à (livro, CD, caderno LIN, Gelewski. educação, objetivando o acordar e plaquetas e gráficos) desenvolver as inatas qualidades rítmicas do ser humano, bem como treiná-lo psicológica e intelectualmente.

SILENCIAR Exercícios de concentração e interiorização para a auto- (livro e CD) construção; 1986; Rolf Gelewski.

O TRABALHO EM NOSSO O caminho para a transformação do O porquê do trabalho com o corpo CORPO físico; 1977; Rolf Gelewski. e a colocação didática de como realizar os movimentos do dia-a- dia, compreendidos como exercícios simples e elementares, com dedicação, profunda consciência e concentração.

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EXERCÍCIOS PARA 1978; Rolf Gelewski. Um trabalho elementar de COLOCAÇÃO E natureza prática com o MOVIMENTAÇÃO DA componente-eixo de nossa COLUNA VERTEBRAL estrutura do corpo: a coluna vertebral.

A CONSTRUÇÃO Exercícios para o treinamento da Instruções para um trabalho capacidade de discernimento, do prático visando especialmente ao (livro e 2 CDs) sentido de proporção e exatidão, e treinamento da capacidade de para uma concentração total; 1978; concentração através de Rolf Gelewski. exercícios de movimentação reduzida e música, organizados numa seqüência progressiva de dificuldades.

VER – OUVIR - Métodos e reflexões referente à Um convite à experimentação e MOVIMENTAR-SE prática de improvisação na dança; vivência do ver, ouvir, 1973; Rolf Gelewski. movimentar-se. (esgotada)

VIVÊNCIA – EXPRESSÃO Sugestões para um trabalho criativo de movimentação com base na (livro e CD) palavra e no pensamento; 1982; Rolf Gelewski.

BUSCANDO A DANÇA DO 1990; Rolf Gelewski Entrevista concedida a Atílio SER Avancini, fotos e texto de Rolf, reunidos pelo fotógrafo enfocando o significado mais profundo da dança, a questão da consciência do corpo, sua transformação e sua expressão de uma realidade interior-espiritual..

TELE-FIFI Estórias e Poesias para Crianças; Elementos para uma educação 1986; Rolf Gelewski. que seja expressão de uma visão (livro e 2 CDs) mais completa e consciente da vida. Tabela 01: Algumas obras de Gelewski publicadas pela Casa Sri Aurobindo.

Fonte: Casa Sri Aurobindo www.casasriaurobindo.com.br

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8.2 Resumo da atuação artística de Gelewski (1960-1987)

ANO TÍTULOS DAS OBRAS LOCAIS E EVENTOS

1960 Solos - O indeciso, Luta com anjo, Ritual com a faca, O Escola de Teatro da UB e Museu de senhor seja o meu pastor, Danças de jazz, O fauno branco, Arte Sacra (Salvador-BA) Momentos, Duas danças, Aleluia, O conto do pastor, O aleluia destruído e Salmo.

1961 Grupo – Para crianças (Trem, florzinha, bonecas, soldados, Auditório da Escola de Teatro da UB dancinhas, despedida e novo encontro), Suíte (marche, (Salvador-BA) polonaise, menuet I e II, marche), Doze danças (roda, quatro canções, noturno I, II, III e IV, dança viva, dança de arcos, roda).

1962 Solos – Improvisações, Transfigurações , Improvisações Escola de Teatro da UB (Salvador- sobre jazz I e II, “Creia em mim, ó Deus, um coração puro”. BA), I Encontro das Escolas de Dança Grupo – Quatro canções, Fragmentos de uma elegia, no Brasil (Curitiba-PR), Festival Cântico da morte, Danças sobre música antiga, Elegia Klauss Vianna (Belo Horizonte-MG). (Elegia em 5 tempos?), Duas pequenas danças (polonaise e menuet), Tema com variações

1964 Apresentações didáticas dos alunos da Escola de Dança, Escola de Teatro da UB e II Feira com a improvisação orientada por Rolf “Partes constituintes Internacional (Salvador-BA), Itabuna- de uma planta”. Grupo – Dança grega. BA, Ilhéus-BA.

1965 Solos – Improvisação, No centro, “Jesus quando o mal se Teatro Vila Velha, Escola de Teatro da subjugar”, “Quis pescar”, “O chorar amargo” “Canção que UB (Salvador-BA), Palácio do veio dentro do azul” e “Lenda” (Trovas Para duas moças Planalto (Brasília-DF). brasileiras), A canção azul, Ornato com cruz, Cuando sale la luna I, II, I. Grupo – Preâmbulo para Terpsicore, Jesus meu rei, “Ó senhor eu venho até vós”, Das coisas que afligem, Cristal dinâmico, Ciaconna.

1966 Solos - Figurações (Nascimento, Amor, Morte), Mágico- Escola de Teatro da UB (Salvador- psíquico, Improvisações, Flor fúnebre, Miserei Mei, BA), Feira de Santana-BA, Teatro Sombra, Figurações livres, Canção de Zumbi. Municipal do Rio, Conservatório Grupo - Danças de Terpsicore (Preâmbulo, Ornamento e Nacional e Universidade Rural (Rio Cantiga Final), Renascença, Bossa Nova (Bossa-Nova- de Janeiro-RJ), Teatro Guaira (II Dança?), Zambi, Mas vai voltar (Zambi se foi mas..., Zambi Encontro das Escolas de Dança no se foi, Zambi chama, Luanda), Preto-brique, Bossa Amarga Brasil) e Auditório da Reitoria da (Borandá, Pra dizer adeus), Tríptico (Ave Maria, Sanctus), UFPR (Curitiba-PR), Porto Alegre- Tempo de verão (Luz suave e Luz forte), Bossa experimental RS, São Paulo-SP. (Tensões, Na procissão e Preto-brique).

1967 Solos - Improvisações, Mágico-psiquico Grupo - Verão Escola de Teatro da UB e ICEIA bossa amarga (Bossa amarga?), Tríptico, Tempo de verão, (Salvador-BA), Teatro São Pedro Preto-brique. (Porto Alegre-RS), Blumenau-SC, Teatro Marília (Belo Horizonte-BH), TUCA (São Paulo-SP), Curitiba-PR, Florianópolis-SC, Ponta Grossa-PR, Brasília-DF e Rio de Janeiro-RJ.

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1968 Solos - Improvisations (From Vilayat Khan, from Bhimsen Baroda, Patkar Hall (Bombay) Joshi, from Oliver Messiaen and from Bach), Intensification (1-2-3-4-5), In a symbolical mode, New songs (1-2-3-4-1).

1969 Solos - Improvisações sobre música européia (Sobre bach e Teatro Castro Alves, Clube Social Sobre Messiaen), Canções novas (1-2-3-4-1), Improvisações (Ilhéus-BA), auditório MMB sobre música asiática clássica (raga thumree, raga (Calcutá), Poona, Ahmedabad, Nova malkauns, shika no tone), A luz, Improvisations (From Delhi, Pilani, Jaipur e Nagpur, Vilayat Khan, from Bhimsen Joshi, from Oliver Messiaen Bhubaneswas, Hyderabad e and from Bach), Silence & Sounds from afar - Pondicherry (Índia) e Itabuna-BA Intensification (1-2-3-4-5), In a symbolical mode, New songs (1-2-3-4-1)

1970 Solos – Improvisações, Espelhos do coração puro, Canções Índia do Sul, Teatro Marília (Belo sem palavra, Canções novas (1-2-3-4-1), Suíte a Sri Horizonte-MG), Alemanha, Centro Aurobindo (Aspiração, A voz secreta, A decisão, Descida ao Acadêmico da Faculdade de Minas inconsciente, A alma canta, Na luz crescente, Hino a mãe (Ouro Preto-MG), Salvador-BA, universal, A luz), Danças espontâneas (Vivaldi, Byrd, Bach UCLA Departament of Dance, Musik e Mozart), A decisão Freiburg (Breisgau). Grupo - Suíte primavera (Pavana, Ductia, Cortesana, III Encontro de educadores musicais Ronda), Do menino Jesus, A Desventura. da EMAC (Salvador-BA)

1971 Solos - Dança espontânea, A Sri Aurobindo, Sobre Teatro Rajah Soliman (Manila), improvisações da Mãe ao órgão, Sobre “Savitri-music”, Pendleton Dance Studio (Pamona), Sobre a “música para o novo ano de 1971”, Danças Depto de Integração Artística UFBA espontâneas sobre música asiática clássica (raga multani, (Salvador-BA), CA da Escola de shika no tone, sokyoku), A decisão, Sobre música de Sunil Minas (Ouro Preto-MG), Fundação Bhattacharya e excertos de livros Sagrados Indianos, Sobre Cultural do DF (Brasília-DF), Teatro música de sunil. Marília (Belo Horizonte-MG). Grupo - Improvisações (Bartok, Ravel e Sunil). ICBA e Teatro Santo Antônio (Salvador-BA).

1974 Solos – Danças espontâneas sobre músicas e textos Teatro Marília (Belo Horizonte-MG), santos/sacros (Shiva Lingam, Aleluia, Eli, Eli, Lamma MASP, Feira da Bahia e Círculo Sabachthani?, Tu és, Tu amas, “Senhor, nossa gratidão se Militar (São Paulo-SP), Teatro Santo inclina diante de ti”), Om-Shiva-Om, New year music 1971, Antônio e Museu de Arte Sacra da New year music 1972. UFBA e Teatro Vila Velha (Salvador- BA).

1975 Solos - Eli, Eli, Lamma Sabachthani?, Senhor: sim!, Rumo Igreja de N. Srª do Rosário dos à vida nova (Faça-se puro, meu coração, O renascer), Em ti Homens Pretos (Salvador-BA), Sala está a alegria, Canções-corações, My Lord God, De Martins Pena (Brasília-DF), Grupo profundis, No fluxo da luz. Promoção Urbana (Nova Friburgo- RJ), Associação dos Engenheiros (Santos-SP), Auditório Itália (São Paulo-SP), Auditório do Colégio Vera Cruz (Recife-PE)

1976 Solos – “A Sri Aurobindo” SESC de Nazaré (Salvador-BA).

1978 Solos – “A Viva multiplicidade” Casa Sri Aurobindo (São Paulo-SP)

1981 Apresentação solística de Rolf Gelewski Catedral de Curitiba-PR

1982 Solos - “De dentro do eterno silêncio”, “Executando – Sala Interarte (Fortaleza-CE). agindo”.

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1983 Solos - “Dança espiritual espontânea”, “Fé e entrega”, Igreja da Ascensão do Senhor (Centro “De dentro do eterno silêncio”. Administrativo da Bahia), Palácio das Artes (Belo Horizonte-MG)

1984 Recitais de dança de Rolf Gelewski Sede da APSE (Recife-PE) e Casa Sri Aurobindo (São Paulo-SP)

1986 Palestra-recital de Rolf Gelewski Porto Alegre-RS, Itabuna-BA, Curitiba-PR, Rio de Janeiro-RJ e Niterói-RJ, Colégio Pitágoras (Belo Horizonte-MG)

1987 Recitais de dança de Rolf Gelewski Casa Sri Aurobindo (Salvador-BA), I Congresso Holístico Internacional (Brasília-DF) Tabela 02: Resumo da atuação artística de Gelewski (1960-1987).

Fontes: Programas de espetáculos da Escola de Dança da UFBA: 1960 (Museu de arte Sacra – Salvador); 1961 (Escola de Teatro – Salvador); 1962 (Escola de Teatro –Salvador); 1964 (Teatro Vila Velha – Salvador, Itabuna e Ilhéus); 1965 (Teatro Vila Velha – Salvador, Escola de Teatro, Palácio do Planalto – Brasília); 1966 (Reitoria da UFPR – Curitiba, Escola de Teatro – Salvador); 1969 (Teatro Castro Alves – Salvador); 1970 (Índia do Sul, Teatro Santo Antônio e Escola de Teatro– Salvador); 1974 (Feira da Bahia e Teatro Marília – Belo Horizonte).

Programas de espetáculos de Rolf Gelewski: 1968 (Patkar Hall – Bombay, Poona); 1969 (Poona, H.K. Arts College – Ahmedabad, Sapru House – New Delhi, MMB auditorium – Calcutta, Teatro Castro Alves – Salvador); 1970 (Alemanha, Teatro Marília – Belo Horizonte, CA Faculdade de Minas e Metalurgia, Teatro Municipal e Educandário Santo Antônio– Ouro Preto); 1971 (Manila, Deptº de Integração Artística – Salvador, CA da Escola de Minas – Ouro Preto, Brasília); 1974 (MASP e Círculo Militar – São Paulo, Teatro Santo Antônio, Museu de Arte Sacra da UFBA, Teatro Vila Velha– Salvador); 1975 (Igreja N. Srª do Rosário dos Homens Pretos – Salvador, Grupo Promoção Humana – Nova Friburgo, Associação dos Engenheiros – Santos, Auditório Itália – São Paulo, Auditório do Colégio Vera Cruz – Recife); 1976 (Casa Sri aurobindo – Salvador); 1978 (Núcleo SP Casa Sri Aurobindo – São Paulo); 1983 (Casa Sri Aurobindo – São Paulo)

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8.3 Encontros do grupo de pesquisa

DATA PARTICIPANTES DATA PARTICIPANTES 02/07/14 Telma, Diego, Hugo 16/10/15 Eliana, Pâmela, Renata 07/07/14 Eliana, Diego, Hugo 21/10/15 Eliana, Érica, Pâmela, Renata 18/07/14 Eliana, Diego, Beatriz, Érica 30/10/15 Pâmela, Renata 01/08/14 Hugo, Diego, Érica 06/11/15 Pâmela, Renata, Diego 29/08/14 Hugo, Eliana 11/11/15 Pâmela, Renata, Diego 12/09/14 Érica, Eliana 27/11/15 Pâmela, Renata, Diego 19/09/14 Érica, Eliana 04/12/15 Renata, Diego, Érica 26/09/14 Érica, Laís, Maria Fernanda 11/12/15 Renata, Diego, Érica, Pâmela 28/09/14 Érica, Laís, Maria Fernanda 18/12/15 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 03/10/14 Eliana, Diego, Maria, Luara, Laís 08/01/16 Diego, Eliana, Pâmela, Renata 17/10/14 Eliana, Diego 14/01/16 Diego, Renata, Érica, Eliana 24/10/14 Eliana, Érica, Laís, Luara 22/01/16 Diego, Eliana, Érica, Renata 07/11/14 Eliana, Érica 29/01/16 Diego, Eliana, Érica, Renata 28/11/14 Érica, Diego, Eliana, Laís 02/02/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 05/12/14 Érica, Laís, Luara 12/02/16 Diego, Érica, Renata, Pâmela 06/03/15 Diego, Érica, Laís 16/02/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 13/03/15 Felipe, Hugo, Diego 23/02/16 Diego, Érica, Pâmela, Eliana 20/03/15 Laís, Felipe, Érica, Diego 04/03/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 27/03/15 Laís, Érica, Diego, Eliana 08/03/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 10/04/15 Laís, Felipe, Diego, Eliana 15/03/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 17/04/15 Laís, Felipe, Diego, Eliana 22/03/16 Diego, Eliana, Renata, Érica 24/04/15 Laís, Felipe, Diego, Eliana 29/03/16 Diego, Eliana, Pâmela, Érica 08/05/15 Érica, Eliana, Laís, Gláucia 05/04/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 15/05/15 Felipe, Érica, Laís, Eliana, 12/04/16 Diego, Eliana, Renata Renata, Diego, Pâmela 22/05/15 Pâmela, Gláucia, Eliana 15/04/16 Diego, Pâmela, Érica 29/05/15 Érica, Diego, Eliana, Renata 18/04/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela 12/06/15 Laís, Felipe, Pâmela 19/04/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 26/06/15 Érica, Pâmela, Renata, Eliana 25/04/16 Renata, Diego, Pâmela, Eliana 14/08/15 Pâmela, Renata 29/04/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 21/08/15 Pâmela, Renata, Eliana, Érica 02/05/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 04/09/15 Diego, Pâmela, Eliana, Érica 03/05/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 11/09/15 Diego, Pâmela, Renata 22/06/16 Renata, Diego, Érica, Pâmela, Eliana 16/09/15 Pâmela, Renata, Eliana 29/06/16 Renata, Érica, Pâmela, Eliana 25/09/15 Renata, Diego 08/07/16 Renata, Érica, Pâmela, Eliana 02/10/15 Érica, Eliana, Diego, Renata Tabela 03: Encontros do grupo de pesquisa.

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8.4 Depoimento dos artistas voluntários e parceiros

Depoimento de Eliana Mônaco (intérprete-criadora) “Ao iniciar o processo de criação da minha performance, inspirada no quadro de Paul Klee, cuja imagem é uma pomba (ou seria um anjo) que esta segurando uma bandeja e aparentemente se coloca numa posição de servir, tive algumas sensações e impressões conflitantes. A pomba / anjo na imagem tem um peito muito inflado, muito proeminente. E o servir não combina com o orgulho, com a imposição. Então me pareceu que havia um conflito oculto, uma manipulação. Também percebi que os pés da pomba não eram pés compatíveis, então mais uma sensação de que algo não se encaixava ali na imagem propositalmente, com a intenção de causar estranhamento... As cores do quadro, o amarelo só quebrado pelos pontos vermelhos, do coração que está na barriga (que não é o habitual do coração). O outro ponto vermelho esta caído, no chão, como uma gota de sangue. O que deixa algumas dúvidas. Estaria esse coração desconectado, ferido ou era um falso coração? Então essa imagem me remeteu às minhas experiências de vida. As relações truncadas, difíceis, cheias de prepotência, orgulho e defesa que conheci ao longo de mina vida. Às vezes para sobreviver tive que me impor de uma forma dura, também orgulhosa e cheia de defesa que foram de encontro à minha natureza quase sempre foi passiva e pacífica, introspectiva e sensível. Essa inflação do corpo e do ego cobra um preço alto: carregamos o peso das couraças corporais, das tensões corporais, reflexo das emoções que sentimos. Ficamos fatigados, indispostos, passivos, inertes e sem energia. Então foi desse peito inflado que se iniciou minha performance. Dessas relações de enfrentamento, de poder, de rebeldia. De defesa e também de ataque. De revolta. De cansaço. De prostração e rastejamento. De tentativas e humilhação do fracasso. Mas também de superação e libertação. De escolher quando desistir e parar para sobreviver. É o momento que cansados e exauridos tomamos consciência que não é possível ir mais além. Não do mesmo jeito. É preciso reaprender como se colocar novamente em pé, como caminhar de um jeito novo. E por algumas vezes voltando do ensaio do espetáculo Doar-se dor, me vinha em mente a música Bicho de Sete Cabeças de Geraldo Azevedo. Creio que minha memória buscou essa música por lembrar das relações de opressão que ocorre no filme Bicho de Sete cabeças, de autoridade e perversão do pai em

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relação ao filho, mesmo achando que estava fazendo o certo, o melhor. E toda essa relação da dor no peito, das situações que não tem pé nem cabeça, que não da pé, não tem coração e o coração não esquece. Mas que exige que a gente cresça e que desapareça para voltar de um outro jeito. Essa canção que fala tão bem das dores corporais, causadas pelas feridas emocionais que todos estamos sujeitos mas que talvez o trabalho corporal possa ajudar a superar.” (Eliana Mônaco, maio de 2016)

Currículo: É formada em Comunicação Social e Jornalismo, pela PUC de Campinas no ano de 2000. Frequentou aulas de jazz na academia Maria Pia por quatro anos. Experimentou também a Yoga, a Biodanza (por três anos) e a dança de salão. Em 1996 iniciou seus estudos em Dança do ventre. Ministrou aulas em diversos espaços de Campinas, como Ballet e Cia, Saúde e Cia, Impacto Cia da Dança, Cultura Lenzing, Espaço Alquimia, Saúde e Cia, Casa Ananda, Casa de Cultura Fazenda Roseira, CPP (2005 a 2011), Casa do Lago (Unicamp) e Espaço Era uma vez. Em 2010 e 2011 foi aluna especial em disciplinas da pós-graduação em Artes da Unicamp e participou de diversas oficinas relacionadas à dança contemporânea. Participou como artista voluntária do projeto de mestrado de Juliana Passos nos anos de 2011 e 2012, sendo interprete-criador do espetáculo Viraser com diversas apresentações em Campinas. Desde 2014 participa também como artista voluntário no projeto de doutorado de Juliana Passos, com finalização prevista para o primeiro semestre de 2016.

Depoimento de Érica Cristina Almeida Alves (intérprete-criadora / trilha sonora) “Conheci a Juliana Passos no segundo semestre de 2013, quando fiz uma matéria como aluna especial na disciplina da pós-graduação em artes da Cena da Prof. Dra. Elisabeth Bauch no Instituto de Artes da Unicamp, "O processo de criação através da dança e da psicologia profunda". Procurei a academia na época porque eu estava imersa na etapa de pesquisa da performance #LOVYBIBLEBUBU2 e para coreografá-la, sentia a necessidade de preparar meu corpo e provocar o processo criativo através dele. Não tenho nenhuma formação em dança, mas já trabalhei com teatro e sou musicista, e já experimentei com diversos tipos de performance. Foi um processo muito interessante abordar o próprio processo de criação, atiçá-lo de outras formas diferentes das linguagens com as quais eu já estava acostumada e cruzar com minhas pesquisas em Carl Jung, autor que eu estava traduzindo na época e que já me interessava muito. Durante as aulas, a Juliana, que é orientanda da Elisabeth, apresentou sua pesquisa de doutorado sobre a obra de Rolf Gelewski. Eu fiquei instigada pela pesquisa e, naturalmente, achei muito interessante a forma em que ele trabalhava a música com a dança. Fui me interessando pela história dele e a jornada de criação que embarquei a partir dos

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conteúdos, tanto da Elisabeth quanto da Juliana, inspirou o processo criativo que viria a resultar no meu segundo álbum musical. Passado o hiato de um semestre sem estudar para ensaiar e apresentar a minha performance, no ano seguinte recebi um e-mail da Juliana convidando os alunos da disciplina da Elisabeth para fazerem parte de seu grupo de pesquisa de doutorado, que seria para construir um espetáculo de dança a partir das propostas e conceitos que ela selecionou do trabalho de Rolf. Aceitei na hora e mergulhei de cabeça na dança para enriquecer minha experiência e aprofundar meus trabalhos poéticos e musicais, já mais consolidados. O processo de criação do meu solo no “Doar-se dor” foi bastante intenso. Externalizar em movimento as imagens que me surgiam a partir do quadro de Paul Klee provocou novos caminhos tanto para lidar com minhas emoções quanto desbravar outros mundos artísticos. Juliana me convidou também para participar da criação da trilha sonora, e foi muito gratificante ter a oportunidade para experimentar a música em um contexto diferente do qual estou acostumada. O processo de criação, desde os movimentos à trilha sonora e ao figurino aconteceu de forma coletiva e natural a partir das propostas pedagógicas que Juliana nos fazia. Dois anos depois do início dos encontros, já temos o espetáculo montado e apresentado, e me sinto realizada como artista de ter participado de algo tão distante da minha prática artística prévia. A dança me fisgou de um jeito que não tem volta. Os encontros com o grupo me inspiraram a buscar formação técnica em dança, e comecei a fazer aulas de dança contemporânea por fora. Desde então a dança se encorporou à minha rotina, trazendo novas provocações artísticas que acabam refletindo no meu trabalho musical. Hoje sou aluna da Escola de Dança de São Paulo, e minha vaga lá foi conquistada graças ao trabalho que Juliana veio fazendo para sua pesquisa conosco. Obrigada Juliana e à Universidade por abrir espaço para que isso fosse possível.” (Érica Alves, maio de 2016)

Currículo: Cantora-compositora, DJ, performer e produtora musical. Ela trabalha com produção de música eletrônica experimental e de dança, participando de projetos como #LOVYBIBLEBUBU2, The Drone Lovers, Anvil FX e do coletivo Resistência Analógica. É artista assinada pelo D-Edge Agency e produtora e artista do selo MAWW Records. Ela executa sozinha o vocal e outros instrumentos eletrônicos nas apresentações, e já mostrou seu live eletrônico autoral em espaços tão diversos como SESCs, saraus, festas de rua, e na Virada Cultural. É também vocalista da banda de synth-electro-pop The Drone Lovers (Ganzá Records), tocando em grandes festivais como Tomorrowland Brasil e Tribal Tech, além dos renomados clubs Warung Beach Club e D-Edge. Atua também em frentes de cultura, pesquisando coletivos e ocupações artísticas e montando performances de cunho artístico- político. Professora e tradutora de línguas inglesa e portuguesa. Licenciada em Letras

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Português/Inglês pela Universidade Federal Fluminense. Desde 2014 participa também como artista voluntária no projeto de doutorado da pesquisadora Juliana Passos, com finalização prevista para o primeiro semestre de 2016.

Depoimento de Pâmela Raizia Dutra Rodrigues (intérprete-criadora) “Durante o processo de criação do espetáculo de dança ´Doar-se dor´ estive aberta às propostas da Juliana. Sem muita experiência com práticas corporais, até mesmo os alongamentos foram imprescindíveis para que pudesse perceber melhor o meu corpo em prol da criação artística. A metodologia utilizada ao longo do processo me encantou, pelo fato de perceber o quão amplos são os caminhos e ferramentas a serem utilizados por nós artistas em nosso labor. Explorar imagens, movimentos, música, espaço e o próprio corpo rendeu em um espetáculo interessante, com muito a ser aprofundado pelo grupo, à medida que for amadurecendo, mas com uma potencialidade latente. Particularmente, fiz uso de imagens que pesquiso no meu mestrado para deixar que a vivência pessoal ressoasse nesse espaço do criar em grupo. A riqueza disso foi tamanha, por ver as poéticas da minha escrita dançando pelo espetáculo em diálogo com as poéticas de meus colegas. A proposta deu abertura para que colocássemos nossos anseios, desejos, angustias e vontades em diálogo com as intenções e objetivos da Ju para sua pesquisa. No mais, finalizo com sentimento de gratidão por ter desfrutado dessa oportunidade acadêmica, profissional e pessoal pois transformamos imagens (Paul Klee), estruturas sonoras (Gelewski) e aquilo que cada uma tinha a oferecer em devaneios dançantes.” (Pâmela Raizia, maio de 2016)

Currículo: Mestranda no Programa de Pós-graduação em Artes da Cena na linha de pesquisa Poéticas e Linguagens da Cena na UNICAMP. Graduada em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Goiás e Estudos Artísticos, pela Universidade de Coimbra (Bolsista CAPES do Programa Licenciaturas Internacionais). Integrou o grupo interdisciplinar de pesquisa e extensão Solos de Baco (Cultura, Corpo e Interações Artísticas: música, dança, teatro e performance), coordenado pela profa mestre Natássia Duarte Garcia Leite de Oliveira (UFG) e o grupo de pesquisa e extensão Sincronicidade e Expressão, coordenado pela professora doutora Maria Júlia Pascalli (UFG). Atualmente integra o grupo de pesquisa ÍMAN - Imagem, Mito e Imaginário nas Artes da Cena. Desde 2015 participa também como artista voluntária no projeto de doutorado da pesquisadora Juliana Passos, com finalização prevista para o primeiro semestre de 2016. Outros trabalhos artísticos realizados Janelas. 2013. O Bailado do deus morto. 2012. Corpos Ritmados. 2012. Nós (,) de um Povo Brasileiro. 2011. Drummond ao vento, ao tempo e ao centro: poesia e ciranda. 2011. Fragmentos de um discurso amoroso. 2011.

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Renata Domingos Volpato (intérprete-criadora) “Conheci a Juliana em uma disciplina da Professora Elisabeth Bauch Zimmermann na pós-graduação em Artes da Cena da Unicamp no primeiro semestre de 2015 e gostei dos aquecimentos e exercícios que ela dava nessas aulas. Nesse mesmo semestre, ela me convidou para participar de seu grupo, fui conhecer e gostei da proposta de trabalho de criação em dança unindo diversas artes. Gostei principalmente de conseguir dançar de forma estruturada a partir de improvisações. No segundo semestre de 2015 a Professora Elisabeth tornou-se também minha orientadora, o que também contribuiu para que me aproximasse mais da Juliana. Apesar de ter feito muitas aulas de expressão corporal e algumas de dança, em diversas fases da vida, minha formação principal é como atriz e não fiz nenhuma formação continuada em dança. Percebi nesse processo uma possibilidade de dançar mesmo sem um conhecimento aprofundado em dança, o que gera uma liberdade de expressão através da dança mesmo para não-bailarinos. Iniciei realizando alguns exercícios que alguns participantes que estavam há mais tempo no grupo já haviam realizado. Um deles foi observar o primeiro quadro do Anjo de Paul Klee e perceber o que chamava mais atenção no quadro e desenhar essa parte. Para mim foram as asas. A partir dessa imagem comecei a improvisar movimentos. A Juliana pediu para criarmos oito movimentos que incluíssem três deslocamentos. Ao mesmo tempo em que as asas me remetiam a ideia de liberdade vieram no início muitos movimentos de dificuldade de alcançar a potência das asas. As imagens e o sentido da dança nasciam junto com o movimento e através da improvisação. Apareceu inicialmente a imagem e movimentos de um pássaro dentro do ovo, tentando romper a casca e depois de romper, tentando se equilibrar com um corpo e asas recém-nascidas, tentativas de voar e desequilíbrios no ar. Esses movimentos permaneceram na estrutura do meu solo. Em um dos ensaios improvisei uma queda brutal ao chão. A Juliana observou que esse movimento contribuía bastante para meu solo, concordei e a queda passou a fazer parte da estrutura da improvisação. Escrevi palavras que remetiam aos movimentos surgidos na improvisação: ovo, casulo, asas, dificuldade, leveza, liberdade, coragem e que, de vez em quando, eu lia nos ensaios. Surgiu nas improvisações um movimento e uma imagem do pássaro diante do abismo. Depois que a imagem do abismo entrou na improvisação e ao refletir sobre o

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significado da cena lembrei de quando pulei de uma pedra na Índia para cair no Rio Ganges. Estava fazendo um passeio pelo rio e havia a possibilidade dessa aventura. Estava querendo lidar com meu medo, pois havia recentemente saído de uma curta crise de pânico por causa de um assalto que sofri em São Paulo. Foi muito marcante esse momento de pular no rio devido essa minha necessidade de enfrentar os meus medos. E frequentemente essa imagem do pulo no Rio Ganges aparecia quando eu estava improvisando a queda do pássaro no abismo para voar. Esse personagem virou uma mescla entre um pássaro e uma pessoa, imagens externas e internas, um personagem que eu interpretava e eu mesma. Depois da queda ao chão, a Juliana sugeriu que eu fizesse um movimento de organização corporal, fazendo uma reviravolta e voando perfeitamente até sair de cena. Essa cena toda me trouxe uma conexão com momentos da minha vida de muitas quedas, aprendizados e voos. E especialmente esse final tem a ver com meu momento atual de estar alçando voo com meu trabalho com o clown e outras novas experiências como atriz, professora e também dançarina, através do mestrado que estou realizando no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena na Unicamp e algumas novas inserções artísticas que faço paralelamente ao mestrado. Gostaria de frisar que o mais interessante dessas correlações é que elas surgiram depois da materialização corporal do movimento. Eu não parti dessas emoções e imagens para chegar ao movimento, mas foi exatamente o contrário: através do movimento cheguei nas imagens e emoções. O solo de cada um de nós foi o ponto de partida para a construção da dramaturgia corporal do espetáculo. Por indicação e direção da Juliana, criamos a segunda cena do espetáculo, que é um cortejo. Nele cada integrante realiza sínteses de movimentos de seu solo, começando com movimentos quase imperceptíveis e sem olhar para o público, depois ampliando, olhando para o público, alterando a frente e mudando de nível. Era desafiador escolher esses movimentos-sínteses e extremamente interessante vê-los antecederem os solos e acontecerem concomitantemente aos movimentos dos outros artistas. Apesar de não haver interação entre nossos movimentos, o cortejo trazia uma sensação de união. A costura da entrada de cada solo deu-se pela semelhança entre cada um, eu iniciava sozinha e em seguida junto com a Pâmela. Nossos solos tinham como semelhança a queda ao chão. Fomos criando junto com a Juliana nossa participação em um momento específico

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de seu solo quando fazemos uma bolha ao seu redor. A princípio o solo da Juliana seria realizado na sequência e depois foi cortado em duas partes. A primeira parte logo depois do cortejo e a segunda parte depois dos outros solos dos outros integrantes. Sem que tivéssemos a intenção inicial todos os solos foram realizados predominantemente com emoções densas e fortes, o que trouxe uma “energia densa” para a primeira parte do espetáculo. Assim como o solo da Juliana tinha uma reviravolta, ela nos propôs que criássemos uma segunda cena em que tivéssemos como ponto de partida a ideia de união, integração, silêncio e acolhimento. Devido ao nosso prazo de término do processo estar apertado conseguimos estruturar poucos movimentos nessa direção. Improvisamos bastante, mas muito menos do que as cenas dos solos e do cortejo e para que as improvisações pudessem fazer parte do espetáculo precisaríamos de mais tempo de amadurecimento da nova proposta. Então a Juliana selecionou momentos que ela considerou mais maduro para fazer parte dessa cena final. Ficamos um pouco frustrados de não conseguirmos colocar tudo que gostaríamos, mas muitas obras de arte são assim... nunca finalizam, o artista para em algum momento e entrega ao público. Conosco foi assim também. Outra sugestão da Juliana foi de fazermos uma performance antes do espetáculo e fora da sala da apresentação, que contivesse uma ideia do solo mas que não fosse o próprio solo. Minha primeira improvisação foi na frente do Instituto de Artes. Alguns lugares que me pareciam mais perigosos devido a alguma altura me chamavam atenção e eu caminhava me equilibrando. O local da apresentação precisou ser transferido para o Departamento de Artes Cênicas e lá buscamos outra relação com o espaço, mas com as ideias e movimentos que surgiram no local anterior. Arrastava-me pelas paredes, equilibrava-me em um local que me lembrava um poço artesiano de água, andava com dificuldade por um caminho, como que em uma corda bamba e terminava subindo um andaime. Nos ensaios demorei um pouco para tomar coragem para subir cada um dos degraus do andaime. Tive muito medo que ele virasse. Coloquei pedras na base para torná-lo mais seguro. Mas nunca cheguei aos últimos degraus. No último ensaio, antes do ensaio aberto, tive vontade de trazer parte de um texto que havia escrito sobre o processo. Experimentei nos ensaios abertos, mas percebi que era necessário ter trazido antes para que fosse melhor trabalhado, então resolvi tirar para a apresentação final no dia da defesa de doutorado da Juliana. Foi um processo desafiador para mim que estou mais adaptada com o teatro e que

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agregou novas experiências, vivências e realizações, abrindo também um horizonte para outras aspirações artísticas.” (Renata Volpato, depoimento iniciado em junho e finalizado em outubro de 2016).

Currículo: Mestranda em Artes da Cena no Instituto de Artes da Unicamp (início: 2015); Graduada em Artes Cênicas - Bacharel em Interpretação Teatral pela Universidade de São Paulo (1998-2001). Tem experiência na área de Artes Cênicas, com ênfase em Teatro, Clown e Narração de Histórias. Leciona workshops e treinamentos de clown desde 2012 com uma metodologia própria denominada Florescer do Clown. É contadora de histórias desde 2005 e fundadora da Cia Florescer que realizou, entre outros trabalhos, apresentações das contações de histórias “Onde a onça bebe água” e “O que fala esse corpo?” na Programação Paralela da Exposição 'Variações do Corpo Selvagem: Eduardo Viveiros de Castro – fotógrafo’ em 2015. Outros trabalhos realizados: "Menina Bonita do Laço de Fita" (2002-2013), “História de Dois Amores” (2005-2014); “A Bailarina e a Palhaça: é hoje que eu danço!” (2005-2012); “Encantadim Contacaso” (2006-2013); Sob o encanto da Lua Gorda (2008-2013); “A Velha a Fiar (2007-2013) e “Mother Ganga” 2007 e 2008); "Meias Verdades" (direção Beth Lopes 2000) e “Sujeito Barrado" (direção Márcio Tadeu, Prêmio Flávio Rangel, 2001); Curta- metragem de ficção “A Carteira”, Direção Renato Neves.

Tânia Villarroel Andrade (apoio técnico / ensaios) “Acompanhar o trabalho de pesquisa sobre Rolf Gelewski me trouxe algumas reflexões e percepções. Convidar a Juliana para mostrar sua pesquisa no grupo de estudos que participo na Faculdade de Educação na UNICAMP também. A visita da Juliana no grupo fez com que eu percebesse no corpo o que era uma busca metodológica, que quando existe uma preocupação em esmiuçar movimentos e atribuir-lhes intensidade, isso sensibiliza para as interpretações que o corpo pode dar as sensações que alguns movimentos trazem, tal como também amplia repertório pelo detalhe das decisões. Essa possibilidade com tanta clareza, eu achei incrível. Não me lembro de ter tido essa profundidade em abordagens inspiradas em Laban – pelo menos na minha formação. Talvez, eles até se complementem, por isso tenha conseguido organizar algumas percepções de forma tão evidente. Foi importante como atriz-dançarina, intérprete do corpo, ter o contato com a metodologia de Rolf e com a recriação que Juliana faz no cruzamento destas informações que ela coletou. Penso que atores/atrizes, dançarinos (as) e professores (as) deveriam ter acesso a esse conteúdo como disciplina, fazendo parte da formação superior. Isto porque preza por uma autonomia necessária nos processos artísticos para que a criação se manifeste com mais consciência. Consciência dos desenhos que o corpo faz no espaço e a partir de quais tipos de

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estímulos fazemos as intensidades expressivas da nossa obra. Pelo menos para mim, teve esse efeito. Gostaria muito de aprofundar esse contato. No processo tive abertura para propor uma experiência aromática, sou muito grata por isso, porém não consigo traçar paralelos muito profundos. Precisaria de mais encontros. Mas, em princípio, parece que um trabalho anterior com o corpo somado à experiência aromática é de que as conexões neurais mais intensificadas geram uma sensibilização à ludicidade dos movimentos trabalhados à priori. Sobre a manifestação artística, por ter presenciado diversas versões: com todos os integrantes do grupo, só com integrantes mulheres e em versão solo depois desta ampliação que se deu após abrir para um grupo, me parece que tudo contribui de alguma forma, mas permanece uma pergunta: até que ponto um processo criativo pode ou não ser uma causa comum quando é um mote de pesquisa? São impressões, mas sinto que tudo fez parte de um amadurecimento da psique de quem estava inteiramente implicado, a autora da pesquisa, pois o impacto e a urgência da obra é dela – os outros envolvidos são sempre colaboradores, mesmo quando comprometidos se comportam, a maior parte do tempo, dessa maneira. E isso é da natureza deste tipo de relação ou existem estratégias que podem modificar isto de maneira a horizontalizar a dinâmica desta relação? Isso talvez tenha sido o que mais mexeu comigo. É uma questão do pesquisador bastante negligenciada... Talvez nenhum de nós, pesquisadores, tem muito clara essa resposta... A apresentação com todos pareceu pra mim que foi o campo energético expandido: o limite da exploração do animus e anima da artista. A versão só feminina parece ter organizado desdobramentos da energia feminina do espetáculo. E depois a versão do solo que passou por tudo isso e de alguma forma se afetou, abriu um vazio criativo, ou seja, o solo, não é – e não pode ser- o mesmo de quando tudo começou. Porém como processo criativo, voltar a ser solo, lança novamente novas perguntas e dá à artista a possibilidade de assumir seu processo de individuação de forma mais rica, escolhendo o que quer manter e o que não precisa mais, a partir de decisões que passarão a compor uma versão do solo atualizada. Tendo em vista que é uma pesquisa que pensa tanto o conceito de improvisação estruturada quanto o de dança livre. Agora que a pesquisa terminou oficialmente, justo para mim, se abriu uma possibilidade de um mergulho artístico mais verticalizado.” (Tânia Villarroel, outubro de 2016).

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Currículo: Atriz, arte-educadora, dançarina e palhaça. Graduada em Artes cênicas pela ECA- USP. Possui experiências artísticas de pesquisa focadas em Performance. Montou peças em espaços alternativos baseadas em obras de Samuel Beckett, Italo Calvino e Richard Foreman. Aromaterapeuta criou o sistema Aromaterapia na Teatralidade que integra diversas linguagens associadas às propriedades terapêuticas dos diferentes aromas, como imagens, histórias, poemas, personagens, filmes e músicas. Em Educação atuou em projetos como Teatro Vocacional, Voo para o Futuro, Preparação para o Trabalho e rede CEU, como coordenadora cultural de Projetos Externos e Educação Cidadã no Instituto Paulo Freire. Também participou de festivais de teatro internacional na Colômbia e no Peru, com monólogo "Anima". Participou por 2 anos do GEPEC, o grupo de pesquisa da UNICAMP, na Faculdade de Educação, que investiga a formação de professores; e do subgrupo GRUPAL, com o tema da alfabetização. Hoje participa do OLHO na mesma universidade que pesquisa a linguagem audiovisual. No início de 2016 passou a integrar o grupo de pesquisa de doutorado de Juliana Passos como apoio técnico, além de auxiliar nos ensaios e apresentações. Atualmente cursa mestrado na faculdade de Educação, na Unicamp.

Roberta Santana (cenógrafa) "Estar no projeto 'Doar-se Dor', foi um desafio grande, pois entrar em diálogo com a dança e as artes plásticas, foi uma experiência extremamente abrangente e poética. Poder dialogar com o trabalho de Paul Klee, de maneira a perceber parte de sua linguagem, por meio de uma proposta envolvendo a sensibilidade da dança... da dor do movimento... da leveza de um corpo... do encontro e não envolvimento... esses constantes contrastes numa dualidade forte e dinâmica, me trouxeram grande aprendizado. Sei e sinto que saio mais forte. Agradeço a Juliana Passos pelo convite e desejo muito sucesso, na sua carreira, daqui por diante."

Currículo: Formada em Artes Visuais pela Unicamp, em 2013. É artista plástica e, durante a graduação, fundou o Grupo Garrucha – onde desenvolve diversas parcerias com outros artistas, além de trabalhos de cenografia e direção de arte para shows, cinema e espetáculos de teatro e dança. No Núcleo de Animação de Campinas, trabalha como artista e professora de técnicas de animação. Junto com ao Prof. Wilson Lazaretti (IA/Unicamp), já ministrou oficinas de desenho animado para crianças e adolescentes em várias cidades do Brasil.

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8.5 LISTA DE VÍDEOS

Na versão impressa da tese os vídeos estão em anexo, em DVD. No DVD 1 estão contidos os vídeos referentes às propostas didáticas (capítulo 04) desenvolvidas pelos artistas voluntários da pesquisa. No DVD 2 estão os vídeos referentes ao processo de criação do espetáculo “Doar-se dor” (capítulo 05). Para a versão digital (em PDF), os vídeos foram inseridos em uma conta do GOOGLEDRIVE113 (acesse o site https://www.google.com/intl/pt-BR/drive/ e clique em Acessar o Google Drive). Utilize o LOGIN [email protected] com a senha DOUTORADOUNICAMP. Os vídeos estão na pasta VIDEOS DOUTORADO JULIANA PASSOS. Segue abaixo a relação dos vídeos e os temas abordados

VÍDEOS DVD1 Proposta 01: vídeo 01 – 29ago14_aquecimento PMG Pág. 69 vídeo 02 – 25set14_aquecimento PMG grupos Pág. 70 vídeo 03 – 24out14_engrenagem PMG Pág. 70 vídeo 04 – 15mai15_PMG duplas instrumentos Pág. 70 vídeo 05 – 15mai15_PMG duplas instrumentos 2 Pág. 70

Proposta 02: vídeo 06 – 26set14_ES1_4 improvisa desenho Pág. 71 vídeo 07 – 26set14_ES1_4 improvisa desenho2 Pág. 71

Proposta 04: vídeo 08 – 24out14_ES1_6 2 sequências niveis Pág. 75 vídeo 09 – 24out14_ES1_6 duplas Pág. 75 vídeo 10 – 24out14_ES1_6 duplas 8 movimentos Pág. 76 vídeo 11 – 24out14_ES1_6 duplas sequência pausa Pág. 77

Proposta 05: vídeo 12 – 07nov14_sequências individuais e duplas ES1_7 Pág. 78 vídeo 13 – 07nov14_dupla sequências alternadas ES1_7 Pág. 78 vídeo 14 – 07nov14_sequência pausa ES1_7 Pág. 78

113 Ao acessar os vídeos, por favor, tomar cuidado para não alterar os nomes dos arquivos ou excluí-los.

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vídeo 15 – 07nov14_movimento pausa ES1_7 Pág. 78

Proposta 06: vídeo 16 – 28nov14_improvisação livre ES1_16 Pág. 79 vídeo 17 – 28nov14_2 partes ES1_16 Pág. 80 vídeo 18 – 28nov14_9 partes ES1_16 Pág. 81

Proposta 07: vídeo 19 – 05dez14_improvisação desenho Pág. 82 vídeo 20 – 05dez14_improvisação estruturada Pág. 85 vídeo 21 – 10abr15_improvisação estruturada2 Pág. 85

Proposta 08: vídeo 22 – 06mar15_1 só movimento ES1_10 Pág. 86 vídeo 23 – 06mar15_2 sequências ES1_10 Pág. 87 vídeo 24 – 06mar15_2 movimentos ES1_10 Pág. 87 vídeo 25 – 06mar15_opostos 4 e 8 partes ES1_10 Pág. 88 vídeo 26 – 06mar15_opostos 8 partes ES1_10 Pág. 88 vídeo 27 – 06mar15_improvisação estruturada ES1_10 Pág. 88

Proposta 09: vídeo 28 – 13mar15_estrutura ES1_15 Pág. 89 vídeo 29 – 13mar15_12 movimentos ES1_15 Pág. 90

Proposta 10: vídeo 30 – 20mar15_7 partes movimentos sequência ES1_15 Pág. 92 vídeo 31 – 20mar15_12 movimentos ES1_15 Pág. 93 vídeo 32 – 20mar15_12 movimentos pausas ES1_15 Pág. 94

Proposta 11: vídeo 33 – 27mar15_improvisação livre ES2_6 Pág. 95 vídeo 34 – 27mar15_duplas diagonal 3 partes ES2_6 Pág. 97 vídeo 35 – 27mar15_8 movimentos ES2_6 Pág. 97 vídeo 36 – 27mar15_estudo de cena ES2_6 Pág. 98

Proposta 12: vídeo 37 – 17abr15_improvisação livre Paul Klee Pág. 101 vídeo 38 – 24abri15_improvisação Paul Klee estrutura Pág. 101

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Proposta 13: vídeo 39 – 08mai15_improvisação livre imagens abstratas Pág. 103 vídeo 40 – 15mai15_imagens abstratas desenhos 1 Pág. 104 vídeo 41 – 15mai15_imagens abstratas desenhos 2 Pág. 104

Proposta 14: vídeo 42 – 12jun15_improvisação figurativa texto Pág. 107

VIDEOS DVD2 Estudo Cênico I: vídeo 43 – nov13_ensaio aberto estudo cênico I Pág. 116 vídeo 44 – fev15_apresentação estudo cênico I Pág. 118 vídeo 45 – jun15_apresentação 2 estudo cênico I Pág. 119

Estudo Cênico II: vídeo 46 – set15_cenas individuais Pág. 121 vídeo 47 – out15_cenas individuais 2 Pág. 121 vídeo 48 – out15_duo diego erica Pág. 122 vídeo 49 – out15_trio pamela eliana renata Pág. 122 vídeo 50 – out15_trio renata pamela erica Pág. 122 vídeo 51 – jan16_laboratorio performance Pág. 132 vídeo 52 – abr16_laboratório performance 2 Pág. 132 vídeo 53 – out15_improviso resumo cortejo Pág. 133 vídeo 54 – out15_estudo cortejo 1 Pág. 133 vídeo 55 – dez15_estudo cortejo todos Pág. 134 vídeo 56 – mar16_improvisação cena anjo 2 Pág. 135 vídeo 57 – mar16_estrutura cena anjo 2 Pág. 137 vídeo 58 – abr16_improvisação cena final Pág. 137

Espetáculo Doar-se dor vídeo 59 – mai16_ensaio aberto performance Pág. 138 vídeo 60 – mai16_ensaio aberto Doar-se dor Pág. 138 vídeo 61 – ago16_versão solo espetáculo Pág. 113