Por Uma Impossível Fenomenologia Dos Afetos: Imaginação E Presença Na Experiência Literária
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Universidade de Brasília Instituto de Letras Departamento de Teoria Literária e Literaturas Programa de Pós-Graduação em Literatura Tese de doutorado Por uma impossível fenomenologia dos afetos: imaginação e presença na experiência literária Ligia Gonçalves Diniz Brasília Setembro de 2016 Ligia Gonçalves Diniz Por uma impossível fenomenologia dos afetos: imaginação e presença na experiência literária Tese de Doutorado, submetida ao Programa de Pós- Graduação em Literatura do Departamento de Teoria Literária e Literaturas do Instituto de Letras da Universidade de Brasília - TEL - UnB como requisito parcial para obtenção do grau de doutora em Literatura. Orientador: Prof. Dr. Robson Coelho Tinoco Brasília Setembro de 2016 Ligia Gonçalves Diniz Por uma impossível fenomenologia dos afetos: imaginação e presença na experiência literária Banca examinadora: ____________________________________________________ Prof. Dr. Robson Coelho Tinoco (TEL/UnB) Presidente ____________________________________________________ Prof. Dr. Hans Ulrich Gumbrecht (Stanford University) Presidente honorário ____________________________________________________ Prof a. Dr a. Fernanda Pires Alvarenga Fernandes (UFJF) Membro externo ____________________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Alcides Pereira do Amaral (UFMG) Membro externo ____________________________________________________ Prof. Dr. Anderson Luís Nunes da Mata (TEL/UnB) Membro interno ____________________________________________________ Prof a. Dr a. Fabricia Walace Rodrigues (TEL/UnB) Membro interno ____________________________________________________ Prof a. Dr a. Raquel Imanishi Rodrigues (FIL/UnB) Membro suplente Para Pedro – sempre – Agradecimentos Costuma ser difícil localizar o instante preciso em que uma pesquisa é germinada: uma conversa aqui, a observação de um colega ali, uma ideia despertada por um texto acolá. No caso desta tese, porém, há um momento específico de onde os outros se desenrolam. Após um par de comentários meus durante a aula, um extraordinário professor me perguntou, num gesto de atenção e empatia, se eu conhecia o trabalho mais recente de certo autor americano que, como eu, estava interessado em uma dimensão da experiência literária não circunscrita pela busca e acúmulo de sentidos. Obrigada, Anderson da Mata, por todas as trocas intelectuais e afetivas – e por estar comigo desde o começo. Dois anos depois, eu chegava a Stanford para o início de um período de cinco estações em que pude contar com a orientação – isto é, o apoio, as intuições, o afeto e, sobretudo, a infinita generosidade intelectual – de Hans Ulrich Gumbrecht. Na sua sala, no Pigott Hall, o que era um apenas uma confusão de ideias, sensações e muita vontade se tornou uma pesquisa com um escopo claro e, finalmente, esta tese. Sepp, você será sempre uma inspiração. Nada disso seria possível sem o suporte do meu orientador, Robson Coelho Tinoco, a quem agradeço imensamente por nunca hesitar diante das minhas muitas dúvidas e mudanças de opinião e, finalmente, até mesmo uma transformação radical do meu objeto de pesquisa. Obrigada pela flexibilidade, apoio e confiança. Fabricia Walace Rodrigues, obrigada pelas belas intuições compartilhadas durante meu exame de qualificação, e por topar seguir no trajeto até a defesa final. A ela, ao Anderson e aos outros professores que aceitaram participar da banca – Sérgio Alcides e Fernanda Alvarenga Fernandes – agradeço pela leitura tão atenta e pelos comentários precisos. Esta pesquisa também não teria sido viável sem o apoio da Universidade de Brasília, de seus professores, coordenadores e, claro, do pessoal da secretaria, sempre disposto a resolver os mais diversos problemas – menciono, especialmente, Joalysson Costa, pela paciência e ajuda nesta reta final. Agradeço também à Capes, que apoiou financeiramente tanto meu doutorado quanto o período em estágio “sanduíche” nos Estados Unidos. Obrigada, ainda, à Universidade de Stanford, na Califórnia, por me acolher e abrir as portas da Green Library, cuja coleção tornou este trabalho possível. Mas uma tese não é feita só de professores e instituições. Aproveitei cada uma das sugestões e ideias dos colegas na UnB e em Stanford. Por aqui, Clara Bonfim, Ludimila Menezes e Luísa de Freitas fizeram toda a diferença, e Edma Góis me ajudou até o último minuto. Em Stanford, Maya Mulhall, Jamille Pinheiro, Bruno Franco e Fernanda Fernandes foram essenciais à vida acadêmica e tornaram a experiência californiana muito mais fantástica. Muito obrigada, Ana Paula Carvalho, pela disposição a debater ideias mirabolantes e a me acudir com aulas emergenciais de alemão. Agradeço também às leituras de Naiara Rodrigues e Juliana Rocha e às dicas sempre brilhantes de Breno Kümmel. Agradeço ainda a Ivy Oliveira e a Flávia R. Azevendo pelo auxílio generoso em traduções. Ainda entre os amigos, é preciso dizer a Ligia Carvalho, Flávia Marreiro, Isabelle Moreira Lima e Michele Oliveira que o carinho e a confiança delas foram indispensáveis neste percurso. Se, em sala de aula, tive a sorte de encontrar ideias e sugestões fundamentais, foi em casa que ouvi, como se não fosse nada demais, a expressão precisa para o que sempre esteve no interior das minhas experiências e que é a alma desta tese. Obrigada, Pedro, por compartilhar comigo esse desejo de sentir cada instante com a mesma intensidade com que a nostalgia nos alcança depois – e por saber desde o início que o corpo não precisa produzir conhecimento. À Carmela e à Matilda, espero que saiba agradecer, em amor e cuidado, as lições cotidianas de afeto e presença. Se a academia fosse mais evoluída, elas estariam nas referências bibliográficas. À minha mãe, Lucinda, obrigada pela presença inabalável, pelo orgulho e, acima de tudo, por ter cometido o “erro” de fazer de mim “uma pessoa tão apaixonada”. E à minha madrinha, Sãozita, agradeço o interesse genuíno e o apoio constante. *** Esta tese foi escrita sob o olhar e a voz do meu pai, que nunca, nunca evaporam. Resumo Esta tese apresenta um modo de ler literatura que se concentra na possibilidade de mobilização dos afetos, e no envolvimento somático do leitor no mundo das coisas, via imaginação. Como dimensão híbrida da consciência – sujeita ao fluxo temporal, mas aberta a possibilidades espaciais –, a imaginação é a potência que, disparada pelo texto literário, insere o corpo do leitor na experiência viva da leitura, que, de outro modo, se reduziria à produção de sentido, com toda a energia do texto e do leitor se convertendo em reflexão. Proponho que aquilo que da experiência viva resiste à interpretação: 1) proporciona, de forma fugaz, um lugar cosmológico ao leitor, o que entendo como uma “volta para casa”; e 2) permite a vivência afetiva de possibilidades múltiplas por meio da interação entre imaginário e fictício. Para isso, desenvolvo, a partir da ideia de presença em Gumbrecht, uma teoria da imaginação aplicável à leitura, em que as noções de consciência , autoconsciência e atenção , emprestadas às ciências cognitivas e à filosofia da mente, são postas em diálogo com o debate sobre a relação entre corpo e subjetividade em Merleau-Ponty e Jean-Luc Nancy e com a fenomenologia husserliana e sartriana, para a reflexão sobre um estado afetivo da consciência. Atribuo, então, um caráter plástico à imaginação, que a aproxima da memória, como dimensões em que se interpenetram a realidade externa e os afetos. Com Costa Lima, Iser e, finalmente, Castoriadis, questiono então a possibilidade de se pensar a experiência literária como um modo de representação-afeto. Palavras-chave : imaginação; presença; leitura literária; afeto; representação Abstract This dissertation explores a way of approaching literary texts that focuses on the possibility of engaging our affects, and on the somatic immersion of the reader in the world of things through imagination. As a hybrid state of consciousness, subject to the temporal flux but also open to spatial possibilities, imagination appears as the potentiality that, once triggered by the literary text, engages the reader’s body in the living experience of reading, which would otherwise be confined to producing meaning, thus channeling both the reader’s and the text’s energy to reflexive thought. I propose that there is something in the reading experience that resists interpretation and which: 1) affords, very fleetingly, a cosmological place to the reader, in an event that I understand as “home coming”; and 2) allows for the reader to affectively experience multiple possibilities by way of the interaction between fiction and imagination. Starting from the notion of presence as put forth by Gumbrecht, I present a theory of imagination which is suited for literary reading, in which the concepts of consciousness , self- consciousness and attention , borrowed from cognitive science and philosophy of mind, complement both the discussion about subjectivity and the body in Merleau-Ponty and Jean- Luc Nancy, and Husserlian and Sartrian phenomenology. My objective is to define the qualities of an affective state of consciousness. I describe imagination as a plastic dimension, neighbored by memory, both being conscious states in which external reality and affects are intertwined. Finally, with Costa Lima, Iser and Castoriadis, I question whether it is possible to reflect upon literary experiences as a type of affective representation. Keywords : imagination; presence; literary reading; affect; representation Resumen Esta tesis propone un modo de leer literatura que se concentra en la posibilidad de movilización