Durante Quarenta Anos De Sua Vida, Delsarte Observou Os Gestos
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Durante quarenta anos de sua vida, Delsarte observou os gestos expressivos das pessoas em diferentes situações da vida e lugares – desde asilos até prisões –, o que lhe possibilitou concluir que “O gesto é mais que o discurso” (GARAUDY, 1980, 81). Sua busca foi pelo humano em si mesmo, como uma arte universal criada por cada ser humano a partir das condições de sua própria existência. Estes dados permitiram-lhe a catalogação de uma grande quantidade de gestos realizados por diferentes partes do corpo e suas mudanças emocionais. Criou-se, portanto, um método que conectava o movimento, a voz, a expressão e a emoção humana e relacionava essencialmente o teatro, a mímica e o canto. Delsarte devotou sua vida à descoberta de leis gerais e princípios de expressão. A análise de Delsarte sobre a anatomia e a expressão humana fundamentou-se em dois princípios: • O Princípio da Correspondência: estabelece uma relação entre corpo e alma que transpõe o dualismo ocidental, através da conexão dentro e fora (interno/externo), na qual, para Delsarte, “A toda manifestação do corpo corresponde uma manifestação interior do espírito” (GARAUDY, 1980, 82). • O Princípio de Trindade: engloba os três princípios do Ser Humano: a vida, o espírito, a alma que formam uma unidade, sendo definida como “a unidade de três coisas das quais para cada uma é essencial as outras duas, cada co-exitência no tempo, co- penetração no espaço, e cooperatividade no movimento” (PARTSCH-BERGSOHN, 1994, 13). Delsarte, partindo do Princípio de Trindade, divide o corpo em três partes: cabeça (centro do intelectual), tronco (correspondente ao emocional e a moral) e pernas (como parte menos expressiva associada ao físico ou animal). Essas três partes subdividem-se em outras três como, por exemplo, na cabeça: a testa como parte espiritual, os olhos como emocional e a boca como voluntária. O mesmo ocorre com tronco e pernas. Estas três partes, resultantes da subdivisão das três anteriores, dividem-se em mais três, resultando em uma extensa relação de movimento e partes do corpo. Levando em consideração de onde partia o gesto e para onde se dirigia, Delsarte estabeleceu três formas de movimento: - oposição: quando duas partes do corpo se movem ao mesmo tempo e opostamente. Esta oposição dá ao movimento sua expressividade máxima, já que a tensão das energias faz com que todo o corpo participe da ação; - paralelismo: é o movimento de duas partes do corpo ao mesmo tempo e na mesma direção que, segundo Delsarte, indica fraqueza, como um gesto de submissão; - sucessão: são movimentos que percorrem todo o corpo (músculos, ossos, articulações). Podem partir tanto da periferia até chegar ao centro do corpo ou seguir a via contrária. Segundo Garaudy (1980, 84) A sucessão fundamental é a que, partindo do centro do tronco, põe em movimento o ombro, depois o braço, o cotovelo, o antebraço, o pulso, a mão e os dedos, sendo que o impulso central mobiliza o corpo inteiro por ondas sucessivas rigorosamente dirigidas e controladas. Além de um estudo anatômico do corpo e seu movimento, Delsarte também analisou o corpo em suas posições expressivas: ataque, veemência, exaltação, submissão, humildade, desalento, cólera, desespero e surpresa (AZEVEDO, 2004, 55). Sendo assim, Delsarte estabeleceu a relação de cada movimento corporal a uma emoção específica. Figura 1: Seqüência de Exercícios de François Delsarte5 Como pontos principais de relação com a Dança Moderna (que tem como fundadores Rudolf von Laban e Mary Wigman), destacam-se na teoria de Delsarte a ênfase do tronco como centro da expressão, o movimento de sucessão que parte do tronco e percorre todo o corpo, a dialética do movimento que ao mesmo tempo opõe-se e têm implicações mútuas - cada um resulta do anterior e sua intensidade está na relação com o outro, o conhecimento do peso do corpo e seu contato com o chão. Delsarte não criou uma teoria especificamente para o ator-dançarino, mas seus estudos foram inovadores na época por pensar o movimento em sua relação interior e exterior, distanciando-se de movimentos mecanicistas. Seus estudos foram de encontro ao pensamento que originou a Dança Moderna, a fim de romper com movimentos mecânicos e pré- estabelecidos. Seus princípios de movimento direcionavam-se a uma relação de rompimento com dualismos. 5 Figura disponível em <www.musikinesis.com/Delsarte.htm>. Acesso em: 10 ago. 2006. A partir destes mesmos princípios, as teorias de Delsarte influenciaram estudos do corpo e do movimento. Entre estes estudos podemos citar as teorias de Emile Jacques- Dalcroze, que nasceu em 6 de julho de 1865, em Viena, Áustria e faleceu em 1 de julho de 1950, em Genebra, Suíça. Pedagogo e pianista, aos 27 anos tornou-se professor de música do Conservatório de Genebra. Em Paris, Dalcroze foi aluno de François Delsarte, sendo muito influenciado por seus métodos e tendo inovado na área de estudos do corpo cênico. Figura 2: Emile Jacques-Dalcroze6 Guiado pela teoria de Delsarte, desenvolveu um método e teoria para aperfeiçoar a percepção rítmica de seus estudantes através da tradução do som em ação física conhecida como “Eurritmia” (Eurhythmics). Para ele, o corpo era “o ponto de passagem obrigatório entre pensamento e música: o pensamento só pode captar o ritmo se ele for ditado pelo movimento” (BOURCIER, 2001, 291). Dalcroze criou uma educação psicomotora com base no ritmo e no movimento como “desenvolvimento do sentido musical em todo o ser – sensibilidade, inteligência, corpo –, que fornece uma ordem interior que, por sua vez, comanda o equilíbrio psíquico” (BOURCIER, 2001, 292). Ao analisar o movimento em função do ritmo, Dalcroze encontrou relações entre 6 Figura disponível em <www.dalcroze.fr/Dalcroze_France_Emile%20_Jaques_Dalcroze.htm>. Acesso em: 10 ago. 2006. tensão e relaxamento, contração e expansão (oposições, assim como na teoria de Delsarte, e fundamentais nos estudos de Laban). A princípio, seu método foi apenas funcional, projetado para ajudar músicos a desenvolverem uma melhor memória motora. No decorrer dos estudos, Dalcroze percebeu que seus benefícios estavam além de seu objetivo original. Embora pretendesse conseguir o preciso funcionamento do sensorial, centralizar o movimento e ajudar estudantes a desenvolverem uma melhor percepção de ritmo, seu método também melhorou a coordenação entre as diferentes zonas do corpo (referentes às três zonas de divisão do corpo humano criadas por Delsarte: cabeça, tronco e membros inferiores). Para Dalcroze, a caminhada humana era a base de toda atividade rítmica. Em suas aulas, utilizava-se do andar como método de percepção rítmica. Através do andar, Dalcroze acreditava ser possível conectar as zonas corporais e, assim, trabalhar o ritmo corporal em sua totalidade. Seu treinamento rítmico corporal buscava despertar a sensibilidade harmônica entre corpo e alma, homem e natureza, indivíduo e sociedade, novamente direcionando a possibilidade do diálogo entre supostas oposições. Em 1910, Dalcroze, considerado um expoente da arte educação, tornou-se diretor do recém-criado Instituto Educacional para Música e Ritmo (Bildungsanstalt für Musik und Rhythmus) em Hellerau, próximo a Dresden. O objetivo da escola preparatória de artes foi criar uma relação com o ensino de “artes e artesanatos” (“Arts and Crafts”) na Alemanha, atraindo estudantes de toda a parte da Europa para estudar com Dalcroze e seus colaboradores. Neste mesmo período, Laban esteve em contato com este tipo de ensino através de seu professor, o escultor Hermann Obrist. Dentre os estudantes que se formaram nas escolas de Dalcroze podemos destacar Marie Rambert (que mais tarde colaborou com Vaslav Nijinsky, principalmente na coreografia para Le Sacre du Printemps), Michio Ito, Mary Wigman (que difundiu o método de Dalcroze na Alemanha) e Hanya Holm (por seu intermédio, os princípios ficaram conhecidos nos Estados Unidos). Dalcroze estava ciente de que o Instituto havia sido projetado para demonstrar a eficácia da reforma de idéias até então praticadas. Dessa forma, ele partiu de um currículo rigoroso baseado na bem-sucedida estrutura da escola de Genebra. Seus grupos eram formados por cantores e dançarinos. Estes apresentaram no verão de 1912 a dança dramática Echo of Narzissus no Festspielhaus (Festival Hall). O auge de sua carreira foi com Orpheus, que atraiu a elite artística européia para a cidade de Hellerau. Na primavera de 1913, Diaghilev e Nijinsky foram para Hellerau. Lá conheceram o trabalho de Dalcroze e ficaram impressionados com seu coro rítmico de movimentos. Neste mesmo ano, o método de Dalcroze fez grande sucesso na Europa, onde foi fundada a London School of Dalcroze Eurythimics. Na primavera do ano seguinte, 500 estudantes inscreveram-se em Hellerau e filiais das Dalcroze Schools. Contudo, alguns estudantes disseram que o método de Dalcroze utilizava predominantemente as extremidades do corpo sem o completo conhecimento das qualidades expressivas próprias do corpo humano. Também alguns jovens aspirantes a dançarinos sentiram que lá foi muito pequena a oportunidade para exploração do movimento individual então, eles resolveram unir-se a Laban em sua escola de verão no Monte Verità, em seu segundo ano de funcionamento. Outros estudantes queixaram-se que a atmosfera predominante na escola de Dalcroze era similar a um convento devido a uma disciplina severa de treinamento para precisão rítmica. Na primavera de 1914, Dalcroze foi para Genebra organizar um de seus festivais, quando o início da Primeira Guerra Mundial pôs fim ao seu Instituto em Hellerau, para o qual Dalcroze não retornou. Além deste fato, a morte de um dos fundadores, Wolf Dohrn, e a opinião política de Dalcroze a respeito da Alemanha foram fatores que contribuíram para o declínio e fechamento do instituto, que se tornou um hospital. Em 1919, ex-alunos de Dalcroze reabriram a “School of Apllied Rhythm” na mesma região do instituto de Hellerau e, em 1925, foi transferida para o Castelo Laxenburg, na Áustria, próximo à Viena. 1.2 RUDOLF VON LABAN – UM VISIONÁRIO DO SÉCULO XX Rudolf Jean-Baptiste Attila Laban de Váralja (Lábán Rezső János Attila) nasceu em 15 de dezembro de 1879.