O JOGO COMO AGIR DE LINGUAGEM: DA LUDICIDADE À CONSTRUÇÃO DE VALORES SOCIAIS Nonada: Letras Em Revista, Vol

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O JOGO COMO AGIR DE LINGUAGEM: DA LUDICIDADE À CONSTRUÇÃO DE VALORES SOCIAIS Nonada: Letras Em Revista, Vol Nonada: Letras em Revista E-ISSN: 2176-9893 [email protected] Laureate International Universities Brasil Frainer Knoll, Graziela O JOGO COMO AGIR DE LINGUAGEM: DA LUDICIDADE À CONSTRUÇÃO DE VALORES SOCIAIS Nonada: Letras em Revista, vol. 1, núm. 28, mayo, 2017, pp. 77-92 Laureate International Universities Porto Alegre, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=512454262006 Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto O JOGO COMO AGIR DE LINGUAGEM: DA LUDICIDADE À CONSTRUÇÃO DE VALORES SOCIAIS GAME AS ACTION OF LANGUAGE: FROM LUDICITY TO THE CONSTRUCTION OF SOCIAL VALUES Graziela Frainer Knoll1 RESUMO: O objetivo deste trabalho é refletir sobre o jogo no âmbito da cultura e sobre o jogar como agir de linguagem, a partir de uma revisão de literatura. Utilizou-se como referencial teórico-metodológico: o jogo segundo Huizinga (1993), Bateson (2006) e Cabral (2001), entre outros; o agir de linguagem conforme o ISD (BRONCKART, 2003; 2006) e o ato segundo a teoria bakhtiniana (VOLOCHÍNOV, 2009; BAKHTIN, 2010a; 2010b). A reflexão evidenciou o jogo como elemento da cultura, fundamental para a socialização e o jogar como agir de linguagem. Palavras-chave: jogo, linguagem, agir. ABSTRACT: The purpose of this work is to reflect on the game in culture and about playing as action of language, from a literature review. It was used as theoretical- methodological references: the game according to Huizinga (1993), Bateson (2006) and Cabral (2001), among others; The language action according to the ISD (BRONCKART, 2003, 2006) and the act according to the Bakhtinian theory (VOLOCHÍNOV, 2009; BAKHTIN, 2010a; 2010b). The reflection showed the game as an element of culture, fundamental for socialization and playing as an action of language. Keywords: game, language, action. Introdução Os jogos fazem parte das práticas sociais humanas desde os primórdios, tendo prevalecido seu caráter lúdico durante muito tempo, até a época pós-industrial, quando passaram a ser vistos como possíveis recursos motivadores dos processos de ensino e aprendizagem, do fortalecimento das sociabilidades e do desenvolvimento de valores por meio da linguagem. Com isso em vista, o objetivo deste trabalho é refletir sobre o jogo no âmbito da cultura e sobre o jogar como agir de linguagem. A pesquisa é qualitativa, de revisão de literatura, do tipo revisão narrativa, que consiste em um método de pesquisa que utiliza fontes de informações bibliográficas ou documentais, impressas ou eletrônicas para a obtenção de resultados, com o propósito de fundamentar teoricamente o enfoque do tema. Os 1 Doutora em Estudos Linguísticos. Professora Adjunta no Centro Universitário Franciscano; Colaboradora Pós-Doc no Mestrado em Letras do UniRitter. E-mail: [email protected]. Knoll, G. F. O jogo como agir de linguagem: da ludicidade à construção de 78 valores sociais. Nonada: Letras em Revista, n. 28, vol. 1. Maio de 2017. pp. 77-92. artigos de revisão narrativa descrevem e discutem o desenvolvimento ou o "estado da arte" de um determinado tema por uma perspectiva teórica ou contextual, em que a seleção das obras e referências consultadas é uma prerrogativa do pesquisador (VOSGERAU; ROMANOWVSKI, 2014). Assim, a discussão será feita a partir da articulação dos seguintes conceitos e autores centrais, selecionados de forma subjetiva: o jogo como elemento da cultura, segundo Huizinga (1993), Bateson (2006) e Cabral (2001), entre outros; o agir de linguagem conforme o Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 2003; 2006) e o ato segundo a teoria bakhtiniana (VOLOCHÍNOV, 2009; BAKHTIN, 2010a; 2010b). Não serão discutidas aqui as perspectivas da psicologia ou do cognitivismo, mas, sobretudo, o ponto de vista cultural do jogo. Porém, sabe-se que o jogo foi e é tema de interesse de várias escolas, que vão desde o behaviorismo, que estudou os fatores de estímulo e resposta envolvidos na ação de jogar, e passam por K. Buhler, segundo o qual o jogo se define pelo prazer da função, e pelo construtivismo de Piaget, que analisou a função do jogo no desenvolvimento infantil (CABRAL, 2001). Enfim, o jogo como interesse de estudo deve-se ao fato de que, desde muito cedo, manifesta-se uma propensão ao jogo como atividade lúdica, e isso não é uma exclusividade da espécie humana ou de um contexto específico, pelo contrário, é fato observado no comportamento de diversos animais, o que incita a curiosidade pelo tema. Na sequência, será visto o conceito do jogo na cultura; serão analisadas suas funções lúdicas e referentes à construção de valores sociais; em seguida, será discutida a relação entre o jogo e a linguagem e, após, será feita a reflexão sobre o jogar como agir de linguagem. O jogo na cultura O jogo faz parte da vida do ser humano desde os primórdios dos tempos. Inclusive, trata-se de uma prática também observada em outros animais, como macacos e mamíferos domésticos, por exemplo. Os cães, desde pequenos, estabelecem entre si um ritual de gestos, regras e comportamentos, passando a jogar uns com os outros, realizando um ritual de perseguição e mordidas sem o intuito de violência, pelo contrário, para o seu divertimento, sendo assim, com um sentido que ultrapassa as necessidades biológicas, mecânicas ou de sobrevivência. Considerando isso, em 1938, Huizinga referiu-se ao Homo sapiens como Homo ludens, devido à função do jogo como elemento essencial da cultura, até mesmo anterior às noções de cultura e sociedade. O jogo apresenta-se como um elemento cultural e histórico fundamental, que teve (e tem) sua importância para o desenvolvimento da civilização (HUIZINGA, 1993). Para o autor, o divertimento é o “que define a essência do jogo” (Ibid., p. 5), ou seja, é o que distingue e particulariza essa atividade, diferenciando-a de outras funções vinculadas à sobrevivência. Knoll, G. F. O jogo como agir de linguagem: da ludicidade à construção de 79 valores sociais. Nonada: Letras em Revista, n. 28, vol. 1. Maio de 2017. pp. 77-92. Encontramos o jogo na cultura, como um elemento dado existente antes da própria cultura, acompanhando-a e marcando-a desde as mais distante origens até a fase de civilização em que agora nos encontramos. Em toda a parte encontramos o jogo, como uma qualidade de ação bem determinada e distinta da vida comum (HUIZINGA, 1993, p. 6). O jogo pode ser caracterizado, segundo Huizinga (1993), pelo fato de ser livre: é facultado ao indivíduo participar ou não e, uma vez no jogo, decidir que rumos ou decisões assumir, ainda que isso seja, de certa forma, restringido por regras e por consequências do jogo. É, conforme Stern (1977), uma atividade livre que tem a finalidade em si mesma. Em segundo lugar, há o fato de o jogo funcionar como uma forma de representação ou imaginação da vida, pois não é a vida real ou comum da pessoa, “pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida real para uma esfera temporária de atividade” (Ibid. p. 11). Em terceiro lugar, o autor coloca o caráter desinteressado do jogo, que tem por finalidade a satisfação do jogador, isto é, a sua realização no próprio jogo. Ressalta-se, porém, que seu caráter desinteressado não incide a falta de propósito ou de importância dessa atividade, mas tem relação com seu aspecto lúdico e com o fato de que funciona como uma expressão da criatividade. Huizinga (1993) destaca outra característica distintiva do jogo, que é a ordem introduzida no mundo, do ponto de vista do jogador, naquele espaço de tempo e lugar em que é praticado. Isso significa que, para o jogador, o jogo estabelece uma ordem ou um regramento e, ao mesmo tempo, um ritmo que cativa seus participantes. São as regras, socialmente impostas na comunidade de jogadores, que determinam quem permanece no jogo ou quem é punido ou eliminado. Dessa forma, pode-se afirmar que todo jogo possui seus regramentos, mais ou menos formalizados e compartilhados entre os jogadores. Para Bateson (2006, p. 316), o jogo somente acontece quando os participantes são capazes de realizar algum nível de metacomunicação ou metalinguagem, a fim de declararem (implícita ou explicitamente) a mensagem “This is play” (“isto é jogo”). O antropólogo reitera que o jogar ocorre não só entre humanos, mas também entre animais, como os chipanzés no zoológico, que realizam um tipo de jogo entre si, similar ao combate, porém sem o intuito de machucar os participantes. Nesse jogo, são os sinais – por exemplo, atitudes, cheiros e sons – emitidos na interação entre eles que estabelecem a metacomunicação do jogar. O antropólogo afirma que o paradoxo está sempre presente no jogo, bem como a questão “Is this play?”. Nesse aspecto, é como se houvesse a dúvida entre os participantes: isto é um jogo, uma fantasia ou uma real ameaça? Pode-se acrescentar que tal paradoxo é explorado ainda hoje pela indústria dos jogos eletrônicos, em que, quanto maior o realismo dos personagens, das cenas e, inclusive, dos combates, maior o interesse do Knoll, G. F. O jogo como agir de linguagem: da ludicidade à construção de 80 valores sociais. Nonada: Letras em Revista, n. 28, vol. 1. Maio de 2017. pp. 77-92. público. Conforme Ferreira (2010, p. 6), o realismo dos jogos eletrônicos (games) é um realismo estético, isto é, construído com base em imagens, sons e movimentos, sendo que as imagens geradas buscam “incessantemente, de acordo com a tecnologia disponível em cada época, a semelhança mimética, o realismo gráfico, em seus jogos”. Essa proximidade entre o jogo e a realidade é alcançada por meio de tecnologias de alta definição, filtros e texturas (CIPOLI, 2012), que buscam diluir os contrastes entre pessoas e personagens virtuais.
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