UNESP- UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA DSCO - Departamento de Comunicação Social FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Curso de Jornalismo

BIANCA TEIXEIRA MORELLI

A NOTÍCIA CÔMICA: UM NOVO FORMATO DE CONSTRUIR A OPINIÃO PÚBLICA

Bauru 2015

BIANCA TEIXEIRA MORELLI

A NOTÍCIA CÔMICA: UM NOVO FORMATO DE CONSTRUIR A OPINIÃO PÚBLICA

Projeto Experimental apresentado em cumprimento parcial às exigências do Curso de Jornalismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, do Departamento de Comunicação Social da UNESP- Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social- Jornalismo. . Orientador do Projeto Experimental: Prof. Dr. Denis Porto Renó

Bauru 2015

BIANCA TEIXEIRA MORELLI

A NOTÍCIA CÔMICA: UM NOVO FORMATO DE CONSTRUIR A OPINIÃO PÚBLICA

Projeto Experimental apresentado em cumprimento parcial às exigências do Curso de Jornalismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, do Departamento de Comunicação Social da UNESP- Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social- Jornalismo. .

Bauru, 27 de Abril de 2015.

______Profº Dr. Denis Porto Renó Orientador e presidente da Banca Examinadora

______Profª Dra. Ângela Maria Grossi de Carvalho Membro da Banca Examinadora

______Profº Dra. Letícia Passos Affini Membro da Banca Examinadora

Dedico este trabalho aos meus pais, Nelma e Paulo, que são, sem dúvidas, um dos grandes responsáveis por eu estar aqui hoje, concluindo mais uma etapa da minha vida.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus pela proteção e oportunidade de realizar meu sonho, e por permitir que eu vivenciasse plenamente esse período de amadurecimento e descobertas que é a faculdade. Sou imensamente grata a minha mãe, Nelma, e meu pai, Paulo, por não medirem esforços para que eu cursasse a universidade e o curso de minha escolha, me apoiando desde os tensos vestibulares até os trabalhos finais dessa graduação. Sem dúvida nenhuma, devo toda minha conquista e realizações a eles. Agradeço meu irmão, Gabriel, que mesmo com a distância, sempre foi capaz de reviver em mim o amor pelo jornalismo e me encher de esperanças e ânimo. Também sou grata por todo carinho, apoio e amor do meu namorado, Junior, que sempre esteve ao meu lado, comemorando minhas conquistas e me ajudando nos meus tropeços. Ao professor Denis, agradeço pela cumplicidade, por apoiar e comprar minhas ideias e, principalmente, minhas mudanças de ideias. Obrigada por sua paciência, orientação e ensinamentos. A UNESP por me proporcionar imenso aprendizado acadêmico e pessoal, permitindo que eu encontrasse mestres amigos e amigos mestres, que me ensinaram e me inspiraram, dentro e fora da sala de aula. E a Bauru, por me receber tão bem e me apresentar pessoas tão preciosas que levarei para sempre comigo.

“Humor é aquilo que faz cócegas no cérebro.” (Leon Eliachar)

“O humor acusa, satiriza, descobre, desmoraliza, critica, eleva, deforma, informa, destrói, constrói, imortaliza, enterra, açoita e acaricia.” (Chico Anysio)

RESUMO

O presente trabalho se debruça nas discussões sobre os gêneros jornalísticos, mais especificamente sobre o jornalismo caricato, ou seja, quando se utiliza o humor como ferramenta para transmitir uma informação. Respaldando-se nas definições propostas por José Marques de Melo (2003), baseando-se nas teorias do jornalismo apresentadas por Nelson Traquina (2005) e Felipe Pena (2005) e fundamentando-se nos ensinamentos de Jorge Halperín (2008) e Rafael Yanes (2004) sobre as técnicas de entrevista, e a consulta de outros autores, esta pesquisa se propôs a analisar o humor como um recurso legítimo e colaborador no desempenho do jornalismo. Para isso, foram analisados, detalhadamente, seis diferentes quadros de entrevistas do programa talk show “The Noite com Danilo Gentili”, exibido pelo Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT. Nessa análise, foram considerados: o conteúdo das entrevistas, a técnica e os recursos utilizados pelo apresentador e sua equipe, a relevância jornalística dos temas e dos convidados e o alcance do público em geral à informação.

Palavras-chave: Telejornalismo. Humor. Danilo Gentili. Opinião pública. Função social.

ABSTRACT

This paper focuses on the discussion of journalistic genres, more specifically on the comic journalism, in other words, when using humor as a tool to transmit information. Supported by the definitions proposed by José Marques de Melo (2003), based on the theories of journalism presented by Nelson Traquina (2005) and Felipe Pena (2005) and relying on the teachings of Jorge Halperín (2008) and Rafael Yanes (2004) about interview techniques, this research aimed to analyze the humor as a legitimate resource and collaborator in journalism performance. For this, we analyzed, in detail, six different frames of interviews of program "The Noite com Danilo Gentili", which is broadcasted from Monday to Friday by the Brazilian Television System, SBT. In this analysis, we considered the contente of interviews, the technique and the resources used by the presenter and his team, the journalistic relevance of topics and guests and the reach of the general public to information.

Keywords: Telejournalism. Humor. Danilo Gentili. Public opinion. Social function.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...... 5 2 METODOLOGIA ...... 9

3 JORNALISMO OPINATIVO: HUMOR E NOTÍCIA ...... 11

3.1 Editorial ...... 15

3.2 Comentário ...... 16

3.3 Artigo ...... 17 3.4 Resenha ou crítica ...... 18

3.5 Coluna ...... 19

3.6 Crônica ...... 20 3.7 Carta ...... 21

3.8 Caricatura ...... 22

4 O PROGRAMA “THE NOITE COM DANILO GENTILI” ...... 25

4.1 Quem é Danilo Gentili ...... 25

4.2 Trajetória: entre o humor e o jornalismo ...... 27

4.3 The Noite com Danilo Gentili ...... 33 5 A NOTÍCIA “BEM HUMORADA” ...... 40

5.1 Entrevista com Diego Aranha ...... 40

5.2 Entrevista com Luciana Genro ...... 47

5.3 Entrevista com líderes religiosos ...... 57 5.4 Entrevista com Cafu ...... 66

5.5 Entrevista com Gabriel Neves ...... 73

5.6 Entrevista com Ricardo Giromel ...... 76 5.7 Análise geral das entrevistas ...... 82 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 86

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 89

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Análise quantitativa da entrevista com Diego Aranha ...... 46

Tabela 2 – Análise quantitativa da entrevista com Luciana Genro ...... 48

Tabela 3 – Análise quantitativa da entrevista com líderes religiosos ...... 65

Tabela 4 – Análise quantitativa da entrevista com Cafu ...... 66

Tabela 5 – Análise quantitativa da entrevista com Gabriel Neves ...... 75

Tabela 6 – Análise quantitativa da entrevista com Ricardo Geromel ...... 76

Tabela 7 – Análise quantitativa das seis entrevistas ...... 85

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1 INTRODUÇÃO

Entender o jornalismo contemporâneo e suas linguagens diversas é um desafio. Entretanto, tal entendimento torna-se fundamental para o desenvolvimento do mesmo. Esse é o estímulo desta pesquisa, que busca identificar o programa “The Noite com Danilo Gentili” dentro das técnicas do jornalismo. Para isso, partiremos da classificação de gênero no jornalismo brasileiro, realizada por José Marques de Melo, em seu livro “Jornalismo Opinativo”. Marques de Melo utiliza como base a divisão feita por Luiz Beltrão, porém, adiciona novas categorias, entre elas o jornalismo caricato. Segundo o autor, “enquanto gênero jornalístico, a caricatura cumpre uma função social mais profunda que a emissão rotineira de opinião nos veículos de comunicação coletiva” (MARQUES DE MELO, 2003, p.166). Portanto, a utilização de imagens e textos com características exageradas ou deformadas para denunciar um fato ou um comportamento, cumpria (e cumpre) a função do jornalismo de forma mais rápida e eficaz que as outras formas de texto opinativo, como os editoriais, por exemplo. A partir do estudo das bibliografias sobre o uso do humor no jornalismo e da análise dos recursos, técnicas e temáticas utilizados pelo apresentador ao longo das entrevistas, analisamos se o humor não é somente um recurso legítimo do jornalismo, como pode ser também um mecanismo mais democrático na difusão das informações, graças à linguagem simples, leve e direta que o tom humorístico possibilita. A democratização alcançada pelo uso do humor não está relacionada apenas ao número de pessoas que passam a ser atingidas pela informação, mas também é referente às temáticas que são debatidas. Como enfatiza Raquel Ferreira e Adriana Santos (2012, p.7), “apesar de o Brasil ser um país „democrático‟ falar sobre política abertamente e emitir opinião através dos meios de comunicação ainda é um tabu”. As autoras atribuem ao uso do humor no jornalismo a habilidade de burlar interesses políticos e garantir o debate a todos os assuntos, inclusive temáticas sérias e críticas como a situação política do país. Ainda sobre a escolha do humor como caminho para se divulgar uma informação, Néris faz uso de uma afirmação de Magalhães Junior, a qual relaciona esse gênero diretamente com a população brasileira.

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A sátira e o humorismo são expressões não apenas literárias, mas reflexões do próprio caráter do povo brasileiro. Representam formas de desabafo da alma popular contra injustiças sociais, ou um meio de aliviar a pressão sobre a qual vivemos nas horas de crise. (MAGALHÃES JÚNIOR, 1998, p.7 apud NÉRIS, 2013, p.11).

Portanto, o contexto social brasileiro também colabora para a popularidade e eficácia de programas com linguagens humorísticas. As diferenças sociais em nosso país são imensas e revoltantes, o nosso cenário político é carregado de corruptos, e a procura por alternativas políticas são cada vez mais escassas. As formas com que as notícias são informadas pelos jornais tradicionais (via rádio, TV, internet ou impresso) são corriqueiras, sem novidades, sem atrativos. Dessa forma, o humor se transforma em um mecanismo para chamar a atenção para as informações, ele escancara aquilo que os jornais tradicionais, guiados por interesses públicos, às vezes omitem ou não dão a importância necessária. A não padronização no estilo do apresentador Danilo Gentili permite que ele realize perguntas incômodas e não esperadas, o que garante um olhar diferenciado às temáticas debatidas. O uso do sarcasmo e da ironia tem o objetivo de promover a visão crítica do público aos fatos veiculados. A linguagem próxima ao telespectador, ou ainda, a notícia contextualizada e exemplificada, consente aos receptores o entendimento das questões que estão sendo tratadas e motivam a reflexão. Além disso, o uso do humor tem mais uma especificidade a seu favor: a habilidade de conceber algo como engraçada é universal, como pontua Marcio Acselrad e Katiuska Facó.

Não existe cultura humana sem ele [o humor], de maneira que podemos dizer que seja um elemento necessário à humanidade. Ao mesmo tempo em que é unânime e geral, o humor também é bastante específico. O que é engraçado para brasileiros pode não fazer o menor sentido e, consequentemente, não provocar nenhuma resposta humorística, para alemães, suecos ou portugueses. O que parece engraçado às pessoas, e o que elas fazem para produzir humor, muda imensamente de uma época para outra, de uma sociedade para outra, de uma cultura para outra. (ACSELRAD; FACÓ, 2010, p.54).

Apesar de Marques de Melo não acreditar que seja possível a realização do jornalismo caricato na televisão e no rádio, o presente trabalho analisa seis diferentes entrevistas do talk show “The Noite com Danilo Gentili”, escolhidas por

7 conveniência, observando se o apresentador e seus colegas de programa executam o gênero jornalístico dentro de um programa humorístico, em meio televisivo. Iniciamos a análise, destacando o formato entrevista, genuíno do gênero jornalístico, e presente no talk show de Danilo Gentili. Contudo, não foi apenas a constatação do recurso utilizado, mas também a eficiência de sua execução. Como pontua Jorge Halperín (2008, p.13), “uma boa entrevista consegue um equilíbrio inteligente entre informação, testemunhos e opiniões. Além de ser capaz de mostrar a face oculta da lua, ou seja, mostrar algo diferente do corriqueiro e que não é esperado pelo receptor”. Essas e outras características descritas no livro sobre a entrevista jornalística de Halperín fomentam as análises e comparações entre o formato padrão e o modelo apresentado por Gentili. Quanto ao papel social desempenhado pelo jornalista, bem como a escolha das temáticas que são abordadas e, principalmente, o modo como foram escolhidas, foram baseados nos livros sobre teorias do jornalismo de Nelson Traquina (2005) e Felipe Pena (2005). Comparamos os conceitos definidos pelos escritores com as características observadas no programa “The Noite com Danilo Gentili”, a fim de investigar a proximidade ou não do talk show com o gênero jornalístico. Este estudo oferece discussões a partir de capítulos divididos de acordo com o desenvolvimento do mesmo. Dessa maneira, é possível construir uma sequência cognitiva na leitura e na descoberta dos resultados aqui apresentado. No capítulo 2, Metodologia, são apresentados os caminhos e as rotinas inerentes à pesquisa em questão. Para tanto, foram realizadas leituras relativas às referidas técnicas, consolidando, assim, as opções metodológicas empregadas no estudo. Com os métodos e processos definidos, no capítulo seguinte, “Jornalismo Opinativo: humor e notícia”, identificamos quais características definem uma publicação como jornalística, utilizando a proposta sugerida por Felipe Pena (2005) e analisamos a relação entre o jornalismo e a opinião pública. Determinado as características jornalísticas, a próxima questão a ser discutida neste capítulo é sobre as categorias que o jornalismo pode ser enquadrado. Então, nos debruçamos na obra de Marques de Melo (2003), na qual o teórico considera duas categorias fundamentais no jornalismo: o informativo e o opinativo. Por fim, detalhamos os modelos de jornalismo opinativo, categoria essa que interessou à pesquisa.

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No capítulo 4, “O programa „The Noite com Danilo Gentili‟”, apresentamos uma breve biografia do apresentador Danilo Gentili, bem como sua trajetória entre o humor e o jornalismo. Além de uma minuciosa descrição do programa, detalhando os quadros e os participantes que compõem o talk show. No seguinte momento deste estudo, “A notícia bem humorada”, analisamos seis entrevistas realizadas por Danilo Gentili. Descrevendo uma a uma e identificando nelas as características e funções jornalísticas levantadas no início da pesquisa. Para uma melhor organização do capítulo, as entrevistas foram avaliadas separadamente, resultando ao fim, uma análise geral sobre a relevância dos convidados e dos assuntos abordados, assim como uma reflexão sobre como o formato diferenciado do programa repercute no conteúdo alcançado. Por último, os resultados finais apresentados pela pesquisa apontam que o humor pode ser usado como agente colaborador na construção da narrativa jornalística, assim como o encaminhamento à análise crítica por parte do público, ainda que o discurso esteja aparentemente envolvido com a ficção e o entretenimento. Tais resultados podem ser conhecidos e conferidos no decorrer do estudo, especialmente no capítulo de análise. Esperamos que os resultados apontados possam colaborar com o crescimento do saber científico no campo do jornalismo para, desta forma, enriquecer novos estudos e práticas do campo.

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2 METODOLOGIA

Utilizando o método científico da dedução, partimos da hipótese de que o uso do humor no jornalismo não descaracteriza, tampouco impede o desempenho do papel social esperado deste profissional. Deste modo, pretendemos constatar que tons de ironia e sarcasmo são recursos que colaboram positivamente no processo de transmissão da mensagem, e não são prejudiciais à compreensão da mesma. Considerando que a temática da pesquisa em questão apresenta poucas referências e estudos anteriores, foi necessário buscar por padrões, ideias ou hipótese, a fim de avaliar quais teorias ou conceitos já existentes poderiam ser aplicados a nossa hipótese inicial. E ainda, se novos conceitos ou teorias precisariam ser desenvolvidos. Por isso, consideramos que o método de pesquisa mais apropriado para este trabalho era o exploratório, o qual nos permitiu maior conhecimento e familiarização com o assunto. Mesmo com reduzidas referências sobre o tema pesquisado, iniciamos este estudo com pesquisas bibliográficas em livros e artigos para fundamentar as técnicas jornalísticas, principalmente as utilizadas em entrevistas televisivas. Para assim, assimilar as classificações de gêneros propostas por teóricos da área e informar-se sobre análises já realizadas do uso do humor como recurso jornalístico. Além disso, foi imprescindível o estudo prévio das definições dos aspectos jornalísticos para que pudéssemos identificar ou não esses recursos no modelo apresentado por Danilo Gentili. Algumas das bases teóricas deste estudo foram os livros: “Teorias do Jornalismo”, de Nelson Traquina (2005), “Teoria do Jornalismo”, de Felipe Pena (2005), e “La entrevista periodística”, de Jorge Halperín (2008). Essas obras forneceram o conhecimento científico necessário para efetivar a comparação entre o talk show e os moldes tradicionais do jornalismo. Finalizado o levantamento e estudo bibliográfico, definimos como objeto de estudo seis entrevistas do programa televisivo “The Noite com Danilo Gentili”, estreado em março de 2014 no Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT. Conhecido pela sua ironia nata e por inúmeras críticas ao modelo político atual, Danilo Gentili surgiu na televisão como um dos repórteres do “Custe o que Custar”, o CQC, programa de gênero humorístico/jornalístico transmitido pela emissora Bandeirantes. Após cerca de três anos no CQC, Danilo passou a

10 apresentar o programa “Agora é Tarde” na mesma emissora. Depois de divergências entre o apresentador e a direção, Gentili rompeu o contrato com a Bandeirantes e aceitou a proposta do SBT, que garantiu maior liberdade de criação e produção ao apresentador, dando origem ao “The Noite com Danilo Gentili”. Além de Danilo, também participam do programa os humoristas Léo Lins e Murilo Couto, a assistente de palco Juliana, o locutor Diguinho Coruja e a banda Ultraje a Rigor. Ao observar o quadro de entrevistas do programa, com uma grande variedade de convidados e temas, de duração média de vinte minutos, constatamos a singularidade com que Gentili conduz o programa na tênue linha entre humor e jornalismo. Deste modo, e na intenção de nos aprofundarmos no tema, o presente trabalho utilizou a metodologia de estudo de caso com análise de conteúdo para avaliar as entrevistas selecionadas do programa “The Noite com Danilo Gentili”. Assim sendo, a análise das entrevistas foi realizada com a coleta de dados qualitativos e quantitativos e o conteúdo das mesmas foram tratados de maneira analítico-descritiva, com destaque no olhar jornalístico. A decisão pelo estudo de caso analítico foi resultado da necessidade de se problematizar e confrontar teorias já existentes, proporcionando avanços no campo de conhecimento do Jornalismo. Cada uma das seis entrevistas tiveram seus conteúdos descritos detalhadamente, considerando quais foram os convidados, as temáticas desenvolvidas ao longo da conversa, o comportamento do apresentador diante dos convidados, a forma com que ele realizou as perguntas, fez brincadeiras e enfatizou certos temas. E ainda, analisamos características de cunho científico, como identificar quais técnicas jornalísticas Gentili fez uso em seu talk-show. Acreditamos que a forma mais justa de analisar e comparar as características do “The Noite com Danilo Gentili” com outros programas jornalísticos tradicionais, e assim, comprovar a proximidade existente entre ambos, foi realizando uma minuciosa observação dos recursos técnicos, temáticos e de linguagem, utilizados por Danilo Gentili. Enfim, as considerações finais foram possíveis ao correlacionarmos as características e técnicas levantadas na análise dos programas de Gentili com os modelos padrões de telejornalismo, segundo os manuais de telejornalismo escritos por Heródoto Barbero e Paulo Rodolfo Lima (2002) e Vera Íris Paternostro (2006).

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3 JORNALISMO OPINATIVO: HUMOR E NOTÍCIA

Conhecido como a profissão responsável por informar ao público sobre suas realidades, o Jornalismo também apresenta a função de construir a opinião pública. Como discute Walter Lippman (2008), o produto do fazer jornalismo é uma síntese de procedimentos de seleção realizado a partir de certas convenções jornalísticas. Ou seja, o papel do jornalismo com relação à opinião pública destaca-se pela autoridade do mesmo na tentativa da construção de uma sociedade justa e ciente de si. Mas para isso, é preciso definir o que é opinião pública:

Aqueles aspectos do mundo que têm a ver com o comportamento de outros seres humanos, na medida em que o comportamento cruza com o nosso, que é dependente do nosso, ou que nos é interessante, podemos chamar rudemente de opinião. As imagens na cabeça destes seres humanos, a imagem de si próprios, dos outros, de suas necessidades, propósitos e relacionamentos, são suas opiniões públicas. (LIPPMANN, 2008, p.40).

Portanto, a opinião pública seria o resultado da ação de grupos de interessados ou de pessoas agindo em nome de grupos, mas especificamente, a opinião distinguida como pública, seriam as opiniões feitas públicas, divulgadas. E não as opiniões surgidas do público, como o termo pode vir a sugerir. Definido a opinião pública, nos atentaremos as definições de jornalismo. A discussão sobre quais foram as primeiras publicações jornalísticas, e, consequentemente, o que caracteriza um material como jornalístico é longa e não encontra um consenso entre os teóricos. Estudiosos de vários países se contrariam e apresentam diferentes exemplos e argumentos. Neste trabalho, tomaremos como características de uma publicação jornalística àquela proposta por Felipe Pena (2005), a qual se assemelha também a proposta de José Marques de Melo (2003). Pena determina como características jornalísticas a periodicidade, a atualidade, a universalidade e a publicidade. Todos esses aspectos, apesar de terem definições individuais bem definidas, só podem ser totalmente compreendidos se forem aplicados em conjunto, ou seja, associados uns com os outros. Apenas um ou dois desses itens não são suficientes para definir uma publicação como jornalística. Por exemplo, só podemos entender a periodicidade como uma característica legítima do jornalismo quando a relacionamos com a atualidade e a publicidade, que

12 nesse caso, entende-se como divulgação e distribuição do produto, e não como propaganda comercial. Ou seja, uma publicação produzida e divulgada com regular frequência precisa ter informações atuais (e não novas) e de interesse público, senão seria apenas informações para consulta. Pena (2005) esclarece que se considerarmos a periodicidade como é propriedade essencial do jornalismo, teríamos que considerar também os almanaques e calendários manuscritos antes mesmo de Gutemberg. Contudo, esses documentos não oferecem notícias, somente informação para consultas sobre temas variados. Outra relação possível é entre a universalidade dos temas e a atualidade. Cabe aqui esclarecer que nem sempre o atual é algo novo, isso depende do contexto que o receptor está inserido e de como o assunto é abordado. Essas são apenas algumas das possíveis relações entre as quatro características jornalísticas, como o próprio José Marques de Melo conclui.

Na prática a complexidade é maior, porque a atualidade depende da velocidade com que o canal atua - difusão e também da capacidade da instituição jornalística em captar e reproduzir os fatos - periodicidade - que não se faz sem uma sintonia com os desejos e as relações da coletividade - universalidade. (MARQUES DE MELO, 2003, p.18).

Definido as características jornalísticas, a próxima questão a ser discutida é sobre as categorias que o jornalismo pode ser enquadrado. Segundo Marques de Melo (2003), podemos considerar duas categorias fundamentais no jornalismo: o informativo e o opinativo. A divisão do jornalismo nessas duas categorias é um consenso entre profissionais e estudiosos da área e embasa outras possíveis categorias. Como ainda pontua o autor, concepções ideológicas do meio e o modo de produção econômica que caracteriza a sociedade em questão resultam na criação de outras categorias ou subcategorias dentro das fundamentais.

Pelo menos essa é a tendência corrente nos países capitalistas, onde o jornalismo torna-se cada dia mais um negócio poderoso e suas formas de expressão buscam adequar-se ao desejo dos consumidores ou equiparar-se aos padrões das mensagens não jornalísticas que fluem através do mass media. (MARQUES DE MELO, 2003, p.27).

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Outras categorias do jornalismo podem ser mencionadas, como por exemplo, o jornalismo interpretativo e o jornalismo diversional. O primeiro informa e orienta através de informações que explicam o que está acontecendo e não é constatado pelo público. O segundo tem a intenção de preencher momentos de ócio com informações mais leves, sem a preocupação de informar, e sim com o objetivo de divertir o público. Outros teóricos propõem mais categorias ou rearranjam categorias já existentes, contudo, para o presente trabalho, focamos e comparamos o jornalismo opinativo e o jornalismo informativo. O jornalismo informativo, como o próprio nome sugere, tem a função de informar, cabendo ao jornalista a função de observador dos fatos, sendo responsável por divulgá-lo sem opinar. O repórter pode tanto observar em tempo real, como se informar dos acontecimentos por meio de fontes que vivenciaram o ocorrido ou tenham informações relevantes para acrescentar. O conhecimento dessas informações por intermédio das fontes é possível graças à técnica de entrevista, a qual atualmente nos parece muito corriqueira e inseparável da produção jornalística, mas que, segundo o teórico português Nelson Traquina (2005, p. 60-61), “apesar da disputa histórica em torno da data da primeira entrevista (Schudson, 1994:566), a utilização da entrevista apenas começou a ser uma prática recorrente nos anos 1870”. No livro de Rafael Yanes sobre “Gêneros jornalísticos e gêneros anexos”, o autor reserva um subcapítulo inteiro para discutir a definição de entrevista. Inicialmente, Yanes faz um compilado das definições de outros teóricos e estudiosos da área, como por exemplo, Gabriel García Márquez, o qual define a entrevista como o “gênero mestre”, visto que é a fonte pela qual se nutrem todos os gêneros jornalísticos. Yanes (2004) também menciona em seu livro a opinião de Fernando Martínez Vallvey, o qual afirma que a entrevista é o gênero mais autenticamente jornalístico. Por fim, Yanes conclui que a entrevista é um gênero do jornalismo informativo, que reflete as respostas de um personagem, cujas opiniões, devido a sua relevância social, o cargo que ocupa, ou o seu envolvimento em feitos da atualidade informativa, são de interesse geral. Jorge Halperín (2008) se debruça sobre a técnica da entrevista em um livro que aborda as principais diferenças entre os possíveis meios que uma entrevista pode ser feita, como o meio impresso, radiofônico, televisivo. Comenta sobre os entrevistados, dá dicas de como lidar com diferentes situações, enfim, esmiúça a

14 arte de entrevistar, e tenta ensinar como conseguir conquistar uma boa entrevista, ou seja, como ele mesmo diz, “mostrar a face oculta da lua”. Quanto à comparação dos meios, Halperín deixa clara a grande diferença entre fazer uma entrevista para o impresso e para a TV, principalmente quando feitas ao vivo, por exemplo. O primeiro não precisa de muito aparato tecnológico, já a segunda necessita de vários equipamentos, o que causa ao entrevistado um estado de tensão, resultando assim, em respostas mais cuidadosas, por isso, o convidado se protegerá, será menos espontâneo e será muito mais difícil circular por suas intimidades. Sem falar sobre a tirania do tempo nos programas televisivos, tudo é milimetricamente cronometrado e o entrevistado tem um tempo determinado para responder as perguntas, o que pode causar várias interrupções e, assim, prejudicar a entrevista. A entrevista em televisão tem também outros fatores externos que interferem, além do nervosismo de estar em transmissão ao vivo, em um veículo de massa, portanto, está sendo assistido por milhares, ou quem sabe, milhões de telespectadores, o entrevistador tem que agir naturalmente, ser capaz de lidar com as peculiaridades da plateia que assiste ao programa no estúdio. Mesmo com todos esses fatores agindo, o entrevistador precisa ter, nas palavras de Halperín (2008, p.47), traduzidas livremente, “a habilidade de fazer uma piada oportuna que funciona como válvula de escape. Quando permite o riso, abre ao entrevistado a possibilidade de ser mais conversador e expressivo” Mais um ponto abordado por Halperín (2008) ao descrever as peculiaridades da entrevista em cada meio é a linguagem, a qual não pode ser formal como é, às vezes, em meios impressos. A conversa precisa ser leve, com uma linguagem simples e poucos conceitos densos. Diferente do que muitos possam imaginar, o jornalismo opinativo foi o berço do jornalismo informativo, tal qual conhecemos atualmente. O uso da opinião ao informar não é exclusividade dos dias atuais, muito pelo contrário, os primeiros jornais nasceram repletos de comentários e opiniões. Contudo, forças políticas caminharam para que a produção jornalística passasse a ser predominantemente informativa, restando uma mínima parcela de opinião nos meios de comunicação. Após uma análise nos modelos de classificação de gênero de outros países, Marques de Melo (2003) propõe e descrever os gêneros opinativos presentes no jornalismo brasileiro. Segundo ele, os textos que apresentam opinião são: o editorial,

15 o comentário, o artigo, a resenha ou crítica, a coluna, a crônica, a caricatura e a carta.

3.1 Editorial

O editorial é o espaço reservado para a empresa expressar sua opinião oficial. De forma mais simplista, também é conhecido como a opinião do proprietário da radiodifusão, o que é verdadeiro em instituições de médio ou pequeno porte, onde o controle do capital é realizado por poucas pessoas, ou ainda, por uma família. Como regra geral, Marques de Melo (2003, p.104) explica que o editorial não é somente a opinião dos donos da empresa, “mas o consenso das opiniões que emanam dos diferentes núcleos que participam da propriedade da organização”. Entre eles, estão acionistas majoritários, financiadores, anunciantes e ainda, “braços do aparelho burocrático do Estado”. Além disso, é preciso se atentar a quem é dirigida a opinião presente em um editorial. Em um mundo ideal, seria dirigido à coletividade. Contudo, Marques de Melo (2003, p.104) ressalta que esse alvo só seria alcançado em “uma sociedade civil forte e organizada, contrapondo-se ao poder do Estado”, características que o teórico não enquadra a sociedade brasileira.

Este não é o caso da sociedade brasileira, cuja organização política tem no Estado uma entidade todo-poderosa, presente em todos os níveis da vida social. Por isso é que os editoriais difundidos nas empresas jornalísticas, embora se dirijam formalmente à “opinião pública”, na verdade encerram uma ligação de diálogo com o Estado. (MARQUES DE MELO, 2003, p.104).

Ainda de acordo com a análise crítica do autor, o que se observa nos editoriais brasileiros é como que a instituição gostaria de conduzir os assuntos políticos, e não a expressão de reivindicações da coletividade. Com relação à morfologia do editorial, Marques de Melo (2003) utiliza-se dos apontamentos de Luiz Beltrão (1980), que são: a impessoalidade, o texto não é assinado e é conjugado na terceira pessoa do singular ou primeira pessoa do plural; a topicalidade, é um tema bem definido, mesmo que ainda não tenha alcançado

16 aspectos públicos; a condensalidade, portanto, são apresentadas poucas ideias, dando maior destaque às afirmações ao invés de comprovações; e por fim, a plasticidade, ou seja, é transmitida a flexibilidade e não o dogmatismo. Cada atributo específico do editorial pode produzir outras espécies desse gênero. Por fim, é válido mencionar que o gênero opinativo editorial é quase que exclusivo da imprensa escrita, mais especificamente, dos jornais. Sua aparição no rádio e na televisão é ocasional, e quando ocorre, sua elaboração segue as instruções do impresso, acrescentando características particulares do meio, como um cenário ou uma vinheta diferenciada.

3.2 Comentário

Quanto ao comentário, gênero opinativo incorporado recentemente no Brasil, foi originado para se adaptar a rapidez com que as notícias no rádio e na televisão são transmitidas, além de apresentar-se também, como uma tentativa de quebrar o monopólio do editorial. As principais características do comentário estão centradas na pessoa que o pronuncia, geralmente, um jornalista com grande experiência e conhecimento cultural, histórico e social, que é capaz de oferecer uma interpretação aprofundada ao público. Sua farta bagagem de conhecimentos justifica sua credibilidade para emitir opiniões, as quais são respeitadas não apenas pelo público, mas também pelos personagens envolvidos com a notícia. Em resumo, podemos dizer que o comentarista analisa os fatos, reflete sobre as consequências, sugere conexões, estabelece desdobramentos, no entanto, sem tomar partido. Dotado de um distanciamento do fato, o comentarista não é neutro, pelo contrário, têm opinião própria, contudo, não se utiliza de seu posicionamento para tirar vantagens. De forma concisa, o comentarista “assume-se como juiz da coisa pública. Orienta sem impor. Opina sem paixão. Conduz sem se alinhar” (MARQUES DE MELO, 2003, p.113). Provavelmente, a principal diferença entre o comentário e o editorial, é que aquele permite além de expressar a opinião pessoal do enunciador, também avalia e prevê os acontecimentos, ao passo que esse foca na manifestação da opinião oficial do veículo. Outro detalhe é que o editorial não é assinado, já o comentário não só é

17 assinado, como se apoia na relevância e reputação do locutor. Mais uma característica relativa ao gênero opinativo comentário é sua continuidade, visto que a função do comentarista é estabelecer uma ligação lógica dos fatos de determinada notícia. A técnica de elaboração do comentário é mais livre que a do editorial, estruturando-se em duas fases: a primeira consiste no resumo do fato e sua significação, já a segunda é a argumentação do seu julgamento. O comentário dificilmente se apresenta conclusivo, visto a rapidez com que ele deve ser elaborado e divulgado, geralmente, as conclusões ocorrem naturalmente após um tempo. Em termos históricos, Marques de Melo (2003) menciona como surgimento do comentário na imprensa brasileira, juntamente com a expansão da televisão, nos anos 1950, tem seu auge na década de 1960, porém sofre um declínio após o Golpe Militar de 1964. Nos dias atuais, o autor enfatiza o grande espaço que o gênero conquistou no meio radiofônico.

3.3 Artigo

Outro gênero opinativo apontado por Marques de Melo (2003, p.121) é o artigo, “trata-se de uma matéria jornalística onde alguém (jornalista ou não) desenvolve uma ideia e apresenta sua opinião”. O autor ainda ressalta que essa dimensão é uma particularidade do jornalismo brasileiro, onde a matéria é escrita por colaboradores “e que se publica nas páginas editoriais ou nos suplementos especializados, isso não ocorre em plano internacional”. Visto a variedade da aplicação do gênero em outros países, o autor utiliza-se das características empregadas por Martín Vivaldi (1981), o qual conceitua o artigo como uma publicação impressa, com debates amplos e diversificados, no qual se interpreta, avalia ou esclarece um acontecimento ou uma ideia atual, de acordo com a conveniência do locutor. De forma geral, o artigo é um gênero que democratiza a opinião no jornalismo.

Tornando-a [opinião] não um privilegio da instituição jornalística e dos seus profissionais, mas possibilitando o seu acesso às lideranças emergentes da sociedade. É claro que essa democratização constitui uma decorrência do espírito de cada veículo: sua disposição para abrir-se à sociedade e instituir o debate

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permanente dos problemas nacionais. (MARQUES DE MELO, 2003, p. 127).

Desta forma, destacam-se dois elementos específicos do artigo jornalístico: a atualidade, portanto, o articulista deve se atentar a fatos ou ideias contemporâneos, sem confundir com o cotidiano, e sim, com o momento histórico vivido; e a opinião, a análise do articulista não pode estar oculta, ao contrário, deve estar clara e evidente. Com relação à finalidade do gênero opinativo artigo, Marques de Melo (2003) propõe dois traços: o doutrinário e o científico. Sendo que o primeiro se debruça a analisar uma questão da atualidade, oferecendo uma opção de visão e julgamento ao público. Já a segunda se caracteriza por compartilhar o avanço da ciência, sendo improvável encontrar artigos científicos em edições diárias dos jornais. Dentro dessas finalidades, ainda é possível subdividi-las em outras categorias.

3.4 Resenha ou crítica

Já a resenha ou crítica estão relacionadas com um texto de apreciação de obras de arte ou produtos culturais, na intenção de guiar a ação dos consumidores. Existe esse descompasso com relação à nomenclatura, pois, o gênero resenha ainda não se generalizou no país, portanto, publicações com a finalidade de julgar conteúdos culturais são comumente chamadas como crítica. A diferença entre resenha e crítica também está associada com a transição do jornalismo, o qual, a partir da década de 1930 passa a ser produzido em escala industrial, portanto, vê-se a necessidade de suas publicações se adaptarem ao novo público, que agora abrange a classe média e setores do operariado. Desta forma, o texto deixa de ser apenas uma pura análise da obra, e passa a orientar o consumo e a apreciação de bens culturais. O conteúdo é outro ponto de distinção entre resenha e crítica, ao passo que a última limitava-se a mencionar obras de arte refinadas, entendidas como produções para a elite. A resenha abrange a produção da indústria cultural, ou seja, produtos destinados ao consumo de grandes contingentes da população. No campo literário, as diferenças entre esses gêneros são ainda mais ressaltadas, sendo que a resenha se aproxima mais do campo jornalístico ao

19 oferecer um guia na escolha do produto, em tom leve, informacional e ocasional. Já a crítica se adéqua melhor em publicações especializadas, em livros ou ainda, em publicações universitárias. Esse gênero opinativo é escrito por pessoas que já realizaram alguma função no campo cultural, portanto, são privilegiados para escrever análises. Ou ainda, por jornalistas encarregados em cobrir certa área da produção cultural e, que, por fim, mostraram habilidade e conhecimento para produzir críticas.

3.5 Coluna

Com relação à caracterização do gênero opinativo coluna, podemos nos deparar com certa ambiguidade, pois, ao denominá-la um seção fixa de um jornal, ela passa a abranger o comentário, a crônica e até a resenha. O surgimento do termo está relacionado com a distribuição visual do texto nas publicações antigamente, onde o texto era diagramado verticalmente. Atualmente, essa organização do texto não é mais comum, e ele passou a ocupar a página como um todo. Nas palavras de Marques de Melo (2003, p.140), a coluna “trata-se, portanto, de um mosaico, estruturado por unidades curtíssimas de informação e de opinião, caracterizando-se pela agilidade e pela abrangência”. Originalmente esse tipo de texto não ultrapassava mil palavras, e dependendo do formato do jornal que ele está sendo publicado, pode varia de 500 até 800 palavras. Esse gênero surgiu para atender o desejo do público por matérias com personalidade, deixando de ser anônimas. Marques de Melo (2003), apoiando se na descrição norte-americana, aponta quatro tipos de coluna: a padrão, reservada para assuntos editoriais de menor importância, resultando em um tratamento superficial; a miscelânea, como o próprio nome propõe, é um texto que mistura prosa e verso e inclui uma variedade de temas com certo tom de sarcasmo e humor; a de mexericos, ou seja, centralizada em pessoas, principalmente, famosos, onde se divulga confidências e indiscrições e ainda propõe um modelo de comportamento; e por fim, a coluna sobre bastidores da política, a qual situa o leitor sobre as tramas do mundo do poder.

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Apesar de aparentar-se informativa, a coluna não apenas registra a vida da sociedade, como emite juízos de valor, mesmo que com sutileza. “A coluna tem fisionomia levemente persuasiva. Não se limita a emitir uma simples opinião. Vai mais longe: conduz os que formam a opinião pública veiculando versões dos fatos que lhe darão contorno definitivo” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 142). Por fim, é preciso ressaltar a diferença entre coluna cultural e resenha, ambos coexistem no mesmo espaço, contudo, o último faz análises das obras em divulgação, já o primeiro, movimenta o setor, dando ênfase aos protagonistas, informando a programação, projetando nomes.

3.6 Crônica

Sobre a crônica, Marques de Melo (2003, p.148) afirma ser um gênero plenamente definido, “não encontrando equivalentes na produção jornalística de outros países”. Refere-se ao embrião da reportagem, ou seja, uma narrativa sobre os fatos observados pelo jornalista durante certo tempo. O texto permite a transmissão não apenas do ocorrido, mas do momento cultural e social ali vivido. A produção de uma crônica ocorre na tênue linha entre o jornalismo e a literatura. O cronista seria um mediador, um narrador entre os acontecimentos e o público. Exatamente por transitar pelo literário e jornalístico, a classificação desse gênero divide as opiniões dos teóricos. Aqueles que defendem a crônica como gênero do jornalismo, apoiam-se na dependência de sua existência com as notícias.

Que a crônica é um gênero jornalístico constitui uma questão pacífica. Produto do jornal, porque dele depende para a sua expressão pública, vinculada à atualidade, porque se nutre dos fatos do cotidiano, a crônica preenche as três condições essenciais de qualquer manifestação jornalística: atualidade, oportunidade e difusão coletiva. (MARQUES DE MELO, 2003, p.160).

O autor ainda lista duas características fundamentais da crônica moderna configurada como gênero eminentemente jornalístico: a fidelidade ao cotidiano e a crítica social. Portanto, a crônica deve fazer pensar, emocionar, refletir sobre fatos cotidianos. Não se trata apenas de técnica, e sim de um dom para apreender as peculiaridades do dia a dia e torná-las interessantes ao público.

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Além da discussão se a crônica é um gênero jornalístico ou literário, outro tópico sem acordo entre os teóricos é com relação à classificação da crônica, e ainda, quais características devem ser consideradas ao categorizá-las.

3.7 Carta

Antes de iniciar a caracterização do gênero opinativo carta, Marques de Melo faz questão de mencionar a passividade pela qual o leitor, o ouvinte ou o telespectador é tratado na produção da notícia, mesmo ele sendo o “ponto de chegada da produção jornalística, sem o qual a instituição não sobrevive” (MARQUES DE MELO, 2003, p.173). Portanto, o autor considera a carta como um dos poucos recursos, se não o único, que permite a interação do público com o meio, oferecendo um espaço para reclamações, comentários e até mesmo análises sobre algum fato. É importante ressaltar aqui, que o livro de Marques de Melo está inserido em um contexto com recursos tecnológicos reduzidos, quando comparado com as circunstâncias atuais. Portanto, essa ressalva deve ser considerada na interpretação sobre o gênero opinativo carta apresentado pelo autor. Esse cenário de passividade do receptor é alterado com o advento da internet. Retornando às características da carta, ou do telefonema no caso da televisão e do rádio, esse gênero opinativo representa um espaço democrático no qual qualquer um pode recorrer, desde pessoas comuns até intelectuais. No entanto, apesar desse caráter igualitário, a seção de cartas dos leitores obedece a uma edição, como todos os outros textos da publicação. Marques de Melo em conversa com o editor da seção das cartas do Jornal do Brasil, José Silveira, agrupa os leitores que escrevem para a publicação em quatro categorias: as autoridades, que buscam nesse espaço reparar ou justificar determinada informação publicada; os perfeccionistas, leitores que acompanham atenciosamente as publicações do jornal e não permitem passar erros ou omissões, exigindo necessária retificação; os lesados, que são aqueles que se sentem ofendidos ou prejudicados pelas instituições e, portanto, utilizam-se desse espaço para desabafar; e por fim, os anônimos, os quais não têm coragem de assumir suas opiniões e, então, não assinam a carta.

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Antes de finalizar as informações sobre a carta, o autor critica a desatenção dos meios de comunicação com o espaço de participação popular, pois apesar do aumento no fluxo do recebimento das cartas, o espaço em que elas são publicadas não avançou em nada.

3.8 Caricatura

O gênero opinativo caricatura é quando a informação não se limita a palavra, mas incorpora a imagem como instrumento de opinião. É uma maneira de expressão artística por meio do desenho que tem como finalidade o humor. Essa comunicação é procurada por aquele leitor que quer se informar rapidamente, apenas passando os olhos pela publicação. É preciso diferenciar as imagens opinativas, no caso, a caricatura, das imagens informativas, como mapas, gráficos e desenhos os quais fazem apenas um registro simbólico dos fatos. Já a caricatura é encarregada de realizar um julgamento, uma manifestação explícita da opinião. Marques de Melo identifica dois fatores socioculturais para justificar o surgimento das caricaturas e o uso do humor como recurso jornalístico: o avanço tecnológico nos processos de reprodução gráfica e a popularização do jornal como veículo de comunicação coletiva.

Observamos que o recurso da caricatura representou uma necessidade social de um jornalismo que ampliava o seu raio de ação, ganhando novos contingentes de leitores. O novo público da imprensa continha segmentos que não haviam tido o privilégio da educação formal continuada e cuja percepção dos acontecimentos exigia processos descritivos mais eficazes e motivadores. (MARQUES DE MELO, 2003, p.164).

É com traços exagerados de expressão, causando humor que o desenho dá origem a um seguimento do jornalismo – “o jornalismo caricato – destinado à sátira política e social” (MARQUES DE MELO, 2003, p.165). Portanto, o uso do humor, além de chamar atenção pela sua forma pitoresca de ser, também colabora para o entendimento de questões mais complexas pela parte menos favorecida da população. Além disso, a caricatura contribui para humanizar e popularizar certas

23 personalidades da sociedade, Marques de Melo destaca como exemplo deste recurso a imagem de Pedro II, no passado, e de Lula e Maluf, nos dias atuais. A caricatura pode ser dividida em quatro espécies diferentes: a caricatura propriamente dita, ou seja, retratos humanos ou de objetos com traços desproporcionais com a finalidade de fazer rir e expressar ironia; a charge, que é a ilustração de determinado fato pela ótica do desenhista, pode ser apresentada com apenas imagens, ou imagens combinadas com textos; o cartoon, apesar de ser vinculado com o momento presente e representar uma crítica severa, não são utilizados personagens ou fatos reais; e o comic, que é a conhecida história em quadrinhos. Marques de Melo ressalta que o cartoon e o comic não são gêneros jornalísticos, pois, ultrapassam a fronteira do real e do imaginário, não apresentando limites de tempo e espaço. Já a caricatura e a charge têm um referencial verídico, sua legitimidade humorística vem do real e flagra as expressões cômicas do dia a dia. “Ambas as espécies só adquirem sentido no espaço jornalístico porque se nutrem dos símbolos e valores que fluem permanentemente e estão sintonizados com o comportamento coletivo” (MARQUES DE MELO, 2003, p.168). O autor menciona as imprensas caricatas pioneiras no Brasil, as quais surgiram ainda nos primeiros anos do século XIX. No entanto, esse gênero ganhou intensidade no início dos anos de 1960, representado pelo semanário Pasquim, publicação de resistência ao militarismo vivido no país. Marques de Melo empresta as palavras do humorista Millôr Fernandes, ao descrever que publicação Pasquim tinha como única finalidade executar uma crítica geral e democrática a tudo e todos. Sendo que a maioria dos redatores do semanário não tinham ligações políticas, religiosas, econômicas com nenhum grupo. Por isso, agora nas palavras do próprio Marques de Melo (2003, p.171), o autor define o Pasquim como um exemplo completo do jornalismo caricato: “o traço e o texto, lado a lado, ironizam o cotidiano, satirizam os protagonistas da notícia, registram com humor a emergência de um novo projeto de sociedade”. Para este trabalho, nos atentaremos ao gênero caricato do jornalismo opinativo. O qual se utiliza do recurso da imagem e do humor para noticiar, informar e, acima de tudo, opinar. Contudo, é importante salientar que a descrição feita por Marques de Melo sobre jornalismo caricato limita-se a produções jornalísticas impressas, e, de acordo com o autor, não podem ser aplicadas ao mundo televisivo.

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Porém, devemos ressaltar que a obra de Marques de Melo foi escrita há quase duas décadas, se considerarmos sua primeira edição, tendo ocorrido muitas mudanças tecnológicas e de conteúdo desde então. Portanto, analisaremos a seguir o programa humorístico televisivo “The Noite com Danilo Gentili” a fim de comprovar que foi alcançado o gênero caricato na televisão, identificando no programa as mesmas características que o autor identificou, por exemplo, no semanário Pasquim.

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4 O PROGRAMA “THE NOITE COM DANILO GENTILI”

Neste capítulo, iremos apresentar e detalhar quem é Danilo Gentili, desde sua vida pessoal até sua trajetória entre o humor e o jornalismo, seu posicionamento político, suas atuações em diferentes setores da mídia e o resultado e reconhecimento recebido pelo seu trabalho. Além disso, iremos descrever o programa “The Noite com Danilo Gentili”, corpus de análise desta pesquisa. Detalhando o formato, os quadros, a linha editorial, a produção e quais foram suas influências.

4.1 Quem é Danilo Gentili

Atualmente comediante, apresentador, dublador, escritor, cartunista, repórter, ator, publicitário e empresário brasileiro, Danilo faz parte de uma nova geração do humor. Nascido em 27 de setembro de 1979, na cidade de Santo André, Danilo Gentili Junior é o irmão mais novo de Karina Gentili e o filho caçula de Guiomar Gentili, uma dona de casa nascida no interior de Minas Gerais, e Danilo Gentili, um técnico de máquina de escrever nascido em Botucatu. Junior, como é chamado pelos familiares, nasceu e cresceu em uma casa simples de um quarto só, em um bairro de classe média baixa da cidade de Santo André. Aos 14 anos, após sentir um vazio passou a procurar por religião em vários lugares, foi quando encontrou a Igreja Batista e se converteu ao protestantismo. Segundo o comediante contou em uma entrevista para o portal da revista Rolling Stones (2009), ele pensou até em seguir a carreira de pastor, mas foi expulso antes. “O bispo estava envolvido em esquemas. Fizemos uma faixa, eu e um cara da Gaviões da Fiel, trocando o „S.O.S. da vida‟ por „$.O.$. da vida?‟. Lá do palco, o bispo mandou abaixarmos aquilo. Até papo de apedrejar rolou1”, contou o humorista. Atualmente, Danilo apenas se autodenomina cristão, sem se referir a uma religião específica. Aos 18 anos, o humorista perdeu o pai devido a um ataque do coração. Em praticamente todas as entrevistas que o comediante conta essa história, ele se

1 Disponível em http://rollingstone.uol.com.br/edicao/36/danilo-gentili#imagem0. Acessado em 25/02/2015.

26 emociona e se orgulha do caráter e ensinamentos de seu pai. Após seis meses da morte do pai, sua única irmã, Karina Gentili, sofre um acidente de carro e também morre. Na escola, Danilo confessa ter tido vários problemas comportamentais, mas garante que tirava boas notas. Em entrevista ao portal Stand Up Comedy Brasil2, a mãe do humorista confirma o bom desempenho na escola, “nunca tirou uma nota vermelha, nem repetiu de ano ou ficou de recuperação”, e ainda, enfatiza o talento do filho para lutar contra o que achava injusto, contando sobre a vez que foi aplicada uma dissertação como teste surpresa na escola e Danilo contestou o método. ”No texto ele dizia que não aceitava ser avaliado por um único dia, já que tinha recebido muito mais conteúdo durante todo o semestre e ele fez tudo em forma de rima, dizendo que estava insatisfeito com o método”, comenta Guiomar. Em 2003, Danilo Gentili se formou em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda na Universidade do Grande ABC, a UniABC. E foi fazendo piadas sobre a qualidade do ensino e alto valor da mensalidade que Danilo começou a ficar conhecido na internet. No vídeo, ele não poupa críticas ao ensino recebido e não esconde em momento algum a insatisfação com a universidade. Desde que iniciou sua participação em programas televisivos, sendo o primeiro deles o programa jornalístico/humorístico Custe o Que Custar, o CQC, na de Televisão, Danilo sempre transitou entre o humor e o jornalismo. Apesar de manter um tom predominantemente humorístico, suas temáticas geralmente remetem a assuntos jornalísticos, principalmente com relação à política, como problemas sociais, abusos de poder, denunciando a falta de interesse da população para com seus governantes e dos governantes para com o povo. Contudo, não foi só na televisão que Danilo emprestou sua irreverência e seu humor. Em 2013, Danilo Gentili se aventurou em uma nova área: o cinema. No filme “Mato sem cachorro”, o humorista é um dos protagonistas ao lado de Bruno Gagliasso e Leandra Leal, a produção teve mais de um milhão de telespectadores. Ainda no cinema, Gentili emprestou sua voz ao personagem principal do filme infantil “As aventuras de Paddington”. E no início de 2015, estreou na comédia nacional “Superpai”.

2 Disponível em http://www.portalstandupcomedy.com.br/mae-de-danilo-gentili-fala-sobre-sucesso-do- filho. Acessado em 25/02/2015.

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Outros setores menos tradicionais também foram alvo do humorista, como por exemplo, o mundo dos games. Em outubro de 2011, Danilo lançou em parceria com a produtora Monster Juice o jogo, “O mundo vs Danilo Gentili”. Nele, o protagonista faz piadas que irritam políticos, celebridades, seguranças, entre outros, os quais declaram guerra contra Danilo. Para se defender, o humorista compra uma máquina de clones na internet para se autorreplicar e conseguir fugir e enganar seus oponentes. O jogador deve então, comandar as diversas versões do personagem para livrá-lo de seus inimigos. Segundo Danilo contou em entrevista para a revista Exame3, trata-se de um jogo baseado em sua própria história de vida, “Criei piadas inéditas para o game e ajudei a pensar em tudo, do início ao fim, sempre tentando agregar com a minha experiência de game maníaco”, afirma o humorista. O game foi premiado com o primeiro lugar na categoria “Game Mobile” na “Brasil Game Show”, maior evento do setor na América Latina, realizado de 5 a 9 de outubro de 2011, no Rio de Janeiro. Danilo recebeu, ainda, prêmios relacionados ao seu desempenho na televisão, em 2011, ele e o programa “Agora é Tarde” foram eleitos como melhor apresentador e melhor programa do canal aberto de televisão, respectivamente, pela “Revista da TV” do jornal carioca “O Globo”. Ainda com o programa da Rede Bandeirantes, Danilo e sua equipe levaram o Troféu Imprensa de melhor programa em 2011 e 2012. Já no ano passado, o humorista levou o Prêmio F5 de apresentador do ano com o programa “The Noite com Danilo Gentili”. O F5 é uma premiação criada em 2014 pelo site de entretenimento da Folha de S.Paulo, para reconhecer quem ficou em evidência durante o ano em áreas como televisão e música, entre outras.

4.2 Trajetória: entre o humor e o jornalismo

De acordo com o perfil do comediante no portal Stand Up Comedy Brasil4, em 2006, Danilo fundou o "Comédia ao Vivo", show de humor de sua própria autoria e passou a participar do espetáculo humorístico “Clube da Comédia Stand Up”. Além

3 Disponível em http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/game-o-mundo-vs-danilo-gentili-e- premiado. Acessado 25/02/2015. 4 Disponível em http://www.portalstandupcomedy.com.br/danilogentili/. Acessado em 26/02/2015.

28 disso, transita por grandes festivais e eventos como o "Comédia Em Pé", no Rio de Janeiro, e o “Risorama”, amostra oficial de humor do Festival de Teatro de Curitiba, o maior acontecimento público da comédia nacional. Danilo já desempenhou também a função de cartunista e chargista, manteve uma coluna às segundas-feiras em um dos jornais de maior tiragem do País, o Metro. Em 2008, foi premiado como “Paulistano do Ano” pela Revista Veja e foi colaborador de uma das revistas de maior circulação nacional, a Mad. Já em 2010, Danilo juntamente com Rafinha Bastos e seu produtor Italo Gusso abriram na Rua Augusta, em São Paulo, o primeiro “Comedy Club do Brasil”, chamado de Comedians. O local tem como molde as tradicionais casas americanas do gênero. Gentili deu início a sua carreira na televisão ao integrar o programa humorístico e jornalístico Custe o Que Custar, no quadro “Repórter Inexperiente”. A passagem, que inicialmente seria temporária, foi um sucesso e o comediante foi efetivado ao programa. No quadro, Danilo se passava por um repórter novato que só fazia perguntas confusas e descabidas. Com o fim desse quadro, Gentili se destacou em matérias nas ruas geralmente relacionadas à editoria de política. Foi com ele a primeira vez que o CQC foi até o Congresso Nacional, onde foram por várias vezes expulsos devido às perguntas diretas e ásperas aos políticos. O humorista ficou conhecido como o “terror dos políticos”, os quais tentavam não serem ridicularizados ao se confrontarem com Danilo. Ainda no programa CQC, Gentili participou dos quadros "Identidade Nacional" e o “Proteste Já”. Apesar da existência de um tom humorístico no programa, o conteúdo apresentado em diversas matérias de denúncia e interesse social evidencia uma maior proximidade com o mundo jornalístico.

Como o próprio humorista define sua posição política é "anti-Estado", ou seja, é a favor da liberdade do indivíduo contra toda espécie de autoridade, especialmente a estatal. Seu posicionamento contrário ao governo, independente do partido em questão, está quase sempre presente em seus trabalhos. Danilo não mede palavras ao comentar escândalos políticos e o descomprometimento dos governantes com a população.

Com o uso do humor, Gentili tece suas críticas e questiona de forma única e direta os convidados que vão ao seu programa, ou ainda em monólogos. Um exemplo de sua insatisfação e rebeldia ao modelo político atual foi a série que ele

29 produziu e atuou, o “Politicamente Incorreto”, exibido no canal fechado FOX, de agosto a outubro de 2014, e que ia ao ar às 20h30, mesmo horário que era exibida a propaganda eleitoral obrigatória e gratuita nos canais abertos de televisão.

A série com oito episódios de meia hora, contava a história de um deputado corrupto, Atílio Pereira, vivido por Danilo Gentili. O deputado é flagrado por uma câmera escondida recebendo propina. Mas, no momento em que pega um pacote de dinheiro, uma abelha pica sua mão. Em reação à dor, o deputado atira todo o dinheiro para o alto. Acusado de corrupção, usa as imagens a seu favor, afirmando que elas provam que ele rejeitou a oferta de dinheiro de forma acintosa. Vira símbolo de político honesto e acaba sendo escolhido para disputar a Presidência da República.

Entre as mais diversas polêmicas que Gentili se envolveu, pode-se destacar o fato dele ter tido o nome presente em uma relação que ficou conhecida como “lista negra”, escrita por Alberto Cantalice, vice-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, o PT, e coordenador das redes sociais do partido. O artigo, intitulado "A desmoralização dos pitbulls da mídia”5, foi publicado em 16 de junho de 2014, no site oficial do partido. Nele, Cantalice afirma que certos profissionais da mídia são contrários as cotas raciais e sociais, a políticas públicas como o Bolsa Família e o Prouni, e que estariam defendendo o fracasso da Copa do Mundo de Futebol, sediada no Brasil em 2014. Fazem parte da lista, , Arnaldo Jabor, Demétrio Magnoli, Guilherme Fiúza, Augusto Nunes, Diogo Mainardi, Lobão, Gentili, , os quais são classificados como agentes que fomentam o ódio e que “estimulam setores reacionários e exclusivistas da sociedade brasileira a maldizer os pobres”.

Em resposta ao texto do político, Danilo utilizou sua página no Facebook, e sem perder a ironia nata e o bom humor, afirmou, “O PT colocou em seu site que quer a minha cabeça - e também a de outros jornalistas e artistas que cometeram o terrível crime de discordar deles. Portanto se você tem um cérebro e é alfabetizado cuidado, você pode ser o próximo”6.

5 Disponível em http://www.pt.org.br/alberto-cantalice-a-desmoralizacao-dos-pitbulls-da-grande-midia/. Acessado em 26/02/2015. 6 Disponível em https://www.facebook.com/Danilo.Gentili.Oficial/posts/666690243407533:0. Acessado em 26/02/2015.

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Não foi só ao PT que incomodou o jeito direto, sem medir palavras, rude, e por que não dizer, mal interpretado do humorista. Danilo já recebeu mais de uma dezena de processos. Em uma entrevista para o portal da editora Abril, M de Mulher, o apresentador se defende, "as pessoas não têm a ciência do que é processável ou não. Também não possuem a noção do que é liberdade ou não. A lei garante que eu tenho liberdade de emitir qualquer opinião"7.

Gentili (2014) ainda faz uma provocação, dizendo que as pessoas só querem ouvir o que lhes agrada, qualquer coisa contrária a isso, as incomoda. "Tem uma patrulha que o primeiro espantalho que vê, bate. Essas pessoas só querem mostrar: „olha como eu sou bonzinho‟", finaliza.

Em 29 de junho de 2011, Danilo Gentili realizou um dos seus sonhos ao apresentar um programa solo, ainda na Rede Bandeirantes. O programa de entrevistas intitulado “Agora é Tarde”, nos moldes de talk show tinha a proposta de ser um programa mais leve que sua passagem pelo CQC. A audiência na estreia e a crítica positiva surpreenderam a todos. O programa contava ainda com os humoristas Marcelo Mansfield, Murilo Couto e Léo Lins, além da banda Ultraje a Rigor. Após alguns meses da estreia, com a alta audiência, o programa que era transmitido apenas as quartas e quintas, passou a ser exibido também às terças. Em novembro de 2011, Gentili anuncia sua saída do programa CQC por incompatibilidade na agenda, devido ao talk show assumido na mesma emissora. Sua última participação no programa foi no dia 20 de dezembro de 2011, quando foi homenageado pelos integrantes e retribuiu afirmando que tinha muito a agradecer ao público e aos colegas de casa. Mesmo em tom mais leve, o programa “Agora é Tarde” ainda se aproximava do mundo jornalístico, visto ser todo baseado em umas das técnicas mais comuns da profissão, a entrevista. Além disso, grandes personalidades passaram pelo programa e discutiram os mais diversos temas e assuntos. Em meio a boatos de uma crise financeira na Rede Bandeirantes e um desajuste editorial entre o apresentador e a emissora, Danilo Gentili aceita o convite do Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT. Sem discutir a questão salarial, o

7 Disponível em http://mdemulher.abril.com.br/famosos-e-tv/contigo/danilo-gentili-comemora-sucesso- do-the-noite-no-sbt-tenho-mil-por-cento-de. Acessado em 26/02/2015.

31 humorista garante que além da liberdade criativa em seu programa, sua única outra exigência era poder levar toda sua equipe para a nova emissora.

Com sua equipe remanescente do antigo Agora é Tarde, com exceção de Marcelo Mansfield, que tinha contrato firmado até 2015 e preferiu ficar na Bandeirantes, o “The Noite com Danilo Gentili” estreou no dia 10 de março de 2014, no SBT, tendo como primeiro convidado o comediante Fábio Porchat.

Mas não é só no meio televisivo que Gentili está presente, o humorista já lançou três livros pela editora Panda Book, o primeiro, em 2009, intitulado “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola”, é um manual que ensina passo a passo como uma pessoa pode se tornar o pior aluno em uma escola. Depois de reclamações dos pais ao Ministério Público, afirmando que o livro era uma influência negativa para os filhos, foi proibida a venda para menores de 18 anos, o que segundo o autor, aumentou ainda mais as vendas, “o público menor de 18 anos é o que mais compra livros e revistas proibidos para menores de 18 anos”8, comenta Danilo em uma entrevista para o portal Guia do Estudante.

No dia 1 de outubro de 2010, véspera da eleição presidencial, proibido por lei de fazer piadas sobre candidatos na televisão, o humorista realizou o primeiro solo de stand up político do país, com transmissão ao vivo pela internet. Foi assistido por um milhão e 200 mil pessoas pelo portal UOL. O show intitulado Politicamente Incorreto tece críticas e faz piadas ácidas sobre a situação atual da política no Brasil e do descaso com a população. Partindo da premissa que o brasileiro tem memória curta o comediante não poupou Fernando Collor, José Sarney, Paulo César Farias, Dilma Rousseff, José Serra entre tantos outros. Ainda no final do mesmo ano, o stand up rendeu a Danilo o seu segundo livro publicado.

Em junho de 2012, Danilo lançou seu terceiro livro, "A Vida e Outros Detalhes Insignificante", no qual o comediante escreve sobre costumes de sua família, detalhes de antigos relacionamentos, tudo em forma de piada. O livro mistura histórias reais do seu cotidiano e ideias usadas em alguns de seus shows de stand up.

8 Disponível em http://guiadoestudante.abril.com.br/vestibular-enem/danilo-gentili-escola-deveria-ser- seletiva-materias-eu-tinha-aprender-calculo-551877.shtml. Acessado em 26/02/2015.

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O crescimento da sua popularidade e as mais diversas polêmicas que o humorista se envolve, renderam-lhe algumas citações no noticiário internacional. Um dos primeiros a destacar o humorista brasileiro foi o The New York Times, em 20119. A publicação comentou sobre o trabalho do comediante, denominando-o como “terrível infante da comédia no Brasil” com uma reputação de fazer questões consideradas embaraçosas, ultrajantes ou desrespeitosas a políticos e personalidades. O jornal ainda fala sobre o trabalho solo de Danilo, “em junho, ele tornou-se apresentador de um talk show de fim de noite em uma rede nacional e a grande questão agora é: será que esse formato de sucesso irá domesticá-lo? Até agora, a resposta é não".

O humor de Gentili chamou atenção também do principal jornal da Inglaterra, The Guardian10. Na matéria de Tom Phillips, Danilo é mencionado como um comediante que lidera uma revolução no humor do país e como "um comediante altamente controverso, mas também muito popular que está abrindo caminho para stand up comedy na maior nação da América do Sul”. O jornal ainda deu destaque para algumas frases do humorista, em uma delas, Gentili diz qual compreensão espera de sua profissão, “em qualquer lugar do mundo as pessoas entendem que o papel do comediante é fazer piadas. Um dia eles vão entender que no Brasil também, eu espero", disse ele. Depois de ser citado no jornal inglês The Guardian e no americano The New York Times, foi a vez da publicação alemã, Manager Magazin11 - revista de negócios do grupo Der Spiegel, um dos mais importantes da Alemanha. Dessa vez Danilo é mencionado em uma matéria sobre o avanço no mercado da tecnologia no Brasil, o humorista é apresentado como um comediante influente na internet, com mais de dois milhões de seguidores no . Já a revista digital britânica Prospect Magazine12 compara o comediante brasileiro a Jon Stewart, apresentador do programa The Daily Show, Jon que é comediante, ator, escritor é uma das figuras mais conhecidas e respeitadas dos

9 Disponível em http://artsbeat.blogs.nytimes.com/2011/08/04/supplying-brazils-laugh-track/?_r=1. Acessado em 26/02/2015. 10 Disponível em http://www.theguardian.com/world/2011/oct/02/brazil-comedy-standup-danilo-gentili. Acessado em 26/02/2015. 11 Disponível em http://www.manager-magazin.de/unternehmen/it/a-795446.html. Acessado em 26/02/2015. 12 Disponível em http://www.prospectmagazine.co.uk/world/one-to-watch-danilo-gentili. Acessado em 26/02/2015.

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Estados Unidos. A publicação ainda chama a atenção para o pioneirismo de Danilo e afirma que o comediante tem sido um dos responsáveis por “ajudar o Brasil a igualar o peso econômico ao peso cultural”. A renomada revista americana Forbes13 também deu atenção ao artista brasileiro, e o elegeu como um dos nomes que todos devem saber, na matéria era apresentado um breve histórico sobre o comediante, destacando que Danilo é o atual fenômeno cômico do país, seguido de uma pequena entrevista.

4.3. The Noite com Danilo Gentili

O formato talk show surgiu nos Estados Unidos, nos anos 1950, o modelo foi transportado do rádio para a televisão. O termo é utilizado para descrever programas, com ou sem plateia, que são estruturados pela conversação, ou seja, pela entrevista entre o apresentador fixo do programa e os mais diversos convidados. Ou ainda, em uma tradução livre, talk show significa conversa e espetáculo. Os principais programas norte-americanos representantes desse formato são: The Phil Donahue Show, The Jerry Springer Show, The Oprah Winfrey Show e The Tonight Show with Jay Leno. De acordo com Fernanda Mauricio Silva (2009, p.2), inicialmente, os programas de talk shows eram mais relacionados à informação, era uma boa oportunidade para se aprofundar em debates de relevância para a população, exatamente por isso, seus principais convidados costumavam ser “políticos, representantes de organizações, jornalistas e professores [que] compartilhavam seu conhecimento a fim de ampliar o repertório cultural da audiência”. Com o passar dos anos, este novo formato de programa televisivo foi atraindo a população e se adaptando a ela.

A consolidação do talk show no cenário televisivo e a efetivação de um formato próprio se deu de maneira gradual, a partir de relações que se estabeleciam entre o gênero e a sociedade. Portanto, os gêneros televisivos não são uma estrutura rígida, mas modificam-se em função das transformações na política, economia, tecnologia, cultura, e de novas demandas que emergem no público. (SILVA, 2009, p. 2).

13 Disponível em http://www.forbes.com/sites/andersonantunes/2015/03/17/brazils-top-political-satirist- is-heading-to-america-with-eyes-on-booming-tourism-market/. Acessado em 26/02/2015.

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Portanto, como se trata de um gênero em constantes transformações, é natural o surgimento de vários subgêneros, como por exemplo, o talk show político, o de entrevistas com celebridades, o bate papo matinal, entre outros. No caso do programa “The Noite com Danilo Gentili”, como o próprio apresentador já afirmou por diversas vezes se trata de um ”late-night talk show”, devido aos quadros de humor, a presença de todo um elenco de apoio, e claro, as influências do stand up comedy. Além da relação com o horário que o programa é exibido, sempre no fim da noite. O surgimento desse subgênero é descrito por Fernanda Mauricio Silva.

Esse modelo de talk show convivia na grade de programação com programas que acolhiam elementos mais vinculados ao entretenimento a partir de deslocamentos efetuados com pelo menos dois outros gêneros. Da stand up comedy, gênero teatral no qual um comediante atua diante de uma plateia fazendo piadas, o talk show se apropriou do modelo de apresentação, baseada num apresentador- estrela que conta piadas e entretém o público. Dos programas de auditório, o talk show extraiu a plateia que participa da cena por meio de aplausos, risos, vaias e, em alguns casos, de perguntas para os integrantes no palco. [...] Foi na proximidade com a lógica do entretenimento televisivo que os talk shows ganharam mais popularidade e maior audiência. Embora o sentido informativo inicial tenha permanecido residualmente na programação televisiva, recentemente o termo “talk show” tem sido empregado de maneira depreciativa por afigurar uma interseção pejorativa entre informação e entretenimento, comumente chamada de infotainment. (SILVA, 2009, p.2-3).

Até mesmo características espaciais ajudam na identificação de um late-night talk show, mas Danilo Gentili chama a atenção para o elemento que destaca e distingue cada programa, “todos são idênticos no que diz respeito à forma. Têm a bancada, o sofá, até o skyline. Mas todos são diferentes porque são feitos em cima da personalidade do apresentador. Não é uma questão de ser novo, renovado, mas uma questão de ser autêntico”, afirma o humorista em entrevista ao portal O Globo14. Como apontou Fernanda, as transformações que ocorrem nos gêneros e formatos, principalmente nos televisivos têm relação direta com o contexto político e social. No Brasil, por exemplo, um grande divisor de águas nas mídias, em geral, foi a ditadura militar, e consequentemente, a censura aos meios de comunicação de massa.

14 Disponível em http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/talk-shows-se-renovam-atraem-jovens- aqui-nos-eua-1-12678546. Acessado em 10/03/2015.

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Neste período de suspensão da liberdade de expressão, o exercício da crítica era feito através da arte, da música, entre outras produções independentes. Neste contexto, destaca-se o jornal Pasquim, um semanário que tinha o papel de oposição à ditadura militar, com críticas ao governo e à sociedade, mas com uma boa dose de humor. De acordo com Marcos Alexandre Capellari, “o Pasquim representou, para uma parcela da classe média brasileira descontente com a ditadura, um veículo de crítica bem-humorada à repressão política e ao conservadorismo moral, sobretudo, no período geralmente caracterizado como „anos de chumbo‟” (CEPELLARI, 2007, p.83). Pontuar a existência de um jornal como o Pasquim, dando ênfase ao contexto político que ele surgiu, confirma a importância do uso do humor diante informações sérias, como a questão política do momento mencionado. Cláudio Paiva defende que “o riso se inscreve na história da cultura pela sua potência transgressiva, com o poder de revelar as dimensões ocultadas pelas tramas sociais e políticas” (PAIVA, 2007, p.5). O autor ainda considera a trajetória de Jô Soares um marco no desempenho desse humor político, um recurso ímpar diante de situações embaraçosas. Jô que chegou a integrar a equipe do Pasquim teve seu primeiro talk-show no SBT, chamado “Jô Soares Onze e Meia”, e mais tarde, em 2000 até hoje, apresenta o “Programa do Jô”, na emissora Rede Globo.

O papel do Programa do Jô, assim como foi o do Jô onze e meia, é fundamental em meio a tantas parafernálias jornalísticas. As máscaras despencam diante do bom astral do humorista, reduzindo o espaço que a demagogia costuma ter na frente das câmeras. A condução do apresentador tira o caráter teórico que por muitos é utilizado como camuflagem. Bom humor em função da cidadania que, por vezes, provocou constrangimentos entre os representantes do campo. (PAIVA, 2007, p. 2).

Danilo Gentili nunca escondeu sua admiração pelo também apresentador de talk show, Jô Soares, em entrevista para o jornal Diário de São Paulo15, ele comenta, “minha geração não tinha internet nem TV a cabo, então minha referência é o Jô Soares mesmo. Aliás, seria o ápice do meu programa recebê-lo, pois é o

15 Disponível em http://diariosp.com.br/noticia/detalhe/67369/sucesso-no-sbt-danilo-gentili-est- realizado. Acessado em 10/03/2015.

36 patrono do gênero no Brasil”, (GENTILI, 2014, online). Gentili opina também sobre os apresentadores norte-americanos, “acho o Jimmy Fallon chato, precisa de um milhão de celebridades. O David Letterman é mais ousado. Eu tento ser assim”, (GENTILI, 2014, online). As primeiras informações sobre o novo programa de Danilo eram que o nome da atração seria “Jô Soares Onze e Meia com Danilo Gentili”, que segundo o apresentador se tratava de uma homenagem com referência ao antigo programa apresentado por Jô Soares durante 11 anos no SBT. Contudo, tal informação não se confirmou, e segundo a assessoria do SBT, não passava de uma brincadeira do comediante com a imprensa. Por fim, em 22 de janeiro de 2014, é divulgado o nome oficial do programa: “The Noite com Danilo Gentili”16. O nome é um trocadilho com o artigo “the” do inglês, que sonoramente é igual a palavra “de” brasileira. A equipe, que já contava com Danilo apresentando, a banda Ultraje a Rigor, os humoristas Léo Lins e Murilo Couto e a assistente de palco Juliana Oliveira, ficou completa com a contratação de Diguinho Coruja. Diguinho Coruja é o apelidado dado ao consagrado radialista, Rodrigo Muniz, que ficou conhecido em todo o país pelo seu humor ácido nos programas que apresentava no rádio. Léo Lins, além de comediante, já trabalhou de mágico, malabarista, professor de educação física e capoeirista. Desde 2005 faz shows de stand up pelo Brasil e pelo mundo, já passou por Portugal, Alemanha, Inglaterra e Japão, é também autor de dois livros sobre comédia. Murilo Couto, nascido em Belém, é humorista, ator e repórter, antes de participar do programa já era popular na internet, tendo milhares de seguidores nas redes sociais e de visualizações de vídeos. Juliana, que não era famosa antes de ser contratada para integrar o “Agora é tarde”, fez parte de uma brincadeira do elenco, que abriu vaga para a função de assistente de palco e fez entrevistas ao vivo com várias candidatas, porém, a intenção inicial da produção, era apenas brincar e não contratar ninguém. Mas, depois do teste da Juliana, Danilo decidiu ficar com ela, mesmo contrariando um pouco a opinião dos outros, que caso contratassem alguém, preferiam que a contratada seguisse os padrões de beleza ditados pelo mundo da moda.

16 Site oficial do programa. Disponível em http://www.sbt.com.br/thenoite/. Acessado em 13/03/2015.

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E por fim, a trilha sonora é responsabilidade da banda Ultraje a Rigor, formada no final dos anos 1980, teve grandes sucessos como “Inútil”, “Mim quer tocar” e “Nós vamos invadir a sua praia”. A banda, que já teve várias composições, atualmente, conta com os seguintes integrantes: Roger Moreira, vocalista e guitarrista, o único membro que está na banda desde sua criação; Rinaldo Oliveira Amaral, ou como é mais conhecido, o Mingau, vocalista e baixista; nos vocais e na bateria ficam por conta de Marco Aurélio Mendes da Silva, que tem como nome artístico, Bacalhau; e ainda, o mais novo integrante, Marcos Kleine, guitarrista e vocalista. Apesar de o programa ser majoritariamente apresentado por Danilo, toda a equipe tem liberdade para comentar, fazer piadas, dar opinião, independe do quadro ou entrevistado que estiver presente. Como Danilo anunciou logo após sua saída da Band, o novo programa teria o mesmo formato do antigo, um talk show late night, mas traria novos quadros e atrações. Com duração de uma hora, o “The Noite” é exibido de segunda a sexta- feira a meia noite. O principal quadro é o de entrevista, tem duração média de vinte minutos e conta com as mais diversas personalidades religiosas, políticas, da música, da televisão, do rádio, da internet, do teatro, do esporte, entre outros. O programa geralmente começa com um monólogo do apresentador, que reproduz alguma informação que esteve ou não em destaque na mídia nacional, e em seguida, tece um breve comentário, ironizando ou ridicularizando a situação. O talk show conta ainda com outros quadros, como a “Rodada da Noite”, que tem como cenário um pub para receber humoristas conhecidos ou estreantes para bater um papo animado e contarem piadas. Outra atração é o “Leite Show”, quadro comandado por crianças, em uma réplica do palco em miniatura, os pequenos apresentam um mini talk show com a participação de Danilo. No quadro “Cyberbullying", Murilo Couto e Léo Lins recebem blogueiros para comentar os principais vídeos da semana. Já em “O Mestre Mandou”, Danilo, sua equipe e mais um convidado vão às ruas para brincar. Um deles é instruído pelos outros três para se envolver em situações engraçadas. Ao longo do programa são apresentadas pequenas gravações sobre as “Curiosidades do The Noite”, que são anedotas encenadas pela equipe. Tem também o quadro “Comentando os Comments”, onde são selecionados alguns comentários, na maioria, reclamações sobre o programa ou algum integrante,

38 postados nas mídias sociais do talk show. Após lerem a opinião da pessoa, o integrante mencionado responde a crítica. O vocalista da banda Ultraje a Rigor, Roger Moreira, participa ainda, do quadro "O Homem do QI 200", o nome é uma alusão e uma brincadeira com o alto QI do cantor, que é chamado para resolver os problemas que surgem ao longo do programa, os quais, geralmente, são situações bem simples, o que contribui para que fique engraçado. No ano de 2015, a segunda temporada do programa ganhou um novo integrante na equipe, o humorista Oscar Filho, ex-participante do CQC. Por enquanto, Oscar ainda não apareceu no programa, mas a produção adianta que ele ficará responsável por fazer esquetes de humor. Existem ainda outros quadros e situações recorrentes no programa, contudo, com uma periodicidade reduzida, não há uma regularidade neles. São poucas as exceções, e entre elas estão as entrevistas, presentes em todos os programas. A duração da conversa com os convidados varia entre catorze minutos até um pouco mais de trinta minutos. Em algumas edições, Danilo apresenta duas entrevistas em um mesmo dia. Não há uma explicação clara para como é decido esse tempo de gravação, superficialmente, parece acontecer de forma natural, certos convidados rendem mais que outros, e mesmo que não seja possível exibir tudo, todo o material apresentado no programa, inclusive entrevistas na íntegra com quase uma hora de duração, são divulgados no canal oficial da plataforma de vídeos do . O quadro de entrevista do “The Noite com Danilo Gentili” já recebeu os mais diversos convidados, depois de um ano no ar, Danilo coleciona uma longa lista de famosos e anônimos em diferentes áreas, como por exemplo, na música, de Milionário & José Rico e Zezé de Camargo & Luciano, passando por Falcão e Gabi Amarantos até Mc Guimê e Valesca Popozuda. Representantes religiosos e políticos, como Eduardo Bolsonaro, Aloysio Nunes, Luciana Genro, Pastor Silas Malafaia, Pastor Caio Fabio, Padre Fabio de Melo. Personalidades da televisão como Carlos Alberto de Nóbrega, Heródoto Barbeiro, Rachel Sheherazade, Palmirinha, Jorge Kajuru, Ana Paula Padrão, Edgar Vivar, o ator do personagem “Seu Barriga” do seriado “Chaves”. Esportistas também são presentes no programa, como os jogadores de futebol Robinho e Túlio Maravilha, a seleção brasileira de handball feminino, o lutador Anderson Silva. E ainda, especialistas como o professor

39 da Universidade de Campinas, Diego Aranha, que encontrou falhas na urna eletrônica utilizada pelo Brasil nas eleições. Ainda na primeira semana do programa no ar, o SBT ficou na liderança absoluta, passando inclusive a Rede Globo. Contudo, foi na segunda semana de exibição do programa que Danilo enfrentou pela primeira vez o Programa do Jô, que voltava inédito após três meses de férias. Na disputa, o novato levou a melhor, segundo informações do Instituto Brasileiro de Opinião Pública, na matéria da CARAS Digital17, “o programa The Noite com Danilo Gentili venceu o Programa do Jô no primeiro confronto entre os talk shows, na madrugada desta quarta-feira, 19 [de março de 2014]”. Conforme informações da publicação, a atração do SBT marcou 5 pontos, e o programa da Rede Globo fez um a menos, ficando com 4 pontos. Nesse dia, Danilo recebeu o ator Paulo Goulart Filho e o jornalista Fred Melo. E Jô teve como convidados as jornalistas Ana Maria Tahan, Cristina Serra, Cristiana Lôbo e Lilian Witte Fibe. Quando questionado sobre o sucesso, Danilo comentou estar trabalhando muito, mas sem esquecer sua fé, “no fim das contas eu sou cristão, então eu atribuo todo sucesso a Deus também. Eu trabalho duro como se todo esforço dependesse só de mim, mas no fim das contas eu sei que depende mais dEle18 do que da força do meu braço. Eu prefiro crer assim", contou Danilo.

17 Disponível em http://caras.uol.com.br/tv/danilo-gentili-vence-jo-soares-e-e-lider-de-audiencia-the- noite-sbt?m=1&#.VS2l8fnF-Fg. Acessado em 15/03/2015. 18 Danilo Gentili se refere, neste momento, a Deus.

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5 A NOTÍCIA “BEM HUMORADA”

Nem toda notícia é engraçada, divertida ou mesmo agradável. Porém, a partir do humor, mesmo quando o tema tratado não tem tanta graça assim, é possível conquistar a atenção do público. Isso é o que pode ser observado no programa em questão, especialmente em entrevistas relacionadas à política brasileira. O capítulo irá abordar, a partir de descrições das entrevistas e análises das mesmas, a existência do jornalismo caricato no programa “The noite com Danilo Gentili”.

5.1 Entrevista com Diego Aranha

No dia 19 de agosto de 2014, o apresentador Danilo Gentili recebeu em seu programa o professor de computação da Universidade de Campinas, Diego Aranha. Ao longo de um pouco mais de dezesseis minutos de entrevista, Diego explicou didaticamente o funcionamento da urna eletrônica utilizada nas eleições governamentais do Brasil. Durante os cumprimentos iniciais, Danilo pergunta sobre a profissão e a especialidade do convidado, quando Aranha responde que sua especialidade é em criptografia e segurança computacional. Gentili, em tom de brincadeira, questiona se é para ele que nós ligamos quando temos problemas com a senha do banco. O professor esboça um sorriso e diz que “às vezes. Na verdade eu sou o cara que projeta mecanismos para que o sistema seja mais resiste, e aquela senha seja armazena de forma segura”. Com certa leveza e tom de brincadeira, Danilo permite que o entrevistado simplifique e esclareça o que de fato envolve sua profissão e pesquisa, garantindo que a maioria das pessoas que estão assistindo o programa compreendam a fala e as informações ditas pelo convidado. Feitas as apresentações, Danilo Gentili inicia a entrevista com uma afirmação direta e provocativa: “pelo o que eu entendi você defende que a urna eletrônica é tão confiável quanto os políticos que se elegem com ela”. Nesse questionamento, percebemos a liberdade que o apresentador tem em inserir sua própria visão na pergunta, sem ressalvas para algum político ou partido específico, reforçando seu posicionamento político de oposição ao governo em geral. O professor confirma a declaração de Gentili e, de forma muito objetiva e pontual, apresenta o contexto que

41 o levou a essa conclusão. De acordo com Diego, no Brasil é adotado um sistema chamado pela academia de “primeira geração”, o qual depende do registro da contagem dos votos puramente eletrônica, ou seja, os votos são registrados apenas virtualmente em um software. Comparando com outros países que adotam o sistema de votação eletrônica, o professor afirma que todos eles usam sistemas que produzem também o registro físico, no caso o papel. Permitindo, dessa forma, a apuração pré-amostragem para verificar se o software está funcionando de forma honesta. Diego conta que quando era professor da Universidade de Brasília, ele e outros colegas participaram de um mecanismo de auditoria do software da urna eletrônica, organizado pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo ele, esse teste foi realizado com uma série de restrições, em poucos dias e poucas horas, para analisar o software de votação, mesmo assim, o professor relata que foram encontradas falhas fundamentais nos mecanismos de segurança do sistema da urna eletrônica. Sem demora ou brincadeiras, Danilo questiona sobre quais falhas foram encontradas na urna eletrônica. O professor responde que foram tanto falhas com relação ao sigilo dos votos, quanto à integridade dos resultados. Após terem tido acesso ao código fonte da urna, que é o que os programadores escrevem, Diego e outros colegas buscaram vulnerabilidades muito bem conhecidas, desde a época que o experimento foi realizado, há dezessete anos, e encontraram uma fragilidade fundamental no único mecanismo que protegia o sigilo do voto. Em seguida, o professor se propõe a esclarecer detalhadamente o experimento que identificou as falhas, explicando que quando votamos em uma urna eletrônica, “os votos não são armazenados na ordem que eles foram depositados. Então, a urna eletrônica vai armazenando os votos de maneira embaralhada, exatamente quando a gente vota em papel, e as cédulas vão caindo fora de ordem”. Danilo completa a declaração do professor, mencionando que é feito o embaralhamento para manter o sigilo. Diego Aranha segue com sua fala, “Durante os testes nós descobrimos que reverter esse embaralhamento era muito fácil, dependia apenas de informação pública”, ou seja, mesmo com as restrições eles conseguiram descobrir quem votou em quem em uma eleição simulada, com até 950 votos. Gentili impressionado reforça a afirmação do convidado, “você está me dizendo que não é nada difícil quebrar o sigilo de quem votou em quem?”.

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Nesse momento da entrevista, observamos o espaço que Gentili oferece ao seu convidado, para que ele explique e justifique suas críticas e experimentos com a urna. A maioria das intervenções do apresentador é no sentido de esclarecer ou reforçar algum conceito ou informação que não tenha ficado claro, ou que devido à importância merecem ênfase. Na sequência da entrevista, Diego comenta que é possível descobrir quem votou em quem a partir do horário da votação que fica registrado na urna, aliado com informações que qualquer mesário tem acesso. Gentili questiona a razão de a urna registrar o horário. Aranha responde que não sabe o motivo, mas sugere que possa ser na intenção de calcular quanto tempo o eleitor leva para votar. Em seguida, Danilo, se autodeclarando leigo no assunto, diz que parece ser muito simples retirar o registro do horário de votação, o professor concorda. Então, reforçando sua posição de desconhecedor do tema, Gentili analisa a situação como tendenciosa, ou seja, existe um motivo específico para terem essas brechas no sistema, e segundo as palavras do apresentador, “não me parece que é um bom motivo”. Sem discordar de Danilo, Diego diz que é difícil separar malícia de incompetência em casos como este, mas que de acordo com as pesquisas dele, não há necessidade de registrar a informação do horário. Danilo finaliza este tópico esboçando uma leve risada e em tom de deboche diz que malícia e incompetência relacionadas a serviços públicos no Brasil caminham junto. Apesar de alguns poucos comentários descontraídos, Danilo Gentili não se afasta do tema da discussão e não é interrompido pelos outros participantes do programa. Sem delongas, o apresentador faz outra pergunta objetiva ao convidado, “adulterar voto é fácil ou é difícil na urna eletrônica?”. O professor, em tom muito seguro e contido, confirma que a questão da quebra de sigilo na urna é uma realidade, comprovada por experimentos. Contudo, com relação à adulteração dos votos, ele e os outros colegas que participaram da auditoria não tiveram tempo para realizar uma experiência concreta, no entanto, encontraram várias características que indicam certas facilidades em interferir no resultado de uma eleição. Diego relata, também, que foram localizadas condições que permitem tanto um agente interno quanto externo manipular o software das urnas eletrônicas. Não necessariamente com intervenção manual em cada sistema, mas em alguns pontos que distribuem os softwares em várias urnas. Após a fala do professor, Danilo pede que ele explique de forma mais simples o que seria um agente interno e um agente

43 externo, para que todos pudessem entender melhor. Com isso, Diego e Gentili esclarecem a característica de cada agente e apresentam exemplos considerando o contexto do país. Ainda respondendo a pergunta de Danilo, Aranha informa que a urna eletrônica é protegida por uma chave criptográfica, ou seja, um segredo. Contudo, esse segredo é compartilhado pelo meio milhão de equipamentos que participam das eleições no país. Na tentativa de se fazer entender, Diego compara a situação com uma chave e uma porta, sendo que uma mesma chave abriria meio milhão de casas diferentes. Contudo, o ideal é que cada urna tenha um segredo diferente. E, além disso, segundo o professor, esse segredo é guardado de forma muito insegura, voltando à analogia com chaves e portas, seria o mesmo que guardar a chave debaixo do tapete, confiando que ali ela está segura. Ao longo da fala do professor, Danilo faz expressões de inconformismo, esboçando algumas risadas irônicas e balançando a cabeça como se não acreditasse no que estava ouvindo. Então, Diego continua contando sobre sua experiência com o software da urna e suas descobertas. De acordo com o convidado, quando essas informações vieram a público, o Tribunal Superior Eleitoral se defendeu dizendo que tais escolhas foram decisões de projeto e que faziam sentido. O professor discorda da explicação dada pelo TSE, e diz não se conformar que um único segredo proteja todas as urnas. Nesse momento, Danilo aproveita e completa a fala do professor, lembrando que não é um segredo, é o destino de um país. Na sequência, voltando a seu autodeclarar leigo no tema, o apresentador comenta que na visão dele não são problemas difíceis de consertar, como o próprio professor já explicou ao longo da entrevista, são problemas que existem há dezessete anos e merecem uma satisfação. Segundo a opinião de Danilo, parece que um motivo por de trás dessa “falta de interesse” em melhorar o sistema de votação existe. Então, Gentili pergunta qual é a opinião de Diego como especialista. Para o professor, essas vulnerabilidades não são tecnologicamente avançadas, são situações que ele ensina os próprios alunos em sala de aula a resolverem. Nesse momento, Danilo interrompe a fala do convidado, reforçando que até alunos em formação seriam capazes de solucionar esses problemas. Diego assegura que sim, que talvez graduandos não solucionassem da melhor forma, mas que eles saberiam resolver, afinal, não são problemas sofisticados, e as respostas estão em livros textos simples do curso. Gentili reage à confirmação do professor com um riso,

44 balançando a cabeça de um lado para o outro, novamente se expressando inconformado com a situação apresentada. Aranha continua sua fala dizendo que o TSE defende que o Brasil precisa de um sistema sem nenhum registro físico de votos, contudo, o professor ressalva que sem registro físico não é possível realizar uma recontagem de votos, já que qualquer recontagem de um mesmo software fornecerá o mesmo resultado, impossibilitando a descoberta de uma fraude, por exemplo. Danilo questiona o que impede de realizarmos registros físicos do voto no Brasil. Diego lista alguns gastos e logísticas necessários para a implantação de um registro físico nas eleições, entretanto, conclui que mesmo com mais despesas e mais trabalho, é totalmente aceitável e oportuno a implantação de mais uma forma de registro do voto, visto que já é realizado em outros países. De acordo com o convidado, dessa forma, as eleições seriam mais seguras, pois se alguém tentasse fraudar os resultados das eleições precisaria modificar dois mecanismos, o virtual e o físico, o que dificultaria. Diego conta que, recentemente, na Índia, onde foi usado um sistema de votação semelhante ao nosso tendo apenas registro virtual do voto, assim que foi comprovada a vulnerabilidade do software, a suprema corte indiana definiu que nas próximas eleições, no caso, em 2014, fosse feito também o registro físico do voto. O professor afirma que esse pensamento é unânime fora do Brasil, e que apenas o nosso país apresenta o entendimento que qualquer registro físico ameaça de alguma forma o sigilo do voto. O convidado enfatiza que é essencial a transparência no sistema de eleição. E em tom muito irônico, Danilo comenta: “quanto mais transparente ficar, pior é aqui”. Roger, vocalista da banda do programa, a Ultraje a Rigor, pede para fazer uma pergunta. Ele questiona o professor se outro registro digital seria facilmente deturpável como a urna. Diego agradece a pergunta, dizendo que ela é ótima, e esclarece que o TSE alega que o arquivo dos votos embaralhados, que eles chamam de “registro digital do voto” já representa um mecanismo de recontagem, porém ele é produzido pelo mesmo programa que soma os votos, portanto, se o agente fraudador consegue o controle do software que calcula os votos, ele também domina o mecanismo de recontagem, dificultando a descoberta de uma fraude. O professor ressalta que o registro físico ou em outra mídia, além da urna, não é suficiente para evitar totalmente que ocorram fraudes, contudo, eles são instrumentos que dificultam uma fraude.

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Para esclarecer como funcionaria um segundo registro dos votos, o convidado exemplifica que no caso do registro em papéis, uma pessoa que queira fraudar a eleição, além de invadir o software de votação, precisará sumir ou modificar os votos físicos, ações que não podem ser realizadas sozinhas e que deixam testemunhas. Uma eleição puramente eletrônica não deixa nenhum rastro de fraude, e como conclui e completa o apresentador, só é necessário uma pessoa com um segredo para manipular o resultado de todo um país. Aranha concorda com a consideração de Gentili, afirmando que foi essa a situação encontrada na auditoria realizada pelo TSE, mas que não foi possível comprová-la por meio de testes devido o tempo reduzido que eles tiveram acesso ao software. E, em tom crítico, Diego acrescenta que não houve interesse do Tribunal Superior Eleitoral em investigar afundo as falhas apontadas. Com a deixa do professor, o apresentador pergunta qual é o posicionamento do TSE quando Diego mencionou todas as falhas e fragilidades do sistema. Aranha conta que a resposta do Tribunal foi basicamente dizer que o professor era “uma ameaça a democracia”. Danilo responde com tom irônico e até mesmo revoltado “ah, então isso é uma ameaça a democracia?”. Aranha comenta, “aparentemente, pelo menos no entendimento do Tribunal”, e em seguida argumenta que esse posicionamento do TSE é totalmente contrário a cultura que se tem na universidade e academia, que é tratar os problemas, escrever eles em detalhes, avaliá-los, propor e implantar soluções, para que assim o sistema se aperfeiçoe. Danilo conta ao professor que próximo ao período de eleições, ele [o apresentador] é proibido de fazer piadas com partidos políticos, candidatos e governos no programa. Ponderado isso, Gentili explica o motivo da proibição e analisa ironicamente e criticamente toda a situação:

Porque para o TSE, se eu fizer uma piadinha com um candidato, eu posso estar alterando, eu posso estar influenciando o voto e alterando o resultado da eleição. Mas a urna não ser transparente não tem problema nenhum, eles deixam passar, fica tudo tranquilo. Eles não estão preocupados com a falta de transparência da urna, com a facilidade em fraudar a urna, o problema é fazer piadinhas com políticos na época de eleição19.

Após a fala do apresentador, a plateia aplaude intensamente o comentário. Em seguida, Danilo questiona por que democracias muito mais maduras e

19 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=xATaNCsre9Q. Acessado em 16/03/2015.

46 desenvolvidas não querem utilizar a urna eletrônica, a qual os brasileiros se orgulham tanto. Então, o professor responde apresentando o exemplo e a visão da Alemanha sobre as eleições. Segundo ele, os alemães já usaram sistemas com as mesmas características que nós utilizamos, contudo, a suprema corte entende que um sistema de votação empregado para eleger os líderes do país não pode exigir um conhecimento específico para auditoria. Ou seja, todos devem compreender como é realizada a votação, permitindo, desta forma, que todos sejam possíveis fiscais. Ainda de acordo com o entendimento do professor, no Brasil ocorre o contrário, aqui o poder de auditoria é centralizado, fiscais de partidos políticos até tem acesso ao sistema de votação, mas para isso, eles precisam assinar um termo de sigilo. Nas palavras do professor, no Brasil, “há uma obsessão com o controle e a falta de transparência é endêmica em várias etapas do processo”. Ao finalizar a entrevista, Danilo agradece a presença do professor, e no intuito de provocar riso, mas ao mesmo tempo, certa reflexão, Gentili pede para que o professor pare de questionar, afinal, “questionar é uma ameaça à democracia”, em alusão a resposta do TSE quanto às falhas apontadas pelo professor. Então, Diego pede espaço para divulgar um programa que será lançado na tentativa de fiscalizar a segunda parte das eleições de 2014, que é o momento de totalização dos votos. Mesmo assumindo que o eleitorado pode fazer pouco, visto a centralização do poder de auditoria, o professor pede ativismo dos eleitores para que acessem o programa “Você Fiscal” e, de alguma forma, consigam se apoderar do sistema eleitoral. Gentili reforça o endereço eletrônico do projeto, agradece novamente o professor, e brincando, pergunta se ele voltará para cantar no final do programa. Meio sem entender a pergunta, Diego se enrola para responder, Danilo ri, diz que é uma brincadeira e finaliza a entrevista. Abaixo podemos observar uma tabela com a análise quantitativa da entrevista acima descrita.

Tabela 1 – Análise quantitativa da entrevista com Diego Aranha Quantas entrevistas tiveram no dia 2 Duração da entrevista analisada 16min e 23s Total de perguntas 19 Perguntas jornalísticas 18 Perguntas humorísticas 1 Fonte: elaborada pela autora

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Os números da entrevista com o professor Diego Aranha reforçam o que foi notado na análise descritiva, a conversa foi majoritariamente jornalística, apresentando um espaço mínimo para questionamentos humorísticos, houve apenas um, o qual não prejudicou a compreensão e o andamento da entrevista.

5.2 Entrevista com Luciana Genro

Já no dia 15 de setembro de 2014, Danilo Gentili recebeu a então candidata a presidência pelo Partido Socialismo e Liberdade, o PSOL, Luciana Genro. De acordo com a fala do apresentador antes de chamar a convidada ao palco, todos os presidenciáveis foram convidados a dar entrevista, porém, só Luciana e o candidato Levy Fidelix aceitaram e compareceram ao programa. Ao anunciar a entrevistada do dia, Danilo já faz uma piada, dizendo que nos debates entre os candidatos à presidência em outros programas não são feitas perguntas para ela, mas que no “The Noite” eles iriam fazer. Apesar de ser um comentário provocativo e pouco polido, a análise de Danilo não estava errada, visto que Luciana não se encontrava entre os candidatos com chance de eleição, segundo os institutos de pesquisa divulgados na mídia, e, por isso, ela era alvo das perguntas livres entre os presidenciáveis. Portanto, o convite feito por Danilo caracterizou se como um espaço de divulgação das propostas e opiniões da candidata. Após a entrada da convidada, Gentili avisa que antes de iniciarem a entrevista serão apresentadas as regras, pois se trata de uma candidata a presidência e existem normas a serem seguidas. Então, o apresentador passa a palavra para que Murilo Couto explique o regulamento. Couto começa sua fala utilizando um linguajar comum e padrão a outras entrevistas com presidenciáveis, transmitidas em diversas emissoras. Logo na primeira informação sobre como será cronometrado o tempo da entrevista, já é feita uma brincadeira, que parece criticar as regras eleitorais, pois o tempo será controlado no celular do apresentador. Os avisos seguintes são paródias das informações padrões em entrevistas com candidatos a presidência, mas com situações cômicas, improváveis ou irreais. Entre as informações é avisado que a candidata terá que responder uma perguntar do Roger, vocalista da banda do programa, e que eles terão direito a réplica e tréplica.

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Antes de iniciarmos a análise do conteúdo da entrevista, seguem dados quantitativos da conversa com a então candidata à presidência, Luciana Genro.

Tabela 2 – Análise quantitativa da entrevista com Luciana Genro Quantas entrevistas tiveram no dia 2 Duração da entrevista analisada 22min e 49s Total de perguntas 28 Perguntas jornalísticas 16 Perguntas humorísticas 12 Fonte: elaborada pela autora

Analisando os números da entrevista de Luciana Genro, notamos que foram realizadas 16 perguntas jornalísticas e 12 humorísticas, entre as seis entrevistas analisadas, essa é a que tem um maior equilíbrio entre questionamentos sérios e brincadeiras. Contudo, isso não quer dizer que o resultado final não tenha sido positivo, pelo contrário, consideramos que a maioria da entrevista teve perfil jornalístico, e o maior número de perguntas humorísticas é justificado pela conversa ping-pong que aconteceu no minuto e meio final. Ou seja, em um curto espaço de tempo foram realizados vários questionamentos em tom de brincadeira, como poderá ser notado na descrição a seguir. Iniciando a entrevista, Danilo agradece a candidata, inicia a cronometragem dos vinte minutos de entrevista em seu celular e pergunta por que Luciana Genro quer ser presidente. Ela agradece o convite e a oportunidade de poder falar para a audiência do apresentador. Respondendo a pergunta do apresentador, a candidata afirma que quer ser presidente do Brasil para fazer uma mudança real na política, que quer fazer a diferença, ou seja, quer realizar o que ela propõe nas campanhas de verdade, sem fazer parte do grupo de políticos que prometem, mas não cumprem. Gentili questiona qual seria a primeira de todas as mudanças que ela irá realizar. Luciana assegura que a primeira transformação que ela pretende realizar será na distribuição tributária do país, argumentando a injustiça dos impostos presentes em produtos de uso continuo e diário da população, onde o mesmo valor é pago por pessoas humildes e por milionários. Então, a candidata propõe que sejam taxadas grandes fortunas acima de 50 milhões, nas palavras da convidada,

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“são milionários e não „riquinhos‟”, e apenas realizando essa medida, já seria possível dobrar o valor investido na educação do país. Quando Luciana exemplifica a proposta em taxar grandes fortunas, Danilo brinca dizendo-se aliviado, já que ele “só” tem 48 milhões, a candidata ri, e participando da brincadeira, diz: “eu imaginei que tu não seria atingindo”. Completando sua resposta, a convidada informa que também pretende aumentar os tributos sobre os bancos, visto que mesmo em tempo de crise e endividamento da população, os bancos continuam lucrando. Sem brincadeiras e carregado de sinceridade, o apresentador pergunta se a candidata acredita mesmo que ela vá conseguir realizar suas propostas, pois outros candidatos já sugeriram mudanças semelhantes e quando foram eleitos não conseguiram implantar suas ideias, ou até mesmo, ajudaram os bancos e os grandes empresários. Com esse questionamento, Danilo representa os interesses do público, visto que boas ideias e propostas sempre são ditas e pouquíssimas vezes cumpridas, o apresentador pede que a candidata explique como e por que ela conseguiria fazer diferente. Luciana concorda que isso realmente já tenha ocorrido, e apresenta seu diferencial, mencionado que nenhum desses presidentes foi eleito afirmando que atacariam os interesses dos bancos e que fariam reformas tributárias para taxar o lucro deles, esses presidentes se elegeram apenas com a proposta que melhorariam a vida a povo. Na sequência, Gentili faz uma pergunta provocativa e inesperada, “então, você acha que não será eleita?”. Um pouco desconcertada, a candidata responde, “não, eu acho que vou, quero ser eleita”, e explica que a razão pela qual ela conseguiria realizar suas propostas, é que ao ser eleita, obviamente, pela maioria da população, isso significaria que o povo está interessado em mudanças e a apoia. Ainda na fala da convidada, ela afirma que apresenta esse discurso transparente, o qual já declara quais meios utilizará para realizar suas propostas, e não faz uso de atalhos, “o atalho que o PT fez, se juntando com o Sarney e o Collor, se juntando com essa bandidagem toda, o atalho que a Marina está querendo fazer, agradando o agronegócio, agradando fundamentalista, agradando usineiros. Eu não faço atalhos”. E reforça sua transparência, dizendo o que é necessário ser feito, e segunda a convidada, se o povo votar nela, é porque ele esta disposto a brigar junto com ela para mudar a realidade.

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Imediatamente após a resposta de Luciana, Gentili pergunta que se ela acredita que o povo esteja com ela. A candidata responde que uma parte está, a outra, também está, mas como as pesquisas de intenção de votos, que de acordo com a convidada, são “sacanas” e a colocam lá embaixo no ranking, “as pessoas pensam: ah, mas a Luciana não tem chance”. As perguntas realizadas pelo apresentador não são extraordinariamente elaboradas, muito pelo contrário, são simples, diretas e inesperadas, chegando a dar até um tom informal, porém, exatamente devido a essas características, Danilo alcança uma maior sinceridade e proximidade na resposta do candidato. Em seguida, Danilo questiona se ela não acredita nas pesquisas. A candidata afirma que em parte as pesquisas refletem a realidade, mas em parte elas induzem muito. Gentili pergunta qual a real porcentagem de intenção de votos ela acredita ter, a convidada responde que não sabe, mas garante que andando pelas ruas, ao fazer sua campanha, ela tem grande apoio da população, principalmente da juventude, e de outras faixas etárias e de diferentes classes sociais. Além disso, a candidata comenta que o fato dela aparecer mais abaixo nas pesquisas, faz com que eleitores que acreditam que ela é a melhor opção, não votem nela, pois teoricamente ela não tem chance de ganhar, e passe a votar no “menos pior”. Por isso, Luciana faz um apelo, pede para que todos que acreditam que ela é a melhor escolha, votem nela, afinal, dessa forma, a candidata tem a chance de inclusive ir para o segundo turno das eleições. E que apenas em um segundo turno as pessoas votem naquele ou naquela que considerar “menos pior”. Iniciando uma nova temática na entrevista, o apresentador, retomando a fala de Luciana que mencionou sobre o grande apoio da juventude, e indaga a convidada sobre seu posicionamento em relação à legalização das drogas. Nesse momento, algumas risadas são ouvidas da plateia, Danilo não deixa a interação passar despercebida e comenta, “só de lembrar da erva, já estão rindo por aqui”. A plateia e a convidada riem e, em seguida, essa responde ser a favor da legalização da maconha. A candidata diz que a guerra às drogas falhou, e justifica que essa não é uma opinião pessoal dela, e sim de renomada revista econômica e até mesmo de ex-presidentes, como Fernando Henrique Cardoso, presidentes de outros países. Segundo Luciana, a guerra às drogas não funcionou, não diminuiu o uso ou a comercialização, apenas aumentou a violência e a corrupção.

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Interrompendo a última frase da convidada, Danilo pergunta “você é a favor de liberar todas [drogas]?”. A convidada defende que se deve liberar primeiro a maconha, depois ela corrige o termo utilizado e diz que o correto é descriminalizar e regulamentar o uso, e não liberar, e menciona e exemplifica o projeto de lei proposto pelo deputado Jean Wyllys, do PSOL do Rio de Janeiro. A candidata argumenta que é preciso colocar a maconha no mesmo patamar que outras drogas lícitas, e que seus danos devem ser divulgados e esclarecidos aos usuários, exatamente como é feito com o álcool e o cigarro. Luciana enfatiza que essa proposta não é fazer apologia ao uso das drogas, mas permitir que o problema seja abertamente debatido, e que os usuários sejam retirados das “garras” dos traficantes, que de acordo com a convidada, é através dos vendedores de drogas, que os viciados passam a consumir drogas mais fortes, como o crack, por exemplo. Com muita naturalidade, Gentili pergunta se a candidata já usou drogas. Ela, demonstrando a mesma calma que o apresentador, diz que faz uso de drogas legais, como o álcool, e que já fumou cigarros, mas que parou por fazer muito mal a sua garganta. Então, o apresentador é ainda mais direto na sua pergunta, questionando se Luciana já fez uso de drogas ilícitas, e mantendo a serenidade, a convidada conta que já fez uso de drogas ilegais na adolescência, mas que quando foi eleita deputada, com 23 anos, ela avaliou que não era mais correto, pois sendo uma parlamentar, não podia continuar utilizando, por ser considerada uma atitude ilegal. Danilo agradece a sinceridade de Luciana, dizendo que muitos outros negariam ou fugiriam da pergunta. Notamos que o questionamento sobre o uso das drogas é tratado espontaneamente pelo apresentador e a convidada, apesar de ser um assunto pessoal, não deixa de ser um interesse da população, visto o cargo pleiteado por ela. Além disso, se trata de uma pergunta que provavelmente não seria abordada por qualquer outro programa, contudo, o ambiente do “The Noite” e o tom que o apresentador utilizou permitiram uma conversa civilizada sem julgamento. Não deixando de ser uma boa oportunidade para Luciana, que pode se aproximar do público com sua sinceridade e se justificar frente a qualquer boato sobre esse tema que pudesse estar em discussão. Em seguida, Gentili passa a palavra para o baterista da banda do programa, o qual pediu para fazer uma pergunta. Bacalhau quer saber como seria o processo de descriminalização da maconha, questiona se o Estado que produziria e

52 comercializaria a droga, e caso não fosse feito desse modo, se não estaríamos facilitando para o narcotráfico, ou até mesmo injetando dinheiro nesse comércio. Luciana explica que será ao contrário, que a ação irá retirar a maconha do narcotraficante, de acordo com a proposta do Jean Wyllys, as pessoas poderão cultivar em casa e se organizar em clubes ou grupos de cultivo, isso de forma legalizada, regulada e tributada. Danilo comenta que geralmente a candidata e o partido dela são relacionados a temáticas, que apesar de estarem em debates, são consideradas secundárias, como a legalização do aborto, das drogas e do casamento gay. Por isso, ele gostaria de saber qual é a proposta para melhorar ou resolver a recessão financeira do país. Luciana inicia sua resposta informando que a principal agenda dela e de seu partido é a econômica, inclusive com a proposta da revolução tributária, um dos primeiros assuntos debatidos na entrevista. Porém, de acordo com a convidada, por ela ser uma dos poucos candidatos a discutirem abertamente esses assuntos, os jornalistas fazem sempre perguntas relacionadas a esses temas. O apresentador em tom provocativo comenta, “parece que você só quer falar sobre isso”, e Luciana responde: “não, ao contrário, o que eu mais quero falar é do debate econômico, e esse problema da recessão é muito grave, e tem uma explicação muito clara”. Então, a candidata descreve a retirada do capital no setor de produção e o investimento no mercado financeiro como uma das principais causas da recessão econômica no país. Num primeiro momento, o questionamento de Gentili pode parecer sem relevância e pouco polido, no entanto, ele expressou uma situação facilmente observada nas principais mídias e comentada nas mídias sociais. A provocação do apresentador oferece um espaço para que a candidata se defendesse e se apresentasse ao público, justificando a forma como geralmente é retratada pela imprensa. Ao fim da fala da convidada, o celular de Danilo, que está cronometrando o tempo de entrevista, soa um alarme indiscreto, uma música de axé, informando que dez minutos já se passarem, portanto eles estão no meio da entrevista, e ainda, que está na hora da pergunta do Roger, como havia sido mencionado ao longo das explicações no início do quadro. Então, o vocalista cumprimenta a candidata e a questiona.

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Você e seu partido apoiam o socialismo, né? Que é uma ideologia que já matou no mundo inteiro mais de 80 milhões de pessoas pelo menos. Apesar disso, tem muitos jovens, principalmente, ou tem alguns velhos também, babões, (risos), que acham alguma coisa meio romântica o socialismo e tal. E não praticam o socialismo, mas são os chamados da esquerda caviar, né? Você não se incomoda de ser associada a qualquer uma dessas ideologias?20

Luciana diz que incomodar sim, pois ela não se identifica com nenhuma dessas classificações, reforçando que o socialismo é uma ideologia muito generosa de igualdade, e não as ações realizadas por regimes ditatoriais que se diziam socialistas. Ela menciona também que o capitalismo também mata, sejam nas guerras, na fome, ou no desemprego. Na opinião da candidata não há modelo de sociedade a ser seguido, o país precisa construir seu próprio modelo com democracia e liberdade. Ao concluir a resposta, a convidada argumenta que o nome do partido dela não é apenas socialista e, sim, socialismo e liberdade, exatamente para se diferenciar de experiências totalitárias já ocorridas. Na réplica, Roger comenta que essa visão apresentada pela convidada é um tanto utópica, e que em uma guerra, pelo menos, os dois lados envolvidos estão matando. Na opinião do vocalista, o socialismo ou comunismo matou sim, e essas ideologias não funcionam sem ser de forma ditatorial. Na tréplica, Luciana argumenta que na prática ainda não vimos um sistema fielmente socialista, o que nós vimos até hoje foram distorções da ideologia do socialismo, e reforça que a ideologia do socialismo é generosa e prega a liberdade, e os regimes atuais ou antigos não servem de modelo. Já no início da resposta da convidada, Roger em tom irônico provoca, “ah é, a velha desculpa”. E antes de permitir que Danilo fizesse a próxima pergunta, Luciana comenta que ela é utópica, e que acredita que temos que acreditar na utopia, lutar para que ela se realize, caso contrário, viveríamos sempre conformados e não lutaríamos para melhorar. É muito comum não haver questionamentos sobre a ideologia dos partidos que os candidatos estão filiados, portanto a pergunta realizada por Roger é um diferencial e muito importante. Mesmo que o debate tenha sido um tanto quanto tenso, serviu para que ambas as partes expressassem e justificassem suas opiniões, incentivando o público a se informar e refletir sobre a questão.

20Disponível emhttps://www.youtube.com/watch?v=PBXeEe4KURM. Acessado em 19/03/2015.

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Ao realizar a próxima pergunta, Gentili inicia falando sobre os sistemas socialistas de Cuba, China, Camboja, e afirma que eles seguiram o teórico Marx. Luciana imediatamente diz que não é verdade, que se Marx ouvisse isso, se reviraria no caixão, e que ele foi interpretado erroneamente. Então, Danilo, em tom de brincadeira diz “mas não acertaram uma, hein? Que sujeito ruim para se comunicar. Não acertaram uma hein? O pessoal sempre interpreta ele [Marx] errado”. Luciana questiona Gentili, “e o capitalismo, tu acha que acertou alguma?”. Danilo responde que acertou bem mais. A candidata argumenta que o apresentador pensa assim, pois ele está em uma posição privilegiada, e o desafia a ter esse mesmo pensamento se ele estive na ocupação que ela visitou naquele mesmo dia. Segundo ela, ele falaria que o capitalismo falhou também. Danilo diz que a diferença que se fosse um sistema comunista, o pessoal não estaria ocupando o prédio e sim sendo fuzilado lá. A convidada volta a dizer que isso não é comunismo, e que se o apresentador estudasse mais, conheceria mais sobre o assunto. Neste momento, a plateia interage com gritos de “uhhh”, pela resposta direta que Luciana deu ao apresentador. O ambiente proposto pelo programa oferece uma discussão mais aberta, como observamos no trecho acima, onde convidado e apresentador parecem estar num mesmo patamar, ou seja, ao mesmo tempo em que Danilo pode e faz perguntas ácidas e críticas, ele fica sujeito a respostas e questionamentos igualmente diretos. Danilo faz uma breve pausa devido à interação da plateia, e chama novamente o baterista, que pediu para fazer uma pergunta para a convidada. Bacalhau relembra as manifestações de junho de 2014, onde alguns partidos políticos levantaram suas bandeiras e a população pediu que as abaixassem, defendendo se tratar de um movimento apartidário. Logo em seguida vieram os conflitos relacionados aos Black Blocs, de acordo com o baterista, Marcelo Freixo, deputado estadual fluminense pelo PSOL, teria apoiado os Black Blocs. Por fim, ele pergunta para a candidata o que ela tem a dizer sobre o cenário que ele descreveu. Luciana responde que Bacalhau está totalmente mal informado, que nem Marcelo Freixo, nem qualquer outro integrante de seu partido apoiaram os Black Blocs. Nesse momento, eles discordam das informações, cada um garantindo que em qualquer pesquisa simples em sites de buscas da internet, encontraríamos notícias que confirmaria o posicionamento de cada um.

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Em seguida, a convidada reitera que ela e seu partido são contrários ao movimento, o qual gera um conflito desproporcional com a polícia, ferindo muitas pessoas. A candidata ainda crítica o que ela chamou de Black Blocs institucionalizados, e exemplificou-os como os políticos envolvidos no escândalo de corrupção da Petrobrás, ou ainda, o senador que andou com o avião repleto de cocaína. Ela afirma que a mídia dá muito mais atenção para “meia dúzia” de Black Blocs, e se esquece dos institucionalizados que também estão depredando o patrimônio público. Dando sequência a entrevista, Danilo traz o dado de que o Brasil tem cerca de sessenta mil assassinatos por ano, que é um dos recordistas no mundo, e pergunta quais seriam as ações da candidata para diminuir essa estatística. Luciana diz que primeiro finalizaria a guerra às drogas, que segundo ela é uma das principais causadoras desses assassinatos, seja devido a confrontos entre os próprios traficantes ou entre traficantes e a polícia. Outra ação seria mudar a polícia, de acordo com a candidata, a polícia é a culpada de muitos desses assassinatos, isso porque ela é militarizada, uma polícia que trabalha com uma lógica de guerra. Luciana ressalta que não é culpa do policial individual, afinal, ele foi treinado desta forma, por isso é necessário uma reestruturação do sistema policial. E por fim, ela propõe melhores condições de trabalho para os policiais, dizendo ser uma vergonha os salários deles, considerando que eles põem sua vida em risco, e às vezes nem têm equipamentos para enfrentar as ruas perigosas. Danilo diz que gostaria de ficar muito tempo mais conversando com a candidata, mas que o TSE o obriga a seguir as regras, portanto, eles só têm mais um minuto e meio de entrevista. E propõe para a candidata perguntas ping-pong e pede que ela responda com apenas uma palavra se possível, com o seguinte diálogo: (Danilo Gentili) – Qual é sua maior qualidade? (Luciana Genro) – Sinceridade. (Danilo Gentili) – Seu maior defeito? (Luciana Genro) – Sinceridade. (Danilo Gentili) – Qual é a maior palavra que você conhece? É muito importante essa pergunta. (Luciana Genro) – Inconstitucionalissimamente. (Danilo Gentili) – Ok. Uma cidade?

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(Luciana Genro) – Qualquer cidade? Porto Alegre. (Danilo Gentili) – Um Estado? (Luciana Genro) – Rio Grande do Sul. (Danilo Gentili) – Uma cor? (Luciana Genro) – Vermelho. (Danilo Gentili) – Minha sogra é...? (Luciana Genro) – Legal. Já “tá” falecida. (Danilo Gentili) – Ok. Seu compositor favorito? (Luciana Genro) – Caetano. (Danilo Gentili) – Isso é importante. Uísque ou água de coco? (Luciana Genro) – Dá para ser espumante? (Danilo Gentili) – Ok. Você preferia ser o que: um carimbo ou uma tomada de três pinos do padrão brasileiro? (Luciana Genro) – Acho que um carimbo. (Danilo Gentili) – Como você preferia morrer: caindo de um abismo ou pisando em uma tartaruga? (Luciana Genro) – (risos) Tem como morrer pisando em uma tartaruga?

Para finalizar o tempo previsto para a entrevista, Gentili desafia a convidada a utilizar os trinta segundo finais para contar uma piada para o povo brasileiro, já que se trata de um programa de humor. Luciana diz que como ela não sabe contar piada, ela utilizará esse tempo para pedir o voto do eleitor. Danilo não perde a chance e comenta que pedir o voto para o público não deixa de ser uma piada. A plateia ri e aplaude o comentário. A piada final do apresentador pode ser interpretada como indelicada ou ríspida. No entanto, ela deve ser compreendida como uma crítica geral à classe política, devido à realidade vivida no país. Inúmeros casos de corrupção e má gestão incluindo praticamente todos os partidos resultaram em um senso comum de ceticismo e descrença com a classe política. Não estamos afirmando que está correto generalizar todos os integrantes dessa classe, mas entendemos que é compreensível que isso ocorra visto o contexto político do país. Ao dizer que pedir o voto e contar uma piada é praticamente a mesma coisa, Gentili está criticando aqueles que fazem inúmeras promessas no período de campanha e não as cumpre após serem eleitos.

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Durante a interação do público presente, o tempo previsto para a candidata falar se esgota, e o alarme do celular toca novamente, desta vez com uma música de axé. Luciana diz que não foi justo, pois ela não teve chance de falar, então Danilo brinca que ela precisa entrar no TSE para eles o multarem devido a isso, ri e diz que dará mais trinta segundos. Ela direciona sua fala ao público jovem, dizendo que é possível sim ter uma saúde de qualidade, uma educação de qualidade, que é preciso acreditar, e que é para isso que ela quer ser presidente do Brasil. Danilo agradece a convidada, deseja boa sorte na campanha e encerra a entrevista.

5.3 Entrevista com líderes religiosos

No programa de véspera de Natal, Gentili entrevista três líderes religiosos: Padre Antônio Maria, da Igreja Católica Apostólica Romana, o Pastor Ed René da Igreja Batista e o Padre Basílio, da Igreja Ortodoxa Grega, em uma conversa que dura quase trinta e cinco minutos. O apresentador recebe seus convidados em uma mesa de ceia, com comidas reais que são servidas ao longo da conversa, também integram a mesa os humoristas Léo Lins, Murilo Couto e Diguinho, que está fantasiado de árvore de natal. Assim que os convidados entram e se acomodam, Danilo agradece a presença deles no programa, que segundo Gentili, é “um recinto de pecadores”, e pede que um a um se apresente e fale representante de qual igreja é. Após as apresentações, Gentili inicia sua fala dizendo que é Natal, e que a história acabou separando, mas que de certa forma eles estavam conseguindo unir. E a primeira pergunta feita aos convidados é se Jesus Cristo realmente nasceu no dia 25 de dezembro, como tradicionalmente comemoramos. O padre Antônio Maria, da Igreja Católica é o primeiro a responder, dizendo que ele acredita que Jesus não tenha nascido exatamente no dia 25 de dezembro, pois há uma passagem na bíblia que comenta que os pastores estavam no campo, e neste período na cidade onde Jesus nasceu estaria muito frio, por isso não deve ter sido realmente no dia 25 de dezembro. No entanto, o padre explica que a história nos conta que essa data foi escolhida, pois, os romanos celebravam o deus sol, então achou-se apropriado comemorar na mesma data o nascimento de Jesus, afinal, nas palavras do

58 convidado, celebramos a luz que sua chegada nos trouxe. Em seguida, ele se vira para o padre Basílio e o questiona, “é mais ou menos isso, padre?”, Basílio concorda. Então, Gentili pergunta ao pastor, “é mais ou menos isso?”, e o pastor Ed René confirma e acrescenta que já era costume a troca de presentes. O encontro de três líderes religiosos em véspera de Natal já é por sim só um diferencial que os moldes do programa proporciona. Além disso, o questionamento sobre temáticas pontuais do evento festivo que é o Natal para religiões do cristianismo garantem o interesse de até quem não é religioso. Afinal, independente do posicionamento pessoal, é inegável que religião e a história da sociedade caminharam sempre juntas, portanto, debater sobre aquela se faz necessário. Outra característica desse encontro é a harmonia e o respeito mútuo com que conversam os representantes de três diferentes religiões, incentivando um diálogo pacífico. Aproveitando que está se referindo ao pastor, Danilo o questiona se para os protestantes, o Natal é a data mais importante do calendário religioso. Um pouco envergonhado, o pastor Ed René diz que não quer se desfazer da ceia que está diante deles. Nesse momento, ele é incentivado pelo apresentador a não se preocupar e ser sincero em sua fala, mas o pastor acredita que a data mais importante é a Páscoa, a qual representa a ressurreição de Cristo. Portanto, sem esse marco não haveria razões para a fé. Virando para os outros dois convidados, Gentili pergunta se eles concordam, e ambos afirmam que sim. Juliana interrompe pedindo licença aos convidados para servir o jantar, faz o prato de todos que estão compondo a mesa, enquanto Léo Lins aproveita a pausa na entrevista para fazer uma piada, dizendo que a mesa está parecendo um jogo de xadrez, já que tem um bispo, a torre, referindo-se ao Diguinho fantasiado e uma rainha, apontando para o Danilo. Todos riem. Seguindo com a conversa, o apresentador pede que o padre da Igreja Ortodoxa Grega explique como é realizada a comemoração do Natal para eles. Então, o Padre Basílio responde que os costumes são muito parecidos com a Igreja Católica, eles se preparam quarenta dias antes, as famílias se reúnem na ceia, não falta o panetone e nem o peru, a única diferença é que também são servidas comidas tipicamente gregas. Gentili o questiona sobre o presépio, e o padre responde que eles têm um presépio, só que ele não é constituído por várias estátuas como o católico, lá, eles têm um ícone que representa Jesus, Maria, José, os pastores, os anjos, os reis.

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Em seguida, olhando para o padre Antônio Maria, o apresentador pergunta qual é a tradição mais emblemática de Natal para os católicos. E o padre responde que na opinião dele, é a famosa Missa do Galo, e entrando no clima descontraído do programa, o convidado arrisca uma piada, “quando o padre Basílio falava sobre o peru, eu lembrei que é uma grande injustiça que se comete no Natal é que quem morre é o peru, mas a missa é do galo”. Todos riem e a plateia aplaude. Então, o padre finaliza sua resposta, dizendo que o presépio é muito importante na preparação para os católicos, como outras orações e cantos, similar a Igreja Ortodoxa Grega. Nesse momento, Danilo compartilha que na família dele existe a tradição de um falar mal da roupa do outro escondido, ou seja, ao mesmo tempo em que o apresentador faz uma brincadeira, ele também critica e faz pensar sobre um hábito provavelmente comum em reuniões familiares. Depois da brincadeira, Gentili pergunta ao pastor quais são as tradições de Natal dos protestantes, Ed René responde que a Igreja Batista é possivelmente a menos iconográfica, e que a ênfase é no conceito e no conteúdo, com foco na própria pessoa de Jesus. Uma tradição muito comum às Igrejas Protestantes é a celebração do dia 24 de dezembro, com música, louvor e contemplação a Deus. Após a resposta do pastor, Danilo parece esboçar uma pergunta importantíssima, no entanto, ele quer saber o porquê da Juliana ter servido todo mundo, menos ele. Aproveitando a deixa, Diguinho pede que a ajudante de palco sirva a carne também e não arroz puro, Juliana responde que ela é uma só. Léo Lins pede para fazer uma pergunta, ele quer saber qual é o horário que a Missa do Galo é realizada, já que antigamente acompanhava-se o horário oficial do Vaticano, a meia noite, e ao ouvir que esse costume mudou, o humorista conclui, “porque quando é meia noite no Vaticano, no Acre o galo ainda é um pintinho, né? Ainda nem cresceu”. Em meio as risadas dos convidados e da plateia, Gentili aproveita a temática e indaga sobre o horário oficial da Missa do Galo. O padre Antônio Maria é quem responde e explica que não existe mais um horário oficial, antes se esperava dar meia noite na Itália, mas que atualmente, isso não ocorre mais. Continuando a entrevista, o apresentador questiona aos convidados sobre as atividades sociais que ocorrem juntamente com os feriados religiosos católicos cristãos, como por exemplo, a presença do “papai Noel” no Natal, data que se celebra o aniversário de Jesus, ou do “coelhinho da páscoa”, que comemora a

60 ressurreição de Cristo. Indagando porque outras religiões como o islamismo ou judaísmo não permitem que ocorra essa concorrência de personagens capitalistas com datas religiosas, como no cristianismo. Quem responde dessa vez é o pastor Ed René, que conta que a origem da história do “papai Noel” começou com um bispo religioso, São Nicolau, que distribuía presentes para crianças pobres, retornando a humildade da manjedoura, a humildade do menino Jesus. Para responder a segunda pergunta de Danilo, o pastor comenta que todos os sacerdotes que estão na mesa pertencem a uma mesma religião, que é o cristianismo, apesar de terem certas diferenças, e o cristianismo é a religião mais ocidentalizada de todas, e por apresentar uma índole de expansão, é a mais contaminada por tudo que o ocidente trouxe. Dando sequência a temática, Danilo mostra a imagem que o padre Basílio trouxe: a figura de um senhor com barba e cabelos brancos, que segundo o convidado é o verdadeiro do “papai Noel”. Aproveitando a oportunidade, o padre Antônio Maria presenteia o apresentador com uma imagem do menino Jesus sendo adorado e zelado pelo “bom velhinho”, o padre conta que gosta muito dessa representação, já que parece que o “papai Noel” está se rendendo ao menino. Antônio Maria confessa que existe uma competição entre o bom velhinho do capitalismo e o real sentido das comemorações de Natal e que ele próprio já acreditou no “papai Noel”. Nesse momento, Danilo fica surpreso e questiona se o padre Basílio acreditava também, o padre diz que sim, e que atualmente, avô de quatro netos, eles é o “papai Noel” da família. O apresentador faz uma crítica e até mesmo uma provocação ao mencionar os personagens do capitalismo que concorrem com as datas religiosas festivas. Além disso, Danilo permite que os convidados se sintam a vontade e se aproximem do público ao compartilharem o fato de já terem acreditado em “papai Noel”, ou ainda, que na própria família eles se vestem de “papai Noel”. Isso contribui para um ambiente de confiança e só agregar nos resultados da entrevista. Gentili agradece o presente, e pergunta ao pastor se ele é casado, o pastor diz que sim e que tem dois filhos, então o apresentador pergunta ao padre Basílio se é permitido casar na igreja ortodoxa, ele explica que um padre não pode casar, mas se um homem já for casado ele pode se tornar padre. Em seguida, Danilo questiona ao padre da Igreja Católica, “por que só os católicos, só o sacerdote católico tem o privilégio de não se casar?”, e dá uma gargalhada, o padre também ri e explica que

61 o entendimento da igreja que ele participa é que Deus merece uma entrega maior. Na sequência, o padre Antônio Maria conta como foi o processo que o ordenou padre. Dando continuidade a entrevista, Danilo comenta que o Papa Francisco parece ser reformista, e questionando se o padre Antônio Maria acredita que ele possa permitir um dia o casamento de padres, o convidado responde que de qualquer forma sempre haverá os que não vão casar, mas que realmente pode acontecer que um dia seja liberado. Rapidamente se virando ao pastor, o apresentador pergunta se existem pastoras, Ed René responde que sim, que há um número crescente de pastoras, pois na Igreja Protestante não se tem a cultura do clero, a realidade deles coloca Jesus Cristo como o único mediador, desta forma Ele é o sacerdote universal da humanidade, e cada um é sacerdote de si mesmo. Segundo o pastor, essa é uma das marcas registradas da reforma protestante, o fato de não existir hierarquia. Danilo pergunta quem consagra alguém pastor, Ed René responde que geralmente é a comunidade local que o faz. Gentili questiona se na igreja que o padre Basílio pertence pode ter “padra”, um neologismo que se refere a uma mulher exercendo as funções de um padre. O representante da Igreja Ortodoxa Grega informa que não é permitido, até o ano 1.500existiam diaconisas, mas hoje em dia têm apenas monjas. Danilo provoca o convidado e pergunta se ele acha que o apresentador é meio ignorante por falar “padra”, o padre, sem perder o jogo de cintura diz que não, que o termo é bem pedagógico. Os dois riem. Ainda conversando com o representante da Igreja Ortodoxa Grega, Gentili questiona se é verdade que o convidado foi o primeiro brasileiro a ser ordenado padre da Ortodoxa Grega, e o padre confirma que sim. Então, o apresentador pergunta por que ele usa esse chapéu, e o convidado, tirando o chapéu da cabeça, brinca dizendo que não é para tirar nenhum pombo dali de dentro, apenas que é um chapéu eclesiástico, que padres e monges usam, “uma cartola muito simpática que chama-se kamilávchion, aquilo que cobre a cabeça”. Com um tom de brincadeira, mas também provocativo, Danilo pergunta aos convidados se não existem rixas ou competições entre os costumes e tradições das igrejas, os padres e o pastor desconversam, dizem que não. O apresentador então tenta outra abordagem, indagando-os se um dia as igrejas cristãs poderão se unir, ou se essa diferença entre elas é até saudável. O pastor responde que é possível sim que haja uma aproximação, mas não uma unificação. E a aproximação nada

62 mais é do que eles estão realizando no programa, todos sentados à mesa, conversando e compartilhando suas crenças, respeitando e valorizando as diferenças. Gentili pergunta ao pastor se não é mais ou menos isso que acontece nas igrejas protestantes, cada uma com sua denominação evangélica, “uma tem o costume de usar saia, ou de usar o sovaco peludo”, rindo o pastor diz que até gostaria que fosse, porém, na opinião dele, a igreja evangélica está vivendo um momento oposto do catolicismo romano, o qual tem no Papa Francisco, nas palavras do convidado, “uma figura conciliadora”. De acordo com a análise que o pastor Ed René faz, a Igreja Evangélica caminha para a segregação e não união, “eu gostaria que no espírito do Natal a Igreja Evangélica também prestasse atenção no príncipe da paz”. A plateia aplaude a sinceridade na resposta do pastor e o apresentador questiona se não falta uma figura centralizadora, como o papa, para os protestantes. Ed René reforça a ideia que a Igreja Evangélica apresenta é que Jesus é o único mediador, e explica que a Igreja Católica foi construída sob o preceito da unidade, já a reforma protestante foi edificada sob o princípio da verdade, isso justifica as diferenças entre elas. Contudo, o pastor conclui que dos dois lados se tem ônus e bônus, “e eu estou muito confortável no ônus do meu lado protestante e o bônus que a minha liberdade me traz”, comenta. A sinceridade com a qual o convidado responde a pergunta de Danilo, sem ofender os ideais dos outros convidados, enriquece a entrevista, e permite que ela seja realmente esclarecedora. Visivelmente, não parece que o apresentador está tendo dificuldades para conduzir a entrevista, pois os convidados estão totalmente abertos a discussão e o debate. Contudo, não podemos tirar o mérito das perguntas de Gentili, as quais são objetivas e se parecem com “verdades” não mencionadas, ou seja, são questionamentos do censo comum, mas que geralmente não são verbalizados, ou pelo menos, não são debatidos diretamente. Após a fala do pastor, Diguinho pergunta para o Danilo se na hora de servir o peru, ele pode ficar com a coxa, o apresentador manda a Juliana levar o peru inteiro para o locutor e dá continuidade a entrevista. Desta vez, se referindo aos padres, Gentili os questiona se eles acreditam que possa haver uma aproximação entre as igrejas que eles representam, para argumentar sua questão, ele mostra a imagem do papa Francisco, representante da Igreja Católica Romana de mãos dadas com o representante da Católica Grega, patriarca Bartolomeu, dando a entender que existe

63 uma conversa de aproximação entre ambas. Padre Basílio responde que sim, que ele acredita numa possível aproximação, contudo, ressalta que não ocorrerá de forma tão simplista como tem sido mostrado, visto que são mil anos de separação devido a temáticas sérias. Além disso, a Igreja Ortodoxa apresenta vários patriarcas, portanto, para que se aconteça a aproximação, precisará haver um consenso entre Igrejas. O padre Antônio Maria crê que é um desejo de Jesus que todos sejam um, ou seja, que as igrejas se unam, mas com as diferenças também, afinal existem diferenças externas, como por exemplo, o chapéu, e certos pontos doutrinais diferem, mas no amor eles precisam ser iguais. O padre ainda diz que está muito feliz pelo convite de Danilo e a oportunidade dos três sacerdotes estarem juntos conversando. A plateia aplaude e Gentili agradece e informa que da próxima vez será melhor, pois ele não chamará o Diguinho. Os convidados riem. Ao trazer fatos noticiosos para o debate, Danilo se aproxima da linha jornalística, demonstra a realização de uma prévia pesquisa e oferecendo um espaço para debate e reflexão do acontecimento. Murilo Couto pede para fazer uma pergunta, ele explica aos convidados que ele é ateu, pois não consegue acreditar que uma criança surgiu em Maria sem relações sexuais, portanto, a lógica dele não permite que ele acredite. Mas de qualquer forma, o humorista gostaria de saber se pelo fato dele não acreditar, ele pode acabar indo para o inferno. Em meio a risadas, Danilo incentiva a pergunta, dizendo que devem ter vários ateus assistindo o programa e que o questionamento é pertinente. Após um breve silêncio entre os convidados, Padre Antônio Maria sugere que o pastor responda. Esboçando um sorriso, Ed René diz que não está surpreso pela pergunta, ele imaginava que seria feita, e explica que se alguém perguntasse para ele se ele realmente acredita que a virgem Maria engravidou “do nada”, ele responderia que sim, pois ele crê em um absurdo maior, que é Deus, portanto, outros absurdos menores que a nossa razão não nos permite compreender não é uma dificuldade para ele. Por fim, o pastor disse que rezará por ele. A plateia aplaude e Murilo agradece. Em seguida, Roger pede para fazer um comentário, Danilo pede a atenção de todos, afinal, é um momento importante, “papai Noel” fará uma pergunta, se referindo ao vocalista que está vestido como tal, assim como toda a banda que está

64 em trajes natalinos. Rindo, o Roger diz que Murilo não é totalmente descrente, pois ele acredita que se alguém passar por cima dele enquanto ele estiver deitado, a mãe dele morre. Todos riem, e Danilo questiona, “você falou que está com medo de ir pro inferno, se não existe, está com medo de que?”. Imediatamente, Murilo responde, “eu tenho medo de estar errado. Se eu estiver errado, estou lascado, „cumpadi‟”. Nesse momento, o pastor aproveita para contar que existe uma teoria sobre isso, que diz que é melhor acreditar em Deus, pois, se Ele não existir, quando você falecer, nada vai acontecer. Se Ele existir, você está bem, afinal, você acreditou. Porém, se você não acreditar e Ele existir, na hora que você morrer, você está lascado. Couto, então, diz que está confuso, perguntando em qual Deus ele deve acreditar, e o pastor responde, “o Blaise Pascal [teólogo francês] fala, é a teoria do infinito zero, toda vez que você aposta no infinito, você perde”, e, conclui, “então, racional e logicamente, você tem uma boa razão para crer, mas não adianta, porque a fé não tem nada a ver com „boa razão para crer‟, tem a ver com a experiência lá do fundo da alma, do coração, ou, seja lá o que for”. Mesmo com tom humorístico, o questionamento de Murilo representa considerável parcela da população que não acredita em Deus, ou ainda, aqueles que acreditam, mas que mesmo assim vivem com certas dúvidas. O fato de eles levarem a sério perguntas incomuns ou até mesmo brincadeiras assegura que em algum momento boa parte do público se sinta representada na entrevista, o que garante a audiência. Por fim, Danilo comenta que até aquele momento na entrevista, eles debateram sobre as diferenças entre as igrejas, e propõe que agora falem sobre as semelhanças, e pede que cada um deles dê sua benção aos telespectadores. Interrompendo a conversa, Diguinho, segurando uma coxa de peru, pergunta se o apresentador quer um pedaço, Danilo responde que não, que é para o locutor ficar calmo, pois logo será servida a sobremesa. Retornando a sua sugestão, Gentili pede que o Padre Basílio dê início às bênçãos.

Que Deus todo poderoso, o Deus de Belém. Aqui nesse momento é a Belém, que Ele nos abençoe e nos guarde, dando-nos a paz, que somente Ele pode nos dar. Enquanto nos, também, com os anjos e com os pastores digamos: glória a Deus nas alturas. E que venha o quanto antes a paz para a Terra, para o mundo, amém21.

21 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=9NX-nHh0b9E. Acessado em 22/03/2015

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Antes de dar sua bênção, o padre Antônio Maria pede para colocar a estola, que segundo o convidado é um símbolo do poder que Deus deu aos sacerdotes, e também, um símbolo de que o julgo é suave, é leve, afirmando que ele é apenas um instrumento de Deus.

E eu, te louvo e te bendito Senhor, por estar aqui, neste programa, o “The Noite” com o nosso Danilo Gentili, que é um menino muito gentil. Obrigado pelo convite. E te louvo, Senhor, e te bem digo por todos os irmãos que nesse momento estão unidos a nós, e que rezam e que pedem a tua benção. E que pela minha mão sacerdotal, Senhor, e pela interseção de tua e nossa mãe, Jesus, venha sobre todos nós, sobre o Danilo, sobre a produção deste programa, sobre todo o SBT, sobre todo o Brasil, sobre todas as famílias, especialmente aqueles que choram e que sofrem, que se sentem sós nesta noite, venha a tua benção, Senhor, e permaneça sempre. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém.

A plateia aplaude, e Danilo passa a palavra ao pastor Ed René.

Que o Deus que se fez homem, menino e Jesus de Nazaré, que Jesus Cristo, príncipe da paz, abençoe o nosso Brasil, abençoe a cada um que nos assiste nessa noite, a cada família. Que derrame a paz sobre o nosso Brasil e que faça desse país, um país onde a justiça corre como um rio, e a equidade como um ribeiro perene. E que a benção dos apóstolos encontre cada um de nós. Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus, nosso Pai, e as consolações do Espírito Santo de Deus sejam com todos nós, hoje e sempre, amém.

Danilo agradece aos convidados, deseja um feliz Natal aos telespectadores e suas famílias, e anuncia a atração do próximo bloco. Em seguida podemos constatar os dados quantitativos da entrevista descrita acima.

Tabela 3 – Análise quantitativa da entrevista com líderes religiosos Quantas entrevistas tiveram no dia 1 Duração da entrevista analisada 34min e 50s Total de perguntas 27 Perguntas jornalísticas 24 Perguntas humorísticas 3 Fonte: elaborada pela autora.

De todas as entrevistas analisadas, essa é a que apresentou maior duração de tempo. E, novamente, os questionamentos jornalísticos foram a maioria, 24

66 perguntas, o que representa aproximadamente 89% do programa focado em temáticas relevantes e sérias. Isso, sem deixar de oferecer uma conversa leve com muitas informações.

5.4 Entrevista com Cafu

No dia 6 de agosto de 2014, o convidado do quadro de entrevista do “The Noite” foi o ex-jogador pentacampeão Cafu22, a conversa teve duração de um pouco mais de vinte e dois minutos. Os números dessa entrevista refletem o caráter mais ameno, porém, não menos informativo e sério, do jornalismo esportivo.

Tabela 4 – Análise quantitativa da entrevista com Cafu Quantas entrevistas tiveram no dia 1 Duração da entrevista analisada 22 min. e 23 seg. Total de perguntas 31 Perguntas jornalísticas 23 Perguntas humorísticas 8 Fonte: elaborada pela autora.

Do total de 31 perguntas ao longo da conversa, apenas 8 delas apresentavam conotação humorística, o que não impediu que convidado e apresentador entrassem nas mais diversas temáticas relacionada ao futebol brasileiro e mundial, oferecendo informação e crítica aos telespectadores. Assim que o jogador entrou no palco, a plateia o recebeu cantando um hino de torcida, comum dos estágios, que elogia o jogador e provoca os torcedores argentinos. Então Danilo pergunta o que o Cafu achou da recepção calorosa do público presente, o jogador ri e em tom irônico diz que achou muito legal que todo mundo come “chuchu”, fazendo uma rima com a real palavra utilizada na música pela plateia. Os dois dão risada, Gentili agradece a participação do jogador e pergunta sobre a fundação que ele tem. Cafu orgulhosamente começa a contar sobre o projeto que existe há dez anos e que atende 750 crianças. O pentacampeão ressalta que não é uma escolinha de futebol, e sim uma iniciativa com o objetivo de inclusão

22 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=9mqPWAyp3bQ. Acessado em 25/03/2015

67 social, com cursos profissionalizantes, cursos de inglês, de informática. Danilo pergunta se ele poderia ir lá fazer o curso de inglês, Cafu ri e diz que pode, e que ele faz questão que o apresentador conheça a fundação de perto, garantindo que pelo menos “bom dia” em inglês as crianças vão falar. Gentili questiona se o projeto oferece aulas de português, o jogador responde que ainda não, mas que em breve terá, o apresentador explica o porquê da pergunta, “aqui, não sei se você sabe, estão fazendo uma vigilância acirrada em cima do meu português, a dona Irene está lá”, apontando para um canto do palco onde tem um cenário imitando uma sala de aula, com o quadro negro e a mesa do professor. Na mesa, está sentada a professora dona Irene, responsável por corrigir a fala do apresentador. Quando ele fala errado, ela aperta um botão que fica em cima da mesa e dá um choque no Danilo, como forma de punição pelo erro. Na lousa está escrita a seguinte frase: “vamos deixar de ser analfabetos?”. Após o esclarecimento da brincadeira, Danilo convida o público e os telespectadores para assistir um vídeo da fundação. É exibido um trecho do vídeo institucional do projeto, o qual é narrado pelo Cafu, e tem legendas em inglês, conta desde quando existe a iniciativa, as atividades oferecidas, o número de jovens e adultos atendidos nos cursos profissionalizantes. Ao voltar para o estúdio, e depois de ter uma leve discussão com o locutor Diguinho sobre a palavra errado falada por Danilo e o fato dele não ter levado o choque. O apresentador pergunta ao convidado como alguém pode se voluntariar na fundação, Cafu indica o site da fundação e diz que todas as regras de como ajudar estão lá. Então, Gentili questiona se é verdade que eles não têm dificuldade em encontrar voluntários, o jogador afirma que sim, e conta que o grande problema, não apenas deles, mas de todas as fundações sem fins lucrativos, é com o dinheiro, que por várias vezes eles chegam ao fim do mês com dinheiro apertado. Em seguida, o apresentador pergunta como patrocinadores podem colaborar, Cafu fala novamente o site e diz que todos que puderem ajudar serão muito bem recebidos. Nesse momento, a plateia aplaude intensamente a fala e a iniciativa do jogador. Apesar de notarmos clara publicidade da fundação do jogador, devemos considerar o fato de ser sem fins lucrativos, portanto, podemos concluir que esse início da entrevista pode ser classificado como um serviço social, umas das funções do Jornalismo.

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Em seguida, Danilo indaga se o jogador já chegou a se emocionar com as histórias de participantes da fundação, Cafu responde que chorou várias vezes com os relatos. O apresentador se diz impressionado em ouvir que o jogador já tenha chorado com essas histórias, lembrando que quando ele era capitão do pentacampeonato mundial e levantou a taça, um momento tão emblemático, ele não se emocionou. Cafu diz que é verdade que é difícil ele chorar, mas que, por exemplo, uma vez, umas das crianças atendidas pelo projeto era filho de um amigo da época de escola do jogador, e que infelizmente já havia morrido. Segundo o jogador, o relato sobre o que o menino passou fez o jogador chorar, entre tantas outras histórias. Gentili volta a falar da seleção, mencionando como foram vitoriosos os últimos anos que Cafu jogou representando o país. O capitão concorda, diz que foi uma “época de ouro”, na qual eles ganharam praticamente tudo, e lista os campeonatos conquistados pela equipe. O apresentador comenta a competência da seleção Alemã na última copa, realizada no Brasil. Lembrando que eles vieram para cá, construíram centro de treinamento e fizeram de tudo para vencer a copa. Se aproximando do convidado, Gentili pergunta, “é culpa sua? Pelo o que você fez com eles”, os alemães vieram para o Brasil com a ideia de, “nós vamos se vingá, nós vamos se vingá”, referindo-se à copa de 2002, na qual o Brasil foi pentacampeão jogando na Alemanha, contra a seleção da casa. Ainda ao longo da fala de Danilo, ele recebe um choque da professora, assustado ele pergunta o que falou de errado, e Cafu o responde, “nos vamos „se vingá‟, eu acho, deve ser isso”, olhando para a professora, que rindo faz movimento de positivo com a cabeça. Todos riem, o apresentador tenta se explicar, dizendo que não era ele próprio falando, e sim um personagem alemão, e brinca, “você quer o quê? Que o alemão saiba falar português”. Então o Diguinho chama o Danilo e diz “aqui é 100% dona Irene”, fazendo uma brincadeira com a frase que convidado escreveu em seu uniforme antes de levantar a taça de campeão, “100% Jardim Irene”, homenagem à comunidade que o jogador nasceu. Todos aplaudem. Voltando à entrevista, Danilo pede desculpas ao jogador, e deixa que ele siga com a resposta. Cafu diz que acha que foi com esse pensamento mesmo que eles vieram. O apresentador provoca: “então foi culpa sua”, o jogador rebate, “foi culpa nossa, todos nós ganhamos aquela copa”. E conclui que desde aquela copa, em 2002, o time da Alemanha sofreu poucas mudanças, portanto, eles tiveram tempo de

69 se preparar, de treinar, de deixar os jogadores adaptados uns com os outros. Mesmo com a derrota em 2006, não houve mudança de treinador, então, segundo o convidado, só poderia dar nisso mesmo: campeão mundial. Imediatamente, Gentili questiona se foi por causa disso que o convidado criticou a saída do Mano, treinador da seleção brasileira entre 2010 e 2012, para a entrada de Felipão, treinador do pentacampeonato e que voltou a treinar a seleção no fim de 2012. Cafu responde que sim, que na opinião dele, não era o momento de tirar o Mano da seleção, pois o treinador já havia implantado seu sistema tático, os jogadores estavam entrosados, ou seja, estava na fase de começar a colher os frutos do trabalho, com a mudança de técnicos, esse processo foi interrompido, e qualquer treinador novo que chegasse não teria tempo hábil de reorganizar o time para o campeonato seguinte. Aproveitando-se das respostas objetivas e sem rodeios do convidado, Danilo intercala fatos presentes e notícias passadas para refletir sobre a seleção brasileira. Oferecendo total liberdade para Cafu se expressar, comentar e criticar os acontecimentos vividos nos últimos anos pela seleção. Danilo pergunta “por que eles fazem isso?”, e seriamente o jogador responde que isso acontece porque eles não têm respeito pelos treinadores brasileiros, pois, fizeram isso com o Mano, com o Felipão e que pode ocorrer o mesmo com o Dunga, atual treinador da seleção. Cafu defende que os treinadores devem ter mais tempo e condições de trabalhar o time. O apresentador comenta que existe um boato sobre convidar um treinador de outro país para dirigir a seleção, e questiona qual é a opinião do convidado sobre isso, se essa possibilidade o agrada. Sem demora, o jogador responde enfático, “não!”, e explica seu posicionamento dizendo que a partir do momento que se traz alguém de fora, será dado pelo menos quatro anos para o treinador trabalhar com a equipe, então, por que não permitir que um treinador brasileiro tenha esse tempo para trabalhar. Cafu tem certeza que se fosse dada essa oportunidade, um treinador brasileiro fará um grande time. Danilo pergunta quais são os interesses por de trás dessas demissões em série, “se é politicagem, interesse, burrice, é o que?”. O convidado, muito direto, responde que é falta de personalidade, de coragem em bancar o treinador mesmo em momento de crises. De acordo com o jogador, apenas depois de quatro anos de

70 treinamento e após uma copa do mundo, um treinador pode ser julgado, antes disso, não é possível, não é justo. Roger pede a palavra, e antes de perguntar a opinião do Cafu diz que não conhece nem entende muito de futebol, mas que ele acredita que apenas o fato do time estar junto durante quatro anos, já garante certo sucesso, independente do treinador. O jogador confirma e concorda com o pensamento do vocalista e exemplifica essa situação com o time que venceu a competição mundial em 2002, segundo o convidado, a seleção pentacampeã estava jogando junto há quase oito anos, então, independentemente do treinador que entrasse, eles já tinham uma filosofia e um objetivo em comum, que era o de ser campeão mundial. O apresentador questiona se o convidado acha que o Dunga ficará até o final dessa vez, Cafu responde que sim, que tem grande expectativa nisso, afinal, não dá para julgar a competência do treinador na metade do trabalho. A plateia aplaude a fala do convidado. Danilo insiste, dizendo que apesar de ser a vontade do público, não é o pensamento que temos observado nos responsáveis pela demissão e contratação dos técnicos. O jogador responde que precisamos mudar essas pessoas também, que precisamos de pessoas com o pensamento mais aberto, atentas ao futuro, de como o futebol estará daqui dez, quinze anos. E finaliza dizendo que o brasileiro tem que perder a mentalidade de que o Brasil é o melhor futebol do mundo, segundo ele, já fomos, atualmente, não somos mais. De acordo com o convidado, acreditou-se que apenas o título de pentacampeão do mundo faria com que entrássemos no campo e jogássemos perfeitamente, isso não é verdade, outras seleções trabalharam muito e hoje são melhores que nós. Mudando um pouco de assunto, Danilo pergunta ao convidado sobre o polêmico fato dele ter sido barrado no vestiário da seleção brasileira pelo presidente da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF. Cafu responde que essa situação é outro exemplo do que é preciso mudar de pensamento, e se defende que ele entrou no vestiário, conversou com a comissão técnica e pediu permissão para falar com os jogadores após a derrota histórica por sete a um para a Alemanha, durante o mundial sediado no Brasil. Segundo o jogador, a comissão concordou, inclusive o técnico Felipão agradeceu a iniciativa, e enquanto ele falava com cada um dos jogadores, um segurança chegou até ele e pediu que ele se retirasse, com a justificativa de que o presidente não queria pessoas “estranhas” no vestiário. Ainda nas palavras do jogador, ele se retirou do vestiário, mesmo não concordando e com

71 a certeza de que faltou respeito com ele e toda a história que ele construiu com a camisa da seleção. Gentili, emendando a fala do convidado, diz que outra mentalidade que temos que mudar, é a de “respeitar idiotas”, e propôs que o capitão não tivesse saído do vestiário, pois foi uma ordem “idiota”. Cafu ri e não responde. Então, o apresentador faz outra sugestão em tom de brincadeira, propondo que o jogador deveria ter “subornado” o presidente da CBF com a medalha de pentacampeão, referindo-se ao episódio em que José Maria Marin foi acusado de furtar uma medalha na premiação da Copa São Paulo. Cafu ri novamente e responde que não, que a medalha dele está muito bem guardada e de lá não sai. Ao fazer as piadas, notamos o tom crítico de Danilo, mesmo sem realizar um julgamento ou opinar diretamente, ele deixa a informação subentendida. Portanto, no mesmo momento que o telespectador se diverte e ri dos comentários, ele também se informa criticamente sobre o assunto. Em seguida, o apresentador muda o tópico da conversa, pergunta ao capitão se na opinião dele está faltando craque no futebol brasileiro e ressalta que é craque de futebol, já que a droga crack não tem faltado. Sem meias palavras o jogador responde que sim, que está faltando um craque, uma referência para o futebol. Danilo interrompe dizendo que “também a referência entra lá e eles expulsão do negócio”. Cafu ri e continua, diz que tem discutido muito ultimamente sobre o nível do futebol brasileiro e os ídolos. Na opinião do jogador, se alguém for desafiado a falar o nome de cinco ídolos do futebol brasileiro no campeonato nacional, terá dificuldade, o último a ser ídolo, e que ainda é uma referência é o Neymar. Gentili comenta que ele e o Roger haviam conversado disso antes do programa, que a seleção que jogou a copa em 2014 não tinha carisma, os jogadores não eram conhecidos. Cafu complementa dizendo que na copa de 2002 não era apenas um craque, se o Ronaldo não jogasse, teria o Rivaldo, teria o Roberto Carlos, o Ronaldinho Gaúcho, o Lúcio, ou seja, era um time com muitos craques. Então, Roger pergunta se essa falta de craques no futebol brasileiro está relacionada com essa mudança de que atualmente é mais na força, do que pela habilidade. O convidado diz que também, que hoje em dia você quase não vê jogadores baixinhos. Danilo interrompe e brinca, “os caras até contrataram o Hulk, imagina você!”, se referindo a um dos jogadores convocados para a copa de 2014

72 que tem o apelido de um personagem dos quadrinhos infantis conhecido pela sua força. Na sequência, Gentili faz uma pergunta em um tom provocativo ou até mesmo crítico, sobre a história do “peso” da camisa da seleção, ele quer saber se realmente existe isso, que a pressão de vestir a camisa canarinho pode interferir no futebol apresentado pelo jogador. Cafu esclarece que a camisa brasileira é respeitada por todos e não é um “peso”, o que ele acredita que possa ter pressionado muito os jogadores é competir no Brasil. E acrescenta que se o time tivesse jogado as eliminatórias da copa, talvez o uniforme não pesasse tanto. O apresentador aborda em seguida a questão emocional dos jogadores, ironizando o fato dos jogadores frequentemente se emocionarem dentro e fora do campo. O convidado admiti que chegou a dar declarações criticando esses choros e pedindo que jogassem mais bola, mas depois de conhecer melhor os meninos que estavam em campo, concluiu que cada um expressa seus sentimentos de uma maneira, que alguns choram, outros sentam na bola, outros ficam de costa para o gol, portanto, o choro precisa ser respeitado, que pode até ter prejudicado, mas não foi o culpado da derrota. Mudando de assunto, já finalizando a entrevista, Gentili pergunta ao convidado com quantos anos ele começou a jogar bola, Cafu responde que foi aos dez anos, então, o apresentador mostra uma foto dele quando criança, dele com o pai, a mãe e os cinco irmãos e a foto dele no time do Guarani do Jardim Irene. Os dois comentaram foto por foto. Danilo brinca dizendo: do Jardim Irene para o mundo, e pergunta por que o apelido do jogador era “pendolino” na Itália. Cafu explica que esse era o nome de um trem muito rápido, que fazia em tempo recorde o percurso Roma a Milão, e que ele, como jogador, corria muito. Gentili ri e brincando diz maliciosamente que achava que era por causa do “pêndulo”. Todos riem e aplaudem. O apresentador agradece a presença e participação do Cafu, que retribui dizendo que foi um prazer.

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5.5 Entrevista com Gabriel Neves

No dia 21 de março de 2014, Danilo Gentili recebe um convidado especial em seu programa, como o próprio apresentador denominou, é Gabriel Neves23, um deficiente visual campeão em vídeo game. A entrevista teve duração de quase quinze minutos. O convidado entra guiado por Juliana, Danilo o cumprimenta e o ajuda a sentar. Já de início, Gentili agradece a presença de Gabriel, e ele retribui agradecendo o convite, que o apresentador foi muito gentil. Então, Danilo começa a apresentá-lo, dizendo que ele tem 22 anos, o convidado corrige, dizendo que já tem 23, e é cego desde pequeno. Não perdendo o clima piadista do programa, Gentili fala que em homenagem ao convidado, ele pediu para a produção uma plateia cheia de modelos nuas da revista masculina Playboy. Todos riem, e Gabriel agradece. Iniciando a entrevista, Danilo questiona como foi que ele ficou cego, Neves responde que foi erro médico. O apresentador pergunta se ele tem lembrança de alguma visão, Gabriel responde que não, e brincando, agradece, pois dessa forma ele também não vê assombração. Gentili conta para o entrevistado e o público, porque ele decidiu convidar o Gabriel, “eu fui a uma feira de games no ano passado, e todo mundo comentou, acabou de sair daqui um menino que é deficiente visual, é cego, e deu um pau em todo mundo aqui”. Se voltando ao convidado, Danilo pergunta se é verdade que ele ficou em segundo lugar no campeonato. Gabriel responde que sim, que na verdade ele foi até a feira apenas pedir uma chance de participar, o que sempre era negado, devido à deficiência dele, e no ano de 2014, ele conseguiu mais do que participar, ele conquistou o respeito das pessoas. Nessa hora a plateia aplaude e festeja a fala e a realização de Gabriel. A presença de uma pessoa como Gabriel Neves em um programa televisivo por si só já é muito interessante, pois o apresentador oferece espaço para uma pessoa comum compartilhar seus desafios. Apesar de incontestável o feito do convidado, visto sua deficiência visual, Gentili foca na conquista dele e não em seu problema. Observamos isso, quando Danilo não pede uma explicação completa de como o entrevistado perdeu a visão, e o trata como qualquer outro participante do programa, fazendo piadas com ele, inclusive com a deficiência dele, permitindo que

23 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pFPZUKFBoFE. Acessado em 27/04/2015.

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Gabriel deixe de ser visto como vítima e passe a ser agente de sua própria história, dando ênfase em como o jovem superou sua dificuldade. Sem dúvida, esse posicionamento do apresentador é um grande diferencial de outros programas jornalísticos, os quais provavelmente abordariam de forma mais intensa a deficiência dele. Gentili pergunta como foi a reação dos adversários da competição, o convidado responde que “tinham uns que já subestimavam, alguns já saíam fora do campeonato”. Em seguida, Danilo questiona se o pessoal desistia por medo de perder de alguém com deficiência visual, e Gabriel responde que tem quase certeza que foi isso. O apresentador indaga se o entrevistado treinou muito em casa, se ele tem o hábito de jogar videogame por muito tempo, e ele responde que sim, que na semana que ele recebeu a notícia que poderia participar do campeonato, ele treinou vários dias seguidos, o que lhe causou dores nas costas e na cabeça. Danilo avisa que em breve no programa, ele desafiará o Gabriel no videogame, mas que antes disso ele quer saber como o jovem faz para saber se está dando um chute ou um soco em um jogo de luta, por exemplo. Com muita tranquilidade, Gabriel responde que ele consegue distinguir pela diferença no som. Danilo fica surpreso, e pergunta se existem jogos específicos para cegos, o convidado responde que para videogame não, que há algum para computador, mas que ele não joga, pois tem a dificuldade de encontrar primeiro o site. Gentili questiona se Gabriel conhece outros deficientes que jogam videogame, e ele conta que não, apenas os que ele treinava. Em seguida, Danilo sugere ao convidado que ele deveria ajudar a criar jogos para deficientes, como consultor, questionando se ele nunca tinha pensado nisso, Neves diz que nunca pensou, mas que até é uma ideia interessante. Nesse trecho, observamos que além de parabenizar o convidado pela superação, Gentili incentiva Gabriel a realizar uma atividade empreendedora, demonstrando respeito e credibilidade pelo jovem e dando um tom de construtivismo para a conversa. Mudando de assunto, o apresentador pergunta quando começou o interesse do convidado por videogames, ele conta que com quatro anos ele ouvia a prima jogando mortal kombat, os barulhos o impressionavam e chamavam sua atenção, e que o conquistam até hoje em dia. Em seguida, Danilo apresenta situações hipotéticas para saber como Gabriel agiria, como por exemplo, no caso de um jogo

75 de luta, o adversário fica se escondendo, emitindo choques, sem deixar o apresentador finalizar, ele responde calmamente, “é só dar rasteira”. Seguindo a entrevista, Gentili convida Gabriel para jogarem algumas partidas de videogame, em um jogo de luta, o apresentador coloca uma televisão em cima da bancada, dá um controle para o convidado e pega o outro. Enquanto Danilo se prepara e pergunta se Gabriel precisa de ajuda para escolher a fase e o personagem, o jovem já se adianta e finaliza essas escolhas antes mesmo do apresentador finalizar a frase. Ainda nesse meio tempo, o convidado faz uma combinação de comandos no controle e libera todos os personagens do jogo, deixando Gentili impressionado. Eles iniciam a luta, logo nos primeiros golpes, parece que o personagem de Danilo está vencendo, e ele até provoca, “estou te dando um pau, lamento te informar”, mas segundos depois, Gabriel realiza diversos golpes e se recupera. Em seguida, Danilo joga vários poderes no adversário, o convidado também provocando narra que o apresentador só está gastando a toa o poder. Brincando, Gentili fala “você fica com seu jogo e eu fico com o meu, tá legal?”, Gabriel responde, “então tá, então toma”, derrotando o adversário com um golpe certeiro, e ainda finaliza, “isso é para você aprender a não ser ignorante”. A plateia ri e aplaude Gabriel. Para a próxima luta, Gentili coloca uma venda nos olhos tentando ter um melhor desempenho, ele falha e perde ainda mais rápido do que a primeira luta. Por último, Danilo convida o ator Jefinho, também deficiente visual, da “Praça é Nossa”, programa semanal humorístico do SBT, para lutar com Gabriel. E sem nenhuma dificuldade, e até mesmo narrando seus movimentos, Neves vence o ator. Gentili agradece a presença dos dois, e finaliza a entrevista. Abaixo segue tabela com análise quantitativa da entrevista com Gabriel Neves.

Tabela 5 – Análise quantitativa da entrevista com Gabriel Neves Quantas entrevistas tiveram no dia 2 Duração da entrevista analisada 14min e 22s Total de perguntas 28 Perguntas jornalísticas 26 Perguntas humorísticas 2 Fonte: organizada pela autora.

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De modo geral, a entrevista com Gabriel Neves tinha a tendência de ocorrer de maneira mais informal e com brincadeiras, contudo, não é o que pode ser observado tanto na análise descritiva quando na quantitativa. Mais uma vez, os questionamentos foram majoritariamente jornalísticos, representando aproximadamente 93% do programa.

5.6 Entrevista com Ricardo Geromel

No dia 15 de abril de 2014, Danilo Gentili entrevistou Ricardo Geromel24, especialista em bilionários que trabalha na revista Forbes, famosa publicação econômica reconhecida internacionalmente. A entrevista, que teve duração exata de vinte minutos, foi a que mais contabilizou a quantidade de questionamentos.

Tabela 6 – Análise quantitativa da entrevista com Ricardo Geromel Quantas entrevistas tiveram no dia 2 Duração da entrevista analisada 21min Total de perguntas 42 Perguntas jornalísticas 32 Perguntas humorísticas 10 Fonte: organizada pela autora

Como podemos observar, foram no total 42 perguntas, das quais, apenas 10 tinha conotação humorística. O restante, 32 questionamentos, foram realizados com tom jornalístico e representando quase 80% de toda a entrevista. Ao longo da análise a seguir, será possível observar que os questionamentos de humor não atrapalham ou prejudicam o andamento da entrevista, e que eles ocorrem isoladamente. Já no início da conversa, Ricardo, 26 anos, conta que escreve para a revista Forbes desde julho de 2011, mas que, nas palavras do convidado, “caiu de paraquedas lá”, pois ele não tem formação jornalística. O apresentador questiona qual é a formação dele, Ricardo conta que nasceu e cresceu no Brasil, foi para os Estados Unidos com uma bolsa de futebol, se formou em administração de empresas, e ao se formar nos Estados Unidos, fez uma série de coisas: trabalhou

24 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=vMYHAcbOddU. Acessado em 29/03/2015.

77 com logística na África, trabalhou na Ásia, trabalhou no mercado financeiro na Suíça e em Hong Kong, fez uma pós-graduação em Paris, é fluente em cinco línguas. Por isso, “a Forbes me contratou pra fazer comentários políticos e econômicos sobre mercados emergentes. [...] Comecei assim, e depois de um período fui para o departamento da riqueza, que é a parte dos bilionários”. Gentili pergunta, então, se ele pode dizer que o convidado é um especialista nos bilionários do mundo, Ricardo diz que sim, que pode ser classificado dessa forma. Danilo indaga quantos bilionários têm no mundo, hoje em dia, e sem demora, Geromel responde “1.646”. O apresentador brinca com a exatidão da resposta, “nem um a mais, nem uma a menos?”, o convidado ri e completa, “no Brasil temos 66 bilionários em dólares”, explicando que se a conta for feita em reais, a pessoa precisa ter pelo menos 2,4 bilhões de reais. Gentili aproveita a deixa, e em tom de humor faz uma crítica ao dinheiro brasileiro e sua desvalorização, “em dólares? Se for real não conta, estamos falando em dinheiro”. O convidado Gabriel Neves, além de sanar curiosidades sobre bilionários, permite um debate econômico no programa e uma reflexão sobre o empreendedorismo. O apresentador questiona como que o convidado descobre um milionário, e antes da resposta, propõe uma possibilidade engraçada, “espera o cara de terno mais chique ir ao caixa eletrônico, e fica ali vendo quanto ele digita”. Ricardo explica que as empresas de capital aberto são muito mais simples de acompanhar, eles analisam qual é o preço da ação e quantas ações a empresa tem, com isso, chegam ao valor. Para exemplifica melhor, o convidado conta que o Zuckerberg, criador do Facebook, foi a pessoa que mais ganhou dinheiro no mundo no ano passado, 2013, mais de 15 bilhões de dólares. Para concluir isso, eles comparam o valor da ação em fevereiro do ano anterior com o preço de fevereiro desse ano. Gentili pergunta se existe um trabalho investigativo também, se eles pesquisam o dinheiro que está “escondido”. Ricardo responde que sim, que a equipe considera além do ativo, que é a parte pública, eles somam imóveis, obras de artes, entre outros artigos que agregam valor, e a partir dessa totalização é tirado o valor da fortuna de certa pessoa. O convidado reforça sua fala esclarecendo que “não quer dizer que o Bill Gates, que tem mais de 60 bilhões de dólares, tem isso em dinheiro, ou é que nem o “Tio Patinhas” que tem aquelas moedinhas”. Danilo, em

78 tom humorístico, se mostra desapontado: “Ninguém tem uma piscina de moedas para nadar?”. A plateia ri, e Ricardo responde que até hoje não ficou sabendo de ninguém que tenha essa piscina de moedas, e completa dizendo que entre tantas características em comum dos bilionários, a sensibilidade à filantropia se destaca. Sem se comover, Gentili dispara com uma voz irônica, “é dor na consciência deles, você acha? Ah, eu vou ajudar a filantropia ai, tem gente que não tem nada e eu sou bilionário”. O convidado não responde o comentário do apresentador, e conta que o Bill Gates fundou uma empresa com a esposa para realmente melhorar a vida das pessoas. Ainda sobre essa temática, Roger pergunta se essa filantropia é realmente uma ação solidária ou se existem benefícios para eles no caso da doação, como incentivos fiscais, abatimento no imposto. Ricardo responde que existe sim um favorecimento fiscal, mas que na opinião dele, muitos deles fazer a ação de coração, por acreditarem que assim podem melhorar o mundo. Para argumentar nesse sentido, Geromel conta sobre o Giving Pledge, um acordo entre vários bilionários que prevê que mais da metade das fortunas dessas pessoas serão doadas em vida ou, após a morte constará no testamento. Danilo provoca e questiona se os filhos desses bilionários não ficaram bravos com essa iniciativa. O convidado responde com uma pergunta ao apresentador, “como você acha que a maior parte desses 1.646 bilionários chegaram até lá?”. Gentili faz uma expressão de não saber e pede que Ricardo responda. Então, o convidado apresenta os dados: “66% deles foram empreendedores que começaram ou com pouco ou com zero”, “13% foram herdeiros, o que a gente chama de „espermas sortudos‟” e “o resto nasceram com alguma fortuna e aumentaram”. Gentili critica o Brasil ao afirmar que o país não privilegia o empreendedor, e pergunta ao convidado se existem muitos bilionários por aqui. O convidado responde que sim, que em 2014 era um total de 66 bilionários, no ano anterior era 46 e em 2012, eram 37. O apresentador questiona quantos bilionários são mulheres, no geral. Ricardo conta que no total são 172. Dessas, 32 ou 35 criaram sua própria fortuna. Já no Brasil, do total, 14 são mulheres bilionárias, contudo, nenhuma delas iniciou seu próprio império. Gentili maliciosamente pergunta se existe um sinal de golpe do baú, Geromel responde que até pode ser isso, ou elas foram “espermas sortudos”, ou seja, herdaram.

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O apresentador pede que o convidado relate algum caso curioso sobre bilionários brasileiros, e Ricardo conta a história de Carlos Martins que se tornou bilionário ensinando inglês para brasileiros. De acordo com o convidado, Carlos foi estudar nos Estados Unidos com apoio da igreja, ao se formar, conseguiu emprego em uma cidade no interior de São Paulo, Mogi Mirim, e após o trabalho, ele ensinava inglês para os colegas. Aos poucos ele foi percebendo que as aulas estavam dando mais dinheiro do que trabalhar em uma multinacional, então ele decidiu pegar suas economias e abrir uma escola de inglês, que hoje tem franquias no Brasil todo, esse é o caso do dono da Wizard. Danilo elogia, dizendo que Carlos Martins foi um cara de visão, Ricardo concorda e acrescenta a informação que ele é filho de um caminhoneiro e uma imigrante, ou seja, começou realmente do zero, e relembra o dado de que 66% dos bilionários do mundo começaram também sem nada. Sentimos na fala do entrevistado um tom de animação e incentivo, que é equilibrada pelo ceticismo e questionamentos do apresentador. Essa compensação é importante, para que haja reflexão do público a partir das informações apresentadas. Gentili pergunta quem é o mais jovem bilionário brasileiro. O convidado responde que é o sócio do Facebook, Eduardo Saverin. Nascido no Brasil, estudou na Universidade de Harvard, juntamente com Zuckerberg, tirou nacionalidade americana, depois se desfez dessa nacionalidade, que segundo boatos da mídia, era para não pagar mais impostos, e hoje em dia, nas palavras de Ricardo, mora muito bem em Cingapura. Em seguida, Danilo pergunta o que aconteceu com o empresário Eike Batista, o qual esteve frequentemente nos noticiários brasileiros, e que viu sua fortuna ser muito reduzida. O convidado conta que o Eike chegou a ser a sétima pessoa mais rica do mundo, com uma fortuna de 20,6 bilhões de dólares, “durante um ano, ele perdeu uma média de dois milhões de dólares por dia, por dia não, desculpa, por hora”. Nesse momento a plateia e o apresentador se expressam impressionados pelo dado informado. Ricardo ainda comenta que, no ano seguinte, ele perdeu novamente essa mesma média. Danilo ironiza “é um expert em perder”, o convidado ri e concorda movimentando a cabeça. Então o apresentador pergunta como isso aconteceu, e o especialista inicia sua resposta lembrando uma piada interna entre os funcionários da revista Forbes, “duas pessoas ficaram bilionárias com apresentações de Power Point: Bill Gates, o

80 homem mais rico do mundo, que fundou a Microsoft, e o Eike”. Danilo começa a gargalhar e explica a piada para o público, sendo que o Bill Gates criou o programa Power Point, portanto, ganhou dinheiro com isso, e o Eike fazia apresentações nesse mesmo programa no período em que enriqueceu. E de forma bem simplista, o convidado explica que o Eike prometeu muito e na hora de entregar aos investidores, não conseguiu. Esse trecho é interessante, mesmo se tratando de uma notícia sem grande relevância social e até mesmo ultrapassada, Danilo dá a chance das pessoas definitivamente entenderem o que possam ter visto nos noticiários. Na sequência, Roger questiona se existe um ranking ou uma lista de pessoas que tenham enriquecido com o crime de corrupção ou tráfico de drogas, e se essas pessoas chegam a entrar na lista geral. Ricardo relata que uma vez eles listaram um traficante mexicano, conhecido como El Chapo, que foi preso ultimamente. Outra figura ilustre, que não é traficante, foi Fidel Castro, em 2005, a Forbes o listou como o dono de uma fortuna de 900 milhões de dólares. Depois dessa divulgação, Fidel ficou mais de quatro horas na televisão nacional fazendo discurso se explicando. Com a resposta de Ricardo, Roger conclui que dificilmente um cara envolvido com corrupção, ou no crime vai realmente “subir na vida”. Ricardo complementa que isso é muito interessante, segundo a análise dele, vemos muitos bilionários que se tornam políticos, mas políticos que se tornaram bilionários, ele não se lembra de nenhum caso. Teve apenas um boato, que segundo o entrevistado é falso, de que o ex-presidente do país, Luiz Inácio, era bilionário, contudo, de acordo com as pesquisas que o convidado chegou a fazer na época, não conseguiu comprovar essa suposta fortuna. Danilo questiona, então, sobre o filho do Lula, Ricardo volta a dizer que segundo investigações feitas por ele, também não encontrou. Na verdade, o valor que eles têm está bem abaixo de um bilhão de dólares. O apresentador faz um questionamento mais técnico sobre o mercado de ações, voltando a citar o caso do Eike Batista, que perdeu muito dinheiro, Danilo quer saber para onde vai esse valor. O convidado se propõe a explicar como funciona o mercado, utilizando como exemplo a empresa nacional Petrobrás, que era uma das dez mais valiosas do planeta, mas que atualmente, perdeu muito valor no mercado, portanto, “a ação que custava cem, e tem cem milhões de ações, a empresa vale dez bilhões. A ação cai para um, tem cem milhões de ações, a empresa vale cem milhões, é assim que evapora esse dinheiro”. Gentili questiona

81 quem ganha esse dinheiro, que, por exemplo, “um Eike” perde. Ricardo, explica que até existem algumas pessoas que ganham esse dinheiro, seria como se fossem aqueles que apostam contra, ou os concorrentes, Roger lembra que é um dinheiro virtual, como se fosse um crédito. O convidado procura ser mais claro com outro exemplo, supondo que se Bill Gates decidisse vender toda sua fortuna, esse valor cairia, pois no momento que ele começasse a vender, os valores das ações vão cair. Nesse trecho, observamos uma explicação bem didática sobre o confuso funcionamento do mercado de ações, atendendo ao pedido de clareza de Danilo, Ricardo descreve e exemplifica o processo de valorização e desvalorização das ações, frequentemente mencionadas nos jornais. Mudando de assunto, Danilo questiona se já existiram situações em que a Forbes foi processada por divulgar uma informação errada, o apresentador lembra- se da fala do pastor Silas Malafaia, que participou de uma entrevista no programa, na qual ele afirmou que iria processar a publicação, pois ela errou ao anunciar que ele teria 150 milhões de dólares. Com muita tranquilidade, Ricardo responde assegurando que existe uma grande equipe trabalhando nesses números, que os chefes deles na publicação estão lá a mais de quinze anos, e no fluxo de informações entre eles na produção já houve erro, porém, nunca foi publicado um erro, portanto, até então, nunca haviam sido processados por isso. Em seguida, Gentili com um tom de brincadeira pergunta se existe algum apresentador de talk shows que é bilionário, Ricardo responde que sim, a apresentadora norte-americana Oprah Winfrey, mas ele já avisa que grande parte da fortuna dela não vem da apresentação do programa e sim de participações dela em emissoras. O convidado ainda faz uma breve reflexão sobre os bilionários, dizendo que ficamos muito impressionados com o número de zeros que eles têm à direita, mas todos eles apresentam várias características em comum, entre elas é o empreendedorismo, todos eles são pessoas de visão. Ricardo conta que sempre que entrevista um bilionário, observa que eles são muito atentos a conversa. Outro fato em comum, é que todos já falharam, nunca tiveram um crescimento uniforme. A cada característica listada pelo especialista, Danilo fazia pequenos comentários e brincadeiras dando a entender que ele estava se identificando com as características descritas pro Geromel. Para encerrar a entrevista, Gentili pede que o convidado dê uma rápida dica para quem quer se tornar um bilionário, Ricardo sugere que as pessoas se

82 perguntem o que elas farão quando tiverem um bilhão “se a resposta for, „vou por os pés para cima e relaxar‟, provavelmente você não se tornará um bilionário, a grande parte dos bilionários segue trabalhando, eles não o fazem por dinheiro, é alguma coisa a mais”. O apresentador agradece a presença do especialista, e rindo, diz que espera ser o próximo entrevistado dele pela revista Forbes.

5.7 Análise geral das entrevistas

Observamos que as entrevistas não seguem um padrão de tempo, algumas com duração de pouco mais de dez minutos e outras chegam a quarenta minutos. Provavelmente, deve existir uma razão editorial ou prática para isso. Contudo, na análise desses seis quadros de entrevistas não fica claro como é feita essa definição. Na entrevista com Diego Aranha, professor em computação e especialista em criptografia e segurança computacional, observamos uma entrevista quase que totalmente jornalística. A relevância e o ineditismo da temática, o interesse público envolvido, o convidado especializado no assunto e com histórico e experiências para comentá-lo, contribuíram para a seriedade da entrevista. Visto o posicionamento político do apresentador e do programa, notamos um esforço da equipe em tratar o convidado e o tema abordado com importância, sobretudo, considerando o contexto em que o programa foi exibido, a pouco menos de dois meses do primeiro turno das eleições presidenciais. Além disso, o molde mais livre do programa de Danilo Gentili permitiu que um assunto tão polêmico, e pouco, ou quase nada, comentado na grande mídia, tivesse espaço em uma mídia de massa – a televisão, com liberdade para debate e, principalmente, um linguajar simplificado, atingindo a maioria dos telespectadores. O engajamento do convidado não exige muitos esforços de Danilo para conseguir as informações que deseja, é visível o interesse de Diego Aranha em compartilhar as informações e os estudos realizados. Portanto, o principal papel do programa, nesse caso, é oferecer espaço para discutir a temática, e explicá-la com detalhes ao público. Notamos isso, através das intervenções do apresentador, pedindo que o convidado especificasse os conceitos utilizados e comparasse as

83 informações com situações rotineiras para que a população comum compreendesse exatamente do que se tratava o debate. Já na entrevista de vinte minutos com a candidata a presidência nas eleições de 2014, Luciana Genro, observa-se, claramente, a relevância jornalística e o interesse público envolvido em uma entrevista com um presidenciável em época de eleições. Contudo, além de ser mais uma oportunidade para um candidato se apresentar e divulgar suas ideias aos eleitores, o formato do programa de Danilo Gentili abre espaço para perguntas inusitadas e diretas, incomuns aos modelos mais padronizados do telejornalismo brasileiro, e que permitem debater diferentes temáticas das que a grande mídia aborda. Esse molde diferenciado é favorável tanto ao público, que passa a ser mais representado nas perguntas sinceras de Danilo, como, por exemplo, quando ele questiona se ela realmente acredita que suas ideias são passíveis de realização. Tanto para a candidata, que tem a chance de apresentar suas principais propostas de governo, e não apenas discutir assuntos polêmicos relacionados à legalização das drogas, do aborto e do casamento homossexual, como frequentemente era rotulada em outros meios. Como menciona Halperín (2008), uma boa entrevista é capaz de mostra a face oculta da lua, ou seja, consegue apresentar característica do entrevistado que estavam “escondidas”. Na entrevista com Luciana Genro observamos certo sucesso de Danilo em expor informações e características da candidata que até então não haviam sido exploradas em outras entrevistas, como, por exemplo, a revelação de que a convidada já fizera uso de drogas ilícitas, e a possibilidade de falar abertamente sobre a temática. Por fim, mesmo parecendo ser apenas brincadeira, o conjunto de perguntas rápidas ao final da entrevista não ocorre sem razão, além de aliviar qualquer possível tensão devido a perguntas árduas, funciona também como um recurso de humanização, como se o convidado se aproximasse do público. Quanto ao programa com líderes políticos, podemos enfatizar o ineditismo de um encontro como o proporcionado pelo “The Noite com Danilo Gentili” para debater uma temática tão polêmica. Dificilmente encontraremos outro programa na grade de qualquer outra emissora que comportasse um encontro como esse. Notamos também a diversidade de informações e assuntos que o perfil do talk show permite,

84 e a liberdade com que os convidados conversaram e expressaram sua fé, arriscando até algumas piadas. Mesmo com a presença de três convidados, Danilo consegue guiar de forma equilibrada a entrevista, e garante que o programa tenha um tom informativo e não de rivalidade entre as religiões. Aos assistirmos a entrevista com o Cafu, identificamos um serviço social, pois um considerável tempo foi utilizado para apresentar a fundação sem fins lucrativos do jogador, mas também, comentários e críticas sobre futebol, dentro e fora do campo. Poderíamos considerar a conversa como um legítimo jornalismo esportivo de opinião, pois com muita segurança e autoridade, o capitão do pentacampeonato não fugiu dos questionamentos de Danilo, nem mesmo os mais ácidos. E ainda, ao final, foi trabalhada a vida pessoal e profissional do jogador, que por si só já tinha muita história para contar. Já os convidados Gabriel Neves e Ricardo Geromel são boas surpresas, ambos anônimos, souberam compartilhar suas histórias e experiências e garantiram ao público informação de qualidade e incentivo. Danilo ao apresentar Gabriel e sua história, parece lisonjeado de poder divulgar o feito a todos. Mas o diferencial do apresentador nessa entrevista não é apenas ter encontrado uma boa história para contar, mas a forma com que ele o faz. Ao fazer piadas com o convidado, jogar de igual para igual no videogame e não ficar usando eufemismos para mencionar a deficiência visual, Gentili permite que Gabriel fique marcado pelas suas conquistas e não pela dificuldade. A história do jovem serve também como uma lição de vida para todos que assistem o relato do sucesso de Neves e observam a tranquilidade com que ele trata a cegueira. Por fim, a entrevista com Ricardo Geromel, um dos responsáveis pela edição sobre os bilionários e milionários da revista Forbes, mostra se uma grata conversa. De início, o que parecia que ia ser um bate-papo sobre “fofocas dos bilionários”, apresentou-se capaz de discutir e explicar o funcionamento do mercado de ações, frequentemente mencionado por vários jornais, mas pouquíssimas vezes esclarecido com detalhes. Além de um debate sobre empreendedorismo e uma reflexão sobre as atitudes em comum dos bilionários no sentido de incentivar e aconselhar o

85 público. Tudo isso, sem deixar de lado informações curiosas e incomuns relacionadas à temática. Outra análise geral possível é a quantitativa das seis entrevistas.

Tabela 7 – Análise quantitativa das seis entrevistas Duração total das entrevistas 2h 11min 47s Total de perguntas 175 Perguntas jornalísticas 139 Perguntas humorísticas 36 Fonte: organizada pela autora.

Como é possível observar na tabela, houve uma supremacia de questionamentos jornalísticos, ou seja, 139 perguntas do total do total de 175, o que representa aproximadamente 80%. De forma simplista, pode-se afirmar que 80% do quadro de entrevistas do programa são totalmente de cunho jornalístico, e apenas 20% apresentam um tom mais ameno de brincadeiras. Esses dados reforçam a análise do conteúdo realizada nas seis entrevistas e fortalecem a hipótese inicial desta pesquisa, a qual pretendia comprovar que o humor pode ser utilizado como recurso colaborador no fazer jornalismo. E ainda, que o quadro de entrevistas de Danilo Gentili pode ser classificado como gênero opinativo – jornalismo caricato.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho foi incentivado a partir de uma opinião pessoal e específica sobre o programa “The Noite com Danilo Gentili”. O interesse particular do uso do humor no jornalismo e a discordância de várias críticas dirigidas ao talk show estimularam o estudo aprofundado sobre teorias do Jornalismo e sobre as características do jornalismo opinativo. Certos de estarmos adentrando em uma temática polêmica, nos surpreendemos ao identificar tanta compatibilidade entre as teorias jornalísticas apresentadas por Pena (2005) e Traquina (2005), as características do gênero opinativo caricato proposta pelo distinto autor Marques de Melo (2003) e as técnicas de entrevistas formuladas por Yanes (2004) e Halperín (2008) com as entrevistas analisadas do programa de Danilo Gentili. Com os conhecimentos adquiridos e reforçados pelo estudo bibliográfico dos autores citados acima, entre outros, confirmamos, ao longo do trabalho, a suposição que nos guiava: de que é possível o uso do humor no jornalismo sem interferir no desempenho desse, e ainda, de que o humor, a ironia e sátira colaboram para o fazer jornalístico. Focando em nosso corpus de análise, comprovamos que o gênero aplicado no quadro de entrevistas do “The Noite com Danilo Gentili” era o gênero opinativo – de jornalismo caricato. Essa comprovação foi constatada não apenas através da análise descritiva do conteúdo das entrevistas, mas também quando observado os números somados das seis entrevistas, que mostraram sistematicamente que quase 80% dessas entrevistas foram jornalísticas. Um valor surpreendentemente alto, visto que o quadro está incluso em um programa denominado humorístico. A presente pesquisa não defende que o programa de Danilo Gentili seja completamente telejornalístico, mas acredita que o mesmo é capaz de cumprir as mesmas funções sociais de um noticiário televisivo, em especial, o quadro de entrevistas do talk show. E, por algumas vezes, mostra-se mais eficaz na tarefa de se fazer entender e alcançar o maior público possível. Pois o humor é capaz de ultrapassar fronteiras que recursos padrões dos telejornais não permitem. Em seguida, uma investigação sobre a vida pessoal, a formação profissional, e a participação de Danilo Gentili em outros programas televisivos e em casas de show de stand up, assim como, a descrição de como foi elaborado e planejado o talk

87 show na nova emissora, colaboraram para uma compreensão da análise do quadro de entrevistas, e consequentemente, do programa. Portanto, podemos atribuir ao perfil do programa e do apresentador do “The Noite com Danilo Gentili” o interesse de um público mais jovem, ou ainda, de um público que não é mais cativado pelos modelos padrões de telejornais. Mesmo possuindo um caráter humorístico e leve, o talk show não deixa de debater assuntos político e de interesse público, proporcionando informações de qualidade de forma diferenciada. Outra característica que identificamos como positiva é a diversidade de temáticas e de convidados do programa. No entanto, a produção costuma acompanhar a agenda social, por exemplo, na época das eleições foram convidados uma candidata à presidência e um especialista em urna eletrônica. Logo após a copa, entrevistaram um ex-jogador da seleção brasileira. Ou ainda, em véspera de Natal, organizaram um programa com líderes religiosos. Ou seja, apesar de seguir uma agenda social, Danilo se destaca pelo tratamento singular que dá a temas comuns que são debatidos nos mais diversos formatos televisivos, mas que apenas em seu talk show alcançam a maioria do público e oferecem determinada reflexão. Contudo, não existe um padrão de abordagem dos temas e convidados, afinal, entre os entrevistados encontramos também pessoas anônimas que tenham uma história interessante para compartilhar. A liberdade de expressão oferecida pelo estilo do programa, do apresentador e, pelo horário que é exibido, parece relaxar os convidados, garantindo uma conversa franca, com um vocabulário simples, e quando não acontece, o apresentador repete termos e conceitos desconhecidos e pede uma nova explicação para o convidado. Talvez, pelo fato do apresentador ser conhecido pela acidez e sinceridade com que faz as perguntas, os convidados que aceitam participar do programa vão cientes de que serão indagados pelas mais diversas temáticas. Graças a essa consciência, os entrevistados aparentam maior disposição e preparo para responder e debater assuntos pessoais e/ou polêmicos. Apesar do clima mais leve do “The Noite com Danilo Gentili”, na análise tanto qualitativa quanto quantitativa, observamos um compromisso do apresentador com a informação, de modo que as brincadeiras não atrapalham a compreensão do assunto debatido e, por vezes, colaboram para o entendimento. O apresentador

88 costuma utilizar-se de breves comentários irônicos, cômicos ou debochados para criticar ou enfatizar algum tema que ele julgue que merece atenção. Além de considerar o formato e o estilo do programa, é preciso ponderar sobre o contexto que o talk show é produzido, ou seja, dentro de uma emissora conhecida por não apresentar muitas restrições políticas e ideológicas aos seus contratados, aliado ao perfil ímpar do apresentador Danilo Gentili. Assim sendo, as disposições finais dessa pesquisa indicam que o humor pode agregar à construção de uma narrativa jornalística, bem como, pode colaborar com a construção da opinião pública, mesmo que estejam relacionadas com o irreal e a diversão. Além disso, ao nos aprofundarmos nos estudos teóricos do jornalismo caricato, encontramos argumentos para defender e comprovar a nossa proposição inicial, bem como, identificamos em outros quadros do programa e na relação com o público nas mídias sociais um caráter jornalístico. Contudo, essas possíveis análises ficam como sugestão para uma próxima pesquisa. Por fim, esperamos ter colaborado para o desenvolvimento do saber científico jornalístico, incentivando novos estudos na área aqui tratada, a fim de enriquecer e diversificar a prática jornalística.

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BIBLIOGRAFIA

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