CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - INTEGRAL

DANILO BARÊA DELGADO

VOCALIZAÇÕES DE nanus (Anura: ) E A MODULAÇÃO DE COMPORTAMENTO ANTE ESTÍMULOS ACÚSTICOS.

Rio Claro 2010

591.5 Delgado, Danilo Barêa D352v Vocalizações de Dendropsophus nanus (Anura: Hylidae) e a modulação de comportamento ante estímulos acústicos / Danilo Barêa Delgado. - Rio Claro : [s.n.], 2010 55 f. : il., figs., gráfs., tabs., fots.

Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Ciências Biológicas Integral) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Célio Fernando Baptista Haddad

1. Ecologia . 2. Etologia. 3. Herpetologia. 4. Bioacústica. 5. Comportamento animal. I. Título.

Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP

DANILO BARÊA DELGADO

VOCALIZAÇÕES DE Dendropsophus nanus (Anura: Hylidae) E A MODULAÇÃO DE COMPORTAMENTO ANTE ESTÍMULOS ACÚSTICOS.

Orientador: Célio Fernando Baptista Haddad

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Rio Claro, para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas.

Rio Claro 2010

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Dedico este trabalho aos que tem coragem e paciência para observar, ouvir e entender as criaturas que cantam à noite.

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AGRADECIMENTOS

Esta é a parte que corre algum risco de ocupar um volume de páginas maior do que a própria Discussão do trabalho, com a vantagem de que meu orientador não precisa corrigi-la nem questioná-la. Primeiramente, agradeço ao meu orientador, o professor Célio Haddad por permitir que eu fizesse parte do Laboratório de Herpetologia e por todo o auxílio que me foi dado, desde explicações, artigos e equipamento até ajuda financeira e um ou outro puxão de orelha, principalmente na fase final do projeto, quando ele esteve um pouco menos ocupado. Não posso deixar de agradecer pelas tradicionais festas juninas, promovidas por ele e por sua esposa, a professora Patrícia Morellato. Agradeço ao CNPq pela bolsa concedida, que tornou a execução desse trabalho mais viável, à COTEC, por ter autorizado a execução deste trabalho na Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade. Agradeço também ao Doutor Gilberto Pinheiro, ao Doutor Sérgio Christofoletti e à Doutora Denise Zanchetta pela compreensão das minhas necessidades como pesquisador e pela agilização da documentação necessária para a execução deste trabalho nas dependências da Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade. Agradeço imensamente ao Luís Giasson, que considero como meu mestre. Mesmo sem ter ainda o título de Doutor, ele se propôs a me orientar quando iniciei o estágio no laboratório, numa época em que o Célio estava ocupado demais para atender a todas as necessidades de um aluno de iniciação científica. O Luís teve a paciência de corrigir várias versões dos meus textos, me levar para campo e trazer de volta para casa, me emprestar por tempo indeterminado seu toca CD e sua caixa de som, perder mais de uma tarde inteira analisando dados comigo, me ensinar a trabalhar em campo e a usar os programas de computador dos quais que eu iria precisar. Tudo isso com o Doutorado por terminar. Agradeço ao professor Francisco Braga por ter sugerido pedir orientação ao Célio e ao Fausto Nomura, por ter me incentivado a seguir com essa idéia. Como eu já lhe disse pessoalmente no IV Congresso Brasileiro de Herpetologia: “Se eu estou aqui hoje, a culpa é sua!”. Agradeço aos meus pais, Catarina e Júlio, porque, sem eles, nada disso seria possível (a começar pelo zigoto). Apesar de seus medos e de nossa limitação financeira, sempre me apoiaram de todas as formas possíveis e me ensinaram o que eu precisava saber para ser quem sou hoje, além da disposição de transportar a mim e aos meus amigos diversas vezes para fazer as 4

saídas de campo. Como meu pai sempre diz: “Você vê aqueles caras no mato em documentários da TV? Tem um monte de gente por trás das câmeras ajudando. Aqui também é assim: Somos sua equipe de apoio”. E são mesmo. Muito obrigado. Agradeço ao meu tio-avô e padrinho, Antonio de Martin, por ter sugerido Rio Claro para eu fazer meu curso de graduação. Talvez, citando-o nos agradecimentos, ele finalmente acredite que eu fiquei feliz com a escolha. E agradeço à minha tia-avó e madrinha, Aurora de Martin, por todas as longas conversas filosóficas e por ela sempre ter me incentivado a estudar. Agradeço à minha avó, Josefa Cabrera, por ter cuidado do meu cachorro, Pongo, até o dia em que ele morreu, já que não pudemos trazê-lo até Rio Claro. Também preciso agradecer à Camila Matias e à Nadya Pupin pela companhia em campo, principalmente no início deste trabalho e também pela amizade que foi aparecendo com isso. Agradeço ao Carlos Gussoni (“Pássaro”) por sua aparentemente infinita disposição em ajudar, tanto em questões acadêmicas quanto em questões pessoais. Não exagero em dizer que ele é como um irmão mais velho. Seu incentivo constante estimulou muito meu potencial para a zoologia de campo, aliás, foi em um mini-curso do Pássaro que eu comecei a fazer saídas de campo. Gostaria de agradecer em especial pela ajuda prestada em campo, pelas fotos cedidas para ilustrar esse trabalho e pelas longas noites de conversas e jogatinas (e viva os emuladores!). Embora seja altamente improvável que ele leia isso, agradeço ao André (“Pardal”) por ter me ajudado a amadurecer com sua firmeza e com as dicas simples e valiosas que ele me deu em campo. Agradeço ao Fábio de Sá (“Quase-Nada”) pela companhia em campo, pela amizade e pelas conversas sinceras. Sinto que nos ajudamos mutuamente a crescer, tanto como pesquisadores quanto como seres-humanos. Agradeço à Eliziane Garcia (“Eli”), essa adorável menina avoada, que quase sempre me acompanha em campo e que consegue, do seu jeito, trazer alguma leveza para o nosso trabalho, mesmo quando temos prazos apertados, falta dinheiro e a chuva simplesmente não colabora com as coletas de dados. Agradeço também pelo “tigre-de-dentes-de-sabre disfarçado de gato” que ela me deu. Agradeço à Carla Cassini, por sua disposição em me ensinar o que era possível sobre o programa STATISTICA 6.0 e ao Victor Dill, pelo bom humor, pelas conversas descontraídas e 5

pelos constantes (bem constantes) comentários e sugestões, que geralmente acrescentam conhecimentos bastante úteis. Agradeço muito ao Fábio Ferreira (“Morcego”) por sua dedicação em me ensinar princípios de estatística de uma forma que, diferentemente dos livros e softwares, fazia sentido. Agradeço também por sua paciência para entender e analisar os conjuntos mais problemáticos dos meus dados. Agradeço a todas as pessoas do Laboratório de Herpetologia pelo bom convívio e pela enriquecedora troca de experiências. Já que, teoricamente, o TCC marca o fim do curso de graduação, gostaria de agradecer também aos amigos que não tiveram influência direta sobre esse trabalho, mas que marcaram minha fase de graduando: Aos bons e velhos amigos de escola, Juliano de Assis Roberto, Fernando de Menezes Ferreira e Camila Denleschi que, apesar da distância geográfica, sempre estiveram presentes, de uma maneira ou de outra, e sempre foram muito importantes para mim, porque crescemos juntos, em muitos sentidos. À Aline Campos, por ser minha parceira de trabalhos e uma oponente maravilhosa para discussões filosóficas. À Regina Machado, minha comadre, pelo carinho, pelos trabalhos e pelas conversas. À Cristiane Honna (“Yuri-chan”), por sua sinceridade e seu jeito pouco usual, mas muito significativo, de oferecer carinho e incentivo. À Laura Honda (“Laurinha”) pela sensibilidade e pela cumplicidade. A todos os integrantes da República Nemelés: Laurinha, Pássaro, Rafael Horita (“Gandhi”) Fellipe Nominato (“Chavez”), Rebeca Mamede (“Meia-Nove”), Raíssa Fonseca (“Rah”), Alexandre Takara (“Shaolin”), Paulo Souza Filho (“Pablito”) e Henrique Tozzi (“Ceroula”), pelo companheirismo, pelos ótimos momentos, pela hospitalidade e por fazerem dessa república minha segunda casa. Ao professor e amigo Leandro Gomiero, pela confiança e pelo crédito que ele depositou em mim quando fui monitor em sua disciplina, me dando oportunidades para exercitar meu potencial. Por fim, agradeço a todos os amigos, colegas, familiares e funcionários da UNESP que, mesmo não tendo sido mencionados, me acompanharam e participaram de alguma forma desta fase que está se encerrando.

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“Furuike ya (Uma velha poça) Kawazu tobikomu (Um sapo nela pula) Mizu no Oto” (O som da água)

Matsuo Bashō (1644-1694) 7

RESUMO

Este estudo visa analisar cantos de Dendropsophus nanus e suas respostas às freqüências dominantes de cantos coespecíficos. Foram realizados experimentos de “playback”, através da emissão de cantos de diferentes freqüências dominantes a indivíduos em particular, registrando- se seu comportamento. Os resultados sugerem que os “playbacks” aumentam a complexidade e a agressividade do comportamento.

Palavras-chave: Dendropsophus nanus, bioacústica, comportamento, vocalização

ABSTRACT

The aim of this study is to analyze the vocalizations of Dendropsophus nanus and its responses to the dominant frequencies of conspecific calls. There were made playback experiments by broadcasting calls of different dominant frequencies towards particular individuals, while their behavioral responses were registered. The results suggest that the playbacks cause behavioral complexity and aggressiveness to increase.

Keywords: Dendropsophus nanus, bioacoustics, behavior, vocalization

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SUMÁRIO

Páginas

1. INTRODUÇÃO...... 11

2. MATERIAIS E MÉTODOS...... 14

2.1. Área de Estudo...... 14

2.2. Registro e análise das vocalizações...... 16

2.3. Experimento de “playback”...... 18

2.4. Análises estatísticas...... 20

3. RESULTADOS...... 21

3.1. Caracterização dos cantos...... 21

3.2. Regressões entre freqüência dominante do canto e tamanho dos indivíduos...... 26

3.3.1. Experimentos de “playback”...... 27

3.3.2. Efeito da freqüência dominante do “playback” sobre o comportamento...... 34

3.3.3. Comparação entre “playbacks” de notas de anúncio e notas agressivas...... 40

3.4. Efeito do tamanho e da massa corpórea do indivíduo sobre seu

comportamento...... 41

4. DISCUSSÃO...... 43

4.1. Correlação entre tamanho corporal e freqüência dominante...... 43

4.2. Efeito dos “playbacks” sobre o comportamento...... 43

4.3. Vocalizações de anúncio...... 45

4.4. Vocalização agressiva...... 46

4.5. Sinalização Visual...... 48

4.6. Avaliação de rivais com base na freqüência dominante da vocalização...... 49

5. CONCLUSÕES...... 51

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 52

APÊNDICE 1 ...... 54 10

1. INTRODUÇÃO

A maioria dos trabalhos de bioacústica envolvendo Dendropsophus nanus explora os aspectos ecológicos de sua vocalização, não existindo estudos que abordem os aspectos comportamentais dos cantos deste animal. Tampouco existem descrições para cantos de funções específicas, como canto agressivo, canto territorial e canto de corte. A inexistência dessas informações, aliada ao fácil acesso aos sítios de vocalização, tornam o projeto viável e seus resultados podem se mostrar úteis para a compreensão da história natural dessa espécie.

Sabe-se que a comunicação nos anuros é feita predominantemente por meio de vocalizações (WELLS, 1977, 1988; DUELMANN & TRUEB, 1986), sendo este um sistema eficiente em condições de baixa luminosidade e vegetação densa (DUELLMAN & TRUEB,

1986). Nos anuros os cantos são, na maioria das vezes, produzidos pelos machos e têm por funções principais o reconhecimento de indivíduos da mesma espécie, a atração de fêmeas, a demarcação de territórios e o afastamento de rivais (e.g.,WELLS, 1978; GUIMARÃES &

BASTOS, 2003; WILCZYNSKI & BRENOWITZ, 1988). No que diz respeito à segregação reprodutiva das espécies, a estrutura física do canto é mais importante que a localização dos sítios de vocalização (ROSSA-FERES & JIM, 2001).

De acordo com Martins & Haddad (1988), os machos de Hypsiboas faber respondem de forma territorial aos “playbacks” e mesmo às imitações rudimentares de seres humanos, executando cantos de anúncio e cantos territoriais; estes últimos emitidos enquanto saltando em direção à fonte sonora. Os machos de Anaxyrus woodhousii tendem a reduzir sua taxa de vocalizações ou ficar em silêncio, muitas vezes voltando-se para a fonte sonora, ao ouvir um

“playback” de sua vocalização que apresente uma alta taxa de repetição de notas; alguns machos chegaram a se afastar de tal fonte sonora (SULLIVAN, 1985). Já na espécie Anaxyrus punctatus, no mesmo experimento, os machos começavam a vocalizar em até cerca de três segundos após o 11

início do “playback”, não parecendo ser inibidos pelo mesmo (SULLIVAN, 1985). WAGNER Jr. (1989) encontrou uma correlação negativa entre o comprimento rostro-cloacal de Acris crepitans e a freqüência dominante de seu canto, o que pode ser explicado pelo fato de animais maiores possuírem cordas vocais de maior massa, as quais produzem sons de menor freqüência. Isso lhe permitiu apontar a freqüência dominante como um critério para a avaliação da capacidade de luta entre machos rivais dessa espécie, haja visto que os machos maiores geralmente vencem lutas por territórios. Avaliar a capacidade de luta do oponente com base em vocalizações e sinais visuais, tais como elevação do corpo, movimentação de membros ou exibição de partes chamativas do corpo, como o saco vocal (HARTMANN et al., 2005), é de grande importância para os machos, pois lhes permite evitar confrontos diretos, reduzindo os riscos de ferimentos e os gastos de tempo e energia (ROBERTSON, 1986). Sendo assim, é possível que machos da perereca D. nanus apresentem reações identificáveis e recorrentes quando expostos a vocalizações de sua própria espécie, selecionadas para terem características específicas. Por se tratar de um animal de pequeno porte, D. nanus tende a apresentar vocalizações com freqüências relativamente altas (MARTINS & JIM, 2003). Entretanto, através da análise dos dados preliminares coletados em campo, verificou-se que, para essa espécie, a freqüência dominante está relaciona com a massa do animal e não com o comprimento rostro-cloacal. MARTINS & JIM (2003) descrevem detalhadamente o canto de anúncio D. nanus de uma população de Botucatu, estado de São Paulo. Segundo estes autores, seu canto de anúncio é composto por notas introdutórias longas e multipulsionadas (notas tipo A) seguidas de seqüências de 6 a 32 notas secundárias curtas (notas tipo B), formando séries repetitivas que duram 4 s em média e são interrompidas por intervalos de silêncio. As notas introdutórias longas têm duração média de 44 ms e 7 a 15 pulsos irregulares com duração média de 2,5 ms. Essas notas são emitidas a uma taxa de repetição lenta, com cerca de 1 nota/s e formam séries de 2 a 16 notas com uma duração média de 8 s. Cada série de notas é seguida por um intervalo de silêncio de 4,1±2,5s. As notas secundárias, executadas durante vocalizações em coro, são curtas e duram de 17 a 26ms. São emitidas mais rapidamente, em uma média de 4 notas/s, cada nota contendo de 3 a 5 pulsos com duração média de 2,7 ms. A freqüência fundamental do canto é de cerca de 3900 Hz, com um segundo harmônico por volta de 7850 Hz (MARTINS & JIM, 2003). Entretanto, para D. nanus, não há descrições de cantos com funções mais específicas, freqüentemente encontrados em outras espécies de anuros como os cantos de corte (e.g., BASTOS & HADDAD, 12

1995), territoriais (e.g., MARTINS & HADDAD, 1988) ou agressivos (e.g., GIASSON & HADDAD, 2006). Algumas abordagens sobre as vocalizações em D. nanus referem-se a aspectos ecológicos, como a segregação reprodutiva e a coexistência com espécies filogeneticamente próximas. MARTINS et al. (2006) concluíram que a freqüência fundamental do canto é um dos fatores que auxiliam na partilha de espaço acústico, criando canais acústicos que são usados por cada uma das espécies simpátricas, aliada a certas diferenças entre os sítios de vocalização de cada uma delas, como a altura dos poleiros e a distância em relação à margem da poça. D. nanus mostra preferência por poleiros com cerca de 30 cm de altura e costuma vocalizar na face interna da margem da poça, enquanto outros hilídeos simpátricos costumam ocupar poleiros de alturas geralmente maiores (D. sanborni e D. jimi) ou menores (D. elianae) e também costumam ocupar as margens externas das poças (ver MARTINS et al., 2006). Entretanto, não há nenhum estudo comportamental sobre as funções dos cantos de D. nanus. Com isto, os objetivos mais específicos deste estudo são: 1 – descrever os parâmetros acústicos das diferentes vocalizações de D. nanus registradas em campo, comparado-os às descrições já disponíveis; 2 – descrever contextos sociais em que diferentes tipos de vocalização são emitidas, indicando evidências para as suas funções; 3 – investigar as mudanças de comportamento mediante experimentos acústicos, testando a hipótese de que D. nanus pode avaliar a capacidade de luta de um macho rival através da freqüência dominante de seu canto.

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2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. Área de estudo

O estudo foi realizado na Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade (FEENA), localizada no município de Rio Claro, São Paulo (22º26'02''S e 47º31'06''W), onde a espécie é bastante comum. A vegetação local é marcada pela presença de eucaliptos, havendo pouca vegetação nativa. A existência de lagos permanentes cercados de vegetação (Figura 1) favorece a reprodução de algumas espécies de anuros e o acesso relativamente simples a esses lagos viabiliza esse tipo de estudo. Nesta localidade, a atividade de vocalização de Dendropsophus nanus ocorre entre os meses de setembro e março, que correspondem à estação quente e chuvosa, o que enquadra a espécie no padrão de reprodução prolongado (TOLEDO et al., 2003). Em campo aberto, os machos usam como sítios de vocalização a vegetação arbustiva ou arbórea marginal ou sobre a água, em estratos inferiores a 1,5 m. A espécie também ocorre sobre a vegetação marginal do Lago Central (TOLEDO et al., 2003). A Figura 2 exemplifica a vegetação marginal utilizada como sítio de vocalização por D. nanus na FEENA. 14

Figura 1: Lago central da Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

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Figura 2: Vegetação marginal utilizada por Dendropsophus nanus como sítio de vocalização no lago central da Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

2.2. Registro e análise das vocalizações Foram feitas gravações de vocalizações de diversos machos de D. nanus em campo, de forma a se obter uma grande diversidade de sons, incluindo diferentes tipos de notas, freqüências, durações de notas, números de pulsos e taxas de repetição de notas. Os cantos dos animais foram gravados com um gravador Marantz portable recorder PMD 222 e microfone direcional Sennheiser ME 64. Foi feito uso de lanternas de luz branca para a localização dos animais. Foram feitas medidas do comprimento rostro-cloacal e da tíbia dos indivíduos com auxílio de um paquímetro com precisão de 0,01 mm (Figura 3) e a massa foi obtida com balança de precisão de 0,01 g (Figura 4), com a finalidade de calcular relações entre o tamanho do indivíduo e a freqüência de exibição de comportamentos, uma vez que parte-se do princípio que o tamanho 16

do animal influencia a estrutura de seu canto, principalmente com relação à freqüência dominante (e.g., GIASSON & HADDAD, 2006). Os cantos em fita cassete foram digitalizados com auxíliuo do software Audacity 1.3 (32 bits de resolução, amostragem de freqüência de 44100 Hz e FFT de 256 amostras) e analisados através do programa Praat 5.0.05 (amostragem de freqüência de 44100 Hz), para obtenção dos valores de freqüência dominante, duração da nota e número de pulsos por nota. Os oscilogramas e sonogramas das vocalizações foram gerados a partir do programa Raven Pro 1.3 (16 bits de resolução, amostragem de freqüência de 44100 H FFT de 256 amostras, brilho 65% e contraste 70%). Os parâmetros físicos das vocalizações de D. nanus foram, então, correlacionados com as medidas do tamanho corpóreo através do programa BioEstat 5.0, a fim de encontrar qual dessas medidas tem maior relação com a freqüência dominante das vocalizações.

Figura 3: Medição de comprimento rostro-cloacal (CRC) de macho de Dendropsophus nanus NA Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo (Foto: Carlos O. A. Gussoni).

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Figura 4: Pesagem de indivíduo macho de Dendropsophus nanus na Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo (Foto: Carlos O. A. Gussoni).

2.3. Experimento de “playback” Inicialmente, foram identificadas, dentre as gravações feitas em campo, aquelas que continham, na média, as notas com as maiores e as menores freqüências dominantes. Feito isso, foi selecionada uma terceira gravação, cujo valor médio de freqüência dominante das notas era intermediário entre o das duas primeiras. Para cada uma das gravações, foi selecionada uma nota de anúncio de tipo A. O número de pulsos dessas notas foi reduzido através de cortes no programa Audacity 1.3, a fim de que ficassem mais parecidas com notas B, que são utilizadas em atividade de coro. Não foram utilizadas notas B legítimas, pois essas notas costumam ser emitidas em maior estado de excitação, de modo alternado ou mesmo sobreposto entre dois ou mais machos, oferecendo um risco de interferência de uma nota sobre a outra, o que poderia distorcer suas propriedades acústicas. Já as notas A são emitidas de modo mais pausado e em menor estado de excitação, 18

permitindo que sejam selecionadas notas com menor interferência de outros machos, além de serem mais facilmente atribuíveis ao indivíduo que se queria gravar, reduzindo a chance de se trabalhar com uma nota emitida por um animal cujos dados de massa corpórea e tamanho não foram coletados. Feita a seleção, foi composto um canto artificial com cada uma das três notas (aguda, intermediária e grave), imitando um ritmo comum de emissão de notas ouvido em campo. Os três cantos artificiais foram gravados como arquivos de som independentes para realização dos “playbacks” em campo. Foi também adicionado um quarto arquivo à seleção utilizada para os “playbacks”, que corresponde ao canto agressivo. Esse arquivo foi feito aproveitando-se uma gravação cujo início é composto por cinco notas agressivas. As notas foram mantidas exatamente como foram emitidas originalmente, sendo excluídos apenas os sons de fundo (ruídos, grilos e outros indivíduos de D. nanus) com auxílio do programa Audacity 1.3. Estas edições foram levadas a campo, onde foram reproduzidas individualmente aos machos de D. nanus, sendo que cada indivíduo foi exposto a apenas um dos quatro estímulos acústicos preparados. Os comportamentos de cada indivíduo foram registrados durante três blocos de dois minutos: O primeiro é realizado antes da exposição ao estímulo acústico (controle), o segundo durante a reprodução de um dos estímulos acústicos (“playback”) e o terceiro após a reprodução do mesmo (pós-“playback”). Para o registro comportamental, foi organizada uma lista dos comportamentos de ocorrência mais provável, baseada em observações prévias em campo, na descrição do canto de anúncio da população de D. nanus de Botucatu, feita por Martins e Jim (2003) e nas listas de comportamentos de comunicação visual apresentadas por Hartman et al. (2005). Também foram levados em conta relatos de afastamento da fonte sonora artificial (e.g., SULLIVAN, 1985) e tentativas de atacá-la (e.g., MARTINS & HADDAD, 1988). Assim sendo, cada emissão de nota, emissão de agrupamento de notas de mesmo tipo ou movimento do corpo foram considerados comportamentos distintos e foi atribuído um símbolo gráfico a cada um deles (ver Apêndice 1). Cada vez que o animal observado executava um desses comportamentos, o símbolo correspondente era anotado no caderno de campo, de modo a permitir a quantificação desses comportamentos durante cada um dos mencionados momentos do experimento, possibilitando comparações entre eles quanto à freqüência dos comportamentos apresentados. 19

Após o registro do comportamento durante os três momentos do experimento, o macho submetido ao teste era capturado para que fossem realizadas medidas de massa corpórea, comprimento rostro-cloacal e comprimento da tíbia, a fim de fazer comparações de tamanho entre o macho observado e o macho rival representado pelo “playback”.

2.4. Análises estatísticas As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio dos programas BioEstat 5.0 e STATISTICA 6.0. A maioria dos conjuntos de dados não atendia aos critérios de normalidade exigidos pelos testes paramétricos. Por esse motivo, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis, uma análise de variância não paramétrica, quando a análise dos dados tornava necessária a comparação entre grupos, como, por exemplo, comparar a freqüência de determinado comportamento entre os três momentos do experimento. Foi possível o uso de ANOVA paramétrica quando a comparação envolvia dados de distribuição normal, como, por exemplo, a freqüência de emissão de notas A. Para a verificação de relações entre o tamanho dos indivíduos e a exibição de determinados comportamentos, foram utilizadas regressões lineares simples.

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3. RESULTADOS

3.1. Caracterização dos cantos

Foram analisadas as características das vocalizações de 29 indivíduos, gravadas durante a fase preliminar do estudo, que ocorreu entre outubro de 2007 e janeiro de 2008. As médias dos parâmetros físicos calculadas para as vocalizações foram organizadas na Tabela 1.

Durante as observações realizadas em campo, foi possível identificar, além das notas de anúncio constantes da literatura (e.g. MARTINS & JIM, 2003), um terceiro tipo de nota (“nota

C”), perceptivelmente mais longa e associada a comportamentos agressivos. Os parâmetros acústicos da nota C foram calculados com apenas cinco notas emitidas por um único indivíduo, pois, dada a raridade da emissão dessa nota, houve somente uma gravação em que ela foi registrada em primeiro plano, permitindo sua análise.

Os oscilogramas e espectrogramas das notas A, B e C estão ilustrados, respectivamente, nas Figuras 5, 6 e 7. A figura 8 retrata um macho de Dendropsophus nanus em atividade de vocalização.

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Figura 5: Oscilograma acima e espectrograma abaixo de uma nota de anúncio introdutória (nota A) de Dendropsophus nanus Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo. 22

Figura 6: Oscilograma acima e espectrograma abaixo de uma nota de anúncio emitida em atividade de coro (nota B) de Dendropsophus nanus. Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo. 23

Figura 7: Oscilograma acima e espectrograma abaixo de uma nota agressiva (nota C) de Dendropsophus nanus. Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo. 24

Figura 8: Indivíduo macho de Dendropsophus nanus em atividade de vocalização, apresentando saco vocal inflado. Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

Tabela 1: Parâmetros acústicos das vocalizações de Dendropsophus nanus, gravadas na Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, SP. Freqüência Tipo de Duração média Nº médio de dominante nota da nota (s) pulsos média (Hz) 0,045 ± 0,007 (n = 12,44 ± 1,55(n = A 3968,94 ± 195 232 notas) 232 notas) (n = 303 0,0276 ± 0,005 (n 7,03 ± 1,43(n = B notas) = 71 notas) 71 notas) 3561,046 ± Agressiva 0,151 ± 0,017 (n= 34 ± 9,56 (n = 5 160,457 (n = 5 (C) 5 notas) notas) notas)

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3.2. Regressões entre freqüência dominante do canto e tamanho dos indivíduos Foram feitas regressões lineares simples entre a freqüência dominante das vocalizações dos machos de D. nanus e suas medidas de CRC, comprimento tibial e massa corpórea. Os valores de média, desvio padrão, erro padrão e valores máximo e mínimo para as medidas de tamanho corpóreo de 28 indivíduos cujas vocalizações foram gravadas na fase inicial deste trabalho encontram-se na Tabela 2. A massa corpórea foi a medida que mostrou maior coeficiente de determinação (R2) estatisticamente significativo com a freqüência dominante (R2 = 0,254, p = 0,0063, n = 28). O comprimento da tíbia também apresentou um coeficiente de determinação significativo com a freqüência dominante; entretanto, esse coeficiente foi menor para essa regressão (R2 = 0,1647, p = 0,0304, n = 28) do que para aquela feita considerando-se a massa corpórea dos animais. Já a regressão entre CRC e freqüência dominante não mostrou significância estatística (R2=0,122, p=0,0679, n= 28). Uma provável explicação para isto é o fato de o CRC ser uma medida de menor acurácia, pois, durante o processo de medição realizado em campo, o animal assume posturas que comprometem a padronização das medições de seu tamanho. Deste modo, a massa corpórea foi adotada como o mais provável indicador da habilidade de luta e defesa de território e que possivelmente afeta o canto de D. nanus.

Tabela 2: Média, valores mínimo e máximo, desvio padrão e erro padrão para as medidas de tamanho corpóreo dos indivíduos de Dendropsophus nanus cujas vocalizações foram gravadas na Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo (n = 28). Média Mínimo Máximo Desvio Padrão Erro Padrão Comprimento 20.53 17.97 22.80 1.143 0.216 rostro-cloacal Comprimento 10.09 8.92 11.32 0.509 0.096 tibial Massa 0.50 0.38 0.65 0.070 0.013 corpórea

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3.3.1. Experimentos de “payback” Os comportamentos observados para os 48 indivíduos testados foram organizados na Tabela 3, em ordem decrescente de freqüência em que foram registrados ao longo de todo o experimento, facilitando a escolha dos comportamentos mais relevantes para as análises estatísticas subseqüentes.

Tabela 3: Listagem dos comportamentos observados durante o experimento de “playback” com Dendropsophus nanus na Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo. Freqüência Freqüência Freqüência Comportamento durante o durante o durante o pós- Freqüência total controle “playback” “playback” Emitir nota A* 1459 959 1583 4001 Emitir duas notas A 452 450 385 1287 seguidas* Emitir três notas B 107 172 82 361 seguidas* Ficar em silêncio* 84 91 90 265 Intercalar cada nota do “playback” com uma 0 204 0 204 nota de anúncio Emitir seqüência longa 56 108 31 195 de notas B* Intercalar cada nota do “playback” com duas 0 145 0 145 notas de anúncio Girar o corpo no sentido horário ou anti- 20 8 20 48 horário, sem se deslocar Emitir nota agressiva 4 36 0 40 Deslocar-se de um 13 7 12 32 ponto a outro Murchar o saco vocal 7 6 2 15 Realizar movimentos com os membros 1 3 9 13 posteriores (“chutes”) Realizar movimentos com os membros 1 3 6 10 anteriores Elevar o corpo 2 1 5 8 Intercalar cada nota do “playback” com três 0 5 0 5 notas de anúncio Inflar o saco vocal 2 0 0 2 27

Os comportamentos marcados com um asterisco correspondem àqueles escolhidos para as análises estatísticas, principalmente no que se refere à comparação entre os três momentos do experimento (controle, “playback” e pós-“playback”), por serem os comportamentos mais freqüentes e, portanto, provavelmente são os que possuem maior significado biológico. Os comportamentos de intercalar notas do “playback” com uma ou duas notas de anúncio, apesar de serem relativamente freqüentes, não podem ser utilizados para realizar comparações entre os momentos pelo fato de serem comportamentos que, por definição, só ocorrem durante o “playback”. Também deve ser feita uma ressalva quanto ao comportamento de manter-se em silêncio, uma vez que ele pode estar mais relacionado ao estresse gerado pela aproximação do observador, não sendo necessariamente um comportamento relacionado à submissão ou à economia de energia. A fim de se testar a eficiência do experimento, ou seja, avaliar se a realização de “playbacks” era de fato capaz de alterar o comportamento dos machos, as freqüências dos comportamentos registrados para cada momento do experimento foram comparadas entre si através do teste de Kruskall-Wallis. Houve diferença estatisticamente significativa entre os momentos do experimento para os seguintes comportamentos: Emitir nota A, emitir série longa de notas B e emitir série de 3 notas B. Para a emissão de notas A, o momento de “playback” foi significativamente diferente (Kruskal-Wallis, p< 0,05) dos momentos controle e pós-“playback”, os quais não diferiram entre si. Já para as séries curta e longa de notas B, o momento de “playback” diferiu significativamente (Kruskal-Wallis, p< 0,05) apenas do momento pós-“playback”, não havendo diferença significativa entre “playback” e controle. Os cantos de D. nanus ouvidos em campo eram constituídos, principalmente, por notas A, sendo os demais cantos menos freqüentes. Durante a execução dos “playbacks”, há uma diminuição significativa da emissão de notas A (ANOVA, F = 7,773, p < 0,05) (Gráfico 1), que coincide com um aumento significativo (ANOVA, F = 12,260 p < 0,05) na diversidade de comportamentos exibidos pelos indivíduos (Gráfico 2), a qual pode ser calculada a partir do etograma elaborado para essa espécie (ver Apêndice 1), somando-se, para cada momento do experimento, o número de comportamentos distintos apresentado pelo indivíduo. Deste modo, o número total de notas A emitidas durante cada momento do experimento e o número de comportamentos distintos apresentados podem ser tomados como indicadores da complexidade 28

comportamental, sendo que, quanto menor o número de notas A e maior o número de comportamentos distintos, menor a monotonia comportamental e, portanto, maior sua complexidade. 29

Gráfico 1: Variação do número total de notas A registrada para os três momentos do experimento de “playback” com Dendropsophus nanus. Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo. 30

Gráfico 2: Variação do número de comportamentos distintos realizados pelos indivíduos nos três momentos do experimento de “playback” com Dendropsophus nanus. Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

Contrariamente ao que ocorreu com as notas A, a emissão das seqüências de três notas B e as seqüências longas de notas B sofreram aumento durante a execução do “playback”. As variações nas freqüências desses comportamentos foram analisadas através do teste de Kruskal- Wallis. O teste mostra que a emissão dessas seqüências de notas B é maior durante o momento de “playback”; entretanto, só existe diferença estatisticamente significativa (Kruskal-Wallis, p < 0,05) entre os momentos “playback” e pós-“playback”. 31

Gráfico 3: Diferença na emissão de seqüências de três notas B durante os três momentos do experimento de “playback” com Dendropsophus nanus. Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

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Gráfico 4: Diferença na emissão de seqüências longas de notas B durante os três momentos do experimento de “playback” com Dendropsophus nanus. Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

Durante a realização do experimento em campo, foi possível perceber que outros comportamentos, como a emissão de notas agressivas e os movimentos com os membros traseiros também sofriam alguma alteração em sua freqüência durante e após a realização dos “playbacks”. Entretanto, por serem comportamentos mais raros, não foram registrados em quantidade suficiente para que essas alterações fossem consideradas estatisticamente significativas. Durante a execução dos “playbacks”, foi possível registrar que machos de D. nanus podem vocalizar em antifonia, podendo emitir de 1 a 3 notas de anúncio a cada nota do “playback”. Esse comportamento foi verificado somente em resposta aos “playbacks” de notas de anúncio, não sendo registrado nenhum dos tipos de antifonia em resposta ao “playback” de vocalização agressiva.

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3.3.2. Efeito da freqüência dominante do “playback” sobre o comportamento Partindo-se do pressuposto que os diferentes cantos artificiais levados a campo sugerem, a partir de diferenças entre freqüências dominantes, machos rivais de diferentes massas corpóreas, é necessário testar se os cantos artificiais provocam respostas significativamente diferentes nos machos testados. Os comportamentos selecionados para a comparação entre os efeitos dos diferentes estímulos de “playback” utilizados foram: Emitir nota A, emitir duas notas A seguidas, emitir três notas B seguidas, emitir seqüência longa de notas B, emitir nota agressiva e permanecer em silêncio. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os “playbacks” agudo, intermediário e grave para nenhum dos comportamentos analisados (Kruskal-Wallis, p > 0,05). Entretanto, a visualização dos gráficos gerados a partir do teste de Kruskal-Wallis revela que há uma maior emissão de notas A isoladas e duplas e de seqüências de três notas B durante a execução do canto de freqüência dominante intermediária (Gráficos 5, 6 e 7). As seqüências longas de notas B foram ligeiramente mais freqüentes durante a execução do canto de freqüência dominante baixa (Gráfico 8) e o comportamento de manter-se em silêncio foi perceptivelmente maior durante a execução dos cantos de freqüências dominantes intermediária e baixa (Gráfico 9). A emissão de notas agressivas foi nula durante a execução dos cantos de freqüência dominante intermediária, sendo que os poucos registros dessa nota ficaram concentrados entre os cantos de freqüências dominantes alta e baixa (Gráfico 10). 34

Gráfico 5: Comparação entre as emissões de notas A em resposta aos diferentes cantos utilizados no playback para Dendropsophus nanus, Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

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Gráfico 6: Comparação entre as emissões de notas A duplas em resposta aos diferentes cantos utilizados no playback para Dendropsophus nanus, Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

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Gráfico 7: Comparação entre as emissões de seqüências de três notas B em resposta aos diferentes cantos utilizados no playback para Dendropsophus nanus, Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

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Gráfico 8: Comparação entre as emissões de seqüências longas de notas B em resposta aos diferentes cantos utilizados no playback para Dendropsophus nanus, Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

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Gráfico 9: Comparação entre as freqüências do comportamento de manter-se em silêncio em resposta aos diferentes cantos utilizados no playback para Dendropsophus nanus, Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

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Gráfico 10: Comparação entre as emissões de notas agressivas em resposta aos diferentes cantos utilizados no playback para Dendropsophus nanus, Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, Rio Claro, São Paulo.

3.3.3. Comparação entre “playbacks” de notas de anúncio e notas agressivas A fim de se comparar as respostas dos indivíduos submetidos a “playbacks” de notas de anúncio (notas aguda, intermediária e grave) com as dos indivíduos submetidos a “playbacks” de notas agressivas, foi feito um teste de Kruskal-Wallis para cada um dos seguintes comportamentos: Emitir nota A, emitir duas notas A seguidas, emitir três notas B seguidas, emitir seqüência longa de notas B, emitir nota agressiva, intercalar uma, duas e três notas de anúncio a cada nota do “playback”, e permanecer em silêncio. O teste também foi feito para se comparar o número de ações distintas apresentadas por esses dois grupos de indivíduos. Houve diferença estatisticamente significativa (p<0,05) entre os “playbacks” de notas de anúncio e de notas agressivas para os comportamentos: Emitir nota A (Kruskal-Wallis, p= 0,0172, H= 5,677), intercalar uma nota de anúncio a cada nota do “playback” (Kruskal-Wallis, p= 0,0006, H =11,750) e intercalar duas notas de anúncio a cada nota do “playback” (Kruskal- 40

Wallis, p= 0,0021, H= 9,458). A freqüência de emissão de notas A foi maior entre os indivíduos submetidos a “playbacks” de notas agressivas. Já os comportamentos de emitir uma e duas notas intercaladas com as notas do “playback” foram ausentes entre os indivíduos submetidos a “playbacks” de notas agressivas, o que explica a elevada significância estatística. O comportamento de intercalar três notas de anúncio a cada nota do “playback” também não foi exibido por nenhum dos indivíduos submetidos a “playbacks” de notas agressivas. Entretanto, não se verificou diferença estatisticamente significativa em relação aos “playbacks” de nota de anúncio pelo fato desse comportamento ter sido muito pouco comum entre todos os indivíduos observados. O número de comportamentos distintos exibidos pelos indivíduos submetidos a “playbacks” de notas agressivas foi significativamente menor do que aquele apresentado pelos indivíduos submetidos a “playbacks” de notas de anúncio (Kruskal-Wallis, p= 0,0053, H= 7,773).

3.4. Efeito do tamanho e da massa corpórea do indivíduo sobre seu comportamento Foram feitas medidas de CRC, massa corpórea e comprimento tibial de 42 indivíduos durante o experimento de “playback”. Os valores de média, desvio padrão, erro padrão e valores máximo e mínimo para as medidas de tamanho corpóreo desses indivíduos encontram-se na Tabela 4.

Tabela 4: Média, valores mínimo e máximo, desvio padrão e erro padrão para as medidas de tamanho corpóreo dos indivíduos de Dendropsophus nanus submetidos ao experimento de “playback” (n=42). Média Mínimo Máximo Desvio Padrão Erro Padrão Comprimento 21.14 18.04 23.09 1.191 0.183 rostro-cloacal Comprimento 10.32 8.68 11.27 0.515 0.079 tibial Massa 0.53 0.43 0.67 0.069 0.010 corpórea

Conforme mencionado anteriormente, o comprimento da tíbia é uma medida mais confiável do tamanho do animal do que o CRC. Assim sendo, foram feitas regressões lineares entre os comprimentos tibiais dos indivíduos observados e as freqüências dos comportamentos por eles apresentados durante o experimento. O valor de p só foi estatisticamente significativo 41

para a regressão entre o comprimento tibial e o comportamento de intercalar cada nota do “playback” com uma nota de anúncio (p= 0,021 e R2 = 0,125). Os comportamentos de intercalar duas e três notas a cada nota do “playback” não mostraram relação significativa com o comprimento tibial, o que pode ser devido a menor freqüência com que esses comportamentos ocorreram durante o experimento. Uma vez que a massa corpórea foi considerada como o mais provável fator de habilidade de luta expresso na freqüência dominante do canto de D. nanus, foram feitas regressões lineares entre as freqüências dos comportamentos registrados para os indivíduos ao longo do experimento e suas respectivas massas corpóreas. Foi encontrada uma relação positiva com valor de p estatisticamente significativo somente para o comportamento de emitir duas notas A seguidas (p = 0,0088, R2 = 0,159). Para todos os outros comportamentos, pode-se afirmar que a massa corpórea do indivíduo não explica a variação da freqüência com que são exibidos pelos animais. Também foram feitas regressões lineares entre as freqüências dos comportamentos e os valores das diferenças de massas entre o indivíduo observado e o indivíduo que emitiu cada uma das três notas do “playback”. Neste caso, os valores de p não foram significativos (p> 0,05) para nenhum dos comportamentos, o que dificulta inferências a respeito da influência da massa sobre qualquer comportamento registrado, inclusive o comportamento de emitir duas notas A seguidas. Esse comportamento, porém, foi o que apresentou o valor de p relativamente mais próximo da significância estatística (p= 0,069). Todavia, o valor de R2 (R2 = 0,080) indica que a relação entre a diferença de massas e a freqüência do mencionado comportamento não é forte o suficiente para afirmar que a diferença de massas explique a variação na emissão de duas notas A seguidas entre os indivíduos observados.

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4. DISCUSSÃO

4.1. Correlação entre tamanho corporal e freqüência dominante

A correlação negativa entre a freqüência dominante da vocalização e a massa corpórea dos indivíduos já havia sido verificada para Uperoleia rugosa por Robertson (1986). Esse autor também verificou que disputas por território tendem a ser mais breves quando os rivais têm massas corpóreas muito diferentes e que animais mais pesados têm uma probabilidade muito maior de vencer tais disputas. No presente trabalho, também foi encontrada uma correlação negativa e significativa entre a massa do animal e a freqüência dominante de seu canto.

Entretanto, as massas corpóreas dos indivíduos observados, bem como a diferença entre as massas corpóreas dos animais observados e a massa corpórea dos rivais representados pelos

“playbacks” não influíram de modo significativo no comportamento.

4.2. Efeito dos “playbacks” sobre o comportamento

Experimentos envolvendo “playbacks” em anuros já haviam sido realizados por outros autores, como, por exemplo, Robertson (1986) e Lindquist & Hetherington (1996). Os experimentos de “playback” realizados por Robertson também sugeriam machos rivais de porte pequeno, médio e grande e esse autor demonstrou que machos de Uperoleia rugosa respondem de forma diferenciada a esses rivais de portes distintos. Os machos testados que possuíam massa corpórea igual ou superior à do rival representado pelo “playback” geralmente atacavam a fonte sonora, enquanto que os machos de massa corpórea inferior geralmente recuavam quando submetidos ao “playback”. Os resultados de Robertson (1986) mostram que machos de Uperoleia rugosa são capazes de avaliar seus rivais através das vocalizações, fazendo destas um indicativo da habilidade de luta.

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Dentre as respostas comportamentais encontradas por Robertson (1986) estão as vocalizações em antifonia e as vocalizações de encontro. Tais respostas também foram encontradas para Dendropsophus nanus, sendo a antifonia mais comum do que as vocalizações agressivas. No presente trabalho, não foi encontrada uma relação significativa entre a massa corpórea do indivíduo observado e a freqüência de emissão de notas em antifonia com o “playback”. Segundo Fellers (1979), machos de Pseudacris crucifer, quando submetidos a estímulos de “playback” em campo, tendem a aproveitar as pausas entre as notas da gravação para emitir suas vocalizações, evitando, desta forma, a sobreposição dos sons. Tal explicação parece se aplicar também à antifonia apresentada por D. nanus no presente trabalho. Lindquist & Hetherington (1996) verificaram que Atelopus zeteki altera significativamente seu comportamento durante a execução de “playbacks”, passando a apresentar com maior freqüência sinalizações com os pés, vocalizações e mudanças na orientação do corpo. Sabe-se que machos de algumas espécies de anuros respondem a estímulos relacionados a contextos sociais, como a atividade de machos rivais ou a aproximação de fêmeas, alterando seus comportamentos, de forma a torná-los mais intensos e complexos, conforme demonstrado por Wells & Taigen (1986). O aumento de complexidade do comportamento verificado em D. nanus neste estudo, correspondente à diversidade de sinais emitidos pelos animais, é condizente com os resultados encontrados por Rand & Ryan (1981), que demonstraram que machos da espécie Engystomops pustulosus tendem a tornar suas vocalizações mais complexas na presença de machos rivais (por exemplo, durante a atividade de coro) ou quando estimulados por “playbacks”. Esses autores também verificaram que as fêmeas de E. pustulosus apresentam preferência por vocalizações mais complexas. Assim sendo, sugere-se que machos de D. nanus sofrem alterações significativas em seu comportamento quando submetidos a estímulos de “playbacks” e que tais alterações estão de acordo com os resultados obtidos por diversos autores a respeito do comportamento de outras espécies de anuros.

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4.3. Vocalizações de anúncio Conforme consta na literatura, o canto de anúncio de D. nanus é composto por dois tipos distintos de nota: Uma nota introdutória mais longa (A) e uma nota mais curta (B), emitida em atividade de coro (MARTINS & JIM, 2003 e MARTINS et al., 2006). Os valores encontrados para os parâmetros acústicos do canto de anúncio de D. nanus na FEENA também são condizentes com aqueles já encontrados por vários autores, como Barrio (1967), Márquez (1993), Martins & Jim (2003), Martins et al. (2006) e Del-Grande (1995). A variação no número de emissões das notas A e B verificada durante o experimento de “playback” está de acordo com as funções descritas para essas notas de anúncio na literatura. Segundo Martins & Jim (2003), as vocalizações de anúncio de D. nanus e de Dendropsophus sanborni são comportamentos influenciados pelas interações sociais dessas espécies. Notas A são utilizadas por machos de D. nanus que estão começando sua atividade de vocalização ou estão isolados do coro. Já as notas B, que são emitidas a uma taxa de repetição mais elevada, compõem a vocalização de anúncio típica da atividade de coro dessa espécie. A presença de outros machos em atividade de vocalização atua estimula o aumento da taxa de repetição de notas em D. nanus e D. sanborni (MARTINS & JIM, 2003). Sendo assim, é possível sugerir que a execução de “playbacks” causava nos machos observados o mesmo estímulo causado pela atividade de machos rivais em coro, fazendo com que eles passassem a emitir notas mais curtas e mais repetitivas, em detrimento das notas mais longas do canto de anúncio introdutório.

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4.4 Vocalização agressiva Além das notas de anúncio, também foi encontrado um terceiro tipo de nota, de caráter agressivo e de ocorrência bem menos freqüente. No campo, essas notas são perceptivelmente distintas das notas A e B, pois são mais longas e apresentam um som característico, comparável ao de um objeto atritado contra uma superfície áspera. De acordo com observações feitas em campo, essa vocalização é emitida em meio a notas B durante a atividade de coro. Del-Grande (1995) também menciona esse tipo de vocalização, que é considerada por essa autora como um canto de encontro:

“Durante interações agonísticas, machos emitiam canto de encontro (“encounter call”, sensu WELLS, 1977). Este canto é composto por uma única nota, de duração bem maior que o canto de anúncio. O canto de encontro era emitido pelos machos, durante disputas territoriais, quando ambos permaneciam bem próximos, ou mesmo em luta, inclusive em interações agonísticas interespecíficas. Os machos de H. nana emitiam o canto de encontro entre emissões do canto de anúncio, durante todo o período de atividade, Tais emissões não eram, aparentemente, direcionadas a um determinado macho, parecendo servir como aviso geral de ocupação de território.”

Wells & Schwartz (1984) verificaram que machos de Dendropsophus ebraccatus emitiam mais notas agressivas quando estimulados por “playbacks” do que nos períodos em que não haviam estímulos. Isso também ocorreu com D. nanus no presente trabalho, embora, conforme mencionado anteriormente, notas agressivas tenham sido raras, o que faz com que essa diferença não seja considerada significativa pelos testes estatísticos. Esses mesmos autores também verificaram que “playbacks” de notas agressivas são mais eficientes para estimular machos de D. ebraccatus a emitir notas agressivas do que “playbacks” de notas de anúncio. O conjunto de dados obtido para D. nanus no presente trabalho, todavia, mostra que a emissão de notas agressivas foi ausente durante os “playbacks” de notas agressivas e muito rara durante “playbacks” de notas de anúncio (os poucos registros ocorreram somente nos “playbacks” de freqüências dominantes alta e baixa), sendo que não houve uma diferença estatisticamente significativa entre a quantidade de notas agressivas emitidas por machos submetidos a esses diferentes tipos de “playbacks”. De acordo com Fellers (1979), a densidade do coro de Pseudacris crucifer influencia a decisão dos machos de se envolver ou não em disputas baseadas em vocalizações. Quando os 46

machos dessa espécie foram estimulados com “playbacks” de vocalizações agressivas em um coro pouco denso, responderam aos “playbacks” com notas agresivas, desafiando o intruso, já que, sendo a densidade do coro baixa, cada animal poderia defender um espaço maior. Já em situações de coro mais denso, os machos responderam ao mesmo “playback” com notas de anúncio, pois o elevado número de indivíduos tornaria pouco viável as disputas por espaço físico. Tendo em vista que o coro de D. nanus na FEENA quase sempre apresenta densidade alta, a proposição feita por Fellers parece plausível para explicar a raridade ou mesmo a ausência de notas agressivas como resposta aos “playbacks”. Tanto D. nanus quanto D. ebraccatus não dirigiram comportamentos de agressão física à fonte sonora que emitia os “playbacks”, diferentemente do que já havia sido reportado para outras espécies (e.g. MARTINS & HADDAD, 1988). Wells & Schwartz (1984) sugerem, baseados no trabalho de Fellers (1979), que a ausência desse comportamento em D. ebraccatus pode ser explicada pelo fato de hilídeos que não defendem exatamente o mesmo território em noites consecutivas tenderem a apresentar níveis baixos de agressão física. O fato de os machos de D. nanus observados não terem tentado atacar a fonte sonora dos “playbacks”, aliado aos deslocamentos desses animais durante sua atividade de vocalização pode, portanto, sugerir ausência de territórios fixos para machos dessa espécie. Entretanto, não foram feitos testes para estimar o tamanho do território de D. nanus, logo, é possível que os animais estivessem se deslocando dentro de seus próprios territórios. Wells & Schwartz (1984) demonstraram que machos de D. ebraccatus emitiam mais notas agressivas quando o “playback” apresentava maior intensidade sonora, o que sugere um rival mais próximo do território. As notas agressivas de D. nanus foram bastante infreqüentes e, tomando por base os resultados desses autores, é possível que um aumento na intensidade sonora do “playback” estimulasse um aumento na emissão de notas agressivas.

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4.5. Sinalização visual Foram encontrados para D. nanus os comportamentos de movimento de mão, chute e elevação do corpo, equivalentes aos comportamentos de “limb lifiting”, “leg kicking” e “body raising”, registrados por Hartmann et al. (2004) para Hyalinobatrachium uranoscopum e Hypsiboas albomarginatus. Os movimentos de mão e os chutes de D. nanus eram executados de forma rápida, similarmente ao que foi verificado por esses autores. Porém, diferentemente do que ocorre com Hyalinobatrachium uranoscopum e Hypsiboas albomarginatus (HARTMANN et al., 2004), esses comportamentos são pouco freqüentes e pouco repetitivos. Nesse mesmo trabalho, Hypsiboas albomarginatus exibia o comportamento de elevação do corpo mesmo na ausência de machos rivais próximos. É possível que D. nanus apresente um comportamento similar, já que das oito vezes em que esse comportamento foi registrado, cinco ocorreram no momento pós- “playback”, no qual não há mais a simulação do rival dentro do território do macho observado. Hartmann et al. (2004) sugerem que Hypsiboas albomarginatus e Scinax eurydice possivelmente usam sinais visuais (movimentação dos membros) para contrastar com a vegetação na qual vocalizam, facilitando sua localização por indivíduos coespecíficos a curta distância, já que a atividade de outros anuros e insetos prejudicaria a comunicação acústica. Outra sugestão feita por esses autores a respeito do uso dos membros para a comunicação é a comunicação sísmica. Porém, no local em que se desenvolveu o presente estudo, os ruídos do ambiente não parecem ser uma pressão seletiva a favor da comunicação visual em D. nanus, já que o ambiente é relativamente aberto e as vocalizações de D. nanus se sobressaem com relativa facilidade, mesmo em épocas em que há atividade de vocalização de outras espécies de anuros e ortópteros. Além disso, conforme indicado na Tabela 2, sinais visuais são utilizados muito raramente por essa espécie, o que indica uma preferência por comunicação acústica. A comunicação sísmica em D. nanus não foi observada, pois, na área de estudo, a distância e a falta de conexão entre alguns poleiros utilizados pelos machos provavelmente inviabiliza esse tipo de comunicação e mesmo machos muito próximos emitiam vocalizações sem apresentar outros movimentos que pudessem sugerir a emissão de sinais sísmicos. Lindquist & Hetherington (1996) também verificaram sinalizações com os membros em seus experimentos de “playback” com Atelopus zeteki. Esses autores sugerem que esse comportamento pode ser um sinal de territorialidade, podendo até mesmo ser uma forma de comunicação interespecífica dirigida aos pesquisadores. As observações feitas sobre o 48

comportamento de D. nanus não parecem sustentar essa explicação. Os indivíduos perceptivelmente incomodados com a aproximação do observador paravam de vocalizar ou fugiam, seja saltando ou escondendo-se atrás de folhas, não havendo indícios de comportamentos territoriais dirigidos ao observador. O uso de sinais de territorialidade dirigidos a outras espécies de anuros que eventualmente possam competir por sítios de vocalização, como D. sanborni e Dendropsophus minutus não foram observados durante a realização desse estudo. Miranda et al. (2008) verificaram o uso de sinalização visual por machos de Dendropsophus werneri. A sinalização visual dessa espécie em contexto agonístico era realizada por machos residentes quando machos invasores adentravam seus territórios. Os sinais visuais eram utilizados em associação com vocalizações agressivas e compreendiam movimentos com os membros anteriores e posteriores. Os autores sugerem que as sinalizações visuais podem refletir um estado agressivo e a disposição para um confronto físico.

4.6. Avaliação de rivais com base na freqüência dominante da vocalização Segundo Wagner Jr. (1989), a hipótese de que machos de anuros usam a freqüência dominante como forma de avaliar rivais prediz que o macho testado vai se retrair em resposta a vocalizações de baixa freqüência dominante e reagir agressivamente a vocalizações de freqüência dominante mais alta. Isso não se verificou em D. nanus, pois, contrariamente ao que esse autor concluiu em seu trabalho com Acris crepitans, os machos de D. nanus não parecem utilizar a freqüência dominante do canto como forma de obter informações a respeito da massa corpórea dos rivais, haja visto a falta de diferença significativa entre as respostas aos “playbacks” de diferentes freqüências dominantes e a ausência de relação entre a massa dos indivíduos e as freqüências dos comportamentos apresentados. Assim sendo, é possível sugerir que a freqüência dominante das vocalizações de D. nanus não estão envolvidas na avaliação da massa corpórea dos rivais. Conforme mencionado anteriormente, o envolvimento dos animais em confrontos diretos é desvantajoso, sendo bastante adaptativa a existência de formas de avaliar indiretamente a capacidade de luta dos adversários. Levando-se em conta que a comunicação sísmica foi descartada pelas observações em campo e o uso de sinais visuais é pouquíssimo empregado por D. nanus, a avaliação dos rivais muito provavelmente se dá por meio de vocalizações, porém, provavelmente envolvendo parâmetros acústicos que não a freqüência dominante, como, por 49

exemplo, o número de pulsos por nota e a taxa de repetição de notas. O uso desses parâmetros em disputas entre machos de anuros pode ser exemplificado pelo trabalho de Byrne (2008), que verificou que machos de Pseudophryne bibronii dobram sua taxa de repetição de notas na presença de um rival experimentalmente introduzido em seu território. Além disso, a presença do rival fazia com que o residente modificasse a estrutura de suas notas de anúncio, aumentando a quantidade de pulsos por nota. Outro exemplo é o trabalho de Schwartz & Wells (1985), que demonstraram que Dendropsophus microcephalus apresenta um aumento na taxa de repetição de notas em resposta a “playbacks” e que tais estímulos acústicos provocam alterações nos parâmetros temporais das vocalizações dessa espécie. Segundo Wagner Jr. (1989), Acris crepitans blanchardi também altera o número de pulsos por nota em suas vocalizações de anúncio e diminui sua taxa de repetição de notas durante interações agonísticas. Segundo esse autor, os machos de A. c. blanchardi respondem de modo mais agressivos a rivais maiores do que a rivais menores; entretanto, essa resposta não parecia estar diretamente relacionada com a probabilidade de se vencer uma luta. A agressividade da resposta apresentada por essa espécie não sofria influência dos tamanhos absoluto e relativo dos machos envolvidos na disputa, sendo que a falta de discriminação do tamanho do rival pode ser explicada pelo comportamento de reduzir voluntariamente a freqüência dominante do canto em contextos agonísticos. Uma vez que as informações sobre o tamanho do rival são possivelmente falsas, as interações vocais nessa espécie podem ser mais amplas. É possível que a explicação proposta por Wagner Jr. se aplique a D. nanus, uma vez que existe uma relação significativa entre massa corpórea e freqüência dominante, mas os comportamentos exibidos não sofreram influência significativa da massa dos indivíduos ou das freqüências dominantes dos “playbacks”. Todavia, as notas emitidas pelos machos testados não foram gravadas, logo, não existem, no presente trabalho, dados que possam sustentar essa hipótese.

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5. CONCLUSÕES

Neste estudo, verificou-se que o canto de Dendropsophus nanus é constituído por três tipos distintos de notas, sendo a nota agressiva muito menos freqüente do que as notas usadas na vocalização de anúncio. Ocorrem também comportamentos de sinalização visual nesta espécie, porém, são utilizados raramente.

A emissão de “playbacks” afeta significativamente o comportamento dos indivíduos observados, o que indica que a atividade de vocalização de D. nanus sofre influência de contextos sociais. Estímulos acústicos de diferentes freqüências dominantes não provocaram respostas comportamentais diferentes, entretanto, “playbacks” de notas de anúncio e “playbacks” de notas agressivas interferem de modo diferente na freqüência de exibição de determinados comportamentos.

A massa corpórea foi a medida de tamanho do animal que apresentou maior relação com a freqüência dominante do canto, entretanto, não foram encontradas evidências de que o tamanho do indivíduo seja uma informação transmitida por meio da vocalização, não sendo uma variável que influencia o comportamento.

A freqüência dominante provavelmente não está envolvida na avaliação do tamanho dos animais. É possível que a avaliação de rivais em D. nanus se dê por meio de outro parâmetro físico do canto que não a freqüência dominante.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICE 1: ETOGRAMA E RESPECTIVAS REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS DOS COMPORTAMENTOS OBSERVADOS EM CAMPO

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Assinaturas:

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Danilo Barêa Delgado (aluno)

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Prof. Dr. Célio Fernando Baptista Haddad (orientador)