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International Edition Edição Internacional Edição Internacional 2016 Revista de Cultura Revista de Cultura Review of Culture INSTITUTO CULTURAL do Governo da R.A.E de

Review of Culture

Benjamim Videira Pires, SJ IC In Memoriam

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EDITOR é uma revista de Cultura e, domínio do Espírito, é Livre. Avassalada Revista de Cultura Publisher ao encontro universal das culturas, servente da identidade cultural de Subscribe to INSTITUTO CULTURAL Macau, agente de mais íntima relação entre o Oriente e o Ocidente, do Governo da Região Administrativa Review of Culture particularmente entre a e Portugal. RC propõe-se publicar todos Especial de Macau os textos interessantes aos objectivos confessados, pelo puro critério da CONSELHO DE DIRECÇÃO qualidade. Assim, as opiniões e as doutrinas, expressas ou professas nos textos Editorial Board assinados, ou implícitas nas imagens de autoria, são da responsabilidade Ung Vai Meng, Chan Peng Fai, dos seus autores, e nem na parte, nem no todo, podem confundir-se com a Wong Man Fai, Luís Ferreira orientação da RC. A Direcção da revista reserva-se o direito de não publicar, [email protected] nem devolver, textos não solicitados.

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atrium atrium SUMÁRIO Index

COLABORARAM NESTE NÚMERO Benjamim Videira Pires, SJ: IN MEMORIAM Contributors to this Issue 6 Benjamim Videira Pires, S. J.: Memória e Homenagem 潘日明神父的生平回憶及其對後世的影響 TEXTO Jorge A. H. Rangel Texts Ana Cristina Alves 21 Padre Benjamim Videira Pires: Percurso de um Educador e Historiador de Macau António Aresta 澳門的教育家和歷史學家潘日明神父 Aureliano Barata Aureliano Barata Cai Jiehua Celina Veiga de Oliveira 32 A Identidade Cultural de Macau no Pensamento de Benjamim Videira Pires, S. J. Fernando M. Margarido João 耶穌會士潘日明對澳門文化特性的看法 Geoffrey C. Gunn António Aresta Jorge A. H. Rangel Jorge Bruxo 41 A Miscigenação de Benjamim Videira Pires Jorge de Abreu Arrimar 潘日明: 中西文化的融合體 Maria de Lurdes N. Escaleira Ana Cristina Alves Roderich Ptak 52 A Embaixada Mártir de Benjamim Videira Pires: O Cristianismo e a sua Circunstância REVISÃO 潘日明 作《殉難大使》: 基督教及其狀況 Proofreading Celina Veiga de Oliveira Chao Siu Fu (Chinês), Luís Ferreira (Português), 61 Subindo no Céu do Oriente Jennifer Ann Day (Inglês) 昇華於東方的天空 Design João Jorge Magalhães Jorge de Abreu Arrimar

66 Pensamento e Acção de Benjamim Videira Pires em Religião e Pátria 《宗教與祖國》雜誌所見潘日明的思想與活動 A NOSSA CAPA Jorge Bruxo e Maria de Lurdes N. Escaleira A assinalar o centenário do nascimento do Pe. Benjamim Videira Pires, este número de Revista de Cultura integra uma compilação de artigos dedicados ao notável vulto, fundador do Instituto D. Melchior Carneiro e ao preponderante papel que desempenhou na sociedade macaense durante meio século. Educador, historiador, literatura * literature escritor, Benjamim Videira Pires é aqui homenageado por Jorge A. H. Rangel, em notas introdutórias de análise 79 Categorizing the Early Literature of Macao and the Role of Tang Xianzu à sua intervenção cívica e cultural no Território. 早期澳門文學的分類及湯顯祖的角色 O seu percurso de educador e historiador ou a revisitação da sua obra e o modo de pensar a história de Macau Cai Jiehua and Roderich Ptak surgem pelos trabalhos de investigação de Aureliano Barata e de António Aresta. Celina Veiga de Oliveira escrutina um dos mais importantes títulos deste historiador de Macau, A Embaixada Mártir. Jorge Bruxo e Maria de Lurdes Escaleira debruçam-se sobre o pensamento e a acção do missionário jesuíta enquanto director da revista Religião 101 Macau em Os Dores, de Henrique de Senna Fernandes e Pátria. A concluir este tributo, Ana Cristina Alves, numa biografia romanceada, desvenda as várias facetas do seu 飛歷奇作品《朵斯姑娘》中的澳門 fascínio pelo Oriente e Jorge de Abreu Arrimar eterniza uma narrativa de sentimentos e opiniões do autor sobre M. Lurdes N. Escaleira, Fernando M. Margarido João Macau, a partir da interpretação dos seus poemas. Um artigo sobre a classificação da literatura antiga de Macau e o papel de Tang Xianzu introduz um novo capítulo, onde o romance Os Dores, de Henrique de Senna Fernandes, serve de objecto de estudo para dois académicos historiografia * historiography produzirem um olhar sobre Macau, numa abordagem aos espaços físico, psicológico e social. A descoberta asiática 124 The Timor-Macao Sandalwood Trade and the Asian Discovery of the Great South Land? da Oceania e o comércio de sândalo entre Timor e Macau são assuntos discutidos no trabalho que encerra este 帝汶與澳門的檀香貿易和亞洲人發現南方大陸 número. Geoffrey C. Gunn

OUR COVER To mark the centenary of the birth of Father Benjamim Videira Pires, this number of Review of Culture includes a compilation of articles devoted to this remarkable figure, founder of the D. Melchior Carneiro Institute, and 149 Resumos to the leading role he played in the Macanese society for half a century. Educator, historian and writer, Benjamin Videira Pires is here honoured by Jorge A.H. Rangel with introductory notes analysing his civic and cultural intervention in the territory. His career as an educator and historian, as well 152 as the revisiting of his work or the ways in which to think of Macao’s history arise on the papers of Aureliano Barata ABSTRACTS and António Aresta respectively. Celina Veiga de Oliveira scrutinises one of the most important titles of this Macao historian, A Embaixada Mártir. Jorge Bruxo and Maria de Lurdes Escaleira jointly discuss the thought and action of the Jesuit missionary during his tenure as director of the magazine Religião e Pátria. To conclude this tribute, Ana Cristina Alves reveals the various facets of his fascination with the East in a romanticised biography and Jorge de Abreu Arrimar maintains a narrative of feelings and opinions of the author about Macao, from the interpretation of his poems. An article on the categorization of the Early Literature of Macao and the role of Tang Xianzu introduces a new chapter devoted to Literature, where the novel Os Dores by Henrique de Senna Fernandes, serves as a subject of study for two academics to produce an insight into Macao by highlighting its physical, psychological and social spaces. The Asian discovery of the Great South Land and the Timor-Macao sandalwood trade are issues discussed in the chapter that concludes this number.

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Benjamim Videira Pires, S. J. Memória e Homenagem

Jorge A. H. Rangel*

Introdução Macau no pensamento de Benjamim Videira Pires, S. J.” , “A Embaixada Mártir de Benjamim Videira Pires: Por ocasião do centenário do nascimento do Pe. O cristianismo e a sua circunstância”, “Subindo no Benjamim Videira Pires, S.J. (1916-1999), decidiu céu do Oriente” e “Pensamento e acção de Benjamim a Revista de Cultura dedicar-lhe um amplo espaço Videira Pires em Religião e Pátria”, permitem ao leitor deste número da sua edição internacional, para o que abarcar, em larga medida, a dimensão excepcional que convidou reputados investigadores, como Ana Cristina esta figura multifacetada alcançou e projectou através da Alves, Aureliano Barata, António Aresta, Celina Veiga sua intervenção persistente e consequente em variados de Oliveira, Jorge de Abreu Arrimar, Jorge Bruxo e domínios. Maria de Lurdes Escaleira, a contribuírem com artigos Por iniciativa do Instituto Internacional de Macau sobre a vida, o pensamento e a obra deste missionário, (IIM), foi dado início, logo em Janeiro do corrente ano, pedagogo, historiador e escritor, que foi uma das mais às comemorações deste centenário, com uma bonita e destacadas e marcantes personalidades da vida cultural bem participada sessão, eloquentemente protagonizada e cívica de Macau na segunda metade do século xx. Os pela professora e investigadora Beatriz Basto da Silva. trabalhos apresentados, cujos títulos bem apelativos são Entretanto, o IIM havia publicado, em 2011, o livro “A miscigenação de Benjamim Videira Pires”, “Padre P. Benjamim Videira Pires, Meu Irmão, de Francisco Benjamim Videira Pires: Percurso de um educador Videira Pires, ele próprio também sacerdote jesuíta e e historiador de Macau”, “A identidade cultural de escritor, além de professor universitário e sociólogo, cujo testemunho é agora incontornável quando se pretende evocar o legado do seu irmão em Macau. Por isso, nestas

* Presidente do Instituto Internacional de Macau, foi membro do Governo notas introdutórias que me foi solicitado que redigisse de Macau com a tutela das áreas da Educação, Cultura, Turismo, Juventude, para abrir este capítulo da Revista de Cultura, para além Desporto e Administração Pública, deputado à Assembleia Legislativa, onde presidiu às Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de recorrer à memória que guardei do relacionamento e do Regimento e Mandatos, membro do Conselho de Redacção da Lei Básica que pudemos manter ao longo de muitos anos, fui da Região Especial de Macau, director do Turismo e da Comunicação Social e presidente da Fundação Macau, da comissão instaladora do Instituto Politécnico buscar naquela oportuna biografia, que o IIM integrou de Macau e da Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Desenvolveu na sua colecção “Missionários para o Século XXI”, ampla actividade académica e no seio de instituições da sociedade civil, bem como junto de organismos internacionais. os elementos necessários à correcta caracterização daquela notabilíssima personalidade nos diversos President of the International Institute of Macau, was Secretary for Education, Culture, Tourism, Youth, Sports and Public Administration, as well as Acting Governor enquadramentos e facetas que importa nesta altura of Macao, elected member of the Legislative Assembly, member of the Macao SAR Basic destacar. Esta apreciada colecção, do variado acervo Law Drafting Committee, director of Tourism and Social Communication, president of the Macao Foundation, the Macao Polytechnic Institute and the Portuguese editorial do IIM, visou precisamente recordar os mais Historical Society (in Lisbon) and chairman of the Education, Sports and Youth Councils of Macao, with a very active involvement in academic affairs, cultural destacados obreiros e servidores da acção missionária Pe. Benjamim Videira Pires, S. J. and civic associations and international organisations. no Extremo Oriente, num século “constelado por uma

6 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 7 Jorge A. H. Rangel Benjamim Videira Pires, S. J.: memória e homenagem

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

geração de ouro, de tantas figuras excepcionais em exercer funções docentes (Liceu Nacional Infante me chamava ‘irmão duas vezes’ – pelo sangue e na televisão, relata, com sentidas e vigorosas palavras, o Macau radicadas, grandes nas obras, como no quase D. Henrique) e pastorais (capelão militar, etc.). sacerdócio comuns. Ninguém, por isso, foi tanto invulgar percurso do irmão. Do nascimento à morte, anonimato de uma humildade que é expressão de um É director, desde 1961, do Instituto D. Melchior seu confidente. A sintonia psicológica, percursos as diversas facetas da sua vida e obra são identificadas verdadeiro sentido ancilar da vida e do destino”. Carneiro, de que também é fundador, pertencendo e ideais idênticos, longa e constantemente e explicadas. Sobre o historiador, teceu, entre outras, Gostaríamos que as acções atrás referidas ainda a diversas associações de História (membro entrecruzados, permitiram-me viver com ele, as seguintes considerações: fossem complementadas com mais realizações, na do Instituto Histórico Ultramarino, governador em completa empatia, ano a ano e a despeito das “Foi a história que mais projectou o nome forma de palestras, artigos e edições, sendo desejável a da International Association of Historians of distâncias geográficas, cada um dos seus grandes do P. Benjamim. Por ela, tornou-se membro republicação de algumas das obras mais emblemáticas Asia, etc.) e tendo representado Portugal e Macau ou pequenos dramas. A carta e o telefone, quantas da Academia Portuguesa da História (nela de Benjamim Videira Pires e a compilação de trabalhos em várias conferências e colóquios nacionais e vezes madrugada alta, pontuavam ‘os trabalhos e conquistou vários prémios de investigação), da seus que ficaram dispersos por jornais e revistas. É um internacionais. os dias’ dum e doutro. Academia de Marinha, do Instituto Histórico desafio que se lança a instituições locais com óbvias A sua obra literária encontra-se dispersa em várias Sempre nutri por ele admiração superior à de Ultramarino e da International Association of responsabilidades nos sectores académico e cultural, publicações, particularmente, na revista ‘Religião qualquer outro membro da família. Mais até que Historians of Asia, na categoria de governador. em geral. e Pátria’ (1956-1968), tendo publicado também pelo sobrinho de escol Lucas Pires. Assombrava- Em atenção aos seus méritos, principalmente alguns livros, com destaque para ‘A Mulher -me como, praticamente só com Deus, levou neste campo, recebeu sucessivamente, diversas Notas biográficas Venceu’, ‘Pregai o Evangelho’, ‘Jardins Suspensos’ a cabo obra tão multiforme, desdobrando-se, distinções honoríficas, a última das quais (poesia), ‘Espelho do Mar’ (poesia), ‘A Embaixada com igual naturalidade, por iniciativas de póstuma (Ordem Militar de Santiago da Espada O livro Os Extremos Conciliam-se (Transculturação Mártir’ e ‘Portugal no Tecto no Mundo’”. apostolado, de alta cultura, de educação, de grande colar de ‘Ciências, Letras e Artes’), que eu em Macau) de Benjamim Videira Pires foi, para Este livro saiu do prelo em 1988, sendo edição ensino, de construtor duma instituição escolar tive a alegria de receber, em nome da família, no muitos, a sua obra mais exaltante, pela profundidade do Instituto Cultural de Macau. Dez anos depois, em que hoje vale milhões, escrevendo sempre, para salão nobre do Palácio do Governo, das mãos do de interpretação do sentido da missão de Portugal Agosto de 1998, Benjamim Videira Pires, após um diversíssimos órgãos de imprensa e, mais ainda, Exmo. Senhor Presidente da República, Dr. Jorge no Oriente e do papel de Macau no contexto do período dolorosamente atribulado neste território, livros de variados géneros literários. Com tempo Sampaio, a 18 de Março de 1999. […] prolongado e fecundo encontro de culturas que aqui partiria definitivamente para Portugal, já visivelmente de repartir pelas almas e pelos amigos, nunca Tentar uma análise, sumária que fosse, de tudo se produziu. Ela contém esta sucinta nota biográfica: debilitado, vindo a falecer no ano seguinte. suscitando neles a sensação de que estavam a quanto publicou, neste domínio, levar-me-ia “Benjamim António Videira Pires nasceu Ninguém melhor do que o seu irmão e íntimo estorvá-lo, como se a cada instante dispusesse da demasiado longe, para os limites deste escrito. em Torre de D. Chama, Mirandela, a 30 de confidente, Francisco Videira Pires, também jesuíta e eternidade para cada um que o precisava. Basta recordar que vários desses trabalhos, como o Outubro de 1916, onde também completou o professor, podia ter feito a sua biografia. Na introdução, Nestas laudas, porventura longas, pelas páginas, dedicado à primeira polícia de Macau, A Viagem Curso Primário, tendo ingressado no Seminário sintetizou deste modo a dimensão da personalidade mas sempre curtas, para a dimensão da sua de Comércio Macau: Manila nos Séculos XVI-XIX’, da Costa, em Guimarães, até terminar os do irmão, por quem nutriu “admiração superior à de personalidade, conto que ao menos um esboço as revelações relativas ao ‘foro do chão’, entre preparatórios do Seminário Menor, equivalente qualquer outro membro da família”: fiel da sua alma venham encontrar quantos as muitos outros, mestres como Charles Boxer os ao Curso Geral Liceal. “Quando, em começos de Janeiro de 1949, lerem”. citam por decisivos. Tal era a sua competência Em 1932, entrou na Companhia de Jesus arriba a Macau, vindo de Hong-Kong, a bordo O título que escolheu foi P. Benjamim Videira de investigador escrupuloso, que o catedrático e, em 1936, concluiu um Curso Superior do Kuantung, ‘uma sucata velha, de chaminé Pires, Meu Irmão. É preciso ler esta obra para melhor alemão Rolf Dieter Cremer lhe pediu o capítulo de Humanidades Clássicas e de Literatura alta como um charuto’, o P. Benjamim, no se entender o longo percurso e o período conturbado referente às origens e história antiga de Macau, Portuguesa, oficialmente reconhecido, no vigor dos 32 anos, longe andava de pensar que da sua vida nos últimos anos em Macau. para a obra colectiva Macau, City of Commerce mosteiro beneditino de Alpendurada, concelho só regressaria definitivamente a Lisboa, em voo António Aresta, professor e investigador, com and Culture da UEA Press, de Hong Kong, de de Marco de Canavezes. Na Faculdade de da TAP, às 6 da madrugada do dia 6 de Agosto extensa e valiosa obra dedicada a Macau, incluiu-o entre 1987, que, apenas três anos volvidos, conheceria Filosofia de Braga, fez o primeiro ano de Questões de 1998, reduzido a uma ruína e em cadeira de as 28 “figuras de jade”, portugueses que se notabilizaram segunda edição. Científicas (Física, Química e Matemática) e rodas. Neste espaço de quase 50 anos, a sua vida pela sua ligação ou relação com o Extremo Oriente, Dada, pois, a extensão e riqueza do tema, obteve, em 1940, o bacharelato em Filosofia. confunde-se de tal modo com a da ‘Cidade do cujas breves biografias foi publicando no Jornal Tribuna prefiro pôr em relevo aspectos mal conhecidos Em Granada, Espanha, estudou quatro anos de Santo Nome de Deus’, em apostolado sacerdotal de Macau e reuniu depois em Figuras de Jade: Os da personalidade do P. Benjamim, como Teologia na Faculdade de Cartuja. e actividade cultural, que não soam a hipérbole Portugueses no Extremo Oriente (IIM, 2014). historiador. A partir do modo como ordenava os Aos 5 de Agosto de 1945, foi ordenado sacerdote, as palavras do Prof. Doutor Veríssimo Serrão, na materiais, para concretização dos projectos que ia no Porto. carta de pêsames que me escreveu, ao afirmar que, Benjamim Videira Pires, historiador concebendo. Se reparamos no que, neste ponto, Foi professor de Literatura Portuguesa no enquanto a herança portuguesa perdurar nesse deixou impresso, em livro ou na imprensa, tudo Seminário Menor dos Jesuítas, em Macieira de território, o nome de meu irmão permaneceria No livro Benjamim Videira Pires, Meu Irmão, se ordena em torno da actividade de Portugal e Cambra, completou a sua formação espiritual também indelevelmente ligado a ele. Francisco Videira Pires, que também foi uma respeitada da Igreja, por essas paragens remotas. Procurava em Salamanca e, em Novembro de 1948, seguia Não é fácil escrever sobre um irmão que, para personalidade do mundo da cultura, de quem muitos sempre ir às fontes, que, à falta de fotocopiadoras, para Macau, onde estudou chinês, tendo vindo a mais, em cartas e dedicatórias de livros, sempre portugueses se recordam pelas suas doutas intervenções as mais das vezes transcrevia à mão, cotejando

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

depois tudo, palavra a palavra, com o texto da ofereceu). Sem hesitar, o P. Benjamim explicou prefeito, o P. Benjamim estudara Max Scheler, missionárias da Companhia, com S. Francisco obra, respeitando até a própria ortografia da tratar-se do nome dum jesuíta português coevo, que, na melhor das suas obras, O Formalismo Xavier, na Índia, em Malaca e no Japão, um dos época. Chegava a regressar ao mesmo arquivo, que missionara em terras do Extremo Oriente. na Ética, lembra: ‘Nada no mundo atrai tão instrumentos preferidos de evangelização. Do português ou estrangeiro, para de novo se Citando fielmente, por datas e lugares, quanto profunda, imediata e necessariamente uma pessoa Liceu à Universidade local, medeiam dezenas de certificar da exactidão dum texto já copiado, dele se conhecia. para o bem, como a visão de um homem de bem, anos. Nesse intervalo, embora começasse pela anos antes. O último catálogo de exposição da sua obra na prática do bem. […] O bom exemplo, puro e responsabilidade duma das escolas que a Ordem Poucos, antes dele, num método que a nova publicada refere 57 títulos, entre artigos e livros. sem mancha, ultrapassa de longe qualquer outro já mantinha na cidade, não tardou a sonhar historiografia da Universidade de Macau vem Mas logo o cuidadoso Dr. Jorge Arrimar, no modo de fazer bem a outrem’. com um grande centro educativo, que prestasse, explorando com tanto êxito, se terão lembrado prefácio, adverte que, além de muitos artigos Antes, já os clássicos latinos lhe repetiam que com o infantil e primário, todo o programa do de vasculhar fontes e arquivos chineses, no dispersos por diversos órgãos de imprensa, a verba volant, exempla trahunt. E a paideia grega, ensino médio do território. Partiu do princípio, que tocasse a Portugal. Mesmo em Pequim. que não conseguiu chegar, a Enciclopédia Luso- mais original e originária, mostrara-lhe que a com uma escolinha para os mais pequeninos, em Mas foram-lhe ciosamente fechados, por ser -Brasileira VERBO contém, nos seus volumes personalidade resulta da lenta moldagem duma edifício de ocasião e emprestado. Até alcançar, estrangeiro. Do pouco a que teve acesso, o seu umas 200 entradas, algumas fundamentais, sem forma (morphè), que S. Paulo é o primeiro a com o Instituto Dom Melchior Carneiro, a plena domínio do chinês (cujos caracteres tinha sempre contar as centenas de estudos históricos não identificar com Cristo. Se já para Platão, ‘Deus realização da que sempre considerou a maior e o cuidado de apor à versão portuguesa de nomes utilizados e que iam aparecendo na ‘Religião e é o pedagogo do universo’, os Padres da Igreja melhor das suas obras”. próprios, locativos ou até expressões correntes Pátria’. Quando o Instituto Cultural publicou, grega, que tinham estudado nas melhores escolas A sua faceta de educador por excelência fê-lo mais raras), permitia-lhe clarificar pormenores em 1995, ‘Taprobana e mais alé2m’, em de Atenas, retomam a ideia paulina e insistem também servir-se de instrumentos de comunicação, por que outros, antes dele, tinham passado declaração já escrita, projectava ainda uma obra em que a forma definitiva da humanidade é como a revista Religião e Pátria e o jornal Confluência, intrigados. em 2 volumes, sobre a Companhia de Jesus, no Cristo”. para difusão doutrinária, como veremos mais adiante: A epigrafia funerária, como complemento Extremo Oriente. Várias vezes me confidenciou Benjamim punha todo o seu ardor nas suas aulas, Os diversos cargos públicos que desempenhei importante do livro ou do manuscrito, mereceu- essa empresa, que acarinhava muito, e em que pois aprendera até aí, com tantos dos seus professores nas últimas três décadas da administração portuguesa, -lhe particular atenção, quem sabe se por reuniria, devidamente enquadrados, todos esses experientes e modelares, que, mesmo a última aula proporcionaram-me o privilégio de acompanhar inspiração do que, em tempos, aprendera na materiais, tão ricos, variados e reveladores”. que se dá, deve preparar-se, com tanto apuro como bastante de perto as actividades do Pe. Benjamim Videira metodologia de Fernão Lopes. Estudou todos Ficaram certamente manuscritos esquecidos e a primeira. Mas era a missão de prefeito que mais o Pires, mormente como educador, escritor e historiador. os cemitérios de Macau, em particular o dos trabalhos por publicar. No livro é muito oportunamente seduzia. A disciplina era o menos. Ou melhor: devia Recebi-o várias vezes no meu gabinete, presidi a festas cristãos parsis, que no território se refugiaram, lançado um repto a jovens mestres: “quanto antes, para brotar do exemplo e do amor. Conquistada a alma escolares realizadas no Instituto D. Melchior Carneiro, para fugir à perseguição dos turcos, o que lhe bem da cultura lusa nessas paragens, urge reunir tudo o daquela rapaziada, mal precisaria de impor e corrigir. que ele fundou e dirigiu, convivemos e conversámos valeu alta consideração, de parte da família que o P. Benjamim deixou disperso, com documentação "Faz a vida deles, no salão de estudo, nos campos em encontros de professores e pude marcar presença Gulbenkian. Quando não conseguia fotografar às vezes revelada em primeira mão, seja na Verbo, seja de jogos, nos passeios esticados entre pinhais, em ocasiões especiais relacionadas com as justas as legendas das campas, com muita habilidade e em órgãos de imprensa, local ou não”. Não podemos na Serra da Gralheira. Ouve-os, antes de sugerir homenagens que lhe foram prestadas. Na fase final, exactidão, desenhava-as em folhas, de que guardo estar mais de acordo. seja o que for. E cria a Milícia de Cristo Rei, muito atribulada, da sua longa permanência em vários exemplares, anotando frequentemente, ali cuja sétima e última ‘lei’ apontava para ‘um alto Macau, o acompanhamento foi quase diário, através mesmo ao lado dos desenhos, particularidades Benjamim Videira Pires, pedagogo ideal’, a procurar ‘com alegria e entusiasmo’. dos Serviços de Educação e de outras entidades. mais relevantes. por excelência Não admira, assim, que esses estudantes de A memória costuma apontar-se como qualidade preparatórios, entre os 12 e os 18 anos, o Benjamim Videira Pires, missionário indispensável ao historiador. Ele a possuía, em Identificados os traços mais relevantes da recordem, ainda hoje, com saudade, como um grau eminente. […] À memória, pronta e fiel sua personalidade, como meticuloso e competente dos amigos que mais os marcaram para bem. A Em tudo quanto, para ele, fosse fundamental juntava-se, frequentemente, o conhecimento investigador, e a obra publicada como historiador, maioria acabava por verificar que a sua vocação na vida, “nada poderia comparar-se com a graça do enciclopédico de muitos livros e documentos vamos observar uma das missões mais permanentes não era o sacerdócio, mas o laicado. Formaram- sacerdócio”. É também com Francisco Videira Pires antigos. No Museu dos Mártires, de Nagasaki, e absorventes que abraçou: a de educador. São de -se, algum chegou a catedrático eminente, que recordamos a sua dedicação ao serviço de Deus: quando lá fomos em romagem oferecer o Francisco Videira Pires estes elucidativos apontamentos: acabando por constituir família. A estima pelo “Com 30 anos (caso raro, entre jesuítas, que antebraço de talha doirada, com um osso “Formado em clássicas e filosofia, apoiadas num antigo professor e prefeito manteve-se, porém, normalmente só terminam a carreira com 32 a do braço de S. Paulo Miki encastoado nele e leque de ciências positivas, das matemáticas intacta, a ponto de, nas suas vindas a Portugal, o 33), só já pensa em cumprir o voto que, criança, protegido por um vidro (séc. xviii), o P. Diego à química e à física, Benjamim inaugura, visitarem e convidarem para suas casas, como se fizera a S. Francisco Xavier, preferindo Macau, Pacheco, S. J., criador desse acervo preciosíssimo, finalmente, outra prova para que a natureza o pertencesse ao círculo familiar de cada um deles. por ficar mais próximo de Sanchoão, onde o deu logo por um nome português, inscrito na talhava: a educação da juventude. […] Fixado em Macau, o ensino constituiu, desde grande Apóstolo morrera. peanha, precedido da palavra DONO, que ele Ao partir de Braga, para ser professor de língua a chegada, uma das suas ocupações predilectas. Respeitando embora a sua vocação, os superiores interpretou pelo verbo espanhol ‘dono’ (doou, e literatura portuguesas, acumulando o cargo de Tanto mais que a escola era, desde as origens precisaram dele, por dois anos, primeiro na

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

‘residência’ da Covilhã. Logo o clero da região até ao fim, contra ventos e borrascas. Sem nunca Nas estadias em minha casa de Oeiras, levantava- nos transmite, mesmo que a arquitectura formal deu por ele. Chamavam-no para as mais diversas se considerar ultrapassado. Até porque o ‘império’ -se muito cedo, tomava banho e recolhia-se, já já passasse de moda. Vejam a explosão barroca actividades pastorais, até para tríduo e festa de que ajudaria a dilatar era de almas para Cristo, vestido, a meditar e a rezar longamente. E, logo do ‘Cristo de Velázquez’, de Unamuno, pura tanta responsabilidade como foi a inauguração escudado na força indomável duma Fé vivida após o jantar, recolhia ao quarto, permanecendo obra-prima de lirismo genial, a contrastar com da sede duma paróquia nova, a de Nossa Senhora ‘até ao epigástrio’, como diria o Kierkegaard de umas duas horas, de luz acesa, em união com a produção dos seus pares espanhóis do tempo, de Fátima, agora a valer também de igreja da O Desespero Humano”. Deus”. de formalismo tão despojado. E todos nomes Universidade da Beira Interior. Por esse tempo, A grandeza da sua devoção à missão da Igreja no O seu irmão Francisco considerou fundamentais imortais da poética espanhola. [...] a despeito de tanta juventude, o seu Provincial Oriente é, seguidamente, realçada: estes pormenores, já que “omiti-los, realçando apenas a Quando o P. Benjamim terminou o curso não receou incumbi-lo de dirigir retiros ao clero “Percebe-se bem, à medida que esse livro avança produção cultural, seria mutilar a sua personalidade”. humanístico, da geração do Orpheu só de secular. em páginas, a pressa de chegar à sua terra Aliás, foi “na intensidade e fidelidade desta sua Régio lhe chegavam os primeiros ecos. A obra Os seus dotes de professor não andavam prometida. Aguardavam-no ‘irmãos’ jesuítas, presença com Deus” que se podia explicar a sua de Fernando Pessoa, à excepção da Mensagem, esquecidos. Faltara o mestre de história no amigos de velha guarda. Mas a demora por impressionante actividade. “Porque amava Cristo sem tardaria a aparecer. Embora a tivesse lido, mais Instituto Nun’Álvares, nas Caldas da Saúde território macaense ia ser curta. Queria embeber- reserva, é que entendia dever multiplicar-se por tudo tarde. Não admira que os seus modelos, com (Santo Tirso). Escolhem Benjamim, para o -se todo, quanto antes, de cultura chinesa, a e por todos”. os clássicos do Renascimento, fossem os poetas lugar. Quem sabe se o seu destino de historiador começar na língua. Ora, a ‘missão’ de Shiuhing, românticos e realistas, com Garrett, Antero e e membro de várias Academias do ramo, não integrada na diocese de Macau, era o lugar ideal Benjamim Videira Pires, poeta João de Deus a dominar. Viriam depois muitos nasceria então. Sim ou não, foi por essa altura para este objectivo. A comunidade jesuítica da outros, franceses como Paul Claudel, os espanhóis que se revelou, aos olhos dos superiores, como cidade, composta de padres e irmãos leigos, Foi, igualmente, na poesia que Benjamim Videira Giménez e Alberti, os brasileiros Jorge de orador de largos recursos. Terminara a procissão alguns deles nativos, mantinha um colégio e uma Pires se evidenciou. Francisco Videira Pires resume Lima e Manuel Bandeira, com os chineses, dos solene da festa do Coração de Jesus, largamente paróquia florescentes, além de outros centros assim uma das suas facetas mais reconhecidas – a de antigos aos da ‘poesia nova’, de que traduziu, concorrida de alunos e fiéis das localidades missionários, todos activos, dispersos por esse poeta: directamente dos originais, vários poemas, limítrofes. O Reitor do colégio pediu ao P. enclave eclesiástico do que restava do Padroado “A poética do P. Benjamim, pela sua alma publicados em Religião e Pátria. Benjamim que subisse à sacada da frontaria do português no Oriente. Logo tratou de aprender profunda, cabe toda nestes versos dum dos seus Logo na sua primeira colectânea, Jardins edifício enorme e pregasse. No final, Reitor e a língua, que acabou por dominar tão bem, que autores predilectos, o Prémio Nobel Juán Ramón Suspensos, 1955, vertidos para japonês (facto mais padres, alguns com nome feito em púlpitos surpreendia os próprios naturais da terra. Até o Jiménez, em pequenino poema intitulado ‘Poeta’, porventura único, depois de Wenceslau de portugueses, correram a abraçá-lo, felicitando-o nome achinesou, passando a ser conhecido por da colectânea Bonanza, correspondente ao Morais), a sugestão garrettiana de ‘Asas brancas’ efusivamente. P’un-Sân-Fû. período de 1911-1912: ‘Cuando cojo este libro,/ das Flores sem Frutos, pressente-se no lindo Veio o fim do ano escolar. E Benjamim entrega- Missionou em vários postos confiados à sua subitamente se me pone limpio / el corazón, lo mismo poema ‘Aquele vestido’. Estamos ainda no que -se todo à preparação da partida para Macau. Ordem. Criando raízes de sólida amizade / que un pomo cristalino’. poderíamos designar pelo primeiro período, Despedidas da família e de amigos. Nesse entre os seus cristãos. Surpreendeu-o o triunfo Friedrich von Hardenberg, famoso romântico situado entre Macieira de Cambra, Braga e tempo, a viagem por mar arrastava-se por dois definitivo do maoismo. Sabendo que estava alemão celebrizado pelo pseudónimo Novalis, tempos de aclimatação a Macau. meses, isolado do mundo em que se fizera, pois para ser encarcerado, os seus fiéis, sem olhar a terá concluído que os melhores versos são aqueles O individualismo radical de Rousseau passou a bordo do modesto navio holandês Kertosono, riscos, passaram-no de barco, durante a noite, que não se escrevem. Outra forma de considerar a pesar em excesso, no nosso conceito de de passageiros e carga, era quase impossível para território português. Identificara-se em tudo que ‘o poeta nasce’, e que as palavras que nos originalidade criadora, apesar da inversão que comunicar para a Pátria, mesmo através de carta com eles, nos hábitos alimentares, dominando comunica não passam de um disfarce do mistério tentaram Ezra Pound e T. S. Eliot, incorporando, retardada, escrita nalgum porto de escala. com destreza os pauzinhos, tomando banho com insondável dos abismos inexprimíveis da sua alma com soberba mestria, versos inteiros de Dante, Contamos afortunadamente com ‘Meia volta ao toalhas molhadas, cumprindo as vénias de estilo profunda. como Camões de Petrarca, até nos Lusíadas. mundo’, relato da viagem, que se tornou, sem num banquete. A mãe, descobria, com uma ponta Seja o que for e para usar a linguagem clássica Perde alguma coisa de genialidade o soneto ‘Alma que, ao redigir essas cartas, pensasse nisso, num de humor, que até na fisionomia se ia tornando dos críticos, na poesia fundo, ou alma, e minha’, pelo facto de ser uma paráfrase do mestre retrato comovido da sua alma. Logo de entrada, chinês. [...] forma, ou expressão material da sensibilidade italiano? É que o citado poema do P. Benjamim, evocando Camões, como, em muitas das outras Toda a sua actividade multiforme (capelão mais depurada, dissociam-se incessantemente, embora à distância paire nele a sugestão esbatida páginas, citando os seus poetas, revela o ideal militar, pároco de S. António, professor do Liceu no contraponto cultural das épocas e do seu de Garrett, não tem menos originalidade. E é tão que o guia – a ânsia de dilatar ‘a Fé e o Império’. ou da Universidade locais, jornalista, historiador), imaginário. Enquanto a alma perdura intacta, belo como a possível fonte inspiradora. Ainda não tinham soprado sobre Portugal os traduzia, com naturalidade impressionante, a sua a instrumentação verbal por que ela procura Descobrimento aparece 3 anos mais tarde. ventos escaldantes do 25 de Abril, que, ao povoar- paixão missionária. Com sabedoria guiada pela chegar até nós, converte-se, de lugar para Benjamim nunca se considerou escritor, no -nos de mitos, fez de nós homens partidos. E prudência, não forçava ninguém. Considerava-se lugar e de escola para escola, num Proteu em sentido estritamente profissional. Os poemas perdidos da nossa mundividência multissecular. compensado de todos os sacrifícios, se baptizava permanente mudança. Mas o cerne da poesia surgiam esparsos, quando a alma lhos pedia, e Ele ia de alma inteira, como procurará manter-se um adulto. […] reside, invariavelmente, no pathos individual que em horas libertas de afazeres prementes. Como

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

se percebe por este livro, já todo escrito em reveles o destino; / Macau prefere a sorte dum menino / apenas pela inicial B., impõem-se logo pela pequenas jóias literárias, sempre anónimas. Macau, ou nas ilhas da Taipa e Coloane. Embora que dorme, confiado, nos teus braços”. mestria pensante, como também pelo estilo Vejam só este parágrafo dum trecho intitulado abra com um soneto, a forma vem toda mais muito limpo. ‘O tocador de caixa’: ‘A figura mais ridícula para a solta, a reflectir os espanhóis da sua predilecção, Da Religião e Pátria à Confluência – Difícil encontrar documento que nos transmita, rapaziada, na banda de música de certa aldeia, era mas com um colorido oriental marcado, no o rigor da pena com tanta fidelidade, a sua maneira de ser, o tocador de caixa, de nome Elisário. Sobressaía impressionismo de lugares e imagens, que pensar e sentir. Nos poemas que vai publicando, um palmo, acima da cabeça dos companheiros, sugerem mais que descrevem. Com referência constante ao livro P. Benjamim nas referências a individualidades nacionais, erguia as varetas com estilo e presunção, enquanto Mas é em Espelho do Mar (1986), após silêncio Videira Pires, Meu Irmão, pudemos recordar o internacionais ou locais, aplaudindo ou as suas pernas cambas iam desenhando, através poético de 28 anos, que o orientalismo da sua historiador, o missionário, o educador e o poeta. censurando ocorrências emergentes, doutrinando das ruas, um X maiúsculo, que servia de cavalete inspiração se afirma adulta, com liberdade e Importa conhecer também uma vertente muito ou divertindo, com algum conto, pessoal ou ao instrumento monocórdico, no intervalo entre variedade de formas, antes pressentidas apenas. incisiva da sua intervenção cívica e de apostolado, que adaptado, lemos, como por um livro, dentro duas peças: ‘trapo, saca-trapo, saca-trapo’. Considero-o uma das melhores criações da foi o jornalismo, como instrumento de divulgação e da sua alma. Por isso, ao compulsar, agora, Acompanhei de perto esses dois anos do jornal. poética macaense, não saindo envergonhado, informação e também de saudável e necessário combate de novo, os números da sua direcção que a Até porque lá vieram, com o pseudónimo junto à sombra de Camilo Pessanha. Algum por causas por ele assumidas com convicção e espírito mãe religiosamente arquivava (faltam alguns, de Carlos Azevedo, bastantes artigos meus, dos poemas, escritos em Chôk Ván, evocam um de missão: infelizmente), porque escrevia para leitores logo parcialmente refundidos na dura análise dos eremitérios em que, na companhia dum “Desde que nasceu, o jornal foi sempre concretos, tinha a ilusão de que ele estava outra sociológica da ‘revolução dos cravos’, A Manhã empregado chinês e um mastim corpulento, instrumento privilegiado, para expandir ideias. vez diante de mim, num ‘estilo falado’, como se sobre a Cidade (Porto, Lello, 1979), que, em gostava de se recolher, em silêncio, para o retiro Mais efémero que o livro, tem sobre este a classificou a prosa matinal de Fernão Lopes. […] Portugal, foi best-seller. Acompanhei, por isso, anual de oito dias, a meditar. vantagem do êxito imediato. Aí a razão por que Assim, durante cerca de 12 anos. A vastidão de perto, em cartas quase semanais, essa fase Sei que uma ilustre senhora prepara uma as épocas revolucionárias o consideram arma da sua cultura, que lhe permitia passar, com da sua actividade jornalística. Reveladora, em antologia de poetas macaenses, com algum principal de combate e triunfo. Conhecendo o todo o à-vontade, da espiritualidade à teologia, muitos aspectos. E anónima ou com disfarces poema do P. Benjamim. Nada mais justo. Aliás, primeiro grande surto com a Revolução Francesa, à crítica literária e à história, vinha servida por fáceis de identificar, porque alguma secção, como o P. Abel Guerra, S.J., irmão do ilustre sinólogo marca ela também o aparecimento do jornalismo um estilo corredio, do melhor talho camiliano. ‘Calçada das verdades’, lembrava lugares que lhe e abnegado missionário nessas terras do Oriente, em sentido moderno. […] Ensaios sobre literatura espanhola, chinesa, eram especialmente familiares, ou surgia assinada P. Joaquim Guerra, S.J., nas suas famosas selectas, Ao fixar-se definitivamente em Macau, o P. com a tradução pessoal de poemas admiráveis, Maninho Fernandes, nome do avô materno. para estudantes do ensino secundário, incluíra já Benjamim encontrou Religião e Pátria como e portuguesa, bem mereciam, na maior parte, Esbatidas na bruma dos anos que lhe passaram algum poema do meu irmão. revista semanal, fundada cerca de 40 anos antes publicação em volume”. em cima, muitas dessas páginas, particularmente Raros saberão, contudo, de outro livrinho, a que pelos jesuítas portugueses que lá missionavam. Benjamim Videira Pires ofereceu colaboração as de estilo figurado, não perderam actualidade, chamou Palavras-Poemas, de 1994. A solidão Dirigia-a, na altura, o seu confrade P. António a diversos outros órgãos de imprensa, mas foi o e bem mereciam selecção cuidada, com alguns espiritual adensava-se. Na ‘residência’ do Largo Bernardo Gonçalves, que não tardaria a substituir, quinzenário Confluência que, durante dois anos, contarelos deliciosos, dispersos por Religião e de S. Agostinho, 4, ninguém sintonizava já com quando este voltou como Superior para Goa, mereceu a sua intensa e obstinada intervenção: Pátria, talvez com o título de ‘Parábolas dum a sua actividade cultural. Assim, esta ‘colecção/ onde teria de passar, com outros, como o P. “O ‘Verão quente’ do 25 de Abril, que deu origem tempo sem tempo’. Constituiria uma das postais’, de não sei que ‘Edições Macau’, mal Rogério Frutuoso, S.J., doloroso calvário, por a esse jornal, abalou-o profundamente. Um abalo homenagens mais perduráveis ao missionário terá passado duma aventura de modesta centena parte de jesuítas nativos, inflados de separatismo comedido pela convicção, dolorosamente vivida, que a Macau lusíada se deu, em alma inteira. de exemplares, para amigos escolhidos. Nem o nacionalista. de que a missão de padre não estava na política Até pela exemplaridade da sua crítica. ‘Ridendo escrupuloso Dr. Jorge Arrimar parece ter dado A 6 de Janeiro de 1955, assume a direcção, em acto exercido. Visitou-me, por esse tempo, castigat mores’, aprendera ele com um velho por ele, no minucioso catálogo da ‘exposição que manteria durante uma boa dúzia de anos. em Petrópolis, em cuja Universidade Católica satírico romano. Mais que gargalhar, com bibliográfica’, de 30 de Outubro de 1997. Trata- Órgão da Ordem, como veículo das suas obras eu ensinava. Levei-o ao deslumbramento das travo sarcástico, o P. Benjamim sorria dos -se de folhas avulsas, 6 ao todo, em redondilha apostólicas, nomeadamente o Apostolado ‘cidades históricas’ de Minas Gerais: Ouro disparates desses revolucionários da fancaria, menor, com os versos enquadrados entre duas da Oração, procurou rasgar-lhe abertas para Preto, Congonhas e Sabará. Chegámos à que pensavam inventar o mundo, antes de vinhetas, tudo guardado num envelope aberto, toda a cultura universal, caldeada na frágua primeira, ao crepúsculo. Assomando à varanda aprenderem simplesmente a pensar, o que com a assinatura autógrafa do autor na capa”. do Evangelho. Fugindo, porém, a tudo que do hotel, perante a cascata iluminada do casario, equivalia primariamente a pesar cada decisão. Oxalá a obra poética de Benjamim Videira Pires, rescendesse a incenso de sacristia. Cria secções espraiado morros abaixo, exclamou: Se Portugal Sem gota de ódio, a escorrer duma só palavra. já pouco acessível, possa ser republicada em 2016 e novas. Com apanhados muito completos do acabasse, gostaria de vir morrer a esta terra tão Antes amor ferido, procurando sempre salvar”. 2017. Macau ficou bem retratada nessa obra, como noticiário local e internacional, uma secção ‘portuguesa’. Nos alvores da revolução de Abril, na fase ainda vemos no poema “Acto de Esperança”: “Nesta hora, a juvenil, outra recreativa, os seus fundos, variando O Confluênciarevelou uma fase inédita do P. muito confusa de afirmação do novo regime instaurado Cidade iluminada / é uma flor de nenúfar delicada, / entre problemas circunstanciais de religião e Benjamim, o humorista. Um humorismo diluído em Portugal em 1974, o jornal Confluência travou com pairando sobre medos e cansaços… / Senhora, não cultura geral, embora anónimos ou assinados em símbolos e alegorias, que são, as mais delas, outro órgão político local, intitulado “Democracia

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

em Marcha”, aquele que foi, certamente, um dos autoridades locais e o inestimável apoio do Governador veio expressamente a Lisboa, para tentar que eu sereno e dentro do olhar ausente, pairava uma Paz mais extremados despiques de que há memória neste Vasco Rocha Vieira, pôr fim à contenda. Ao saberem entrasse no jogo. Recusei-me a recebê-la. Ao P. sobrenatural. Já não era deste mundo. O tempo território. Pertenciam, respectivamente, à Associação da sua chegada, rapidamente os responsáveis da escola Jaime Coelho teve a ousadia (ou insensatez?) de conquistara a Eternidade, nos braços do Pai de todas para a Defesa dos Interesses de Macau (ADIM) e levaram o Pe. Benjamim para a cidade chinesa de afirmar que, sendo o colégio propriedade de meu as misericórdias”. ao Centro Democrático de Macau (CDM), duas Foshan, perto de Cantão, para que não pudesse ser irmão, este poderia doá-lo a quem quisesse. Já associações cívico-políticas locais. encontrado. Depois de localizado, montou-se de com ele tranquilamente em Mong Há, assistido Os extremos conciliam-se imediato uma bem sucedida operação policial: por um enfermeiro da obra social do bondoso Nos braços do Pai de todas “Tínhamos de transpor a fronteira, antes da P. Luís Ruiz, S.J., e sempre com dois polícias O livro Os Extremos Conciliam-se (Transculturação as misericórdias meia-noite. Nunca me passara pela cabeça de vela, o grupelho de uns dez indivíduos, em Macau) é, na opinião de muitos, a obra mais viver na pele um filme de James Bond, com a chefiados pela Fátima e um tal Rosa, a servir importante e influente de Benjamim Videira Pires. É Apreciada, no essencial, a obra de Benjamim sirene do nosso carro, disparado, a atordoar as de intérprete para português, tentaram ainda impossível não concordar com o investigador António Videira Pires, nas dimensões literária, humanística, avenidas congestionadas de Macau, para logo encontrar-se com ele, o que eu impedi. O pobre Aresta quando, em Figuras de Jade, afirmou que pedagógica, histórica e missionária, vem a propósito arrancar, acompanhado pelo meu jovem pároco, argumento esgrimido pelos advogados era esse. E “bastava este livro para o relevar como uma referência esclarecer a fase final do seu percurso, marcado por com oficiais da INTERPOL chinesa e outro da urgia destruir o sofisma que arrastava a questão, incontornável no debate da sinologia portuguesa um grave conflito tornado público, respeitante à macaense, a servir de intérprete. no tribunal. O Dr. Manuel Doutel, afilhado- contemporânea, porque convoca para reflexão a filosofia contenda pela legítima propriedade do Instituto D. Já nos aguardava no Hotel, com a Marta -advogado que fora comigo, teve, então, a ideia e a religião, a ética, a moral e a antropologia”. Publicado, Melchior Carneiro, que ele sempre considerara a sua e comparsa, detidos, um destacamento da decisiva: – perguntar a meu irmão se, para acabar em 1988, pelo Instituto Cultural de Macau, esta obra maior realização material, fruto de imensa dedicação e INTERPOL chinesa, sempre amabilíssima com malabarismos jurídicos, lhe parecia bem singular reúne um conjunto de ensaios histórico- perseverança. O seu irmão Francisco, que acompanhou connosco. O P. Benjamim dormitava (eram passar uma procuração, que, anulando quantas -antropológicos que condensam o pensamento e a angustiadamente os anos derradeiros do Pe. Benjamim, 3:30 da madrugada), reclinado na cabeceira da lhe tinham inventado, declarasse o Instituto visão do autor, suscitando uma continuada reflexão relatou de forma muito sentida aquela feroz luta que cama, respirando pesadamente. Toquei-lhe no propriedade da Companhia e, portanto, sem sobre o percurso e o papel de Macau, bem como o culminou no regresso do sacerdote a Portugal, depois ombro, chamando: – ‘Benjamim’. Abriu os olhos possibilidade de contestação posterior. Assentiu “rico e humaníssimo legado” que pertence à história e de resolvido aquele magno problema: e sorriu-me, perguntando, assarapantado: – ‘És logo. Como eu já levava comigo, de Portugal, “projectar-se-á, por longos anos, no futuro”. “Custa chegar lá. Também porque se intrometem tu, Francisco?’ Mal lhe respondi: – ‘Sim, sou eu, o nome dum excelente advogado de Macau, o Francisco Videira Pires revela-nos em P. Benjamim covardias inomináveis, que pontuam o nosso não estás a ver nenhum fantasma.’ Logo inquiriu, Dr. Luís Gonzaga Cavaleiro de Ferreira, de uma Videira Pires, Meu Irmão como tomou contacto com tempo de espera. Foi o que tanto me levou a sorrindo e brincando, enquanto apontava o Sr. P. distinta família amiga de Bragança, tudo ficou este trabalho ainda manuscrito, numa das visitas que hesitar, em três anos de angústia inimaginável, Fernando Calado, meu companheiro, um pouco solucionado no dia seguinte. efectuou a Macau: sem receber letra ou escutar palavra de meu atrás de mim: – ‘E quem é esse homenzarrão?’ Tão viva era no meu irmão a ânsia de voltar, que “No quarto dele, sobressaía logo, em cima da irmão, que eu previa num martírio atroz, de Fomos para quartos magníficos, reservados todos os dias me perguntava, insistentemente: secretária, com obras preciosas de consulta onde a onde quebrado por jornais recebidos de pela polícia, até que, às 11 da manhã, com a ‘Quando vamos para a Torre?’ Visitas dos seus constante, uma rima de papéis anotados e um Macau, na maioria com uma enxurrada ignóbil Marta e o pseudo-enfermeiro presos, e eu com amigos de sempre, desde a Senhora Dra. Anabela manuscrito. Que ocultava surpresa inimaginável. de fantasias caluniosas, disparadas contra ele, meu irmão na mesma ambulância, largámos Ritchie à professora Dra. Beatriz Lee, acudiam Nada mais nada menos que ‘Os extremos mesmo quando pretendiam defendê-lo, e contra para Macau, não sem que, antes, no átrio do constantemente, felizes por vê-lo de novo, e conciliam-se’, à espera dos últimos retoques. os superiores, religiosos ou diocesanos, em total hotel, ela se recusasse a pagar a conta do P. liberto. Mais que todos, o Senhor Governador Julgava conhecer bem meu irmão, com aquilo deformação do que fundamentalmente estava Benjamim. Nunca suspeitara que o meu VISA (que, apenas reentrado nas ‘Portas do Cerco’, se de que ele seria capaz. O que nunca suspeitaria em jogo. Escrever? As cartas nunca lhe chegavam da CGD pudesse proporcionar--me tanto demorou uns 20 minutos com ele, no Hospital era que ele escrevesse um livro de antropologia, às mãos. Telefonar? Recebia, invariavelmente, júbilo, nesse cabo do mundo. Mas foi lá que de S. Januário, confessando-me, no final, que e logo obra que, relativamente a Macau, me do lado de lá, a resposta sacramental: ‘Father as minhas suspeitas se confirmaram, pelo que há 4 anos que não via o P. Benjamim ‘tão feliz’), lembrou monografias de referência, como os Benjamin is out’, ou então: ‘is sleeping’, por me comunicou a INTERPOL chinesa. Alguém diariamente se informava de que nada lhe faltasse. clássicos The chrysanthemum and the sword, muito que repetisse o apelo, distanciando horas. informara a Marta ou a filha da minha ida a E acorreu à despedida, no aeroporto. Despedida de Ruth Benedict, e Japanese society, de Chie Amigos a que recorri o fossem ver, o segurança Macau, pelo que se apressaram a retirar meu de alegria irreprimível, para todo o grupo de Nakane. Tinha nas minhas mãos um manuscrito, de serviço barrava-lhes a entrada. Com o irmão para longe, a fim de lá o forçarem a fazer- íntimos que não quiseram faltar, para lhe dar o que, dada a afinidade com o meu campo de desplante de ainda anotarem, numas folhas que -lhes testamento do colégio. O que o P. último abraço da vida”. estudos, meu irmão, com a humildade que o guardo comigo, as palavras rituais: – ‘Tomei Benjamim recusou tenazmente. O regresso a Portugal, em Agosto de 1998, marcava, me pediu para ler, ‘corrigindo’ o que conhecimento’, assinadas compulsivamente: – Esta a última batalha que urgia decidir, mesmo proporcionou-lhe o retorno à tranquilidade, o entendesse. ‘P. Benjamim’”. que, para tranquilidade de meu irmão, já para reencontro consigo mesmo e a reconciliação com tudo Comecei de pé atrás. Mal terminara o primeiro Impossibilitado de o contactar, o seu irmão nada importasse. Até à última, tentaram apoderar- e com todos. Pouco mais viveria. No momento do capítulo, já uma vaga de espanto me ia Francisco decide deslocar-se a Macau para, com as -se do colégio. Ainda por 1996, a Doutora Fátima definitivo adeus, “no seu rosto, impressionavelmente dominando. Demais recordava eu o velho

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provérbio: ‘Quod natura non dat, Salamanca non Quem passe os olhos apenas pelo índice do livro, operada em Macau ao longo de séculos, “osmose Mais adiante, o autor explica lapidarmente o praestat’ (Salamanca não fornece o que a natureza sabendo o conhecimento minucioso que o P. contínua e sem datas, em corpo e alma, de tudo o conceito de transculturação, em oposição a aculturação: não dá). Mas fui-me lembrando da capacidade Benjamim tinha da historiografia de Macau, que somos e temos, entre homens e povos que sabem “O fenómeno da transição de uma cultura para de intuição e da avidez cultural insaciável de poderá incorrer na impressão redutora de estar conviver, com toda a abertura de espírito ecuménico”, outra, com funda impregnação mútua e natural meu irmão. E, chegando ao fim, compreendi diante duma síntese da vida do território, ao representando “a síntese vivencial que este pedaço de aproximação e convivência, no mesmo solo e como, sem nunca ter cursado antropologia, ele a longo dos séculos. Nada menos exacto. O que história luso-chinesa plasmou solidamente, num tempo ambiente, chama-se transculturação, processo adivinhara, na faceta mais legítima e actual. [...] surpreende, num homem que trazia na ponta e espaço definidos”. mais completo que o da aculturação. Com Sabendo que semelhança não envolve necessa- dos dedos toda a bibliografia e documentação Os ensaios inseridos neste precioso volume efeito, aquela envolve não somente a ideia de riamente dependência, preferiu mostrar como, arquivística da terra, é a relativização com que constituem fontes incontornáveis para investigadores aquisição de elementos novos (neoculturação), passo a passo, duma interculturação lenta e incorpora os materiais genuinamente históricos, da história, da memória e do legado de Macau. São mas ainda a transfiguração dos anteriores e velhos, continuada, no diálogo pacífico de séculos, surgiu num trabalho que, explicando o fluir dos factos, estes os seus elucidativos títulos: “Panorâmica das significando, portanto, renovação e actualização o milagre duma transculturação, mais concreta em tempo e espaço, ultrapassa a unicidade e relações sino-europeias até ao século xvi”, “Isolamento constantes (desculturação). Por outro lado, a que o lusotropicalismo de Gilberto Freyre. A irrepetibilidade da historiografia, para captar e ou abertura da China Antiga ao mundo?”, “A China aculturação anda ligada à socialização, isto é, perspectiva histórica abre o passo à exposição fixar o que vai permanecendo, para além de anos dos Mings, à data da chegada dos portugueses”, “A à transmissão de características culturais de antropológica. A miscigenação (biológica, e séculos, cristalizado numa cultura inteiramente fundação de Macau”, “A ‘Mãe das Missões’ no Extremo determinado grupo às gerações diferentes, o que linguística, sapiencial e religiosa) efectiva-se, original. […] Oriente”, “A alma da China”, “Tanta foi a tormenta e não sucede na ‘transculturação’”. apoiada numa práxis portuguesa, que meu irmão Na sua contenção exemplar, equilibrando a vontade”, “Pontos de encontro do homem português Assim, chamava ‘política do bambu’, que dobra, aguenta sempre a extensão do texto com o essencial da com o chinês”, “A Fonte do Nilau ou Poço da Avó”, “se toda a cultura é sucessivamente recebida, ventos e marés, mas não quebra”. documentação de apoio, Benjamim não se alonga “Influências mútuas: sino-lusos e luso-chineses”, “O assimilada e transformada, num caldeamento de Francisco Videira Pires também nos faculta esta em pormenores laterais dessa documentação. foro do chão”, “A primeira Polícia de Macau”, “Macau componentes endógenos e exógenos (em rigor, lúcida apreciação dos conteúdos desse livro: Um número restrito de exemplos, tanto de e Portugal antigos, vistos por olhos chineses”, “Terra não há culturas exclusivamente nativas, porque “Os capítulos da obra obedecem a um verdadeiro topónimos como de provérbios, apoia cada ideia, e mar cosmopolitas”, “Comerciantes estrangeiros, em todas, mesmo as arcaicas, representam já uma processo hegeliano de afirmação, negação da no que importava estabelecer. Se a toponímia, em Macau, nos séculos xviii e xix”, “D. Alexandre de síntese interna e externa, de antigo e novo), em afirmação e negação da negação. Para, assim, tudo tempos e lugares mais expressivos da existência Gouveia, os padres da Missão e o regresso dos Jesuítas”, constante superação, este processo dinâmico resultar num mundo novo, que já não é chinês comunitária, lhe revelava a consolidação da “Os Governadores e a vida de Macau, no século xix”, tende sempre a ir além do que está, aí e agora”. nem português, mas intensamente luso-chinês hábitos de convivência radicada e perpetuada, “A ‘Cidade China’, há cem anos”, “Desenvolvimento Foi o que o autor detectou, na transculturação ou sino-lusíada, se preferem. Podem os actores a paremiologia patenteava-lhe a progressiva moderno do Ensino” e “As ondas da imigração”. de Macau, “em religião (o seu ponto mais alto), nos em presença usar línguas muito diferentes. Uma cristalização duma sabedoria, que, muito mais No epílogo, Benjamim Videira Pires oferece-nos produtos de consumo, na arte, na ciência, na formação realidade mais dinâmica sobreleva essa distância. que expressão abstracta de cultura materializada as suas conclusões, em esclarecedora síntese: da sociedade luso-chinesa”. Ao estudar este fenómeno É uma mundividência cultural de convívio, em por escrito, o metia dentro duma idiossincracia, “Sempre julguei apriorísticas e arbitrárias as “na colonização, na miscigenação, no vestuário, na que a plasticidade adaptativa do china e do luso tão viva como vivida”. duas divisões da história do mundo, em Oriente tecnologia, na linguagem, na arquitectura, nos jogos cria uma capacidade de compreensão mútua, que e Ocidente e em Norte e Sul. Com mais razão e divertimentos, na pintura, na alimentação, em acabou por superar todas as outras distâncias. Transculturação criadora ainda, me oponho à sua polaridade e atitude quase tudo o que pertence à vida”, pôde concluir que Sempre me fez sorrir a estranheza, quase em Macau conflitual. [...] “os chineses, também ‘filhos da terra’, não são como escândalo, do metropolitano arribadiço, ao Não há, nem nos indivíduos nem muito menos os da China nem os da Formosa ou os Wa-K’ius censurar o reduzido número de gente de etnia Poucos anos após a sua criação, em 1982, o nas nações, catalogações estanques e graficamente (emigrantes)” e que o macaense “é o tipo societário oriental a falar português. A antropologia Instituto Cultural de Macau já se lançava numa intensa homogéneas. Todos os povos andarilharam menos europeu, mas o mais específico e paciente dos conhece, desde as origens, a explicação. A língua e diversificada acção em variadas frentes, incluindo a livremente pelo orbe e conquistaram a autonomia portugueses. É o que vive mais longe de Lisboa e, não é factor primário de fusão. Nem sequer de da produção editorial. Neste contexto, em 1987/88, política e cultural, como puderam. A vida do todavia, o mais patriota; o que habita mais separado do nação. Outras componentes culturais pesam mais publicou três importantes obras do Pe. Benjamim homem não estagna, nem pára. É um projecto, espaço vocabular da sauda Instituto de (Galiza e Norte que ela. E ‘Os extremos conciliam-se’ classifica-as Videira Pires, S.J.: A Embaixada Mártir (2.ª edição), uma descoberta, em acção contínua, quando de Portugal) e, contudo, o mais saudoso, porque o mais e salienta-as bem. Portugal no Tecto do Mundo e Os Extremos Conciliam- as suas mínimas particularidades nos escapam. isolado. As solidões imensas dos oceanos, das planícies Para não alongar este apartado, e porque a análise -se (Transculturação em Macau), sendo esta última [...] Os mais de quatrocentos anos da história de e viagens sem fim, o mistério da alma oriental, que o exaustiva da obra pediria quase um livro de justamente considerada a sua mais estimulante e Macau provam, à saciedade, que não há extremos envolve, caldearam-lhe a alma”. dimensões iguais, saliento apenas três aspectos, profunda produção, reunindo um conjunto notável de antagónicos ou irreconciliáveis entre os homens, A surpresa que temos em Macau, “no contexto de que, na perspectiva antropológica, considero ensaios histórico-antropológicos, enquadrados por uma mesmo antípodas, desde que cada um seja para dois mundos que pareciam antagónicos” tem paralelo no relevantes: um certo relativismo histórico, o introdução e um epílogo que sintetizam o pensamento o seu semelhante o que deve ser: sempre igual a “país de contrastes” que é o Brasil, “porque os aspectos bailado da toponímia e a interfusão de provérbios. e a visão do autor sobre a “transculturação criadora” si mesmo, amigo, irmão”. mais inesperados e aparentemente inconciliáveis ali

18 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 19 Jorge A. H. Rangel

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: IN MEMORIAM

convivem, lado a lado, casando- além de fundamental, continua a -se numa harmonia superior, suscitar interesse académico. Padre Benjamim Videira Pires que só a complexidade viva, na O IIM, que enriqueceu a natureza e na sociedade, alcança sua colecção “Missionários para o Percurso de um Educador e Historiador de Macau quando os elementos em presença Século XXI”, em 2011, com o livro se aproximam e conciliam, ao P. Benjamim Videira Pires, Meu Aureliano Barata* longo do tempo e do espaço”. Em Irmão, de Francisco Videira Pires, Macau, a memória permaneceu e S. J., organizou, logo em Janeiro os sinais da presença cultural do do corrente ano, uma memorável Ocidente são visíveis, apesar de sessão evocativa da obra daquele todas as vicissitudes. E “os riscos, sacerdote, pedagogo, historiador tantos e persistentes, foram o e escritor, a qual contou com uma cadinho que lhe acrisolaram a alma bem concebida intervenção da inconfundível”. professora e investigadora Beatriz Benjamim Videira Pires Basto da Silva, autora da Cronologia conclui as suas sábias e cristalinas da História de Macau. Na ocasião, Introdução aliados, entre eles Portugal, pela declaração de guerra reflexões, lembrando que “o passado de Macau é ela não deixou de reafirmar a “necessidade de reunir da Alemanha, de 9 de Março de 1916. glorioso e belo”. “Teve solavancos, mas não fatalidades. a obra dispersa do padre Videira, nomeadamente os Em boa hora a Revista de Cultura de Macau Em Portugal, o regime republicano levava seis anos O seu1 rico e humaníssimo legado pertence à história artigos que escreveu na revista Religião e Pátria e em decidiu dedicar um número especial ao Pe. Benjamim de uma vida conflituosa e instável, com reflexos também e projectar-se-á, por longos e longos anos, no futuro”. todas as publicações em que colaborou”. António Videira Pires, S. J., no ano do centenário em Macau, com a expulsão da Companhia de Jesus e Assim seja! A Revista de Cultura, do agora denominado do seu nascimento. Decisão que nos afigura acertada de todas as ordens religiosas, com graves consequências Instituto Cultural do Governo da Região Administrativa atendendo ao percurso deste jesuíta, que dedicou ao para o ensino e para os mais desprotegidos da sorte 1 Conclusão Especial de Macau, fez bem em lhe dedicar um amplo Território cerca de meio século, deixando uma obra do Território. Com a retirada das Irmãs Franciscanas espaço deste número da sua edição internacional, com ímpar, como missionário, educador e historiador. O de Maria, que dirigiam o Colégio de Santa Rosa de Já o fizemos várias vezes e voltamos agora, a vários contributos muito relevantes. O centenário Instituto Internacional de Macau (IIM), já em 2011, Lima, Macau ficara sem ensino feminino, levando Luís propósito da comemoração do centenário do nascimento merece, porém, uma celebração muito mais completa, na sua colecção “Missionários para o Século xxi”, Nolasco, director e editor do semanário O Progresso, de de Benjamim Videira Pires (1916-1999), a apelar à podendo e devendo algumas instituições locais assumir editou a obra P. Benjamim Videira Pires, Meu Irmão Macau, a escrever em 15 de Outubro de 1916: republicação das suas obras, com prioridade para Os um papel interventor muito mais significativo. Ainda (vol. 4), da autoria do Pe. Francisco Videira Pires S. J., “… Em nome da Revolução local de 29 de Extremos Conciliam-se (Transculturação em Macau) que, estamos a tempo de o conseguir. que nos proporcionou uma visão mais completa da vida Novembro de 1910, alguem, sem autorização e obra deste emérito jesuíta, filho adoptivo da Macau. superior, foi intimar às ilustres professoras do Queremos agradecer ao IIM a oferta deste livro, que colegio de St.ª Rosa de Lima ordem de despejo nos permitiu traçar uma biografia mais fidedigna do […]. Foram para Tien-sin e para Sio-heng homenageado. ensinar chinas, quem com tanto aplauso e O Pe. Benjamim Videira Pires nasceu num reconhecimento do publico, ensinava as meninas período em que a I Guerra Mundial ia já no seu segundo de Macau.”2 ano, opondo as duas grandes potências hegemónicas de Por outro lado, a turbulência do regime então, o Império Alemão e o Reino Unido, e os seus republicano na China, em 1911, teve também reflexos em Macau. O movimento começara em Cantão onde, a 9 de Novembro, o general Hu Hanmin; proclamou a * Licenciado em História pela Universidade do Porto e mestre em História independência da Província. A 2 de Agosto, data tida Contemporânea pela Universidade de Macau. É autor da obra O Ensino como certa para o levantamento republicano, milhares em Macau, 1572-1979: Contributos para a sua História (Macau, DSEJ, 1999), tendo colaborado com entradas sobre o ensino em Macau para o Dicionário de cantonenses procuraram refúgio em Hong Kong Temático de Macau (Macau: Universidade de, 2010-2011). Colaborou em jornais e revistas com temas sobre o ensino em Macau. e em Macau, entrando neste último território cerca de dez mil pessoas.3 Mas a instabilidade continuou Graduated in History from the University of Porto (1985), has a Master in Contemporary History from the University of Macau (2005). He is author após a renúncia ao poder e morte de Yuan Shikai, of O Ensino em Macau, 1572-1979: Contributos para a sua História (Macao, DSEJ, em 6 de Junho de 1916, que antes havia restaurado 1999), having collaborated with Inputs on the teaching in Macao for Dicionário Temático de Macau (Macao: Universidade de, 2010-2011). He contributed a monarquia e se autoproclamara imperador. in newspapers and magazines with topics on education in Macao. Seguiu-se uma luta generalizada entre os generais

20 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 21 Aureliano Barata Padre Benjamim Videira Pires: Percurso de um Educador e Historiador de Macau

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

das várias províncias que se prolongou até 1928.4 traçando-lhe um retrato tão fiel quanto possível, e 1998: 97 e Pires, 2011: 20). Posteriormente ingressou por ficar mais próximo de Sanchoão, onde o Com momentos de pausa, devido a intromissões abordando duas das suas dimensões: o Educador e o no Instituto Beato Miguel de Carvalho, de Braga, grande Apóstolo morrera.”(Pires, 2011: 38). estrangeiras, esta turbulência duraria verdadeiramente Historiador. Dividimos este trabalho em cinco partes: onde fez o primeiro ano de Questões (Física, Química Terminado o ano lectivo no Colégio de Santo até à vitória definitiva de Mao Zedong, na guerra civil nascimento e formação académica e religiosa (1916- e Matemática), obtendo em 1940 o bacharelato em Tirso, o Pe. Videira Pires fez os preparativos para partir (1946-1949) e que apanharia o Pe. Benjamim Videira -1948); os primeiros tempos em Macau; Benjamim Filosofia.5 Depois foi para a Faculdade de Teologia da para Macau. Pires na Missão de Shiu-Hing. Videira Pires, o Educador; Benjamim Videira Pires, o Cartuxa, em Granada, dirigida pela Companhia de Como jesuíta, em que a visão do outro é um Historiador; Considerações Finais. Jesus, onde estudou durante quatro anos. Regressado a Os primeiros tempos em Macau das traves mestras do seu apostolado, o Pe. Benjamim Portugal, foi ordenado sacerdote na Sé da Porto, em 5 Videira Pires cedo percebeu que só podia desempenhar de Agosto de 1945, pelo então prelado da diocese, D. Em 7 de Novembro de 1948 o Pe. Benjamim Nascimento e formação académica 6 cabalmente a sua missão conhecendo o meio em que e religiosa Agostinho de Jesus e Sousa (1877-1952). Videira Pires embarcou em Lisboa, no navio de carga se movimentava e os particularismos de um território Já como docente, leccionou Literatura Portuguesa e passageiros holandês Kertosono II,8 da Companhia tão sui generis como Macau. Daí o estudo da História Benjamim António Videira Pires nasceu em Torre na Escola Apostólica jesuíta, em Macieira de Cambra Koninklijke Rotterdamsche Lloyd, de Roterdão, para de Macau, em que a Companhia de Jesus e as ordens de Dona Chama, Mirandela (distrito de Bragança), em (Vale de Cambra, distrito de Aveiro), retornando a prestar serviço nas Missões Portuguesas do Extremo religiosas em geral tiveram um papel determinante. 30 de Outubro de 1916, sendo o quarto dos sete filhos Espanha, onde em Salamanca completou o seu último Oriente. Foi esse o percurso do Pe. Videira Pires, trilhando o de Francisco Albino da Conceição Pires e de Adelaide ano de Teologia (Pires, 2011: 35). Regressando a A partir do terceiro dia de viagem passou a mesmo caminho dos primeiros jesuítas de Macau, que de Jesus Videira Pires. Seu pai fizera o curso completo Portugal, em 1948, devido à falta do professor de registar as suas impressões de viagem num caderno que aqui instalaram a primeira escola em 1572 (Barata, do seminário, mas não recebeu as ordens sacras, sendo História, entre Maio e Julho, leccionou no Instituto daria origem ao livro Meia Volta ao Mundo, editado em 1999: 50). um homem culto, que escrevia para os jornais, versejava Nun’Álvares das Caldas da Saúde, em Santo Tirso Macau, em 1958, pelas edições Religião e Pátria. Na O Pe. Benjamim Videira Pires foi um homem com facilidade e até deixou uma novela ao bom estilo (Pires, 2011: 38).7 nota introdutória o Pe. Benjamim escreveu: multifacetado, como demonstra a obra publicada, de Júlio Dinis. Sua mãe nascera em Edrosa (Vinhais), “Com 30 anos (caso raro, entre jesuítas, que “Viajar constitui, sem dúvida, um grande distribuindo a sua produção pela biografia, teatro, passando a residir em Torre de Dona Chama aos 12 normalmente só terminam a carreira com 32 a prazer e uma grande lição para o homem. A poesia, apologética, crónica de viagens mas, sobretudo anos. Ao carácter meditativo do marido associava ela 33), só já pensa em cumprir o voto que, criança novidade exótica das paisagens e da Natureza, pela História. Foi, sem sombra de dúvida, um dos um sentido prático e intuito do governo da casa (Pires, fizera a S. Francisco Xavier, preferindo Macau, das civilizações e das raças dilatam-nos o coração, maiores historiadores de Macau e da Expansão 2011: 13-15). Portuguesa no Extremo Oriente da segunda metade Terminara a primeira classe quando estava para O Kertosono II, onde o Pe. Videira Pires viajou de Lisboa para Hong Kong, rumo a Macau (7 de Novembro de 1948-8 de Janeiro de 1949). do século xx. Os fazer sete anos. Foi nessa altura que lhe apareceu na trabalhos editados em face esquerda carbúnculo, quando ainda não existia a livro, A Embaixada penicilina. O recurso habitual para casos destes era o Mártir (1965), A ferro em brasa, que lhe foi aplicado pelo farmacêutico Viagem de Comércio da localidade na ausência do médico. O diagnóstico Macau-Manila nos confidenciado à mãe pelo boticário era de que “o Séculos XVI a XIX menino não escapa”. Benjamim “percebendo o sussurro (1971 e 1987), Os desalentado do farmacêutico” colocou as mãos numa Extremos Conciliam- estampa antiga de S. Francisco Xavier que estava na se: Transculturação de parede e prometeu que se o curasse seria missionário Macau (1988), A Vida como ele (Pires, 2011: 17-18). Marítima de Macau Benjamim António escapou e terminou o ensino no Século XVIII primário na sua terra natal. O padre jesuíta Anacleto (1993), e em revistas, Dias, que estava em Espanha, e se hospedara em casa com destaque para dos seus pais em 1926, acabou por levá-lo a ele, e a dois A Religião e Pátria, irmãos, para cursarem os preparatórios no Seminário onde publicou a Menor de S. Martin de Trevejo (Cáceres), fronteiro ao maior parte dos seus concelho português de Sabugal (Pires, 2011: 19). trabalhos, entre eles, “O foro do chão” (1962, vol. Em 7 de Setembro de 1932 entrou para xlviii, pp. 247-252), dão-nos a dimensão do seu labor a Companhia de Jesus, como noviço, na Escola e rigor. Apostólica de Alpendurada (Marco de Canaveses), Propomo-nos neste trabalho seguir o percurso do onde frequentou o curso de Humanidades Clássicas e Pe. Benjamim Videira Pires em Macau (1949-1998) Literatura Portuguesa, que concluiu em 1936 (Barata,

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

o espírito, dando-nos a conhecer, dum modo eles, manejando habilmente os “pauzinhos”, tomando original e intuitivo, a universalidade da terra e banho com uma toalha molhada, cumprindo as vénias de do homem e a variedade harmónica do tema, a estilo num banquete e achinesando o seu próprio nome beleza da Criação. Nenhuma escola nos ministra passando a ser conhecido por P’un-Sân-Fû (Pires, 2011: ensinamentos mais concretos e saborosos sobre 40). Era esse o modus operandi da própria Companhia todas as ciências do que uma viajem.” de Jesus introduzida pela primeira comunidade inaciana As suas notas de viagem são reveladoras da que se instalou em Macau no último quartel do século sua mente aberta e da vontade de apreender o que xvi. O Pe. Benjamim Videira Pires apenas se integrou a “beleza da criação” lhe proporcionava, dando-lhe neste espírito. a noção da harmonia da Terra e da diversidade das Manteve-se na Missão de Zhaoqing (Shiu-Hing) vivências do ser humano de acordo com a geografia. até à vitória de Mao Zedong na guerra civil que o Essas notas revelam também um “retrato comovido da opôs ao partido nacionalista de Chiang Kai-shek sua alma”, como escreveu o seu irmão Francisco. “Logo (Outubro de 1949). Certamente absorto na sua acção de entrada, evocando Camões, como, em muitas das missionária, foi surpreendido pelo “triunfo definitivo outras páginas, citando os seus poetas, revela o ideal do maoismo. Sabendo que estava para ser encarcerado, que o guia – a ânsia de dilatar a Fé e o os seus fiéis, sem olhar a riscos, passaram-no de barco, Império” (Pires, 2011: 39). durante a noite, para território português” (Pires, Chegou a Macau, vindo 2011: 41). de Hong Kong a bordo do A chegada ao poder de Mao Zedong, na China, Kuantung, “uma sucata velha, de preocupou as autoridades portuguesas, embora a chaminé alta como um charuto” mensagem dirigida pelo general Wang Zhu [Wang Chu], (Pires, 2011: 11), a 8 de comandante do subdistrito militar de Zhongshan, ao Janeiro de 1949, onde o governador Albano de Oliveira, afirmasse que não haveria aguardavam os irmãos alteração da política chinesa em relação a Macau.11 de Santo Inácio.9 Todavia surgiram alguns problemas em 1950 levando Governava Macau, vários diplomatas portugueses colocados na região e o desde 1 de Setembro próprio governador Albano de Oliveira a pronunciaram- de 1947, o capitão- -se no sentido de Portugal reconhecer o regime comunista -tenente Albano de Pequim, que Salazar sempre recusou. Rodrigues de Oliveira 10 (1904-1973). Benjamim Videira Pires, o Educador Quatro dias depois de chegar a Macau seguiu Radicado em Macau, o ensino constituiu, desde para as missões de Shiu- logo, uma das suas ocupações, sendo que a escola era, -Hing (Zhaoqing), e desde as origens missionárias da Companhia de Jesus, Shekki (Zhongshan), na um dos instrumentos preferidos de evangelização. Foi província de Cantão, docente no Liceu Nacional Infante D. Henrique, onde integradas na Diocese de leccionou História e Literatura (Barata, 1998: 98), Macau, a primeira desde sendo posteriormente responsável por uma das escolas 1903, a segunda desde dos jesuítas. No entanto, o seu sonho era criar uma 1908 (Simões, 2014: instituição educativa que abrangesse todo o ensino 62), onde foi aprender desde o infantil ao secundário. a língua e a cultura chinesa. Segundo o O Instituto D. Melchior Carneiro12 seu irmão, aprendeu Os primeiros passos bem uma e outra, O sonho começou a materializar-se quando, interiorizando-a a em 4 de Setembro de 1961, abriu uma modesta

O Instituto D. Melchior Carneiro, in Aureliano Barata, Ensino em Macau 1572-1979: Contributos para a S ua História (Macau, 1999). ponto de comer como escola primária chinesa frequentada por 40 alunos,

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

leccionados por uma professora. Escola localizada O maior bloco do Instituto foi, contudo, Paulo, onde possuía um prédio de 3 blocos, com 62 Graças à sua persistência, prestígio como no rés-do-chão de um edifício alugado na Rua Pedro construído entre 5 de Outubro de 1971 e 30 salas de aula, um ginásio-teatro, uma biblioteca, dois pedagogo18 e à rede solidária que constituiu, o Pe. Nolasco da Silva (Pires, 2011: 96). Foi o primeiro passo de Outubro de 1973, que custou, devidamente laboratórios (Física e Química e Ciências Naturais), Benjamim Videira Pires ergueu uma obra ímpar na de um longo caminho que o levou a erguer o Instituto mobilado, 1 800 000 patacas. O Governo de Macau para além de outras instalações e áreas desportivas, área da educação em Macau. Em 10 de Dezembro de D. Melchior Carneiro, cujo percurso foi relatado por comparticipou com 88 526,31 patacas a que se numa área de construção de 5129 metros quadrados, 1999, o Instituto Dom Melchior Carneiro deu lugar Monsenhor Manuel Teixeira (1982: 355 e ss) até ao ano somaram 25 000 provenientes do Instituto Social com uma frequência de 2134 alunos16 ao Instituto Ricci.19 lectivo de 1981-1982 e, em 1993, através de uma outra de Assistência Pública, para o apetrechamento do fonte emanada da Direcção dos Serviços de Educação Dispensário Médico do Instituto. Características e modo de funcionamento O problema da substituição do director do Instituto de Macau (DSEJ).13 do Instituto D. Melchior Carneiro D. Melchior Carneiro Em Julho de 1962, a escola mudou-se para a O Instituto D. Melchior Carneiro era uma Em 1994 o Pe. Benjamim Videira Pires fizera Calçada das Verdades n.º 41, possuindo já seis classes, Pe. Benjamim Videira Pires instituição de ensino em língua chinesa, propriedade da 78 anos, 45 deles passados em Macau, 33 dos quais sendo duas da pré-primária e quatro da primária, Província Portuguesa da Companhia de Jesus, fundada dedicados à obra da sua vida, o Instituto D. Melchior frequentada por 223 alunos leccionados por sete foi um homem multifacetado, pelo Pe. Benjamim Videira Pires e inaugurada em 22 Carneiro. No final desse ano ou nos inícios do seguinte, professores. Em 1963, a escola foi aumentada com mais como demonstra a obra de Dezembro de 1969, pelo governador Nobre de o Superior da Província Chinesa da Companhia de quatro salas, graças ao apoio da Província Portuguesa Carvalho (Barata, 1999: 216). Jesus, com sede na Formosa, resolveu substituir o da Companhia de Jesus e da Sociedade de Turismo publicada, distribuindo Era constituído por uma creche (surgida na década fundador e director da instituição (Pires, 2011: 103), e Diversões de Macau (STDM), que subsidiaram de 1980), pelas escolas pré-primária e primária, pelo nomeando um novo director, o Pe. Joseph Mark Tai.20 o instituto com 6 800 e 1 800 dólares americanos a sua produção pela biografia, Colégio-Liceu (2.º e 3.º graus) e pelo curso Comercial Contudo, o Pe. Benjamim não se conformou respectivamente. teatro, poesia, apologética, de dois anos (inicialmente eram três). O ensino pré- em abandonar a instituição que fundara e era a razão Em 1964, o Governo de Macau cedeu -primário era de dois anos e o primário e o secundário primeira da sua vida e que, juridicamente, pertencia à gratuitamente um terreno, com a área de 1900 metros crónica de viagens de seis anos. Este último, segundo os programas em Província Portuguesa da Companhia de Jesus. Gerou-se quadrados, para além de um subsídio no valor de 50 000 vigor na Formosa (Taiwan), o que permitia aos alunos então um lamentável conflito que levaria à intervenção patacas, o que permitiu que a escola pudesse acolher No 15.º aniversário da fundação do Instituto acederem à Universidade de Taipé).17 A secção comercial da Direcção dos Serviços de Educação de Macau, que 520 alunos leccionados por 13 professores. D. Melchior Carneiro, no ano lectivo de 1975-1976, teve sempre um número reduzido de alunos devido emitiu um comunicado, em 24 de Julho de 1996, Com os apoios recebidos de Roma, Paris e de frequentavam a instituição 1327 alunos, sendo 180 no à existência de vários cursos no território. Formava suspendendo as actividades escolares do Instituto no Hong Kong, os dois primeiros no valor total de 6000 pré-primário, 700 no primário, 381 no secundário, e guarda-livros e ensinava contabilidade, correspondência final do ano lectivo 1995-1996. Viveu-se um período dólares americanos, e o terceiro de 6000 patacas, 66 no curso comercial, leccionados por 50 professores. comercial, português elementar, dactilografia e inglês muito turbulento que só terminou a 6 de Agosto de construiu-se mais quatro salas, o que permitiu Entretanto devido à localização e deficientes geral (Aresta, 1999: 704). 1998, quando o Pe. Benjamim Videira Pires regressou receber mais alunos (586) no ano lectivo de 1965/66, condições de instalação do ensino primário, o No Instituto, o ano escolar dividia-se em dois definitivamente a Portugal, num voo da TAP, onde viria leccionados por 14 professores. Instituto perderia muitos alunos. No entanto, graças períodos: o primeiro, que ia de inícios de Setembro a a falecer na sua terra natal, cinco meses depois, em 10 Em 1966/67, com o apoio do Governo de Macau, à comparticipação do Governo de Macau (770 000 fins de Janeiro, e o segundo, de Fevereiro (Ano Novo de Janeiro de 1999. adquiriu uma modesta casa na Travessa do Penedo n.os 8 patacas), somadas a mais 200 000, doadas pelos filhos Lunar) a fins de Junho. As aulas paravam no Natal e e 10, que foi posteriormente demolida para a construção do comendador Hou Ho Keng (em memória do pai), Ano Novo cristão (5 dias); no Ano Novo Lunar (10 Benjamim Videira Pires, de um edifício de três pisos. Isso permitiu que no foi possível reconstruir, em moldes modernos, a escola dias), e na Páscoa (4), sendo o mês de Agosto de férias. o Historiador ano lectivo de 1966-1967, o Instituto D. Melchior pré-primária e a creche, inauguradas, respectivamente, Cada período constava de 21 ou 22 semanas de aulas, Carneiro aumentasse a sua frequência e criasse o ensino em 15 de Setembro de 1980 e 21 de Setembro de com exames de 7 em 7 semanas. As terceiras 7 semanas O Pe. Benjamim Videira Pires foi acima de tudo secundário. O pré-primário e o primário tinham 660 1981. do segundo período reservavam-se à repetição geral da um historiador, seguramente o maior orientalista em alunos e 18 professores; o secundário 18 alunos (1.º Em 1981-1982, o Instituto viu subir, de novo, a matéria que constituía o programa do exame final. Os língua portuguesa da segunda metade do século xx. ano) leccionados por um docente.14 frequência de alunos (1160 alunos leccionados por 48 compêndios escolares estavam organizados segundo Abordou, sobretudo, o papel dos Jesuítas em Macau e no Em 1969 dá-se um novo e grande salto em frente, professores), assim distribuídos: 25 crianças na creche, este método, em dois volumes, a fim de facilitar as Oriente e a presença dos portugueses na mesma região. graças ao apoio do Governo de Macau, que concedeu um 143 na pré-primária, 405 no secundário, e 45, no curso provas bimestrais e do período. Durante o mês de Julho A 6 de Janeiro de 1955 assume a direcção da subsídio de 82 000 patacas, que permitiu ao Instituto comercial. funcionava da parte da manhã o “Curso de Verão”, revista Religião e Pátria, órgão da Companhia de Jesus comprar um horto com a área de 2600 metros quadrados Em 1991, o Pe. Benjamim assinou um artigo para obrigatório para os alunos novos e para os repetentes de Macau, substituindo o Pe. Rogério Frutuoso, S. J., por 89 000 patacas, situado no antigo Pátio da Indigência uma obra comemorativa dos trinta anos da instituição, nalguma disciplina. As cadeiras repetidas neste curso que regressara a Goa como Superior da Ordem (Pires, (hoje Travessa de S. Paulo). Nesse terreno, graças a outros onde resume todo o seu percurso desde o início até ao eram apenas as consideradas mais importantes para o 2011: 53). É nesta revista que publicará, desde 1955 apoios que entretanto recebera, foi construído o primeiro projecto final (Pires, 2011: 96). futuro dos alunos: matemática, ciências, literatura e a 1967 grande parte dos seus estudos históricos; já aí grande bloco destinado ao ensino secundário e à secção Em 1993, o Instituto ocupava uma área de inglês. O Curso Geral era leccionado em chinês e o editara, em 1952, “A emigração da China” (vol. xxxviii, comercial, inaugurado em 22 de Dezembro de 1969.15 terreno de 4500 metros quadrados na Travessa de S. Comercial em inglês (Aresta, 1999: 704-705). n.º 6).

26 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 27 Aureliano Barata Padre Benjamim Videira Pires: Percurso de um Educador e Historiador de Macau

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

de Macau,21 “A viagem de comércio Macau-Manila nos fê-lo sócio correspondente da Academia Portuguesa séculos xvi a xix (vol. 5, pp. 5-120”, que teve uma de História bem como membro efectivo da Academia primeira edição em 1971, pela Imprensa Nacional de de Marinha, do Instituto Histórico Ultramarino, Macau, e uma segunda, em 1987, pelos Serviços de integrando, em 1961, o Internacional Association of Marinha de Macau.22 Historians of Asia, na categoria de governador, com Notável foi o seu ensaio histórico Os Extremos sede em Manila (Filipinas). Conciliam-se (Transculturação em Macau), com uma O seu rigor é realçado pelo seu irmão Francisco primeira edição em 1987 e uma segunda, em 1992, (2011: 81-82): ambas do ICM. Trata do processo de transculturação “Procurava sempre ir às fontes, que, à falta de entre a cultura portuguesa e chinesa de Macau, vertida fotocopiadoras, as mais das vezes transcrevia à para chinês por Su Qin.23 É como se os portugueses e mão, cotejando depois tudo, palavra a palavra, chineses de Macau houvessem bebido a cultura um com o texto da obra, respeitando até a própria do outro, e dessa fusão tivesse nascido um outro ser, ortografia da época. Chegava a regressar ao o luso-chinês, independente da língua e da nação de mesmo arquivo, português ou estrangeiro, para pertença (Pires, 2011: 73). de novo se certificar da exactidão dum texto já António Aresta, referindo-se a esta obra, copiado, anos antes. [...] escreveu:24 Estudou todos os cemitérios de Macau, em “Bastava este livro para o relevar como uma particular o dos cristãos parsis, que no território referência incontornável no debate da sinologia se refugiaram, para fugir à perseguição dos portuguesa contemporânea, porque convoca para turcos, […] Quando não conseguia fotografar a reflexão a filosofia e a religião, a ética, a moral as legendas das campas, com muita habilidade e e a antropologia.” exactidão, desenhava-as em folhas, de que guardo Taprobana e Mais Além… Presenças de Portugal vários exemplares, anotando frequentemente, ali na Ásia, é a última obra do Pe. Benjamim Videira Pires mesmo ao lado dos desenhos, particularidades publicada pelo ICM, em 1995, onde o autor passa mais relevantes.” em revista a presença portuguesa na Ásia: Sri Lanka (Taprobana), Birmânia, Camboja, Tailândia, Indonésia, Considerações Finais Malásia, Vietname, Laos, Filipinas e Japão, numa síntese histórica cultural e política das suas identidades, Tentámos neste artigo dedicado ao centenário do com o habitual rigor das suas fontes documentais. Pe. Benjamim Videira Pires, S. J., traçar o seu percurso A Embaixada Mártir, editada em 1965, pelo que, desde cedo, o levou a entrar na Companhia de Jesus Centro de Informação e Turismo de Macau, teve uma e a ir para Macau para, no dizer de seu irmão Francisco, 2.ª edição do ICM, em 1988; não sendo considerada ficar mais perto do túmulo de S. Francisco Xavier, na pelo autor a obra mais importante, era a que o Pe. ilha chinesa de Sanchoão. Após ter concluído o ensino Benjamim mais acarinhava (Pires, 2011: 88). primário na sua terra ingressou de imediato em escolas Nos catálogos das obras do Pe. Benjamim Videira apostólicas da Companhia de Jesus, onde fez toda a sua Pires que a Biblioteca Central de Macau editou em 1992 formação académica e religiosa, que terminou em 1948, e 1997, com nota introdutória do seu então director, com 32 anos. Depois de um breve período de docência Jorge Arrimar, figuravam 57 títulos, não referenciando em Santo Tirso, preparou-se para a grande viagem da

Recepção do Pe. Benjamim Videira Pires na Academia Portuguesa de História. dois títulos que o irmão do autor acrescenta: Xavier em sua vida. Partiu para Macau em 7 de Novembro de 1948 Sanchoão. A Ilha de Sanchoão, Ontem e Hoje (Monografia chegando à Cidade do Nome de Deus em 8 de Janeiro Histórica), editado em 1994 pelo Instituto D. Melchior de 1948. Mas pouco tempo aí se deteve, partindo para Já como director da revista publicou “D. -252), e no Boletim do Instituto Luís de Camões, em 1966 Carneiro),25 e D. Maria de Além-Mar: Um Mês pela as missões da Diocese de Macau, na província chinesa Melchior Carneiro, S. J.”, o padroeiro do seu (vol. i, pp. 319-334), com maior desenvolvimento. Índia Portuguesa),26 editado em Braga em 1995, pelo de Cantão, onde aprendeu a língua, os costumes e Instituto, “Seminário de S. José de Macau”, “Achados Destaque, também, para “A vida marítima de Macau Apostolado da Imprensa (Pires, 2011: 85 e 87). o cerimonial chinês, que interiorizou. A turbulência arqueológicos de Macau”, “Santos Padroeiros de no século xviii”, editado em 1967 (vol. liii, pp. 125- A sua produção é tão rica e prolixa que não ocasionada pela vitória de Mao Zedong na guerra civil Macau” (todos no vol. xli, 1955). Na mesma revista -175), posteriormente editado em livro (1993), pelo permite uma abordagem mais detalhada nos estreitos que o opôs a Chiang Kai-shek trouxe-o de novo para publicaria “O foro do chão (1962, vol. xlviii, pp. 247- Instituto Cultural de Macau (ICM) e Museu Marítimo limites deste artigo. O seu prestígio como historiador Macau, por volta de 1950.

28 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 29 Aureliano Barata Padre Benjamim Videira Pires: Percurso de um Educador e Historiador de Macau

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

De 1950 a 1998 desenvolveu toda a sua obra: Era a primeira homenagem prestada pelo 14 O Instituto D. Melchior Carneiro obteve licença para leccionar 22 Este tema foi objecto de uma Comunicação apresentada pelo Pe. o ensino pré-primário e primário pelo Alvará n.º 5 dos Serviços Benjamim Videira Pires no 5.º Congresso da Associação Internacional a educativa (Instituto D. Melchior Carneiro) e a Estado Português após o passamento deste jesuíta de Instrução de Macau, de 29 de Abril de 1962, e pelo respectivo de Historiadores da Ásia e foi reimpresso, em 1994, pelo Centro de histórica, tornando-o seguramente no maior historiador transmontano, que dedicou o melhor tempo da sua averbamento na mesma Repartição, exarado no sobredito Alvará, em Estudos Marítimos de Macau. Não conseguimos identificar o local português de Macau e do Oriente, da segunda metade vida a Macau. Seu irmão Francisco, presente na sala, 7 de Outubro de 1966. Cf. “Escolas dos Jesuítas”, in http://www. e ano deste Congresso. library.gov.mo/macreturn/DATA/PP271/PP271458.HTM (visitado 23 Cf. Catálogo Bibliográfico de Autores Portugueses em Línguas do século xx. recebeu das mãos do então Chefe do Estado, em nome em 17/12/2015). Orientais (Chinês), in http://www.carloscorreia.net/ipor/edicoes/ Na sessão solene de boas-vindas ao Presidente da família, a Ordem Militar de Santiago da Espada: 15 Os apoios foram da Diocese de Macau (25 000 patacas), da edicoes_catalogo_bibligrafico.html (visitado em10/12/2015). Jorge Sampaio, realizado no Palácio da Praia Grande, grande colar de Ciências, Letras e Artes, com que fora Propaganda da Fé, de Roma (7000 dólares americanos), do 24 Cf. “Figuras de Jade – Benjamim Videira Pires”, Jornal Tribuna de Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (20 000 dólares Macau n.º 3588 (nova série), de 21 de Outubro de 2010. em 18 de Março de 1999, o então Presidente da agraciado, a título póstumo, seu irmão Benjamim. Já americanos), e do Banco Nacional Ultramarino (15 000 patacas). 25 Trata-se de uma obra de pequena tiragem (58 páginas), em que relata República Portuguesa, usando da palavra referiu-se ao em 4 de Outubro de 1973 fora agraciado com o Grau 16 Cf. Henrique Vieira e Chan Chon Keong, Estabelecimentos de Ensino com minúcia lugares, “apoiado em mapas antigos, as informações Pe. Benjamim Videira Pires nestes termos:27 de Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (Pires, de Macau, pp. 230-231. acerca da evolução por que passara o culto do Santo, no local, 17 Cf. “Escolas dos Jesuítas”, in http://www.library.gov.mo/macreturn/ as peregrinações que promoveu até lá, o rigor de todo o texto, “… o Padre Benjamim Videira Pires, que 2011: 77-79). DATA/PP271/PP271458.HTM (visitado em 17/12/2015). convertem o trabalho numa achega valiosa à biografia monumental recentemente nos deixou, e que aqui invocamos Bragança, a cidade-sede do seu distrito natal, 18 Sobre educação, o Pe. Benjamim Videira Pires publicou no Boletim de Schurammer, no que respeita a Sanchoão” (Pe. Francisco Videira como símbolo, entre todos, do espírito de também o não esqueceu, dando a uma rua da cidade Eclesiástica da Diocese de Macau (BEDM), em 1981, um artigo sob Pires, P. Benjamim Videira Pires, Meu Irmão, p. 86). o título “A Educação em Macau e o esboço de solução de problemas” 26 Trata-se de um estudo sobre uma princesa indiana que morrera missão, príncipe da cultura portuguesa, que se o seu nome, na freguesia da Sé. No ano do centenário (vol. 79, n.º 918, 1981, Julho/Agosto, pp. 48-62). mártir (premiado pela Academia Portuguesa de História). Este fez educador e sinólogo de mérito assinalável, do seu nascimento, Macau, através do seu Instituto 19 Ver “Instituto Ricci de Macau”, in https://pt.wikipedia.org/wiki/ trabalho surgiu na sequência de um levantamento cultural de que foi em mais de meio século de convivência com Cultural, presta-lhe homenagem com este número Instituto_Ricci_de_Macau (visitado em 21/12/2015). incumbido pelo Instituto Cultural de Macau, sobre a situação das 20 Ver em https://groups.google.com/forum/#!msg/pt.ensino/ relíquias da cultura portuguesa em Goa, Damão e Diu (ibidem, p. 87). este Macau que tanto amava. E nessa paixão, da Revista de Cultura. É uma justíssima homenagem pAATEcc0_aA/VENWJ7-_AVAJ o texto The Institute Melchior 27 Cf. Arquivo do Presidente Jorge Sampaio, vol. 4, Cap. XII, Macau, contribuiu como poucos para que, no dealbar do a um filho adoptivo da terra, que trabalhou para Carneiro Community (visitado em 15/12/2015). pp. 403-445, p. 407, in http://jorgesampaio.arquivo.presidencia.pt/ milénio, fosse tão clara para todos a identidade e o seu engrandecimento durante perto de meio 21 Colecção Documentos e Ensaios n.º7. pt/biblioteca/livros/volume4.pdf. (visitado em 23/12/2015). singularidade desta terra que serviu.” século.

notas bibliografia

1 Pelo abaixo-assinado encabeçado por Pedro Nolasco da Silva dirigido custom/template/ucptplfac.asp?sspageID=1341&lang=1 (visitado Aresta, António (1999). “Benjamim Videira Pires: Um Educador Pires, Pe. Benjamim Videira (1981). “A educação em Macau e o ao então Ministro das Colónias, publicado no jornal Vida Nova, de 27 18/12/2015). Português em Macau”. Administração - Revista da esboço de solução de problemas”. Boletim Eclesiástico da de Novembro de 1910, sabemos que os jesuítas abandonaram Macau 6 Foi bispo de Lamego entre 1935 e 1942 e do Porto de 1942-1952. Administração Pública de Macau, n.º 45, pp. 699-709. Diocese de Macau, vol. 79, n.º 918, Jul./Ag., pp. 48-62. na véspera da publicação da sua expulsão no Boletim Oficial de Macau 7 Este instituto viera de La Guardia, Galiza, em frente a Caminha, onde —— (2010). “Benjamim Videira Pires”. Jornal Tribuna de Macau, Pires, Pe. Francisco Videira (2011). P. Benjamim Videira Pires, Meu (19 de Novembro de 1910). O apelo ao Ministro das Colónias ia esteve de 1916 a 1932 quando a implantação da II República espanhola no sentido de suspender a ordem de expulsão das ordens religiosas os expulsou, transferindo-se para o hotel das Caldas da Saúde, em Santo n.º 3588 (nova série), de 21 de Outubro. Irmão. Macau: Instituto Internacional de Macau. de Macau. Um telegrama de Lisboa, de 19 de Novembro desse ano, Tirso, pelo que ficou conhecido como o Colégio das Caldinhas, in http:// Barata, Aureliano (1988). “Missionários de Bragança no Oriente,” Vieira, Henrique e Chan Chon Keong, coord. (1994). suspendeu as expulsões com excepção dos jesuítas, mas acabou por www.institutonunalvres.pt/index.php?option=com_content&view=arti Brigantia: Revista de Cultura, vol. XVIII, n.º 3/4, Jul-Dez, Estabelecimentos de Ensino de Macau. Macau: Direcção não ser cumprido devido ao movimento de 29 de Novembro de cle&id=4&Itemid=9 (visitado em 12/12/2015). pp. 95-109. dos Serviços de Educação e Juventude. 1910. Cf. João Botas, “A Rua de António Bastos”, in Jornal Tribuna 8 Construído na Alemanha em 26 de Novembro de 1936, esteve —— (1999). O Ensino em Macau 1572-1979: Contributos para a Saldanha, António Vasconcelos de (2011). “Sun Yat-Sen e a de Macau, artigo de opinião, de 5 de Dezembro de 2014. ao serviço da companhia holandesa desde 1946, cf. “Navios e Sua História. Macau: Direcção dos Serviços de Educação fundação da República Chinesa vistas de Portugal: Uma 2 Cf. Luís Nolasco A Educação das Meninas em Macau, p. 1. A Casa de navegadores”, in http://naviosenavegadores.blogspot.pt/2008/04/ e Juventude. aproximação política e diplomática”. Administração - Revista Beneficência, dirigida pelas Canossianas, deixou de funcionar após companhias-holandesas-rotterdamsche_22.htm,l. Boletim Geral das Colónias, ano xiii, n.º 266-267, 1947, Ag./Set., da Administração Pública de Macau, n.º 94, pp. 1233-1262. os acontecimentos de 29 de Novembro de 1910, em que um grupo 9 A comunidade jesuítica da cidade era composta de padres e irmãos pró-republicano se manifestou, com armas na mão, para fazer sair leigos, alguns deles nativos, que mantinham um colégio e uma pp. 3-5 e 92. Simões, Rui Fernando Almeida (2014). Uma Educação para a rapidamente de Macau as ordens religiosas expulsas por um decreto paróquia florescentes. Boletim Oficial de Macau n.º 26, de 29 de Junho de 1952. Diáspora: Os Territórios da Educação de Matriz Portuguesa da República Portuguesa (Barata, O Ensino em Macau 1572-1979: 10 Este oficial da Marinha teve uma longa permanência em Macau durante Botas, João (2014). “A Rua de António Bastos”, Jornal Tribuna de nos Manuais Escolares para o Ensino da Língua Chinesa Contributos para a Sua História, p. 195). a juventude, tendo também exercido o cargo de cônsul-geral interino Macau, de 5 de Dezembro de 2014. Editados em Macau (1884-1912). Lisboa: Universidade Nova 3 Cf. Ofício do cônsul de Portugal em Cantão ao Governador de Macau, em Cantão (1937-1938) e presidente do Leal Senado (1939). Tomou Fernandes, Moisés Silva (1998). “Enquadramento das relações de Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas [Tese de 28 de Outubro de 1911, Arquivo do Ministério dos Negócios posse em Lisboa a 7 de Agosto de 1947, cf. Boletim Geral das Colónias luso-chinesas entre 1949 e 1966”. Administração - Revista de Doutoramento em Ciências da Educação]. os Estrangeiros (AMNE), 3.º P A12 M.20/21, citado por Saldanha ano XIII, n. 266-267, 1947, Agosto-Setembro, pp. 3-5 e 92. da Administração Pública de Macau, n.º 40, pp. 302-303. Teixeira, Manuel Pe. (1986). A Educação em Macau. Macau: (2011: 1236). 11 Cf. Moisés Silva Fernandes, “Enquadramento das relações luso- Nolasco, Luís (1916). “A Educação das Meninas em Macau”, O Direcção dos Serviços de Educação e Cultura. 4 “História da República da China” (1912-1949, in https:// -chinesas entre 1949 e 1966”, pp. 302-303. pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_Rep%C3%BAblica_ 12 A criação e funcionamento de instituições educativas de Macau, Progresso, n.º 7, de 15 de Outubro de 1916. Vida Nova, de 27 de Novembro de 1910. da_China_(1912%E2%80%941949. Visitado em 02/12/2015. da Igreja Católica, eram reguladas pela Concordata e pelo Acordo 5 Os jesuítas regressaram a Braga em 1934 e criaram na Rua de S. Missionário entre a Santa Sé e a República Portuguesa, assinados em 7 Barnabé o Instituto Beato Miguel de Carvalho para o estudo da de Maio de 1940, e pelo Estatuto Missionário (Decreto-Lei n.º 31 207, Filosofia. Estudo esse que, em 1942, o Ministério de Educação de 5 Abril de 1941), conjugado com o Diploma Legislativo Ministerial reconheceu como Curso Superior de Ciências Filosóficas. Em para a Diocese de Macau, de 28 de Junho de 1952 (Boletim Oficial 1947, foi elevado a Faculdade Pontifícia e, em 1967, passou a de Macau n.º 26, de 29 de Junho de 1952). Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa. Cf. 13 Veja-se também António Aresta, “Benjamim Videira Pires: Um “Universidade Católica Portuguesa”, in http://www.braga.ucp.pt/site/ Educador Português em Macau”, pp. 699-709.

30 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 31 Benjamim Videira Pires, SJ: IN MEMORIAM Benjamim Videira Pires, SJ: IN MEMORIAM

necessários para estabilizar suficientemente a atingiam um requinte artístico e a hospitalidade A Identidade Cultural de Macau situação de Macau”.7 era estupenda e elogiada pelos próprios mandarins O ciclo de vivências que marcaram o Território, e outros visitantes ilustres. Um trato fino, sincero e no Pensamento de Benjamim Videira Pires, S. J. então visto como parte indissolúvel de um Portugal cordial reinava entre todos. Se os ‘filhos de Macau’ acomodado na China, nas décadas de 208 e de 30 do e aqui radicados lamentam o desaparecimento das António Aresta* século xx, foram descritas e relatadas, por exemplo, cozinheiras de outrora, mais deplorável ainda se com apreciável realismo e pormenor por Maria do Céu torna o fim das maneiras fidalgas e da generosidade Saraiva Jorge9 ou por Henrique de Senna Fernandes.10 proverbiais dos nossos avós”.13 Os valores históricos e ideológicos de um Portugal Como se nota, “o culto de boas maneiras” era imperial eram dogmas assumidos e difundidos com uma questão realmente transversal a toda a sociedade, tranquilidade. Recorda Henrique de Senna Fernandes incluindo o ramo da doçaria e pastelaria: “Então não In Honorem que Macau temos os Papos d’ Anjo e as Maminhas de Freira ?! Nôs D. Arquimínio Rodrigues da Costa “era também uma cidade muito devota. Os sinos chomá Pão de Leite, más decente!”14 Esse tempo marca o Cónego Dino Parra das igrejas marcavam as horas, a começar pelas início do magistério cultural de Luís Gonzaga Gomes,15 Padre Henrique Rios dos Santos, S. J. matinas, porque sobressaiam acima doutros cujas traduções para a língua portuguesa dos clássicos Padre Luís Sequeira, S. J. sonidos. Antes da Guerra do Pacífico, as trindades do confucionismo foram essenciais para a modelação Padre Tomás Bettencourt Cardoso eram respeitadas com muita unção. Ao badalar das mentalidades e para a educação do gosto literário dos sinos àquela hora, a população católica e dos valores. persignava-se, parada, fosse em casa ou na rua, Os terríveis anos da Segunda Guerra Mundial, na para rezar uma ave-maria e depois dizia ‘Boa versão da Guerra do Pacífico, em Macau, estão descritos Luís Gonzaga Gomes fixou na sua Bibliografia menos contemporâneo da fundação de Macau, quando Noite’ porque só então iniciava a noite. Depois de uma forma soberba também por Henrique de Senna Macaense,1 publicada em 1973, uma boa parte do labor imaginou a Abadia de Téllème cuja única regra rezava do jantar, orava-se o terço, pais e filhos ajoelhados Fernandes em A Noite Desceu em Dezembro,16 sem histórico, literário, jornalístico e religioso de Benjamim assim, “faz o que quiseres”, para enquadrar os segredos diante do altar, que tinha lugar proeminente em esquecer o impressivo testemunho de António Andrade Videira Pires,2 um discreto e valoroso jesuíta que tinha dessa mesma sobrevivência. Benjamim Videira Pires todas as casas. Só depois do terço os rapazes mais e Silva em Eu Estive em Macau Durante a Guerra17 ou aportado a Macau em Janeiro de 1949, destinado às sempre defendeu que espigadotes podiam sair para a área da vizinhança, o experimentado olhar de viajante e de repórter de lides eclesiais,3 à missionação e, por extensão, ao ensino.4 “não podemos, nem nos interessa, gloriar-nos ficando quando muito até às dez e meia, porque guerra de Ferreira de Castro em Macau e a China.18 Por aí se avalia o seu notável trabalho intelectual e de nos termos apoderado, por meio da violência depois disto eram considerados ‘meninos As inevitáveis mudanças sociais, outros intervenientes como dizia David Mourão-Ferreira, construído nos de armas de guerra, da península e ilhas de perdidos’. As moças, coitadinhas, só podiam políticos e corporativos e a nova configuração política ócios do ofício, solitariamente, com escassos apoios Macau – aliás, pérola diminuta, no colar de andar sós até às trindades, porque para além desta continental abalaram um pouco os alicerces da estrutura ou recursos. De resto, 1949 foi um ano charneira para inúmeras outras ilhas do delta do Si-Kiang hora, se não estivessem acompanhadas, eram conservadora da então colónia portuguesa. a China que se transformará em República Popular da (rio do Ocidente) –, mas ufanamo-nos de a consideradas, por sua vez, de ´meninas perdidas’, Em 1950, Benjamim Videira Pires, remata China. A emergência e a disseminação da ideologia ter sabido adquirir e manter, com realismo, pela má-língua. Além do aprendizado da cultura angustiadamente o poema “Macau”,19 da forma comunista, nas cinzas da guerra civil, conduzirá à paciência, coragem e dignidade, através e para geral, ministrado no Liceu, no profícuo externato seguinte: ruptura e ao corte das relações diplomáticas entre além de cataclismos de repercussão mundial, do Seminário de S. José e da Escola Comercial Portugal e a novíssima República Popular da China, que submergiram nações e impérios à nossa Pedro Nolasco para os mais pobres, a educação Senhora, do alto da Guia, não obstante a existência de Macau e a permanência volta. Com uma política de flexibilidade como orientava-se para o culto de boas maneiras”.11 avistais o bom e o mau: dos portugueses na condução política e administrativa a do bambu, que dobra mas não quebra, ou de Este singular pormenor, “o culto de boas Na hora incerta que passa, dessa especial cidade-estado. O que seria o anunciado estabilidade relativa como a do motociclo? Mas maneiras”12 fazia parte desse invisível pacto de sede a Estrela de Macau! ano do apagamento da matriz portuguesa transformou- sem traições a Deus nem à Pátria, sem infringir entendimento entre portugueses e chineses, cultivando -se no renascimento e na nova pujança de Macau, a moral e o direito, sem percalços nem quedas ainda as elites portuguesas um cantonense culto e É no quadro instável dos valores do pós-guerra, como nos diz Wu Zhiliang,5 num inimaginável fatais, ao bom jeito português”.6 elegante, bebido na aprendizagem com os melhores com uma visão cristã da vida, do homem e do mundo, contexto de liberdades cerceadas por totalitarismos. Não se esquecia de evocar e contextualizar o letrados. Inesperadamente, num breve tratado de sob o signo do personalismo, que Benjamim Videira Poder-se-ia convocar Rabelais, curiosamente mais ou legado científico, diplomático e de coragem dos jesuítas culinária macaense, Maria Margarida Gomes registou Pires irá cumprir o desafio radical de pensar a identidade na história de Macau, o seguinte apontamento: cultural de Macau, nos caminhos da sabedoria de “só com o estabelecimento dos ‘Padres da “Como o pessoal duma casa era numeroso e uma história partilhada pelo Oriente e pelo Ocidente. * Professor e Investigador. Doutorando em Filosofia (Universidade do Porto). Autor 20 de diversos estudos sobre a história de Macau. Côrte’ no Tribunal das Matemáticas, em de proveniências variadas, passavam a vida a Deixa, contudo, escapar esta observação enigmática,

Secondary school teacher and researcher. Author of various studies on Macao History, Pequim, no primeiro quartel do século xvii, esmerar-se nos trabalhos de sala ou de cozinha. “ultimamente, os estudos históricos tem sido cultivados he is currently preparing his Ph.D. in Philosophy at Oporto’s University. os Portugueses conseguiram os protectores Por isso, muitos pratos e composições culinárias com entusiasmo, embora nem sempre com rigor crítico

32 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 33 António Aresta A Identidade Cultural de Macau no Pensamento de Benjamim Videira Pires, S. J.

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

e metódica investigação de arquivos europeus, por de um triunfalismo internacional que procurava rasurar Em 1939, a Universidade do Havai foi o palco souberam conciliar as suas divergências naturais Marques Pereira, pai e filho, Montalto de Jesus, C. R. a memória histórica da comunidade. da primeira grande conferência entre filósofos do e encontrar-se no meio-termo ou regra de oiro da Boxer (indiscutivelmente o melhor), J. Maria Braga, L. O esforço reflexivo para acolher a heterodoxia e Ocidente e do Oriente, percebendo-se então o enorme fraternidade entre os homens. É esta uma verdade, Gonzaga Gomes e Pe. Manuel Teixeira”. Nesse mesmo os modos de acesso à felicidade num espaço marcado desconhecimento recíproco e a vontade firme de se ao mesmo tempo, do Cristianismo e da sabedoria ano de 1950, uma figura de referência na vida cultural de por imperativos éticos aparentemente sem limites, estabelecerem pontes de entendimento entre estas popular chinesa. Efectivamente, o Oriente (de Macau, a jornalista e escritora Deolinda da Conceição, começa primeiramente pela assunção da relevância da tradições filosóficas e respectivas problematicidades. Jesus, Buda, Confúcio, Lao-tsé, Ghandi e Rizal) é publicou um artigo matricial intitulado “Macau e os poesia entendida como o território da desocultação e da Era importante limpar visões antiquadas do mundo o viveiro do método da não-violência, do diálogo, Macaenses”21 onde apresenta uma ontogénese dos valores transparência. Martin Heidegger,24 dizia que “o homem dos outros e anacronismos civilizacionais que eram da afinidade dos contrários, da harmonia entre que será assumida pela comunidade: não compreende a exigência interior que reside na essência armadilhas históricas e conceptuais das quais ninguém a natureza (terra e firmamento) e o homem, “As relações luso-chinesas nesta terra são da historicidade. Este compreender só é possível numa saía ileso. Supõe-se para a resolução das relações e comportamentos uma tradição que deve envaidecer todos os relação modificada com o tempo, numa experiência “que a mente do Oriente não é tão egocêntrica individuais e sociais”.30 portugueses, principalmente aqueles que aqui originária do tempo”. Nesta problemática, sobretudo como a do Ocidente. A cultura do Oriente tende Não sendo um inventário de fraquezas de uma viram a luz do dia. Esta Macau gloriosa, que conta ontológica, se movimentará desembaraçadamente o para ser existencial, sem divisões artificiais e estética naturalista ou de um relativismo cultural, aqui na sua história feitos heróicos que garantiram a nosso autor. Para Benjamim Videira Pires, a abstractas. A poesia, a pintura, a Cerimónia do e além, um pouco eurocêntrico, é muito interessante presença de Portugal no Extremo Oriente, é pátria “poesia é uma experiência vital que nasce, por Chá da escola budista Zen, os arranjos de flores, as cotejar esta ideia do filósofo espanhol José Ortega querida dos filhos de Portugal que aqui nasceram. impulso espontâneo, na alma do artista. Não plantas miniaturais, a ginástica respiratória, a arte Y Gasset: “O caso é que, com rara coincidência, o Os macaenses são, sem dúvida, portugueses de prescinde da inteligência nem do sentimento, mas marcial (kong-fu), etc., insistem na atitude vertical mandarim confucionista sente um desdém pelo místico lei, que continuam a tradição dos primeiros dos ultrapassa-os. É um conhecimento de intuição da mente (penetração do objecto, união com ele, taoista, semelhante ao que o teólogo católico sente pela nossos maiores que aqui vieram trazer o facho e quietude, que ocorre, no centro da pessoa, e esquecimento do eu, atenção nem ao passado freira iluminada. Os partidários do reboliço em toda a da civilização ocidental, revelando aos povos que empolga o nosso eu mais profundo. É o contacto nem ao futuro mas só ao momento presente). ordem preferirão sempre a anarquia e a embriaguez dos habitavam estas paragens a existência dum país ou melhor a ‘co-presença do poeta com o acto O pensamento Ocidental por outro lado, até ao místicos à clara e ordenada inteligência dos sacerdotes, distante que rasgou novos horizontes ao mundo, existencial ou a última perfeição das coisas’ (Marcel existencialismo e à filosofia do real (Kierkegaard, isto é, da Igreja”.31 Mas, Benjamim Videira Pires,não sulcando mares desconhecidos, com grande de Corte), naquele ponto único e indefinível em Gabriel Marcel e outros), dum modo geral, deixa de referir com sentido de clarividência que a espanto das gentes: PORTUGAL!” que elas dependem da Beleza Infinita, o Criador. preocupava-se com o ser essencial e silogístico e “velha ética chinesa tem de ser, pois, Asserções singelas e lógicas, que permitem Por isso, o poeta lembra um místico ou um menosprezava a intuição e o misticismo”.28 contrabalançada ou completada com a ideia legitimar uma visão transparente da história dos sonhador, que apenas fala, por símbolos, alusões No poema “Barcarola”,29 Benjamim Videira Pires, cristã da fraternidade entre os homens, sob os encontros e dos desencontros, menos teoréticos e e analogias, do seu mundo transfigurado e dos posiciona com clareza o seu pensamento e alguns dos olhares amorosos do mesmo Pai comum que está mais edificantes, contrariando algum alheamento ‘campos de possibilidades’ que cria”.25 conceitos com os quais trabalhou com maior ênfase nos Céus. Acima do quarto mandamento, está o generalizado. Mas, o macaense, observa Benjamim Não há uma tradição política de feição colonial, dialéctica: primeiro: Amar a Deus sobre todas as coisas”.32 Videira Pires, ou de outra natureza, que silencie, amordace ou A reflexão teórica sistemática permite constatar “é o tipo societário menos europeu, mas o marginalize a cultura e a comunidade porque a sua No Oriente nasce o sol, que já mais específico e paciente dos portugueses. É força resulta de uma comunhão híbrida, uma terceira que é vermelho e masculino. “chegou o tempo de os sábios católicos (e não o que vive mais longe de Lisboa e, todavia, o força emergente. Benjamim Videira Pires, aponta para a A Europa da fé chegou, só) explorarem sistematicamente a mina rica da mais patriota; o que habita mais separado do “transculturação, osmose contínua e sem datas, no seu velame latino. sabedoria natural da vida nas culturas da China espaço vocabular da saudade (Galiza e Norte de em corpo e alma, de tudo o que somos e temos, e doutras nações do Oriente, a fim de as ‘bapti- Portugal) e, contudo, o mais saudoso, porque o entre homens e povos que sabem conviver, com Casou co’o ‘Rio do Oeste’ zarem’, como os nossos predecessores medievais mais isolado. As solidões imensas dos oceanos, das toda a abertura de espírito ecuménico, represente, o ‘Grande Mar do Ocidente’. fizeram às culturas da Grécia e de Roma”.33 planícies e viagens sem fim, o mistério da alma melhor que os outros tipos culturais, a síntese Macau marca a confluência O desconstrucionismo de sabor derridiano irá oriental, que o envolve, caldearam-lhe a alma”.22 vivencial que este pedaço de história luso-chinesa da Europa com o Oriente. ser revelado Para apertar um pouco mais os nós da rede de plasmou solidamente, num tempo e num espaço “nos provérbios populares que melhor se revelam todos esses vínculos imateriais e ideológicos, a Imprensa definidos. Temos, pois, duas culturas, seculares A identidade de sangues a sabedoria e a moral de um povo. Ora o falecido Nacional, de Macau publica em 1961, numa edição e opulentas – a portuguesa e a chinesa –, que forma a família comum. chantre António André Ngan demonstrou, numa trilingue (português, inglês e chinês) um importante se encontram e fundem, em transculturação As pessoas somos duas; compilação feliz, a concordância ideológica e até discurso do Presidente do Conselho, António de criadora. Aqui, em Macau”.26 como povo, somos UM. muitas vezes metafórica entre a maioria dos provér- Oliveira Salazar,23 onde este acusa a União Indiana de O paradigma de Rabelais tinha, afinal, a força bios portugueses e chineses. Nunca sublinharemos querer “entregar Macau à China e o Timor português à da liberdade. Por esse motivo Francisco Moreira Dissecando melhor as suas ideias: demasiado a importância desta descoberta”.34 República da Indonésia”. Para além de uma conspiração das Neves27 escreveu que Camilo Pessanha morreu “Sem contradizer o sentido do Evangelho, Macau Toda a cultura, diz-nos o filósofo Johannes de silêncio existia efectivamente um silêncio ominoso “inchado de Oriente”. serve dois Senhores, Portugal e China, que Hessen, “é acto e criação do homem; é obra dos homens.

34 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 35 António Aresta A Identidade Cultural de Macau no Pensamento de Benjamim Videira Pires, S. J.

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

Mas não é uma obra puramente exterior e acidental. A Não só coexistimos, mas convivemos, em paz país e expulsou dele o seu Chefe, o Dalai Lama, última pelos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho Cultura acha-se profundamente radicada no que há de e amizade, enriquecendo-nos mutuamente, que se refugiou ao norte da União Indiana, na (Frei Andrés de Urdaneta e companheiros). Além do mais íntimo no ser humano e tem por isso a mais alta criando uma terceira cultura, fruto da junção das companhia de muitos milhares de súbditos seus”.44 esforço diário dos missionários das localidades, que significação para a compreensão desse ser, sua formação duas, no corpo e no espírito”.37 Meditando nos avatares da geopolítica regional operavam evangelicamente dois a dois, os Jesuítas em e desenvolvimento”.35 É este o caminho da identidade cultural de Benjamim Videira Pires escreve que estudo e os alunos do Colégio de S. Paulo juntavam- Muito para além do lirismo patente no incisivo Macau, da identidade de Macau que se transfigura “era o assalto à China dos Manchus pelas potências -se-lhes, nos dias feriados (todas as quintas-feiras e título, “Permanência”36 numa sociedade invisível, no preciso termo que Daniel ocidentais. Os portugueses tinham de deixar domingos), ensinando catequese e cânticos religiosos”.47 Innerarity lhe dá: “chamei sociedade invisível a esta passar essa vaga altaneira e, em resposta, a ressaca Olha para Macau, num contexto analítico, como a E na efémera aparência realidade porque as sociedades complexas são aquelas dos nacionalismos da mesma China e do Japão. “aldeia grande que era “Ou-Mun Kai” (Rua de Macau) da cor e cheiro profundo, em que não só há problemas de legibilidade como De 1942-1945, sob a ocupação japonesa, só no – como os cantoneses chamavam a esta Cidade, ainda eu vejo o que são os homens também uma intransparência irredutível”.38 Essa Tonquim, morreram 2 milhões de vietnamitas de há 40 anos – transformou-se (para bem ou para mal ?) e o que é a vida no mundo. terceira cultura é um símbolo das liberdades e, como fome e de tifo. Em 1954, os comunistas de Hó numa miniatura de Manhattan. A febre de construções nos diz Daniel Innerarity, a “construção mediática Chi-minh arrebatam o antigo Tonquim à França. e o camartelo do progresso material, sem grande Nem tudo, porém, é noite. da realidade é hoje impulsionada por uma espécie de Apesar do poderio formidável da América do unidade de conjunto, conseguiram que desaparecessem Nem tudo morre e fenece. gerador da fascinação. Qualquer montagem cultural Norte, todo o Vietname cai sob o jugo comunista, as chácaras, hortas e quintais, com figueiras, vinhas e Dia a dia, as flores mudam, é um mercado da atenção e da celebridade”.39 Um em 1975. romãzeiras, donde soava o toque de alvorada desses mas a jarra permanece. viajante ocasional, Ernesto Várzea (Balmaceda), tem a Contudo, no meio dessas convulsões gigantescas, guardas [galos] desvelados da noite”.48 intuição de que “muito do que aqui acontece é difícil conservamos intacta Macau, a Cidade do Nome O autor enumera as seis características do Nesta cor, há outra cor; de compreender na Metrópole. Macau não vive sem de Deus. temperamento português, pontuadas por algumas sábias Nesta jarra, há outra ideal: os chineses que são a sua alma”.40 Até hoje”.45 reticências, que no seu entender contribuíram para Macau é a jarra da China, Benjamim Videira Pires41 entoa uma espécie de É do lugar privilegiado de Macau que parte edificar e consolidar a identidade cultural de Macau. com flores de Portugal. canção saudosa do espaço, do tempo e sobretudo da à descoberta das presenças de Portugal na Ásia, Este pensamento é um pouco tributário da formulação memória, procurando surpreender os vários matizes da identidade de Teixeira de Pascoaes,originariamente publicada em Benjamim Videira Pires assume que os portuguesa localizada, isto é, no Sri Lanka, na Birmânia, 1915: “Não podemos amar o que ignoramos. Impõe- portugueses foram chamados a cumprir o destino de Macau velhinha, a espalhar, no Camboja, na Tailândia, na Indonésia, em Malaca, -se, portanto, o conhecimento da alma pátria, nos seus viverem e permanecerem em Macau. Para ajudarem na história, sorriso e pranto…. no Vietname e Laos, nas Filipinas e no Japão, seguindo caracteres essenciais”.49 Aponta a primeira característica, a construir a representação da identidade de Macau. Quando começa a murchar, a metodologia seguinte: a “grande tónica da nossa psicologia colectiva parece É uma tensão existencial onde o enriquecimento de a rosa tem mais encanto. “Três preocupações nos dominaram, na ser a paradoxal ou mística. Centra-se em volta do ideias sobre a China vem pelos caminhos da verdade, composição e ordenação dos materiais: binómio passividade-acção. Vivemos, antes de filosofar; entendida esta como aletheia, que os gregos antigos De reter este estratégico e visível pormenor de 1.ª – marcar a identidade peculiar de cada existimos, antes de nos darmos conta disso; falamos, entendiam como a parte visível do saber das coisas. construção ideológica: nação, com uma síntese da sua história política como os barbeiros, antes de pensar. Daqui nasce um Ademais, nota que o “este excelente trabalho vem mostrar, no período de e cultural; inconformismo congénito, um caminho de conhecer “elemento chinês representou, pois, sempre, o transição da entrega da soberania deste Território à 2.ª – examinar o papel dos Portugueses, civis e totalizante, que, no lusitano, é saudade e, no castelhano, lastro e a carga mais considerável do barco do China, a preocupação que, desde o início, sempre missionários, nesse ambiente estranho; quixotismo”.50 A segunda característica, “temos um nosso humanismo, nestas paragens extremas do tiveram os Portugueses, em conhecerem bem o 3.ª – especificar as principais relíquias ou pendor aparentemente anti-filosófico […] Leonardo globo. Portugal deu forma democrático-cristã e Império do Meio, a sua História longa e gloriosa, monumentos da presença lusitana, ainda Coimbra chama a Portugal ‘a terra mais anti-filosófica direcção responsável à confluência dos interesses e em a tornarem conhecida do mundo”.42 actual, nesses países distantes. À meticulosa do planeta’, por outras palavras, essencialmente lírica”.51 básicos do povo da “Cidade do Nome de Deus”. Pensador honesto, que analisa alguns e fria compilação de factos, historicamente A terceira característica, “somos como que um composto O Império da Grande Claridade acolheu, acontecimentos aparentemente minimais com uma comprovados pelas fontes e documentos que de Dionísio (ou Pan) e Cristo, dotados de religiosidade e sem complexos e com extraordinário sentido visão espiritual da vida, não se coibiu de registar43 que o citamos, teve de seguir-se a interpretação e misticismo mediatos, vinculados sobretudo à natureza e, pragmático, o hóspede que veio como “irmão “actual Governo do Povo expulsou os missionários vivificação dos mesmos, num harmonioso enquanto tais, indicadores dum atávico paganismo, não de um dos quatro mares” e com ele partilhou a portugueses, restando lá três jesuítas e oito seculares resumo do que é essencial e permanente”.46 de todo purificado”.52 A quarta característica, “há em nós terra, a comida, a cultura, a riqueza e o próprio chineses”, ou de fazer menção ao problema Sem esquecer a Índia, onde “a conversão das ilhas uma tendência para o sonho e o espírito de aventura. Um sangue, recebendo, em contrapartida, tudo do Tibete,“desde meados de Março de 1959, de Goa, com Bardês (Chorão e Divar) e Salsete (Rachol aspecto é complementar do outro. Cada homem é um quanto possuímos, sobretudo o Cristianismo e os principalmente, entrou na actualidade do e Margão), ao Catolicismo, no século xvi, foi uma das homo-duplex, com qualidades que parecem opostas, mas demais valores culturais e tecnológicos da Europa. noticiário político internacional, a nação mais maiores empresas da Companhia de Jesus, em todo o se completam”.53 A quinta característica “é o animismo Sem subserviências, nem perda de identidade. afastada e desconhecida da civilização, o TIBET. mundo, comparável à do Brasil e Reduções do Paraguai, e a comunhão com a natureza […] e por isso temos uma De boa vontade. A República Popular da China invadiu, então, esse na América do Sul, e à do Japão e das Filipinas, esta grande afinidade com o Taoísmo. Lao Tsé, sobretudo

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o Tao Te Ching, mostra claras influências dos livros consistente base de conhecimentos para colocar ao notas sapienciais e místicos dos Judeus”.54 A sexta e última serviço das comunidades. Também aí o seu contributo característica, “no português, é maior do que no comum foi relevante. 1 Edição do Instituto Cultural de Macau, 1987, [reedição fac-similada 14 Ibidem, p. 12. dos homens a dimensão amorosa, a capacidade do amor- da obra com o mesmo título editada pela Imprensa Nacional de 15 As Quatro Obras [Discursos e Diálogos; Suprema Educação; Meio Macau, 1973], pp. 90-95. Vicissitudes várias não permitiram Constante; Mêncio], tradução de Luís Gonzaga Gomes, Separata da -ausência, do amor-inquietação, do amor-morte (“muero actualizar o seu perfil bibliográfico, sinalizar as fontes e identificar a Revista Renascimento. porque no muero”, a fim de estar sempre com o Amor, amplidão dos seus escritos. Foi uma oportunidade perdida a muito 16 Edição do Instituto Cultural do Governo da Região Administrativa como Sta. Teresa de Jesus, que tinha sangue judeu), do modesta edição do catálogo Benjamim Videira Pires, S. J. Mostra Especial de Macau, 2015. 55 Bibliográfica por Altura da Exposição ‘Os Jesuítas na Ásia’, publicação 17 Co-edição do Instituto Cultural de Macau/Museu e Centro de amor saudoso”. Macau é tudo isto e muito mais, dizível A N E X O bilingue, português-chinês. Com o auxílio do Autor, teria sido possível Estudos Marítimos de Macau, 1991, prefácio do Pe. Manuel Teixeira. e indizível, amplificante e recatado. António Manuel empreender o rastreio exaustivo dos seus escritos, incluindo aqueles 18 Reeditado pela Câmara Municipal das Ilhas em 1998, com tradução Couto Viana,ao olhar para Lam Sang, o empregado FORÇA E RAZÃO61 assinados sob pseudónimo, alguns de doutrina política aquando para a língua chinesa. 56 da fundação da Associação de Defesa dos Interesses dos Macaenses 19 Citado em Carlos Pinto Santos e Orlando Neves, De Longe à China. de mesa, diz que “parece ter mil anos de civilização”, (ADIM), no Jornal Confluência ou no Jornal de Macau. Macau na Historiografia e na Literatura Portuguesas, Tomo IV, p. 1393. mitificando esses pujantes mecanismos identitários de Os bambus da nossa vila, 2 Natural de Torre de Dona Chama, em Mirandela, onde nasceu no 20 Benjamim Videira Pires, “Macau”, Verbo – Enciclopédia Luso-Brasileira que Macau era pródigo. dia 30 de Outubro de 1916. Estudou no Seminário da Costa em de Cultura, Vol. 12, p. 864. leves como o pensamento, Guimarães, no Mosteiro Beneditino de Alpendurada, na Faculdade de 21 Jornal Notícias de Macau, de 25.06.1950, p. 7. Num importante ensaio antropológico, inclinam-se mas não quebram, Filosofia de Braga e na Faculdade de Teologia de Cartuja em Granada, 22 Benjamim Videira Pires, Os Extremos Conciliam-se (Transculturação Portugalbum: 55 Quadros para Conhecer Portugal e o seu por forte que seja o vento. Espanha. Em 1945 foi ordenado sacerdote, radicando-se em Macau a em Macau), p. 214. Povo,57 o seu autor , Luís Sá Cunha, teve o cuidado de partir de 1949. Em Macau, fundou o Instituto D. Melchior Carneiro. 23 Portugal e a Campanha Anticolonialista, p. 20. Discurso pronunciado Regressou definitivamente a Portugal em 1998, tendo falecido em na sessão da Assembleia Nacional de 30 de Novembro de 1960. escrever que a “seguinte colecção de notas, disparadas da Vigiam, como soldados, 1999. Um testemunho emotivo pode ser encontrado em P. Francisco 24 Martin Heidegger, Lógica. A Pergunta pela Essência da Linguagem, p. caneta e quase sem o amparo de consultas, foi resposta o reino da natureza. Videira Pires, P. Benjamim Videira Pires, Meu Irmão. 199. repentina à chamada de ‘explicar’ Portugal, o seu Povo e Maleáveis e delgados, 3 Pregai o Evangelho: 2 Séries de Homilias para todos os Domingos e Festas 25 Benjamim Videira Pires, Prefácio a Macau Vista por Dentro, de J. J. 58 do Ano. Na introdução pode ler-se: “a maioria destas homilias foram, Monteiro (Macau: Direcção dos Serviços de Turismo, 1983, p. 5. Cultura e História, à população chinesa de Macau”. Era são a força da fraqueza. na sua primeira redacção, publicadas na revista semanal católica 26 Benjamim Videira Pires, Os Extremos Conciliam-se, p. 9. evidente a necessidade de se jogar na política da alteridade Religião e Pátria, de Macau, durante os anos de 1954 a 1957”. Nesta 27 Francisco Moreira das Neves, Inquietação e Presença. Miguel Sá e Melo e do reconhecimento do Outro, porque o Outro estava Altos, porém, como um sonho, revista, que fundou e dirigiu, podemos encontrar uma importante e o Movimento Modernista, p. 212. parcela do seu pensamento religioso. 28 Benjamim Videira Pires, Os Extremos Conciliam-se, pp. 77-78. em contínuo devir, apresentando-lhe algumas das e firmes, como um reduto, 4 António Aresta, “Benjamim Videira Pires, S. J., um educador 29 Benjamim Videira Pires, Espelho do Mar, p. 9. características essenciais da arte de ser português em os bambus da nossa vila português em Macau”, Administração - Revista da Administração 30 Benjamim Videira Pires, Os Extremos Conciliam-se, p. 8. Macau. Esses novos habitantes, inquilinos de um espaço não produzem flor nem fruto. Pública de Macau, n.º 45, 1999, pp. 699-709; António Aresta, 31 José Ortega y Gasset, O Que é a Filosofia?, p. 84. “Benjamim Videira Pires, S. J., um educador português em Macau”, 32 Benjamim Videira Pires, Os Extremos Conciliam-se, p. 52. geoantropológico antigo, provavelmente dotados de Brigantia, Vol. XX, n.º 1-2, Janeiro-Junho, 2000, pp. 53-62]; António 33 Ibidem, p. 65. uma acurada sensibilidade ideológica necessitavam de Sobre a inconstância das canas, Aresta, Figuras de Jade. Os Portugueses no Extremo Oriente, pp. 23-25. 34 Ibidem, p. 74. conhecer o projecto antropológico português e, ainda, as aves não fazem ninho. 5 Wu Zhiliang, Segredos da Sobrevivência. História Política de Macau. 35 Johannes Hessen, Filosofia dos Valores, p. 246. Não vejo a razão de ser 6 Benjamim Videira Pires, Os Extremos Conciliam-se (Transculturação 36 Benjamim Videira Pires, Espelho do Mar, p. 13. como enfatizou Austin Coates, para estarem cientes em Macau), p. 7. 37 Benjamim Videira Pires, Os Extremos Conciliam-se, p. 8. de que “não obstante o ferveroso anticolonialismo do nosso bambual maninho. 7 Benjamim Videira Pires, Prefácio a Primeira Embaixada Europeia à 38 Daniel Innerarity, A Sociedade Invisível, pp. 11-12. revolucionário que avassalou Portugal continental, Lisboa China, de Armando Cortesão, p. 15. 39 Ibidem, p. 135. As aparências iludem. 8 Manuel da Silva Mendes, Nova Colectânea de Artigos de Manuel da 40 Ernesto Várzea (Balmaceda), Oriente. Caminhos do Mundo Português, foi informada ser desejo expresso da China que Macau se Silva Mendes, organização de Luís Gonzaga Gomes, é uma referência p. 132. mantivesse como estava. Assim, a única medida tomada A essência fica escondida. incontornável sobre o modo de pensar Macau nas primeiras décadas 41 Benjamim Videira Pires, Espelho do Mar, p. 44. consistiu na retirada das tropas, que deixaram a cidade tão Os equilíbrios instáveis do século xx. 42 Benjamim Videira Pires, Prefácio a Em Demanda do Cataio, de são a constante da vida. 9 Maria do Céu Saraiva Jorge, Macau que Eu Conheci. Anos 20 e 30. Eduardo Brazão (Macau: Instituto Cultural de Macau, 1989), p. 8. indefesa como nos seus primórdios e, no que se refere ao Maria do Céu Saraiva Jorge, natural de Macau, foi professora no 43 Benjamim Videira Pires, “China”, Verbo – Enciclopédia Luso-Brasileira seu relacionamento com a China, em situação de quase Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, pedagoga e orientadora de estágio, de Cultura, Vol. 5, pp. 297-299. exacto paralelismo com a vivida nos primeiros anos da Conhece os próprios limites deixou vasta obra publicada, sendo uma referência na tradução e no 44 Benjamim Videira Pires, Portugal no Tecto do Mundo, p. 5. estudo da obra de Shakespeare. 45 Benjamim Videira Pires, “A Diplomacia de D. João V no Extremo sua existência”.59 A identidade cultural de Macau sempre o bambual que se inclina: Macau serve a dois senhores, 10 “Macau de Ontem”, conferência pronunciada em 30 de Novembro Oriente”, Revista de Cultura, n.º 11/12, Jul./Dez. 1990, Macau, p. 17. passou por uma situação de fragilidade, persistentemente de 1983 e publicada no volume sob o título Presença Portuguesa no 46 Benjamim Videira Pires, Taprobana e Mais Além… Presenças de que são Portugal e a China. trabalhada por valores neoconfucianos, budistas, cristãos Extremo Oriente, pp. 5-20. Portugal na Ásia, p. 14 11 Ibidem, p. 11. 47 Benjamim Videira Pires, D. Maria de Além-Mar: Um Mês pela Índia e latinos, sobrevivendo a diversos ciclos económicos, Na unidade da pessoa, 12 Veja-se, por exemplo, as Doutrinas Confucianas: Livro de Ensino sobre Portuguesa, p. 134. orientações diplomáticas e inflexões políticas pelo que a as Boas Maneiras. Outras leituras, para difundirem os mesmos valores 48 Benjamim Videira Pires, Os Extremos Conciliam-se, p. 85. dá-se a alternância da acção. observação de Wenceslau de Moraes, “a China, se não e induzirem idênticos comportamentos, a título de exemplo: Silvana 49 Teixeira de Pascoaes, Arte de Ser Português, p. 64. Vitória é a convergência Gomes, Contos Chineses (Lisboa: Ed. Gleba, 1944); Maria Gleit, Uma 50 Benjamim Videira Pires, Os Extremos Conciliam-se, p. 85. fossem a Europa e a América a importuná-la, era o país da força com a razão. Chinesinha, (Porto: Livraria Civilização Editora, 1962). O estudo de 51 Ibidem. mais feliz do mundo”,60 fazia todo o sentido. Huang Hongzhao, “A Formação da Identidade Cultural de Macau” 52 Ibidem. Benjamim Videira Pires pesquisou na história (Administração - Revista da Administração Pública de Macau, n.º 33, 53 Ibidem. Macau (Vila Flor), 21 de Junho de 1975. 1996, pp. 685-699) é de referência obrigatória porque nos apresenta 54 Ibidem, p. 86. de Macau esses traços mais relevantes da identidade a cosmovisão chinesa e as respectivas fontes. 55 Ibidem, p. 86. cultural de matriz portuguesa, mobilizando uma 13 Maria Margarida Gomes, A Cozinha Macaense, pp. 6-7. 56 António Manuel Couto Viana, No Oriente do Oriente, p. 76.

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: IN MEMORIAM

57 Co-edição bilingue do Instituto Cultural de Macau/Direcção dos 58 Idem, na página de Justificação. Serviços de Educação de Macau, 2.ª ed. [50 000 exemplares], 1990. 59 Austin Coates, Macau: Calçadas da História, p. 163. Páginas não numeradas. No prefácio, o então Presidente do Instituto 60 Wenceslau de Moraes, Osoroshi, p. 59. Cultural de Macau, Carlos Marreiros, anuncia a futura publicação 61 Benjamim Videira Pires, Espelho do Mar, p. 11. do “Chinalbum” e do “Albumacau”, o que, infelizmente, não foi concretizado. A Miscigenação de Benjamim Videira Pires bibliografia Ana Cristina Alves* Aresta, António. “Benjamim Videira Pires, S. J., um educador Neves, Francisco Moreira das. Inquietação e Presença. Miguel Sá e português em Macau”, Administração - Revista da Melo e o Movimento Modernista. Leiria: Edições Juventude, Administração Pública de Macau, n.º 45, 1999, pp. 699-709. 1942. ——. “Benjamim Videira Pires, S. J., um educador português em Ortega y Gasset, José. O Que é a Filosofia?Lisboa: Biblioteca de Macau”, Brigantia, Vol. XX, n.º 1-2, Janeiro-Junho, 2000, Editores Independentes, 2007. pp. 53-62. Pascoaes, Teixeira de. Arte de Ser Português. Lisboa: Roger Delraux, ——. Figuras de Jade. Os Portugueses no Extremo Oriente. Macau: 1978. Instituto Internacional de Macau, 2014. Pires, S. J., Benjamim Videira. “China”, Verbo – Enciclopédia Luso- Benjamim Videira Pires, S. J. Mostra Bibliográfica por Altura da -Brasileira de Cultura, Vol. 5, pp. 297-299. Lisboa: Verbo, Exposição ‘Os Jesuítas na Ásia’. Catálogo. Macau: Biblioteca 1967. Central de Macau, 1992. ——. D. Maria de Além-Mar: Um Mês pela Índia Portuguesa. Macau: Castro, Ferreira de. Macau e a China. Macau: Câmara Municipal Apostolado da Oração, 1995. das Ilhas, 1998. ——. “A Diplomacia de D. João V no Extremo Oriente”, Revista Coates, Austin. Macau: Calçadas da História. Lisboa: Gradiva/ de Cultura, n.º 11/12, Jul./ Dez. de 1990, Macau, pp. 5-18. Instituto Cultural de Macau, 1991. ——. Espelho do Mar. Macau: Instituto Cultural de Macau, 1986. Cunha, Luís Sá. Portugalbum: 55 Quadros para Conhecer Portugal ——. Os Extremos Conciliam-se (Transculturação em Macau). Macau: e o seu Povo. Macau: Instituto Cultural de Macau/Direcção Instituto Cultural de Macau, 1988. dos Serviços de Educação, 2.ª edição, 1990. ——. “Macau”, Verbo – Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, A Miscigenação de Portugal O Amor de Deus permite conciliar as criaturas, Doutrinas Confucianas: Livro de Ensino sobre as Boas Maneiras, Vol. 12, pp. 863-867. Verbo: Lisboa, 1971. e da China em Videira Pires pessoas e povos, todos incompletos, encontrando o Macau: Tipografia Mei Cheong, 1954. ——. Portugal no Tecto do Mundo. Macau: Instituto Cultural de seu sentido na relação com os seres que os rodeiam e Fernandes, Henrique de Senna. “Macau de Ontem”, in Presença Macau, 1988. Vida, Odisseia de dor! também no seu interior num diálogo com o divino. Portuguesa no Extremo Oriente. Macau: Instituto Cultural ——. Prefácio a Macau Vista por Dentro, de J. J. Monteiro. Macau: As tensões que nos consomem A miscigenação e a harmonia nascem do de Macau, 1986. Direcção dos Serviços de Turismo, 1983. Só se nivelam no Amor1 ——. A Noite Desceu em Dezembro. Macau: Instituto Cultural do ——. Prefácio a Em Demanda do Cataio, de Eduardo Brazão. jogo complementar estabelecido entre opostos que Governo da Região Administrativa Especial de Macau, 2015. Macau: Instituto Cultural de Macau, 1989. reenviam para o par primordial: o yin feminino e o Gomes, Luís Gonzaga. Bibliografia Macaense.Macau: Instituto ——. Prefácio a Primeira Embaixada Europeia à China, de Armando A que tipo de amor se refere o Pe. Benjamim yang masculino, onde se joga a conciliação de opostos, Cultural de Macau, 2.ª ed., 1987. Cortesão. Macau: Instituto Cultural de Macau, 1990. Videira Pires? Ao divino, como mostra a palavra em como Benjamim Videira Pires bem frisou na obra Os ——. As Quatro Obras [Discursos e Diálogos; Suprema Educação; ——. Pregai o Evangelho: 2 Séries de Homilias para todos os Domingos destaque de caixa alta, que é apresentado com pormenor Extremos Conciliam-se. Meio Constante; Mêncio], tradução e apresentação. Separata e Festas do Ano. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1963. da Renascimento. Macau: 1945. ——. Taprobana e Mais Além… Presenças de Portugal na Ásia. na estrofe seguinte: Esta ideia directriz do seu pensamento revela uma Gomes, Maria Margarida. A Cozinha Macaense. Macau: Imprensa Macau: Instituto Cultural de Macau, 1995. forte influência oriental, o que não é de estranhar para Nacional, 1984. Pires, Francisco Videira. P. Benjamim Videira Pires, Meu Irmão. Encheu a Terra e os Céus quem viveu cinquenta anos em Macau e foi o mais Heidegger, Martin. Lógica. A Pergunta pela Essência da Linguagem. Macau: Instituto Internacional de Macau, 2011. distinto sinólogo do século xx. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. Salazar, António de Oliveira. Portugal e a Campanha Anticolonialista. o Espírito do Senhor. Hessen, Johannes. Filosofia dos Valores. Coimbra: Arménio Amado Macau: Imprensa Nacional, 1961. Edição trilingue, As criaturas são símbolos; Os que entram em contacto profundo com a Editor, 1980. português, chinês e inglês. A Realidade é o Amor2 cultura chinesa começam a ver o mundo de outro Hongzhao, Huang. “A Formação da Identidade Cultural de Macau”, Santos, Carlos Pinto e Neves, Orlando. De Longe à China. Macau modo, mais sexualizado do ponto de vista teórico, como Administração - Revista da Administração Pública de Macau, na Historiografia e na Literatura Portuguesas, Tomo IV. Macau: num jogo de opostos comandados pelos princípios n.º 33, 1996, pp. 685-699. Instituto Cultural de Macau, 1996. * Licenciatura, mestrado e doutoramento em Filosofia, este último, em 2005, feminino e masculino. Os seres concretos, do ponto Innerarity, Daniel. A Sociedade Invisível. Lisboa: Teorema, 2009. Silva, António Andrade e. Eu Estive em Macau durante a Guerra. na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Trabalhou em Macau Jorge, Maria do Céu Saraiva. Macau que Eu Conheci. Anos 20 e Macau: Instituto Cultural de Macau/Museu e Centro de no Instituto Politécnico de Macau e na Universidade de Macau como professora de vista antropológico, as pessoas, são representantes 30. Prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa. Lisboa: Edição Estudos Marítimos de Macau, 1991. de Português Língua Estrangeira, de Cultura, Filosofia e de Tradução Chinês- dessas mesmas forças actuantes e os povos não escapam Português. Tem várias obras publicadas nos campos da Filosofia, Tradução da Autora, 2006. Várzea, (Balmaceda), Ernesto. Oriente. Caminhos do Mundo e Língua e Cultura Chinesas a esta regra. Mendes, Manuel da Silva. Nova Colectânea de Artigos de Manuel da Português. Porto: Edição do Autor, 1954. É, então, natural que encontremos este esquema Silva Mendes, organização de Luís Gonzaga Gomes. Macau: Viana, António Manuel Couto. No Oriente do Oriente. Macau: Degree, M.A. and Ph.D. in Philosophy, the latter in 2005 from Lisbon University’s Faculty of Arts. She worked in Polytechnic Institute of Macao and in The University mental em Os Extremos Conciliam-se. Os portugueses Notícias de Macau, 1963-1964, 3 volumes. Edição do Autor, 1987. of Macao as teacher of Portuguese as Foreign Language, Culture, Philosophy and são apresentados como os representantes do princípio Moraes, Wenceslau de. Osoroshi. Prefácio e notas de Álvaro Neves. Zhiliang, Wu. Segredos da Sobrevivência. História Política de Macau, Chinese- Portuguese Translation. She published works in the field of Philosophy Lisboa: Casa Ventura Abrantes Livraria Editora, 1933. Macau: Associação de Educação de Adultos de Macau, 1999. of Culture, Chinese Translation and Language. masculino ocidental e os chineses do feminino oriental.

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

Tal leitura tem implicações concretas. Nós seremos A respeito de Macau, terra onde quase até ao fim de possuírem uma virtude natural que os inclina para Macau, velhinha, a espalhar, mais discursivos, bélicos, dogmáticos e inteligentes; os se sentiu bem, diz-nos o Pe. Benjamim: o Bem. E, citando S. Tomás de Aquino, frisa que só chineses mais intuitivos, sábios, pacientes e flexíveis. É, na história sorriso e pranto... “têm direito de mandar os mais sábios e virtuosos.”12 no entanto, de notar que nenhum dos modos de ser e A identidade de sangues Quando começa a murchar, a rosa tem mais encanto. de pensar é desvalorizado, pois ambos contribuem para forma a família comum. Retrato de Benjamim Videira Pires a miscigenação e harmonia terrenas. As pessoas somos duas, [...] “As duas espécies de pensamento (intuitivo e Como povo, somos UM!6 É Deus quem modera e lança O Padre sabia-se humano, logo conhecia bem 9 discursivo) são importantes e cada um deles os dados da tua sorte as suas imperfeições e as dos outros. A dado passo pode lucrar com a união do horizontal com o Não é de estranhar que o Pe. tenha sentido o diz-nos que nem as pessoas mais idóneas se salvam vertical, a fim de integrarem uma cultura do regresso de Macau à China. De espírito conservador, Quando fala de política, por exemplo, em Pregai das calúnias neste mundo transitório, afirmando no mundo futuro. As duas tendências da alma do alinhava pelo antigo regime e, tal como os da época, os Evangelhos, é para separar as águas do poder terreno e décimo primeiro domingo após o Pentecostes: “Com Ocidente e do Oriente têm um propósito comum defendia acima de tudo os valores de Deus, Pátria e celestial e, ainda, para chamar a atenção da necessidade que leviandade se espalham as piores calúnias, mesmo magnífico: ambos fazem esforços desesperados Família. Mas também sabia manter excelentes relações da autoridade, que pode ser contra pessoas consagradas a 13 por caminhos e meios diversos para conquistarem com o Partido Comunista e o poder central. Era, à exercida em regime ditatorial ou Deus!” 3 a naturalidade autêntica da vida.” época, dos poucos intelectuais que conseguiam ser democrático. Para um católico Estaria a referir-se a si A vontade de conciliação é recorrente no escutados por uns e outros, no que se pode considerar fervoroso a suprema autoridade próprio ou a outrem? O certo é que corriam alguns boatos em pensamento de Videira Pires, embora sempre com a mais uma concretização do seu princípio filosófico de é Deus; no entanto, ao nível da Macau sobre a vida amorosa preocupação de registar as diferenças. Se é verdade que os extremos se conciliam. terra existe outra, a de César, como que os portugueses encarnam as virtudes do princípio afirma na homilia do vigésimo de certos padres, que foram masculino, não serão uma manifestação tão fiel desta – As aparências iludem nono domingo após o Pentecostes. crescendo até ganhar contornos duma aventura real. De qualquer essência como, por exemplo, os anglo-saxónicos. Além A essência fica escondida A respeito da passagem “dai a modo, nesta fase, o Padre apenas do mais, a procura da miscigenação é a nota dominante Os equilíbrios instáveis César o que é de César e a Deus está a chamar a atenção para a no pensamento do Padre, por isso enfatiza as afinidades são a constante da vida.7 o que é de Deus” (Mateus xxii: dos extremos que se tocam. Portugueses e chineses, 21), Videira Pires declara que maledicência. Refere a propósito segundo a sua perspectiva, revelam um forte pendor tanto a história como a palavra de da cura bíblica milagrosa dum É de recordar que o Padre não era político. pelas questões ético-sapienciais, pela prudência e pelo Deus “confirmam a necessidade surdo-mudo que é bom falar, Questões como as da liberdade e autonomia dos povos meio-termo, um certo lirismo e idealismo sonhador, dum chefe”.10 Segundo a sua mas com muita conta e medida, um grande amor ao concreto e à natureza, e assim por não lhe atravessavam o espírito. Achava que Portugal perspectiva, é preciso quem mande porque apenas o silêncio é de oiro diante. devia manter-se grande, colonial, não para oprimir, para que a sociedade não mergulhe e, citando S. Jerónimo, acrescenta: Há ainda aspectos negativos e positivos nas mas para desenvolver equilíbrios instáveis, harmonias num caos profundo. Defende “A murmuração é o último laço duas formas de pensar. Vejamos as suas características floridas, ainda que não manda quem quer, em que o demónio enreda as

negativas no Ocidente: mas quem pode, porque o poder almas que já se desprenderam dos Macau é jarra da China demais vícios.”14 “O Ocidente, ao contrário, identificara-se com o 8 vem de Deus e a organização da princípio masculino (animus), em detrimento do Com flores de Portugal sociedade é de origem divina: O Pe. Benjamim nunca feminino (anima). Verifica-se isto nos símbolos “A organização da sociedade é, pois, uma nega a sua condição humana, mais exposta na sua obra e valores ocidentais: ciência, prova racional, Benjamim Videira Pires era muito atento ao instituição divina. O poder vindo de Deus por poética. Por ela ficamos a saber que conheceu de perto dialéctica, tecnologia, agressividade, ideologias Outro. Aprendeu chinês, deixou-se miscigenar por meio da natureza, recai sobre determinadas a tentação, por exemplo em “Sombra”: revolucionárias, individualismo, dogmatismo, uma cultura muito diferente da sua. Conhecia a fundo pessoas em virtude dum título legítimo (a intransigência, beligerância, etc.”4 a história de Macau e da China, produziu obras de herança, um tratado, uma guerra justa, ou a Sombra Mas também positivas, na medida em que grande valor intelectual e até construiu uma escola, o eleição), disposto pela ‘graça de Deus’, ou seja, os cravos floridos permite, no que respeita aos portugueses, o aparecimento Instituto D. Melchior Carneiro, que se tornou a seu pela Divina Providência.”11 da tua janela... de terras miscigenadas como Macau tempo uma das melhores do território. Para um homem O que sucede é por vontade de Deus. Por [...] destes, Macau só era grande pelo facto de corporizar vezes há usurpações que se tornam visíveis quando Sombra Lisboa e Macau, pilares um verdadeiro encontro de sangues e culturas; por isso somos confrontados com pessoas que agem de modo a renda do quarto que dá para a rua...15 da mais antípoda gente: a notícia do retorno do Território à China foi recebida ignorante e pouco virtuoso. Logo, apenas aqueles que se tocam-se aqui os Extremos com apreensão, tendo-o deixado em tensão, apesar assemelham, por exemplo, ao rei Salomão, são dignos de Pelo seu testemunho poético, sabemos que, já do Ocidente e do Oriente 5 das suas excelentes relações com os chineses, mas não mandar, porque só eles podem compreender sabiamente em Granada, sentira o apelo da carne, como declara perdeu a esperança: os extremos que se tocam, os equilíbrios instáveis, além em “Tentação”:

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

E adverte que se devem evitar conflitos, já que estes pedagógica muito a sério. O Instituto, tal como o Na treva, enterras servem sobretudo para encher os bolsos a terceiros20 e, colégio Yuet Wa, foi feito a pensar na comunidade O meu tesoiro: quando extremados, conduzem à destruição e à guerra. chinesa. Os professores eram recrutados na China e Chuva de estrelas, os programas estabelecidos à medida das necessidades – cabelo loiro! – Revolta do Padre Benjamim dos chineses, sendo o chinês (cantonês e mandarim) a primeira língua para o curso geral e o inglês, a segunda.21 Caiu uma pétala, O Padre era um cultor da harmonia; para a O Padre recebia apoios financeiros da China, em lago azulino: preservar fazia compromissos pessoais, religiosos de Macau, do Canadá e dos Estados Unidos. O Passou um arrepio, e políticos. O temperamento poético contribuía Instituto cresceu muito. Já foram referidas as obras de pelo meu destino16 grandemente para a tarefa de conciliação que se havia melhoramento dos anos de 1989-1990 que custaram proposto. mais de 3 milhões de patacas. A instituição, além dos Mais adiante em Macau no poema “Céu e Podemos ler o seguinte numa carta enviada à mãe fundos consideráveis, possuía uma posição privilegiada, Prisão”, volta a abordar o mesmo tema a 2 de Julho de 1968: muito central e perto das Ruínas de São Paulo. “Nunca ande triste, mas veja Nosso Senhor Nada mais natural para o criador duma grande Eu descobri o Amor ilimitado presente em tudo: nas flores e ameixas do jardim, obra pedagógica e social do que manter-se à frente no segredo dum círculo fechado: no vento e na adversidade, no céu e na terra. daquela que considerava a sua maior criação. Além disso, [...] Confie plenamente no amor e misericórdia do se continuasse a dirigir o Instituto, talvez pudesse apoiar Motivo oriental de sonho e treva! Coração Santíssimo de Jesus.” com mais consistência a sua pequena família, a Marta, a

Éden original de Adão e Eva!17 Além disso, no postal para Miguel Torga faz Fátima e o Domingos, se esta existia, bem como todos um breve auto-retrato, em que se caracteriza como os professores e alunos pelos quais se sentia responsável. Se acaso Videira Pires concretizou a tentação, esta possuindo grande humildade cristã. Quando o Superior dos Jesuítas destituiu Videira não teve força suficiente para o afastar do sacerdócio. Mas, em 1995, rebela-se abertamente contra o seu Pires do cargo e lhe congelou as contas no Banco Luso- Continuou com a sua actividade missionária e fundou superior hierárquico, Luís Sequeira. Em carta datada de -Internacional, e este se revoltou abertamente contra a uma escola rentabilíssima, o Instituto D. Melchior 17 de Junho de 1995 ao seu irmão Francisco declara: decisão, abriu as portas a influências mais problemáticas Carneiro,18 que se sustinha não só por meio das “Só peço a Deus que me mantenha a fé, a no seio da comunidade chinesa para o financiamento propinas dos alunos como ainda por certos subsídios, esperança e a caridade e não me deixe exasperar da escola, como, por exemplo, o mundo das seitas. tanto da parte chinesa como da Direcção dos Serviços de e perder a cabeça com as atitudes canhestras e A intenção do Superior dos Jesuítas era Educação de Macau. Esta, em 1990, avançou com um incompreensões dos que são e deviam ser sempre possivelmente, através da pressão económica, obrigar o subsídio de 2 milhões de patacas para financiar obras Superiores.” Padre à obediência, mas este transmontano, ao sentir-se de melhoramento na secção secundária do Instituto, Após o que prossegue no mesmo tom pouco encurralado, reagiu negativamente, tendo-se barricado que orçaram a mais de 3 milhões de patacas, tendo a amistoso: “As homenagens que me vão prestar aqui, na escola, ao mesmo tempo que colocava o Pe. Luís restante verba sido coberta por fundos da casa provincial pelos não jesuítas, não me aquecem nem me arrefecem.” Sequeira em tribunal. Entre as acusações que movia dos jesuítas. Esta revolta deve-se ao facto do Superior dos ao Superior dos Jesuítas estava a de lhe ter falsificado a Embora o Pe. Benjamim lidasse com avultados Jesuítas ter tentado substituir o Pe. Benjamim pelo assinatura num pedido forjado de cessação de funções montantes financeiros e tivesse uma confortável conta Pe. Joseph Tai na direcção do Instituto D. Melchior sacerdotais. bancária, bem como bens imobiliários em Portugal, Carneiro. O Pe. Luís Sequeira foi então acusado na não privilegia os bens materiais. Muito pelo contrário. comunidade de falta de diplomacia, uma vez que A Aventura de Videira Pires Por Pregai o Evangelho ficamos a saber que condena a estava a afastar o director-fundador da escola. O Padre acumulação de bens materiais. Na sua perspectiva, a considerava o Instituto como o seu maior feito em Passo agora ao relato e interpretação da aventura riqueza e o mundo espiritual só se conciliam quando a Macau e queria-lhe como se de sua família se tratasse. do Pe. Benjamim, numa tentativa subjectiva e ficcionada primeira é posta ao serviço do amor ao próximo. Corria mesmo que o Padre teria família, no sentido de encontrar uma explicação para o que sucedeu. “Não, mundo material! Não. A eternidade vale estrito da palavra, dentro do próprio colégio. Que O Padre, ao ter perdido o apoio da sua mais do que o tempo. O dinheiro não se pode Marta, a professora refugiada salva por ele e que o comunidade religiosa e com grandes dúvidas sobre a levar para além da morte, senão quando se ajudou a fundar o Instituto, manteria uma relação com simpatia que poderia vir a conquistar na comunidade sacrifica aos pobres por amor a Deus.”19 o Padre da qual havia descendência. laica portuguesa, refugiou-se no seio da comunidade Também no que respeita a desavenças, a sua O certo é que, talvez também por estes motivos, chinesa, junto dos que, por razões de miscigenação posição não podia ser mais clara: a busca de reconciliação mas obviamente por outros, Videira Pires devotara e harmonia é um dos vectores essenciais da sua vida. trinta e quatro anos ao ensino e levava a sua obra Com o irmão Francisco junto das Ruínas de S. Paulo.

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

física e cultural, elegera como família. Esta última Ele que auxiliara a construir o seu próprio cativeiro, Benjamim Videira Pires, o fundador da escola e a razão feitas entre portugueses e chineses se geraram em cinco tinha ganho um lugar real no seu coração. Afastado quando se revoltara contra o seu superior hierárquico, de ser do ganha-pão deles. Movidos, tanto por interesses séculos de convivência? há quarenta e sete anos de Portugal e da sua família de passou a aborrecer os ânimos exacerbados e as memórias sentimentais como económicos, e já um pouco Quem leu Fidalgos, Missionários e Mandarins de origem, embora tivesse mantido contacto com os seus de quem não se esquece dos que o rodeavam. Ele já desapontados por o patriarca se começar a revoltar Rui Loureiro, um estudo sobre as relações de Portugal familiares portugueses, a distância havia tecido novos quase perdoara ao Pe. Sequeira. Gostava de estudar e também contra eles, resolveram assumir a defesa da e da China no século xvi, ou teve oportunidade de laços de muito ou de pelo menos igual peso. de ensinar, não fora feito para se enredar em intrigas. vida e dos bens dele até às últimas consequências. consultar directamente as fontes da época sabe que Entretanto, os seus aliados do Instituto, Tinha muito trabalho realizado na área intelectual, um Chegaram ao extremo de o levar para a China, numa a imagem que os portugueses possuíam dos chineses enfim, todos os que dependiam dele, alimentavam e longo currículo e fizera uma obra social notável, por que acção que foi classificada pela comunidade portuguesa era boa. Apontava-se-lhes uma certa gentilidade e partilhavam a revolta de Videira Pires. Acreditavam teria de pagar todo o seu esforço com o confinamento às como puro rapto. pendor supersticioso, mas enaltecia-se, particularmente que ele corria perigo real, sentindo uma verdadeira paredes dum Instituto, onde era venerado, mas também A 29 de Junho de 1998, o jornal Futuro em Fernão Mendes Pinto e Frei Gaspar da Cruz, a repulsa pelo Pe. Sequeira. Esta ficaria bem expressa muito vigiado? informava que o Pe. Benjamim já se encontrava a salvo organização social, política e, no caso deste último, até nos desabafos relatados ao Pe. Coelho aquando da De repente percebeu que não podia abandonar na Pousada do governo em Mong- judicial. Recorde-se o elogio que sua visita a Macau. O jesuíta, em carta datada de 1 os seus aposentos. Separavam-no do mundo exterior Há na companhia do irmão o autor tecia à imparcialidade da de Dezembro de 1997, diz o seguinte: “A Sra. Fátima uma porta de ferro com correntes e cadeados. Os seus Francisco Videira Pires, depois justiça chinesa no Tractado em começou acusando os jesuítas duma maneira muito amigos chineses afiançavam que assim procediam em de ter realizado exames clínicos que se contam muito por extenso as grosseira, diz até que estes desejam a morte dele, porque nome dum bem maior, a sua segurança. no Hospital Conde S. Januário a cousas da China e de Ormuz. não tratam bem da sua saúde”. Culpabilizava-se. Sabia que tinha desencadeado 29 do mesmo mês. E comunicava Porém, não é preciso recuar E as acusações vão subindo de tom até ao desabafo aquele processo. Considerava tanta vigilância excessiva. que estavam implicados no rapto tanto para obter uma boa imagem final de Domingos, aquando da notícia da morte do Pe. E de repente terá sido assaltado por nova dúvida: Não três homens e uma mulher, além dos chineses. Benjamim já em Portugal, relatado na edição do Hoje estaria também a sua família escolar de olhos postos de sete suspeitos de cumplicidade. No século xx, o Pe. Macau de 11 de Janeiro de 1999: na sua fortuna? Segundo esta notícia, o Padre Benjamim foi um dos maiores “Mataram o nosso Padre. Vocês todos. Igreja, Quando lhe surgiu esta última suspeita, o mundo teria sido raptado no dia 15. A enaltecedores das virtudes governo, jornais. Quando os jornais publicaram desabou. Não seriam todos iguais? Não quereriam todos detecção e recuperação de Videira chinesas. Recordemos os seus que a polícia tinha-nos posto fora da escola eu tive privá-lo do seu bem maior: o Instituto D. Melchior Pires foi feita pelas autoridades artigos na Revista da Cultura a certeza que o nosso padre morreria de desgosto. Carneiro? policiais de Macau e da província e também a obra Os Extremos Ora aí tem o resultado, mataram o nosso padre.” Contribuíra para convencer os chineses de que os de Guangdong com intervenção Conciliam-se. Na sua perspectiva, Entretanto, talvez o Superior dos Jesuítas estivesse jesuítas lhe queriam mal, pois sentira-se atraiçoado, mas, da Interpol chinesa. o Oriente era a encarnação do consciente da aliança estabelecida entre o Pe. Benjamim na verdade, estes não o tinham colocado em cativeiro, Entretanto o jornal próprio princípio feminino, e a sua família chinesa. Talvez temesse que o Instituto nem tão-pouco lhe haviam tentado interceptar a Macau Hoje avançava com das suas virtudes intuitivas e passasse para as mãos daqueles professores logo após correspondência. Enganara-se. uma informação bem diversa. pacificadoras. a transferência, ficando privada a Companhia de Estava enredado numa intriga louca. Quem Podia-se ler que o Padre tinha Contudo, é preciso não Jesus dum valioso bem que, nas versões mais tímidas, falsificara a sua assinatura na carta de demissão? Fora regressado da China no dia 28 esquecer a distância entre as ideias orçaria os dez milhões de patacas e, nas mais ousadas, ele próprio, os jesuítas ou a família escolar? Já não de Junho pelas 15 horas, mas que havia telefonado do filosóficas e as vivências. A harmonia e a conciliação os cinquenta e seis milhões. conseguia afirmar nada com segurança. Sentia-se velho Continente para o Ministério Público a solicitar que entre as comunidades portuguesa e chinesa nunca Corria ainda que os professores do Instituto, e cansado, a perder energia, física e intelectual. libertassem os oito professores detidos pela polícia e foi completa e verdadeiramente miscigenada. As quando as contas foram congeladas, se voltaram para Caíra num enorme precipício e não encontrava enviados à justiça, pois na sua opinião nada tinham a comunidades entenderam-se ao longo de 450 anos uma das seitas do Território, a “14 Quilates”, e que forças nem saúde para desfazer os equívocos. Tinha sono, ver com o sequestro. nos princípios gerais, mas divergiam em muita prática pretendiam herdar o Instituto na passagem de Macau muito sono, e dores agudas. Começava a desconfiar dos Segundo a comunidade portuguesa, o Padre existencial. para a China. Mas a intervenção da família e amigos tratamentos na China e das mezinhas chinesas. ainda foi alvo de mais duas tentativas de rapto, uma na Havia, e talvez ainda haja, preconceitos de parte portugueses de Videira Pires em conjunto com o Os três últimos anos, entre 1995 e 1998, passados Pousada de Mong-Há, outra no passeio domingueiro a parte. Alguns chineses desconfiam dos portugueses, Gabinete de Coordenação da Segurança de Macau, em regime de convivência intensiva com a família do Leal Senado, que tiveram possivelmente o apoio de considerando-nos preguiçosos, desorganizados e chefiado pelo coronel Ramos, impediram que o Padre chinesa tinham-no fatigado supinamente. Precisava forças exteriores à pequena comunidade pedagógica muito apegados aos bens materiais. Pois só agora se se mantivesse até ao fim apenas ligado à comunidade de regressar à comunidade de origem que, à distância do Instituto. vem notando um maior interesse por parte da nossa chinesa. de muitos milhares de quilómetros, lhe parecia mais comunidade pela língua e cultura deles. O próprio Videira Pires começava a vacilar. calma e harmoniosa. Antropologia Filosófica De modo que o surgimento duma figura tão Tinha saudades da sua família portuguesa. E, na Não havia quem convencesse aquela pequena empenhada intelectualmente como o Pe. Benjamim verdade, estava farto de se manter acorrentado a uma comunidade do Instituto de que os portugueses e Que aventura! Do ponto de vista filosófico, quais logo auferiu grande simpatia na comunidade chinesa. protecção que começava a ressentir como forçada. principalmente os jesuítas não queriam matar o Pe. os preconceitos que a terão permitido? Que ideias Sabia mandarim e cantonense, falava inglês com toda

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

a desenvoltura e revelava-se um degustação de inúmeros insectos Por fim, as vidas nada costumam ter de linear, A partir de 1961, altura da fundação do Instituto, verdadeiro letrado à maneira da e rastejantes que são a nossos salvo em raras ou santas excepções. Constroem-se em ter-se-á tornado mais autónomo, desenvolvendo melhor tradição confucionista. olhos repelentes, histórias que, de tensão, com altos e baixos, caminhado nos casos mais e assumindo os seus próprios valores. A vocação Era um poeta, um estudioso resto, costumam ser confirmadas felizes para um certo equilíbrio. O Pe. Benjamim foi pedagógica actualizou-se plenamente. Em 1995 sentiu- profundo e um grande pedagogo. pela comunidade chinesa em tom humano como todos nós. Era até um pouco melhor do -se deserdado pelos seus irmãos de culto. A revolta Não esqueçamos que o Instituto de anedota, já que afirmam a rir que a grande maioria. Esforçou-se ao longo de décadas. foi grande, imensa e trouxe consigo a desobediência D. Melchior Carneiro foi fundado que comem tudo o que não seja Primeiro, para responder aos valores da família a que e o afastamento da ordem. Perdeu três processos na para educar a comunidade chinesa homem. pertencia. Esta era religiosa e tinha oferecido muitos Justiça, continuando ainda assim a pugnar pelos de Macau. O Padre dedicava-se a A voracidade alimentar dos seus membros ao clero. Depois, seguiu os valores valores e família em que acreditava. Quando caiu em fundo à sua missão pedagógica. Ele explica-se racionalmente pelo da ordem jesuíta que o tratou como membro de pleno si, era tarde demais para tentar uma solução amigável. era o pai espiritual daquele espaço. facto do País do Meio ser gigan- direito. Manteve-se longo tempo humilde, obediente e Num último esforço para recuperar as raízes, apelou Ele e Marta, o seu braço direito tesco e possuir uma população casto. Teve tentações, como todos os humanos, pois se aos familiares portugueses e aos poucos amigos que desde 1961. astronómica, mas levanta uma até Cristo as teve, e a experiência amorosa a confirmar- ainda lhe restavam. Antes de regressar a Portugal, ainda Para os chineses, ele era forte desconfiança e preconceitos se, apenas vem chamar a atenção para a necessidade de encontrou forças para no aeroporto pedir desculpas ao diferente dos membros da do lado português, como reforma no seio da religião católica. Por que motivo Superior dos Jesuítas. Embarcou no início de Julho e restante comunidade portuguesa, comprovam as nossas anedotas não hão-de os nossos padres poder casar à semelhança passados seis meses morreu no Hospital de Mirandela que consideravam desavindos sobre a tortura chinesa. do que sucede com os protestantes e os anglicanos? a 9 de Janeiro de 1999. e maledicentes, características Logo, quando o Padre a que não escapava também a se enclausurou no Instituto

comunidade macaense, esta última Capa da edição chinesa de Os Extremos Conciliam-se. começaram a surgir suspeitas dentro fruto da união de portugueses com da nossa comunidade de que pode orientais. ria estar a ser sujeito a sevícias e maus tratos. A Mas talvez tenha gerado um forte mal-entendido desconfiança intensificou-se quando o Pe. Jaime Coelho nos chineses a não compreensão de que a maledicência forçou a sua estada no Instituto e relatou ter escutado Apêndice 1 > Nota biográfica portuguesa nada tem de aniquilador para os alvos das Benjamim a gritar toda a noite. Também as portas de más­-línguas. O certo é que este tipo de idiossincrasias ferros e cadeados com que foi protegido pelos chineses 1916 1998 pode desenvolver preconceitos e resistências. em nada tranquilizaram os membros laicos e religiosos : Nasce a 30 de Outubro nos arredores de Mirandela, em : A 5 de Julho parte de Macau rumo a Torre de Dona Torre de Dona Chama. Chama. A certa altura o Padre julgou mesmo que da nossa comunidade. os jesuítas lhe queriam mal. Ora, o modo pouco A este preconceito da indiferença pela dor, junta- 1932: Ingressa na Companhia de Jesus. 1999: Morre a 9 de Janeiro no hospital de Mirandela respeitável, na perspectiva chinesa, e o tratamento se a ideia generalizada de que os chineses colocam pouco distinto com que se lidava com um dos membros por tradição os ritos e as relações pessoais acima 1936: Obtém a licenciatura no Curso Superior de Humanidades Foi membro de várias associações de História e dirigiu a mais destacados da comunidade portuguesa poderá ter da lei, contra os primeiros relatos dos missionários Clássicas e de Literatura Portuguesa. Ingressa no mosteiro International Association of Historians of Asia. Também foi conduzido à ideia de que estavam perante um caso de portugueses do século xvi. Aquela imagem duma beneditino de Alpendurada, concelho de Marco de Canavezes correspondente da Academia Portuguesa de História e sócio maldade e pura inveja. China profundamente idealizada, por exemplo, por Frei efectivo da Academia de Marinha de Lisboa. Foi historiador. A este tipo de protecção física não terão sido alheios Gaspar da Cruz, foi dando lugar a uma outra construída 1940: Adquire o bacharelato em Filosofia na Faculdade de pedagogo, filósofo, poeta, escritor e teólogo. interesses económicos, o que permitiu a entrada em jogo por uma convivência de séculos. Filosofia de Braga. Até 1945 esteve em Granada, em Cartuja, dos preconceitos e ideias da comunidade portuguesa em Resumindo, há de facto uma tradição chinesa que onde frequentou quatro anos de Teologia. Condecorações relação aos chineses. Uma das características que mais privilegia a confiança e um código de valores não escrito, 1937: Grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique salientamos nos descendentes do dragão costuma ser a o que é lido por muitos no Ocidente como fuga à lei e 1945: A 5 de Agosto é ordenado sacerdote na cidade do Porto. (Portugal). sua veia pragmática e a atenção aos aspectos económicos grande capacidade de criação de organizações secretas, Mais tarde completaria a sua formação espiritual em Salamanca. 1987: Medalha de valor (Macau). e materiais. por exemplo, seitas. 1948: Parte de livre vontade para Macau. Começa a assinar Além disso, aquando do rapto, também terá Deste modo, quando o Pe. Benjamim desapareceu os seus cartões como Pe. Benjamim Videira Pires, missionário 1996: Comenda da Ordem Militar de Santiago e Espada interferido uma outra ideia feita, a da insensibilidade à de circulação, muitos portugueses recearam pela sua em Macau desde 1948. Estuda língua chinesa e torna-se (Portugal). dor por parte dos chineses, exemplificada em inúmeros vida. sinólogo. Exerce funções docentes no Liceu Nacional Infante histórias passadas com animais nos mercados de Macau Preconceitos de parte a parte e fortes interesses D. Henrique, além de capelão militar. ou da China. Quem chega a Macau costuma ser económicos tornaram impossível a comunicação, baptizado com episódios onde cães são comidos, peles permitindo que Benjamim Videira Pires tivesse estado 1961: Funda o Instituto D. Melchior Carneiro que passou a de rãs arrancadas à vista dos clientes nos mercados e em cativeiro por três anos. dirigir.

48 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 49 Ana Cristina Alves A Miscigenação de Benjamim Videira Pires

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

Apêndice 2 > Cronologia do caso

1995 1998 correspondência ao longo de três anos, mesmo em épocas woman who helped set up the school in 1961 and helped Maio. O Superior Regional dos Jesuítas em Hong Kong, William 2 de Junho. Carta de homenagem do Secretário-Adjunto para festivas, bem como por impossibilidade de comunicar run it since, deny the charges”. Lo, decide substituir Benjamim Videira Pires por Joseph a Administração, Educação e Juventude, publicada no por telefone com o irmão. Na mesma data, O informa que: “em torno Tai, alegando razões de saúde para o seu afastamento. Tribuna de Macau por Jorge Rangel, intitulada “Francisco do Pe. Videira Pires está um depósito bancário de 6 A direcção do Instituto, docentes e alunos não acatam Lucas Pires, uma homenagem sentida”, a propósito da 2 de Julho. O jornal Futuro anuncia uma tentativa de sequestro milhões de patacas, edifício do IMC e terreno num valor a decisão. morte do dirigente do CDS em Maio do mesmo ano, no domingo, 1 de Julho, no Leal Senado, iniciada por superior a 10 milhões de patacas”. onde o autor refere “Lucas Pires visitou muitas vezes Marta e Fátima e por um grupo de professores rebeldes Junho. O Banco Luso-Internacional congela duas contas Macau e de novo o aguardávamos agora, já com jantar do Instituto. 5 de Julho. Após cinquenta anos em Macau, parte para Portugal bancárias de Videira Pires marcado para o passado dia 28, quando o destino em direcção a Torre de Dona Chama. No aeroporto, uma semana antes nos quis privar definitivamente do 3 de Julho. No South China Morning Post, de Hong Kong, encontram-se vários amigos, incluindo o governador, Julho. Videira Pires apresenta queixa na Judiciária contra o privilégio da sua companhia.” são apresentados como raptores Fátima Yang Sho-Hua, general Rocha Vieira, o Pe. Luís Sequeira, o coronel Superior dos Jesuítas de Macau, Pe. Luís Sequeira, Marta Cheung Sau Wan e o professor Lai Lou Man Ramos, etc. acusando-o de falsificar a sua assinatura em dois 12 de Junho. O jornal Futuro adianta que o coronel Ramos em notícia com o seguinte título “Priest leaves web of documentos, um requerimento ao Gabinete de Apoio (afilhado de baptismo do pai de Lucas Pires), do intrigue” e subtítulo “Frozen Millions, forgery and sex ao Processo de Integração (GAPI) e uma carta ao Gabinete de Coordenação da Segurança de Macau, claims, as eldery ‘kidnap victim’ flies home to Portugal”. governador de Macau, general Vasco Rocha Vieira, nos tentou visitar o Pe. Benjamim a 2 de Junho, após uma Também se adianta que “Marta Cheung Sau-wan, the quais manifestava intenção de se reformar. série de telefonemas infrutíferos, para lhe comunicar o falecimento de Francisco Lucas Pires. A resistência que Dezembro. Alunos e encarregados de educação do Instituto sentiu levou-o a pedir à polícia que intercedesse junto do D. Melchior Carneiro manifestam-se em frente do Ministério Público para obter um mandato judicial. Na notas Palácio de Governo durante uma visita do Presidente sequência desta visita surge uma carta em mau português, da República de então, Mário Soares. A polícia dispersa alegadamente assinada pelo Pe. Benjamim, a acusar o 1 “Espelho do Mar”, Macau, 14 /09/1984. Espelho do Mar, p. 46. 15 Jardins Suspensos, Macau, 1/01/1954. a manifestação e há feridos. coronel Ramos de ter pontapeteado um professor do 2 “A Realidade é o Amor”, Macau, 15 /09/1984. Espelho do Mar, p. 47. 16 Jardins Suspensos, Granada, 13/10/1945. Instituto, donde se conclui que a missiva não tenha sido 3 Os Extremos Conciliam-se, p. 78. 17 Jardins Suspensos, Macau, 19/08/1955. Ibidem, 4 p. 8. 18 O Instituto D. Melchior Carneiro foi fundado no dia 4 de Setembro 1996 escrita por Videira Pires. 5 “A Ponte”, Macau, 14/09/1974. Espelho do Mar, p. 5. de 1961, exclusivamente orientado para a comunidade chinesa, Abril. O Partido Popular, em carta ao Presidente da República, 6 “Barcarola”, Macau, 3/04/1975. Espelho do Mar, p. 9. como afirma António Aresta no artigo: “Benjamim Videira Pires, um apoia as posições do Pe. Benjamim no conflito que o 27 de Junho. Notícia do dando conta do Padre 7 “Força e Razão”, Macau, 21/06/1975. Espelho do Mar, p. 11. educador Português em Macau”, publicado na Revista Administração opõe à hierarquia da Ordem dos Jesuítas e à Direcção não se encontrar nas instalações do Instituto, após acção 8 “Permanência”, Macau, 10/06/1975. Espelho do Mar, p. 13. - Revista da Administração Pública de Macau, n.º 45. 9 “Peregrinaçam”, Macau, 10/09/1984. Espelho do Mar, p. 44. 19 Pregai os Evangelhos, p. 176. dos Serviços de Educação e Juventude de Macau (DSEJ). realizada pela PSP em cumprimento dum mandato 10 Pregai os Evangelhos, p. 391. 20 Ibidem, p. 351. de busca passado pelo juiz do Tribunal de Instrução 11 Ibidem. 21 Ver António Aresta, “Benjamim Videira Pires, um educador Português Julho. A DSEJ suspende por 1 ano o funcionamento das Criminal. 12 Ibidem, p. 392. em Macau”. Administração - Revista da Administração Pública de actividades escolares no Instituto; a suspensão continua 13 Ibidem, p. 365. Macau, n.º 45. 14 Ibidem. a ser renovada anualmente até 1999. 29 de Junho. O jornal Futuro informa que o Pe. Benjamim já se encontra a salvo na Pousada do Governo em Mong-Há 1997 na companhia do irmão Francisco Videira Pires após a Agosto. Surgimento do Decreto-Lei n.º 33, de 11 de realização de exames clínicos. bibliografia Agosto, que prevê as ocorrências de encerramento de Também no mesmo dia o jornal Macau Hoje informa estabelecimentos particulares. que o Padre telefonou da China a pedir que libertassem Aresta, António (1999). “Benjamim Videira Pires: Um Educador ——. Jardins Suspensos. Macau: Direcção dos Serviços de Educação os oito professores detidos pela PSP e enviados ao Português em Macau”. Administração - Revista da e Juventude, 1995. Novembro/Dezembro. Visita de cinco dias do Pe. Jaime Ministério Público. O 24 horas do Gabinete de Administração Pública de Macau, n.º 45, pp. 699-709. ——. Meia Volta ao Mundo. Macau: Religião e Pátria, 1958. Coelho, S. J. ao Pe. Benjamim, seguida de carta Comunicação Social chama a atenção para a existência Coelho, Jaime. O Japão Explica-se. Lisboa: Edições Colibri, 2005. ——. A Mulher Venceu. Macau: Religião e Pátria, 1956. iniciada a 23 de Novembro, datada de 1 de Dezembro, de duas versões contraditórias do caso Videira Pires, a Cruz, Frei Gaspar da. Tractado em que se contam muito por extenso ——. Pregai o Evangelho. Duas Séries de Homilias para Todos os as cousas da China com suas particularidades, e assi do reyno dirigida aos amigos do Padre, onde afirma: “Penso da Polícia e a dos amigos chineses do Padre. Domingos e Festas do Ano. Porto: Livraria do Apostolado da de Ormuz. Barcelos: Portucalense Editora, 1937 [1569]. Imprensa, 1963. que é um simples caso criminal. As senhoras Marta/ Loureiro, Rui Manuel. Fidalgos, Missionários e Mandarins. Portugal Fátima estão sequestrando um homem velho, incapaz 1 de Julho. O Pe. Francisco Videira Pires escreve uma carta onde e a China no Século XVI. Lisboa: Fundação Oriente, 2000. Jornais psicologicamente de dizer em frente delas o que pensa afirma conhecer D. Marta e sua filha, D. Fátima, há mais Pires, Benjamim Videira. Espelho do Mar. Macau: Instituto Cultural Foram ainda consultados os seguintes jornais de Macau e de Hong de 30 anos, tendo-se encontrado com elas em Portugal, da sua família.” de Macau, 1986. Kong: , Futuro, Macau Hoje, Ponto Final, Tribuna Macau e nos Estados Unidos. Acusa ainda os chineses de ——. Os Extremos Conciliam-se (Transculturação em Macau). Macau: de Macau e South China Morning Post. “crime de sequestro e cárcere privado”, por retenção da Instituto Cultural de Macau, 1988.

50 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 51 Benjamim Videira Pires, SJ: IN MEMORIAM Benjamim Videira Pires, SJ: IN MEMORIAM Pormenor de um mapa da cidade de Nagasáqui do século xvii com a ilha artificial de Dejima. Pintura sobre rolo de papel, Biblioteca de Nagasáqui. A Embaixada Mártir de Benjamim Videira Pires O Cristianismo e a sua Circunstância

Celina Veiga de Oliveira*

I. Yo y la circunstancia completo do seminário, “embora sem receber ordens canónicas, e a mãe fora educada em casa de um tio No seu livro Sobre la razón histórica, o filósofo padre”.3 A oração era prática diária observada por espanhol José Ortega y Gasset considera que cada pessoa todos os elementos da família. Neste ambiente de é apenas um ingrediente da sua própria vida; o outro fervor religioso cresceu Benjamim Videira Pires, o ingrediente é a circunstância, sendo um tão real como o quarto de sete irmãos. outro.1 A circunstância por vezes ganha uma dimensão Uma grave doença, contraída depois de ter avassaladora na vida do ser humano, controlando os terminado a primeira classe, “a caminhar para os 7 lances do destino e o afazer ético da interioridade de anos”, fê-lo prometer a S. Francisco Xavier, o ‘Apóstolo cada um. do Oriente’ que, “se o curasse, havia de ser missionário Esta asserção ganha relevo quando pensamos na como ele”.4 personalidade de Benjamim Videira Pires, S. J., uma A sua educação sacerdotal, tal como a vida, foi-se Figura de Jade, indissoluvelmente ligada a Macau – fazendo por vários caminhos: no seminário menor da educador, missionário, historiador e poeta –, e cujo Companhia de Jesus, em Cáceres, Espanha – devido primeiro centenário do nascimento se assinala este ano.2 à expulsão das congregações religiosas do país pela Nasceu este jesuíta na vila bragançana de Torre primeira República –, em Guimarães, depois do regresso de Dona Chama, a 30 de Outubro de 1916, em dos jesuítas a Portugal em 1932, e em Alpendurada plena vigência da primeira República – um tempo (Marco de Canavezes), “onde permaneceria os quatro político de forte anticlericalismo –, no seio de uma anos de noviciado e juniorado, formando-se em família profundamente católica. O pai fizera o curso espiritualidade e clássicas”.5 Completou a sua formação humanística e teológica na Faculdade de Filosofia de Braga e na Faculdade de Teologia de Cartuja, em * Licenciada em História pela Universidade de Coimbra e doutoranda em História Granada, sendo ordenado sacerdote em 1945. pela Universidade Nova de Lisboa. Autora de várias obras sobre História de Macau. É vice-presidente da Comissão Asiática da Sociedade de Geografia. Quatro anos depois chegava a Macau, conciliando, durante a sua vida no Extremo Oriente, os trabalhos Graduate in History from Coimbra University’s Faculty of Arts, currently preparing eclesiásticos com o ensino, a investigação histórica e her Ph.D. in History (Lisbon’s Universidade Nova). Author of various monographs and essays about History of Macao. She is vice-president of the Asian Commission sinológica, o cultivo das letras e das humanidades, a of the Geographical Society of Lisbon. reflexão filosófica, a poesia e o jornalismo político.6

52 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 53 Celina Veiga de Oliveira A Embaixada Mártir de Benjamim Videira Pires: O Cristianismo e a sua Circunstância

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

Ao espaço ecuménico de Macau tinha chegado de Macau enviou ao Japão, em 1640, um ano depois portugueses era a conquista territorial do Japão, quer um cidadão com o espírito aberto e a avidez de saber do fecho dos seus portos aos barcos de Macau. de ingleses e, sobretudo, de holandeses.12 e de compreender a mentalidade e a cultura orientais. Dos vários capítulos do livro, destacam-se Este ‘triunvirato’ conspirativo abriu caminho os seguintes: “Duas cidades irmãs”, “A quebra para que o “holandês, o inimigo da Europa”, se do comércio”, “A embaixada mártir”, “As treze II. A Embaixada Mártir assentasse, a partir de 1602, “à sombra da árvore que testemunhas” e “O processo Informativo”. nós plantáramos e regáramos com heroísmo.”13 Entre os muitos títulos do legado bibliográfico de E assim, em 1614, foi publicado pelo xógum Benjamim Videira Pires, conta-se A Embaixada Mártir, Duas cidades irmãs Tokugawa Ieyasu o édito de extermínio da Igreja publicada pelo Instituto Cultural de Macau em 1988.7 Este capítulo começa por descrever os primórdios católica, tomando o Estado nipónico posse formal das Quase três décadas depois, mantém-se inalterada a de Macau, a elevação da modesta povoação de pescadores igrejas e de casas de cristãos. Sucederam-se os ‘martírios’ nossa concordância quanto ao valor do seu conteúdo. a um porto de grande actividade comercial e o e a tenacidade de muitos cristãos japoneses, entre eles Não sendo, porventura, a obra mais emblemática deste envolvimento da Companhia de Jesus na sua fundação, os heimins, camponeses, artífices e comerciantes, e os jesuíta, é aquela que, em nosso entender, reflecte com crescimento e conservação. Refere-se o importante papel dójicos, filhos de samurais, oligarquia dominante que maior nitidez o ambiente cristão que modelou a sua cultural do Colégio de S. Paulo – “o maior Instituto controlava o aparelho político, económico e financeiro personalidade e determinou o seu percurso de vida e Católico do Extremo Oriente” – que albergou, a partir do império nipónico.14 a que melhor expressa a visão apologética que sempre de 1594, o seminário de Sto. Inácio, para japoneses, e teve sobre o legado dos portugueses no mundo. o de S. Francisco, para portugueses, uma universidade, A quebra do comércio Porquê este título? Porque A Embaixada Mártir uma escola elementar, uma enfermaria com sua “botica”, Este capítulo refere as consequências, na vida dos é uma monografia histórica que relata as circunstâncias uma escola de música e artes plásticas, a Procuratura do comerciantes de Macau, das perseguições aos cristãos e trágicas em que decorreu a morte de sessenta e um Japão, uma tipografia, uma livraria com mais de cinco aos missionários, “na sua maioria jesuítas.”15 católicos que faziam parte da embaixada que o Senado mil volumes impressos, o arquivo da Província Jesuítica Devido ao contrabando de padres nos barcos do Japão e a monumental igreja de Nossa Senhora da de Manila para Nagasáqui, saiu em 1623-1624 o Assunção, mais conhecida por Igreja da Madre de Deus primeiro decreto de expulsão de todos os varões ou Igreja de São Paulo.8 portugueses residentes no Japão, embora fosse Compara-se de seguida a similitude entre negada às suas mulheres e respectivas crianças a o percurso histórico de Macau e o de Nagasáqui. possibilidade de os acompanhar. Como reforço desta Igualmente uma pequena povoação de pescadores, foi intimação, os mercadores estavam impedidos, não só graças ao comércio (com os Portugueses) que o porto de transportarem missionários nos seus barcos, como nipónico se projectou para uma dimensão transnacional, de prestarem auxílio financeiro a cristãos e a padres. iniciando-se, a partir de 1571, uma intensa troca de Começava a apagar-se, no Império do Sol Nascente, a produtos entre as duas “cidades gémeas”.9 visão do Pe. António Vieira, na sua História do Futuro: Mas já anteriormente se fizera sentir, naquele “Se não houvesse mercadores que fossem buscar a “magnífico ancoradoiro natural de águas profundas”, umas e outras Índias os tesouros da terra, quem havia a acção dos jesuítas, como a de Luís de Almeida, S. J., de passar lá os pregadores que levam os do Céu? Os que, a partir de 1567, começou a baptizar “todos os pregadores levam o Evangelho, e o comércio leva os homens honrados della com obra de quinhentos do pregadores.”16 povo”, atingindo o número de cristãos, escassos três Após a expulsão dos espanhóis do arquipélago, anos depois, as 1500 pessoas.10 em 1624, portugueses e holandeses, inimigos de longa Tokugawa Ieyasu (1541-1616). O sucesso da missionação jesuítica é testemunhado data, ficaram isolados no terreno da disputa económica. pela doação à Companhia de Jesus, a título perpétuo, Os holandeses ocuparam a ilha Formosa (Taiwan), no da povoação de Nagasáqui, pelo senhor de Omura mesmo ano, com o objectivo de cortar “a linha vital criou a convicção de que, através dos mercadores, entrava (D. Bartolomeu) e seu filho Sancho, em 1580, e pelas Macau-Nagasáqui”. dinheiro e protecção para a comunidade cristã; e a revolta conversões ao cristianismo.11 Como consequência, Para além destas, a quebra de confiança entre de Ximabara – uma península a sudeste de Nagasáqui iniciaram-se as perseguições e intensificaram-se os japoneses e mercadores portugueses teve outras –, provocada pelo excessivo peso dos impostos, mas constrangimentos à sua acção devido, entre outros motivações. Entre elas, a questão da ‘respondência’, ou entendida pelas autoridades nipónicas como inspirada factores, à política de intrigas, junto da corte do compra, sob fiança, da prata do Japão; a imprudência pelos cristãos portugueses.17 Esta revolta terminou xógum Toyotomi Hideyoshi, quer de espanhóis, de alguns portugueses e missionários, desrespeitando a em 1638 e, apesar de não se ter provado qualquer vindos de Manila, que insinuavam que o objectivo dos regra de proibição de auxílio a cristãos e a padres, o que cumplicidade por parte dos Portugueses, o xógum

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

Tokugawa Iemitsu resolveu dar o golpe de misericórdia ligavam Macau ao Japão. Mas Iemitsu, interpretando a Aos condenados à morte, num total de 61, foi no comércio português, decretando o seu fim em 1639.18 viagem como um desrespeito à ordem por si emitida no proposto, por três vezes, um último recurso: que a vida A embaixada mártir ano anterior, recusou recebê-los e condenou-os à morte, lhes seria salva se renegassem Cristo. Os ‘jurubaças’ Regista-se, neste capítulo, a reacção do Senado reforçando a proibição comercial.20 (intérpretes) a todos perguntaram se queriam abjurar a de Macau a esta nefasta medida. Os membros da Silêncio pesado, estupefacção e incredulidade fé, mas ninguém capitulou, respondendo, “com muita municipalidade, importantes mercadores, estavam seguiram-se ao anúncio da sentença do xógum. Um constancia q’ antes querião elles morrer e dar suas vidas convictos de que a sobrevivência da “cidade santa” dos intérpretes traduziu, para a comitiva de Macau, a pella fee de Christo que professão, que deixala.”24 Aos exigia a continuidade das relações económicas com o explicação dada por uma autoridade de Nagasáqui: seriam escravos foi oferecida uma compensação adicional em arquipélago nipónico. mortos “puramente por serem cristãos, sem outra causa.”21 dinheiro e prata. Um cafre, entusiasmado, afirmou, E por isso, o Conselho Geral do Senado determinou Para o poder imperial, impunha-se a divulgação por isso, que “vida e prata juntamente é ponto digno que se enviasse ao Japão uma “missão especial”, composta da sentença, para transmitir a todos os estrangeiros a de consideração”, mas um amigo alertou-o para o valor por 74 pessoas, e chefiada por quatro cidadãos ilustres inflexibilidade do carácter nipónico. de uma acção extrema aos olhos de Deus, o que o fez de Macau, que saiu a 22 de Junho e chegou a Nagasáqui Foi escolhido o marinheiro português Manuel reconsiderar e afirmar: “Morra o corpo e viva a alma!” a 6 de Julho de 1640.19 Instados a explicar o objectivo Fernandes, que sabia “cartear e tomar o sol.”22 A este Segue-se a descrição pormenorizada dos últimos da viagem, os chefes da missão afirmaram que se associaram-se mais doze elementos, no total de treze, momentos de vida dos emissários macaenses e do seu encontravam ali na qualidade de embaixadores, e não que haveriam de levar o navio à Cidade, contar o sacrifício na Colina dos Mártires em Nagasáqui. como comerciantes, pretendendo ter uma audiência que tinham presenciado, e informar que o xógum com o xógum para explicarem de viva voz o propósito mandara executar aquela “justiça por serem cristãos e As treze testemunhas de renovação dos laços comerciais, já de muitos anos, que transgressores da ordem real.” 23 Depois de terem enfrentado tufões, a fúria dos ventos e a braveza dos mares, as treze testemunhas Gravura alusiva aos mártires da embaixada enviada por Macau em 1649, incluída em António Francisco Cardim, Fasciculus et Iapponicis Floribus (Roma, 1646). atingiram Macau a 20 de Setembro de 1640. A municipalidade reuniu-se de imediato no dia da chegada, com a presença do capitão-geral, D. Sebastião Lobo da Silveira, e do governador do Bispado, Frei Bento de Cristo. Todas as testemunhas juraram que os mártires o tinham sido por confessarem a sua fé. António Francisco Cardim, “Relação da gloriosa morte de quatro Embaixadores A Cidade sentiu profundamente a notícia, mas Portuguezes, da Cidade de Macao...," in Elogios, e ramalhete de flores borrifado com o sangue dos religiosos da Companhia de Iesu, a quem os tyrannos do Imperio de Iappaõ festejou a coragem de que tinham dado provas. Durante tiraraõ as vidas por odio da Fê Catholica (Lisboa, 1650). vários dias houve luminárias pela cidade, salvas de peças de artilharia, repique dos sinos, som de charamelas e III. Considerações finais de outros instrumentos musicais, missas em acção de graças e festas profanas. A Embaixada Mártir tem o mérito de fazer ressuscitar um momento pouco conhecido da História O processo informativo de Portugal e de nos dar informação sobre ele, Este processo incluiu o rol e a respectiva identificação enquadrando, no espaço e no tempo, as razões dessa dos sessenta e um membros da “missão especial” que malograda missão diplomática.26 tinham sido executados em Nagasáqui, e a inquirição às O título remete para um dos objectivos do livro: treze testemunhas, cuja vida fora poupada para contarem relevar um facto histórico que testemunhava, na óptica em Macau o que tinham presenciado no arquipélago, de um historiador comprometido e empenhado na sua sobre as causas que tinham levado à morte dos mártires. obra missionária, como era o caso de Benjamim Videira Todas admitiram que, por três vezes, tinha sido proposto Pires, o entrosamento entre fé católica e presença aos embaixadores e aos restantes companheiros, como portuguesa no mundo. Era, pois, natural que o autor, último recurso, que a vida lhes seria poupada se renegassem sacerdote jesuíta, tivesse procurado realçar os aspectos a fé em Cristo, proposta que foi recusada sem excepção.25 da fé e o valor da resistência à renegação da própria Pretendeu-se evidenciar que os sacrificados fé, mostrando como os ‘mártires’ do Japão, reuniam, mereciam uma beatificação ou mesmo uma canonização. numa perspectiva católica, as ‘chamadas condições Mas este processo burocrático perdeu-se nos meandros para a canonização e beatificação’. Não obstante, o do tempo. livro reflecte uma preocupação de objectividade e de

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

rigor, não distorcendo a realidade em nome de uma conhecimento bastante profundo da realidade japonesa notas

defesa acrítica e pouco científica da presença portuguesa e actuava de acordo com ele. 1 Sobre la razón histórica, p. 86. 13 Benjamim Videira Pires, A Embaixada Mártir, p. 28. 1602 é a data nestas paragens; dá, sim, uma perspectiva positiva dessa Foi precisamente este, segundo a nossa óptica, o 2 Figuras de Jade: Os Portugueses no Extremo Oriente, de António Aresta, da fundação da feitoria de Hirado. Em 1603, o xógum Tokugawa presença, sem quaisquer intenções de falsos elogios ou principal obstáculo à propagação da mensagem cristã no pp. 23-25. Ieyasu, o “daifuçama” dos missionários, autorizou a existência da igreja 27 3 P. Benjamim Videira Pires, Meu Irmão, de P. Francisco Videira Pires. católica em Nagasáqui, Osaca e Quioto, havendo igrejas destinadas panegíricos redundantemente fáceis. Japão: o cristianismo começou a implantar-se e a ter a 4 Ibidem, pp. 17-18. ao clero nativo; Franciscanos, Dominicanos e Agostinhos, vindos Numa primeira fase, e como consequência adesão, não só das camadas populares, mas igualmente 5 Ibidem, pp p. 20. das Filipinas, tinham também na cidade igrejas e conventos. Mas decorrente do lucrativo comércio – a troca da seda de estratos superiores da hierarquia política, pondo em 6 Benjamim Videira Pires foi o fundador do Instituto D. Melchior em poucos anos o clima escureceu, verificando-se várias apostasias, Carneiro, uma importante instituição de ensino de Macau. Ainda como a de D. Sancho, de Omura, e as execuções de três samurais chinesa pela prata nipónica –, que interessava quer a causa relações de poder existentes no império. Todo este está por estudar a sua intervenção política no pós 25 de Abril, de Arima, testemunhadas por um vasto número de fiéis, cantando e Macau, quer ao Japão, os mercadores portugueses e contexto se enquadra num momento de instabilidade em Macau, onde foi activo jornalista no periódico Confluência rezando, o que foi considerado um desafio ao poder do xogunato. os seus missionários foram bem aceites, confirmando social e de lutas internas, constituindo a mensagem – Doutrina e Informação, da ADIM (Associação de Defesa dos 14 “Transcreve-se a lista dos martírios conhecidos desde 1614 a 1621: Interesses de Macau.) Em P. Benjamim Videira Pires, Meu Irmão, em 1614, treze pessoas; outras 13, em 1615; de novo treze, em 1616; a observação do Pe. António Vieira de que “os desta religião do Ocidente mais um motivo de diz o autor, seu irmão: “... pelo que sei da sua colaboração, no vinte, em 1617; 68, em 1618; 88, em 1619; 17 em 1620; vinte em pregadores levam o Evangelho e o comércio leva os desestabilização. Deste modo, o xogunato, sentindo-se quinzenário Confluência, durante dois anos e de que possuo dois 1621; e 132, em Nagasáqui, no ano seguinte. Segundo os melhores pregadores”. Lançam-se, então, os alicerces da sua ameaçado, tem consciência de que era preciso eliminá- volumes brochados, bem mereciam antologia, ao menos dos que não cálculos, no período das maiores perseguições (1614-1640), houve, perderam actualidade. [...] O Confluência revelou uma face inédita por todo o Japão, o máximo, cinco mil a seis mil mártires. Não entram implantação. Mas o ambiente começou a ensombrar- -la, gerando a partir de determinado momento, uma do P. Benjamim, o humorista. Um humorismo diluído em símbolos no cômputo as 17 000 mulheres e crianças que foram executadas, -se, devido não só às razões já apontadas, como também reacção anticristã que acabou por se converter numa e alegorias, que são, as mais belas, pequenas jóias literárias, sempre no dia 15 de Abril de 1638, no castelo de Hara (Arima), por não ao “contrabando de padres nos barcos de Macau que reacção antiportuguesa. anónimas (pp. 56-57). Na Biblioteca Nacional de Lisboa existem quererem abjurar da fé. Estas, pelo menos – já que talvez não os seus apenas o n.º 1, de 27 de Março ‘75; o n.º 2, de 3 de Abril ‘75; o maridos e parentes do sexo masculino (cerca de 20 000), combatentes cruzavam de Manila a Nagasáqui”, circunstância que No entanto, e apesar disto, constata-se a n.º 3, de 10 de Abril ‘75; o n.º 4, de 17 de Abril ‘75; o n.º 5, de 23 por um objectivo justo mas terreno – foram verdadeiramente originou o “primeiro édito de expulsão de todos os varões permanência, até aos nossos dias, de uma comunidade Abril ‘75; o n.º 6 (Número Especial), de 25 Abril ‘75; e o n.º 7, de mártires.” In Benjamim Videira Pires, A Embaixada Mártir, p. 33. portugueses, residentes no Japão, cujas filhas mulheres cristã “que nem os tiranos, nem a falta completa de 6 de Maio ‘75, muito longe, por conseguinte, dos “dois volumes 15 Ibidem, p. 36. 28 brochados” acima referidos, o que inviabiliza uma pesquisa sobre o 16 História do Futuro, Livro II, Capítulo VI. [foram] obrigadas a permanecer no País do Sol Nascente”. sacerdotes, nem os séculos conseguiriam aniquilar.” seu pensamento político. 17 O incumprimento deste compromisso pelos mercadores portugueses, Paralelamente há um nítido auxílio oficial aos No seu artigo “Presença da cultura portuguesa no 7 A Embaixada Mártir, editada pela 1.ª vez, em 1965, pelo Centro de que, por sua vez, responsabilizavam os comerciantes de Cantão comerciantes holandeses. Porquê esta aceitação dos Japão”29, Benjamim Videira Pires afirmou que “as fracas Informação e Turismo de Macau, e em poucos anos esgotada, foi de faltar aos contratos de fornecimento da seda estabelecidos na reeditada em 1988 pelo Instituto Cultural de Macau, beneficiando, época anterior, criou desconfiança. Como represália, os nipónicos holandeses? Segundo a nossa perspectiva, pelo facto relações entre Portugal e o Japão, nos últimos três séculos, segundo o autor, de “uma profunda revisão e leves reajustamentos”. determinaram que a carga e o capitão-mor das galeotas ficariam como de o holandês – o “inimigo da Europa” –, embora ressentem-se da decadência de Portugal como potência 8 Anexos aos prédios muralhados do Colégio, havia a igreja de Nossa reféns, enquanto os devedores não pagassem as suas ‘respondências’. profundamente arreigado à sua crença calvinista, ter asiática e da falta em Macau de uma instituição que Senhora do Amparo para os chineses e, depois de 1728, o Seminário Em 1632 foi apreendida uma carta do frade agostinho Francisco de S. José, casa-mãe da vice-província da Companhia de Jesus na da Graça, infiltrado no Japão através de Manila, com o nome dos tido uma actuação, nesta zona do globo, exclusivamente substitua e emule a acção científico-religiosa da antiga China, in A Embaixada Mártir, p. 14. O autor refere o contributo portugueses que o auxiliaram a evitar ser descoberto e preso. Este norteada por interesses mercantilistas: ‘negócio é Missão do Padroado Português, em todo o Extremo de D. Melchior Carneiro, S. J., que chegou a Macau em 1568, na facto foi abafado com o pagamento de 28 000 taéis pelo feitor de negócio,’ razão pela qual não foi de imediato objecto de Oriente”. Sempre presente, por conseguinte, no seu fundação da Santa Casa da Misericórdia, de dois hospitais, S. Rafael e Macau; uma outra carta, de 1621, do dominicano belga beato Luís S. Lázaro, bem como do Senado da Câmara, e o do “grande Visitador Froryn para o capitão-mor Jerónimo de Macedo pedindo-lhe que o rejeição pelo aparelho de estado nipónico. Aqui reside espírito – dada a circunstância do ambiente familiar de Alexandre Valignano”, que adquiriu o monte, fortificado após os libertasse da prisão de Hirado onde se encontrava também o frade a principal diferença entre portugueses e holandeses. grande peso católico e da sólida formação intelectual primeiros ataques dos holandeses no início do século xvii. agostinho Pedro de Zúñiga, provocou grande perseguição, tendo os Os nossos mercadores dos séculos xvi e xvii eram que adquiriu –, a preocupação de relevar a importância 9 Em 1571 chegava à baía de Nagasáqui uma Nau do Trato, capitaneada dois frades sido martirizados. Macedo ficou preso em Omura até à por Tristão Vaz da Veiga. A Nau do Trato também era conhecida por morte, embora livre para o comércio. intrinsecamente religiosos e incapazes de dissociar os civilizacional que o Ocidente expandiu por todo o globo, navio negro, ou curofune, devido ao revestimento do casco em alcatrão. Em 1635, um português foi queimado vivo por ter levado uma seus interesses materiais da sua convicção católica. alterando, em muitos caos, o curso da História, e do 10 In Cartas que os Padres e Irmãos da Companhia de Jesus escreverão dos carta de um clérigo japonês, Paulo dos Santos, residente em Macau, A implementação e crescimento do Cristianismo papel que Portugal desempenhou nessa transformação. reynos de Japão & China (Évora, 1598, I, p. 253), apud Benjamim exigindo o pagamento de uma dívida de um seu compatriota. O Videira Pires, A Embaixada Mártir, p. 18. Luís de Almeida foi um governador do Bispado desterrou-o para a Indochina. parecem ter determinado uma maior mobilização de Como advertiu o historiador francês Henri famoso médico jesuíta que introduziu no arquipélago a medicina Duarte Correia, amigo dos jesuítas, foi queimado em lume lento em padres missionários para o Japão, que, naturalmente, Marrou, no seu ensaio Comment comprendre le métier europeia, fundando em Oita, com a sua fortuna, adquirida no 1639, depois de dois anos de prisão em Omura por ter transportado eram transportados nos navios mercantes portugueses. d’historien,30 não se improvisa um historiador, como comércio antes de entrar na Companhia de Jesus, os primeiros prata do Japão, que pertencia ao agostinho japonês, Fr. Tomás de S. hospitais. In Cartas, I, 253, apud Benjamim Videira Pires, A Agostinho, para lha entregar na China. Esta circunstância, reconhecida como causa do não se improvisa um físico ou um botânico, exigindo Embaixada Mártir, p. 18. Em conclusão, os japoneses estavam convictos de que, através dos fortalecimento das convicções católicas na população a dignidade de fazer história que esta não seja feita 11 A doação contemplava, além da povoação, as terras e campos que comerciantes portugueses, entrava dinheiro e sustento para os local, foi determinante da decisão de fechar os portos por amadores. À profunda cultura geral, humanística, a rodeavam, e vários privilégios, como a designação ou substituição missionários do Japão (A Embaixada Mártir, p. 43). O relato desta do “Capitão do dito lugar”, o exercício de jurisdição criminal – fazer sangrenta ocorrência, que terminou em 1638, foi-nos descrito pelo do Japão aos portugueses, o que aconteceu em 1639. é necessário aliar uma autêntica cultura histórica. justiça e poder matar quem quebrasse a lei, para o bom governo português “Duarte Correia, preso no cárcere de Omura [...], cujos Não serão estranhas ao descontrolo da situação Benjamim Videira Pires reúne, enquanto historiador, da terra –, e o tributo pago pela nau do Trato durante o tempo de informadores eram todos japoneses (e a grande maioria certamente outras circunstâncias que, embora indirectamente, as duas componentes.31 permanência no porto de Nagasáqui. Para firmar estes propósitos, a pagãos) e portanto dignos de crédito”. Nesta ocorrência, de contornos doação seria assinada por si e por seu filho Sancho. económicos devido ao peso dos impostos, “os rebeldes usaram, contribuíram para a degradação das relações luso- O livro A Embaixada Mártir é, assim, um valioso 12 Em 1587, o xógum Toyotomi Hideyoshi, o “taicoçama” das cartas sem dúvida, por falta de outras, bandeiras religiosas com inscrições -nipónicas, como por exemplo o mau funcionamento contributo não só para a história das relações entre ânuas dos jesuítas, confiscou os três feudos dos jesuítas – Nagasáqui, portuguesas, como ‘Louvado seja o Santíssimo Sacramento’ e gritavam relacional entre as ordens que se opunham aos Portugal e o Japão, como também para um maior Mogui e Uracami – e encerrou as igrejas católicas. Iniciou-se a os nomes de ‘Jesus’, ‘Maria” e “‘São Tiago’, quando investiam contra primeira perseguição sangrenta, provocada pelo comportamento o inimigo”, o que foi entendido como mais uma manobra dos cristãos jesuítas. Com efeito, a Ordem de Santo Inácio, por entendimento do conceito de vida dos portugueses de de mercadores e frades espanhóis vindos das Filipinas, tendo sido contra o poder do xogunato. Esta revolta, sangrenta, terminou em ter sido a primeira a sediar-se no Oriente, detinha um Seiscentos. crucificados 26 mártires em Nagasáqui. 1638.

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: IN MEMORIAM

18 Sentença imperial: “Capitullos: 1. Sabendo muito bem que El-Rey a Japão, saiba-se de certo que a qualquer porto que chegar (,) serão tem prohibido rigurosamente em todo o Japão a ley christãa, sem logo todos mortos. Aos 3 da 6.ª lua da era Quanyei, (isto é) aos 21 embargo disso, mandaram até agora às escondidas pregadores da de Julho de 1640. Subindo no Céu do Oriente mesma lei a estes reinos. Camono Cami – Sanoquino Cami – Izuno Cami – Vouoino Cami 2. El-Rey castiga com a pena de morte os christãos que unidos entre – Cangano Cami – Bungono Cami – Tçuximano Cami”. in A ssi inventão e tramam maldades e couzas fora de rezão. Embaixada Mártir, p. 63. Jorge de Abreu Arrimar* 3. Deram e mandaram de seus reinos sustentação aos Padres christãos 21 Ibidem, p. 64. que estão escondidos em Japão. 22 Ibidem, p. 65. Por ser verdade o contheudo nos tres capitollos asima (,) prohibe 23 Manuel Fernandes de Abreu, português de Buarcos, piloto do e manda El-Rey que daqui por diante não aja mais esta viagem e barco de regresso; Domingos de Quadros, de Macau, cirurgião; comercio, e que se (,) sem embargo deste mandado e prohibição Manuel Cardoso, de Macau, tucão ou mocadão dos marinheiros; (,) mandarem navios a Japão (,) não só serão destruídos os mesmos João Delgado, de Goa, escrivão; José da Silva, de Ragão, Bengala; navios, mas tambem todas as pessoas que nelles vierem serão Gonçalo Cardoso, de Macau; Pascoal Pires, chinês de Macau; Brás castigados com pena de morte. Tudo o asima dito hé ordem e Pereira, de Macau; António Fernandes Torga, de Macau; João Pereira, mandado expresso d’El-Rey. Oje coatro de Agosto de mil seisssentos de Diu; Miguel Teixeira, de Goa; Miguel Carvalho, coreano, natural trinta e nove anos. de Macau; Agostinho do Rosário, de Goa. Ibidem, p. 72. Canga no Cami – Sanuqui no Cami – Vouoi no Cami – Camon no 24 Ibidem, p. 90 (“Treslado da Petição”). Cami – Izu no Cami – Tçuxima no Cami”. In A Embaixada Mártir, 25 “... antes preguntarão assy aos ditos quatro embaxadores como a todos p. 50. os mais nomeados no dito Rol se querião deixar a fee lhes darião 19 O Conselho Geral do Senado da Câmara reuniu a 13 de Março de Vidas, e todos elles Unanimes cõ muita alegria, e constancia, E valor 1640. disserão por tres vezes q’ [antes] querião Morrer pella fee de Christo A Fazenda Real negou colaborar com metade das despesas, devido que professavão que deixala, o q’ ouvindo os ditos Tyranos não só à enorme dívida (perto de 400 000 taéis) de Macau ao Japão, o que mandavão degolar a todos, mas ainda queimar a ditta embarcação Em 8 de Julho de 1995 o jornal Tribuna de Macau interpretação dos seus poemas, utilizando-os como levou os vereadores a decidir nada fazer; mas em nova reunião a 18 de enq’ lá forão cõ tudo o q’ hia nella ...”. Ibidem, p. 92. dedicou uma página inteira ao Pe. Benjamim Videira opiniões, sentimentos, apreciações do seu autor sobre Maio conseguiu-se obter 6000 taéis, de empréstimos dos mandarins, 26 Celina Veiga de Oliveira, “Morra o corpo e viva a alma”, in Revista Pires que, nesse ano, a 30 de Outubro, faria 79 anos de o que via.3 de penhores e de crédito da cidade, e eleger quatro chefes da missão, de Cultura, n.º 4 (1988) p. 120. 1 com largos poderes de decisão, entre os cidadãos mais ilustres: Luís 27 Ibidem. vida e 47 anos de permanência em Macau. Também O Pe. Benjamim Videira Pires inicia a grande Paes Pacheco, Rodrigo Sanches de Paredes, Gonçalo Monteiro de 28 A Embaixada Mártir, 31. a Biblioteca Central participou com a organização de viagem da sua vida a 7 de Novembro de 1948, a Carvalho e Simão Vaz de Pavia. Como se tinha consciência do perigo 29 “Presença da cultura de Portugal no Japão, in Presença Portuguesa no uma Exposição Bibliográfica, cuja abertura contou com bordo do navio Kertosono. Chega ao destino nos finais que a missão envolvia, foram escolhidos somente cristãos baptizados Extremo Oriente, p. 30. para membros da missão, pelo que alguns tiveram de receber o 30 Henri-Irénée Marrou (1904-1977), “Comment comprendre de métier a presença do homenageado, já com a saúde visivelmente do mesmo mês e encontra Macau limpo de névoas, baptismo à pressa. Acreditava-se que estariam, assim, mais preparados d’historien?”, in Charles Samaran (ed.) L’Histoire et ses méthodes, pp. depauperada, pois estivera internado num Hospital de de cortinas soltas por uma brisa que só é fresca neste para, em caso extremo, enfrentarem a morte. 1465-1540. Hong Kong, de 17 de Maio a 3 de Junho, desse mesmo período de tempo que vai de Setembro a Novembro, 20 “... ouverão de ser condenados à morte todos os que neste navio vierão 31 Bastava a sua obra Os Extremos Conciliam-se (Transculturação em sem ficar pessoa alguma; contudo o navio seja queimado e todos os Macau), considerada por muitos a sua obra-prima, para comprovar ano. Penso que o desgaste visível da sua saúde terá levado a melhor época para se chegar, sobretudo se se partiu principais e cabeças degollados com os que os acompanharão. Mas os profundos conhecimentos de Benjamim Videira Pires, S. J., no algumas pessoas e instituições de Macau a homenageá-lo da Europa, sem se conhecer tanto calor encharcado de pera que em Macau e em seus reinos dem noticia do acima ditto, domínio da História, da Filosofia, das religiões, das ideias, da cultura um ano antes de completar 80 anos. Para essa página humidade. Com 32 anos completados no final do mês se dê vida a alguns dos criados e gente vil, e se tornem a mandar a oriental, com relevo especial para a cultura chinesa, e da História de Macao. E se por algum cazo daqui em diante mandarem algum navio Macau e das suas gentes. do jornal Tribuna de Macau foram convidados alguns anterior, a melhor prenda de aniversário que poderia investigadores e amigos seus a participarem com textos ter recebido foi a longa travessia que termina agora, no inéditos. Eu fui um deles, contribuindo com um porto da cidade do nome de Deus na China. Mas se artigo de pendor biográfico, intitulado “Pe. Benjamim esta viagem acaba agora, outra em breve irá começar, Videira Pires: de Mirandela a Macau”.2 Com base a viagem que realmente interessa, até ao final da vida, bibliografia neste artigo, noutros que, entretanto, autores diversos mais intensa, mais profunda, e que o levará a descobrir foram escrevendo sobre o mesmo tema e, também, em não só novas terras, mas sobretudo novas gentes, novas Amaro, Ana Maria. Introdução da Medicina Ocidental em Macau e as Ortega y Gasset, José. Sobre la razón histórica. Madrid: Alianza Receitas de Segredo da Botica do Colégio de São Paulo. Macau: Editorial, 1983. algumas memórias que conservo do relacionamento culturas, num rumo novo que traçará a sua realização Instituto Cultural de Macau, 1992. Pires, S. J., Benjamim Videira. A Embaixada Mártir. Macau: que tive com o homenageado, escrevi este texto menos como homem. Aresta, António. Figuras de Jade: Os Portugueses no Extremo Oriente. Instituto Cultural de Macau, 1988. formal, mais solto e até um tanto ficcionado. Ficcionado, Da amurada do Kertosono que se vai aproximando, Lisboa: Instituto Internacional de Macau, 2014. ——. “Presença da cultura de Portugal no Japão”, in Presença porque parte desta narrativa foi concebida a partir da um passageiro observa tudo através dos seus óculos de Boxer, Charles. O Grande Navio de Amacau. Macau: Fundação Portuguesa no Extremo Oriente. Macau: Instituto Cultural armação grossa, deixando-se perder nas lonjuras, em Oriente/Centro de Estudos Marítimos de Macau, 1989. de Macau, 1986. Cartas que os padres e irmãos da Companhia de Iesus escreuerão dos Pires, S. J., Francisco Videira. P. Benjamim Videira Pires, Meu Irmão. cogitação. Talvez imagine o que vai encontrar, que Reynos de Iapão & China aos da mesma Companhia da India, Macau: Instituto Internacional de Macau, 2011. * Doutorado em História Moderna (2007) e em Ciências Documentais (2013). tarefas irá desempenhar… Sabe, porque é um estudioso, & Europa, des do anno de 1549 atè o de 1580. Apresentação Samarran, Charles. L’Histoire et ses méthodes (Encyclopédie de la Exerceu o cargo de director da Biblioteca Central de Macau (1988-1998) que os tempos que correm não são tranquilos, pois e desenvolveu uma intensa actividade cultural, nomeadamente nas áreas da de José Manuel Garcia. 2 vols. Maia: Castoliva, 1997. Pléiade, Vol. XI) Paris: Gallimard, 1961. História e da Literatura. Reside em Portugal e é docente de História e Ciências ainda se fazem sentir naquela região do sul da China, Oliveira, Celina Veiga de. “Morra o corpo e viva a alma”. Revista de Sande, S. J., Duarte de. Diálogo Sobre A Missão dos Embaixadores Documentais. na extensa foz do rio das Pérolas, as réplicas do tufão Cultura n.º 4, Jan./Fev./Mar., Macau, 1988 . Japoneses à Cúria Romana. Prefácio, tradução do latim O Encontro Luso-Nipónico Ph.D. in Modern History (2007) and Library and Information Science (2013). que foi a Guerra do Pacífico. Já se informara de que —— e Barreto, Luís Filipe. . Macau: e comentário de Américo da Costa Ramalho. Macau: He served as director of the Central Library of Macao (1988-1998) and developed Comissão Territorial de Macau para as Comemorações dos Comissão Territorial de Macau para as Comemorações dos an intense cultural activity, both in areas such History and Literature. Currently milhares de refugiados tinham entrado em Macau Descobrimentos Portugueses, 1994. Descobrimentos Portugueses/Fundação Oriente, 1997. he lives in Portugal and lectures History and Library and Information Science. durante o conflito e que muitos ainda se mantinham

60 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 61 Jorge de Abreu Arrimar Subindo no Céu do Oriente

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

por ali, tentando sobreviver naquele pedaço de terra Sensível, consegue ver a terra transfigurada à e becos, onde fervilha a vida da cidade. “Vendedores ela se incrusta. E quando se deixa ir pela ponte de sob administração portuguesa. Sente que a sua acção luz do poente, uma “figura esbelta, um bago que se ambulantes gritam, na calma da tarde”, enquanto ao estrelas até se perder no alto, a poesia inunda-o como será útil àquela gente. desprende do cacho de ilhas em Delta.” E à medida longe “sonham os montes […], sob um firmamento uma onda de luz: Na sua terra natal, num remoto concelho de que se aproxima, o navio geme de um misto de fadiga que arde”. Nas horas de estio, procura a brisa fresca “Quando a primeira lua cheia do ano novo enche Mirandela, em Portugal, cedo começa a sentir vontade e de dever cumprido, convocando os passageiros para o que sopra da baía e, ao som da “algazarra das crianças, a de sonho e amor as noites de Pequim, ascende de alçar voo com as aves que cruzam o céu da sua frenesi do desembarque depois de meia volta ao mundo. lorcha que vem da pesca, nem acorda as águas mansas”. o Imperador cinquenta mil lanternas, sobre um infância, e ganhar o rumo do litoral onde o mar começa Ao largo, é fácil adivinhar a silhueta das ilhas que “são Quando os ruídos do quotidiano o perturbam, procura abeto colossal do seu jardim. […] Pela ponte e o resto do mundo se torna possível de alcançar. Viajar um colar de cristal” colocado no busto de marfim da a tranquilidade do Jardim Lou Lim Ioc, onde se faz de luz que liga as duas Ursas, viajam os heróis torna-se um objectivo, pois, para além do grande prazer “princesa oriental” que é Macau. Do navio em que viaja sentir o cheiro fresco a terra molhada e o perfume “das p’ras moradas eternas, e no parque real, até que terá em fazê-lo, sabe que pode retirar daí a grande vê navegar uma “caravela perdida nas ondas mortas do flores [que] cai em gotas da chuva recente”. Absorto, de madrugada, a China comemora a festa das lição que o fará mais universal e, por isso, mais completo mar” e descobre nela a vocação antiga de Macau. Ao não deixa de ouvir ainda “nos longes da distância, os lanternas”. como homem. Conhecer uma maior diversidade da aproximar-se da “Rada cheia de velas”, chamam-lhe a sinos pascais, da [sua] infância”. E o Outono macaense ao chegar, melancólico natureza, das civilizações e das raças é um dos seus atenção algumas delas que se assemelham a grandes asas Do palco da vida passa ao palco da ficção, com como o são todos, é cantado com versos que se molham interesses maiores e sabe que, quando tudo isso for de morcego, asas que fazem voar os juncos pelo mar a adaptação livre para o teatro de um artigo que lê de uma lírica curta e densa, deixando no ar uns laivos de alcançado, se ampliará o espírito com o conhecimento fora. O sol, a cair no horizonte, “espalha-se em riso”, no Mission Bulletin,5, do que resultam duas pequenas haiku: “Ao relento, um som ouço com tristeza: pedras maior, original e intuitivo, da beleza da Criação. fazendo brilhar ao longe os vidros das janelas, como se peças, “Liberdade de Consciência” e “Fé como Grão de majong a bater na mesa”. Interessado pelo ensino, intui que “nenhuma escola o centenário farol da Guia se tivesse multiplicado por de Mostarda”. Esta é um acto histórico, baseado na Quanto à história, que muito interessa ao ministra ensinamentos mais concretos e saborosos mil. Já quase a lançar ferros, do navio é possível perceber realidade política e religiosa vivida pelos chineses durante espírito rigoroso e objectivo de Videira Pires, começa sobre todas as ciências do que uma viagem”.4 E por o perfil da península onde a urbe se inscreve, abrindo- o advento do maoismo, numa denúncia da intolerância logo a revelar-se na qualidade das notas de viagem isso sente logo à chegada uma instintiva simpatia pela se como um” leque de missangas”. Alma de trovador, e das perseguições religiosas na China desses tempos. que vai apontando no seu caderno, durante os dias cidade que o aguarda e que fora a grande motivadora já sabe que ali, na cidade para onde vai, encontrará o Do teatro passa à poesia com Jardins Suspensos,6 que que se acumulam enquanto não chega ao destino… da aventura que está em vias de começar. Macau vate maior revestido em bronze, “Camões, soldado e publica em 1955, e Descobrimentos: Poesias, em 1958. embora confesse que, apesar de não “pretender compor aparece-lhe ao longe como um “mirante de sonho”, poeta, vigia[ndo] a noite calada: uma das mãos toca Poemas soltos são publicados mais tarde, entre 1974 e história”, quer, todavia, esforçar-se “por ser o mais do qual de debruça para perscrutar os horizontes a lira e a outra segura a espada”. É o canto patriótico 1975, no jornal Confluência. Com Espelho do Mar, seu exacto possível, na observação pessoal, no informe, longínquos, onde pensa que se escondem, “nas pregas a fazer-se ouvir e a famosa Gruta de Camões será, na terceiro e último livro de poesia, saído a público em no estudo e na transcrição”. Rigor, objectividade e dos […] montes” os vestígios de antigas façanhas lusas. longa estadia de quase meio século que se irá seguir, 1986, Videira Pires ganha definitivamente lugar entre honestidade intelectual são algumas das características Quando o seu olhar esvoaça sobre o estuário, sente um um dos seus pontos de referência, sobretudo quando os poetas de Macau, encontrando-se referenciado em que passarão a marcar a sua carreira de investigador. arrepio de um inusitado pundonor e esboça uns versos a inspiração poética o tocar como as nuvens baixas e Trovas Macaenses,7 Antologia de Poetas de Macau,8 Poetas E é na revista Religião e Pátria11 que encontra o que o fazem sentir-se bem: “Rio da Pérola, Rio que carregadas tocam “os montes suaves [onde em cada Portugueses de Macau9 e Poets of Portuguese Asia: Goa, suporte para os seus primeiros textos do género.12 O mais pareces o mar. Jorge Alváres foi o primeiro, que um] desponta uma ermida”. Se para a poesia é a Gruta Macao, East Timor: A Bilingual Selection.10 E a marca interesse, já quase fascínio, que a civilização chinesa chegou pr’a ficar”. Não se esquece o poeta de outras de Camões, para a história, para o ensino e a para a poética deste autor diversifica-se, numa demonstração lhe desperta, faz com que, pouco tempo após a sua figuras da expansão marítima, de “outros lusos [que] religião, “as Ruínas de S. Paulo, voltadas ao mar sem da sua capacidade de compreender o outro, através de chegada a Macau, se dedique a aprender chinês. Sabe aportaram, com as naus da iniciação”, como Fernão fim, [como] a face de Cristo, no sudário de Turim”, objectos e símbolos que vai buscar à cultura chinesa, que estes conhecimentos se irão revelar muito úteis, não Mendes Pinto que “teve a sina de Quixote universal”, serão o símbolo maior que o guiarão enquanto viver. esta cultura que cada vez mais lhe chama a atenção e somente para o exercício das suas actividades religiosa e de Tomé Pires, enviado do rei D. Manuel de Portugal Os primeiros anos são de intensa adaptação, o surpreende. Por isso o vemos cantar Macau, já não e pedagógica, como também para o desenvolvimento ao celeste imperador, que “escreveu a obra Summa reconhecimento do terreno e das suas gentes. Sente com os olhos de quem acaba de chegar, mas com a dos seus trabalhos de investigação histórica. Oriental chama[ndo] a Macau ‘Espelho do Mar’ - Oi- prazer, misturado de alguma fadiga, ao subir ao farol sensibilidade de quem está para ficar. A lua é já outra, De personalidade discreta, o Pe. Benjamim -kém [, ele que] viu a síntese do mundo, primeiro do da Guia “sem [lhe] vir mal de tontura” e lá medita diferente da que via na sua terra, com outros rostos, Videira Pires torna-se um vulto marcante da vida cultural que ninguém”. E, se o rei da China morre em Pequim como “os homens vistos de cima, são todos da mesma com outros significados: de Macau na segunda metade do século xx. Com uma e em Cantão fica preso o embaixador, “um nenúfar, em altura”. E continua, por muito tempo, a sentir o espanto “Primeira lua de Outono, que navegas nos vida consagrada à actividade religiosa, ao estudo da flor, paira no mar de Ling-ting”. O recém-chegado é dos primeiros dias, sobretudo quando deambula pela espaços, nas lanternas das crianças, caíste à terra história de Macau e da presença portuguesa no Extremo um português orgulhoso do seu passado e da herança cidade que quer cada vez mais sua. Por isso já matou em pedaços! Como leque de missangas, abriu-se Oriente e à criação literária, é um erudito afável e histórica que assume como um legado do seu país a sede na “água fresca do Lilau”, como o fizeram a noite em Macau. Lua cheia em miniatura, é um tolerante que, na esteira da melhor tradição intelectual repartido pelo mundo. Convicto da gesta heróica dos “Pinto e Camões [que] vieram com a Dinamene e o bolo bate-pau. Os planetas e as estrelas dançam à dos jesuítas, é autor de uma obra de muita qualidade. seus antepassados, vê Macau como o “Padrão glorioso Jau”. Videira Pires sente que o alento que lhe chega de roda da lua [e] jovens de balões acesos, rodopiam Nela evidencia-se um “humanismo compreensivo da descoberta final…”, e acredita que “se mais mundo longe é o mesmo dos “outros lusos [que] aportaram, pela rua”. na análise da pluralidade civilizacional, bem como houvera, lá chegara Portugal!”. É um homem do seu com as naus da iniciação”. E vai-se deixando perder Mas não só a lua desta cidade (en)canta o poeta; o pioneirismo e a originalidade na abordagem de tempo à chegada. Sê-lo-á também à partida? pelas praças, largos e pátios; pelas ruas, travessas, vielas também o fascina a que banha o país imenso em que algumas temáticas complexas da história de Macau.”13

62 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 63 Jorge de Abreu Arrimar Subindo no Céu do Oriente

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

O seu prestígio intelectual e alunos a fazer visitas de estudo, notas valor como investigador levam- dando-lhes a “oportunidade -no a ser membro de diversas de ir […] à praia de Hac Sa, 1 Nasceu em Torre de Dona Chama, Mirandela, a 30 de Outubro de 12 “Macau e os jesuítas” (Out.1955); “A acção dos jesuítas (Jul.1956); associações (Instituto Histórico em Coloane, para andar[em] 1916. Aí faleceu, a 10 de Janeiro de 1999. “Pintores jesuítas em Macau” (Set.1956). 2 Disponível também no jornal online “DouroPress”. 13 António Aresta, “Benjamim Videira Pires, um educador português Ultramarino, International de cócoras no chão, a escavar 3 Convém alertar para o seguinte: embora cite os poemas de Videira em Macau”. Administração - Revista da Administração Pública Association of Historians of a areia à procura de objectos”, Pires na forma habitual, i. é, entre aspas, colocando entre parêntesis de Macau, n.º 45, 1999-3º, pp. 699-709. Asia, sócio correspondente da que serviriam para estudar a rectos as letras e/ou palavras que não estão no original (e que servem 14 Nomeadamente nas publicações seguintes: revista semanal Religião mais como elemento de ligação ou de clarificação), os poemas vão e Pátria (1956-1968); Enciclopédia Luso Brasileira, da Verbo; Academia Portuguesa da História, história de Macau. Ao mesmo aparecendo de uma forma livre no evoluir do texto, sem preocupações colaboração em revistas e jornais como a Brotéria, Mensageiro do membro efectivo da Academia tempo que orienta as escavações, de os manter no formato original. Coração de Jesus, Mensageiro de Maria”, Magnificat”, A Ordem, Notícias da Marinha) e merecedor de Videira Pires vai explicando que 4 Padre Videira Pires – “nota introdutória” ao livro Meia Volta ao Mundo de Macau (a série “Névoa sobre a Cidade”, editoriais, etc.), Confluência (1958), escrito com base nas notas que o autor foi tirando na viagem (colaboração em todos os números sem a sua assinatura), O Clarim, medalhas honoríficas, como as as pedras são muito importantes que o levou a Macau, dez anos antes. Jornal de Macau (colaboração nos primeiros anos), etc. da Ordem de Vasco da Gama, como sentinelas do passado e 5 Publicado em Hong Kong, em Março de 1954. 15 Ocupava, nessa altura, o rés-do-chão da casa n.º 29 da Rua Pedro da Ordem Militar de Santiago que nas “antas e nas estelas, são 6 Jardins Suspensos foi traduzido em japonês pelo Dr. Shigeru Otake, da Nolasco da Silva. Universidade Sofia de Tóquio. Mais tarde, veio a ser objecto deuma 16 A fragilização da sua saúde, verificada em meados dos anos 90, do de Espada, entre outras. Do eternidade. [As] pedras são a tese de licenciatura numa universidade japonesa. século passado, e cujo pico aconteceu em 1995, foi envolvida por um acervo documental existente na alma do mundo, e este o centro 7 Coordenação de João Reis (Macau: Mar-Oceano, 1992). ambiente perturbado e de contornos pouco definidos, que levaram Biblioteca Central de Macau, da cidade”. No Instituto, o Pe. 8 Coordenação de Jorge Arrimar e de Yao Jingming, Macau: Instituto à sua aposentação e depois o regresso à sua terra natal, onde viria a Camões / Instituto Cultural de Macau / Instituto Português do falecer, em Janeiro de 1999, com 82 anos de idade. consta um número importante Videira Pires interfere pouco com Oriente, 1999. 17 António Aresta, “Benjamim Videira Pires, um educador português de livros e de artigos de sua “as aulas dos professores [e] com 9 Coordenação de Christopher (Kit) Kelen e Lili Han (Macau: em Macau”, cit., p. 706. autoria e, em Outubro de 1992, os alunos, especialmente com Association of Stories in Macao, 2009). 18 Francis Choi Chi U, “A luz da minha vida rica”. Disponível em: 10 Coordenação de Frederick G. Williams (Provo, Utah : Brigham Young http://www.plataformamacau.com/seccoes/opiniao/a-luz-da-minha- pela comemoração do seu 76.º as actividades extracurriculares University Studies, 2013). -vida-rica/. Segundo o próprio Francis Choi Chi U, foi o Pe. Videira aniversário, foi publicado um destes […]. Havia alunos de 11 A revista semanal Religião e Pátria foi durante doze anos (1956-1968) Pires que lhe recomendou que frequentasse “a disciplina de Educação catálogo com esta informação bibliográfica. Contudo, topo e alunos menos inteligentes […], era realmente publicada sob a direcção de Videira Pires. Foi a partir dela que Luís Moral [e que, após] “cuidada consideração, ele próprio [o] batizou, Gonzaga Gomes organizou a Bibliografia Macaense. tonando-[o] assim católico”. a obra deste autor é muito mais vasta e encontra-se uma educação para todos”. E esta liberdade, tão pouco bastante dispersa.14 Sabe-se, contudo, que tem havido habitual nos estabelecimentos de ensino daquela época, alguns esforços no sentido de a reunir e publicar. atrai professores para o Instituto, alguns com prestígio, Como educador, a sua maior obra foi a criação do “elevando consideravelmente o nível de educação da Instituto D. Melchior Carneiro,15 a 4 de Setembro de escola e aumentando potencialmente a competitividade 1961, com 41 alunos na 1.ª classe do curso primário e dos estudantes pobres”.18 Pelo seu lado, o próprio uma professora, e do qual foi director por mais de trinta director do Instituto ao granjear notoriedade como anos, até 1995.16 Aos poucos, transformar-se-ia numa intelectual e investigador, aumenta o prestígio da das mais procuradas escolas particulares do território, instituição que dirige. Pela sua profundidade e rigor “disputando com o Colégio Yuet Wah (Salesiano) a histórico, obras como Embaixada Mártir (1965), Os primazia da excelência educativa”.17 Francis Choi Chi Extremos Conciliam-se (1988), Portugal no Tecto do U, um dos seus primeiros alunos, nascidos nesse mesmo Mundo (1988), A Vida Marítima de Macau no Século ano e que, em 1964, dá entrada no Instituto, recorda XVII (1993), Taprobana e Mais Além (1995), passam que, “quando estava no jardim de infância, havia um a constituir parte significativa do património cultural estrangeiro que usava óculos de armação grossa, que português. costumava patrulhar os corredores” e era apresentado por alguns professores como “o nosso presidente”. Era “o português Padre Benjamim Videira Pires [que] fundou o Instituto […], uma instituição grátis para que as famílias pobres também pudessem usufruir de Nota do Autor: Título obtido a partir dum verso do poema “Lua educação”. Por vezes o Pe. Videira Pires levava alguns do Bate-Pau”, de Benjamim Videira Pires.

64 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 65 Benjamim Videira Pires, SJ: IN MEMORIAM Benjamim Videira Pires, SJ: IN MEMORIAM

Pensamento e Acção de Benjamim Videira Pires em Religião e Pátria

Jorge Bruxo* e Maria de Lurdes N. Escaleira**

À laia de introdução podemos afirmar que, Em Macau, além do seu munus sacerdotal e do notável I. entre os anos de 1948 e 1998, viveu em Macau trabalho pedagógico como professor e director de um jesuíta chamado Benjamim António Videira Pires instituições de ensino, BVP cultivou o trabalho literário (BVP). Macaense por um lustro, este como outros e a investigação histórica, tendo parte importante desta transmontanos,1 durante uma boa parte do século obra sido publicitada pela vez primeira em Religião e passado testemunhou o que foi neste rincão do Oriente Pátria (R&P). sofrer os efeitos da Segunda Guerra Mundial, das Esta revista foi, durante um largo período do guerras da Coreia e do Vietname e também da guerra século xx, um marco cultural e fonte inspiradora da civil chinesa, culminando esta com a subida ao poder comunidade portuguesa do Macau daquele tempo. do Partido Comunista Chinês e com a retirada para Desse instrumento editorial se utilizou BVP para Taiwan do Kwomintang, sem esquecermos os tempos dar à estampa alguns dos frutos do seu incansável e da Revolução Cultural Chinesa, de que decorreu em persistente trabalho de pesquisa em arquivos, livros, e Macau o “1, 2, 3”,2 nos anos sessenta do século xx. locais históricos, mas também de criação literária e de redacção de monografias e artigos especialmente sobre os portugueses no Oriente e as circunstâncias em que foi propagada a mensagem evangélica, sempre em * Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, institucionalizada ligação com os ideais de lusitanidade. concluiu o mestrado em Língua e Cultura Portuguesa na Universidade de Macau, 3 sendo actualmente docente do Instituto Politécnico de Macau. Publicou, como A sua vasta e rica biografia revela o seu intenso autor ou co-autor, vários artigos e livros, como Padre Joaquim Guerra, Uma labor como excelente poeta e prosador da língua Biografia Intelectual (2004). portuguesa, historiador e educador, traduzindo-se na Graduate in Law from the University of Lisbon, M.A. in Portuguese Languagea nd profícua obra que nos deixou como tesouro literário Culture from the University of Macau, currently he lectures at the Macao Polytechnic Institute. He has authored and co-authored several articles and books, namely Padre para as gerações presente e futura. No que concerne Joaquim Guerra: Uma Biografia Intelectual (2004). à educação, merece especial destaque a obra em prol ** Docente do Instituto Politécnico de Macau desde 1994, é licenciada em da educação dos jovens de Macau, tendo fundado Filosofia, licenciada e mestre em Administração Pública e doutorada pela o Instituto D. Melchior Carneiro, uma instituição Universidade do Porto. É autora de vários artigos e do livro Ensino da Tradução em Macau: Dos Curricula Propostos à Realidade de Mercado (2013). educativa de referência, e da qual foi director desde 4 Currently lecturing at the Macao Polytechnic Institute, she has a degree in Philosophy a sua fundação em 1961 até 1998, quando após um and also a degree and M.A. in Public Administration. She obtained her Ph.D. degree triénio rocambolesco, se retirou para Torre de Dona from the University of Oporto. She has authored many papers, articles and the book Ensino da Tradução em Macau: Dos Curricula Propostos à Realidade de Mercado Chama, sua terra natal, em Trás-os-Montes, no Norte (2013). de Portugal.

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

Religião e Pátria5 (1914-1968) é uma revista para ser encadernada por volumes anuais. As capas É notório o esforço não só para conseguir outros que revelam a marca indelével da conjuntura em II. portuguesa no Extremo Oriente, que atravessa apresentam litografias com imagens simples e ingénuas financeiramente manter o projecto de publicação de que foram produzidos. parte significativa do século xx e revela aspectos e, algumas vezes, fotografias de pessoas notáveis, de R&P, mas também para reunir um número suficiente Os editoriais tinham a Moral, o Evangelho, importantes da diáspora lusíada, não só em Macau, acontecimentos e de paisagens, de monumentos e de artigos e outros textos, pelo que, por vezes, é o a Pátria, e o cumprimento do dever como temas mas também em Hong Kong. documentos históricos e, por vezes, até poesias de BVP. próprio director que traduz, adapta ou redige algumas recorrentes, podendo distinguir-se alguns que Fundada em Maio de 1914, na cidade de Hong Nos últimos cinco anos deste período a R&P assumiu histórias, contos, notícias, como é o caso de “A Igreja constituem mensagens sociais, outros de cariz religioso Kong, por José Maria Gonzaga Pereira,6 um ilustre uma feição mais popular.11 Ao longo destes 13 anos do Copo de Água” de Ry de La Torche16 e notícias e outros eivados de patriotismo ou revelando aspectos macaense radicado nessa então colónia britânica, é, adoptou dois tipos de formato, muito próximos de internacionais, assinando com as abreviaturas B e BV, de política local, nacional ou até internacional. inicialmente, uma publicação mensal7 destinada à meia folha A4. com o pseudónimo “Missus”, havendo ainda muitos Frequentemente, os editoriais ajustavam-se aos comunidade portuguesa de Hong Kong,8 na qual se A administração da revista não foi tarefa fácil, na textos não assinados, mas que iniludivelmente saíram tempos litúrgicos, relacionando-se com as leituras pretendiam manter acesos os ideais do catolicismo e medida em que as fontes de receita eram escassas, pois da pena de BVP. evangélicas das liturgias dominicais correspondentes da lusitanidade. O Pe. Manuel Teixeira caracteriza-a as receitas provenientes das vendas e das assinaturas Religião e Pátria é um projecto empenhadamente à data da publicação de R&P ou da quadra festiva como “revista mensal, católica, patriótica e noticiosa”. não cobriam os encargos de produção e distribuição, assumido por BVP durante cerca de 13 anos, facto do momento da publicação, como Natal, Páscoa, ou E assim se mantém, com um hiato de seis meses, até e o património legado pelo fundador desvalorizou-se evidenciado pelo número de entradas, pelas opções Aparições de Fátima. A devoção a Maria, Mãe de Jesus que, em Dezembro de 1927, de acordo com a vontade completamente no tempo da ocupação nipónica de editoriais e por factos óbvios, como a publicidade Cristo, está patente em vários editoriais e em artigos onde testamentária do seu fundador, falecido em finais Hong Kong (1941-1945). Mesmo com os pagamentos constante aos seus livros, bem como a não publicação mostra o quanto Portugal e Macau devem à protecção do mês anterior, a propriedade, bem como algum da publicidade, que era muito pouca, os proveitos da revista durante algumas das suas ausências de Macau, da sua Padroeira, invocada como Senhora de Fátima, ou património para garantir a sua sustentabilidade, são continuavam a ser insuficientes, sendo frequentes os como em 1956 devido a um retiro ou, em 1958, por Senhora da Conceição, enaltecendo o valor da reza do transferidos para os Jesuítas Portugueses, assumindo apelos a donativos e à angariação de novos assinantes. ocasião de uma ida a Timor. terço. É o caso dos editoriais “A mensagem de Fátima” e o cargo de director o Pe. João de Deus Ramalho,9 que Recorria-se então, suplementarmente, às doações Sem dúvida que BVP assume R&P como uma “Sou filho de Maria” e de outros publicados em R&P e, durante algum tempo fundiu a R&P com a revista de novos benfeitores, cujos nomes eram publicados missão, visto que considera que um jornal católico é posteriormente, incluídos em A Mulher Venceu.20 mensal Ecos da Missão de Shiu-Hing, situação que se na revista, numa espécie de quadro de honra e uma forma de “expressão do pensamento católico acerca Em “A riqueza e o católico” e “A riqueza e o manteve até Maio de 1928, data em que, nas palavras reconhecimento. E dessa forma de reconhecimento dos acontecimentos contemporâneos, participação evangelho”21 afirma que esta é apenas um meio para do Pe. Manuel Teixeira, “o editor dos Ecos restituiu decorre que o maior benfeitor foi o Dr. Pedro José nos grandes debates políticos, sociais, económicos e alcançar o objectivo da vida terrestre: a salvação da à Religião e Pátria a sua independência”. Em Maio Lobo, como também é claramente expresso por BVP em culturais como também na informação popular e na alma, porque Deus é o único fim de tudo. de 1931, a revista passa a sediar-se em Macau, no “Homenagem de saudade e esperança”, publicada por difusão de notícias. BVP considera que o jornalismo A nível da realidade social revela um bom Seminário de São José, tendo a direcção sido assumida ocasião do falecimento desta figura pública de Macau.12 cabe perfeitamente nas tarefas do apostolado.”17 conhecimento do quotidiano macaense e mostra os pelo Pe. Elias Marçal Pequito até 28 de Abril de 1934 e, A revista, como todas as publicações do seu Francisco, irmão de BVP, referindo-se a R&P, erros em que, na sua perspectiva, as pessoas incorrem a partir dessa data, pelo Pe. Manuel Fernandes Ferreira. tempo, estava sujeita à censura oficial e, em simultâneo, qualificou-a como “órgão da Ordem, como veículo ao esquecer a moral cristã, apontando sempre que o Ainda segundo o Pe. Manuel Teixeira, “durante a guerra à censura eclesiástica, esta porventura mais sob a forma das suas obras apostólicas, nomeadamente Apostolado caminho a seguir é amar a Deus e a Pátria, educar os do Pacífico, 1941-1945, a Religião e Pátria lutou com de autocensura. da Oração, procurou rasgar-lhe abertas para toda a filhos na religião cristã, seguir os ensinamentos da Igreja grandes dificuldades, mas aguentou-se. A 9 de Maio de Os colaboradores de R&P eram em parte padres cultura universal, caldeada na frágua do Evangelho. e promover a defesa da família, como fundamento da 1948 ficou director e editor”10 o Pe. António Bernardo católicos, como são os casos de Manuel Teixeira, Fugindo, porém, a tudo que rescendesse a incenso de sociedade e do desenvolvimento da própria comunidade Gonçalves, que, em 21 de Fevereiro de 1955, parte para Joaquim de Jesus Angélico Guerra e Anacleto Pereira sacristia. Cria secções novas. Com apanhados muito eclesial. Goa, sendo no número 5, de 6 de Fevereiro de 1955, Dias e por outro lado de familiares do director, completos do noticiário local e internacional, uma No editorial “A Paixão de Cristo, em Macau”22 que BVP surge pela primeira vez como director e editor destacando-se, entre estes, os seus irmãos.13 Mas, por secção juvenil, outra recreativa, os seus fundos, variando descreve a Procissão das Dores e exorta à conversão da revista e, no mesmo ano, em 5 de Junho, aparece vezes, a edição socorria-se de textos, nomeadamente entre problemas circunstanciais de religião e cultura de Macau. Em alguns editoriais são abordados temas também como proprietário. entrevistas e artigos já anteriormente publicados geral, embora anónimos ou assinados pela inicial B, políticos que procura desenvolver numa óptica crítica, BVP assume o projecto editorial Religião e Pátria, em revistas, como Magnificat, ou em jornais, como impõem-se logo pela mestria pensante, bem como mas sempre com vista à sustentação e defesa da doutrina de 1955 a 1968, e aí publica parte dos seus trabalhos Novidades ou Debate.14 Em alguns números insere a também pelo estilo muito limpo.”18 social, política e religiosa oficialmente assumida pela jornalísticos, literários e históricos, alguns deles publicação de documentos históricos encontrados nos Igreja Católica e também pelo Estado Português. posteriormente editados em separata ou reaproveitados arquivos, como é o caso de “Catálogo dos missionários”, Os editoriais19 de Religião e Pátria, do período A consonância de R&P com a política ultramarina para serem integrados em livros. “A embaixada mártir: De Macau a Nagasáqui, em III. em análise, são, na sua larga maioria, assinados portuguesa de então é evidente em várias afirmações e Durante o período em análise, de 1955 a 1640. Dois importantes documentos inéditos e três por BVP e mostram alguém preocupado com os na transcrição de discursos do então Chefe do Governo 1968, a revista apresenta uma continuidade no seu documentos Inéditos de Macau”.15 Quanto às notícias problemas do seu tempo, tratando-se de escritos que se de Lisboa, Professor António de Oliveira Salazar. Por grafismo, com capa em papel diferente das folhas internacionais, o director e editor da revista recorre, lêem com agrado e de, apesar de situados num tempo exemplo, são transcritos o discurso de 30 de Novembro interiores, seguindo uma paginação por cada número principalmente, às informações da ANI, um serviço concreto, apresentarem aspectos que podem considerar- de 1967, intitulado “A política de África e os seus erros” e, posteriormente, anual, com vista a estar preparada oficioso do Governo Português. -se marcados por uma certa intemporalidade, havendo e o discurso de Salazar em Braga.23

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

No seguimento da linha editorial anterior, a (luteranismo, calvinismo, anglicanismo). Em “Crime de BVP pergunta: quantas pessoas não pisam o sangue de consequentemente, um corporativista convicto, muito Revista veicula uma forte e clara crítica ao comunismo, lesa-majestade” debate o relacionamento do budismo Cristo nestes bailes por culpa de outros que vão em próximo do integralismo lusitano. considerando-o como “a destruição completa da vida e do cristianismo no Vietname, em “O Cristianismo moda, cinemas, reuniões e bailes. Em “O conceito cristão de propriedade”44 humana, em benefício de uma quadrilha,”24 publicando na China”31 afirma-se essa ideia de diálogo inter- Em “Haverá Santos entre as crianças”38 defende escreve que “os recursos imensos do universo não se notícias, quase sempre comentadas, para comprovar -religioso. Este artigo está dividido em três épocas: I – que a santidade “não é um privilégio da idade adulta”, destinam apenas à utilidade de alguns privilegiados, esta posição política. Nestoriarismo e os Franciscanos; II – Os Jesuítas sob o dando vários exemplos de crianças que se tornaram mas de todo o género humano. Nenhum direito de Por vezes nos editoriais estabelece-se uma ligação Real Padroado de Portugal; III – Os Tempos Modernos. santas e que devem servir de exemplo para todos. propriedade particular deve prevalecer contra esta entre política e religião, como é o caso dos editoriais A exortação à participação dos fiéis e o seu Sobre a morte em “Pagem da corte do Céu”39 função primordial da riqueza. Mais, a propriedade intitulados “Crise de religião. Crise de autoridade”, papel na difusão da fé católica são uma preocupação afirma que “a morte cristã não é um fim em si mas particular não se justifica senão enquanto permite “Patriotismo e religião”, “A Igreja e o Estado na constante, tendo afirmado que as doutrinas do Concílio um meio para chegar à vida verdadeira, a de Deus” assegurar uma valorização e distribuição mais ordenada esfera das suas competências” e “O poder civil e o Vaticano II têm de passar do papel à prática.32 É, porém, e para isso é preciso que saibamos fazer a escolha das riquezas destinadas à utilidade de todos. Aos eclesiástico”.25 no muito extenso artigo “Deus existe”33 que passa em certa, porque “apenas entramos na vida, logo dois responsáveis pelo bem comum da sociedade humana Também nos surgem editoriais onde, baseando-se revista a tese de vários estudiosos da Grécia antiga, da caminhos se abrem diante dos nossos passos cheios compete tomar todas as medidas eficazes para que o em factos históricos ou na sabedoria popular26 dos povos China, do Egipto, e de outros, para provar, segundo a de alvoroço: o caminho da terra, com todas as suas direito de propriedade privada sirva para a prosperidade de Portugal e da China, discorre sobre um determinado voz da ciência, do coração e da moral, a existência de comodidades materiais, prazeres animais, riquezas e da comunidade e não para o seu depauperamento. Para assunto. Camões é tema de vários editoriais, como: Deus, o que em seu entender até é evidenciado pela honras efémeras; e o caminho do Céu, semeado de este trabalho ingente é naturalmente indispensável “Presença de Camões”, “4.o Centenário da vinda de própria existência da palavra Deus na grande maioria asperezas, mas orvalhado de consolações indizíveis”. o concurso de todos, sobretudo dos sacerdotes e Camões a Macau”, “O chamamento do mar”, “Camões, das línguas. O primeiro leva o homem ao Inferno enquanto o educadores formando a consciência das massas nas poeta da fé” e “Camões – Portugal” e “A lição de moral As preocupações relativas ao desenvolvimento segundo o conduz ao Paraíso. três virtudes basilares: justiça, caridade e liberalidade.” de Os Lusíadas”.27 social, de acordo com os arquétipos católicos, são Política, como ideologia a ser propagandeada, Filosofia é uma área onde podemos constatar A análise dos editoriais revela que BVP é um transmitidas em artigos vários, como “A doutrina social está sempre presente em R&P. É o caso do artigo “O a abordagem de questões diversas com referência a homem detentor de uma cultura geral vasta e sólida, da Igreja e “O liberalismo católico ou meditação sobre nacionalismo de Fernando Pessoa”40 onde considera várias correntes filosóficas, indo desde os essencialistas que, a partir de factos históricos, teorias filosóficas, Nicodemos”.34 que, politicamente, o poeta caminhou na linha do aos existencialistas. E se é certo que vai mostrar-se obras literárias, contos populares, doutrinas sociais, No artigo “Livros proibidos”35 analisa as três nacionalismo puro, embora do ponto de vista religioso alinhado com o pensamento oficial da Igreja Católica políticas e religiosas, constrói mensagens de apologia e atitudes sobre a proibição dos livros pela Igreja Católica, se tenha afastado do catolicismo, chegando a equiparar e o existencialismo cristão de Marcel Mauss, não deixa exortação ao cumprimento da moral cristã, dos deveres através do Santo Ofício: Primeira - Acatamento Cristo a um dos deuses fabulosos do Olimpo. de abordar Jean Paul Sartre, embora com o objectivo de patrióticos e dos bons costumes. por decisão pessoal, livre e consciente; Segunda - Há um ataque ao comunismo, como em dele e de outros de igual teor justificadamente discordar. A preocupação de transmitir os ensinamentos da Desobediência por católicos inconscientes ou com “Enquanto o Kremlin sorri”41 onde alerta para a Neste seu artigo publicado sob a epígrafe de “Editorial religião cristã, dando orientações sobre a forma como formação deficiente; Terceira - Contestação por aqueles “ofensiva de amabilidade e sorrisos” iniciada pelo (Existencialismo e Cristianismo)”, questiona se “será os cristãos devem viver, levam-no a reunir alguns textos que se consideram auto-suficientes, não reconhecendo comunismo internacional após a Conferência dos o existencialismo conciliável com o cristianismo e, publicados em R&P e a editá-los sob o título Pregai o à Igreja nenhuma competência para condenar livros e Quatro Grandes (Genebra 18-23 de Julho de 1955), consequentemente, será admissível um ‘existencialismo Evangelho,28 tendo como propósito servirem de base de proibir ou condicionar a respectiva leitura. Esta ideia de e questiona: “Que significa porém esse sorriso? cristão’” e se “será possível afirmar-se que o cristianismo apoio a homílias das missas dominicais e de festividades classificar os livros, de acordo com padrões morais, leva a Sinceridade ou perfídia?”, transcrevendo factos para é um existencialismo”. Para responder a estas questões religiosas. que, a partir de 1955, BVP inclua em R&P uma secção concluir e exortar para que as pessoas não sejam não perde a oportunidade de invocar a Encíclica intitulada “Lápis Vermelho” (ficheiro moral de autores e ingénuas e não se deixem “fascinar nem iludir por esses Humani Generis do Papa Pio XII. Esta era uma temática Os conteúdos de R&P da autoria de BVP, livros), onde faz uma análise de livros, dividindo o artigo ‘sorrisos’” . que o preocupava tendo publicado outros artigos sobre IV. para além dos editoriais, incluem uma em três partes: biografia do autor da obra em análise, De modo similar, ataca a maçonaria e o este assunto, como “Humanismo cristão e humanismo vasta produção literária e de investigação histórica,29 qualidades e defeitos e juízo moral das obras principais.36 espiritismo. Sobre este último, podem ver-se artigos existencialista”.45 debatendo temáticas que vão desde a religião, à filosofia, Também os filmes são objecto de classificação moral, como “A grande espírita” e “A origem dos espiritismos”. As discussões filosóficas são oportunidade para à história e à literatura, mas também notícias de Macau, referindo se estes são aconselháveis para crianças, jovens, Relativamente à maçonaria, entre os vários artigos um debate que tem por finalidade afirmar um certo de Portugal e do estrangeiro, extractos do Boletim famílias, adultos ou não devem ser vistos. que se lhe referem, cita-se “A Maçonaria e os seus aspecto religioso, como acontece em “O que é a Oficial da Província de Macau, passatempos e diversões. A ideia de castigo para os que não seguem os rebentos”.42 liberdade?” onde discute os três conceitos de Liberdade: A religião e as doutrinas da igreja constituem princípios da religião cristã é uma constante, como Em “S. Tomás e Rousseau”43 sublinha que, de Primeiro, o “direito de fazermos o que nos apraz ou assunto que, para além do que foi escrito nos editoriais, em “O primeiro baile”,37 um texto demasiado duro e acordo com as doutrinas tomistas, o poder deve ser apetece, que mais não é que libertinagem, representando é tratado em vários artigos sobre o pensamento católico, impiedoso para com uma jovem que é obrigada pela exercido pelos sábios e virtuosos, contradizendo as a desgraça da vida social, do progresso, da civilização, ou melhor sobre as doutrinas oficiais da Igreja Católica. mãe a ir ao baile de um clube com um vestido decotado doutrinas decorrentes do contrato social, segundo da pátria, da família e do próprio indivíduo que a Estas temáticas levam-no a publicar vários artigos, e que, apesar de ela não ter pecado, apanha um resfriado Rousseau, da democracia dos números, da lei da procura deificar”. Segundo, a “Liberdade maquinal e versando o cristianismo, o budismo, o protestantismo30 e tem que ir para casa onde delira com febre e remorsos. força de Proudhon e da plutocracia. Afirma-se, sem vida i. e. o direito de fazermos aquilo que somos

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

forçados a fazer, liberdade totalitária que destrói a A literatura portuguesa é objecto de estudo por BVP relata as suas impressões da viagem de Agosto a (“Antologia da poesia nova da China”, “Os alvores liberdade individual e a personalidade humana, a BVP, tendo publicado vários artigos em R&P sobre Outubro de 1965. da poesia chinesa”, “Renascença literária na China, favor do Estado”. Terceiro, “o verdadeiro conceito de esta temática, como por exemplo, “O nacionalismo A poesia de BVP, mostra-se em trabalhos 1917-1950”).57 liberdade é o direito de fazermos aquilo que devemos de Fernando Pessoa,” artigo em que assinala que que revelam a sensibilidade e profundidade deste Na “Antologia da poesia nova da China, que fazer, é obedecer espontaneamente à lei de Deus, escrita Teixeira de Pascoais chegou a negar a Fernando Pessoa transmontano, no seu arreigado apego a valores que lhe afirma tratar-se de “uma pequena amostra da vitalidade na consciência e explicada pela Revelação do Antigo e a qualidade de poeta e que mesmo alguns admiradores foram incutidos no berço mirandelense e nos colégios e elevação da poesia chinesa actual”,58 refere-se aos Novo Testamento”. Conclui que “a liberdade é o amor como Casais Monteiro e Gaspar Simões subestimaram portugueses e espanhóis que frequentou antes de se seguintes poetas: Siu Tchemo (1895-1931), Wen Yito de Deus sobre todas as coisas e o amor de todas as coisas a obra A Mensagem.50 Sobre a qualidade artística e o radicar em Macau. Tal como o transmontano Miguel (1898-1946), Pien Tchelin (1910), Fong Tche (1905), segundo a vontade de Deus. Os santos são os homens nacionalismo de Fernando Pessoa, BVP não tem a Torga, também a poesia de Videira Pires denota alguns e Ai T’sing (1910). Sobre este último escreve que mais livres porque são os mais parecidos com Deus”.46 menor dúvida. O que ele, sempre que pode questiona profundos aspectos telúricos e uma melodia vinda dos “representa o realismo popular. Filho de camponeses Em “Ideal e finalidade – Problemas de filosofia”47 é o posicionamento de Pessoa perante a fé católica, que cantares populares dos povos além Douro. As suas obras e patriota revolucionário, épico e, às vezes lírico, é o afirma a tendência de todo o homem, tanto do coloca nos antípodas do pensamento religioso. poéticas mostram em simultâneo traços apologéticos maior poeta da sua escola. Alcançou fama o seu poema pessimista como do optimista, para o Ideal e questiona- Por várias vezes BVP comenta livros. É o caso de do cristianismo e da lusitanidade, tais como eram ‘Neva nas terras da China’”.59 -se: “E onde terá este facto a sua razão de ser? Será o Macau, Sentinela do Passado,51 de José Silveira Machado, oficialmente entendidos nesse tempo. De estilo simples O património de Macau, tanto o edificado como Ideal uma quimera, uma categoria da nossa mente, que BVP equipara ao género literário cultivado por e com uma narrativa facilmente entendível, os poemas o imaterial, é mote para alguns artigos sendo notória a sem qualquer valor objectivo?” E, através de uma Plínio Salgado ou Luís Forjaz Trigueiros. possibilitam o ressalto da melodia rítmica que as preocupação do autor com o património religioso, igrejas argumentação e fundamentação de teorias lógicas, Em alguns números de R&P surge uma rubrica palavras provocam, com imagens onde um suave lirismo e templos. Em “Templos católicos de Macau”60 apresenta chega à conclusão da existência do Ideal como intitulada “Temas literários”, na qual BVP discorre desperta emoções e sugere ensinamentos para a vida. uma resenha histórica de cada uma das igrejas e capelas “condição da nossa dupla actividade: voluntário- sobre literatura, como em, “Manuel Bandeira: Cantor A obra poética de BVP, na sua globalidade, está ainda do multissecular Macau, defendendo que estes templos -racional”, assumindo a designação de Fim (actividade da Desilusão” e em “As influências em Gil Vicente”, hoje indevidamente apreciada, desenvolvendo-se em são “motivos que podem muito bem ser aproveitados para voluntária) e de Ideal (actividade racional). Existe uma onde afirma ser o Auto da Alma “a obra mais sublime três ciclos epocais, o primeiro deles ainda influenciado atracção turística pelas riquezas artísticas que os mesmos permanente tensão entre o homem finito e imperfeito do dramaturgo português e porventura o canto do cisne pelo movimento literário dos românticos e o último comportam ou pelos acontecimentos históricos a que se que tem imanente a ideia de perfeição e de Ideal (Deus) do nosso lirismo religioso.”52 de combatividade acidulada por um certo Finis Pátria prendem”. Também os templos chineses lhe merecem pelo que o caminho para a perfeição (Ideal) se faz através O próprio BVP se dedica à escrita literária, com e uma certa combatividade ideológica, no alvor e atenção tendo publicado vários artigos, como “Os Dois de actos imperfeitos. Este é um artigo inspirado na obra destaque para a obra poética, tendo publicado novelas, primeiras manhãs das mudanças sociais e políticas, que pagodes de Ná-Cha”.61 do Jesuíta Joseph Marechal sobre o ponto de partida, como “Sangue sobre a neve”,53 onde a trama gira à avançam qual maremoto imprevisível e até indesejável, “Ainda existe a primeira muralha de Macau” é um ou princípio de causalidade, da metafísica, trazendo à volta de um jovem seminarista que se apaixona e quer nos tempos do PREC (Processo Revolucionário em artigo, ilustrado com várias fotografias, em que localiza reflexão posições assumidas por filósofos como Santo abandonar o seminário. O final, como acontece noutros Curso), após a Revolução dos Cravos, que instaura a e descreve a situação de quase abandono a que esses Agostinho e Kant. finais das estórias de BVP, é trágico, tendo o jovem Democracia em Portugal. testemunhos do passado estão votados, fazendo realçar o A sua atitude face à ciência é de curiosidade e perdido a vida num acidente. As poesias em R&P são como pérolas incrustadas respectivo valor histórico, concluindo que “são relíquias de uma reflexão que tem como objectivo trazer ao de A literatura de viagens tem como principal no lastro da Revista, tendo, algumas delas, sido incluídas veneráveis que não convém demolir, antes urge amparar. cima o entendimento da Igreja Católica como, por objectivo mostrar a acção dos missionários e relatar as nos livros de poesia55 da autoria de BVP. As temáticas Devia limpar-se e mostrar-se aos turistas”. Neste artigo exemplo, no artigo “O homem virá do macaco”,48 em dificuldades sentidas para divulgar a fé cristã em terras versadas são díspares, mas transmitem, quase sempre, é o próprio BVP que mostra a sua preocupação com a que responde afirmando: “Quanto à sua alma, não, mas, do Oriente. Por exemplo, em “O grão de mostarda” uma reflexão religiosa e filosófica, por vezes de forma preservação e divulgação do património quando escreve: directamente de Deus. Quanto ao seu corpo, nada está relata a chegada a Macau de três jesuítas, os padres subtil e outras de forma mais explícita, ou discorrem “Bem temos pregado neste sentimento nas páginas de provado, com certeza, e, por isso, não há, até agora, Francisco Perez, de Espanha, Manuel Teixeira e André acerca de ditos populares, acontecimentos festivos, Religião e Pátria”. razão para admitir essa hipótese.” Pinto, de Portugal, referindo a construção, junto ao como é o caso de “Poço dos ananases”, sobre a inveja e Sob o título “Monumento que ameaça ruína” Em “Ciência e religião”49 defende que estas Penedo do Patane, da primeira residência de religiosos, a cobiça, “Abril português”, ditados populares e “Ponte é desenvolvidamente referido o estado lastimoso do realidades se movem em campos distintos, a primeira de onde, tal como o grão de mostarda, irá desenvolver- de estrelas”, sobre a festa da lua na China. jazigo do comendador Domingos Pio Marques, e dois exigindo factos e a segunda indo aos princípios e -se a presença dos jesuítas em Macau até à criação Além da sua própria poesia publicou poemas de números avante é publicada informação biográfica e tratando da verdade eterna, considera errado afirmar e funcionamento do Colégio de S. Paulo; “Viagem João de Deus, Pe. Moreira das Neves, Fernando Pessoa, genealógica desta figura, de acordo com as informações que estas se opõem mas se complementam mutuamente. contra a monção” refere a viagem de Gil de Góis, Branquinho da Fonseca, Couto Viana, Miguel Torga, que lhe são prestadas por Abílio Basto e e José Martinho A literatura é uma presença constante em R&P, embaixador de Portugal, e dos padres Manuel Teixeira Nuno Torres, Pedro Homem de Melo, Ruy d’Avintes, Marques, descendentes do referido comendador. indo desde a prosa à poesia e passando pela literatura de e Francisco Perez, entre outros, de Goa a Macau, onde Guerra Junqueiro, José Régio, Eugénio de Castro, No artigo “Uma pintura antiga da Igreja da viagens, revelando gosto e amplo conhecimento desta foram recebidos com regozijo “na esperança de que ... Hivan Tsong, Maria Dixon Thayer, entre outros,56 e Madre de Deus”62 traça a história de uma pintura arte. É de realçar o facto de BVP se ter debruçado sobre se consolidasse a situação instável da feitoria e fosse revela um interesse e conhecimento da poesia antiga anónima, talvez anterior à Renascença, ao que parece a literatura, com destaque para a poesia, nomeadamente autorizada a entrada do Cristianismo no Império das chinesa (“Poesias selectas da China” – poesia com sem grande valor como obra de arte, mas importante a chinesa. Flores”; e em “A minha primeira visita a Timor”54 comentários), e, também, da poesia nova da China para a memória histórica de Macau.

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O património cultural também lhe desperta públicos, sustentando que macaenses e chineses do local para efeitos de manutenção do património procura acelerada da resolução de um problema que atenção, o que é notório em “Centenário do Farol da ajudaram Macau a nascer e as duas comunidades devem histórico. não podia arrastar-se sem solução. Guia” e, em “O Ninho das Pombas”,63 a pretexto do respeitar-se e mutuamente ajudar-se. Recolheu informações em muitos cemitérios Outros temas tratados em R&P bem se poderiam Jardim Camões, fala do Poeta e da possibilidade de este A propósito da publicação do livro de José Silveira de Macau, nomeadamente no Cemitério dos Parses e incluir num grande lote de artigos susceptíveis de ter estado em Macau. Machado, Macau, Sentinela do Passado, BVP afirma ser no de S. Miguel, bem como em inscrições constantes ser denominados Jesuítas do Padroado Português do Quanto à educação publica vários artigos esta obra “um cântico de louvor à lealdade, cristianismo, de lápides funerárias instaladas junto da Fortaleza do Extremo Oriente, ou Jesuítas em Macau e no Oriente versando principalmente o ensino católico, entre os beneficência, cultura e tradições de Macau” para, de Monte de S. Paulo, conforme é referido em “Lápides Extremo, no qual se incluiriam “Macau e os Jesuítas”, quais “Porquê escolas católicas”,64 em que questiona seguida, dizer que Macau é um “deserto árido das antigas de Macau”.70 conjunto de artigos iniciado em Julho de 1955, tratando se “poderá um católico, no mundo descristianizado letras”.68 Na série “Macau e os Jesuítas” publica documentos, da vida e obra de D. Melchior Nunes Barreto, Baltazar de hoje, ignorar as escolas católicas e enviar os seus Os vários aspectos da vida social de Macau como “A acção dos Jesuítas em Macau: Inéditos sobre a Gago, Luís Fróis, Francisco Peres e Francisco Cabral; e filhos a instituições alheias às nossas sagradas crenças?” interessam BVP, dando-nos conta desses acontecimentos, Igreja do Colégio da Madre de Deus”.71 “Jesuítas beneméritos de Macau”,77 em que se incluem Responde afirmando que “não pode”, salientando sobretudo, nos editoriais onde referem bailes, cafés, Entre os documentos que publica, o “Catálogo artigos sobre Diogo Vidal, Adam Shall, André Pereira, o dever dos católicos educarem as suas crianças em novos hábitos sociais, acontecimentos culturais e de dos missionários, extraído dos Livros da Companhia Félix da Rocha, Ferdinand Verbiest, Mateus Ricci e escolas confessionais e que esse dever está expressamente lazer. de Jesus impressos na China”, que aparece disperso Nicolau Longobardi. Esta série é constituída por artigos consagrado no Direito Canónico. Defende que só em História foi dos assuntos mais estudados por BVP, por vários números de R&P.72 Outra peça documental centrados no trabalho diplomático exercido pelos casos de extrema necessidade é permitido inscrever os e de tal forma que isso foi reconhecido por credenciadas é “Estevão Serafim Fernandes - dilapidador dos bens Jesuítas, principalmente portugueses, para defenderem filhos em escolas não católicas, devendo envidar todos instituições, como a Associação Internacional de da Diocese de Cochim (Dois inéditos reveladores)”,73 e ampararem Macau, que sem estes apoios dificilmente os esforços para as transferir o mais rapidamente possível Historiadores da Ásia, a Academia Portuguesa da escrevendo em nota que este documento “é uma cópia teria subsistido. de forma a serem educadas em escolas confessionais. História, o Instituto Histórico Ultramarino e a do original e ignoramos como veio ter a Macau”. O artigo “A primeira expulsão dos Jesuítas de Em “O Estado e o ensino particular em Academia da Marinha, a primeira sedeada em Manila A maioria dos documentos históricos revelados Macau” é publicado em números de diferentes anos,78 Portugal”,65 debate o tema dos subsídios concedidos e as restantes em Lisboa. em R&P têm a ver com Macau, Japão e Igreja Católica, podendo afirmar-se que o facto aí relatado constitui um pelo Governo de Macau às escolas, lamentando que Ao longo das muitas dezenas de textos, na área citando-se, neste contexto, “Foi descoberta, em Roma, grande golpe na vida cultural e assistencial da Cidade em Macau não seja aplicado o decreto 45 905 de 10 de da História, publicadas em R&P durante o tempo uma cópia autógrafa do Processo Informativo dos 61 do Nome de Deus. Setembro de1964 “que determina algum apoio, embora em que se mantém à testa desta Revista, torna- Mártires de Macau” e “Processo Informativo dos 61 “A perseguição dos Boxers”79 é um notável artigo não suficiente, às escolas privadas. Porquê esta situação -se evidente que a linha de investigação histórica Mártires de Macau”, concluindo que o martírio não teve onde se descreve o processo de formação e acção das injusta? Porque é que o governo gasta tanto no apoio prosseguida é a História dos Portugueses no Oriente, o imediato resultado esperado pelos japoneses, porque seitas que originaram este movimento revolucionário às escolas oficiais e deixa as particulares quase todas tendo Macau como centro irradiador dessa presença, os portugueses não desistiram de fazer comércio com o que causou imensos mártires cristãos, tanto chineses entregues à sua sorte?” Considera ser este um problema como agentes privilegiados os jesuítas, nos domínios Japão e Macau conseguiu ultrapassar todos os perigos, como estrangeiros. Aqui se reporta ainda a grave crise muito grave a necessitar de urgente resolução, porque intelectual e religioso, a par com mercadores, soldados como o ataque dos holandeses, porque “seguramente política, económica e social em que tinha mergulhado a falta de apoio às escolas privadas põe em risco a sua e marinheiros nos domínios económico-financeiro e Deus está com a “Cidade do Santo Nome de Deus”. a China, nos finais do século xix e princípios do século sobrevivência. Mais de uma década depois, em finais do comércio marítimo regional e internacional. As “As 13 Testemunhas dos 61 Mártires”74 é uma descrição xx, que depois das invasões e humilhações das potências da década de 80, a sua voz foi ouvida e o Governo de fontes históricas documentais, monumentais e, mesmo exaustiva das declarações prestadas pelas testemunhas ocidentais foi violentada a assinar o Protocolo de Paz Macau passou a conceder substanciais apoios ao ensino orais, são objecto do seu cuidado desvelo e da sua dos mártires. de Setembro de 1901, daí resultando que “a China privado. meticulosa utilização. E, por outro lado, BVP também elegeu como ficou transformada numa agência colectora de taxas Em “A escola e a família”66 afirma a responsabilidade De facto, BVP revela um persistente e valioso uma das suas preocupações a criação em Macau de alfandegárias para o pagamento de 67 milhões de libras dos pais na educação dos filhos e critica a educação trabalho de investigação e uma preocupação com as um arquivo histórico que guardasse, assegurasse a (mais juros) aos Aliados”. moderna, mostrando as consequências de educar os fontes históricas, disso dando conta, na primeira pessoa, conservação e possibilitasse a consulta dos muitos Quando, em certa ocasião, o Pe. Manuel filhos à moderna: a criança vai dar num adolescente em “Sepultura dum mandarim, na Guia”,69 onde documentos que aqui permaneciam pouco mais que Teixeira lhe envia para publicar o artigo “O cativeiro e jovem desobediente e libertino e num adulto discorre sobre a necessidade de a história dever fundar-se ao deus-dará. Em “Arquivo Histórico de Macau: Plano de D. Leonardo de Sá”, por dele discordar em alguns irresponsável que anda na bebedeira, em farras e acaba em fontes tanto imediatas, relíquias do passado, como da sua organização”75 manifesta o seu ponto de vista aspectos de investigação histórica, publica, expondo e na cadeia. Conclui que os pais foram fracos e agora têm mediatas seja na tradição oral ou escrita, ou mesmo e refere o importante contributo dado, a esta questão, fundamentando a sua discordância, “Resposta ao artigo que ser fortes para arrostar as consequências. na epigrafia. Por isso se preocupa com visitas a locais por Luiz Gonzaga Gomes, concluindo por afirmar que seguinte do Revmo. em Cristo Pe. Manuel Teixeira”.80 A sociedade macaense, naturalmente também históricos, na procura e publicação dos documentos “acredita ter elucidado suficientemente os responsáveis Este pormenor salienta a grande atenção de BVP à é objecto de alguns artigos, destacando-se entre eles históricos que vai descobrindo, quase sempre aditando e os leitores sobre o problema urgentíssimo da verdade histórica, não poupando nada, nem ninguém, “A Cidade do amor - Reflexão sobre as relações entre pequenos, mas oportunos, comentários. Conclui este organização do Arquivo Histórico de Macau”. Quanto quando é necessária a sua defesa. as comunidades macaense e chinesa de Macau”,67 com artigo sugerindo que, mesmo antes de ser melhor ao Regulamento propõe a adaptação a Macau da Também são da eleição de BVP os estudos algum tom crítico para os macaenses e a sua actuação, investigada a biografia do mandarim Lok Pok San ou Portaria 5769, de 8 de Maio de 1952, vigente no Estado relativos a instituições e a outras figuras históricas de nomeadamente no âmbito dos organismos e serviços Lok Fu Kuan, deveria o Leal Senado mandar cuidar da Índia,76 atitude que revela muito pragmatismo e Macau. Entre os estudos de instituições refere-se “A

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Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam

Confraria dos Passos de Macau - Primeiros tempos e Sem dúvida que BVP teve uma grande preocu- encerramento assinala o início de uma mudança de de Macau, preocupado com a religião e a educação da fontes de informação”,81 tendo por objecto a história pação em traçar a história dos missionários no Oriente, ciclo político e cultural, tendo ficado a dever-se à falta juventude e atento às realidades do seu tempo, com da Confraria ou Irmandade de Nosso Senhor Bom com especial enfoque em Macau, fundamentada de assinantes, à escassez de colaboradores e ao menor destaque para Portugal, China e Macau. Jesus dos Passos, como entidade a quem se deve a em documentos históricos, por vezes inéditos. Para tempo disponível para esse fim por BVP, porque mais Estamos perante um autor que deixou um “conservação e desenvolvimento até ao dia de hoje assinalar o IV Centenário dos Jesuítas em Macau comprometido e absorvido com as suas exigentes tarefas inestimável contributo no panorama intelectual da devoção mais antiga e mais portuguesa e Macau”, publica “A acção dos jesuítas em Macau”, afirmando de educador. A revista foi também um processo de de Macau do século xx, pelo que os seus trabalhos segundo as próprias palavras de BVP. que” nenhuma outra Ordem Religiosa ou Religião de revelação do trabalho que, de forma constante, ia sendo deveriam ser objecto de profunda análise e, quiçá, E, entre as figuras históricas relacionadas com Portugal se pode orgulhar santamente de ter trabalhado produzido por BVP, pelo que recordar Religião e Pátria da edição completa da sua obra, porventura uma das Macau, naturalmente para além dos jesuítas já antes mais do que a Companhia para dilatar ‘a Fé e o Império’ é também celebrar BVP, no ano do seu centenário, melhores formas de o recordar e homenagear por referidos, citam-se os artigos “Comendador Domingos sobretudo no Brasil e em Macau”.89 figura incontornável da vida intelectual do século xx ocasião do centenário do seu nascimento. Pio Marques”, “A chegada do novo Governador “Um campo santo, de Macau”, dividido em duas de Macau (Pedro Correia de Barros”), “Macau e a partes: a primeira, é uma lista inédita e anotada por Hungria”, “Maurício de Benyowsky”e “Leonardo de Sá, BVP dos jesuítas sepultados em S. Paulo e a segunda, segundo o Pe. Montanha”, “S. Francisco Xavier esteve dos defuntos não-jesuítas, tem como fonte um trabalho em Hong Kong e quis vir a Macau’,82 “D. Melchior de Boxer.90 Outro artigo baseado neste mesmo autor é Carneiro Leitão, SJ, Prelado de Macau” e “Mouzinho de “Um herói de Macau na defesa do Ultramar”,91 em que Albuquerque (Herói da ocupação de Moçambique)”.83 descreve a acção de D. Inácio Sarmento de Carvalho. 84 No referido artigo “Macau e a Hungria”, escreveu: Mas não são só relativos aos portugueses no notas “quero mencionar um facto totalmente desconhecido Oriente os seus artigos na área da História publicados pelos historiadores nacionais: a hospitalidade concedida em R&P. Que assim é provam-no os artigos “Os 1 Tais como o comendador Joaquim Morais Alves ou Monsenhor 10 Pe. Manuel Teixeira, A Imprensa Periódica Portuguesa..., pp. 78 e 80. 92 por Macau, no último trimestre de 1771, ao Conde saxões”, desde as origens até à Primeira Guerra Manuel Teixeira. 11 Capa de R&P de 5/02/1961 em que está estampado o seguinte poema: ou Barão Maurício Benyowsky....e a seus oficiais e Mundial, entre outros. 2 Motim popular com motivações políticas, ocorrido em Macau em Amanhece/A Virgem estende os braços/e oferece/Jesus/ Pelos espaços/ A concluir 1966, no dia 3 de Dezembro (dia 3 do mês 12) – e daí 1,2,3 –, o de novo, a luz,/com um sorriso/dissipa a treva/Um par de pombas soldados”, os quais chegaram em 23 de Setembro constatamos termos tentado esboçar qual foi muito influenciado pelo movimento dos guardas vermelhos anuncia/a paz e a alegria/ - a volta dos filhos de Eva/ao Paraíso. A de 1771, referindo os problemas suscitados, por uma síntese das grandes linhas enformadoras dos que tinham desencadeado a Grande Revolução Cultural na China capa do n.º 28 de 17/07/1960 tem impressa a carta do vice-rei da causa disso, entre o Governador da feitoria D. Diogo conteúdos de R&P e dos seus principais reflexos de Mao Zedong. Índia, D. Duarte de Menezes, a Toyotomi Hideyoshi. Ver, também, 3 Sobre a vida e obra de BVP vide Francisco Videira Pires, Padre Pe. Manuel Teixeira, A Imprensa Periódica Portuguesa..., p. 83. Fernandes Salema de Saldanha e o Senado de Macau. no público alvo naqueles tempos da edição desta Benjamim Videira Pires, Meu Irmão (Macau: Instituto Internacional 12 R&P, 1965: 514. O Dr. Pedro José Lobo (1892-1965) uma BVP mostra interesse e conhecimento sobre revista no período de 1955-1968. E, por outro lado, de Macau, 2011). personalidade de Macau, conhecida e muito influente, no seu tempo, a história do comércio externo de Macau, tendo concomitantemente, tentámos sublinhar os traços 4 Parece pouco justificada a mudança de nome desta instituição na vida social, económica e financeira de Macau e Hong Kong, educativa que agora se chama Colégio Mateus Ricci. devido entre outros motivos as importantes funções exercidas nas publicado vários artigos sobre uma diversidade de fundamentais do rumo intelectual e ideológico de BVP, 5 As citações e referências a textos publicados em R&P são, neste artigo, áreas económica e financeira de Macau. países, como “A historiografia do Japão” e “A quebra como reflexos da projecção da sua personalidade em referenciados com indicação do respectivo ano e página inicial da 13 Por exemplo: Manuel Teixeira: “Noite de Infâmia: Portugueses do comércio de Macau com o Japão, em 1639”,85 R&P, fruto das suas origens e da sua cuidada educação. publicação, ou citando ano, número da revista e página. traiçoeiramente massacrados pelo marinheiro Manuel” (1959: 515); 6 Os documentos consultados comprovam que R&P foi fundada em “Catálogo dos missionários” (1966: 17); “Ano Jubilar em Macau: apresentando, neste último, ‘dois documentos inéditos” Com distribuição escassamente dirigida ao Hong Kong, em 1914, contrariando a informação que dá BVP como algumas datas” (1956: 362, 386, 457, 508, 557, 660, 743, 817); para mostrar que a Companhia de Jesus “nenhuma exterior de Macau, verificava-se que praticamente todos seu fundador (http://www.oclarim.com.mo/local/beatriz-basto-silva- Joaquim Guerra (que também assina SIC): “Três anos de apostolado culpa” teve nesta situação. os números de R&P eram consumidos pela pequena -do-centenario-do-nascimento-do-padre-benjamim-videira-pires/) ou (1957:5)”, “Pai Nosso... Como se reza nas cadeias comunistas” como tendo sido os jesuítas portugueses de Macau (Francisco Videira (1957:173), “Glória ao Pai” (1957:319) e “Avé Maria” (1957: 415); Fora de Macau concentra os seus estudos comunidade portuguesa de Macau, constituída por Pires, Padre adre Benjamim Videira Pires..., p. 53). Existem pequenos Anacleto Pereira Dias (que assina APD): “De novo, a criança” (1957: históricos nos países a Oriente da Índia onde se sentiu portugueses nados ou criados no Oriente e portugueses textos publicados em R&P por BVP, a propósito do aniversário da 131); “Pio XII e a escola” (1957: 177); “Companheiros construtores” a presença portuguesa, o que se reflecte em “André, de expatriados, antes designados de reinóis, em grande revista, que são coincidentes com a posição assumida neste artigo. (1957: 29); “Apostolado da oração” (1957: 274). Entre os irmãos 7 Há um período em que a revista foi semanal e nos últimos anos, já destacam-se Manuel José Videira Pires e Francisco Videira Pires. Phu Pên, o 1.º mártir do Vietnam”; “A histografia na medida aqui trazidos para funções administrativas ou sob a direcção de BVP, passa a quinzenal. Sobre a história da revista Este último era padre jesuíta, tendo sido director do Mensageiro de 86 Birmânia”; “História do Cambodja”. militares. R&P ver Pe. Manuel Teixeira, A Imprensa Periódica Portuguesa no Bragança e professor de Sociologia da Universidade da Beira Interior, Outros artigos, como “Galeria dos bispos de É importante podermos constatar que se Extremo Oriente (Macau: Notícias de Macau, 1965), pp. 77-95 e em Portugal. Publicou inúmeros artigos em R&P. Entre eles: “O fim do 277-279. Há uma reedição fac-similada desta obra no ano de 1999, comunismo” (1957: 57), “Uma nova história da literatura portuguesa” Macau”, “A soberania de Portugal em Macau”, “Duas compulsarmos a imprensa macaense da segunda metade com um prefácio de Afonso Camões, então director do Gabinete de (1957: 149), “Um centenário esquecido: O batíbio de Haeckel “(1957: 87 cidades irmãs (Macau e Nagasáqui”), são, também, do século xx, nomeadamente A Gazeta Macaense, O Comunicação Social do Governo de Macau. 221), “Aproximação cultural necessária” (1966: 187). artigos na área da História dos Europeus no Oriente. Clarim, O Jornal de Macau, encontramos múltiplas 8 A emigração macaense para Hong Kong iniciou-se em 1842 como 14 Diário católico e semanário regionalista e nonárquico, respectivamente, reflexo das desastrosas consequências económicas e sociais decorrentes publicados em Lisboa. Alguns dos artigos publicados em R&P viriam a referências a Religião e Pátria, o que evidencia o impacto da Primeira Guerra do Ópio. (Vide a tese de doutoramento de Alfredo 15 “Embaixada mártir”, R&P, 1965: 337; Comunicação apresentada ser reaproveitados em livros como A Vida Marítima de social e cultural desta Revista em Macau. Gomes Dias, Diáspora Macaense: Macau, Hong Kong, Xangai (1850- no IV Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros e publicada em ibidem, Macau no Século XVIII,88 A Viagem de Comércio Macau- Se a fundação de Religião e Pátria, e posterior -1952), apresentada na Universidade de Lisboa em 2011. 1966: 177, 514. 9 João de Deus Ramalho (1890-1958) foi bispo de Macau de 1942 16 R&P,1965: 452. Manila nos Séculos XVI a XIX, A Embaixada Mártir e revitalização por BVP, marca tempos de afirmação do a 1954. Era natural de S. Vicente da Beira no distrito de Castelo 17 Ibidem, 1960: 65. Ver também o editorial “A importância da Taprobana e Mais Além. jornalismo ao serviço do apostolado e da cultura, o seu Branco, em Portugal. imprensa” (ibidem, 1959: 33).

76 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 77 Jorge Bruxo e Maria de Lurdes N. Escaleira

Benjamim Videira Pires, SJ: in memoriam literature

18 Francisco Videira Pires, Padre Benjamim Videira Pires, Meu Irmão, cultura e informação, apenas mereceu uma simples menção honrosa p. 53. (ibidem, 1960: 18). 19 Nem todos os números de R&P incluem editoriais, sendo em alguns 51 Ibidem, 1957: 36. Categorizing the Early períodos, como é o caso dos anos de 1960 e 1961, frequentemente 52 Ibidem, 1959: 87; 1965: 656 e 743. substituídos por textos de outra natureza como, por exemplo, contos, 53 Ibidem, 1957: 125. alguns da autoria de BVP ou por este adaptados. 54 Ibidem, 1967: 34; 1957: 36 e 1965: 524. Literature of Macao 20 R&P, 1960: 449; 1960: 481; 1960: 497. A obra A Mulher Venceu foi 55 Jardins Suspensos (1955), Descobrimentos: Poesias (1958), Espelho do publicada por Edições Religião e Pátria (Macau: 1956). Mar (1986) e Palavras-Poemas (1994). Quanto aos poemas temos, and the Role of Tang Xianzu 21 R&P, 1955: 362; 1955: 437. por exemplo, 1957: 78; 1957: 121. 22 Ibidem, 1955: 169. 56 Como por exemplo: João de Deus: R&P, 1959: 243; Pe. Moreira das 23 Ibidem, 1965: 710;1966: 322. Neves: ibidem, 1959: 262; Pedro Homem de Melo: ibidem 1957: 26, Cai Jiehua* and Roderich Ptak** 24 Ibidem, 1956: 556. 1966: 1086; Ruy d’Avintes, ibidem, 1956: 278; Fernando Pessoa: 25 Ibidem, 1957: 193; 1959: 358; 1959: 19; 1959: 22. ibidem, 1956: 375, 1965: 92; José Régio: ibidem, 1956: 491; Guerra 26 é muito curioso o editorial intitulado “Fevereiro português” onde, a Junqueiro, ibidem, 1959: 216; Miguel Torga, ibidem, 1959: 3966: propósito das habituais temperaturas gélidas do segundo mês do ano 384; Eugénio de Castro, ibidem, 1959: 86 e 19. e da grande instabilidade e variação de temperaturas nessa época em 57 Ibidem, 1955: 1115;1955: 1062; 1956: 5; 1956: 815; 1956: 1005; que habitualmente se inicia o ano lunar (Ano Novo chinês), citando 1965: 209, 241, entre outros. ditos populares das Beiras e de Trás-os-Montes, mas também factos e 58 Ibidem, 1966: 165. dizeres de Macau e de Hong Kong, referindo que “em Macau, onde 59 Ai Tsing ou Ai Qing visitou Macau em 1988 a convite do Instituto impera a sabedoria dos mandarins, há também 10 dias antes do Cultural de Macau. Chegou a ser ventilado o seu nome como Ano Novo Chinês, ‘o grande frio’ (tai-hón) e, 15 dias antes deste ‘o candidato a um Prémio Nobel. pequeno frio’(sío hón) (1957: 121). Este recurso à sabedoria popular 60 Outro artigo sobre o património de Macau: “A antiga ermida do Bom está também presente na poesia, por exemplo, em “Abril português” Jesus, na Penha”, R&P, 1966: 623. (ibidem, 1957: 302). 61 Ibidem, 1966: 426. 27 Ibidem, 1955: 509;1956: 529; 1959: 355. 62 Este artigo (ibidem, 1956: 794) foi precedido de um outro sobre o 28 Editora Apostolado da Imprensa do Porto, 1963. mesmo quadro datado de 1955: 779. 29 Como nos dá conta Luís Gonzaga Gomes em Bibliografia Macaense 63 Ibidem, 1968: 6; 1965: 121; 1957: 298; 1965: 482, respectivamente. (Macau: Instituto Cultural de Macau, 1987). 64 Ibidem, 1965: 720. 30 “Os protestantes e a confissão”, R&P, 1960: 21. 65 Ibidem, 1965: 130. 31 Ibidem, 1964: n.º 10: 14; 1964: n.º14: 25. 66 Como, por exemplo, ibidem, 1955: 224. 32 Editorial de 31 de Janeiro de 1964. 67 Editorial, ibidem, 1967: 2. 33 Vide nota de rodapé n.º 36. 68 Ibidem, 1957: 36. 34 R&P, 1969: 165; 1969: 642. 69 Ibidem, 1965: 165. 35 Ibidem, 1959: 647. 70 Ibidem, 1960: 435. 36 Por exemplo, sobre Ferreira de Castro afirma estarmos perante “um 71 Ibidem, 1956 : 708; 1960: 470; 1960: 499. grande romancista inato da vida real. Literariamente não se pode 72 Por exemplo: ibidem, 1964: 29; 1965: 177. considerar um mestre ou um artista, na prosa…carrega demasiado, 73 Ibidem, 1967: 457. Introduction performances (and not to historical documents and às vezes, as cores do quadro das injustiças humanas e, esquecido da 74 Ibidem, 1965: 154, 361, 405, 435. sua missão de romancista (observar e viver) arvora-se em doutrinador 75 Ibidem, 1959: 3, 21 e 31. works definitely beyond the boundaries of belletristic [...] não é religioso ou católico, nem manifesta preocupações morais 76 Ibidem, 1959: 5. In recent years scholars in Macao, Hong Kong production). By now, the Macao specialist encounters nos seus livros, Estes níveis mais altos e eternos da humanidade não 77 Ibidem, 1956: 607, 626, 678; 771. and other locations undertook serious efforts to define several major studies on this theme and there are sizeable os atingiu o seu espírito demasiado preso ao barro. (ibidem, 1955: 78 Por exemplo, ibidem, 1965: 51. 111). 79 Ibidem, 1965: 50. the field of ‘Macao Literature’, or Aomen wenxue collections as well as ‘secondary’ works which provide 37 Ibidem, 1956: 265. 80 Ibidem, 1960: 354. 澳門文學. Literature in this context refers to poetry, a full account of the entire field, usually in the form 38 Artigo inserido na secção juvenil, ibidem, 1960: 345. 81 Ibidem, 1956: 146; 1957: 245, 271;1958: 135; 1959: 485, 501. novels, short stories and texts written for dramatic of an outline history that sketches the development 39 Ibidem, 1960: 350. 82 Ibidem, 1959: 52. 40 Ibidem, 1960: 18. 83 Ibidem, 1957: 151;1960: 370; 1955: 584; 1955: 1011. of ‘Macao Literature’ in a broad sense. These works Ibidem, 41 Condensado da Revista Brotéria, vol. 61, n.º 5 e do Notícias de 84 1957: 151. * 蔡潔華 M.A. in Romanic Philology and Dr. phil. degree in Sinology, both consider certain genres and themes, and in some cases Portugal, Ano IX. n.º 451 e publicado em R&P, 1956: 34. 85 Ibidem, 1966: 205. Ludwig-Maximilians-Universität, Munich; 2008-2014, lecturer in Sinology; they build on a large body of earlier works.1 42 R&P, 1959: 129; 1959: 17; 1959: 611. 86 Ibidem, 1959: 210, 227, 261, 276, 297, 371, 389; 1959: 419; 1965: since 2015, assistant professor, both in Munich; publications on Chinese popular 43 Ibidem, 1957: 224. 186 e 229. religions, especially Mazu, and Ming-Qing novels. In spite of careful scholarly investigation, one 44 Ibidem, 1959: 311, 327, 403. 87 Ibidem, 1956: 242; 1956: 278; 1956: 582, respectivamente. cannot but concede that debates on what ‘Macao Mestrado em Filologia Românica e doutoramento em Sinologia, Ludwig-Maximilians- 45 Ibidem, 1967: 34;1965:34 e 1959: 230, respectivamente. 88 Publicada em vários números de R&P, em 1966 e 1967, com Literature’ as a category should be, or should stand for, 46 Ibidem, 1956: 535. diferentes títulos: “A vida marítima de Macau (1700-1800)” e “A Universität, Munique; 2008-2014, docente da lingua chinesa; desde 2015, professora assistente, ambas em Munique; obras publicadas sobre religião popular chinesa, are a fairly recent phenomenon. Moreover, only two 47 Ibidem, 1957: 343. vida marítima de Macau no século xvii”. notadamente o culto de Mazu, e romancas da época Ming-Qing. 48 Ibidem, 1955: 271. 89 Revista n.º 22 do ano de 1964. or three decades prior to the change of administration 49 Trata-se de um artigo não assinado (ibidem, 1965: 675). 90 Documento publicado por C. R. Boxer no Boletim Eclesiástico da ** M.A. in Economics (Guelph, Canada), Dr. phil. and habil. degrees in Sinology in Macao from Portuguese to Chinese rule, local 50 Aliás o artigo começa com a referência de que o poema “A Mensagem” Diocese de Macau, Abril de 1937: 726-740. (both Heidelberg); professor of Chinese Studies, first in Heidelberg, then in Mainz- apresentado ao júri do então Secretariado de Propaganda Nacional, 91 R&P, 1960: 499. Germersheim, since 1994 at the Ludwig-Maximilians-Universität, Munich; books authorities and institutions began to seriously órgão oficial do Governo de Lisboa para questões de publicidade, 92 Ibidem, 1965: 73. and articles on China’s maritime history, Macao, Chinese Literature, etc. promote public interest in the fact that old Macao Mestrado em Economia (Guelph, Canada), doutoramento e “habilitation” was not totally devoid of literary production, indeed, em Sinologia (Heidelberg); professor de Estudos Chineses em Heidelberg, depois e m Mainz-Germersheim, desde 1994 na Ludwig-Maximilians-Universität, Munique; that it could look back to its own traditions, and livros e artigos sobre história marítima da China, Macau, literatura chinesa, etc. that it might be rewarding to systematically explore

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the possibilities of moving towards new literary and Literature’? How do early works in two completely artistic horizons. Meanwhile hundreds of beautiful different languages fit into such a category? works, especially of poetry, have become available in Furthermore and most important: Can we relate the Macao, and they are all related, in one way or the term ‘Macao Literature’ to other literary classes? What other, to the category of Aomen wenxue. But only are the options? Which are the categories that have some of these activities, including the creation of the inspired Chinese scholars to articulate variegated views Aomen wenxue jiang 澳門文學獎 (Macao Literature on these questions? Finally, how does the example of Award), or the circulation of local news, for example Tang Xianzu fit into such a panorama? in regard to the Macao Literature Museum project To begin with, perhaps one can compare the 澳門文學館, received proper attention in non- problem of simultaneously ‘existing’ literary strata or Chinese media.2 classes to the issue of taxonomy in biology. Scholars Be that as it may, following conventional hold different opinions regarding certain details, but approaches, most scholars dealing with Macao’s there is a generally accepted hierarchy defined by a set cultural past would certainly agree that one can identify of criteria gradually developed over time. The results two prominent starting points for the emergence of are well-known: we can subordinate species to genera, ‘Macao Literature’. These are the Lusíadas by Luís Vaz subfamilies, families, etc. Usually biologists lead de Camões (1524/25-1579/80) and some references debates over such categorisations before they decide and verses in the work of Tang Xianzu 湯顯祖 (1550- on minor re-adjustments. No doubt, within the total 1616).3 That implies a double approach: Camões arrangement of assumed literary classes, we encounter wrote in Portuguese, Tang Xianzu in Chinese. Almost similar constellations. Simply put, where is the place certainly the latter had never heard of the former, and of ‘Macao Literature’? Or should we give up such a Camões may or may not have been in Macao, but to ‘species’ altogether in favor of other options? many speakers of Portuguese, the Lusíadas remain the The present article discusses this issue in a very most important work in Portuguese literary writing, general way. The first few paragraphs will look at some while Tang Xianzu, although one of China’s leading essential problems and the current terminology. In playwrights, is not necessarily seen as the main literary the course of these notes we shall introduce several figure of his period.4 new aspects—as a kind of provocative measure that As we move on in time, we encounter may stir fresh debates on the ‘semantics’ involved in comparable situations. There are many more famous the total process. The final part will look at the case Ming and early Qing authors who are listed in the of Tang Xianzu, and this will be followed by a brief context of ‘Macao Literature’, as for example Wu Li conclusion with some references to Camões. The 吳歷 (1632-1718) and Qu Dajun 屈大均 (1630- general idea is not to discuss individual works or to 1696), and there is also Fernão Mendes Pinto (born reconsider, for example, the ‘inner journey’ attributed between 1509 and 1514, died 1583), to mention just to the wonderful writings of Wu Li; on the contrary, one example from the Portuguese side.5 The works of in lieu of screening literary master pieces by bringing all these men have been analysed in a multitude of in line biographical and other relevant data, we shall books and articles—however not so much within the focus on the issue of early ‘Macao Literature’ as a narrow context of ‘Macao Literature’, but rather from category. larger perspectives such as Chinese poetry, Portuguese Finally, as we all know, in the field of humanities travelogues, and so forth.6 Hence, if statistics mattered, and social sciences categorisations often depend the conclusion could be that the concept of ‘Macao on views. Some scholars would go even further, Literature’ may not be that significant at all; rather, believing there are no completely objective criteria for it should be more appropriate to assign the works constructing mental entities and larger frameworks. in question to established literary classes, and not to The inevitable result is that one finds all kinds of hybrid ‘freshly-defined’ categories. forms at various levels of the analysis. In other words, This stirs up another issue—and indeed takes the differentiae, if such a term is acceptable, remain us to the starting point of the discussion that will debatable; the suggestions presented here add up to Tang Xianzu. follow below: After all, how is one to define ‘Macao nothing more than a marginal commentary. This will

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literature

provide room for future discussions, which is what this paper intends.

Terminological Differences between European and Chinese Categories

Literature produced in and about Macao is usually either in Chinese or Portuguese, as was said. ‘Hong Kong Literature’, perhaps a comparable case, is in Chinese or English. This bilingualism is not evident from such terms as Aomen wenxue or Xianggang wenxue 香港文學, because both associate a specific location—and not a language—with the general expression for literature. Strictly speaking, that also applies to Zhongguo wenxue 中國文學, Lingnan wenxue 嶺南文學, and so on. Certainly, we all know the last two terms refer to products in Chinese, but from a purely linguistic point of view, they address a location first, while the implicit dimension of language only takes on a subordinated function. By contrast, combinations like ‘English Literature’ or ‘German poetry’ link an adjective to a noun, and the adjectives in these and similar combinations point Wu Li. to a particular language first, and not necessarily to a location, because ‘German’ can of course also refer to works from Austria, Switzerland, etc. In these In more recent times, many speakers of the local cases, the location, so it seems, is not a dominant, but Patois migrated to Hong Kong, Shanghai and various rather a subordinated element, while language, as a Portuguese-speaking regions worldwide, as well as to kind of semantic marker, ranges at a superior level. North America and other destinations.8 The present If that is accepted, then Riben wenxue 日本文学 and status of the Macanese-speaking community is a theme ‘Japanese Literature’ are not quite identical, although, beyond the scope of these notes, and spoken Macanese conventionally, one term is taken to represent the largely has become a phenomenon of the past, but the other, whereas, semantically, an expression like fact that a substantial number of literary pieces in that ‘Macao Literature’ should not be too different from language (or dialect?) are available in printed form is its Chinese counterpart Aomen wenxue. definitely of relevance. Moreover, the existence of such However, that is not all. In the case of Macao, works points to an earlier stage of literary production, the linguistic question becomes quite complex if one characterised by oral traditions. Presumably, the also considers literary works produced in Macanese, first poems and songs in Macanese date back to the i.e., in the local Patois (also Patua) or Creole language formative period of the Macanese community, which which contains Portuguese, Chinese, Malay and other began in the late 16th century. elements. The early history of that language and the Besides speakers of Macanese / Portuguese and circumstances under which it gradually came into Chinese, we also find other resident groups in old and being and how it developed over time, remain largely / or modern Macao. These include female servants unknown.7 But from texts and documents of later from the Philippines and Indonesia. To what extent periods, especially from the 19th century onwards, their presence impacted on Macao’s literary scene and we can tell that this language was the native tongue cultural ‘superstructure’ more generally, is a question

‘Camões in Macao grotto’, c.1880, lithography from a Francisco Augusto Metrass’ (1825-1861) painting. Metrass’ Augusto a Francisco c.1880, lithography from grotto’, ‘Camões in Macao of several thousand citizens then resident in Macao. that one ought to discuss within a larger context; it

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does not concern the early stages of Macao’s history, English (Portuguese or other European) label for the is the implicit element guanyu 關於 / ‘about’ more should have certain things in common with the next so we may leave that point out of the present note, term Aomen wenxue—a label in which the locational significant? Or are both dimensions of equal relevance? higher level, i.e., Lingnan wenxue. In that case one but research with a focus on late 20th century and later element Aomen / Macao would be substituted by an Besides the need of finding a consensus on would also need to raise a further question: What is literary products should definitely not ignore that adjective, in analogy to ‘Chinese Literature’, ‘English these essential points, another issue seems even more the measurable weight of those elements uniquely question. The case is slightly different with products Literature’, and so on. The combination ‘Macanese relevant: Can one identify certain elements that are found with Aomen wenxue and those also visible in English and other European languages. Especially Literature’ evokes works in ‘Macanese’, and only in ‘typical’ for all or at least for some works within the within the categories Lingnan wenxue, Zhongguo from the late 18th century onwards one finds a that language / dialect; therefore, this term cannot be ‘Macao class’? More simply, where are the borderlines wenxue, etc.? Should one emphasise the common small number of English, Scandinavian, French and used for literary works in other tongues. The conclusion between related categories? How should one treat a denominators or stress the ‘individual’ characteristics? other European merchants in Macao. Among these is that, with regard to Macao, the starting point for work by an author resident in Macao, but choosing, If the special elements would prove insignificant, then temporary residents were several artists and individuals literary categorisations is not quite the same in China say, Singapore as an imaginative setting for his poems, defining a ‘subspecies’ under a ‘species’ would perhaps who have left short descriptions, diaries, and so on.9 and Europe: Chinese scholars have no problems with plays and novels? Should these products be double- be superfluous, and indeed quite artificial. If historians abstain from imposing linguistic limits, creating a category like Aomen wenxue, which, from listed, in the context of ‘Macao Literature’ and Other ‘fashionable’ categories in Chinese then the works of these men and women should a purely functional point of view, may range on the ‘Singapore Literature’? Furthermore, if an author literary studies include such terms as xiangtu wenxue perhaps be considered as well. However, as in the same level as, say, Riben wenxue or Zhongguo wenxue. writes in Chinese, these products may also form 鄉土文學 (‘native-soil literature’, ‘nativist literature’, previous case, the chapter of literary products in Scholars writing in European languages find themselves parts of generic categories like ‘Chinese Drama’ or ‘rural literature’, etc.) and chengshi wenxue 城市文 European languages other than Portuguese does not compelled to use the term ‘Macao Literature’, which is ‘Chinese Poetry’, which comprise products prepared 學 (‘urban literature’, ‘city literature’, etc.). Today really belong to the initial stages of Macao. not in one ‘class’ with the categories ‘Japanese Literature’ in different locations. Still more generally: Can one Macao is a major urban site with only very few Summarising the above, one may say that or ‘Chinese Literature’, for, as was said, in the Macao construct an implicit ranking system that defines open spaces left that are not covered with high-rise a category like ‘Macao Literature’, largely defined case the focus is on a location, while in the other cases which ‘taxonomic’ criteria should come first and buildings. In the olden days, the northern part of through a small location, may not only comprise it is on languages. These incompatibilities, one may add which might rank second? the peninsula was a rural area, and the surrounding Chinese and Portuguese works, but also works in as a footnote, may also explain the curious observation These questions are likely to remain without final islands, including Taipa 氹仔 and Coloane 路環, Macanese and other languages—depending on views that most modern works on ‘Macao Literature’ are in answers. The matter becomes even more delicate if one were partly uncultivated land, with only small villages and expectations. Furthermore, the development Chinese, and not in European languages. considers the ongoing debate on such terms as Haipai at best. Can we apply the category of ‘urban literature’ of that literature was, to some extent, conditioned wenxue 海派文學 (roughly, Shanghai Literature) or to such a setting? Is there a point in time when ‘Macao 京派文學 on the gradual emergence and perhaps even From ‘Macao Literature’ to Other Jingpai wenxue (Beijing Literature), and Literature’, if that term remains valid, ‘transformed’ disappearance of linguistic communities. In addition, Categories thereby opens a flood-gate to the difficult terrain of qualitatively so as to become one entity under the if one considers both literary and oral traditions, multiple hierarchies. The reasons are evident: Similar general heading of ‘urban literature’? Without doubt, the Chinese contribution to Macao’s literary scene Considering the above, categories such as to other ‘local’ categories, the Chinese strata of Aomen locally produced works in Portuguese / Macanese are could be divided into linguistic subcategories—for Xianggang wenxue and Aomen wenxue call for wenxue—or the total phenomenon as such —may form not really commensurate with the criteria governing example, Yue yu 粤語 / songs and complex investigations on what these terms one subordinated segment under the roof of Zhongguo ‘ordinary’ xiangtu wenxue products. But some of the plays, modern poetry that one must read in might build on—other than purely linguistic wenxue. But would Aomen wenxue then really stand on Macao-Chinese families with ancient roots in the putonghua 普通話, traditional verses which considerations. For instance, should a work the same level as the literary products from or about former villages may look back to oral traditions that rhyme differently, and many similar entities. be produced in situ, i.e., in Macao itself, so as Shanghai, Beijing and other major regions? How should might come close to xiangtu wenxue. If so, is there Clearly, linguistic categorisations would to qualify as a piece of ‘Macao Literature’? one reconcile the issue of a multi-linguistic past with the more than one kind of xiangtu wenxue in Macao, or are require precise rules and definitions: Should Or is it enough to state that because it issue of Zhongguo wenxue? Should we open such terms there several kinds of chengshi wenxue? Alternatively, one consider dialects at all, how should deals with Macao in some way, one as Shanghai wenxue 上海文學, Yunnan wenxue 雲南 would it be better to leave these micro-categories one rank, say, the Yue form of Chinese should automatically assign it to that 文學 to also include non-Chinese works? If so, Aomen aside, because they could cause too much confusion, in regard to standard ‘Mandarin’? Most category, irrespective of whether wenxue would simply be one of several mixed local or lead to an inflation of unwanted sentiments? certainly, scholars would suggest its author ever spent a long time categories. Alternatively, would it make sense to define different solutions for these in Macao or not? In other words, the Chinese layer of Aomen wenxue as a subordinated Maritime Literature, Xiangshan questions and their proposals should one narrow the semantics layer of Lingnan wenxue? Concomitantly, should we Literature and Further Terms would again depend on of Aomen wenxue and ‘Macao leave aside the Portuguese and Macanese strata, or personal preferences and Literature’ to a de facto status assign these two elements to other entities, so as to Another concept currently debated among current conventions. of Aomen de wenxue 澳門 preserve an overwhelmingly Chinese hierarchy?10 academics in China and in the public is the issue of The above shows 的文學 and ‘Literature If Aomen wenxue would form one element of haiyang wenhua 海洋文化, or ‘maritime culture’. that it would be of / from Macao’? Or Lingnan wenxue, under Zhongguo wenxue, then of Several scholars have proposed defining haiyang difficult to invent course there should be certain elements shared by all wenxue 海洋文學 (maritime literature), haiyang lishi an appropriate Qu Dajun. three, besides the language. Or at least Aomen wenxue 海洋历史 (maritime history), haiyang jiaoyu 海洋

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教育 (maritime education) and similar categories and haiyang wenxue to various sites along China’s maritime world. Hence, if we associate multiculturality when there were very few opportunities to bring out as elements associated with or subordinated to the coastal provinces. One such ‘platform’ is Zhuhai, in with early Macao, and with Aomen wenxue, then we poems, stories, plays and other pieces in Macao itself, first term. These ideas derive, in part at least, from part identical with the old county of Xiangshan 香山.11 may include Xiangshan in the same category and refer and it is mostly to this material, published ‘abroad’, the perception of China’s past. British, Japanese and Efforts were made to wrap up Xiangshan and Macao to a compound entity: Zhu Ao wenxue 珠澳文學. that the term ‘offshore literature’ refers. Also, by American aggression had a devastating effect on the in one ‘intellectual’ package, and some institutions However, this is a purely hypothetical issue; to date ‘offshore literature’ scholars usually mean Chinese Qing empire and the political constellation in the first correctly pointed out, already since the 1980s, that both that expression is rarely found in internet sources and works written in the 20th century.15 The term is rarely part of the 20th century. To ensure that similar events locations would depend on each other in many ways. the idea may not appeal to everyone. extended to Portuguese, Macanese and further non- will not darken the future, and to be prepared for Such discussions came to include a broad catalogue Besides inventing such a ‘taxonomic’ class, one Chinese texts printed outside Macao. However, if one long-term competition within a globalised context, of topics and themes, some drawn from local history, must of course find an appropriate solution for the argues that ‘Macao Literature’ should include works far-sighted politicians have opted to strengthen others related to contemporary culture. One possible concept of multiculturality. It has become fashionable in different languages, then the category li’an wenxue China’s coastal regions and to revitalise public interest conclusion is that both sites should have a joint literary to play with this term and there are all kinds of models may be seen as a broad multi-lingual and / or multi- in China’s maritime heritage. This links to the famous heritage and that Zhuhai’s or Xiangshan’s own literary and theories to rely on. Again, this involves variegated locational annex of Aomen wenxue, i.e., as an annex voyages of Zheng He 鄭和, now usually seen as a production—which one may call Xiangshan wenxue views and conventions. Here one could even think with global dimensions because authors living in well-planned effort to spread peace and harmony. 香山文學—might form one part of China’s haiyang of linking Macao’s multiculturality and literature to Macao continue to bring out some of their products Moreover, the 21st century has been labelled a new wenxue, together with ‘Macao Literature’.12 the debate on fanfang 番坊, or foreign quarters—a in distant places. Finally, li’an wenxue, projected age dominated by maritime relations via the oceans. There is no doubt that Macao always was (and discussion that started several decades ago. Fanfang, back to earlier times, might then even qualify as one The idea is also around that one ought to reshape the continues to be) a multicultural place, a location where as a kind of diaspora, we all know, existed in element under the category fanfang wenxue, and these maritime corridor linking China via the Indian Ocean people of different ethnic and religious backgrounds Quanzhou 泉州, Guangzhou 廣州, on Hainan and categories in turn could be seen as branches of China’s to Africa and the Near East by promoting mutual met to conduct trade and become involved in cultural in other locations, usually near the coast, but there haiyang wenxue.16 friendship and cultural exchange—in continuation exchange. The county of Xiangshan, which predates is disagreement on how these urban compounds of trade and traffic along the so-called ‘Maritime Silk the arrival of the Portuguese to these zones, can look operated, and on the kind of cultural exchange they ‘Macao Literature’: Political and Route’, quite in contrast to the situation brought back on a long history of international connections as conducted. Some scholars believe that early Macao was Social Concerns about by Anglo-American dominance over Asia’s well. This transpires from Ming sources.13 Presumably a special case of the fanfang model, others reject such coastal spaces and the high seas. early Xiangshan and some of the remote offshore a suggestion.14 If one thinks that Macao should enter Several of the categories outlined in the These maxims and proposals have inspired communities under its control can also claim some the fanfang category, then early ‘Macao Literature’, previous chapters are surrounded by an explicit or specialists to connect the concepts of haiyang wenhua multicultural traits or were at least open towards the as part of this territory’s ‘superstructure’, may go as implicit dichotomy between two different elements, a kind of fanfang wenxue 番坊文學. Indeed, perhaps which one may see as exclusive components, or as Section from the so-called Zheng He Map (Zheng He hanghai tu 鄭和航海圖)(15th century) showing Xiangshan in the centre. there existed similar literary traditions, manifest in fulfilling complementary functions: this concerns oral form, in Quanzhou under the Song and Yuan, or the idea of in situ works or works with ‘local roots’ in early Guangzhou. ‘Macao Literature’ would then (gensheng wenxue 根生文學) versus the idea of an be one of several fanfang wenxue cases. imported or ‘implanted’ literature (zhiru wenxue 植 But there is more to say. The generic question— 入文學)—or to put it in different terms, simply ‘local how to define ‘Macao Literature’—is a reminder of literature’ (bentu wenxue 本土文學) versus ‘visitors’ a further term, namely of li’an wenxue 離岸文學, literature’ or ‘sojourners’ literature’ (keju wenxue 客 or ‘offshore literature’. At first sight one may feel 居文學). There can be no doubt: Macanese language tempted to apply this term to Macao’s total literary products should mostly belong to the genshen or bentu production. But that would raise questions because, group, but it is unclear how one should treat the other strictly speaking, Macao is not an offshore place— forms, especially the early products. the core area of the city is built on a peninsula, as From here we can gradually move to a related was said—although we know from history that arena, the political world: the current image of ‘Macao many nearby sites now connected to the central Literature’ seems largely determined by a continental Guangdong mainland, especially in the Zhongshan dimension. Chinese scholars, when screening such 中山 region, once formed small islands separated concepts as ‘local literature’, ‘visitors’ literature’ and by canals and open water spaces. However, in this ‘offshore literature’—and whether or not they should particular case the ‘offshore’ element usually implies be applicable to Macao—usually envisage a strong a different meaning. Many authors resident in Macao link between the literary output of that place and have published their works in Hong Kong and other the literary production in the rest of China. In other locations, especially in the period prior to the 1980s, words: Macao, as a literary stage, can be analysed from

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the perspective of Beijing, Lingnan / Guangdong or would have to be seen as one element within a highly essential decision has to be made right from the start, a generally agreed-upon matrix for the development the subordinated level of Xiangshan / Zhuhai. Clearly, complex matrix that could be labelled Nanhai wenxue namely whether one should filter literary products of Macao’s history, or the socio-economic dynamics there is nothing wrong with such an approach because, 南海文學, or an Asian version of a ‘Mediterranean from or about that city through a ‘purely’ literary associated with this city’s path through time. In view quite evidently, this suits current concerns. Literature’ model.18 The question is: How far should sieve, or whether one may rather try to see literature of such uncertainties it is difficult, indeed, to find an Of course, in theory one can also look at one go with this, where should the line be drawn to as a process largely determined by social forces. appropriate answer to the questions of what Aomen Macao from the sea. In historical times, coastal find an acceptable compromise? The last point alludes to another difficult wenxue may stand for, and whether it is useful, after locations surrounding a clearly-defined maritime space Of course, to date such categories are of no issue that needs a theoretical foundation. One may all, to maintain such a category. communicated with each other across the oceans. The relevance in debates on literary classes. Moreover, wish to apply the categories described in the previous Clearly then, examining the beginnings of sea was an open terrain which made it possible for if they would be important, it should not be too paragraphs to the total development of literature in literature associated with early Macao, means that ‘opposite’ shores to enter into direct commercial and difficult to move around current political fears. One and about Macao—from its beginnings through one will travel through swampy terrain. As was said, cultural exchange over long distances and through long key assumption is that an overall maritime matrix, to our own times. This bears the danger of undue whether Camões set foot on the peninsula, we shall periods of time. Now and then specific ports were more into which one might embed Macao and its literature, simplifications, especially by downgrading or even probably never know (although there are good reasons closely linked to other ports, via the oceans, than they would certainly, indeed almost automatically, bear a neglecting the diachronic axis in favor of creating to assume he did stay there); regarding Tang Xianzu were connected, via inland routes, to different sites in very strong Chinese dimension. This comes with the an inflated static panorama. Above we have already and Macao, there are some details, but not too many, the continental ‘hinterland’. If one sees in Macao a nature of the Nanhai, its long history and present referred to the possibility of identifying certain stages and to what extent this poet was really familiar with city more intimately tied to other maritime centres— setting, particularly in the northern half, where marked by qualitative changes. In other words, the the Portuguese remains a matter of debate; finally, commercially, politically, culturally—than to, say, Chinese influence has always been strong, at least ‘growth’ of Aomen wenxue, depending on the criteria the presumed roots of Macanese literature rest in Guangzhou and Xiangshan, then it should be possible since the times of the Han and Wu dynasties. In fact, used for its analysis, may not emerge as a chain of the clouds as well; even drawing a clear picture of to develop an alternative model for Macao’s literature one could even try to lift a category such as Nanhai similar elements, or a coherent line through time; the early Macanese language has proved extremely and its course through history. Depending on the wenxue to the rank of Lingnan wenxue, or at least treat rather, one should expect that such a development went difficult. These conditions have led to remarkable criteria used for such an approach, it may also become it as being a kind of diqu wenxue 地區文學 (regional through distinctive periods, perhaps through various suggestions. In a modern Macao almanac one finds necessary to define a ‘mixed stage’: Perhaps there was literature), under a special form of diqu wenhua 地 ups and downs, each with its own characteristics. a chronologically arranged table with the names of a period in which continental influence dominated 區文化 (regional culture), practically on the same From a Marxist perspective—if one wishes to use such Chinese writers producing poems and other texts in Macao’s local literary scenario—an age to which a level as other, similar classes. In this case, the implicit a matrix—these characteristics are likely to mirror a or about Macao. Tang Xianzu is not on the list—the continental view should then apply—and another concepts of bentu / gensheng and zhiru / keju might variety of socio-economic shifts and changes. If that earliest name belongs to a person of the 14th century, period characterised by maritime predominance. apply to a larger whole, and certain strata of Macao’s is accepted, we may need agreement on the general namely Zhao Yanfang 趙彥方, a native of Zhejiang Historians have developed various models with a literature would form one item of several similar items course of Macao’s history and social development— province. Evidently Zhao is mentioned because distinct maritime component that may serve to identify within a broader setting. and certainly also on the evolution of those areas to his later family members appear in the context of longue durée phenomena and transformation processes. Finally, from a current Chinese point of view which Macao was tied. Alternatively, we may neglect Wangxia (Mongha) 望厦, a village in the northern One such item is the ‘Mediterranean’ approach linked it should also be essential to consider certain general or downgrade these forces, thus trying to examine section of the peninsula. Another view is that Macao to the name of Fernand Braudel. In analogy to this criteria suggested by Marxist theory. The different Macao’s literature in its own light, or by linking Literature should start with Wen Tianxiang 文天祥 model, overridden by Eurocentric dimensions, one literary categories listed above cannot be considered it to the literary categories of other areas without (1236-1283) of the Song-Yuan transition period. This can of course invent a kind of Nanhai 南海 matrix, per se, i.e., as isolated entities completely separated considering the societies of these locations. Such an author mentions a location related to the larger area i.e., a major category that tries to bring the total area from social reality, or from the socio-economic approach may lead to a model for the periodisation of Xiangshan / Macao, hence the proposal to consider of that sea and its surrounding coasts under one roof. conditions under which they came into being. Simply of ‘Macao Literature’ not necessarily in line with the him in the context of Aomen wenxue. Clearly, in The purpose would be to find out whether and to what put, there is no ‘Macao Literature’ without Macao periodisation of Macao’s history. In other words, in both cases—Zhao Yanfang and Wen Tianxiang—the extent the ports and islands belonging to the Nanhai society, and no fanfang wenxue without the observable the end there could be an (unwanted) gap between the implicit idea is that one should embed urban Macao can be seen as one ‘integrated structure’, i.e., as an entity material and social patterns characteristic for a perception of the city’s socio-economic dimensions in a larger geographical entity, vaguely identical with characterised by the exchange of material elements, as fanfang. However, and quite surprisingly, discussions and the perception of its superstructure. Clearly, not Xiangshan county or the Zhongshan area, and thus well as ideas, including literature, across the sea.17 on how to define Aomen wenxue rarely consider the everyone would be satisfied with such an outcome. push back in time the beginnings of that region’s literary Clearly, from a Chinese point of view, such an socio-economic basis of Macao in adequate ways. On ‘performance’ to the earliest possible date.19 Scholars approach bears the danger of certain abuses: One abuse supporting this view, naturally, might be inclined to the contrary, at times the impression prevails that such The Assumed Beginnings and Tang lies in the temptation to disconnect coastal China l’ars pour l’ars qualify Aomen wenxue as one element, perhaps even as debates are inspired by a conventional Xianzu from its hinterland, by arguing that locations like approach. This may be acceptable in the academic the key item, within the Xiangshan wenxue category, or ancient Macao and ancient Quanzhou were mostly world of Europe, but it is not easily reconciled with The above shows that the category Aomen some kind of Zhu Ao wenxue matrix. tied to other maritime sites, therefore they should be conventional expectations in China. Hence, no wenxue—and some related terms—still need a careful However, most authors working on Macao treated in a purely maritime context. Similarly, if one matter which of the above-mentioned categories one analysis. Much has been written on them, but there is have remained faithful to the Tang Xianzu option, would support such an argument, Macao’s literature wishes to use as a framework for the case of Macao, an no commonly accepted model, and there is not even often citing, for example, a collection of Macao

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The sea full of pearls may remind readers of the Sanfoqi 三佛國—usually has to do with Palembang; Hormuz area, the Gulf of Manar near Sri Lanka, or but if no order is intended, then Liuhuan, especially the Sulu zone, all known for their wealth in pearl the syllable liu, may derive from Liushan 溜山, then production, while the combination baiyu he, according a current designation of the Maldive and Laccadive to Tang Kaijian 湯開建, could be an allusion to the Islands, off the Kerala coast.26 Clearly,whether Tang Kingdom of Khotan where there flowed a river of that Xianzu really knew what he was describing, is another name.22 Such images stood for long distances, wealth question; his primary interest in mentioning these and precious goods used in trade between far-away names certainly was to align Xiangshan and / or locations; moreover, the boundless nature of space Macao with the exotic world beyond the horizons of appears in an ‘antithetical’ package that combines the nearby sea. the coastal periphery with the land-locked wilderness There is a sequel to this poem which, among of Central Asia. But there is a second dimension other things, mixes the impressions of distant locations behind these descriptions, especially if we link the with female beauty and exquisite luxury products. combination Xiang’ao, in the title of these lines, not However, one must be careful here: the term huamian only to the county town of Xiangshan, but also to (in the first line: 花面蠻姬十五强) seems to stem the name Xiangshan’ao 香山澳, normally related from the name Huamian guo 花面國, i.e., ‘Country to Macao, or the curved bay near that place. The of Tattooed Faces’, according to some specialists the glittering pearls might then bring to mind the shining Batak region on Sumatra. Whether Ming scholars hao 蠔, or oysters, in the shallow waters around would really admire young branded ladies, is doubtful; Macao, from which derives another well-known name for that place—Haojing’ao 濠鏡澳.23 Macao lady, from Aomen jilüe 澳門記略, Biji xiaoshuo daguan edition. The sequence xia yunqiang (in line 2), evidently linked to the big ships of richly attired merchants, is less easy to explain. Christina Cheng suggests ‘they arrive here by the great carracks’, Tang Kaijian believes 湯顯祖 李 毅剛, 澳門四百年詩選 Four poems by Tang Xianzu , reprinted in (Li) Yigang ( ) Aomen sibai nian shixuan (1990). they take to the sea, thus indicating an opposite movement.24 The first line seems clearer: Generally, poetry compiled in 1990, equipped with a preface by and other phenomena, some of which appear in his the place is devoid of agricultural land, which is true Qin Mu 秦牧 (1919-1992), and adorned by several poems. Typically for these verses, they carry a strong for the southern half of Macao, but there are rich calligraphies, among whom one finds, in primo loco, exotic flavor, not too different from the writings of people, especially the local merchants. One layer of the a patriotic piece by Ma Wanqi 馬萬祺, dated 1973.20 earlier poets, who had reached these locations under textual arrangement—precious stones and glittering This arrangement and the introductory pages suggest the Tang and Song dynasties. Other than poetry, Tang pearls, the character yun (clouds) and the allusion to a political message: scholars and writers ought to Xianzu produced several famous plays in which one the distant river—may also be read as a vague hint ‘synchronise’ Macao’s political past, present and future also finds references to the Xiangshan area. Here we to conventional fairy-tales such as the ones associated with the production of art and literature. There can shall briefly comment on the poems first. with the distant Kunlun Mountains 崑崙; however, be no doubt, many Chinese specialists, whether in One piece, called ‘Xiang’ao feng jia hu’ 香墺逢 that would take us to another world.25 Macao or other locations, have tried to follow that 賈胡 (Meeting Foreign Traders in Xiang’ao), reads:21 In a different quatrain, ‘Ting Xiangshan yizhe’ path, but from a Marxist point of view—again, if 聽香山譯者 (Listening to a translator in Xiangshan), one chooses such an option—they may still need to 不住田園不樹桑,珴珂衣錦下雲檣。 the author mentions further locations: Champa, undertake more serious efforts to explain the early 明珠海上傳星氣,白玉河邊看月光。 Gelam (an island near the western shore of Kalimantan; stages of ‘Macao Literature’. both these appear in the first line), Sri Vijaya and Pulau Let us now look at Tang Xianzu more closely. Not living in fields and gardens, not planting Sembilan off the Malaysian west coast (in the third and In 1591 this man was demoted to Xuwen 徐聞. mulberry trees, fourth lines), and a place called Liuhuan 溜還 (in line While travelling through Guangdong, he also visited Wearing jade and colorful clothes, they two). If this setting, certainly inspired by one of the Xiangshan and, as is commonly thought, the Macao descend from the lofty masts. early Ming accounts composed in connection with peninsula. Tang was not a man from the far South; Pearls from the sea glitter like twinkling stars, the voyages of Zheng He, is to reflect a meaningful to him places like Hainan, opposite of Xuwen or White jades by the riverbank shine like the geographical order, then Liuhuan could refer to a site the Leizhou 雷州 region, offered fascinating natural mellow moonlight. near Java or Sumatra, because the name for Srivijaya—

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from various locations and, like ambergris, was mostly noteworthy. In the words of Christina Cheng, it is used in medicine.29 even ‘of pivotal significance in testifying to an East- Besides referring to Xiangshan’ao in the poems West encounter among the Chinese and foreigners in quoted above, Tang Xianzu also tells his readers— Macao; and in weaving the Portuguese enclave with in a different piece—that he had met European imperial China, thus constructing an “East meets missionaries in Zhaoqing 肇慶. But he is very brief West” scenario’.32 here, and the verses in question are not directly Cheng offers very detailed explanations for related to Macao.30 Without doubt, in regard to the her observations and it also transpires from the latter place, Tang’s famous play Mudan ting 牡丹 discussion that Tang Xianzu was not satisfied with 亭, or ‘Peony Pavilion’, is more important, because the political circumstances of his times. Other it contains several lines that have to do with this city. authors have arrived at similar conclusions. Even the These mention the Church of St. Paul (São Paulo) and poems quoted above seem to contain critical tones, also address the wealth of Macao and its merchants.31 camouflaged in multiple ways. For instance, in ‘Ting Scene 21 of this lengthy drama is particularly Xiangshan yizhe’, the term donglin 東林 appears in an antithetical position to Xihai 西海. It is possible Text segment from Yingya shenglan 瀛涯勝覽 (early 15th century), that this was intended as a form of protest, because describing the Huamian Kingdom. the line in question—at the surface a description related to the huamian lady—may very well contain some kind of hidden criticism.33 The above illustrates several points: First, Tang Xianzu’s verses and some sections of his play are full of exotic elements. But there are not too many ‘direct’ descriptions of Xiangshan’s / Macao’s landscape and setting; the author prefers to briefly mention the rich merchants and beautiful young ladies. Furthermore, in his verses he often alludes to the ‘outside world’

Daogua bird (daoguaniao 倒掛鳥), from Gugong niao pu 故宮鳥譜 (18th century, now in the Palace Museum, Taiwan). Srivijaya / Sanfoqi, from Sancai tuhui 三才圖會, early 17th century.

in all likelihood Tang Xianzu did not fully understand then commonly called longxianxiang 龍涎香, i.e., the implications of the combination he used and ambergris, which is an animal product frequently simply thought the expression would describe a ‘finely mentioned in Chinese medicine and bencao 本草 adorned face’, which he then used for the pretty girls texts. Several historians have pointed out that Beijing’s of which he heard while in Xiangshan / Macao.27 imperial agents ordered small quantities of ambergris He certainly knew qiangwei lu 薔薇露, rose dew—a from the early Portuguese. The emperor had no precious commodity traded since antiquity—but suitable heir; ‘dragon spittle perfume’, they believed, whether he had a clear idea about the ‘upside-hanging might be a remedy for such a malaise. Some scholars down [birds]’, or daogua [niao] 倒挂[鳥], remains drew curious conclusions from this constellation: another open issue (lines 2 and 4 of same poem). Up Macao, they argued, owed its birth to the imperial until today, scholars disagree on the identity of this bedchamber. But that is not all. The poem in question creature, which is unlikely to stand for paradise birds also contains the combination [a]furong [阿]芙蓉, from New Guinea and the adjacent islands, as some one of many words for opium. Moreover, in its title writers have thought.28 one finds the expression Xiangshan yanxiangsuo 香山 There is a fourth stanza, on which Tang Kaijian 驗香所—perhaps a reference to a ‘drug inspection furnishes interesting comments. He states these post’ in Xiangshan and thus a modest hint to hidden lines would refer to an extremely costly substance vices. One may add, in those early days opium came

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by making use of stereotype images drawn from fulfill the same functions as certain other verses by Finally, perhaps the place names in the poems and at best they stayed in Macao, or Xiangshan, for earlier material. The ‘Other’, presented as a complex Tang, which portray China’s periphery, especially above were deliberately chosen to remind educated a limited period of time. Hence, if one wishes to package of colorful terms and names, includes Macao Hainan; in all these cases the author refers to various readers of the expeditions directed by Zheng He, maintain the Aomen wenxue category, one must allow / Xiangshan. In all likelihood our poet would not mirabilia.35 Through such constellations he expresses when the Ming dynasty was at the height of its power for divergent, indeed opposite approaches. have been able to identify the different locations he personal interest in the ‘Other’, but also criticises the and not yet weakened by internal problems. Moreover, However, just as there is not very much in Tang mentions, and the attributes associated with them. political conditions ‘at home’, in the imperial capital. while Tang Xianzu was sojourning in Guangdong, the Xianzu’s works that might point to a systematic and The impression prevails that he re-arranges in elegant Third, although he addresses some elements within Japanese invaded Korea and eventually compelled conscious effort of really examining Macao in its own words what he had read in earlier ethnographic texts. the complex socio-economic structure of Xiangshan China to intervene in favor of the latter. Hence we light, there is also very little one may draw on to define Among other things this brings to mind the poems / Macao, this theme is not of primary concern; it is could also see in these poems a contemporary effort the Lusíadas as a ‘typical’ piece of Macao literature. inserted in some of the Xingcha shenglan editions only depicted ‘at random’. That also applies to the to criticise the present through the past, in partly Here, then, we are back to the first part of this article: and, more broadly, the so-called zhuzhi ci 竹枝詞 play. Notwithstanding, there is a certain dichotomy in disguised form. By contrast, in Mudan ting political what exactly is the ‘Macaoness’ of these texts? Even if or ‘bamboo songs’, which were particularly en vogue Mudan ting, as Christina Cheng has shown, not only criticism is more direct, as Tang Kaijian has pointed we assume that, as some authors have suggested with under the Qing.34 in the sense of ‘East meets West’, but also in the form out, to mention just one modern comment.36 great enthusiam, Camões really lived in Macao, the few Then, what are the conclusions one can draw of divergent mentalities between China’s North and Given these observations, the question arises, Nanhai-related passages in his work remain loyal to a from the above? Evidently, Xiangshan / Macao were South, and thus between essential differences in local whether one should assign the relevant parts of larger matrix. He certainly did not compose his cantos seen as gates to distant worlds. Secondly, the quatrains behavior. Again, Xiangshan / Macao, as a stage, serves Mudan ting and the four poems to the Aomen wenxue because he wanted to be a Macao-author or because he to display disparities within China herself. category. Tang Xianzu had a Chinese identity and thought of creating a literary monument for a small

From an illustrated edition of Mudan ting 牡丹亭. was a Chinese author. His use of ‘exotic’ elements is city at the periphery of Portugal’s maritime empire; on nothing new. We know of other Ming plays staging the contrary, he very much remained a son of a huge ‘barbarians’ for various purposes.37 Foreigners are also Aomen jilüe 澳門記略 Page from , with various poems cited. found in hundreds of poems, as was said. Indeed, one Text segment from the Ming play Xia Xiyang 下西洋, staging various foreigners. could almost substitute Xiangshan / Macao for other locations with comparable functions, and the main thrust of Tang’s argument would not be disturbed. Finally, there is the question of whether the pieces in question furnish enough socio-cultural elements to mirror essential characteristics of Macao’s society in the late 16th century. Alternatively, we may leave that dimension aside.

Conclusion

As was mentioned, another important author associated with the beginnings of Macao is Luís Vaz de Camões. Chinese scholars and authors from Anglophone countries have not always commented positively on the heroic verses of this man, who was much inspired by Greek traditions. But Camões knew the sea, he travelled through the maritime world, he experienced the dangers emerging from nature, and he was able to compare different civilisations and people encountered on the perilous route to India and the Far East. None of the early Chinese authors linked to Macao were in a comparable position. They all came from the ‘mainland’ and were never or rarely exposed to the hardships of long sea voyages; in short, they probably differed from such a strong character as Camões. Quite often they hailed from rich families

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multi-cultural entity that stretched from the Atlantic other such places, was much more disconnected from notes to Japan—and no less than that. Put differently, Tang ‘real life’ than his Lusophone ‘counterpart’? It seems Xianzu uses several locations to screen the ‘domestic that, once again, as already explained above, these 1 To date, the celebrated work by Zheng Weiming 鄭煒明 (2012), culture’. Most notably, it opens with an essay on Lingnan culture 嶺 stage’ and to voice criticism; Camões relies on the concerns, when taken seriously, may cause dissent and based on earlier research by the same author, is perhaps the most 南文化, written by the celebrated scholar Ye Xian’en 葉顯恩. Clearly, representative introduction to the history of ‘Macao Literature’. Other this suggests a strong link between the local Xiangshan level and the oceans, the maritime scenery and the East to praise much headache. surveys include: Liu Denghan 劉登翰 (1998) and Li Dechao 李德 superior geographic framework of Lingnan. – For an earlier and very the grandeur of Portugal, the discoveries, and Vasco Given all these thoughts and obstacles, as well as 超 (1988), who deals with Chinese works. There are, of course, more concise account of Xiangshan culture 香山文化, see, for example, da Gama. Both authors may be described as patriotic, the issue of ‘literary species’ and hierarchies, it appears specialised studies as well, for example Lü Zhipeng 呂志鵬 (2011). Wang Yuanming 王遠明 (2006). 2 Already in the 1990s the Aomen jijinhui 澳門基金会 (Fundação 12 Important intellectuals are listed in Xiangshan and Guangdong both are very much embedded in their own ‘national’ difficult to uncritically confirm the notion that Aomen Macau or Macao Foundation) started a book series called Hao chronicles. Of the chronicles from Xiangshan, called Xiangshan backgrounds, and both employ different techniques, wenxue or ‘Macao Literature’ should, at all costs, start hai congkan 濠海叢刊. This series includes one of the first major xianzhi 香山縣志, the earliest extant version is by Deng Qian 鄧遷 but there is a common denominator: they take with Camões, Tang Xianzu and other early authors. Yes, bibliographical items: Deng Junjie 鄧駿捷 (1996). Meanwhile, there and Huang Zuo 黄佐 (1548). Later works date from 1673, 1750, is an Aomen wenxue congshu 澳門文學叢書 (by Zuojia chubanshe, 1828, etc. – Huang Shaochang 黃紹昌 and Liu Xiaofen 劉熽芬 advantage of distant settings, the past, and numerous they all have to do with Macao, but the threads tying 2014). In this context, Li Pengzhu 李鵬翥, an author himself and (both late Qing) collected ‘Xiangshan poetry’ in their Xiangshan shilüe exotic elements to reflect on the ‘self’. them to this port remain thin and weak. It should be well-known in Macao, is quoted of having said that Aomen wenxue 香山詩略. This anthology, first printed in 1937, contains hundreds While Camões ascended to the pantheon of definitely easier to assign such men to more familiar is a branch of the literature in China. See the internet entry of 28 of poems from the long period Tang to Qing. A very small number August 2014 (http://culture.people.com.cn/n/2014/0828/c87423- deals with Macao. See, for example, Aomen ribao, 19 November literary immortals, Tang Xianzu was not extolled in the categories. The final word on this matter, it seems to 25557745.html; accessed 05-09-2015), on the inaugurative ceremony 1987 (http://www.macaudata.com/macaubook/macauserial/hjwtxb/ same way, and not with the same degree of intensity. us, has not been spoken. However, perhaps there is for the start of the Aomen wenxue congshu. For the museum, see, html/021.htm; accessed 28-09-2015). – There is also a local journal There is no Gruta do Tang in Macao and no heroic an elegant way out. Some years ago, when trying to for example, Aomen ribao 澳門日報, 27 October 2014 (http://www. called Xiangshan wenxue 香山文學, which in 2014 came out with 38 macaodaily.com/html/2014-10/27/content_946431.htm; accessed its fortieth issue and may be seen as a representative forum for the dimension, not in China or anywhere else. Also, develop a cultural panorama for Macao, Christina 15-09-2015). promotion of local literature. while in terms of functions and use, some scholars Cheng compared the essential characteristics of that 3 For a Chinese translation of Camões, see Zhang Weimin 張維民 13 There are not too many surveys of Zhuhai’s / Xiangshan’s history. One have compared the Lusíadas to the late Ming novel city to the role of the ancient Roman god Janus, the (1995). One representative collection of Tang Xianzu’s works: Xu useful item is: Huang Xiaodong 黄曉東 (2011). – For Xiangshan 三寶太監西洋 Shuofang 徐朔方 (1998). and its external contacts under the Ming, prior to Macao, also see Sanbao taijian Xiyang ji tongsu yanyi guardian of passages and doors, beginnings and ends. 4 Only two recent monographs on Camões shall be listed here: Eduardo Ptak (2010). 記通俗演義 (preface 1597), vaguely associating both In that context, she also mentioned Camões, but Ribeiro (2012a) and (2012b). Ribeiro provides fresh ideas, refuting 14 Some suggestions and references to early studies in Ptak (2001). pieces, and even other works, with the genre of travel evidently felt no need to get too specific about literary earlier scepticism with interesting arguments. – For a recent survey Several Chinese works by Jin Guoping and Wu Zhiliang 吳志良 40 in Chinese, see Zheng Weiming (2012), pp. 158-162, and notes. deal with the fanfang theme in the context of Macao. literature, that of course cannot apply to Tang Xianzu’s destinations, classifications, theories, and hierarchies. It 5 Representative collections: Zhang Wenqin 章文欽 (2007); Ou Chu 15 One early example is the collection by Ling Tun 凌鈍 (1995). – For oeuvre.39 Hence, the common denominator somewhat may indeed be helpful to leave such matters aside—and 歐初 / Wang Guanchen 王慣忱 (1996). – Jin Guoping 金國平 a discussion also see Zhang Jianhua (2009), part 2 (4). forcefully outlined above, is a very general element, not to overstress the cases of Tang Xianzu, Pinto and prepared an excellent Chinese translation of the Peregrinação. See 16 The exclusive circulation of original works through the internet, Pinto ... / Fei’ernan Mendesi Pingtuo 費爾南·門德斯·平托, a point not discussed here, may complicate the issue even further. which certainly bears no ‘Macao-specific’ trait. other contemporary or near-to-contemporary authors etc. (1999). The inclusion of such works in our debate would have implications Finally, Camões was a man of the sea, supposedly whom one might find hovering in similar positions. 6 Here we list only some important bibliographical tools, traditional for the dimensions of space and time and might require a modified with a clear perception of ‘reality’. If for ideological or The political horizons are not always clear, mixing biographies, and ‘Western’ studies: (1) Tang Xianzu: Xu Shuofang approach to the issue of categories. (1980) and (1993); Chen Meiyun 陳美雲 (1997); Idema (2003). 17 See, for example, Ptak (2011b) and (2013). other reasons one deems it necessary to define a link facts and fancy bears risks, and dissecting the cultural (2) Wu Li: Chaves (1993); Lin Xiaoping (2001); The Macau Ricci 18 Guida (2007) seems close to the idea of a Nanhai wenxue category. between the socio-economic conditions of a location superstructure of early Macao, naturally, will always Institute (2006). (3) Qu Dajun: Wang Zongyan 汪宗衍 (1970); Tang 19 Huang Hanqiang 黄漢强 et al. (1994), p. 266; Zhang Jianhua and its depiction in literature, then the question provoke debates. In that sense, the notes above may tell Kaijian 湯開建 (1997). – There are several recent dissertations on (2009), part 1 (discussion on Wen Tianxiang). – There are countless these authors. One example: Dong Jiuxiong 董就雄 (2004). Also studies on Wen Tianxiang. One English book is Brown (1986). For arises, to what extent this author’s work might reflect us something about the limits of such discussions, but recently (on 1 and 2): Cheng (2013). Finally, there is a new journal a recent Chinese work, see Yu Zhaopeng 余兆鵬 / Yu Hui 余暉 the situation in Asia, or at least in the maritime world whether they are helpful and whether one may ever find called Tang Xianzu yanjiu jikan 湯顯祖研究集刊, which started in (2008). – Note: Later Macao almanacs provide modified and enlarged around the South China Sea? Could it be that Tang a satisfactory solution broadly accepted in the academic 2015. accounts of Macao’s literature. See, for example, Wu Zhiliang / Yang 7 Many scholars have accepted the views in Batalha (1974) and other Yunzhong 楊允中 (2005), pp. 408 et seq. Xianzu, when referring to Xiangshan, Hainan and world is rather doubtful. publications by the same author. Batalha is also known for her glossary 20 For this representative collection: (Li) Yigang (李)毅剛 (1990), pp. or lexicon of Macanese. 3-5. On Qin Mu and Macao, see, for example, ‘Qin Mu yu Aomen 8 For a recent study of the Macanese community, especially in its later wenxue de yinyuan’ 秦牧與澳門文學的因緣, originally in Aomen stages, see the excellent monograph by Dias (2014). Dias quotes ribao, 3 August 1994 (http://www.macaudata.com/macaubook/ extensively from the voluminous work by Forjaz (1996), archival macauserial/hjwtxb/html/028.htm; accessed 04-10-2015). records and consular sources, as well as from a multitude of secondary 21 See, for example, the collection cited in the previous note. – For an works. English translation, see Cheng (2013), p. 31. Here, lines three and 9 A good starting point for examining the presence of English and four follow that version. other European artists and writers in Macao are the relevant entries 22 Tang Kaijian (1998), pp. 77-78. in: Universidade de Macau, etc. (2010-2011). Many of these entries 23 A similar name is Haijing’ao 海鏡澳. There are many more poetical are by Rogério M. Puga. names for Macao not listed here. 10 On Macao-works in Chinese as a branch of Lingnan wenxue (澳門 24 Cheng (2013); Tang Kaijian (1998), p. 76 之中國文學, 實可視嶺南文學之支脉), see, for example, Zhang 25 For a very detailed study on the Kunlun: Frühauf (2000). Jianhua 張劍樺 (2009), where Li Dechao, Huang Xiaofeng 黄曉 26 For traditional Chinese toponyms and ethnonyms: Chen Jiarong 陳 峰 and others get cited. 佳榮 et al. (1986). Two famous texts related to Zheng He: Ma Huan 11 See the articles in Lin Youneng 林有能 et al. (2009). The publication 馬歡 (2005) and Fei Xin 費信 (1954). English translations: Ma Huan of this collection received support from various institutions; it / Mills (1970) and Fei Hsin / Mills / Ptak (1996). – For the Maldives highlights Zhuhai’s past and present within the category of ‘maritime and Laccadives: Ptak (1987). – Judging from the characters used for

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literatura literature

Gelam (Jiaolan 交欄), the source of Tang’s poem should be an early 32 Cheng (2013), p. 43. – For a translation of Mudan ting: Birch / Swatek Frühauf, Manfred (2000). ‘Der Kunlun im alten China. Versuch Ma Huan (author), Wan Ming 萬明 (ed.) (2005). Ming chaoben edition of Fei Xin’s work. This text also says, with a fair wind one (2002). Much earlier, Vincenz Hundhausen provided a German einer Positionsbestimmung zwischen Geographie und ‘Yingya shenglan’ jiaozhu 明鈔本《瀛涯勝覽》校注. could reach Gelam from Champa within ten days and nights. See version of this play. A French version: Lévy (1998). There are many Mythologie’, part 1, Minima Sinica (1/2000), pp. 41-67; Beijing: Haiyang chubanshe. the English translation, p. 41. More in Tang Kaijian (1998), p. 73. more partial adaptions not listed here. part 2, Minima Sinica (2/2000), pp. 55-94. Ou Chu 歐初 and Wang Guanchen 王慣忱 (eds.) (1996). Qu 27 Possibly these were the young Asian consorts and / or daughters of 33 However, the famous Donglin movement, again a familiar topic 屈大均全集 Portuguese men, because we know from later reports that there were examined by many modern authors, only began in the early 17th Guida, Donatella (2007). Nei mari del Sud. Il viaggio nel Sud-Est Dajun quanji , 8 vols. Beijing: Renmin wenxue only very few European women in Macao. – For Huamian guo, see, century and this raises the question as to when and why Tang’s wrote Asiatico tra realtà e immaginazione: storiografia e letteratura chubanshe. for example, Ma Huan / Mills (1970), especially pp. 61, 116, 121, his poem. nella Cina Ming e Qin. Rome: Edizioni Nuova Cultura. Pinto, Fernão Mendes / Fei’ernan Mendesi Pingtuo 費爾南·門德 and Fei Xin / Mills / Ptak (1996), pp. 32, 59. An English work on 34 Different kinds / ‘subgenres’ of zhuzhi ci exist. One recent study with Huang Hanqiang 黄漢强 et al. (eds.) (1994). Aomen zonglan 澳門 斯·平托 (author), Jin Guoping (tr.) (1999). Yuanyou ji 遠 tattooes (albeit in different contexts): Reed (2000). – For this line of translations: Schaab-Hanke (2012). – An example related to Macao, 總覽 (Panorama de Macau). Macao: Aomen jijinhui. 遊記, 2 vols. Macao: Putaoya hanghai da faxian shiye jinian Tang’s poem see also Cheng (2013), p. 32, and Tang Kaijian (1998), by You Tong 尤侗 (1618-1704), in Ptak (1986a). Some of You Tong’s Huang Xiaodong 黄曉東 (2011). Zhuhai jianshi 珠海簡史. Aomen diqu weiyuanhui, Aomen jijinhui, etc. p. 74. – More generally, several Chinese poems mention beautiful verses also appear in the famous Aomen jilüe 澳門記略 of the mid- th Beijing: Shehui kexue wenxian chubanshe. Ptak, Roderich (1986a). ‘Yu T’ungs Lieder über fremde Staaten. women in the context of Macao; this might be a topic for further 18 century. Jin Guoping made an excellent translation of this work; Idema, Wilt L. (2003). ‘‘‘What Eyes May Light upon My Sleeping Eine Auswahl’, in same and Siegfried Englert (eds.), Ganz investigation. see Yin Guangren 印光任 / Zhang Rulin 張汝霖, etc. (2009). – Of 28 For daogua birds (and their ‘technique’ of emitting fragrance): Wang the late Qing zhuzi ci on Macao those by Wang Zhaoyong 汪兆鏞 Form?”: Tang Xianzu’s Transformation of His Sources, with a allmählich. Aufsätze zur ostasiatischen Literatur, insbesondere Ting 王頲 (2005). A critical study: Röder (2009). Later daoguao birds are particularly well-known. Translation of ‘Du Liniang Craves Sex and Returns to Life’”, zur chinesischen Lyrik. Festschrift für Günther Debon. rd were also associated with Macao. See Ptak (2011a), pp. 87-88, plus 35 On Tang Xianzu and Hainan, see, for example, Yao Pinwen 姚品文 Asia Major (3 ser.) 16.1 (2003), pp. 111-145. Heidelberg: Heidelberger Verlagsanstalt und Druckerei, sources there. / Long Xiangyang 龍祥洋 (2003). Jin Guoping 金國平 and Wu Zhiliang 吳志良 (2007a). pp. 199-215. 29 Tang Kaijian (1998), pp. 74-76. – Other relevant articles: Jin Guoping 36 Tang Kaijian (1998), especially pp. 80-83. ‘Longxianxiang yu Aomen’ 龍涎香與澳門, in same, Caoqi —— (1986b). Cheng Hos Abenteuer im Drama und Roman der / Wu Zhiliang (2007a) and (2007b). – A recent study on ambergris 37 Two examples: Kersting (1986) and Ptak (1986b), the part on Xia Aomen shi lun 早期澳門史論. Guangzhou: Guangdong Ming-Zeit. Hsia Hsi-yang: Übersetzung und Untersuchung. 下西洋 in the context of Asian maritime trade: Borschberg (2005). Xiyang . renmin chubanshe, pp. 27-40. Hsi-yang chi: Ein Deutungsversuch. Stuttgart: Franz Steiner 30 Some details are controversial. See, for example, Tang Kaijian (1998), 38 Teixeira (1977) remains an indispensable tool for research on the —— —— (2007b). ‘O significado de “xiang (âmbar cinzento)”e Verlag Wiesbaden GmbH. pp. 70-72; Cheng (2013), pp. 32-35. famous Camões grotto. 31 Li Dechao (1982) discusses many Chinese poems related to this 39 Examples: Lombard (1993) and Finlay (1992). “yan (ópio)” na história de Macau’, in same, Revisitar os —— (1987). ‘The Maldive and Laccadive Islands in Ming Records’, church. 40 Cheng (1999), especially pp. 12 et seq. Primórdios de Macau: Para Uma Nova Abordagem da História. Journal of the American Oriental Society 107.4 (1987), pp. Macao: Instituto Português do Oriente and Fundação 675-694. Oriente, pp. 443-478 (published earlier in Chinese). —— (2001). ‘China’s Medieval fanfang – A Model for Macau Kersting, Theo (1986). 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Os seus contos e romances dão-nos a conhecer conjunto de princípios e valores, foi, ao longo de mais 香山文化論網 Xiangshan wenhua lunwang 57 (6/2006; on Ji’nan: Qi Lu shushe. um Território, que apelida de mátria, onde se de quatrocentos anos, marcado pela cultura ocidental, http://www.yuehaifeng.com.cn/YHF2006/yhf2006-06-13. Zhang Wenqin 章文欽 (ed.) (2007). Wu Yushan ji jianzhu 吳漁 htm; accessed 29-09-2015). 山集箋注. Beijing: Zhonghua shuju. nomeadamente a portuguesa. Esta situação, em que as duas culturas mais * Licenciada em Filosofia pela Universidade do Porto e em Gestão e Administração influentes vivem lado a lado mas não convivem Pública pela Universidade de Macau. É Mestre em Gestão e Administração Pública. efectivamente, define a própria geografia da cidade Doutorou-se em Didáctica das Línguas na Universidade do Porto. É docente do Instituto Politécnico de Macau. É autora de vários artigos e do livro Ensino dividindo-a, se não em várias cidades, pelo menos em da Tradução em Macau: Dos Curricula Propostos à Realidade de Mercado (2013). duas, a “cidade chinesa” e a “cidade cristã”. Graduate in Philosophy from Oporto University and in Management and Public Podemos dizer que se trata de coexistência de Administration from the University of Macau; M.A. in Management and Public Administration; Ph.D. in Didactics of Languages from Oporto University. Currently duas cidades: “uma cidade em que os portugueses se lecturing at the Macao Polytechnic Institute. She has published various articles and sentem em casa e em que os chineses estão de visita e thebook Tradução em Macau: Dos Curricula Propostos à Realidade de Mercado (2013). a outra metade em que os portugueses e os macaenses se sentem fora do lugar, num ambiente estranho e são **Licenciado em Administração Escolar e Educacional, é mestre em Gestão 1 Curricular pela Universidade de Aveiro e doutorando em Língua e Cultura vistos como pessoas de fora ...”. Portuguesa na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Desempenhou Esta divisão está bem presente no romance Os funções lectivas e de administração escolar, em Portugal, até 2009, ano em que ingressou no Ensino Luso-Chinês de Macau. Dores, onde as personagens vão penetrando em espaços que não sentem como seus, onde são vistos como Degree in School Administration and Educational Administration, Master in Curriculum Management from the University of Aveiro and Ph.D. student estranhos e deslocados, sendo, igualmente, visível in Portuguese Language and Culture at the Faculty of Arts, University of Lisbon. no ritmo de vida e nas vivências de cada uma destas Teacher and school administration member, in Portugal, until 2009, the year he joined the Macao Luso-Chinese Education. cidades. Por exemplo, numa referência ao Carnaval, o

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autor afirma que é um tempo durante o qual a “febre e das atitudes das personagens que tentam guardar pairava sobre a ‘cidade cristã’” (123), mas os chineses na memória os pedaços da cidade que sabem irão ficavam “ indiferentes às coisas burlescas do Carnaval” desaparecer e se vão adaptando às novas realidades (125). Também na Quaresma se verifica uma nítida físicas e sociais. divisão entre a “cidade cristã”, que a vive intensamente O romance Os Dores permite várias abordagens. e que se recolhe num recato em que o simples facto Contudo, olhar Macau numa vertente de espaços, de ir ao cinema ou passear no Bazar era visto como tornados únicos por quem os habita ou frequenta e pelo pecado (142), e uma cidade chinesa que continua a confronto do antes e do agora que as várias descrições sua vida de todos os dias, indiferente a este rigor e suscitam, torna esta obra um manancial de sensações, a esta alteração do quotidiano, mesmo na forma de de viagens e roteiros percorridos e a percorrer. vestir das senhoras. A nossa abordagem realça, essencialmente, o É este contexto que transparece e influencia a espaço, não só o espaço físico descrito pelo autor mas, obra literária da maior parte dos escritores macaenses ou ao mesmo tempo, o espaço social em que as personagens daqueles que, não o sendo, escreveram sobre Macau ou se movem, ao qual pertencem ou não e, igualmente, o tomaram a cidade como espaço onde se movimentam espaço psicológico que as mesmas vivenciam, de acordo as personagens dos seus contos e romances. com as respectivas personalidades, estados de espírito É também esta a Macau para que nos remete ou emoções que vão experimentando pela dinâmica uma leitura de Os Dores, de Henrique de Senna da acção. Fernandes, centrada no retrato dos lugares, alguns deles Partimos da convicção de que “[o] texto literário já desaparecidos, onde se tecem as vidas das personagens é um dos meios de acesso à compreensão do mundo, é deste romance, publicado a título póstumo. um dos meios de investigação, pois é ele próprio uma Profundo conhecedor da sua cidade e, sobretudo, escrita do mundo ... [a] literatura permite conhecer sentindo Macau como a sua mátria, o autor reconhece os arquétipos, os ideais, experimentar a alteridade” esta divisão, não só em termos topográficos, mas, (Abdallah-Pretceille: 149). igualmente, nos seus aspectos sociais e culturais. Através do discurso literário, ora narrativo

Ruínas de S. Paulo, c. 1900. Henrique de Senna Fernandes descreve ora descritivo, Henrique de Senna Fernandes vai ambientes que despertam e transmitem imagens e relatando acontecimentos, que situa no tempo e nos sensações e transportam, mesmo aqueles que não lugares “reflectindo a realidade e o sonho, o passado os conheceram, para a escuridão das ruas e becos da e o presente, o vivido e o imaginado” (Abdallah- “cidade chinesa” ou do Porto Interior, ou para a luz e -Pretceille: 148), situações e experiências conhecidas ou o ar puro e fresco das praias e recantos à beira-mar e imaginadas, socorrendo-se, paralelamente, da descrição dos espaços verdes que caracterizavam a “cidade cristã” não só das personagens mas dos espaços e do tempo em ou para as “longínquas” e perigosas ilhas da Taipa e que toda a trama se desenrola. de Coloane que ficavam, nas palavras do autor, no Várias são as situações em que o espaço físico onde “cu de Judas”. a acção decorre é apresentado independentemente das É através das vidas, fartas e desafogadas, personagens. Assim, o autor interrompe a dinâmica da humildes e honestas, despreocupadas e errantes ou acção e dá-nos informações sobre o espaço geográfico algo esconsas e obscuras das suas personagens, que exterior, descreve-nos o interior de uma habitação, Senna Fernandes nos transporta para os lugares que construindo desta forma os cenários que nos vão estas percorrem ou que lhes são impostos pela sua situando no desenvolvimento da narrativa. O espaço condição ou estatuto económico, social ou cultural é também apresentado de uma forma subjectiva, e que fazem a Macau simples, serena e tolerante que englobando todos quantos nele se movimentam, mais o autor pretende recuperar, face à modernidade e próximo do campo psicológico das personagens.2 crescimento desmesurado a que assistiu na última Temos, assim, não só um espaço físico propriamente fase da sua vida. dito mas um espaço metafórico relacionado com os Esta mudança inevitável de Macau e o saudosismo sentimentos e as emoções que desperta nas personagens, que provoca, pelo seu desaparecimento lento, é tornado ligando-as inexoravelmente a ele, não lhes permitindo consciente através da verbalização dos pensamentos uma existência independente.

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A obra de Henrique de Senna que cada espaço parece assumir vida e ser um pedaço nossa análise os aspectos que se prendem com lugares ela visto não se poder misturar com as criadas chinesas Fernandes de história: “cada canto de Macau, seja avenida, seja de Macau, cujas descrições nos fazem embarcar numa nem pertencer à família; na Casa das Canossianas é calçada, beco ou pátio, tem o seu encanto e respira de viagem por ruas e becos da cidade, nos convidam a uma estranha no meio das órfãs chinesas, e assim, A obra de Henrique de Senna Fernandes mostra vida, [...] Esteja onde estiver o personagem retratado, entrar no interior de casas e igrejas e a conhecer a sucessivamente. Mesmo quando se impõe e obriga Lucas a cidade e a sociedade de Macau a partir da visão de há-de ele reportar-se a Macau, mais cedo ou mais sociedade da época. Os Dores conduzem-nos por uma Perene a aceitá-la em casa deste, não o faz por querer um interlocutor privilegiado, visto o próprio autor tarde.”3 Mas, a cidade que nos traz até nós é simples, cidade de um passado não muito longínquo e despertam pertencer àquele espaço mas somente porque não tem ser macaense, conhecer cada recanto de Macau e de pequena dimensão, onde todos se conhecem: “é a curiosidade pela descoberta de uma realidade rica e para onde ir e se encontra numa situação desesperada, movimentar-se dentro da teia de relações sociais que a Macau de céu imenso e de mar à porta, a Macau densa, na tentativa de revelar o que ainda resta após o tendo perdido todo o apoio e a aceitação mesmo das caracterizam a Macau do século xx. dos bairros, das tunas e dos ‘assaltos’ de Carnaval, a enorme desenvolvimento que tem vindo a mudar os amigas (Eunice e Júlia). Este autor canta uma Macau habitada por gentes Macau das beatas, da chuchumequice4 e do maldizer, rostos de Macau. Apesar de Leontina querer ultrapassar as barreiras de diferentes etnias, dando destaque ao sentir humano, a Macau das fontes e dos poços, a Macau das tranças, do espaço físico, com recurso ao espaço psicológico descrito de forma simples e profunda. Macau é povoada da Felicidade, do cheong sam, das pi-pá-chai, Macau dos Os espaços e os lugares em OS DORES12 que lhe é proporcionado pelas instrução transmitida por lugares que moldam a vida dos seus habitantes já cules, pregões e tin-tins.”5 pela Primázia e pelos sentimentos que vai acalentando O próprio autor assume6 que, em Macau, só por A leitura de Os Dores13 permitiu-nos, a partir de dentro de si, em última instância é o espaço que vai Aspecto da Rua da Felicidade nos inícios do século xx. paixão se pode escrever em português, considerando-se uma análise do discurso do romance, ir à descoberta determinando o desenrolar dos acontecimentos e a atira um solitário que, através da sua escrita, com paixão e dos recantos de Macau, ruas, vielas, edifícios, jardins, e para outro espaço, o qual, por sua vez, determina os dias persistência ia construindo o seu próprio mundo, onde de acontecimentos sociais que marcavam o quotidiano e as vivências sempre na expectativa de vir a ocupar o se sentia realizado. da sociedade daquela época. espaço físico que lhe daria estatuto e o reconhecimento Este mundo não passa além da sua cidade e, O enredo passa-se em Macau, “Terra do Santo de pessoa “branca e aloirada”(17) que possuía um bom daí, que estejamos perante “um caso único, realmente, Nome de Deus” (73), na primeira metade do século domínio de português. um romancista que escreve livros profundamente xx, tendo início numa “tarde triunfal de sol, naquele Na Macau dessa época, cada pessoa parecia enraizados na realidade de um mundo macaense”,7 “na dia de Outono de 1908” (15) e, tanto pela descrição pertencer a um determinado lugar e o facto de se memória de um Macau do princípio do século xx ou dos factos sociais como pela vida de Leontina das encontrar num espaço que não o seu causava estranheza. da primeira metade do século xx”.8 E de tal forma o Dores, depreende-se que se prolonga até ao período O autor usa o facto de Leontina ser caucasiana, faz, que, afirma ainda este estudioso, pós-Primeira Guerra Mundial. encontrada numa cabana de uma velha chinesa, que não “nos romances deste escritor, havia certas A figura principal, tal como todas as outras conhece pai nem mãe, para nos mostrar a importância actividades, se davam passeios até praias que já heroínas,14 tem uma vida de sofrimento e acalenta do espaço como determinante da personalidade e do não existem mais porque passaram a ser aterros sonhos e a esperança de um dia poder ser feliz ao lado desenrolar da história de vida de cada um. Leontina também, passatempos, por exemplo [...] havia do homem que ama, desde pequena, e do qual se viu nunca se enquadra em nenhum espaço: era imperioso mais espaço verde em Macau, mais zonas verdes, sempre afastada devido à sua condição de órfã sem eira tirá-la da cabana da velha chinesa, passou a biche,16 mais natureza, que já não existe, portanto, há nem beira e à fraqueza de Floriano crioula da casa dos Policarpo mas uma tentativa [...] em recuperar um Macau mais que, apesar da sua juventude e tinha que ficar escondida, porque era provinciano, idealizado talvez, menos moderno.”9 inteligência, não tem energia para estranho ter uma menina branca nessa Relativamente ao romance Os Dores, a sua lutar contra as convenções sociais e posição e isso fez com que muitos publicação em Setembro de 2012, por ocasião do as imposições familiares. pensassem tratar-se do resultado de segundo aniversário do falecimento do autor, integra- O espaço desempenha um uma aventura amorosa de Remígio -se no projecto de divulgação10 da obra completa de papel crucial no desenrolar da vida Policarpo; era estranho ver uma Henrique de Senna Fernandes, levada a cabo pelo das personagens, o que se torna bem menina de pele branca e a falar um Instituto Cultural do Governo da R.A.E. de Macau, patente sempre que o autor nos fala bom português num lugar que acolhia que inclui as obras já editadas bem como a edição dos da personagem principal, Leontina crianças chinesas; nos passeios por vários manuscritos deixados pelo autor. das Dores. Na cabana de Coloane, Macau com as outras meninas e as Trata-se de “um livro incompleto, assumidamente Leontina sobrevive como que madres era olhada com estranheza incompleto ... É claro que o autor não queria isso, queria suspensa no vazio, visto não possuir pelos transeuntes; quando vai viver acabar a história, mas lança os dados e o leitor melhor nem mesmo uma identidade, é uma para casa de Lucas Perene, na cidade deixará a sua imaginação funcionar e dar o desfecho rapariguita sem nome nem idade chinesa, ela própria se sente deslocada que ache justo”.11 certa,15 e ocupar um espaço que não e encara esse período como passageiro É, ainda, um romance que nos transporta para a lhe pertence; em casa dos Policarpo pensando um dia regressar ao seu Macau do início do século xx, tendo-se privilegiado na é-lhe destinado um espaço só para mundo, à “cidade cristã”.

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São várias as vezes que o autor nos fala dos saídas e as aventuras pela cidade quer quando alojada em chinesa”, Rua da Erva, uma ruela perto do Hospital espaços como recintos fechados e que não deixam as casa de Júlia, quer após o nascimento do filho, quando Kiang Wu o que provoca a crítica e a expulsão, tanto pessoas ter conhecimento do que se passa no mundo vai fazendo incursões17 no mundo que a tinha repelido, do lado cristão como da família chinesa. Casam pelos real, como por exemplo, Leontina fechada em casa ou, quando em casa de Perene e na miséria em que vive, ritos budistas para ganharem alguma dignidade no meio dos Policarpo não conhece a rua nem a cidade e, aparece Missy que lhe abre as portas da sua casa e lhe onde vivem, mas Angélica continua a ser apelidada posteriormente, enclausurada na Casa das Canossianas, dá a oportunidade de minorar o seu sofrimento. pelos seus como “amásia de chinês” (273). O sogro não sente os mais leves reflexos da guerra que avassalava O autor vai revelando indícios de que, mesmo de Angélica era comerciante médio, mas próspero, de a Europa. numa sociedade fechada e com códigos sociais bem óleo de ostra e peixe salgado e, a partir do momento Apesar de fechada num determinado espaço há definidos, em que cada um tem um determinado que a família chinesa decide aceitá-los, Angélica e sempre algo que tira Leontina desse confinamento: espaço físico e social, a mobilidade social é possível, Wai Hong mudam para a zona do Tap Seac, Estrada quando fechada em casa ou durante o castigo mas, mesmo nestes casos, faz-lhe corresponder uma Adolfo Loureiro, bairro cheio de floricultores e perto enclausurada no quarto, tem os livros e a janela que lhe mudança das personagens para um outro espaço físico. do “sumptuoso Jardim de Lou Kao [...]. A subida de dão acesso a um mundo rico de vivências e de liberdade; O caso de Angélica é bem elucidativo e evidencia, de status foi evidente” (274). Dona Crescência leva-a à igreja; quando mais crescida forma clara, esta indissociabillidade entre espaço e A mobilidade social está presente em quase vai à Rua Central fazer os recados das Policarpo; as estatuto social. Angélica, para fugir aos maus-tratos do todas as personagens: Lucas Perene ocupa vários freiras levam-na a passear em determinados dias; as pai e da madastra foge com um chinês para a “cidade espaços, conforme o estatuto social que adquire em cada momento da história, os Policarpo sonham com O cinematógrafo Vitória nos finais dos anos 20. Vista da Praia Grande, c. 1905. In Rogério Beltrão Coelho, Álbum Macau 1844-1974, 2.ª ed. (Macau: Fundação Oriente, 1990). o casamento de Floriano com Elfrida para subir na escala social, as meninas sonham casar com rapazes da leitor entra nas casas senhoriais, nos botequins, nas Praia Grande, etc. primeiras salas de cinema, nas festas, etc. e, sobretudo, Um outro aspecto que merece reflexão é um toma conhecimento com a cultura chinesa e portuguesa, sentimento de humanidade, presente em todo o enredo. nomeadamente, com a sociedade macaense. Mesmo nas situações de maior adversidade existe Macau surge como uma personagem com vida sempre uma bondade, um gesto de amizade, transversal e características próprias, na medida em que o autor a todos os grupos: Remígio Policarpo tira Leontina da descreve a cidade em contraste com a vizinha Hong cabana de Coloane; Dona Crescência é de uma bondade Kong, Xangai e Portugal e com o mundo ocidental e altruísmo a toda a prova com Leontina; Eunice e a saído da Primeira Guerra Mundial. irmã Micaela apoiam-na na vida do Convento; Júlia Hong Kong, devido à sua proximidade, ao acolhe-a em sua casa e dá-lhe trabalho e, mesmo no pior seu carácter cosmopolita e pelo facto de ser uma momento, quando se descobre a gravidez de Leontina, colónia britânica, é percepcionada como uma porta dá-lhe uma quantia considerável de dinheiro e roupa; de contacto com o mundo ocidental. Era um lugar Míssy começa por lhe sorrir, guardar a porta, dar-lhe onde se ia “refrescar a mente” e apanhar “um banho de trabalho no negócio familiar de roupas para criança e civilização”(75) e de progresso, ombreando com Paris, acaba por ser a verdadeira mãe do filho de Leontina; o Londres, Nova Iorque e Xangai. Por ser considerada Padre Peregrino compreende a situação de Leontina e “um campo de oportunidades maior do que Macau” baptiza-lhe o filho, etc. (139) muitos macaenses optavam por viver na colónia Macau é uma cidade onde há muita maledicência, vizinha, onde trabalhavam, principalmente, no sector chuchumequice e indiferença perante o sofrimento bancário.18 alheio, mas é, sobretudo, um lugar de gestos nobres Ir a Hong Kong, “a fabulosa cidade” (154), entre os membros de cada uma das cidades e mesmo fazer compras era sinal de poder económico e conferia entre os da “cidade cristã” e da “cidade chinesa”. estatuto social, pelo que funciona como um lugar de sonho. Elfrida Madruga mostra que é de uma família rica, importando o seu vestido de noiva de Hong Kong Macau no romance Os Dores e Leontina sonha que Floriano a vem resgatar da sua Ao descrever a vida de Leontina das Dores, uma tristeza e a leva para Hong Kong, onde irão viver o seu criança encontrada na Coloane do início do século xx amor (169). por Floriano, filho de uma família macaense, o autor Numa referência a Xangai, do período pós transporta-nos para uma variedade de ambiências. O Primeira Guerra Mundial, Senna Fernandes diz tratar-

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-se de “uma grande metrópole comercial que entrara A falta de oportunidades para os jovens estudarem numa prosperidade alucinante” (74), apelidando-a de e singrarem na vida são aspectos evidenciados pelo Paris do Oriente. autor que nos mostra, ainda, estarem as personagens Cantão é apenas referido por albergar o Hospital conscientes desses condicionalismos; no entanto, a Alemão de Cantão, famoso em todo o Extremo Oriente pacatez de Macau é realçada como um factor positivo pela qualidade dos seus médicos (114-122). que a põe a salvo dos horrores da guerra. A Primeira As Montanhas de Shantung, no Nordeste da Grande Guerra pouca influência teve em Macau onde China, (122) são o sanatório para estrangeiros devido “a grande percentagem do povo” continuou “auferindo à sua paisagem exuberante e ao clima parecido com os mesmos hábitos e o mesmo estilo de vida” (73). o da Suíça (114). Os “bons ares da montanha” (122) são uma alternativa para os que não podem ir para Itinerário do romance Os Dores a Suíça tratar-se, mas, mesmo assim, fica longe de Macau e só é acessível a famílias ricas, visto a viagem O romance tem início no canal entre as ilhas ser dispendiosa e nem Floriano, filho de uma família da Taipa e Coloane para, de seguida, nos transportar abastada, tinha possibilidades financeiras para custear para a enseada de Seak Pai Van, onde barcos de recreio esta deslocação. deslizavam para fundear na linha da praia. Aquela Portugal aparece no romance como “um país de parte de Coloane “apresentava uma mata luxuriante de que os padres mestres tanto falavam exaltando o amor árvores e arbustos, para além do areal” (15) e a paisagem pátrio”(31) e um lugar para onde os jovens aspiravam ir era animada pelos “gorjeios da passarada” (15). O resto continuar os estudos após conclusão do liceu. Floriano da ilha era “uma paisagem imóvel, escalavrada, pesadas acalentava o sonho de ir cursar Direito na Universidade rochas graníticas e vegetação maninha” (15). Existem de Coimbra, por considerar que “Macau era pequena várias referências à ilha de Coloane que aparece descrita demais para ele” (98). Em muitos casos, era um lugar como um “antro de piratas” (21), uma ilha dos piratas imaginado por quem “nunca vira Portugal e falava de (45), situada no cu de Judas (26). Nas colinas mais ouvido” (31) de um país que ficava no “outro extremo distantes existiam “fojos de piratas”(16) que podiam

do mundo [...] a mês e tal de viagem de barco” (101). Há aparecer do lado de Coloane onde se encontrava “uma Portas do Cerco, 1913. ainda referências à importação, por parte das famílias desconjuntada cabana de palha e bambu” (17) que abastadas, de produtos portugueses, nomeadamente, servia de refúgio aos chineses mais pobres. Para além que lhe estava interdita e da qual apenas lhe chegavam de S. Lourenço, permitiu-lhe ver lojas de “mouros”, os vinhos de mesa e o vinho do Porto. disso, devido a ser um lugar distante e isolado, tinham os ecos das “muitas pessoas que subiam e desciam por vendilhões ambulantes, o poço21 público de água Também Londres aparece como um destino para ali instalado a leprosaria de Ká Hó, “mas para lá chegar ela [...] os constantes pregões matinais e nocturnos cristalina, perto da escadaria para a igreja, e sentir o os estudantes que desejam prosseguir os estudos, como era preciso calcorrear caminhos de cabras” (93). dos vendilhões ambulantes de canja e de sopa de fitas, pulsar de uma rua barulhenta. é o caso de Sebastião Madruga: filho de Comendador, A praia, as rochas, a mata e as pedras povoam do padeiro de pão quente, do amolador de facas, do A igreja afigura-se-lhe como uma casa grande, fizera o ensino primário no Seminário de S. José e a paisagem visionada por um grupo de homens, remendão de sapatos e do homem dos tin-tins” (39). com piso alto, cheia de bancos e estátuas de santos, prosseguiu os estudos em Londres (109). pescadores por paixão, que regressam a Macau após A primeira saída de Leontina é uma oportunidade destacando-se a “imagem severa e triste do Nosso Há ainda duas referências a Timor mas, apenas, um dia de pesca (16). para conhecermos a Calçada de Santo Agostinho, uma Senhor Bom Jesus dos Passos” (57), povoada por alguns para nos dizer que em casa dos Policarpo se bebia café As poucas referências à ilha da Taipa dão-nos rua “íngreme e escorregadia e com casario aglomerado” devotos e, sobretudo, por andorinhas que esvoaçavam aromático de Timor e que “[c]omo não podia deixar de conta de ser um local propício para fazer piqueniques, (40). de um lado para o outro e enchiam o ar com o seu ser, na casa dos Madrugas, o café era de Timor” (111). no entanto, era raro ir-se a esta ilha, pois as excursões Numa referência ao estatuto social das pessoas chilreio. Para além disso, tinha uma sala de convívio, Por contraste com estes lugares, Macau é descrito para a “terra-china” (243) eram mais cómodas e mais que moravam nesta artéria da cidade, diz tratar-se de onde as senhoras se reuniam para programar as como “[u]m sossegado burgo provinciano, sem rápidas, através das Portas do Cerco. Existe ainda uma famílias de classe média, tal como os Policarpo, família actividades da paróquia (100) e um jardim, um espaço dificuldades e problemas económicos de maior” (73), alusão à Praia da Esperança, na Taipa, de areia branca, que vivia “bem e confortavelmente, com certa largueza, aberto com árvores, canteiros e borboletas. “fora dos circuitos internacionais e perdida num canto “encimada por um renque de casas elegantes” (244) e cozinha saborosa e trato hospitaleiro” (27). No bairro de S. Lourenço vivia a aristocracia, ribeirinho do Extremo Oriente, [...] vivendo metida à ermida de Nossa Senhora do Carmo (245). Após seis meses, Leontina foi baptizada na igreja como é o caso de Dona Emília Madruga “aparentada consigo mesma” (ibidem). Através da vida da personagem principal, Senna de S. Lourenço e é, também, esta igreja o primeiro com algumas casas fidalgas de Portugal” (92) pelo que A “pequenez da terra” leva o autor a afirmar que Fernandes revela-nos os cantos e recantos de Macau. lugar que visita, passados mais de dois anos20 de os casamentos das pessoas ricas, Elfrida e Floriano, se em Macau toda a gente se conhece (98) e tudo se sabe Assim, Leontina, trazida para Macau por Remígio reclusão em casa dos Policarpo. A biche acompanha realizavam na igreja de S. Lourenço. (118), tendo que se ter o máximo cuidado para não se Policarpo, viveu muito tempo enclausurada na casa dos D. Crescência à missa e este trajecto, de casa dos “Aos onze anos, Leontina tinha permissão de sair” cair nas bocas do mundo. Policarpo, na Calçada de Santo Agostinho,19 uma rua Policarpos (Calçada de Santo Agostinho) até à igreja (47) para ir aviar os recados das três Policarpo às lojas dos

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“mouros” da Rua Central, “mesmo à esquina da Calçada Bondosa e culta é relegada para o Asilo após ter de Santo Agostinho” (31), local de concentração dos expressado a vontade de ensinar a crioula a tocar piano “mouros” que vendiam toda uma variedade de materiais o que é visto por Glafira como uma ameaça, uma necessários à costura doméstica (botões, lantejoulas, tentativa de colocar a crioula em pé de igualdade com novelos de lã, laços, ligas, fivelas, etc.). Nesta rua existia as suas filhas. um “pequeno estanque de tabaco” (57) que abastecia É, contudo, a expulsão de Leontina de casa dos D. Glafira com “finas cigarrilhas filipinas” (57) e lojas Policarpo que dá o mote ao escritor para nos revelar a de guloseimas, rebuçados e chocolates para Alzira. Aos cidade de Macau que “lhe pareceu assombrosamente domingos, depois da missa das 11 na Sé Catedral, era grande” (57) já que a rapariga apenas conhecia a Rua costume subir a Rua Central para admirar as maravilhas Central, a parte dos “mouros”, a igreja de S. Lourenço das lojas dos “mouros”, a abarrotar de todas as novidades e a igreja de Santo António23 e tudo o resto lhe tinha que faziam o encanto das senhoras. sido interdito. O Asilo das Inválidas da Santa Casa da A viagem é feita de riquexó, meio de transporte Misericórdia22 acolhe viúvas sem grandes recursos mais comum, numa altura em que já havia automóveis, e é aí que Dona Crescência, após uma longa espera embora “raros” (127), e, agora, Leontina toma contacto e por influência do cunhado Remígio, consegue com grandes casarões, ruas “plácidas”, o Bazar, o instalar-se “num quarto acanhado” (43). De facto, “dormente” e mal iluminado Largo do Leal Senado Dona Crescência, a Primázia, prima de D. Glafira, (174), o “burburinhante” Largo de S. Domingos, a despromovida socialmente devido ao casamento com Rua da Palha, a “calma” Rua de São Paulo, os “casarões um sargento, após ter enviuvado, é acolhida na casa assobradados dos abastados mamões24 de Santo dos Policarpo e torna-se a fada madrinha de Leontina. António” (27).

Largo do Leal Senado, 1938. In Rogério Beltrão Coelho, Álbum Macau 1844-1974, 2.ª ed. (Macau: Fundação Oriente, 1990).

Casa de Beneficência, c. 1925. In Cecília Jorge e Rogério Beltrão Coelho, Álbum Macau: Memória da Cidade (Macau: Livros do Oriente, 2005).

A Rua da Palha era uma artéria apertada onde se Convento era um enorme casarão com uma fachada amontoavam “vendilhões de comidas, acepipes e fritos, sombria e triste, com um pesado portão e uma aldrava penteadeiras [...] o barbeiro e o dentista ambulantes, para anunciar a chegada dos visitantes. No interior com as suas clássicas cadeiras do ofício” (57), riquexós havia corredores, muitas portas, pátio interior com e muitas pessoas que faziam compras nas “lojecas”, que poço, árvores pequenas e canteiros de plantas floridas, passavam na rua ou iam a caminho do mercado. “uma vasta e despida” sala de recreio, os dormitórios Esta rua teve um forte impacto naquela que, das alunas organizados segundo as idades. Deveria ser em breve, passaria de crioula dos Policarpo a bambina um edifício de rés-do-chão e primeiro andar porque das Canossianas. Ficou apavorada “com a multidão de é referido que, para chegar ao dormitório das mais transeuntes” (57) “apressados que se acotovelavam, os crescidas, tinham que subir as escadas. O dormitório mendigos com choradas litanias, os vendilhões berrando era amplo, “sombrio e despido”, com camas de ferro à compita, o cheiro de alcaçuz, de cânfora e de ervas alinhadas e distribuídas em três filas e, junto a cada medicinais duma farmácia tradicional chinesa, o aroma cama, havia um cacifo para os haveres das alunas. de sândalo duma loja de pivetes e a zorra25 vergada de A Casa de Beneficência das Madres Canossianas, lenha que subia a caminho da Rua de S. Paulo” (87). durante a primeira parte do romance, aparece como um Distraída a admirar a cidade, não vislumbrava lugar para onde vão as crianças chinesas desprotegidas que o seu destino era a Casa de Beneficência das e, também, como o pior dos castigos. De facto, durante Madres Canossianas que “recolhia todas as enjeitadas, anos, “no auge das descomposturas, D. Glafira e as encontradas a esmo pela cidade ou vindas do Asilo da filhas ameaçavam-na” de a mandar para o Convento Santa Infância” (26). Situado num largo, ao cima da das Canossianas para se tornar numa bambina,26 “um Calçada do Botelho e da igreja de Santo António, o castigo impiedoso” (56). No entanto, apesar da nudez,

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da austeridade do espaço e do rigor das regras, este é um envergando um “severíssimo e feio uniforme cinzento Com a chegada de Leontina a casa de Júlia, Senna (254) e os locais preferidos de Eunice por estes serem lugar bem mais aprazível do que o lar dos Policarpo, [...] sem nenhum ornamento, nem mesmo pó-de-arroz” Fernandes, pelos olhos da protagonista, faz-nos mais um frequentados pelos “rapazes bonitos”. onde Leontina cresce como pessoa e usufrui de algum (64) e, por outro lado, podiam ver-se “manifestações de retrato do espaço que seria agora o seu novo lar e local Leontina, com alguma relutância, acompanhava prestígio social pelo facto de falar bem português e de ter riqueza, gente bem vestida, crianças bem alimentadas, de trabalho, situado num primeiro andar, com o atelier Eunice ao cinema e ao Jardim Público de S. Francisco, umas feições caucasianas, afirmando o autor que “aquele vigiadas pelas criadas”(64), etc. no rés-do-chão, na Rua do Hospital,27 no seguimento para ouvir a Banda Municipal e apreciar os “rapazes recolhimento conventual fora uma bênção para ela” (60). A preocupação com a educação é visível, da Rua de S. Domingos, ponto nevrálgico da cidade, bonitos” que por lá apareciam. Neste Jardim, Leontina Este “mundo fechado” preparava as asiladas “para abundando alusões a: Seminário de S. José (28), que servia o Baixo Monte e fazia a ligação da Rua do não se sentia muito à vontade, já que o picadeiro e a rua as lides domésticas, sem pretensões para voos mais para a formação de padres e o lugar onde muitos Campo com os Largos de S. Domingos e do Senado, principal do mesmo eram frequentados por gente bem altos” (60). jovens macaenses receberam uma sólida educação ao Bazar. Júlia fora muito “hospitaleira” (77) e tinha-lhe vestida, e não queria sentir-se diminuída. Leontina é recebida com uma certa estranheza (31); Externato do Seminário de S. José (186); Liceu destinado “um aposento de tamanho suficiente para se Um dos muitos acasos, que o autor é exímio a e desconforto tanto entre as raparigas como entre as (186); Colégio de Santa Rosa de Lima dedicado ao mover e, coisa melhor, um universo só seu. Uma janela, criar, fez com que as duas amigas saíssem do Jardim Madres. Hostilizada por umas e tratada como estranha “ensino primário para meninas” que aí aprendiam rasgava-se para o tardoz do prédio, donde divisava o e, fruto da curiosidade e novidade para Leontina, por outras, é protegida por Madre Micaela e pelo grupo “os rudimentos da instrução primária” (30) e Escola quintalzinho da casa com poço, uma ruela serpenteante deparam-se com uma paisagem que a arrebatou. encabeçado por Eunice, que viam no convívio com ela Comercial onde se aprendia inglês, “rudimentos de de construções baixas. [...] Tinha, além do armário, uma “A Baía da Praia Grande recobria-se de oiro do sol uma forma de adquirir prestígio social. contabilidade” (30) e dactilografia, Portugal, com cama de solteira de boas molas, um simples toucador que declinava atrás da Ilha da Lapa. [...] Toda a Este espaço condiciona o futuro das raparigas, destaque para a Universidade de Coimbra, e Londres de espelho redondo e uma escrivaninha” (77). orla do casario da Praia Grande, em curva graciosa, educadas apenas para trabalhos caseiros e para uma vida para onde se ia continuar os estudos, as escolas dos Nem mesmo agora a liberdade de passear pela duma ponta à outra desde o Grémio Militar à simples sem alimentarem sonhos de uma vida melhor. asilos, etc. cidade é total, porque havia todo um conjunto de arruinada Fortaleza do Bom Parto resplandecia, Mesmo Leontina, menina com uma educação esmerada A escola é um espaço que todos podem frequentar preconceitos quanto a horas e locais mais adequados ornada de árvores frondosas. [...] a ermida da e que falava um bom português e também chinês, só mas cada uma delas está destinada a um grupo social para uma rapariga frequentar. Penha, o Hotel Bela Vista, o Palacete de Santa dentro da Casa tem possibilidade de ensinar as asiladas e, em alguns casos, apenas a um dos sexos. Cada A amizade de Eunice é o motor que impulsiona as Sancha, o Palácio do Governo, o Tribunal, os mais novas mas, após sair das Canossianas, segue o um tem acesso a um tipo de educação e, apesar de aventuras pela cidade e as duas raparigas participam na contornos superiores da igreja de S. Lourenço, do mesmo rumo que as restantes e, tal como Eunice, uma Leontina receber uma educação esmerada, através do vida social destinada aos jovens da sua condição social, Seminário de S. José e da Sé Catedral” (82, 83). asilada asiática, vai trabalhar para o atelier de costura esforço de D. Crescência, é o seu desembaraço nas lides vão ao cinema e passeiam pelas artérias da cidade. O autor descreve, ainda, e de forma pictórica, de Júlia, também ela saída do Convento. domésticas e na costura que lhe garantem o sustento. Um dia, por acaso, vão ao Jardim Público de S. a calma transmitida pelo movimento: “dos juncos O correspondente à Casa das Canossianas é o Os seus conhecimentos causam admiração, mas não lhe Francisco para ouvir a Banda Municipal e apreciar os preguiçosos nos ancoradouros”, das “lorchas e sampanas Asilo dos Órfãos, onde estavam os irmãos de Eunice, dão oportunidade de ascensão social ou de uma vida “rapazes bonitos” (82). O acesso ao jardim podia fazer- que balanceavam ao sabor da maré”, ou o frenesim “dos visto tratar-se de um asilo que recolhia rapazes órfãos melhor e, mesmo ela, só se vê a ser reconhecida pela -se através de um portão gradeado ou por um portão tancares diminutos num labor incessante de vaivém ou de famílias sem recursos para sustentar os filhos, sociedade como membro da “cidade cristã” através do mais pequeno que dava para a Baía, perto do Grémio riscavam em tiras de espuma o manto esverdeado da mas este espaço não ocupa um lugar predominante no casamento com Floriano, que nunca chega a acontecer Militar. Neste jardim há um coreto, um pavilhão água dos princípios de Setembro” (83). romance, talvez devido a ter uma figura feminina como e não pela educação. chinês onde, na altura, funcionava uma casa de chá, No romance há referências breves a outros protagonista principal e, sobretudo, porque na cultura Apenas no espaço restrito e fechado da Casa das mas o centro das atenções estava no “picadeiro” ou na espaços, tais como: igreja de Santo Agostinho (57), chinesa os filhos gozam de um estatuto superior ao das Canossianas, a cor da pele, o domínio do português rua principal, onde desfilava gente bem vestida. Áleas igreja de Santo António (58) em cujo adro “[h]avia raparigas, não havendo tantos abandonos e sendo raros e o nível de conhecimentos, muito elevado para uma discretas e frondosas levavam até ao coreto. O mar sempre conversa fiada” (279), igreja de S. Lázaro (84, os casos de venda de filhos. rapariga da idade dela, lhe permitem usufruir de um estava a uns passos do jardim e a Baía da Praia Grande 125), à calma Rua de S. Paulo (58), Travessa dos Anjos A vida na Casa das Canossianas decorria dentro estatuto preferencial, tendo sido elevada à condição era um lugar mágico quando o sol se punha atrás da (84), Rua de S. Domingos (85), Rua da Palanchica de uma rotina interrompida pelos passeios das quintas- de professora das mais pequenas. No entanto, anseia Ilha da Lapa (82), um lugar para passear (106). O (247), Rua das Lorchas (269), Rua das Alabardas (270), -feiras, das quatro às cinco e meia, em que as raparigas, sair para encontrar Floriano e viver o amor que por ele mar de Macau tinha uma característica particular, era Rua da Prainha (238), Rua do Hospital dos Gatos, acompanhadas das Madres, em fila indiana, duas a nutre e que lhe tem dado forças para aceitar resignada de um esverdeado carregado no mês de Abril (153) actual Rua George Chinnery, (238), Rua do Seminário duas, rumavam, normalmente, ao Jardim Camões as agruras da vida. e as várias praias eram muito frequentadas, até pelos (242), Rua Abreu Nunes (127), Rua dos Mercadores ou percorriam as ruas da cidade, sem itinerário fixo. A saída de Leontina do Convento permite-lhe estrangeiros, durante a época balnear que começava em (119) muito movimentada às três da tarde, Largo de Iam, aleatoriamente, à Praia Grande, ao Jardim de S. usufruir de uma maior liberdade e de oportunidades fins de Maio (153). Camões (73), Tap Seac (152), zona militar interdita da Francisco, ao Campal, ao Jardim Vasco da Gama, à para satisfazer a sua curiosidade de conhecer o mundo Frente ao Jardim de S. Francisco ficava a Rua de fortaleza de D. Maria II; Hospital de S. Rafael (103), Estrada da Vitória ou ao bairro da Flora. Neste bairro que lhe tinha estado interdito. Santa Clara com os seus casarões albergando “gente Mercado de S. Domingos, praia da Chácara do Leitão havia “lindas vivendas, disseminadas entre vegetação No percurso até ao atelier de costura da Júlia influente” (83). (155), morro pedregoso de Macau-Seak, mar das Nove tratada” (64). Matos, o amolador de facas, o homem dos tin-tins e os O Jardim de S. Francisco e o Jardim Vasco da Ilhas (158), etc. Estes passeios revelam o contraste social porque riquexós, transportando pessoas e bagagens, povoam Gama eram os eleitos pelas famílias para os passeios Havia por toda a cidade muitos estabelecimentos vemos, por um lado, as bambinas das Canossianas as ruas. dominicais e para ouvir as bandas tocar nos coretos comerciais: loja do vendedor de pato assado, loja de

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Inferno, de Cacilhas, da Ilha Verde, Pedra de Areca, Ma- facto, Perene, habituado a ir pescar para Coloane e a La-Chau, ilha da Ribeira Grande da Lapa (258), etc. ouvir as histórias das gentes do Porto Interior, entendia É devido à sua fama de pescador que Perene é que “em Macau, as distâncias nunca eram demasiadas” aceite como guia da expedição do grupo de amigos mas, por outro lado, a irmã, Angélica “que nunca de Eunice que resolvem, para suavizar o rigor da saíra do Território, trezentos metros era longe, um Quaresma, ir pescar e fazer um piquenique. Nesse quilómetro, o fim do mundo” (275). dia, Leontina toma contacto com um mundo que Também Leontina, na primeira vez que foi a lhe era desconhecido: Montanha Russa, pinheiral da casa de Lucas Perene, dominada pelo sentimento de Guia, estância da Flora (de vivendas elegantes e fora desencanto e cheia de raiva e sede de vingança, não se de portas), palacete de Verão com jardim, canteiros e deu conta da pobreza e da imundice que ali reinavam chafarizes, miradouros da Estrada de S. Francisco e da e, só quando assume que terá de aí viver, se interroga Estrada de Cacilhas de onde se avistava o mar repleto sobre como foi possível não ter visto o estado lastimável de juncos (142); Ramal dos Mouros de “vegetação e a miséria daquele espaço e como Perene, pertencendo compacta” (153) local para piqueniques e de onde, a uma família macaense e de algumas posses, pode viver embora com bastante dificuldade, se podia aceder à naquele lugar Depois de ter limpo e organizado a casa, Praia de Cacilhas, na qual não se aconselhava nadar mas esta parece-lhe menos desconfortável. Naquela pobreza se podia pescar, especialmente, “gordas asas-amarelas” encontra um pequeno espaço, apertado e entalado entre (147); etc. A Praia de Cacilhas é descrita como uma as paredes das casas, onde se situa o poço e elege-o “praia em concha suave, relativamente grande” (153) como o seu local predilecto neste novo mundo onde a e de areia fina. Na ponta da baía de Cacilhas, havia um necessidade a obriga a viver. pequeno pagode rodeado de rochedos, local ideal para pescar asas-amarelas (148). Macau, um espaço físico e social O Ramal dos Mouros, com o seu espesso Porto Interior, c. 1925. In Cecília Jorge e R. Beltrão Coelho, Álbum Macau: Sítios, Gentes e Vivências (Macau: Livros do Oriente, 1991). em mudança arvoredo, “bosque compacto” (154), ficava “fora de fritos (267 e 269), lojeca de venda de cervejas (173), loja flutuante” (186), pelos trabalhadores das dragas da portas”(147) e os pais só autorizavam os filhos a ir lá Com o final da Primeira Grande Guerra, de venda de vinhos chineses (253), hospedaria chinesa Capitania dos Portos (186), isto é, pessoas que tinham desde que acompanhados por pessoas mais velhas. Macau, que não tinha sido directamente afectada pelo na Rua do Bocage e outra numa esquina para a Praça uma “mentalidade e um modo de vida” sem qualquer Mong-Há era um conjunto de terrenos baldios conflito, sofre alterações, quer em termos topográficos, Ponte e Horta, etc. afinidade com a “cidade cristã” (187). É onde Lucas onde os jovens rapazes improvisavam um campo e aí quer em termos sociais. De facto, o fim da Primeira Os jovens vão festejar o aniversário de uma das Perene se refugia após o escândalo provocado pelo jogavam partidas de futebol (82). Guerra Mundial trouxe a Macau “um vento imparável raparigas numa casa de fan-tim (estabelecimento de divórcio, porque aí aceitam as pessoas sem perguntas e Perene é um personagem muito rico na medida comidas), na Rua das Estalagens, no Bazar (144) e Júlia, os ecos dos escândalos da “cidade cristã” não chegavam em que se movimenta em vários meios e decide viver Avenida Almeida Ribeiro, c. 1925. In Rogério Beltrão Coelho, Álbum Macau como recompensa pelo bom trabalho no atelier, convida lá nem afectavam a vida das pessoas. Através das várias no Porto Interior onde se sente feliz no meio de gente 1844-1974, 2.ª ed. (Macau: Fundação Oriente, 1990). as costureiras para jantar num fan-tim da Travessa dos alusões ao Porto Interior transparece uma admiração que o aceita e que gosta dele, sem o querer mudar e Mastros (168) e para uma ida ao cinema. do autor por este espaço, onde as personagens, dentro tentar impor-lhe uma vida segundo um determinado O Fortim do 1.o de Dezembro (82) é descrito dos limites e das agruras da sua vida, são felizes e livres padrão social. Mulherengo e jogador, conhece todas como um lugar onde os juncos recolhiam as velas, e onde existe amizade e respeito pelo Outro, qualquer as vicissitudes de Macau e tem plena consciência de “lorchas e sampanas balanceavam ao sabor da maré” que seja o seu estatuto social ou o tipo de vida. Perene que, na “cidade cristã”, reprovam o seu estilo de vida (82) e os pequenos tancares andavam numa azáfama. foge de casa do pai e, mais tarde, de casa dos sogros, e apenas o aceitam por interesse quando precisam de Havia ali um cais de pedra, em plano inclinado, onde lugares onde vivia com certo conforto mas onde não alguém para conduzir uma pescaria. todos os dias se descarregavam cestas de vime cheias era feliz e, a partir de certa altura, embora sinta pressão Num dos encontros com Leontina leva-a ao de pescado (83). para mudar de profissão e se afastar do mundo do Porto restaurante Fat Sio Lau e, para não chocar a rapariga, Macau tinha, também, um cais do vapor da Interior, vai reflectindo e mostrando que aquele é um evita a porta principal que dava para a Rua da Felicidade, carreira “onde muita gente acorria” para se despedir ou mundo de liberdade e sem preconceitos e onde se pode a “famosa artéria do amor” (174). No restaurante receber os viajantes (122). ser livre e feliz. ouviam-se as vozes falsetes das cantadeiras, os acordes Os encontros de Leontina com outros personagens Perene, exímio pescador à linha, é requisitado do alaúde e do pei-pá, o barulho dos tamancos, os gritos são o mote necessário para o autor nos dar a conhecer porque todos reconhecem a sua perícia em localizar dos condutores de riquexó e os risos de mulher. mais recantos de Macau. Assim, Lucas Perene fala-nos o peixe, principalmente asas-amarelas, e conduz, com Um aspecto que merece realce tem a ver com a do Porto Interior, um espaço habitado por “gente perícia, os pescadores pelos rochedos da Boca do percepção do espaço por parte das personagens. De

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Mais uma vez Hong Kong e Xangai são referidas passam despercebidas ao autor, aproveitando este, relação entre estatuto social e o local onde se mora, o como as principais origens dessas novidades que de forma natural, as atitudes das personagens para tipo de casa e de decoração. Assim, os Policarpo são chegavam a Macau, e que, de forma algo relutante, retratar o Macau em mudança e o sentimento de uma família de classe média29 visto não pertencerem à devido ao conservadorismo e aos preconceitos, iam saudade gerado nas pessoas. Na praia de Cacilhas, “fina flor da Praia Grande e de S. Lourenço, da chamada ganhando adeptos quer no sector masculino quer no Leontina fixa a paisagem na memória, porque sabe Primeira Sociedade, nem terem a abastança dos mamões feminino, muito, também, por força dos “ingleses que que, dentro em breve, tudo aquilo irá desaparecer de Santo António” (27). Na Praia Grande reside a elite se hospedavam no Hotel Bela Vista e nadavam nas praias para dar lugar ao porto novo, uma zona que irá macaense e o sonho das meninas é casar com um menino de S. Pedro e do Bom Pastor, não obedecendo às regras transformar-se em aterros. “Esta praia está condenada. desta zona. Feliciana Policarpo, pelo facto de saber inglês e aos padrões de estilo local” (75). Penteados, sapatos E é pena” (155). e de possuir dotes de boa dona de casa, sonhava casar e “belos figurinos” (75) faziam a inveja das mulheres com um menino da Praia Grande (30). locais, enquanto os homens passaram a usar “chapéu “Cidades de Macau” ligação dos A descrição da casa dos Policarpo mostra que a achatado de palhas com tarja preta”, (75) substituindo lugares às pessoas e ao estatuto habitação estava dividida em várias partes cada uma as gravatas por laços pequenos e colarinhos moles, social das quais habitada por um determinado grupo social: muito mais práticos, tal como os fatos de fazenda clara a dependência das criadas chinesas, uma diminuta substituíram os fatos pretos de Inverno e os brancos O espaço e a condição social estão vincados, ao arrecadação transformada em quarto de Leontina (uma de Verão. O visual passou a ser mais leve, “imitando longo de todo o texto, e está bem patente na seguinte espécie de limbo onde só ela se movimenta), “aquela Hotel Boa Vista, c. 1900. In Cecília Jorge e R. Beltrão Coelho, Álbum Macau: Sítios, Gentes e Vivências (Macau: Livros do Oriente, 1991). famosos actores latinos do cinema de faces escanhoadas, exclamação de espanto e quase incredibilidade: “Que que passou a ser a crioula ou criação dos Policarpos” em vez de barba grossa e bigodes façanhudos” (75). mistério, aquele, o de uma garotita de traços caucásicos, (26) dormia separada dos criados, “numa divisória à de modernidade” (73), visto que as antigas rotas O cinema era o “elemento mais corrosivo” já que no meio da petizada chinesa...?” (17) para, a seguir, parte” (34). A casa dos Policarpos tinha uma área onde comerciais foram restabelecidas e outras novas foram as “suas revelações eram tomadas como verdadeiras”(75) afirmar: “Tirá-la daquele ambiente impunha-se”(18). “dominavam as mulheres”, o “gineceu das mulheres” criadas e os porões dos barcos que aportavam a Macau pelos inúmeros espectadores que enchiam barracões e A descrição do lar dos Policarpos e a comparação (35), constituído pelo “quarto grande das meninas, o vinham carregados de “novidades chocantes: modelos armazéns adaptados a animatógrafos. com outras zonas da cidade mostram, de novo, a íntima quarto de costura (boudoir de costura), a cozinha e o de automóveis nunca vistos, aparelhos eléctricos, “... as madres e os padres invectivavam que o gramofones e grafonolas, um nunca estancar de artigos cinema era a fonte perversa do pecado, porque Largo de de S. Lourenço, c. 1900. In Cecília Jorge e R. Beltrão Coelho, Álbum Macau: Sítios, Gentes e Vivências (Macau: Livros do Oriente, 1991). variados que tornavam a existência mais confortável, provocava a lascívia, a violência, os maus costumes mais amena e mais “civilizada” (74). e piores vícios. Não podia haver mais eficaz meio A abertura da Avenida Almeida Ribeiro, em para o Inferno. As prédicas chegavam a aterrorizar 1915, veio tirar o brilho à Rua Central e as pessoas os corações juvenis. Ficava-se mesmo com uma que queriam ser vistas e admirar nesta “as maravilhas ideia negra do entretenimento” (79-80). importadas pelo mouros” passaram a frequentar ao Todas estas alterações eram apresentadas, domingo esta nova artéria, o que dava visibilidade e com alguma ousadia, principalmente do sector estatuto social: feminino, na missa das onze na Sé Catedral. “Vestidos, “... recentemente completada Avenida de calçado, chapéus ‘modernos’ cabelos desbastados [...] Almeida Ribeiro com as suas graciosas arcadas acentuavam outra nota à missa” (76). coloniais onde se concentravam as melhores lojas Pelo contrário, a “cidade chinesa”, “arreigada às de comerciantes chineses, sapatarias, ourivesarias, suas ideias, estilo de vida, gostos e indumentária, ciosa casas de chá, artéria que, ligando em linha recta a dos seus padrões de existência, parecia viver costas Praia Grande com o Porto Interior, mas rasgando voltadas ao quotidiano ocidental”28 (76), não sendo o histórico Bazar em duas partes, era, ao tempo, afectada por todas estas mudanças. o orgulho de Macau” (76). As saídas à noite são frequentes, numa altura em É aqui que Leontina passeia após a ida ao cinema que já havia luz nas casas (134) e nas ruas (137). e onde deseja entrar num café com Floriano para que As lojas de canja e os pequenos restaurantes todos a vejam com ele e a reconheçam socialmente e, chineses são locais frequentados pelos jovens de várias é por esse facto que, no primeiro encontro ao fim de classes sociais que aí vão para conviver e comer canja vários anos de separação, ela se insurge quando ele a chinesa. convida para ir a uma loja de canja doce, cuja fama só As mudanças que vão acontecendo na fisionomia ele reconhece, pretendendo apenas, ficar “protegido de de Macau e o sentimento de que alguns lugares irão, curiosidades indiscretas e linguareiras” (86). irremediavelmente, desaparecer para sempre não

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quintal, onde os homens da casa, excepto Marcolino, A biblioteca é um aposento bastante amplo, perto praticamente não penetravam” (34). da sala, três paredes com estantes acima do meio; na Havia ainda o quarto de Floriano, “um largo quarta parede havia duas janelas que davam para o aposento que apelidavam de biblioteca” (34), o quarto quintal, uma secretária muito grande cheia de papéis e dos hóspedes, a sala de jantar, a sala de estar, o gabinete dossiers, tinteiro, caneta e mata-borrão encaixilhado e do dono da casa, vestíbulo e corredores. tudo de prata, livros de encadernação luxuosa e, mais A entrada da casa tinha pelo menos um degrau ali, sofá e poltronas, para meditação e leitura, alumiados (“quando o ouviu pisar o degrau granítico da entrada”) por abat-jours (112). (47) de pedra granítica e deveria tratar-se de uma casa de Como vimos já, a casa da Júlia ficava na Rua do rés-do-chão e primeiro andar, “subindo para o primeiro Hospital. Se o quarto que foi destinado a Leontina era andar e descendo para o rés-do-chão” (44). No quintal, de tamanho suficiente para se mover e para uma cama acanhado e cercado por muros da vizinhança e da de solteiro, um toucador de espelho, um armário e uma própria casa, havia um caramboleiro, plantas e flores, escrivaninha, já o quarto da Júlia tinha uma grande um banco de madeira carcomida. cama de casal, quadros e bijutarias, duas janelas viradas O quarto de Leontina é o seu refúgio, o lugar para a rua, mesinha de cabeceira, etc. No rés-do-chão onde tem oportunidade de devorar livros e de viajar ficava o atelier de costura. para fora do mundo limitado, a que as Policarpo a A casa de Perene ficava no Baixo Monte, na Travessa queriam confinar, para conhecer a vida e o mundo. de Sancho Pança (189), “uma rua calma” (205) onde de No entanto, trata-se de um diminuto cubículo onde manhã se acordava com o cantar dos galos e os pregões só cabia uma estreita cama de ferro e um pequeno dos vendilhões de comida; pequeno quintal; lâmpada armário e cujo tecto não conseguia impedir a água, em eléctrica; janelas que davam para o “quintalzinho [...] noites de chuvada, de se infiltrar e pingar molhando pequeníssimo troço de terra apertado entre a casinha a cama. Este reduzido pedaço da casa que lhe estava e a parede vizinha” (201); quartinho de banho; uma reservado tinha uma janela bastante larga, que dava cozinha. Era uma casa muito pobre e que estava imunda, acesso ao quintal, situada a um metro do chão, o que intrigava Leontina: “[c]omo aceitava assim situação que fazia com que fosse bafejada pela brisa viver José Lucas Perene, filho de classe média e que se fresca do Verão e ficasse protegida dos ventos gelados apresentava com certa educação e estudos, não entrava Grémio Militar (actual Clube Militar), c. 1925. In Rogério Beltrão Coelho, Álbum Macau 1844-1974, 2.ª ed. (Macau: Fundação Oriente, 1990). de Inverno. no seu entendimento” (205). No tardoz, havia um Embora não se tratasse de uma casa luxuosa, o poço de água limpa, “cercado por altas paredes que não Como já anteriormente referido, o autor dá-nos grande Sebastião Madruga” (94) e, assim, realizar o seu facto de se encontrar muito limpa e arrumada e de permitiam devassa alheia” (205); chão de madeira velha uma visão de um Macau onde a mobilidade social é sonho de apertar a mão ao Governador (29) porque os possuir uma carpete persa e quadros nas paredes granjeia todo esburacado; nesta rua moravam chineses modestos; um sonho que, em alguns casos, se torna realidade. Madruga têm acesso ao Palácio do Governo. a aprovação de Emília Madruga, uma senhora que nas noites de calor e de luar as mulheres sentavam-se na No caso dos Policarpo, o casamento de Floriano Ser convidado para casa de uma família de determinava quem podia ou não pertencer ao grupo rua e conversavam sobre tudo, mexericos, preços dos com Elfrida é um acontecimento que dá não só um estatuto social elevado era uma enorme distinção de senhoras da elite aristocrática. alimentos, mezinhas caseiras, etc. (278). Numa dessas maior estatuto social a Floriano mas a toda a família porque “uma vez penetrados nos domínios da casa, A casa dos Madruga é objecto de uma longa noites, na tentativa de conquistar Leontina, José Lucas Policarpo enquanto que é visto pelos irmãos de Elfrida quebravam-se as distâncias de classe e ficava-se com a descrição por se tratar de uma família aristocrata que juntou-se ao grupo o que causou mal-estar porque “um com um mau casamento porque se trata de casar grata sensação que todos eram iguais” (108). morava em Santo António. O autor concentra-se em homem nada tinha que fazer ali”(278). com uma pessoa “fora da sua classe”(122). D. Emília O convite para a família Policarpo jantar na descrever a ornamentação dizendo-nos que cheira a Nem as igrejas escapam a esta associação com incentiva o namoro e aceita o casamento da filha com mansão dos Madruga, em Santo António, criou uma alfazema e benjoim, tem lustre no vestíbulo, a sala uma determinada classe social e a Sé Catedral surge Floriano porque, segundo ela, o rapaz “tinha planta esperança, já que o casal Policarpo via no casamento é grande e “pesadamente luxuosa”, sofás, poltronas, como sendo frequentada pelas pessoas da sociedade. É de gentleman, qualidades e postura para furar barreiras de Floriano com Elfrida uma oportunidade para subir alcatifa persa, mesinhas espalhadas pela sala com aqui que se dá o Grito do Ipiranga, “na missa chique das sociais e misturar-se com as melhores famílias. Em na escala social. valiosos ornamentos e bijutarias de porcelana, retratos onze horas de Domingo”, quando algumas senhoras da confronto com os peralvilhos de “sangue azul” da Macau é uma sociedade em que a “categoria”, a óleo dos pais dos donos da casa; quadros de paisagem sociedade apareceram envergando a nova moda: roupa, terra, ele ultrapassava-os em muito” (100). A senhora dada pelo estatuto económico ou pela vida profissional, inglesa, marinhas e de natureza morta, uma lareira calçado, chapéus modernos e cabelos desbastados. não podia compreender como é que “um rebento de determina os lugares que se podem frequentar. falsa ostentando pratos da Companhia das Índias, “Esqueceram-se as orações, a homília do padre, as tanta categoria” podia ter nascido de “gente de meia Há lugares que conferem prestígio social aos armários envidraçados exibindo pratas, abat-jours “que atenções concentradas nos perfis que acentuavam outra tigela” (100). que neles conseguem pisar, tais como, o Palácio do convidavam à leitura, dois lustres enormes no tecto com nota à missa. Para longe arrenegados os resquícios da Remígio Policarpo via na amizade da mulher com Governo, o Clube de Macau e o Grémio Militar (actual lágrimas de cristal, ventoinha de tecto”(108). era vitoriana e mesmo da eduardina” (76). D. Emília “um trampolim para [...] se aproximar do Clube Militar). No Palácio do Governo tinham lugar as

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literatura literature

recepções e os bailes para os quais só eram convidadas senhoras e convenceram, definitivamente, D. Emília a “assalto” consistia em, tuna e mascarados, irem a uma esquina da Calçada das Virtudes e passa frente à janela as pessoas importantes, pelo que, ser convidado para aceitar Glafira no rol das suas amigas, o que foi para determinada casa que os esperava de porta aberta. (294) sem dar mostras de a reconhecer. cruzar o umbral da entrada do Palácio “era o acume esta uma verdadeira conquista. Entravam todos e anfitriões, convidados e foliões O leitor pode optar por vários desfechos, máximo de consideração para muito boa gente, no A casa é o lugar onde se reúnem os amigos em rodopiavam ao som da tuna ou de grupos musicais. no entanto, o autor deixa-nos uma Leontina micro mundo de Macau. Era uma honra que satisfazia animados serões, onde se tocava; Remígio, violino e D. Eram servidas bebidas à discrição; bebidas alcoólicas, inconformada com a sua situação económica e social, a vaidade, um privilégio” (29). Glafira, piano (28). garrafões de tinto e branco, refrescos, cerveja, ponche uma mulher assaltada por um forte sentimento de não O autor de forma muito subtil dá-nos conta A costura e os bordados eram habilidades com sabor de hortelã e gin (128). Depois da meia- estar a viver no lugar a que pertence e que tenta sair deste facto e, por exemplo, quando descreve Crescência necessárias a uma boa dona de casa e, muitas das casas noite, era a hora da ceia mas antes “quebrava-se o da vida de monotonia e de mesmice para tentar reatar diz-nos que esta casou com um sargento do Exército, macaenses, dispunham de “boudoir de costura” (47); anonimato das máscaras, como era costume”(132). com o seu mundo, a sua gente. A sua luta interior e o desiludindo os pais que a tinham criado para altos ter livros em casa aparece como algo comum em casa Quem não tirasse a máscara corria o risco de ser sentir-se só, sem ninguém que a possa compreender, voos e, agora, nem sequer podiam ser “sócios dos das famílias macaenses (45), o gabinete de trabalho de convidado a retirar-se da festa. A multidão juntava- faz com que não consiga desenvolver o sentimento de clubes de elite que eram o Clube de Macau e o Grémio Remígio com estantes carregadas de livros; os homens se à porta de casa dos “assaltados” para a ceia que maternidade, porque mesmo o filho que carregou no Militar”(36). ficaram à mesa para fumar os charutos e, depois disso, era servida a todos. Durante a época de Carnaval os ventre é fruto da sua tenacidade em se vingar dos que Senna Fernandes numa alusão aos metropolitanos juntaram-se às senhoras na sala para o café. “assaltos” repetiam-se e eram ocasiões em que todos a rejeitaram e não o filho que ela desejava ter e que diz que estes gozam de estatuto social e isso é visível Cada lugar tem um código e exige o cumprimento se misturavam num folguedo que permitia um espaço lhe daria o lugar de membro da família Policarpo e o quando refere que D. Emília Madruga se relacionava de regras para se poder sentir como seu e ser reconhecido de encontro entre jovens. Remígio encontra Glafira amor de Floriano. com a “fina flor da elite” e abria a sua “rica mansão à Rua pelo Outro como uma pertença natural, isto é, não se num baile de Carnaval, dança toda a noite com ela e Nas últimas páginas do romance vemos uma do Padre António, aos funcionários mais importantes sentir estrangeiro e não sentir o olhar de estranheza seis meses depois tornam-se marido e mulher (29) e Leontina que se veste com esmero para percorrer espaços da Administração, os quais durante a sua presença em dos outros. Eunice, também, começa a namorar com aquele que a que sente pertencer: sai da Rua de Sancho Pança e Macau se enquadravam na elite (92). Também os acontecimentos religiosos (Quaresma, irá ser o seu marido na noite de Carnaval. dirige-se à Sé para assistir à missa; vai a uma loja de As senhoras, como D. Glafira e D. Emília, procissões, missa, etc.) e os mundanos (Carnaval, “O Carnaval era sempre campo para o início de canjas da Rua da Palha; no domingo, passeia na Avenida encontram-se na missa, no terço, via-sacra e nas várias cinema, bailes, passeios nos jardins, etc.) servem para derriços e namoros que tantas vezes terminavam Almeida Ribeiro, etc. Escolhe o domingo porque era o actividades em que participam “as senhoras paroquianas quebrar as barreiras sociais. As procissões da Cruz e em coisa séria. A rigidez dos costumes quebrava- dia ideal para ver e ser vista, principalmente nas missas da igreja de S. Lourenço” (92) e os convites para casa, do Senhor dos Passos eram muito concorridas, na -se, estava-se mais liberto de peias, havia um certo de maior afluência, na Avenida Almeida Ribeiro, na principalmente por parte das senhoras mais abastadas Quaresma toda a “cidade cristã” se remete para uma atrevimento incomportável noutras ocasiões” Rua Central, nas matinées dos cinemas e nos jardins como D. Emília Madruga, eram tidos como um sinal atitude de rigoroso recato e devoção, mas é o Carnaval (131, 132). públicos de Vasco da Gama e de S. Francisco (290). de aproximação e, por conseguinte de ascensão social. que acorda a cidade da monotonia e coloca lado a lado As tunas e os mascarados concentravam-se na Vai à “missa das onze horas na Sé, a missa mais chique Mas, certa vez o acaso levou a que uma das toda a “cidade cristã”, sem distinção de classe social. É Rua de Santa Clara, junto ao Jardim de S. Francisco, do tempo” (290). reuniões com fins de caridade não se pudesse realizar uma “longa tradição” e todos se divertem e brincam, para depois seguirem até à casa do “assalto” onde todos Será que Leontina algum dia irá conseguir habitar na igreja. “desentorpecem as pernas e entregam-se, de alma e eram recebidos de forma igual, independentemente da o espaço que julga pertencer-lhe? D. Glafira viu aqui a oportunidade da coração, aos folguedos” (122), deixando de lado os condição social. Podemos dizer que o Carnaval permite problemas e as dificuldades da vida. Os preparativos um quebrar da estrutura social rígida e aproxima as aproximação tão ansiada com D. Emília e ofereceu Conclusão a sua casa para que as senhoras se pudessem reunir. começam nas três semanas anteriores com os ensaios pessoas que se tornam iguais debaixo de máscaras e O convite apenas é aceite por Emília por se tratar das tunas que planeiam os “assaltos” às casas com envergando as mais diversas fantasias. O romance, como texto literário e, acima de de uma emergência e não se vislumbrar outro local possibilidades económicas para receber os foliões. As Foi numa noite de Carnaval que Leontina se tudo, como produto do imaginário do autor, assenta onde esta pudesse ser efectuada; D. Emília só visitava pessoas fantasiavam-se (bobos e mascarados): dominó, entregou a Floriano que a mimou com promessas nas representações que este detém, quer no campo a “aristocracia” (94) e “os Policarpo não pertenciam à chacha-velha, “brejeirando em patoá [...] Metiam-se uns de amor mas que, após essa noite, desaparece para se social quer no psicológico e cultural, e que determinam aristocracia” (100). com os outros, linguagem solta que ninguém levava casar com a filha dos Madruga. Leontina acalentou a acção, o espaço, o tempo e as personagens que o D. Glafira teve que recorrer aos dotes de dona a mal por ser Carnaval [...] Tudo na brincadeira sem a esperança de estar grávida de Floriano e, perante compõem. Esta afirmação aplica-se na perfeição a de casa para apresentar uma casa limpa e a brilhar e ofensa”(125). a desilusão, desenha um plano de vingança, o qual Henrique de Senna Fernandes visto tratar-se de um uma mesa farta com as melhores iguarias da culinária No primeiro Carnaval de Leontina, o cortejo, acaba por se voltar contra si própria: sai para se vingar autor que escreve a partir da sua própria condição macaenses. “Na véspera do dia da reunião toda a casa que se realizava sempre à noite, passou pela Rua do de Floriano e acaba na cama de Perene, acto que, mais de macaense e nos dá conta de uma cidade com andou em polvorosa [...] Queria tudo na ponta da unha. Campo e dirigiu-se à Calçada do Gaio. A reacção tarde, a obriga a ir viver na “cidade chinesa”. características peculiares. [...] Planeou um chá riquíssimo, fora das proporções de das pessoas é de curiosidade: enquanto, das casas, A última imagem do romance mostra-nos Recorrendo às suas memórias reporta-nos para os uma simples reunião”(94), o que não agradou ao marido espreitavam à janela, os transeuntes paravam Leontina à janela de casa, na Travessa de Sancho Pança, inícios do século xx e fala-nos de uma cidade dividida que a dissuadiu a apresentar algo mais sóbrio, menos “pasmados” com aquele grupo barulhento e as crianças sentindo a monotonia do lugar e desejando sair o mais em duas partes distintas, cada uma delas habitada por dispendioso, mas saboroso. Assim foi, e primou pelas chinesas soltavam uma “fraseologia desbocada” (127) depressa possível daquele pequeno mundo, e um vulto gente diferente, não só no aspecto psicológico mas, iguarias da cozinha macaense que fizeram as delícias das em português, com distorção das consoantes. O trajado integralmente de preto, Floriano, que aparece na igualmente, no seu estatuto sociocultural.

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literatura literature

Esta divisão é real, existindo, contudo, a ideia espaços descritos pelo autor, como a Sé Catedral, o quando, a Macau visitar a amante mas sempre com a ideia, que acaba Cristo, depois da prisão” (151). Esta noite era aproveitada pelos jovens por concretizar, de a levar para Hong Kong. para passear, até pouco depois das onze da noite, na cidade cristã longe permanente de uma permeabilidade possível entre Palacete de Santa Sancha, actual sede do Governo da 19 Numa primeira referência ficamos a saber que os Policarpos viviam da censura dos mais velho: “toda uma cidade na rua, nessa noite de ambos os espaços, determinando, em última análise, RAEM, continuam inalterados e outros adquiriram na Calçada do Tronco Velho (21); posteriormente, situa a família devoção” (152). a vida das personagens, a forma como se relacionam e outras funcionalidades, como é o caso do Hotel Bela Policarpo na Calçada de Santo Agostinho (27, 28, 33, 36, 37, 43, 24 “Mamão” é um termo usado em Macau para designar todo o filho do 46, etc. ). Trata-se, em ambos os casos, de artérias com ligação à Rua bairro de Santo António. Numa conferência proferida no Instituto são vistas pelo Outro. Vista, o qual permaneceu como um hotel de referência Central pelo que este facto não interfere com o conteúdo do romance. Internacional de Macau, Senna Fernandes afirmou que “todos Atento ao que se passa à sua volta, dá-nos conta até Dezembro de 1999, data a partir da qual passa a 20 Pelas referências do autor podemos concluir que Leontina esteve perto conheciam o bairro em que cada família vivia. O bairro de Santo de um aspecto relevante, verificado ao longo dos residência consular de Portugal. de três anos sem sair de casa visto que foi baptizada “seis meses depois” António era o bairro dos mamões, os chás gordos que lá se davam de ter chegado a casa dos Policarpo, “com cinco anos calculados” (27) “eram de caixão à cova”, tendo mesmo falecido uma pessoa durante séculos: a mudança da cidade, fruto da influência que A análise de Os Dores evidencia, de forma e “a primeira saída se dar quando ela ia “a caminho de oito anos” (41). um desses chás gordos; “era um indivíduo que comia, comia, e lhe chega principalmente do exterior. inequívoca, que o ambiente dos romances não é apenas 21 Há uma referência frequente ao poço, sendo este um elemento que depois sentava-se, comia tanto que um dia morreu mesmo de tanto Até 1915, a Rua Central era o local para onde um local onde acontece a acção que os caracteriza, mas o autor destaca como importante na Macau da época. Os poços comer”, contou Senna Fernandes fazendo os presentes rir”. http:// públicos, o poço da Igreja, o poço da Casa das Canossianas, o poço macauantigo.blogspot.com/2010/01/memorias-de-henrique-senna- as pessoas se dirigiam aos domingos, após a missa um espaço que reflecte, igualmente, as características da casa de Lucas Perene, etc. A par deste elemento, encontramos -fernandes.html [consultado em 02/01/14]. das onze na Sé Catedral, para apreciar as maravilhas das personagens, onde se retrata uma espécie de referências ao riquexó como meio de transporte de pessoas e bens 25 Zorra, carro baixo, com quatro rodas, para transporte de objectos importadas pelos “mouros” mas, a partir dessa data, a geografia de sentimentos. muito comum na altura, a biblioteca, presente em todas as casas das muito pesados (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em famílias macaenses mais abastadas, e ao jardim das casas mais ricas. linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/zorra). Consultado Avenida Almeida Ribeiro passa a ser o centro de todas De conteúdo denso e rico o romance Os Dores 22 O Asilo das Inválidas (Seabra: 611), foi criado em 1900 num edifício em 29-12-2013. as atenções, o centro nevrálgico da cidade. não se esgota nesta abordagem, visto tratar-se, em da Santa Casa da Misericórdia ond anteriormente tinha funcionado 26 Bambinos nome usado para designar as órfãs, quase sempre chinesas, São muitas as mudanças a que se assistiu, e nosso entender, de um documento que permite um Asilo para Órfãos. Não existe uma referência directa ao papel da recolhidas pelo Asilo da Santa Infância das irmãs Canossianas. (cf. Santa Casa da Misericórdia, no entanto, ao longo do romance vai-se Pina Cabral, 1992: 16). alguns dos espaços aqui retratados há muito que uma multiplicidade de leituras e uma descoberta aflorando a importância desta instituição na protecção dos órfãos, 27 Actual Rua Pedro Nolasco da Silva. desaparecerem. Porém, apesar das muitas alterações constante de Macau nos seus aspectos físico, cultural viúvas e dos mais desprotegidos, tanto chineses como portugueses. 28 A este propósito Brookshaw (2006) afirma: “Mas há, ao mesmo que transformaram a topografia de Macau, alguns e social. 23 é através da descrição de uma tradição enraizada em Macau mas tempo, uma espécie de convivência, uma dependência da ‘cidade que, também, está presente em Portugal, por exemplo em Viana cristã’ e da ‘cidade chinesa”’ que parecem viver de costas um para o do Castelo, que ficamos a conhecer as igrejas de Macau. “Correr as outro”. igrejas”, tradição que consistia numa peregrinação nocturna para 29 “Viviam bem e confortavelmente, com certa largueza, cozinha “visitar as igrejas, pelo menos sete, a pé, representando os passos de saborosa e trato hospitaleiro”(27).

notas

1 David Brookshaw (2006), referindo-se à divisão de Macau em cidade 13 Os Dores são uma obra inédita e inacabada, o que no entender de chinesa e cidade cristã. Miguel de Senna Fernandes não se deve a uma decisão deliberada 2 Aquilo a que Lins (1976) chama de ambientação e que define como “os mas, talvez, à falta de tempo ou ao autor se ter perdido no deambular bibliografia processos conhecidos ou possíveis, destinados a provocar na narrativa por outras vidas e em conversa com outras gentes. a noção de um determinado ambiente” (77), descrição esta que estaria 14 Victorina, em Amor de Dedinhos de Pé e A-Leng, de Trança Feiticeira. intimamente ligada com recursos estilísticos e com a criatividade e o 15 Na primeira parte esta personagem é referida apenas como “uma Abdallah-Pretceille, Martine (2010). “La littérature comme espace Lins, Osman. Lima Barreto e o Espaço Romanesco (1976). S. Paulo: estilo do autor, conferindo um cariz artístico à narrativa. rapariguita de cinco anos, branca e aloirada”(17); uma “garota” (17) d’apprentissage de l’altérité et du divers”. Synergies Brésil n.° Ática. 3 Miguel de Senna Fernandes, no prefácio do romance Os Dores. de quem não se conhecia nem pai nem mãe (18); “uma garotita” spécial 2, pp. 145-155. Seabra, Leonor Diaz de (2007). “A mulher na Misericórdia de 4 Chuchumequice – termo usado em Macau para designar o acto de (21) e apenas seis meses depois de ter ido para casa dos Policarpo, Brookshaw, David (2006). “Entrevista” por Vanessa Sérgio. Macau”. Administração - Revista da Administração Pública “intromissão nos assuntos alheios, coscuvilhices”. uma família católica, é que é baptizada e passa a ter nome: Leontina Plural Pluriel: revue des cultures de langue portugaise, 3, de Macau, n.º 76, pp. 605-617. 5 Miguel de Senna Fernandes, no prefácio do romance Os Dores. das Dores. Apesar disso vai sendo apelidada de biche ou crioula dos Textes et Documents (http://www.pluralpluriel.org/index. Senna Fernandes, Henrique (2012). Os Dores. Macau: Instituto Conforme o Glossário desta obra, o termo tin-tins é usado para Policarpo e de bambina das Canossianas. designar o “homem que compra objectos usados e se faz anunciar, 16 Pina Cabral (1992) refere ser frequente nos anos 30 e 40 do século php?option=com_content&view= article&id=161:numero- Cultural do Governo da RAEM. pelas ruas, ao som de um ferro batido numa chapa metálica”. xx, devido à guerra e à depressão económica, muitos pais chineses 3-textes-et-documents&catid=36:contes-croniques- 6 Entrevista editada pelo jornal brasileiro O Globo, em 25 de Outubro venderem ou abandonaram as filhas pelo que o número de órfãs poesie&Itemid=57). Acesso em 20 Dezembro 2013, de 2010. em Macau era muito numeroso. Também havia rapazes órfãos ou Cabral, João de Pina & Lourenço, Nelson (1992). “A questão das 7 Brookshaw (2006), “Entrevista” por Vanessa Sérgio (ver Bibliografia). abandonados mas em menor número. “entre 1876 e 1926, esta origens: As relações interétnicas e a condição feminina em 8 Ibidem. ordem religiosa [irmãs Canossianas] criou 32 960 raparigas chinesas Macau” Sociologia. Problemas e Práticas, 11, pp. 9-25. 9 Ibidem. abandonadas, por oposição a 1446 rapazes chineses” (ibidem, 16). 10 Para além do romance Os Dores, Miguel de Senna Fernandes,afirmou Ainda este autor diz ser prática normal as famílias macaenses mais ter o pai deixado vários manuscritos que irão ser publicados, tais abastadas terem ao seu serviço “várias destas raparigas” e “a expressão como A Noite Caiu em Dezembro, entretanto publicado, em 2015, portuguesa utilizada pela comunidade macaense para se referir a elas pelo Instituto Cultural do Governo da RAEM, e O Pai das Orquídeas, era ‘bichas’”(17). Segundo Senna Fernandes, “Era usual nas famílias ainda a aguardar publicação. macaenses recolherem-se crianças abandonadas ou enjeitadas [...] 11 Miguel de Senna Fernandes em entrevista a Hélder Beja, Jornal Ponto Eram as biches ou crioulas...” (26-27). Final, Outubro de 2012. 17 Passeia nas ruas da “cidade cristã”, baptiza o filho numa igreja católica, 12 As citações inseridas ao longo do texto nas quais se indica apenas a vai à missa à Sé, etc. página foram retiradas da obra de Henrique de Senna Fernandes, Os 18 No romance, o Sr. Alexandre, macaense, vive em Hong Kong, é Dores, 1.ª edição, Instituto Cultural de Macau, 2012. um importante funcionário bancário, ganha bem e vem, de vez em

122 Revista de Cultura • 53 • 2016 2016 • 53 • Review of Culture 123 historiografia historiography

The Timor-Macao Sandalwood Trade and the Asian Discovery of the Great South Land?

Geoffrey C. Gunn*

Although connected to ancient trade routes, Asia. By the end of the 17th century, however, Timor the eastern or Indonesian archipelago was virtually emerged at centre-stage of intra-colonial rivalry in unknown to ancient Greece and Rome. At the best, the eastern archipelago. In this contest Portugal (and in the late Renaissance it was presented in Ptolemy Holland), respectively, were obliged to adapt to local revival atlases as a cluster of islands off the southern and regional power including overarching Chinese extremity of the Eurasian landmass. Known to China trade networks that made their ventures commercially and India from an early period as the prime source of viable. It is important, then, to consider the way that coveted sandalwood, the island of Timor (meaning the European trade with Timor fitted into or, at least, east in Malay), part of the Sunda chain of islands interrupted, age-old Asian tributary and long-distance stretching east of Bali, also attracted the attention trading networks radiating out of, variously, India, of the first arriving European traders in Southeast Java, Malacca, and China. Lying some 500 kilometres off northern Australia, Timor Island would appear to be a jumping-off point for voyages further south, * Emeritus Professor, Nagasaki University, he has published books on Indochina and we seek to know when and how Asian seafarers (Laos, Cambodia and Vietnam) as well as Macao (Encountering Macau, A Portuguese City-State on the Periphery of China, 1557-1999, Westview Press, made this contact. Timor, notably, was touched by 1996). His most recent books are History Without Borders: The Making of an East- the Magellan-Elcano circumnavigation appearing in Southeast Asian Region, 1000-1800 (University of Hong Kong Press, 2011); and, Rice Wars in Colonial Vietnam: The Great Famine and the Viet Minh Road to Power early travel accounts associated with that journey. Yet (Rowman & Littlefield Publishers, 2014). the revelation to Europe of Terra Australis Incognita by Professor Emérito da Universidade de Nagasaki, publicou livros sobre a Indochina the French Dieppe school of mapmakers, remained (Laos, Camboja e Vietname), bem como sobre Macau (Encountering Macau, A Portuguese City-State on the Periphery of China, 1557-1999, Westview Press, allegorical or constrained by classical constructs of 1996). History Without Borders: The Making of an East-Southeast Asian Region, the antipodes, at least until the physical discovery, 1000-1800 (University of Hong Kong Press, 2011) e Rice Wars in Colonial Vietnam: th 'Timor', Manuel Godinho de Erédia, The Great Famine and the Viet Minh Road to Power (Rowman & Littlefield mapping (and naming) of Australia in the 17 and Declaraçam de Malaca (1613). Publishers, 2014) são as suas obras recentes. 18th centuries.

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historiografia historiography

Setting aside the Iberian contest over the acknowledging that the ‘new world’ was in fact home a native economy. Throughout the archipelago, he II. The Sandalwood Trade and the Moluccas, the evolution of Portuguese authority in to a world-system prior to its incorporation in 1492. By offers, the VOC succeeded through ‘brutal assaults and Chinese Discovery of Timor the eastern archipelago during and after the ‘long’ contrast, Wallerstein (1974, 1979, 1984, 1989, 2004) sustained naval attacks’ where the Portuguese failed in 17th century, responded to or worked within several and others regard capital accumulation over the past winning monopolies. But the ‘historic achievement The importance of sandalwood to outsider important restraints which we heed in the following 500 years as the motor force of world-system theory of the Portuguese’, he continues, was to accelerate the interest in Timor merits digression. Most studies of analysis. As described by Portuguese historian Artur and continuous capital accumulation as the differentia political and commercial fragmentation of the western Timor agree that early contacts with Timor were linked Teodoro de Matos, these are fourfold; first, the specifica of the ‘modern world-system’. In the latter view, archipelago disrupting and destroying, particularly the with sandalwood exploitation. Reaching back 5,000 confrontation between Portuguese power and that of the world empires or tributary systems were dominated integrative thrust of the Malacca Sultanate. The only years, Egyptian, Indian and Chinese texts all mention Muslims of Macassar in zones over which both claimed by ideological questions as opposed to the economic exception to the rule that local economies were actually sandalwood. Writing of the ancient sandalwood trade, nominal sovereignty; second, the threat posed by the law of value in the accumulation of capital. For Frank contracting, he offers, is the case of Aceh in northern the Dutch geographer Ferdinand Ormeling (1956: 96) Dutch East India Company (VOC); third, internal (1993, 1994), the debate is really about continuity Sumatra. noted that it bore the character of a thin gold thread revolts fomented by the powerful Timorese kingdom versus discontinuity in world history. In this discussion we should not also ignore linking Timor with Java’s coasts and on to India and of Wehale; and fourth, the actions of an indigenised For Wallerstein (1989), the East Indies remained certain of the assumptions of the school of general China. In both these countries the aromatic wood or creolised group on Timor, notionally loyal to the external to the European system between 1500 and crisis of the 17th century, given early voice in French found use in religious and burial ceremonies long before Portuguese Crown, but in fact acting independently 1800. The Portuguese did not break ‘the international Enlightenment philosopher Voltaire’s pioneering the advent of the Portuguese. Chinese incense sticks (Matos, 1974: 74-78). To this enumeration, we should Asian character of trade’ and only conducted trade on global history, Essai sur les moeurs et l’esprit des nations offer but one example of the use of sandal in powdered also add the long durée role of Chinese traders on terms established by the Asian nations. In making this (1756), that uprisings across Europe found their match form. It was also the coveted raw material used for the Timor Island, revived again in the 17th century with claim Wallerstein also finds support in arguments of in India, China and Japan. While there is more than carving of fans and boxes (entering Chinese imperial the introduction of Macao-based merchant groups. the pre-war opponent of Eurocentric historiography, a little coincidence in these events, we cannot ignore household collections). Oil extracted from sandal In other words, the Timor-Macao case allows us to J.C. van Leur (1955). Asia, in the Wallersteinean view, the impact even in the Timor-Solor-Flores zone of the heartwood was also highly valued. As such, sandal interrogate two conflicting civilisational crossover therefore remained an ‘external arena’ in a relationship consequences of such climactic European events as the entered the circuits of long-distance trade as a luxury or framings of space—and there were many—namely between two zones ‘not within a single division of Dutch revolt against Spain (1567-1648), the Spanish prestige item. Despite the entry of this commodity into China’s Nanyang, and Portugal’s highly contrived labour’ involving the trade in luxury goods versus conquest of Portugal in 1580, the running war by the a world-market, traditional social relations on Timor Estado da India. trade in bulk or necessities. According to Wallerstein Dutch against the Iberian powers in South America was relatively untouched; transactions were mainly First, this article enters the discussion on world (1989: 132), ‘luxury exports’ refers to the disposition and the broader Asian region, Portugal’s official renewal with local rulers, and the foreign impact was restricted incorporation of peripheral zones, as with Timor, of socially low-value items at prices far higher than of war with the Dutch in 1621, and the Portuguese to the coastal regions. versus its Asian tributary status vis-à-vis China. A those obtainable for their alternate usages. Such traffic overthrow of Spanish rule in 1640-68 (Parker and Dutch scholars have established that, reaching second section touches upon the sandalwood trade then is only applicable between two separate historical Smith, 1978). back to Srivijaya (c. 7th to 11th century CE), the and the Chinese discovery of Timor. A third turns systems holding different measures of social values. But to offer a totally European-determinate Sumatra-based thalassocratic city-state, sandalwood to early Portuguese interest in the sandalwood trade. Such obviously was the case of prized nutmeg and cloves view of events of this period would be to seriously from Timor was transported to the Malacca Straits Fourth, it then engages the Dutch and the sandalwood from the Moluccas, which entered trade chains reaching underestimate the strength of what can be termed, area and then via the monsoon-controlled trade routes trade. Fifth, it discusses the Macao connection with to Europe, but it was also the case of sandalwood from after Japanese historian Hamashita Takeshi (1994, to both India and China. Citing local ‘annals’, the the sandalwood trade. Finally, it raises the possibility Timor which entered the ‘external arena’ in India 1995), the ‘tribute trade system’. Asian history writ English East India Company official John Crawfurd of an Asian discovery of the Great South Land, versus and China via Java or Malacca as a product of luxury large, he reminds us, is ‘the history of a unified system (1820: 148-149), observed that, as early as 1332, the Portuguese discovery narratives, with special reference consumption in religious ceremonies. characterised by internal tribute or tribute-trade Javanese along with Malays frequented Ternate in the to Malacca-based Portuguese cosmographer, Manuel The Wallersteinean view that the East Indies relations, with China at the centre’. He sees this Spice Islands as the ‘first link in the long commercial Godinho de Erédia’s Nusa Antara, or ‘land inbetween’. remained outside the European system up until around regional conception of history as ‘the premise’ of an chain’ reaching from the Moluccas to Europe. There 1750, and that the Portuguese and Dutch relations with understanding of modern Asia. While, to be sure, we is no question that sandalwood from Timor entered I. World Incorporation or Asian the Asian states were essentially conducted on Asian cannot ignore, respectively, China’s and Japan’s varying this chain as a commodity of Indian or Arab trade. Tributary Power? terms, has been challenged by Victor Lieberman (1990, responses to the new Euro-centric trading patterns, at We also know from such Chinese sources as the 1225 1999, 2003, 2009). But while van Leur was correct the same time, we should not neglect the new rising accounts of the Chinese Inspector of Overseas Trade, The phenomenon of European expansion, to signal the maritime outpost character of the trade, centres of power, namely Islamic Macassar and other Chau Ju-Kua (Zhao Rugua 趙汝适) that Timor was which Timor seems to exemplify, has drawn heated Lieberman asserts that even in line with Wallerstein’s regions. While for Frank and Gills (1993), the general regarded as a place rich in sandalwood. Ming dynasty debate between two broad schools of world history. other criteria, archipelagic Southeast Asia was already distinction between the 500 years and 5,000 years records are more eloquent on the subject, describing This has been summarised by Frank and Gills (1993) on the way to peripheralisation by 1650 or 1700. Not debate continuities, the question which concerns us Timor as an island covered with the aromatic wood as turning upon 500 years of history or a 5,000-years to burden this discussion with more facts and theory, here is whether Portugal ruptured or accommodated and having at least twelve landing places where Chinese perspective. The 5,000-year perspective allows for a Lieberman offers the example of the Manila galleon existing Asian maritime trading networks in the eastern merchants made their landfall (Ormeling, 1956: 96; seamless view of history stretching back to antiquity, trade which ‘deadened’ Spanish interest in developing archipelago. Ptak 1983). Also, from this time a direct sea route to

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Timor was opened up by Chinese navigators through continuing east skirting the southern shores of Flores South China Sea, meant a fundamental shift in the way from overcutting. Ancient sandal groves were only the Sulu and Celebes (Sulawesi) Seas to the Moluccas but, with Sumba in sight, direct to the western end of that trade was conducted, including the trade in sandal, rediscovered in 1900 after regrowth. In any case, Java (Sakurai, 1997: 11). Timor (Ch’ih-wên). From here, the Chinese traders notwithstanding the obligatory accommodation on the was well endowed with multiple resources. In contrast From his reading of Chinese sources on this chose a course that would take them either to the north part of the Iberian power with local tributary networks. to this ‘sell-out’ model, stood Sumba, also known to the question, Roderich Ptak (1987: 32) has established that or south coast of the island, in the latter case sighting first Europeans as the ‘sandalwood island’. Traditional the earliest extant Chinese description of Timor is that Solor (Su-lü ta-shan). The voyage from Banten, after The Cultural Ecology of Sandalwood rulers on Sumba resisted VOC attempts to harvest the contained in the Daoyi zhilue 島夷誌略 (circa 1350): skirting the north coast of Java, followed close to the Sandalwood is not unique to Timor or sandalwood owing to taboos associated with disturbing [Timor’s] mountains do not grow any other same itinerary. Besides naming the important harbour neighbouring islands, but also occurs in certain Pacific ancestral spirits in the forests. But Sumba could afford trees but sandalwood which is most abundant. of Kupang (Chü-pang), the Shun feng xiang song island groups, Madagascar, the Malabar Coast of to keep up this ‘abstinence model’, at least up until It is traded for silver, iron, cups, cloth from indicates five other toponyms on the north coast of India, and northern Australia, and a host of different the late 19th century, because it also wielded other Western countries and colored taffetas. There Timor visited by Chinese ships. Mills, who has studied varieties occur. Nevertheless, the islands of Java, Timor, resources in demand such as horses and slaves which are altogether twelve localities which are called this question, identifies these places as Tanjung Sulamu Sumba, and Solor were, historically, host to the highest kept the VOC at bay. By contrast, Timor represented a ports... at the entrance of Kupang Bay, Pulau Batek (offshore quality sandalwood in demand, namely, santalum ‘durable supply model’ whereby, in the absence of other In any case, the Daoyi zhilue account is of interest in Oecusse), Wini, and, proceeding eastwards, perhaps album L., occurring in both a white and even more significant resources, traditional rulers were obliged to suggesting, inter alia, direct trade between Timor and Tanjung Tuwak Mesi, Maubara, Loiquiero, and the esteemed yellow variety. By contrast, the most prevalent husband their resources over a long time. Whereas Java China, high profits realised from the sale of sandal, northeast extremity of Timor. Six places are mentioned occurring sandalwood in India, is santalum rubrim or lost out completely, as it appears that no single ruler and the presence of possible Javanese, Indian, or Arab on the south coast of Timor; at the end of the Roti red sandalwood. As Crawfurd (1820: 421) observed of ‘managed’ the sandal groves, on Timor ‘management by traders in Timorese ports as bearers of goods from the Strait, in the vicinity of Noilmina Bay, and Amanubang the Timor variety, the best ‘is that nearest the root of the monarch may have been a solution to the problem’. west. (Mills 1979: 85). Ptak (1987: 34) believes that the Shun the tree; and for this reason, the largest billets are the Boomgard also mentions some other possible cases of While no other Mongol-Yuan or early Ming feng xiang song is based upon oral accounts of Chinese highest priced’. resources management by local rulers, such as with sago sources refer to the continuation of direct trade between sailors who visited the area. In historical times the sources of sandalwood were on northern Sulawesi, sappan wood on Sumbawa, and Timor and China, Ptak (1987: 32) speculates that it Antonio Pigafetta (1969: 141), a scribe aboard sufficiently abundant to attract sailing vessels to both cassia trees in northern Sumatra. In each case, some could be either accidental, or the rise of Majapahit the Victoria, the sole surviving ship of Magellan’s the north and south coasts of Timor Island according kind of consent would have been required from the on Java in the second half of the 14th century may circumnavigation which sojourned in north-central to season, with the fragrant wood widely dispersed up people to avoid illegal acts. It is of interest as well that, in have interrupted the trade routes. Though Chinese Timor in early 1522, also passed specific comment on to 1,300 meters in altitude. European travellers such as 1792, the Sultan of Mysore (the so-called sandalwood documentation on the south seas trade increases Timor’s sandalwood trade and the role of Chinese in the naturalist Alfred Russel Wallace (1869: chap XIX) city of India) declared sandal a ‘royal tree’, thus paving exponentially because of maritime activity connected this trade. remarked upon the presence of sandal near Dili in 1861, the way towards state management of the resource. with Zheng He’s Ming-era expeditions, there is no hard All the sandalwood and wax which is traded by but sandal resources were already being progressively evidence that his ships directly touched Timor. As Ptak the people of Java and Malacca comes from this depleted on the island. To some extent, the Portuguese III. Early Portuguese Interest in the summarises, in the period before Portugal’s conquest place, where we found a junk of Lozzon which anticipated the depletion of sandalwood as an economic Sandalwood Trade of Malacca, it is fair to assume that sandalwood was had come to trade for sandalwood...and the resource and, from the first decades of the 19th century, shipped to China by both Chinese and non-Chinese goods which are commonly taken in trade for the began to experiment with Arabica coffee, eventually When Malacca fell into Portuguese hands in merchants on the main commercial routes running via sandal are red cloth, linen, steel, iron and nails. leading to the establishment of large coffee estates. 1511, the Iberian traders not only commandeered the Celebes, the Moluccas and the Sulus, before 1400, It can be adduced from this that, by acting as By 1901, the situation was so drastic that Governor stocks of sandalwood but learned all the necessary and via Java and Malacca after 1400. intermediaries, the ‘people of Java’ delivered up sandal Celestino da Silva issued an order prohibiting the details about its place of origin. Although Timor was The importance of the westerly Java Sea route and wax to Malacca thereby connecting Timor with cutting of sandalwood in all the central and northern not directly visited by the 1511 expedition of António is confirmed by an anonymous Chinese manuscript the major arc of Chinese trading-tributary networks in districts of the colony, Oecusse excepted. Because this d’Abreu to the Moluccas, the island nevertheless appears entitled Shun feng xiang song 順風相送 or ‘Fair Winds the South China Sea zone. The presence of the ‘junk of ban had little effect, prohibition was made total in 1925 on the Francisco Rodrigues map of c.1512 with the for Escort’, a nautical compendium partly composed Lozzon’ suggests a resumption of a more direct route (Cinatti 1950: 13-14). notation ‘island in the Sunda group where sandalwood about 1430 with additions up until or after 1571. to China, albeit via the less favoured eastern route The sustainability of sandalwood on Timor grows’. From 1513-1514, both Tomé Pires and Rui Timor figures as the southern-most destination out according to prevailing winds and the trading season. Island can also be viewed as a problem of resources de Brito confirm the importance of Timor as a source of 100 voyages mentioned, albeit connected by the We do not know the size of this trading junk, but it management. Boomgard (2006: 173-174) writes of of sandalwood. Pires indicated that ‘our ships go to western route across the South China Sea. Sailing could have been considerable. Chinese sea-going junks three models of sandalwood management in reaction Timor for sandalwood’ and from Malacca it was then instructions for the route from Patani to Timor reveal of the early 1600s were frequently of 400 to 800 tonnes to world market demand; the Javanese model, the dispatched to China. In a famous letter of 6 January direct passage off the east coast of the Malay Peninsula, capacity, often carrying crews of up to 500. The point Sumba model, and the Timor model. Prior to 1500, 1514, de Brito informed King Manuel of Portugal as via Tioman, Karimata, south towards Banten on Java, is, however, that China’s retreat into isolation after the he writes, Java was also an export centre for sandal to Timor’s sandalwood groves. For the years 1513-14, east through the Lesser Sunda Islands, entering the great maritime voyages of the Ming, coupled with the but, by the time that European traders entered Asian 1518 and 1525, price figures in Pires’ writings suggest Sapi Strait between Sumbawa and Komodo islands, dramatic irruption of Portuguese sea-power into the waters, supplies from Java had dwindled, apparently an even more intimate contact with Timor, or at least

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the small island of Solor which would emerge as a key with the prevailing northerly winds. Sailing south and agreement as to its potency. Notionally, at least, Wehale Macassar where the Portuguese were also established base in the Portuguese sandalwood trade (Cinatti, 1950: east from Babau these lading ‘ports’ were, in west-east stood at the apex of a loose confederation straddling and, in turn to Macao, especially in the sandalwood 3-5; Ptak, 1987: 32-33). sequence, Amarrase, Bataemissao, Babico Bayale, Suay south-central Timor Island exercising spiritual and trade. Lifau, the future Portuguese capital in Oecusse The seasonal character of trade, or in Anthony (Suai), Boiro, and Caimule, the latter dubbed a region ritual authority over a number of outer domains. on north-central Timor had yet to emerge, and it was Reid’s (1993: 64-65) phrase, ‘the seasonality of of hills and mountains (consistent with present-day Conversely, it has also been argued that Wehale not until October 1769 that the Portuguese established voyaging’ has to be remarked upon, especially as the East Timor). But with the change to southerly winds, centrality in the political system was strengthened by their capital further east in Dili (See Gunn 1999: chap Solor-Flores-Timor zone is monsoonal and the long the season for trading on the north coast commenced the sandalwood trade through the redistribution of 5). Even so, by the first decades of the 17th century, distance trade linking the islands to Malacca, Goa running from April to November. Besides Lifau, there wealth to lesser domains (Friedberg, 1978: 163 cited in Macao-based traders were already favouring Lifau as and, in a later period, Macao, depended upon the were ‘many’ other sandalwood lading ports on the north McWilliam, 2005: 292).2 What is better documented a port of call for the sandalwood trade and may also rhythm of the trade winds. Invariably over a long coast as far east as Adem, close to the northeast tip of is that, in 1642, a Portuguese party under Captain- have been sojourning on the island awaiting the change time the Portuguese caravels departed Goa in April or the island.1 Lifau is described as a beach (not a seat of Major Francisco Fernandes marched from the coast of season. September laying over in Malacca until the end of the administration or fortaleza), though still an important and subdued Wehale. By also rallying allegiance from year for the southward-blowing monsoon. Some of destination, made all the more difficult by the situation many domains, the triumphant Portuguese secured the cargo of prized Indian fabrics would be traded in of the maritime danger presented by the small offshore sandalwood sources and paved the way for future Timor-Macao case allows us Java for Chinese copper coinage in turn exchanged on Batuk Island as identified in the Shun feng xiang song. conquests (Leitão, 1948: 207). to interrogate two conflicting the journey eastwards for rice and low quality cotton As the roteiro notes, the former Portuguese fortalezas in The entry or rather invasion of Timor Island goods in Sumbawa, later to be bartered for spices in Kupang and on Solor had already been taken over by by foreigners obviously challenged age-old power civilizational crossover framings Banda and Ternate. As discussed below, some of these the Dutch, allowing us to date this account from the relations between the various liurai. Because of the subsidiary voyages reached Solor and others touched early-mid 1600s (Pimentel, 1712: 422-425). importance of sandalwood to local tribute systems, of space – and there were Timor seeking out sandal, returning to Malacca with as McWilliam (2005: 292) ventures, control over the many – namely China’s the southeast monsoon between May and September. Local Transactions and Power Arrangements production and trade in sandalwood was to control Unquestionably, this seasonality not only ensured the We have little information on the role of the polity. He also allows that the converse was true, Nanyang, and Portugal’s highly development of entrepôts where traders waited out the indigenous merchant groups on Timor but we know namely that the holders of effective political power changes of winds but, in the case of Solor and Timor, that control over the sandal trade empowered certain in Timor were well placed to monopolise available contrived Estado da India. eventually led to permanent settlement by Catholic liurai or little chiefs over others. We may assume that sandalwood stocks. We would not argue with his missionaries and officials. the sandal trade enabled the more strategic liurai to conclusion that the fortunes of Timorese history were IV. The Dutch and the Sandalwood acquire such precious commodities as metals, Chinese bound up with the history of sandalwood politics. Trade Pimentel’s Timor Roteiros ceramics, and other foreign objects including, at a Simply, Timor was the historical sandalwood island, The tenor of the above is confirmed by Manuel later stage, crude firearms. Essentially, Timor Island although the Dutch also sourced the fragrant wood While the Portuguese muscled in on the Pimentel’s Arte de Navegar (1712) which includes a remained outside of Hinduised and Islamic influences from Malabar, just as new sources would emerge in sandal trade with Timor ahead of European rivals, number of roteiros to Timor, respectively Lisbon to and lacked a centralised state system. Nevertheless, a the Pacific islands by the 19th century. the Dutch were not far behind. As Jan Huyghen Timor, Goa to Timor via the Bali Straits, Goa to Timor ritualised centre on west Timor around the kingdom With Ende Island off the southern coast of Flores, van Linschoten wrote in his Itinerario, ‘Timor has via the Sunda Straits, Macao to Solor via Macassar, of Waiwiku-Wehale, may well have been strengthened and Kupang in western Timor, in addition to Solor whole wildernesses of sandalwood and from thence and return voyages, along with a lengthy description by its command over external commerce as much as Island, all fortified by the early 1600s, the Portuguese it is carried to and throughout India, where it is used of Timor with respect to navigation, and trading control over allegiances by feuding petty kingdoms exercised a primacy against potential European rivals in by Indians, Moors, Heathens and Jews’ (cited in de seasons. The change from the prevailing north wind to (cf. Therik 2004). At least this appeared to be the both the Savu and Flores Sea zone. Hosting substantial Matos 1974: 169). According to Linschoten, three the south wind, and the names of major ports of call situation confronting the first arriving Europeans. In Christianised communities, with basic ecclesiastical species of the aromatic wood grew in Timor, namely on the south and northern coasts, even recalls Song an allusion to the political structure on Timor, Pigafetta institution established, and with thriving marketplaces red-yellow sandalwood which predominated in the east Chinese knowledge. Larantuca on eastern Flores, Solor, (1969: 141) wrote that, ‘On the other side of the island and manufacturies to support the seaborne trade, the of the island, otherwise much in demand in India for and especially Babau inside Kupang Bay, are noted as are four brothers, its kings’, naming the kingdoms as fortified Portuguese bases in the Lesser Sunda Islands various medicinal, cosmetic, and religious purposes, critical ports in the Portuguese navigation to Timor. Oibich, Lichsana, Suai and Cabanazza (Camanaça). In were also capable of a high degree of self-sufficiency a citrono species regarded to be of low quality found Of particular interest is the ‘Roteiro da viagem so doing, he also identified the southern-central region and economic autonomy outside of the requirement in the west of the island, and, in the centre, a yellow de Lisboa para a Ilha de Timor’. As indicated, Babau of Timor as the centre of sandalwood and political for cannon and certain specialist trade commodities variety in high demand in Macao (Matos, 1974: 169). supplied a sheltered harbour during the change in power. such as iron goods and cottons. But, with the fall of Given this knowledge, it is not so surprising that, in winds, along with fish, firewood, and fresh water. As Oral tradition, scattered colonial records, and the Solor fortress to the Dutch in 1613, Larantuca the account of the Esrste Shipvaart, the first voyage to explained, the principal locations for lading sandal on anthropology tend to confirm that a semi-mythologised in western Flores emerged as the principal centre of the East Indies by the Dutch (1595-97), sandalwood the south coast of Timor were only accessible during political centre known as Wehale existed at that Portuguese influence in the Lesser Sunda Islands. (See was recommended as an article offering good profits the months of February, March and April, coinciding time, although not all who have studied Timor are in Illustration 1) By the 1620s, Larantuca was linked to (Ormeling, 1956: 101).

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Neither were the English backward in their With good reason, Ormeling (1956: 101) asks, under the Portuguese flag at Lifau in Oecusse. As are wealthy and not lacking in artillery, their knowledge of Timor’s sandalwood. John Saris, who what was Dutch interest in a commodity that had Adriaan van der Velde bewailed in 1614 after its first pinnaces are very well found, whilst the soldiers resided in Banten, then a major trading port on Java virtually no market in Holland? He explains that, capture from the Portuguese: they take on in Solor are very good, and fight under its sultanate, between 1605 and 1609 prior to from the beginning, Timor sandalwood provided The Chinese offer in exchange such articles as very resolutely against the Dutch (cited in Boxer, setting up English East India Company operations in a means by which the Company could break into porcelain, beads, gold, etc., which are in great 1942: 45-56). Hirado in Japan, wrote of Timor that, ‘it affords great the highly attractive trade with China. The failure demand on Timor and with which the Dutch There is no question that the Dutch blockade mentioned store of Chindana, by us called white saunders, the of Batavia (Jakarta)-based Dutch Governor General cannot compete. In addition they offer the people by Bocarro actually intensified the Portuguese role in greatest logs being accounted best’. Of the trade in Jan Pieterszoon Coen’s attempts to seize Macao in of Timor more than we do, since all the wares the Southeast Asian trade, even though the mighty sandal (cendana in Malay) along with ‘great cakes’ of (1617-1623, 1627-1629) prompted the Dutch to in China are abundant and cheap (Ormeling, four-masted ocean-going caravels, that reached 2,000 wax brought from Timor to Banten by Chinese traders, drive the Chinese, Portuguese, and local Muslim 1956: 101). tonnes in the case of the Goa-Macao-Japan trade, came Saris observed from market prices fetched in Banten merchants out of the Timor trade, leaving Batavia as Even so, having ousted the Portuguese from their to be replaced from 1618 onwards by far smaller and that it brought ‘great profit’ when traded against such the major sandalwood emporium in the East. With stronghold on Solor (1618-1628) following an swifter galiotas or galliots, pataxo or pinnace, naveta or items in high demand in Timor as chopping knives, this strategy, the status quo of old would re-emerge invasion of 1613, and having taken over the Portuguese Portuguese-rigged junks, fragata (frigates), and cargo or small bugles, porcelain, colored taffaties, and pieces whereby the Chinese would buy the sandal direct from fortress on Kupang in 1653, the Dutch were able to dispatch vessels, in the 200 to 400 tonnes range. There of silver. According to Saris (1941), one of his men Java. In fact, however, the Dutch failed to dislodge the exercise a choke on Portuguese shipping attempting is also the sense that, apart from driving import costs actually ventured to Timor with Chinese traders to Portuguese from Timor and never managed to impose to tap lucrative sandalwood groves on the southwest upwards, Dutch aggression against European rivals investigate the trade at first hand, though the English their monopoly. On Timor, the VOC’s influence was coast of the island. De Roever (1998: 51-52), who actually redounded in favour of the Chinese merchants were not successful in following up the sandal trade restricted to Kupang, and environs. Moreover, the consulted VOC archives, reveals that, by successfully who alone acted as intermediaries for Batavia and with Timor at the source. Dutch were outmanoeuvred by the Chinese sheltered controlling the Flores Sea, the Dutch were able to Dutch-controlled Solor. No less, given the failure of deny access to ships of any nationality to the south the Dutch to capture Macao or gain direct access to the Illustration 1: Manuel Pimentel, 1712: the Larantuca (Flores), Solor zone. coast of Timor during the crucial monsoonal trading Chinese mainland, the construction of Fort Zeelandia season from November until March. Portuguese vessels on Formosa (Taiwan) in 1634 notwithstanding, the were therefore restricted to navigating more difficult VOC were obliged to rely on Chinese traders to carry easterly passages either west or east of Alor Island before the precious cargoes to the Chinese markets (Ptak, accessing the north coast of Timor between Lifau and 1987: 105). Dili. The divisioning of the island between Dutch spheres of influence in the west and Portuguese in the V. Macao and the Timor Sandalwood east became permanent. Trade Dominican sources reveal that the profits accruing to Macao-based merchants from the sandalwood trade As one student of Timor’s sandalwood trade were high. António Bocarro, the chronicler-in-chief of has written, by the second half of the 16th century, the Estado da India, also recorded in 1635 that large Malacca was overtaken as the preferred sailing route profits were being made on voyages from Macao to to Timor-Solor by Macassar in the southern Celebes. Solor in the sandalwood trade, especially since dues Malacca, embroiled in war with Aceh and Johor, lost were not paid on what was imported or exported: its attractiveness as a commercial centre. Macassar, Owing to the blockade of the Strait of Singapore meanwhile, grew to second in size and rank to Macao by the Hollanders, they can no longer come from a Portuguese trading perspective, especially after and go this way, but go direct from Macau in the loss of the Japan trade (Villiers, 1985: 72-73). But, well fitted-out pinnaces, which at arriving at in 1641, a rupture in relations between the Portuguese Solor take in some native Christian soldiers, and Macassar (Tolo) arose over the latter’s expedition most of whom keep themselves out of their against Timor (as discussed below). In 1648, the Estado pay, with which they go to the island of da India ordered leading Portuguese trader Francisco Timor, thirty leagues distant from Solor, and Vieira de Figueiredo to reach a new modus vivendi there lade sandalwood, never failing to have with Tolo that would preserve the Portuguese trading frequent skirmishes by land and sea with the position in Macassar, while reserving the Solor-Flores- Hollanders, who likewise go thither to seek Timor zone for Portugal and its allies. Eventually, the same sandalwood; however the Portuguese Portuguese trade at Macassar with Manila, India, and always come off best, for since those of Macau Timor became the mainstay for the city of Macao in

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the period between the 1640s and 1660s. But with voyage assigned for three years. While the trade was words, all the stakeholders in the voyage would gain sometimes stopping in Batavia, sometimes direct. the Macassar-Dutch treaty of 1660, and the Dutch not necessarily the monopoly of individuals, it was from its success. One third of the cargo space was reserved for the ship conquest of Macassar in 1667, the Portuguese once the monopoly of Macao for the citizens of Macao and In practice, one or two ships departed Macao owner, the remaining two-thirds being distributed again lost an important ally, market, and emporium at the expense of the Chinese of Canton who traded each year according to the monsoon laden with cargoes proportionately among the citizens of Macao, from in the archipelago (Souza, 1986: 109-111). sandal from Timor with Batavia. It was thus a great of refined gold, ivory, iron, cloth and silk. Having the Captain-General, to widows and orphans. All Necessarily, both Chinese and Portuguese loss to the Macao treasury that native rulers carried arrived on the north coast of Timor at the ports of ship owners in Macao were given a turn in this trade merchants adapted to the new circumstances. Certainly, the trade to Babão in Kupang Bay where it entered Citrena, Lifau, Dili, Hera, and Tolecão, the ships would according to the system of pautas arranged between the the Chinese were well apprised of the importance of the Dutch trade (Crawfurd, 1820: 148-149). The load their cargo of sandal, along with wax, tortoiseshell, Senate and Goa (Souza, 1986: 185). Solor in this trade along with all the superior anchorages significance of the Timor-Macao trade is confirmed cinnamon and slaves. Each ship would carry between Just as the Timor and Solor trade in sandalwood, on the coast of Timor. To the extent that the Chinese by other sources; notably a Dutch work of 1646 states 1,800-2,000 sandalwood ‘peaks’. Whenever possible gold, beeswax, and slaves, became the principal engaged in the trade in the decades following the that 1,000 bahar of sandal was taken to Macao annually the ships would call in at Batavia trading cloth against economic resource for Macao during the 18th century, opening of Solor, the Portuguese definitely sought (with one Malacca bahar equalling c. 210 kilograms). rice needed for the Lifau garrison. Occasionally the ship so the organisation of this trade fundamentally altered to keep them out (Ptak, 1987: 34). Importantly, But overall, writes Ptak (1987: 35), the Macao-Timor would call in at Malacca, Madura, Bali, Larantuca and local social and political organisation in Timor. as well, the rise of power by a creolised group, the trade was ‘favoured by the relative lightness of taxes and other local ports (Matos, 1991: 439). According to Souza (1986: 183), the Portuguese Larantuqueiros, and the eventual abandonment by dues’ and not placed on a strict monopoly basis like From about 1695, the Senate in Macao organised country traders from Macao successfully minimised the Portuguese of Lifau in 1769 in favour of Dili, the voyages to Japan or the quasi-monopoly status of a system of trade with Timor and Solor that would the VOC and Chinese penetration of the Timor market facilitated Chinese control of the commodity shipped the Malacca voyages through which the earlier Timor continue with minor modifications for nearly a century. throughout the 1670s and into the 1690s. Attempts out of Kupang or the small north coast port of Atapupu trade had been mediated. As Boxer (1965: 57-58) describes it, every year one, by the Crown to impose its authority upon the local under only nominal supervision. The geographic and From Macao archival sources we know that in two, or three small ships left Macao annually for Timor, and mestiço population did not seriously disturb the navigational complexity of reaching these islands 1689 numerous terms of assent were drawn up by the and ports, as much the spatiality of these miniature Macao Senate for Chinese merchants to send ships Illustration 2: Manuel Pimentel, 1712: western Timor Island, Roti, with Sabul. archipelagos, is graphically represented in Pimentel’s direct to Batavia, or for the Timor and Solor voyage. Arte de Navegar (1712: 419) in the form of two maps. In that year five pautas or sealed lists were offered by (See Illustrations 1 and 2) Macao, albeit mandated by the Viceroy of Goa. These The role of Chinese, including Macao Chinese, were literally vermilion seals embossed with the arms alongside Portuguese in the sandalwood trade with and crown of Portugal. Pedro Vaz de Sigueira was one Timor goes back to the Malacca period and only ended such individual awarded the Timor voyage in that year when that city succumbed to the long Dutch blockade for his ship Rozario, that would also be used on future and eventual siege. According to de Matos (1991: 437), occasions (1698) to transport soldiers to Lifau. In 1693, by the end of the 16th century, the Malacca-Timor the Convent of São Francisco also won a pauta do voyages were auctioned out for the princely sum of navio, suggesting a Macao church interest in the trade. 500 cruzados. As Ptak (1987: 34-35) embellishes, while The following year the Senate discussed conditions of the ratio of Chinese shipments to Portuguese remains employment of Malays on the Timor voyages, a possible unclear, the Portuguese share began to increase after suggestion that Timorese who had achieved a non-slave 1600. A letter by the Bishop of Cochin, F. Pedro da or free status also visited the Chinese city, albeit a status Silva, dated 1609, suggests that, while the ordinary that required regulation (Arquivos de Macau, 3.ª Série price for sandal in Macao was 20 patacas a picul (and Vol. IX, no. 4, Abril 1968). with one picul equal to approximately 60 kilograms), Whereas, from 1678 to 1689, the Timor voyages during years when little shipping arrived from Timor were organised either by the Captain-Major of Macao (via Malacca), the price soured to 150 patacas. Profits or by private individuals on a three-year basis, on increased over the years. According to the estimate of 20 October 1689 the Senate of Macao passed a new the Dominican Bishop Rangel in 1630, profits on the resolution on the sandalwood trade with Timor with trade ran at 150 to 200 per cent, aptly earning Timor specific reference to estimates made by the pilots and the reputation of ‘ilha do sandalo’. merchants. As noted, each of these ships could load According to Matos (1991: 438), until 1638 1,800 piculs of sandalwood cargo, allowing a deduction the sandal trade was carried out by the Royal treasury for the benefit of the crew, with one third of the lading in Macao, and until 1689 the voyages were carried allotted to the ship owners, and with the moradores out by private persons or the Captain-Major on a receiving the balance (Boxer, 1965: 170). In other

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preferential supply of sandalwood to Portuguese Macao Senate determined the Timor trade unprofitable VI. The Asian Discovery of the Great as suggested, the trade itself may have facilitated the rise country-trader shipping from Macao at that time. given Crown administrative mismanagement including South Land? of the 14th century Wehale or Belu kingdom in south While competition did arise from Chinese junks sailing the imposition of custom’s duties. Upon the insistence central Timor. If the European experience was anything from Batavia to Lifau, the Portuguese country traders of the Crown, Macao continued to send only one of Given that the northern coast of the continent to go by, the shores of Australia were downright were still able to corner superior grades of sandal as its ships on an annual basis for the rest of the period. of Australia lies but 500 kilometres south of Timor, inhospitable and the natives were not welcoming. But, well as the largest quantities bound for the Chinese Writing of Macao, Ljungstedt (1836: 9) observed the question has been raised in many circles as to pre- even if landings were made, Australia was outside of market. Even so, the quantities of sandal reaching the that, while profit from the sandalwood trade had greatly European contact with the ‘Great South Land’, or Terra established Arab and other Asian trading networks.4 market, according to a VOC report of 1690, were in fallen off, the Macao Senate was nevertheless moved in Australis Incognita. Here, of course we may assume There was no prior established trade mechanism and decline by that year. 1720 to cut the poorer merchants out of the trade, a an Australian aboriginal priority. An anthropological neither were there identifiable polities above the level Yet, from the account of Alexander Hamilton measure in any case overthrown by the court of Goa. In connection between Timor and Australia’s northern of nomadic hunter-gathers. published in 1727, the rebellion by Lifau (1688-1703) a possible retort to Goa, in December 1723 the Macao coast, has also been suggested by some as with a shared Timorese and prehistoric migrations or contacts practically ruined the Macao trade, exhausting men, Senate complained to King João V (r. 1706-1770) over Totem culture between Timor and the Tiwi of Melville with aboriginal Australians aside, a more convincing money and ships (cited in Boxer 1948: 186-187). the imposition of new laws and an alteration in the Island (King, 1963: 167 citing anthropologist Charles candidate for the first pre-European contact of Australia There is truth in this account believed to have been price of sandal by the Governor of Timor (António de Mountford). Rather, we are alert to assertions made would be the Macassans, a blanket term which includes sourced from the former Portuguese Governor of Lifau, Albuquerque Coelho)—doubtless at the behest of the of a Chinese ‘discovery’ of Australia in both Chinese Bugis and other ethnolinguistic groups from southern António Coelho de Guerreiro as, in 1705, owing to the Estado da India—pleading a fall in commerce at the and European language writing. While the possibility Celebes (Sulawesi). Rather than trading per se, the inability of the city to pay the annual ground rent to expense of the people of Macao. The Crown upheld the cannot be dismissed, as of the present the evidence Macassans fished and collected marine products, the Chinese authorities, the Macao Senate offered the petition from the Macao Senate ordering Goa to protect is thin (with no document or chronicle accounts; no including pearls and turtle shells but especially bêche collateral for the Timor voyage deposited in the church the sandal trade and to fall in line (Arquivo Histórico wreck sites, and no archaeological evidence) (cf. Wei, de mer (trepang in Malay), highly esteemed in Chinese of St. Pauls (Arquivos de Macau, 3.ª Série Vol. IX, no. de Macau, Macau Cx. 3 no. 14, December 26, 1723). 1960; Menzies, 2002).3 Even where the evidence marketplaces. Archaeological research at Macassan sites 4, Abril 1968). In any case, under a 1723 edict by Qing Emperor is stronger for the Zheng He voyages 鄭和, Timor in northern Australia has revealed that they did bring Yongzheng (r. 1723-1736) lifting the prohibition on much less Australia, is absent from cartographic or some trade items including iron, pottery and glass. Chinese entering foreign trade and the participation written accounts relating to those episodes. But it Besides marine products, they also returned to Sulawesi The role of Chinese, including by Chinese merchants in the triangular Timor-Batavia- is compelling that, as mentioned, from Song times with some Australian sandalwood (McKnight, 1975). Canton trade, the voyage from Macao to Timor Chinese developed a toponymy of Timor including Having mastered dowel-type boat construction, their Macao Chinese, alongside became unprofitable. Ljungstedt (1836: 97) remarks the south coast. In mid-Ming, Pigafetta witnessed the prauh layer (sailing vessels) were capable of long sea- Portuguese in the sandalwood that a yearly vessel dispatched from Macao to Timor ‘junk of Luzon’ off Oecusse. Obviously, the Chinese going voyages, at least running with the wind. Typically, was reduced to conveying soldiers, officers, exiles, and could have reconnoitred the northern Australian coast, they would sail south with the onset of the north-west trade with Timor goes back ammunition, while loading government paper, treasure, if they had cause. monsoon, crossing the dangerous reef-strewn Flores etc., to be remitted by way of Macao to Goa. But what motive? I find it easier to dismiss motive Sea, passing the Wetar Strait, before coasting the to the Malacca period and From a Dutch perspective, the VOC sandalwood than to make a case for Chinese contact, at least in easterly tip of Timor en route to the seasonal fishing only ended when that city trade came to an end during the 18th century. In 1752, the absence of firm evidence. From Song-Yuan times, grounds in Australia. They returned in May with the following successive losses, the Company decided to Chinese interest in mounting long-distance voyages south-east monsoon. succumbed to the long Dutch waive its monopoly and allow anyone to cut sandalwood was invariably connected with trade and with an eye to Although Timor Island remained outside of who was willing to pay one third commission. In the cementing tributary relations. The Chinese dealt with the Javanese-centred Majapahit empire that touched blockade and eventual siege. event, the trade passed completely into the hands of polities, whether it was Brunei on the island of Borneo; Sumbawa, Sumba, and Flores in the 13th to 15th the Chinese who remained in control for more than a Palembang on Sumatra; or the Islamic polities on the centuries, and while Islam did not attract converts While the Crown was satisfied to accept the century (Ormeling, 1956: 102). The question remains, Swahili coast of Africa in the case of the fourth Zheng on Timor as it did on Solor Island, Muslim traders submission in 1708 of Domingo da Costa, the most what then did the Dutch get out of it? According to He voyage of 1413-15. Notably, aboriginal Taiwan was were nevertheless attracted to the sandalwood trade. important rebel leader, winning by diplomacy what they a French account (Raynal,1782: 225-226), not much! avoided by Chinese seafarers until the Pax Hollandica Given the lack of documentary evidence, this is a could not achieve by arms, support from the country Every year one or two sloops would call in to Kupang was established. Timor was also an inhospitable shore, very understudied area, but an Islamic push was made traders lessened to the degree that Governor Coelho from Batavia bringing varieties of cloth (coarse linen) but trade was there, provisioning in the form of game on Timor by Macassans in the mid-17th century. de Guerreiro failed to stop over-cutting of sandal and and making the return journey with wax, tortoise shell, and fruits was there and, we can believe, trading Macassan traders were also involved in the sandalwood, competition from owners of Chinese junks. By the sandal, and ‘cadiang’, a kind of bean used on board networks linking Timor with Java and further west wax and slave trade and, undoubtedly, established 1710s, as Souza (1986: 105) writes, the Batavia market Dutch vessels to vary the diet. No particular gain and no were well-established with local power holders even several temporary trading villages on Timor. Such had assumed greater importance for Macao’s country particular loss was incurred by the Dutch establishment before Chinese junks sailed these waters. As hunter- is also suggested in the name of Pante Macassar traders at Timor’s expense. Despite appeals for aid from or, in the words of the author, ‘la recette égale la dépense’ gatherers ruled over by chiefdoms, Timorese were (pantai meaning beach in Malay), a settlement several Macao in the 1720s in the face of another rebellion, the (the profits just answer the expenses). hardly candidates for Chinese tributary status though, kilometers from Lifau and a toponym that has endured

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in Oecusse down until the present. Dominican sources from the Kimberly region to the Gulf of Carpentaria, reveal that, in 1640-1641, the year the Portuguese were sojourning for the season in temporary dwellings. In expelled from Macassar, Karrlikio, the Muslim Sultan Arnhem Land they developed close links with the of Tolo in the Celebes, attacked the Portuguese position Yolngu people who collaborated in the diving, fishing, at Larantuca and then raided the coast of Timor with and preparation of the dried and smoked trepang. a flotilla of sailing vessels and between 6,000 to 7,000 By gathering in a range of tropical and marine men in an unsuccessful attempt to wrest control of products, especially trepang, the Macassan and Buginese the lucrative trade from the Portuguese. Over a three- trade also entered regional Chinese trading networks, month period, Karrlikio’s men heaped ‘ravages and including the Chinese junk trade. We know less about rapine’ upon Timor while also forcing (temporary) this mechanism but, presumably, the marine products conversions (de Freycinet, 1825: 529-530). including a variety of shells were traded at Macassar We do not know exactly when the first Macassan and other regional ports, especially Singapore after vessels reached Timor, much less Australia but, as with its foundation. Because this was an organised and Karrlikio’s ‘invasion’ of Timor in the 1640s, it most capitalised venture, especially in fitting out the vessels likely came after conversion to Islam some time in the and in the recruitment of labour, we would not be early 1600s, and it came at a time when Chinese traders surprised if both Macassans and Chinese merchants had re-entered the Macassar marketplace, at least. were involved in raising the capital and extending the Stated another way, without the Chinese demand for credit. Macassans continued their seasonal arrivals in trepang, the enterprise would not have been worth the Timor down until recent times.5 commercial risk. There is no special evidence suggesting such voyages occurred prior to that general era. But, VII. Portuguese Discovery Narratives by 1722, Macassan and Buginese skippers were sailing to Timor, Solor, and surrounding areas without Dutch Another literature speculates as to the Portuguese knowledge, just as the VOC, entrenched in Macassar ‘discovery’ of Australia. Proponents of this view have from 1669, sought to regulate their activities by issuing looked to interpretations of European maps, notably the trade passes (Knaap and Sutherland, 2004: 24). In 16th century Dieppe world map rendition of a hitherto 1847-1848, a party of armed Buginese slave-raiders unknown southern land, said to be partly based upon Illustration 3: Nicholas Vallard: [Supposed Eastern Coast of Australia] Dieppe, 1574 (1856). arriving in the Lautem area of East Timor resisted secret Portuguese information. Alternatively, they have expulsion for four months until the Portuguese could sought confirmation in the discovery of exotic woods, or provisioned, much less sanctioned for further myth-making about the great southern land. In 1505 raise a major force (Pélissier, 1996: 25). In any case, coins, and objects, in various locations in Australia, hazardous explorations. he returned to France claiming to have discovered the unlike the Chinese maritime experience, the evidence and have examined archival materials (McIntyre, 1977; ‘great Austral land’, which he also called the ‘Indies of the Macassan presence in northern Australia is Fitzgerald, 1984; Pearson, 2005).6 The Dieppe School and La Terre Australe Meridionale’. Although disproven (as he actually sailed substantial. Again, we may ask, having sailed to the end of the Dieppe mapmakers gave special attention to westward to Brazil), his ideas would also be revived Recent studies have documented known world, why did the Portuguese stop at Timor? To a large land mass variously entitled ‘Jave la Grande’ through the centuries, at least spurring further French the Macassan impact upon aboriginal answer this question, I am tempted to replay a version of or La Terre Australe, located between the Indonesian expeditions to the Pacific. Information derived from the Australia from genetic mixing, language the argument that applies to the Chinese case, namely, archipelago and Antarctica. Strictly, La Terre Australe journey to Sumatra by the Parmentier brothers also fed imports, the introduction of the dugout following the Arab navigators almost everywhere should not be conflated with Dieppe school renditions into Dieppe maps, as with the work of Jean Rotz, Indes canoes, plant introductions (the once they entered the Indian Ocean, the Portuguese of Jave-la-Grande. According to Richardson (1996: 24), Orientales (1542). Notably, to the south of Petit Java, Tamarind tree), and even such retraced the known lines of trade, and usually with Jave-la-Grande is actually a French translation of Iaua he indicates a continent, ‘the lande of Java’ or Jave-la- unwanted transfers as with an Arab or Malay pilot on board. No doubt, if Arab Maior, the way the Portuguese knew Java following Grande. In fact, the Rotz map with its depiction of an cholera infections. Famously, trade routes had reached Australia, lured by a known Marco Polo. On the other hand, La Terre Australe carries Australia-like continent south of Java has generated English navigator Mathew trade commodity, then the Portuguese were bound Ptolemaic associations of an Antarctic-like continent. In more heat than light in discussions of the European Flinders encountered a to follow. In fact, Portuguese ships departing Goa or fact, the two terms appear to be used interchangeably. ‘discovery’ of Australia. fleet of Macassan vessels off Macao for Timor were highly irregular, and frequently Another version is La Terre Australe connue, the title As Richardson (2004) summarises, especially Arnhem Land in present- arriving in poor condition after a long and difficult of a utopian novel by Gabriel de Foigny, published in over the last half-century or so, great confusion has day Australia’s Northern navigation through the straits. Invariably bringing 1676. arisen among a number of writers (e.g. McIntyre, Territory in 1803. The or relieving governors and reinforcing beleaguered Binot Paulmier, sieur de Gonneville, French Wei, Menzies), because of claims that the large Macassan fleets ranged widely garrisons, the Timor voyages were simply not equipped navigator of the early 16th century, was also part of the landmass of Jave-la-Grande immediately south of the

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Indonesian archipelago and partially attached to it, is form. As presented in map Folio 32v titled ‘Terres really a misplaced depiction of Australia, supposedly Australes. Grande et Petite Java, au sud des Moluccas’, discovered by the Portuguese in the 1520s. Such the Moluccas are indicated as a point of reference but holds as well for the anonymously-produced Atlas Terres Australes appears as a wildly fictitious land with of Nicolas Vallard (1547), also highly derivative of images of leopard-like animals, middle-eastern kings, Portuguese cartography. As displayed in Illustration and an archer. (See Illustration 4) In another note, Le 3, a facsimile of a chart from Vallard’s manuscript sea Testu adds: atlas (1547) showing Jave-la-Grande’s east coast, the The present Figure contains a part of Jave la image fails to meet a minimum culture test, as with Grande [Java Major], which is situated in the the faux depictions of an Asian prince on horseback southern part in the Temperate Zone. The sheltered by a yellow umbrella.7 As Richardson (2004: inhabitants of it are Idolaters, ignorant of God, 9) demonstrates, the Vallard depiction, derived from and in it grows Nutmeg with Cloves, and several the Parmentier brothers, does not represent the coast other kinds of fruits and spices... This is La of Australia. Grand Jave [Java Major], and La Petite Jave The French navigator and explorer Guillaume [Java Minor] in which there are eight Kingdoms. Le Testu (c.1509-1573), also representative of the The men of these two Countries are Idolaters Dieppe school, produced a 56-map atlas. Preserved in and wicked. Several manner of spices grow in the Bibliothèque du Service Historique de l’Armée de these two Regions, such as Nutmeg, Cloves, and Terre in Vincennes (Paris), it can be examined online.8 other spices... This Land is part of the so-called Maps 30-41 of Le Testu’s Cosmographie Universelle Terra Australis, to us Unknown, so that which (1556) are dedicated to La Terre Australe. This is is marked herein is only from Imagination and represented as an enormous continent surrounded by uncertain opinion; for some say that La Grand an Antarctic sea, ‘like a spherical dome with uneven Jave [Java Major] which is the eastern Coast of edges’. Other maps are complementary. As French map it is the same land of which the western Coast historian Albert-Marie-Ferdinand Anthiaume (1916: forms the Strait of Magellan, and that all of this 103) commented, there are scarcely any other Norman land is joined together... This Part is the same mappaemondes of the 16th century that dedicate such Land of the south called Austral, which has never attention to this zone. His maps were used by future yet been discovered, for there is no account of colonists heading to the Americas. As Le Testu adds anyone having yet found it, and therefore nothing in a marginal note: has been remarked of it but from Imagination. I Aulcuns portugais allans aux Indes furent par have not been able to describe any of its resources, contrariété de temps transportés fort Su du cap and for this reason I leave speaking further of it de Bonne esperance. Lesquelz firent raport que until more ample discovery has been made, and 14, Vincennes. Note that North (as with the Moluccas) is to the left. (as with the Moluccas) that North Note Vincennes. DL Z 14, Terre, de de l’Armée du Service Historique 1555/56. Bibliothèque niverselle, ils avoient eu quelque cognoissance de ceste Terre. as much as I have written and annotated names Toutefoys pour navoir esté descouverte aultrement to several of its capes this has only been to align Iay seullement ycy notée ny voullant adiouter Foy the pieces depicted herein to the views of others [Certain Portuguese going to the Indies were, and also so that those who navigate there be on by adverse weather conditions, carried far south their guard when they are of opinion that they of the Cape of Good Hope. Certain reported are approaching the said Land... This piece is a some knowledge of this land. Nevertheless, it not part of the Southland or Terra Australis, from having been otherwise discovered, I have merely Imagination situated under the Frigid Zone, for noted it here, not willing to add credence to it] as much as some are of the opinion that the Land (Le Testu, 2014). of the Strait of Magellan and La Grande Java [Java From inspection, Le Tetsu’s rendition of India Intra Major] are joined together. This is not yet known Ganges (Fol. 28v ‘Asie. Mer de ‘Inde Orientale de Ceylon for certain, and for this Reason I am unable to et Sumatra’, from Cosmographie Universalle, is an describe its Resources (Le Testu, 2014).9 improvement upon Ptolemy, allowing for a sea route It is known that Le Tetsu participated in Atlantic

Cosmographie U , in Cosmographie la Grande Jave Testu, Le 4: Guillaume Illustration to India, but still the Malay Peninsula takes classic voyages, but his information on the Orient was entirely

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derivative and fanciful. Rather than confirming a celebrated by Curtius, Strabo, Pliny, Pomponious Mela, precocious Portuguese discovery of Australia, his and others, especially on account of its gold mines. version actually adds weight to the fictitious imagining ‘So Ptolemy in his Geography, in his eleventh Table of of the unknown continent. As I see it, for want of Asia calls it the name of Golden Chersonese or Golden empirical information, the Dieppe school mixed Peninsula’, or the same as a ‘quasi-island of gold’ (Mills, up Ptolemaic stereotypes of an elongated Golden 1997: 224). Erédia duly enters a rich description of Peninsula with little understood renditions of Marco Sumatra, its kingdoms and especially its pepper and Polo’s smaller and larger Java thus creating a southern gold ports. Having unpacked Taprobana and Sumatra, land almost by default. To cite Richardson (2004: 5), in a similar vein Erédia clarifies the confusion entered by ‘There is not a single surviving Portuguese map or Marco Polo in rendering Borneo as Lesser Java (Mills, chart which contains any coastal outlines obviously 1997: 245). But, guided by local informants, Erédia resembling those of Australia until about 1630, when also looked south. details from the first Dutch charts of parts of it leaked Dating back to the late 19th century, scholars out. There are no surviving Portuguese charts really have staked and lost their reputations on interpreting resembling those of Jave-la-Grande’s east and west Erédia, as with Englishman, R.H. Major, curator coasts, either in that position, or anywhere else. Nor is of maps in the British museum who first embraced there any other surviving evidence that the Portuguese Erédia’s ‘discoveries’ and then rejected them. But the reached Australia before the well-documented arrival stakes were also raised by the 1946 ‘discovery’ in the of the Dutch in 1606’. Still, we wish to examine scant Biblioteca Nacional do Brasil in Rio de Janeiro of his Portuguese cartographic-navigational evidence relating Luca Antara map executed in 1602 and titled ‘Nova to an Australian ‘discovery’ on its own terms. tavoa hydrographica do mar de novas teras do sul’. While Java and the Lesser Sunda Islands including Timor Manuel Godinho de Erédia’s Australia are well represented on this map, including their Setting aside the possibility of an accidental approximate latitudes (although lacking longitude), a Portuguese arrival on the coast of Australia, we comb series of misshapen islands lying between 12-20 degrees the evidence for a planned reconnaissance, say, lured south definitely suggest a ‘great south land’. A small by the prospect of gold. Even setting aside the question subsidiary scholarship has emerged relating to this map; of secrecy, the efforts of Malacca-based cartographer, whether or not Erédia was playing out an elaborate Manuel Godinho de [H]Erédia, to actually ‘discover’ hoax to throw rival Holland off course, or whether Terra Australis place him in a special category. Born of Luca (Nuca) Antara (Malay language for land between Illustration 5: Manuel Godinho de Erédia, Nuca Antara, 1602. a Portuguese father and a Buginese mother and Jesuit- the islands) and islands of gold can be correlated with trained at an early age in Malacca and Goa, Erédia had real places in northern Australia, namely, Bathurst and Timor, offering a possible assemblage of information In 1620, letters were exchanged between the a good understanding of classical European learning, as Melville Islands, respectively (Richardson, 1995; 2004; concerning northern Australia. [See Illustration 5] King of Portugal and the Viceroy of India (Portuguese well as European navigational-cartographic conventions Peters, 2003). Fanciful evocations of a southerly Nuca Antara Goa) regarding Erédia’s proposal for a voyage of and knowledge. Additionally, he was a beneficiary of Even lesser known is ‘Iava Maior e Nuca Antara’, and/or a ‘sea of gold’ leading to an island of gold are also ‘discovery’ to the ‘great south land’ (National Library Asian maritime lore acquired from his base in Malacca. also in the Biblioteca Nacional do Brasil collection, replete in Erédia’s ‘Report on the Golden Chersonese’. of Australia MS4406). But nothing came of such a However, he was also credulous in his beliefs as to catalogued as 1630, but bearing an inscription revealing Although Erédia sought to correct Ptolemy where proposal, in any case pre-empted by the arrival of sources of gold and other myths. that, in 1602, ‘cosmographer’ Manuel Godinho de appropriate (as with the true location of Sumatra/ Dutch fleets in the archipelago, thus raising the risks As Erédia described in his ‘Report on the Golden Erédia was commissioned by Viceroy Aires de Saldanha, Tabrobana), he was also credulous as to the presence for the Portuguese. One maritime route on Erédia’s Chersonese’ (1597-1600), ‘The Golden Chersonese or sometime captain of the Malacca fortress (d. 1605), of gold and gold mines, as in Timor, where he was Nuca Antara map leads southwards from Ende, the Golden Peninsula, is a part of the continental mainland to produce a map of Nusa Antara. A relatively simple convinced that gold rivalled sandalwood as a source of small island off the south coast of Flores fortified by of India extra Ganges; it commences in the narrow map representing the southern tip of Sumatra, Java and riches for local kings. Specifically, he relates stories of the Portuguese (1595-1605), linking up with Timor Isthmus of Tanaçaram [Tenasserim] in eleven or twelve the Sunda Islands eastward to Sumbawa, also noting a an island of gold south of Timor visited by fishermen on a return journey (or vice versa) suggesting an degrees of North latitude, and then extends towards number of topoi, it highlights a continent-sized south from Solor blown off course returning back to Ende. albeit unrecorded Portuguese mission. Another route, the Equator till it comes to an end, terminating in the land some 10° south of Java and the Sunda archipelago. In 1599, via a letter to Viceroy (of Goa) Francisco da possibly originating in Macassar, passes the Flores- Promontory called formerly Maleucolone, and now As the inscription notes, this ranges to 15° south. Gama, Erédia sought approval to venture to Timor, Solor Straits area, also leading south. Parallel south- Singapura or Ujonrana, which is situated in exactly one Although unadorned, the Nuca Antara of this map Ende, or Savu with a view to verifying his ‘discovery’ leading tracks are marked as ‘pescadores’ or fishermen, degree of latitude’. As he pointed out, the Peninsula was does offer a convincing depiction of islands south of (cf. Mills, 1979: 254-255).10 undoubtedly the real pioneer navigators of these seas.

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We might also surmise that Erédia gleaned such data Indian Ocean route from the Cape of Good Hope to trade eventually went into steady decline, not so much of Catholic missions, quickly established themselves as from Malay including distant Macassan or Buginese Australia (Terra Nova), albeit with Timor as destination. because of vulnerability to foreign competition or world the dominant ideological/civilisational force in a zone informants arriving in Malacca. One track south from As adverted, ‘Mas devese advertir, que a distancia desde market conditions, although that also occurred towards hitherto untouched by the great religions. Established Timor labeled ‘Viagem dos Sinas’, or Chinese voyages, o Cão de Boa Esperencia até a Terra Nova não he tanta the end, but because of overcutting. Indeed, there is a as a Portuguese Crown monopoly, the Solor voyages and terminates at an island cryptically named IAP and quanta mostrão os Cartas’ (But it should be noticed that sense that the sandal trade was counter-cyclical to the the sandal trade ineluctably welded Solor and Timor misleadingly labeled Ouro (gold) (ciano e sandale) the distance from the Cape of Good Hope until Terra down trend in the classic spice trade beginning with into a Portuguese-dominated East Asian maritime (between 14° and 15° south). Nova is not much revealed on the charts), setting aside the Dutch seizure of Banda in 1621. In fact, the sandal trading network. In any case, Dutch knowledge of the discoveries unknown and adverse ocean currents. As alerted (and trade continued to surge in the 17th and 18th centuries, Whether local fishermen from the Lesser Sunda was fast catching up with that of the Iberians as with as well-known to the Dutch from the 1610s), the reef- with demand outstripping supply. Connected up with group or even Chinese junks blown off course, Asians Linschoten’s Discource (Latin edition), including the strewn coast of Terra Nova at 27° south was perilous, Macao, there is also reason to believe that sandalwood undoubtedly preceded Europeans into the Timor map drawn by Dutch trade advocate, Petrius Plancius, especially if approached at night. Riding the southerly was a commodity which rescued the Macao treasury Sea zone. We do not discount Chinese knowledge in turn sourced to Portuguese cartographic knowledge, or southeasterly winds at 22° latitude was optimum from utter penury after the collapse of the Japan trade. of an antipodes just as their commercial intelligence namely, Insulae Moluccae celeberrimae sunt ob Maximam before turning to Timor Island (Babao) at 11° 5’. As an However, and this is important, unlike the case brooked no equal from Song times on, if not earlier. aromatum copiam quam totum terrarum orbem mittunt alternative to the Malacca Straits, Portuguese navigators of trade in spices in the Moluccas, Timor’s sandal Erédia imaginatively constructed a ‘great south land’ (1598). Noua Guinea is acknowledged in Latin as setting out from Goa also coursed west of Sumatra, fluidly entered the circuits of Chinese trade on largely prior to the first Dutch voyages seemingly outside ‘Partem autem efse continentis Australis magnitudo coasting south of Java at 7°-8° latitude south, prior to non-European terms, as mentioned, a commodity of of Ptolemaic constructs and based upon some local probabile facit’ (likely part of a continent the size of entering the Java Sea via the Sunda or Bali Straits. In his which neither the Portuguese or Dutch ever gained empirical knowledge—and that was important—but Australia), literally announcing Australia. In fact, by ‘Report on the Golden Chersonese’, penned between a monopoly. A periphery to Europe and vaguely in the absence of more concrete evidence as to a specific 1606, with the voyage of Willem Janszoon, the Dutch 1597-1600, Erédia (Mills, 1997) specifically mentions conceived by Ptolemy and classical authors as a source Portuguese voyage, we would have to agree that, with had already sent an exploratory mission from Batavia a number of such Portuguese voyages on the Indian of spices, the eastern archipelago, as with Timor Island, the notable exception of the western travelling Spanish to the Cape York-Gulf of Carpentaria area of northern Ocean side of Sumatra, including that of António was not only touched by Chinese voyages but fluidly expedition of Pedro Fernandes de Queirós of 1605- Australia and, over the following decades, a procession Dias Sumatra, the first by a Portuguese navigator (a fitted in with China’s own historical sense of the 1606 leading to the discovery by Luis Vaz de Torres of of Dutch ships had careened on the west coast of reference to the shipwreck of the nau S. Paulo in 1561). Nanyang or southern world region. the strait that bears his name, it was the Dutch who first Australia. Yet it would appear from Erédia’s writings That of António Rodrigues de Luna, was another. As From our discussion of Chinese trading networks explored and mapped significant parts of the Australian that he was already au fait with the Dutch discoveries with VOC vessels blown off course, the possibility of reaching to Timor it is clear that, from an early period, coastline. Having said that, it was generation upon (cf. Mills, 1979: 254-255). a Portuguese sighting and/or wreck on the northern or the island was deeply enmeshed in a wider commodity generation of Macassans, from around the mid-1700s For some observers, as with Richardson (1995: western Australian coast cannot be precluded. But this chain network outside of European knowledge, much practically down until their expulsion in the early 20th 313; 1996: 32), Erédia’s maps are a ‘confused amalgam is not known, and, if it happened, as Pimentel’s roteiro less participation. Even so, we know next to nothing century, who came to know the inhospitable northern of information’ culled from Mercator or Gastaldi alerts, it should not happen again. as to how the impingement of outsiders might have coastline of Australia best. They also seem to have had a worldmaps, contributing nothing to the discovery of Pimentel’s (1712: 419) cartographic altered domestic power relations on the island. But, by happier association with its indigenous peoples as well, Australia. My own position is that Erédia assembled representation of Sabul, a cluster of five small islets, the closing decades of the 16th century, it is clear that the although not entirely. If this theory is correct then the the best possible intelligence of his time from local sited south of south-central Timor surrounded by a line Portuguese had not only displaced Asian trading rivals European ‘discovery’ of Australia was actually an Asian sources—both garbled and real—matched by the suggesting shoals, also offers an intriguing indication in the Flores-Solor-Timor zone but, through the work revelation. best traditions of Portuguese cartography of that age, of further Portuguese knowledge of the Timor Sea and bequeathing in the Nuca Antara map a riddle that can beyond. But his is a 17th century map, also revealing be read as objective statement (Peters) or as exploratory- knowledge of Holland Nova or Australia. Moreover, the imaginative (most of the literature). Frank Urban name ‘Sahull’ or ‘Sahoel’ meaning shoal, appeared on (2009) is undoubtedly justified in summarising that, 17th century Dutch maps in reference to a submerged ‘Although open to interpretation, Erédia’s map and sandbank between Australia and Timor, and there are articles provide some collaborative evidence that the several. On his 1803 map, Mathew Flinders noted the Portuguese knew of voyages by Indonesians to one or ‘Great Sahul Shoal’ frequented by Macassan trepangers more islands south of Timor before Dutch exploration whom he encountered. Today the name Sahul is lent commenced’. to the broader Australian continental shelf.

Manuel Pimentel’s Arte de Navegar Conclusion It is intriguing that, as revealed by Pimentel (1712: 423) in his A arte de navegar, from the early 17th Serving over the centuries as a milch cow for century, the Portuguese were well aware of the southern Timorese and foreign traders alike, the sandalwood

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historiografia historiography

notes bibliography

1 By way of comparison, in his ‘Report on the Golden Chersonese’ of Macassan sailing prauhs arrived annually to collect turtle shells and Anon (2013). ‘Cannon found on NT beach said to pre-date Cook’, Knaap, Gerrit and Heather Sutherland (2004). Monsoon Traders: written between 1597-1600, Malacca-based cosmographer Manuel marine products. Sydney Morning Herald, December 13, http://www.smh.com. Ships, Skippers and Commodities in Eighteenth-century Godinho de Erédia noted the major sandalwood ports on the 6 A recent artifact discovery is that of an antique cannon, ‘the Dundee au/national/cannon-found-on-nt-beach-said-to-predate- Makassar. Leiden: KITLV Press. northern coast of Timor as, Mena, Ceruião, Assan, Batugade and swivel gun’, found southwest of Darwin in 2010. Scientifically tested, cook-20131212-2zaad.html#ixzz2pDmVoK3x. Le Testu, Guillaume (2014). Mappemonde en deux hemispheres. Adem. 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historiografia abstracts

—— (1979). ‘Chinese Navigators in Insulinde about A.D. 1500’, —— (1998). ‘Enigmatic Indian Ocean Coastlines on Early Maps resumos Archipel, 18, pp. 69-93. and Charts, The Globe, no. 46, pp. 21-41. . Description of Malacca, Meridional India and Cathay.Kuala —— (2004). ‘Gavin Menzies Cartographic Fiction: The Case of Benjamim Videira Pires, S. J.: de Shiu-Hing, onde aprendia a língua a autora julga compreender das Lumpur: Malaysian Branch of the Royal Asiatic Society. the Chinese “Discovery” of Australia, The Globe, no. 56, Memória e Homenagem: e a cultura chinesas. psicologias chinesa e portuguesa. Ormeling, E.J. (1956). The Timor Problem: A Geographical 2004, pp. 1-12. accessed 5 June 2015. do centenário do nascimento homenageamos a memória de um jesuíta Gravenhage: J.B. Wolters and Martinus Nijhoffs. Roever, Arend de (1998). ‘The Partition of Timor: An Historical do Pe. Benjamim Videira Pires, S. J. que deu a Macau o melhor de si mesmo, A Embaixada Mártir de A Ásia do Sudeste: História, Cultura e Parker, Geoffrey and Lesley M. Smit. (1978). The General Crisis of Background’, in (1916-1999), decidiu dedicar-lhe em meio século de permanência Benjamim Videira Pires: the Seventeenth Century. London: Routledge & Kegan Paul. Desenvolvimento, edited by Maria Johanna Schouten. Lisbon: um amplo espaço deste número da sua no Território, como educador O Cristianismo Pearson, Michael (2005). Great Southern Land: The Maritime Vega, pp. 45-55. e, sobretudo, como historiador. e a sua Circunstância Exploration of Terra Australia. Canberra: Australian Sakurai Yumio (1997). ‘The Structure of Southeast Asian History’, Edição Internacional, inserindo artigos Government Department of Environment and Heritage. Proceedings of International Symposium Southeast Asia, Global sobre a sua vida, pensamento e obra, Propomo-nos neste artigo seguir Entre os muitos títulos da obra Pelissier, René (1996). Timor en guerre. Le crocodile et les Portugais Area Studies for the 21st Century, 18-22 October 1996, Kyoto: de reputados investigadores como Ana o percurso do Pe. Benjamim Videira de Benjamim Videira Pires, A Embaixada (1847-1913). Orgeval (France): Éditions Pélissier. Center for Southeast Asian Studies, Kyoto University, pp. Cristina Alves, António Aresta, Pires em Macau (1949-1998), traçando- Mártir é, porventura ,aquela que reflecte Peters, N. H. (2003). ‘Eredia Map 1602 Ouro and Luca Antara 105-123. Aureliano Barata, Celina Veiga -lhe um retrato tão fiel quanto possível, com maior nitidez o ambiente cristão Islands: A Case for Determining that Ouro and Luca Saris, John (1941). The First Voyage of the English to Japan de Oliveira, Jorge de Abreu Arrimar, e abordando duas das suas dimensões: em que foi educado e a que melhor Antara Islands Shown on the Eredia Map are, Respectively, (transcribed and collated by Takanobu Otsuka). Tokyo: Jorge Bruxo e Maria de Lurdes Escaleira. o Educador e o Historiador. Dividimos expressa a visão apologética que sempre Melville and Bathurst Islands of the Tiwi Islands Australia’, Toyo Bunka. É uma forma justa e digna de homenagear este trabalho em cinco partes: nascimento teve sobre o legado dos portugueses Cartography, 32, 2, pp. 31-47 accessed 20 July 2015. Portuguese Trade and Society in China and the South China personalidades da vida cultural (1916-1948); os primeiros tempos O título remete para um dos objectivos [Pigafetta, Antonio] (1969). The Voyage of Magellan, The Journal Sea, 1630-1754. Cambridge: Cambridge University Press. de Macau na segunda metade do em Macau; Pe. Benjamim Videira Pires: do livro: relevar um facto histórico of Antonio Pigafetta, Engelwood Cliffs, N.J.: Prentice Hall Therik, Tom (2004). Welhali: the Female Land: Traditions of a século xx e recordar a acção e a missão o Educador; Pe. Benjamim Videira Pires: que testemunhava, na óptica (facsimile of Le voyage et navigation fait par les espignolz es Timorese Ritual Centre. Canberra: Pandanus Books / Research o Historiador; Considerações Finais. de um historiador comprometido isles Mollucques, Paris, 1525). School of Pacific and Asian Studies. verdadeiramente notáveis que desenvolveu Pimentel, Manuel (1712). Arte de navegar, em que se ensinam as regras Urban, Frank (2009). ‘Did the Portuguese Know of Australia’s Tiwi ao longo de cinco décadas neste [Autor: Aureliano Barata, pp. 21-31] e empenhado na sua obra missionária, praticas, e o modo de cartear pela carta plana, & reduzida, o modo Islands prior to 1606?’, The Globe, http://www.thefreelibrary. território. como era o seu caso, o entrosamento de graduar a balestilha por via de numeros, & muitos problemas com/Did+the+Portuguese+know+of+Australia %27s+Tiwi+ Missionário, pedagogo, historiador A Identidade Cultural de Macau entre fé católica e presença portuguesa uteis à navegaçaõ; & roteiro das viagens, e costas maritimas de Islands+prior+to+1606%3f-a0242305168. e escritor, com valiosa obra em prosa no Pensamento de Benjamim no mundo. Guiné, Angola, Brasil, Indias, & Ilhas Occidentaes, & Orientaes, Van Leur. J.C. (1955). Indonesian Trade and Society: Essays in Asian e em poesia, estas variadas facetas Videira Pires, S. J. A Embaixada Mártir é uma monografia agora novamente emendado, & accrescentadas muitas derrotas Social and Economic History. The Hague: Martinus Nijhoff. da sua intervenção cívica e cultural são Este estudo procura revisitar a obra histórica que relata as circunstâncias novas por Manoel Pimentel fidalgo da casa de Sua Magestade, Villiers, John (1985). East of Malacca: Three Essays on the Portuguese in analisadas nestas notas introdutórias, de Benjamim Videira Pires, S. J., trágicas em que decorreu a morte & cosmographo mór do reyno, & senhorios de Portugal. Lisbon: the Indonesian Archipelago in the Sixteenth and Early Seventeenth com recurso à memória que guardei especialmente o modo de pensar de 61 católicos que faziam parte da missão Na Officina Real Deslandesiana. Centuries. Bangkok: Calouste Gulbenkian Foundation. do relacionamento que pudemos manter a história de Macau. A identidade especial que o Senado de Macau enviou Ptak, Roderich (1983). ‘Some References to Timor in Old Chinese Voltaire, François (1756). Essaie sur les moeurs et l’ésprit des nations. ao longo de muitos anos e à oportuna cultural do Território projecta uma ao Japão, em 1640, um ano depois Records’, Ming Studies, 17, pp. 37-48. Paris: Chez Lefebvre. e incontornável biografia intitulada diversidade linguística que do fecho dos seus portos aos barcos —— (1987). ‘TheTransportation of Sandalwood from Timor to Wallace, Alfred Russel (1869). The Malay Archipelago: The Land se consubstancia em formas de viver, de Macau. Macau and China during the Ming Dynasty’, Review of of the Orang-utan, and the Bird of Paradise: A Narrative of P. Benjamim Videira Pires, Meu Irmão, Culture, no. 1 (April-June), pp. 31-39. Travel, with Sketches of Man and Nature. London: Macmillan de Francisco Videira Pires, S. J., que de pensar e de agir singularmente Setenta e quatro pessoas, quatro Pullonggono, Heru Bagus (1995). ‘Some Notes on Sandalwood & Co. o Instituto Internacional de Macau contrastivas. Procurar a síntese das quais com funções de embaixadores, of Timor’, Southeast Asian Studies (Kyoto), vol. 32, no. 4, Wallerstein, Immanuel, 1974. The Modern World-System, Vol. 1: publicou em Agosto de 2011. e a convergência entre os extremos partiram de Macau rumo a Nagasáqui, March, pp. 549-550. Capitalist Agriculture and the Origins of the European World- [Autor: Jorge A. H. Rangel, pp. 6-20] civilizacionais foi um dos magnos em 1640, com o objectivo de reverterem Raynal, Guillaume-Thomas (1782). Histoire philosophique et Economy in the Sixteenth Century. New York: Academic trabalhos de Benjamim Videira Pires. essa determinação. Mas o xógum politique des établissemens et du commerce des Européens dans Press. Padre Benjamim Videira Pires: [Autor: António Aresta, pp. 32-40] Tokugawa Iemitsu, interpretando o envio les deux lndes, Tome Premier. Genève: Jean-Léonard Pellet, _____. 1979. The Capitalist World-Economy. Cambridge: Percurso de um Educador da embaixada como um desrespeito pp. 225-226. Cambridge University Press. e Historiador de Macau A Miscigenação de Benjamim à sua ordem, condenou os seus membros Reid, Anthony (1993). Southeast Asia in the Age of Commerce 1450- _____. 1984. The Politics of the World-Economy: The States, the O Pe. Benjamim Videira Pires nasceu Videira Pires à morte, poupando somente treze pessoas 1680, Vol. Two: Expansion and Crisis. New Haven / London: Movements, and the Civilizations. Cambridge: Cambridge num período conflituoso e instável que Este artigo aborda a questão para contarem em Macau o que tinham Yale University Press. University Press. se vivia em Portugal desde a implantação da miscigenação de Benjamim Videira presenciado em Nagasáqui. O sacrifício Richardson, W.A.R. (1984). ‘Jave-la-Grande: A Case Study of _____. 1989. The Modern World System, Vol. III: The Second Era of Pires, do ponto de vista cultural, dos martirizados, que só o foram Place-Name Corruption’, The Globe(Australian Map Circle), Great Expansion of the Capitalist World-Economy 1730-1840s. da República, com reflexos em Macau. 22, pp. 9-32. San Diego, CA: Academic Press. Reflexos que se fizeram sentir filosófico e existencial. por não terem querido renegar —— (1995). ‘A Cartographical Nightmare: Manuel Godinho de _____. 2004. World-Systems Analysis: An Introduction. Durham, no Território quando a China implantou Procura seguir-se, à maneira duma a sua fé, é valorizado pelo autor, Eredia’s Search for India Meridional’, in The Portuguese and NC: Duke University Press. o regime republicano, cuja turbulência investigação policial, o fascínio do autor um jesuíta culto, que aliava à sua the Pacific, edited by F.A. Dutra & J. Camilo dos Santos. Wei Juxian, 1960. Zhongguo ren fa xian aozhou 中國人發現澳洲 [The duraria verdadeiramente até à vitória pelo Oriente e as suas aventuras formação cristã uma cultura histórica Santa Barbara: University of California, pp. 314-348. Chinese Discovery of Australia], Hong Kong: [s.n.]. de Mao Zedong, na guerra civil em Macau. e humanística, o que lhe dá o estatuto (1946-1949). O resultado é a construção duma de um grande historiador de Macau. Este final do período apanharia biografia romanceada, baseada em factos [Autora: Celina Veiga de Oliveira, o Pe. Benjamim Videira Pires na Missão concretos e reais, bem como no que pp. 52-60]

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Subindo no Céu do Oriente ao teatro, ao conto, à história, às prédicas etc.? Se incluirmos Xiangshan, também vivenciam, de acordo com as respectivas influenciou os antigos sistemas tributários Em 8 de Julho 1995, o jornal Tribuna missionárias e ao jornalismo noticioso, se poderia considerar um conceito personalidades, estados de espírito asiáticos e as redes comerciais de longa de Macau dedicou uma página inteira e é desse legado intelectual que o artigo geminado: Zhu Ao wenxue (literatura ou emoções que vão experimentando distância. Localizada a cerca de 500 km ao Pe. Benjamim Videira Pires que, nesse vai dar testemunho e esboçar de Zhuhai ]e de Macau). Finalmente, pela dinâmica da acção. a norte da Austrália, a ilha de Timor era ano, a 30 de Outubro, faria 79 anos um princípio de análise dos seus valores para os crentes em critérios marxistas seria Através do discurso literário, ora encarada como um ponto de partida para de vida e 47 anos de permanência e significados. necessário interligar actividades literárias, narrativo ora descritivo, o autor vai viagens mais para Sul, como foi o caso em Macau. Foram convidados alguns A obra deste autor é vasta e diversificada, como parte de uma superestrutura local, relatando acontecimentos, que situa dos navegadores Macassan no início investigadores e amigos a participarem indo da prosa à poesia, abarcando para a configuração socioeconómica no tempo e nos lugares, situações do século xix. À luz do exposto, este artigo com textos de sua autoria. Eu fui um considerável número de temáticas, de Macau – não apenas num sentido e experiências conhecidas ou imaginadas, pretende, em primeiro lugar, retomar um deles, contribuindo com um artigo sendo que a opção pelo estudo do seu sincrónico, mas também numa perspectiva socorrendo-se, paralelamente, da descrição o assunto do comércio de sândalo entre de carácter biográfico, intitulado contributo em Religião e Pátria se deve diacrónica. Aqui pode (ou não) ser útil de personagens, de espaços e do tempo a China e a ilha de Timor; em segundo “Pe. Benjamim Videira Pires: ao facto de esta ser uma das facetas distinguir entre o ponto de vista em que toda a trama se desenrola. lugar, explanar o modo como de Mirandela a Macau”. Com base neste menos conhecida, pese embora alguns de observação marítima e e a visão Recorrendo às suas memórias reporta- os mercadores europeus, portugueses artigo e noutros de autoria diversa que, dos artigos estarem inseridos nos seus ‘convencional’, dirigidos do interior para -nos para os inícios do século xx e fala- e holandeses, se envolveram nesse entretanto, se foram publicando livros. o litoral. -nos de uma cidade dividida em duas comércio e, por último, examinar e em algumas memórias que ainda Estamos perante um autor que deixou A última parte do artigo comenta partes distintas, cada uma delas habitada as evidências sobre a descoberta asiática conservo do nosso relacionamento, um inestimável contributo no panorama o caso de Tang Xianzu, muitas vezes por gente diferente, não só no aspecto da Austrália versus a portuguesa. escrevi este texto menos formal, mais intelectual de Macau do século xx, conotado aos primórdios da “Literatura psicológico mas, igualmente, no seu [Autor: Geoffrey C. Gunn, pp. 124-148] solto, e até um tanto ficcionado. pelo que os seus trabalhos deveriam ser de Macau”, seguido de uma breve estatuto sociocultural. Esta divisão Ficcionado, porque parte desta narrativa objecto de profunda análise e, quiçá, conclusão com algumas referências é real, existindo, contudo, a ideia foi concebida a partir da interpretação da edição completa da sua obra, a Luís Vaz de Camões. Como podemos permanente de uma permeabilidade dos poemas de Videira Pires, utilizando-os porventura uma das melhores formas relacionar estes dois autores e as suas obras possível entre ambos os espaços, como opiniões, sentimentos, apreciações de o recordar e homenagear por ocasião na categoria “Literatura de Macau”? determinando, em última análise, suas sobre Macau. do centenário do seu nascimento. O objectivo geral da discussão não a vida das personagens, a forma como [Author: Jorge de Abreu Arrimar, [Autores: Jorge Bruxo e Maria de Lurdes é resolver as questões existentes, mas se relacionam e são vistas pelo Outro. pp. 61-65] N. Escaleira, pp. 66-78] explorar as possibilidades de combinar Atento ao que se passa à sua volta conceitos com exemplos literários. dá-nos conta de um aspecto relevante, Pensamento e Acção de Benjamim Categorizar a Literatura Antiga [Autores: Cai Jiehua e Roderich Ptak, verificado ao longo dos séculos, Videira Pires em Religião e Pátria de Macau e o Papel de Tang pp. 79-100] a mudança da cidade, fruto da influência Benjamim Videira Pires (1916-1999) Xianzu que lhe chega principalmente do exterior. viveu em Macau cerca de metade A primeira parte deste artigo debruça-se Macau em Os Dores, [Autores:M. de Lurdes N. Escaleira, do século xx e aí, entre as muitas facetas sobre a questão da “Literatura de Henrique de Senna Fernandes Fernando Manuel Margarido João, da sua vida, ressalta a, por vezes esquecida, de Macau”, ou Aomen wenxue, Neste artigo parte-se da convicção pp. 101-123] de director, administrador e principal e a definição deste conceito. Esclarece-se de que “[o] texto literário é um redactor da revista Religião e Pátria que o termo em inglês para esta definição meios de acesso à compreensão O Comércio de Sândalo Timor- (1955-1968). pode não significar o mesmo que do mundo, é um dos meios -Macau e a Descoberta Asiática Esta revista, como o próprio nome sugere, o termo em chinês. Surge o problema de investigação’ pois é ele próprio do Continente do Sul? pautou-se pela promoção e defesa das línguas, grupos demográficos uma escrita do mundo ...”. Conhecida da China e da Índia desde dos valores do catolicismo, profundamente e sociedade multicultural de Macau. Tendo como objecto de estudo o romance os primórdios como a principal fonte comprometido com o espiritualismo A questão que se levanta é como devemos Os Dores de Henrique de Senna Fernandes, de sândalo, a ilha de Timor (que significa cristão, e do patriotismo luso, muito associar estas dimensões a “Literatura propomos um olhar sobre Macau numa leste em Malaio ) atraiu igualmente a entrosado com o nacionalismo vigente de Macau”. vertente de espaços, tornados únicos atenção dos primeiros portugueses no em Portugal. Além disso: O que podemos afirmar sobre por quem os habita ou frequenta, Sudeste Asiático. No final do século xvii, Importante veículo de comunicação a relação entre a “Literatura de Macau” e pelo confronto do antes e do agora, Timor surge, portanto, no centro da com os portugueses de Macau, Hong e outras literaturas? Devemos organizá-las que as várias descrições suscitam, rivalidade intra-colonial no arquipélago Kong, Xangai, Japão e Timor, assume em sistemas hierárquicos? Por exemplo, tornando esta obra um manancial oriental, tendo Portugal (e Holanda) o papel de repositório e documentário é a “Literatura de Macau” uma entidade de sensações, de viagens e roteiros na conquista conjunta de Timor, sido da vida social e cultural de Macau subordinada à “Literatura Chinesa” percorridos e a percorrer. obrigados a ajustar-se às redes de poder na segunda metade do século passado, e/ou à “Literatura Portuguesa”? Será Esta abordagem realça, essencialmente, local e regional, incluindo as globais redes Macau uma república mercantilista não que faz sentido considerar também o espaço, não só o espaço físico mas, de comércio chinesas, tornando as suas soberana onde os extremos se conciliam. conceitos adicionais, por exemplo, ao mesmo tempo, o espaço social investidas comercialmente viáveis. Como Em Religião e Pátria encontramos Lingnan wenxue (literatura de Lingnan), em que as personagens se movem, este artigo destaca, é importante considerar um complexo de escritos da autoria chengshi wenxue (literatura urbana), e ao qual pertencem ou não, e, igualmente, a forma como o comércio europeu com de Benjamim Videira Pires, desde a poesia, haiyang wenxue (literatura marítima), o espaço psicológico que as mesmas Timor se introduziu, ou pelo menos,

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abstracts Benjamin Videira Pires who, this year and covering a number of themes. (or may not) be useful to distinguish in October 30, would turn 79 years old The reason to explore his literary between a maritime vantage point and A Tribute to Fr. Benjamim On the centenary of his birth we honour Benjamim Videira Pires’ and would complete 47 years of living contribution in Religião e Pátria is due ‘conventional’ views, directed from the Videira Pires, S.J. the memory of a Jesuit that gave Macao A Embaixada Mártir: in Macao. Some investigators and friends to the fact that this is one of his least interior to the coast. To commemorate the 100th anniversary the best of himself in half a century Christianism and its of Father Videira Pires were invited known facets, although some of the The last part of the article comments of Fr. Benjamim Videira Pires’ birth residence in the Territory as educator Circumstance to participate with texts about him. articles are included in his books. on the case of Tang Xianzu, often placed (1916-1999), the Review of Culture and, above all, as a historian. From the wide work of Benjamim I was one of them, contributing We are standing before an author who at the beginning of ‘Macao Literature’. invited several distinguished scholars We propose in this article follow Videira Pires, A Embaixada Mártir to a biographical character article named made an invaluable contribution This is followed by a brief conclusion and researchers to contribute with articles the route of Father Benjamim Videira is the tittle that reflects with most clarity ‘Pe. Benjamim Videira Pires: to Macao’s intellectual landscape with some references to Luís Vaz about the life, thought and work of one Pires in Macao (1949-1998) drawing the Christian environment in which de Mirandela a Macau’. Based on this of the 20th century. His works should, de Camões. How can we relate these of the most outstanding and influential you as accurate a picture as possible, he was educated, and best expresses the and other articles that other authors therefore, be the subject of thorough two and their works to the category personalities in Macao’s cultural circles and addressing two of its dimensions: apologetic vision that always informed wrote about the same topic, I wrote analysis and perhaps a complete new ‘Macao Literature’? The general aim in the 2nd half of the 20th century. Educator and historian. his views on the Portuguese legacy this less formal, free and even fictionalised edition effectively remembering and of the discussion is not to solve open Those articles have been included We have divided this work into five on the world. text. I say it’s fictionalised because part honouring him as we celebrate the issues but to explore the possibilities in this issue of the Review’s International parts: birth and academic and religious The tittle refers to one of the book’s of this narrative was build from some centenary of his birth. of combining concepts with literary Edition. (1916-1948); the first years in Macao; objectives: to reveal a historical fact that interpretations of his poems, using them [Authors: Jorge Bruxo and Maria examples. Missionary, educator, historian Father Benjamim Videira Pires: Educator; testified, through the vision as opinions, feelings and his assessments de Lurdes N. Escaleira, pp. 66-78] [Authors: Cai Jiehua and Roderich Ptak, and writer, who excelled in both prose Father Benjamim Videira Pires: Historian; of a committed historian, fully dedicated about Macao. pp. 79-100] and poetry, these varied facets of his Final considerations. to his missionary work such as Videira [Author: Jorge de Abreu Arrimar, Categorizing the Early Literature involvement in civic and cultural affairs [Author: Aureliano Barata, pp. 21-31] Pires, the intertwining between pp. 61-65] of Macao and the Role of Tang Macao in Henrique de Senna are analised in my introductory notes. the Catholic faith and the Portuguese Xianzu Fernandes’ Novel Os Dores It was a privilege, indeed, to have Macao’s Cultural Identity presence in the world. Thought and Action of Benjamim The first few sections of this article deal In this article we start from the belief that known him personally and to have in Benjamim Videira Pires’s A Embaixada Mártir is a historical Videira Pires in Religião e Pátria with the issue of ‘Macao Literature’, ‘[the] literary text is one of the means had many opportunities to understand Ideology monograph which reports the tragic The sometimes forgotten Benjamin or Aomen wenxue, and how one may to access the comprehension of the world, the merits and value of his remarkable This investigation tries to revisit Benjamim circumstances of the death of sixty-one Videira Pires (1916-1999) lived in Macao define such a concept. It is explained that it is a research tool containing the world’s contribution to the development Videira Pires’s work, more specifically the Catholics that were part of the special during the second half of the 20th century the English term for this category may written output ...’. of education and culture in Macao, way how to think Macao’s history. mission that the Macao Senate sent and his position as director and chief not imply the same as the Chinese Having as object of study the novel where he spent five decades serving the The Territory’s cultural identity projects to Japan in 1640, one year after editor of the Religião e Pátria magazine term. One problem concerns languages, by Henrique de Senna Fernandes, Catholic Church, the youth and the a linguistic diversity that can be seen its closure to the boats from Macao (1955-1968) needs to be highlighted. demographic groups, and Macao’s Os Dores we propose an insight into people of this territory. Many additional in the singular different ways of living, provenance. This magazine, as its name suggests, was multicultural society. The question arises Macao and its spaces made unique inputs have been provided by his brother thinking and also acting which Seventy-four people, four focused by the promotion and defense how we should link these dimensions by those who inhabit them, and by the Francisco, also a Jesuit priest, as well are uniquely oppositional. Look for of which with diplomatic roles, left of catholic values, a deep commitment to ‘Macao Literature’. contrast between a bygone era and what as a university professor and philosopher, a convergence and synthesis between Macao in June 1640 towards Nagasaki, to Christian spirituality, and Portuguese Furthermore: What can we say about is present now, providing a wealth who wrote his biography published the civilizational extremes was one with the intent to revert that policy. patriotism rooted in the prevailing the relations between ‘Macao Literature’ of sensations, journeys and travelled routes by the International Institute of Macau of the greatest works of Benjamim But shogun Tokugawa Iemitsu interpreted nationalism in Portugal. and other literatures? Should we organise and paths still to be trodden. in August 2011. Videira Pires. the envoy as disrespect to his order and Religião e Pátria became an important them in hierarchical systems? For This approach highlights essentially [Author: Jorge A. H. Rangel, pp. 6-20] [Author: António Aresta, pp. 32-40] sentenced all its members to death, communication medium for the instance, is ‘Macao Literature’ the space, not only physical but also having spared only thirteen people Portuguese in Macao, a non-sovereign a subordinate entity under ‘Chinese the social space in which the characters Fr. Benjamim Videira Pires: The Miscegenation of Benjamim to report the event upon their return mercantile republic where extremes Literature’ and/or ‘Portuguese Literature’? move ]in, to which they may or may The Trajectory of a Macao Videira Pires to Macao. The relevance of the were able to conciliate, Hong Kong, Would it make sense to also consider not belong, and also the psychological Educator and Historian This article explores the theme martyrdom, valued by the author, consists Shanghai, Japan and Timor and additional concepts, for example Lingnan realm of their personalities, their moods Father Benjamm Videira Pires was born of Benjamim Videira Pires miscegenation, in their refusal to deny their faith. a repository of the social and cultural wenxue (Lingnan Literature), chengshi or emotions resulting from the action in a confrontational and unstable period from cultural, philosophical and Videira Pires is an example of a cultivated life of Macao in the second half of the wenxue (‘urban literature’), haiyang experienced. that Portugal lived since the establishment existential point of view. And try Jesuit that conjoined his Christian last century. wenxue (‘maritime literature’), etc.? Through a sometimes descriptive, of the Republic, reflected in Macao. to follow the model of a criminal education with a wide humanistic In Religião e Pátria we find an eclectic If Xiangshan is brought in, one could sometimes narrative literary discourse, Reflexes that were felt in the Territory research when explaining life and and historic culture, allowing his range of works authored by Benjamin also envisage a twin arrangement: Zhu the author reports events linked when China implemented the Republican existential options of Priest Benjamim, recognition as one of the great historians Videira Pires, from poetry, theatre, Ao wenxue (Zhuhai and Macao to time and places, to known or imagined regime whose turbulence truly would last as well as in an analysis of his adventures of Macao. storytelling, history, missionary preaching Literature). Finally, for those believing experiences, using descriptions until the victory of Mao Zedong in the in Macao. [Author: Celina Veiga de Oliveira, and journalism; this intellectual legacy in Marxist criteria it should become of different characters, of spaces and civil war (1946-1949). This end of the The result is the creation of a fictional pp. 62-60] being the focus of this article, will draft necessary to connect literary activities, of the time period in which the plot period would pick up Father Benjamim biography, based on facts and on author’s an analysis to its value and meaning in as part of a local superstructure, unfolds. Videira Pires in the Mission at Shiu-Hing, understanding of Chinese and Portuguese Rising on the Eastern Sky both historical and contemporary sense. to the socio-economic setting of Macao— His memories take us to the beginning where he learned Chinese language and psychology. On 8 July 1995, the newspaper Tribuna Indeed, the works of the author are vast not only in a synchronic sense, but also of the 20th century to a city divided into culture. [Author: Ana Cristina Alves, pp. 41-51] de Macau devoted a whole page to Father and diverse, ranging from prose to poetry on a diachronic axis. Here it may two distinct areas, each inhabited not

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______resumos _

郵 票 Selo

only by psychologically different people, and, third, to sift the evidence but also by dwellers with different socio- as to an Asian versus Portuguese 中國 澳門 cultural status. discovery of Australia. 塔石廣場 This division is real, it exists in the idea [Author: Geoffrey C. Gunn, pp. 124-148] of a permanent permeability between 文化局大樓 both spaces, determining, ultimately, the lives of the characters, the way they 澳門特別行政區政府文化局 relate to each other and how they are seen by the Other. 《文化雜誌》編輯部 Aware of what is happening around him, the author draws our attention Instituto Cultural do Governo to a relevant aspect, confirmed over the centuries, the changes that result from da Região Administrativa Especial de Macau the influence that comes mainly Revista de Cultura from abroad. [Authors: M. de Lurdes N. Escaleira, Praça do Tap Seac, Edifício do Instituto Cultural Fernando Manuel Margarido João, Macau, China pp. 101-123]

The Timor-Macao Sandalwood Trade and the Asian Discovery

of the Great South Land? ______Known to China and India from ______an early period as the prime source of sandalwood, the island of Timor (meaning east in Malay) also attracted – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – the attention of the first arriving Portuguese in Southeast Asia. By the end of the 17th century, however, Timor Island emerged at centre-stage of intra- colonial rivalry in the eastern archipelago, just as Portugal (and Holland) in their joint conquest of Timor were, respectively, obliged to accommodate to local and regional power networks as much overarching Chinese trade networks that made their ventures commercially viable. As this article highlights, it is important to consider the way that the European trade with Timor fitted into or, at least, interrupted age-old Asian tributary and long-distance trading networks. Lying some 500 kilometres off northern Australia, Timor Island would appear to be a jumping off point for voyages further south, and that was the case with Macassan seafarers in the early 19th century. In the light of the above, this article seeks, first, to offer a reprise upon the Chinese sandalwood trade with Timor Island, second, to configure the way that European traders, respectively Portuguese and Dutch, muscled in on the trade,

154 Revista de Cultura • 53 • 2016 de desconto do preço de capa na compra de 4 exemplares. 50% discount off cover price when buying 4 issues. ❑ Desejo fazer uma assinatura anual da RC Edição Internacional a partir do n.° Números anteriores Edição Internacional ❑ I would like to subscribe to RC International Edition (4 issues) starting from No.

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