GOELDI/JARDIM A GRAVURA E O COMPASSO

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA da Universidade de São Paulo GOELDI / JARDIM: A GRAVURA E O COMPASSO extensões, para esses gravadores caminhantes, de suas anotações, e nunca circunscrevem a relação das matrizes e de suas estampas à repetição mecânica. A invenção de seus objetos gráficos é sempre balizada por experiências imaginativas e fabricantes. Claudio Mubarac Curador As figuras são muito diferentes nos imaginários dos dois artistas, assim como a escanção espacial relacionada as vistas da paisagem. Ao entrar em contato com as coleções de gravuras presentes no acervo Mas têm em comum a capacidade de instauração de um silêncio do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo de eloquente, que nos faz companhia por muito tempo, mesmo depois Oswaldo Goeldi e Evandro Carlos Jardim, que somam um pouco mais que não mais contemplamos diretamente esses mundos diferentes, de uma dezena de estampas para cada artista, deparei com algumas varridos por uma luminosidade crepuscular, por uma vista crispada aproximações inauditas entre os trabalhos desses dois mestres da dos fenômenos. Talvez a força dessas elocuções nasça da vivência gravura no Brasil. profunda dos meios elegidos por esses dois mestres, que nunca são Os trabalhos de Goeldi, na sua maioria, são dos anos cinquenta escolhas táticas, mas encontros viscerais entre um temperamento e e os de Jardim pertencem à sua produção da década de sessenta. uma materialidade peculiar. Os anos finais do primeiro e as gravuras mais inaugurais do mestre paulistano aproximam-se numa tangência sutil. Há uma precisão de A gravura produzida no Brasil, nunca é demais relembrar, é muito jovem, cartógrafos na aferição das distâncias entre o aberto da geografia e não somando nem dois séculos de prática efetiva. Goeldi e Jardim as vistas de um mundo internalizado, medido pelos afetos, tanto nos estão tão próximos de nós quanto dessas origens, se considerarmos as descampados cariocas quanto na periferia de Interlagos, um bairro de reflexões que suas obras nos levam a desenvolver sobre a carpintaria São Paulo muito distante naquele momento. Os centros e as margens, dessa história. A força dessa juventude está nessas gravuras e por nas gravuras e nas cidades, perdem seus significados habituais, e isso elas são referências tão seminais, portadoras a um só tempo das com isso dissipam-se as hierarquias. Como se pudéssemos imaginar qualidades ensaísticas do que se inaugura e da dignidade dos projetos a cartografia como uma atividade inquieta, regulada por anotações solitários e essenciais movidos por uma consciência de que desenho e difusas, numa reorganização cotidiana e sempre inconclusa. gravura também são lugares para habitar.

Há em ambos, do ponto de vista da construção de suas matrizes, uma As transfusões da noite mental para a noite física, as antecipações enorme economia de meios, que se revela nas linhas xilogravadas e apreensões em contraluz e os mergulhos nas luminosidades dos de Goeldi, frestas exatas de luz, e nas gravuras em metal de Jardim, escuros convivem nesses dois mundos tão diferentes e estranhamente que combinam as vezes a linha cortada, direta e indiretamente, com próximos das gravuras de Oswaldo Goeldi e Evandro Carlos Jardim. chapados xilográficos secos, erodindo a matéria corroída em contraluz. As cidades, nos anos cinquenta do e dos sessenta em Tudo mediado pelas provas, também econômicas, diagramáticas, sem São Paulo, assim desbastadas, medidas, refletidas, numa cartografia fogos de artifício. Os instrumentos e os procedimentos para esses do corte, nessa arqueologia anímica, revelam-se tão distantes e tão dois artistas são prolongamentos de seus desenhos meditativos, são aproximadas nos seus desenhos e nos seus destinos. OSWALDO GOELDI EVANDRO CARLOS JARDIM Rio de Janeiro, RJ, 1895-1961 São Paulo, SP, 1935

Filho de Emilio Goeldi, segue para a Suíça Frequenta a Escola de Belas Artes de aos 6 anos, junto com a família. Inicia São Paulo entre 1955 e 1958 estudando em 1915 o curso da Escola Politécnica gravura com Francisco Domingo. Parale­ de Zurique, logo interrompido. Em 1917, lamente ao seu trabalho artístico, dedica- frequenta o ateliê de Henry Van Muyden e se à atividade didática na USP. Em 1964 e Serge Pahnke. É desse ano a sua primeira 1965 participa da I e II exposição da Jovem Arte Contemporânea promovida pelo MAC mostra individual na Galeria Wiss. Retorna USP, e em 1967, 1975 e 1979 da Bienal de ao Brasil em 1919, expõe no Liceu de São Paulo. Figura na Bienal Internacional Artes e Ofícios em 1921 e participa de Artes Gráficas de Florença e na Bienal da Semana de Arte Moderna de 1922. de Veneza em 1976; em 1982, na Mostra Em 1924 inicia-se na xilogravura sem Internacional de Gravura San Juan, na abandonar o desenho. Em 1930 segue Costa Rica. Expõe individualmente em para a Europa, conhecendo Alfred Kubin. 1968 em Indiana, Estados Unidos; em Realiza exposições em Berna, Berlim e 1973 no Museu de Arte de São Paulo; em Zurique. Em 1950 participa da Bienal de 1977 e 1983 em Washington, e em 1986 Veneza e no ano seguinte recebe o prêmio na Galeria São Paulo. de Melhor Gravador Nacional na I Bienal Aracy Amaral • Texto publicado originalmente no de São Paulo. É homenageado na VI e X livro Museu de Arte Contemporânea da Universidade. Perfil de um Acervo/Museu de Arte Contemporânea Bienal de São Paulo com sala especial da Universidade de São Paulo (organização editorial (1961 e 1969). e ensaio de Aracy Amaral. São Paulo: Techint, 1988). OSWALDO GOELDI EVANDRO CARLOS JARDIM Rio de Janeiro, RJ, 1895-1961 São Paulo, SP, 1935

Olhar ao Longe, c.1950/51 Gravura II, 1964 Santo Amaro III, 1986 Tamanduateí Contraluz, 4/set/1980 Crepúsculo, c.1950/51 Novembro, 1964 Noite de Verão, 1961 Tamanduateí Contraluz, Pescadores, c.1950/52 Interlagos, 1964/66 Oficina, 1962/2013 4/set/1980/2003 Março, 1965 Interlagos, 1964 Mangueira, 1954/59 Tamanduateí Contraluz, Recordação da Casa da Praia (Sol Peixe Vermelho, c.1938 Interlagos II/Tarde Triste, 1966 4/set/1980 depois da Chuva), 1974/1992 Pranto, 1966 Atravessando 2 vezes o mesmo Garças, c.1939 Grão Pérola Café, 1974 Interlagos/Chuva sobre o Rio, 2011 Pescadores, c.1940 Concha, 1991 Pavimento da Pista, 1966/67 Atravessando 2 vezes o mesmo Palmeiras, c.1948 Interlagos XIV/Luz e Sombra, Uma Revista da Praia, 1992 Rio, 2011 Noturno, c.1950 1967 Duas Figuras, 1977/1996 Espelho de Cobre, 2011

O Incêndio, 1945 Mudança para um Bairro Tamanduateí Contraluz, 4/ Espelho de Cobre, 2011 Distante, 1967 set/1980 Pescador, s.d. Verão VIII, 1966 São Paulo Cidade, Pressa e Tamanduateí Pão de Açúcar, s.d. Tarde Triste, 1967 Contraluz, 1980 Praia, 1972/1974 GOELDI / JARDIM: PRINTMAKING AND COMPASS diagram-like, with no fireworks. The tools and procedures for these two artists are extensions of their meditative drawings. To these to walking engravers, they are their notes, and are never based on a mechanical repetition of their plates into their prints. The invention of the graphic objects is always appraised by imaginativa and fabricating experiences.

The figures are very different in the imaginary of the two artists, as the spatial measurement realted to the landscapes. But they both have Claudio Mubarac the capacity of setting an elloquent silence, which accompanies us for Curator a long time, even after we cannot contemplate directly these different worlds, swepped by a crepuscular luminosity, by a crimped view of While getting in touch with the collection of prints by Oswaldo Goeldi phenomena. Perhaps the force of such elocutions is born out of the and Evandro Carlos Jardim belonging to the Museum of Contemporary profound experience of the means adopted by these two masters. Art of the University of São Paulo (about 10 prints by each artist), I These are never tactic choices, but visceral encounters between a came across some unexpected similarities between the work of these temperament and a peculiar materiality. two masters of printmaking in . It is never too much to remember that printmaking in Brazil is very Goeldi’s works date from the fifties, and Jardim’s mainly from his oeuvre young, not even summing two centuries of effective practice. Goeldi of the sixties. The works from the final years of the first may have subtle and Jardim are as close to us as to these origins, if we consider the relations with the early works of the latter. They bare a precision of reflections that their works lead us to develop about the carpentry of cartography in the confrontation of distances between the openess this history. The strength of this youth can be found in these prints of geography and the views of an internalized world, measured by and this is way they are such seminal references, barers at once affections, both in the open fields of Rio de Janeiro and in the outskirts of experimental qualities of what is inaugurated and the dignity of of Interlagos (a very far away neighbourhood of São Paulo then). solitaty and essential projects moved by a consciousness that drawing Centers and margins, in the prints and in the cities, loose their common and printing are also places to dwell. meaning, and make hierarchies disappear. As if one could imagine a The transfusions of mental night to physical night, the anticipations cartography of an unrestful activity, regulated by diffuse notes, in an and aprehensions at counter-light, and the plunges in luminosities everyday reorganization always unconcluded. of dark places dwell together in these two different worlds, though In both of them, the making of the plates is constituted of an enormous strangely close, of Oswaldo Goeldi’s and Evandro Carlos Jardim’s economy of the means, revealed in Goeldi’s woodcuts (exact light prints. The two cities, the fifties’ Rio de Janeiro and the sixties’ São cracks), and in Jardim’s etchings, which sometimes combine the direct Paulo, thus rough-hewn, measured, reflected, in a cartography of cut, and indirect cut line with dry flat woodcuts, eroding the corroded matter in this animic archaeology, reveal themselves as distant and as close in counter-light. Everything is mediated by the trial prints, also economic, in their drawings and destinies. OSWALDO GOELDI EVANDRO CARLOS JARDIM Rio de Janeiro, RJ, 1895-1961 São Paulo, SP, 1935

Son of Emilio Goeldi, at 6 years old he goes He attended the Escola de Belas Artes de to along with the family. Starts São Paulo between 1955 and 1958, stu- in 1915 the course of the Polytechnic dying engraving with Francisco Domingo. School in , soon interrupted. In He dedicated his artwork and to the tea- ching activity at USP at the same time. In 1917 he attended the studio of Henry Van 1964 and 1965 he participated in the I Muyden and Serge Pahnke. It is this year of and II exhibition of Young Contemporary his first solo show at the gallery Wiss. He Art promoted by the MAC USP, and in returns to Brazil in 1919, exhibits Liceu de 1967, 1975 and 1979, of the Bienal de Artes e Ofícios in 1921 and participates São Paulo. He appears in the International in the Semana de Arte Moderna in 1922. Biennial of Graphic Arts in Florence and at the Venice Biennale in 1976; in 1982, of In 1924 starts in woodcut but does not the International Exhibition of Engraving abandon the drawing. In 1930 he goes San Juan, Costa Rica. He exposes indivi- to Europe and know Alfred Kubin. He dually in 1968 in Indiana, United States; performs exhibitions in , and in 1973 at the Art Museum of Sao Paulo; Zurich. In 1950 participates in the Venice in 1977 and 1983 in Washington, and in Biennale and the following year he received 1986, in Galeria São Paulo. the award for Best National Engraver on Aracy Amaral • Text originally published in the book of Museu de Arte Contemporânea da Universiade I Bienal de São Paulo. He is honored at de São Paulo “Perfil de um Acervo/Museu de Arte the VI and X Biennial with a special room Contemporânea da Universidade de São Paulo” (edi- torial organization and essay by Aracy Amaral. Sao (1961 and 1969). Paulo: Techint, 1988). UNIVERSIDADE DIV. DE PESQUISA EM Amaral Biella do Nascimento; Maria Geraldo Ferreira; José de SECRETARIA ACADÊMICA DE SÃO PAULO ARTE-TEORIA E CRÍTICA Docentes e Pesquisa: Sales; Simone Gomes Campos; Laércio Barbosa; Analista Acadêmico: Águida Reitor: Marco Antonio Zago Chefia: Helouise Costa Carmen Aranha; Tesouraria: Luis C. de Oliveira; Luiz F. V. Mantegna Vice-Reitor: Vahan Agopyan Suplente de Chefia: Katia Canton Rosineide de Assis A. Macedo; Marcos de Técnico Acadêmico: Paulo Oliveira; Marcos Aurélio de Vice-Reitor Ex. Adm.: Ana Magalhães Secretárias: Carla Augusto; Copa: Regina de Lima Frosino Marquezini Montagner; Maurício da Vahan Agopyan Secretárias: Andréa Educadores: Andréa Amaral Loja: Liduína do Carmo Técnico Acadêmico Silva; Raimundo de Souza; Vice-Reitor Executivo de Pacheco; Sara Vieira Valbon Biella; Evandro Nicolau; (PGEHA): Joana D´Arc Manutenção: André Tomaz; Renato Ferreira; Renato Relações Internacionais: Docentes e Pesquisa: Maria Angela S. Francoio; Ramos S. Figueiredo Luiz Antonio Ayres; Firmino; Vicente Pereira; Raul Machado Neto Cristina Freire; Helouise Renata Sant’Anna; Ricardo Caetano Vitor Paulino Costa; Ana Magalhães Sylvio Coutinho PROJETOS ESPECIAIS E Pró-Reitor de Graduação: Transportes: José Eduardo Antonio Carlos Hernandes PRODUÇÃO DE SERV. DE BIBLIOTECA da Silva; Anderson Stevanin IMPRENSA E DIVULGAÇÃO EXPOSIÇÕES Pró-Reitora de Pós- DIVISÃO TÉCNICO- E DOCUMENTAÇÃO Vigilância Chefia: Jornalista: Sergio Miranda Graduação: Bernadette CIENTÍFICA DE ACERVO Chefia: Ana Maria Farinha LOURIVAL GOMES Marcos Prado Equipe: Beatriz Berto; Dora Gombossy de Chefia: Paulo Roberto MACHADO Produtoras Executivas: Vigias: Acácio da Cruz; Carla Carmo Melo Franco A. Barbosa Alecsandra M. Oliveira; Chefia: Lauci B.Quintana Affonso Pinheiro; Alcides Beatriz Cavalcanti; Pró-Reitora Adjunta de Suplente de Chefia: Documentação da Silva; Antoniel da Silva; SEÇÃO TÉCNICA DE Claudia Assir Pesquisa: Belmira Bueno Rejane Elias Bibliográfica: Anderson Antonio C. de Almeida; INFORMÁTICA Pró-Reitora de Cultura e Documentação: Cristina Tobita; Josenalda Teles; Antonio Dias; Antonio Chefia: Teodoro Editora de Arte, Projeto Ext. Univ.: Maria Arminda Cabral; Fernando Piola; Vera Filinto Marques; Carlos da Silva; Mendes Neto Gráfico e Expográfico: do N. Arruda Marília Bovo Lopes; Clóvis Bomfim; Custódia Equipe: Roseli Guimarães; Elaine Maziero ASSISTÊNCIA TÉCNICA Secretário Geral: Ignacio Michelle Alencar ADMINISTRATIVA Teixeira; Edson Martins; Lenin Oliveira Araújo; Editoria Eletrônica: Maria Poveda Velasco Esp. em Pesquisa de Apoio Chefia: Nilta Miglioli Elza Alves; Emílio Menezes; Marilda Giafarov Roseli Guimarães em Museu: Silvia M. Meira Apoio: Júlio J. Agostinho Arquivo: Silvana Karpinscki MUSEU DE ARTE Secretárias: Regina Pavão; CONTEMPORÂNEA Cons. e Restauro Papel: Sueli Dias Realização GOELDI/JARDIM: A GRAVURA E O COMPASSO Rejane Elias; Renata Casatti CONSELHO DELIBERATIVO Apoio: Luciana de Deus Curador: Claudio Mubarac Apoio: Aparecida Ana Magalhães; Carmen Contador Chefe: Francisco Curadora Responsável: Ana Magalhães Lima Caetano Aranha; Cristina Freire; I. Ribeiro Filho De 28 de março de 2015 a 29 de janeiro de 2017 Eduardo Morettin; Eugênia Cons. e Restauro Pintura e Contador: Silvio Corado Vilhena; Georgia Kyriakakis; Escultura: Ariane Lavezzo; MAC USP IBIRAPUERA • www.mac.usp.br Almoxarifado e Patrimônio: Helouise Costa; Hugo Márcia Barbosa Avenida Pedro Álvares Cabral, 1301 • Ibirapuera Lucio Benedito da Silva São Paulo/SP • CEP: 04094-901 • Tel.: (011) 2648 0254 Segawa; Katia Canton; Apoio: Rozinete Silva Compras: Eugênia Vilhena; Terça das 10 às 21 horas, quarta a domingo das 10 às Vera Filinto Técnicos de Museu: Fábio Marcos Gomes; Nair Araújo; 18 horas • Segunda-feira fechado Ramos; Mauro Silveira Waldireny F. Medeiros Entrada Gratuita DIRETORIA Pessoal: Marcelo Ludovici; Tradução: Ana Magalhães; Beatriz Berto Diretor: Hugo Segawa DIV. TÉCNICO-CIENTÍFICA Nilza Araújo Obra capa: Evandro Carlos Jardim Vice-diretora: Katia Canton DE EDUCAÇÃO E ARTE Protocolo, Expediente e Mudança para um Bairro Distante, 1967 Secretária: Chefia: Evandro Nicolau Arquivo: Cira Pedra; Maria Registro Fotográfico: João Musa; Rômulo Fialdini Ana Lucia Siqueira Suplente de Chefia: Andréa dos Remédios Agradecimentos: João Musa