ANNO X NUMERO 235

\ ÂÂRTE MUSICAL

REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO Praça dos 'R,_estaurado1·es, 43 a 49 LISBOA A ARTE MCSICAL Publicação quinzenal de musica e theatros LISBOA

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1 DJl?>:PO~rVEh 1 A ARTE MUSICAL Publicação quinzen al de musica e theatros LISBOA Augusto d' Aquino Rua dos Cor1·eeiros, 92 Agencia Internacional de Expedições Com serviços combinados para a importação de generos estrangeiros

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Pecam-se o s cat alogos ' PRACA DOS RESTAURADORES j A NNO X Lisboa. 3o de Setembro de 1908 Nu r.nmo 235

Revista publicada quinzenalmente ~ Proprietario e director ~ M icbel'angel o L ambertin i Redacção e admolstração: P. Resta uradores. 43 a 49-Composto e impresso na Typ. do ANNUARIO COM MERCIAL. P. Restauradores, 27

SUMM/\RIO - Pablo Sarasate - O Lohcngrim em Bayreut h-O Hymno Portuguez - A Sanfona - Charada J\lu· sical - Noticiario - Necrologia.

dizemos. Bastava que e ll e tocasse uma das Pablo Sarasate suas endiabradas jotas e, a seguir, uma obra de physionomia mais austera, uma sonata classica por exemplo, para se sentir enfraque­ Causou viva e sincera impressão entre nós cer o interprete, ou, melhor dizendo, para o a morte do grande artista, por muitos consi · vêr em lucta aberta com todos os preconcei · derado como o primeiro violinista da actua­ tos do tradicionalismo e com muitas das mais lidade (1). rudimentares exigencias da fórma. Defron­ Sarasate tinha aqui, além de um admira­ tando se com uma obra franceza e sobre dor em cada um dos que o ouviu, um nucleo tudo allemã, não era sem esforço que abdi· de amigos nrdadeiros que hoje pranteiam a cava das suas qualidades de raça e que bus­ sua perda e recordam com 5audade intensa cava eclipsar a propria individualidade. os inolvidaveis momentos d'arte que lhe de­ Não deixava por isso de ser grande e enor­ veram. Estivera aqui em quatro temporadas me, w11co mesmo, quando em presença dP. de concertos (1880, 1881, 1887 e 1896) e no composições que mais cabalm ente correspon­ Porto em duas, cuja data não podemos pre­ diam ao seu fmo e privilegiado temperamento. cisar, mas que suppômos terem sido 1887 e E dizemos unico, porque entre todos os 1896. violinistas da actualidade, sem exceptuar Era portanto para nós um velho amigo de Ysaye, Thomson, Thibaud, Misha clman quasi trinta annos, e além d'isso um grande Fritz Kre1sler, Kubelik e outros de fama uni · musico, cuja intensiva personalidade, toda versai, não existe um só que possa comparar­ vibrante de ardôr meridional, se identificava se·lhe na execução d::i.s peças hcspanholas de admiravelmente com o nosso feitio e respon - caracter popular, que para Sarasate eram sem· dia com excepcional justeza ás aspirações ar­ pre pretexto de intcrmmaveis triumphos. tísticas do nosso povo. Essa tendencia especial do eminente con­ Estribando-se em que cursara o Conserva­ certista deu logar a toda uma littcratura, que torio de Paris e fôra discipulo d' Alard, dizem elle proprio firmou, e onde se encontram ver· os seus biographos francezes que Pablo Sa· dadeiros mimos musicaes como Jota de San rasate se deve considerar filiado na escola Fermin, Pl!leneras, Z·wt:;ico, SerPnata anda­ franceza do violino. E' a eterna mania do l11:;a, Bolern, Navarra, ( :aprice basque, Jota chauvinismo francez, que tudo quer açam• aragone;ra, .\luiííeira, não fallando nos tresca· barcar em seu proveito! Sarasate foi e ficou demos de Dansas espafírJlas, que tem corrido sempre um ibcrico puro - tão hespanhol pelo mundo e que todos os violiniscas conhecem. nascimento, como pelo acrisolado amor que Pablo Sarasate teve uma vida das mais consagrava ao seu paiz e pela feição absolu­ movimentadas. A Arte Musical já lhe publi­ tamente meridional do seu talento. Quem cou ha annos alguns traços biographicos, que uma vez o ouvisse, com ouvidos de ouvir. ha­ agora reproduziremos cm parte, acrescendo­ via de convencer-se plenamente d'isso que os de novas annotações, que se referem aos seus primeiros annos e cujo interesse de actualidade se não póde contestar. Nasceu o celebre violinista em Pamplona, (1) O seu fallecimcnto teve logar a 21 do corren1e mez em 8iarri1z, onde o emincmc

P.\BLO , .\ l

annos quando se apresentou pela primeira vez cta pessoa alguma, calcule-se em que horri. em publico, no thcatro de Pontevedra. vel indecisão Jicaria uma creança de 12 an­ Estavam entre os ouvintes os duques de nos, como então tinha o nosso artista! :\Iontpensier. O pac do pequeno Pablo, mes­ A sua bôa cstrella proporcionou lhe um tre de musica do 21." regimento d' Aragão, encontro providencial na pessoa de um ban - fizera lhe todas as rccommendaçõcs para que queiro de Bayonna, chamado Ignacio Gar­ quando Suas Altezas o mandassem chamar se cia. Este, em vez de o mandar novamente mostrasse amavel e respeitoso; mas chegado para Hespanha, como o pac Sarasate deseja· o momento da apresentação, todas as pre­ va, procurou um profcssôr ele violino que cauções paternas foram inuteis, e o pequeno havia em Bayonna, ele nome Jubin, e fez-lhe prodígio começou a tratar descabelladamente ouvir a prodigiosa creança, pedindo-lhe ao os duques por tu, não sem que o pae lhe dei­ mesmo tempo que a levasse para Paris e a tasse olhares furibundos e lhe promettesse confiasse aos cuidados do seu celebre com­ in petto urn bom par de açoites para quando patnc10, Delphim Alarei. Assim se fez e ao chegasse a casa. O duque porém acalmou o cabo de um anno de aturado estudo, Pablo desespero do mestre Sarasate conquista­ de musica e, pegan- va, por unanimida­ do no pequeno, col- de àc votos, o pri­ locou-o cm pé sobre meiro premio de vio­ uma cadeira e apre­ lino no Conservato· sentou-o aos perso­ rio de Paris. Um nagens do seu seq ui· anno depois obtinh a to n'estes termos. l tambem o de har­ - E' microscopi­ monia. Em presença co e hoje caberia de tão animadores n'uma algibeira lar­ resultados e encan · ga; amanhã, o mun · tado com o talento do será pequeno deslumbrante do seu para cllc. pupillo, Alarei pen· Porque trabalhos sou em apresentai-o teria ainda que pas­ cm publico, esco­ sar o joven violinista, lhendo Bayonna pa­ primeiro que se rea­ ra sua primeira apre­ lisasse o horóscopo sentação. do d uqnc de :\Iont­ Ou por que cor­ pensicr ! resse já a voz das Effecti vamentc, maravilhosas ap ti - levado por um cn­ dões do tocadôr, ou thusiasmo que rara· por que estivessem mente se manifesta ainda na memoria em tão ten ra idade, de todos as drama­ o pequeno Pablo cm· ticas circumstancias pregava longas ho­ S,\ Rt\SJ\ TE Ei'll 1880 cm que o pequeno ras no estudo cio seu Sar asatc f i cara instrumento, che- abandonado n'a­ gando a sua saude a inspirar serios cuidados, quella cidade, dois annos antes, o certo é e, até uma vez, a perigar a sua vida. Esta que a sala do theatro regorgitava de curio· assiduidade no trabalho, este gosto innato sos e o exito foi indescriptivel, devendo o pela musica e pelo violino faziam prevêr juvenil artista voltar á sccna varias vezes, uma exccpcional natureza d'artista. para agradecer as calorosas manifestações Resolvendo a familia não contrariar uma tão que lhe faziam. imperiosa vocação, foi determinado que Pa­ Tal foi a estrei;i, ~ por assim dizer, official de blo Sarasatc iria estudar para o Conservato­ Pablo Sarasate. A partir d'ahi, fazendo-se rio de Paris, e de facto para ali se dirigiu, admirar em todas as capitaes curopeas e na em 1856, acompanhado apenas por sua mãe. maior parte das grandes cidades americanas, Por desgraça, logo que atravessaram a fron­ póde dizer-se que a vida musical de Sarasate teira hespanhola, a pobre senhora foi victi­ foi uma serie não interrompida de triumphos. mada por um ataque de colera, que então Como compositor, confinou se na musica grassava em Bayonna, morrendo ao cabo de de violino e piano, de que deixou numerosos poucas horas. e interessantes specimens. Além das peças S6sinho, n'uma cidade em que não conhe- hespanholas, 1embram-nos as fantasias do A A RTE M USICAL

Fausto, C.1rmen, For:;a dei Destino, Freys­ os cantóres sejam os mesmos, que não é ne­ chutr, Roméo et Juliette, D. Juan, Z.1mpa; ccssario fazer a viagem de Bayreuth para os transcripções de dois Nocturnos de Chopin, apreciar. Mas a verdade é que ali não se tra· de obras francezas do seculo xv111, de trechos ta apenas de uma representação, ou de um da M1ffnOn, da Martha e da Mireit/e; valio· theatro superior a outros; trata-se, de facto, sos onginaes, como as celebres Airs bohé­ de um estylo novo que nenhum dos outros miens, Zigeunerweisen, Airs ecossais, Chant theatros, na barafunda de obras de todos os du ross1gnol, Ballade, Confidence, Mosco­ generos e qualidades que têm de representar ''ienne, Priere et Berceuse, Le sommeil, Les e na sujeição tyrannica de uma tradição com­ adieux, R everie, Barcarolle venitie,1r.e, Me­ moda e mesquinha que as imposições dos can­ lodie roumaine, etc. tores e do publico mais agravam, jamais póde Pablo Sarasate é dos musicos que melhor imitar. No melhor theatro da actualidade, o souberam alliar ás suas glorias d'artista, as ponto mais alto que se attinge na escala ar· vantagens de uma situação financeira, verda­ tistica é o de uma espectaculosa. dairamente principesca. A fortuna que deixa O theatro de declamação chegou já hoje é consideravel e nas variadas clausulas de a uma grande perfeição, sobretudo no drama um testamento, que defin e, só por si, um ca­ realista e, mais do que cm qualquer outra racter do mais puro quilate, attribue uma parte, na Russia, Allemanha e ltalia. A opera larga parte d'essa fortuna aos pobres e des­ ainda porém não conseguiu libertar·se dos protegidos. conv encionalismos de que o proprio genero, Julgamos por isso honrar a memoria do em tão grande quantidade, se compõe; quan­ grande artista, fechando este artigo com a do muito realisa um espectaculo mais ou me­ reproducção de algumas d'essas clausulas. nos sensacional, um como que espalhafato A seu irmão deixa um milhão de pesetas; para divertir. E o peior é quando esse espa · á municipalidade de Pamplona todo o mobi­ lh afato se serve de razões apparentemente li ario da sua casa de Paris, joias, quadros, o artisticas para esconder a sua falsidade. As­ piano e dois Stradivarius; aos pobres de Pam­ sim, por exemplo, numa representação muito plona, 30:000 pesetas; ao Conservatorio de admirada da Aida, aqui em Berlim, houve Madrid, 100:000 pesetas e um Stradivarius; todo o cuidado em copiar textualmente os ao de Paris, 20:000 pesetas para crear um trajes e os typos egypicios. E dentro de pou­ premio na classe de violino ; á Academia de co vão dar·nos o Sardanapalo com a maxi­ Musica de Pamplona, 25:000 pesetas para ma precisão historica que a sciencia actual uma livraria musical; á Sociedade de Musi­ póde garantir. Varios assyriologos teem es · cos velhos de Paris, 1 00:000 pesetas; ao seu tado a estudar a sua m1se en sce11e. De fór• criado particular, 40:000 pesetas; á filha do ma que não haverá um pello de barba, nem seu secretario, 1 5: ooo pesetas~ ao seu cosi­ o menor gesto que não seja rigorosamente nheiro, 10:000 pesetas, etc. assyrio. E ninguem ha que deixe de tomar O cadaver do celebre artista foi transferido isto a serio ! para Pamplona, onde o receberam com uma E' o espírito da Meyerbeer que ainda domi­ imponente manifestação funebre. na. Ora Wagner é precisamente o seu antipo· da. Meyerbeer queria o espect,1culo, Wagner o drama. E é o drama, sobretudo o drama ~ symbolico, que nenhum theatro d'opera hoje sabe realisar. Só em Bayreuth é que o genio de \Vagner conseguiu crear um novo estylo, O LohBngrin em Bayreuth o estylo que esse drama reclama e sem o qual não póde attingir a sua completa e justa Uma grande parte do publico ainda pensa significação. que só vale a pena ir a Bayreuth por cau­ Tudo, na concepção wagneriana, procede sa do Parsifal, visto só ali ser possível ouvi­ da idéa dramatica e, em seguida, da nature· lo ( r). Pensa que as outras obras de Wagner za dos meios que a realisam. Porque é claro são dadas em qualquer grande theatro com que o estylo do drama cantado não p6de ser sufficiente cuidado e magnifi cencia; e, como o mesrno do drama declamado. Este, moven­ do·se tlentro do contingente da vida real e tendo por intuito a representação mais com­ ( 1) Como é sat>ido. por uma di~posicáo testamentaria pleta e verosímil tambem da vida real, sente de R. \\"agner o exclusivo das representações do Parsi­ fal ficou perte!'lcendo ao Thcatro de Bayrtuth duranie a necessidade esthetica d'uma estylisação na­ trinta ann o~. ou seja de 1883 :ité 1913. A unica excepçáo turalista; aquelle, produzindo·sc num mundo a esta clausula foi r<' alisada pelos americanos. que já de­ de symbolos estheticos e tendo por intuito a ram essa obra em 'ew-York, apesar da opposiçáo de Bayreuth. expressão mais completa e profunda dos sen· Nota da Redacfáo. timentos humanos geraes por esses symbolos A ARTE M us1CAL

representados, não pode deixar de exigir uma quando, no final, no canto de victoria, elle esrylisação heraldica. A difficuldade aqui está ataca pela primeira vez o me:;ro forte (como precisamente cm achar o equilibrio entre a está indicado), sustentado pelo unisono de capacidade expressiva e o caracter estylistico, 32 ,·iolinos e 1 2 violetas! E as oito vozes de de fórma que um não prejudique a outra. soprano que abençoam Lohengrin e Elsa no \Vagner exigia dos seus actores a mais per­ quarto nupcial?! ... feita naturalidade, sem comtudo afiectar o Um exemplo de agrupamento de massas. caracter superior e geral dos themas senti­ Quando no terceiro acto os homens insistem mcntaes e, correlativamente, um idealismo todos para que Lohengrin os conduza á guer­ • que nunca frisasse pelo inverosimil. ra, por um movimento muito natural as ban­ A primeira consequencia da collaboração deiras juntavam se a meio do palco, produ­ da musica no drama é o alarga111e1110 que zindo um quadro d'aspecto guerreiro e vio­ "ªe desde a palavra, naturalmente mais len­ lento. Lohcngrin, para os acalmar, entrava ta cantada do que fallada, até aos movimen­ até o centro do grupo dos porta-bandeiras e tos dos actores. Estes movimentos devem ter, assim, rodeado de todos clles, é que profeti­ a cada momento dramatico, um aspecto es­ sava ao rei a victoria. culptural e, portanto, um poder d'expressão Mas não teria fim a minha ennumeração muito maior do que no drama ordinario. Por se quizesse notar todas as finuras d'esses Co· isso tambem, quando esse alargamento do· ros maravilhosos. O cortejo nupcial no segun­ mina a representação dramatica, basta ás do acto foi uma delicia para os olhos e para vezes o levantar cl'um braço, ou a minima o espírito! O grande e11se111ble, qµando Elsa alteração d'um grupo de figuras para se obter está luctando com a duvida (um dos trechos uma intensa expressão. mais admiraveis rla obra e que, apesar da sua Foi o que nos revelaram os admiraveis grande importancia dramatica, é geralmeute agrupamentos dos Coros no Lohe11grin, em suprimido nas representações ordinarias) teve Bayreuth. Durante todo o primeiro acto, até uma execução perfeita quanto á clareza com ao momento cm que se avista Lohengrin ao que sobresahiam as differentes phrases, ora longe, os Coros só faziam raros movimentos, de Ortruda, ora de Elsa ou Lohengrin, ora mas sempre perfeitamente naturaes e expres· dos Coros. E tudo sem o menor esforço, sem sivos, quer avançando alguns passos, quer a menor aspereza. E' verdade que> a acustica olhando para o fundo da sccna após as cha­ da sala de Bayreuth é unica, o que muito madas do Campeão para Elsa. Quando, po­ concorre para o esplendido resultado final. rém, essa larga situação terminou e que as Outro ponto importante no drama musical massas se mexiam, se misturavam, se api­ é ainda hoje mal comprehendido, até nos me­ nhavam e trepavam ás collinas para vêr Lo­ lhores theatros; refiro-me á concordancia en­ hengrin que se aproximava, o effeito era sur­ tre a scena e a musica. Por exemplo: no cor­ prehendeutc e d'uma excitação tão commu­ tejo nupcial do segundo acto Elsa caminha ) nicativa que se transmitia ao espectador. Todo lentamente pela galeria superior do Castello esse côro a oito vozes, assombroso de reali­ e, chegando ao fundo e percorrendo-o, appa· dade nas exclamações accümuladas, era can­ rece então de frente para o Côro. Essa appa· tado de costas para o publico. Os coristas rição coinc.:idia com a do accorde suavíssimo olhavam para o fundo longinquo d'onde Lo· de septima dominante de mi b. na orchcstra, hcngrin vem avançando; e quando finalmen­ o qual faz uma modulação subita depois do te os dois Coros se reuniam, sob o accorde accorde de mi natural maior, modulação que de fá maior, gritando - e Um milagre, um só assim, conjugada com o movimento da milagre! :t, todos se voltavam então para o scena, é que adquire a sua verdadeira signi ­ publico e avançavam enthusiasticamente para ficação e se comprehendc portanto ( 1). a frente da scena, o que produzia um augmen­ Admiravel tambem a chegada dos guer· to de sonoridade absolutamente arrebatador. reiros no 3.0 acto. A nota da madrugada era E que sonoridade essa! Os homens eram uns lindamente dada pelo contraste da escuridão cincoenta, as mulheres sessenta; mas a bel · na scena com o clarão avermelhado que só leza das vozes (quasi todos solistas dos outros no fundo apparecia por entre nuvens. Os ela- theatros), a ausencia da menor asperesa até no fortissimo, a delicadeza dos pianissimos, a absoluta precisão, daresa e afinação-tudo ( 1) Nas suas cartas a Liszt, rm 1850, quando foi da isso era uma mara,•ilha inconcebível para representação do Lohengrm cm \\'e1mar. \Vagner dizia ao seu futuro sogro: •l>a a obra tal qual ella é, não su­ quem a não ouviu. As indicações, aliás tão primas coisa alguma; deixa que me revele em toda a li­ minuciosas, do compositor eram seguidas á nha. Eu esforcei-me, d"esta \CZ, em pôr a musica numa risca, sem escapar a menor accentuação, sta­ relação _plastica tão intima com o poema e com a acção cnto, ou gradação. Um verdadeiro prodígio. que me 1ulgo completamente seguro do que fiz.• 1 ão se imagina a ternura do côro feminino ,\'ota da RedacfáO. 1 7-1- A ARTE M USICAL rins, por trás da scena, pareciam cortar o ar é mais agradavel aos olhos porque dá maior 1 fresco da manhã; a orchestra dava-nos a unidade ao quadro geral ( 1 ) . sensação do tumulto e alvoroço dos guerrei­ Se s6 em ultimo logar fallo dos cantores· ros. Os condes chegavam a cavallo, as ban­ solistas, é para bem fazer sentir que cm Bay· deiras iam se agrupando successivamente, a reuth s6 deve dar-se importancia aos ar tist a~ claridade do dia augmentava a todos os ins. que ali representam quando considerados em tantes até que, já dia pleno, entrava o rei. relação á obra que se ví\e executar e dentro Siegfried \Vagner levou toda essa scena n'um d'essa obra; isoladamente considerados, essa andamento vivissimo que dava como que uma importancia é nulla. O seu valor procederá, elasticidade saltitante aos toques dos clarins. como para todo o resto da representação, da lnolvidavel 1 maneira como encarnam os varios momentos Os habitantes de Lisboa que moram para dramaticos que lhes são confiados. l\Iuitas os lados da Estephania ou de Campolide as­ pessoas ha que, em relação a este caso, con· sistem por vezes, nas madrugadas de verão, sideram Bayreuth um theatro como qualquer á passagem dos regimentos que vão para os outro; que s6 querem saber quem ahi canta e exercicios. Eu ainda em julho ultimo assisti até julgam, como atraz disse e como succede a um d'esses casos e a scena do Lohengrm com os americanos, que ouvindo os mesmos em Bayrcuth trouxe-m'o á memoria: a luz cantores em qualquer outra parte se tem a cinzenta do ceu, as nuvens alaranjadas, a mesma impressão de Bayreuth. Erro com­ nascente e as cornetas scintillantes, vibrando pleto. As representações em Bayreuth não no ar fresco da manhã! ... valem pela reunião de maior numero de no· O scenario do r.0 acto foi muito admirado. mes celebres; valem pelo d rama que ahi se Uma verdadeira paisagem flamenga. E o que representa. Os artistas-cantores são escolhi­ mais impressionava era a enorme vastidão da dos pela familia \/'/ agner entre os que mais. scena, alliada ao mais encantador dos aspe· se adaptam a todas as necessidades artisti­ ctos. Os bastidores haviam desapparecido. A cas cios papeis; mas, antes de apparecerem tela do fundo, desdobrando se em semi-cir­ nos festivaes, leem ainda de fazer um estudo culo, envolvia todo o palco; á frente esquer­ aturado com um dos regentes. De maneira da apparecia isolada a arvore debaixo da que até os mais celebres cantores são ahi qual o rei toma assento; á direita o altar onde obrigados, muitas vezes, a modincar a sua se havia de fazer a oração antes do combate. habitual interpretação. Isto, já se vê, sem an­ Este scenario foi desenhado por Siegfried ·nullar a individualidade de cada um. 1\las, \ Vagner ( 1 ) . Foi elle, de resto, que poz toda em todo o caso, o que menos importa a quem a obra em scena, que marcou todos os movi­ comprehende a significação de Bayrevth são mentos dos c6ros e que regeu a orchestra. os nomes dos cantores. Vae se lá para ouvir E que dizer d'essa Orchestra? 1 enhuma a obra, não para admirar o sr. Fulano dos. ha que a exceda, e até nenhuma a p6de egua­ anzoes. lar. Wagner emprega no Lohengrm frequen­ Deve porém confessar-se francamente que, temente o unisono de todos os violinos. O entre os cantores solistas, ha por vezes fa. que seja esse unisono quando executado por lhas, o que de resto é natural. A escola que J2 artistas joeiraclos elas melhores orchestras Wagner quiz fundar para formação dos m · da Allemanha, é coisa inimaginavel. E como terpretes dos seus dramas não chegou a ser os clifferentes timbres se fundem em virtude uma realidade. Porque só appareceu .... um da orchestra se achar por baixo da abobada discipulo 1 Ora a a rte do canto é hoje em que sustenta a scena 1... O preludio passou toda a parte, e não s6 na Allemanha, muito como uma verdadeira visão luminosa. menos estudada do que a instrumental. Não Os estrangeiros notaram com estranheza a admira pois que nem sempre seja possível falta de côres vivas, fortes, nos trajes dos encontrar todos os cantores perfeitos que o personagens. Custa de facto um pouco acos· complexo drama wagneriano exige. E elle tumar-mo-nos ao tom apagado que d'ahi re­ sulta; mas, passada a primeira impressão, comprehende se que assim devêra ser. Essa ( 1) Já na representação de 1&)1. cm Bayreuth. tod:: a polychromia faz até lembrar a de Dürer; e architectura e indumentaria do lolle117rm haviam sido alteradas com relação ao uso corrente até então. A' arte j!othica sub~ t ituira-sc a romanica, vbto como o drama ~e passa no tempo do rei l-lenrique. o Passarinheiro, isto é, em pleno seculo x. Ao brilhantissimo aspecto do estylo (1) Durante tempo disse se que o filho de \Vagner re­ ogival e da ;ua polychromia oppóem-se desde então os velara principalmente tendencias para a arte architecto· tons apagados do e~tylo anterior, o romanico. E.;.sa alte· nica e que nella faria a sua carreira. Só mais tarde é que, ração já então proced~ra da acção di recta de Siegfried ~ob instancias de M.mo Cos1ma \Vagner, parece ter.se \Vagner. como ~e póde n!r no e;;111do critico de .\Ir. i\lau­ deciaido a seguir a carreira musical. rice l\uffcrath sobre o Lolle11gri11. Nota da Redaccáo., Nota d Redacc<ÍO·., A ARTE .M.us1cAL não exige apenas o bom cantor, mas tambem vulgar. Todas as vezes que ahi me encontro, o bom actor que, além de tudo o mais, tenha sinto-me transportado a um outro mundo. ainda a figura adequada á personagem. Jn. Parece-me que respiro mais largamente, que felizmente é raro encontrar se tanta coisa o andar é mais leve, mais elastico ; que só reunida n'uma só pessoa. Apezar d'isso tem tenho idéas alegres, festivas; que tudo quanto havido casos d'excepção que mais tarde se me preoccupava se desvaneceu e afastou de convertem em typos ideaes para quem os ,·iu mim. De manhã, o passeio no parque onde e em modelos a seguir para quem pretende se abriga o tumulo de \ Vagner, é como que representar esse drama. A citar, entre outros, uma iniciação, um primeiro contacto com a o admiravel e imponente Scaria no persona · atmosphera tão cheia de recordações de toda gem de Gurnemanz, Van Dyck no Parsifal, uma vida de lucta artística, coroada pelo Betz no Hans Sachs, Friedrichs no Beckmes · triumpho e pela paz gloriosa. r os intervallos ser, Plank no Klingsor, Meilhac em Venus, dos actos, a matta que fica por traz do thea­ Sucher na Isolda, Bary no Tristan e Bertram tro offerece-nos um refugio repousante que, no \IVotan. ao ar fresco dos campos junta o vasto pano­ 1 a representação do L ohen1rrin, d'este rama da região baixa dominada pelo theatro. anno, os solistas eram todos magníficos can. Essa atmosphera em que todos communga· tores e, com exccpçào de Ortruda e Telra· mos, cada vez mais se espiritualisa; e então mundo, tambem exccllentes actores. Alguns fatalmente surge cm nós um pensamento· falharam porém quanto á plastica dos per· consolador para a humanidade: sonagens : Loheng rin e Elsa eram demasiado - Tudo isto foi creado por um só ho­ cheios. Mas com que superior delicadeza os mem ... dois robustos amantes cantaram o principio do duetto do 3.0 actó ! Quem está acostumado etembro d.? 1908. á maneira italiana havia de sentir a falta J. V1 ANNA DA J\lOTTA. das jermatas à t11e-tête e do tremular da voz na cadencia. Quem não procura taes effeitos, ficou encantado com a elevação e castidade expressas no forte moderato e no diminuendo suavíssimo d'essa passagem. Taes como os in­ O Hymno Portuguez dicou o auctor. :\Ias Bayreuth será porventura e simples· mente uma representação dramatica? Em uma conferencia ultimamente realisada Para os que conhecem as ideias de vVagner nas salas da U11ião Chnstá da Mocidade, a elle é muito mais do que isso. Porque, sendo proposito do centena rio da guerra peninsular, uma arte superior, encerra e.'11 si uma ma­ propoz o sr. major Santos Ferreira uma poe· neira especial de encarar a Vida. Os poemas sia destinada ao nosso hymno official, que, wagnerianos contam·se entre os mais pro· como é sabido, foi originariamente escripto fundos de toda a littcratura allemã. Os que para banda e para orchestra, sem adaptação co:nprehendcm essas obras e sentem inten­ de qualquer letra. samente a completa sig nificação de Bayreuth, Eil ·a: recebem ahi impressões que o acompanham e m todo o resto da vida e communi cam a Saudemos a terra, que foi berço nosso, esta um elevadíssimo valor; que são uma Com j)-1sto alvoroço, com lêdas canções, fonte de energia moral notavelmente salutar. Que á mente nos tragam triumphos e glorias A arte de Bayreuth é religião. Quem não Das aureas memorias do grande Camões. souber o que isso seja, aprendel-o-ha ahi. Quando as luzes da imroensa sala se apagam, Saudemos progressos do estudo e trabalho, durante alguns minutos d'um absoluto silen­ - Da pen na e do malho conquistas ele paz - cio envolve-nos a escuridão completa; ape­ Dos quaes reverbéra doutrina sublime, nas se vê frouxamente il !uminada a cortina Que escravos redime quando erros desfaz. do palco e, á espera que do fundo da orches­ tra surja o primeiro som, sente se passar pelo Saudemos o esforço do anonymo obreiro, publicv uma corrente de commoção que nos Lançando ao nateiro sementes de Luz, sufioca. Finalmente sôa a primeira nota. E Que a messe dourada, d'iclade em idade, se é no Par.ojil, ou no Ouro do Rheno, acha· De Amor, de Verdade, nos fructos traduz. mo nos subitamente invadidos por uma onda de mysticismo transcendente. E' sobrenatu­ Saudemos as chuvas fe cundas, de benção, ra I ! Que em Pão se condensam na seára ideal! A vicia que se leva em Bayreuth já de si E livres votando, dos livres no fôro, predispõe para um estado de espirito nada Brademos em côro: - Viva Portugal 1 A A RTE M US ICA L

Apezar da manifesta aversão do nosso povo mente se substitue o arco, e que já caracte­ pelos cantos em côro, não deixa de ser inte­ risara outro instrumento mais antigo, ascen­ ressante a ideia e poderia ter talvez um se­ dente directo e immediato da sanfona, o or­ guimento pratico se se reunissem algumas ganistrw11. poesias do mesmo genero, para entre ellas se Um capitel da egreja de Saint Georges de escolher a que mais conviesse para o fim que Bocherville, construida no seculo xr, mostra­ se tem em mira. nos o orga11istrum executado por duas pes­ A Arte A1usic.1l acolherá com muito pra- soas sentadas, que o collocavam nos joelhos; 1er nas suas columnas todas as composições umf:l. dava á manivella e a outra fazia mano­ que lhe mandarem, ineditas ou não, e que brar as teclas. O organistrum era portanto tenham as precisas condições de metro, para bem maior que a sanfona e quasi tão antigo poderem applicar-se ao nosso hymno. como o orgão. Em franccz, como já dissemos, a sanfona toma o nome de 11ielle, o que tem dado Jo­ gar a incessantes confusões, porque até ao seculo xv dava-se o mesmo nome a todas as violas d'arco que tivessem o braço indepen-' dente da caixa de resonancia. Laurent Crill et, o ultimo dos sanfonistas, A que quem escreve estas linhas ainda teve a fortuna de conhecer e ouvir em Paris, deter­ Sanf o n a minou bem a differença entre os dois instru­ mentos no seu excell entc livro, Les ancetres du Violun. A' viola cl'arco· chamou 11iele, ap­ Não é facil saber qual seja o sentido ety· poiando-se na onhographia coeva, e á mo­ mologico d'esta velha palavra portugueza, se derna sanfona chamou vic/le, como toda a bem que possa, com alguns visos de probabi­ gente. lidade, imaginar·se uma corruptela de sym­ O certo é que apezar da engenhosa appli­ phonia, nome que se teria dado antigamente cação do teclado a um instrumento de cor­ ao instrumento, pela circunstancia de se fa­ das ( 1) e do curioso modo de as fazer vibrar, zerem ouvi:· com elle diversos sons ao mesmo a sanfona nunca teve senão successos ephe­ tempo. O facto de chamar-se em francez si­ meros. fo nie, cyjo11ie, chijonie, parece confirmar a Conta uma chronica manuscripta de Ber­ nossa presumpção. trand Du Guesclin que o nosso D. Pedro I Em França porém chama-se-lhe mais vul­ tinha na sua côrte dois sanfonistas, que esti­ garmente vielle, emquanto que no nosso paiz mava muito, e que tendo-os feito ouvir ao sempre foi sanfona ou çanjona ou çamplzo- embaixador francez, Mathieu de Gournai, a 11 ina. D'este ultimo termo temos até um exem­ quem perguntara qual a impressão que lhe plo em Sá de Miranda, na ecloga O encan­ faziam, tivera a seguinte resposta. tamento: Ens au pars de France 0 11 pays nonnand Passou, ora qual dia? hum Camphonina Ne vo11t leis instr11111e11ts for/ aveugles po1·ta11t, Pela J\ldêa cantando, elle hera cego Amsi vont les aveug-les et les poJ>res tnumds, Guiava-o loura, e bella, huma menina E t si /'ais ms1rw11ents ro11 t les bom·geo1s f'sba1ta111, ...... 011 l'appe/a depuis 1111 ins1r11111ent truand . Pacheco, no seu Divertimentfl erudito (to­ mo III, pag. 352) define-a assim: - «He ins­ (1) "e~se sen1ido tem·se feiro modernamente algumas trumento que tem no ventre quatro cordas, tentativas. A mais recente deve-se ao profe~sor Ed de duas das quaes se pódem reduzir a unisono Vlaminck, que imaginou substituir o doigté de todos os e a outava; e as outras duas estendidas por instrumenws da familia do violino, por um pequeno te­ clado que o tocador vae manu~eando com a mão e~quer­ f óra fazem um perpetuo monocordo com toda da, emquanto que com a direita faz accionar o arco. a variedade de tons, por meio de umas teclas, A po>içáo e comrudo differente da habitual, visto que e em cima uma roda de páu muito lisa, que qualqu<'r dos m'trumentos. violino, violeta ou vio1on­ cello. são collocados horisontalmente na frente do toca­ a mão direita move circularmente e tocando dor. a mão esquerda as teclas, faz um som agra­ O que tem de interessante o apparelho e que póde ap· davel.> plicar-se a qualquer instrumento, substituindo ape n a~ no viohno a prima e na violeta e violoncello a prima e se­ E' pittoresco e não deixa de ser transcen­ gunda por cordas me1allicas especiaes. dente! Além d'isso, e este é um fac10 e ~s en cialissimo, não ha O principio mais interessante em que as­ nada de automatico n'esre sysrema; conserva·se absolu­ tamente o carater artistico da obra executada, e cada senta a construcção da sanfona é afinal a tal qual póde dar-lhe urna expressão pessoal, segundo o seu roda de r áu 11111it o lisa, com que mecanica- ternpéramento e aptidões. A A RTE M USICAL 177

A critica desgostou por tal fórma o rei por­ natureza e para aSÕccupações do vulgo, fa­ tuguez, que se deu pressa em despedir os zendo-as participar no refinamento das suas dois artistas. distracções. Os seculos xv e xv1 tiveram uma orienta­ Imagine-se o rude instrumento rnedie\'al ção artística demasiado elevada para que o nas mãos d'uma elegante d'aquelle tempo; 111strument Lruand pudesse aspirar ao favor seguindo os preceitos do methodo de sanfona da gente de condição e o successo que dizem de Bouin, deve tocar se em pé ; a perna di · ter tido na côrte de Henrique J II de França reita um pouco avançada; a sanfona repou · não passou talvez d'um capricho senhorial. sando sobre a coxa esquerda e ligada á cin - Até ao fim do seculo xv11 era a sanfon a um tura por uma fita de seda; a mão di reita, instrumento propriamente popular, conhecido immergindo d'uma onda de rendas, faz vol - e empregado sobretudo na Normandia, para tear a manivella de marfim emquanto a es­ regalo dos camponezes. querda pende graciosamense sobre o teclado Por essa epoca um sanfonista, de nome do instrumento. a exhibir os dedos afilados e Laroze, e um outro chamado Janot notabili­ gentis, carregados de anneis ... saram se tocando motivos de dansa e can­ A encantadora sanfo nista, ao passo que re­ tando com acompanhamento de sanfona. cordava a singeleza das cousas rusti cas, tinh a Montava-se então a sanfona em uma caixa occasião de fazer admirar a belleza das mãos quadrada e as suas duas oitavas aJinavam·se e o contraste da sua elegancia fin a e aristo­ em dó ou em sol. Fóra da acção do teclado cratica com a rudeza de instrumento. Seria havia quatro cordas que faziam a ronca; cha­ d'ahi que lhe viria a voga ? mavam-se trombeta. mosca, bo1·dão pequeno O certo é que a breve trecho a sanfona re­ e mosc.1rdo ou bor.ião grande. cahia na mão dos villões e hoje só se encon­ Sem entrar em mais promenores de cons­ tra em alg umas províncias ( I ), como instru · trucção que poderiam parecer escusados mento popular e para não deixar esquecer n'uma ligeira monographia como esta, basta tradições antigas. que digamos que o rustico instrumento entrou Para fazer uma g ravura, como a que acom­ em plena voga nos princípios do seculo xvm panha este artigo, já se não encontraria ar­ e sobretudo a partir de 1718. tista tão paciente, nem modelo tão conven­ Os alaúdes e as theorbas, instrumentos in­ cido. comparavelmente snperiores mas cahidos de A iconographia da sanfona não prima de moda, foram transformados em sanfonas. resto pela variedade; no lindo estudo de Enfeitou-se-lhes a caixa sonora com pinturas e com preciosos embutidos de madre perola e, assim alindadas, penetraram audazmente nos salões. (11 'o Berry p•· r exemplo Crquecessemos o sentimento deliciosa­ gaitas-de.folies e de sanfo11a. Rege·se a sociedade por um mente artificial que impellia a sociedade aris­ e~ tatuto que interdiz o u ~<1 de fato que não seja o tradi­ cional do paiz e que limita sever~mente o repertorio mu­ tocratica do seculo xv1 11 p;ira as cousas da sical ás melodias populares ao Bcrry. A ARTE MUS ICAL agua-forte que hoje reproduzimos, por uma prova .wanl la Íl!ttre de uma rara nitidez e perfeição, nota se não só a excellencia do trabalho graphico, mas ainda a curiosa cir­ cunstancia de estar o tocador representado em posições inversas. uma das quaes vae absolutamente de encontro á imposição dos canones.

POR'l'UHAL

A lista de peças que já publicámos e que vão ser exploradas pela empreza da Trinda­ d e na nova orientação a rtística que se pro­ poz seguir, acrescentaremos as seguin tes : - C h arad a 8 01u!111 e el e Puccini, (.'awr et Main de Lecocq, Contes d' H 1 lf111ann d'Offenbach e tres ope· retas originacs portuguezas: O Arco da Ve­ lha d e Ernesto Rodrigues, F el ix Bermudes e Carl os Calderon, () gato 111alte:r de Ernesto premia) (A Rodrigues e Carlos Calderon e A egua d·i Morgado de Pedro Pinto e Filippe Duarte. A decifração d a ultima charad a é FAr.r ADO, cabendo o premio á ex. 111 ª sr.ª D. E rmelinda Cardoso. Pensem agora um momento n'esta, que Está entre nós por a lguns mezes o nosso não parece difficil. amigo e distincto barítono, sr. D. Francisco de Sousa Coutinho. Chegou a Lisboa a tem­ ~a musica...... po de assistir ás bodas de ouro de seus paes Na musica ...... os srs. l\Iarquez<:s de Borba, que em 22 d'es­ i\a musica ...... te mez as festejaram na sua linda vivenda dv Xa fo nte ...... Bomjardim. Artífice. O faustoso acontecimento deu logar a uma missa de festa, cantada e executada na ca­ pella cio palacio por a lg •Jns amadores e ar­ Mo:-1TE1Ro o 'ALMEJDA. tistas, e a uma serenata .: 11x /lmnbeaux, can ­ tada por um vistoso grupo de meninas e ra­ Pertence a uma collecção de chaq1das ine­ pazes el e Bellas e Idanha. ditas do falleciclo compositor e professor d'harrnonia Eugenio Ricardo Monteiro d'Al­ meida, que, como Alagarim, F iorenzola e ou­ tros musicos, cultivava este genero despre­ Em r 8 e 20 e fiectuaram se na J..:scnla tencioso e leve nos seus momentos d'ocio, Aboi111, de l3cll as, dois concertos organisados com a modestia que sempre caracterisou to­ e dirig idos pelo nosso amigo •! distincto al­ dos os actos da sua vida. tista, sr. Antonio Lamas. O p-remio d'esta vez é a O producto de ambos foi destinado a fins caritativos. Histoir e de M artin L andor

Encontra-se cm Li~boa o distincto artista ou brazileiro, sr. Assis Pacheco, que vem escri­ pturado pela empreza do theatro Avenida L a M usique des Enfants para a direcção da orchestra. Ao sympathico maestro agradecemos a album recheiado de graciosas gravuras co­ visita com que distinguiu a nossa redacção· loridas, que tem a dupla vantagem de ensi­ nar as creanças e fazer rir as ... pessoas gran ­ des. E' tirado á sorte no dia 10 de outubro, ás Estão quasi cone! ui dos os trabalhos d'im - 1 1 horas da manhã. pressão das ultimas composições de Vianna A ARTE M USICAL

men, , Ratclilf R oméo et Juliette, lings. Com tão diminuta despeza p6de cada Don Juan, 'I"hai·)·, Gloria, Pert1f{i11a, etc. qual ouvir socegadamente a opera cm casa, O primeiro director

Em Colonia vae haver um Museu Instru­ mental, cuja fundação se deve á generosi­ dade de um opulento comrnerciante. \V. Heyer, que faz para esse effcito grandes sa­ crifícios pecuniarios. O nucleo fundamental do novo museu é Além do fallecimento de Pablo Sarasate, constituido pela preciosa coll ecção de Paul a que n'outro logar nos reportamos mais lar · de Wit, intelligente director da Zeitschrift gamente, registramos as seguintes perdas, liir lnstru111entenbau, adicionando-se-lhe mui· verdadeiramente sensíveis para a arte musi­ tas outras outras peças, adquiridas por com­ cal. pra a particulares. .. J ustin Clérice, compositor argentino, de ha muito residente em F rança. Foi discípulo de Pessard e Delibes e auctor de varias peças Pensa-se em fazer no proxirno outornno ligeiras, representadas com exito nos theatros uma epoca d'opera italiana no theatro Mari. Bouffes-Parisiens, Gaité, Parisiana, B'a-Ta· gny de Paris. Clan, Hippodrome, Renaissance, E ldorado, Cantar se ha o velho repertorio : - Puri­ l\Iarigny, Olympia, Folies-Bergérc, etc. tanos, Norma, Linda, D o11 Pasqual, etc. l\Iorreu com 45 annos em Toulouse. .. Edmond Kretschmer, conhecido orga. nista e compositor. Nasceu em 1830 em Os­ tritz ( Saxonia) e fez os seus estudos no Con · A casa Ricordi estabeleceu um premio de servatorio de Dresde com os professores Otto 500 libras sterlinas para a composição de uma e Johann Schneider. As suas principacs com· opera ingleza, sendo attnbuido o premio a posições são a cantata Batc.llza dos espíritos, Edward \Voodall Naylor, pela sua opera An­ assim como outras peças de caracter religioso gelus. e as operas Die Folk11nger, H enrique, o leão, Parece que esta peça será estreiada em ja­ O Fugitivo e outras. neiro de 1909, no Covent-Garden. .. Anna Sforza, cantora romana dotada em tempos de magnifica e extensa voz. Per­ didos esses recursos organicos, a pobre ar. tista em breve cahiu em profundo desanimo O notavcl maestro Ed. Colonne partiu para e por fim na miseria, acabando por pôr termo Londres, afi rn de ali dirigir tres grandes con· á vida do modo o mais tragico. certos orchestraes. Em outubro voltará áquel­ ... Cesar Bellincioni, pae da gentil cantora la capital para dirigir outra serie de con - do mesmo apellido, que tanto apreciamos em certos. Lisboa. Foi tambem cantcr theatral, guiando zelosamente a jovcn Gemma nos primeiros passos da sua brilhante carreira. l\Iais urna maravilha da sciencia. -A tele­ Falleceu com 84 annos. phonia sem fio applicada á audição das re­ .... Robert Schwalm, compositor e director presentações theatraes. d'orchestra. Nasceu em dezembro de 1845, Começa a pensar se n'isso a serio e Forest, em Erfurt, e cursou o Conservatorio de o inventor do systema, está em Inglaterra fa. Leipzig. Entre as suas obras mais laureadas zendo as primeiras experiencias. Os jornaes conta-se a sua opera Frauenlob, que foi re­ annunciam até já, se bem que com certa re­ presentada em 1885. serva, que a invenção vae entrar brevemente Exerceu tambem o professorado. em um campo pratico, facultando-se assigna­ ... Em 27 d'este mez falleceu o sr. D. lVIi­ turas a preço modico. gucl de Menezes Alarcão, pae da distinca can· O preço da installação do receptor custará tora amadora, D. !\faria de Alarcão, a quem apenas 3 libras e o aluguei mensal 4 schil· enviamos a expressão do nosso pczame. A ARTE ~lU SICAL Publicação quinzenal de musica e theatros LISBOA

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