Duquesne University Duquesne Scholarship Collection

Angola:1904-1967 Spiritana Monumenta Historica

1971 Mémorial au Ministre de la Justice — (10-XI-1910) António Brásio

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Recommended Citation Brásio, A. (Ed.). (1971). Mémorial au Ministre de la Justice. In : 1904-1967. Pittsburgh, PA: Duquesne University Press.

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(10-XI-1910)

SOMMAIRE — Proces de legalisation des Missionnaires du Saint- -Esprit apres la suppression des Congregations Reli- gieuses par I’Etat.

O decreto abo'licionista de 8 de Outubro ultimo, na parte que respeita aos padres do Espirito Santo, faz surgir um pro- b'lema colonial e jurtdico digno de ser considerado pdlo Governo da Republica e pela Na$ao Portuguesa, como por eles proprios. A moderna Congrega^ao missionaria do Espirito Santo viera estabelecer-se ha poucos anos em Portugal, com o fim de se consagrar a civiliza^ao das nossas colonias no continente negro. No comedo, todas as suas obras tinham de ser inevitavel- mente fundadas e mantidas com padres e auxiliares estrangei- ros. Mas a sua aspira^ao natural e suprema era precisamente a de formar pessoa'l portugues, que fosse progressivamente substituindo o de fora, ate este ser de todo desnecessario. Para tal fim e'la criou a Escola Agnco'la Colonial de Sintra, destinada a habilitar auxiliares para o ensino da nossa lingua e das artes e oficios comuns, e especialmente da lavoura, as crianjas africanas; e os colegios da Formiga e de Carnide, o primeiro de preparatories e de ldiomas indigenas, e o segundo de teologia, para a forma^ao de padres capazes de organizar, dingir e manter as missoes com todo o seu caracter cientifico, civilizador e pratico. Isto nao era tudo. Como esses esta'belecimentos e os da Africa impunham muitas e grandes despesas, ela abriu os cole-

219 gios de instru^ao primaria e secundaria de Santa Maria no Porto e do Espfrito Santo em Braga, que nas suas receitas liquidas Ihe forneciam recursos unicamente procurados para os encargos li- gados com a essencia e fins da Associafao em Portugal. Todos esses institutos da Formiga, de Carnide, de Braga e do Porto, foram compreendidos na generalidade das extin^oes feitas pelo decreto de 8 de Outubro. Mas nao o foram as missoes do Espirito Santo de Angola, hoje as seguintes: no distrito do C o n g o , as de Landana, Cabinda, Luali e Lucula; no de L u a n d a , as de Luanda e Libolo; no da L u n d a , as de Malanje, Canamboa e Mussuco; no de B en g u ela, as de , Huambo, Bie, Bai- iundo, , Catoco e Massaca; no de M o g am e d es, Huila, Jau, Chivinguiro, Munhino, Quihita, , Chipelongo e Cuanhama. Todas essas estates religiosas civilizadoras estavam e estao ao abrigo de uma legisla^ao especial, apenas revogavel por acordo com as potencias. Com efeito, elas tern a sua existencia e conserva^ao garan- tidas pelo artigo 6 .° do Acto da Conferencia de Berlim em 1884, pelo artigo 10.° do Tratado Luso-Britanico de 1891 e pelo artigo 2.° do Acto Geral da Conferencia de Bruxelas de 1890: o primeiro aplicavel a bacia convencional do Zaire, onde se inclui o nosso distrito do Congo; o segundo a toda a Africa central e oriental portuguesa e o terceiro a todo o con- tinente negro. Portugal, em suma, para combater a escrava- tura e civilizar os indigenas, obrigou-se com a Alemanha, a Austria e Belgica, a Dinamarca, a Espanha, os Estados Unidos da America do 'Norte, a Franca, a Inglaterra, a Italia, a Holan- da, a Russia, a SuAia, a Noruega, a Turquia, a Persia e o Es- tado Independente do Congo, a admitir e proteger em Angola, como na Guine e em Mozambique, sem distinzao de cultos, e sem restrizoes algumas, as missoes ja estabelecidas, ou que o fossem no porvir.

220 Deste modo, o Pais, o Governo Provisorio, os proprios padres do Espirito Santos sucularizados na metropole pelo de- creto de 8 de Outubro e os padres do Espirito Santo de An­ gola sao interessados em achar dentro das leis e normas da Republica, e sem prejuizo do decreto de 8 de Outubro, uma sdlu^ao nova, que permita ainda a nacionaliza^ao progressiva das missoes da nossa Africa ocidental. Se fosse impossivel encontra-la, o que o bom senso e o civismo contestam, e facil de ver quao dep'loraveis seriam as consequencias. Nesse caso, se os congreganistas do Espirito Santos resol- vessem manter as suas missoes de Angola, onde ja quase todos os auxiliares sao do nosso pais, e todos os padres o viriam a ser tambem em curto periodo, dentro de pouco tempo todo o seu pessoal seria frances e alemao, pdla impossibilidade de o for- necer a propria metropole portuguesa, conforme o ideal da subs- titui^ao necessaria que presidira as funda^oes da Sociedade em Sintra, Formiga e Carnide, com seus cdlegios alimentares do Porto e de Braga. Estabelecimentos importantes, onde se aplicaram tambem recursos nacionais consideraveis, e que daqui a alguns anos poderiam ser inteiramente portugueses, quando ja todos os seus obreiros o fossem, no que haveria multiplas vantagens evi- dentes, ficariam depois sendo apenas e para sempre estrangeiros. Essas missoes destinadas a ser, evolutivamente, grandes centros de expansao nacional em todos os sentidos, quando em S. Salvador do Congo, no Arnbriz, em Luanda, em Pungo- -Andongo, no Bie, no Bailundo, no Mochico, no Cuanhama, e em outros pontos da provincia ha cerca de tnnta fundadas pelos protestantes alemaes, ingleses e americanos, serviriam, por ultimo, para se juntarem na classe destas, sob o aspecto das intrusoes legais do genio estranho, em vez de servirem para contrabalanfar ou exceder e veneer alguns dos seus efeitos. Se, pelo contrario, os padres do Espirito Santo evacuassem

221 as suas missoes de Angola, facilmente se compreende que os resultados seriam quase tota'lmente semelhantes e sempre desas- trosos. Perder-se-iam todos os capitals valiosos ali expendidos. Achar-se-iam de repente sem amparo, sem apoio, sem meios de educa^ao, ou de aprendizagem, ou de vida, mil'hares de crian- 5as e adolescences, que enchem todos aqueles orfanatos mdi- genas, e as numerosas familias que povoam as novas aldeias adjacentes. Deixaria de haver uma luz moral progressiva nas trevas de vastos sertoes assombreados pela selvajaria, pelo cambalismo e pelas iniquidades mais variadas. Ficariam, ape- nas, de espafo a espago, os nucleos de acfao que o protescan- tismo do Velho e do Novo Mundo espalhou naqueles territo- rios, onde tudo reclama sementeiras modernas de civiliza^ao crista feitas com a bandeira da patria. A questao deve, pois, ser considerada por todos os portu- gueses com a superioridade de ammo que vai direita ao fim, atraves das situates esta'belecidas, sem perder-se com os aci- dentes, mesmo graves, encontrados na passagem.

Os padres do Espirtio Santo nacionais, que a Revolu^ao dispersou e secularizou apos o seu triunfo, mas deixou ainda no seu pais, nao podiam fugir ao dever de ouvir a voz do amor patrio e de falar com resolufao e lealdade ao Governo da Repu- blica, a todos os seus concidadaos. Sabem o que devem a honra da sua fe, cujas violates nem os descrentes lhes desculpariam; mas sabem tambem o que devem a gloria da sua terra. Alheios a po!litica, hoje como ontem, olham para as necessidades bem estudadas de Angola, sem outra preocupajao que nao seja a de acbarem o meio mais nobre, mais correcto, mais pratico e e*ficaz de chegarem ao fim para onde os impele o desejo de serem uteis a causa de Portugal, da ciencia, da civilizafao e da humanidade. Elevados por estes sentimentos e ideias acima de todas as complicagoes, adversidades e circunstancias, a 1 in-

222 guagem do seu entendimento, do seu coragao e da sua vontade sera compreendida certamente pelos dirigentes da Republica e pelos homens de todas as convic^oes e credos. E'les estariam dispostos a constituir-se, dentro das leis do Estado, em Associa^ao Missionaria Africana, com organiza^ao civil, para os objectivos impostos pela necessidade de naciona- lizar as missoes das nossas colonias, abertas irredutivelmente as propagandas religiosas de todo o mundo. A Associa^ao tomaria conta das missoes que os padres do Espirito Santo hoje possuem em Angola. A sua obriga^ao principal seria formar padres e auxi'liares portugueses, destina- dos a substituir, com a rapidez possrvel, os estrangeiros naque- les estabelecimentos africanos, e a encarregar-se de quaisquer outras fundafoes da mesma natureza. Para esse fim, a Associa^ao teria em Po.rtugal uma escola de padres e outra de auxiliares, com as lndispensaveis depen- dencias, tendo-se em vista dar-se-lhes especialmente habilitates praticas, modernas, expansivas para a assimila^ao das ra^as indigenas e sua integra^o e'lementar e perfectivel no organismo gera'1 da na£ao portuguesa. Em ordem a criar meios absolutamente essenciais para a manuten^ao desses institutes basilares, a Associa^ao poderia abrir colegios de ensino primario e secundario, nas conduces prescritas pe'lo regime da instru^ao publica. Ella teria personalidade juridica nos termos do codigo civil e das leis aplicaveis para o exercicio de todas as faculda- des reconhecidas e compreendidas nos seus estatutos de direito comum. Os seus socios, todos portugueses, seriam os padres e auxi- iiares do Espirito Santo nacionais secularizados ontem na me- tropole ou existentes nas missoes de Angola, e os que nela se filiassem depois de terminarem os seus cursos e aprendiza- dos nas escolas de formafao autorizadas.

2 2 3 A Associa^ao e todos os seus institutes ficariam sujeitos a inspecgao e fiscalizajao do Estado; nas condi^oes preceitua- das para todas as agremia^oes e obras em cuja ciasse adminis- trativamente se compreendessem. Tal e a resolu^ao que por sua parte os padres do Espirito Santo secularizados pela Revo'lu^ao de Outubro, formulam genericamente ao Pais e ao Governo Provisorio da Republica para a nacionaliza^ao das missoes de Angola, obedecendo com sinceridade e honra aos seus pensamentos e impulsos cristaos, civilizadores, humanitarios e patridticos. Lisboa, 10 de Novembro de 1910.

P.e Jose Maria Antunes

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