Revista de Guimarães Publicação da Sociedade Martins Sarmento

BREVE INTRODUÇÃO À PRÉ-HISTÓRIA DE . JORGE, Vítor Manuel Oliveira Ano: 1974 | Número: 84

Como citar este documento:

JORGE, Vítor Manuel Oliveira, Breve introdução à Pré-História de Angola. Revista de Guimarães, 84 Jan.-Dez. 1974, p. 149-170.

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Breve introdução à Pré-história de Angola (*) Por VITOR M. DE OLIVEIRA JORGE ex-assistente da Universidade de Luanda ; assistente da Fac. de Letras do Porto

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Foi em 1890 que Ricardo Severo publicou o primeiro estudo científico dizendo respeito à Pré-história de Angola, intitulado Primeiro: vestígios do .Período neolítíoo no Estado de Angola. Posteriormente, na primeira e no início da segunda década do nosso século, surgiram contributos de Nery Delgado, Paul Choffat e -Leite de Vasconcelos. Eram ainda, porém, achegas isoladas, de curto fôlego, baseadas em limitado número de elementos, normal- mente artefactos recolhidos por missionários ou natu- ralistas. ¬ Assim, pois, só no anal dos anos quarenta, princípios dos anos cinquenta, se começaram a realizar prospecções sistemáticas e algumas escavações, cujos resultados são já directamente aproveitaveis para um começo de levan- tamento da carta arqueológica de Angola e de conheci- mento da sua Pré-história. Como responsáveis por este arranque temos de citar, entre outros, os nomes de Jean Janmart, Fernando Mouta, L. Leakey, J. Redinha, H. Breuil, J. Camarate França. Este último autor, geó- logo a quem a Pré-história portuguesa também muito deve, realizou de 1950 a 1953 em Angola, sobretudo na região de Luanda e no Sul, alguns trabalhos importantes,

ii: (*) O presente texto, que se situa num plano rneramente divulgativo, resulta da reelaboração de parte de uma palestra pro- nunciada em Sá da Bandeira em Fevereiro de 1973, e publicada no «Boletim Cultural» da Câmara Municipal da mesrna'cidade,' 11.0 36 de 1974. 150 REVISTA DE GVIMARÃES ora integrado na Missão Antropobiológica de Angola chegada pelo Prof. António de Almeida, ora sob o patro- cínio do Governo Geral da colónia. Outros dos autores citados puderam trabalhar em Angola devido ao apoio concedido pela Companhia dos Diamantes, que em 1946 encetou as suas «Publicações Culturais» com um trabalho de arqueologia pré-histórica, da autoria de Jean janrnart, chefe do serviço de prospecções da Companhia. Desde então, esta empresa chamou a Angola alguns bons especialistas da Pré-história africana, os quais, a pouco e pouco, foram elaborando -uma obra valiosa, que faz da zona da Lufada uma das bem conhecidas de toda a África, estratigráfica e tipologicamente, encontrando-se aí algumas estações-tipo de indústrias pré-históricas da zona subsariana deste continente. Um outro trabalho . deve, entretanto, ser destacado: o de Museu dos Ser- viços de Geologia e Minas de Luanda, em relação com o qual foram possíveis os estudos pioneiros do Eng.° Fernando Mouta (que os apresentou em vários Congressos Pan-Africanos de Pré-história, exemplo que não teve continuidade), . e, posteriormente, de Soares de Car- valho, Mascarenhas Neto, e outros. Foi a colecção arqueo- lógica resultante destes estudos de campo recolhida naquele Museu, que permitiu, juntamente com as do Museu do Dundo e da Missão Antropobiológica, a elaboração das primeiras sínteses da Pré-história de Angola. (evi- dentemente que ainda proporcionais ao pouco que se sabe). Uma destas, intitulada Introdução à Pré-bístõría de Angola, deverão-Ia a Henri Breuil e António de Almeida, e foi apresentada ao Congresso Pan-Africano de 1959 e publicada em português em 1964; a segunda, de muito maior fôlego, e que aqui nos servirá de guia, foi elabo- rada por J, Desmond Clark para a Diamang e impressa em 1966 com o título «The Distribution of Prehistoric Culture in Angola››. Depois, passado O primeiro arranque, as publica- ções voltam a adensar-se sobretudo nos anais dos anos cinquenta e nos anos sessenta. Em 1960' 1964 a Junta de Investigações do Ultramar editou dois volumes em grande parte decorrentes das pesquisas das suas missões antropológicas, intitulados ‹‹Estudos sobre Pré-história do Ultramar Portugês››, e nos quais Angola ocupa o principal lugar. Após a morte de Jean Janmart, a Diamante BREVE INTRODUÇÃO À pRÉ-HIsrónm DE ANGOLA 151 convidou em 1959 o Prof. J. Desmond Clark, da Univer- sidade de Berkeley, a prosseguir os trabalhos na Lufada, os quais possibilitaram, logo em 1963, dois volumes de síntese sobre essa região, aos quais se veio acrescentar um outro em 1968. Regra-se ainda outros contributos de variada importância, como o de J. A. Martins, que em 1959 cartografou para os Serviços de Geologia e Minas, as estações pré-históricas estão conhecidas em Angola; o de O. Davies, que em 1958 estudou algumas formações de praias elevadas de Angola, relacionando-as com as do Sudoeste Africano; o de João Vicente Martins, que em 1966 abordou aspectos de ‹‹A Idade dos Metais na Lufada››, o de A. V. Rodrigues, que em 1968 escreveu sobre Construções bastas de pedra, em Angola, etc. Desde 1970, a colaboração do Prof. Santos Júnior e de Carlos Ervedosa, este último da Universidade de Luanda, permitiu 2- produção de dois trabalhos de posi- tivo valor, um sobre o concheiro de Benfica (Luanda), outro sobre o abrigo com pinturas do Caninguiri (Mungo). Mais recentemente, aquele professor publicou uma síntese sobre Arte rupestre em Angola e o resultado das suas observações sobre as gravuras rupestres do Tchitundo- -hulo (, Moçâmedes), enquanto que Ervedosa divulgou as conclusões dos seus. trabalhos num dos sec- tores do mesmo complexo de arte rupestre, o Tchitundo- -hulo Mulume. Quanto a nós, durante o ano e meio que pudemos trabalhar em Angola, demos o nosso con- tributo à carta arqueológica dos distritos do , Huíla, e Moçâmedes, descobrindo cerca de duas dezenas de estações, do Paleolítico 8 Idade do Ferro, nessas regiões. E é, afinal, da Universidade angolana que poderão, cremos, vir a sair os núcleos de pesquisadores capazes dc. cobrir o vasto território deste, em breve, novo país, protegendo e estudando os seus vestígios pré-históricos, e de formar no futuro um organismo que congregue os seus esforços. Seria importante editar, por concelhos, a carta arqueológica de Angola; regulamentar rigorosa- mente as escavações arqueológicas, protegendo as esta- ções, como monumentos de interesse nacional, dos depre- dadores, aventureiros e amadores; espalhar museus pela província; realizar periodicamente congressos e outras reuniões sobre a arqueologia de Angola; fundar uma. 152 REVISTA DE GVIMARÃES

revista especializada na matéria; enviar arqueólogos ango- lanos aos Congressos par-africanos de Pré-história; convidar professores estrangeiros a, realizarem palestras, cursos e investigações; dar o maior apoio e facilidades materiais, de tempo e de contactos, a quem trabalhe neste campo; interessar no assunto as entidades locais, etc. Enfim, estruturar o trabalho e lançar-lhe os fundamentos para que tenha continuidade. Mas, para que um dia se possa atingir este grau de desenvolvimento _ único que dará a Angola a sua própria história anterior à che- gada dos portugueses - longo caminho haverá a percorrer na superação dos métodos de organização da pesquisa durante o período colonial. Mas, isso, os futuros dirigentes . de Angola sabe-Io-ão melhor do que ninguém.

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Sob um ponto de vista de ecologia pré_histórica, e de acordo com Desmond Clark, o território de Angola recorra-se em regiões bem distintas entre si' a do Congo, a do Zambeze e a do Sudoeste, nas quais se teriam ori- ginado, a partir dos inícios do Plistoceno superior, ta_ dições culturais diferentes. A zona do Congo, ao norte do país, é atravessada por aguentes do rio Cassai e outros tributários da bacia do Congo, e é constituída por um planalto sem grandes elevações, coberto pelas chamadas areias do Calaári, e descendo de altitudes de 1.500-2.000 metros a sul até cerca de 700 metros em média junto à fronteira norte. Neste Plateau abrem-se duas depressões principais de vales de rios, a do Cassai, que faz fronteira a leste, e seus afluentes (de orientação sul-norte) do extremo nordeste, e a do Cuango, a oeste. Genericamente falando, é uma zona em que domina o «mato de panda» com Braøfilyrtegia, ocorrendo, também, para ocidente, vários tipos de savana, e a floresta de tipo «Iau.risilva». Ao longo dos vales dos rios, 'surge frequentemente a floresta-galeria, que pro- longa localmente as florestas dos climas mais pluviosas a norte, e que, na opinião de Clark, deve ter sido mais extensa no Plistoceno do que é hoje.

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Em particular na região da Lufada, e de acordo com aquele autor, as areias eólicas do Calaári ter-se-iam depo- sitado durante o Mioceno, e encontram-se hoje encimando as zonas mais elevadas dos interflúvios. Posteriormente, no Plioceno e no Plistoceno superior, respectivamente, deram-se fenómenos de redistribuição destas areias, constituindo-se assim as chamadas areias redistribuídas I e II ; esses fenómenos de redeposíção continuaram, aliás, a verificar-se em menor escala, no em do Plistoceno e no Holoceno. Acrescente-se que tanto as iniciais areias do Calaári, como as areias redistribuídas I e II, se vieram depor em superfícies de peneplanície, escalonadas a dife- rentes alturas. Foi precisamente na mais baixa destas peneplanícies (700-800 m. de altitude em relação ao nível do mar), previamente lateritizada, que os rios vieram depositar as suas cascalheiras de terraço, às alturas de aprordmadamente 40,20,10 e 3-4 metros. Os terraços mais altos - 40 e 20 m. - revelaram alguns utensílios feitos de seixos rolados, que poderiam assinalar as mais antigas indústrias humanas da zona, mas a sua posição estrati- gráfica não é segura. Em contrapartida, as cascalheiras de terraço de 10 metros deram instrumentos atribuíveis a uma fase evoluida do Olduvaiense e ao Acheulense infe- rior. À superfície das mesmas, em certos locais, recolhe- ram-se artefactos de um Acheulense superior, os quais, nas cotas mais altas em que ocorrem, são cobertos pelas areias redistribuídas II do Calaári. A leitura da estrati- grafia destas últimas nos interflúvios permite seguir a evolução das indústrias ‹‹florestais›› derivadas do Acheu- lense e características da região : o Sangoense e Lupembense inferior, na parte mais baixa das mesmas areias, O Lupem- bense superior nas camadas médias, e, junto ao topo, O Tshitolense inferior e o Lupembo-Tshitolense. As mesmas indústrias vamos encontrar nos cortes do terraço de 3-4 metros, onde nos surgem por vezes dois uiveis de cascalheira cobertos. por uma camada de areia e argilas, níveis esses que D. Clark atribui ao pluvial gamblíano, considerando-os contemporâneos das areias redistri- buídas II. Por seu turno, a camada superior de areias e argilas é integrada por este autor no episódio húmido Makaliano; é contemporânea das areias redistribuídasIII e da indústria tshítolense. 154 REVISTA DE GVIMARÃES

I Sobre a :zona do Zambeze sabemos ainda muito pouco, w não sendo possível por ora traçar a sua evolução em termos estratigraficos e culturais. Corresponde a parte do Leste e ao Sudeste do país, e abarca um pequeno troço inicial do rio Zambeze e parte do curso de alguns dos seus aguentes, além do Cubango, que pode ter já sido também um afluente daquele grande rio (uns do Terciário-princípios do Quaternário). Em grande parte desta zona prolonga-se 0 ‹‹mato de panda›› com Broa:/ay regia que encontrámos a norte, surgindo a sul o mato com acácias disseminadas ou com Copaifera mopane. No Norte, em particular, surgem os vales baixos e largos conhecidos pela designação de «dambos››, com orientação sudeste.

Finalmente, a região sudoeste abarca o Sudoeste de Angola propriamente dito e a faixa costeira entre a escarpa litoral e o mar. Encontra-se interiormente deli- mitada, a norte e leste, por uma linha curva que, da barra do Cuanza, passa por Nova Lisboa e Pereira dá"Eça, aproximadamente. É uma zona em que confluem a savana, com imbondeiros para a zona do litoral, o mato com acácias disseminadas, o mato com Copaäëra mopane, e, para sudoeste, zonas desérticas e subi-desérticas onde a vegetação escasseia. O relevo caracteriza-se fundamen- talmente por uma «escadaria de aplanações» que descem do planalto até à costa, estudada, entre outros, por Jessen e Mariano Feio, que também nos deu importantes con- tributos para o esclarecimento da geomorfologia do rio Cunene, um dos dois rios importantes que, nesta zona, vão desaguar à costa ocidental (o outro é o Cuanza). Trata-se de uma região sobre a qual se têm debruçado numerosos autores, geólogos, geomorfologistas, geó- grafos, mas para a qual não temos ainda um estudo exaus- tivo consagrado ao Quaternário que permita traçar uma evolução cultural de conjunto apoiada em dados estra- tigráficos seguros, como na Lufada. O que é pena, dada a conhecida abundância de vestígios pré-históricos na região; de forma que é. sempre premente insistir em que, para que se possa aqui realizar um rigoroso trabalho de Pré-história, vai ser necessário que as entidades compe-

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r BREVE INTRODUÇÃO À PRÉ-HISTÓRIA. DE ANGOLA 155 rentes compreendam o imprescindível de uma colabo- ração . interdisciplinar dos arqueólogos com geólogos exclusivamente preocupados com O Quaternário da região. É bem evidente que, sem esse apoio, todo e esforço indi- vidual do arqueólogo, por maior que seja, conduzirá sempre a resultados quando muito provisórios. Até hoje, os principais estudos de geologia do Qual ternário realizados na zona dizem respeito às formações litorais, e devem-se a Mascarenhas Neto, Soares de Carvalho, e O. Davies, a zona de Benguela- destaca-se como particularmente propícia, certamente entre outras ainda não estudadas, à pesquisa das forma» iões marinhas quaternárias. A mais alta praia elevada aí detectada é a de 100 metros em média, podendo varir entre 40 (ou 50, seg. S. de Carvalho) e 155 metros acima do nível do mar. Apresenta um depósito de conglomerado encirnado por areias argi- losas, de cor avermelhada. Soares de Carvalho atribui este fiel ao Tirreniano I, baseado na presença de Sirombus. bug/banius. , Este mesmo autor refere-se a um nível mais baixo, entre 16 e 20 m. de altitude. Por seu turno, Davies men- ciona também a existência de uma plataforma de praia elevada entre 20 e 40 metros, na área de Benguela, na qual surgem areias vermelhas com alta percentagem de argila e contendo, na parte inferior, um nível de moluscos. Na Ponta das Vacas a cascalheira deste nível está a 25 m. de altitude; na Ponta do Sombreiro, a 23 rn.; em ambos os locais, Davies encontrou, neste nível, artefactos acheu- lenses e do Sangoense inferior. Na Ponta do Giraul, Moçâmedes, o nível de praia de 35 metros foi cortado pelo estuário fóssil do rio Giraul, e revelou utensílios do Acheulense superior. Uma outra praia elevada foi ainda detectada, entre 6 e 9 metros de altitude, em Benguela, Moçâmedes e nas proximidades de , com artefactos de um San- goense evolucionado. Finalmente, a 1,5 m., na Ponta das Vacas (Benguela), Davies encontrou um fiel baixo de praia que atribuiu à transgressão flandriana, transgressão com a qual se rela- cionariam, também, os terraços baixos dos rios junto à costa. 156 REVISTA DE GVIMARÃES

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I I Tracemos agora, concluir, uM rápido bosquejo da 4 evolução das culturas pré-históricas em Angola, indicando apenas as estações mais significativas para cada período a considerar. Datam de uma fase evolucionada do Olduvaiense as mais antigas indústrias conhecidas neste país. Surgem na zona do Congo, como se disse, nas jazidas da Catongula, Mufo, Cataíla 2, Toca Mai, Cassenga, entre outras; mas é sobretudo na zona do Sudoeste que a sua presença se reveste de incontestável significado estratigráfico. A principal estação encontra-se na zona de Palmeiri- nhas, ao sul de Luanda, aproximadamente a 73 km desta cidade. Está relacionada com uma plataforma topográfica de + 100 m. que se estende desde o sul da baía das Palmeirinhas até ao rio Cuanza. Um corte nesta plataforma permitiu uma leitura estratigráfica que isolou quatro camadas sobrepostas: sobre as margas e arenitos da base, um conglomerado de origem marinha, com seixos afei- çoados e lascas pequenas atribuiveis ao Olduvaiense (inícios do Plistoceno médio); acima, areias argilosas ver- melhas passando a cinzentas (as quais deram alguns arte- factos provavelmente contemporâneos das indústrias encontradas nas areias da plataforma de 20 metros) cobertas, no topo, por areias vermelhas. D. Clark consi- derou os artefactos provenientes do conglomerado das Palmeírínhas, como uma das raras indústrias olduvaienses evoluídas da África Austral com posição estratigrafica bem definida e datável. Podem aproximar-se desta indús- tria os artefactos achados aprozdmadamente ao mesmo nível em Luanda e em Calumbo, no vale do Cuanza. Uma zona que poderia no futuro ser de certa impor- tância para O esmdo destas indústrias muito primitivas do Olduvaiense é a zona da Leba (planalto da Chela) cujos calcários dolomíticos apresentam fissuras preen- chidas por brechas ósseas nas quais já foram reconhecidas espécies de primatas que parecem idênticos aos que acom- panhavam os australantropianos do Transval. Fernando Mouta, o próprio Prof. Dart, e outros investigadores chamaram repetidamente a atenção para a importância destes achados, sem que, até agora, surpreendentemente, BREVE INTRODUÇÃO À PRÉ-H1STóRIA DE ANGOLA 157

se tenha procurado promover o seu estudo por um espe- cialista competente. Aliás, a zona da Leba é arqueologica- mente muito rica, em estações de superfície e em grutas (muito embora as estações conhecidas sejam generica- mente de épocas mais recentes), cujo estudo sistemático a Universidade já iniciou. Em Angola o complexo industrial olduvaiense é seguido, como acontece de uma forma geral em toda a África, por um Acheulense inferior. No território ango- lano, porém, só na zona do Congo se provou a existência desta indústria, relacionada com as cascalheiras do terraço de 10 metros dos rios Chiumbe e Luembe, como, por exemplo, em Cassenga (Lufada). Tecnicamente, nesta região da Lufada, o Acheulense inferior surge-nos pouco elaborado, e à base de utensílios pesados. Quanto ao Acheulense superior, - estádio seguinte, ocorre nesta mesma zona, como se disse, à superfície das cascalheiras do terraço de 10 metros, entre outros locais; aí, as peças apresentam um talhe ‹‹fresco››, enquanto que as que provêm do terraço de 3-4 metros se encontram desgastadas. Predominam ainda os instrumentos pesados, mas o talhe torna-Se mais cuidado. Na zona do Zambeze, apenas se conhece uma peça, um biface, proveniente da confluêncía do Luconha com o Lungué-Bungo. Em contrapartida, na região do Sudoeste foram assinaladas várias estações, no baixo Cunene,em Capangombe, no Brútuei, etc., na costa, a mais impor- tante estação é sem dúvida a da Baía Farta, correspon- dente a um solo de ocupação instalado sobre o con- glomerado marinho de 100 metros e coberto, por sua vez, por areias argilosas vermelhas. Bifaces, ‹‹hachereaux››, seixos afeiçoados unifaciais e bifaciais, facas, raspadores, lascas residuais e utilizadas, núcleos, fazem parte deste solo de habitação e de oficina, que, segundo D. Clark, produziu algumas das mais perfeitas peças acheulenses da África. o mesmo autor acentua que a área costeira de Angola, ao contrário do que se nota na zona do Congo, parece ter sido bastante propicia à instalação dos caça- dores acheulenses, numa época contemporânea da forma- ção das praias de 25-35 metros. Climaticamente, esse período teria conhecido maiores precipitações e mais baixas temperaturas do que hoje se verificam no Sudoeste e na região costeira de Angola, condições favoráveis à Q

158 REVISTA DE GVIMARÃES formação de campinas com vegetação de gramíneas, que os acheulenses parece terem privilegiado. Com o «Primeiro Período Intermédio» (‹‹First Inter- I mediate Period››) começamos a assistir à individualização cultural das várias regiões de Angola, que se manifestará amplamente na «Middle Stone Age». É pelo menos o que afirma, num curto artigo de divulgação (1), o investi- gador Miguel Ramos, que atribui várias indústrias da região do Sudoeste ao complexo Fauresmith (Carvalhão, Munhino, Ochinjau, S. Nicolau, Maconge, e outras) ; esperamos com interesse detalhadas monografias resul~ tartes dos seus trabalhos nestas estações, tanto mais que, até há pouco tempo, o que se conhecia no Sudoeste eram escassos materiais provenientes da Ponta das Vacas (Benguela), Ponta do Girar (Moçâmedes), etc., os quais parecia estarem em relação com o que se observa a nor- deste do país. . Nesta are, é um Sangoense-Lupembense inferior (não diferenciáveis) que ocupa este período. Surge na parte inferior das Areias Redistribuídas II, nos inter- flúvios, como, por exemplo, em Catongula e nas minas de Mussolégi. São indústrias compostas por picos, ras- padeiras nucleiformes, bifaces e poliedros, e mais rara- mente também por «core-axes››. Não aparecem ainda os núcleos de plano de percussão preparado. Também a 10 km. a sul de Ambriz, e a cerca de 1 km. da costa, foi descoberta uma estação atribuída a esta época, num terraço de 22 metros. Na ‹‹Middle Stone Age››, como se disse, a especiali- zação regional das indústrias é já evidente. A zona do Congo está bem caracterizada pela presença do Lupem- bense superior, que at surge em locais de habitação e em sítios de trabalho e em particular de mineração, em três posições estratigráficas diferentes: nos níveis superiores das areias redistribuídas II, como em Catongula, Musso- légi e em Cauma; sob as areias redistribuídas III (Furi I), nos noiveis inferiores e médios de tais areias (Matafari), e, nos vales, nas argilas arenosas que encimam as casca- lheiras do terraço mais antigo, finalmente, nas casca-

(1) Adítamento a «A Pré-história da África» de Desmond Clark, pp. 234-240. BREVE INTRODUÇÃO À PRÉ-HISTÓRIA DE ANGOLA 159 feiras do terraço de 3-4 metros. De uma maneira geral, as indústrias do Lupembense superior da Lufada incluem bifaces, picos, raspadores ou raspadeiras, «core-axes››, pontas, trinchetes, etc. A técnica Levallois está presente. Outros instrumentos lupembenses foram recolhidos em Marimba (Malange), Mavoío (Maqueta do Zombo), perto de Brito Godins (Baixa de Cassanje), Catete,etc., etc. No, Sudoeste, predomina, na opinião de Desmond Clark, uma «Middle Stone Age» indiferenciada, que não pode ligar-se ao complexo lupembense, e só muito remo- tamente admitirá comparações com o complexo Stillbay- -Pietersburg (através dos seus raros raspadores típicos e pontas), e cujos materiais incluem raspadores, facas, seixos afeiçoados, pouco individualizados tipologica- mente. São numerosas as estações conhecidas, quer no interior (Chitaca Hui, Vila de Almoster; área de Bata Bata e zona da Leba, ; Cangalongue, Jau; etc.), quer no litoral (Ponta do Giraul e Ponta Negra, Moçã- medes; etc.). Embora os trabalhos que pudemos realizar em 1973 e 74 no SO. de Angola não tenham passado de uma fase preliminar, levam-nos de momento a aceitar a opinião de Desmond Clark sobre o carácter pouco ‹‹típico›› destas indústrias. Na região de Sá da Bandeira, por exemplo, as jazidas 1 dos Barracões e 1 do rio Capitão, e, na região do , Benguela, a jazida da Chitandalucua, são bons exemplos desta ‹‹atipicidade». Todavia, o citado investigador Miguel Ramos vem afirmar, no artigo referido, que no Alto do Choi, na cas- cata da Leba, no Giraul (bem como na chamada Ilha dos Amores, perto de Serpa Pinto) se encontrariam indús- trias atribuíveis ao complexo Stillbay-Pietersburg; e que «escavações recentes» (crê-se que do mesmo autor) «mostram ser muito provável que exista uma faces cul- tural da Middle Stone Age específica do Sudoeste de Angola e que a sua evolução se tenha processado em, pelo menos, dois estádios bem definidos - Leba e Capan- gombe.›› (1) Aguardamos a publicação documentada dos resultados dessas investigações, que se afigura serem da

(*) Op. cit., p. 237. 160 REVISTA DE GVIMARÃES mais alta importância para a Pré-história *do Sudoeste de Angola. E chegamos .ao «Segundo Período Intermédio», que na zona do Congo assiste ao florescimento de uma indústria de transição, o Lupembo-Tshitolense, e aos inícios do Tshitolense. O Lupernbo-Tshitolense localiza-se em várias jazidas da Lufada, como Bala Bala e Caimbunji, e compõe-se de bifaces, picos, raspadores, «cores-axes››, pontas, trinchetes, etc. , distingue-o particularmente do estádio anterior o desenvolvimento do «core-axe» e da ponta (surge pela primeira vez a ponta com espigão). É, além disso, uma indústria de aspecto mais evoluído, na qual, de acordo com Clark, aumenta a variedade das formas e as dimensões médias tendem a diminuir. Fora da Lufada, o Lupembo-Tshitolense foi assinalado em Mavoio, Morro do Paiol (Noroeste da zona.) Na área do Zambeze, duas jazidas deste período temos de considerar • a de junto à fronteira, na congruência do Ocavango e do Cuito; e , em Serpa Pinto, no já citadO local da «Ilha dos Amores››, uma pequena ilhota do rio Cuebe. Esta última estação foi alvo de uma escavação de Camarate França em 1952; consistiu esta na abertura de uma vala que cortou cerca de 70 cm de areias do rio até atingir o substracto rochoso. As areias que condnham os materiais arqueológicos eram de cor clara, contendo lendlhas carbonosas; todavia, não se verificou a presença de evidentes níveis estratigráficos, pelo que a escavação distinguiu três camadas arbitradas. Estas permitem seguir a evolução da indústria, que, da base ao topo, se foi progressivamente aperfeiçoando ; trata-se de um Magosiense típico minuciosamente des- crito por C. França. Aqui, baste-nos uma enumeração de alguns dos tipos presentes' núcleos discóides pequenos, com plano de percussão preparado; núcleos piramidais de lâminas, pontas sob-triangulares e lanceoladas, raspa- dores e raspadeiras, bulis, crescentes, triângulos e tra- pézios ; variadas outras peças sobre lamela e lâmina. . Finalmente, na zona Sudoeste, encontramos' no Oci(rio Cunene), uma jazida magosiense amém das anterior- mente referidas. Mas o que é sobretudo interessante é o aparecimento de toda uma ‹‹variante costeira» destas indús- trias de transição da ‹‹Middle›› para a «Latem Stone Age››. Esta fácies litoral está bem caracterizada nas Palmeirinhas, BREVE INTRODUÇÃO À BRÉ-HISTÓRIA DE ANGOLA. 161 aparecendo in .Rita na parte superior das areias argilosas que cobrem a plataforma de praia elevada de 20 metros, nitidamente articulável com as praias elevadas de 20-35 m. de S. de Carvalho e O. Davies. A indústria desta jazida utilizou como matéria-prima pequenos seixos de quartzo e ‹‹chert››, cuja superfície inicial conservou por vezes numa das faces dos artefactos; incluí: raspadores laterais sobre seixo, raspadeiras nucleiformes, raspadeiras, além de umas peças que J. Desmond Clark chama ‹‹Pebble Adzes›› e que se assemelham a pequenos núcleos díscóides, sem plano de percussão preparado, cuidadosamente retocados na periferia, mencione-se ainda numerosas peças utilizadas, e núcleos, preparados ou não, lascas e lâminas residuais, etc. Enfim, Clark considera que se trata de uma indústria do ‹‹Second Intermediate›› pelos seus núcleos preparados, lascas com talão facetado, lamelas e pequenos núcleos de lâminas, mas adaptada» ao ambiente e à matéria-prima que encontrou no litoral. E assim chegamos ao último período da Idade da Pedra, a ‹‹Later Stone Age››. É a época de desenvolvi- mento do Tshitolense nas áreas de floresta, caracterizado por seios afeiçoados bifaciais, raspadores, na maioria de pequenas dimensões, «core-axes››, trinchetes, além de variados outros tipos de peças. Surge também em - Morro das Pacatas-, Mavoio, Luanda, etc. Entretanto, no litoral a variante costeira continua a destacar-se, estando representada, seg. Desmond Clark, no concheiro de Benfica, a 17 km ao Sul de Luanda, o qual, num corte de estrada, mostrou ter 60 CM. de espes- sura, dos quais os 15 cm inferiores revelaram uma indús- tria da «Latem Stone Age» misturada com conchas de moluscos. Trata-se de peças de quartzo talhadas em seixos rolados, num conjunto pouco significativo, onde estão presentes raspadores, núcleos, pequenas lascas, etc. Mais recentemente, este cocheiro foi estudado por C. Ervedosa e Santos Júnior, como Se disse, os quais distinguiram, na estação, dois momentos de ocupação, atribuindo o primeiro a uma ‹‹Middle Stone Age» de fácies costeira, e relacionando o segundo com a edificação do cocheiro referido. Desmond Clark faz notar a ausência, nesta época e no Nordeste de Angola, de peças de tipo neolítico, parecendo poder concluir~se que a indústria tshitolense ‹‹epipaleo- 11 162 REVISTA DE GVIMARÃES lítica» aí persistiu até à chegada das populações do ferro. O que já é mais estranho, segundo Clark, é essa ausência de materiais neolíticos se verificar também no Noroeste, onde deviam surgir prolongamentos das fácies neolíticas i do baixo Congo, a norte. E refere-se a uma excepção ao facto, as peças reveladas em 1890 por Ricardo Severo. Da zona do Zambeze neste período, sabe-se muito pouco. Os materiais superiores de Menongue, microlí- ticos, parece sugerirem o Wiltonense. De vários locais, como o rio Cuengue, rio Xissoi, etc., provêm pedras com perfuração central; de Galangue, cinco machados polidos, possivelmente pertencentes já a um Neolítico da região, cujas raízes poderiam estar a norte, na zona do baixo Congo. Quanto à zona sudoeste, curiosamente não tem aparo tecido at, com a abundância que poderia esperar-se aten- dendo à sua ampla presença no Sudoeste Africano, o Wilton; todavia, tal pode dever-se à raridade das escava- ções, as quais, quando praticadas, revelaram já indústrias de tipo wiltonense, como, por exemplo, no Caninguíri (Mungo), e no Tchitundo-hulo (Virei), como veremos adiante. Mas a analogia com outras indústrias do Sudo- este Africano é também frutuosa, pois parece encon- trar-se em Angola prolongamentos de indústrias tardias do tipo da «Cultura de Erongo» (1), com lascas e lâminas de dimensões maiores, sumariamente retocadas. É ocaso de indústrias dos estratos superiores da gruta 1 da Leba, gruta que tem sofrido ao longo do tempo varia- das depredações, e onde Camarate França fez uma sonda- gem de resultados bastante significativos. Acrescente-se que os trabalhos foram retornados na gruta em 1973 e 1974, pela Universidade, revelando-se a sala 2 (2) propícia, apesar de todos os remeximentos, a análises estratigrá- ficas significativas; o material recolhido está em estudo. Desmond Clark descreve, desta estação, pedras utilizadas como piões, polidores ou para a moagem de cereais ; uma pequena pedra com perfuração central; um seixo

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(1) Também designada «cultura de Btandberg» ou «da Dama- ralândía››, que em Angola, seg. Ervedosa (1974), será atribuível aos Cuissís, povo vatua do distrito de Moçâmedes. (2) Segunda sala da gruta, a partir da entrada. BREVE INTRODUÇÃO À PRÉ-H1STÓR1A DE ANGOLA 163

afeiçoado unífacíalg raspadeiras nucleiformes; lascas várias, um fragmento cerâmico não decorado, e pontas de seta de ferro. Se estas últimas peças forem contem- porâneas das de pedra, então tratar-se-á, de facto, de uma indústria relativamente recente.

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Façamos um rápido balanço do que foi dito sobre a evolução cultural de Angola até à Idade do Ferro. já em 1959, Henri Breuil e António de Almeida tinham posto correctamente o problema da Pré-história de Angola, nestas palavras : ‹‹Nos materiais pré-históricos de Angola verifica~se grande diferença entre as indústrias setentrionais e meri- dionais: enquanto as do Norte se assemelham às dos conjuntos ‹‹florestais›› (...) e ostentam faces conguesas, as das jazidas, muito mais numerosas, situadas nas regiões sob-desérticas do Sul, descobertas por um de nós (A. A)., relacionam-se com as que o outro (H. B.) observou nas savanas sob-desérticas do contíguo Sudoeste Africano. Quer dizer que, se neste último território se encontram as velhas indústrias de bifaces comuns a toda a Africa, no Norte de Angola a Pré-história desenvolve-se no sen- tido das indústrias Sangoan e subsequentes da região da ‹‹Diamang›› e dos ex-Congos belga e francês(...).›› (1) A síntese de D. Clark de 1966 vem na sequência de tais noções. Segundo ele, as sociedades de caçadores primitivos da <‹Earlier Stone Age» teriam escolhido o seu habitat na periferia das florestas, desenvolvendo um Acheulense clássico, com utensílios de gume extenso, na costa e no Sudoeste; quando, porém, penfittafam nas regiões húmidas do Norte da Lufada, deixaram aí um instrumental diferente, com predominância de utensílios pesados. É a partir da ‹‹Middle Stone Age›› que as diferenças entre o Norte e o Sul surgem bem nítidas. O Lupembense,

. 0) Improdução à Pré-birtária de Angola, ‹‹Estudos sobre Pré- -hlstÓria do Ultramar Portug.», vol. 2, Lisboa, 1964, p. 159. 164 REVISTA DE GVIMARÃES I faces congolóide, especializou-se em «core-axes» (goivas ou cinzeis) e em pontas de projéctil; na área do Zambeze, I parece ter havido uma tradição Stillbay-Pietsburg que w estaria na origem do Magosíense; no Sudoeste, uma â ‹‹Middle Stone Age» indiferenciada seria a resposta a clí- mas mais secos, e antecederia as indústrias tipo Erongo ou Wilton. Assim, pois, a ‹‹Late Stone Age» teria, pelo menos em parte, mantido a diversificação das três áreas pré-históricas de Angola; O Congo com um Tshitolense ; O Zarnbeze, com um muito provável Wíltonense, e o Sudoeste com o Wíltonense e a cultura de Gongo. Compete agora aos arqueólogos angolanos a conti- nuação das pesquisas iniciadas pelos mestres estrangeiros citados, ampliando, corrigindo, ou alterando este pri- meiro esquema quando as suas observações o impuserem.

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relativamente longa exposição, . A terminar esta já uma breve nota sobre as estações de arte rupestre e da Idade do Ferro conhecidas em Angola, sem o que o pano- rama traçado ficaria muito incompleto; o autor voltará ao assunto com mais desenvolvimento noutros estudos, onde melhor caberão discussões de pormenor ociosas num trabalho geral de divulgação, como este. . A necessidade de tratar 8 parte o assunto da arte rupestre de Angola deriva da circunstância de ser muito difícil a datação destas manifestações artísticas, e sua rela- ção com o todo cultural em que se teriam integrado , aliás, O estudo sistemático da arte rupestre de Angola, quase toda esquemática e, ao que parece, raramente pré- -banta, só nos últimos anos foi iniciado por Santos Júnior e Carlos Ervedosa, de cujo labor resultaram numerosos decalques arquivados no Centro de Estunos de Antro- pologia da U. L., os quais, à medida que forem publicados, fornecerão contributos capitais ao panorama de conjunto. Este, baseando-nos em Santos Júnior, pode descrever-se considerando três grupos principais de estações de acordo com a sua distribuição geográfica: ‹‹Um a leste no distrito do , só com gravuras; outro a sul, junto da costa, BREVE INTRODUÇÃO À PRÉ-HISTÓRIA DE ANGOLA 165 no distrito de Moçârnedes, com gravuras e pinturas ; outro no centro, entre , Nova Lisboa e Silva Porto, distritos do Huambo e do Quanza Sul, com estações todas de pinturas» (1). O primeiro grupo é composto pelas gravuras rupestres de Capelo, Bambala e Calola, des- cobertas e descritas pelo Dr. José Redinha; o segundo grupo íntegra principalmente as gravuras do Tchipopilo (Camucuio, Vila Arriaga) e o complexo de arte rupestre do Tchitundo-hulo (Virei, Moçârnedes) , ao terceiro grupo pertencem as pinturas de Danda Zumba e Nhia Qui- nhengo (Quibala), as do concelho do Ebo (Quanza Sul), as de Éuè ia Sinèuio (concelho de , entre a Cela e o Alto Hama), as do Monte Luve (concelho do Bimbe), as do abrigo do Caninguíri (Mungo), e as de Galanga (3 abrigos). Mas o carácter puramente convencional, embora útil para uma primeira visão de conjunto, destes grupos geográficos, patenteia-se na mais ampla mancha definida por outras estações por ora isoladas: tal é o caso das pinturas da região do , das gravuras rupestres da gruta do Musseque (Alto Chicapa), das gravuras rupes- tres de Montenegro (margem direita do Cunene), das pinturas do abrigo 1 da serra do Hôndío (Ganda), das pinturas da gruta da Chitandalucua (Dombe Grande), etc. De todas estas estações pode, por ora, destacar-se o abrigo com pinturas do Caninguíri (Mungo, distrito do Huambo), grande painel de cerca de 20 metros de extensão por aproximadamente 4 metros de altura, no qual se destacam motivos pintados a branco (predominantes), vários tons de vermelho, e amarelo oca. Os temas são muito variados, desde os geométrico-simbólicos até aos antropomórficos (realistas, sei-esquemáticos e esquemá- ticos) e animalísticos (realistas e sei-esquemáticos). Feitas sondagens no solo do abrigo, foram encontrados materiais de feição microlítica atribuíveis a uma «Latem Stone Age››, e, mais especificamente, ao Wilton (S. Júnior e C. Erve- dosa); entretanto, datações pelo C 14 permitidas pela aná- lise de carvões recolhidos nessas escavações situam os estratos da estação entre 7.840 + 80 e 10.410 + 90 anos. Serão igualmente antigas as pinturas? Os autores que

. (1) «Arte rupestre cm Angola››, p. 20; 166 REVISTA DE GVIMARÃES as estudaram pensam afirmativamente. Digno também de menção especial é o complexo de pinturas e gravuras do Tchitundo-hulo (deserto de Moçâmedes), composto de I dois abrigos com pinturas e três estações de ar livre com gravuras, das quais a principal é o grande ifuelberg granítico do Tchitundo-hulo Mulume, que poderá conter cerca de 2 mil insculturas. A técnica destas gravuras é, na maior parte, a da picotagem. Surgem isoladas ou em grupos, e são predominantemente geométrico-simbólicas ; há algumas representações de animais (antílopes, um chacal, ofídíos, seg. Santos Júnior) e, pelo menos, o que cremos ser uma figura humana, por nós observada. De estilo geométrico são igualmente as pinturas do abrigo que se abre na vertente noroeste deste morro, estudadas por C. Ervedosa, que também praticou uma escavação nos depósitos que cobrem parte do solo rochoso do I abrigo, tendo encontrado várias camadas, sendo as infe- I riores atribuíveis ao wiltonense, com micrólitos e contas de colar feitas de casca de ovo de avestruz; a mais pro- funda destas foi datada pelo C 14 de 2.596 + 53 anos. As camadas superiores prece poderem relacionar-se com a «Damaraland Culture››. A concluir esta alínea, diga-se que é necessário, no campo da arte rupestre de Angola, que se continue a realizar prospecções e a publicar o ‹‹corpus›› das estações ; e, por outro lado, que se intensifiquem escavações arqueo- lógicas nestes locais, procurando estabelecer o contexto dos mesmos, como se fez, por exemplo, no vizinho Sudoeste Africano (1).

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Está ainda igualmente muito pouco estudada a Idade do Ferro em Angola, mas sabemos ser de introdução muito recente, isto é, possivelmente durante a segunda metade do primeiro milénio da nossa era. Todavia, o processo de n- (1) V. W. E. Wendt, «Preliminary Report on an Archaeo- log1caI› Research Programme in South West Africa››, ‹‹Cimbebasia››, sé. B-Vol. 2, n.° 1, 1972. BREVE INTRODUÇÃO À PRÉ-HISTÓRIA DE ANGOLA 167 difusão da tecnologia do ferro em Angola é complexo, com vários caminhos prováveis, de cronologia quiçá diferente. Uma das vias de penetração da metalurgia deve ter sido a bacia do Zambeze, pois ao longo de todo o vale deste rio, para leste, aparecem fornos de fundição muito semelhantes aos observados no interior de Angola (Alto Zarnbeze), por Redinha, Vicente Martins, e outros. Os fornos ,da região da Lufada, de Malange e do Moxico, pertencem já 1, outra tipologia, mais relacionada com o Zaire, portanto, com outra área de influência e de possível penetração. A tradição oral da Lufada pouco nos diz para uma possivel datação: a maior parte das tribos aí-irma terem sido os Bapendes a ensinar-lhes a tecnologia do ferro. Profundamente diferente das culturas do ferro da Lufada é a do Centro-Sul de Angola, de cerâmicas muito menos elaboradas, e onde nos surgem os conhecidos amuralhados totalmente inexistentes no Nordeste (aí, ocorrem recintos defensivos definidos por um fosso , a utilização de fossos, aliás associados a muralhas, surge também na área de Nova Lisboa, Cuíma, na importante estação do Fé ti). Nas zonas de paisagem com inste/berge, como em Nova Lisboa, zona do -Ganda, etc., aparecem tipos de fortificações originais, quase inacessí- veis por vezes, instaladas no alto desses montes-ilhas, tradição que ainda se manteve até ao nosso século, como se documenta pela luta das «Pedras do ››, nos arredores de Nova Lisboa, e de que viajantes e etnó- grafos nos dão também testemunho. A Universidade iniciou recentemente (1973) o estudo destes inrelberge fortificados, na região da Ganda, tendo encetado esca- vações no povoado fortificado da Quitavava, onde existem cerca de 500 estruturas de fundos de cubara, asso- ciadas a escórias de ferro, um fragmento de tubo de fole de ferreiro (algaraviz), abundantes cerâmicas, lisas ou com decoração incisa ou impressa, e numerosas peças liticas, incluindo seixos afeiçoados de aspecto muito pi‹ mitivo por vezes. A 5 km para norte desta estação, o insal- berg fortificado da Pumbala é uma verdadeira amostra da variedade dos padrões decorativos das cerâmicas desta cultura. Na área foi também estudada uma oficina de fundição do ferro, estratigraficamente associada ao talhe de peças de quartzo de tom geral rnicrolítico, embora atípicas. É o conhecido «abrigo 1» da Ganda, ponto de 168 REVISTA DE GVIMARÃES partida das prospecções e escavações realizadas nesta importante região arqueológica, onde recentemente se descobriu mais um amuralhado (Um ata, Serra do Indongo) e um ire/Éferg fortificado, o do Lumbi (área da Babaera). ., É já clássico o pequeno artigo de A. de Almeida e Camarate França sobre os recintos muralhados do Oci (uma das maiores estações deste género conhecidas em Angola, com um perímetro de cerca de 9 km.) ; esse trabalho refere-se aos amuralhados de Galangue, angola, etc., etc. Todavia, até hoje nenhum estudo pro- fundo de escavação foi realizado nestes povoados, tra- balho extremamente moroso e incompatível com espora- dicas perrnanências nos locais. Assim, pouco sabemos sobre um dos aspectos mais interessantes da Pré-história de Angola. Mas estamos certos de que os futuros diri- gentes deste novo país africano compreenderão a impor- tância do estudo deste e doutros aspectos da sua história, na formação de uma consciência nacional moderna. Libertar um país da tradição colonial e reconstruir cienti- ficamente a sua história (em grande medida recorrendo à arqueologia pré-histórica), eis, a nosso ver, duas tare- fas profundamente solidárias.

Novembro de 1974

I BREVE INTRODUÇÃO À PRÉ-HISTÓRIA DE ANGOLA 169

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at š Fig. 2 -jazida paleolítica do Munlvino (Huíla) : um aƒpecío. «Aáfiddle Stone Age» provável.

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Fig. 3 - Gruta 7 da Leça (Humpata), vista do exterior. Fig. 4 -.Mina Munguanbø II (Lenda, NE Angola), uma jazida lupembo-Lrbítolenre Fig. 5 Bzface de tzpo aí/aeulensø da região da Huíla (Museu da Huíla, Sá da Bandeira) Fig. 6 - Pintura; do tecto de um dos abrzzgos da complexo do Tcbitundø- -bula (Tá/Jitundo-/øulo mamã) -Pormenor (Víreis, Moçâmedes) /-

Fig. 7 - Gravura do Tøbitundo-bula mulume ( Vires, Moçâmederj ......

Fig. 8 -Pintura: esquemdticax do abrigo Í da :erra do Hôndio (Gania) OX v ox A . ras: . , ..zé.,.¿. . . , ;'¢k ~~w finêaâaâazeâazâeâ

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Fig. 9-.S'obreoi1›êncía de técnicas da I. da Pedra (Tsbitolense) : talhe de ‹‹_pedemeíra.r›› e de ponta: de .reia por um artesão da Lenda (NE Angola) ......

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Fig. 10 - Abrigo 1 da Ganda, uma oficína de fundição de ferro e do tal/Je da pedra, vendo-.re uma sondagem Praticada por amadores.

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Fig. 11 -Àluralba: do Óøí (Vila Folgares, dixt. da Huíla)

Fig. 12-*Mum1/Ja: do E/éu (jan), vista: do exterior (Pormenor). Repare-Je nas duo: ‹‹:eteíroJ››, no grande: pedras do boxe, e na dí:_po.rí;:ão «em conto» dos pedro: superiores Fig. 13¬ Pormenor do poooadofortzficado da Qzcitaoaoa (Ganda) , durante as escaoacões de Agosto de 7973, vendo-se um núcleo de fundos de czzbaía circulares.

Fig. 14 - Fragmeníor de vam: decorado: da Qzlitavava (Ganda) .

(Foto: do autor)

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