DOSSIÊ

GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDUAIS1

Introdução JORGE VENTURA DE MORAIS* sua concepção sociológica a respeito dos atores sociais, bem É comum encontrarmos, JOSÉ LUIZ RATTON JÚNIOR** na obra de Gilberto Freyre a como a articulação do nível da microagência com os proces- descrição e análise de um fe- RESUMO nômeno de ordem macrosso- Este artigo analisa, a partir dos escritos de sos macrossociais mais amplos. Gilberto Freyre sobre o futebol, a articulação ciológica intercalado por re- metodológica entre trajetórias individuais de Examinamos também os pro- grandes jogadores ( da Silva, Domingos ferências a pessoas concretas da Guia, Pelé e Garrincha) com processos blemas teóricos e metodológi- sociais mais amplos: a ascensão do negro na de carne-e-osso2, pessoas estas sociedade brasileira através do futebol e as cos envolvidos nessa operação relações entre as culturas nacionais e as distintas que exemplifi cariam, ou an- formas de praticar o futebol. de redução dos processos ma- PPalavras-chave:alavras-chave Gilberto Freyre, futebol, tes, demonstrariam a existên- trajetórias individuais, processos sociais. crossociais ao âmbito micros- cia do fenômeno sob análise. social, assim como o problema ABSTRACT reverso que é o da agregação de As biografi as de tais pessoas, Based on Gilberto Freyre discussing about football, this article analyses methodological biografi as diversas a um fenô- que Freyre invoca constante- articulation between individual pathways of major players (Leônidas da Silva, , meno macrossociológico3. mente, seriam sufi cientes para Pelé and Garrincha) with wider social processes: the rise of Black people in society through football Dessa forma, como em evidenciar a concretude do fe- and the relations between national cultures and different ways to practice football. mais de uma obra Freyre lan- nômeno macrossocial referido. KKeywords:eywords Gilberto Freyre, football, individual ça mão de exemplos extraídos Considere-se, como ilustração pathways, social process. * Professor do Programa de Pós-Graduação em de percursos individuais para disto, o fenômeno da “ascensão Sociologia/Núcleo de Estudos e Pesquisas em Sociologia do Futebol, da Universidade Federal ilustrar a confi guração e a di- do bacharel e do mulato”. Para de Pernambuco (UFPE). nâmica de um determinado provar sua tese, Freyre recorre ** Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia/Núcleo de Estudos e Pesquisas fenômeno social, podemos de- a diversos personagens de nos- em Sociologia do Futebol/Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência linear o foco deste trabalho: in- sa história – sendo Gonçalves e Políticas Públicas de Segurança, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). vestigar a construção dos tipos Dias, o famoso poeta român- e das trajetórias de vida indivi- tico, o seu exemplo mais cons- duais, sua relação com os processos macrossocioló- tante – e faz referência a episódios de suas vidas que gicos e os problemas de redução e agregação na obra ilustrariam o fenômeno social mais geral. Esta opera- de Gilberto Freyre, no que se refere aos seus escritos ção teórico-metodológica também aparece nas análi- sobre o futebol. ses que Freyre fez do futebol jogado no Brasil. 1. O problema agência-estrutura, as ligações É com relação a estes escritos – compostos de al- micro-macro e a obra de Gilberto Freyre guns artigos de jornais, o famoso prefácio à obra de Rodrigues Filho (2003) e passagens esparsas em al- Pode-se afi rmar que o tema da relação agência- gumas de suas obras mais famosas – que analisamos -estrutura é um problema central das ciências sociais,

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 8899 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDUAIS

especialmente da sociologia. Com efeito, a forma de Estado português e de suas instituições, da formação entender a relação entre esses dois pólos tem preo- social brasileira”. Isto está admiravelmente posto em cupado várias gerações de pensadores na sociologia, Casa-Grande & Senzala e em Sobrados e Mucambos desde os clássicos até a sociologia contemporânea. (cf. ALBUQUERQUE, 2000, p. 46; SAMARA, 2003; Grosso modo, pode-se identifi car duas posições: SKIDMORE, 2003, p. 48). Por outro lado, é igual- o coletivismo metodológico e o individualismo me- mente claro que os processos de institucionalização todológico. No primeiro caso, apesar de os indivíduos se dão por intermédio dos indivíduos, vistos por serem os “portadores” da ação, a eles se atribui pouca Freyre não somente como conformados por tal pro- importância analítica, uma vez que grupos, classes e cesso, mas também como portadores, no sentido de instituições representam a concretude dos fenôme- serem agentes ativos, dos costumes e dos valores, já nos sociais, estes sim merecedores da atenção dos que, segundo ele, sociólogos. Em contrapartida, no caso do individua- lismo metodológico, sem que isto signifi que abraçar A pessoa humana, o homem social ou o socius se afi rma não só conservador da uma visão atomista, há a crença de que todos os fe- herança cultural que lhe é comunicada nômenos sociais, em princípio, podem ser reduzidos pela geração anterior, como assimilador de analiticamente à instância dos indivíduos. culturas de outros grupos que entrem em Quanto a Gilberto Freyre, muitos argumentam contato com o seu, e, ainda – sendo maior que, por estar interessado no “homem concreto, de sua potencialidade – um criador, pelo que carne e osso”, sua análise sociológica mostraria uma acrescente, sozinho ou com poucos outros, à herança do seu grupo ou à cultura de seu “face” mais compreensiva, por dar atenção ao deta- tempo (FREYRE, 1957, p. 121; cf. também lhe e à especifi cidade das vidas, das culturas, dos es- pp. 114, 119, 120, 122, 526, 631, 635 e 636, paços geográfi cos etc. Há, neste tipo de argumento, entre outras).5 a sugestão de que a sociologia de Freyre faria pouco uso de tipologias e classifi cações tendo em vista esse Por isso, qualquer estudioso familiarizado com a “lado mais humano” (cf. ALBUQUERQUE, 2000). obra de Gilberto Freyre sabe que a análise que ele faz Porém, embora o foco analítico deste trabalho sejam da “história da sociedade patriarcal no Brasil” é far- as relações entre processos sociais e seus componen- tamente ilustrada por trajetórias de vida de indivídu- tes microssociológicos na obra de Gilberto Freyre, é os, por assim dizer, concretos. Skidmore afi rma que também nosso objetivo chamar a atenção para o fato “Casa-Grande & Senzala não possuía uma história de que a análise que este autor faz dos atores sociais ou acontecimentos dramáticos, heróis ou vilões. Na não está desprovida de categorizações e do uso de verdade, havia poucos indivíduos identifi cáveis em tipologias4. suas seiscentas páginas” (2003, pp. 56-57). Contudo, É quase consenso apontar a família como a se a sociologia histórica de Freyre não é uma narra- unidade analítica que percorre a obra de Gilberto tiva de heróis6 e grandes feitos, um processo de exer- Freyre, o que, aliás, o próprio autor afi rma em mui- cício teórico-metodológico se inicia claramente em tos momentos, pois, nas palavras de Souza (2003, p. Sobrados e Mucambos e continua, de forma marcante, 70), “a família é a unidade básica, dada a distância do em Ordem e Progresso (cf. OLIVEIRA, 2003), no qual

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 9900 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 JORGE VENTURA DE MORAIS e JOSÉ LUIZ RATTON JÚNIOR

as trajetórias de vida individuais ganham relevo na Nabuco, de Oliveira Lima, entre outros, aparecem explicação de processos macrossociais. No dizer de constante e recorrentemente para ilustrar processos um intérprete, Freyre macrossociais impessoais, evidenciando a metodolo- gia esboçada por Freyre na Introdução à segunda edi- [...] articula o homem a sua situação e ção de Sobrados e Mucambos. A utilização de biogra- procura compreendê-lo a partir de suas vivências [...]. Capta nessas vivências inter- fi as aparece também na análise que Freyre faz, nesta -relações, interações, interferências, com- mesma obra, da relação entre o pai e o fi lho. plementaridades, oposições, antagonis- Em relação ao livro Ordem e Progresso, esse pro- mos, confl itos que escapam por entre os cesso torna-se mais evidente pela metodologia de “de- dedos de tantas disciplinas encarceradas poimentos pessoais” empregada por Freyre (1959a, (ALBUQUERQUE, 2000, p. 48). pp. XIX-CLXIX, mais especialmente, pp. LXXXVI- Com efeito, na descrição e na análise da “deca- CXVII; 1959b, p. XLIV). dência do patriarcado rural e desenvolvimento urba- É importante destacar que esse tipo de “história no” – subtítulo de Sobrados e Mucambos –, ao consi- oral” (cf. FARIA, 1998, p. 145; OLIVEIRA, 2003, p. derar os fenômenos sociais e os diversos fatores ou 141) não se refere somente a percepções dos atores variáveis envolvidos, Freyre procura constantemente sociais entrevistados acerca dos processos sociais por ilustrá-los, recorrendo a passagens da vida de indiví- eles vividos, mas também – ou, talvez, principalmen- duos que ele conheceu ou que tiveram uma vida in- te – a suas trajetórias de vida, à moda de uma auto- tensa e publicamente ligada ao fenômeno analisado. biografi a, dado o nível de detalhamento do questio- Nesta obra, o sociólogo pernambucano levanta nário proposto por Freyre. Tanto isso é verdade que a questão em termos puramente teórico-metodológi- alguns se recusaram delicadamente a responder ao cos, conforme se observa no trecho a seguir: questionário com o argumento de que, se o preen- chessem, estariam antecipando as memórias que pre- Para acompanharmos a degradação dos tendiam publicar (cf. FREYRE, 1959a, p. XLIII). Para valores menos visíveis, característicos da Freyre, a personalidade tem um componente coleti- poderosa instituição, é que necessitamos de vo, ou seja, o agente social expressa, além de suas ca- estudá-la nas suas intimidades mais sutis e esquivas [...]. Elas precisam de ser estuda- racterísticas irredutivelmente individuais, a cultura, das em nós mesmos ou nos nossos avós – os costumes, os valores e a história da sociedade em produtos e refl exos, ao mesmo tempo que que viveu. Nesse sentido, o autor afi rma, por exem- animadores, e não apenas portadores, da plo, que seus “apontamentos autobiográfi cos [são] instituição. Nas pessoas, e não apenas nas menos referentes a Félix, indivíduo isolado..., [e mais] formas impessoais em que histórica e so- ao Cavalcanti, chefe de família patriarcal” (1959b, p. ciologicamente se objetivou ou materiali- zou o patriarcado no Brasil (1951b, p. 46). CVI, cf. também, 1968a, pp. 51ss.). A análise dos pro- cessos históricos de mudança social, segundo Freyre, É nesse sentido que as trajetórias de vida, passa necessariamente pela ação dos agentes sociais, por exemplo, do Padre Ibiapina, do “velho” Félix e esta ação só pode ser capturada pelo método que ele Cavalcanti de Albuquerque Mello, de Joaquim denominou de empático7, o qual pode ser sintetizado,

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 9911 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDUAIS

nas palavras do autor: teórico-metodológica segundo a qual,

(...) Daí, para a interpretação de uma épo- Não será um simples esforço de empatia ca, não ser sufi ciente o analista dela, des- projetar-se um indivíduo de hoje nos mo- dobrado em intérprete, familiarizar-se tivos de ação e de comportamento de um com o que no seu decorrer foram fatos; ou indivíduo de área e época diversas da sua, apenas valores-coisas. É preciso que ele se mas um esforço em que a empatia precisará torne quanto possível íntimo das relações de ser acompanhada o mais possível de co- entre essas pessoas e esses valores; entre nhecimento dos antecedentes e valores de as pessoas e os valores imateriais; entre as cultura que, na pessoa remota ou distante pessoas e os símbolos mais característicos que se procure estudar sociologicamente da época [...]. Daí ser-lhe necessário bus- – um Antônio Conselheiro, por exemplo – car penetrar a realidade social através do tenham se interiorizado se não no seu eu – estudo direto de pessoas tomadas isolada- o que tenderia a particularizar todo esforço mente (biografi as) ou em interação com de compreensão de tal pessoa em biogra- outras (biografi as sociológicas) [...] (1959a, fi as – no seu ‘nós’ psicocultural e histórico- p. XXXII). -regional [...]. Seriam considerados, por- tanto, ao mesmo tempo, “instintos”, valores Assim, longe de fazer um mero exercício de ad- suscetíveis de interiorização e variação in- miração pelo biografado, Freyre dedicou parte razo- dividual e normas do grupo ou da época ável de sua obra intelectual à reconstrução das vidas inteira. Que todos formam o “nós” de um de pessoas por ele consideradas chave para a compre- grupo ou fi gura de uma geração que não se ensão de certos processos sociais pelos quais o Brasil avalie a si próprio – e aja dentro dessa auto- -avaliação – tendo por ponto de referência passou ou cujas autobiografi as ou simples anotações as normas de sua sociedade particular ou lhe pareceram de extrema importância para compre- de seu tempo (FREYRE, pp. 514-515).9 ender os processos macrossociais8. Vale lembrar as obras – na verdade poderíamos chamá-las de extensas No entanto, talvez seja em uma obra relativamen- introduções – referentes a Vauthier (1960), Oliveira te desconhecida no Brasil, intitulada Contribuição Lima (1968c), Félix Cavalcanti (1959b), Euclydes da para uma sociologia da biografi a (1968a)10, que Freyre Cunha (1944), entre outros, no contexto de sua pos- leva a cabo, a nosso ver, uma análise magistral – em tura metodológica: meio aos fl oreios verbais de que tanto gostava – da interação entre biografi a individual e processos ma- A pessoa social, ou humana, ou simples- 11 mente pessoa, é o resultado de processos crossociais . Neste trabalho, o autor analisa a vida do sociais e de cultura anteriores ao apareci- capitão-general Luiz de Albuquerque, governador da mento do indivíduo e sobreviventes ao seu província de Mato Grosso no fi m do século XVII. desenvolvimento individual ou puramente Luiz de Albuquerque, um nobre português, físico-químico e biológico no espaço e no que, tendo se destacado na luta contra os espanhóis, tempo (FREYRE, 1957, p. 120). foi enviado ao Brasil para administrar aquela inós- Isto porque, em obra de cunho mais teóri- pita província, que estava ameaçada pelas incur- co, Freyre, seguindo Hadley Cantril, aceita a regra sões dos espanhóis. Durante o seu governo, Luiz de

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Albuquerque, além de obras notáveis de engenharia existência mais històricamente signifi ca- (por exemplo, a construção de fortes com materiais tivo [...], contribuiu para a ampliação de trazidos da Europa em barcas através de rios parca- uma autobiografi a colectiva antes dele já em desenvolvimento: a da transformação, mente navegáveis), também promoveu festas e saraus no espaço e no tempo, do homem ape- e recolheu vasto material sobre a fauna e a fl ora do nas português em homem luso-tropical Novo Mundo. (FREYRE, 1968a, p. 49; cf. também pp. 53, Para Freyre, este capitão-general representa um 72-73). tipo sociológico por excelência do que ele chama ho- mem luso-tropical. Freyre, então, vasculha as anota- Nesse sentido, Freyre considera ser Luiz de ções – uma espécie de diário – deixadas por Luiz de Albuquerque um tipo sociológico privilegiado para Albuquerque. E o interessante é que antes de empre- a análise do fenômeno macrossocial do luso-tropi- ender a análise, Freyre abre o livro com uma epígrafe calismo, pois que o capitão-general representava, ao retirada de A imaginação sociológica, de C. Wright mesmo tempo, um Albuquerque; um hispano ou ibé- Mills: “a imaginação sociológica [...] nos permite rico; um português fi dalgo, católico e – contradição compreender a história e a biografi a, e as relações en- – pombalino; um ofi cial-engenheiro do Exército por- 12 tre as duas dentro da sociedade” . tuguês etc. (FREYRE, 1968a, p. 54). E acrescenta que No entender de Freyre, o seu estudo deste ofi cial português

Com esse material [as anotações de [...] pretende sugerir de Luiz que ele teria Albuquerque], além de autobiográfi co, sido parte de um processo històricamente histórico, supõe o Autor [Freyre] ter reu- sociológico ou sociològicamente histórico, nido, não só dessa fonte como de arquivos em que a sua personalidade teria funciona- públicos [...], um conjunto de informes do, repetindo outras do mesmo tipo: a de sociològicamente signifi cativos que con- português fi dalgo em acção construtiva no corram para uma ‘autobiografi a colectiva’, de tipo como que weberianamente ‘ideal’..., trópico (FREYRE, 1968a, p. 99). do homem português e, neste caso, trans- formado – ou em fase aguda de trans- Adiante, reafi rma, ainda de forma mais clara: formação, como foi a aventura de Luiz de É talvez o que mais se deva distinguir na Albuquerque em Mato Grosso – em ho- personalidade e na acção que Luiz desen- mem luso-tropical (1968a, p. 29; cf. tam- bém p. 97). volveria [...]: o facto de nessa personalida- de e nessa acção terem-se juntado a cons- No entanto, Freyre, além de falar em “tipo como tantes de português velho assimilações de que weberianamente ‘ideal’”, refere-se também a Luiz técnicas e saberes norte-europeus, novos e até novíssimos, por ele postos a serviço de de Albuquerque como um tipo vasta empresa luso-tropical, iniciada sob a [...] simbólico e, por conseguinte, como mesma congregação de actividades: a mi- indivíduo que, pelos seus característicos litar, completada pela técnica; a religiosa, de personalidade e pelos seus actos e seu completada pela científi ca; a intuitiva, pela comportamento durante o período de sua racional (FREYRE, 1968a, p. 127).

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2. Micro e macro na sociologia: individualismo explicações não do mesmo objeto, mas de dois objetos metodológico, redução e superveniência completamente separados. Teríamos, portanto, duas

A discussão que vimos empreendendo nos per- explicações irredutíveis, e a microrredução falharia. mite, agora, fazer uma relação com um tema aparen- Esses autores não negam que os objetos têm microex- temente distante das preocupações freyrianas: a arti- plicações ou microfundamentos, mas defendem que culação entre os níveis micro e macro da explicação as explicações no nível micro constroem seus obje- social. Em que medida podemos supor que existe, tos de forma diferente, não competindo, assim, com em Gilberto Freyre, um tipo de explicação dos fenô- as explicações no nível macro. As microexplicações menos sociais que está relacionado a esse problema seriam incapazes, portanto, de ameaçar a autonomia metodológico? das macroexplicações. Podemos partir da perspectiva de um posiciona- Bhargava (1992) chega a afi rmar que uma visão mento metodologicamente individualista. O indivi- pragmática nos mostra que uma explicação que pos- dualismo metodológico deve ser compreendido aqui tula uma relação entre fatos existentes completamen- em sua vertente explicativa, ou seja, uma forma de re- te independentes dos indivíduos que os analisam não ducionismo, uma injunção para explicar fenômenos existe. A explicação tem um componente do qual não sociais complexos em termos de seus componentes se pode escapar: é construída com propósitos epistê- individuais, tanto quanto a biologia tenta explicar os micos específi cos. fenômenos celulares em termos dos seus componen- O argumento pragmático afi rma que tanto o não- tes moleculares (ELSTER, 1983). individualista quanto o individualista têm razão ao Este tipo de reducionismo levar-nos-ia a explicar afi rmar que as explicações causais são indispensáveis. fenômenos complexos de forma simples. O reducio- Outro tópico de especial relevância no debate nismo, portanto, seria a mais importante estratégia sobre o Individualismo Metodológico, como projeto da ciência, tendo levado ao surgimento de discipli- de redução, é a questão posta por Bhargava a respeito nas como a biologia molecular e a físico-química. de indivíduos típicos ou efetivos (particulares) como No entanto, no âmbito das ciências sociais, é preci- unidades de redução de fenômenos sociais típicos ou so concordar com Jon Elster e admitir que estamos efetivos. longe de uma psicologia social ou de uma sociologia Esse autor defende a idéia de que reduções de- psicológica que tenha conseguido efetuar uma redu- vem envolver indivíduos típicos, não qualquer con- ção completa. Não haveria objeções a essa redução, junto de indivíduos que, em algum momento, partici- mesmo que, contemporaneamente, ela só possa ser pam da construção de uma entidade social em ques- parcial (ELSTER, 1983)13. tão. Todas as microrreduções estariam referidas a Uma outra linha de argumentação, proposta entidades típicas em diferentes níveis de generalidade por Garfi nkel e Papineau (apud BHARGAVA, 1992), e não diriam respeito a quaisquer entidades particu- pressupõe que as explicações macro e micro têm lares que, em um determinado momento, constituem objetos diferentes. O princípio da microrredução – a macroentidade. Uma explicação em termos de tais para cada objeto existem duas explicações, uma re- entidades particulares, chamada de microexplicação, duzida à outra – não é possível porque resultaria em poderia ser válida, mas não seria uma microrredução.

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Segundo Bhargava, a microrredução deve en- sem os perigos da redução radical. Ao contrário da cerrar uma explicação em termos de indivíduos que tese radical, podemos conviver com o fato de que os conformam um fenômeno social típico e não envolve fenômenos sociais têm superveniência sobre os fenô- a explicação de entidades sociais particulares. menos individuais, mas isto não implica que os con- Tomemos um exemplo no campo das ciências ceitos e as explicações sociais necessitam de redução

naturais: a relação água-H2O. Parte-se do suposto de a conceitos e explicações no âmbito individual, que que existem diferenças entre amostras específi cas e transformem em exigência metodológica a redução, amostras típicas de água. Qualquer amostra particu- que é uma estratégia analítica, mas não exclusiva. lar de água contém um grande número de impurezas. Essa breve discussão sobre o individualismo me- Então, uma amostra particular de água nunca poderá todológico e alguns de seus desdobramentos – a redu- ser identifi cada com os constituintes “originais” da ção, suas possibilidades e seus inconvenientes – deve água. Se, analogamente, imaginamos todos os atribu- ser conectada com a obra de Gilberto Freyre. É certo tos contingentes dos indivíduos, um grande número que sua obra é pródiga em utilizar as trajetórias de in- de “impurezas” também ocorrerá. Então, a redução divíduos concretos para ilustrar processos de mudança da entidade social para esses indivíduos efetivos po- social: políticos, proprietários rurais, médicos, advo- derá não funcionar nem ser desejável. gados, padres, jogadores de futebol etc. são elementos Uma objeção plausível a esta discussão é que, no constituintes da narrativa analítica freyriana. Assim, a mundo social, não existem dois indivíduos iguais, o questão central que se anuncia é: em que medida a uti- que tornaria a redução, através de elementos típicos, lização de biografi as e de trajetórias de vida individuais aparentemente, problemática. Em outros termos, os insinua uma posição metodologicamente individualis- componentes psicológicos dos indivíduos podem va- ta ou mesmo um projeto de redução? Ou haverá, me- riar de uma forma que não seria captada pela atri- ramente, a descrição de processos sociais “ilustrados” buição de elementos psicológicos típicos (os micro- por trajetórias individuais, o que confi guraria a apro- componentes) a eles. Assim, nas ciências sociais, esta ximação com a idéia de superveniência proposta por diferença pode ser signifi cativa, pois a substituição Little? A utilização de indivíduos históricos concretos dos atributos “encontrados” pelos típicos pode mudar permite a afi rmação de que a obra de Freyre tem a pre- a identidade de um indivíduo humano. Haveria di- ocupação de fundamentar, no âmbito da ação indivi- ferenças até entre um conjunto de propriedades típi- dual, processos sociais mais amplos? cas e todas as propriedades, as quais apenas de modo Tais questões servirão como referência para o contingente pertencem a indivíduos. desenvolvimento da análise que faremos de parte da À guisa de fi nalização deste tópico, nos parece obra de Gilberto Freyre referente ao futebol. útil inserir no debate o conceito de “superveniência”, 3. Os fenômenos macrossociais no futebol e como proposto por Little (1991). A idéia deste autor os heróis futebolísticos de Gilberto Freyre é que fenômenos sociais têm superveniência sobre as ações e as crenças individuais, permitindo-nos absor- A análise sociológica de Freyre é pautada por ver a exigência de que os fenômenos sociais são com- uma recorrente operação metodológica, qual seja, a pletamente dependentes dos conjuntos de indivíduos, articulação dos processos sociais mais gerais com a

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 9955 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDUAIS

vida concreta de alguns personagens da história bra- patriarcalismo rural, a questão do abastecimento de sileira. Ora ele invoca a vida de Joaquim Nabuco, ora víveres é tratada como um fenômeno em si. Se pen- a do Pe. Ibiapina, ora a de outros personagens. No sarmos no esquema: que se refere às suas teses mais gerais sobre o futebol, processo macrossocial→processo cita Leônidas, Garrincha e Pelé. mesossocial→processo microssocial, Freyre trata de um processo macrossociológico veremos que Freyre não trabalha dentro des- extremamente complexo dado o número – inferimos sa lógica, mas de forma que os dois níveis de maior – de variáveis envolvidas. Note-se que é o próprio abrangência analítica, independentes entre si, são co- Freyre que, teórica e metodologicamente, aumenta a nectados às biografi as de personagens concretos. A complexidade do problema ao chamar a atenção do vida do velho Félix ilustra simultaneamente os pro- leitor para os aspectos culturais e psicológicos, além cessos meso e macrossociais sem que façam parte de dos fatores econômicos, envolvidos. Mesmo assim, uma operação teórico-metodológica, como ilustrado sua análise indica uma passagem direta e imediata no fl uxo macro-meso-micro aludido. desse plano mais geral para a esfera da vida concre- Um outro fenômeno interessante analisado por ta: a do velho Félix Cavalcanti. Nesse sentido, pare- Freyre é o cenário cultural nesse período de transi- ce haver a crença de que indivíduos concretos – não ção tratado em Sobrados e Mucambos. No processo de abstratos ou típicos – são portadores dos processos decadência do patriarcalismo rural brasileiro, Freyre sociais. Em outras palavras, o processo social mais ge- atribui um peso considerável ao fato de os valores des- ral e, de certa forma, abstrato, que é a decadência do sa estrutura social começarem a se desagregar, graças patriarcado rural, revela-se em sua inteireza na vida ao surgimento de novos valores culturais, eminente- do patriarca decadente que foi o velho Félix. A trans- mente urbanos, cultivados pelos novos bacharéis de posição do nível macro para o nível micro é direta, formação cosmopolita, isto é, européia. Com efeito, sem intermediações. Porém, há de se atentar para o Freyre acentua que a decadência do patriarcado rural fato de que Freyre faz uma análise à parte de outros não se deve somente à decadência de um tipo de eco- fenômenos sociais que, na realidade, estão subordi- nomia baseada na escravidão, mas também ao cresci- nados ao processo macrossocial. Afi rma nosso autor: mento dos centros urbanos e ao surgimento de uma classe burguesa, de novas profi ssões e da ascensão dos O regime de economia privada dos sobra- bacharéis, muitos deles mulatos. Como muitos desses dos, em que se prolongou quanto pôde a antiga economia autônoma, patriarcal das novos personagens tiveram formação acadêmica em casas-grandes, fez do problema do abas- importantes universidades européias (Montpellier e tecimento de víveres e de alimentação Coimbra, principalmente), trouxeram consigo valo- das famílias ricas, um problema de solu- res socioculturais correntes no cenário cultural euro- ção doméstica ou particular [...] [foi] o peu de então. caso de Félix Cavalcanti de Albuquerque (FREYRE, 1951, p. 363). Assim é que muitos dos nossos literatos abraça- ram os ideais românticos não apenas como valores es- Embora formalmente subordinada ao pro- téticos, mas também como modo de vida – diz Freyre cesso de decadência da economia baseada no que o Pe. Gama se alarmava com a aparência doentia

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 9966 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 JORGE VENTURA DE MORAIS e JOSÉ LUIZ RATTON JÚNIOR

dos jovens do seu tempo. Vários são os exemplos de concomitantemente ao processo de decadência do escritores que morreram antes dos 25 anos – Álvares patriarcalismo rural. Gonçalves Dias era – Freyre de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire, en- enfatiza várias vezes (FREYRE, 1951, pp. 240, 284, tre outros, que tinham como ideal de vida uma certa 975-976) – um bacharel mulato e poeta romântico morbidez por morrer jovem. que morreu aos 40 anos. Em outras palavras, Freyre Concomitante a essa mudança de valores, se ob- opera mais uma vez o artifício teórico-metodológico servam outros dois processos sociais em evidência: que vimos anunciando neste trabalho: a ligação direta a ascensão do jovem bacharel e a do mulato. Muitas entre um ou mais fenômenos macrossociológicos e a vezes, esses dois processos foram vividos pelo mes- trajetória singular de um determinado indivíduo. mo sujeito – jovem bacharel e mulato – que começa Dito isto, é possível identifi car, nos escritos de a ocupar o lugar dos mais velhos. Gradativamente, os Gilberto Freyre sobre futebol, dois processos macros- novos bacharéis foram assumindo cargos importan- sociológicos, a saber: 1) o futebol permitiu a ascen- tes no aparato estatal (FREYRE, 1951, p. 240) ou mes- são e a integração de negros e mulatos à sociedade mo o comando dos negócios dos patriarcas, através brasileira; e 2) o futebol jogado no Brasil é dionisíaco, do casamento com as fi lhas desses senhores. Esses fe- em oposição ao futebol praticado, por exemplo, na nômenos sociais estão todos ligados e nada se fez sem Inglaterra, que seria apolíneo13. atritos. Por mais longo e imperceptível que seja um O primeiro fenômeno está obviamente ligado à processo de mudança social, na concepção de Freyre, tese mais geral de Freyre – exposta com maior clareza este não se dá de forma suave e sem impacto na vida no capítulo XI “A ascensão do bacharel e do mulato”, das pessoas envolvidas. Assim é que emerge da aná- de Sobrados e Mucambos, já detalhado acima. lise freyriana a idéia de que havia um certo descon- Pois bem, embora não tenha tal visibilidade nem forto psíquico, quase físico, por parte dos bacharéis, este grau de detalhamento, é possível localizar nos es- sobretudo dos bacharéis mulatos, alguns dos quais critos de Freyre – escondida no meio da outra tese, terminaram por aderir, explica Freyre, a movimentos sobre dionisíacos e apolíneos – argumento semelhan- revolucionários. te acerca da ascensão social de jogadores negros e Em suma, temos aqui três fenômenos macrosso- mulatos na sociedade brasileira. ciológicos: ascensão dos jovens bacharéis, ascensão Freyre é quase que lacônico sobre isto, mas é de mulatos (processos de mobilidade social) e surgi- possível inferir o processo social envolvido a partir mento de um conjunto de valores culturais urbanos, da obra de Rodrigues Filho (2003), prefaciada pelo baseado nos ideais românticos (processo de mudan- nosso autor. O futebol chegou aqui trazido por ingle- ça cultural). Freyre os exemplifi ca fartamente com ses e brasileiros anglicizados e foi adotado pela elite a descrição de diversas histórias de vida, mas, para brasileira. O jogo se desenvolveu sendo praticado, de alguns dos aspectos desses fenômenos, seu exemplo forma amadora, por fi lhos de famílias ricas. Nossos mais caro é o poeta Gonçalves Dias. primeiros times estavam ligados aos clubes desta eli- Com efeito, a vida ímpar de Gonçalves Dias ser- te. Neste contexto, não havia espaço para a gente po- viu para que Freyre pudesse ilustrar, a um só tempo, bre e negra. Os times aristocráticos recusavam-se a esses fenômenos que, na sua avaliação, ocorreram aceitar jogadores negros ou mesmo mulatos.

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 9977 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDUAIS

Gradativamente, começaram a surgir alguns Eu acho que o futebol valorizou muito times, principalmente ligados a fábricas, com joga- o negro. Você vê hoje Pelé disputado por brancas. Pelé hoje escolhe quem quiser en- dores negros e mulatos. Outros, como foi o caso do tre brancas e grã-fi nas. Como é que se fez Vasco da Gama, ligado a comerciantes portugueses, a carreira de Pelé? Fez-se através do heroís- usavam muitos jogadores negros. Com o sucesso des- mo no futebol. Ele foi um herói do futebol tes times nos campeonatos regionais, houve a passa- brasileiro e congraçou muito o brasileiro gem, traumática, para o profi ssionalismo. Os times branco com o brasileiro de cor (Jornal do puderam, então, empregar jogadores pagos dedica- Commercio, 10/04/2000). dos ao futebol. Apesar do primarismo do exemplo, não cabe Ao que parece, apesar de continuar a haver racis- nos objetivos deste artigo discuti-lo, mas tão somen- mo, os jogadores negros eram cada vez mais admira- te chamar a atenção para o fato de Pelé ser tratado dos em campo (Cf, DaMATTA, 2006). Se até meados como ator sociológico ímpar. O camisa 10 santista da década de 1960, os jogadores não faziam fortuna não somente sintetizaria – para Freyre – todo o pro- com o futebol, a partir daí começaram a fazer contra- cesso macrossociológico de integração do negro à so- tos mais vantajosos até chegar às cifras astronômicas ciedade brasileira, mas é, ele próprio, vetor principal recebidas por alguém como Gaúcho. de tal processo. Observe-se que se, nas suas primeiras Este processo todo levou, segundo Freyre, a uma obras, Freyre não se utiliza de heróis na sua sociolo- maior integração do negro na sociedade brasileira e gia histórica, como queria Skidmore, este trecho não à sua maior aceitação pelos brancos, como é reco- deixa dúvidas com relação ao papel exercido por Pelé. nhecido pelo próprio autor, na 2ª edição, ampliada, No que se refere ao segundo fenômeno macros- de Sobrados e Mucambos, no capítulo intitulado “Em sociológico, Gilberto Freyre aplica ao futebol a mes- torno de uma sistemática da miscegenação no Brasil ma tese mais geral através da qual pretende explicar Patriarcal e Semipatriarcal”: o Brasil, qual seja, a de que uma civilização particu-

Observa-se, entretanto, nas gerações mais lar – a que se pode chamar de luso-tropical – aqui se novas de brasileiros – gerações menos atin- desenvolveu a partir da confl uência de três contribui- gidas por aquela diferença de garantias so- ções culturais distintas: a do português, a do negro e ciais – a ascensão do mulato não só mais a do índio. A conjunção destas três culturas teria ge- claro como mais escuro, entre os atletas, os rado uma certa disposição corporal propensa a uma nadadores, os jogadores de foot-ball, que certa fl exibilidade de movimentos, a uma certa ginga são hoje, no Brasil, quase todos mestiços (FREYRE, 1951, p.1068). etc. Aplicada ao futebol, esta tese procura explicar o Deve-se atentar para o fato de ser este um pro- jeito brasileiro de jogar, voltado ao drible, à ginga, à cesso social extremamente amplo que perpassa dé- fi rula, à dança etc. Na expressão de Freyre, uma for- cadas de nossa história. Porém, seguindo a operação ma dionisíaca de jogar, em oposição à forma apolínea teórico-metodológica já aludida, Gilberto Freyre o européia (racional, metódica, planejada, angulosa) resume todo na fi gura de Pelé. Diz ele, em entrevista (Cf. FREYRE, 1938, 1947, 1951, 1955a, 1955b, 1974a, a Lenivaldo Aragão: 1974b, 2000 e 2003; BARRETO, 2004b; DaMATTA,

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 9988 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 JORGE VENTURA DE MORAIS e JOSÉ LUIZ RATTON JÚNIOR

2006, pp. 68-69, 83-84; MARANHÃO, 2006). Em Na linguagem contemporânea de DaMATTA artigo publicado pelo Diario de Pernambuco, em (2006, p. 157): 30 de junho de 1974, durante a Copa do Mundo da O fato é que esse jogo britânico do ‘pé na Alemanha, Freyre resumiu este processo histórico: bola’ foi interpretado no Brasil como a arte da ‘bola no pé’, o que mudou tudo. Num No Brasil, o futebol começou como sim- caso a bola é um atrapalho a ser rebatido, ples arremedo colonial do inglês e jogado despachado ou chutado com o pé que, afi - principalmente por ingleses ainda meio vi- nal foi feito para isso mesmo; no outro, torianos, desgarrados no trópico brasileiro; entretanto, descobre-se uma afi nidade ou por jovens elegantes anglicizados no seu inusitada entre o pé e a bola que agora tem modo de ser esportivos. Apolíneos, por- com esse pedaço do corpo humano uma tanto. Mas à medida que se desenvolveu, séria afi nidade e uma atração que é uma que se abrasileirou, que se tropicalizou, das marcas mais importantes do futebol que adquiriu o ritmo de um novo tempo brasileiro. social, sem deixar, é claro, de ser futebol, tornou-se brasileiro. Vibrantemente brasi- O outro processo, intimamente ligado a este pri- leiro. Dionisíaco. Com alguma coisa de ágil nos seus passos de jogo como que afrobra- meiro, diz respeito à capacidade que teria o brasileiro sileiramente dançado. E assim se veio afi r- – aqui equacionado por Freyre com o negro/mula- mando até tornar-se quase perfeito, no seu to [“Psychologicamente, ser brasileiro é ser mulato” modo de ser ao mesmo tempo futebol e (FREYRE, 1938)] – de, por causa de seu pé, transfor- 14 brasileiro . mar tudo em dança. Não em qualquer dança, mas na dança dionisíaca, pois como afi rma o nosso autor: Esta mudança social, segundo a tese freyriana, se expressa a partir de três processos sociais: primeiro, Ocorre, é certo, a adaptação de danças e um processo físico que se refere ao tamanho do pé jogos importados de um tipo de cultura à dos negros e seus descendentes em contraposição ao confi guração psico-social de tipo diverso. Mas sofrendo recriação ou deformação. dos brancos. Freyre afi rma que, se comparados aos O inglês dança a rumba, tornando-a antes europeus em geral, os negros tinham pés menores e, apolínea que dionisíaca. O mestiço brasi- portanto, mais ágeis. Isto teria permitido um maior leiro, o baiano, o carioca, o mulato sacu- controle da bola. dido do litoral, joga um futebol que não é mais o jogo apolíneo dos britânicos mas O pé caracteristicamente brasileiro pode- uma quase dança dionisíaca (FREYRE, -se entretanto dizer que continua, em largos 1957, p. 393. grifos no original).15 trechos do país, o pé pequeno que o mulato tem certo garbo em contrastar com o gran- Em outras palavras, se por sua formação, os dalhão, do português, do inglês, no negro, britânicos tornam a rumba em uma dança apolí- do alemão. O pé ágil mas delicado do ca- nea, os brasileiros, dada a sua descendência africana, poeira, do dançarino de samba, do jogador de foot-ball pela técnica brasileira antes de transformam a mesmíssima rumba em uma dança dança dionisíaca do que de jogo britanica- dionisíaca. mente apolíneo (FREYRE, 1951, p. 991). Processo semelhante se dá no futebol. Este

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 9999 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDUAIS

esporte bretão, jogado somente com os pés pelos pele escura como um grão de café torra- britânicos, seria jogado no Brasil com todo o corpo do, pequeno de corpo. Mas sua vivacida- – à exceção das mãos, naturalmente –, isto é, com a de é verdadeiramente desconcertante, sua velocidade insuperável. O comandante ginga da cintura (Cf, DaMATTA, 2006), o que per- brasileiro avança como um raio, infi ltra-se mitiu o desenvolvimento de “um jogo inteiramente como uma fl echa e lança bólidos contra o diferente”, na expressão de Aidan Hamilton (2001). arco contrário. Leônidas não pesa 60 qui- No texto, já muitíssimo citado de 1938, Freyre defi ne los e pouco que seja atirado ao solo pelo o fenômeno: inimigo. Esse homem de borracha, na terra ou no ar, possui o dom diabólico de contro- Os nossos passes, os nossos pitu’s, os nos- lar a bola em qualquer posição, desferin- sos despistamentos, os nossos fl oreios com do chutes violentos – não importa de que a bola, o alguma coisa de dansa e de capo- forma – quando menos se espera. Numa eiragem que o estylo brasileiro de partida, Leônidas deve beijar a grama uma jogar foot-ball, que arredonda e adoça o vez por minuto. Mas não tem importância, jogo inventado pelos inglezes e por elles e pois quando se levanta, de um salto, está por outros europeus jogado tão angulosa- de novo pronto para a luta. E quando seus mente, tudo isso parece exprimir de modo adversários pensam tê-lo dominado, ele interessantissimo para os psychologos e os toma posição horizontal, os pés estendidos, sociólogos o fl amboyant e ao mesmo tem- qual uma fl echa no ar. Nessa posição de fera po malandro que está hoje em tudo que é atingida, vi Leônidas executar uma série de affi rmação verdadeira do Brasil. Acaba de tesouras com as pernas, aproveitando um se defi nir de maneira inconfundível um centro e golpeando a bola de costas para o estylo brasileiro de foot-ball; e esse estylo gol. Certamente, seus companheiros são é mais uma expressão do nosso mulatismo grandes jogadores. Mas se tivessem es- agil em assimilar, dominar, amollecer em quecido Leônidas no Rio, nosso assombro dansa, em curvas ou em musicas techni- hoje seria menor. Quando Leônidas faz um cas européas ou norte-americanas mais gol, pensa-se estar sonhando, esfregam- angulosas para o nosso gosto; sejam ellas -se os olhos. Leônidas é a magia negra! de jogo ou de architectura [...]” (FREYRE, (Raymond Th ourmagen apud RIBEIRO, 1938).16 1999, p. 91. Grifos nossos).

Portanto – e aqui entra o terceiro processo –, os Esta é a descrição entusiasmada do correspon- diversos africanismos que marcam a sociedade brasi- dente do Paris Match sobre a atuação de Leônidas na leira são sublimados e transformados na dança dioni- Copa do Mundo de 1938. Como se pode observar, síaca que é o nosso futebol. vários trechos da sua descrição remetem diretamen- Vamos dar o corte. Observemos a seguinte te a algumas das características do futebol brasilei- descrição: ro imortalizadas na obra de Gilberto Freyre, Mario Rodrigues Filho, Nelson Rodrigues, entre outros. (...) Acabo de assistir ao jogo dos brasi- leiros. Serão eles animais de cinco per- Sem o recurso da televisão, as pessoas depen- nas? Não! Há entre eles um que tem seis. diam de descrições como essas. E foi no calor do Refi ro-me a Leônidas. Cabelos esticados, impacto do futebol brasileiro na França de 1938 que

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Freyre escreveu o seu famoso “Football Mulato”. Para Quem estava em General Severiano viu o os nossos interesses neste trabalho, vale ressaltar que que nunca esperava: um novato de pernas tortas, derrubar Nilton Santos num drible. daí por diante, Freyre começa a fazer referência a Nilton Santos estava no chão, de pernas Leônidas como o jogador que sintetizaria as quali- para o ar (RODRIGUES FILHO, 2003, p. dades do futebol brasileiro tal como pensado por ele. 310). Nesta operação teórico-metodológica, Freyre aponta Leônidas como o ator que portaria – como o ‘velho’ Ou estas outras passagens:

Félix Cavalcanti no que respeita à decadência do pa- (...) Garrincha tinha sido barrado de- triarcalismo rural – as características do futebol bra- pois de um gol na Fiorentina [da Itália], sileiro, como fi ca claro nas passagens que se seguem: o último de uma vitória de quatro a zero. Driblara toda a defesa italiana, inclusive É curioso observar hoje – largos anos de- o goleiro, o gol estava vazio, mas esperou pois dos dias de repressão mais violenta que o beque voltasse para tirá-lo de debai- a tais africanismos [o batuque, o samba, xo dos três paus com outro drible. O beque a capoeiragem etc] – que os descendentes saiu do gol, quando viu Garrincha entran- dos bailarinos da navalha e da faca como do, de bola e tudo, quis voltar e bateu com a que se vêm sublimando nos bailarinos da cara na trave (RODRIGUES FILHO, 2003, bola, isto é, da bola de foot-ball, do tipo dos p. 324).18 nossos jogadores mais dionisíacos como o preto Leônidas [...] (FREYRE, 1951, pp. Gilberto Freyre, tendo lido a obra de Mario 881-882). Filho e, certamente, visto pela televisão as jogadas [...] O futebol brasileiro afastou-se do bem de Garrincha19, estava ciente do tipo de jogador que ordenado original britânico para tornar-se ele era. Os dribles desconcertantes, a ginga, a dança a dança cheia de surpresas irracionais e de diante dos zagueiros, os zagueiros no chão de pernas variações dionisíacas que é. A dança dan- para o ar etc, impressionaram o nosso autor. Assim, çada baianamente por um Leônidas [...] (FREYRE, 2003, p. 25).17 mais do que Leônidas, Garrincha passa, para Freyre, a simbolizar toda a concepção de futebol brasileiro Vamos dar outro corte. Observemos a descrição dionisíaco. Felizmente, Lenivaldo Aragão fez a per- do primeiro treino de Garrincha no Botafogo: gunta crucial em uma entrevista publicada somente (...) Garrincha estava na cerca, esperando. depois da morte de Freyre. Vale a pena reproduzir a A tarde caía, daqui a pouco o treino ia aca- seqüência na íntegra: bar. De repente, Gentil Cardoso se vira e chama-o: - Qual a explicação para esse destaque do jogador negro? - Você aí. Entre. GF – A grande explicação é que o brasileiro Garrincha entrou. A sorte dele foi a de que recebeu o jogo inglês chamado “foot-ball” o beque que ia marcá-lo se chamava Nilton e toda terminologia em língua inglesa. Santos. Garrincha pegou a bola, parou Depois é o que brasileiro abrasileirou. Mas diante de Nilton Santos, as pernas tortas, o brasileiro não abrasileirou somente a ter- fez que ia, não foi, foi. minologia. O brasileiro recriou o futebol,

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 110101 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDUAIS

e recriando o futebol, aproximou esse jogo vitorioso, o grande vencedor foi o Brasil, – que para os ingleses era um jogo hirto, foi o povo brasileiro. É um jogo popu- reto – de uma dança. O futebol brasileiro lar. Tudo está bem contido no caráter, no é realmente uma dança, com grande infl u- temperamento, nas vocações do brasileiro ência do samba. Você vê sua beleza, pois é (FREYRE, 2000. Grifos nossos). um jogo que exercita muito a capacidade improvisadora do jogador. Vários especia- Porém, há de se acentuar aqui que a tese do Brasil listas, que às vezes têm tomado conta do dionisíaco versus Europa apolínea é um pouco mais futebol brasileiro e querem fazê-lo voltar complexa do que deixa antever a dicotomização refe- a ser um jogo europeu, criticam seu estilo. Pra mim é uma virtude. O brasileiro adap- rendada e difundida pelo próprio Freyre para realçar tou o futebol à sua própria vocação para a sua visão. a dança, para o baile, para a agilidade nos É óbvio que nem todos os jogadores brasilei- pés e nas pernas. ros tiveram ou têm a performance de Leônidas ou Garrincha. Consideremos o caso de Domingos da - Haveria um jogador que sinte- Guia: tizasse todas essas tendências? GF – Quem eu creio que foi um grande (...) O caso se passou assim: num ataque acrobata, o que é até um paradoxo, já que uruguaio, a pelota que estava nos pés de ele era quase aleijado, foi Garrincha. Você Dorado adiantou-se. Domingos e o perigo- vê que Garrincha tinha momentos em que síssimo ponta correram para sua conquis- dançava mais do que Pelé. E dançava com ta. Domingos conseguiu apossar-se da es- as pernas tortas. Ele tinha lances de baila- fera. Mas a situação não se modifi cou nem rino, eu acho que ainda não houve uma assim; o perigo continuava. Como poderia justa avaliação de Garrincha. Acho que é o beque nacional devolver a bola a meio preciso, que haja uma grande história do campo se o inimigo o perseguia implacá- futebol brasileiro, escrita por alguém que vel? Momento de indescritível emoção: si- saiba escrever literariamente, que entenda lêncio impressionante. Foi então que, qua- o jogo e que se informe sobre fatos histó- se na linha de córner, Domingos praticou ricos, sobretudo, sobre essa transição. Um a jogada magistral: deu um ‘’ de jogo que começou elitista. Os rapazes ricos corpo, fi ngindo que ia se encaminhar em que iam à Europa trouxeram a novidade e direção ao arco de Velloso e, súbito, volveu só sabiam jogar imitando os ingleses, estes para o lado contrário. Iludido, Dorado cor- elitistas. Daí, o jogo numa transição mag- reu em sentido diverso ao que efetivamen- nífi ca que honra o Brasil, passa a ser um te o nosso craque seguiu... jogo quase contrário ao jogo originalmente inglês. Passa a ser um jogo de grande mobi- Esta é a descrição de Rodrigues Filho, transcrita lidade. O jogo inglês é quase parado, para- por Hamilton (2005, p. 74). Note-se que Domingos doxalmente. Viva tantas combinações, que praticou um drible de corpo, comum, seguindo as é um jogo de cooperação. Quase não admi- concepções de Rodrigues Filho e de Gilberto Freyre, te a competição, enquanto o futebol brasi- leiro é competitivo e é aberto, permitindo ao jeito brasileiro de jogar futebol. Porém, a sua ele- improvisações. Com essa transformação, o gância ao jogar talvez esteja descrita nas palavras de

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Arthur Friedenreich, um dos maiores artilheiros bra- carioca [...] (RODRIGUES FILHO, 2003, sileiros de todos os tempos, no Jornal dos Sports de 3 p. 216-217). de maio de 1933: Freyre aceita esta visão e procede a operação Individualmente, jogávamos melhor há analítica que vimos mostrando aqui: Domingos da dez anos passados. Se digo isso não pos- Guia se torna o modelo de jogador apolíneo entre so dizer: o futebol era mais efi ciente. O dionisíacos. Assim é que no famoso prefácio à obra padrão de jogo mudou. Domingos modi- de Rodrigues Filho, ele escreve: fi cou, completamente, o jogo dos beques. Trouxe todas as virtudes de um ‘center- (...) A capoeiragem e o samba, por exem- -half’ para a zaga. Calmo, imperturbável, plo, estão presentes de tal forma no estilo só intervém no momento preciso. O perigo brasileiro de jogar futebol que de um jo- se aproxima e ele conserva a mesma impas- gador um tanto álgido como Domingos, sibilidade. Deixa que o adversário sonhe admirável em seu modo de jogar mas qua- com um gol que não se realiza, porque ele se sem fl oreios – os fl oreios barrocos tão vai agir (apud HAMILTON, 2005, p. 122). do gosto brasileiro – um crítico da argú- cia de Rodrigues Filho pode dizer que ele A calma, a frieza, a impassibilidade de Domingos está para o nosso futebol como Machado da Guia vão dominar as imagens perpetuadas do seu de Assis para a nossa literatura, isto é, na jeito de jogar. Dessa forma, Rodrigues Filho, sempre situação de uma espécie de inglês desgarra- no seu estilo hiperbólico, vai comparar Domingos do entre tropicais. Em moderna linguagem com Machado de Assis, como se fossem dois ingleses sociológica, na situação de um apolíneo desterrados nos trópicos. Rodrigues Filho vai equali- entre dionisíacos (FREYRE, 2003, p. 25. Grifos no original). zar as qualidades do jogador e do escritor com qua- lidades tidas idealmente como o modo de ser inglês. Para fi nalizar esta seção, ressalte-se que – diferen- Leiamos a sua análise: temente do que ele faz em suas obras mais conhecidas

Domingos gingava o corpo, mas não se –, nos seus escritos sociológicos sobre futebol, Freyre desmanchando todo, como Leônidas. procede de uma forma a usar o nome de Leônidas no Dançando o samba, jogando futebol. A so- plural, metonimizado, para denotar que, embora este briedade de Domingos chocava como uma ator individual seja sujeito irredutível, ele representa coisa vinda de fora. Da Inglaterra. Tanto a síntese do modo dionisíaco do futebol brasileiro. É que quando se queria dar uma idéia de por isso que Freyre utiliza a expressão “os Leônidas” e Domingos vinha-se logo com futebol in- glês. O futebol inglês como a gente imagi- se refere a este processo em pelo menos uma ocasião. nava. Pelas anedotas de inglês tão do gosto Em 1955, em artigo para a revista O Cruzeiro, Freyre brasileiro. O inglês frio, incomovível. As escreve o seguinte: anedotas de inglês sendo, para Domingos, o que Sterne foi para Machado de Assis. De (...) Que signifi ca ser um jôgo predominan- uma certa forma, Domingos foi o Machado temente individualista no seu estilo? Pura de Assis do futebol brasileiro. Inglês por anarquia? O inteiro sacrifício do grupo aos fora, brasileiro por dentro. Sobretudo caprichos dos indivíduos? De certo modo

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 110303 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDUAIS

não. Signifi ca constante interação entre o inviabilizando a idéia de que a explicação em Freyre esfôrço coletivo do grupo e as façanhas, se assemelha à redução, podemos falar então de su- as iniciativas, os próprios improvisos de perveniência na obra deste autor? indivíduos que, assim agindo, destacam- Os argumentos desenvolvidos na parte 3 des- -se como heróis, exibem-se, como baila- rinos-mestres, acrescentam-se à rotina do te trabalho revelam como Freyre conecta processos jôgo, não só em benefício próprio como macrossociais – como a transformação do futebol em benefício do grupo. E o que fazem no brasileiro de francamente inglês em dionisíaco e a futebol brasileiro os Leônidas que assim integração social do negro à sociedade brasileira gra- procedendo, procedem sob o impacto da ças ao seu papel no futebol, a aceitarmos a sua visão herança africana de cultura, que tende a fa- zer dos jogos, danças e até bailados. Aquêle – com fi guras históricas: Leônidas, Garrincha e Pelé, em que o indivíduo não se dissolve de todo respectivamente (mais Domingos da Guia, como que no grupo, mas conserva certas e essenciais representando a sobrevivência de um estilo apolí- liberdades de expressão heróica e de exibi- neo em nosso futebol). Juntos, estes protagonistas da ção dramática (Freyre, 1955). história do nosso futebol aparecem com freqüência E encontra eco em Vilanova (1999, p. 128), que na explicação freyriana do nosso “jogo inteiramente afi rma: diferente”. Freyre parece utilizar – de forma combinada, [...] nisso reside seu [de Freyre] gosto pelo na tentativa de articular o nível mais abrangente de biográfi co, sublinhando na personagem in- sua explicação a trajetórias de vida dos indivíduos to- dividual o ponto de intersecção das corren- mados como exemplo –princípios que lembram ora tes de pensamento social, político, literário, ressaltando, dialeticamente, no indivíduo o um processo de redução mais rigoroso (fenômeno social, e na dessubjetividade do social o in- macrossingular – indivíduos típicos), ora uma arti- divíduo historicamente relevante. culação mais superfi cial das trajetórias particulares com fenômenos macrossociais aludidos (fenômenos Considerações fi nais sociais macroparticulares – indivíduos particulares). Afi nal, podemos dizer que a redução é um proce- Contudo, certamente a inclinação freyriana por uma dimento metodológico utilizado na obra de Gilberto sociologia da biografi a, aliada a uma despreocupação Freyre? Em outras palavras, os processos sociais com- metodológica em termos dos cânones explicativos, plexos são explicados em termos dos seus componen- parece indicar princípios que mais se aproximam de tes individuais? Mesmo se considerarmos as objeções uma microexplicação de certa forma enfraquecida – de Little e Elster, de que não se pode encontrar leis em que os indivíduos típicos são apenas coadjuvan- nas ciências sociais, e fi carmos apenas com meca- tes, predominando as fi guras históricas exemplares, nismos como substitutos das leis, em Freyre, haveria quase que portadoras típicas dos processos sociais uma conexão dos mecanismos no nível macro com que o autor quer entender e explicar –, do que pro- mecanismos no nível micro? E, fi nalmente, se, em priamente de uma microrredução, se seguirmos as Freyre, os indivíduos que “exemplifi cam” os proces- distinções propostas por Rajeev Bhargava e apresen- sos sociais não são indivíduos típicos, mas concretos, tadas na parte 2 deste artigo.

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 110404 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 JORGE VENTURA DE MORAIS e JOSÉ LUIZ RATTON JÚNIOR

Se, por um lado, a opção metodológica do autor análise que Gilberto Freyre produziu do futebol jogado no perde em rigor analítico, por outro, as objeções que Brasil. Agradecemos a Túlio V. Barreto a cessão de cópias dos artigos que Gilberto Freyre publicou sobre futebol na levantamos quanto à factibilidade de um projeto de imprensa. No que respeita à análise do material referente redução radical como estratégia válida para as ciên- ao futebol, desenvolveu-se sob os auspícios de uma bolsa de produtividade concedida pelo CNPq. cias sociais parecem legitimar, em algum grau, a es- 2 O termo “homem de carne e osso”, correlato a “homem colha de Freyre por uma modalidade de associação concreto”, sem qualquer conotação biológica, é largamente entre processos sociais e indivíduos não-típicos, ou, usado por vários comentadores de Freyre (ver, por exemplo, AGUIAR, 1999), para acentuar o fato de que a concepção em outros termos, biografi as individuais. Essa posi- freyriana de homem não se reduz a tipologias sociologizan- ção daria conta das sutilezas e das nuanças que a va- tes. riação individual comporta, evitando a padronização 3 A maior parte dos trabalhos sobre a obra de Freyre concen- tra a atenção nos processos sociais empíricos em si, mais do que uma opção por indivíduos típicos carregaria. que na problematização acerca da construção de um mode- Ademais, em Freyre, a explicação sociológica é tam- lo teórico-metodológico para a explicação freyriana. bém histórica, contingencial. Nesse caso, nem os pro- 4 Estamos atentos tanto às complexas relações que se estabe- lecem entre a perspectiva sociológica e a perspectiva histó- cessos macrossociais seriam típicos. rica nas ciências sociais, quanto à relevância que esse tópico Se o que dissemos acima é verdadeiro, e não te- tem na obra de Gilberto Freyre, em especial. mos efetivamente redução ao nível micro em Freyre, 5 Nas citações de Freyre, procuramos manter a grafi a da épo- ca. a idéia de superveniência, aqui proposta a partir de 6 Ressalte-se, no entanto, que Freyre (1974b), em crônica algumas das idéias de Little e Ryan, parece deixar um acerca da derrota do Brasil frente à Holanda, em 1974, na campo mais aberto para o enquadramento da expli- Copa do Mundo da Alemanha, trata , craque holandês, como herói. cação freyriana. Pois os microprocessos psicossociais 7 Cf. Freyre (1968a, p. 101), em que se pode observar clara- específi cos identifi cados nos inúmeros biografados mente sua tese. Ver também a esse respeito, Bastos (1995, p. de Gilberto Freyre podem articular-se, com menos 71; 1999a, p. 320; 1999b, pp. 328, 335, 336-337, 345), entre outros. problemas, aos mecanismos sociais mais amplos pro- 8 Ressalte-se que Freyre também dedicou páginas a pesso- postos pelo autor sem que, necessariamente, sejam os as que ele admirava e que nada tinham a ver com o Brasil. exemplares por excelência daqueles processos. A ex- Nesse caso, incluem-se, entre outros, o opúsculo sobre Walt Whitman, poeta que ele tanto admirava, e os capítulos sobre plicação dos “casos”, portanto, ilustra e exemplifi ca os Amy Lowell e H.L. Mencken. “processos” sem, contudo, esgotá-los. Menos do que 9 É nítida a proximidade entre o procedimento empático proposto por Freyre e aquilo que se convencionou chamar redução, a explicação em Freyre se confi gura como de método Verstehen nas ciências sociais. uma forma não-intencional de superveniência que, 10 A única edição brasileira, segundo dados da home-page articulando os níveis macro e micro de uma forma da Fundação Gilberto Freyre, foi publicada em 1978 pela Fundação Cultural de Mato Grosso. A edição usada aqui é relativamente frouxa, aponta, ainda que de maneira a portuguesa, publicada em 1968. Este livro, tal como Um incipiente, para os temas da agência e da estrutura. engenheiro francês no Brasil, em sua segunda edição, é divi- dido em dois volumes, sendo o primeiro dedicado à análise Notas do material por Freyre, e o segundo, às notas de um diário deixado por Luiz de Albuquerque. 1 Este trabalho – no que se refere a problemas de teoria socio- 11 O livro Mozart: sociologia de um gênio, de Norbert Elias lógica nele tratados, assim como muitas outras passagens – (1995), é um exemplo de tratamento sociológico de uma está baseado em artigo que publicamos na Revista Brasileira biografi a individual. de Ciências Sociais. Aplicamos as idéias ali desenvolvidas à 12 Há, curiosamente, uma aproximação aparentemente estra-

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 110505 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDUAIS

nha entre as idéias de Elster e as percepções gerais de Gil- dêles. Êles representavam o que o Brasil tinha de melhor. berto Freyre acerca da necessária introdução de elementos Era bom ser brasileiro, porque o brasileiro era assim. O psicológicos na explicação sociológica. No entanto, Freyre football era uma amostra. Nêle estava tudo o que havia de busca evitar a subordinação da sociologia à psicologia, pro- mais brasileiro. A ginga do samba, a agilidade do capoeira, o pondo uma fundamentação antropológica e histórica da repentismo dos cantadores de viola, a boa conversa, a ima- primeira, dada sua natureza de ciência da cultura. É possível ginação, a fantasia, a música, a dança”. também identifi car uma clara afi nidade – consciente ou não 19 Outras excelentes fontes acerca de Garrincha são: Castro – de tais idéias com elementos da metodologia weberiana [2008 (1995)], Saldanha (2004) e Wisnik (2008, . 3 “A (cf. FREYRE, 1951b, pp. 49-51; 1957, pp. 234-235). elipse: o futebol brasileiro”. 13 Excelentes fontes sobre o pensamento de Freyre acerca do futebol brasileiro são: Barreto (2004b), Maranhão (2006) e Referências Bibliográfi cas Wisnik (2008, Cap. 4, “Bola ao alto: interpretações do Bra- sil). 14 É interessante ressaltar que Arthur Friedenreich, no Jornal AGUIAR, Cláudio (1999). “O homem ‘intrahistórico’ dos Sports, de 3 de maio de 1933, fez a seguinte afi rmação: em Casa-grande & senzala”, in QUINTAS, “O nosso padrão, há dez anos, era clássico. O tempo tratou F. (org.), A obra em tempos vários. Recife: de eliminá-lo aos poucos. Agora está se formando um pa- Massangana. drão brasileiro. Jogávamos obedecendo aos cânones ingleses. ALBUQUERQUE, Roberto C. de (2000). Gilberto A malícia dominou e há de existir um estágio do triunfo da malícia” (apud HAMILTON, 2005, p. 122. Grifo nosso). Freyre e a invenção do Brasil. : José 15 Freyre (1947, pp. 172-3) expressa tese semelhante em outra Olympio. de suas obras: “[...] Sugeri também um outro [estudo] em ARAÚJO, Ricardo B. de (1994). Guerra e paz: Casa- torno da maneira brasileira mais característica de jogar o grande & senzala e a obra de Gilberto Freyre nos foot-ball. O jogo brasileiro de foot-ball é como se fosse uma anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34. dança. Isto pela infl uência, certamente, dos brasileiros de sangue africano, ou que são marcadamente africanos na sua BARRETO, Túlio V. (2004a), “Os diamantes são cultura: eles são os que tendem a reduzir tudo a dança – tra- eternos”. Jornal Folha de São Paulo (Caderno balho ou jogo –, tendência esta que parece se faz cada vez Mais!), 1º de Fevereiro. mais geral no Brasil, em vez de fi car sòmente característica de um grupo étnico ou regional”. ______. (2004b). “Gilberto Freyre e o futebol-arte”. 16 Para Freyre, a característica brasileira de transformar tudo Revista USP, 62: 233-238. em dança tem raízes na nossa origem africana e é isto que ele encontra em Cabo Verde, em sua visita de 1953: “Algu- BASTOS, Elide R. (1995). “Gilberto Freyre e as ma coisa no físico e alguma coisa na ternura de gestos, de ciências sociais no Brasil”. Revista Estudos de palavras, de sorrisos. Alguma coisa no modo de falar, de Sociologia (Recife), 1 (1): 63-72. cantar, de dançar e de jogar futebol: um jogo que é não ape- ______. (1999a). “Gilberto Freyre e o não nas jogo mas também dança” (FREYRE, 1953). europeísmo da sociedade ibérica”, in F. Quintas 17 Importantes fontes adicionais sobre Leônidas são Ribeiro (1999) e Prado (1994). (org.), A obra em tempos vários. Recife: 18 Em 1962, Rodrigues Filho continuava a fundir o futebol Massangana. brasileiro com as habilidades de Garrincha: “Garrincha era ______. (1999b). “Gilberto Freyre e o pensamento aquêle menino daquela história da carochinha que tinha hispânico”, in QUINTAS, F. (org.), A obra em visto o Rei nu. Aquele menino que vira o Rei nu era o jo- tempos vários. Recife: Massangana. gador brasileiro capaz de descobrir caminhos nunca dantes percorridos para fazer um goal, para desmoronar tudo o ______. (2000). “O tema da decadência em que, durante quatro anos, o football do mundo arquiteta- Sobrados e mucambos”, in MIRANDA, M. do C. ra contra o football brasileiro. E aquêles rapazes, brancos, T. de (org.), Que somos nós? 60 anos de Sobrados mulatos, pretos, que tinham conquistado o bi para o Brasil e mucambos. Recife: Massangana. tinham vindo das entranhas do povo. Alguns sabiam apenas assinar o nome. Vendo-os em plena glória eu me sentia um ______. (2001). “Gilberto Freyre: Casa-grande &

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 110606 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 JORGE VENTURA DE MORAIS e JOSÉ LUIZ RATTON JÚNIOR

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 110707 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDUAIS

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1182918291 - UFCUFC 4242 RREVISTAEVISTA CIÊNCIASCIÊNCIAS SOCIAIS.inddSOCIAIS.indd 110808 226/08/20116/08/2011 117:28:407:28:40 JORGE VENTURA DE MORAIS e JOSÉ LUIZ RATTON JÚNIOR

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