UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Escola de Comunicações e Artes
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação
PAULO NASCIMENTO VERANO
CIDADES TEMPORÁRIAS
Brechas e contrabrechas na cidade
São Paulo
2018
PAULO NASCIMENTO VERANO
CIDADES TEMPORÁRIAS
Brechas e contrabrechas na cidade
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciência da Informação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como requisito para obtenção do título de doutor em Ciência da Informação.
Orientadora: Profª Drª Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira
Área de concentração: Cultura e Informação
São Paulo
2018
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa desde que citada a fonte.
PAULO NASCIMENTO VERANO
CIDADES TEMPORÁRIAS
Brechas e contrabrechas na cidade
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciência da Informação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como requisito para obtenção do título de doutor em Ciência da Informação.
BANCA EXAMINADORA
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Profa Dra Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira (orientadora)
Universidade de São Paulo
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Prof. Dr. Cayo Honorato Universidade de Brasília
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Prof. Dr. Edmir Perrotti
Universidade de São Paulo
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Prof. Dr. Jaime Tadeu Oliva Universidade de São Paulo
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Prof. Dr. Marco Antônio de Almeida
Universidade de São Paulo
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Prof. Dr. Martin Grossmann Universidade de São Paulo
PARA CLARICE.
AGRADECIMENTOS
Os agradecimentos são muitos, e não poderia deixar de começá-los pela Profa Dra Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira, orientadora desta Tese de Doutorado. Juntando com o Mestrado, também sob sua Orientação, são sete anos de aprendizado constante, conversas intelectuais proveitosas sobre temas sempre muito inquietantes, numa troca que me estimula a acreditar que a Universidade e a escuta atenta da Cidade podem sim andar passo a passo. Sua Orientação sempre presente foi um privilégio e agradeço por tudo isso.
Também tive o prazer de ter tido aulas com grandes professores nesta jornada longa. Agradeço aos Profs. Drs. Giulia Crippa e Marco Antônio de Almeida (ECA- USP), Jaime Tadeu Oliva (IEB-USP) e Eugenio Fernandes Queiroga (FAU-USP). Aos Profs. Drs. Marco Antônio de Almeida e Jaime Tadeu Oliva agradeço, especialmente, por terem composto a Banca de Qualificação deste trabalho, lido sua versão preliminar e feito suas considerações. Espero tê-las contemplado.
Ainda na Universidade, agradeço ao Prof. Dr. Edmir Perrotti (ECA-USP), a quem devo o estímulo para a reentrada no mundo acadêmico, e aos Prof. Drs. Martin Grossmann (ECA-USP) e Vera Pallamin (FAU-USP) — muitas de suas considerações durante a defesa do Mestrado levaram-me a este projeto.
Também agradeço a Izabela Oliveira Silva, da Secretaria do Programa de PósGraduação em Ciência da Informação da ECA-USP, e a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pelo apoio concedido.
Fiz muitos amigos durante esse percurso. Marcos Passos fura a fila alfabética porque estamos na mesma peleja desde a entrada no Mestrado, em 2011, e com boas trocas aqui chegamos, juntos, em 2018. Também agradeço a André de Araújo, Bernardo Galegale, Charlene Lemos, Edison Luis dos Santos, Leonardo Gonçalves Silva, Mariany Nakamura, Naiene Sanchez, Ricardo Queiroz, Selma Cristina da Silva e Wesley Nogueira (colegas na ECA-USP) e a Fabiane Carneiro, Liana Perez, Mauro Calliari e Tiago Brito (na FAU-USP).
Agradeço especialmente a Astrid Gambardella, que me ajudou a me mover quando fiquei imobilizado. A minha esposa, Claudia, e a minha filha, Clarice, pelo companheirismo e paciência. Sei que não foi (fui) fácil. A minha mãe, Glacy, a minha irmã, Marina, a meus padrinhos, Zezé e Calu, pelos bons pensamentos. A meu pai, José (em memória), e a meu avô, Adauto (em memória).
Pelo apoio e torcida, agradeço a Angela Mendes, Cecilia Santos, Cicelia Pincer, Claudia Chabloz, Fabíola Lago, Pedro Rosa e Udo Simons. A Andrea Antonacci e Renato Roschel. A Lúcia Ferreira de Sousa e Maria Marilene de Sousa. A Angélica Pizzutto Pozzani, Denise Pizzutto, Tais Rodrigues e Tatiana Gregório. A Cristina Porto e Shu Lin. A Pedro Enrique, parceiro de luta, com admiração.
***
Este trabalho é dedicado a Gabriela Orth (em memória).
A cidade existe nos discursos tanto quanto em seus espaços concretos, e, assim como a vontade de cidade a transformou num lugar desejável, o medo da cidade pode transformá-la num deserto em que o receio prevaleça sobre a liberdade. BEATRIZ SARLO, A cidade vista
— O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço. ITALO CALVINO, As cidades invisíveis
Vivemos em tempos interessantes. ROY WAGNER, A ideia de cultura
VERANO, P. N. No USP 7366255. Cidades temporárias: brechas e contrabrechas na cidade. 2018. 244 p. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) — Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2018.
RESUMO
O objetivo deste estudo é, a partir da delimitação de um espaço central de São Paulo compreendido simbólica e rizomaticamente entre a Via Elevada Presidente João Goulart (Minhocão, no Centro) e o Largo da Batata (Pinheiros, Zona Oeste), investigar como se comportam determinadas ações culturais institucionais e não institucionais circunscritas nessa centralidade que promovem a conexão entre a cultura e a produção da cidade, operando numa tensão contínua entre o consenso e o dissenso e na tensão entre as noções de público e de privado na cidade, num movimento que se dá por esforços intencionais — muitas vezes por razões econômicas —, mas também pelo inesperado e pelo encontro fortuito com o simbólico nas brechas e contrabrechas da cidade. Deseja-se, com esta reflexão, contribuir para o pensamento de novos caminhos para a Ciência da Informação e a Política Cultural, em que a promoção do diálogo entre os recursos culturais da cidade e seus atores sociais se dê a partir de conexões móveis e muitas vezes imprevistas, que partem do que é próprio do tenso e do instável, sim, mas em busca do que é comum e que projete outros futuros em que o fortuito, o desejo e a necessidade não estejam tão apartados.
PALAVRAS-CHAVE: Ciência da Informação; Centralidade da cultura; Centralidade da cidade; Espaço público; Política cultural; Brechas e contrabrechas; Cultura e cidade.
ABSTRACT
The main objective of this thesis is to examine the impact of certain institutional and non-institutional cultural actions circumscribed in the central region of the city of São Paulo —understood symbolically and rhizomatically between the elevated
highway President João Goulart (“Minhocão”, in the downtown district) and the
Largo da Batata, in the Pinheiros district, in the western zone of the capital. Such organizations promote the connection between culture and the production of the city. They operate in a continuous tension between consensus and dissent and between the notions of public and private in the city, in a movement that occurs by intentional efforts —often for economic reasons. We will investigate the unexpected and fortuitous clashes with the symbolic in the breachs and in the
counterbreachs of the city.
We want to contribute to the thinking of new paths for Cultural Policy and Information Science, in which the promotion of dialogue between the city's cultural resources and its social actors occurs on improbable connections and many unforeseen times. Constantly starting from the shock and the unstable, yes, but always in search of what is common and projecting other futures in which desire and need are not so far apart. We want to contribute to the thinking of new paths for Information Science and
Cultural Policy, in which the promotion of dialogue between the city‟s cultural
resources and its social actors occurs on improbable connections and many unforeseen times. Constantly starting from the shock and the unstable, yes, but always in search of what is common and projecting other futures in which the fortuitous, desire and need are not so far apart.
KEYWORDS: Information Science; Centrality of Culture; Cultural Values; City Centrality; Public Place; Cultural Policy; Culture and City.
LISTA DE SIGLAS
- ABL
- Academia Brasileira de Letras
ABRASCE CAC
Associação Brasileira de Shopping Centers Cooperativa Agrícola de Cotia
- CCBB
- Centro Cultural Banco do Brasil
CCSP CEU
Centro Cultural São Paulo Centro Educacional Unificado
- CNPq
- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
- CONDEPHAAT
- Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico do Estado de São Paulo Escola de Comunicações e Artes da USP Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Instituto Brasileiro de Museus
ECA-USP FAU-USP IBRAM IEB-USP IPEA
Instituto de Estudos Brasileiros da USP Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros
LGBT MAM-SP MAAU MAR
Museu de Arte Moderna de São Paulo Museu Aberto de Arte Urbana Museu de Arte de Rua
MASP MTST OSESP ProAC PSOL PUC-SP SAJU
Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo Programa de Ação Cultural Partido Socialismo e Liberdade Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência Serviço Social do Comércio
SBPC SESC
- SESI
- Serviço Social da Indústria
- TBC
- Teatro Brasileiro de Comédia
UFRN UNESCO
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
- USP
- Universidade de São Paulo
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Espetáculo Minhoca na janela, Grupo Esparrama, jul. 2015. FIGURA 2 Filme Ensaio sobre a cegueira, do diretor Fernando Meirelles, 2008. FIGURA 3 Wlademir Delvechio, que fez do Minhocão sua casa, abr. 2017. FIGURA 4 Plantação clandestina de mudas no Largo da Batata, jan. 2015.
FIGURA 5 Divulgação da reinauguração do “Novo Largo da Batata”, set. 2017.
FIGURA 6 Convite para inauguração do Minhocão, jan. 1971. FIGURA 7 Largo Marechal Deodoro antes da construção do Minhocão, 1942. FIGURA 8 Minhocão no ano de sua inauguração, 1971. FIGURA 9 Operação Urbana Faria Lima, Largo da Batata, anos 2000. FIGURA 10 Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC), Largo da Batata, anos 1920. FIGURA 11 Minhocão aberto para o lazer sob a gestão Erundina, 1990. FIGURA 12 Minhocão virando praia temporária sob Haddad, 2013. FIGURA 13 Banca Tatuí durante festa de comemoração de seu segundo aniversário. Vila Buarque, São Paulo, 2016.
FIGURA 14 Banca Curva, durante sua inauguração. Vila Buarque, São Paulo, 16 mar. 2018.
FIGURA 15 Rizomamóvel, estacionado em frente ao bar Al Janiah. Bixiga, São Paulo, 2017.
FIGURA 16 Jornadas de junho, Largo da Batata, 2013. FIGURA 17 Bancos de pallets, A Batata Precisa de Você, 2014.
FIGURA 18 Bancos “oficiais”, Operação “Novo Largo da Batata”, ago. 2017.
FIGURA 19 Cartaz da remontagem da peça O rei da vela, encenada em 2017. FIGURA 20 Fábrica recém-construída. Pompeia, São Paulo, anos 1940.
FIGURA 21 Hieronymus Bosch, As tentações de Santo Antão, c. 1500.
FIGURA 22 Homepage do site Nova Luz. Acesso em: 20 ago. 2017. FIGURA 23 Homepage do site Nova Luz. Acesso em: 25 set. 2017. FIGURA 24 Ateliê Amarelinho, sede do Pessoal do Faroeste, na Rua do Triunfo com a Rua General Osório. Luz, São Paulo.
FIGURA 25 Teatro de Contêiner Mungunzá, sede da Cia. Mungunzá de Teatro, na Rua do Gusmões. Luz, São Paulo.
FIGURA 26 Projeto “Rap Móvel na Cracolândia”.
FIGURA 27 Cartaz da campanha de Júlio Prestes à Presidência, em 1930. FIGURA 28 Cartaz e cena do filme Metrópolis, de Fritz Lang, 1927.
FIGURA 29 Angelus Novus, de Paul Klee, 1920.
FIGURA 30 Área de conflito em torno do Teatro Oficina, 2017.
FIGURA 31 Open-chart, o “mapa em branco”. Ilustração de Henry Holiday
presente no livro The hunting of Snark, de Lewis Carroll. FIGURA 32 Os Três Príncipes de Serendip, s/d. FIGURA 33 Shopping Iguatemi, o primeiro de São Paulo. Inauguração em 1966. Foto de 1967.
FIGURA 34 Shopping Iguatemi, na comemoração de seus 50 anos, em 2016. FIGURA 35 Vista do Parque Cidade Jardim. FIGURA 36 O ator Mark Ruffalo durante filmagem de Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles, 2008.
FIGURA 37 Vista noturna da Marginal Pinheiros, em São Paulo, anos 2000. FIGURA 38 Entrega do Largo da Batata à cidade, nov. 2013. FIGURA 39 Protesto contra aumento da passagem. Largo da Batata, 2013. FIGURA 40 Greve geral de 28 de abril. Largo da Batata, 2017. FIGURA 41 Show de Caetano Veloso em celebração dos 20 anos do MTST. Largo da Batata, 10 dez. 2017.
FIGURA 42 Floresta de Bolso. Bosque da Batata. Largo da Batata, 7 maio 2017. FIGURA 43 5ª Gaymada. Largo da Batata, maio 2016. FIGURA 44 Roda-gigante da Skol no Carnaval. Largo da Batata, 2017. FIGURA 45 Roda-gigante elaborada por Guto Lacaz. Largo da Batata, 2017.
FIGURA 46 Pieter Bruegel, o Velho. O combate entre o Carnaval e a Quaresma.
1559. Museu de História da Arte de Viena. FIGURA 47 Leo Morais como Vampiro Neoliberalista. Desfile da Unidos do Tuiuti, 2018.
FIGURA 48 Vista da Rua da Consolação durante passagem do Bloco Acadêmicos do Baixo Augusta. 4 fev. 2018.
FIGURA 49 Cortejo do Bloco Afro Ilú Obá de Min pelas ruas do Bom Retiro, São Paulo. 11 fev. 2018.
FIGURA 50 Cortejo do Bloco Cordão do Triunfo pelas ruas da Luz. 11 fev. 2018. FIGURA 51 O cantor Russo Passapusso durante passagem do Navio Pirata pela Avenida 23 de Maio, São Paulo. 17 fev. 2018.
FIGURA 52 Projeção de imagem da ativista pelos direitos humanos, Marielle Franco, na estrutura do MASP. 14 mar. 2018.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................. 22 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 25
O que vem e por que vem .................................................................................. 26 Caminho metodológico ....................................................................................... 33
PARTE 1 — MAPA DE DESLOCAMENTOS (DESCRIÇÃO) ........................... 37
Sobre minhocas e batatas: ações e reações na anticidade ............................... 38
Capítulo 1: Do Largo da Batata ao Minhocão ................................................ 40
Duas cenas na cidade: a menina da janela e o jardineiro fiel ............................ 40
Cena 1. Minhocão, 28 de junho de 2015, 10h. ........................................ 40 Cena 2. Largo da Batata, 9 de janeiro de 2015, 7h. ................................ 44
Minhocão, 1969: o prefeito voraz e a obra veloz ............................................... 51 Largo da Batata, 1995: o mesmo prefeito voraz e a indistinção entre construção e ruína .................................................. 56
Usos e contra-usos: minhocas e batatas, organicidade na cidade .................... 60
O papel das brechas na emergência das contrabrechas ........................ 63
Banca Tatuí .................................................................................. 63 Banca Curva ................................................................................. 65 Rizomamóvel ................................................................................ 65
As “Jornadas de Junho” e depois ............................................................ 67
Capítulo 2: Um percurso rizomático ............................................................... 70
Antes de seguir .................................................................................................. 70 Controlar o descontrole. Descontrolar o controle.
Beco do Batman, MAR, graffiti e pichação .............................................. 71
Sesc Pompeia: uma rua que leva a Lina Bo Bardi ............................................. 82 Entre Bach e Bosch ............................................................................................ 88
“Cracolândia”: território de experimentação e especulação ............................... 92
Pessoal do Faroeste ................................................................................ 99 Cia. Mungunzá de Teatro/Teatro de Contêiner Mungunzá ................... 101 A Craco Resiste ..................................................................................... 103
Um sopro .......................................................................................................... 104
PARTE 2 — PERCURSO DE LEITURAS (DECIFRAÇÃO) ............................ 105 Capítulo 3: Cultura e produção da cidade: entre a institucionalização e a não institucionalização .............................. 106
A instituição como uma ação parcial na cidade ............................................... 106 Cultura e especulação imobiliária .................................................................... 107
Cultura e barbárie .................................................................................. 112 Entre a Cultura e a cultura, as culturas ................................................. 114