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Pontifícia Universidade Católica De São Paulo Puc-Sp

Pontifícia Universidade Católica De São Paulo Puc-Sp

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

EDUARDO SILVA ALVES

WHEREFORE ART THOU, JÂNIO? PERCEPÇÕES DE TIME MAGAZINE SOBRE O GOVERNO JÂNIO QUADROS 1958-1961

DOUTORADO EM HISTÓRIA

SÃO PAULO 2013 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

EDUARDO SILVA ALVES

WHEREFORE ART THOU, JÂNIO? PERCEPÇÕES DE TIME MAGAZINE SOBRE O GOVERNO JÂNIO QUADROS 1958-1961

DOUTORADO EM HISTÓRIA

TESE APRESENTADA À BANCA EXAMINADORA DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, COMO EXIGÊNCIA PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR EM HISTÓRIA SOB A ORIENTAÇÃO DO PROF. DOUTOR ANTONIO PEDRO TOTA.

SÃO PAULO 2013

BANCA EXAMINADORA

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Para minha mãe, que me ensinou a ler e a escrever.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço ao meu orientador Profº Drº Antonio Pedro Tota pelas observações, correções, revisão das minhas traduções e dicas preciosas para a realização desse trabalho e sem as quais ele não seria possível. Sou grato pelas orientações advindas das Bancas de Qualificação e Defesa. Agradeço profundamente à CAPES pelo apoio financeiro. Agradeço ao Professor Samuel Alves dos Santos, Dirigente Regional de Ensino da DER-Sul 3, grande apoiador à formação e à continuidade acadêmica dos professores da rede pública estadual. A todos os amigos e amigas da Diretoria de Ensino Regional Sul 3 de São Paulo que estiveram comigo nos últimos anos, em especial aos Diretores e PCNPs do Núcleo Pedagógico. Aos amigos Márcio Jean e Fabiana Fonseca pela revisão ortográfica. Expresso minha profunda gratidão aos amigos e parceiros acadêmicos Anderson Paiva, Ailton Laurentino, Herodes Cavalcante, Joel Santos de Abreu e Otacílio Marcondes pelas preciosas conversas que tivemos. O apoio da minha mãe, Dona Maria, do meu irmão André, da minha cunhada Larissa e do meu sobrinho Pedrinho foram de suma importância e dispensam comentários. Finalmente, agradeço a Arlete, terna companheira, esposa, eterna namorada, intelectual discreta e que também alfabetizou os filhos, foi quem me acompanhou em tudo, desde o início à conclusão do texto, além de compartilhar comigo a leitura, os anseios, dilemas e alegrias que cercam trabalhos dessa natureza.

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar uma das mais importantes revistas do século XX: a Time Magazine. As investigações estão concentradas no discurso das reportagens que realçavam a preocupação da revista com a ameaça comunista que pairava sobre o Brasil entre os anos de 1958 e 1961, período que abrange a ascensão e a saída do poder do ex-presidente Jânio Quadros. Defendemos que o ideário da revista, mundialmente conhecido como “Século Americano” - criado pelo seu proprietário Henry Luce - estava sendo confrontado na América Latina, em particular no Brasil, pelo avanço do comunismo e das manifestações antiamericanas promovidas naquele contexto. Desse modo, a Time Magazine, por meio de suas reportagens sobre o Brasil durante a gestão de Jânio Quadros, apresentava um discurso analítico a respeito de nossa cultura, política e economia como “arriscados” aos interesses norte-americanos. Esses riscos foram relacionados pela revista Time à conturbada administração de Jânio Quadros, segundo a revista: um excêntrico. O título desta tese “Wherefore Art Thou, Jânio?,” (Por que tu, Jânio?), inspirado em uma de suas reportagens, ilustra a investigação que a revista Time promoveu em torno da personalidade de Jânio Quadros. Inúmeros adjetivos, em sua maioria pejorativos, foram sendo-lhe atribuídos a cada ofensiva que ele realizava contra a presença e a intervenção norte- americana na America Latina.

Palavras-chave: Jânio Quadros, TIME Magazine, Século Americano.

ABSTRACT

Our research aims to analyze one of the most important magazines of the twentieth century: Time Magazine. The investigations focus on the discourse of reports that emphasized the worry and discomfort of the magazine with the communist threat that hung over between the years 1958 and 1961, a moment that covers the path of the rise and output power of former President Quadros. We argue that the ideology of the magazine, known worldwide as the "American Century" - created by its owner Henry Luce - was being confronted in Latin America, particularly in Brazil, by the advance of communism and anti-American demonstrations promoted that context. Thus, Time Magazine, through their reporting on Brazil during the administration of Quadros, presented an analytical discourse about our culture, politics and economy as "risky" to U.S. interests. Such risks were related to Time Magazine troubled administration Quadros, according TIME: an eccentric. The title of this thesis "Wherefore Art Thou, Jânio?" (Why thou Jânio?), Inspired by one of his reports, research illustrates that the TIME Magazine 'organized around the personality of Quadros. Several terms, mostly pejorative, were being attributed to each offense he performed against the presence and U.S. intervention in Latin America.

Keywords: Jânio Quadros, TIME Magazine, American Century.

1

Sumário

INTRODUÇÃO ...... 3

CAPÍTULO 1 ...... 20 TIME MAGAZINE: UMA PROPOSTA MISSIONÁRIA ...... 20

1.1 - TIME Magazine: uma proposta missionária ...... 22 1.1.1 - Os arredores da Guerra ...... 23 1.1.2 - A publicidade ...... 24 1.1.3 - As Missionárias e as Mercadoras ...... 26 1.1.4 - O amadorismo inicial ...... 27 1.1.5 - O estilo e o método ...... 29 1.1.6 - Da morte de Britton Hadden à Fortune ...... 30 1.1.7 - TIME Inc. - Consolidação empresarial ...... 35

1.2 - Para além dos entrepostos: as cabeças de ponte ...... 37 1.2.1 - Reorganização interna: TIME pós-1960 ...... 37 1.2.2 - Revistas versus Televisão ...... 39 1.2.3 - As relações com o Kennedy ...... 41 1.2.4 - TIME, Kennedy e o Vietnã ...... 43 1.2.4 - TIME, Johnson e o Vietnã ...... 45 1.2.5 - A morte de Henry Luce ...... 47

1.3 - TIME Inc. pós-Henry Luce ...... 49 1.3.1 - Donovan, Johnson e o Vietnã...... 49 1.3.2- O novo cenário da concorrência ...... 50

1.3.3 - O Século Americano ...... 51

1.3.4 - Comunicação para as massas ...... 66

CAPÍTULO 2 ...... 69 ESPECTROS DO ANTIAMERICANISMO LATINO-AMERICANO: 1958 – 1960 ...... 69

2.1 - Nixon na Venezuela (1958)...... 71 2.2 - A Operação Pan-americana (1958) ...... 75 2.3 - A Revolução Cubana (1959) ...... 78 2.4 – Benvindo, Eekee! (1960) ...... 81 2.5 – Jânio Quadros (1960) – O quinto espectro ...... 88

CAPÍTULO 3 ...... 90 A CORRIDA PRESIDENCIAL DE 1960 ...... 90 JÂNIO VEM AÍ! ...... 90

3.1 – Antecedentes (Running Start) ...... 91 3.2 – Antecipando a corrida ...... 96 2

3.3 – Os candidatos ...... 100 3.4 – Cuba: uma viagem desastrosa...... 104 3.5 - Qual Conservador ...... 107 3.6 - O Novo Presidente ...... 110 3.7 - Legado de infortúnios ...... 115 Imagens – Capítulo 3 ...... 119

CAPÍTULO 4 ...... 129 WHEREFORE ART THOU, JÂNIO? ...... 129

4.1 - Onde estás tu, Jânio? ...... 130 4.2 - Jack & Jânio ...... 136 4.3 – Girando e Negociando ...... 140 4.4 - Do insulto à injúria ...... 143 4.5 –A linha de Quadros ...... 148 4.6 – EUA aposta em Quadros ...... 152 4.7 – Decisões temperamentais ...... 156 4.8 - Olá, mas nenhuma ajuda ...... 159 Imagens – capítulo 4 ...... 164

CAPÍTULO 5 ...... 173 ONE MAN'S CUP OF COFFEE ...... 173

5.1 – One Man’s cup of coffee ...... 173 5.1.1 – O Lead introdutório ...... 174 5.1.5 - Um jovem já velho ...... 180 5.1.8 - Projeto a projeto ...... 188 5.1.9 - Melindrosa Ameaça ...... 190 5.2 - Quadros sai ...... 193 Imagens do capítulo 5 ...... 201

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 207

REPORTAGENS CONSULTADAS ...... 212

BIBLIOGRAFIA ...... 214

ANEXO: Texto original do Século Americano ...... 220

3

INTRODUÇÃO

O final da década de 1950 foi marcado por eventos políticos e sociais que passaram a integrar a agenda de preocupações dos norte-americanos. Eisenhower, em 1958, incumbiu Nixon, seu vice-presidente, uma série de visitas à América Latina com o intuito de averiguar e ao mesmo tempo apaziguar os ânimos exaltados das populações locais que se opunham a interferência dos Estados Unidos em seus assuntos internos. Os resultados não foram satisfatórios e tiveram como clímax os violentos ataques que Nixon sofreu em sua rápida passagem pela Venezuela em 13 de maio de 1958. Retornando às pressas para Washington, Nixon acabou sendo bem recebido e apoiado pelos seus compatriotas. No entanto, Eisenhower e seu Departamento de Estado precisavam repensar a relação com os vizinhos do Sul. Pouco tempo depois do incidente com Nixon, em junho de 1958, o presidente Juscelino Kubitschek lançava a proposta de uma Operação Pan-Americana. Tal proposta defendia a tese de que a América Latina carecia de amplos recursos para o seu desenvolvimento e progresso econômico e social. Tratava-se de uma crítica ao baixo investimento na região que muito contribuía e pouco recebia. Desse modo, as manifestações antiamericanas serviam como demonstração de que havia a presença ideológica de comunistas em meio a grande população local. A proposta da Operação Pan-Americana serviu como um termômetro de alerta para os Estados Unidos sobre as graves consequências que poderiam advir da falta de investimentos na região. Seis meses depois, em 01 de janeiro de 1959, Fidel Castro chegava ao poder em Cuba, às portas dos Estados Unidos e confirmando as teses da Operação Pan-Americana. Inicialmente tolerado e depois execrado pelos Estados Unidos, Fidel Castro alinhava-se a URSS e dava início a um dos períodos mais agudos da Guerra Fria. Os olhares dos Estados Unidos se voltavam para a América Latina. Em novembro de 1959, tem-se no Brasil o despertar de um corpo estranho1, Jânio Quadros candidatou-se pela aliança UDN-PTN (União Democrática Nacional e Partido Trabalhista Nacional). A TIME passou a analisar de perto a sua personalidade, suas inclinações e práticas políticas. Juscelino, que inicialmente havia sido tratado como uma grande esperança para o Brasil pós-Getúlio (tido como um ditador pela TIME), começou a ser muito criticado pela revista devido à sua política econômica inflacionária e pelo excesso de

1 SKIDMORE, Tomas. Brasil: de Getúlio a Castelo, , Paz e Terra, 2000, p. 231. 4

gastos em seu governo. Ainda candidato, Jânio Quadros passou a ser visto pela revista – da mesma maneira que fora Juscelino no início – como a melhor alternativa para o Brasil. Atribuindo de maneira amistosa a Jânio o perfil de um político austero e conservador, a TIME marcou sua posição e não poupou ataques a dupla Lott-Goulart durante a campanha de sucessão de 1960. Em março de 1960, Eisenhower fez uma excursão pela América Latina e tinha o Brasil em seu roteiro. O intuito das visitas era o mesmo de 1958, averiguar os ‘sintomas’ de antiamericanismo na região e aproveitar a relativa credibilidade do presidente americano para conter os ânimos locais e tentar estreitar laços de amizade e de ajuda mútua entre os países. A cobertura que a TIME fez de sua visita ao Brasil foi descrita em termos calorosos, ao contrário do que ocorreu na Argentina. Dentro desse período, Jânio, em campanha fez uma excursão semelhante a de Eisenhower e incluiu Cuba em seu roteiro. Nos Estados Unidos, Kennedy inicia a sua campanha. Em outubro de 1960, a TIME cobriu as eleições no Brasil e manifestou surpresa frente ao grande número de eleitores. O resultado histórico da vitória de Jânio com sua expressiva votação foi registrado pela revista com certa desconfiança. Durante as suas reportagens ‘investigativas’ a respeito da figura de Jânio, o candidato passava à revista alguns sinais de interrogação em relação a sua política externa. Em seus discursos de campanha, as falas de uma possível aproximação econômica com os países do bloco socialista, em particular a URSS, desconfortavam TIME e, automaticamente, aos EUA. Jânio foi o tema exclusivo das reportagens sobre o Brasil. Seu repentino desaparecimento ao fim da eleição e suas misteriosas excursões pela Europa antes da posse, em fins de janeiro de 1961, chamaram muito a atenção da revista. Os primeiros seis meses de sua gestão foram suficientes para mudar a postura cética da TIME em relação ao seu governo e a sua pessoa, a publicação partiu para o ataque. Sob a luz da ambiguidade política, as ações, os gestos, as decisões e as falas de Jânio confundiam a opinião da revista. TIME admitia a dificuldade em situar a posição política de Jânio Quadros. Alguns elementos de comparação entre Kennedy e Jânio chegaram a ser traçados, visto que ambos assumiam ao mesmo tempo o comando de seus países, além de serem tratados como figuras jovens e promissoras. No caso de Jânio, a revista o distanciava gradualmente de Kennedy e o deixava a meio caminho de Castro. Em julho de 1961, Jânio Quadros foi a edição de capa da revista Time, cuja reportagem de sete páginas realizava uma radiografia do Brasil e da política econômica de Quadros. O Brasil, daquele contexto e sob aquela gestão, era apontado no discurso da revista 5

como um imenso vácuo de poder. As suspeitas do risco de investimentos em um país cuja política e economia eram geridas por pessoas ‘excêntricas’ revelavam o desconforto da revista. A saída de Jânio foi tratada do mesmo modo que os demais veículos de comunicação: com imensa surpresa. A cobertura da vacância de Poder preocupavam TIME e o governo dos EUA a respeito de uma ofensiva de esquerda. Jânio foi responsabilizado pela revista devido à sua postura dúbia a frente do maior país da América Latina. Os interesses norte-americanos, durante o período de Quadros no poder, estiveram em constante risco para TIME. Uma dinâmica de investimentos que pudessem favorecer ao mesmo tempo a economia do Brasil e a imagem norte-americana na região não pôde ser realizada de forma satisfatória, graças à figura de Jânio Quadros. Jânio Quadros e Henry Luce foram contemporâneos. Jânio negava-se a dar entrevistas ao grupo Time-Life. Luce não demorou a responder-lhe o que realmente pensava a seu respeito.

Henry Luce, fundador e proprietário da TIME, na edição da revista Life em 17 de fevereiro de 1941, publicou que os Estados Unidos estariam assumindo uma posição de liderança sobre as demais nações do mundo. Tal liderança se caracterizaria por meio da difusão de um ideário de valores (norte-americanos) pautado em três esferas: política, econômica e cultural. Os Estados Unidos seriam um modelo a ser seguido2. Henry Luce anunciava aquilo que ficou amplamente conhecido como O Século Americano. Os meios de comunicação teriam um papel fundamental na difusão desse empreendimento. A TIME nasceu sob a luz desse propósito3. Seus fundadores, Britton Hadden e Henry Luce, eram homens surgidos num contexto de projeção, crise e superação da sociedade norte-americana, ou seja, vivenciaram a vitória dos Estados Unidos na Primeira Guerra, sentiram as dores da crise de 1929 e acompanharam a superação econômica desse país através do New Deal. Hadden faleceu de forma prematura no início de 1929. Luce, sozinho, deu continuidade ao trabalho. Henry Luce (um filho de missionários) era um porta-voz de um segmento específico daquela sociedade cujos valores foram protocolados nas páginas de TIME. Conservadorismo, protecionismo e perspectiva W.A.S.P. (White, Anglo-Saxon and Protestant) eram os signos

2 BAUGHMAN , James L., Henry R. Luce and the rise of the American News Media, Beltimore and London, The John Hopkins University Press, 2001, p.129. 3 ELSON, Robert T. Time Inc. The intimate history of a Publishing Enterprise (1923-1941), New York, Atheneum, 1968, p. 6-7. 6

principais4. A articulação entre poder político, meios de comunicação e empresa capitalista serviram de sustentação ao seu ideário. O anúncio do Século Americano, em meados do século XX, também serviu como um Outdoor da Guerra Fria. A URSS não anunciou um Século Soviético, porém deixou claro que havia uma contradição na proposta de Henry Luce: que o seu “Século” estaria restrito aos países do ocidente capitalista e que ela própria assumiria a explícita condição de ameaça a esse “Século”. A partir de 1950, uma nova seção de notícias foi criada dentro de Time Magazine, separada da Seção World, surgia The Hemisphere. Se a URSS era vista como uma ameaça aos países do ocidente capitalista, acabaria sendo tratada como um pesadelo quando o assunto fosse a América Latina. As reportagens dessa seção carregam as tintas daquilo que ficou conhecido como “paranoia” onde tudo que se via era vermelho, ou seja, comunista.5 Um dos fundamentos do imperialismo – e o dos EUA não foi diferente - se pauta na expansão de suas fronteiras de forma deliberada. TIME percebeu e publicou de forma recorrente a ameaça de uma invasão comunista para dentro de suas fronteiras – a revista temia a possibilidade de ocorrer o processo inverso (haja vista as inúmeras fronteiras que os EUA atravessaram, ou seja: suas intervenções). Com exceção de Cuba, nunca houve, dentro do período aqui estudado, outro país anexado pelo comunismo na América Latina. Todavia, houve formas tanto diretas quanto indiretas de manifestações e ações que acentuavam tal ameaça. Em alguns países, por exemplo, Venezuela e Argentina havia um forte antiamericanismo. A rejeição aos valores americanos difundidos nesses espaços representou uma das mais desagradáveis críticas à empresa e ao ideário de Henry Luce. Brizola, ao expropriar empresas americanas no Brasil, personificou um dos mais ácidos críticos aos EUA. Em 1959, ele encampou a Cia de Energia Rio Grandense (subsidiária da American & Foreign Power – Bond & Share) e em 1962 investiu contra a Companhia Telefônica Nacional (subsidiária da ITT). Time Magazine execrou tais ações e passou a perseguir Brizola em suas publicações chamando-o de “O anti- Yankee”.6 Observou-se nas reportagens pesquisadas a partir de 1958 a preocupação política e

4 CLURMAN, Richard M. Até o fim da Time: a sedução e conquista de um império da mídia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996, p. 18. 5 TOTA, Antonio Pedro. Os Americanos. São Paulo, Contexto, 175-196. 6 Conforme as reportagens de Time Magazine: Brazil: Leader Wanted, 09-03-1962, (disponível em: http://www.time.com/time/subscriber/article/0,33009,939955,00.html, último acesso em 02-02-2013); e Brazil: Brizola Under Attack, de 19-07-1963 (disponível em: http://www.time.com/time/subscriber/article/0,33009,896872,00.html, último acesso em 02-02-2013). 7

econômica dos Estados Unidos em relação à América Latina. O hemisfério precisava ser protegido e vigiado? TIME executou, ao seu modo, essa função. Por outro lado, o ideário dessa revista tinha como referência as proposições políticas debatidas e difundidas pelo Partido Republicano. A revista não promovia uma oposição violenta e irracional aos democratas. Suas reportagens versavam sob uma crítica rigorosa em relação às políticas econômicas estabelecidas pelo governo Kennedy. As propostas de ajuda econômica ao Brasil de Jânio – debatidas pelo Departamento de Estado como necessárias à contenção do comunismo7 - eram, para TIME, insuficientes. O governo de Jânio Quadros, compreendido pela revista como problemático do ponto de vista econômico e político, diminuía ao máximo as esperanças de contenção do comunismo. Outro dado, anexo ao período aqui estudado, diz respeito à cultura brasileira. De forma recorrente, TIME publicava reportagens com grande ênfase na violência do país, na sua religião, nos altos índices de analfabetismo e na política irracional por aqueles que deveriam representar o povo brasileiro. Tais reportagens ilustravam a crítica executada pela revista aos investimentos feitos pela Aliança para o Progresso. Se, de um lado, havia a grande preocupação com essa forma de investimento, do outro estava a desconfiança com a figura do presidente Jânio Quadros. Excêntrico e imprevisível foram alguns dos termos que TIME utilizou para representar seu governo e a sua pessoa. Segundo essa revista, as suas medidas eram completamente arriscadas ao governo de Washington. De sua fundação, em 1923, até o início da década de 1960, TIME apresentou uma dinâmica gradual em favor de seu ideário “messiânico”. O ano de 1941 pode ser considerado como o ponto de aprofundamento desse ideário. Iniciava-se exatamente naquele ano sua expansão pelo mundo. Suas edições chegavam aos principais países da América Latina. O Brasil foi o primeiro país latino-americano a receber as suas revistas. De 1950 a 1970 temos a etapa da vigilância caracterizada na seção The Hemisphere. Diante dos acontecimentos que marcaram o contexto do início dos anos 1960, TIME passou a focar seus vizinhos latinos de modo ainda mais atento. A partir de 1960 passa a ocorrer uma crescente atenção ao Brasil nas páginas da revista. A partir desse ponto procuramos aprofundar nossa investigação. O posicionamento de TIME é, além de difusor do ideário imperialista norte-americano, tutelar, crítico, preocupado e decepcionado com o grande irmão do sul cujos políticos, condutores do povo, eram personagens desastrosas no diálogo das relações internacionais.

7 SCHOULTS, Lars. Estados Unidos: poder e submissão: uma história da política norte-americana em relação à América Latina; tradução de Raul Fiker, Bauru, SP: EDUSC, 2000, p. 257. 8

Não existe jornalismo imparcial. Negamos a existência de um jornalismo comprometido com a objetividade dos fatos. Editores ditam o texto que deve ser publicado. Do mesmo modo, tomamos como base a real existência de um vínculo intrínseco entre o Poder e a Imprensa. O Poder, neste caso, refere-se tanto ao plano da política quanto dos interesses de classe. Estabelecemos uma leitura crítica dos artigos e das reportagens de TIME ao mesmo tempo em que discordamos de seus juízos de valor. Nessa perspectiva, concordamos com Capelato de que a empresa jornalística está profundamente envolvida com o poder ao ponto de tornar a notícia um objeto de consumo, segundo esta autora:

É preciso considerar, contudo, que a empresa jornalística coloca no mercado um produto muito específico: a mercadoria política. Nesse tipo de negócio há dois aspectos a se levar em conta – o público e o privado (o público relaciona-se ao aspecto político; o privado ao empresarial).8

Os laços que unem a História e a Imprensa são muito fortes e, nesse sentido, entendemos que é necessária cautela. De acordo com Capelato, a ótica burguesa distingue a “boa” da “má” imprensa, sendo a primeira “bem comportada” e a segunda “ameaçadora dos bons costumes”. Juntamente com essa autora, discordamos de uma estrutura e de um método de análise radicalmente maniqueísta. Entendemos que é necessário considerarmos que “qualquer tipo de imprensa é importante para o conhecimento de uma época”.9 Desse modo, se faz necessária uma análise cautelosa em relação ao tipo de informação histórica publicada pelos grupos dominantes (nos quais se inclui TIME) e cujo conteúdo produzido, muitas vezes, acaba sendo transmitido no formato de uma história oficial. É do conhecimento acadêmico o constante diálogo interdisciplinar entre jornalismo e história. A produção jornalística empreendida por TIME infere na produção de um tipo de informação histórica produzida à revelia dos personagens e povos citados.

Diante da difusão de opiniões e ideologias oriundas dos meios de comunicação, em especial TIME, um conceito norteia este trabalho: Imperialismo. O imperialismo ao qual nos referimos é o Imperialismo Sedutor do Professor Antonio Pedro Tota. Localizado inicialmente no período da Segunda Guerra e difundido através da “Fábrica de Ideologias” de Nelson Rockefeller, o Imperialismo Sedutor não desapareceu, mas reduziu discretamente a sua atuação na América Latina durante a década de 1950 para reaparecer com uma nova roupagem durante a primeira metade da década de 1960. Diante de um parceiro cotejado pelo

8 CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil, São Paulo, Contexto, 1988, p. 18. 9 Ibid., p. 28. 9

comunismo, os Estados Unidos, através da ajuda econômica – a Aliança para o Progresso –, tentou “conter” o avanço e a penetração comunista na região. A ferramenta não seria mais a do entretenimento – muito utilizada no período de Guerra -, mas a da ação solidária cuja meta era ultrapassar as Novas Fronteiras que delimitavam o Wilderness. Tais ações exemplificam a nova face do Imperialismo Sedutor.

Nosso trabalho é tributário da linha teórica traçada por Peter Burke dentro do debate da História Cultural. Este autor reconhece a dificuldade de se apresentar uma definição precisa sobre “O que é História Cultural?”. No entanto, não se pode negar o fato de que se trata de um método que renova as diversas maneiras de se estudar o passado. Dentro das nossas limitações, entendemos que uma pesquisa orientada dentro dos pressupostos teórico- metodológicos da História Cultural poderá dialogar com os conceitos de “Cultura”, “Práticas” e “Representações” isentos de uma necessidade puramente materialista. Nosso trabalho não parte de uma análise macro ou microeconômica dos fatos analisados, muito menos de um debate aprofundado com a Teoria Política Contemporânea. Das reportagens cujos temas versam sobre economia e política emana um significativo debate acerca da nossa cultura e da maneira como a revista analisa a nossa cultura. Neste caso, no lugar de uma análise do discurso político ou econômico de TIME sobre o Brasil, realizaremos uma análise do discurso e das percepções da revista acerca da nossa cultura quando os assuntos forem de ordem política e econômica. Nossa proposta de utilizar as metodologias inspiradas pela História Cultural não tem a presunção de desconsiderar ou mesmo ignorar as grandes correntes teóricas, em especial o Marxismo. Acreditamos que é de suma importância um debate com o marxismo tendo em vista uma produção interdisciplinar entre os dois campos. Para ilustrar as questões acima - no intuito de justificar a nossa proposta -, tomamos de empréstimo as observações e Peter Burke em relação ao próprio método marxista

“A própria abordagem marxista levanta problemas complicados. Ser um historiador marxista da cultura é viver um paradoxo, se não uma contradição. Por que os marxistas deveriam se preocupar com o que Marx descartou, por considerar uma mera ‘superestrutura’”.10

O trecho acima ilustra uma crítica voltada para os marxistas de linhagem ortodoxa, presos aos cânones da economia e que muito contribuiu para dificultar ainda mais a

10 BURKE, Peter. História Cultural, São Paulo, Jorge Zahar Editor, 2005, p 37. 10

compreensão do marxismo. No entanto, houve historiadores marxistas que se preocuparam com a superestrutura e favoreceram o debate interdisciplinar. O exemplo é trazido por Burke ao citar “A Formação da Classe Operária Inglesa” de Thompson, tal obra é tida como “um marco da História Cultural britânica.” 11 Apesar da grandeza desse empreendimento não lhe faltaram críticas, ainda mais sendo estas críticas advindas dos próprios colegas marxistas que chamaram o trabalho de Thompson de “culturalista”, ou seja, “por colocar ênfase nas experiências e nas ideias, e não nas duras realidades econômicas, sociais e políticas. A reação do autor foi criticar seus colegas pelo economicismo.” 12 Todavia, o que aqui propomos como um diálogo positivo (interdisciplinar) entre História Cultural e os conceitos do marxismo foi visto como uma possibilidade de reavaliação do método marxista feita pelos próprios marxistas, em particular os menos ortodoxos (Thompson e Raymond Williams). Segundo Peter Burke, “a tensão entre culturalismo e marxismo foi criativa, pelo menos na ocasião da publicação da “A Formação da Classe Operária Inglesa”. 13 Houve um encorajamento para uma “crítica interna aos conceitos marxistas centrais de uma fundação econômica e social, ou ‘base’, e uma ‘superestrutura’ cultural.” 14 Burke, ao citar Raymond Williams, diz que esse autor marxista, na ocasião da publicação de Thompson, reconheceu que “a fórmula de base e superestrutura era ‘rígida’, preferindo, deste modo, estudar o que passou a chamar de ‘relações entre elementos no modo de vida como um todo.’15 Para Burke “um marxismo que dispensa as noções complementares de base e superestrutura corre o risco de perder suas qualidades distintivas.”16 Conforme nos ensina Burke, a História Cultural não é monopólio de historiadores, ela é multidisciplinar, ou seja “...começa em diferentes lugares, diferentes departamentos na universidade – além de ser 17 praticada fora da academia (...).

TIME alimentou o povo norte-americano (e o resto do mundo) com uma imagem pitoresca dos povos do sul. Os fatos publicados são interpretações unilaterais sobre os acontecimentos no Brasil dentro do período aqui estudado. A contextualização é imprescindível para a análise do nosso objeto. Desse modo, executamos um intenso debate

11 BURKE, Peter. História Cultural, São Paulo, Jorge Zahar Editor, 2005, p 37. 12 BURKE, op cit., p 37. 13 Idem, Ibidem, p 37. 14 Ibid. 15 Ibid. 16 Ibid. 17 Ibid., p. 170 11

entre as fontes por nós analisadas (as reportagens) e a bibliografia do contexto. Durante o processo de edição, inúmeras informações foram omitidas do corpo das reportagens, e tais omissões demonstraram o que interessava e o que não interessava à revista. Nessa estratégia de seleção de fatos e acontecimentos, ora mantendo determinado assunto, ora omitindo, está o posicionamento ideológico da revista. Sabemos que nem toda bibliografia poderá responder pela verdade dos acontecimentos, haja vista que um livro que aborda o mesmo assunto também tem seu posicionamento diante dos fatos analisados. Uma revista é um tipo específico de arquivo, sempre bem organizado e contendo o acervo de informações selecionadas e arquivadas em suas páginas ao gosto dos seus editores. Tomamos como questões norteadoras em nosso estudo: para quem, quando, como, e por quem foi produzido o material aqui analisado. Diante desse quadro, pudemos constatar a grande importância que TIME detém frente à política e a economia dos Estados Unidos e, do mesmo modo, agindo como formadora de opinião dentro de uma sociedade que vivia a paranoia do comunismo. A maneira como TIME se posicionou é evidenciada ao longo dos seus textos. Quais foram os responsáveis pela produção e veiculação daquelas informações? Henry Luce produziu, gerenciou e encaminhou a revista dentro de uma esfera de atuação crescente no mundo capitalista. Ele criou, adquiriu e transformou outras revistas e as foi anexando a partir dos anos 1930. Fortune, Archetetural Forum, Life são algumas dessas representantes. Luce representava o americano típico: protestante, liberal e anticomunista. Qual a finalidade de se produzir essas reportagens? Por meio de suas revistas, em específico TIME, Luce, a partir de 1941, apenas ratificaria aquilo que já vinha desenvolvendo há vinte anos e que daquele momento em diante ganharia ainda mais força. A importância que a revista conquistava dentro do mercado americano e depois para o mundo foi acompanhada por uma imensa gama de anunciantes que disputavam um precioso espaço em suas páginas. Neste ponto, imprensa e empresa se articulavam com a esfera política, formando assim um tripé de Poder. Dessa forma confluem ideias e opiniões advindas dos grupos sociais mais abastados e que, dentro de suas ambições, difundiam tanto os seus interesses privados quanto o enorme leque de valores culturais e ideológicos. Tais valores, em sua maioria, advindos do seio do Partido Republicano, eram ratificados pela empresa de Luce. Para quem estariam destinadas essas informações? Inicialmente, a difusão dessas ideias se voltava para o público americano. Logo em seguida se difundiam pelo mundo. Em 1941, com a consolidação de Time Inc., novos 12

entrepostos foram abertos. A revista passou a ser distribuída nos principais países da América Latina, porém suas edições continuaram no idioma inglês - portanto o alvo não era especificamente o público local, mas àqueles que dominavam a língua inglesa. O mesmo aconteceu com as edições que chegavam à Europa logo após a Segunda Guerra mundial. A revista falava em nome dos Estados Unidos em relação aos outros. Eram “eles” que apareciam em seus artigos. TIME escrevia na seção The Hemisphere sobre “eles”, os “outros”, para o público americano em geral como também para o público do mundo de língua inglesa. Uma pesquisa realizada em 1968 pelo jornalista Louis Harris e encomendada por TIME com o título de “O julgamento do Quarto Poder”, teve como objetivo saber o que os americanos pensavam de sua imprensa. No caso de TIME, foi diagnosticado que a revista “era uma publicação familiar a cinco americanos entre dez; 77% de seus leitores tinham formação universitária e 42% de seus leitores manifestavam confiança nela.”18 Tratava-se de um veículo de comunicação muito lido pela maioria dos americanos. O leitor, enquanto consumidor, também age como difusor de ideias previamente estabelecidas. Esse público foi nutrido com informações editadas pela revista acerca dos principais fatos que aconteciam no Brasil. Tais informações foram transmitidas e passaram a integrar o imaginário norte- americano a partir do momento em que eram lidas e debatidas entre esse público. Outro fator que contribuiu para a permanência de juízos produzidos acerca do “outro” é o fato que, uma vez publicada, consumida e difundida, a informação raramente – ou jamais! - voltaria a ser retificada (erratas não foram encontradas dentro do contexto pesquisado). Aquilo que foi publicado não seria mais alterado. Por trás dessa questão está o fato de que, por se tratar de uma publicação frequente, o acúmulo de edições acaba sobrepondo um assunto ao outro não dando margem à retomada daquilo que foi publicado. O leitor passava a ser constantemente atualizado não apenas com o fato, mas também com o ideário que era difundido pela revista. Sob quais condições eram produzidas as reportagens? A empresa de Henry Luce, após 1940, mudou-se para Nova York. As condições iniciais para a prensagem da revista não eram das mais apropriadas. Com o tempo, revistas como TIME ao lado de Life, foram sendo produzidas com equipamentos de última geração. Os investimentos em tecnologia de ponta sempre foram um vetor nos planos de Luce. As filiais se espalhavam pelo mundo promovendo não apenas a abertura de novos escritórios, mas também novas unidades de prensagem. No caso latino-americano, Time Inc. associou-se a outras empresas de comunicação (Globo, Abril/Civita) e utilizou lado a lado as suas

18 BOURBAGE, R., KASPI A. & CAZEMANJOU, C. Os Meios de Comunicação nos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Agir, 1973, p. 172-173 13

unidades de prensagem.19 Por quem as reportagens eram redigidas? Com os seus escritórios espalhados pelo mundo, Time Inc. empregou inúmeros jornalistas, fotógrafos, equipes de produção para os mais diversos eventos políticos, culturais e econômicos. Nesse sentido, uma personagem ganha destaque: o correspondente. Todos os repórteres associados ao redor do mundo encaminhavam seus textos para o escritório central. Lá estava Henry Luce e sua equipe de rewriters (revisores ou reescrevedores) para dar o formato final ao texto transmitido. Houve casos de correspondentes da própria TIME que protestaram contra esse método, por exemplo seu correspondente de guerra no Vietnã, Carlos Mohr (ver capítulo 1). No caso brasileiro, Jayme Dantas, contratado de TIME e um dos fundadores do Jornal Nacional, cobriu e transmitiu textos sobre os principais acontecimentos do país em seu período mais conturbado. Dantas não estava sozinho. Trabalhou em conjunto com outros repórteres norte-americanos no Rio de Janeiro, local no qual estava alocado o escritório de TIME no Brasil. Dantas cobriu da janela desse escritório, situado na Avenida Rio Branco, as manifestações do povo nas ruas no momento do Golpe de 1964.20

As matérias sobre o Brasil, dentro do nosso corte temporal, continham um relativo acervo de fotos e revelavam aquilo que podemos chamar de o "olho" de TIME em relação ao Brasil da década de 1960. Dois fotógrafos atuaram nesse período e foram os responsáveis diretos pelas imagens que apareceram nas reportagens analisadas, foram: Paulo Muniz e David Drew Zingg. No intuito de contribuir com a área do fotojornalismo, haja vista a escassez de material a respeito desses fotógrafos, faremos abaixo, um excurso biográfico de ambos. Paulo Muniz (1918-1994) foi um dos principais fotógrafos jornalísticos do Brasil durante quarenta anos. Há pouquíssimos registros biográficos a seu respeito. Na maior parte de sua carreira, trabalhou como free-lance não apenas para a TIME, Life e Fortune, mas fotografou também pela Ebony Magazine, New York Times, Womans Wear Daily, Business Week e ainda para as agências United Press, Black Satar e Associated Press. Segundo Fabrício Cavalcante21, “no Brasil, ele foi responsável por várias capas da Radiolândia,

19 CALMON, João. O livro negro da invasão branca. Rio de Janeiro, Edições O Cruzeiro, 1966 20 ALVES, Eduardo Silva. O Adeus a Jango. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008, p. 65 21 Mestrando do PPG em Ciência da Arte (PPGCA/UFF), Especialista em Artes Plásticas e Contemporaneidade (UEMG) e Bacharel em Artes Plásticas (UEMG). Atua como fotógrafo profissional e produtor cultural desde 1998. Atualmente é professor do Ateliê da Imagem e pesquisador da arqueologia contemporânea no sítio urbano. (http://www.ateliedaimagem.com.br/index1.php - acessado em 05/06/2011); As informações sobre o fotógrafo 14

Cinelândia, Revista da Globo, além de várias fotos de publicidade.”22 Fotografou “Ava Gardner, Gina Lollobrígida, Brigitte Bardot, Myléne Demongeot e Juliete Greco - musa do filósofo Jean Paul Sartre e do existencialismo - Luz Del Fuego, Odete Lara, Leila Diniz, entre outras beldades. Além de Mário Cravo Jr., Gilberto Freire, Jorge Amado, Carybé. Só para citar algumas expressões da cultura brasileira.”23 Políticos de renome também passaram por suas lentes, foi o caso de Harry Truman, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros, João Goulart, Castelo Branco e Costa e Silva (...) Conta-se que “Jânio Quadros, um político controvertido, não gostava, especialmente, da Time Life, tanto que não posou para a capa da revista por ocasião da sua posse.”24 Um dos seus primeiros grandes trabalhos foi acompanhar e fotografar o processo de construção da cidade de Brasília. Paulo Muniz “foi hóspede do , e tinha um excelente trânsito com Juscelino Kubitschek e toda sua equipe. Da inauguração da capital federal, a Time-Life publicou quatro páginas de fotos coloridas – todas de Paulo Muniz - mais duas de texto, em 25 de abril de 1960”.25 Além da sua ligação em nível free-lance com a empresa de Henry Luce, Muniz tinha como estilo fotografar as transformações urbanas, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, além “do retrato do progresso que se dilatava pelo território nacional, também são marcos determinantes do seu trabalho.”26 As fotos do período aqui estudado trazem essa preocupação do fotógrafo.

Líder da equipe de fotógrafos free-lancers contratada por TIME, David Drew Zingg foi uma referência para a maioria dos grandes fotógrafos jornalísticos do mundo e possuía um currículo invejável com participação nas principais revistas de seu tempo. Nascido na cidade Montclair, New Jersey, em 1923, estudou na Universidade de “Columbia, na cidade de Nova York, onde anos mais tarde deu aulas de Jornalismo.”27 Durante a Segunda Guerra foi voluntário para a Força Aérea Americana e trabalhou na redação da NBC e, após o conflito tornou-se correspondente de guerra, na França e Alemanha, para a Rádio do Serviço Militar.28 Após esse período, Zingg retorna à Nova York como editor e repórter da Time Inc., atuando

Paulo Muniz foram extraídas por Fabrício Cavalcanti da reportagem de capa do jornal Paparazzi, de julho de 1993, nº 18, e obtidas em conversas informais com a família. 22 http://www.uff.br/gambiarra/dossie/0001_2008/paulomuniz/ (Acessado em 05/06/2011) - Revista Eletrônica dos alunos da Universidade Federal Fluminense. 23 Ibid 24 Ibid 25 Ibid 26 Ibid 27 Informações extraídas do site (http://www.zingg.com.br/) - acessado em 05/06/2011. Mas posaria em julho de 1961 28 Ibid 15

diretamente com as revistas Look e Life.

Fernando Arellano/AE

David Drew Zingg (1923-2000)

Na década de 1950 Zingg opta definitivamente pela carreira de free-lance, isto é, torna-se um profissional autônomo com razão social própria e prestando serviços sob contrato com grandes empresas. No caso de Zingg, os contratos que estabeleceu com Time Inc. - entre outras - proporcionou-lhe a segurança financeira necessária para correr o mundo com sua Nikon.29 Sua produção iconográfica esteve presente nas grandes publicações das revistas Look, Life, Esquire, Show, Town and Country, CG, Sports Illustrated, Vogue, Interview, El Paseante, Zoom, Modern Photography, Popular Photography, New York Times, London Sunday Telegraph e The Observer.30 Dentre as celebridades fotografadas, destacam-se “John Kennedy, Winston Churchill, Che Guevara, Marcel Duchamp, Lawrence Durrell, Louis Armstrong, Duke Ellington, Bobby Short e Ella Fitzgerald. Muitos deles se tornaram seus amigos.”31 Seu primeiro contato com o Brasil foi em 1959 ao desembarcar no Rio de Janeiro como membro da equipe do Veleiro Ondine para uma corrida oceânica entre o Rio e Buenos Aires. Sua participação se deu não apenas como corredor, mas também foi um dos fotojornalistas responsáveis pela cobertura do evento realizado pelas revistas de Henry Luce, Life e Sports Illustrated.32 Encantado pelo Brasil, decidiu estabelecer uma frequente ponte-

29 Câmera japonesa utilizada pela maioria dos fotógrafos dos anos 1950 e 1960. 30 Informações extraídas do site (http://www.zingg.com.br/) - acessado em 05/06/2011. Mas posaria em julho de 1961 31 Ibid 32 Ibid 16

aérea entre Nova York e Rio de Janeiro fazendo coberturas dos mais diversos assuntos nacionais, dentre os quais a construção de Brasília cujo material fotográfico percorreu as principais publicações periódicas dos Estados Unidos e da Inglaterra.33 Em Dezembro de 1964, primeiro ano da ditadura militar no Brasil, Zingg decidiu vir morar no país. Após um curto período no Copacabana Palace, mudou-se para uma das casas de seu amigo, o arquiteto Sérgio Bernardes. Desse momento em diante, com residência fixa no Rio de Janeiro, passou a trabalhar “para a revista Manchete, além de fotografar vários filmes do Cinema Novo. Num curto período de tempo, Roberto Civita convidou-o para tornar-se parte do time que estava produzindo uma revista mensal inovadora: Realidade.”34 Mais adiante também contribui com as revistas Manchete, Playboy, VIP, Veja, Claudia, Elle, Quatro Rodas, Status, IstoÉ, Fotoptica, Iris e Ícaro. Suas fotos também apareceram em jornais de grande circulação como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, Jornal do Brasil, O Globo e Zero Hora. Zingg em 1984 publicou um de seus mais importantes livros Mato Grosso – Fronteiras, com imagens do Pantanal. Um dado biográfico que marca o lado irreverente de Zingg foi justamente a sua participação na banda Joelho de Porco, que venceu o prêmio de melhor letra do Festival dos Festivais da TV Globo em (1985), por "A Última Voz do Brasil". Entre 1987 e janeiro de 2000 na Folha de São Paulo criou o personagem Tio Dave, numa auto-referência.35 David Drew Zingg faleceu em 28 de julho de 2000 em São Paulo, vítima de falência múltipla dos órgãos. Todas as fotos do período analisado nesta tese foram tiradas pela dupla citada.

A pesquisa com TIME Magazine permanece inédita no Brasil e não foram localizados trabalhos acadêmicos que versem sobre o tema além do que já foi desenvolvido em nossa dissertação de mestrado. Uma bibliografia em português que trate sobre a história da TIME inexiste. O que encontramos são rápidas referências em livros que abordam a história dos meios de comunicação nos Estados Unidos como os clássicos Kaspi & Bourbage (Os Meios de Comunicação nos Estados Unidos, Rio de Janeiro, Agir, 1974), John Tabbel (Os Meios de Comunicação nos Estados Unidos, São Paulo, Cutrix, 1977) e Erwin Emery (História da Imprensa dos Estados Unidos, Rio de Janeiro, Lidador, 1964). A situação

33 Informações extraídas do site (http://www.zingg.com.br/) - acessado em 05/06/2011. Mas posaria em julho de 1961 34 Ibid 35 http://www.terra.com.br/istoegente/53/tributo/ - acessado em 05/06/2011

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também não muda no caso de uma bibliografia atualizada sobre o mesmo assunto. Um exemplo específico pode ser encontrado no livro de um ex-editor da Time, Robert Clurman, em seu Até o Fim da Time (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996). O livro de Clurman oferece um espaço muito curto acerca da trajetória histórica da revista. Suas análises se concentram, de maneira romanceada, destacando a fusão com a Warner, da qual resulta a atual Time-Warner.

Para suprir essa dificuldade foi necessário recorrer às publicações em inglês, cenário no qual apresenta uma satisfatória bibliografia sobre a história da revista Time. Foram utilizadas para estruturar o capítulo 1, no qual trabalhamos com a construção histórica e conceitual de Time, dois autores tidos como referências máximas no assunto: Robert T. Elson, Time Inc. The Intimate History of a Publishing Enterprise (1923-1941), (Nova York, Atheneum, 1968); Robert T. Elson, Time Inc. The Intimate History of a Publishing Enterprise (1941-1960), (Nova York, Atheneum, 1968) e Curtius Prendergast. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III (1960-1980), (New York, Athenum, 1986). Os três volumes são reconhecidos pela maioria dos analistas do assunto como portadores da história oficial da revista. Esses autores foram funcionários da Time Inc., e bem próximos de Henry Luce. Outro importante livro, e que compõe as análises ditas 'de dentro', Roosevelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York: Harper & Row, 1985) de Hedley Donovan, autor e ex-editor chefe da revista Time e sucessor direto de Luce após sua morte em 1967. Donovan apresenta um relato pessoal e histórico de sua experiência como profissional com todos os presidentes dos Estados Unidos desde Roosevelt até Ronald Reagan.

As visões 'de fora' e com análises imparciais e críticas puderam ser coletadas nos livros de Theodore Peterson, Magazines in the Twentieth Century, (Urbana: University of Illinois Press, 1965), considerado um dos mais importantes historiadores dos periódicos norte-americanos; James L. Baughman, Henry Luce and the Rise of the American News Media (Baltimore and London. The John Hopkins University Press, 2001), sendo a mais recente a atualizada biografia de Henry Luce; David Abrahamson, Magazine-Made America: The Cultural Transfomation of the Postwar Periodical (Cresskill, N. J.: Hampton Press, 1995), importante livro que aborda os efeitos de Time Magazine na cultura e nos norte- americanos.

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A bibliografia sobre o tema Jânio Quadros é tributária dos trabalhos de fôlego realizados por Vera Lucia Chaia, Carlos Alberto Leite Barbosa e Maria Vitória Benevides. Tais autores produziram textos significativos sobre o governo de Jânio e, conforme a orientação dessa tese, são referências obrigatórias para qualquer trabalho que verse sobre o assunto. Outros autores, tais como Skidmore, Carone, Holanda, Bandeira, Tota e Junqueira deram suporte para o assunto aqui tratado.

A fonte primária é a própria revista Time. Não foi necessário consultá-la em arquivos ou acervos particulares. Graças a uma doação feita pela PUCSP detemos praticamente todos os números publicados entre os anos de 1950-2002. Do mesmo modo, também fizemos o uso digital da revista disponível no site www.time.com no qual temos acesso a todas as reportagens desde 1923, visto que somos assinantes.

No capítulo 1, intitulado, Time Magazine: Uma proposta Missionária, ousamos fazer a biografia da revista TIME. É inevitável fazer a história da revista separada da história dos seus fundadores. A história da revista é inerente à história de vida de Henry Luce, um dos seus fundadores. Serão apresentados os principais fatos que marcaram a trajetória empresarial da revista de 1923 a 1967. Também anexaremos o texto central que trata do Século Americano, ideário norteador da proposta ideológica da revista. Por se tratar de um capítulo descritivo, ressaltamos a importância de se observar o grande nível de envolvimento político entre TIME, o governo dos Estados Unidos e o Departamento de Estado, principalmente no período que abrange nossa pesquisa. Defenderemos ao longo desse trabalho que TIME, ao mesmo tempo em que difundia a ideologia do Século Americano pelo mundo, também tinha forte presença naquele governo.

No capítulo dois, Espectros do antiamericanismo latino-americano, analisaremos o contexto histórico latino americano entre os anos de 1958 e 1960. Concentramos a discussão em cinco manifestações que interpretamos como antiamericanas. Defenderemos que manifestações daquela natureza eram frontais à ideologia da revista. Nominamos de espectros do antiamericanismo os protestos contra Nixon na Venezuela, a Operação Pan-americana de Juscelino, a Revolução de Cuba e a ascensão de Jânio Quadros ao cenário da política nacional e internacional. A visita de Eisenhower será analisada no intuito de demonstrar como se davam as ações de vigilância dos Estados Unidos no continente em meio aos espectros anti- EUA. O texto prepara a abordagem que será feita de Jânio Quadros e seu governo nos demais 19

capítulos.

No capítulo 3, A corrida presidencial de 1960: Jânio vem aí!, analisaremos as reportagens que cobrem desde os antecedentes da candidatura de Jânio (1959) até as primeiras manifestações públicas após a sua histórica vitória nas urnas em 1960. O capítulo se concentra no discurso que TIME produziu acerca da personalidade enigmática de Quadros. Procuramos demonstrar que já havia uma preocupação preliminar da revista em relação aos candidatos, em particular Jânio. Do mesmo modo, apontaremos que também era presente a vigilância política do Departamento de Estado. Apresentaremos a maneira de como TIME passou a ocupar-se do perfil pessoal e político de Jânio, principalmente na sua proposta de uma política externa independente, fato que passaria a incomodar a revista durante o ano seguinte, ou seja, 1961.

O capítulo 4, Wherefore Art Thou, Jânio?, analisa as reportagens publicadas sobre Jânio Quadros durante os seus primeiros seis meses na presidência. Apresentaremos a construção gradual e radical do perfil de Jânio dentro dos moldes que TIME articulava. A proposta de investigar os detalhes sobre a personalidade de Quadros, serviu para que a revista consolidasse sua opinião sobre aquele político, que ao seu entender era controverso e, mediante atitudes surpreendentes, apenas reforçava a imagem de ameaça aos interesses norte- americanos, aliás, ao Século Americano.

No capítulo 5, One Man's Cup Of Coffee, faremos a tradução e uma breve análise descritiva da matéria de capa da edição de 30 de junho de 1961, na qual Jânio foi o grande destaque. Reproduziremos a matéria em sua íntegra e intercalaremos comentários pontuais, haja vista que a reportagem, ao passo que retomou a maioria dos temas já discutidos com mais ênfase nos capítulos 3 e 4, permite sua fácil compreensão. A matéria reproduziu os principais assuntos da presidência de Quadros até aquele momento. Por outro lado, a matéria afirmava a posição da própria revista frente à pessoa e o governo de Jânio, ou seja: ele era um antiamericano, uma ameaça real aos interesses dos EUA no Brasil. Ainda nesse capítulo faremos a análise da reportagem que cobriu a renúncia de Quadros, matéria que se ajusta a gama de conceitos que a própria revista produziu desde o início da campanha de Jânio até a presidência.

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CAPÍTULO 1 TIME MAGAZINE: UMA PROPOSTA MISSIONÁRIA

O presente capítulo fará uma síntese da história de TIME Magazine. Antes de tudo serão necessárias algumas observações. TIME Magazine, TIME Inc., e Henry Luce representam uma unidade comum dentro deste trabalho. Esses nomes farão referência direta à revista TIME e a sua cobertura jornalística. TIME Inc. era o nome da corporação multinacional que congregava, em seu início, as demais revistas: Life, Fortune, Sport Illustrated e People. TIME Inc. era a proprietária da revista TIME Magazine, esta que, por sua vez, emprestou o nome à corporação desde a sua fundação em 1923. Como se verá mais adiante, TIME Inc. adquiriu status internacional no contexto da Segunda Guerra e, juntamente com as demais revistas que foram sendo fundadas a partir de 1923, representou Henry Luce e suas ideias expressas no que ele mesmo chamou de O Século Americano. Henry Luce 'reinou' dentro da TIME Inc. de 1923 a 1967 (ano de sua morte). No final da década de 1920, com a grande depressão, Henry Luce já detinha forte presença editorial no cotidiano dos Estados Unidos e, daí para frente, sua participação na política do seu país foi uma constante. As reportagens semanais sobre o cotidiano dos Estados Unidos fizeram de TIME Magazine uma das maiores narradoras históricas do século XX. Após 1967, TIME Inc. passou a ser administrada pelos principais herdeiros do legado de Henry Luce. Funcionários de carreira assumiram o alto comando da empresa e fizeram decisivas adaptações na filosofia administrativa e editorial de suas revistas com o intuito de manter atualizado o poder midiático de TIME Inc. Atualmente a empresa está integrada ao Grupo TIME Warner em parceria com a poderosa CNN. O diferencial reside no alcance geográfico e temporal da empresa, ou seja, graças aos modernos meios de comunicação como a internet, não há fronteiras para a penetração de suas notícias e de seus pareceres tanto jornalístico como históricos. Este trabalho toma como ponto de partida a hipótese de que entre 1923 e 1967 estava presente em sua proposta editorial um método missionário. O termo é tomado de empréstimo do historiador Theodore Peterson, um dos maiores pesquisadores sobre as revistas dos Estados Unidos e uma das principais referências teóricas para esta tese. Esse método pode ser 21

explicado como uma via de difusão do Americanismo e do American Way of Life. Haverá relativa demora na personalidade e na gestão de Henry Luce, pois ele será o formador e o formatador de TIME Magazine. Além de proprietário, ele era o editor chefe da revista. Nas páginas de TIME estão sintetizadas todas as opiniões e ideias que Luce e seu grupo acreditavam. O Século Americano é a síntese de todas as propostas do grupo, ou seja, o mundo era obrigado a reconhecer o papel dos Estados Unidos como líder mundial, não apenas no aspecto político e econômico (Americanismo), mas, também nos meios de comunicação e difusão de valores (American Way Of Life).

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1.1 - TIME MAGAZINE: UMA PROPOSTA MISSIONÁRIA

TIME Magazine é uma revista cujas origens estão cravadas no início século XX. Do mesmo modo que o Readers Digest, não é possível pensar a gênese e o desenvolvimento de TIME desvinculados do seu contexto territorial e histórico. Os EUA do início do XX realizavam uma transição de uma fase pessimista para uma otimista. Conforme Antonio Pedro Tota, naquele momento as máquinas trabalhavam a todo vapor, o campo já se encontrava num processo cada vez mais evolutivo de mecanização ‘atendendo às demandas das cidades em crescimento’36. O desemprego que havia marcado o final do século XIX encontrava-se em declínio e o otimismo citado era compartilhando entre americanos e os imigrantes que ‘chegavam às levas, em especial ao porto de Nova York’.37 Desse ponto de encontro é possível deduzir um inédito cotidiano norte-americano caracterizado pela presença de várias nacionalidades atuando juntas num mesmo território. Um contexto de ‘novidades’ caracterizou aquele momento ‘em que tudo era new no novo século americano’.38 Em certa medida, o termo ‘new’ também indicava uma acepção ‘pejorativa’ aos imigrantes.39 No espaço de duas décadas (1901-1920) ‘cerca de 15 milhões de imigrantes’ entraram nos Estados Unidos e trazendo sua cultura marcada pela religião pelo idioma.40 A TIME pertence ao século XX. Não existe a possibilidade de comparação editorial com as revistas do século antecedente. Suas primeiras edições obedecem a uma lógica analítica daquele ‘novo’ homem americano formatado no contexto pré e pós–Primeira Guerra. A ideia embrionária de TIME Magazine foi gestada ainda na Primeira Guerra Mundial pelos jovens Henry Luce e Britton Hadden que serviam como tenentes em um acampamento conhecido como Camp Jackson, na Carolina do Sul.41 Ambos representavam uma geração de jovens com fervor patriótico antes não visto. Eram ‘homens que marchavam para o Armagedon tocando, cantando e agitando bandeiras’.42 Luce e Hadden, ambos estudantes de jornalismo, integraram as forças norte-americanas como voluntários da Universidade de Yale em 1917, ano no qual os EUA entram definitivamente na Guerra.

36 TOTA, Antonio Pedro. Os Americanos. São Paulo, Contexto, 2009, p.119. 37 Idem, Ibidem, p. 119. 38 Ibidem, p. 120. 39 Ibid., ibidem. 40 Ibid., ibidem. 41 ELSON, Robert T. Time Inc. The Intimate History of a Publishing Enterprise (1923-1941). Nova York, Atheneum, 1968, p. 3-15. 42 Ibid., Ibidem, p. 37. 23

1.1.1 - Os arredores da Guerra

A crescente economia dos EUA recebeu um impulso ainda maior com a entrada do país na Primeira Guerra. As universidades de Yale e Harvard enviavam seus alunos voluntários em grande número que, em certa medida, caracterizava o exército norte- americano composto por inúmeros soldados sem experiência os quais ‘deveriam cruzar o oceano para enfrentarem forças mais experientes na Europa já em luta há quase três anos’.43 O contingente de cerca de dois milhões de soldados americanos, juntamente com um poderoso arsenal de armas, conseguiram barrar e forçar o recuo alemão.44

Henry Luce e Briton Hadden ao final da Guerra ficaram desapontados por não terem cruzado o oceano, ambos ficaram em solo americano aguardando ordens e, quando foi anunciado o armistício, Luce perguntou a Hadden: Luce: O que vamos dizer para os nossos netos sobre o que fizemos na guerra?; Hadden: Limpamos cascos de cavalo em Camp Jackson !45

As palavras acima ilustram o sentimento dos jovens e futuros fundadores de TIME Magazine. Tais sentimentos não estavam muito distantes da maioria dos jovens daquele momento.

43 TOTA, op. cit. p. 130. 44 Ibid., ibidem. 45 Luce: What are we going to tell our grandsons that we did in the war? Hadden: Cleaned a horse’s hoof at Camp Jackson!. ELSON, op. cit. p. 4. 24

1.1.2 - A publicidade

Um dos elementos que contribuíram para a entrada dos americanos na guerra foi a publicidade, elemento capaz de ‘mobilizar importantes setores da cultura para convencer a população’.46 Houve uma grande e moderna propaganda em favor da causa dos Aliados e ‘milhares de voluntários trabalhavam no Committee distribuindo mais de 75 milhões de panfletos e pôsteres’.47 Esse exemplo ilustra o poder da propaganda presente não apenas na economia dos Estados Unidos, mas também na mentalidade de um país que não parava de crescer nos mais diversos setores, principalmente na Indústria. O final da Primeira Guerra marca o nascimento de uma nova etapa na história do povo norte-americano a de um país ‘próspero, rico e consumista’.48 A década de 1920 teve o business como síntese do pensamento dos representantes do mundo.49 O consumo de massa elevado justificava-se pelo nível de propaganda produzida em torno das ‘novidades’. Um dos espaços favoráveis para a difusão da propaganda das mercadorias era o dos meios de comunicação. De acordo com Tota, “no começo da década de 1920, os americanos já haviam comprado cem mil primitivos e quase experimentais aparelhos de rádio; (...) no final da mesma década, mais de 4,5 milhões de rádios transmitiam programas musicais variados, em especial jazz e blues; (...) A propagada pelo rádio já era ‘velha’ em 1929." 50 As pessoas, aos milhares, frequentavam as salas de cinema nas quais, durante os intervalos dos filmes ‘vários produtos ajudavam a dinamizar o mercado crescente’.51 Tomando como referência o sucesso editorial dentro dos moldes do “To Keep Men Well-Informed" 52 (Manter os homens informados), Hadden e Luce conseguiram estabelecer uma lógica entre jornalismo, cultura e propaganda. TIME é gestada dentro de um universo econômico regido pela propaganda. A difusão dos valores tanto de elementos culturais como de produtos de natureza econômica e mercadológica ao longo de suas páginas contribuíram de forma decisiva para o êxito inicial da revista. Cerca de 15 anos após a fundação de TIME Magazine, ‘David A. Smart, um antigo publicitário levado pela onda das publicações, comentou: “Por que ninguém me disse sobre esse negócio das publicações antes? É

46 TOTA, op. cit, p. 130. 47 Ibid., ibidem. 48 Ibid., ibidem. 49 Ibid., ibidem. 50 Ibid., ibidem., p. 138-139. 51 Ibid., ibidem., p. 139. 52 ELSON, op. cit. p. 4. 25

fantástico!." 53 Segundo um dos maiores historiadores do seguimento de revistas dos Estados Unidos, Theodore Peterson, nem todos os grandes editores concordariam com David Smart acerca das facilidades que o mercado editorial oferecia, as incertezas eram evidentes e os fracassos eram constantes, além do que, outras grandes revistas não tinham ido além de suas próprias expectativas.54 Por outro lado, também houve o fenômeno das pequenas editoras que se formavam com pouco dinheiro e acabavam se tornando grandes empresas, tornando-se as principais portadoras da publicidade ‘deixando para trás as velhas favoritas do público como Literary Digest e o North American Review.’55 Com o fim da Primeira Guerra, muitos jovens que haviam sido dispensados do serviço militar chegavam num bom momento à Nova York ‘com grandes ideias sobre revistas e pouco dinheiro no bolso’.56 Tais ideias não estavam distantes de uma crítica aos modelos anteriores, e o cenário econômico dava evidências da importância publicitária. Naquela sociedade de consumo, o direito de consumir relacionava-se ao direito à cidadania. Uma nova indústria de Propaganda e Marketing tomava conta do cenário de consumo efervescente “ajudada pelos jornais e revistas de grande circulação e rádio” cujos índices de audiência disseminaram uma mentalidade que trazia uma nova noção de liberdade. O fordismo ia para além do fordismo, ‘a fabricação de inúmeros produtos se adaptava às técnicas da linha de montagem dos fabricantes de automóveis e colocavam-se a serviço deles.’57 A figura do vendedor se tornava uma figura onipresente, ‘e o consumidor estava fazendo uso pesado dos planos de parcelamento58;(...) os montantes atribuídos à montagem de publicidade eram simultaneamente uma causa e um efeito parcial das vastas despesas para bens de consumo.59 Por outro lado, não foi somente no momento de crescimento econômico que as revistas puderam alavancar seu sucesso, durante os anos de depressão e recessão elas continuaram fortes, ao contrário das décadas iniciais do ‘século americano’, nas quais era grande o número de pessoas que migravam do campo para a cidade na condição de analfabetas e semi-analfabetas – sem esquecer o grande número de imigrantes que precisavam tomar aulas de inglês durante o processo de ‘americanização’60- a década de 1930 apresentou

53 PETERSON, Theodore. Magazines in the Twentieth Century. Urbana: University of Illinois Press, 1965, p. 223. 54 Ibid., ibidem., p. 223 55 Ibid., ibidem. 56 PETERSON, op. cit. 223-224. 57 PETERSON, op cit. p. 224. 58 Idem, Ibidem, p. 224 59 Ibid., ibidem. 60 TOTA, op cit. p. 122. 26

um número crescente de pessoas que sabia ler e escrever e, portanto, estavam aptas para comprar os produtos que a publicidade oferecia.61 O avanço tecnológico nas indústrias de artes gráficas favoreceu a produção em larga escala e em grande velocidade. No entanto um novo elemento foi agregado, ‘foi o encontro feliz entre o que os editores criavam e que o público queria ler. Vários editores, com grande precisão, compreenderam o barômetro do gosto do público de maneira que as revistas que fundaram foram as precursoras de toda uma nova classe de revistas - as digest magazines, por exemplo, e revistas seguintes.’62

1.1.3 - As Missionárias e as Mercadoras

De acordo com Peterson, após a Primeira Guerra os diversos segmentos de revistas podem ser agrupados em duas categorias: ‘As Missionárias’ e “As Mercadoras”.63 Os termos não precisam ser tomados necessariamente em seu sentido literal. Começando pelas mercadoras, essas revistas representam um grupo mais preocupado com o lucro do que com a difusão de valores culturais. Tais revistas viam o segmento como um negócio estritamente empresarial. Segundo Peterson, “a atitude das mercadoras em relação à publicação de revistas era assumida por elas como perfeitamente legítima, pois estavam de acordo com a teoria anglo-americana da imprensa. Para essa teoria, tal como a "mão invisível" de Adam Smith, pressupõe-se que um editor trabalhando em seu próprio auto-interesse inevitavelmente irá trabalhar pelo interesse da comunidade.”64 As missionárias, por sua vez, não estão associadas à pregação do evangelho cristão, apesar de seus fundadores serem originários de famílias religiosas. Podem ser dividas em dois grupos com finalidades missionárias. Aparte o tom religioso que possa sugerir esse termo, essas revistas realizavam uma espécie de pregação, pregavam uma espécie de fé, na qual um grupo pregava a fé em uma “América Melhor”, enquanto o outro pregava a fé em um “Século Americano”.65 Os missionários foram ao mesmo tempo empresários e disseminadores de um evangelho secular. Alguns deles fundaram e editaram as revistas que estavam entre as mais bem sucedidas no mercado, sendo que alguns ‘mercadores’ eram liderados pelos missionários,

61 PETERSON, op. cit, Ibid., ibidem. 62 Ibid., ibidem. 63 Ibid., ibidem. 64 PETERSON, op. cit. p. 224-225. 65 Ibidem, p. 225. 27

chegando a imitar seus produtos e editorais de sucesso.66 As missionárias são bem representadas nas figuras de dois personagens históricos do jornalismo norte-americanos: ‘DeWitt Wallace, do Reader's Digest Association, Inc., que pregava o otimismo, a vida simples, a fé em uma América Melhor e Henry Luce, da TIME Inc., que rapidamente percebeu as fotografias como veículos de informação e educação e proclamou o Século Americano’.67 Tanto o Digest Reader's Association, Inc., como TIME Inc. foram fundadas por pessoas sem experiência anterior em revistas.68 As empresas foram erguidas com investimentos relativamente pequenos, tudo isso foi possível, em parte, porque suas publicações não copiavam o editorial original, mas apenas condensavam, simplificavam e davam nova luz ao material que já havia aparecido em outras publicações. Ambas as empresas estavam entre as maiores empresas de publicação de revistas do mundo no início dos anos 1960.69

1.1.4 - O amadorismo inicial

Do mesmo modo que os fundadores do Reader’s Digest, os jovens Henry Luce e Briton Hadden não tinham experiência profissional com revistas, na verdade trabalharam diretamente com jornais diários. Ao realizarem esse empreendimento, que era o de desenvolver uma revista própria, eles acabaram sendo os próprios editores daquilo que produziam.70 Segundo Peterson “mesmo depois que a TIME Inc. tinha se tornado uma das maiores editoras de revistas no mundo e teve muitos excelentes profissionais em seus quadros, ainda assim era possível detectar traços de amadorismo”.71 Henry Luce era filho de missionários que realizavam trabalhos na China, nas primeiras décadas do século XX, algo muito parecido com a estória de vida dos Walleces, fundadores do Reader’s Digest. Ambos os projetos – de perfil missionário – alteraram a forma e o estilo de se produzir revistas, ‘como o Reader's Digest gerou um novo estilo de revista, duas publicações de TIME Inc. foram responsáveis por novos estilos - as revistas e as revistas de fotografia.’72 Briton Hadden e Henry R. Luce eram esses homens com ‘sentido de missão’. Na

66 PETERSON, op. cit, p. 225 67 PETERSON. loc cit . 68 Ibid., ibidem. 69 Ibid., ibidem. 70 PETERSON. op.cit, 234. 71 Ibid., ibidem. 72 Ibid., ibidem. 28

época, com 24 anos de idade (1922), deram início aos trabalhos. Briton Hadden era natural do Brooklyn, sendo filho de uma família culta e próspera. Ele costumava receber as visitas em sua casa com a leitura de poemas épicos. Do mesmo modo, quando recebia seus amigos, ele fazia questão de ler trechos do seu próprio e simples jornal, o Daily Glonk.73 Segundo um dos seus biógrafos, Hadden formou-se “em Hotchkiss e Yale, (...) conseguiu um emprego em Nova York depois dizer a Herbert Bayard Swope, (que tentava se livrar dele): Sr. Swop, você está interferindo no meu destino." Seu destino, como ele mesmo explicou, era dar inicio a sua própria publicação; o emprego no World daria-lhe a experiência necessária para iniciar sua empresa.74 Luce nasceu em Shantung, na China. Era filho de Dr. Henry Luce Winters, um missionário presbiteriano que fundou duas universidades norte-americanas na China e que convocava de cada membro de sua família a passar, pelo menos, uma hora por dia numa causa útil75. Logo cedo o jovem Luce foi estudar numa escola da China, em seguida foi para Hotchkiss e Yale. Depois de um ano em Oxford, ele aceitou um emprego como repórter e pesquisador de Ben Hecht, e mais tarde como colunista do Chicago News.76 A decisão de levar adiante a ideia de TIME foi tomada na Universidade Yale, local onde dois amigos já trabalhavam juntos na gestão do jornal da faculdade. A ideia já estava lançada na época da Primeira Guerra e ganhou mais força ao trabalharem juntos no Baltimore Frank Munsey News.77 Em 1922 deixaram o Baltimore para darem início ao empreendimento. Tiveram ainda a proposta de voltarem a trabalhar no jornal, caso o negócio não desse certo, assim ‘começaram a angariar dinheiro para o seu próprio projeto que eles denominaram inicialmente como Facts. Este "projeto" tornou-se a TIME. Eles fundaram a empresa com $ 86,000 através da ajuda de amigos e conhecidos.’78 Mesmo sem a experiência necessária, ambos lançaram a revista em 3 de março de 1923. Muitos dos que estavam em sua volta sabiam da inexperiência de ambos e ficaram felizes em poder ajuda-los,79 até mesmo um banqueiro deu assistência na capitalização de novos recursos para a pequena empresa. Herbert William Eaton, então gerente de circulação do World’s Work, ensinou-lhes os segredos da elaboração de uma lista de assinaturas por mala-direta para publicidade, um sistema que a TIME Inc. desenvolveu com sucesso durante

73 PETERSON. op.cit, 234.. 74 PETERSON, apud BUSCH, Noel., Briton Hadden: A Biography of the Co-founder of Time (New York, 1949), pp. 44-45. 75 Peterson, op cit, 235. 76 Idem, Ibidem 77 Ibid., ibidem. 78 Ibid., ibidem. 79 Ibid., ibidem. 29

os seus primeiros quarenta anos de vida.80 A equipe que ia se formando em torno de Luce e Hadden tinha uma característica claramente amadora. Inicialmente os três apoiadores sequer tinham concluído a universidade. ‘O editor de assuntos internacionais, Thomas J. C. Martyn, que mais tarde fundou a revista Newsweek, fez sua primeira reportagem como profissional em TIME’. Hadden e Luce, haviam pensado inicialmente nele como um correspondente estrangeiro. Trazido de Roma, Martyn tinha um salário maior do que deles81. Roy Larsen, o gerente de circulação que mais tarde iria integrar o topo do corpo executivo da empresa, estava no primeiro ano da faculdade. Seus assistentes eram recém-formados trabalhando de forma amadora, eles misturavam as listas de distribuição de uma forma tão desorganizada que alguns assinantes chegavam a receber três exemplares da primeira edição e nenhum dos dois seguintes.82

1.1.5 - O estilo e o método

A apresentação estética de TIME prosseguia nos passos do amadorismo. "Suas normas de impressão,” escreveu um executivo de uma empresa anos depois, eram quase iguais aqueles jornais provincianos franceses de 1910 e suas fotos, nas palavras do falecido Robert Benchley, pareciam como se tivessem sido gravadas em pedaços de pão."83 As primeiras edições de TIME traziam poucas fotografias porque eram muito caras.84 Sua apresentação foi monocromática (preto-branco-cinza) durante 3 anos. Sua primeira capa em tom vermelho foi em 1928. O pouco investimento numa capa atraente estava diretamente relacionado a radical contenção de gastos que a revista precisava realizar frequentemente. Ambos, Luce e Hadden, concluíram certa vez que “não podiam se dar ao luxo de aumentar seus próprios salários para 50 dólares por semana." 85 A organização e gestão interna eram revezadas por Hadden e Luce. Num determinado momento um deles ficava com a parte de negócios, enquanto o outro ficava com a edição e vice-versa. Segundo Peterson, o material da TIME era extraído de fontes diversas, na maioria das vezes até inexpressivas. Boa parte do material era advindo das leituras do The New York TIMEs. Os documentos era juntados, grampeados e depois remetidos para a equipe

80 PETERSON, op cit, 235-236.. 81 Ibid., ibidem. 82 Ibid., ibidem. 83 PETERSON, op cit, p. 236. 84 Idem, Ibidem. 85 Ibid., ibidem. 30

encarregada de reescrevê-los. Algumas vezes, Luce e Hadden reescreviam 50 ou 70% de todo o material da publicação. De taxi, costumavam levar os blocos ao impressor.86 Para conter os gastos que não paravam de aumentar ‘Hadden e Luce mudaram a TIME Inc. de Nova Iorque, onde dividiam um espaço no sótão do edifício East Side com o nascente Saturday Review of Literature, para Cleveland, Ohio, onde o aluguel e os custos administrativos eram mais em conta’87. Houve algumas baixas estratégicas, pois, com a mudança acabaram perdendo ‘o suporte de inteligentes e aventureiros jovens que eles podiam contratar por salários comparativamente baixos em Nova York. Por outro lado, eles perderam as atualizações do New York TIMEs, indispensáveis a sua cobertura.’88 Não tardou para que os resultados viessem a aparecer. Em 1927, a circulação da TIME, em torno de 136,000, era cerca de um terço maior do que do ano anterior e as receitas da publicidade, $ 501,000, eram cerca de 77 % maior.89 A circulação do próximo ano elevou outros 30% das receitas da publicidade, grosso modo 54 %. Em 1930, quando a empresa faturou mais de US $ 3.000.000 em publicidade eles pagaram os seus acionistas com os primeiros dividendos de ações preferenciais.90 O formato, o estilo, a originalidade e a proposta messiânica foram ingredientes que, juntados a um contexto de euforia econômica dominada pela propaganda, levaram a TIME a condição de grande empresa antes de completar uma década de vida. Os resultados positivos que se seguiram foram uma consequência previsível.

1.1.6 - Da morte de Britton Hadden à Fortune

O ano de 1929 foi um ano atípico para TIME. Antes do crack da bolsa ‘TIME Inc. perdeu um dos homens que ajudaram a fazer dela um sucesso. Em 27 de fevereiro de 1929, após uma doença de dois meses, Briton Hadden faleceu’91. Segundo um dos seus biógrafos:

"Time era, antes de tudo, uma invenção pura e simples, e Hadden teve uma grande participação na concepção dela. Em segundo lugar, Time foi um empreendimento ousado e bem-organizado e Hadden desempenhou um papel importante (...)

86 PETERSON, op cit 236.. 87 Idem, Ibidem. 88 PETERSON, op cit 237. 89 Idem, Ibidem. 90 Ibid., ibidem. 91 PETERSON apud BUSCH, op. cit., p. 107. 31

Finalmente, e talvez o mais importante de tudo, Hadden era um grande editor.” 92

Um ano antes, Henry Luce idealizou sua segunda revista, Fortune, cujo lançamento se daria em 1929, ano da morte de Hadden e coincidentemente com o drama de Wall Street. Luce tomou a frente da empresa e acelerou o processo de crescimento de TIME Inc. impondo a sua marca. Fortune

Para Henry Luce, a seção de negócios de TIME era pequena demais. Era necessário um espaço maior tanto para as notícias como para a publicidade que o setor demandava, além do que, eram inúmeras as notícias que ficavam a cargo de seu pessoal, por isso foi criado um departamento experimental, em 1929, cuja função básica era delinear planos e táticas de trabalho com a nova revista. Segundo Luce, a temática de Fortune girava em torno dos interesses do cidadão comum norte-americano e “o objetivo de Fortune é refletir a Vida Industrial em papel e tinta, palavras e imagens como o melhor arranha-céu reflete em aço e arquitetura."93 O lançamento de Fortune estava previsto para o início de 1930, já que Henry Luce e nenhum cidadão americano imaginaria o que iria ocorrer em Outubro de 1929. Segundo Peterson, "poucos dias após o crash do mercado, os executivos de TIME Inc. se reuniram para decidir se os leitores e anunciantes queriam ou não aceitar uma revista exuberante dedicada aos negócios (...) eles decidiram continuar com a revista."94 "Mas não estávamos tão otimistas...", disseram, "... nós reconhecemos que esta queda nos negócios pode durar até um ano inteiro."95 A primeira edição da Fortune, datada de fevereiro de 1930, foi enviada para 30.000 assinantes.96 Apesar da depressão, Fortune ganhou terreno na circulação e na publicidade. As assinaturas aumentaram de 34,000, em 1930, para 139,000, em 1936. No mesmo período, a receita bruta de publicidade mais do que triplicou. Eles aumentaram de $ 427,000 em 1930, para US$ 1.963.000, em 1936. Os ganhos continuaram ao longo dos anos quarenta e cinquenta. No início dos anos sessenta, a circulação foi de cerca de 383.000. As receitas com

92“TIME was, first of all, an invention pure and simple; and Hadden had a large part in designing it. Secondly, TIME was a daring and well-organized business venture; and Hadden played an important part in that… Finally, and perhaps most important of all, Hadden was a great editor.” PETERSON apud BUSCH, in: BUSCH, Noel., Briton Hadden: A Biography of the Co-founder of Time (New York, 1949), p 107. 93 PETERSON, op cit. 238. 94 Ibid., ibidem. 95 Ibid., ibidem. 96 PETERSON apud LYDGATE, William A., in: “Romantic Business,” Scribner’s, 104 (Sept., 1938). 32

publicidade em 1962 foram de US$ 11.996.000, a segunda maior da história até aquele momento.97 O segundo produto de Henry Luce, Fortune, produziu receitas e prejuízos variados em sua história inicial. Seus lucros representavam uma pequena parte da TIME Inc. Segundo William Lydgate, “em seus primeiros oito anos Fortune conquistou uma receita líquida de aproximadamente US $ 1.300.000 - algo em torno de 15 por cento do rendimento da TIME Inc. a partir de suas publicações no período. Seus números, aproximadamente, mostraram que a revista perdeu $ 150,000 em 1930, ganhou US$ 30.000 em 1931, perdeu US $ 30.000 em 1932, e quebrou mesmo em 1933. Para os quatro anos posteriores, a revista mostrou lucro: mais de $ 200,000 em 1934, mais de $ 400,000 em 1935, perto de $400,000 em 1936, e $ 498,000 em 1937. Nos anos cinquenta, pelo menos por algum tempo, a revista disse que estava perdendo dinheiro."98 Na verdade Fortune era uma revista de custo elevado tanto para impressão como edição - apesar da empresa se orgulhar de sua impressão. Com excelentes ilustrações e cautelosa seleção de artigos, os editores em 1937 passaram a oferecê-la pelo custo de $5 dólares. Quando decidiram aumentar o valor da revista para $10, isto é, dobrá-lo, os editores receberam cerca de mil cartas de protesto. Após analisarem os prós e os contras chegaram às seguintes conclusões: ‘havia dois grandes erros, vinte e três menores erros e quarenta pequenos erros’; decidiram pagar a diferença das publicações, ou seja, $4000 para ressarcir o valor anterior.99 A linha editorial da revista Fortune foi elaborada por Henry Luce ao mesmo tempo em que suas ideias tinham como pano fundo o New Deal. Segundo Peterson “no início dos anos trinta, Henry Luce leu um livro de A. A. Bearle e G. C. Means, The Modern Corporation and Private, o qual sustentava que todo negócio, por si só, era investido de interesse público e, a partir dessa tese, Luce desenvolveu a abordagem editorial de Fortune, e procurou manter todos os negócios em permanente vigilância pública." 100 Nesse sentido, Fortune tornou-se pioneira na abordagem pormenorizada de políticas, problemas e análise financeira de corporações.101 Nessa linha, outras revistas surgiram, como foi o caso da Forbes e Business Week. Dwight Macdonald, um ex-escritor de Fortune, acreditava que "a revista se inclinara para a esquerda durante o New Deal por diversas razões, uma delas foi que Luce reconheceu

97 PETERSON apud LYDGATE, William A., in: “Romantic Business,” Scribner’s, 104 (Sept., 1938). 98 PETERSON, idem, ibdem, p. 18 99 PETERSON, op cit. 239 100 Ibid., ibidem. 101 Ibid., ibidem. 33

que o New Deal era uma grande notícia (...) Outro fator foi que muitos dos talentosos escritores de Fortune eram liberais. Por fim, aqueles escritores tornaram-se cada vez mais liberais, mesmo que não tivessem experiência."102 Com sua edição de janeiro de 1956, Fortune passou por mudanças adicionais. A capa foi redesenhada, o índice de conteúdo renovado, e o layout das páginas internas alterado.

Architectural Forum

Em abril de 1932 TIME Inc. adquiriu a revista Architectural Forum, a primeira aquisição de sua pré-fase imperial. Essa revista teve em sua primeira publicação o título de Bricklayer, em 1892, e foi rebatizada para Architectural Forum em 1917. Tratava-se de uma revista exclusivamente voltada para arquitetos quando TIME Inc. assumiu o controle. A inspiração para sua compra chegou até Luce por meio de Marriner Eccles, um financista que ocupava um cargo no Departamento do Tesouro e do Federal Reserve System sob a presidência de Franklin D. Roosevelt.103 Eccles, disse que "a principal linha de ataque contra a depressão seria o investimento em habitação", lembrou Luce anos mais tarde.104 Não apenas arquitetos como também engenheiros precisavam de um meio de informação naquele momento do New Deal. Sendo assim, a tese de Luce era de que "a Construção Civil era a maior e única indústria na América com enorme potencial".105 Para superar a crise de 1929 eram necessários juntar esforços de todas as áreas inclusive da cultura americana. Segundo Peterson ‘a missão original da Architectural Forum sob o comando da TIME Inc., e o que os editores expressaram em seus prospectos, era "reunir, em torno da arte e da ciência central da arquitetura, todas as influências que irão construir a nova América."106 Em janeiro de 1952, a revista foi dividida em duas publicações distintas: Architectural Forum, com foco na indústria pesada da construção civil e House and Home, essa destinada aos construtores de casas residenciais, arquitetos e financiadores de hipotecas.107

102 PETERSON apud Dwight MACDONALD, “Fortune Magazine”, Nation , 144 (May 8, 1937) p.528. 103 PETERSON, op cit. 240. 104 Idem, ibidem . 105 PETERSON apud STEWART, Kenneth. In: “The Education of Henry Luce”, PM, 5 (Aug. 27, 1944). 106 PETERSON op. cit 240-241. 107 PETERSON op. cit 241. 34

Sports Illustrated

Após o empreendimento de Life, a próxima revista do grupo TIME Inc. foi Sports Illustrated, um semanário sobre "o maravilhoso mundo dos esportes", que apareceu pela primeira vez em agosto de 1954, após um ano de experimentação.108 A proposta inicial foi se alterando com o tempo, pois, "originalmente, a revista se destinava a cobrir todo o campo de recreação".109 TIME Inc. planejou Sports Illustrated como uma revista para um público mais culto e, naquele momento, para os leitores de alta renda. Foi estabelecida uma meta de circulação de 450.000 exemplares para os primeiros seis meses. Antes de sua primeira edição Henry Luce fez uma grande campanha de promoção trazendo 250,000 assinantes, antes mesmo que a revista tivesse emplacado um nome.110 Para surpresa de todos, as vendas ao final de seis meses de publicação estavam em torno de 575,000. Segundo Peterson "(...) seu crescimento foi muito rápido. Em menos de uma década após sua fundação, ela já tinha atraído mais de um milhão de assinantes e seguidores, (...) nos seis anos posteriores a 1957 suas receitas publicitárias mais do que duplicaram, chegando a US $ 17.985.000."111 Sports Illustrated não apenas atendeu ao espectador de esportes comuns - futebol, basquetebol, beisebol, boxe -, como também conquistou seus leitores através de textos e imagens, nas escaladas de montanha, caça a raposa, dentre diversos ensaios. A revista instruía acerca de esqui, golfe canoagem, natação, mergulho, equitação, e até mesmo bridge. A equipe havia percebido que o esporte nunca havia tido um tratamento visual adequado, fizeram, portanto, uso extensivo da fotografia, das cores, chegando a enviar artistas para pintar eventos desportivos em tela.112 No início os editores tinham pensado que poderiam comprar mais da metade do seu material de escritores de jornais desportivos, mas os pesquisadores logo descobriram que os repórteres estavam muito ocupados ou demasiado indisciplinados para o tipo de escrita que eles queriam. Segundo Peterson, "eles se inclinaram para o seu próprio pessoal, mas também encomendaram artigos de escritores bem conhecidos como Catherine Drinker Bowen, William Saroyan e Robert Frost. William Faulkner cobria hóquei, John P. Marquand contribuiu com uma série satírica sobre clubes de campo, John Steinbeck escreveu sobre pesca, e o presidente eleito John F. Kennedy criticou o the soft American. A revista denunciava as ligações entre extorsão e boxe, numa cruzada para uma conduta honesta e

108 PETERSON op. cit 241.. 109 Idem, ibidem, p. 241 110 Ibid., ibidem. 111 Ibid., ibidem. 112 Ibid., p. 243. 35

defendeu o conservadorismo. No entanto, algo do zelo missionário que caracterizou o período inicial TIME e Life parecia ausente".113

1.1.7 - TIME Inc. - Consolidação empresarial

Durante e depois da II Guerra Mundial, TIME Inc., nas palavras de seu pessoal, passou de "um pequeno grande negócio" para "um grande pequeno negócio". Analisada a partir de sua receita líquida, a empresa realmente era um pequeno grande negócio durante os anos 1920 e início dos anos 1930. Seus rendimentos eram de apenas $3,860, em 1927, passaram para $ 125,787 em 1928, $ 325,412 em 1929 e $ 818,936 em 1930. Em 1933 seus rendimentos atingiam mais de US $ 1.000.000, e em 1933 dobrava para US $ 2.000.000.114 Antes de 1941, TIME Inc. não tinha correspondentes ou fotógrafos no exterior, como também nenhum membro externo, exceto alguns da “March Of TIME” (equipe que comandava uma programação de rádio da TIME Magazine) em Londres e Paris. Um dos resultados para a ampliação de atividades no exterior durante a Segunda Guerra Mundial foi a montagem da TIME-Life International, em 1945, como uma divisão para administrar a cobertura da imprensa estrangeira e distribuir TIME&Life fora dos Estados Unidos. A empresa passou a publicar cinco edições internacionais de TIME, e quinzenalmente uma edição de Life en Español.115 Segundo Peterson, vários fatores para o sucesso de Henry Luce e sua empresa podem ser levados em conta. Primeiramente a chegada da TIME (e do mesmo modo o Readers Digest) ao mercado foi algo tomado de início como uma novidade, pois se diferenciava dos formatos tradicionais. O contexto histórico de sua fundação, relacionado à conjuntura econômica dos Estados Unidos nos anos 1920 - como já foi dito anteriormente -, contribuiu para alavancar a empresa. Seus pressupostos editoriais foram sutis, o alvo seria o leitor ocupado e pensativo dos acelerados anos 1920, esse que gostaria de receber uma revista condensada e simplificada.116 Em segundo lugar, TIME refletia fortemente a personalidade de seu editor. Mesmo depois que a TIME Inc. tinha se tornado uma grande empresa, suas publicações, traziam a marca de Henry Luce, o qual esperava que seus empregados concordassem com ele sobre os fundamentos. Em terceiro lugar, James Linen, um

113 PETERSON op. cit p 241. 114 Ibid., ibidem. 115 PETERSON, op cit. p. 244. 116 PETERSON, op cit. p. 261. 36

funcionário-chave, observou, em 1953, que "TIME é hoje completamente diferente de TIME da década de quarenta. Aquela TIME foi totalmente diferente da TIME da década de trinta."117 Ernest Havemann, um dos colaboradores de Life, disse certa vez: "Não existe nada como a revista Life."118 Quarto, TIME Inc. sempre teve uma boa gestão empresarial. Se os próprios fundadores não estavam particularmente interessados no lado comercial da publicação, "eles se tornaram associados com os homens que eram."119 Por último, as atividades promocionais desempenharam papéis de importância decisiva no rápido crescimento da empresa.120 Além dos denominadores comuns, outros fatores também contribuíram para as boas condições da indústria de revistas como um todo. O recrudescimento da educação foi um deles. A aparição da TIME coincidiu com o aumento do número de matrículas nas faculdades após a Primeira Guerra Mundial - e muito mais após a Segunda - e, sem dúvida, atraia grande parte desse contingente. Finalmente, o sucesso gerou o sucesso. Como as publicações começaram a crescer, anunciantes e leitores foram atraídos a ela pelo aumento do seu prestígio.121 Em 1963, a TIME Inc., com inúmeras filiais, era a maior editora de revistas dos Estados Unidos. Além de suas revistas, as quais representavam cerca de três quartos de sua receita, a empresa também publicou livros e textos em geral. Operava rádios e estações de televisão nos Estados Unidos e tinha interesses em estações de televisão estrangeiras, especialmente na América Latina. Realizou grandes negócios relacionados à exportação de revistas. Liderou a produção de papel e celulose, sendo proprietária de 610,000 hectares no Texas dentre outros bens imóveis. Life bateu todas as revistas americanas em receitas de publicidade em 1963 com US $ 143.875.000. TIME foi a terceira com US $ 61.276.000. Sua receita bruta em 1962 foi de US $ 326 milhões. A empresa empregava 6.700 pessoas. Após 22 anos instalados no Chrysler Building, Henry Luce e seu grupo mudaram-se para um novo edifício. Agora de sua propriedade, TIME Inc. se instalou em 1960 no prédio TIME&Life, dentro do Rockefeller Center em Nova York.

117 PETERSON, op cit. p. 261. 118 Ibid., ibidem. 119 Ibid., ibidem. 120 Ibid., ibidem. 121 Ibid., ibidem. 37

1.2 - PARA ALÉM DOS ENTREPOSTOS: AS CABEÇAS DE PONTE

A Segunda Guerra Mundial foi um divisor de águas na estrutura da empresa de Henry Luce. Antes de 1945, seus empreendimentos estavam voltados para o mercado interno norte-americano. Com o aumento significativo das receitas da empresa, houve a possibilidade de alçar voos mais altos. De acordo com Prendergast ‘TIME Inc. foi a primeira empresa americana a lançar [dentro do seu seguimento] publicações internacionais em grande escala’, através de suas principais revistas TIME e Life.”122 O próprio Henry Luce admitia a importância dessa projeção tendo em vista as questões de interesse nacional, neste caso o Século Americano, e as diversas oportunidades para publicação e publicidade.123 Em 1965, em comemoração ao aniversário de vinte anos da TIME Inc., Luce fez um discurso quase em termos missionários:

"Time-Life International teve início em 1945 pelo motivo dos EUA serem naquele momento, literalmente, o único poder no mundo capaz de restaurar a continuidade da civilização... É esta alta singularidade de poder e influência [dos EUA] uma premissa real - premissa necessária para o pressuposto de que a Time Inc. devia fazer algo ao mundo” 124

Os critérios de informação, no qual todas as pessoas deviam saber o que se passava no mundo ou em seu país foram as justificativas teóricas de Henry Luce para o seu empreendimento internacional. Em outras palavras, tratava-se de uma forma mais segura e eficaz para difusão dos valores norte-americanos por meio das lentes da TIME Inc. O próprio Luce dizia: ‘todas as pessoas do mundo precisam saber o que está acontecendo no mundo’.125

1.2.1 - Reorganização interna: TIME pós-1960

O final da década de 1950 e início da década de 1960 foi consolidada a presença internacional do Grupo TIME-Life International. Tratou-se de um momento cujo foco se mantinha ligado à cruzada do Século Americano. A Guerra Fria prosseguia, no entanto, o

122 PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III (1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 86. 123 PRENDERGAST, loc cit. 124“TLI was started in 1945 because the U.S. was literally the only power in the world capable of restoring some of the continuities of civilization… It is this towering uniqueness of power and influence [of the U.S.] that is… the factual premise – the existential premise for the assumption that TIME INC. should do things in the international world.” – PRENDERGAST, op cit, p. 86 125 Ibidem. 38

Grupo TIME, em 1960, fazia uma reformulação em sua estrutura gerencial. Abaixo de Luce foram apresentados no formato de um triunvirato os executivos James Linen , Edgar R. Baker e Andrew Heiskel - este um amigo próximo de Carlos Lacerda. A missão do triunvirato era ampliar ainda mais as bases internacionais da empresa. Em 1953, Henry Luce tinha aberto um escritório em Londres que servia como uma base de comunicação com a Europa. No entanto, o edifício sede na Europa foi inaugurado em novembro de 1960, ao custo de 6 milhões de dólares no centro de Paris, na esquina da Avenida Matignon com a Rua Rebelais, cerca de um quarteirão do Palácio Presidencial Charles de Gaulle. Na cerimônia de inauguração, o já empossado novo presidente, Andrew Heiskell, fez um discurso bilíngue no qual lançava previsões otimistas para o futuro da TIME Inc. na Europa e no mundo.126 Se tratava do momento exato para firmarem parcerias com outros editores cujo intuito era transpor a barreira dos diversos idiomas e consolidar a presença de revistas como Fortune, TIME e Life no maior número de países. A ambição pelo mercado mundial pode ser constatado na fala do então vice-presidente da empresa, Edgar R. Baker: “Através de uma combinação do crescimento de nossas revistas com a expansão em novos campos,(...) nossa meta é levar a Time-Life International a um lucro anual de 100 milhões de dólares durante a década de 1960”,127

O aumento almejado por Baker representava cerca de quatro vezes mais do que já havia sido alcançado na década anterior. Já o presidente da empresa, Heiskell, se mostrou mais contido e, num pronunciamento aos colegas europeus, preferiu valorizar não apenas os investimentos em revistas, mas preparar o terreno para expandir o setor de televisão no exterior e a fixação de novas “cabeças de ponte” em outros países. De longe, Henry Luce observava a velocidade com que os novos executivos dirigiam a empresa e, ao lado dos veteranos, pedia um pouco de calma aos mais jovens.128 Por outro lado, Heiskell continuava sua missão de expansão dos negócios da TLI pelo mundo e, após uma reunião, em 1961 no Japão, decidiu retomar um antigo projeto de expansão, só que dessa vez para a America Latina.129 Durante o processo de expansão internacional, a TLI se deparou com alguns problemas locais que influenciavam direta e indiretamente suas intenções. Dois elementos

126 PRENDERGAST, Op. cit p. 82. 127 “Through a combination of growth of our present magazines and expansion into new fields,” (…), “our purpose is to turn TLI into a $100 million annual business during the 1960s (…).”PRENDERGAST, op cit. Ibid., ibidem. 128 Ibidem. 129 PRENDERGAST, Op.cit. p.83. 39

foram decisivos, o câmbio local e a censura de algumas reportagens. O Japão foi o país no qual esses fatores tiveram maior impacto no expansionismo de TLI.130 O caso latino- americano foi peculiar, pois a logística de distribuição sofreu com o deslocamento terrestre precário, o que provocava atrasos na entrega dos números e contribuía para a recepção de um conteúdo desatualizado ao público.131 Tratava-se de um mercado fragmentado, ‘cuja publicidade se manteve escassa’ o que levou a perdas significativas.132 O afastamento gradual de Henry Luce favoreceu a indicação de Otto Fuerbringer como Editor-chefe em março de 1960. Conhecido pelo apelido de "Chanceler de Ferro", Fuerbringer, ao contrário dos editores anteriores, impôs os valores republicanos defendidos pela revista. Ao mesmo tempo em que dedicou maiores cuidados à linha editorial da revista dentro do clima da Guerra Fria - os reflexos dessa linha de trabalho puderam ser percebidos em suas capas.133 Boa parte do material, que era publicado durante a campanha de Kennedy, acabava sendo reescrito [aos moldes de Henry Luce] por Fuerbringer.134 Sob a gestão de Fuerbringer, TIME continuou a ser tratada como um veículo que distorcia a notícia dentro e fora dos Estados Unidos.135 Apesar disso, mesmo após uma pesquisa realizada em 1961, por diversos correspondentes, em Washington, sobre o papel de TIME nos EUA e no mundo, constatou-se que ela era a revista mais lida no país.136 Por outro lado, quando o assunto era 'a confiabilidade no conteúdo' da revista, os números já não eram muito favoráveis. Por meio de um método de votação, foi apurado o seguinte resultado: 'Newsweek recebeu setenta e cinco votos, U.S. News & World Report sessenta e seis, TIME nove.'137

1.2.2 - Revistas versus Televisão

Apesar da pouca atenção que Henry Luce dava aos seus críticos, ele não podia deixar de reparar que há tempos um novo tipo de ameaça cercava sua empresa, tratava-se do avanço da televisão. Ao longo das décadas de 1930, 1940 e 1950 foi possível a obtenção de lucros

130 PRENDERGAST, ibidem, p 83. 131 Ibidem, p. 86. 132 Ibidem, p. 87. 133 BAUGHMAN, apud SHAW, David., Los Angeles Times, 3 May 1980. 134 DONOVAN, Hedley., Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York: Harper & Row, 1985), p. 73. 135 BAUGHMAN, op cit, 184. 136 Ibid., ibidem. 137 Ibid., ibidem. 40

significativos para a manutenção e ampliação de todo o seu empreendimento. No entanto, já na década de 1950, a ascensão da televisão começava a ameaçar o mercado de revistas.138 O aumento dos aparelhos de TV nos lares americanos acabou deslocando a atenção dos anunciantes e afetando o mercado editorial como um todo. Até mesmo as grandes rivais centenárias como o Saturday Evening Post sucumbiram diante do fenômeno. Incapacitadas de lutar contra a televisão, as batalhas por assinantes e anunciantes passaram a ser travadas entre as revistas. Com a diminuição do preço das revistas e a permanência dos encargos com a qualidade do material, inúmeras revistas foram à falência.139 TIME Inc. sobreviveu sem muitos problemas graças a sua grande estrutura. Um caso específico refere-se à sua revista Sport Illustrated que nada sofreu dentro daquele novo cenário de concorrência, pelo contrário continuou com os bons resultados de venda.140 Life, nos anos 1960, também sob o impacto da televisão, viu-se obrigada a rever sua estratégia original. Com vistas à redução de custos oriundos de suas imensas ilustrações e fotografias, a revista gradualmente migra para o texto. Seus editores acreditavam que, ao contrário das imagens, a palavra seria a única forma de lutar contra a TV. A Life teve de assumir uma nova identidade e passou a publicar matérias com perfil de jornalismo investigativo.141

138 BAUGHMAN, op cit, 184. 139 Idem, Ibidem. 140 Ibid., ibidem.. 141 PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III (1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 51. 41

1.2.3 - As relações com o Kennedy

Henry Luce esteve à frente do Office como editor-chefe até 1964, ano no qual se aposentou, porém continuou a influenciar não apenas a direção de sua empresa como também os governos americanos que se sucederam até a sua morte em 1967. Nesse mesmo período muitos políticos americanos nos quais se incluíam ‘respeitados democratas’, aderiram às diretrizes básicas do Século Americano de Luce.142 Os liberais americanos permaneceram dedicados à Pax Americana, cujos benefícios para a humanidade pareciam [para eles] pouco evidentes naquele momento dado ao contexto da Guerra Fria.143 O agressivo Século Americano não rasgaria a cortina de ferro, portanto era o momento de uma revisão de postura. Muito criticado por liberais como o teólogo Reinhold Niebuhr – que influenciou diretamente as ideias de alguns nomes tais como Arthur Schlesinger, Jr. – entre outros, Luce ‘tentou moldar naquele momento o Século Americano sob um movimento batizado por ele de Peace through law cujo vetor seria a manutenção da paz internacional’.144 Por incrível que possa parecer, a proposta de Luce não foi aceita e o Senado dos EUA, apesar das intervenções de Eisenhower, não revogou a emenda Connally,

142 BAUGHMAN, James L., Henry Luce and the Rise of the American News Media. Baltimore and London. The John Hopkins University Press, 2001. p.180. 143 MATUSOW, Allen J., The Unraveling of America: A History of Liberalism in the 1960s (New York: Harper & Row, 1984, p 11. 144 BAUGHMAN, op cit. p.180. 42

que atribuia competência aos Estados Unidos para rejeitar a decisão do Tribunal Mundial.145 Apesar de os ‘diplomatas americanos, no final dos anos 1950 e 1960, respeitarem Luce, eles não partilhavam do seu entusiasmo por uma política externa de legalismo moral’.146 Luce, um republicano, esteve diretamente envolvido na campanha do democrata Kennedy. O discurso de Kennedy em relação ao contexto de Guerra Fria não foi o único elemento de aproximação com Luce. Apesar do carisma e da grande articulação política de Kennedy, Luce era amigo de seu pai desde a década 1930, momento em que Joseph Kennedy deu início a uma tradição familiar de conquistar aliados políticos.147 Luce fez diversas publicações favoráveis ao clã Kennedy, inclusive escrevendo o texto de introdução do primeiro livro do jovem John. F. Kennedy, Why England Slept.148 O grau de intimidade e contato de Henry Luce com o clã Kennedy era muito grande. Enquanto JFK fazia seu discurso de aceitação da indicação à presidência na convenção do partido democrata, seu pai, Joseph, o assistia pela televisão no apartamento de Luce em Nova York. A vitória de Kennedy recebeu ampla cobertura da mídia nacional e internacional. No entanto, a cobertura da posse realizada pelas revistas TIME e Life reforçou ainda mais o brilho do novo presidente. O ensaio fotográfico de Kennedy e de sua bela esposa nas páginas de Life foi visto, comprado e apreciado por milhares de leitores dos Estados Unidos e do mundo.149 A total parcialidade de Luce em relação a Kennedy incomodou de tal forma os republicanos que até mesmo Richard Nixon publicou protestos contra Luce. O próprio Kennedy, impressionado com as publicações em TIME Magazine, pediu para que um dos seus assessores checasse se o empresário estava mudando de posição. William Benton, amigo de muitos anos de Luce como de Kennedy, deu-lhe a notícia de que Luce não estava deixando o Partido Republicano.150 Apesar de todas as suspeitas em relação à participação do empresário na campanha vencida por Kennedy, Henry Luce votou no nome indicado pelo seu partido, Richard Nixon. Mesmo assim, nada disso impediu Luce de participar do baile de posse sentado no camarote de Joseph Kennedy.151 Kennedy tinha pleno conhecimento do importante papel que a televisão e a imprensa

145 BAUGHMAN apud LUCE, Introduction to Beyond Survival, by Max Ways (New York: Harper & Bros., 1959), xi-xii. 146 Ibid., ibidem. 147 BAUGHMAN, op cit. p. 181. 148 Ibid., ibidem. 149 PARMET, Herbert S.. Jack: The Struggles of John F. Kernnedy (New York: Dial Press, 1980), p. 438. 150 DONOVAN, Hedley., Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York: Harper & Row, 1985), p. 70. 151 BAUGHMAN, op cit. p. 183. 43

exerciam sobre a política. Naquele momento o novo presidente precisava do apoio desses setores, e o encontrou de forma especial na TIME.152 Em sua primeira visita à Europa como presidente, Kennedy ficou impressionado com a popularidade da revista TIME no velho continente, o grande número de leitores em diversos países europeus chamou a sua atenção. Ao regressar aos Estados Unidos, Kennedy fez questão de receber antecipadamente os números das revistas Newsweek e TIME.153 Henry Luce, em diversas ocasiões, fazia questão de entregar pessoalmente a Kennedy um exemplar semanal.154 Kennedy, muitas vezes, procurava manter a republicana TIME ao seu lado, e periodicamente consultava Luce acerca de decisões de peso no cenário internacional.155 Antes de se posicionar sobre a questão da inclusão da China nas Nações Unidas, Kennedy pediu para que Henry Luce preparasse um parecer final e cujo resultado não estava muito distante do esperado, ou seja, Luce mantinha inalterada a posição da política norte- americana em relação à China, portanto continuava a considerar o exilado Chiang Kai-shek como o representante legal daquele país, permanecendo o país asiático fora da ONU.156 O descontentamento de Henry Luce em relação a Fidel Castro esteve presente na maioria dos editoriais de TIME naquele contexto. Kennedy não teve dificuldade de encontrar apoio à questão do bloqueio a Cuba quando recorreu a Luce. O discurso do presidente, publicado pela revista, foi considerado pelo empresário como algo 'brilhante'.157

1.2.4 - TIME, Kennedy e o Vietnã

Segundo James Baughman, Kennedy podia sempre contar com a ajuda e com o endosso de Henry Luce nas questões sobre o Vietnã. A posição de TIME Magazine era clara, ou seja, favorável aos governos de Ngo Dinh Diem e Chiang Kai-shek.158 Entre os anos de 1962 e 1963, Henry Luce não se opôs às decisões do governo Kennedy sobre a ajuda militar ao governo de Diem.159

152 BAUGHMAN, op cit, 185. 153 Ibid., ibidem. 154 DONOVAN, Hedley., Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York: Harper & Row, 1985), p. 70. 155 Ibid., ibidem. 156 BAUGHMAN, op cit, 186. 157 PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III (1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 35-36. 158 BAUGHMAN, op cit, 186-187. 159 Ibid., ibidem. 44

Ngo Dinh Diem

Todavia, um problema de ordem editorial afetou a credibilidade da TIME junto à opinião pública dos EUA no que se referia ao Vietnã. O editor-chefe Fuerbringer reescrevia todas as informações transmitidas pelos seus correspondentes no Vietnã. Tal procedimento contrariava radicalmente uma metodologia de trabalho e de escrita que havia sido fundada por Hadden e Luce e, cujo percurso, mantinha-se inalterado desde 1930.160 Uma coisa era reescrever (condensar, resumir, rewriter) outra era forjar explicitamente a notícia, pois estava sendo passada aos leitores americanos uma imagem positiva, de progresso, quando na verdade a situação piorava ainda mais na região.161 Em Washington, um desses correspondentes, Carlos Mohr, denunciou que as notícias que vinham sendo publicadas na TIME não correspondiam à realidade e, portanto, apresentavam um conteúdo otimista e evasivo.162 Tal denúncia havia partido de dentro da própria TIME e, portanto, promoveu um constrangimento público da revista durante o outono de 1963.163 De maneira desesperada, Fuerbringer contra-atacava dizendo que, devido às péssimas condições de trabalho no Vietnã, correspondentes como Mohr defendiam posições derrotistas. Por último, e na tentativa de restaurar a credibilidade da TIME, Fuerbringer ainda cometeria outro erro, disse que a "imprensa [exceto TIME] estava ajudando a confundir ainda mais a opinião pública nos Estados Unidos".164 Quando Mohr, inconformado, anunciou a sua demissão, Henry Luce interviu imediatamente e pediu para que Fuerbringer "acalmasse seu homem de Saigon", este que era responsável pela Seção World, a mais crítica de TIME naquele momento.165 Após

160 BAUGHMAN, James L., Henry Luce and the Rise of the American News Media. Baltimore and London. The John Hopkins University Press, 2001. p.187. 161 BAUGHMAN apud John L. Steele, "The News Magazine in Washington," in The Press in Washington, ed. Ray Eldon Hiebert (New York: Dodd, Mead, & Co., 1966), p. 58-60. 162 Ibid., ibidem. 163 BAUGHMAN, op cit, 187. 164 HALBERSTAM, David. The Power That Be (New York, Knopf, 1979), 464. 165 BAUGHMAN apud John HORENBERG, Between Two Worlds: Policy, Press, and Opinion Public in Asian- American Ralations (New york: Frederick A. Praeger, 1967), 41-42. 45

intensa rodada de acordos, Mohr decidiu permanecer.166 O ceticismo dos correspondentes e jornalistas norte-americanos em relação à Guerra do Vietnã podia ser convertido em hostilidade ao governo.167 Os repórteres americanos manifestavam grande insatisfação com a guerra desde 1960. Um dado que agravava ainda mais a credibilidade dos meios de comunicação podia ser identificado fora dos Estados Unidos. Tanto os países que apoiavam as ações norte-americanas no Vietnã, como a própria China, manipulavam a todo custo as informações produzidas na região do conflito, confundindo a imprensa como um todo.168 Nesse período, Henry Luce foi se afastando gradualmente do corpo gestor enquanto preparava sua aposentadoria. Em Abril de 1964 ele deixou o posto de editor-chefe. Em 1959 já havia preparado e indicado o seu sucessor, Hadley Donovan. Donovan era um funcionário de carreira dentro da corporação e, antes de assumir o novo posto, havia trabalhado como editor chefe em Fortune. Compartilhava de todas as visões de Henry Luce, porém não possuía as habilidades e as excentricidades do Chefe.169 Como aposentado, Luce visitava periodicamente o escritório em Nova York. Durante essas visitas, ele fazia muitas críticas e sugestões a toda equipe, mas era Donovan quem tomava a maioria das decisões.170

1.2.4 - TIME, Johnson e o Vietnã

Com a morte de Kennedy, seu sucessor Johnson pediu o apoio de Luce.171 Em 1966, logo após a sua reeleição, Johnson aprofunda a participação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã ao ouvir seus principais conselheiros, os quais pediram a todo custo uma "Americanização" da guerra.172

166 BAUGHMAN apud John HORENBERG, Between Two Worlds: Policy, Press, and Opinion Public in Asian- American Ralations (New york: Frederick A. Praeger, 1967), 41-42 167 BAUGHMAN, op cit, 188. 168 BAUGHMAN apud MOHR, Charles. "Once Again - Did the Press Lose Vietnam?", Columbia Journalism Review 22, (Novembver-December 1983), 55; Daniel C. Hallin, The "Uncensored War": The Midia and Vietnam (New York, Oxford University Press, 1986), p.40-42, 48, 58. 169 BURNS, Joan Simpsom. The Awkward Embrace: The Creative Artist and the Institution in América (New York: Knpf, 1975), 143-45, 161. 170 BAUGHMAN, op cit, 188. 171 Ibid., ibidem. 172 BAUGHMAN, op cit, 189. 46

A TIME aplaudiu173 a decisão de Johnson e em seu editorial declarou:

"Lyndon Johnson não permitirá que os EUA sejam retirados do Vietnã. Caso isso acontecesse, os americanos só teriam outra chance de lutar contra o comunismo asiático muito mais tarde" 174

Para Henry Luce o Vietnã era uma das cinco ou seis áreas do mundo que mais importavam aos interesses americanos.175 Luce deu apoiou incondicional à participação dos Estados Unidos no Vietnã, pois acreditava piamente na vitória do sul. Desde a Guerra da Coréia, Henry via essa guerra como "uma importante arena de testes para consolidar a liderança dos Estados Unidos no mundo.176 Óbvio que para ele a intervenção norte-americana também era necessária para desencorajar as guerras de libertação sob o signo do comunismo.177 Na visão de Luce, o Vietnã tinha um valor tanto estratégico como simbólico para os Estados Unidos, a intervenção norte-americana no sudeste asiático deveria ser realizada a todo o custo.178

"após vinte anos de esforço e experiência, os EUA são capazes de deixar claro a toda a humanidade quais são as regras de uma nova ordem internacional que pretendemos defender e o modo como a preservaremos com força..."179

Em abril de 1965, o Washington Post publicou em seu editorial o artigo The Anguish Power (O Poder angustiado). Nesse texto estavam contidas as mesmas teses utilizadas em 1941 por Henry Luce em seu Século Americano.180 Os argumentos para a angústia do poder americano citados no artigo se baseavam no fato de que com o declínio do Império Britânico no pós-Segunda Guerra, a "América" assumia as responsabilidades com o Poder e os Estados Unidos não poderiam estar distantes ou desatentos a tudo o que acontecia no mundo.181

173 BAUGHMAN, op cit, 189. Ver também: Time, 14 de maio de 1965; Time, 7 de janeiro de 1966. 174 “Lyndon Johnson will not allow the U.S. to be pushed out of Vietnam. For if that were to happen, Americans would only have to make another stand against Asian Communism later.” Ibid., ibidem. 175 Ibid., ibidem. 176 BAUGHMAN, op cit, 189. 177 BAUGHMAN, op cit, apud HALBERSTAM, Quagmire, 315, 319. 178 Ibid., ibidem. 179“after twenty years of effort and experience, the United States will be able to make clear to all mankind what rules of international order we intend to uphold and in what ways we will preserve purposes with power.”in: PRENDERGAST, World of Time, 1968. 180 BAUGHMAN, op cit, apud, Washington Post, 26 April 1965. 181 Ibid., ibidem. 47

Dentro do contexto de pós-reeleição de Johnson (1965/66) e o aprofundamento da crítica em torno da ação radical dos Estados Unidos na guerra, outra batalha passou a ser travada entre a TIME e os demais meios de comunicação dos Estados Unidos. Segundo Baughman, tal conflito não se deu de forma isolada nos moldes de uma TIME Magazine’s War (Uma Guerra da TIME Magazine) e uma 'Lucean cause' (Causa Henry Luce), mas num desencontro de opiniões entre a maioria dos repórteres em torno da guerra.182 Poucos meses antes de sua morte em 1967, Henry Luce publicou comentários menos 'gloriosos' e ufanistas em relação ao Vietnã.183 Esse tipo de visão em relação à guerra passou a integrar o editorial da TIME dali em diante. Ao lado de outras publicações, a TIME lamentava a dificuldade de conviver com o 'caos sangrento' da guerra. Mais difícil ainda para a revista era admitir que eles, os Estados Unidos, a nação mais rica do planeta, ainda teria que pensar na possibilidade de uma retirada humilhante do campo de batalha.184

1.2.5 - A morte de Henry Luce

Ao se aposentar, Luce se retirou para seu lar em Phoenix e periodicamente se dirigia ao escritório em Nova York para monitorar a cobertura que suas revistas faziam sobre a

182 BAUGHMAN, op cit, 190. 183 BAUGHMAN, op cit, 190-191. 184 Time, 22 de abril de 1966, 19. 48

guerra.185 Hadley Donavam, o editor-chefe realizava periódicas reuniões com as lideranças das demais revistas. Todavia, novos problemas derivados da cobertura das notícias do Vietnã e seus impactos na opinião pública dos EUA obrigavam a TIME Inc a se posicionar radicalmente. Em 1966, com o aumento das baixas americanas, a empresa se convenceu da necessidade de continuar o processo de 'americanização da guerra'.186 Nesse mesmo ano, o editor-chefe e substituto de Henry Luce a frente da TIME Inc. publicou no editorial de Life que sua empresa defendia abertamente a continuidade da intervenção americana no Vietnã e sinalizava que, em breve os EUA retomariam a ofensiva definitiva para libertação do Vietnã do Sul.187 Esse pronunciamento 'encantou Henry Luce ao ponto de dizer que o ensaio de Donovan foi "o que de melhor se pode escrever sobre o Vientã até aquele momento".188

Henry Luce, mesmo aposentado, continuou viajando pelo mundo arriscando inclusive viagens sem êxito à China completamente fechada aos jornalistas americanos.189 Luce, no final de fevereiro de 1967, sentiu-se mal e passou a ter dificuldades para se alimentar. Clare, sua esposa o levou às pressas para o hospital. Embora os médicos não tivessem encontrado nada de errado no primeiro diagnóstico, às 3h da manhã do dia 28 de fevereiro, Henry Luce veio a falecer.190

185 BAUGHMAN, op cit, 192. 186 Ibid., ibidem. 187 PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III (1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 241-42; editorial Life, 25 February 1966, 27-31. 188 Ibid., ibidem. 189 BAUGHMAN, op cit, 193. 190 Ibid., ibidem. 49

1.3 - TIME INC. PÓS-HENRY LUCE

1.3.1 - Donovan, Johnson e o Vietnã.

Em 1968, um ano após a morte de Henry Luce, o então homem forte da TIME Inc., Haddley Donovan, rompia com o presidente Jonhson em relação à Guerra do Vietnã.191 Além da forte pressão da opinião pública americana, os meios de comunicação faziam questão de publicar os números expressivos de soldados enviados ao Vietnã192. Segundo Antonio Pedro Tota, entre 1966 e 1968 o número de soldados enviados à região havia crescido de quinhentos mil para oitocentos mil193. Os editoriais de Life, a partir de outubro de 1967, já indicavam a necessidade de se iniciar, o quanto antes, uma solução negociada para o conflito.194 A TIME passou a questionar a capacidade militar dos Estados Unidos no Vietnã fazendo com que o presidente Johnson se queixasse das publicações de Donovan.195 O início da retirada gradual das tropas americanas, já no começo de 1968, estava de acordo com as mudanças propostas por Donovan.196 A imprensa já não escondia os ataques que as forças americanas faziam às áreas urbanas do Vietnã desde 1965, motivo que reforçava ainda mais a perda de credibilidade tanto da administração de Jonhson como da imagem do exército.197

191 PRENDERGAST, Curtius. The World of Time Inc – The Intimate History of a Changing Enterprise, Vol. III (1960-1980). New York, Athenum, 1986, p. 248. 192 BAUGHMAN, op cit, 193. 193 MAGNOLI, Demétrio. História das Guerras. São Paulo, contexto, 2006, p.217. 194 BAUGHMAN, op cit, apud editorials, Life 20-10-67, 4 a 15-03-1968. 195 DONOVAN, Hedley. Rooselvelt to Reagan: A Reporter’s Encouter with Nine Presidents (New York: Harper & Row, 1985), p. 103. 196 Ibid., ibidem. 197 BAUGHMAN, op cit, 193. 50

1.3.2- O novo cenário da concorrência

Donovan, ao distanciar a TIME Inc. do centro do governo de Johnson, após uma persistente associação com a administração da guerra, funda uma nova etapa na história da empresa. Ele queria trazer a revista para uma posição de 'centro' na política dos Estados Unidos.198 Um dos primeiros movimentos estratégicos para a revista foi a substituição de Fuerbringer por Henry Grunwald, em maio de 1968, na função de Editor-Chefe. 199 Grunwald soube trabalhar a revista dentro de um universo de opiniões divergentes dentro da própria revista. Até o final da década de 1960, a TIME Magazine praticamente não tinha concorrentes. No entanto, em 1961 a Newsweek, sob o comando do The Washington Post, começou a ganhar 'respeito' e passou a desenvolver uma linha editorial mais afastada da TIME.200 Ambas as revistas trabalhavam paralelamente em relação as suas fontes, porém Newsweek se distancia das vozes do Congresso e começa a trabalhar com opiniões e fontes advindas, muitas vezes, do meio acadêmico e distantes do centro do poder.201 TIME e Newsweek compartilharam dos dilemas da Guerra do Vietnã e da cruzada anticomunista pelo mundo, no entanto, ao final da década, essa parceria começava e diminuir.202 Newsweek como 'segunda-via' passou a atrair os anunciantes da TIME, fato que motivou a equipe de Grunwald e ver a concorrente com muito mais respeito do que antes, inclusive começaram estudar a linha editorial da Newsweek.203 Segundo Herbert J. Gans, apesar das duas revistas se esforçarem em manter uma identidade separada, o público leitor de ambas era praticamente o mesmo, não havia profundas diferenças entre ambas.204 Na outra ponta estava a Life, que mesmo com a "volta às origens" - prioridade às imagens - não foi suficiente para recuperar o sucesso das décadas anteriores.205 O editor Ralph Graves (1969-72) se esforçou ao máximo na redução dos custos de produção através da diminuição do seu quadro de funcionários. Por outro lado, numa espécie de compensação, as assinaturas da revista eram caras e promoviam a migração dos assinantes e dos anunciantes

198 DONOVAN, Hedley, op cit. p.183 199 BAUGHMAN, op cit, POLLACK, Richard. "Time after Luce", Harper's, July 1969. 200 BAUGHMAN, op cit, 194. 201 Ibid., ibidem. 202 Ibid., ibidem. 203 GANS, Herbert J. Deciding What's News (New York, Pantheon, 1979), 319. 204 Ibid., ibidem. 205 BAUGHMAN, op cit, p. 195. 51

para outras revistas.206 As grandes rivais Saturday Evening Post e Look não suportaram a concorrência. Em 1971, Look encerra suas publicações e, em 1972, foi a vez da Life.207 O triunfo mundial da Televisão contribuiu para a derrocada de revistas como a Life. Alguns editores chegaram até mesmo a colocar a culpa pelas falências nos serviços de correio.208

1.3.3 - O SÉCULO AMERICANO

Segundo Baughman, a reputação de Luce foi afetada logo após sua morte.209 O currículo político do empresário foi marcado pelo seu constante apoio às intervenções armadas dos EUA no exterior, tendo em vista os ideais norte-americanos dentro do contexto da Guerra Fria.210 Muitos liberais e moderados entendiam que essas intervenções haviam chegado ao limite extremo da política externa dos EUA e que se fazia necessário encontrar os seus vilões.211 O nome de Luce aparecia em todas as listas. O seu célebre texto sobre o "Século Americano" o tornou, além de 'senhor da imprensa global americana' (press lord of American globalism)212, o promotor do Estado guerreiro.213 Segundo Baughman, apesar do crescente interesse econômico e cultural dos EUA no exterior, Luce criticava os isolacionistas e a administração de Roosevelt, pois estes não estavam dispostos a aceitar o que Lippmann já havia chamado de "O Destino Americano".214 Para Luce, eram os EUA, e não a Grã-Bretanha, que iriam assumir o comando do capitalismo mundial.215 Por outro lado, Henry Luce nunca questionou ações norte-americanas voltadas para o bem das pessoas.216 Por exemplo, e segundo ele mesmo, durante o momento em que viveu com os pais no norte da China, fez questão de assinalar que tanto os ingleses como os alemães 'causaram muitos males à China', enquanto os EUA fizeram exatamente o contrário.217 Sem relativismos, Luce estava entre os primeiros a reconhecer a necessidade e a emergência da

206 BAUGHMAN, op cit, p. 195.. 207 Ibid., Ibidem. 208 Ibid., ibidem. 209 Ibid., ibidem. p. 196. 210 Ibid., ibidem. 211 Ibid., ibidem. 212 Ibid., ibidem. 213 Ibid 214 Ibid., p. 197. 215 Ibid., ibidem. 216 Ibid., ibidem. 217 BAUGHMAN apud EPSTEIN, Joseph. "Henry Luce and His Time", Commentary, November 1967, p. 379- 381. 52

moderna corporação capitalista que, segundo afirma, "era algo para ser celebrado".218 A exportação do capitalismo empresarial dos Estados Unidos era de fundamental importância à manutenção d’O Século Americano.219

Reproduzimos na íntegra o texto original do Século Americano, publicado em no editorial de Life em 1941 pelo próprio Henry Luce.

O Século Americano220

Nós, americanos, estamos tristes. Não estamos contentes com a América. Não estamos felizes com nós mesmos em relação aos Estados Unidos. Estamos nervosos – senão pessimistas– senão apáticos.

À medida que olhamos para o resto do mundo, ficamos confusos, não sabemos o que fazer. “De repente ajudar a Grã-Bretanha na guerra” pode representar um misto de esperanças e incertezas.

Ao olharmos para o futuro – o nosso próprio futuro e o de outras nações – somos tomados por maus presságios. O futuro parece não representar nada para nós, exceto conflito, rupturas e guerra.

Há um forte contraste entre o nosso estado de espírito e o do povo britânico. No dia três de setembro de 1939, o primeiro dia de guerra na Inglaterra, Winston Churchill teve que dizer: “As tempestades ao redor dessa guerra podem se espalhar e a terra pode ser flagelada pela fúria dos seus ventos, mas em nossos corações nesta manhã de domingo existe a paz”.

Após Sr. Churchill pronunciar essas palavras, a Força Aérea Alemã passou a produzir estragos nas cidades britânicas, levou a população para os subterrâneos, crianças acordaram assustadas, e todos passaram a viver a maior aflição de sua história. Os leitores de Life puderam ver esse estado de caos semana após semana.

No entanto, observadores atentos concordam que, quando Mr. Churchill falava de paz nos corações do povo britânico, ele não estava entregando-se a uma oratória inútil. Os britânicos são profundamente calmos. Parece haver uma completa ausência de nervosismo. Parece que todas as neuroses da vida moderna tinham desaparecido da Inglaterra.

No início, o governo britânico preparou-se para o aumento de colapsos nervosos na população, mas isso, na verdade diminuiu. Houve menos de uma dúzia de casos relatados em Londres desde o início dos ataques aéreos.

218 BAUGHMAN, op cit, 197. 219 Ibid., ibidem. 220 LUCE, Henry, The American Century (publicado pela primeira vez em LIFE Magazine, edição de 17-02- 1941). Também disponível em Diplomatic History, Vol. 23, No. 2 (Spring 1999). © 1999 The Society for Historians of American Foreign Relations (SHAFR). Published by Blackwell Publishers, 350 Main Street, Malden, MA, 02148, USA and 108 Cowley Road, Oxford, OX4 1JF, UK. Credit: Henry Luce, Life Magazine. Disponível também em http://www.informationclearinghouse.info/article6139.htm (acessado em 14/08/2013). 53

Os britânicos são calmos de espírito não porque eles não têm nada com o que se preocupar, mas pelo fato de estarem lutando por suas vidas. Eles tomaram essa decisão. Eles não tiveram escolha.

Todos os seus erros cometidos nos últimos vinte anos, todas as tolices e falhas que compartilharam com o resto do mundo democrático, agora estão no passado. Eles podem esquecê-los, pois estão diante de uma tarefa suprema – defender, metro a metro, sua ilha natal.

Conosco a situação é diferente. Nós não temos de enfrentar qualquer ataque amanhã ou no dia seguinte. No entanto, estamos diante de algo muito difícil. Estamos diante de grandes decisões.

*** Sabemos o quanto somos afortunados em comparação ao resto do mundo. Pelo menos dois terços de nós são simplesmente ricos em comparação com o resto da humanidade – ricos em alimentos, ricos em roupas, ricos em entretenimento e diversão, ricos em lazer, ricos.

Por outro lado, também sabemos que a doença do mundo é também a nossa doença. Nós também falhamos miseravelmente na solução dos problemas de nossa época. E em nenhum lugar do mundo houve tantas falhas indesculpáveis como nos Estados Unidos da América.

Em nenhum lugar o contraste foi tão grande entre as esperanças possíveis de nossa época e os fatos reais de fracasso e frustração. E agora todas as nossas falhas e erros pairam como aves de mau agouro sobre a Casa Branca, sobre a cúpula do Capitólio e sobre esta página impressa. Naturalmente, não temos paz.

Mas, mesmo para além dessa necessidade de viver com os nossos próprios erros, há outra razão pela qual não há paz em nossos corações. É porque não temos sido honestos com nós mesmos.

Especialmente em torno da questão da Guerra ou da Paz, temos sido por diversas vezes e de várias maneiras falsos com nós mesmos, falsos uns com os outros, falsos com os fatos da história e falsos em relação ao futuro.

Neste autoengano, nossos líderes políticos, das mais diversas opiniões, estão profundamente implicados. Contudo, não podemos jogar toda a culpa sobre eles. Se os nossos líderes nos enganaram, é porque nós mesmos temos insistido nisso.

A falsidade deles é o resultado da nossa própria confusão moral e intelectual. Nesta confusão, nossos educadores, religiosos e cientistas estão profundamente envolvidos.

Os jornalistas também, é claro, estão envolvidos. Mas se os americanos estão confusos, não é por falta de informações precisas e pertinentes. O povo americano é, de longe, o povo mais bem informado na história do mundo. 54

O problema não está nos fatos. O problema é que inferências claras e honestas não foram elaboradas a partir dos fatos. O cotidiano atual é nítido. No entanto, as dúvidas de amanhã ainda não foram esclarecidas. A América se defronta com uma questão fundamental jamais enfrentada por outra nação. Trata-se de uma questão peculiar para a América e agora particular aos EUA no século XX. Trata-se de uma questão tão delicado quanto o início da Guerra. Se a América souber conduzi-la, então, apesar dos perigos e das dificuldades, poderemos olhar para frente e avançar para um futuro digno do homem, com a paz em nossos corações.

Se nos esquivarmos desse assunto, iremos cambalear por dez, vinte ou trinta amargos anos em erros consecutivos causando uma série de desastres.

O objetivo deste artigo é afirmar que a solução desta questão é plenamente possível. Mas, antes de tudo, devemos ser sinceros conosco e sabermos de onde estamos e para onde iremos.

A América está em Guerra

. . . Mas será que estamos nela?

Onde estamos? Estamos em guerra. Toda essa conversa sobre se isto ou aquilo pode ou não levar-nos à guerra é uma perda de tempo. Estamos, de fato, na guerra.

Se há um lugar que os americanos não queriam estar, era na guerra. Não queremos estar em nenhum tipo de guerra, mas, se há um tipo de guerra que, acima de tudo, não queríamos estar, seria infelizmente numa guerra europeia. No entanto, estamos em uma guerra, numa cruel e maligna guerra, do tipo que sempre impressionou o planeta, e, além de ser mundial, trata-se de uma guerra europeia.

Claro que não estamos tecnicamente em guerra, muito menos estamos dramaticamente em guerra, e nós nunca tivemos a experiência completa do inferno de guerra. No entanto, uma simples afirmação permanece: estamos em guerra.

A ironia é que Hitler sabe disso – e a maioria dos americanos não. Isso pode – ou não – ser uma vantagem para continuar as relações diplomáticas com a Alemanha. Mas o fato de que a embaixada alemã em Washington ainda floresce belamente, ilustra toda a massa de enganos e autoenganos que temos vivido.

Talvez a melhor maneira de provar que estamos em guerra é considerar também a possibilidade de como sair dela. Praticamente, não há apenas uma maneira de sair dela mesmo que haja uma vitória alemã sobre a Inglaterra. Se a Inglaterra se render em breve, a Alemanha e os Estados Unidos não começariam a lutar no dia seguinte. Desse modo, estaríamos fora da guerra. Por um tempo. O Japão possivelmente poderia atacar os Mares do Sul e as Filipinas. Nós poderíamos abandonar as Filipinas, abandonar a Austrália e Nova Zelândia, e nos retirar para o Havaí. E esperar. Gostaríamos de estar fora da guerra.

55

Dizemos que não queremos estar na guerra. Também dizemos que queremos que a Inglaterra vença. Queremos que Hitler pare – mais do que nunca queremos ficar de fora da guerra. Porém, no momento, estamos nela.

Entramos em via de defesa

. . . Mas o que estamos defendendo?

Agora que estamos nesta guerra, como é que vamos entrar? Temos por base a defesa. Mesmo que a própria palavra, defesa, esteja cheia de engano e autoengano.

Para o americano médio, é obvio que a palavra defesa está associada à defesa do território americano. Pode parecer prudente o fato de que atualmente a nossa política nacional esteja limitada somente à defesa da pátria americana a qualquer custo? Não está.

Nós não estamos em uma guerra para defender o território americano. Estamos em uma guerra para defender e até mesmo para promover, incentivar e incitar os chamados princípios democráticos em todo o mundo. O americano médio começa a perceber agora que esse é o tipo de guerra que ele está dentro. Ele é o elemento que irá intermediar isso.

Ele talvez se pergunte como é que conseguimos chegar a isso, sendo que um ano atrás sequer pensávamos nessa possibilidade. Com certeza, ele pode ver agora como chegou. Ele chegou através da “defesa”.

Por trás das dúvidas na mente dos americanos houve e há duas imagens padrão. Uma delas enfatiza as terríveis consequências da queda da Inglaterra levando-nos a uma guerra de intervenção. Por uma simples questão de defesa do território norte-americano, tal imagem é necessariamente real? Não é necessariamente verdade.

A outra imagem é grosseiramente assim: seria melhor para nós se Hitler estivesse seguramente contido, no entanto, independentemente do que acontece na Europa, seria perfeitamente possível para nós organizarmos a defesa da parte norte do hemisfério ocidental para que este país não pudesse ser atacado com sucesso.

Vocês estão familiarizados com essa imagem. É verdadeiro ou falso? Nenhum homem está qualificado para afirmar categoricamente que ela é falsa. Se todo o resto do mundo ficou sob a dominação dos tiranos organizados, é bem possível imaginar que este país poderia tornar-se um osso tão duro de roer que nenhum dos tiranos do mundo ousaria vir contra nós.

E, claro, haveria sempre outra oportunidade bem melhor, como a grande Rainha Elizabeth, de jogarmos um tirano contra o outro. Ou, como uma poderosa Suíça, poderíamos viver discretamente e perigosamente no meio de inimigos.

Ninguém pode dizer que essa imagem da América, semelhante a um campo de batalha, seja falsa. Ninguém pode dizer honestamente que por uma simples questão de defesa – defesa de nossa pátria – seja algo necessário para entrar ou estar nesta guerra.

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A questão que se coloca diante de nós não é somente uma questão de necessidade e sobrevivência. Trata-se de uma questão de escolha e cálculo. As questões reais são: Nós queremos estar nesta guerra? Preferimos estar nela? E, em caso afirmativo, por quê?

Opomo-nos a estar nela

. . . Nossos medos têm uma causa especial

Nós estamos nesta guerra. Podemos ver como chegamos a ela em termos de defesa. Agora, por que nos opomos tão fortemente para estar nela?

Há muitas razões. Primeiro, existe a aversão profunda e quase universal por todo tipo de guerra – ou seja, matar e ser morto. Mas a razão pela qual se faz necessária uma inspeção mais cuidadosa, trata-se de algo peculiar e que nunca foi percebido em qualquer guerra anterior, o medo de que se chegar a esta guerra, será o fim da nossa democracia constitucional.

Estamos todos familiarizados com uma previsão temerosa: que alguma forma de ditadura é necessária para lutar numa guerra moderna; que nós certamente iremos à falência; que no processo de guerra e suas consequências, a nossa economia será amplamente socializada; que os políticos agora de seus escritórios irão tomar o poder por completo e nunca irão render-se; que com toda essa tendência para o coletivismo, iremos acabar em um total socialismo nacional, que qualquer semelhança de nossa democracia constitucional americana estará totalmente descaracterizada.

Partimos para esta guerra com uma enorme dívida pública, uma vasta burocracia e toda uma geração de jovens treinados para olhar para o Governo como a fonte de toda a vida. O partido que está no poder é o que por longos anos tem sido mais simpático para todos os tipos de doutrinas socialistas e tendências coletivistas.

O Presidente dos Estados Unidos tem continuamente conquistado mais e mais poder, e ele deve a sua permanência no cargo até hoje, em grande parte, graças à vinda da guerra. Assim, o medo de que os Estados Unidos serão levados a um nacional-socialismo, como resultado de circunstâncias cataclísmicas e contrárias à vontade do povo americano, é um medo inteiramente justificável.

Mas nós venceremos . . . A grande questão é como.

Há uma desorganização – até agora. Muito mais poderia ser dito sobre amplificação, qualificação e argumentação. De qualquer maneira, podemos indicar a soma dos fatos sobre nossa posição atual diante do seguinte ponto – que a questão fundamental deste momento não é se vamos entrar em guerra, mas como é que vamos ganhá-la?

Se estamos em uma guerra, logo não é vantagem apenas estarmos cientes do fato. Uma vez que admitimos estar em uma guerra, não há sombra de dúvida de que nós, americanos, estaremos determinados a vencê-la – mesmo que o preço a ser pago seja a nossa vida ou a nossa fortuna.

57

Se vamos ou não declarar guerra, se vamos ou não enviar forças expedicionárias ao exterior, se devemos ou não ir à falência no processo – todas essas importantes considerações são questões de estratégia e gestão e são secundárias à decisiva importância de vencer a guerra.

Pelo que estamos lutando?

. . . E por que precisamos saber

Neste momento é chegada a hora de considerarmos com sinceridade, a nossa posição para que estejamos seguros dos nossos propósitos e da questão maior que temos diante de nós. Dito de forma mais simples, e em termos gerais, a questão é: Pelo que estamos lutando?

Cada um de nós está pronto para dar a própria vida, a própria riqueza e toda esperança de felicidade pessoal, para certificar-se de que a América não deve perder nenhuma guerra, ela está completamente envolvida. Mas nós gostaríamos de saber qual guerra estamos tentando ganhar – o que devemos ganhar e quando ganhar.

Esse questionamento reflete nossos verdadeiros instintos como americanos. Aliás, mais do que isso,osso desejo urgente de dar a esta guerra o seu próprio nome tem uma importância prática terrível. Se temos conhecimento daquilo pelo o que estamos lutando, então podemos seguir com segurança em direção a um desfecho vitorioso e, além disso, temos pelo menos ainda uma chance de estabelecer uma paz viável.

Além disso – e isto é um fato extraordinário e profundamente histórico que merece ser examinado em detalhe – os EUA e somente os EUA podem efetivamente declarar a Guerra de forma objetiva.

Quase todos os especialistas concordam que a Grã-Bretanha não pode ganhar a Guerra sozinha – nem mesmo que todos tentem juntos “parar Hitler” – sem a ajuda americana. Portanto, mesmo que a Grã-Bretanha anuncie nesse intervalo os seus objetivos de guerra, o povo americano está sempre em posição de efetivamente aprovar ou não aprovar esses objetivos.

Pelo contrário, se fossem os EUA quem anunciassem os objetivos da guerra, a Grã- Bretanha certamente iria aceitá-los. E o mundo inteiro, incluindo Adolf Hitler iria aceitá-los como o indicador dessa batalha.

Os americanos têm a sensação de que qualquer colaboração com a Grã-Bretanha significa jogar o jogo dos britânicos e não o nosso. Toda essa concepção está no passado e atualmente não passa de uma noção estúpida da situação. Em qualquer tipo de parceria com o Império Britânico, a Grã-Bretanha está perfeitamente disposta aceitar que os Estados Unidos da América devam assumir o papel de sócio sênior.

Isto tem sido verdade há muito tempo. Entre os ingleses mais críticos, a principal queixa contra a América (e, aliás, o melhor álibi para eles) tem sido realmente isso – que os Estados Unidos recusaram a oportunidade de ascender como liderança do mundo.

Considere esta declaração recente do Economist, de Londres: 58

“Se uma aproximação permanente entre a Grã-Bretanha e os EUA é alcançada, uma ilha com menos de 50 milhões de habitantes não pode esperar em ser o sócio majoritário. . .”

O centro de gravidade e a decisão final devem cada vez mais estar com os Estados Unidos. Não podemos nos ressentir deste processo histórico. Podemos, sim, sentir orgulho de que o ciclo de dependência, inimizade e independência está se tornando o círculo de uma nova interdependência.”

Nós, americanos, não temos mais o velho álibi de que não podemos ter as coisas do jeito que queremos tanto quanto a Grã-Bretanha quer. Com o devido respeito para os variados problemas dos membros da Comunidade Britânica, o que queremos é estar em boas relações com eles.

Isto é válido também para a inspiradora proposta conhecida como União Now – uma proposta, feita por um americano, que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos deveriam criar uma confederação entre seus povos. Talvez isso não seja o caminho certo para o nosso problema. Mas nenhum americano consciente fez seu dever por parte dos Estados Unidos da América até ler e ponderar sobre o livro de Clarence Streit ao apresentar essa proposta.

O grande ponto a ser observado até aqui é simplesmente saber que neste momento a liderança é nossa. Tal como a maioria das oportunidades, esta é uma oportunidade mesclada em grandes dificuldades e perigos. Se não quisermos, se nos recusarmos em conduzi-la, a responsabilidade de tal recusa também é nossa, e somente nossa.

Reconhecidamente, o futuro do mundo não pode ser restringindo em um só local. É estúpido tentar projetar o futuro como se plantássemos um motor ou como redigir uma constituição para uma irmandade. Mas se o nosso problema é não sabermos pelo o que estamos lutando, então cabe a nós descobrir isso.

Não podemos esperar que outro país nos conte isso. Pare esta propaganda Nazista sobre lutar a guerra de outrem. Não lutamos guerras, exceto as nossas guerras. “Arsenal da Democracia?” Hoje este deve ser o arsenal da América e dos amigos e aliados aos Estados Unidos.

Amigos e aliados da América? Quem são eles, e para quê? Nós é que deveremos dizer isso para eles.

Dong Dang ou a democracia

. . . Mas, qual democracia?

Mas como podemos dizer isso a eles? E como podemos dizer a nós mesmos qual a finalidade de buscarmos aliados e para que fins lutamos? Vamos lutar pelo querido velho Danzig ou velho e pelo querido Dong Dang? Vamos decidir os limites da Uritânia?

Ou, se não podemos afirmar nossos objetivos de guerra em termos de geografia, devemos usar algumas belas palavras como democracia e liberdade e justiça? Sim, nós podemos usar as belas palavras. O presidente já usou. E talvez seria melhor nos 59

acostumarmos a usá-las novamente. Talvez elas signifiquem alguma coisa – tanto sobre o futuro, como sobre o passado.

Alguns entre nós estão dispostos a morrer por essas belas palavras – nos campos e nos céus da batalha. Até isso, ou as próprias palavras e o que elas significam podem morrer conosco – em nossos leitos.

Mas não há nada entre o som absurdo de cidades distantes e a estridente trombeta de palavras majestosas? E se assim for, qual Dong Dang e qual democracia? Não existe algo tão satisfatório que não possamos agarrar com os dentes? Não há nenhuma espécie de programa compreensível? Um programa que pode claramente ser muito bom e que faria muito sentido para os Estados Unidos – e que, ao mesmo tempo, teria a benção da deusa da democracia e até mesmo ajudaria de alguma forma a ordenar essa questão tediosa de Dong Dang? Não existe nada assim? Existe. Desse modo e neste momento conseguimos nos aproximar mais diretamente da questão que os americanos tanto odeiam e que está diante de todos. Trata-se daquela velha questão, tal como aqueles velhos e agressivos rótulos: o isolacionismo contra o internacionalismo.

Detestamos ambas as palavras. Cuspimos em cada uma delas com a fúria de gansos grasnando. Nós nos abaixamos e nos esquivamos delas.

Vamos enfrentar essa questão agora de frente. Se a encararmos de frente neste momento – e se nesse enfrentamento levarmos em conta plenamente o destemor da realidades da nossa época – então vamos abrir o caminho, não necessariamente para a paz em nossas vidas diárias, mas para a paz em nossos corações.

A vida é feita de alegrias e tristezas, de satisfações e dificuldades. Neste tempo de angústia, falamos de problemas. Existem muitos problemas. Há problemas no campo da filosofia, da fé e da moral. Há problemas de casa e da família, da vida pessoal. Todos estão interligados, mas falamos aqui especialmente dos problemas da política nacional.

No campo da política nacional, o problema fundamental com a América tem sido que enquanto a nação tornou-se no século XX a nação mais poderosa e mais vital no mundo, no entanto, os americanos não foram capazes de acomodar-se técnica e espiritualmente a esse fato.

Portanto, eles não conseguiram fazer a sua parte como uma potência mundial – uma falha que teve consequências desastrosas para nós e para toda a humanidade. A solução pode ser esta: aceitar plenamente o nosso dever e a nossa oportunidade como a nação mais poderosa e vital no mundo e, em consequência, exercer sobre o mundo o pleno impacto da nossa influência. Para estes fins, nos vemos em forma e assim estamos. ***

“Para esses fins, como nos vemos em forma” deixamos totalmente em aberto a questão de que os nossos propósitos podem ser alcançados adequadamente. Enfaticamente a nossa única alternativa ao isolacionismo não é comprometer-se em policiar o mundo inteiro, nem nos impor às instituições democráticas em toda a humanidade, incluindo o Dalai Lama e os bons pastores do Tibete. 60

A América não pode ser responsável pelo bom comportamento do mundo. Mas a América é a responsável, por si mesma, bem como a história e o ambiente do mundo em que vive. Nada pode afetar vitalmente o ambiente americano como sua própria influência, e logo se esse ambiente é desfavorável para o crescimento da vida americana, então a América não tem ninguém para culpar tão profundamente como ela mesma se culpa.

Na sua incapacidade de compreender essa relação entre o ambiente americano e a América encontra-se a falência moral e prática de todas e quaisquer formas de isolacionismo. É lamentável que este vírus da esterilidade isolacionista tem profundamente infectado uma influente seção do Partido Republicano.

Pois até o Partido Republicano pode desenvolver uma filosofia vital e um programa de iniciativa e atividade como um poder mundial dos Estados Unidos, ele vai continuar a se retirar de qualquer participação útil nesta hora da história. E sua participação é profundamente necessária para a formação do futuro da América e do mundo.

***

Mas, politicamente falando, é um fato tão grave que há sete anos Franklin Roosevelt era, para todos os efeitos práticos, um completo isolacionista. Ele era mais isolacionista que Herbert Hoover ou Calvin Coolidge.

O fato de que Franklin Roosevelt surgiu recentemente como uma líder mundial de emergência não deve obscurecer o fato de que durante sete anos suas políticas correram absolutamente contra qualquer possibilidade de liderança americana eficaz na cooperação internacional. Há, naturalmente, uma justificação que pode ser feita para os dois primeiros mandatos do Presidente. Pode-se dizer, com razão, que as grandes reformas sociais foram necessárias para levar e atualizar a democracia a maior das democracias.

Mas o fato é que Franklin Roosevelt falhou em fazer a democracia americana funcionar com êxito em uma base estreita, materialista e nacionalista. E sob Franklin Roosevelt, nós mesmos não conseguimos fazer a democracia funcionar com sucesso. Nossa única chance agora de fazê-la funcionar é em termos de uma economia internacional vital e de uma ordem moral internacional.

Tal objetivo é a grande oportunidade de Franklin Roosevelt para justificar seus dois primeiros mandatos e para entrar para a história como o maior dos presidentes americanos. Nosso trabalho é ajudar de todas as maneiras que pudermos, para nosso bem e de nossos filhos, garantir que Franklin Roosevelt seja justamente saudado como o grande presidente dos Estados Unidos.

Sem a nossa ajuda ele não pode ser o nosso grande presidente. Com a nossa ajuda, ele pode e vai ser. Em baixo ele e com sua liderança, podemos fazer do isolacionismo um assunto tão morto como a escravidão, e podemos fazer do internacionalismo algo verdadeiramente americano tão natural para nós em nosso tempo, como o avião ou o rádio.

Em 1919 tivemos uma oportunidade de ouro, uma oportunidade sem precedentes em toda a história, para assumir a vanguarda mundial – uma oportunidade de ouro entregue a nós numa proverbial bandeja de prata. Não entendemos essa oportunidade. Wilson rejeitou- 61

a. Nós a rejeitamos. A oportunidade persistiu. Nós a estragamos na década de 1920 e, nas confusões da década de 1930, a matamos.

Liderar o mundo nunca foi uma tarefa fácil. Retomar a esperança na oportunidade perdida se faz hoje como uma tarefa infinitamente ainda mais difícil do que teria sido antes. No entanto, com a ajuda de todos nós, Roosevelt pode triunfar onde Wilson falhou.

O século XX é o século americano

. . . Alguns fatos sobre o nosso tempo

Consideremos o século XX. Não é apenas no sentido de que vivemos nele, mas porque é o primeiro século da América como uma potência dominante no mundo. Até agora, este nosso século tem sido de um profundo e trágico desapontamento. Em nenhum outro século foi tão grande a promessa de progresso humano e felicidade. E em nenhum século tantos homens, mulheres e crianças sofreram tanta dor, angústia e morte.

É um século desconcertante, difícil e paradoxal. Sem dúvida, todos os séculos foram paradoxais para aqueles que neles viveram. Todavia, os nossos paradoxos de hoje são maiores e melhores do que nunca. Sim, melhor, bem como maior – inerentemente melhor.

Nós temos pobreza e fome – porém, em meio a abundância. Temos as maiores guerras em meio ao mais difundido, profundo e mais articulado ódio da guerra de toda a história. Temos tiranias e ditaduras – exceto quando o idealismo democrático, considerando a dúbia excentricidade de uma nação colonial, é a fé da grande maioria das pessoas do mundo.

Nosso século também é um século revolucionário. Os paradoxos o tornam inevitavelmente revolucionário. Revolucionário, claro, na ciência e na indústria. E também revolucionário como corolário da política e da estrutura da sociedade.

Mas dizer que uma revolução está em andamento não quer dizer que os homens comcom as ideias mais loucas, bravias ou plausíveis possam sair vencedores. A Revolução de 1776 foi conquistada e estabelecida pelos homens que em sua maioria pareciam ter sido cavalheiros e homens de bom senso.

Claramente uma época revolucionária significa uma época de grandes mudanças e grandes ajustes.

Esta é apenas uma razão pela qual ela é realmente tão insana que as pessoas deixam de se preocupar com a nossa “democracia constitucional”, sem levar em conta, ou melhor, sem pensar numa revolução mundial. Talvez, quando soubermos compreender e resolver os problemas do nosso tempo é que poderemos restabelecer a nossa democracia constitucional por mais 50 ou 100 anos.

Este século XX é desconcertante, difícil, paradoxal, revolucionário. Mas agora, com o custo de muita dor e muitas esperanças adiadas, sabemos muito sobre ele. E devemos acomodar as nossas perspectivas para esta evidência. Por exemplo, qualquer concepção real 62

do nosso mundo no século XX certamente deve incluir uma consciência viva de, pelo menos, quatro proposições:

Primeiro: o nosso mundo de dois bilhões de seres humanos é, pela primeira vez na história, um mundo, fundamentalmente indivisível. Segundo: o homem moderno odeia a guerra e sente intuitivamente que, na sua escala e frequência presente, ele pode até mesmo ser mortal para a própria espécie. Terceiro: o nosso mundo, mais uma vez, pela primeira vez na história humana, é capaz de produzir todo o tipo material de que precisa a família humana. Em quarto lugar: o mundo do século XX, para se tornar nobre, saudável e vigoroso, precisar ser de forma significativa um século americano.

Quanto ao primeiro e segundo: ao postular a indivisibilidade do mundo contemporâneo, não é necessário imaginar algo como um Estado mundial – um parlamento de homens – tem que ser conquistado neste século. Nem precisamos assumir que a guerra possa ser abolida.

Tudo o que é necessário é perceber – perceber profundamente – que as terríveis forças de atração e repulsão magnéticas funcionarão entre os grandes grupos de seres humanos neste planeta. Grande parte da família humana pode ser organizada de forma eficaz em oposição a outra.

Tiranias podem exigir um imenso espaço de vida. Mas a liberdade exige e exigirá muito mais espaço do que a tirania. Talvez a paz não possa suportar, a menos que ela prevaleça sobre uma grande parte do mundo. A justiça vai chegar perto de perder todo o significado na mente dos homens, a menos que Justiça possa ter aproximadamente os mesmos significados fundamentais em muitos países e em muitos povos.

Quanto ao terceiro ponto – a promessa de produção adequada para toda a humanidade – e de uma “vida mais abundante” – é caracteristicamente uma promessa americana. Esta é uma promessa facilmente feita, aqui e em todo lugar, por demagogos e os que propõem todas as formas de esquemas rápidos e “economias planejadas”.

O que devemos insistir é que a vida abundante seja baseada na liberdade - a liberdade que criou a sua possibilidade – em uma visão de liberdade sob a lei. Sem liberdade, não haverá vida abundante. Com liberdade, poderá haver.

E, finalmente, há a crença – compartilhada, nos lembram a maioria dos homens – de o século XX deve ser, num grau significativo, um século americano. Esse conhecimento nos chama à ação agora.

Visão do Nosso Mundo De América . . . Como deve ser criado

O que podemos dizer e prever sobre um século americano? Não faz sentido apenas dizer que rejeitamos isolacionismo e aceitamos a lógica do internacionalismo. O internacionalismo? Roma teve um grande internacionalismo. Do mesmo modo o Vaticano, Genghis Khan, os turcos otomanos, os imperadores chineses e o século XIX inglês.

Após a primeira Guerra Mundial, Lenin tinha algo em mente. Hoje Hitler parece ter isso em mente – algo que apela fortemente para alguns isolacionistas americanos, de quem a 63

opinião da Europa é tão insignificante que eles alegremente a entregam a qualquer um que der a garantia que destruirá para sempre. Mas que internacionalismo os americanos tem para oferecer?

O nosso internacionalismo veio da visão de algum homem. Ele tem que ser produto da imaginação de muitos homens. Ele tem que ser compartilhado com todos os povos na nossa Carta de Direitos, nossa Declaração de Independência, nossa Constituição, nos nossos incríveis produtos industriais, nas nossas habilidades técnicas. Tem que ser um internacionalismo das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas.

Em geral, as questões sobre o povo americano giram em torno de sua determinação para fazer a sociedade dos homens aptos para a liberdade, ao crescimento e ao aumento da satisfação de todos os homens livres. Além do que, a determinação, os escárnios, gemidos, assobios, o ranger de dentes, os silvos e rugidos do Ministério da Propaganda nazista não passam de um breve momento.

Uma vez que deixemos de nos distrairmos com argumentos sem vida acerca do isolacionismo, vamos nos surpreender ao descobrir que já existe um imenso internacionalismo americano. O jazz norte-americano, os filmes de Hollywood, a gíria americana, as máquinas americanas e os produtos patenteados, são, na verdade, as únicas coisas que todas as comunidades do mundo, a partir de Zanzibar a Hamburgo, reconhecem em comum.

Às cegas, sem intenções, acidentalmente e apesar de nós mesmos, já somos uma potência mundial em todos os sentidos – e de forma absolutamente humana. Mas há muito mais do que isso. A América já é o capital intelectual, científico e artístico do mundo. Os norte-americanos, norte-americanos do meio-oeste, são hoje as pessoas menos provincianas do mundo.

Eles viajaram mais e sabem mais sobre o mundo de que as pessoas de qualquer outro país. A experiência mundial dos Estados Unidos no comércio também é muito maior do que a maioria de nós imagina.

O mais importante de tudo, é que precisamos definir, o nosso sinal inequívoco da liderança: o prestígio. E, ao contrário do prestígio de Roma ou Genghis Khan ou do século XIX inglês, o prestígio americano em todo o mundo é a fé nas boas intenções, bem como na inteligência suprema e força final de todo o povo americano. Temos perdido muito desse prestígio nos últimos anos. Mas a maior parte dele ainda permanece.

***

Nenhuma definição exata pode ser dada ao internacionalismo norte-americano do século XX. Ele vai tomar forma, como todas as civilizações tomaram forma: por si mesmo, pelo seu trabalho e esforço, por tentativa e erro, por iniciativa e aventura, e experiência. E pela imaginação!

Pelo fato de a América entrar dinamicamente na cena mundial, precisamos, acima de tudo, buscar e trazer uma visão da América como potência mundial que é autenticamente americana e que pode nos inspirar a viver, trabalhar e lutar com vigor e entusiasmo.

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Chegamos finalmente ao grande teste, podemos revelar que em todas as experiências e adversidades inspiradoras durante a primeira parte deste século, nós, como pessoas, temos sido dolorosamente depreendidos do significado da nossa época e agora, neste momento de testes, pode vir à tona, por fim, a visão que nos guiará para a criação autêntica do século XX – o nosso século.

***

Consideremos quatro áreas da vida e do pensamento para as quais podemos buscar e realizar essa visão: Primeira, a econômica. A América sozinha irá determinar um sistema de livre iniciativa econômica – uma ordem econômica compatível com a liberdade e progresso – devemos ou não vencer neste século.

Sabemos perfeitamente que não existe a menor possibilidade de qualquer coisa vagamente parecida com um sistema econômico livre prevalecer neste país se ele não prevalecer em outro lugar. Então, o que a América tem de decidir?

Algumas poucas decisões são muito simples. Por exemplo: temos de decidir se queremos ou não ter para nós mesmos e nossos amigos a liberdade dos mares – o direito de ir com os nossos navios e os aviões no longo curso que queremos, quando queremos e como queremos.

A visão da América como o principal guardião da liberdade dos mares, a visão da América [sic] como a líder dinâmica do comércio mundial, tem dentro de si, tanto as possibilidades desse enorme progresso humano como de aguçar a criatividade. Não vamos nos assustar por isso. Vamos ampliar as possibilidades. Nosso pensamento de hoje sobre o comércio mundial é ridiculamente pequeno. Por exemplo, pensamos na Ásia, como algo que estivesse centenas de anos de nós.

Na verdade, nas próximas décadas, a Ásia poderá valer para nós exatamente zero – ou talvez quatro, cinco ou dez bilhões de dólares por ano. Essa é a forma como devemos pensar, ou, na pior das hipóteses, admitir uma lamentável impotência.

Muito próxima à área puramente econômica e ainda bastante diferente dela, existe a imagem de uma América que enviará pelo mundo suas habilidades técnicas e artísticas.

Engenheiros, cientistas, médicos, homens de cinema, fabricantes de entretenimento, engenheiros de companhias aéreas, construtores de estradas, professores, educadores. Em todo o mundo, essas habilidades, esse treinamento, essa liderança é necessária e será ansiosamente aguardada se tivermos a imaginação para vislumbrá-la com sinceridade e boa vontade para criar o mundo do século XX.

Mas agora há uma terceira forma que a nossa mente precisa estar imediatamente preocupada. Devemos nos encarregar de sermos o Bom Samaritano em todo o mundo. É nosso dever alimentar todas as pessoas do mundo; o resultado deste colapso mundial da civilização produziu pessoas famintas e miseráveis – todos eles, isto é, de quem de temos em tempos possui uma atitude muito rígida contra todos os governos hostis.

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Para cada dólar que gastamos em armamentos, devemos gastar, pelo menos, um centavo num gigantesco esforço para alimentar o mundo – e todo o mundo deveria saber que temos nos dedicado a esta tarefa. Cada agricultor na América deveria ser incentivado a produzir em todas as culturas que pode, e tudo o que não podemos comer – e, talvez, alguns de nós poderia comer menos – imediatamente devem ser enviados para os quatro cantos do globo como um presente, administrado por um exército humanitário dos norte-americanos, para cada homem, mulher e criança na Terra que está realmente com fome.

***

Mas tudo isso não é suficiente. Tudo isso irá falhar e nada disso vai acontecer, a menos que a nossa visão da América como potência mundial inclua uma devoção apaixonada pelos grandes ideais americanos. Temos algumas coisas neste país que são infinitamente preciosas e, especialmente para os americanos – um amor de liberdade, um sentimento pela igualdade de oportunidades, uma tradição de auto suficiência e independência e também de cooperação.

Além desses ideais e conceitos que são especialmente americanos, somos os herdeiros de todos os grandes princípios da civilização ocidental – sobretudo a justiça, o amor à verdade, o ideal de Caridade. Outro dia, Herbert Hoover disse que os Estados Unidos estavam se tornando rapidamente o santuário dos ideais de civilização. Neste momento, podemos ser suficientemente o santuário desses ideais.

Mas não por muito tempo. Chegará a nossa hora de sermos a força motriz desses ideais que se espalharam por todo o mundo e faremos o trabalho milagroso de erguer a vida da humanidade a partir do nível dos animais ao nível daquilo que o salmista chamou de “próximos aos anjos”.

Uma América como o centro dinâmico de esferas empresariais, uma América cada vez maior como o centro de treinamento dos funcionários hábeis da humanidade. Uma América como o Bom Samaritano, que realmente crê como a nação mais abençoada, aquela que doa mais que recebe. Os Estados Unidos como a potência dos ideais de liberdade e justiça. A partir desses elementos, certamente, pode ser formada uma visão de século XX. O século ao qual podemos nos dedicar com júbilo, alegria, vigor e entusiasmo.

Outras nações podem sobreviver, mesmo que tenham sofrido tanto tempo – às vezes com mais e outras com menos importância. Mas esta nação, concebida em aventura e dedicada ao progresso do homem, pode realmente suportar através de suas veias, do Maine à Califórnia, o sangue de propósitos e empresas e a alta determinação.

Ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, este continente fervilhava com projetos múltiplos e propósitos magníficos. Acima de tudo, tecemos, juntos, uma bandeira para todo o mundo e para a história, nosso propósito foi de triunfo e de liberdade.

É com esse espírito que todos nós somos chamados, cada um à sua própria medida e capacidade, e cada um no mais amplo horizonte de sua visão, para criar a primeiro grande Século Americano.

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1.3.4 - Comunicação para as massas

Os impulsos missionários de Henry Luce também eram impulsos pedagógicos.221 Segundo Baughman, desde o seu primeiro número a TIME Magazine sempre deu espaço às artes e ciências em suas páginas.222 Luce colocava a 'notícia' acima da política e da diplomacia.223 Dentro desse universo pedagógico, Fortune ensinava aos empresários temas sobre arte e antropologia - Life do mesmo modo. O jornalismo para Henry Luce tinha o dever de ir a fundo e ver, conhecer, contar e ensinar224. Para Luce, o Quarto Poder devia se considerar um instrumento para a educação ao mesmo tempo em que, citando seu pai, as notícias deviam fazer o homem se sentir em casa no universo.225 Geralmente o conceito de arte e cultura, elaborados pela TIME Magazine, levavam muitos críticos do jornalismo norte-americano a considerá-los medianos. Porém, Luce havia sido o primeiro, e durante muito tempo esteve sozinho dentro desse processo editorial e pedagógico na imprensa periódica.226

Chegando ao final do século XX, algumas décadas após a morte de Henry Luce, a União Soviética não existe mais - a grande rival dos EUA - e os americanos se encontram a frente do mundo dentro de um formato que o fundador da TIME iria saborear com prazer.227 Por outro lado, o fim da Guerra Fria produziu um fenômeno inesperado para o jornalismo de Luce e um alto preço a ser pago. A saída de cena da ameaça Soviética produziu uma queda drástica no número de leitores interessados em questões internacionais.228 Os americanos passaram a se distanciar cada vez mais daquele compromisso globalizante proposto por Luce em seu Século Americano desde 1941.229 Segundo Baughman, o apetite nacional pelo jornalismo sério caiu de forma significativa e a agenda do noticiário nacional começou a se parecer com aquela que Luce e Hadden se depararam nos anos 1920, ou seja, "um jornalismo preocupado com escândalos e

221 BAUGHMAN, op cit, 198. 222 Ibid., ibidem. 223 Ibid., ibidem. 224 "Journalism, to Luce, had “the inner duty to see, to know, to tell, to teach.”, in: BAUGHMAN, ibid . 225 Ibid 226 Ibid., ibidem. 227 BAUGHMAN, op cit, 203. 228 Ibid., ibidem. 229 Ibid., ibidem. 67

excentricidades (hunts)".230 Desde 1970, os americanos vinham produzindo um movimento para 'dentro', e uma nova política de identidade movimentou diversos segmentos - tais como 'as mulheres' e as 'minorias raciais', todos contra os velhos padrões de identidade nacional que marcavam a história dos Estados Unidos até aquele momento.231 Outros fatores associados ao aumento do nível de educação, renda e lazer geraram novos consumidores, em particular os mais jovens, estes que passaram a desenvolver um gosto mais especializado de leitura.232 As grandes histórias de sucesso não seriam mais aquelas encontradas em grandes veículos de comunicação de massa como a TIME e a Life, mas naquelas revistas que atendiam interesses mais específicos.233 Os sucessores de Henry Luce, dentre eles Hadley Donovan, tentaram acompanhar essa tendência, porém com sucesso limitado.234 Dentro desse novo cenário, um elemento caracterizou a atenção das massas: tratava-se da cultura das celebridades: desde os astros do cinema até os artistas da televisão e da música popular.235 Segundo Neal Gabler, "nenhuma sociedade possui e reverencia tantas celebridades como a nossa de forma tão intensa".236 Uma das alternativas que Hedley Donovan encontrou para sobreviver nesse mercado foi a publicação da revista People, fundada em 1974, com o objetivo de fazer a cobertura dessas celebridades.237 O jornalismo de celebridades apresentou um grave problema para as mídias tradicionais. Durante décadas a TIME Magazine podia abrir uma exceção de capa a uma estrela de cinema esporadicamente. Em certas ocasiões Rita Hayworth poderia estar em destaque - com a devida autorização dos familiares - e chamar muito mais a atenção do que se Trumann fosse o destaque.238 Por outro lado, na década de 1980, o resultado no balanço das vendas foi um verdadeiro fracasso não deixando de fora nem a principal concorrente Newsweek, cujo editor anunciou como o seu pior momento. Na tentativa de justificar e ao mesmo tempo compreender esse fenômeno do

230 BAUGHMAN, James L., Republic of Mas Culture, Jounalism, Filmmaking, and Broadcastng in America, since 1941, 2 ed. (Baltimore: John Hopkins University Press, 1997), 230-31. 231 BAUGHMAN, Henry Luce..., p.203. 232 BELLAH, Robert N., et al., Habits of the Heart: Individualism and Commitment in American Life, updated ed. (Berkeley: University of Press, 1996) 233 ABRAHAMSON, David. Magazine-Made America: The Cultural Transfomation of the Postwar Periodical (Cresskill, N. J.: Hampton Press, 1995). 234 BAUGHMAN, Henry Luce..., p.203. 235 BAUGHMAN op cit, p. 204. 236 GABLER, Neal. Life de Movie: How Entertainment Conquered Reality (New York: Knof, 1998), p. 7. 237 BAUGHMAN op cit, idem. 238 GAMSON, Joshua. Claims to Fame: Celebrity in Contemporary America (Berkley: University of California Press, 1994), 40-44, 59-78. 68

jornalismo americano, Donovan publicou:

"O novo é melhor do que o velho, o belo é melhor do que o feio, a música é melhor do que os filmes, os filmes são melhores do que esporte, e qualquer coisa é melhor do que a política."239

239 “Young is better than old, pretty is better than ugly, music is better than movies, movies are better than sports, and anything is better than politics.” in: BAUGHMAN, op cit, idem. 69

CAPÍTULO 2 ESPECTROS DO ANTIAMERICANISMO LATINO- AMERICANO: 1958 – 1960

Antes de chegar à presidência, Jânio Quadros já chamava a atenção não apenas da TIME Magazine, mas também do Departamento de Estado.240 Segundo Carlos Alberto L. Barbosa, “desde 1950 os órgãos de informação do governo americano vinham rastreando Quadros, inclusive sua família.”241 Já em 1958, antes mesmo de Quadros se lançar candidato à presidência, o Departamento de Estado concluía que Jânio tentaria utilizar o partido comunista a favor de sua eleição, do mesmo modo como fizera anteriormente.242 Numa edição de 1959243, a TIME analisou a estratégia de Jânio:

A estratégia de Quadros se enquadrava perfeitamente na posição de seu rival Lott, que também é apoiado pelos comunistas, ele se manifestou contrário às relações entre Brasil e URSS a fim de evitar acusações de fazer pactos com os comunistas. Quadros não teme esse rótulo (...)244

Dentro do período que vai do ano de 1958 à vitória de Jânio em 1960, a TIME Magazine fez uma cobertura vigilante sobre os eventos políticos, sociais e culturais no Brasil e em alguns países da América Latina, principalmente no que diz respeito às manifestações antiamericanas e também àquelas que revelavam nosso posicionamento crítico em relação aos Estados Unidos. Neste capítulo, destacamos cinco elementos que vão ao encontro dessa análise. Primeiro, a visita de Nixon à América Latina, em especial na Venezuela – fato sintomático e explícito de um agudo protesto antiamericano. Segundo, o lançamento da Operação Pan- americana por Juscelino. Terceiro, a Revolução Cubana. Quarto: a visita de Ensenhower no início de 1960 se fez paralela ao início da campanha de Jânio Quadros e representou um dos esforços do Departamento de Estado em averiguar os ânimos no Brasil e na América Latina

240 Ver: http://history.state.gov/historicaldocuments/frus1958-60v05/comp11; também disponível em BARBOSA, Carlos Alberto Leite, O Desafio Inacabado: a política externa de Jânio Quadros, São Paulo, Atheneu, 2007, p. 87. 241 Ibid., ibidem. 242 Ibid., ibidem. 243 Time Magazine, Brazil: Running Early, 17-08-1959. 244 Quadros' ploy neatly bracketed the position of his rival Lott, who is also backed by the Communists and came out against Brazilian-Soviet relations to forestall charges of making pacts with the Reds. Quadros fears no such label (...).Time Magazine, loc cit. 70

em relação à imagem americana. Como veremos mais a frente, nesse capítulo, a TIME cobriu a visita do presidente americano e pode fornecer – ao seu modo – o termômetro do antiamericanismo na região. Por último, a projeção de Jânio Quadros como candidato à presidência do Brasil, o maior e mais importante país latino-americano. Sintomas pontuais de antiamericanismo na América Latina chamavam a atenção não somente da TIME Magazine (TM), mas de todo o restante do mundo. Tratava-se de uma manifestação pública que confrontava o ideário d’O Século Americano.

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2.1 - NIXON NA VENEZUELA (1958)

O segundo mandato de Eisenhower (1957-1960) teve a figura do vice-presidente Nixon como porta voz frequente dos Estados Unidos nas relações internacionais. A bandeira contra o comunismo era hasteada cada vez mais alto. Os ditadores latino-americanos amistosos ao governo de Washington e cumpridores da vigilância na região começavam a cair. Eisenhower incumbiu Nixon com a ação de averiguar os ânimos latino-americanos - cujos resultados de suas análises serviriam de termômetro e alerta para questões de urgência. A conturbada passagem de Nixon pela América do Sul levou os Estados Unidos a repensarem a sua relação com o hemisfério, principalmente em termos de ajuda econômica. Nixon havia sido bem recebido por estudantes no Uruguai e teve “um pouco de publicidade negativa pelo atraso de sua chegada à posse do presidente Arturo Frondizi na Argentina.”245 Em Lima, houve o prenúncio do que estaria por vir. Em Caracas, Nixon teve de enfrentar uma “multidão raivosa de estudantes.”246 O sentimento antiamericano foi notado em manifestações estudantis em algumas capitais da América do Sul.247 No caso venezuelano, as manifestações foram radicais, e tiveram uma atenção especial da TIME:

Por cima dos ombros rígidos de uma linha de soldados venezuelanos no Aeroporto de Maiquetía, rios de saliva se espalhavam através da luz do sol e respingavam no delicado paletó cinzento do Vice-Presidente dos EUA e no terno de lã vermelho de sua esposa. Mas o pior ainda estava por vir: menos de uma hora mais tarde, Dick e Pat Nixon estiverem bem próximos de serem fortemente agredidos e possivelmente mortos pela violência das ruas de Caracas, a última parada de uma visita a oito países da América do Sul.248

O trecho acima se propõe a descrever a barbárie latino-americana, de um lado os “mal-educados” venezuelanos, do outro, a elegante e bem vestida “civilização” americana. Nixon, por mais controversa que fosse a sua personalidade, sempre teve o apoio político de Henry Luce, mesmo contra Kennedy (vide capítulo 1). As hostilidades tiveram início já na chegada ao aeroporto. O incidente narrado acima por TIME ocorreu no momento em que Nixon e a sua comitiva pretendiam se dirigir

245 SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos: poder e submissão- uma história da política norte-americana em relação à América Latina, Bauru, SP, EDUSC, 2000, p. 389. 246 Ibidem. 247 WATERS, Vernon. Missões Silenciosas, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1986, p. 287. 248 Over the rigid shoulders of a line of Venezuelan soldiers at Maiquetía Airport, streams of spittle arced through humid sunlight, splattered on the neatly pressed grey suit of the Vice President of the U.S. and on the red wool suit of his wife. But worse was in store: less than an hour later Dick and Pat Nixon brushed close to injury and possibly death in violence-torn streets of Caracas, last stop on their eight-nation visit to South America. Time Magazine. The Americas: The Guests of Venezuela. 26-05-1958. 72

para o túmulo de Simon Bolívar, local onde seriam realizadas algumas homenagens. Conforme relatórios da embaixada americana em Caracas “uma multidão hostil foi ao encontro do vice-presidente e sua comitiva no aeroporto. Houve vaias e assobios e nenhum aplauso amistoso.”249 A embaixada traçou, ao seu modo, o perfil dos manifestantes. Segundo seu relatório, tratava-se de um “grupo feito de gente desordeira e de má fama, de péssimo humor.”250

A TIME destacou, no corpo da reportagem, duas fotos da visita de Nixon, ambas foram tiradas por fotógrafos da Life e tiveram o mesmo direcionamento. Acima, estão os agitadores na rota da visita de Nixon (Riotes on Nixon’s route). Os manifestantes foram fotografados num movimento que parte para o confronto com a comitiva de Nixon que tinha em sua defesa vários soldados armados com baionetas. Os cartazes destacavam o desconforto da presença de Nixon naquele país que, segundo a legenda da imagem, “metade da população nunca foi à escola” (...half never went to school). Neste caso fica uma mensagem de duplo significado: de um lado está a possível

249 SCHOULTZ, loc cit. 250 Cf. Memorando sobre a conversa telefônica, Burrowns (Venezuela) e Robottom e Sanders, 13-05-1958, FRUS 1958-1960, vol. 5, p. 226-7, in SCHOULTZ, Lars. op. cit. p.389. 73

crítica à falta de investimento em educação (por parte dos americanos?); do outro lado, está o fato de que países com péssimos índices de escolarização são suscetíveis a ações de selvageria e barbárie como as que foram descritas na reportagem. Todo o protocolo da visita teve que ser suspenso para possibilitar a fuga de Nixon com sua esposa. Segundo Schoultz, foram quatorze minutos de agonia em que Nixon e sua esposa ficaram presos dentro da limusine enquanto a “imprensa registrava uma ocorrência única na história dos EUA – manifestantes enraivecidos cuspindo no vice-presidente dos Estados Unidos.”251 Através da reportagem, a TIME deu um tom cinematográfico à fuga

Nixon e sua esposa seguiram viagem em carros separados numa rodovia de 10 milhas pela faixa costeira até a capital, mesmo assim os manifestantes tentaram cegar os motoristas atirando banners contra os para-brisas. Somente quando a multidão foi deixada para trás, os Nixons puderam tirar os lenços para limpar a saliva de seus rostos e roupas.252

251 SCHOULTZ, loc cit. 252 As the Nixons got into separate cars for the ten-mile superhighway trip up the coastal range to the capital, demonstrators tried to blind the drivers by draping banners over the windshields. Only when the mob was left behind did the Nixons take out handkerchiefs to wipe the saliva from their faces and clothes. Time Magazine. THE AMERICAS: The Guests of Venezuela. 26-05-1958. 74

Acima, a TIME destacou o ataque às limusines. Os manifestantes foram fotografados chutando os carros escoltados. O carro de Nixon (number one!) ‘está sob violento ataque!’ (Nixon’s car under attack). As marcas das salivas podiam ser notadas no vidro dianteiro e no capô. Seguindo a análise anterior, a TIME faz outro comentário através do enunciado da foto: “metade [da população] nunca teve o suficiente para comer”, (...half never had enough to eat). O duplo sentido reaparece: o primeiro aspecto sugere a falta de investimentos na estrutura agrária do país; o segundo aspecto, mais conotativo, leva a entender que a população faminta diante do vice-presidente dos EUA poderia torná-lo presa fácil de um ritual de antropofagia. Apesar do grau de violência, Nixon se manteve “frio e calmo, o que chamou a atenção da mídia, como ele sempre quis.”253 Nixon ao chegar em Washington foi tratado como herói.254 O presidente Eisenhower e uma multidão de 40 mil pessoas foram recebê-lo.255 Alguns cartazes diziam: “Não deixe esses comunistas desanimarem você, Dick.”256 O alerta estava dado. Dois anos depois, o próprio Eisenhower faria a sua viagem de inspeção na região.

253 TOTA, Antonio Pedro. Americanos. São Paulo, Contexto, 2010, p. 209. 254 SCHOULTZ, Ibid., Ibidem. 255 Ibid., ibidem. 256 Ibid., ibidem. 75

2.2 - A OPERAÇÃO PAN-AMERICANA (1958)

O sentimento de frustração e insatisfação contra os Estados Unidos se tornava cada vez mais forte e amplo na América do Sul. O Brasil não ficou de fora desse contexto, pelo menos em questão de grau, ou seja, não chegou a ser tão violento quanto à Venezuela. Naquele momento, Juscelino Kubitschek dava início à Operação Pan-americana chamando a atenção dos EUA para o fato de que os povos latino-americanos ‘cristalizavam’ a ideia de que “um forte programa de ajuda era necessário.”257 Numa reportagem de 30 de junho de 1958, a TIME cobriu o lançamento da Operação Pan-americana por Juscelino:

Num grande discurso pelo rádio e pela TV, o presidente do Brasil Juscelino Kubitschek, na semana passada pediu uma "reunião do mais alto nível político" - uma conversa de cúpula no hemisfério - "para salvar a América Latina de uma doença chamada subdesenvolvimento. Ele intitulou de "Operação Pan-Americana" a tarefa de desenvolver a América Latina apelando para uma espécie de Plano Marshall para fazer o trabalho.258

A foto acima destaca a visita do casal real japonês ao Brasil, na mesma ocasião do lançamento da Operação Pan-americana. A matéria cobriu o tema da imigração japonesa para o Brasil.

257 FICO, Carlos. O Grande Irmão: Da Operação Brother Sam aos Anos de Chumbo, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008, p. 22. 258 In a major radio and TV speech, Brazil's President Juscelino Kubitschek last week called for a "meeting on the highest political level" — a hemisphere summit talk — to solve Latin America's "disease of underdevelopment." He dubbed the task of developing Latin America "Operation Pan American," and in effect appealed for a Marshall Plan to do the job. Time Magazine, The Americas: Operation Pan American, 30-06- 1958. 76

Kubtschek trouxe a tese de que a prioridade da Europa em detrimento da ajuda econômica à America Latina poderia trazer reflexos no alinhamento ocidental, elemento que obrigava os Estados Unidos a reverem suas ações de ajuda.

Falando de uma sala no Palácio do Catete e com a presença de vinte embaixadores, Kubitschek elogiou os EUA por sua ajuda na reconstrução imediata das economias europeias arruinadas pela guerra. Mas, segundo ele, infelizmente, Washington não demonstrou "o mesmo interesse para os sérios problemas de desenvolvimento dos países que ainda estão com economia rudimentar." Assim, de acordo com Kubitschek, a América Latina encontra-se "em uma posição mais precária e aflita do que as nações devastadas pela guerra, e tornou-se o ponto mais vulnerável dentro da coalizão ocidental." O presidente alertou: "A causa ocidental inevitavelmente sofrerá se a ajuda não vier do seu próprio hemisfério. É difícil defender o ideal democrático com a miséria que pesa sobre tantas vidas.”259

Diante de tal constatação, a de que a imagem norte-americana estava prejudicada na região, o presidente Eisenhower retomou o projeto do Banco Interamericano, o qual passou a operar em 1959.260 Desse momento em diante, a postura dos EUA em relação aos seus vizinhos latinos mudou. A região teria o acompanhamento preventivo contra o comunismo e o apoio aos governos anticomunistas e também receberia ajuda econômica com vistas ao desenvolvimento de toda América Latina. De modo geral, a OPA (Operação Pan-americana) foi o primeiro passo em direção à tentativa de “proporcionar ao desenvolvimento sócio econômico da região a devida prioridade para combater a pobreza e dar massa crítica às reivindicações do continente.”261 O desdobramento foi muito além da ajuda de Eisenhower, pois também resultou na criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em 1959, e inspirou a Aliança para o Progresso. Para Jânio Quadros, a OPA também serviria como estímulo para implantar “uma política externa independente que romperia com os moldes clássicos do Itamaraty desde o final do período de Vargas.”262 Quadros propunha, dessa forma, o fim do alinhamento automático “com atitudes subsidiárias e o Brasil deixava-se ao direito de estabelecer relações com todos os povos, conforme as normas do direito internacional público e os princípios da

259 Speaking from a paneled room of Rio's Catete Palace, with 20 hemisphere ambassadors present, Kubitschek praised the U.S. for its prompt aid in reconstructing war-ruined European economies. But, he said sadly, Washington did not show "equal interest in the serious problem of development in countries still with rudimentary economies." Thus, according to Kubitschek, Latin America found itself "in a more precarious and afflicted position than the nations devastated by war, and has become the most vulnerable point within the Western coalition." The President warned: "The Western cause will unavoidably suffer if in its own hemisphere no help comes. It is difficult to defend the democratic ideal with misery weighing on so many lives."Time Magazine, THE AMERICAS: Operation Pan American, 30-06-1958. 260 FICO, op cit, p. 23. 261 BARBOSA, Carlos Alberto Leite, O Desafio Inacabado: a política externa de Jânio Quadros, São Paulo, Atheneu, 2007, p. 23. 262 BARBOSA, Op. cit., p. 25. 77

solidariedade internacional.”263 Mais adiante, já na presidência, Jânio, apesar de favorável à OPA, não teve como operacionalizá-la, pois “faltaram-lhe prazo e instrumentos adequados.”264 O Congresso Nacional apresentava um quadro adverso diante do cenário político pouco favorável a qualquer tipo de sustentação política.265 Havia “uma esquerda que apoiava a ação externa e se opunha a política doméstica; uma direita que lhe dava sustentação internamente, mas combatia a política externa; e, um centro indeciso e perplexo.”266 Tais elementos serviram para projeção do espectro ‘Jânio’, dentro de uma política independente tanto interna quanto externa.

263 Ibid., ibidem. 264 Ibid., ibidem. 265 Ibid., ibidem. 266 Ibid., ibidem. 78

2.3 - A REVOLUÇÃO CUBANA (1959)

No caso cubano, não se deve atribuir méritos apenas a derrubada de Fugêncio Batista por Fidel Castro como espectro central na mudança de foco dos EUA em relação a AL. A consolidação da proposta socialista em 1961, acompanhada das nacionalizações das empresas americanas e a “reorientação da venda de açúcar de Cuba para China e URSS” em troca de equipamentos, foram os fatores mais agudos.267 Nesse contexto, Khrushchev alertava ao mundo que qualquer agressão contra Cuba seria uma agressão à URSS. Tal fato deixou os EUA em uma situação delicada, haja vista que na reunião da Costa Rica ficou decidido que tanto URSS e como EUA não teriam o direito de interferir nos assuntos extracontinentais dos países latino-americanos.268 A maioria das nações da AL via com simpatia o governo de Fidel Castro.

Em 26 de janeiro de 1959, a TIME trouxe Fidel Castro em sua capa. O líder revolucionário aparece entre a bandeira do Movimento 26 de julho e a bandeira cubana, todos em Sierra Maestra. A principal questão abordada pela reportagem de capa era: Cuba, Democracia ou Ditadura? Nessa edição foi dado mais destaque à violência do grupo de Fidel

267 FICO, op. cit, p. 23. 268 Ibid., ibidem. 79

contra seus opositores do que propriamente aos problemas relacionados ao comunismo. O título da matéria foi “O visionário vingativo”.269 Os esforços americanos para conter o avanço comunista mediante sanções ao governo cubano deram a tônica das relações interamericanas no início dos anos 1960. O primeiro grande esforço resultou em fracasso. A famosa invasão da Baia dos Porcos em abril de 1961 por exilados cubanos e o falho apoio militar aéreo dos Estados Unidos foram as marcas da derrota americana. Ainda em 1961, os EUA prosseguiram a cruzada contra Cuba, dessa vez suspendo todas as importações da ilha, medida interpretada pelas nações latino- americanas como brutal.270 A questão cubana foi um dos momentos mais críticos da Guerra Fria no espaço das Américas. A partir dela a postura dos Estados Unidos em relação a toda a América Latina seria baseada em dois pontos: primeiro, o apoio aos militares na região para conterem o avanço das ações e propostas comunistas; segundo, o amparo econômico à região com vistas “a construção de uma imagem mais positiva dos Estados Unidos e para a ampliação de sua capacidade de influir.”271 Nesse aspecto, e prosseguindo para além da questão militar, essa capacidade de “influir”, elemento central do “Século Americano”, fazia parte das propostas do Departamento de Estado. Segundo Tota, após a Segunda Guerra “os americanos acreditavam que os Estados Unidos eram superiores não somente política e economicamente, mas também culturalmente.”272 Nesse sentido, a proposta era a difusão dos valores americanos em larga escala pela América Latina e, especialmente, para o Brasil.273 Nos moldes de uma excelente mercadoria “as agências do governo venderam uns Estados Unidos da mesma forma que os produtos de Hollywood vendiam um filme ou a General Motors vendia um Chevrolet ou a 274 RCA vendia um aparelho de televisão.” O imperialismo sedutor retornava com outras vestes. O inimigo agora era outro. O quadro começou a se alterar gradativamente no final dos anos 1950. Passou a ocorrer um novo redirecionamento logístico na esfera militar latino-americana. Os americanos ao final do governo Eisenhower se defrontavam com o inevitável balanço de sua imagem para a America Latina, a eficácia de sua política para o hemisfério deveria ser autoavaliada. Ao contrário de um grande investimento militar – como fizeram com Cuba na década de 1950, e

269 Time Magazine, CUBA: The Vengeful Visionary, 26-01-1959. 270 FICO, op. cit, p. 24. 271 Ibid., p. 25. 272 TOTA, op cit, p. 203. 273 Ibid., p. 203. 274 Ibid., ibidem. 80

mesmo assim o exército local foi derrotado pelos guerrilheiros de Fidel275 -, o ideal seria impedir o surgimento de “outras Cubas”.276 De que modo isso poderia ser feito? Por meio do investimento nas áreas sociais dos países latino-americanos, pois as péssimas condições de vida das populações pobres seriam o elemento motivador de propostas revolucionárias.277 Dentro desse quadro, no qual se situa o final da gestão Eisenhower, surgem as civic actions, cuja principal característica seria o redirecionamento das forças dos exércitos locais não mais para a segurança, mas para “projetos (...) como obras de engenharia, serviços públicos, transportes, comunicação, saúde, saneamento, etc.”278 As civic actions foram aplicadas para além do governo de Eisenhower. O governo do presidente Kennedy acelerou o aprofundamento dessas ações que passaram a ser compreendidas como estratégia de contra-insurgência. Mesmo que o foco não fosse a questão bélico-militar, os exércitos latinos operavam dentro da lógica dos Estados Unidos. Muitos soldados passaram a receber treinamento direto das forças americanas na “Escola das Américas, na Zona do Canal do Panamá.”279 Robert McNamara, então secretário de Defesa de Kennedy, reconhecia que o problema das insurgências se pautava pela questão da pobreza da região, motivando o levante de críticos aos Estados Unidos, dentre eles os comunistas. Desse modo, o secretário propunha a união o mais rápido possível da doutrina militar de contra-insurgência com a Aliança para o Progresso.280

275 FICO, op. cit, p. 25. 276 GIL, Federico G., Latin American-United States Relations, [San Diego], Harcourt Brace Jovanovich, 1971, p. 217. 277 SHOULTZ, loc. cit. 278 FICO apud LEACOCK, Ruth. Requiem for Revolution: The United States and Brazil, 1961-1969, Kent, The Kent State University Press, 1990, p. 184. Os governos Castelo Branco e Costa e Silva enviaram e treinaram soldados para atendimentos sociais em diversas partes do país, principalmente nas regiões norte e centro-oeste. 279 FICO, op cit, p. 26. 280 MCNAMARA, Roberto, a Essência da Segurança... apud (Fico, op. Cit., p 26). 81

2.4 – BENVINDO, EEKEE! (1960)

A visita de Eisenhower em alguns países da America Latina foi um fato emblemático desse contexto. Evitando a Venezuela (vide mapa da TIME), o presidente americano começou por Porto Rico e, na sequência, visitou três cidades brasileiras, três da Argentina, Santiago, Montevidéu e, finalmente, retornando a Porto Rico.

Segundo Moniz Bandeira, a visita de Eisenhower à América do Sul ocorreu num momento em que “o aprofundamento da Revolução Cubana solapava o imperialismo e 82

revigorava a luta de classes no âmbito continental.”281 A TIME fez uma matéria exclusiva sobre a visita de Eisenhower com foco na recepção dada pelo Brasil e pela Argentina. Mas antes resumiu sua visita pela América Latina da seguinte forma

Milhões de latino-americanos na semana passada cercaram o presidente dos EUA e de braços abertos o receberam com pétalas de flores que grudavam em seu rosado e suado couro cabeludo. Um sorriso de satisfação estava em seu rosto. Ele desfilou pelas imponentes avenidas daquelas cidades exóticas em meio a uma multidão de pessoas estranhas. 282

Apesar da equivalência, a revista optou por registrar “milhões” de pessoas e não milhares (thousands). Assim como a TIME, Eisenhower também era republicano. Havia um interesse comum entre a empresa de Henry Luce e a restauração da imagem dos EUA no mundo e, especialmente, na América do Sul. A presença do presidente dos EUA em meio a cidades exóticas e pessoas estranhas sinalizava para uma nova forma de conquista do Wilderness:

De um jeito ou de outro ele fazia contato com as pessoas, a radiante personalidade de Dwight Eisenhower tocou os latinos e milhões o aplaudiram. Diante de tão calorosa recepção para o presidente norte-americano, velhas animosidades e suspeitas se dissolveram de forma clara.283

Um dos elementos que impulsionaram o sucesso da chegada de Ike ao Brasil se deu no âmbito da larga publicidade financiada pelas multinacionais, dentre elas “a Esso, a Atlantic, Bank of Boston, Goodyear, Firestone, Radional (subsisdiária da ITT) e outras empresas americanas [que] o saudaram veiculando farta publicidade pelos jornais.”284 Desafiando a inteligência de um leitor bem informado, surpreende o fato de que a existência de animosidades se dissolvesse tão rapidamente diante do “possível” carisma de uma autoridade estrangeira. Segundo a própria revista, o histórico das relações com a região nunca foi amistoso:

281 BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976 p. 400. Ver também, BANDEIRA, Moniz. A renúncia de Jânio Quadros e a crise de 1964. São Paulo, Brasiliense, 1979. 282 Millions of Latin Americans last week saw the President of the U.S., arms flung wide in greeting, flower petals stuck to his pink and sweating scalp, a delighted grin on his face, as he rode down stately boulevards, through exotic cities, among multitudes of strange people. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 283 And somehow, whenever he made contact with the people, Dwight Eisenhower's radiant personality touched the Latinos, and the millions cheered. In the warmth of the uproarious welcome for the norteamericano President, old animosities and old suspicions melted perceptibly. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 284 BANDEIRA, op cit., p. 400. 83

Estes eram os mesmos latinos cuja inveja de seus prósperos primos do norte tem se inflado por um século, amargamente se recordam de um passado recente dos Yanquis, e também amargamente acusam os EUA de abandoná-los e deixá-los para seu próprio destino.285

Não houve protestos como os que ocorreram na Argentina, ao contrário, a única manifestação de desconforto com a visita foi feita pela UNE que aproveitou a passagem do presidente em frente ao seu prédio, localizado na Praia do Flamengo, para estender uma faixa com a seguinte frase: We like Fideo Castro. 286 A mensagem foi notada por Juscelino que o acompanhava e aproveitou a oportunidade para dizer a Eisenhower que tal manifestação era a prova de que a democracia realmente funcionava no Brasil. 287 Segundo Moniz Bandeira, “Eisenhower, contrafeito, comentou: nós também gostamos dele (Fidel Castro). Ele é que não gosta de nós.”288 A visão de que o Brasil era um país desorganizado e desprevenido ficou registrada na matéria. Do mesmo modo, o próximo trecho identifica uma postura subserviente de um país que não media esforços para agradar um dos homens mais poderosos do planeta. A recepção dada pelo Brasil ao presidente americano foi comparada a uma comédia

A chegada de Eisenhower ao Brasil quase se transformou em uma comédia pastelão digna dos irmãos Marx. Quando o grande jato presidencial, da Air Force One, pousou no aeroporto de Brasília - a inacabada capital -, uma equipe no chão começou a desenrolar um enorme tapete vermelho, calculou mal a distância, o rolo do tapete chegou à rampa do avião com uma tremenda sobra. Por alguns instantes parecia que o Presidente dos EUA poderia ter o tapete como um obstáculo antes de pisar no solo brasileiro, mas lá embaixo um tripulante salvou a situação rapidamente ao cortar o rolo extra com seu canivete dobrando a borda irregular sob a rampa.289

Segundo a imprensa local, os objetivos da visita de Ike eram “fortalecer a segurança dos Estados Unidos em seu flanco Sul, no momento em que a União Soviética procurava infiltrar-se no continente” e “ajudar o desenvolvimento econômico dos países da

285 These were the same Latinos whose envy of their prosperous northern cousins has festered for a century, who bitterly recall the bygone days of Yanqui imperialism, and who just as bitterly accuse the U.S. of neglecting them and leaving them to their own destiny. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 286 BANDEIRA, op cit., p. 400. 287 Ibid., ibidem. 288 Ibid., ibidem. 289 Eisenhower's arrival in Brazil almost turned into a slapstick comedy worthy of the Marx brothers. When the big presidential jet, Air Force One, set down at the airport of the unfinished capital city of Brasilia, a ground crew began unrolling a huge red carpet, miscalculated the distance and arrived at the ramp of the plane with a dismaying roll left over. For a moment it looked as though the President of the U.S. might have to hurdle the carpet before he set foot on Brazilian soil, but an enterprising MATS ground crewman saved the situation by quickly cutting off the extra roll with his pocketknife, tucking the ragged edge under the ramp. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 84

América Latina, no interesse deles e no próprio interesse dos Estados Unidos.”290 Para a TIME, o presidente dos Estados Unidos estava sendo tratado como um deus, fato que lhe chamou a atenção ao admitir que nunca em toda a sua vida havia recebido tamanha recepção.

Juntos, os dois presidentes desfilaram através de um selvagem e bem humorado carnaval de boas vindas dos 750.000 cariocas felizes. "Bem-vindo, Eekee! [Bem- vindo, Ike!]" Foi ouvido em toda parte. O ar quente de verão estava cheio de pétalas de flores e papel picado (um truque que os brasileiros aprenderam assistindo noticiários nos EUA), e as figueiras ao longo da Avenida Rio Branco pareciam mastros recobertos de serpentina e confete. Muita música - desde Deus Salve America ao coro de "Aleluia" de Handel, com um forte agradecimento por meio das músicas de carnaval e sambas - ecoava em cada esquina. O Rio palpitava de emoção. Ike disse: "É a recepção mais impressionante que eu já tive em uma cidade."291

A foto acima foi tirada da janela do escritório da TIME na Avenida Rio Branco,

290 BANDEIRA, op cit., p. 400 apud Diário de Notícias, RJ, 23-02-1960. 291 Together the two Presidents rode through a wild, carnival-mood welcome by 750,000 happy cariocas. "Benvindo, Eekee! [Welcome, Ike!]" was heard everywhere. The warm summer air was filled with flower petals and ticker tape (a trick the Brazilians learned from watching U.S. newsreels), and the Ficus trees along Rio Branco Avenue looked like maypoles under their drapery of serpentine and confetti. Music — from God Bless America to Handel's "Hallelujah" chorus, with a strong obbligato of carnival songs and sambas — rang out at every corner. Rio throbbed with happy emotion. Said Ike: "The most impressive entrance to a city I've ever had." Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 85

no Rio de Janeiro. Desse ponto, foram também registradas fotos como as passeatas da Família e o dia da ‘vitoriosa’ Revolução de 1964. Em ambas as ocasiões, o contingente de pessoas presentes foi calculado pela revista em 500.000 pessoas. Finalmente, após toda a recepção, Ike reconheceu, segundo a TIME, a importância da Operação Pan-americana e reforçou a ajuda dos EUA.

O plano do Brasil de assistência mútua para o desenvolvimento latino-americano - Operação Pan-Americana - tem o seu apoio caloroso e um lembrete de que os EUA estão fazendo sua parte.292

Kubitschek era o grande representante da Operação Pan-americana e, assim como todos os parceiros do cone sul, tinha conhecimento do receio norte-americano de que a Revolução Cubana se alastrasse pelo continente. O Departamento de Estado se via na obrigação de rever vários pontos da doutrina econômica.293 Para que o diálogo pudesse fluir entre os dois países na esfera econômica, uma das partes teria que ceder. Os Estados Unidos insistiam com o Brasil de que a estabilização monetária “era uma condição sine qua non a concessão de empréstimos aos países da América Latina e rechaçava a estabilização dos preços das matérias-primas, por eles exportadas.” 294 Segundo Moniz Bandeira, “sob o pano de fundo da Revolução Cubana, o encontro dos Presidentes do Brasil e dos Estados Unidos permitiu-lhes o reajuste de algumas posições.”295 O encontro entre ambos foi produtivo e favorável a Kubitschek que indagado por Eisenhower se estaria disposto a uma retomada do diálogo com o FMI, respondeu-lhe que sim. Tal resposta motivou o presidente americano que ao retornar aos EUA sua primeira ação seria conversar com Per Jacobson, Presidente do FMI. Na sequência dos eventos, o embaixador brasileiro, Walther Moreira Sales era convidado para uma reunião de negociações e um empréstimo de US$47.700.000 dólares era liberado em maio de 1960.296

Sua passagem por São Paulo não foi menos calorosa do que no Rio de Janeiro

Do Rio, o Presidente voou para São Paulo onde, apesar de uma garoa constante, 500.000 pessoas nas ruas lhe acenavam com seus guarda-chuvas e jogavam papel

292 Brazil's mutual-assistance plan for Latin American development — Operation Pan America — got his warm endorsement and a reminder that the U.S. is doing its part. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 293 SCHLESINGER, Arthur, Mil Dias, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, vol. I, p 177. 294 BANDEIRA, op cit., p. 400. 295 Ibid., ibidem. 296 BANDEIRA, op cit, apud Diário de Notícias, RJ, 21-05-1960. 86

picado encharcado em seu carro.297

Segundo dados do IBGE, a população da cidade de São Paulo, em 1960, estava registrada em torno de 3.781.446298, ou seja, cerca de 13% dos habitantes estava na avenida pela qual desfilou o presidente dos Estados Unidos, o suficiente para lotar dez estádios de Futebol como o do Morumbi. Os números da TIME além de expressivos se juntavam a uma festa que parecia contar com poucos convidados.

Na visita do presidente norte-americano à Argentina, houve uma inversão completa das boas-vindas recebidas no Brasil, tanto que um incidente ocorrido em diferente ocasião, com o presidente do México, foi lembrado:

Sua recepção em Buenos Aires contrastou com a simpatia do Brasil. Três semanas antes, o presidente do México, Adolfo López Mateos havia sido vaiado e apedrejado pelos comunistas e peronistas durante uma visita oficial, fato que preocupou o presidente da Argentina, Arturo Frondizi, obrigando-o a tomar medidas drásticas para evitar que se repetisse tamanha violência ou descortesia.299

A situação da visita na Argentina por pouco não se assemelhou a visita de Nixon à Venezuela pouco tempo antes, na ocasião, Ike precisou ser retirado às pressas do aeroporto antes que o pior viesse a acontecer.

Assim que ele chegou ao aeroporto Ezeiza de Buenos Aires, Ike estava cercado por um cordão de soldados com baionetas. O desfile agendado na cidade foi cancelado e Ike precisou ser levado para a embaixada dos EUA em um helicóptero da Marinha dos EUA. Na manhã de sua chegada, cinco bombas explodiram em Buenos Aires, e em uma rua escura um bando de comunistas queimaram um boneco de palha envolvido numa bandeira americana, e gritavam: "Viva Fidel" e "Morte a Ike!"300

Na próxima imagem os destaques foram a falta de papel picado, uma comitiva reduzida e uma forte escolta da cavalaria. O título da foto ilustra bem a passagem de Ike pela

297 From Rio the President made a flying trip to booming São Paulo, where, in spite of a steady drizzle, 500,000 cheered him in the streets, waving their umbrellas and throwing soggy ticker tape on his car. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 298 Ver Censo de 1960 disponível em http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20- %20RJ/CD1960/CD_1960_SP.pdf (acessado em 08/2012). 299 His welcome in Buenos Aires was in some contrast to Brazil's let-out friendliness. Three weeks earlier, Mexico's President Adolfo López Mateos had been booed and stoned by Communists and resurgent Peronistas during an official visit, and worried Argentine President Arturo Frondizi took drastic steps to avoid a repetition of violence or discourtesy. Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 300 As soon as he arrived at Buenos Aires' Ezeiza airport, Ike was surrounded by a cordon of soldiers with fixed bayonets. The scheduled parade into the city was canceled, and instead Ike was whisked to the U.S. embassy in a U.S. Marine helicopter. The morning of his arrival five bombs were exploded in Buenos Aires, and on a dark street a mob of Communists burned a straw puppet wrapped in an American flag, and shouted: "Viva Castro!" and "Death to Ike!" Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 87

capital argentina: Cortejo de Eisenhower em Buenos Aires: Um protesto, um largo sorriso e um rugido.

Ao final e já nos EUA, Eisenhower fez um balanço positivo de sua viagem e tomou o Brasil como referência:

(...) a maioria dos latino-americanos pareceram concordar com o acórdão de Kubitschek do Brasil: "Estou plenamente convencido de que estamos prontos agora para entrar numa nova fase de entendimento e cooperação com os nossos amigos e aliados da nação norte-americana. "301

As concessões que foram sendo feitas aos países latino-americanos tinham como objetivo acalmar os ânimos locais. Eisenhower, já nos Estados Unidos, pediu a CIA que desse início ao treinamento dos exilados cubanos e “aceitou o plano de Douglas Dillon para a criação de Fundo de Progresso Social (500 milhões de dólares), que os Estados Unidos apresentariam a reunião do Comitê dos 21 em Bogotá (agosto).”302 O objetivo do Plano era claro: isolar Cuba.303

301 (…) most Latin Americans seemed to agree with the judgment of Brazil's Kubitschek: "I am fully convinced we are now entering a new phase of understanding and cooperation with our friends and allies, the North American nation." Time Magazine, The Presidency: Benvindo, Eekee! - 07-03-1960. 302 SCHLESINGER, Arthur. Mil Dias, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, vol. I, p 225-229. 303 BANDEIRA, op cit, idem. 88

2.5 – JÂNIO QUADROS (1960) – O QUINTO ESPECTRO

Como já citado, Jânio Quadros vinha sendo observado pelos órgãos de informação dos EUA desde 1950, sua campanha, durante a corrida presidencial, inquietava o Departamento de Estado. 304 O governo dos EUA tinha conhecimento das propostas de Jânio e, do mesmo modo, a maneira como ele iria se relacionar com os EUA, caso fosse eleito em 1960, ou seja, capaz “de manter boas relações com os EUA se ele as considerasse boas para o Brasil”305 Em muitas reportagens da TIME Magazine, Jânio mencionou que seu modo de fazer política era inspirado em Abraham Lincoln, comparação rechaçada pelos analistas americanos, haja vista, “considerá-los distantes dos pendores democráticos do grande líder americano.”306 Jânio era reticente com os americanos, para ele “Abraham Lincoln foi um dos maiores nomes da história, mas os americanos não são como ele, era uma exceção solitária.”307 Jânio antes de se tornar presidente havia visitado os EUA apenas uma vez. Além de também dominar o idioma inglês, era conhecedor da política e dos políticos norte-americanos, “considerava todos os presidentes norte-americanos intervencionistas, salvo Lincoln e Franklin D. Roosevelt.”308 Portanto, seria lógico que Jânio discordasse de ações como a Doutrina Monroe. Para ele, esse tipo de política “por não reunir os elementos para constituir-se numa verdadeira doutrina, representava apenas uma diretriz internacional exposta pelo presidente Monroe em mensagem ao Congresso em 1823, seria ingenuidade acreditar ser ela um instrumento para autodeterminação dos povos latino- americanos.”309 Outro dado muito observado pelos analistas das agências americanas era a oposição feita por Jânio à OEA, para ele “tratava-se de uma entidade ultrapassada com um enorme vício de origem: a participação norte-americana.”310 Dentro da OEA “confrontava-se um hemisfério desunido com os EUA hegemônicos”, dizia Jânio. Os fundamentos de sua política de independência externa podem ser demonstrados nas palavras abaixo, nas quais

304 BARBOSA, op cit, p 87. 305 Ibid., p. 88. 306 Ibid., ibidem. 307 Ibid., p. 90. 308 Ibid., ibidem. 309 Ibid., ibidem. 310 BARBOSA, op cit, p 90. 89

defende de forma rigorosa a vulnerabilidade e, ao seu modo de entender, a inutilidade da OEA:

“Ao estudamos a OEA – dizia – verificaremos que a despeito da posição viril assumida por alguns Estados membros, cujos conceitos nacionalistas não suportavam a penetração do vizinho do norte, essa entidade falhou, especialmente porque um dos seus membros do qual se originavam os maiores temores, dada a sua inconfundível força político-econômica, passou a exercer tal influência sobre a criatura, que a converteu, afinal, em simples instrumento de suas conveniências.”311

De acordo com Edgard Carone, Jânio não escondia sua antipatia pelos Estados Unidos.312 A frente do maior país latino-americano, as atenções norte-americanas sobre ele redobraram-se. Tratava-se de um forte espectro antiamericano. Ao mesmo tempo era um problema para a política externa norte-americana e, por consequência, uma perturbação ao Século Americano. A TIME Magazine demonstrou isso em suas páginas, nas quais passaremos a tratar nos próximos capítulos.

311 Ibid., ibidem. 312 CARONE, Edgard. A República Liberal, II – Evolução Política (1945-1964), São Paulo, Difel, 1985, p. 154. 90

CAPÍTULO 3 A CORRIDA PRESIDENCIAL DE 1960 JÂNIO VEM AÍ!

Apesar das investigações do Departamento de Estado realizadas durante os anos 1950, a TIME acompanhou de perto os passos iniciais de Jânio rumo à presidência. Um primeiro movimento de análise se orientou pelo aspecto físico de Jânio Quadros. Sua forma de se vestir e seus trejeitos tinham destaque nas reportagens que cobriram o início da corrida presidencial. Aos poucos a revista vai se atentando ao discurso de campanha e a partir dele investiga e, muitas vezes, ironiza as propostas de Jânio. Ao mesmo tempo, as inúmeras contradições advindas das atitudes pessoais de Jânio Quadros continuaram a dificultar o mapeamento de sua personalidade. Saber quem de fato ele era seria de suma importância para que a revista pudesse informar aos seus leitores se o Brasil estaria ou não alinhado aos Estados Unidos e, numa escala próxima, ao Século Americano. Esse capítulo irá apresentar o percurso inicial que a TIME fez na “procura” por Jânio Quadros. O slogan “Jânio vem aí” era provocador, e a TIME não queria esperar pela chegada de Jânio, ela mesma resolveu partir ao seu encontro antes que ele chegasse.

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3.1 – ANTECEDENTES (RUNNING START)

Há cerca de um mês antes do lançamento oficial da candidatura de Jânio Quadros à presidência da República pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN), a TIME publicou a primeira matéria cobrindo a corrida eleitoral para 1960, ou seja, um ano e meio antes do pleito. Para Skidmore, Jânio era um corpo estranho que despertara para a política em fins dos anos 1940 e início dos anos 1950. Sua personalidade carismática confundia a opinião pública “por não estar definitivamente identificado como um líder anti-Vargas (embora ninguém o considerasse jamais um getulista).”313 Se, de um lado esse corpo estranho era visto pela ótica da política, do outro lado, a TIME iniciava sua “busca” por Jânio lançando seu olhar no aspecto físico e estético de Quadros:

Enérgico, magro com um espesso bigode e um óculos de armação grossa - um homem que as colunas sociais brincam como “a pessoa mais mal vestida do Brasil em 1958” - na semana passada se tornaria o candidato preferido para presidente em 1960. Seu nome: Jânio Quadros.314

A revista apresentava aos seus leitores um candidato caricato, estranho, feio e mal vestido. No entanto, era esse candidato que detinha a grande preferência do eleitorado e, portanto, merecia certa atenção não apenas da revista, mas dos EUA. Segundo Skidmore “a atração que poderia exercer sobre os eleitores da classe trabalhadora sustentava-se mais no desafio aos padrões de vestiário da classe média (ele costumava usar camisa esporte e aparecia frequentemente despenteado).”315 Jânio Quadros foi sucedido por Carvalho Pinto no governo do Estado de São Paulo em 31 de janeiro de 1959. Apresentado como reformista pela TIME, seu poder político foi comprovado ao indicar o seu sucessor ao governo do Estado de São Paulo

O reformista Quadros, nominalmente um membro do Partido Trabalhista Brasileiro mas, na verdade, um solitário político, construiu rapidamente uma imagem agressiva (hound's tooth record) como governador de São Paulo, cujo mandato se encerrou em 31 de janeiro. Com essa característica, nas eleições de outubro passado ele ganhou um assento de deputado federal e, ao mesmo tempo elegeu o seu próprio candidato para governador de São Paulo em meio a uma dura oposição.316

313 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000.12ª edição, p. 231 314 An intense, rail-thin man with a bush of a mustache and thick-framed spectacles — a man society columnists joshed as Brazil's "worst dressed of 1958” - last week became front runner for the presidency in 1960. His name Janio Quadros. Time Magazine: Brazil: Running Start, 09-03-1959. 315 SKIDMORE, op cit. p. 233 316 Reformer Quadros, nominally a member of the Brazilian Labor Party but actually a political loner, built a hound's tooth record as Sao Paulo's Governor in a term that ended Jan. 31. On that record, in last October's elections, he won a federal Deputy's seat and at the same time pushed his own candidate into Sao Paulo's governorship over stiff opposition. Time Magazine, loc. cit. 92

A TIME ainda identificava Jânio dentro dos moldes do PTB, pois foi por esse partido que ele venceu as eleições para deputado federal pelo Paraná. Segundo Mario Victor, o apoio do PTB à candidatura e a vitória de Carvalho Pinto causara intenso protesto de um dos líderes udenista, Juracy Magalhães (aspirante à candidatura). Mesmo assim, seus protestos de nada adiantaram, pois “em princípios de janeiro de 1959, Juracy Magalhães sofreu a sua primeira derrota. Jânio Quadros foi considerado candidato pelo Diretório Nacional da UDN, nessa ocasião, Carlos Lacerda dissera ser preferível o nome de Jânio Quadros a fazer barganha com qualquer partido. Claro que o líder udenista se referia ao PTB. Para Juracy Magalhães, todavia, a advertência de Carlos Lacerda era um paradoxo de causar inveja ao próprio Oscar Wilde. Jânio era um candidato trabalhista!”317 Do mesmo modo, todos os partidos políticos desde meados de 1959 vinham trabalhando nomes nesse cenário. A UDN saiu na frente anunciando o candidato de sua preferência, Jânio Quadros que, segundo o articulador Carlos Lacerda, caberia ao próprio Jânio aceitar ou não a indicação. No trecho seguinte, a TIME expõe seu conhecimento sobre a trajetória política da UDN. A expressiva vitória desse partido nas eleições de 1958 foi digna de nota para a revista:

Durante o mês político de Outubro outro fato pareceu digno de nota, a conservadora União Democrática Nacional (UDN) deixou de ocupar aquilo que parecia ser um perpétuo segundo lugar para fazer sete governadores vencedores, sete senadores e 74 deputados, com a maior votação de sua história - cerca 3.000.000.318

Carlos Lacerda era amigo pessoal de um dos editores da TIME, Andrew Heiskell – que inclusive lhe hospedou quando esteve no exílio em 1954, na cidade de NovaYork. Em seu livro de memórias, Lacerda narrou o contato que teve com os inúmeros eletrodomésticos que encontrou no apartamento do amigo. Dos EUA, Lacerda acompanhou os fatos do Brasil pós- Getúlio e manteve intenso contato com outros editores de TIME.319 Lacerda e a UDN formavam uma unidade comum na concepção da revista. O projeto político ideológico de ambos alinhava-se aos interesses norte-americanos, do mesmo modo, o combate que travavam contra o comunismo. Durante o período que cobre a corrida presidencial, Lacerda foi muito citado nas reportagens que analisamos. Logo após a vitória de

317 VICTOR, Mario. Cinco Anos que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965, p. 40. 318 In the other October political development of note, the conservative National Democratic Union (U.D.N.) broke out of perpetual second place to back seven winning Governors, seven Senators and 74 Deputies with the highest vote in its history—some 3,000,000. Time Magazine, loc. cit.. 319 LACERDA, Carlos. Depoimentos, Rio de Janeiro, Guabanara, 1977. 93

Jânio, o olhar da revista se afastaria de Lacerda para ser retomado nos arredores da renúncia. Os olhos da revista também acompanhavam os passos da UDN, conforme trecho seguinte:

Na semana passada, a maior parte do U.D.N. marchou em campanha com Jânio, mesmo ele não tendo ligações com o partido. A marcha foi liderada pelo jornalista Carlos Lacerda, líder dos deputados da UDN na Câmara e ardoroso inimigo de longa data de Quadros (certa vez ele chamou Quadros de "sujo por dentro e por fora”). 320

Apesar das relações estarem rompidas desde a época em que Jânio era governador, Lacerda “considerava inevitável a vitória de Quadros nessas eleições e acreditava que a única maneira para UDN alcançar o poder seria apoiar a candidatura de Jânio para presidência.321 Dentro da UDN houve algumas críticas a indicação de Jânio, em especial do líder bahiano Juracy Magalhães, que logo em seguida acabou consentindo. As relações entre Jânio e Lacerda serviram como baliza para as opiniões que a revista emitia. O perfil de Lacerda, muitas vezes, mesclava o lado temperamental com o lado ardiloso. Seus desafetos também foram expostos no corpo das reportagens, Juscelino era um deles:

Por mais que ele não gostasse de Quadros, Lacerda também não gostava do Presidente Juscelino Kubitschek e do seu Partido Social Democrata (PSD). Quando soube que o presidente da U.D.N. Juracy Magalhães estava negociando uma aliança com o PSD de Kubitschek e que lançaria o próprio Magalhães candidato a presidente em 1960, Lacerda conversou com Quadros e estampou a manchete em sua Tribuna da Imprensa: Jânio – da UDN322

No subitem da matéria intitulado “Candidatos e a escolha do povo” tem-se, de forma subliminar e com outro termo, uma breve sugestão ao Populismo. Além da mobilização nacional em torno do nome de Jânio Quadros, a introdução do ‘povo’ no corpo da reportagem foi inevitável. Para a TIME, Jânio apresentava inúmeras contradições. No trecho seguinte, demagogia e populismo se fundem, Jânio aparece como “arrogante”, mas quando se dirige ao povo, ele é “simples”, se parece e é aceito pelos humildes:

A U.D.N. de São Paulo por sua vez prometeu o apoio a Jânio Quadros. Em todo o país os membros da UDN tais como Senadores, deputados, chefes de partido,

320 Last week most of the U.D.N. marched into Janio's camp, even though he has no links to the party. Leading was Publisher Carlos Lacerda, U.D.N.'s fiery Chamber of Deputies floor leader and long an enemy of Quadros (he once called Quadros "dirty inside and out"). Time Magazine, loc. cit. 321 CHAIA, Vera. A liderança política de Jânio Quadros (1947-1990). Ibitinga – SP, Humanidades, 1991, p. 155. 322 As much as he once disliked Quadros, Lacerda dislikes President Juscelino Ku-bitschek and his Social Democratic Party (P.S.D.) more. When he learned that U.D.N. President Juracy Magalhaes was negotiating an alliance with Kubitschek's P.S.D. that would make Magalhaes President in 1960, Lacerda conferred with Quadros, bannerlined the news in his Tribuna da Imprensa: JANIO — U.D.N.'S. Time Magazine, loc. cit. 94

intelectuais e jornais se alinharam. Quadros arrogantemente aceitou: "Vou precisar de apoio do partido para a campanha, e ainda mais para governar o Brasil depois."323 Uma vez nomeado, Quadros partiu para o Rio de comboio. Já pela manhã, as pessoas que o viam passando saudavam “Viva ao nosso próximo presidente", ele acenava para todos e com uma timidez encantadora, coçava a cabeça de vez em quando.

Jânio Quadros poderia ser considerado um populista? Segundo Skidmore, a própria dificuldade para responder essa questão revela muito sobre o conflito político da época, no qual o próprio Quadros era a peça principal. Segundo Skidmore “(...) até 1959, em sua carreira paulista, Quadros demonstrou certas características de estilo populista, apresentava-se como um candidato dinâmico de grande presença, que estimulava o público levando-o a confiar nêle. Oferecia, assim, ao cidadão comum do eleitorado urbano a esperança de uma transformação radical através da força redentora de uma única personalidade lider (...) Mas o conteúdo da mensagem de Quadros, antes de 1959, não o classificaria como um populista. Dirigia seu apelo aos eleitores das classes média e média-baixa, para as quais sua capacidade de administrador honesto e eficiente em São Paulo parecia quase miraculosa.”324 O debate com o outro candidato e com o ex-presidente foi apresentado. A crítica de Quadros a sucessão presidencial incluía a não indicação do nome Juscelino, o qual acenava para a possibilidade de uma reeleição, algo tido como inconstitucional para a época.

Ele conversou com políticos de todos os partidos, inclusive com325 Kubitschek, de quem ele discordou por causa da busca de um segundo mandato inconstitucional. O Ministro da Guerra e Marechal, Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott, era apenas outro candidato na disputa. 326

Logo após as movimentações em torno do seu nome, Jânio viajou para o exterior e ficou ausente do Brasil durante seis meses. Em sua ausência incumbiu um grupo de políticos amigos para articular o lançamento de sua candidatura à presidência ainda naquele ano (1959). Segundo Chaia, “a ausência de Jânio do cenário político brasileiro era uma estratégia política, afim de que as instruções fossem feitas pelo staff administrativo. Com essa atitude, Jânio procurava preservar a sua imagem de um político que não transigia e não negociava (...)

323 Candidate And The People's Choice. Sao Paulo's U.D.N. at once pledged its support to Quadros. Across the nation U.D.N. Senators, Deputies, party chiefs, intellectuals and newspapers swung into line. Quadros loftily accepted: "I will need party support for the campaign, and even more to govern Brazil afterwards." Time Magaizne, loc. cit. 324 SKIDMORE, op cit, p. 232. 325 Thus nominated, Quadros went to Rio by train. When morning commuters cheered Viva our next President!" he started to wave, then, with charming sheepishness, scratched his head instead. He conferred with politicians of all parties, including (...)Time Magaizne, loc. cit. 326 Kubitschek, whom he warned against seeking an unconstitutional second term; 2) War Minister and Field Marshal Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott, only other visible candidate. Time Magaizne, loc. cit. 95

Porém, era Jânio Quadros quem os orientava em suas ações.”327 No trecho abaixo, a TIME cita que Jânio faria uma viagem de três meses (e não de seis):

Nesta semana, com uma típica astúcia política, Quadros planejou embarcar em um cargueiro para o Japão (54 dias em torno do Cabo da Boa Esperança), em uma viagem que vai mantê-lo afastado por três meses, o suficiente para evitar a exposição excessiva pré-eleitoral, o suficiente para garantir-lhe uma recepção triunfal ao retornar328

Durante esta pré-candidatura, portanto, esta pré-campanha, Jânio não deixou de expressar sua opinião sobre o cenário internacional, para ele era “vital a ajuda financeira e técnica dos Estados Unidos, porém afirmava que não era nem contra e nem a favor dos Estados Unidos, mas a favor do Brasil e das nações do centro e sul americanas.”329

327 CHAIA, op cit, p.154. 328 This week, with typical political canniness, Quadros planned to board a freighter to Japan (54 days around the Cape of Good Hope) on a trip that will keep him away for three months—enough to avoid excessive pre-election exposure, enough to guarantee him a triumphal welcome when he returns. Time Magazine, loc cit. 329 CHAIA, loc cit. 96

3.2 – ANTECIPANDO A CORRIDA

Mesmo estando no exterior, Jânio manteve-se atento às movimentações no Brasil e, do exterior, tudo articulava. Sua viagem de seis meses não passou despercebida das críticas. Foi acusado de enriquecimento ilícito e de ter “se vendido aos empresários de campanha.”330 Para ampará-lo em sua defesa, seu ex-secretário de justiça, Oscar Pedroso D’Horta concedeu uma entrevista defendendo Jânio, dizia ele que a viagem estava sendo feita com recursos próprios e convites oficiais.”331 Segundo Chaia, “na realidade, um dos empresários que financiaram a viagem foi Roberto Selmi Dei, ligado ao empresariado paulista”.332 Em 17 de agosto de 1959, a TIME publicava a matéria Antecipando a corrida, nela a revista cobriu parte da enigmática viagem de Jânio e deu destaque a sua ida para Moscou. Estando a milhares de quilômetros de casa, seu sucesso no exterior chegava ao conhecimento do público em geral:

(...) o homem que mais brilhou nos holofotes não estava perto do Rio na semana passada. Ele estava a 7.000 quilômetros de distância, era Jânio Quadros, de 42 anos, o simples e popular ex-governador do estado de São Paulo e candidato da conservadora União Democrática Nacional (UDN).333

Naquele ano (1959), Jânio havia sido convidado para visitar a URSS na condição de candidato à presidência, ele entendeu o convite como algo positivo dizendo: “vou a URSS atendendo a um convite de seu governo. Parto sem preconceitos, sem partidarismos. Quero conhecer o formidável progresso cultural e econômico dos soviéticos e visitar seus centros culturais e fabris. No mundo cada vez menor em que vivemos, não pode a civilização brasileira ignorar o aparecimento de novas fórmulas político-sociais, assim como a obra que realizam.”334 No trecho abaixo a TIME destacou as primeiras manifestações de Jânio em prol do diálogo com os países do bloco socialista, em particular com a URSS:

(...) Quadros, logo após a ida de Richard Nixon a Moscou, conseguiu 45 minutos de conversa com o jovial Nikita Khrushchev para pedir "o mais rápido possível" a retomada das relações diplomáticas com a Rússia. Jânio acrescentou: "A União

330 CHAIA, op cit., p. 170. 331 Ibid., ibidem. 332 Ibid., p. 170-171. 333 Moscow Coup. But the man who held the brightest spotlight was nowhere near Rio last week. He was 7,000 miles away in the person of Janio Quadros, 42, the homespun, popular ex-governor of Sao Paulo state and front- running candidate of the conservative National Democratic Union (U.D.N.). Time Magazine: Running Early, 17- 08-1959. 334 O Estado de São Paulo, 29 de julho de 1959. 97

Soviética obtém seu café da África e, levando em conta o sabor do nosso café, seria de grande interesse para o comércio brasileiro".335

Esse trecho retoma as contradições de Jânio, chamando a atenção dos editores da TIME. Jânio, do mesmo modo que defendia o reatamento com a URSS e com os países do bloco socialista, também era contra os comunistas, dizia ele “o comunismo não exerce grande atuação sobre os brasileiros, pois é contra o seu caráter. Os brasileiros são cristãos e amam a liberdade.”336 A TIME tinha conhecimento do apoio dos comunistas à candidatura de Jânio, porém ele mesmo negava esse apoio por “considerá-los mercadores internacionais da ignorância e da miséria que afligiam muitos dos nossos patrícios.”337 Segundo Chaia, “a partir dessas declarações é possível afirmar que existia uma diferença básica entre o discurso de Jânio Quadros com relação a política externa de aproximação ao bloco socialista e sua versão interna, de condenação dos comunistas, considerando-os mercadores da miséria do povo.”338 No caso do comunismo dentro do Brasil, Jânio disse; “Não tenho nenhum interesse na posição do Sr. Luis Carlos Prestes, que considero um defunto.”339 A TIME orientava a sua observação em relação Jânio Quadros dentro das relações internacionais. A revista publicava a posição crítica de Jânio ao comunismo endógeno, mas era o exógeno que mais preocupava a TIME. O posicionamento de Jânio frente à política e à economia do país foi o tema de discussão de uma entrevista que dera a Carlos Castelo Branco e publicada na revista O Cruzeiro, de 11 de junho de 1959. Assuntos como a reforma agrária foram pontuados, Jânio dizia: “cabe a nós, democratas, promovê-la ao longo da lei para que outros não a promovam acima da lei.”340 A questão do petróleo também foi pontuada, para ele “petróleo é soberania”.341 A fama e a excentricidade de Quadros pareceram ultrapassar as fronteiras do Brasil. No trecho abaixo, a TIME ilustra alguns detalhes da descontraída excursão eleitoral de Quadro pelo mundo:

335 (...) Quadros followed Richard Nixon into Moscow, got himself a full 45 minutes with the jovial Nikita Khrushchev, came out to urge "the most rapid possible" resumption of diplomatic relations with Russia. Cockily, Janio added: "The Soviet Union gets its coffee from Africa and, judging from the taste, would greatly benefit by Brazilian trade." Time Magazine, loc. cit. 336 O Estado de São Paulo, 14-06-1959 337 O Estado de São Paulo, 22-04-1959 338 CHAIA, op. Cit. p 171. 339 O Globo, 30-06-1959 340 O Cruzeiro, 11-06-1959. 341 O Cruzeiro, 11-06-1959. 98

Essa estratégia manteve Quadros nas primeiras páginas desde que ele foi para o Japão em março passado. Jornais brasileiros enviaram seus melhores homens para seguir Quadros no Japão, Turquia, Israel, Europa. Quadros não deixou de brindar em seu percurso, tinha algo a cada parada para agradar grupos minoritários de brasileiros.342

Para a TIME, além de uma controvertida “campanha” internacional, o pré-candidato Jânio parecia dispor de um forte eleitorado internacional e nas principais cidades do mundo:

Disse um político do Rio: "Jânio ganhou o voto japonês do Brasil em Tóquio, o voto italiano em Roma, o voto judeu em Tel Aviv." Em toda parte, Jânio apresentou sua plataforma: o mesmo tipo de governo honesto que trouxe grande sucesso quando era governador.343

O personagem messiânico de Jânio apareceu pela primeira vez na revista. O seu retorno, velejando, era aguardado pelos ansiosos políticos.

Quadros irá velejar de volta para casa em setembro para uma recepção triunfal na convenção da UDN. Logo mudará a roupa desleixada e fará a barba de dois dias (...). Disse ele: "O Marechal Lott é um patriota distinto, mas para se tornar presidente, também é necessário ser popular." Uma recente pesquisa em 20 capitais brasileiras revelou 72% para Quadros, de 18% para Lott.344

Ao citar novamente a aparência de Jânio (desleixada), a revista sugeriu que o candidato estava complemente a vontade durante a viagem. Sendo assim, Quadros somente voltaria a se vestir de forma descente quando chegasse ao Brasil. Passados seis meses, Jânio retornou ao país em 21 de setembro de 1959, dando inicio definitivo a sua campanha. Em 8 de novembro daquele ano foi realizada a convenção da UDN para indicação do candidato. Na disputa estavam Jânio e Juraci Magalhães. Segundo Chaia “o clima local era bastante tenso, tendo de um lado os lacerdistas e, do outro, os adeptos de Juraci.”345 Tomando ciência daquele conturbado momento, Jânio comunicou a Afonso Arinos e Carlos Lacerda que não era mais candidato. Lacerda contornou a situação deixando Quadros

342 Something for All. Such coups have kept Quadros on the front pages ever since he left for Japan last March. Brazil's newspapers sent their top men to catch Quadros in Japan, Turkey, Israel, Europe. Quadros missed not a beat on the toast-quaffing circuit, had something at every stop to tickle Brazil's minority groups. Time Magazine, loc cit. 343 Said a Rio politician: "Janio won Brazil's Japanese vote in Tokyo, its Italian vote in Rome, the Jewish vote in Tel Aviv." Everywhere, Janio outlined his platform: the same kind of honest government that brought a boom when he was governor. Time Magazine, loc cit. 344 Quadros will sail home in September for a hero's welcome at the U.D.N. convention, then change to sloppy clothes and two-day beard (...). Said he: "Marshal Lott is a distinguished patriot, but to become President it is also necessary to be popular." A recent poll in Brazil's 20 state capitals showed 72% for Quadros, 18% for Lott. Time Magazine, loc cit. 345 CHAIA, op cit, p 162. 99

seguro em relação a indicação da vice-presidência – esta que tanto incomodava Jânio, pois o candidato não queria um vice-presidente imposto pela UDN.346 Concordando com Lacerda, Jânio voltou atrás. Mesmo assim os problemas com a escolha do vice continuaram desagradando Jânio Quadros que, finalmente, em 25 de novembro de 1959, entregou uma carta ao presidente da UDN renunciando a sua candidatura. Segundo Chaia: “Carlos Lacerda considerou a renúncia de Jânio Quadros um protesto contra a política de conchavos e de barganhas (...) disse ainda que Jânio nunca seria um presidente caricato.”347 Após várias exigências feitas a Lacerda, Jânio retomou a candidatura em 5 de dezembro de 1959.348 Foi homologada em maio de 1960 com uma coligação composta pela UDN (União Democrática Nacional), PTN (Partido Trabalhista Nacional), PDC (Partido Democrata Cristão) , PL (Partido Liberal) e PR (Partido Republicano).

346 Ibid., ibidem. 347 Ibid., p. 165. 348 Ibid., p. 166. 100

3.3 – OS CANDIDATOS

Havia um olhar preocupado do Departamento de Estado para as eleições de outubro de 1960, temiam pela vitória de Jânio.349 Desde o início, o Departamento era simpático a candidatura de Lott, apesar de sua impregnada defesa do nacionalismo e de ser considerado um candidato conservador apoiado por forças de esquerda.350 Nesse sentido, a embaixada dos Estados Unidos acreditava que poderia haver a transferência do prestígio de Juscelino para Lott, este que, sendo um militar, ainda poderia contar com o apoio das Forças Armadas.351 A expectativa norte-americana era que Lott “manteria acordos com os Estados Unidos e provavelmente não reataria relações com a URSS nem reconheceria a República Popular da China.”352 Apesar dessa postura em relação à política externa, o Departamento de Estado se mantinha reticente em relação à política interna. Considerado de perfil político ingênuo, “possuidor de um caráter retilíneo e avesso a negociações, ele, no entanto, poderia gerar dificuldades com o Congresso. Favorável à limitação de remessas de lucros pelo capital estrangeiro, o general mostrava tendências a prestigiar empresas estatais e apoiar uma maior participação no controle da economia pelo Estado”.353 A matéria “Os candidatos” trouxe uma prévia do confronto Quadros-Lott. O General representava os herdeiros do nacionalismo. Para a TIME o programa de Lott era “Vermelho, de esquerda”, não cabia os eufemismos do Departamento de Estado. A reportagem alertava para o perigo que esse candidato representava aos investimentos capitalistas, ou seja, ao capital estrangeiro.

Da varanda do edifício onde está localizado o Comitê Nacionalista de Lott, ele, imediatamente, fez do capital estrangeiro seu alvo principal. Disse ele, com sua voz aguda: "Não desejamos mais que o suor dos trabalhadores brasileiros sirva para produzir riquezas para os estrangeiros”. Em seu segundo dia de comício, ele chamou a atenção para o progresso da siderúrgica estatal de Volta Redonda, e mais garantias à intocável Petrobrás, o monopólio estatal do petróleo.354

349 BARBOSA. Op cit, p.87. 350 Ibid., ibidem. 351 Ibid., ibidem. 352 Ibid., p. 88. 353 Ibid., ibidem. 354 Workers' Sweat. From the balcony of a building housing a Nationalist Committee for Lott, he promptly made foreign capital his prime target. Said he in a small, high-pitched voice: "We no longer desire that the sweat of Brazilian workers serve to build riches for those abroad." At his second rally of the day, he called for improvement of the government steel mill, Volta Redonda, and "more guarantees for untouchable Petrobras," the state oil monopoly. Time Magazine, Brazil: The Candidates, 29-02-1960. 101

Nada mais frontal aos interesses americanos do que uma postura nacionalista, ainda mais preocupante quando se tem a possibilidade de haver um chefe de Estado hasteando tal bandeira. A constante preocupação da revista em relação aos políticos que colocam os trabalhadores como protagonistas e oprimidos alude ao conceito de proletariado. O suor dos trabalhadores sugeria a ideia de expropriação e extração de mais valia. Teixeira Lott foi acompanhado de perto pela TIME. Durante a corrida eleitoral de 1960, parecia só existir dois candidatos pela presidência nas páginas da revista. Lott foi homologado pela coligação PSD/PTB “após vários nomes vetados pelo presidente Juscelino.”355 Segundo a revista, o manto de Lott era o mesmo manto de Vargas, portanto, ele vestia a túnica dos inimigos do capital estrangeiro:

O manto que o Marechal Lott aspira é o de Getúlio Vargas, o demagogo ditador- presidente que se matou em 1954, deixando uma carta pondo a culpa do seu suicídio nos "grupos financeiros internacionais". Na semana passada, três dias depois de deixar o Ministério da Guerra, Lott foi festejado numa barulhenta convenção do PTB, o partido de Vargas, ao aceitar sua indicação. (PTB). "Eu sou um nacionalista", disse ele. "O nacionalismo está relacionado ao patriotismo, o caminho da caridade é a fé.."356

Compondo chapa com Goulart, os atritos entre o PSD e o PTB não tardaram. Lott assumiu abertamente sua postura política dizendo que era “nacionalista, desenvolvimentista e (...) anticomunista, apesar do apoio do PCB”.357 A TIME sabia que Lott não estava sozinho, para a revista o incômodo só aumenta, pois o candidato a vice é Goulart, o explícito nacionalista e esquerdista. Aliado de Vargas e parente de Brizola, as ações de Goulart junto aos trabalhadores (proletariado) chamavam a atenção da revista e, como candidato a vice- presidente pelo PTB, ele preparava uma plataforma agressiva ao capitalismo

Para obter a nomeação, Lott aceitou como seu companheiro de chapa o atual vice- presidente do Brasil, o provocador chefe do PTB João ("Jango") Goulart. De Goulart veio uma plataforma que inclui uma lei para o direito de greve-geral para os trabalhadores brasileiros, restringe e freia as remessas de lucros ao exterior, uma reforma agrária e a participação dos empregados nos lucros das empresas. Esta

355 HIPPOLITO, Lucia. PSD de raposas e reformistas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 203. 356 The mantle that Marshal Lott aspires to is that of Getulio Vargas, the demagogic dictator-President who shot himself in 1954, leaving a note blaming his suicide on the pressure of "international financial groups." Last week, three days after leaving the War Ministry, Lott greeted a noisy convention to accept the nomination of Vargas' old Brazilian Labor Party (P.T.B.). "I am a nationalist," he said. "Nationalism is related to patriotism the way charity is to faith." Time Magazine, loc. cit. 357 CHAIA, op. cit, p. 168. 102

plataforma trouxe apoio automático dos comunistas, cerca de 200 mil votos.358

Divisões internas do PSD e do PTB apoiavam a candidatura de Jânio. As propostas de anticomunismo de Lott desagradavam setores do PTB, Lott se opunha a aproximação com o bloco socialista, ao contrário de Jânio “que defendia posturas mais avançadas na área da política externa.”359 Lott contava com o apoio tímido de Juscelino, este que pouco se empenhava em apoiar o seu próprio candidato.360 Segundo Chaia “para o PSD, Lott era considerado um elemento estranho ao partido e, na avaliação de Lacerda, Lott incumbiu-se de se derrotar vertiginosamente. Cada vez que Lott falava, era um desastre.”361

Lott também é o candidato do presidente Juscelino Kubitschek do PSD, um partido de burocratas e proprietários de grandes terras e ele, desse modo, herda a política de Kubitschek, a do desenvolvimentismo através da inflação. Lott, portanto, tem o apoio maciço que elegeu Kubitschek..362

A trajetória de Quadros volta a ser destacada no trecho abaixo e dentro de uma espécie de comparação com Lott novos detalhes estéticos foram apontados. Como um personagem surpresa, que saiu das sombras, ele continuava sendo tratado como excêntrico, adjetivo que apareceu repetidas vezes em suas reportagens, talvez por ser o único que pudesse ser atribuído de forma segura, haja vista que outros traços de Jânio continuariam a confundir a revista por um bom tempo.

Lott está contra o ex-professor primário Jânio Quadros, que em poucos anos, saiu da obscuridade para se tornar o novo governador-vassoura de São Paulo, centelha do estrondo industrial do Brasil. Quadros laça seus sapatos no ar, derrama caspas em sua camisa e leva o povo ao delírio. Seu programa é de um governo honesto, de redução da burocracia, da construção de estradas e de usinas de energia, e de recolar a empresa privada no caminho do progresso. Ele descreve seu próprio nacionalismo como "adulto, vacinado e com idade suficiente para votar."O principal obstáculo de Jânio Quadros: o seu perfil excêntrico, este que o levou a sair da corrida presidencial uma semana antes e voltar quase que imediatamente.363

358 To get the nomination, Lott accepted as his running mate Brazil's current Vice President, rabble-rousing P.T.B. Boss Joao ("Jango") Goulart. With Goulart came a platform that includes a broad right-to-strike law for Brazilian workers, strict curbs on the remittance of profits abroad, land reform, profit sharing for industrial employees. This platform brought automatic Communist backing, an estimated 200,000 votes. Time Magazine, loc. cit. 359 Time Magazine, loc. cit.. 360 CHAIA, op. cit. p. 169. 361 Ibid., ibidem. 362 Inflation Program. Lott is also the candidate of President Juscelino Kubi-tschek's Social Democrats, a party of bureaucrats and big landholders, and he thereby inherits Kubitschek's policy of forced-draft development through inflation. Lott thus has all the massive backing that elected Kubitschek. Time Magazine, loc. cit. 363 Lott is up against ex-Schoolteacher Janio Quadros, who in a few years rose from obscurity to become the new-broom governor of Sao Paulo, spark of Brazil's industrial boom. Quadros kicks off his shoes on the stump, spills ashes on his shirt and works the crowd to frenzy. His program is honest government, slashing bureaucracy, building roads and power plants, and turning private enterprise loose for progress. He describes his own 103

Nesse contexto, o vice, Goulart, se aproveitou da fraca campanha de Lott e passou a promover a formação dos comitês que apoiavam a sua aliança com Jânio. Segundo Chaia, “Dante Pellacani, presidente do PTB paulista e presidente da Federação Nacional dos Gráficos, idealizou a criação do “movimento Jan-Jan, que se expandiu no seio do movimento sindical.”364 O próprio Jânio mostrou-se simpático a esses comitês, pois sabia que poderia tirar proveito dessa aliança. Ao final das contas, Jânio saiu fortalecido para a campanha de 1960. Estava apoiado por cinco partidos políticos e ainda contava com os movimentos Jan-Jan e o movimento de renovação sindical. Além dessas agremiações, Jânio ainda contou com “a adesão dos empresários nacionais e representantes do capital estrangeiro, dos militares ligados a ESG (Escola Superior de Guerra), de membros do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), bem como do apoio popular.”365 Nesta matéria, a TIME deixou de fora Adhemar de Barros (PSP). Conhecido como “eterno candidato”, o PSD de Juscelino tentou convencê-lo a retirar sua candidatura em pró de Teixeira Lott. Por outro lado, Adhemar não se deixando por menos, fez proposta inversa ao PSD. No meio dessas disputas surgiram movimentos como “Ade-Jan” propondo uma chapa composta por Adhemar e Jango. Adhemar adotou o slogan “Homem da terra”, se aproveitando do fato de ter nascido no interior. Seu programa se pautou numa proposta tradicional defendendo a “valorização do campo, o desenvolvimento e a modernização da agricultura e a reforma agrária”.366 A campanha de Jânio tinha como estratégia “parecer pobre”, todavia estavam por trás “os grandes financiadores de campanha, empresários nacionais e empresas multinacionais.”367 O dirigente das Ligas Camponesas, Francisco Julião, foi um dos seus apoiadores. Julião, apesar do seu vínculo com o PSB “não se empenhou na candidatura do Marechal Lott.”368

nationalism as "grownup, vaccinated and old enough to vote." Quadros' main handicap: the streak of eccentricity that led him to pull out of the race one week and jump back in almost immediately. Time Magazine, loc. cit. 364 Ibid., ibidem. 365 Ibid., ibidem. 366 CHAIA, op cit, p. 168. 367 Ibid., p. 174. 368 Ibid., p. 175. 104

3.4 – CUBA: UMA VIAGEM DESASTROSA

Em Março de 1960, Fidel Castro convidou Quadros para uma visita à Cuba, na condição de provável futuro presidente do Brasil, por causa desse convite, a UDN criticou de forma severa essa viagem. Para eles o novo governo cubano havia suprimido a liberdade e imposto à ditadura. Por outro lado, no plano estratégico da campanha, era importante que Quadros visitasse a ilha, pois naquele momento a campanha já se encontrava polarizada, “Jânio era acusado de entreguista, enquanto a candidatura do Marechal Lott era identificada com o nacionalismo.”369 Segundo Castilho “era necessário desfazer a imagem de Jânio como “lacaio dos trustes, mostrando uma faceta de independência em relação a política internacional.”370 A TIME publicou uma matéria tratando essa visita como breve e passageira. Além dos adjetivos já conhecidos, a posição política de Jânio como ‘candidato próximo à direita’ foi utilizada pela revista. TIME observou que a visita também era uma estratégia de Jânio para dividir os votos de Lott. Para ela, tratou-se de uma “viagem desastrosa”, título da própria matéria, haja vista o impacto que causou aos meios de comunicação do Brasil

Jânio Quadros, conservador, excêntrico, mas um bem sucedido governador do rico Estado de São Paulo, é o candidato mais próximo da direita na próxima eleição presidencial em Outubro. Por conseguinte, um dos seus motivos principais para visitar Cuba na semana passada foi roubar alguns votos da esquerda e que pertencem ao seu principal rival, o candidato Henrique Teixeira Lott.371

Segundo Chaia, Jânio foi muito bem recebido em Cuba e a imprensa brasileira fez forte cobertura. Recebido por Fidel com honras de chefe de Estado, Jânio elogiou muito o governo cubano, classificando-o de “honesto e operoso.”372 O Departamento de Estado não deixaria passar despercebida essa visita, era crescente a atenção em Jânio, “algo mudaria caso ele, como se prenunciava, vencesse o pleito de 3 de outubro e a sua presença em Havana seria o ponto de partida para revigorar a desconfiança que começava a caracterizar a atitude de

369 CHAIA, op cit, p. 176. 370 Ibid., ibidem. 371 BRAZIL: Slipped Trip, Monday, Apr. 11, 1960; Janio Quadros, the conservative, eccentric but successful former Governor of wealthy São Paulo State, is the closest thing to a candidate of the right in next October's Brazilian presidential election. Thus his clear motive in visiting Castro's Cuba last week was to grab a few leftist votes from his chief rival. Government Candidate Henrique Teixeira Lott. Time Magazine, loc. cit. 372 Time Magazine, loc. cit.. 105

Washington para o candidato oposicionista.”373 A viagem foi um fracasso? Para a TIME sim. No trecho abaixo, foi atribuída essa conclusão. A figura de um presidente que precisou ‘sair correndo’ da Ilha de Cuba, devido a forte crítica que recebera da imprensa de seu país, sugere a representação de um político atento à opinião pública e a grande influência que essa mesma opinião possa impactar em sua imagem.

A viagem foi um fracasso. Quadros deveria ficar na Cuba de Fidel Castro por seis dias. Mas quando os jornais de seu país começaram a chamá-lo de "irresponsável" e suas declarações de elogio a Castro foram entendidas como um verdadeiro "pacto com o diabo", ele aparentemente se deu conta de que os brasileiros não estão muito ansiosos em seguir os passos de um governo irresponsável de uma ilha que corresponde a um décimo do seu próprio país.

Fidel Castro havia tomando muita cautela ao convidar Jânio Quadros, na verdade, ele não tinha interesse em interferir diretamente nas eleições do Brasil. Muitos setores da mídia carioca apoiavam a ida de Jânio à Cuba. Todavia, eram os setores da UDN que mais criticavam essa atitude, pois consideravam a visita, além de polêmica, muito perigosa para os resultados das eleições. O convite foi feito também para Lott, que recusou devido a questões de agenda e por considerar desnecessária. As críticas da imprensa que a TIME apontou podem ser localizadas nas publicações de jornais como O Estado de São Paulo “que classificava a viagem como demagógica (...) O Estado de São Paulo aborda a possibilidade de essa visita acentuar a divisão do sistema interamericano e demonstrar solidariedade a Fidel no momento em que ele começava a alinhar-se abertamente como Moscou. O Editorial da Folha de São Paulo considerou a viagem inútil, apenas mais uma manobra para desmentir a pecha de ‘entreguismo’ e de simpatias pró-americanas do candidato”.374 A visita obedeceu ao protocolo estabelecido, ou seja, Quadros visitou o túmulo de heróis da independência cubana, como o de José Julian Martí y Perez. Nessa ocasião “pronunciou um pequeno discurso improvisado (...)”, em seguida “participou de um almoço na sede do governo (...) visitou granjas, a fábrica de charutos H. Upman e esteve com Che Guevara ainda presidente do Banco Nacional de Cuba (...)”.375 A TIME não deu detalhes da visita de Jânio, apenas restringiu seu discurso à estratégia política do candidato. Sem dar muito espaços para outros assuntos, a matéria

373 BARBOSA, op cit. p. 56. 374 Ibid., p. 60. 375 Ibid., p. 64. 106

apresentou uma imagem caricata de Jânio ‘em rota de fuga’ e rumo a um lugar mais seguro

Dois dias antes do final de sua visita terminar, ele saiu correndo com um pão com manteiga acenando para seus anfitriões, subiu a bordo de um avião e partiu para um terreno mais seguro, a Venezuela..376

A imprensa local cubana, representada por jornais como o Diário de La Mariana e o Prensa Libre cobriram a visita com matérias favoráveis, mas, por outro lado surgiram boatos de que Jânio estaria fazendo uso desses veículos para dirigir críticas aos Estados Unidos, tal fato não agradou Jânio.377 Alguns observadores interpretaram o desagrado de Jânio como um dos motivos principais para antecipar a sua saída de Cuba, todavia, apesar dos comentários veiculados pela imprensa brasileira, não houve nenhum incidente com Fidel. Em certo momento, Quadros considerou que a repercussão da viagem não estava correspondendo à sua expectativa, decidindo então partir antecipadamente para Caracas, inclusive por nada mais haver de interessante para fazer em Cuba durante os dois últimos dias restantes.378 Após Cuba, Quadros fez uma rápida passagem à Venezuela e “declarou-se a favor da criação de um mercado comum latino-americano, manifestou o desejo de vitalizar as democracias latino-americanas e repudiou todos os regimes de força dos governos totalitários, entretanto, teve o cuidado de não incluir Cuba em suas críticas.”379

376 The trip was a flop. Quadros was supposed to stay in Castro's Cuba six days. But when papers back home began calling him "irresponsible" and his statements of praise for Castro a "pact with the devil," it apparently dawned on him that Brazilians have no vast yearning to take their cues from a reckless government on a chaotic island that is only one-tenth as populous as their own country. Two days before his visit was supposed to end, he dashed off bread-and-butter messages to his hosts, climbed aboard a plane for safer terrain in Venezuela. Time Magazine, loc. cit. 377 BARBOSA, op cit, p. 64. 378 Ibid, p. 65. 379 CHAIA, op. cit., p. 178. 107

3.5 - QUAL CONSERVADOR

Em 3 de outubro de 1960, exatamente no dia da eleição para presidente do Brasil, a TIME publicou a matéria “Qual Conservador?” e analisou o perfil dos candidatos e enquadro- os dentro de um estilo controverso. Ora, Quadros e Lott aparecem como conservadores, ora como simpatizantes da esquerda. No caso de Jânio, as contradições poderiam ser consideradas ainda maiores, quer com discurso de esquerda, quer com discurso de direita. As ambiguidades de Jânio chamaram, logo de início, a atenção:

Em seu próprio nome, Jânio Quadros passou dos limites confundindo gestos apenas para promover imagens de si mesmo para agradar a todos.

Mesmo ambíguo, o perfil de Jânio era objeto constante de análise e vigilância por parte do Departamento do Estado. Dias antes da eleição “a CIA ainda confiava na vitória de Lott, nos termos do boletim de 28 de setembro de 1960, preparado para uma reunião do Comitê Nacional com o Assessor de Assuntos Interamericanos, em Washington.”380 Acompanhando as estratégias de Jânio Quadros, a revista retomou, como transcrito no trecho abaixo, a linha biográfica do candidato cujo perfil parecia se alinhar a de um conservador. A análise de sua postura pessoal e até mesmo caricata já se afirmava como um método investigativo da revista:

Ele também trocou o xingamento por um estilo de campanha altamente pessoal, fato este que o levou, em sete anos, de uma sala de aula do ensino médio (onde ensinou geografia, história e literatura) para o governo de São Paulo, o mais rico e poderoso Estado do Brasil. Como governador, ele investiu em obras públicas que agora suportam o mais movimentado complexo industrial da nação (aço, automóveis, eletrodomésticos), mas também se livrou de cerca de 15.000 funcionários públicos..381

Qual seria o limite que poderia separar o caricato do carismático? A TIME optou pela análise caricata de Jânio, e no lugar de ‘carisma’ ela utilizou ‘demagógico’. No trecho seguinte a estratégia das aparências prosseguiu, porém, as alterações que Jânio executou no

380 BARBOSA, op cit, p. 87. 381 Switch Talker. On his own behalf, Jânio Quadros has gone to extreme and confusing lengths to promote images of himself calculated to please everyone. He has also switched from the name-calling, highly personal campaign style that carried him in seven years from a high school classroom (where he taught history, geography and Portuguese literature) to the governorship of São Paulo, Brazil's richest, most powerful state. As Governor, he spent liberally on public works that now support the nation's most bustling industrial complex (steel, automobiles, appliances)—but also got rid of some 15,000 featherbedding state workers. Time Magazine, Brazil: Which Conservative?, 03-10-1960. 108

seu visual ocorreram como algo provisório e, portanto, apenas como marketing de campanha:

No caminho para a presidência, Jânio Quadros pôs de lado os velhos golpes baixos que ele usou na política estadual. Ele penteou o cabelo, apertou a gravata, limpou a caspa de seus ombros, e não tirou mais o sanduíche do bolso no meio de um discurso. Ele evitou ataques pessoais contra Lott, recusou-se a fazer acusações de corrupção sem fundamento.382

A desconfiança em torno de uma plataforma voltada para a esquerda chamou a atenção da revista. Atitudes e as palavras de Jânio deixavam a TIME em dúvida, principalmente quando se referia a Cuba e a URSS. O camaleão apareceu como uma metáfora ao perfil controverso de Jânio. De qual lado ele poderia estar? Se Jânio vem aí? De qual local ele poderia advir?

Mas, como um camaleão, ele mudou sua coloração para se adequar ao seu público. Perante os industriais ele prometeu uma economia conservadora, diante dos planejadores ele elogiou o investimento estrangeiro, junto aos camponeses, lembrou sua visita a Cuba de Fidel Castro e admiração professada pelo barbudo Líder Máximo. Perante os comunistas, ele lembrou de sua viagem a Moscou no ano passado e insinuou um possível reconhecimento da Rússia e da China Vermelha, perante os nacionalistas ele esfolou os sanguessugas exploradores estrangeiros. Como presidente, ele provavelmente iria executar o mesmo tipo eficiente, econômico, um governo com o espírito voltado para o tipo de desenvolvimento que ele utilizou em São Paulo..383

Esquerda ou direita? Liberal ou não liberal? Na verdade o liberalismo de Jânio era contraditório, por vezes a favor da privatização de algumas estatais, por outras propunha a nacionalização de empresas que atuavam em áreas estratégicas. Algumas ideias de cunho liberal ficaram claras, num discurso que fez na Escola Superior de Agricultura de Piracicaba: “não sou e, só, o liberal que procuro ser, e sei que o sou.”384 Dessa forma ele próprio demonstrava o seu apoio à iniciativa privada, considerava que o Estado era um mal patrão e não podia estar incumbido de certas tarefas.385 Sua face nacionalista não era tão estranha, para ele energia elétrica controlada por

382 Stumping for President, Quadros put aside the undignified platform gimmicks he used in state politics. He combed his hair, tightened his tie, brushed the dandruff off his shoulders, and never once pulled a sandwich from his pocket in mid-harangue. He avoided personal attacks on Lott, refused to sling corruption charges indiscriminately. Time Magazine, loc. cit. 383 But, chameleonlike, he switched his coloration to suit his audience. Before industrialists he promised conservative economics; before planners he praised foreign investment; before peasants he recalled his visit to Castro's Cuba and professed admiration for the bearded Maximum Leader. Before Communists he pointed to his trip last year to Moscow and hinted at possible recognition of Russia and Red China; before nationalists he flayed bloodsucking foreign exploiters. As President, he would probably run the same kind of businesslike, economical, development-minded government that he built in São Paulo. Time Magazine, loc. cit. 384 O Estado de São Paulo, 25 de junho de 1960. 385 CHAIA,op. cit p. 177. 109

empresas estrangeiras deveriam passar para o controle do Estado, para ele a energia elétrica era “tão indispensável como o pão nosso de cada dia e considerava que como medida de segurança nacional era vital sua nacionalização”.386 O caso da Petrobrás era ainda mais delicado, pois, para Jânio, essa empresa era um patrimônio da soberania nacional. Segundo Chaia, “no seu programa de governo a Petrobrás e seu patrimônio seriam intocáveis.”387 Ao final da reportagem, a TIME lançou seu olhar ao candidato Lott. Do mesmo modo que analisava Quadros, a revista não deixou de atentar para a cor dos olhos e principalmente à voz de Lott. Além disso, o discurso desse candidato servia de suporte as próprias análises que a revista já vinha realizando sobre Quadros.

O principal problema de Lott na campanha inicial foi sua apatia. Impassível e rígido, com frios olhos azuis e uma voz estridente que o fez soar um pouco ridículo, ele deixou seu público impressionado. No meio da campanha, no entanto, ele mudou de tática. Ele lutou para baixar a voz algumas notas, assumiu o papel de um pai sábio, e ao mesmo tempo começou a animar a sua campanha com viciosos ataques pessoais a Quadros. Ele chamou Quadros de uma série de coisas, desde a loucura de uma ditadura, disse que a eleição de Jânio Quadros levaria o país a uma sangrenta guerra civil, acusou Quadros de estar tentando comprar a eleição com os imundos recursos advindos dos trusts estrangeiros.388

Chamar Quadros de possível ditador representava uma estratégia desesperada de seu oponente, no entanto, informar que Jânio era financiado pelos trustes estrangeiros servia apenas para dificultar ainda mais a identificação exata dessa personagem chamada Jânio Quadros. As multinacionais, sustentáculos do Século Americano, estavam por trás ajudando um candidato que flertava com Moscou?

386 Ibid, ibidem. 387 Ibid, p. 178. 388 New Image. Lott's main problem in early campaigning was his dullness. Stolid and rigid, with cold blue eyes and a piping voice that made him sound slightly ridiculous, he left his audiences unimpressed. In midcampaign, however, he switched tactics. He struggled to lower his voice a few notes, assumed the role of a wise parent, and at the same time began pepping up his campaign with vicious personal attacks on Quadros. He called Quadros everything from insane to dictatorial, said that Quadros' election would lead to bloody civil war, charged that Quadros was trying to buy the election with a slush fund provided by foreign trusts. Time Magazine, loc. cit. 110

3.6 - O NOVO PRESIDENTE

Na edição de 17 de outubro de 1960, a TIME publicou a reportagem que cobriu os resultados das eleições. A embaixada americana “considerava que o pleito, com prognósticos incertos, seria disputado voto a voto, não desprezando fraude eleitoral e manipulação de resultados das urnas, manobras suscetíveis de serem empregadas por ambos candidatos.”389 A eleição foi acompanhada de perto pelo Departamento de Estado e “a eventualidade de uma intervenção militar no processo sucessório também constava com certa frequência nesses boletins”.390 A vitória de Jânio ficou conhecida como “revolução pelo voto”. Em 3 de outubro de 1960 Jânio atingia a maior marca que um candidato conseguira, 48% dos votos nominais. A vitória não veio somente das massas populares, adveio também de setores da classe média e alta identificados com a UDN e com as propostas mobilizadoras. Ao tomar conhecimento da vitória, Jânio, como de costume, viajou, para retornar somente em 13 de outubro para a sua primeira entrevista coletiva. Ao ser indagado sobre qual seria a composição do seu governo, Jânio deixou claro que contaria com todos, inclusive com os grupos que não o apoiaram. Jânio afirmou que desejava governar bem e “para governar bem devo ter junto de mim os homens mais idôneos e mais capazes, com ou sem filiação partidária.”391 Segundo Chaia, “mais uma vez Jânio Quadros reafirmava sua independência em face dos partidos políticos e dos grupos que o apoiaram, pois considerava que havia sido eleito pelo povo e somente a ele poderia prestar contas.” O número de eleitores foi de 12.586.354.392 Jânio conseguiu 78% dos votos nos estados da Guanabara, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, ou seja, nos principais estados da União. O eleitorado foi estimado pela revista em 12,5 milhões de pessoas – na edição de 3 de outubro a TIME estimou em 12 milhões, ou seja, 500 mil pessoas a menos. Surpresa ou desconfiança? Ao informar seus leitores, sobre a impressionante vitória de Jânio sobre Lott, a TIME não deixava de destacar também que a participação popular no pleito, além de significativa, identificava a existência de uma forte democracia.

Conforme os 12,5 milhões de brasileiros iam às urnas na semana passada para eleger

389 BARBOSA, op cit, p. 87-88. 390 Ibid, ibidem. 391 O Estado de São Paulo, 14 de outubro de 1960. 392 CHAIA, op cit., apud TRESP, p. 182. 111

um novo Presidente, a tão aguardada e apertada corrida não aconteceu da forma como esperavam. Com mais da metade dos votos contados, o candidato da oposição Jânio da Silva Quadros, 43 anos, tinha uma vantagem de 1,6 milhões de votos sobre o marechal Henrique Teixeira Lott, e parecia certa a maior vitória da história.393

Em São Paulo, Jânio conseguiu 55% dos votos nominais derrotando Adhemar de Barros em todas as zonas eleitorais.394

Quadros não apenas ganhou em seu estado natal, São Paulo, ele também venceu no próprio estado de Lott, Minas Gerais, e nas demais regiões do Brasil. Em sua mensagem ao país, Quadros disse: "Sem reservas ou de ódio, apelo a todos os brasileiros a trabalhar para o bem comum."395

Paralela a eleição presidencial, ocorreram eleições para governador em 11 estados. A UDN venceu em seis estados. Lacerda ganhou na Guanabara e, quando indagado sobre Jânio, demonstrou ter perfeito noção da complexidade daquele resultado, disse ele: “quem tiver dúvidas basta perguntar a quem será atribuída a responsabilidade se o governo do presidente Jânio Quadros não tiver êxito. Quem será o principal responsável? Com razão ou sem razão, será a UDN.”396 O dado que chamou a atenção de muitos estudiosos do fenômeno Jânio, diz respeito ao nível de escolaridade de seus eleitores, segundo Glaucio Soares, “quanto maior o nível de escolaridade mais elevada a tendência de o eleitorado votar em Jânio Quadros.”397 Bolivar Lamounier, realizando pesquisa em Minas Gerais, constatou o mesmo fenômeno, ou seja, “Jânio Quadros também recebeu a maior votação nos setores mais escolarizados e em posição sócio-econômica superior das cidades de Belo Horizonte e Salvador, localidades onde a UDN tinha maior penetração.”398

No trecho seguinte é dado destaque a influência de Lincoln e Jefferson no pensamento de Quadros, este toma como inspiradores o senso de dever público, a polidez

393 As 12.5 million Brazilians went to the polls last week to elect a new President, the expected tight race turned into no contest at all. With better than half the vote counted, Opposition Candidate Jânio da Silva Quadros, 43, held a huge 1,600,000-vote lead over the incumbent administration's man, Field Marshal Henrique Teixeira Lott, and seemed certain to roll up the greatest plurality in history. Time Magazine, loc. cit. 394 CHAIA, op. cit., p. 182. 395 Quadros not only won his home state of São Paulo, he also jumped ahead in Lott's own state of Minas Gerais and won the no man's land in between. Said Quadros in a message to his nation: "Without reservations or hate, I call on all Brazilians to labor for the common welfare." Time Magazine, loc. cit. 396 LACERDA, Carlos, O poder das ideias. Rio de Janeiro, Record, 1964, p. 137. 397 SOARES, Glaucio A. D.. “Classes sociais, strata sociais e as eleições presidenciais de 1960”. Sociologia. s.l. s.ed., v. XXIII, nº 03, 1961. 398 LAMOUNIER, Bolivar e CAMPELLO, Maria do Carmo. “Três momentos da vida de um Político”. Revista Isto é. São Paulo, agosto 1976. 112

necessária a um servidor exemplar. Por outro lado, a faceta histriônica volta à tona, ora extrovertido, ora introvertido, para a TIME, tratava-se de um político repleto de surtos de humor.

Em Jânio Quadros, o Brasil tem uma curiosa mistura de introversão e extroversão, um homem culto, cujo pensamento político toma emprestado de Lincoln e Jefferson, trabalhador, servo de uma mentalidade conservadora e pública em seu cargo, no entanto, em campanha com sua ambiciosa coligação política apelou para o voto das massas, prometendo uma série de coisas para todos. Ele é um homem cuja vida foi repleta de lampejos de surtos de brilho e temperamento. 399

Notamos no próximo trecho, que a TIME não deixa de fazer uso de uma linha de análise histórico-biográfica. Não conformada em saber apenas quem era o ‘Jânio Quadros daquele momento’, também é importante saber como ‘foi Jânio Quadros no passado’. O futuro presidente do Brasil foi criado pela mãe, o pai falecera quando Jânio ainda era muito jovem. De sua mãe veio a honestidade e o caráter como ensinamentos fundamentais. A inclinação religiosa para o catolicismo foi um traço que chamou a atenção da protestante TIME. O futuro líder do Brasil era leitor de Ovídio e Horácio. A caricatura continua na reportagem ao destacar a fala da futura esposa de Jânio, dizendo que ele era “O homem mais feio do mundo.”

O filho de um ginecologista do interior com técnicas não muito convencionais, fatalmente acabou sendo morto a tiros aos 68 anos pelo marido irado de uma mulher de 26 anos de idade, Jânio recebeu os primeiros ensinamentos, em sua maior parte, de sua mãe, uma mulher sábia e gentil, que lhe ensinou que "nenhum homem poderia ser um pouco sem honra ou parcialmente honesto”. No colégio interno (Quadros é um católico praticante), o jovem alto de olhos estranhamente arregalados era muito rebelde, mas ele leu apaixonadamente grandes trechos de Ovídio e Horácio de coração como lição de casa.400 Depois de um início instável na faculdade de Direito da USP, ele obteve em seus últimos anos as melhores notas, se casou com uma bela moça que, à primeira vista o achou "o homem mais feio que eu já conheci", e assim começou a sua carreira.401

399 In Jânio Quadros, Brazil got a curious blend of introvert and extravert, a man of wide learning whose political thought borrows from Lincoln and Jefferson, who is a hardworking, conservative-minded public servant in office, yet who campaigns with a ward politician's gallus-snapping appeal for the mass vote, promising all things to all men. He is a man whose life has been studded with flaring spurts of brilliance and temperament. Time Magazine, loc. cit. 400 The son of an upcountry gynecologist with roving ways who was finally shot dead at 68 by the irate husband of a 26-year-old woman, Quadros got his early training mostly from his mother, a wise and gentle woman, who taught him that "no man could be slightly dishonorable or partly honest." At parochial prep school (Quadros is a practicing Catholic), the tall youth with the oddly staring eyes* was so rebellious that he learned large chunks of Ovid and Horace by heart in after-school punishment time. Time Magazine, loc. cit. 401 After a shaky start in law school at São Paulo's state university, he went through his final years with top marks, married a beautiful girl who at first glance thought him "the ugliest man I ever met," and started off on his career. Time Magazine, loc. cit. 113

Como Quadros chegou à política? A São Paulo de Quadros foi comparada como a Chicago do Brasil, a cidade foi apresentada como o berço político de Jânio. Seus alunos foram os motivadores de sua chegada à política mesmo com a barba sem ser feita durante três dias:

Enérgico, de cabelos emaranhados, Quadros mergulhou na política em 1946 a pedido de seus alunos do ensino médio, para os quais ele estava ensinando literatura portuguesa, foi quando conquistou uma cadeira na Câmara de Vereadores da cidade de São Paulo. Ele saiu à frente em todas as eleições desde então - deputado estadual, prefeito da cidade de São Paulo (a Chicago do Brasil), governador do Estado de São Paulo. No palanque, ele enfatizou o fato de que trabalhou o tempo todo ao ponto de deixar a barba ficar três dias sem fazer. Uma vez no cargo, ele construiu uma reputação de honestidade e eficiência. "Liberdade", como ele mesmo disse, "não é uma concessão permanente, mas uma batalha diária."402

Como Quadros administrava a economia de São Paulo? O perfil de um bom pagador ajustava-se a do bom governador e a boa liderança política. TIME, deixando de lado a ironia, destacou os números positivos da gestão de Quadros durante a prefeitura e do governo do Estado de São Paulo:

Em seu primeiro ano como prefeito de São Paulo, Jânio pagou o déficit anterior de US $ 12,5 milhões e equilibrou o orçamento de US$ 55 milhões; no seu primeiro ano como governador de São Paulo, pagou um empréstimo de 30 milhões dólares em atraso do Banco do Brasil, e ainda conseguiu traçar um eficiente plano de obras públicas para o que é hoje o maior complexo industrial no Brasil. 403

Segundo a matéria, Quadros pretendia, pelo menos até aquele momento, dar continuidade ao projeto de Juscelino. A reportagem ainda estava dentro do ano de 1960. No entanto há inúmeras interpretações acerca das relações entre Jânio e Juscelino. Uma das bandeiras eleitorais de Jânio foi justamente a forte crítica feita ao governo anterior. Jânio continuava a escorregar das mãos da TIME. Segundo ela própria, Jânio era um político que oscilava entre a esquerda e a direita, mas sem nunca se identificar com uma delas. Por outro lado, foi identificado novamente com as correntes do conservadorismo nacional.

Embora o tom da campanha de Quadros bambeasse ora para a esquerda e ora para a direita para agradar a maioria, se pode esperar dele que siga a sua própria linha de

402 Intense, shock-haired and magnetic, Quadros plunged into politics in 1946 at the urging of high school pupils to whom he was teaching Portuguese literature, won a seat on São Paulo's city council. He has come out ahead in every election since — state deputy, mayor of São Paulo city (the Chicago of Brazil), governor of São Paulo state. On the stump, he emphasized the fact that he worked around the clock by letting his beard go three days without a shave. Once in office, he built a reputation for honesty and efficiency. "Liberty," as he put it, "is not a permanent concession but a daily battle." Time Magazine, loc. cit. 403 In his first year as São Paulo mayor, Quadros paid off the old deficit of $12.5 million and balanced the budget at $55 million; in his first year as São Paulo governor, he paid off an overdue $30 million loan from the Bank of Brazil, and still managed to chart an efficient public works foundation for what is now the biggest industrial complex in Brazil. Time Magazine, loc. cit. 114

administrar o Brasil dentro de um estilo conservador. Ele está empenhado em continuar o atual programa de obras do presidente Juscelino Kubitschek, mas ele pretende conter a inflação. "Se a inflação poderia criar riqueza, não haveria mais problemas econômicos", diz ele. 404

Segundo Chaia, a vitória de Jânio se dá em meio ao repúdio à situação econômica e política do país ao mesmo tempo em que Jânio era identificado com a esperança.405 A campanha de Jânio “foi marcada pelo seu distanciamento em relação aos partidos políticos e aos grupos que o apoiavam. Com essa maneira de atuar, conseguiu transmitir aos eleitores a imagem de um elemento que se diferenciava dos outros políticos e que puderam mudar o país mediante uma moralização administrativa.”406

A questão é se ele pode impor sua vontade sobre o Brasil, que se acostumou com os grandes gastos de Kubitschek e a sua maneira de emitir moeda. A cidade e o Estado de São eram pequenos o suficiente para que Jânio Quadros pudesse exercer a sua supervisão pessoal e necessária para manter os funcionários trabalhando de forma correta. Mas administrar um país é algo completamente diferente.407

A TIME, no trecho acima, revelou sua dúvida em relação a capacidade administrativa de Jânio Quadros numa larga escala, ou seja, administrar um Estado da União seria muito mais fácil do que administrar um país. O fato de a revista destacar a necessidade de uma vigilância sobre o funcionalismo público brasileiro revela muito do que ela própria interpretava sobre a estrutura burocrática e administrativa do Brasil. Jânio, no início dessa reportagem, foi lembrado por ter demitido 15000 funcionários, faria o mesmo quando chegasse a presidência? Em certa medida, a redução não apenas da interferência, mas da estrutura burocrático-estatal caminhava na direção de um Estado Liberal de Direito, algo que agradava os olhos da revista, mas ainda não bastava para definir Quadros como um efetivo inimigo do Século Americano.

404 Though Quadros' campaign pitch curved left and right to suit his audience, he can be expected to follow his own straight line of Brazil-style conservatism. He is committed to continue outgoing President Juscelino Kubitschek's building program, but he intends to hobble inflation. "If inflation could create wealth, there would be no more economic problems." he says. Time Magazine, loc. cit. 405 CHAIA, op. cit., p. 185. 406 Ibid, p. 186. 407 The question is whether he can impose his strong will on Brazil, which has become accustomed to Kubitschek's free-spending, money-printing ways. São Paulo city and São Paulo state were both small enough so that Quadros could exercise the in-person supervision needed to keep officials at work and honest. But the entire, sprawling nation is something else. Time Magazine, loc. cit. 115

3.7 - LEGADO DE INFORTÚNIOS

Antes tido como um presidente progressista, o qual extraia da TIME grande alívio por não se identificar com os comunistas e nacionalistas, Kubitschek acabou recebendo uma dura crítica da revista. Para a TIME, ele era o principal responsável pelo difícil momento econômico pela qual passava o Brasil e deixando para o seu sucessor, o eleito Jânio Quadros, um legado de infortúnios, título da matéria publicada em dezembro de 1960. Segundo TIME, os últimos cinco anos do governo de Juscelino foram marcados pelos gastos e principalmente pela construção de Brasília, um empreendimento ousado devido a sua edificação em pleno interior do país. Esse tipo de investimento foi duramente criticado pela revista como a verdadeira marca da ingerência e do desperdício. Quadros vencera, e Lott estava afastado. O espectro de Goulart causava incômodo à revista. A TIME passou a levantar dúvidas em relação às condições de Jânio para governar, foram destacados, nessa matéria, os números negativos da gestão Kubitschek conforme trecho abaixo:

Cinco anos atrás, o presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, abriu as fechaduras dos cofres do tesouro nacional e arrancou de lá um punhado de cruzeiros limpando-o completamente. Ele construiu a nova capital Brasília; desenvolveu uma indústria automobilística produzindo cerca 140.000 veículos por ano; aumentou o produto interno bruto para uma média de 6% ao ano; aumentou a produção de aço e a produção de energia. Tal jornada lhe custou muito caro: como Kubitschek se prepara para deixar o Palácio da Alvorada em Brasília, no cofre do tesouro ele deixa uma verdadeira caixa de Pandora de problemas fiscais para o novo Presidente Jânio Quadros.408

Durante a campanha, Jânio não poupou o governo anterior com suas críticas. Atacou a corrupção do governo Kubitschek, a inflação que seria herdada pelo seu sucessor, o alto custo de vida, o desperdício com a construção de Brasília e a “futilidade da imagem do presidente voador.”409 Quadros não se opunha ao projeto da construção de Brasília, na verdade suas críticas se preocupavam “com o critério adotado na aplicação dos recursos da nova capital considerando que: a primeira necessidade do Estado é que o governo aplique

408 Five years ago Brazil's President Juscelino Kubitschek unlocked Brazil's treasure chest, hauled out fistfuls of cruzeiros and headed west, into the empty interior. He covered a lot of ground — establishing the new capital of Brasilia, creating an auto industry turning out 140,000 vehicles a year, increasing the gross national product an average of 6% a year, increasing steel production and power output. The trip was expensive: as Kubitschek prepares to clear out of Brasilia's Palace of the Dawn, the chest he leaves is a Pandora's box of fiscal troubles for incoming President Janio Quadros. Time Magazine, loc. cit. 409 BENEVIDES, Maria Vitória. A UDN e o Udenismo – ambiguidades do liberalismo brasileiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981, p. 110. 116

com honestidade o seu dinheiro.”410 A TIME ao criticar Juscelino e ao apresentar um legado de infortúnios para Jânio, expõe uma visão de que a situação tanto política e econômica do Brasil não mudaria muito nos anos seguintes. Nesse sentido, Jânio Quadros poderia ser um presidente intermediário. No trecho seguinte, a revista não poupou Kubitschek, o ex-presidente era responsabilizado pela forte emissão de moeda para cobrir as despesas de final de ano. A inversão de créditos da balança comercial brasileira chamou a atenção da revista, haja vista que o gasto em dólares praticamente dobrou jogando o país numa indigesta dívida externa:

No mês passado, Kubitschek emitiu cerca de 4,4 bilhões de cruzeiros e provavelmente irá adicionar mais 10 bilhões este mês para atender as despesas de final de ano. O total de dinheiro em circulação: 194 bilhões de cruzeiros - quase três vezes a quantidade quando Kubitschek assumiu o cargo. Os gastos do Brasil em empreendimentos aumentaram a dívida interna mais do que cinco vezes e mais que o dobro da dívida externa. Como resultado, a balança comercial despencou de um superávit de US $ 194 milhões em 1956 para déficit de até $ 283 milhões nos anos seguintes.411

Kubitschek deixava não apenas um legado de inflação, mas um legado de dívidas. A revista TIME destacou o pedido de socorro do Brasil ao FMI no qual incluía o pedido de moratória e a venda de títulos do Banco do Brasil, cujo resgate seria feito no início do governo Quadros.

Para conter a inflação e livrar a economia do colapso, Kubitschek precisa equilibrar contas o mais rápido possível. Com as reservas curtas há dois meses e confrontado com um prazo de seis meses para amortizar 87,7 milhões dólares tomados de empréstimos do Export-Import Bank e do FMI, o Brasil pediu uma moratória de seis meses – no entanto, o próximo governo terá de retomar os pagamentos.412 Para atender a demanda interna por dólares, o Banco do Brasil iniciou recentemente a venda (com desconto) de certificados em dólares para entregar no prazo de 90 dias. O primeiro lote de US $ 80 milhões deve ser resgatado em dólares a partir 01 de fevereiro, um dia depois da posse de Jânio Quadros.413

410 CHAIA, op. cit., p. 177. 411 Last month Kubitschek's money presses clanked out 4.4 billion cruzeiros worth ½¢ U.S. each, will probably add another 10 billion this month to meet year-end expenses. Total money in circulation: 194 billion cruzeiros — nearly three times the amount when Kubitschek took office. Brazil's builder-spender increased the internal debt more than five times, more than doubled the foreign debt. As a result, the balance of trade has slumped from a $194 million surplus in 1956 to deficits as high as $283 million in the succeeding years. Time Magazine, loc. cit. 412 To keep the inflation-ridden economy from collapsing, Kubitschek must juggle his debts faster and faster. Caught short of dollars two months ago and faced with a six-month, $87.7 million repayment installment to the Export-Import Bank and the International Monetary Fund, Brazil arranged a six-month payments moratorium — but the next Brazilian administration will have to resume payments. Time Magazine, loc. cit. 413 To meet the internal demand for dollars, the Bank of Brazil recently started selling (at a discount) certificates for dollars deliverable within 90 days. The first batch of $80 million must be redeemed in dollars beginning Feb. 1, the day after Quadros' inauguration. Time Magazine, loc. cit. 117

Kubitschek também projetou números fictícios para o orçamento do ano seguinte. A TIME denomina como “imaginária” tal projeção. Dentro dessa perspectiva, a imagem que se passa ao público leitor da revista é a de que o Brasil, pelo menos com o governo de Juscelino, prosseguiu a linha do improviso, do jeitinho brasileiro.

O mais grotesco legado que Quadros recebe de Kubitschek é o orçamento para 1961, apresentado na semana passada. Subestimando em demasia as despesas e conjurando uma renda imaginária, a equipe de assistentes (mágicos) que preparam o orçamento de Kubitschek, criaram um superávit fictício e estimado em 520 milhões de cruzeiros. 414Esse "excedente" durou apenas até o momento em que Congresso se reuniu para considerar o assunto e acrescentar mais de 1.000 emendas (entre elas: os deputados dobraram seus salários, votaram neles mesmos para o direito de terem quatro viagens de ida e volta ao Rio por mês e com todas as despesas pagas). 415Na jovial administração que virá, Quadro terá que reduzir gradualmente o monstruoso orçamento para baixo com medidas impopulares (...).416

O trecho acima encerra uma reportagem de cunho pessimista em relação futuro do Brasil daquele momento, não havia nada de positivo a se esperar. O presidente Quadros já estava eleito e dele as poucas referências advinham de suas administrações anteriores. Ao longo de 1960, a revista TIME acompanhou a movimentação eleitoral no Brasil sem esconder sua preocupação em relação aos dois principais candidatos que traziam consigo os espectros do antiamericanismo. A proposta de ultrapassar as fronteiras levando o Século Americano aos demais países do mundo não se caracterizava apenas pela difusão de valores. Era necessária também a penetração do capital, seja através da instalação de novas empresas (investimentos) ou pela ajuda financeira (empréstimos). Tais ações, caso sofressem algum tipo de ameaça, deveriam ser protegidas. A TIME, por meio de suas publicações realizou esse empreendimento. Jânio Quadros foi um espectro muito observado. Suas ambiguidades e contradições dificultavam não apenas as interpretações da TIME, mas de todos aqueles que o cercavam, fossem inimigos dele ou não – Lacerda foi um exemplo disso. O slogan “Jânio vem aí” ainda não havia concluído sua função, era necessária a posse do presidente e o efetivo exercício de suas funções. A TIME estava segura do legado que Jânio herdaria, os infortúnios de Juscelino seria debitados nos anos seguintes. As contas que deveriam ser pagas dependeriam de

414 Quadros' most grotesque legacy from Kubitschek is the outgoing President's 1961 budget, presented last week. By vastly underestimating expenses and conjuring up imaginary income, Kubitschek's budget wizards produced a fictitious surplus, estimated at 520 million cruzeiros. Time Magazine, loc. cit. 415 Even that "surplus" lasted only until Congress met to consider the matter and added more than 1,000 amendments (among them: deputies doubled their living allowances, voted themselves four all-expense round trips to Rio every month). Time Magazine, loc. cit. 416 In the blithe realization that it will be Quadros who will have to whittle the monster budget down to unpopular reality (…)Time Magazine, loc. cit. 118

recursos internos e, principalmente, externos. Kennedy, que também estava chegando, havia prometido apoio. Do outro lado, estava a Nova Fronteira e nela Jânio Quadros. As reportagens de 1960 tiveram uma preocupação teórica, abstrata e ansiosa com a figura de Jânio Quadros. Durante os primeiro seis meses de 1961, a teoria e a expectativa geradas nos anos anteriores pareceram se confirmar na prática, é o que veremos no próximo capítulo.

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IMAGENS – CAPÍTULO 3

Imagem 01: Quadros & Lacerda (09-03-1959) New look at a dirty old enemy. Um novo olhar naquele velho e sujo inimigo.

Imagem 2: War Minister Lott (06-04-1959) The conditions permitted him to go. O atual momento lhe dá condições para prosseguir. 120

Imagem 3: Sukarno & Kubitschek at Brasília (01-06-1959) “I feel like imitating you” Me sinto igual a você.

Imagem 4: Quadros & Israel’s Bem-Gurion (17-08-1959) Ticklers at every stop. Cumprimentos em cada parada 121

Imagem 5: Candidate Lott (17-08-1959) Medals on every stump. Medalhas em cada braço

Imagem 6: Candidate Quadros (14-12-1959) Derailed by a weight lifter. Desabando sob o peso da fadiga

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Imagem 7: Marshal Lott (21-12-1959) An image of a fair, judicius man. A imagem de um homem sensato e justo.

Imagem 8: Founder Julião with Peasant Leaguers (11-01-1960) He walked 20 miles and took a left turn. Ele andou 20 milhas e deu uma guinada à esquerda. 123

Imagem 9: Candidates Lott & Goulart (29-02-1960) Old enough to vote. Com idade suficiente para votar.

Imagem 10: Candidate Quadros (28-03-1960) The addball ralled left. Rajada de balas à esquerda. 124

Imagem 11: The Candidate Lott (28-03-1960) The chilly one got hot. O frio ficou quente.

Imagem 12: Candidate Lott’s Daughter (11-07-1960) Yankee-baiting with a smile. A que atormenta os Yankees com um sorriso.

125

Imagem 14: Commuting to Rio (25-07-1960) Pendulares do Rio de Janeiro With a pistol at the engineer’s head. Com uma pistola na cabeça do engenheiro.

Imagem 15 – Goulart, Campos e Ferrari. (29-08-1960) Everybody wants to play piggyback. Todos querem jogar pelas costas. 126

Imagem 16 – Adhemar de Barros (12-09-1960) “All I’ve got is the city treasury.” "Tudo que eu tenho é o tesouro da cidade."

Imagem 17 – Candidate Lott (03-10-1960) Catching chameleons. Pegando camaleões. 127

Imagem 18 – Candidate Quadros Brushing the dandruff. Escovando a caspa.

Imagem 19 – (17-10-1960) 128

Imagem 20 – Vice President-elect Goulart Humble pie in the sky (Demonstrando humildade)

Imagem 21 – (19-12-1960)

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CAPÍTULO 4 WHEREFORE ART THOU, JÂNIO?

O capítulo anterior investigou a construção do perfil de Jânio Quadros feita pela revista. Ao final do ano de 1960, a TIME ainda não tinha definido um traço completo da personalidade de Jânio – esforços não faltaram. Por outro lado, os primeiros sintomas de preocupação surgiram devido às suspeitas daquilo que seria a sua política externa independente. O desconforto em relação à amizade que Jânio começava com o bloco socialista obrigava a revista a introduzir no corpo de suas matérias a necessidade de uma vigilância redobrada. Neste caso, para a revista, os investimentos norte-americanos deveriam ser racionalizados e, do mesmo modo, a necessidade de um diálogo com o presidente brasileiro não ficou descartada. O título deste capítulo encaminha duas abordagens. A primeira se pauta numa questão de localização: Por que tu, Jânio? A revista publicou reportagens que cobriram o desaparecimento estratégico de Jânio após a vitória - algo semelhante ao que já analisamos no capítulo anterior, quando ele, após dar posse ao seu sucessor em São Paulo, embarcou para a Europa numa estadia de seis meses. A segunda abordagem propõe-se a defender que a revista não apenas executava uma busca espacial, mas uma busca pelo perfil exato dessa figura controversa. Por que tu, Jânio? Quem seria a pessoa que se escondia por trás de um personagem tão misterioso? Neste capítulo, trabalharemos com as reportagens que cobriram os primeiros seis meses do governo de Jânio. Até junho de 1961, não faltaram esforços para que a TIME prosseguisse na construção desse personagem, de representá-lo ao seu modo – de acordo com o delicado momento da Guerra Fria.

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4.1 - ONDE ESTÁS TU, JÂNIO?

Logo após as entrevistas coletivas da vitória, Jânio partiu para a Europa com a sua família. De início, foi para a Inglaterra, a fim de realizar um tratamento médico e depois prosseguiu viagem ao lado do seu amigo, o empresário Roberto Selmi Dei. Entretanto, antes de desembarcar, deixou seus assessores incumbidos de fazer um levantamento sigiloso sobre a situação de cada órgão da administração pública. Com isso, desejava obter um conhecimento da real situação do serviço público federal, pois queria saber em que ponto se encontrava a administração.417 Tais viagens sempre ocorriam com um fundo estratégico, o objetivo de Jânio, segundo Chaia, era o de “se afastar das pressões políticas para poder escolher livremente os nomes que comporiam o ministério”.418 Jânio retornou no dia 20 de janeiro de 1961, onze dias antes da posse. Jânio Quadros foi o tema da primeira reportagem da TIME sobre o Brasil em 1961. O assunto girou em torno do enigmático desaparecimento do candidato vencedor das últimas eleições. O título da matéria foi bem sugestivo: Por que tu, Jânio? Nas reportagens anteriores, em que Jânio foi assunto, a TIME destacou o perfil caricato, extrovertido e exótico daquele que seria o presidente do mais importante país latino-americano. Seguindo as pistas do novo presidente, a revista voltava a ironizar o perfil de Jânio, assim como o comportamento dos eleitores brasileiros

"Jânio vem aí!", exclamava o slogan da campanha do presidente Quadros. Porém, na última semana, os brasileiros se perguntavam se o slogan não poderia ser lido melhor, por exemplo: "Lá se foi Jânio." Pouco depois de sua eleição em outubro passado.419

O lead dá o tom de toda a matéria. Uma mistura de senso de responsabilidade e desespero nacional chamaram a atenção da revista – tudo por causa da ausência do novo presidente. Jânio viajou para realizar uma cirurgia no olho esquerdo. A atitude de Jânio acabou sendo tratada como uma brincadeira de esconde-esconde. A TIME passou a especular a vida privada do futuro presidente. Nas entrelinhas estava a ideia de que Jânio se

417CHAIA, op. cit., p. 177. 418Ibid., ibidem. 419"Here Comes Jânio," cried the campaign slogan of President-elect Jânio Quadros. Last week Brazilians wondered if the slogan might better read: "There Went Jânio." Time Magazine, Brazil: Wherefore Art Thou, Jânio – 06-01-1961. 131

assemelhava a um herói que abandonou a pátria e arrogava-se de aguardar o clamor popular de sua volta.

Pouco tempo depois das eleições de outubro, o presidente Quadros voou para a Europa para uma operação a fim de corrigir os músculos danificados em seu olho esquerdo. Com a operação concluída com êxito há algum tempo, Quadros continua por lá - em algum lugar. O Presidente eleito da quinta maior nação do mundo vem fazendo um jogo de esconde-esconde na Europa, e com a sua posse prevista para 31 de janeiro, a menos de um mês, o Brasil está clamando para que ele volte para casa.420

A TIME ao introduzir a possibilidade de um “clamor popular” pela volta de Jânio, propôs-se a sugerir que havia um senso de dependência e desamparo emanando do povo, a pergunta que não queria calar era: onde estás tu, Jânio? Quadros, no exterior, estaria jogando com as expectativas do povo para que, de forma messiânica, finalmente retornasse ao país e ao povo que o elegeu de forma gloriosa? Num futuro próximo ela arriscaria essa atitude. Mas, o momento parecia antever o que viria pela frente em breve. Getúlio voltou nos braços do povo, Jânio estaria querendo retornar do mesmo modo? A reportagem persiste na ideia de que havia uma brincadeira de esconder. Seguindo o rastro do presidente, a impressão que se passou foi a de um filme de espionagem. Jânio conseguia driblar tanto a imprensa como as embaixadas dos países pelos quais passava.

Na Itália ou no Japão? O jogo começou em Londres, quando, depois de sua operação em 22 de novembro, ele se hospedou em três hotéis de uma só vez, almoçou com o primeiro-ministro Harold Macmillan, e mudou-se para Europa. Até mesmo os jornalistas brasileiros que tentaram segui-lo perderam seu rastro. No início de dezembro, seu passaporte diplomático foi rastreado através de uma linha aduaneira em Barajas, no aeroporto de Madrid, mas ninguém parece ter visto. Ele foi localizado em Roma pela embaixada do Brasil em Madrid e em Madri pela embaixada brasileira em Roma.421

O limite entre a ficção e a realidade parecia dar a tônica desse jogo. A TIME comprou a ideia do esconde-esconde, evitou, desse modo, uma interpretação mais racional. A imagem

420Shortly after his election last October.Quadros flew off to Europe for an operation to correct damaged muscles in his left eye. With the operation long since successfully completed, Quadros is still over there — somewhere. The President elect of the world's fifth largest nation has been playing a game of hide-and-seek in Europe, and with his Jan. 31 inauguration date less than a month away, Brazil is clamoring for him to come home. Time Magazine, loc. cit. 421In Italy or Japan? The game started in London, when after his operation on Nov. 22, he registered in three hotels at once, stood up Prime Minister Harold Macmillan for lunch, and moved on to the Continent. Even Brazilian newsmen trying to follow him lost the trail. Early in December, his diplomatic passport was checked through a customs line at Madrid's Barajas Airport, but no one seems to have seen him. He was reported in Rome by Brazil's Madrid embassy and in Madrid by the Rome embassy. Time Magazine, loc. cit. 132

de presidente que brincava de esconder era difundida pela revista. O fato de ter se registrado em três hotéis, sugeria a existência de uma estratégia para driblar não apenas a imprensa, mas qualquer um. Ao registrar que houve um rastreamento do passaporte de Jânio, a revista acabou mesclando o seu jornalismo político com o método peculiar jornalismo investigativo. O limite entre o público e o privado parecia não interessar a revista nesse caso. Num formato cinematográfico, Jânio Quadros passou a ser visto como um aventureiro, ou seja, um homem que, a sós, com a sua esposa, dirigia pela Europa sem a necessidade de um motorista particular. O fato de ter tomado um Fiat de empréstimo representou a ideia de que o presidente eleito do Brasil era um profundo conhecedor do interior da Europa, em particular da Itália. Finalmente, em tom suspeito, a reportagem pareceu descobrir o que Jânio estaria fazendo ou tentando fazer no Velho Mundo. Ele iria visitar um velho amigo no final de semana, ou seja, a próxima parada de Quadros era em Belgrado para um encontro com o comunista Tito.

A França estava em seu caminho para a Suíça. Então, num Fiat emprestado em Viena, ele pode ter dirigido até Veneza, onde ele teria se hospedado no Hotelâ Bauer Grunwald como Renato Stafani. Em Milão, ele pode ter se hospedado no Grand Hotel Duomo usando o nome de solteira de sua esposa, da Silva. Houve ainda rumores de que ele teria visitado uma galeria de arte de Florença, de lá ele dirigiu para Roma rumo a uma pequena vila onde morava um amigo não identificado (...) No fim da semana, ele provavelmente dirigiu para Belgrado a fim de ver o Marechal Tito.422

Ao passo em que realizava uma investigação, a TIME também construía uma personalidade. O presidente eleito, e ainda não empossado, demonstrava através de pequenos gestos, tais como dirigir sozinho com a esposa, que ele era uma figura independente. Era desse modo que Jânio queria que o Brasil fosse em sua política exterior, que o país conduzisse suas ações sem interferência dos EUA. Por fim, a TIME começava a deixar claro na reportagem que já tinha conhecimento do flerte de Jânio com os socialistas da Europa. Um grupo de pessoas não identificadas apareceu no corpo da matéria dando informações não-oficiais, não mais sobre o paradeiro de Quadros, mas quais seriam as suas futuras ideias em relação a administração do Brasil. Sem dar os nomes, a matéria sugeriu uma espécie de comitiva informal que pudesse ter acompanhado o presidente até certa altura. As

422France, on his way to Switzerland. Then, in a Fiat borrowed in Vienna, he may have driven to Venice, where he reportedly registered at Hotelâ Bauer Grunwald as Renato Stafani. In Milan, he is supposed to have registered at the Grand Hotel Duomo using his wife's maiden name of Silva. He was rumored to have visited a Florence art gallery, from there reportedly drove on to Rome and an unidentified friend's villa (…) At week's end, he was supposedly headed for Belgrade to see Marshal Tito. Time Magazine, loc. cit. 133

informações eram do mais claro interesse da revista. As relações com os países comunistas e demais países do Oriente Médio deram o termômetro das expectativas. Ironicamente, comunicaram que Quadros transmitia um abraço aos trabalhadores brasileiros e que, segundo a revista, a retribuição não havia sido tão calorosa assim:

Jânio manteve pouco contato com o seu país. Um pequeno grupo de brasileiros que estivera na Europa voltou com declarações não-oficiais. Disseram que "Quadros vai seguir uma política independente nas relações internacionais", arriscou um informante. "Ele vai tentar manter boas relações com todos os países que querem fazer negócios conosco". Outros informaram que Quadros estava ansioso por um comércio com a China comunista, que ele queria se encontrar com Nasser e Nehru (...)423

Os informantes que aparecem no trecho acima eram pessoas que emitiam opiniões a partir do Brasil, provavelmente políticos da oposição Era do conhecimento do Departamento de Estado esse encontro. Tomas Mann manifestou apreensão diante desse fato, para ele “ainda não havia indícios claros de que ele [Jânio] adotaria uma linha neutra em termos de política internacional. Mann acreditava que Quadros iria procurar o auxílio financeiro americano, calculado em torno de 200 a 300 milhões de dólares anuais, para que o Brasil continuasse a apoiar os Estados Unidos na Guerra Fria. Era uma crítica a situação orçamentária e do balanço de pagamentos deixados por Kubitschek.”424 No trecho seguinte ficou uma questão: por que a demora e a resistência em devolver o abraço ao seu presidente? Estaria a TIME sugerindo a ideia de existir uma “carência afetiva” por parte do povo? O mesmo povo que, inconformado, reclamava de verdade pelo retorno de Jânio?. (...) que ele não iria abandonar (como alguns temiam) o projeto de Brasília como a nova capital; que ele estava estudando a administração da Europa; ele também estava estudando os problemas brasileiros, e que iria voltar em meados de janeiro, ele não retornaria no final de janeiro, que enviou um caloroso abraço a todos os trabalhadores brasileiros”. Um país sem seu líder? Os brasileiros não foram tão rápidos em devolver o abraço.425

O trecho abaixo apresentou um quadro social e político de apreensão. Mesmo sem ter

423Jânio did manage to keep in hazy contact with his country. A chosen few Brazilians went to Europe and returned bearing unofficial statements. "Quadros will follow an independent policy in international relations," ventured one such in formant. "He will try to maintain good relations with all countries that want to do business with us." Others reported that Quadros was anxious to trade with Red China, that he wanted to meet with Nas ser and Nehru, (…)Time Magazine, loc. cit. 424BARBOSA, op cit, p. 101-102. 425(…) that he was not (as some feared) going to scrap Brasilia as the capital, that he was studying the administration of Europe, that he was studying Brazilian problems, that he would return in mid-January, that he would not return until late January, that he sent a “warm to all Brazilian workers." Country Without a Man? Brazilians were not quick to return the embrace. Time Magazine, loc. cit. 134

sentado-se ainda na poltrona presidencial, os problemas já estavam batendo à porta. Sem poupar ironias, inclusive aquelas destacadas por outros meios, a TIME, citando o Jornal do Brasil, disse que Quadros era o homem esperado pela Providência. Os políticos e empresários estavam perplexos com a misteriosa viagem dele a Europa:

"Os políticos estão perplexos, as pessoas responsáveis estão confusas, os trabalhadores estão inquietos e temerosos estão os funcionários - todos à espera do homem ordenado pela Providência", disse o Jornal do Brasil. Além disso, os produtores de cacau queriam mudar as políticas de exportação, os empresários do ramo hoteleiro reclamam (sem citar nomes) que os brasileiros gastam mais em hotéis estrangeiros do que em seu próprio país; os políticos de São Paulo queriam a presença de Quadros para indicar um candidato a prefeito.426

Citando outro trecho do Jornal do Brasil, a revista destacou o temor de vários setores com o retorno de Jânio. O povo queria a sua volta “gloriosa” o quanto antes, mas os políticos e os funcionários públicos, não. Se Jânio era a encarnação da Providência Divina, seu retorno representava o apocalipse dos políticos corruptos e dos maus funcionários públicos. A varredura começaria em breve, Jânio em sua campanha não apenas projetou a esperança, mas difundiu o medo. Os dois setores, citados acima exprimiam as primeiras críticas à figura controversa de Jânio, ou seja: os exportadores precisavam de uma ajuda cambial que desfavorecesse as importações, do mesmo modo, os empresários do ramo de hotelaria se viam em apuros devido ao mal exemplo do presidente, pois ele preferia ficar no exterior do que em seu pais! Onde estava o grande ufanismo do candidato que ajudaram a eleger? A TIME utilizou uma lógica que tornava Jânio ora excêntrico, ora enigmático. Seu poder político equivalia de fato a uma intervenção divina, haja vista, que somente a sua presença era o bastante para indicar um candidato a prefeito, principalmente se este fosse do seu reduto eleitoral. O tom pessimista da revista não poupou a herança deixada por Juscelino. Inflação galopante e uma dívida crescente seriam os primeiros problemas que Jânio teria pela frente já no seu primeiro dia de trabalho como presidente: Acima de tudo, ainda havia a caixa de Pandora que pressionava ainda mais os problemas econômicos deixados pelo ex-Presidente Juscelino Kubitschek: um pagamento de 80 milhões de dólares, devido à investidores privados em 1º de fevereiro (primeiro dia de Jânio como presidente), uma inflação galopante, os

426"Politicians are perplexed, responsible people are confused, workers are restless and officials fearful — all waiting for the man ordained by Providence," said the Jornal do Brasil. Besides, cacao shippers wanted to change export policies, hotelmen complained (naming no names) that Brazilians spend more in foreign hotels than in their own, São Paulo politicians wanted Quadros to name a candidate for mayor. Time Magazine, loc. cit. 135

déficits crescentes no orçamento e comércio exterior.427

A caixa de Pandora, representada como um baú de problemas econômicos, foi uma metáfora capaz de assustar os leitores desavisados. Segundo a mitologia, todos os problemas do mundo começaram com a abertura da caixa. A ingenuidade não cabe nesse contexto, pois era sabido por parte de todos os candidatos sobre os problemas que iriam herdar. Por outro lado, para a TIME, o grande problema da caixa de Pandora estava relacionado aos empréstimos fornecidos pelos investidores estrangeiros. A revista tinha conhecimento desses números e, portanto, tinha conhecimento do conteúdo da caixinha. Recorrendo novamente à imprensa local, a TIME destacou um trecho de uma reportagem do Correio da Manhã ironizando a viagem de Quadros. O futuro presidente, perdido em sua embriaguez, sequer teria noção de que encontraria os cofres públicos vazios assim que chegasse ao poder

"Jânio Quadros não terá que ocupar-se com um tesouro de obras de arte, mas com um tesouro vazio", comentou acidamente o jornal Correio da Manhã. "As pessoas queriam o ex-governador de São Paulo, como presidente, não um diletante florentino". O Brasil está ficando preocupado, ele não quer ser um país sem um líder.428

Não seriam duas caixas de Pandora que Jânio estava por encontrar? A segunda caixinha de surpresas não seria a ‘arca’ do Tesouro Nacional? Também vazia?! A informação provinha do jornal Correio da Manhã e era referendada pela revista. Informando sobre o inconformismo dos brasileiros diante de um presidente aventureiro, a TIME sugeriu que o Brasil (em tom generalizante) precisava de um líder. Neste ponto ficou notória a crítica da revista à postura e às atitudes de Jânio. Um presidente evasivo, enigmático, de política exterior dúbia e messiânico não poderia cuidar de um país com grandes problemas econômicos, políticos e sociais, muito menos gerir as contas públicas que dependiam de recursos do exterior para serem saneadas.

427Above all, there was the Pandora's box of pressing economic problems left by out going President Juscelino Kubitschek: an $80 million payment due to private investors on Feb. 1 (Quadros' first full day as President), rampant inflation, soaring deficits in the budget and foreign trade. Time Magazine, loc. cit. 428"Jânio Quadros will not have to busy himself with an art treasury but with an empty treasury," commented Correio da Manhã acidly. "The people wanted Sao Paulo's former governor as President, not a Florentine dilettante." Brazil is getting worried; it does not want to be a country without a man. Time Magazine, loc. cit. 136

4.2 - JACK & JÂNIO

Além da TIME, o Departamento de Estado também investigava o perfil de Jânio. Segundo Barbosa, o Departamento emitia juízos sobre a personalidade do político brasileiro, Jânio “era possuidor de habilidades administrativas definidas e uma inteligência que beirava a genialidade. (...) A instabilidade e a alegada imprevisibilidade de Quadros têm levado amigos e inimigos a questionar sua sanidade. Em muitos de seus aparentes atos políticos erráticos, entretanto, Quadros poderia ser descrito como ‘louco como uma raposa’(...)”429 A chegada de Kennedy à presidência foi bem diferente da chegada de Jânio. Kennedy ganhou por pouca diferença, houve quase um empate técnico com Nixon. Jânio obteve a maior e mais expressiva vitória eleitoral da história do Brasil até aquele momento. Jânio Quadros nunca escondeu sua admiração por Abraham Lincoln, inclusive tinha uma foto dele em seu gabinete no Palácio do Planalto que lhe fora presenteada por Nelson Rockefeller, mas mostrava-se “arredio” em relação à Kennedy, disse ele uma vez: “Ainda não sei bem o que ele quer. É uma figura controversa.”430 Pouco mais de dez dias após a posse, a TIME publicou uma curiosa reportagem cujo título aproximava os nomes de Kennedy e Jânio. Seria uma comparação? Ou uma provocação? Entre Jack e Jânio havia uma quase coincidência de idade. Os dois eram católicos, jovens, tinham assumido quase que simultaneamente os mandatos presidenciais. No lead da matéria, uma comparação gestual foi realizada: enquanto um apenas erguia a mão, o outro se curvava para receber a faixa:

Onze dias após, John Kennedy, de 43 anos, levantar a mão direita na gelada Washington, Jânio Quadros, de 44 anos, se curvou diante da faixa verde e amarela do Brasil no gabinete presidencial da inacabada capital Brasília. A coincidência da idade e do tempo, obviamente, atingiram Quadros. "As mudanças neste mês na administração dos Estados Unidos e do Brasil", disse ele, "dão uma nova esperança de cooperação hemisférica".431

Dentro da fala de Quadros, a TIME destacou a cooperação hemisférica embutida em um tom de “esperança” - a esperança foi a única que permaneceu dentro da caixa de Pandora.

429BARBOSA, loc. cit 430BARBOSA, op cit., p. 99. 431Eleven days after John Kennedy, 43, raised his right hand in snow-chilled Washington, Jânio Quadros, 44, ducked his head through Brazil's green-and-yellow sash of presidential office in Brazil's unfinished new capital of Brasilia. The coincidence of age and time obviously struck Quadros. "This month's changes of administration in the United States and Brazil," he said, "give new hope of hemisphere-wide cooperation." Time Magazine: Brasil: Jack & Jânio – 10-02-1961. 137

Neste ponto, arriscamos uma questão: não havia cooperação hemisférica? Segundo a matéria, houve uma convocação, um apelo de salvação nacional que os dois jovens políticos iriam executar.

Não menos surpreendente foi a semelhança dos pontos de vista, Quadros também, obviamente, compreendeu o seu trabalho como o de um jovem convocado para resolver uma grave crise nacional. Em seu discurso de posse, o novo chefe do Brasil não escondeu a sua certeza de que a saída do presidente Juscelino Kubitschek trouxe o Brasil à beira do colapso econômico. A nação enfrentou uma "terrível situação financeira", disse Quadros. Apesar das grandes represas, estradas e fábricas, o governo Kubitschek contribuiu para uma dívida externa de US$ 3,8 bilhões, sendo que US$ 600 milhões se deram neste ano. 432

O destaque dado à crítica de Jânio ao governo anterior indicava a posição da revista em relação a existência de uma forte corrupção no país. Não bastou que Juscelino construísse “grandes represas”, “estradas” e “fábricas” no wilderness brasileiro, ou seja, Brasília. A herança de US$ 3,8 bilhões era absurda para o contexto. Tratava-se de um valor exorbitante, oriundo dos impostos pagos pelos contribuintes americanos para construção de inúteis elefantes brancos. O problema das contas públicas brasileiras estava na pauta do Departamento de Estado. Tomas Mann, então Subsecretário para Assuntos latino-americanos, por meio de um memorando confidencial, datado em 6 de dezembro de 1960, trocou informações com o Secretário de Estado, J. Foster Dulles que havia “sugerido a assessores do presidente brasileiro que fosse indicado um seu representante para analisar, com o Departamento de Estado, os vários aspectos das reformas fiscal e monetária a serem adotados pelo novo governo e as características da assistência norte-americana para os planos de estabilização financeira do país”.433 Todavia, a proposta de Mann acabou não sendo aceita, mas no mesmo documento havia impressões sobre a figura de Jânio Quadros, considerado por Mann como “um enigma, embora reconhecendo seus méritos como governador de São Paulo.”434 A política externa já começava a incomodar a revista. As relações com o comunismo apareceram com mais frequência nas reportagens. Nesse ponto, não havia convergência ou similaridade com Kennedy

432No less striking was the similarity of viewpoint, for Quadros also obviously viewed his job as that of a young man called in to solve a grave national crisis. In his inaugural speech, Brazil's new chief made no bones about his belief that outgoing President Juscelino Kubitschek had brought Brazil to the brink of economic collapse. The nation faced a "terrible financial situation," said Quadros. For all the great dams, roads and factories, Kubitschek's government had run the foreign debt to $3.8 billion, with $600 million due this year. Time Magazine, loc. cit. 433BARBOSA, op cit p. 101 434Ibid., ibidem. 138

Em sua campanha, o candidato Quadros prometeu uma infinidade de coisas para todos os eleitores, tanto de direita, de esquerda ou de centro. Agora os brasileiros sabem o rumo que Quadros irá tomar na guerra fria. Nas relações exteriores, Quadros denunciou o comunismo como "novo imperialismo". Ao mesmo tempo, ele abriu os braços do Brasil, “sem prejuízo, para todas as nações do novo mundo, bem como as comunidades antigas da Europa e na Ásia". O anúncio deixou margem de manobra para o desejo - expresso por Quadros durante uma viagem pré-eleitoral a Moscou – de manter relações com a Rússia a qual pôde ajudar na compra de 40 milhões de sacas de café em excesso do Brasil.435

As promessas estavam atreladas ao jogo político que unia todas as alas. Mas o rumo de Jânio estaria claro? Denunciar o comunismo como ‘novo imperialismo’ seria uma forma de agradar os EUA. Ora, abrir os braços às nações do leste é o mesmo que flertar e agradar os comunistas. A revista notificou que Jânio, do mesmo modo como agiu na política eleitoral, agradou e desagradou todos os lados, e portanto faria o mesmo com a política externa. O jogo duplo de Jânio distanciava a compreensão de seu governo. As relações comerciais com a URSS fizeram parte dos discursos de campanha.436 Na matéria anterior, publicada em 6 de janeiro de 1961, o retorno de Jânio era temido por muitos, principalmente pelos funcionários públicos. Um fato irônico chamou a atenção da revista que destacou a surpresa de Jânio em seu primeiro dia de trabalho: uma imensa fila de mesas vazias!

Internamente, Quadros prometeu "impor a mais rigorosa moralidade em seu governo." Ele compareceu ao prédio presidencial às 7:30 da manhã no primeiro dia após sua posse só para se deparar como uma imensa fila de escrivaninhas vazias. Furioso, friamente ordenou uma nova jornada de trabalho de dez horas, das sete horas da manhã até às 20h com um intervalo de três horas. Naquela mesma noite, os funcionários que voltavam para casa, ao entrarem no ônibus às 18h foram obrigados a sair e voltar ao trabalho escoltados pelos guardas do palácio. Quadros também ordenou uma investigação de corrupção em cinco agências federais (...)437

A ideia de ‘moralidade’ proposta por Jânio também pôde ser compreendida como ‘medida de força’. A forma como coordenou as ações punitivas também refletiam a

435In his campaign, Candidate Quadros promised all things to all voters, right, left and center. Now Brazilians wondered what tack he would take in the cold war. In foreign affairs, Quadros denounced Communism as "the new imperialism." At the same time, he opened Brazil's arms "without prejudice, to all nations of the new world as well as to the ancient communities of Europe and Asia." The announcement left leeway for the wish — expressed by Quadros during a pre-election trip to Moscow — for relations with Russia that might help dispose of Brazil's 40 million bags of surplus coffee. Time Magazine, loc. cit. 436BARBOSA,op cit p. 100 437Domestically, Quadros promised "to impose the most rigorous government morality." He appeared at the presidential office building at 7:30 a.m. the day after inauguration only to find long lines of offices standing empty. With cold anger he ordered a new ten-hour workday, from 7 a.m. to 8 p.m., with a three-hour break. That very evening, homeward-bound functionaries, slipping into buses at 6 p.m., were ordered out and back to work by palace guards. Quadros also ordered an investigation of corruption in five federal agencies (…).Time Magazine, loc. cit. 139

capacidade psicológica que Jânio exercia sobre o funcionalismo público. Noticiar uma série de mesas vazias significa mostrar ao seu leitor a falta de seriedade que tinham esses trabalhadores para com o serviço público. Por outro lado, Jânio ao não exonerar, impunha uma ditadura do relógio, utilizando a segurança local como instrumento de repressão aos “funcionários fantasmas”.

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4.3 – GIRANDO E NEGOCIANDO

As propostas de Jânio para estabelecer relações com os países do bloco socialista durante sua campanha presidencial enquadravam-se num campo hipotético, senão teórico. Ao assumir a presidência e entrar em exercício, a teoria tentava a todo o custo se transformar em prática. Para a TIME, a política independente de Jânio parecia se basear em dois pontos. O primeiro, numa independência na tomada de decisões no plano diplomático e comercial em relação aos Estados Unidos. O segundo, derivado do primeiro, a aproximação significativa com os países socialistas. Neste último ponto, havia um tripé: Cuba, URSS e China. O tema cubano se relacionava diretamente a questão da autodeterminação dos povos, ponto nevrálgico das contradições dos EUA. A relação com a URSS se pautava numa independência tanto econômica como política. Por último, a China significava a mais frontal das ofensivas. A defesa contumaz de sua admissão na ONU deixava Jânio cada vez mais “vermelho” nas páginas da TIME. Ele próprio “esposava a tese de que a República Popular da China tornar- se-ia, no limiar do ano 2000, a maior potência capitalista mundial, ultrapassando a posição de liderança dos Estados Unidos. Sou o Marco Polo da política externa, dizia, pois abrirei a China ao Brasil.”438 Em março de 1961, a política externa de Jânio já era do conhecimento da TIME, e em relação a ela passou a se posicionar de forma crítica, irônica e, às vezes, severa. Jânio passou ser tratado como um presidente que operava um jogo muito perigoso “jogava o leste contra o oeste”. O anúncio de que apoiaria a admissão da China na ONU representou a primeira cartada de Jânio. Isso significava que havia uma espécie de discordância com as propostas norte-americanas.

Obviamente jogando o Leste contra o Oeste, o Presidente Jânio Quadros dramaticamente anunciou na semana passada que na próxima Assembleia Geral da ONU o Brasil vai votar a favor da admissão da China Vermelha. Caracteristicamente, Jânio guardou sua carta na manga - caso realmente favoreça a admissão de Pequim na ONU. Todavia, o seu aval no debate desse turbulento assunto, acabou fazendo do Brasil o primeiro país do hemisfério, além da Cuba de Fidel Castro, a sobrepor a política dos EUA em relação à China. Tendo contrapartida do Brasil, a maior nação da América Latina, o movimento de Jânio pode tornar ainda mais difícil para os Estados Unidos a sua maneira de manter as demais repúblicas na linha.439

438BARBOSA, op cit., p. 253 439Obviously playing East against West, President Jânio Quadros dramatically announced last week that in the next U.N. General Assembly, Brazil will vote in favor of debating the admission of Red China. Characteristically, Jânio held back his hole card — whether he actually favors Peking's admission to the U.N. But even his endorsement of debate on the stormy issue makes Brazil the first hemisphere country outside Castro's Cuba to buck U.S. policy on China. Coming from Latin America's biggest nation Jânio's move might 141

O debate que se pautava sobre a admissão da China tinha como pano de fundo a evidente emergência de uma segunda liderança latino-americana, Jânio, neste caso, se juntou a Fidel. Sempre preocupada com a dimensão geográfica do Brasil, a TIME reconhecia o tamanho do país e, de forma análoga, o tamanho dos problemas que poderia causar aos EUA, principalmente no que dizia respeito a influência em relação ao restante do continente. Naquele mês, Jânio passou a apoiar abertamente a inclusão na agenda da XVª Assembleia-geral da ONU o debate acerca do credenciamento da República Popular da China, “que há mais de dez anos estava sendo bloqueada pelos Estados Unidos e que a imprensa americana considerou como mais uma prova do distanciamento do Brasil de sua política ocidental tradicional.”440 A TIME sugeriu que, em protesto a um pequeno empréstimo feito ao Brasil – entendido como uma esmola –, Jânio acabou revelando a sua posição em relação a China. Ao modo de Jânio, sua recusa ao empréstimo tinha também como propósito dar publicidade positiva a ele mesmo

O estratagema chinês de Jânio veio apenas cinco dias após o embaixador dos EUA, John Moors Cabot ter repassado a oferta de créditos paliativos do presidente Kennedy - aproximadamente US$ 100 milhões - para ajudar o Brasil durante este momento de crise econômica. (...) Apesar da necessidade urgente de seu país, não apenas Jânio recusou publicamente a oferta de Kennedy, como também passou a ter relações diplomáticas com os governos de satélites como a Hungria, Romênia e Bulgária e insinuando que ele está planejando fazer o mesmo com a União Soviética.441

A retomada das negociações com os países da “cortina de ferro” corroboraram as ideias propagadas pela TIME, as relações com a URSS foram tratadas como insinuantes, ou seja, além de tudo, o governo Quadros era um governo provocador. Tais ações continuaram intrigando a revista. A opinião de analistas de Washington e do Brasil (cujos nomes não foram citados) indicava para uma interpretação de que tais ações não mereciam tanta atenção assim.

Entre os velhos observadores das ideias de Quadros, tanto em Washington como em Brasília, as ações de Jânio produziram mais descaso do que alarme. As razões de well make it more difficult for the U.S. to hold the other republics in line. Time Magazine: Brazil: Wheeling & Dealing – 03-03-1961. 440BARBOSA, loc. cit. 441Jânio's China ploy came only five days after U.S. Ambassador John Moors Cabot had relayed President Kennedy's offer of stopgap credits — reportedly $100 million — to help tide Brazil over its economic crisis. (…) Despite his nation's urgent need, Jânio not only failed to acknowledge Kennedy's aid offer publicly, but went on negotiating diplomatic ties with the satellite governments of Hungary, Rumania and Bulgaria and hinting that he planned to do the same with the Soviet Union. Time Magazine, loc. cit. 142

Jânio, segundo o que acreditam os especialistas, são três: 1) um sincero desejo de tornar o Brasil mais "independente" em nível internacional, 2) a convicção de que para manter a confiança dos eleitores da esquerda ele precise demonstrar neutralidade, 3 ) uma profunda suspeita de que mesmo nestes dias de "desinteresse" pelos programas de ajuda externa (...) Praticamente é certeza que Jânio tire proveito de algum resultado positivo desse seu flerte com os países do bloco comunista, fato que favorecerá ainda mais os pedidos de ajuda à Kennedy para o Brasil.442

Não duvidando de algum fruto que pudesse ser gerado das relações com os países socialistas, a TIME atribuía a essa estratégia algo muito ingênuo e desnecessário. Para a revista, tais provocações, que tinham como pano de fundo, pedidos de ajuda econômica a Kennedy revelavam uma ingenuidade ainda maior de Jânio, a menos que Kennedy concordasse com elas. Por outro lado, em maio de 1961, os chineses decidiram estreitar os laços com o Brasil e enviaram uma missão comercial para visitar algumas das principais cidades brasileiras, dentre elas São Paulo, Recife e Porto Alegre. A empresa comunista parecia afrontar a capitalista no próprio território do capitalismo. Nada mais desconfortável para os ideólogos do Século Americano. O interesse chinês com essa visita foi, num primeiro momento, a indústria de couros – uma espécie de reconhecimento do território. Além do que também estavam muito interessados “no potencial agrícola do Rio Grande do Sul, que em pouco tempo se transformaria em grande produtor de soja.”443

442Among veteran observers of the Quadros mind, both in Washington and Brasilia, Jânio's actions produced more resigned shoulder shrugging than alarm. Jânio's motives, the experts believe, are threefold: 1) a sincere desire to make Brazil more "independent" internationally, 2) the belief that to hold the allegiance of Brazil's left- wing voters he must make a show of "neutralism," 3) a profound suspicion that even in these days of "disinterested" foreign aid programs (…) Almost certainly Jânio hopes that at least an incidental result of his diplomatic flirtation with Communist nations will be whopping increases in Kennedy's proposed aid to Brazil. Time Magazine, loc. Cit. 443BARBOSA, loc cit. 143

4.4 - DO INSULTO À INJÚRIA

Diante de uma proposta de política externa cada vez mais aguda e ‘ameaçadora’ aos EUA, era necessário tomar algumas providências em relação ao novo governo do Brasil. Como sempre, o diálogo era a primeira alternativa. Um nome surgiu nesse ínterim para tal missão, o de Adolf Augustus Berle Jr. Kennedy, durante sua campanha, havia formalizado um grupo-tarefa para tratar de assuntos latino-americanos, todos eram funcionários do Departamento de Estado e eram liderados pelo Embaixador Berle Jr. O grupo contava com nomes expressivos, tais como Lincoln Gordon, da Harvard Business School, Tomas Mann, Secretário Assistente para Assuntos Interamericanos, entre outros como Theodore Achilles, Arturo Gonzales Carrion e William Bundy, do Departamento de Defesa.444 Aos 66 anos de idade, o ex-embaixador norte-americano no Brasil entre 1944 e 1945, Berle retornava ao país no qual tinha estado pela última vez em 1956 para a cerimônia de posse de Kubitschek. A visão política de Berle, segundo Barbosa (2007), “...ainda era baseada em uma América Latina dócil e conformada com o alinhamento automático com os Estados Unidos, no espírito da política da boa vizinhança de Franklin D. Rooselvelt, iniciada na década de 1930 e que se alongara durante os anos 1950”.445 Ele não sabia que em 1961 “a realidade e os personagens, entretanto, eram outros.”446 A imagem de Quadros como um presidente arrogante apareceu nas reportagens sobre o Brasil em março de 1961. As propostas de ajuda eram oferecidas de forma generosa pelo presidente Kennedy, no entanto Jânio desdenhava a ajuda ao mesmo tempo em que precisava dela: “As propostas de Kennedy para ajudar a América Latina receberam do novo presidente do Brasil, Jânio Quadros, um breve aceno”.447 Qual era o conteúdo da proposta da visita de Berle? O enviado de Kennedy tinha como meta formal conhecer Jânio pessoalmente, além de “manifestar-lhe o interesse do seu governo pelas diretrizes da política externa e pelos esforços de saneamento econômico suscetíveis a aceitarem o apoio dos Estados Unidos.”448 Todavia, segundo Barbosa, outras intenções estavam por trás da visita, uma delas era a política brasileira com Cuba, ou seja,

444BARBOSA, op cit, p. 113 445BARBOSA, op cit, p. 113 446Ibid., ibidem. 447Kennedy's Latin America troubleshooter, got a small hello from Brazil's new President Jânio Quadros. Time Magazine, Brazil: Insult To Injury – 17-03-1961 448BARBOSA, loc cit. 144

Berle “tencionava averiguar quais as possibilidades de modificá-la, à luz dos planos de invasão programada para o início do mês de abril.”449 Era de suma importância convencer o Brasil de sua participação “numa eventual força multinacional de paz para evitar a explosão comunista na América Central.”450 Neste caso, tratava-se de uma visita muito delicada, sem margem para muitas falhas, segundo Barbosa, “ensaiava-se diluir a responsabilidade norte- americana nos planos de intervenção armada em Cuba com participação dos efetivos militares de países da América Latina. Berle, evidentemente, tinha conhecimento do projeto de invasão e de suas nefastas consequências se o mesmo viesse a falhar.”451 Se de um lado Jânio era visto como “excêntrico”, “egocêntrico”, “messiânico”, “autoritário”, no caso da visita de Berle ao Brasil, um novo adjetivo era somado à lista - e que para a revista se encaixava perfeitamente na figura de Jânio -, o de mal-educado. O constrangimento gerou impactos até mesmo no chanceler Afonso Arinos

Mas, de acordo com a história que vazou na semana passada por fontes diplomáticas, ele foi ainda mais rude do que se esperava. Berle não foi capaz de obter o apoio do Brasil para uma frente unida da América Latina contra a Cuba de Castro. Ao final da inútil discussão, Berle estendeu a mão para dizer adeus. Quadros se recusou a apertá-la. O chanceler Afonso Arinos não conseguiu esconder o ar consternado, Quadros nitidamente virou as costas para o porta voz especial do presidente dos EUA.452

Em torno desse constrangedor momento, houve rumores nos quais Jânio teria “reagido com veemência às ideias de Berle, que Moors Cabot, ao sair do Gabinete presidencial, visivelmente constrangido, confundiu-se e teria adentrado num armário, pensando ser a porta de saída.”453 Segundo Barbosa:

“A Time Magazine chegou a publicar que lhe teria sido recusado um aperto de mão no momento da despedida. Tais rumores foram prontamente desmentidos por porta- vozes do Palácio do Planalto e do Itamaraty, sem alcançar os resultados desejados. Pelo seu lado, Quadros afirmou que a reunião tinha sido cordial, seguindo regras da cortesia internacional. “Repeli-o” – disse Jânio – “com polidez, mas com firmeza.” Ao chegar em Nova York, Adolf Berle negou qualquer incidente, reforçando as notas do Itamaraty e da embaixada americana sobre a entrevista. Ambos os governos procuravam evitar que a vinda do enviado especial de Kennedy contribuísse para

449Ibid., ibidem. 450Ibid., ibidem. 451Ibid., ibidem. 452But, according to the story as leaked out last week by diplomatic sources, it was even ruder than that. Berle was unable to get Brazil's backing for a united Latin American front against Castro's Cuba. As the futile talk ended, Berle stuck out his hand to say goodbye. Quadros refused to shake it. Then, to the undisguised dismay of Brazilian Foreign Minister Afonso Arinos, Quadros pointedly turned his back on the special envoy of the President of the U.S. Time Magazine, loc. Cit. 453BARBOSA, loc cit. 145

adensar as discordâncias já existentes no relacionamento dos dois países.”454

Na verdade, em meio ao protocolo da visita e das conversações entre as autoridades presentes no encontro, coube a Berle a introdução do tema de Cuba e, segundo Barbosa (2007), “a tentativa de vincular empréstimos financeiros dos Estados Unidos em troca de abandono dos princípios de não-intervenção irritou o seu interlocutor, levando a um constrangedor diálogo”.455 Os jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil reaparecem e sempre em tom de crítica a Jânio, além de favoráveis às relações com os EUA. Esses jornais serviram de suporte para outras reportagens e funcionaram como uma extensão da revista.

O saldo desse incidente se espalhou pelo Brasil fazendo surgir um coro de protestos. O jornal carioca, Correio da Manhã, publicou: "A forma como Jânio Quadros recebeu, ou melhor, destratou, o enviado especial do presidente Kennedy, merece fortes críticas de todos os brasileiros." A crítica se espalhou pelo país e acabou incluindo a precipitada ideia de neutralidade de Quadros nas últimas seis semanas em que está no cargo. O Jornal do Brasil, um dos mais influentes defensores de Jânio, publicou: “"Quadros, que em sua campanha salientou a impossibilidade de ignorar a importância e a existência da China Vermelha, agora parece ignorar a importância e a existência dos EUA. Qual é a sua ideia?’’456

Jânio havia concordado em alguns pontos com Berle, no entanto não admitiu nenhum tipo de intervenção contra Fidel. Reconhecia que havia uma forte influência comunista no regime cubano, mas não via motivo para uma intervenção político-militar naquele país. Por fim, Jânio “admitiu que Brasil e Estados Unidos concordariam em discordar sobre Cuba, expressão também utilizada na nota da embaixada americana sobre o encontro.”457 Após a audiência com Jânio, Berle ainda almoçou em Brasília em companhia do Embaixador Cabot e de alguns funcionários da missão. Segundo Barbosa não restava dúvidas de que a acolhida em Brasília havia deixado muito a desejar, além do que

“...a ausência de uma autoridade brasileira no embarque de Berle no Galeão para Nova York reforçaria as insistentes versões que circulavam na imprensa local e norte-americana sobre o suposto desentendimento pessoal entre Jânio e o enviado de Washington, embora tal fato se devesse a uma inesperada mudança de horário do

454Ibid., ibidem. 455Ibid., p.120 456As accounts of the incident spread across Brazil, a chorus of protest arose. Editorialized Rio's Correio da Manhâ: "The way Jânio Quadros received, or rather dismissed, President Kennedy's special envoy deserves sharp criticism from all Brazilians." The criticism spread to include the whole subject of Quadros' headlong rush to "neutralism" during his six weeks in office. Wrote the influential Jornal do Brasil, heretofore one of Quadros' staunchest supporters: "Quadros, who in his campaign stressed the impossibility of ignoring the importance and existence of Red China, now appears to ignore the importance and existence of the U.S. What is the idea?" Time Magazine, loc. Cit. 457BARBOSA, op cit., p 120 146

Clipper da Pan-Am que o levaria de retorno a Nova York.”458

A política independente de Quadros representava para a TIME uma política favorável ao diálogo e aproximação com os países socialistas. A revista não mencionou um discurso sequer de Jânio favorável aos EUA. O persistente gesto de Jânio em favor da admissão da China soou para a revista como uma forte provocação.

A ideia pareceu ser que Jânio foi teimoso em tentar alcançar uma posição totalmente independente estando no meio do caminho entre os EUA e o bloco comunista, e não permitindo contra-argumentos. 459

Um dia antes da chegada de Berle, foi publicada uma carta de Nikita Kruschev “agradecendo as felicitações por mais um êxito espacial russo, e o primeiro ministro soviético nela afirmava que o povo brasileiro pode contar, como outros da América Latina, com o apoio da União Soviética na sua aspiração de se libertar da dependência estrangeira.”460 Concordar com Kruschev era reconhecer a incapacidade de se auto-organizar da ONU que, segundo a TIME, Jânio também a considerava ‘inoperante’. A revista destacou ao final da reportagem uma fala incômoda de Jânio, a de que somente através de um golpe de Estado ele deixaria o poder.

No final da semana, ele anunciou que o Brasil poderia votar tanto pela admissão Vermelha da China à Organização das Nações Unidas como pelo plano de Kruschev para "reorganizar" a ONU que se encontro em completa inoperância. Quanto aos rumores que tudo isso despertou entre alguns políticos e militares, Quadros jurou: "Existem apenas duas maneiras de bloquear o meu curso: Me depôr ou me assassinar.461

O perfil autocrático começava a dialogar com o autoritário, algo que para a TIME remete à ditadura. A fala alude ao ato de Vargas, este que para a revista sempre foi um ditador. Naquele momento um fato não passou despercebido pelos analistas e jornalistas, a visita do Marechal Tito foi anunciada poucas horas após a partida de Berle, “atitude interpretada como mais um gesto pouco amistoso com os Estados Unidos para balizar a independência do país

458Ibid., p. 121 459The idea seemed to be that Jânio was hell-bent to achieve a totally independent position halfway between the U.S. and the Communist bloc, and would brook no argument. Time Magazine, loc. Cit. 460BARBOSA, loc cit. 461Late in the week, he announced that Brazil might well vote both for Red China's admission to the United Nations and the Khrushchev plan to "reorganize" the U.N. into complete impotence. As for the rumbling all this aroused among some politicians and military men, Quadros vowed, "There are only two ways to block my course: to depose me or assassinate me." Time Magazine, loc. cit. 147

no seu relacionamento externo.”462 Um dia antes da chegada de Berle e sua missão ao Brasil, Jânio Quadros concedia uma entrevista ao jornal cubano Prensa Latina revigorando seu apoio à revolução castrista, ao mesmo tempo em que se negava a receber jornalistas americanos que cobriam a chegada de Berle.463

462BARBOSA, op cit., p. 122 463Ibid., ibidem.

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4.5 –A LINHA DE QUADROS

O reatamento das relações econômicas e políticas com a Rússia era uma das medidas inovadoras de Jânio.464 A ruptura com os russos se deu no governo Dutra e, na sequência, o Brasil seguia “servilmente a política americana da guerra fria.465 Nos anos posteriores algumas tentativas de reaproximação ocorreram, mas de forma tímida, os motivos giravam em torno da necessidade de o Brasil ampliar o seu mercado externo. Porém, o momento era de caça às bruxas, o anticomunismo recrudescia e de nada adiantavam “os esforços das esquerdas – PCB, PSB – e dos grupos nacionalistas. A situação se modificou radicalmente em 1961.”466 Em fevereiro de 1961, Jânio Quadros telegrafou para Kruschev:

“...igualmente estou convencido ser do mais alto interesse para a paz e prosperidade mundiais o estreitamento das relações nos vários setores da atividade humana entre o povo brasileiro e os povos da União Soviética.”467

O recado de Jânio estava dado. No final de março, uma reportagem sobre a sua política exterior era publicada. A TIME retomava a investigação da complexa personalidade de Jânio Quadros. O perfil complexo de Quadros foi visto de formas diferentes. A política de Jânio era dúbia, evasiva, misteriosa.

Desde que o presidente Jânio Quadros assumiu o poder no Brasil há sete semanas, ninguém exceto o próprio Quadros estava inteiramente certo sobre qual seria a política externa do Brasil. Alguns dos compatriotas de Jânio Quadros o acusaram de planejar entregar o Brasil ao grupo dos neutralistas; outros, apesar das negativas do ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos, pensaram que a maior ambição de Jânio era simplesmente puxar um pouco para fora as penas da cauda da águia dos EUA. Na semana passada, em seu primeiro discurso como chefe de Estado no Congresso Nacional, Jânio procurou esclarecer as questões acima.468

A TIME reproduziu uma fala de Jânio que explicava de maneira conceitual a essência

464CARONE, Edgard. A Republica Liberal. II. Evolução Política (1945 – 1964). Rio de Janeiro. Difel, 1985, p. 148 465Ibid., ibidem. 466Ibid., ibidem. 467Correio de Manhã, 8 de fevereiro de 1961 468Since President Jânio Quadros took power in Brazil seven weeks ago, no one save Quadros himself has been entirely sure where Brazil's foreign policy was heading. Some of Quadros' countrymen accused him of planning to deliver Brazil into the neutralist camp; others, despite denials from Foreign Minister Afonso Arinos, thought Jânio's overriding ambition was simply to pull a few tail feathers out of the U.S. eagle. Last week, in his first State of the Nation address to Brazil's Congress, Jânio sought to clear matters up. Time Magazine: Brazil: The Quadros Line – 24-03-1961. 149

de sua política externa: ‘neutralidade’ é diferente de ‘independência’. Jânio não era neutro, pois aludia a uma postura ‘indecisa’ e, portanto, alvo ou vítima de uma força inimiga. Jânio se assumia como independente, ou seja, era responsável e senhor dos seus atos em nome do Brasil.

Jânio negou que ele seja um neutralista. Disse ele: "Inspirado pelos ideais da democracia, nascemos membros do mundo livre... a posição ideológica do Brasil é ocidental e não vai mudar." 469

Por mais simples e bela que fosse a palavra ‘amizade’, ela não soava bem aos ouvidos da TIME quando tal amizade dizia respeito aos comunistas. Jânio colocou o Brasil como importante porta-voz na afirmação dessa amizade entre todos, mas principalmente, com os comunistas

O que ele faz questão de esclarecer é que o Brasil é uma voz independente nos assuntos mundiais e que aumentou sua amizade com as nações comunistas. "O conflito Leste-Oeste", disse ele, "tende cada vez mais a limitar-se a atitudes ideológicas. Temos fé na nossa, e nós não desejamos mal às pessoas que são diferentes."470

Em abril de 1961, o ministro Afonso Arinos trazia a público duas propostas para a política externa de reaproximação do Brasil com a URSS. A primeira era “procurar ampliar o volume, o valor e as listas de produtos, no intercâmbio entre os dois países.”471 A segunda ponto girava em torno do “interesse especial, ainda, pelo trigo, fertilizantes, metais, máquinas e equipamentos.”472 A análise sobre a admiração de Jânio pelos comunistas era comprovada para a revista através de adjetivos que o próprio Jânio atribuía aos soviéticos

A convivência, como Jânio a vê, significa que "o Brasil não pode ignorar a realidade, vitalidade e dinamismo dos estados Soviéticos". Mais uma vez, ele proclamou seu desejo de manter relações diplomáticas e comerciais com o bloco comunista, e do mesmo modo mantém a sua intenção de voto nas Nações Unidas para readmitir a delegação Comunista Húngara e debater a admissão da China Vermelha. 473

469Jânio denied that he is a neutralist. Said he: "Inspired by the ideals of democracy, we are born members of the free world . . . Brazil's ideological position is Western and will not change." Time Magazine, loc. cit. 470What he does favor, Jânio emphasized, is an independent Brazilian voice in world affairs and increased friendship with Communist nations. "The East-West conflict," he said, "tends increasingly to restrict itself to ideological attitudes. We have faith in ours, and we wish no ill to people who differ." Time Magazine, loc. cit. 471ARINOS, Afonso. Planalto, p. 58 472Ibid, p. 141 473Coexistence, as Jânio sees it, means that "Brazil cannot ignore the reality, vitality and dynamism of the Soviet states." Again he proclaimed his desire for diplomatic and trade relations with the Communist bloc and his intention of voting in the U.N. to readmit the Hungarian Communist delegation and to debate Red China's admission. Time Magazine, loc. cit. 150

Ao mencionar a amizade com os EUA, a TIME interpretou que Jânio era muito cauteloso. Para a revista, tal cautela com a amizade estava mais próxima de um pedido de ajuda do que a uma fértil relação entre amigos. De forma subliminar, a TIME atribuiu certo cinismo à amizade de Jânio, pois ele preferia muito mais a ajuda (financeira) dos Estados Unidos para sanear o legado de infortúnios de Juscelino do que um caloroso e verdadeiro aperto de mãos.

Mas Jânio também teve o cuidado de acrescentar que "Esperamos colocar as nossas relações com os nossos amigos tradicionais do norte em uma base bilateral fértil e verdadeira. Esperamos dos EUA a compreensão e o apoio." A má notícia. A esperança de Jânio Quadros de ganhar o apoio dos EUA repousa principalmente sobre suas políticas domésticas. Ele herdou de seu extravagante antecessor, Juscelino Kubitschek, um déficit orçamentário acumulado em $ 1 bilhão, as perspectivas de um déficit de 700 milhões de dólares na balança de pagamentos e uma inflação galopante.474

As medidas que Quadros iria tomar para sanear a economia do Brasil seriam bem vistas pelo FMI, mas para a TIME – uma revista semanal representante do conservadorismo americano -, o ato de Jânio projetar legislações para controlar a ação de multinacionais no Brasil não era visto com bons olhos pelos EUA. Reforma agrária significava a possibilidade de mobilização política no campo, aludindo à revolução pelo campesinato. Finalmente, o envio de técnicos para negociar dívidas e pedir mais dinheiro era a forma de a revista expor ainda mais o seu mal-estar por um governo que muito lhe já incomodava. Quadros está perfeitamente consciente que o seu programa de austeridade econômica provavelmente prejudique a sua popularidade política. Mas as reformas que ele promete - legislação antitruste, a reforma agrária, uma reforma tributária geral - deve manter o Brasil em uma boa situação tanto no exterior como em casa. Na semana passada, quando o presidente Kennedy declarou que tais reformas podem ser algumas das condições da ajuda dos EUA aos países latino-americanos, Quadros mandou enviados especiais tanto para os EUA como para a Europa a fim de encontrarem soluções para as dívidas antigas - e averiguar as possibilidades de novos empréstimos .475

474But Jânio was also careful to add that "We hope to place our relations with our traditional friends of the north on a fertile and realistic bilateral basis. We hope for U.S. understanding and support." The Bad News. Quadros' hope of winning U.S. support rests chiefly on his domestic policies. He inherited from his flamboyant predecessor, Juscelino Kubitschek, a cumulative $1 billion budget deficit, prospects of a $700 million balance- of-payments deficit, and rampant inflation. Time Magazine, loc. cit. 475As Quadros is keenly aware, his economic austerity program is likely to jeopardize his political popularity. But the reforms he promises — antitrust legislation, land reform, a general tax overhaul — should stand Brazil in good stead abroad as well as at home. Last week, as President Kennedy declared such reforms to be one of the conditions of U.S. aid to Latin American nations, Quadros sent special envoys to both the U.S. and Europe to arrange stretch-outs of old debts — and to investigate the chances for new loans. Time Magazine, loc. cit.

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Esses enviados eram Roberto Campos e Walther Moreira Salles, que passaremos a tratar mais adiante.

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4.6 – EUA APOSTA EM QUADROS

Nos Estados Unidos, diversos setores da economia e da política erguiam suas vozes contra o governo de Jânio Quadros, a TIME era um deles. No entanto, apesar dessas discordâncias, inclusive muitas delas advindas do próprio Departamento de Estado, o qual propunha um “endurecimento com Jânio pelas suas atitudes desafiantes, havia uma concordância entre a maioria dos assessores de Kennedy de que não se poderia deixar de apoiar as medidas saneadoras do novo governo brasileiro, sob o risco de incorrer em grave erro político.”476 Nesse sentido podemos dizer que havia a possibilidade de se apostar em Quadros. A TIME voltou a comparar Jânio e Kennedy em abril de 1961. De forma irônica atribuiu a esta comparação uma espécie de esporte. O exercício consistia em ‘assistir’ e depois ‘comparar’. Apesar do olho republicano da revista, o papel de Kennedy era tão claro como o de Jânio, ou seja, absorver a América Latina nos limites do seu programa de governo, as Novas Fronteiras.

Um dos esportes mais intrigantes da América Latina nas últimas semanas foi assistir aos Presidentes mais novos e mais jovens do Hemisfério Ocidental, presidindo as duas nações mais populosas e como dimensionar um e o outro. O Presidente Kennedy, estava claramente ansioso para encurralar a América Latina para dentro de sua Nova Fronteira. 477

Ironizando Kennedy, a TIME também sugeriu que Jânio já tinha uma fronteira traçada, englobando os próprios EUA! Por fim, a política independente, um dos alvos da revista, parecia significar um distanciamento em relação aos EUA e uma real aproximação com os comunistas.

O presidente do Brasil, Jânio Quadros, de 44 anos de idade, estava muito ansioso para mapear sua própria Nova Fronteira – na qual a presença dos Estados Unidos seria ainda maior. Embora declarando-se irrevogavelmente pró-ocidente, Quadros distanciou-se bruscamente dos EUA em relação a China Vermelha na ONU, ele também deixou de lado todos os convites para cooperar contra Fidel Castro, e flertou

476BARBOSA, op cit, p. 123-124 477One of Latin America's most intriguing spectator sports over the past weeks has been watching the Western hemisphere's newest and youngest Presidents, presiding over its two most populous nations, as they size each other up. President Kennedy, was plainly anxious to corral Latin American support for his New Frontier. jTime Magazine: Brazil: U.S. Bet On Quadros – 14-04-1961. 153

com o bloco soviético.478

TIME se voltou, por um momento, para o presidente Kennedy. Com o título da reportagem EUA aposta em Quadros, ela deu a atender que não concordava com essa aposta. O impasse de Kennedy, segundo a revista, seria se os EUA consideravam Jânio Quadros inimigo ou não. Até que ponto Kennedy poderia confiar na neutralidade de Jânio?

A questão era se Quadros podia ser considerado um adversário ou dar-lhe a chance, 479 apesar de toda sua neutralidade, de que ele estava do lado certo.

Naquele mês (abril de 1961), Jânio se encontrou com o secretário do Tesouro americano, Clarence Douglas Dillon, que viajava para o Brasil para uma segunda reunião do Conselho de Governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Dillon, juntamente com MacNamara, eram os dois republicanos no gabinete de Kennedy, sendo que o primeiro “tinha sido subsecretário de Estado de Eisenhower, o que lhe tinha proporcionado certa vivência dos problemas latino-americanos.”480 Ao contrário do que acontecera com Berle, Dillon foi muito bem recebido. O secretário “discorreu sobre a disposição americana em ajudar nas negociações para a rolagem da dívida brasileira e que sua política corajosa de estabilização monetária era admirada em Washington.”481 Nesse sentido, os Estados Unidos, segundo o secretário, iriam se empenhar junto aos credores europeus para ajudar o Brasil. Segundo Barbosa, os europeus consideravam importante conhecer a posição dos Estados Unidos para tomá-la como referência em suas decisões.482 Kennedy optou por apostar em Quadros e, de acordo com a TIME, os EUA depositariam novos recursos num país cujo presidente era dotado de uma grande excentricidade. A revista não poupou adjetivos e mencionou que o empréstimo de Kennedy foi, até aquele momento, o maior da história feito a uma nação latino-americana. Neste caso, a crítica subjacente da revista se pautou na maior aposta que os EUA já fizeram no Brasil. Talvez a revista ainda se perguntasse: por que naquele momento?

478Brazil's Jânio Quadros, 44, was just as eager to map out his own new frontier — in which U.S. influence would loom less large. While declaring himself irrevocably pro-West, Quadros veered sharply away from the U.S. stand on Red China in the U.N., brushed aside all invitations to cooperate against Fidel Castro, and flirted with the Soviet bloc. Time Magazine, loc. cit.. 479The question was whether to regard Quadros as an adversary or to take a chance that, for all his neutralism, Quadros was on the right side. Time Magazine, loc. cit.. 480BARBOSA, op cit, p. 125 481Ibid., p. 126 482Ibid., ibidem. 154

Na semana passada, Kennedy fez a sua escolha: colocar seu dinheiro no novo líder do Brasil. Na convicção de que Quadros, apesar de toda a sua excentricidade nos assuntos externos, favorece um Brasil economicamente viável e, portanto, saudável, Kennedy aprovou a participação dos EUA em um programa de ajuda internacional para o Brasil, que classifica como o maior pacote de empréstimo de concessão jamais dado a uma nação latino-americana. A soma em discussão: US$ 500 milhões, com mais ainda para vir. 483

A aposta, segundo a revista, era para ajudar na solução da dívida brasileira. A ida do secretário Douglas Dillon ao Rio de Janeiro referendava a ajuda.

O único anúncio formal de Washington foi uma breve declaração do secretário do Tesouro C. Douglas Dillon observando que o Brasil precisa de novos fundos para o desenvolvimento e consolidar a sua esmagadora dívida. Esta semana, o secretário irá ao Rio para uma reunião do conselho do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Com os planejadores brasileiros, ele vai começar a trabalhar os detalhes do programa de ajuda.484

No trecho seguinte, a revista apresentou uma breve trégua a Jânio. Ao contrário de Juscelino que, segundo a TIME, levou o Brasil à dívida e negava-se a aceitar propostas do FMI, Jânio fez o caminho inverso, mesmo sofrendo ‘chiados’.

As despesas do Brasil, numa crescente espiral, sem uma considerável ajuda externa desde 1959, se deram devido à recusa do presidente Juscelino Kubitschek em dar um fim em suas agressivas despesas e de não aceitar as recomendações do Fundo Monetário Internacional por austeridade deflacionária. Quadros está preparado para aceitar os termos do FMI. Ele já introduziu reformas monetárias drásticas, as quais tem como efeito a elevação dos preços através do fim dos subsídios às commodities tais como pão (77%) e da gasolina (até 80%). Ele demitiu 35.000 funcionários do governo, e reduziu em 30% o salário dos funcionários do alto escalão público. O resultado foi um barulhento chiado ameaçando as determinações de Quadros para estabilizar a economia.485

Para a TIME, a excentricidade era uma das grandes marcas de Jânio. O leitor da

483Last week Kennedy made his choice: to put his money on the new man in Brazil. In the conviction that Quadros, for all his eccentricity in foreign affairs, favors an economically sound and therefore healthy Brazil, Kennedy approved U.S. participation in an international aid program for Brazil that ranks as the biggest loan- grant package ever given a Latin American nation. The sum under discussion: $ 500 million, with more to come. Time Magazine, loc. cit. 484Washington's only formal announcement was a brief statement by Treasury Secretary C. Douglas Dillon noting that Brazil needs new funds for development and to consolidate its crushing debt. This week the secretary goes to Rio for a board meeting of the Inter-American Development Bank. With Brazilian planners, he will start working out the details of the aid program. Time Magazine, loc. cit. 485Brazil, its costs spiraling higher and higher, has been without substantial foreign aid since 1959, when ex- President Juscelino Kubitschek refused to end his wild spending and to accept International Monetary Fund recommendations of deflationary austerity. Quadros is prepared to accept IMF terms. He has already introduced drastic currency reforms that have, in effect, raised prices by ending subsidies on the retail price of such commodities as bread (up 77%) and gasoline (up 80%). He has fired 35,000 government employees, and slashed the salaries of upper-rank government employees 30%. The result has been noisy grumbling that threatens Quadros' determined drive to stabilize the economy. Time Magazine, loc. cit. 155

revista estava diante do presidente de um país importante e que, na frente de uma TV, executava as mais incríveis encenações teatrais. Para a TIME, tudo isso era feito apenas para não perder a admiração do povo ao mesmo tempo em que o fazia sofrer.

Naquela mesma noite, durante 100 minutos na televisão, Quadros usou toda sua habilidade política para expor o seu ponto de vista. Ele gritou, sussurrou, sacudiu seu cabelo. Enfatizando os pontos principais da sua a vitória eleitoral, a maior da história do Brasil no ano passado - sua honestidade inquestionável - ele lembrou os brasileiros que ele não tinha prometido milagres. "Eu prometi um governo honesto, um governo justo, um governo forte, um governo de sacrifícios". 486

Qual seria o sentido de tratar a inflação como um vetor para a ditadura? Tal fato nos parece antecipar 1964. Jânio Quadros, segundo a reportagem, executava essa possibilidade. Ao mesmo tempo, não poupava o fato de que ditaduras não escolhem cor partidária ou ideológica.

Ele prometeu reformas fiscais - um excessivo imposto sobre os lucros, uma lei antitruste e limites para remessa de lucros de empresas estrangeiras. Mas ele guardou o seu mais pesado ataque para o assunto da inflação que segundo ele “é a razão pela qual muitas democracias desapareceram. Elas se tornaram ditaduras de direita ou de esquerda, estados comunistas. Enquanto eu viver, isso não vai acontecer com esta república, não comigo no governo’’.487

486That same evening, for 100 minutes on television, Quadros used every trick in the Brazilian political book to get his point across. He shouted, whispered, tossed his hair. Emphasizing one of the major points that won him the greatest electoral majority in Brazilian history last year — his undoubted honesty — he reminded Brazilians that he had not promised miracles. "I promised an honest government, a just government, a hard government, a government of sacrifices." Time Magazine, loc. cit. 487He promised reforms — an excess-profits tax, an antitrust law, limits on profit remittances of foreign companies. But he saved his heaviest thunder for his theme that inflation is the reason "many democracies have disappeared. They became dictatorships of the right or of the left, Communist states. As long as I live, that will not happen to this republic, not with me in the government." Time Magazine, loc. cit. 156

4.7 – DECISÕES TEMPERAMENTAIS

Em junho de 1961, a Time publicou novas impressões sobre Quadros, e acrescentou um dado inédito e irônico: “reformador de mentalidades econômicas”.

A confusa, e algumas vezes contraditória personalidade do presidente do Brasil, Jânio Quadros, torna-se cada vez mais nítida a cada nova série de explosões que ecoam a partir do Palácio do Planalto. Em uma explosiva decisão no executivo na última semana, Quadros mostrou-se decidido a ser um reformador da mentalidade 488 econômica. Ele também provou ser impulsivo, melindroso, autocrático.

Era essa a imagem de Jânio difundida para os leitores da TIME. Uma personalidade que fundia confusão e contradição estava sendo evidenciada para a revista. A imagem de um líder louco no hemisfério sul parecia se acentuar. Tratado como uma bomba, cujos ecos chegavam a Brasília, seu temperamento variava de acordo com cada nova explosão. Para a revista, bastava o assunto pesar no campo econômico para que a personalidade de Jânio apresentasse novas formas. Impulsivo, messiânico e autocrático são características que para a revista, não podiam pertencer a um líder democrático. A TIME não confiava e muito menos acreditava na posição política de Jânio, tão propalada durante a campanha. Atribuir o perfil de autocrático, confirma a nossa premissa. O reformador da mentalidade econômica do Brasil em 1961, Sr. Jânio Quadros, era visto como uma pessoa impiedosa para com o futuro. O governo de Juscelino era o da ficção, já o de Quadros era o da realidade, aliás, uma realidade que expunha a demagogia, dali em diante agiria sem misericórdia com os cálculos para o ano seguinte (1962).

Para separar a realidade da ficção de uma renda superestimada e controle de despesas que aludiu um orçamento nacional sob o ex-presidente Juscelino Kubitschek, Quadros emitiu seus impiedosos cálculos para o próximo ano. 489

A “herança maldita” era o déficit orçamentário deixado por Juscelino. Jânio, cujas críticas ao governo anterior beiravam a redundância, lamentava ser herdeiro de Juscelino. Nesse sentido, quais seriam as previsões futuras para um país endividado e dirigido por Jânio?

488The confusing, sometimes contradictory personality of Brazil's Jânio Quadros becomes more sharply defined with each new series of explosions echoing from Planalto Palace. In a burst of executive action last week, Quadros showed himself to be a determined, conservative-minded economic reformer. He also proved himself impulsive, thin-skinned, autocratic. Time Magazine, Brazil: Sharpening Definitions 02-06-1961. 489To restore reality to the meaningless fiction of overstated income and understated outgo that passed for a national budget under ex-President Juscelino Kubitschek, Quadros issued his own flinty figures for next year. Time Magazine, loc. cit.. 157

Somando-se os fundos necessários para apoiar a imensa burocracia e o programa de obras públicas herdado de Kubitschek, Jânio Quadros previu um déficit de $ 513 milhões - tão grande, disse Quadros, que "um potencial déficit dessas proporções nunca foi admitido por um chefe de estado."490

As relações com Goulart não deixaram de ser citadas pela revista. Quadros não cancelou a investigação sobre Jango. Para a TIME o intuito era separar-se do vice. Neste ponto, tal separação vai de encontro à personalidade independente e autossuficiente de Jânio Quadros. A separação de Jango representava a possibilidade, ou até mesmo a confirmação da autocracia mencionada pela revista.

Para separar-se de seu próprio vice-presidente, João ("Jango") Goulart, um adversário político eleito por meio de um truque eleitoral que permite dividir a votação, Quadros recusou-se a cancelar as investigações de corrupção, que têm implicado Goulart em vários escândalos, ou para neutralizar os seus relatórios. Em uma carta de protesto, Quadros escreveu: "Respondo que isso não está escrito em termos adequados e não representa a verdade."491

Se por um lado Jânio se propunha a eliminar os obstáculos internos, que muito atrapalhavam a sua administração, ao voltar-se contra as agências de notícias estrangeiras, a TIME não deixaria de se posicionar.

No entanto, com tais reformas, muitos delas bem atrasadas, Quadros encaminhou ao ministro da Justiça um pedindo de "investigação da conduta das agências de notícias estrangeiras em funcionamento no nosso país, tendo em vista a divulgação por estas agências de histórias sem fundamento de caráter sensacionalista ou alarmante”. Ordenou "medidas enérgicas de repressão definitiva" caso as acusações sejam verdadeiras. 492

O trecho acima demonstrou o quanto a TIME defendia a ideia de que havia de fato um presidente autocrata no Brasil com vistas a uma possível ditadura. Coagir as agências internacionais foi, para a TIME, um ato repressivo e inoportuno, o governo Jânio Quadros estava atacando os órgãos de comunicação dos países para os quais ele era devedor.

490Adding up the funds needed to support the immense bureaucracy and public works program inherited from Kubitschek, Quadros predicted a deficit of $513 million — so great, said Quadros, that "a potential deficit of this size has never before been confessed by a chief of state." Time Magazine, loc. cit.. 491To separate himself from his own Vice President, Joāo ("Jango") Goulart, a political opponent elected by means of an electoral quirk that permits ballot splitting, Quadros refused to call off corruption investigators, who have implicated Goulart in several scandals, or to blunt their reports. On a protesting letter, Quadros scribbled: "Return, for not being written in adequate terms and not representing the truth." Time Magazine, loc. cit.. 492Yet, with such reforms, many of them long overdue, Quadros order to the Justice Minister calling for "investigation of the conduct of foreign news agencies functioning in our country, in view of the dissemination by these agencies of baseless stories of sensationalist or alarming character." The order called for "energetic steps for definitive repression" if the charges were true. Time Magazine, loc. cit. 158

A revista destacou dois pontos de vista diferentes e do mesmo meio, um jornal cubano e um brasileiro. Por questões óbvias, o jornal cubano de Fidel Castro dava total apoio à atitude de Jânio, dessa forma, para a TIME, tal exemplo torna evidente não apenas a simpatia de Castro pelo governo de Quadros, mas a real amizade que havia entre ambos.

A agência de notícias de Fidel Castro, a Prensa Latina, saudou a ordem. Mas o independente Jornal do Brasil viu-o como uma clara ameaça à liberdade de imprensa: "Se o presidente acha que ele vai censurar a imprensa, investigando tanto a direita como a esquerda, silenciando jornais sem resistência, ele está muito enganado."493

Fazendo frente ao Prensa Latina, o Jornal do Brasil, em uníssono com a TIME, repudiou a atitude de Jânio. Apesar de a revista citar o Jornal do Brasil com frequência em suas páginas, a revista atribui-lhe o ‘elogio’ de “independente” e praticamente finalizou a matéria com uma indireta declaração de Guerra a Jânio, como ficou demonstrado no último trecho.

493Fidel Castro's news agency, Prensa Latina, cheered the order. But the independent Jornal do Brasil saw it as a clear threat to a free press: "If the President thinks he is going to take the press by the throat, order investigations right and left, silence newspapers without resistance, he is very much mistaken." Time Magazine, loc. cit. 159

4.8 - OLÁ, MAS NENHUMA AJUDA

O episódio da Baia dos Porcos obrigou os Estados Unidos, em especial o presidente Kennedy, a rever toda a sua estratégia de vigilância sobre a América Latina. Houve a necessidade de se enviar aos países da América do Sul outro tipo de emissário e foi na pessoa do chefe da Delegação dos Estados Unidos na ONU, Adlei Ewing Stevenson, que Kennedy atribuiu a missão de averiguar os ânimos latino-americanos e arrefecer pontos de vista ‘antiamericanos’. Stevenson era uma personalidade mundialmente conhecida e respeitada. Tratava-se de um homem culto e moderado em suas atitudes e “equilibrado na análise dos problemas continentais”, naquele momento, ele “receberia como tarefa auscultar dez governos sobre o projeto da Aliança para o Progresso, ao longo da próxima reunião extraordinária do Conselho Interamericano Econômico em Punta del Leste, em agosto.”494 Em junho de 1961, a TIME trouxe uma reportagem tratando das relações entre EUA e América Latina e tendo como pano de fundo o antiamericanismo. Defendemos, em capítulos anteriores, que sintomas, ou ações, de repulsa aos EUA significavam uma afronta ideológica ao Século Americano, conhecido ideário da revista e de Henry Luce. No capítulo 2, discorremos sobre duas visitas ocorridas por lideranças norte-americanas no hemisfério sul cujos efeitos chamaram a atenção da revista, dentre eles, o mais agudo foi o ataque que Nixon sofreu na Venezuela. Dois anos depois, nem mesmo o austero e simpático Eisenhower escapou de protestos na Argentina. O método que intercalava visitas (Boa Vizinhança?), averiguação e reconhecimento de área parecia estar esgotado naquele contexto. Para além da fronteira estava o wilderness, a constante necessidade por dominá-lo inquietava os ideólogos do Século Americano. Uma das cartas que Kennedy ainda tinha na manga era a dos seus “homens de fronteira”, tais homens tinham, além de outros países, o Brasil como foco:

Um após o outro, o Presidente Kennedy enviou seus Novos Homens da Fronteira voando para o sul para testar o temperamento da opinião da América Latina, particularmente no Brasil, onde o novo e enigmático Presidente Jânio Quadros e os protetores de Castro podiam criar problemas para os EUA.495

Em 5 de junho de 1961, Stevenson partia rumo à América do Sul numa viagem que

494 BARBOSA, op cit, p. 201 495 One after another, President Kennedy has sent his New Frontiersmen winging south to test the temper of Latin American opinion, particularly in Brazil, where new President Jánio Quadros' enigmatic ways and hands- off-Castro attitude create problems for the U.S. Time Magazine: The Americas: Hello, But No Help, 23-06-1961. 160

tinha duração prevista para 18 dias e tinha no roteiro a seguinte ordem de visita: Brasil, Venezuela, Uruguai e Argentina. Havia uma guerra psicológica. Era necessário averiguar comportamentos, sentimentos, “temperamentos”. Quadros já não era mais um enigma e, no Brasil, os simpatizantes de Castro incomodavam os EUA, incomodavam TIME! A vinda de Stevenson pode ser considerada como uma missão exploratória, “sem qualquer proposta objetiva para apreciação das chancelarias; visto que, na realidade, o seu escopo era avaliar a extensão do dano político causado pela tentativa de invasão de Cuba e as possibilidades de recuperação a curto prazo da imagem de Kennedy e do governo norte- americano.”496 Para TIME, o temperamento do presidente Quadros não parava de chamar a atenção dos EUA. Quadros sempre alterava sua voz quando o assunto a ser tratado era Cuba. Seu temperamento foi testado duas vezes no primeiro semestre (com Berle e com Dillon) e foi o suficiente para provar a sua hostilidade, a sua ‘falta de educação’ e, por fim, a sua arrogância e ingratidão:

Em março passado, o chefe da força-tarefa para a América Latina, Adolf A. Berle, se deparou com uma recepção tão gélida que beirava à hostilidade. Há dois meses, o secretário do Tesouro C. Douglas Dillon, no Brasil, ofereceu a Jânio Quadros uma ajuda de quase US $ 1 bilhão, tendo como resposta algo pouco maior do que um simples “olá”, além de ter sido empurrado de dentro para fora do Palácio do Planalto de Brasília, por meio da garagem subterrânea.497

Se não fosse cômico, seria trágico. Um embaixador mal recebido alude à possibilidade de uma nota de reparo. Um Secretário do Tesouro sendo desprezado como se a sua ajuda não fosse necessária e quase sendo “empurrado para fora”, escadarias abaixo, ofereciam, no mínimo, condições para um impasse diplomático. Todas essas situações, em tom teatral, fundiam o real e o fictício para o leitor da revista. O Itamaraty aceitou receber a missão de Stevenson, mas alertou de antemão que considerava a Operação Pan-americana “um instrumento válido nas relações intra-americanas e Stevenson deveria ter tal propósito em mente nas entrevistas com os presidentes latino- americanos.”498 Segundo a TIME, Adlai Stevenson desfrutou de certo prestígio junto aos brasileiros

496 BARBOSA, op cit. Idem 497 Last March, Latin America Task Force Chief Adolf A. Berle met an icy reserve that bordered on hostility. Two months ago, Treasury Secretary C. Douglas Dillon, in Brazil to present Quadros with aid of nearly $1 billion, got a somewhat bigger hello, but was still hustled in and out of Brasilia's Planalto Palace via the underground garage. Time Magazine, loc. cit. 498 BARBOSA, op cit, p. 202 161

e, ao contrário de outras autoridades americanas, ele foi bem recebido. A revista apresentou os motivos da sua visita à América Latina:

Na semana passada, o embaixador da ONU, Adlai Stevenson, por quem os latino- americanos têm um grande respeito, recebeu a mais calorosa recepção no Brasil até agora. Em uma turnê pelas 10 nações para discutir a Aliança para o Progresso de Kennedy – e, incidentalmente, para ver se alguém tinha mudado de ideia sobre a ação conjunta com Castro – ele encontrou expressões de amizade e conversas entusiasmadas a respeito do desenvolvimento. Mas ainda nenhuma oferta para Castro.499

Novamente, o Brasil não deu ouvidos às propostas para isolar Castro. Do mesmo modo, a simples confirmação de amizade entre as nações não oferecia peso algum, sugeria apenas que a proposta e o conceito de amizade são meros instrumentos. Havia a necessidade de se ajustar meios e fins. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, Stevenson foi recebido por Afonso Arinos que durante o almoço enfatizou diplomaticamente “a fidelidade do governo e da imensa maioria do povo deste país à tradicional e sincera amizade do Brasil para com os Estados Unidos e à nossa inquebrantável solidariedade para com os ideais que unem a América.”500 Arinos informou Stevenson de que a política externa brasileira não estava em contradição com a sua política interna, na verdade, elas eram complementares. O encontro com Arinos fazia parte de uma estratégia para antecipar os principais pontos que seriam discutidos na reunião com Quadros. O encontro entre as duas autoridades, Quadros- -Stevenson, era uma “temida incógnita”501. Havia uma grande preocupação, de ambas as partes, para que ‘incidentes’ tais como os que aconteceram com Berle não se repetissem. No entanto, o contexto parecia favorável às discussões diplomáticas. Segundo Barbosa, Jânio se mostrou mais tranquilo com os resultados da negociação e dos compromissos financeiros internacionais.502 Os motivos desse ‘bem-estar’ podiam ser identificados nas “perspectivas positivas criadas pela Aliança para o Progresso e que colaboravam para um ambiente mais desnuviado (...)”503 O encontro foi registrado na matéria. Porém, a postura de Quadros permanecia inalterada:

Quadros se sentiu muito a vontade, muito mais do que com qualquer outro diplomata dos EUA. Ele conversou com o "seu caro amigo" Stevenson por duas

499 Last week U.N. Ambassador Adlai Stevenson, for whom Latin Americans have a great regard, got the warmest welcome in Brazil yet. On a ten-nation tour to discuss Kennedy's Alliance for Progress — and incidentally to see if anyone had changed his mind about joint action on Castro — he found expressions of friendship and enthusiastic talk about development. But it was still no sale on Castro. Time Magazine, loc. cit. 500 BARBOSA, op cit, p 203 501 Ibid., p 205 502 Ibid., p 205 503 Ibid., ibidem. 162

horas, disse à imprensa: "Acredito firmemente que as relações entre esta democracia e a grande democracia da América do Norte se tornará constantemente mais e mais estreita" Sobre Castro, a quem Stevenson diplomaticamente se esqueceu de trazer à tona, Quadros simplesmente reiterou sua posição anterior: o ditador era um problema para Cuba resolver, e não para os EUA ou para o hemisfério.504

A fala de Jânio denunciava uma contradição histórica e política, que TIME parecia fazer vistas grossas. Dizer que os assuntos cubanos deviam ser tratados pelos próprios cubanos serviam para retomar o argumento da autodeterminação dos povos, da América para os americanos. TIME, a todo o momento, parece se esquecer desse ideário. Ao final do encontro da missão com as autoridades brasileiras, Stevenson assegurava que os EUA não alimentavam nenhuma intenção de intervir em Cuba. Os Estados Unidos aceitariam uma mediação para reintegrar a família continental? Em resposta a Arinos, Stevenson “respondeu afirmativamente, desde que Havana se afastasse da União Soviética e da China, condição requerida para que se restabelecesse o diálogo com Washington.”505 Depois do Brasil, nos demais países da escala, os espectros antiamericanos pareciam aguardá-lo. A presença do Frontierman foi quase um flashback de Nixon em 1958.

A mensagem – de não intervenção – foi a mesma em todos os lugares que Stevenson passou. Ele não precisa ir longe para buscar razões. Na Venezuela, na semana passada, os comunistas e castristas, que ameaçam todos os governos do hemisfério democrático, queimaram o carro do embaixador dos EUA, Teodoro Moscoso. 506 No Chile, onde a fome gera as mesmas ligas “vermelhas” camponesas que já empesteiam o Brasil, manifestantes quebraram janelas em protesto contra a visita de Stevenson. Na infeliz Bolívia, ele assistiu a uma disputa permanente entre o governo e os mineiros de estanho, que terminou com cinco mortos. E, no Peru, os estudantes de esquerda que haviam declarado Stevenson como persona non grata foram dispersados pela polícia com gás lacrimogêneo.507

Sua presença foi contestada em Lima, La Paz e Montevidéu, segundo Barbosa, houve “ruidosas manifestações de rua, lembrando as agitações que em 1958 marcaram a passagem de Nixon pelo continente. Mas essas agitações, na maioria de origem estudantil, refletiam da

504 Brazil's aloof Quadros unbent farther than he has for any other U.S. diplomat. He chatted with "my dear friend" Stevenson for two hours, told the press: "I firmly believe that relations between this democracy and the great democracy of North America will become constantly closer and more intimate." On Castro, whom Stevenson tactfully refrained from bringing up first, Quadros simply reiterated his previous stand: the dictator was a problem for Cuba, not the U.S. or the hemisphere, to solve. Time Magazine, loc. cit.. 505 Barbosa, loc cit. 506 The message — nonintervention — was the same most everywhere Stevenson went. He did not have far to look for reasons. In Venezuela last week, the Communists and Castroites, who threaten every hemispheric democratic government, burned U.S. Ambassador Teodoro Moscoso's car. Time Magazine, loc. cit. 507 In Chile, where famine breeds the same Red-led peasant leagues that already plague Brazil, rioters smashed windows to protest Stevenson's visit. In hapless Bolivia, he witnessed a continuing feud between the government and tin miners that ended in five dead. And in Peru, leftist students who had declared Stevenson persona non grata were dispersed by police with tear gas. Time Magazine, loc. cit. 163

mesma forma o clima de insatisfação com a política norte-americana.”508 Em Buenos Aires, os manifestantes protestaram contra Stevenson, este acabou ouvindo de Frondizi que “os Estados Unidos estavam sobestimando o poder de influência de Fidel em detrimento de outros pontos da agenda interamericana de maior relevo para o hemisfério.”509

O perfil contraditório de 1960 deu espaço gradual ao perfil perigoso de 1961. Enquanto foi candidato, Jânio soube confundir as expectativas da revista em relação a sua política externa. No entanto, durante o primeiro semestre de 1961 e com o poder em mãos, Jânio explicitava sua política independente. Os desgastes com a UDN foram marcantes, ao ponto de promover o distanciamento claro entre o candidato e o partido. Por meio de suas reportagens sobre Jânio, a revista compreendia que a política externa independente era análoga a aproximação com o bloco socialista. Tal política não favorecia o dialogo amistoso com os Estados Unidos. As contradições estavam vencidas e a TIME, finalmente, tinha o perfil definitivo de Quadros. Era necessário naquele momento realizar uma biografia não-oficial de Jânio. Foi o que a revista fez em sua próxima publicação e que analisaremos no capítulo 5.

508 BARBOSA, op cit., p. 209 509 Ibid., ibidem. 164

IMAGENS – CAPÍTULO 4

Imagem 22 – President-elect Quadros (06-01-1961) Over there – somewhere. Lá - em algum lugar.

Imagem 23 – Quadros debarking in Santos (03-02-1961) About to pull himself out of a hat? Praticamente tirando a si mesmo da cartola 165

Imagem 24 – Jânio Quadros (Center wearing sash) taking over as ? (10-02-1961) Winning with faults, governing with qualities? Ganhando com falhas, governando com qualidades?

Imagem 25 – President Quadros (17-02-1961) Small spread in the palace. Pequena propaganda no palácio. 166

Imagem 26 – Brazil’s Quadros & U.S. Ambassador Cabot (03-03-1961) What fidelity didn’t get, angling might. O que a fidelidade não conseguiu, um outro ponto de vista pode.

Imagem 27 – Task Force Chief Berle at Rio Luncheon (10-03-1961) Respect, affection – and limitations. Respeito, carinho - e limitações. 167

Imagem 28 168

Imagem 29 169

Imagem 30 – U.S. Spokesman Dillon (10-03-1961) $500 million, with more to come. $ 500 milhões, e ainda mais por vir.

Imagem 31 – Niemeyer’s Cathedral in Brasília (06-05-1961) The frontier days were ending. Os dias como fronteira estavam terminando. 170

Imagem 32 – Belém-Brasília Highway (12-05-1961) Underneath: “a blanket of rotteness.” Embaixo: "um manto de podridão."

Imagem 33 – Navy Minister Heck, War Minister Denys, Admiral Penna Botto, Air Minister Moss. (12-05-1961) Presidential mutes for the sounding brass. Silêncio presidencial diante do alarme

171

Imagem 34 – Quadros & Goulart (02-06-1961) Quite for the quirk. Muitas peculiaridades

Imagem 35 – Quadros at Press Conference. (09-06-1961) Stopped by notorius modesty. Imóvel diante de uma notória modestia. 172

Imagem 36 – Ex-Diplomat Leitão da Cunha (16-06-1961) Nobody speaks for Jânio. Ninguém fala por Jânio.

Imagem 37 – Stevenson & Quadros (23-06-1961) How much were friends willing to do for a friend? Quanto que os amigos estão dispostos a fazer pelos amigos?

173

CAPÍTULO 5 ONE MAN'S CUP OF COFFEE

5.1 – ONE MAN’S CUP OF COFFEE

TIME, em sua edição de 30 de junho de 1961, trouxe Jânio em sua matéria de capa. O próprio Jânio se recusou meses antes em conceder entrevistas ou posar para a essa revista. Sua capa foi encomendada a Candido Portinari. Nela encontramos a figura de um homem magro, sisudo, sério, com topete e olhar fixo. O terno está ‘meio’ surrado, mas pode estar ‘meio’ arrumado. O fundo que lhe aparece às costas na capa estava dotado de pouca luz, sugeria um anoitecer, nublado ao fundo e com a constelação do Cruzeiro do Sul, lembrando a condecoração de Che Guevara. O céu negro, no qual adentrava sua cabeça, poderia significar o obscurantismo de suas ideias, de suas intenções, de suas propostas. O mar é vermelho, da cor do comunismo com o qual Jânio flertava, ao mesmo tempo em que pode aludir à cor do sangue. O horizonte mescla o verde e o amarelo com o nascer do sol (ou o pôr do sol!), esperança? Neste capítulo analisaremos essa reportagem que congrega o maior esforço em saber “Quem é Jânio?”, “Onde está Jânio?” ou “Para onde vai Jânio?”. Seja quem fosse, onde 174

estivesse e para onde se dirigisse, os interesses americanos estariam à sua espreita. Jânio era um espectro antiamericano, Antisséculo Americano. A maioria dos elementos que iremos encontrar nessa reportagem foram debatidos nos capítulos anteriores. Não iremos realizar um debate bibliográfico com os trechos, pois a maioria dos argumentos já foi tratada. No intuito de contribuir com pesquisas futuras, realizaremos uma tradução comentada dessa reportagem. O subtítulos que aparecem neste capítulo correspondem aos mesmos que foram utilizados no corpo da própria reportagem e resumem o assunto.

5.1.1 – O LEAD INTRODUTÓRIO

O lead desta reportagem expõe de forma clara a preocupação da revista em torno dos efeitos pós-Baía dos Porcos. Os líderes latino-americanos estavam em choque com a “vitória” de Castro. Algo parecia ter mudado no hemisfério. Cuba parecia ter aumentado de tamanho. As ligações entre Cuba e a URSS eram a grande preocupação da TIME.

No início da semana, passada após uma turnê por dez nações da América Latina, o enviado presidencial, Adlai Stevenson, foi o portador de notícias preocupantes. Os líderes de governos democráticos da América Latina ainda estavam em um estado de "choque mental" sobre o desastre de Cuba; o prestígio dos EUA estava em declínio acentuado. 510 Embora todos reconhecessem o perigo do comunista Fidel Castro, em Cuba, o barbudo ditador agigantou-se por todo o Caribe e agora ninguém está disposto a juntar-se numa forte ação contra ele. A única esperança imediata, informou Stevenson, que estava num aeroplano rumo à Colombia, seria fazer Castro renunciar à sua ligação com a Rússia. Se ele se recusar, a Organização dos Estados Americanos poderá riscá-lo da família de nações do hemisfério.511

Quais seriam os aliados dos Estados Unidos? Quais seriam seus adversários numa eventual polarização? Quadros apareceu, finalmente, como a grande interrogação.

A Venezuela provavelmente se juntaria a um movimento Anticastro. Na América Central, Guatemala, Nicarágua e Honduras também não teriam problemas. Argentina e Peru provavelmente também poderiam somar. 512 Mas a enorme nação, o cada vez mais poderoso Brasil – o Brasil de Jânio Quadros – era, mais do que nunca, um grande ponto de interrogação. Para o presidente Quadros, de 44 anos de

510 Home last week after a ten-nation tour of Latin America, Presidential Envoy Adlai Stevenson was the bearer of uneasy tidings. The leaders of Latin America's democratic governments were still in a state of "mental shock" over the Cuban disaster; U.S. prestige was in sharp decline. Time Magazine, loc cit. 511 Though everyone recognized the danger of Castro's Communist Cuba, the bearded dictator loomed so large across the Caribbean that no one was willing to join in strong, concerted action against him. The one immediate hope, reported Stevenson, was a mild plan, advanced by Colombia, for a call to Castro to renounce his ties to Soviet Russia. If he refuses, the Organization of American States might then read him out of the hemisphere's family of nations. Time Magazine, loc cit. 512 Venezuela would probably join an anti-Castro move. In Central America, Guatemala, Nicaragua and Honduras would prove no problem. Argentina and Peru most likely could be counted on. Time Magazine, loc cit. 175

idade, e depois do agitado período de cinco meses no cargo, ele provou que não é amigo de ninguém, exceto, talvez, do Brasil.513

5.1.2 - Rebelião invencível

Independência externa agressiva

Ao mencionar que Jânio havia “surgido do nada”, podemos retomar a ideia de Skidmore, ou seja, que Jânio era um corpo estranho que despertara para a política brasileira e para o mundo em um curto período. Para a revista, Jânio operava por meio de gestos e outras atitudes temperamentais. A revista, ao longo de todas as reportagens, nunca deixou de apresentar um novo traço à personalidade de Jânio. Para TIME, esse brasileiro queria desenvolver seu país superando o complexo de inferioridade que ele mesmo acreditava existir em nós:

Surgido do nada e tomando o poder por meio da maior votação popular da história, Jânio Quadros estourou no mundo como o próprio Brasil – temperamental, eriçado de independência, explodindo de ambição, assombrado pela pobreza, lutando para aprender e ávido de grandeza. 514 Quadros, aos gritos, diz que o Brasil é uma grande potência, se não for hoje, então será amanhã. Ele diz em voz alta que está liderando uma revolução, uma revolta contra a ineficiência governamental, contra o atraso econômico e social, contra o incômodo sentimento de inferioridade dos latino- americanos perante ao mundo. 515 "Essa rebelião é invencível", diz Quadros. "É um estado de espírito, um espírito coletivo, um fato da vida que já encheu a consciência da nação e que ninguém irá comprometer ou paralisar – Eu não vou ser interrompido a não ser por assassinato.”516

Perfil analisado

Novos traços da personalidade de Jânio apareceram nesta matéria, do mesmo modo, características também lhe foram atribuídas pelos seus críticos, dentre eles, Lacerda.

Ouvindo o homem e assistindo às suas travessuras, alguns ao redor do mundo deram-lhe uma espalhafatosa framboesa. O Paris' tart-tongued France-Soir compara-

513 But the huge, increasingly powerful nation of Brazil — the Brazil of Janio Quadros — was a bigger question mark than ever. For 44-year-old President Quadros, after a whirlwind five months in office, has proved that he is nobody's cup of coffee except, possibly, Brazil's. Time Magazine, loc cit. 514 Rebellion Invincible. Rising from nowhere to take command by the greatest popular vote in history, Jânio Quadros has burst on the world like Brazil itself — temperamental, bristling with independence, bursting with ambition, haunted by poverty, fighting to learn, greedy for greatness. Time Magazine, loc cit. 515 Quadros cries that Brazil is a great power, if not today, then tomorrow. He shouts that he is leading a revolution, a revolt against graft and governmental inefficiency, against social and economic backwardness, against nagging Latin American feelings of inferiority before the world. Time Magazine, loc cit. 516 "This rebellion is invincible," says Quadros. "It is a state of mind, a collective spirit, a fact of life that has already filled the nation's conscience and that no one will compromise or paralyze — I will not be stopped unless by assassination." Time Magazine, loc cit. 176

o a "Marx -. não Karl, mas Harpo." Porém, o homem simples do Brasil o chama de "messias", "o salvador", "o curador de todos os nossos males." 517 Embora Quadros castigue (flog) sua nação ao longo do caminho que escolheu, outras vozes podem ser ouvidas chamando-o de "paranoico", "autocrata", "ditador". O governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, um ex-defensor de Quadros, agora é um crítico amargo, chamado-o recentemente de "o mais mutável, o mais mercurial, o mais pérfido de todos os homens que já surgiram nos assuntos públicos do Brasil".518 Uma avaliação mais sólida é a do independente jornal carioca O Globo, que escreveu no dia da posse de Jânio Quadros: "Ele não será facilmente controlado por qualquer um. Ele poderia ser um grande presidente. Ele certamente não será uma pessoa fácil."519

5.1.3 - Independência e ajuda

Uma parceria ameaçada

A revista expõe sua opinião acerca de uma velha parceria que estava sendo posta em risco. Com Quadros à frente do país, a impressão que a TIME passou foi a de que estava perdendo um aliado de guerra. Jânio, segundo TIME, é objetivo em relação às condições e à liberdade de o Brasil decidir sozinho sobre as decisões relativas ao hemisfério.

A maneira como Quadros afeta os EUA é lutando para salvar o hemisfério do comunismo, neste caso, há o choque de um velho aliado confiável que de repente quer ir sozinho. Sob líderes do passado – Getúlio Vargas, Café Filho, Juscelino Kubitschek –, o Brasil poderia ser aguardado para se alinhar firmemente com os EUA sobre qualquer problema do hemisfério.520 As tropas expedicionárias brasileiras lutaram na Segunda Guerra Mundial, foram os únicos latino-americanos que dispararam uma arma. Mas uma fiel aliança não está sendo assegurada de forma alguma por Quadros.521 Disse ele: "eu anuncio uma política de independência no exercício pleno da soberania nacional. Nenhum acordo assinado – nenhum, seja qual for – permanecerá válido ou será mantido, tão logo prove estar contrário aos interesses brasileiros.522

517 Listening to the man and watching his antics, some in the world gave him a loud raspberry. Paris' tart-tongued France-Soir compares him to "Marx — not Karl, but Harpo. " Yet Brazil's common man calls him "messiah," "the savior," "the healer of our ills." Time Magazine, loc cit. 518 As Quadros flogs his nation along his chosen path, other voices can be heard calling him "paranoiac," "autocrat," "dictator." Rio's Governor Carlos Lacerda, formerly a Quadros supporter, now a bitter critic, once termed him "the most changeable, the most mercurial, the most perfidious of all men ever to emerge in Brazil's public affairs." Time Magazine, loc cit. 519 A sounder assessment is that of Rio's independent O Globo, which wrote on Quadros' inauguration: "He will not be easily managed by anyone. He could be a great President. He certainly will not be an easy one." Idem 520 Independence & Aid. As Quadros affects the U.S., struggling to save the hemisphere from Communism, there is the shock of an old and trusted ally suddenly going it alone. Under past leaders — Getúlio Vargas, Café Filho, Juscelino Kubitschek — Brazil could be expected to line up firmly with the U.S. on any hemisphere problem. Time Magazine, loc cit. 521 Brazilian expeditionary troops fought in World War II, the only Latin Americans to fire a gun. But such faithful alliance is by no means assured under Quadros. Time Magazine, loc cit. 522 Said he: "I announce a policy of independence in full exercise of national sovereignty. No signed agreement — none whatever — will remain valid or be maintained as soon as it should prove contrary to Brazilian interests and convenience." Time Magazine, loc cit. 177

Berle

A visita de Berle foi relembrada, assim como o gesto insolente de Jânio, o qual procurava evitar aproximações calorosas com os representantes americanos:

O presidente Jânio Quadros declarou essa "independência" logo depois que ele assumiu o cargo. Demarcando sua própria Nova Fronteira, ele cumprimentou Adolf A. Berle, chefe da força tarefa Latino-Americana do Presidente Kennedy, com reserva e frieza. 523 Berle tinha voado para Brasília buscando a cooperação de Jânio Quadros, ou pelo menos a tolerância, nas tentativas dos EUA para depor Castro. "O Brasil", exclamou Quadros, "repugna intervenções em qualquer país e de qualquer forma: seja a intervenção política, a intervenção econômica ou a intervenção militar."524

Ajuda a Quadros, tentativa de aproximação amistosa

TIME voltou a informar a qualidade de recursos destinados ao Brasil e os valores que em breve seriam remetidos. Ficou clara a articulação entre ajuda financeira e compra de amizade:

Os EUA procuraram superar toda a frieza. Bem consciente de que o Brasil estava com US $ 176 milhões atrasados em seus pagamentos da dívida externa (uma dívida herdada da irresponsável construção inflacionária do predecessor Kubitschek), os EUA ofereceram de imediato um empréstimo de 100 milhões dólares para ajudar Quadros pelos seus primeiros 90 dias. 525 Ele recusou e enviou delegações para atrás da Cortina de Ferro em busca de comércio. Ele estabeleceu relações diplomáticas com as ‘vermelhas’ Romênia, Bulgária, Albânia e Hungria, falou sobre o fim da proibição por 14 anos das relações com a Rússia.526 Ele nomeou uma comissão para considerar o fechamento da embaixada da China Nacionalista ("a ilha") em favor da China ("Como pode a realidade de 600 milhões de chineses ser ignorada?"), E anunciou que o Brasil vai votar na discussão sobre a admissão da China Vermelha para a ONU em setembro. 527 No final, os EUA conseguiram o apoio de Quadros com a maior efusão de ajuda já derramada sobre uma nação latino-americana. Engolindo a ruidosa explosão de “independência, os EUA enviaram o secretário do Tesouro C. Douglas Dillon que voou para o sul de Brasília para apresentar a Quadros a solícita ajuda dos EUA de 943 milhões dólares de um pacote de ajuda de 1,3 bilhões dólares para o mundo livre. Empréstimos antigos foram prorrogados,

523 President Quadros asserted this "independence" soon after he took office. Staking out his own New Frontier, he greeted Adolf A. Berle, chief of President Kennedy's Latin American task force, with icy reserve. Time Magazine, loc cit. 524 Berle had flown to Brasilia seeking Quadros' cooperation, or at least forbearance, in U.S. attempts to depose Castro. "Brazil," snapped Quadros, "repugns intervention in any nation and in any form: political intervention, economic intervention, military intervention." Time Magazine, loc cit. 525 The U.S. sought to thaw some of the ice. Well aware that Brazil was $176 million in arrears on its foreign- debt payments (a debt inherited from the inflationary building spree of Predecessor Kubitschek), the U.S. offered an immediate $100 million loan to help Quadros through his first 90 days. Time Magazine, loc cit. 526 He turned it down and sent delegations behind the Iron Curtain in search of trade. He established diplomatic relations with Red Rumania, Bulgaria, Albania and Hungary, talked of ending the 14-year ban on relations with Russia. Time Magazine, loc cit. 527 He named a commission to consider closing the embassy of Nationalist China ("that island") in favor of one from Red China ("How can the reality of 600 million Chinese be ignored?"), and announced that Brazil will vote for debate on admission of Red China to the U.N. this September. Time Magazine, loc cit. 178

novos empréstimos foram concedidos. “Isto não passa”, diz um funcionário do Departamento de Estado, “de uma aposta maldita."528

5.1.4 - Instinct & Record O outro lado do poder

Nem todas as críticas eram destrutivas, mas também não eram muitos os elogios. Neste trecho, alguns dados que agradavam TIME foram publicados. Na verdade, a revista ressaltou alguns elementos da qualidade de Jânio como gestor:

Para assegurar o seu dinheiro, os Estados Unidos estão atentos às afirmações do presidente Quadros, ou seja, de que “nós no Ocidente estamos comprometidos com a formação do nosso instinto cristão e democrático”. 529 Em seu brilhante currículo, ele também é tido como o campeão da liberdade individual e da livre iniciativa, primeiro como o homem que ajudou a tornar a cidade de São Paulo um dos grandes complexos industriais do mundo, mais tarde, como governador que colocou todo o estado de São Paulo em franca expansão.530

A força do Brasil e o interesse americano

O reconhecimento da importância estratégica econômica e política do Brasil diante do continente e, principalmente, dos EUA foi lembrado. O interesse norte-americano pelo Brasil era claro.

Em qualquer situação, não há muita escolha. Com o objetivo de reconstruir o prestígio e a influência dos EUA depois de caso de Cuba, um lugar óbvio para começar é o Brasil, que a maioria dos especialistas consideram como a nação-chave na América Latina. 531 Um forte e saudável Brasil não garante a democracia na América Latina, mas é certo que se o Brasil não fizer isso, poucas nações o farão. Diz Hernane Tavares de Sá532, ex-editor de uma das mais importantes revistas do Brasil, que agora serve como chefe de Informação das Nações Unidas. "Se os EUA perderem a Guatemala, a Costa Rica e a ilha de Cuba, nada de tão importante acontecerá, mas se vocês perderem o Brasil, vocês perdem o equilíbrio do poder na

528 In the end, the U.S. found itself supporting Quadros with the greatest outpouring of aid ever lavished on a Latin American nation. Swallowing the noisily "independent" outbursts, the U.S. sent Treasury Secretary C. Douglas Dillon winging south to Brasilia to present a willing Quadros with the U.S. Government's $943 million share of a $1.3 billion free-world aid package. Old loans were stretched out, new loans were granted. It is, says one top State Department official, "a damned good bet." Time Magazine, loc cit. 529 Instinct & Record. To back its money, the U.S. has Quadros' oft-repeated statement that basically "we are bound to the West by Christian formation and democratic instinct." Time Magazine, loc cit. 530 It also has his bright record as a champion of individual liberty and free enterprise, first as the man who helped build the city of São Paulo into one of the world's great industrial complexes, later as governor of the entire booming São Paulo state. Time Magazine, loc cit. 531 In any event, there is little choice. In the drive to rebuild U.S. prestige and influence after Cuba, an obvious place to start is Brazil, which most experts regard as the key nation in Latin America. Time Magazine, loc cit. 532 Ex-Diretor da Revista Visão 179

América Latina.''533

O problema do campo:as Ligas Camponesas

No próximo trecho, a TIME fez referência às Ligas Camponesas. As manifestações no campo chamavam muito a atenção da revista, pois para ela tratava-se de reflexos do comunismo, algo que fugia ao controle dos líderes nacionais. O exemplo cubano era a referência.

Jânio Quadros compreende isso muito bem. "Senão fizermos reformas revolucionárias'', alertou seus ministros, “algum dia – em alguma serra desconhecida – alguns desconhecidos, tais como Fidel Castro, alcançarão o Brasil." O fogo já está ardendo na maldita região seca do nordeste onde as Ligas Camponesas de Fidel Castro e seu discípulo, Francisco Julião, atacam fazendas e causam motins pelas cidades onde passam. 534 O elemento central para que as Ligas se multipliquem ou desapareçam depende se Jânio saberá fazer uso dos fantásticos recursos naturais do Brasil para acabar com a miséria que aflige sua explosiva população. Metade dos 67 milhões de brasileiros (que serão 200 milhões até o ano 2000) ainda sofre de desnutrição crônica, metade está descalça e mais da metade é formada por analfabetos. 535

Diagnóstico

TIME traçou um breve diagnóstico do Brasil daquele contexto e ficou clara a ideia de que o desenvolvimento social andava paralelo às manifestações comunistas:

Apenas uma em cada três crianças vai à escola, uma em cada seis chega ao colégio536. A falta de iodo na dieta provoca bócio537, em um a cada seis brasileiros; um em cada três hospedam ancilostomídeos intestinais. Em algumas áreas do sertão,

533 A strong, healthy Brazil does not guarantee democracy in Latin America, but it is certain that if Brazil does not make it, few other nations will. Says Hernane Tavares de Sá, ex-editor of Brazil's leading news magazine, who now serves as U.N. Public Information chief: "If the U.S. loses Guatemala, Costa Rica and the island of Cuba, nothing very much happens. But if you lose Brazil, you lose the balance of power in Latin America.'' Time Magazine, loc cit. 534 Jânio Quadros understands this well. "Unless we make revolutionary reforms,'' he warned his Cabinet ministers, ''some day — in some unknown serra — some unknown Fidel Castro will rise up in Brazil." The fires already burn in the drought-blasted northeastern states where the Peasant Leagues of Castro Disciple Francisco Julião attack plantations and riot in the cities. Time Magazine, loc cit. 535 Whether the leagues spread or die out depends on whether Quadros can use Brazil's fantastic natural resources (see box) to end the misery that afflicts its exploding population. Half of Brazil's 67 million people (to be 200 million by the year 2000) still suffer from chronic malnutrition; half are barefoot; more than half are illiterate. Time Magazine, loc cit. 536 Hoje Ensino Médio 537 Bócio é o termo que caracteriza o aumento de volume da glândula tireoidea. Por tal motivo, verifica-se um inchamento característico ou a formação de nódulos na região do pescoço de seus portadores. Tal fato faz com que o indivíduo tenha dificuldades para respirar e deglutir, além de tossir mais frequentemente (...) O bócio decorrente da falta de iodo é registrado desde os tempos mais antigos, antes de Cristo, principalmente em regiões montanhosas e mais afastadas do mar. Atualmente, ocorre com menor frequência em razão da obrigatoriedade da adição de iodo no sal de cozinha. (conforme site: http://www.brasilescola.com/doencas/bocio.htm acessado em 03/02/2013) 180

muitos bebês morrem antes de completar um ano de idade. A média de vida no Brasil é de 46 anos, contra 69,4 nos EUA.538 A esperança de uma vida melhor está nos passos bem-sucedidos que o Brasil já fez em direção ao desenvolvimento. Na última década, o crescimento industrial do Brasil tem sido impressionante. 539 Cinco anos atrás, o Brasil não tinha indústria automobilística, agora produz 180 mil veículos por ano – além de 110 mil máquinas de lavar, 150.000 aparelhos de televisão, 500.000 rádios, 350.000 máquinas de costura, 300.000 geladeiras, 120.000 condicionadores de ar.540 Parte dessas conquistas pertence ao ex-presidente Kubitschek, que à custa de uma furiosa inflação voltou seus olhos para o interior do Brasil e construiu uma nova capital a 600 milhas da costa. Mas o coração do Brasil bate mais rápido em São Paulo, onde os EUA investiram sozinhos $ 1 bilhão.541

5.1.5 - UM JOVEM JÁ VELHO

Com esse subtítulo no corpo da reportagem, TIME realizou uma biografia não autorizada de Jânio Quadros. Abaixo apresentamos na íntegra sua tradução:

Infância. Quando Quadros diz: "Eu não sou plutocrata", ele está certo de seu significado. Ele nasceu e foi criado dentro dos costumes católicos na pequena cidade de Campo Grande, no Mato Grosso, que era então a fronteira selvagem do oeste brasileiro. 542Sua casa era um quarto alugado em uma barbearia, onde sua mãe, Leonor da Silva Quadros, filha de um pequeno pecuarista imigrante argentino, tentou sustentar a casa, e onde seu pai, um farmacêutico chamado Gabriel, deu uma vida miserável para os dois. 543 Gabriel, diz um dos amigos próximos de Jânio Quadros, era anormal – um verdadeiro vilão com uma mania por mulheres, mostrando uma agressividade constante contra o seu filho e sua esposa. Perseguida por cobradores, a família passou rapidamente de cidade em cidade, até que aos 16 anos Jânio foi finalmente autorizado a se estabelecer em São Paulo. 544

Juventude estudantil. Ele fez o curso de um ano em educação, dava aulas na outra parte do tempo (ganhava 12 centavos de dólar por hora), e estava matriculado em

538 Only one out of three children goes to school at all; one out of six gets to high school. Lack of iodine in diet causes goiter in every sixth Brazilian; one out of three hosts intestinal hookworms. In some backland areas, every other baby dies before it is one year old. Brazil's average life span: 46, v. 69.4 in the U.S. Time Magazine, loc cit. 539The hope for a better life lies in the successful strides that Brazil has already made toward development. In the past decade, Brazil's industrial growth has been staggering. Time Magazine, loc cit. 540 Five years ago, Brazil had no auto industry; now it produces 180,000 vehicles a year — plus 110,000 washing machines, 150,000 television sets, 500,000 radios, 350,000 sewing machines, 300,000 refrigerators, 120,000 air conditioners. Time Magazine, loc cit. 541 Much credit belongs to ex-President Kubitschek, who at the cost of raging inflation turned Brazilian eyes inland by building the new capital 600 miles from the coast. But the heart of Brazil beats fastest in São Paulo, where U.S. investment alone tops $1 billion. Time Magazine, loc cit. 542 "A Youth Already Old." When Quadros says, "I am no plutocrat," he means it. He was born and raised a Roman Catholic in the tiny Mato Grosso town of Campo Grande on what was then the woolly fringe of Brazil's wild western frontier. Time Magazine, loc cit. 543 His home was a rented room over a barbershop, where his mother, Leonor da Silva Quadros, the daughter of a small-time immigrant Argentine cattleman, tried to keep house, and where his pharmacist father, Gabriel, made life miserable for them both. Time Magazine, loc cit. 544 Gabriel, says one of Quadros' close friends, "was abnormal — a real villain with a mania for women, displaying constant aggressiveness toward his son and wife." Pursued by bill collectors, the family flitted from town to town, until at 16 Jânio was finally allowed to settle in São Paulo. Idem 181

Direito na altamente respeitada USP.545 Os anos na faculdade Direito não foram marcados por nenhuma grande distinção, muito menos uma grande popularidade, mas por um acidente. Enquanto brincava no pré-desfile de carnaval, Quadros ficou quase cego por um frasco colorido de éter que explodiu e que os felizes brasileiros lançavam a sua volta como parte da diversão. 546 Quando o curativo saiu, seu olho esquerdo estava enviesado em cerca de 20°. Ele meditou por meses, escrevendo uma amarga e apaixonada poesia sobre o destino do Brasil, segundo ele mesmo:547

Não me falam de sofrimento! Eu sinto isso no meu peito. Quando o sol se põe longe Murmuro em silêncio o coração partido. Eu sou um jovem já velho.548

Carreira de Advogado. Quadros se formou em total obscuridade. Ele alugou metade de um escritório de 3m x 4m no centro, e iniciou sua carreira inspirado na vida de Abraham Lincoln, atendendo lojistas ocasionais e vigaristas mesquinhos que procuravam seus serviços. 549

Casamento. Ele começou a compartilhar seus sonhos de um dia tornar-se alguém com a linda Eloá do Valle, filha de um dos amigos de seu pai farmacêutico, casou-se com ela em 1941, após dois anos de namoro. "Ele era", relata ela, "o homem mais feio que eu já conheci."550

Início da carreira política. O tribunal não deu muito crédito para um sujeito magro, com um olhar engraçado. Em 1945, quando o ditador Getúlio Vargas caiu, outro caminho lhe foi apresentado: a política, onde a aparência excêntrica, por vezes, pode ser uma vantagem. 551 "Quando ele teve a ideia, eu fiquei muito hesitante", diz Eloá. Em sua primeira eleição, em 1947, ele foi o 47º na lista de candidatos para os 45 assentos da assembleia da cidade de São Paulo. Só quando o Partido Comunista foi declarado ilegal e 14 dos vencedores foram eliminados, Quadros tinha conseguido um lugar.552

Comícios."Deixe-os assistir." De repente suas raivas e frustrações reprimidas pareciam explodir. Como um galo de briga, Quadros voou sobre a máquina do

545 He took a year's course in education, started teaching part time (for 12¢ per hour), and enrolled in São Paulo's highly respected School of Law. 546 The law-school years were marked by neither great distinction nor great popularity, but by an accident. While whooping it up at a pre-Lenten carnival parade, Quadros was nearly blinded by an exploding bottle of colored ether that Brazilians happily spray around as part of the fun. Idem 547 When the bandage came off, his left eye was canted out about 20°. He brooded for months, turning out tortured poetry about love, Brazil's destiny, himself: idem 548 Don't speak to me of suffering! I feel it in my breast. When the sun sinks away I murmur in brokenhearted silence. I am a youth already old. 549 Quadros graduated into total obscurity. He took half of a 12-ft. by 15-ft. downtown office, read his way through the life of Abraham Lincoln between the occasional shopkeepers and petty crooks who sought his services. Idem 550 He began sharing his dreams of someday becoming somebody with pretty Eloá do Valle, the daughter of one of his father's druggist friends, married her in 1941 after two years of courtship. "He was," she reports, "the ugliest man I ever met." Idem 551 The courtroom did not hold much future for a scrawny fellow with a funny eye. In 1945, when Dictator Getúlio Vargas fell, another way presented itself: politics, where offbeat appearance can sometimes be an advantage. Idem 552 "When he first got the idea, I was very dubious," Eloá says. In his first race, in 1947, he fetched up 47th on the list of candidates for 45 São Paulo city council seats. Only when the Communist Party was outlawed and 14 of the winners were eliminated did Quadros get a seat. Idem 182

governador de São Paulo. Quadros correu ao redor da cidade para ouvir os protestos dos cidadãos em comícios, um amarrotado reformador com a barba por fazer, que chupava laranjas nos palanques e prometendo prender os ratos.553 Num primeiro momento, o povo saudou-o como "o Lincoln louco do Mato Grosso." Neste meio tempo, um louco partiu em sua direção e deu-lhe um soco na boca, no exato momento em que Jânio estava falando contra um projeto de lei. 554 Em meio ao tumulto, o orador ordenou que a tribuna fosse examinada. "Não, não!", gritou Quadros, com o sangue escorrendo de seus lábios. "Deixem o povo ficar! Deixe-os ver!". Em 1950, Quadros ganhou a maioria dos votos de todos os 900 candidatos para a assembleia estadual. 555

Relações com os comunistas. Em sua corrida desenfreada, Quadros não aceitou ajuda de ninguém, principalmente dos comunistas, que o consideravam um "inocente útil". Mas Quadros se vangloria, "Eles não estão me usando – Sou eu quem está usando-os". A aliança acabou em 1952, quando os Vermelhos exigiram o controle de departamentos-chave como o seu preço para o apoio na eleição para prefeito de São Paulo. 556 Quadros recusou. Em sua ira, os comunistas tentaram fixar epítetos capitalistas em Quadros, tais como "Wall Street fantoche" e "o candidato Esso", fizeram o que puderam – como eles sempre fazem em todas as eleições, desde então – para derrotá-lo. 557

Trajes e trejeitos. Quadros tomou as ruas, ostentando o que possuía, apenas um par de sapatos ("Por que alguém com apenas um par de pés precisa mais do que um par de sapatos?"). Defendeu uma plataforma de honestidade e diligência, venceu com a mais expressiva maioria na história de São Paulo.558

Perfil do gestor público. Como prefeito, Jânio Quadros herdou uma cidade com exatamente 2.212 dólares no banco, $ 12,5 milhões em contas não pagas, e um déficit orçamentário de $ 6.000.000 para 1952. Ele demitiu 10% de todos os funcionários, cortou gastos desnecessários, concluiu processos políticos, iniciou 200 investigações de corrupção.559 Do lado de fora de seu escritório, ele pendurou uma placa: "Sr. Jânio Quadros não oferece empregos na cidade. Por favor, não perca seu tempo e não insista." Ele vendeu a frota da cidade composta de 40 limusines (que foram adquiridas por agentes funerários de São Paulo), pausas para o café foram

553 "Let Them Watch." All at once his pent-up rages and frustrations seemed to burst out. Like a banty rooster, Quadros flew at the graft-feathered machine of São Paulo's Governor. Quadros raced around the city listening to citizens' protests and holding rallies, a rumpled, stubble-chinned reformer who sucked oranges on the platform and waved a caged rat. Idem 554 At first, the machine kissed him off as "the mad Lincoln from Mato Grosso." But soon he had everybody so mad that one politico rushed up and punched him in the mouth while he was speaking against a giveaway bill. Idem 555 Amid the uproar, the speaker ordered the galleries cleared. "No! No!" shouted Quadros, blood streaming from his lips. "Let the people stay! Let them watch!" By 1950, Quadros won the most votes of all 900 candidates for the state assembly. Idem 556 In his headlong rush, Quadros accepted help from anyone, including the Communists, who considered him a "useful innocent." But Quadros bragged, "They're not using me — I'm using them." The alliance ended in 1952 when the Reds demanded control of key departments as their price for support in São Paulo's mayoralty election. Idem 557 Quadros turned them down. In their wrath, the Communists tried to tie a capitalist can to Quadros with such epithets as "Wall Street stooge" and "the Esso candidate," did their best — as they have in every election since — to defeat him. Idem 558 Quadros took to the streets, boasting that he owned only one pair of shoes ("Why should any man with only one pair of feet need more than one pair of shoes?"), ran on a platform of honesty and industry, won by the greatest majority in the history of São Paulo. Idem 559 As mayor, Quadros inherited a city with exactly $2,212 in the bank, $12.5 million in unpaid bills, and a budget deficit of $6,000,000 for 1952. He fired 10% of all functionaries, cut nonessential spending, ended political payoffs, started 200 corruption investigations. Time Magazine, loc.cit. 183

proibidas – na capital mundial do café. 560 "Se eu der um dedo", disse ele, "eu perco um braço." Dentro de um ano ele havia equilibrado o orçamento de US$ 55 milhões e iniciou uma série de obras públicas – estradas, adutoras, linhas elétricas, clínicas. Conforme a indústria fluía, Jânio marchou para o Palácio do governador 21 meses mais tarde.561

Lincoln & os americanos. Antes de assumir o cargo de governador, em 1955, Quadros fez sua primeira viagem para fora da América Latina, um passeio de férias para a Europa e para os EUA, com Eloá e sua filha Tutu. 562 Na Europa, ele se apaixonou por Londres ("cidade do homem"). Os EUA não foram tão cativantes. No Aeroporto Idlewild de Nova York teve uma discussão de duas horas sobre um certificado de vacinação perdido; detestou o amargo frio de Manhattan, em janeiro, apesar de todos os amigos americanos, dentre eles Nelson Rockefeller, fizeram o possível para descongelá-lo.563 Ele foi a Washington para prestar homenagens ao Memorial de Lincoln, foi ignorado pela burocracia norte-americana. "Lincoln", disse Quadros mais tarde, "foi um dos maiores homens da história, mas os americanos não são como ele. Ele era uma exceção solitária."564

O governo do Estado de São Paulo. De volta para casa, Quadros aplicou sua incendiária fórmula de cortes com tal vigor que, em 1958, São Paulo estava limpo, ou quase isso. "Alguns ratos ainda podem mordiscar em volta, mas eu já preparei armadilhas para eles", disse ele.565 Em seguida, começou o programa de desenvolvimento mais sólido da história do Brasil. Quadros praticamente triplicou as rodovias pavimentadas de São Paulo. Ele instalou 1.710 milhas de linhas de transmissão de alta tensão, lançou um programa de alimentação de energia que incluiu um projeto de hidrelétrica maior do que Dam Egito Aswan – 4.900.000 KW. Inicialmente, igual à capacidade total do Brasil no ano passado. 566 O crescimento – a maior propaganda pessoal de Jânio Quadros – se provou tão atraente para o capital estrangeiro que o Estado atraiu 75% de todos os novos investimentos destinados ao Brasil. Pouco antes de seu mandato terminar, em 1959, ele quase de improviso ganhou um assento de deputado federal e ficou pronto para disputar a presidência.567

560 In his outer office he hung a sign: "Sr. Jânio Quadros does not provide city jobs. Please don't waste your time and his insisting." He sold off the city fleet of 40 limousines (São Paulo's morticians snapped them up), even banned coffee breaks — in the coffee capital of the world. Time Magazine, loc.cit. 561 "If I give a finger," he said, "I lose an arm." Within a year he had balanced the $55 million budget and started building — highways, water mains, electric lines, clinics. As industry flowed in, Jânio stepped up to the governor's mansion 21 months later. Time Magazine, loc.cit. 562 Lincoln & the Americans. Before taking over the governorship in 1955, Quadros made his first trip outside Latin America, a holiday jaunt to Europe and the U.S. with Eloá and his daughter Tutu. Time Magazine, loc.cit. 563 In Europe, he fell in love with London ("a man's town"). The U.S. was not so endearing. At New York's Idlewild Airport he had a raging two-hour argument over a lost vaccination certificate; he detested Manhattan's bitter January cold, despite all that U.S. friends such as Nelson Rockefeller could do to thaw him out. Time Magazine, loc.cit. 564 He went to Washington to pay homage at the Lincoln Memorial, was ignored by U.S. officialdom. "Lincoln," said Quadros later, "was one of history's greatest men, but Americans are not like him. He was a lonely exception." Time Magazine, loc.cit. 565 Back home, Quadros applied his fire-and-cut formula for reform with such vigor that by 1958, São Paulo state was clean, or nearly so. "Some rats might still be nibbling around, but I've set out traps for them," he said. Time Magazine, loc.cit. 566 Then began the soundest development program in Brazil's history. Quadros nearly tripled São Paulo's paved highway network. He put up 1,710 miles of high-tension transmission lines, launched a power program that includes a hydroelectric project bigger than Egypt's Aswan Dam — 4,900,000 kw. initially, equal to Brazil's entire capacity last year. Time Magazine, loc.cit. 567 The growth — plus Quadros' personal salesmanship — proved so attractive to foreign capital that the state drew 75% of all the new investment coming into Brazil. Just before his term ended in 1959, he almost offhandedly won a federal Deputy's seat and got ready to run for the presidency. Time Magazine, loc. cit. 184

5.1.6 - Slow Boat to Brasília Kubitschek

Apesar do curto tempo no governo, as críticas ao antecessor reapareciam de forma periódica nas reportagens. Não foi diferente nesta edição. Um dos elementos que mais teve destaque no embate Quadros-Kubitschek se refere ao fato de Jânio combater a tentativa de reeleição de Juscelino:

A campanha de Jânio Quadros foi uma obra-prima da política não ortodoxa. Viajando para o Rio, ele primeiro transmitiu a Kubitschek um aviso cara a cara para não tentar os truques para se perpetuar no poder.568 "Não mude as regras do jogo", disse Quadros. "Ouça o clamor do povo por eleições limpas, justas e honestas." Depois ele desapareceu em um tranquilo barco rumo ao Japão, adicionando novos pontos de leste a oeste, para transformar o Jânio reformador doméstico em Jânio figura-mundo.569 Enquanto Kubitschek lutou com uma inflação zunindo e credores estrangeiros reclamando, Quadros posava lado a lado com Hirohito, com Nehru, com Ben-Gurion, com o Papa João XXIII, com Tito, com Khrushchev, com praticamente todo mundo, exceto o presidente Eisenhower. Jânio disse sabiamente em seu retorno: "De longe, eu fiquei convencido mais do que nunca de que Deus Todo-Poderoso nos destinou para nos tornarmos um grande povo."570 A técnica política de Jânio Quadros foi magistral. Por trás do slogan "Jânio vem aí", ele correu contra o candidato que Kubitschek escolheu a dedo, o Marechal da voz estridente, Henrique Teixeira Lott.571

Independência

TIME fazia referência ao antiamericanismo de Jânio ao citar o desconforto que sentia ao ser tratado como “fantoche dos yankees”. A viagem a Cuba foi relembrada. Do mesmo modo, ao mesmo tempo em que odiava os Estados Unidos, ele era odiado pelos comunistas. Essa intrigante ambiguidade chamou a atenção de revista na maioria das reportagens sobre Jânio.

Para provar aos brasileiros que ele não era um fantoche dos yankees, ele fez uma

568 Slow Boat to Brasília. Quadros' campaign was a masterpiece of unorthodox politics. Traveling to Rio, he first handed Kubitschek a face-to-face warning not to pull any tricks to perpetuate himself in office.* Time Magazine, loc. cit 569 "Do not change the rules of the game," said Quadros. "Listen to the people's cry for clean, just and honest elections." Then he vanished on a slow boat to Japan, plus points east and west, to transform Jânio the domestic reformer into Jânio the world figure. Time Magazine, loc. cit 570 While Kubitschek struggled with zooming inflation and dunning foreign creditors, there was Quadros posing head to head with Hirohito, with Nehru, with Ben-Gurion, with Pope John XXIII, with Tito, with Khrushchev, with just about everyone, in fact, but President Eisenhower. Said Jânio sagely on his return: "From a distance I became more convinced than ever that Almighty God destined us to become a great people." Time Magazine, loc. cit 571 Quadros' political technique was masterful. Behind the slogan "Here Comes Jânio" he ran against Kubitschek's hand-picked candidate, piping-voiced Field Marshal Henrique Teixeira Lott. Time Magazine, loc. cit 185

viagem em meio a sua campanha para Cuba e, de lá, voltou com uma declaração deslavada, disse que “acusar o governo de Castro, que exibe absoluto respeito à lei e à propriedade, de comunismo é revelar ignorância e má-fé'' 572 Jânio já tinha provas de que ele não era um fantoche comunista: os comunistas brasileiros vomitaram seu ódio por ele e apoiaram abertamente Lott. Todos se lembraram das velhas extravagâncias de Quadros, mas ele entendeu que os brasileiros exigiam uma dignidade de seu Presidente que prefeitos e governadores não precisavam ter – e estabeleceu que manterá seu cabelo penteado, seus ternos bem passados e seus discursos sem ataques pessoais a Lott.573

UDN

As articulações e estratégias políticas foram tratadas no trecho seguinte. A UDN está presente. O resultado das eleições foi relembrado e, do mesmo modo, o famoso desaparecimento de Jânio antes da posse em 1961.

Logo no início da campanha, Jânio encenou uma manobra espetacular. Para obter a nomeação da poderosa União Democrática Nacional (UDN), ele já havia concordado em aceitar o candidato a vice da UDN como seu companheiro de chapa. 574 De repente, ele rejeitou o candidato da UDN e retirou-se da corrida. A confusão reinou: alguns oficiais do exército e da força aérea tentaram um golpe de Estado como forma de forçá-lo a reconsiderar.575 O candidato à vice-presidência recuou e a U.D.N. concordou em compartilhar Quadros com outros partidos e, finalmente, Quadros anunciou: "Vocês me convenceram a voltar". Ele voltou – livre de todos os compromissos do partido.576 Os resultados fizeram a história política. Quadros acumulou 5.500.000 votos, 1.700.000 a mais que Lott, e bem próximo de uma maioria absoluta (48%) na multipartidária história do Brasil. Em seguida, ele viajou para Londres para fazer uma cirurgia de correção no olho e que teria sido denunciado como uma tola vaidade durante a campanha, mas foi reconhecido como necessária ao presidente de uma nação orgulhosa.577 Ele ficou afastado 12 semanas, foi tanto tempo que os brasileiros acabaram criando seu próprio slogan: "Onde está o Jânio?". Mas quando ele voltou, apenas 11 dias antes da posse, ele estava pronto para a ação, com um imponente gabinete formado pelos melhores administradores

572 To prove to Brazilians that he was no Yankee stooge, he made a mid-campaign trip to Cuba; from there he returned with the bald-faced statement that "to accuse Castro's government, which displays absolute respect for law and propriety, of Communism is to reveal ignorance and bad faith.'' Time Magazine, loc. cit. 573 He already had proof that he was no Communist puppet: the Brazilian Reds spewed out their hatred of him and openly supported Lott. Everyone remembered Quadros' oldtime flamboyance, but he understood that Brazilians demand a dignity in their President that mayors and governors need not have — and he established that by keeping his hair combed, his suits pressed, his speeches free of personal attacks on Lott. Time Magazine, loc. cit. 574 Early in the campaign, Quadros staged a spectacular maneuver. To get the nomination of the powerful National Democratic Union (U.D.N.), he had earlier agreed to accept the U.D.N. vice presidential candidate as his running mate. Time Magazine, loc. cit. 575 Suddenly he rejected the U.D.N.'s man and withdrew from the race. Confusion reigned: a few hair-trigger army and air force officers tried to stage a coup as a means of forcing him to reconsider. Time Magazine, loc. cit. 576 The Veep candidate resigned, the U.D.N. agreed to share Quadros with other parties, and finally Quadros announced: "You have defeated me. I return." Return he did — free of all party commitments. Time Magazine, loc. cit. 577 The results made political history. Quadros piled up 5,500,000 votes. 1,700,000 more than Lott, closest to an absolute majority (48%) in Brazil's multipartied history. Then he traveled to London for the eye-straightening operation that would have been denounced as silly vanity during the campaign, but was accepted as necessary for the President of a proud nation. Time Magazine, loc. cit. 186

do Brasil.578

5.1.7 - Economia começa em casa Arrumando a casa

O moralizador era outro traço que chamou a atenção de TIME. A operação limpeza, que faria com sua vassoura, ficou clara para TIME, como demonstra o trecho seguinte:

"Eu estou indo empunhar a vassoura", prometeu na noite de sua posse, "pela alça." Do modo como Kubitschek fez do palácio uma casa aberta, Quadros fez dele um quartel da Marinha.579 Ele jogou o mobiliário de luxo Kubitschek para fora dos escritórios executivos, despediu o extraordinário chefe de cozinha (ele prefere arroz, carne e feijão), devolveu o piano de $ 8.000 de Kubitschek. "Economia", disse ele, "começa em casa"580. Os assessores já não andavam, eles corriam. Cadeados lacravam as portas presidenciais, e sinais luminosos vermelhos e verdes informavam quando os ministros podiam bater, e quando podiam aguardar. Nas salas, os guardas apareceram carregando suas metralhadoras. "Este lugar me dá arrepios agora", queixou-se um repórter do palácio. "É como Kafka."581

Nepotismos ou favorecimentos foram registrados, todavia, com esses exemplos, ficava muito claro para o leitor americano que o Brasil estava em péssimas mãos, o fator meritocrático parecia inexistir:

Foi também parecido em São Paulo – numa escala ainda maior. Amigos que buscavam autopromoção logo perceberam o erro que estavam cometendo. "Mas afinal de contas, senhor presidente", disse um político antigo, "onde está o meu lugar no seu governo?". 582 Quadros respondeu, colocando a mão sobre o peito: "Seu lugar é aqui, no meu coração". Quadros encontrou um lugar estratégico para Carlos Castello Branco, um repórter político que ele atormentou por mais de duas horas especulando sobre as fragilidades de 30 importantes políticos. "Castello, você tem uma língua suja", disse Jânio após o desabafo. No dia seguinte, ele o contratou como

578 He stayed away twelve weeks, so long that Brazilians coined their own slogan: "Where's Jânio?" But when he returned, only eleven days before inauguration, he was ready for action, complete with an imposing Cabinet of Brazil's best planners. Time Magazine, loc. cit. 579 Economy Begins at Home. "I am going to wield the broom," he promised on inauguration night, "by the handle." Where Kubitschek ran his palace like an open house. Quadros ran it like a Marine barracks. Time Magazine, loc. cit. 580 He tossed Kubitschek's luxurious furnishings out of the executive offices, fired the fancy chef (he prefers beef, rice and beans), returned Kubitschek's $8,000 grand piano. "Economy," he said, "begins at home." Time Magazine, loc. cit. 581 Aides no longer walked; they ran. Locks barred the presidential doors, and red and green traffic lights informed ministers when to knock, when to wait. In the halls, guards appeared, toting their submachine guns. "This place gives me the creeps now," complained a palace reporter. "It's like Kafka." Time Magazine, loc. cit. 582 It was also like São Paulo — on a giant scale. Loyal supporters seeking patronage soon discovered their mistake. "But after all, Mr. President," said one old politico, "where is my place in your government?" Replied Quadros, placing his hand on his breast: "Your place is here, in my heart." Time Magazine, loc. cit. 187

seu chefe de imprensa.583

Administrando as finanças

O lado liberal de Jânio apareceu ao lado do bom gestor de recursos. Por um lado, o risco com a empresa capitalista instalada no país estava contido, do mesmo modo havia uma esperança de segurança com o recurso investido, pois Jânio iria saber geri-los. Mas as suas qualidades também podem ser colocadas contra os EUA, pois, do mesmo modo que pôde administrar recursos capitalistas, ela também pôde gerir recursos do mundo comunista.

Os familiares cortes salariais e as investigações de corrupção postas sob a mesa de Jânio Quadros se juntaram com algumas medidas drásticas para libertar o Brasil de uma economia inflacionária. Ele praticamente eliminou as taxas de câmbio manipuladas pelo governo que subsidiavam as importações de trigo, petróleo e papel – uma dolorosa e longa reforma aconselhada pelo Fundo Monetário Internacional. 584 Ele recebeu o capital estrangeiro de braços abertos, cedeu à Western Union um contrato (sob os protestos nacionalistas) para a criação de um novo sistema de comunicações para o Brasil, permitiu à Ford que seguisse em frente com sua nova fábrica de tratores, enquanto recusou um acordo com uma empresa tcheca de tratores.585 Ele também gasta, mas com cautela. Quando um governador de um estado lhe pediu US$ 400.000 para um projeto de pesca, Quadros prometeu US$ 80.000. "Eu fui um autogovernador, Sua Excelência, e eu compreendo. Mas eu não quero sair daqui com a minha carteira vazia."586

Sozinho

Um novo traço se junta ao perfil do gestor, a do “administrador solitário”. Antes sozinho do que mal acompanhado, a citação parece se encaixar ao presidente. Tal atitude traz novas evidências quanto à problemática característica dos parlamentares brasileiros. Não era possível trabalhar em conjunto. Outro gesto de Jânio, destacado abaixo, diz respeito ao perfil autoritário, seria uma brecha para o surgimento de um ditador?

Administrando o país praticamente sozinho ("Eu sou um homem sozinho"), ele

583 Quadros found a more practical place for Carlos Castello Branco, a political reporter whom he grilled for more than two hours on the frailties of 30 top politicians. "Castello, you have a dirty tongue," said Jânio after the grilling. Next day, he hired him as his press chief. Time Magazine, loc. cit. 584 The familiar pay cuts and graft investigations poured from Quadros' desk along with some sharp measures to free Brazil's inflation-tied economy. He virtually eliminated the government-rigged exchange rates that subsidized imports of oil, wheat and paper — a painful reform long advised by the International Monetary Fund. Time Magazine, loc. cit. 585 He welcomed foreign capital with open arms, gave Western Union a contract (over nationalist protests) to set up a new communications system for Brazil, gave Ford the go-ahead for a new tractor plant, while turning down a Czech tractor deal. Time Magazine, loc. cit. 586 He spent, too, with caution. When a state governor begged $400,000 for a fisheries project, Quadros promised $80,000. "I was a governor myself, your excellency, and I sympathize. But I don't want to leave here with my wallet emptied." Time Magazine, loc. cit. 188

instalou um sistema de comunicação Telex ao lado de sua mesa.587 Uma vez, bem no início do mandato, ele transmitiu um telex para a sala de um ministro: "O Presidente está esperando por você desde às 7h00 da manhã. Eu gostaria de saber quando pretende chegar." 588 Um dos assessores desse ministro digitou-lhe: "Colega, o ministro vai chegar quando ele chegar." O chefe do Executivo rebate-lhe: "Este colega aqui é o Presidente. Diga ao ministro que eu quero vê-lo imediatamente. J. Quadros..."589 Diariamente, um fluxo constante de delegações conseguiu o sinal verde para se reunir com o Presidente e ouvir os seus planos para o Brasil. 590

Uma audiência com Quadros

Um fato curioso chamou a atenção da revista, a maneira como Jânio realizava suas audiências, neste caso, o trecho seguinte ilustra a maneira como Quadros recepcionava as lideranças:

Um grupo de líderes agrícolas ficou esperando em seu escritório durante uma eternidade, enquanto Quadros rabiscava alguma mensagem. O velho relógio de bolso de ouro de Jânio, um Patek Philippe, trabalhava sobre a mesa, as cortinas de cor bege cobriam toda a visão, o retrato sempre presente de Abraham Lincoln mirava da parede.591 "Então,", disse um dos agricultores, "ele olhou para cima e começou a falar sem nos cumprimentar ou nos pedir para sentar. Ficamos em silêncio por 48 minutos enquanto ele falava intensamente sobre seus planos para a agricultura e suas exigências.592 De repente, uma queda de energia apagou as luzes, mas ele continuou a conversa, sem a menor hesitação. Era estranho, estávamos parados ali na escuridão ouvindo a voz desencarnada do presidente do outro lado da mesa."593

5.1.8 - PROJETO A PROJETO

Passados seis meses de governo, quais ainda seriam os projetos de Jânio? A matéria

587 Running the country almost single-handed ("I am one man alone"), he installed a Telex communications system beside his desk, with two fingers banged out a steady stream of bilhetinhos to government offices around the nation. Time Magazine, loc. cit. 588 Once, very early in the game, he Telexed a Cabinet minister's office: "The President has been waiting for you since 7 a.m. I would like to know when you plan to arrive." Time Magazine, loc. cit. 589 Answered the minister's man at the keyboard: "Colleague, the minister will arrive when he arrives." Brazil's chief executive tapped back: "This colleague here is the President. Tell the minister I want him immediately. J. Quadros." Time Magazine, loc. cit. 590 All day, every day, a steady stream of delegations got the green light to line up before the President and listen to his plans for Brazil. Time Magazine, loc. cit. 591 One group of farm leaders stood waiting in his office for what seemed an eternity while Quadros finished scribbling some message. Quadros' old gold Patek Philippe pocket watch ticked on the desk, beige curtains closed out , the ever-present portrait of Abraham Lincoln stared down from the wall. Time Magazine, loc. cit. 592 "Then," says one of the farmers, "he looked up and started talking without greeting us or asking us to sit down. We stood silently for 48 minutes while he talked intensely about his farm plans and requirements. Time Magazine, loc. cit. 593 Suddenly a power failure put out the lights, but he kept right on talking without the slightest hesitation. It was uncanny, standing there in pitch darkness listening to the President's disembodied voice from across the desk." Time Magazine, loc. cit. 189

pontuou áreas estratégicas da economia brasileira e discorreu rápidas análises sobre cada setor. Listamos abaixo os projetos que a matéria destacou sobre a administração de Jânio:

Desde o início, os brasileiros não poderiam deixar de admirar a franqueza de Quadros, seu humor, sua resistência ao compromisso, seu talento não brasileiro para cortar a burocracia. Mas ele parecia não ter metas globais. Editorialistas questionaram sua “não planejada e impetuosa” administração. “Quadros desconfia de planos abstratos", respondeu um assessor próximo."Ele prefere construir um programa projeto a projeto". Os projetos estão começando a tomar forma:594 RODOVIAS. Gastos de US $ 1 bilhão nos próximos cinco anos para aumentar a rede total de 19.000 para 27.000 milhas e pavimentar de 4.800 para 13.200 milhas.595 ENERGIA. Aumentar a capacidade instalada de 5.000.000 KW. para mais de 9.000.000 KW em 1965 e 15 milhões de quilowatts em 1970. Custo: US $ 1 bilhão, metade vindo de investimentos estrangeiros e a outra metade com recursos do próprio Brasil.596 EDUCAÇÃO. Reverter o projeto de Kubitschek de enfatizar as universidades em detrimento das escolas básicas. Objetivo: aumentar o número de alfabetizados de 48% para 70% em cinco anos.597 SAÚDE. Eliminar a corrupção que sabotou o plano de Kubitschek para área da saúde com a finalidade de iodar sal (para evitar o bócio), e usar medidas preventivas para o controle da malária, tracoma, bouba, filariose.598 REFORMA DO NORDESTE. Combater a influência comunista infiltrada e espalhada pelas Ligas Camponesas com intenso desenvolvimento de reforma agrária, Montante investido até o momento: $ 160 milhões.599 INDÚSTRIA. Fornecer toda a ajuda do governo necessária para dobrar a produção de aço para 6.000.000 de toneladas anuais em 1965, criando forças- - tarefa para ajudar a desenvolver as indústrias específicas: fertilizantes, produtos petroquímicos, tratores, máquinas-ferramentas, equipamentos pesados. Diz Quadros, em uma declaração política digna de Dwight Eisenhower: "A indústria é a principal incumbência da iniciativa privada, mas o governo deve prover as condições necessárias para o seu crescimento."600

Cada item apresentado demonstrava de um lado a precária estrutura do país, do outro a ambiciosa tentativa de por em prática ações para o desenvolvimento do Brasil. Esse era o quadro que estava para além das fronteiras de Kennedy, era esse o panorama do wilderness que apresentava ao distante leitor de TIME. Henry Luce e seu Século Americano executavam

594 Project by Project. From the beginning, Brazilians could not help admiring Quadros' directness, his humor, his resistance to compromise, his un-Brazilian talent for chopping red tape. But he seemed to have no overall goals. Editorial writers questioned his ''unplanned and impetuous" administration. "Quadros distrusts abstract planning," answered a close adviser. "He prefers to build up a program project by project." The projects are beginning to take form: Time Magazine, loc. cit. 595 HIGHWAYS. Expenditures of $1 billion over the next five years to raise the total network from 19,000 to 27,000 miles, and paved mileage from 4,800 to 13,200. Time Magazine, loc. cit. 596 POWER. Increase installed capacity from 5,000,000 kw. to more than 9,000,000 kw. by 1965 and 15 million kw. by 1970. Cost: $1 billion, half Brazilian, half foreign. Time Magazine, loc. cit. 597 EDUCATION. Reverse the Kubitschek practice of emphasizing universities and ignoring grammar schools. Goal: to increase literacy from 48% to 70% in five years. Time Magazine, loc. cit. 598 HEALTH. Eliminate the corruption that swallowed Kubitschek's health plan to iodize salt (to prevent goiter), use preventive measures to control malaria, trachoma, yaws, filariasis. Time Magazine, loc. cit. 599 NORTHEAST REFORM. Combat the spreading influence of Communist-infiltrated Peasant Leagues with intensive land reform. Amount allocated to date: $160 million. Time Magazine, loc. cit. 600 INDUSTRY. Provide all government help necessary to double steel production to 6,000,000 tons yearly by 1965, set up task forces to help develop specific industries: fertilizers, petrochemicals, tractors, machine tools, heavy equipment. Says Quadros, in a policy statement worthy of Dwight Eisenhower: "Industry is primarily the task of private enterprise, but government must provide the necessary conditions for growth." Time Magazine, loc. cit. 190

uma espécie de geopolítica.

5.1.9 - MELINDROSA AMEAÇA

Nesta subseção da matéria, TIME colocou algumas questões subliminares.

Quem estava com Jânio?

Eleito praticamente sem filiação partidária, e sem o apoio habitual de um bloco de nacionalistas, esquerdistas, direitistas, militares ou de trabalho, Quadros ganhou muitos inimigos com sua maneira de pisotear.601 Aos críticos, ele responde apenas que "as pessoas estão comigo" e deixa claro que ele considera sua esmagadora votação um mandato para exercer a forte autoridade executiva investida na constituição do Brasil, ao estilo americano. "Inimigos da democracia acreditam que a autoridade democrática é frouxa, insegura e tímida, acomodada e complacente", diz Quadros. 602 "Eles estão enganados. Autoridade democrática com base na vontade da maioria deve ser apenas uma empresa, mas, audaciosa e decisiva, sempre pronta a corrigir os seus próprios erros, mas sempre jurando moralidade, disciplina e o bem-estar geral".603

Outra ditadura comunista seria possível na região, ainda mais tendo Quadros como protagonista?

O único perigo é que Jânio pode confundir sua própria vontade de ferro pelo Brasil e, de democrata, se converter em um ditador.604 Para todas as suas ações, existem sinais de alerta e sutis ameaças, tais como prender o adversário Lott, que após a eleição, passou a criticar seu governo; há também a possibilidade de demissão de um funcionário da embaixada pelo simples fato de discordar dele, e finalmente o último: de três dias para o desligamento de uma estação de rádio pertencente a um jornal de oposição.605 Até agora, pelo menos, "a autoridade democrática" de Jânio Quadros tem sido muito dura com os castristas e comunistas que procuram subverter o Brasil. Quando os estudantes de esquerda protestaram em Recife contra a recusa da universidade em permitir que a mãe do argentino Che Guevara, Célia, fizesse um discurso castrista, Quadros enviou a Marinha do Brasil e seus fuzileiros navais.606

601 Thin-Skinned Threat. Elected virtually without party affiliation, and lacking the usual bloc support of nationalists, leftists, rightists, military or labor, Quadros has earned many enemies with his foot-trampling ways. Time Magazine, loc. cit. 602 To criticism, he answers only that "the people are with me" and makes it clear that he considers his landslide vote a mandate to exercise the powerful executive authority vested in Brazil's U.S.-style constitution. "Democracy's enemies believe that democratic authority is loose, insecure and timid, accommodating and yielding," says Quadros. Time Magazine, loc. cit. 603 "They are mistaken. Democratic authority based on the majority's will must be just but firm, bold and decisive, always ready to correct its own mistakes but always sworn to discipline, morality and the general welfare." Time Magazine, loc. cit. 604 One danger is that Quadros may mistake his own iron will for that of Brazil and turn from democrat to dictator. Time Magazine, loc. cit. 605 For all his reforms, there are warning signals in his thin-skinned threat to arrest opponent Lott for a post- election article critical of his regime, in his dismissal of a top foreign-office official for disagreeing with him, in his three-day shutdown of a radio station belonging to an opposition newspaper. Time Magazine, loc. cit. 606 So far, at least, Quadros' "democratic authority" has come down just as hard on the Castroites and Communists who seek to subvert Brazil. When leftist students rioted in Recife over the university's refusal to let Che Guevara's Argentine mother, Celia. deliver a Castroite harangue, Quadros sent in the Brazilian navy and marines. Time Magazine, loc. cit. 191

Soprando em direção ao inflamado nordeste, eles invadiram os redutos ao redor das Ligas Camponesas para apreender a propaganda clandestina sobre a Cuba de Fidel Castro e suas ramificações. Por ocasião dos movimentos de reivindicação trabalhista no Brasil, detectou-se a forte presença de comunistas infiltrados. Os homens de Jânio Quadros estão trabalhando para colocar os comunistas (vermelhos) “de joelhos”.607

Os sindicatos, outro empecilho à empresa capitalista (e do Século Americano), foram lembrados, mas onde estaria Goulart?

Os sindicatos costumavam ser hábeis em conseguir esmolas do governo Kubitschek. "Não mais." O Ministro do Trabalho de Quadros, Francisco de Castro Neves, disse: "Eu não estou brincando com eles. Eu lido apenas com as lideranças dos sindicatos pró-democracia, e com mais ninguém.608 Despedaçamos com nossos punhos o controle comunista de muitos sindicatos." Para o próprio Quadros: "Os comunistas tiram proveito apenas da ignorância e da aflição de muitos dos meus compatriotas. Eles não têm interesse algum em um Brasil democrático e próspero. Eles buscam apenas explorar a miséria..."609

URSS

O grande pesadelo era a relação econômica e política com o Bloco Socialista. A fala de Arinos parece contradizer os fundamentos de uma política externa independente, ao mesmo tempo em que sugere certa distância do enérgico Quadros. Estaria o trecho editado?

Os brasileiros desprezam qualquer resultado duradouro dos flertes de Quadros por trás da Cortina de Ferro. Eles argumentam que Quadros insiste em primeiro lugar no comércio, antes de qualquer conversa séria de intercâmbios diplomáticos.610 Dos US $ 2 bilhões em negócios com o leste, os brasileiros aguardam apenas uma fração. Um diplomata veterano dos EUA, no Rio, disse: "Se Khrushchev acha que pode fazer Quadros de bobo, ele está redondamente enganado." 611 O chanceler Afonso Arinos acrescentou: "O Brasil não vai reconhecer a União Soviética imediatamente, e não reconhecerá a China Vermelha pelo menos nos próximos dois ou três anos – certamente não até que seja aceito na ONU. Estamos empenhados em votar para o debate sobre a questão da China Vermelha, mas não vai votar a favor do ingresso da China Vermelha ".612

607 Fanning out into the inflamed northeast, they raided Peasant League strongholds to round up propaganda smuggled in from Castro's Cuba, and arms. In Brazil's labor movement, once heavily Communist-infiltrated. Quadros' men are working to cut the Reds "off at the knees." Time Magazine, loc. cit. 608 The unions used to be able to get handouts from the Kubitschek government. "Not any more." says Quadros' Labor Minister Francisco de Castro Neves. "I'm not playing games with them. I deal directly with democratic union leaders, and with nobody else. Time Magazine, loc. cit. 609 Already we have torn open the clenched fist of Communist control of many unions." Says Quadros himself: "Communists only profit from the ignorance that afflicts many of my countrymen. They have no interest whatsoever in a democratic and prosperous Brazil. They seek only to exploit misery." Time Magazine, loc. cit. 610 Brazilians pooh-pooh any lasting effect from Quadros' flirtations behind the Iron Curtain. They argue that Quadros insists on trade first, before any serious talk of diplomatic exchanges. Time Magazine, loc. cit. 611 Of the $2 billion in paper deals drummed up in the East, realistic Brazilians expect only a fraction. Says a senior U.S. diplomat in Rio: "If Khrushchev thinks he can make a sucker out of Quadros, he's badly mistaken." Time Magazine, loc. cit. 612 Adds Foreign Minister Afonso Arinos: "Brazil will not recognize the Soviet Union offhand, and will not recognize Red China for two or three years — certainly not until it is accepted at the U.N. We are committed to 192

5.1.10 - A quarta força

O último trecho da reportagem resume o ponto de vista central de TIME em relação a Jânio e ao Brasil de sua administração.

O que de fato Quadros leva realmente a sério sobre o Brasil é que seu país será uma grande e independente potência – uma "quarta força" sem sombra de dúvidas. "Em cinco anos", diz ele, ''o Brasil será uma grande potência.613 E eu serei livre". Tal percurso naturalmente engrandece o Brasil – e Jânio Quadros – e a compreensão de sua importância. Os brasileiros argumentam que os EUA também se beneficiam com isso, assim como o hemisfério. No país, a influência comunista sobre os brasileiros vem sendo enfraquecida, cujo ressentimento natural pelo poder de riqueza dos EUA acabava conduzindo-os para a esquerda.614 No hemisfério, o Brasil pode ser um grande aliado dos EUA, e como uma democracia forte e independente poderá lidar em igualdade de condições. "Os americanos tendem a ser uma superpotência", disse Quadros. "Tenho a intenção de tratá-los como uma amante. Uma amante apache".615 Um importante diplomata brasileiro acrescentou: "não podemos aceitar o comunismo em Cuba permanentemente. Mas se tomarmos partido cedo demais, perderemos toda a influência. “Nós não seremos mais capazes de agir de forma eficaz para alcançar o nosso objetivo principal que é o mesmo que o seu: restaurar Cuba para a comunidade americana".616 Embora Quadros tenha discordado de seus partidários muitas vezes, o grande especialista americano em assuntos do Brasil, o ex-embaixador John Moors Cabot, concorda que os EUA devem incentivar Quadros a seguir o seu próprio caminho.617 "O nosso problema", diz ele, "é ver o Brasil através do atual e conturbado período de transição. Podemos não gostar do fato de que o Brasil adotou o que o presidente Jânio Quadros descreve como uma política externa independente e que poderíamos descrever como neutralista.618 Jânio Quadros coloca isso em termos brasileiros: "Com seu imenso tamanho, suas riquezas naturais, e os esforços dedicados de seus 70 milhões de habitantes, o Brasil está agora afirmando-se como uma grande nação.619 Estamos desenvolvendo, sem sombra de dúvidas, a mais bem sucedida civilização de humanos nos trópicos. Tudo vote for debate on the Red China issue, but will not vote in favor of Red China's admission." Time Magazine, loc. cit. 613 The Fourth Force. What Quadros apparently is serious about is Brazil's emergence as a great and independent power — a "fourth force" taking cues from no one. "In five years." he says. ''Brazil will be a great power. Time Magazine, loc. cit. 614 And I will be free." Such a course naturally gratifies Brazil's — and Quadros' — sense of importance. Brazilians argue that it also benefits the U.S. and the hemisphere. At home it undercuts Red influence over Brazilians, whose natural resentment at U.S. wealth leads them left. Time Magazine, loc. cit. 615 In the hemisphere, Brazil can be a better ally of the U.S. as a strong and independent democracy dealing on equal terms. "The Americans tend to be overpowering," says Quadros. "I intend to treat them like a lover — an apache lover." 616 Adds a ranking Brazilian diplomat: "We cannot accept Communism in Cuba permanently. But if we take sides too soon, we lose all influence. We will no longer be able to act effectively to achieve our main objective, which is the same as yours: to restore Cuba to the American community." Time Magazine, loc. cit. 617 Although Quadros has contradicted his supporters many times before, the leading U.S. expert on Brazil, former Ambassador John Moors Cabot, agrees that the U.S. must encourage Quadros to travel his own road. Time Magazine, loc. cit. 618 "Our problem," he says, "is to see Brazil through the present troubled period of transition. We may not like the fact that Brazil has adopted what President Quadros describes as an independent foreign policy and what we might describe as a neutralist one. Time Magazine, loc. cit. 619 Jânio Quadros puts it in Brazilian terms: "Through its immense size, its natural riches, and the dedicated efforts of its 70 million people. Brazil is now asserting itself as a great nation. Idem 193

o que o meu governo procura é disciplinar o nosso desenvolvimento nacional.620 Em vez disso, queremos ser uma força positiva, capaz de contribuir para uma paz real, com base na justiça e no respeito pelos direitos humanos”.621

Para TIME Magazine, ‘aquele’ Brasil era tratado como um objeto nas mãos de Jânio Quadros que, com um discurso que pregava a independência política, ameaçava deliberar ações de enfrentamento interno e externo ao país. Como podemos perceber na tradução dos trechos, a reportagem fala por si mesma, as percepções de TIME são nítidas. Após essa extensa matéria de capa, TIME publicaria em agosto a última reportagem de Jânio como presidente: Quadros quits. Com a análise da próxima reportagem, encerramos nossa investigação em torno das percepções da revista em relação a Quadros.

5.2 - QUADROS SAI

620 We have created, without any doubt, man's most successful civilization in the tropics. All that my government seeks is to discipline our national development. Idem 621 We don't want to become merely another power involved in the world struggle. Instead we want to be a positive force, capable of contributing toward a real peace based on justice and respect for human rights." Idem 194

O debate acerca da renúncia de Jânio está presente em inúmeros textos que versam sobre esse período tão conturbado da história do Brasil. Trazer outra visão dos fatos, narrados inclusive por um veículo internacional, pode contribuir para enriquecer esse assunto sempre muito acalorado. Na verdade, a revista TIME cobriu os mesmos fatos, mas atribuiu o seu parecer ideológico sobre o tema. Nossa pesquisa indentificou que o tema da renúncia apenas concluía a busca de uma personagem que foi construída e reconstruída diversas vezes ao longo da cobertura de seu governo. Se de um lado ficava um enigma, do outro estava o juízo acerca do(s) político(s) brasileiro(s), uma constante incógnita aos interesses estrangeiros, um eminente risco aos investimentos norte-americanos, uma contradição ao Século Americano.

Exatamente uma semana após a renúncia de Jânio, TIME publicou a matéria que tratou do assunto. Não foi um texto muito extenso. Foi objetivo e concentrou seu foco no perfil de Jânio e das personagens que cercaram sua renúncia. O conceito sobre a pessoa de Jânio estava definido para a revista: Jânio era emocional e errático. O gesto da renúncia foi tratado como um apelo emocional do histriônico presidente. O líder político, eleito massivamente pelo povo brasileiro, simplesmente tomava seu avião rumo à sua residência em São Paulo e deixava o vice, Mazzilli, que assumia pela primeira vez a presidência do Brasil:

O sempre emocional e às vezes errático presidente do Brasil, Jânio Quadros, se superou na semana passada. "Eu tenho sido castigado por forças que se colocam contra mim, e por isso deixo o governo", lamentou. Ele renunciou à presidência e voou de volta para sua terra natal, São Paulo. Ele deixou o presidente da Câmara dos Deputados, um político pouco conhecido, chamado Pascoal Ranieri Mazzilli, para presidir esse país em seu lugar.622

As forças estranhas servem de referência para esse famoso episódio, o gesto de Jânio carregava uma denúncia contra os Estados Unidos, ele queria o Brasil para os brasileiros, destacou a revista:

"Todos os meus esforços", disse Quadros num comunicado de despedida "foram em vão para liderar esta nação na direção de sua verdadeira liberdade econômica e política. Queria o Brasil para os brasileiros. Tive que enfrentar e combater a corrupção, mentiras e covardia. No entanto, sinto-me esmagado, forças terríveis se apresentaram para lutar contra mim e para difamar-me...".623

622 Ever emotional and sometimes erratic President Jânio Quadros outdid himself last week. "I have been beaten by forces against me, and so I leave the government," he cried. He resigned the presidency, and flew off back to his native Sao Paulo. He left the president of the Chamber of Deputies, a little-known politician named Pascoal Ranieri Mazzilli, to preside as caretaker in his stead. Time Magazine: Brazil: Quadros Quits, 01-02-1961. 623 "All my efforts," said Quadros in a farewell statement, "were in vain to lead this nation in the direction of its true economic and political freedom. I wanted Brazil for Brazilians. I had to face and fight corruption, lies and 195

TIME considerou que o gesto havia sido tomado de impulso, ainda mais para um político cuja pouca idade e a breve permanência no governo pareciam não justificar tal atitude. Por outro lado, a revista mencionou que a origem dos problemas se deu por conta da condecoração de Guevara, ironicamente tratado como Czar de Cuba:

Foi um ato impulsivo para um político de 44 anos de idade, que assumiu o cargo há sete meses com a maior votação da história brasileira. Tudo isso aconteceu após uma semana de intensa agitação desencadeada – sem nenhuma surpresa – pela calorosa recepção que Jânio deu ao czar da economia cubana, Che Guevara.624

Segundo Barbosa (2007), foi a partir da condecoração de Che Guevara que o governo Quadros começou a cair.625 O evento serviu para fortalecer os protestos direcionados à política externa de Jânio. O Congresso reagiu de forma exacerbada e em conjunto com diversos setores da mídia. Além de Guevara, outros representantes de Cuba já haviam sido agraciados com a mesma honraria no governo de Kubitschek pouco tempo antes, em junho de 1960, o fato foi tratado como corriqueiro no Brasil. Por outro lado, era evidente que “não se poderia atribuir a um gesto da prática diplomática a responsabilidade pela crise em fervente evolução e que culminaria na renúncia de Jânio cinco dias após o discutido ato. Era a primeira vez na história política brasileira que a concessão de uma honraria seria evocada para justificar uma ruidosa campanha contra seu outorgante.”626 A movimentação anterior à condecoração não passaria despercebida pela imprensa. O atraso de Guevara foi registrado na matéria. Uma espécie de deboche ao líder cubano que, para TIME, não tinha respeito e nem controle de horário e agenda. Talvez a revista se perguntasse: o que se esperar de alguém assim? Jânio, ao que parece, pensava e agia diferente de TIME. Ele se arrumou decentemente para receber o líder cubano. Vestir-se bem era algo raro no entender da revista, haja vista ter sido considerado em 1958 como a personalidade mais mal vestida do Brasil, conforme publicação da própria revista. Finalmente, o momento crucial: a condecoração da Ordem do Cruzeiro do Sul.

cowardliness. However, I feel crushed. Terrible forces came forward to fight me and to defame me . . ." Time Magazine, loc. cit. 624 Bickering Prelude. It was a characteristically headlong performance by the 44-year-old politico, who took office seven months ago with the biggest popular majority in Brazilian history. It came after a week of feuding and fussing, touched off — not surprisingly — by the warmth of Quadros' welcome for Cuba's homeward-bound economic czar, Che Guevara. Time Magazine, loc. cit. 625 BARBOSA, op cit., p. 317 626 Ibid., p. 319 196

O cubano não havia chegado no horário. Filas de funcionários foram deixados à espera no aeroporto de Brasília. Finalmente, no dia seguinte, quando Che chegou sem avisar, apenas alguns operadores estavam à disposição. Quadros, logo após, vestiu sua melhor sarja azul para dar-lhe uma recepção ardente e condecorá-lo com a mais alta honraria do Brasil para estrangeiros, a Ordem do Cruzeiro do Sul.627

Antes da condecoração, houve uma conversa entre Quadros e Guevara, o brasileiro em seu gabinete agradeceu ao revolucionário pelo documentário sobre a invasão da Baía dos Porcos. As criticas de O Globo foram destacadas na matéria. Tratou-se de um crítica inteligente e sutil. Na verdade, Guevara não era cubano e, por ser um autêntico comunista, não poderia deixar de ser um autêntico ateu que foi condecorado com um emblema cristão.

A medalha foi demais. O jornal carioca O Globo protestou dizendo que "pendurado no peito de um falso cubano e autêntico comunista, o emblema da Cruz de Cristo foi totalmente desvalorizado."628

A melhor tradução que encontramos para o adjetivo de TIME à Lacerda foi ‘língua de enxofre’. Como pudemos observar, Lacerda apareceu muito pouco ao longo das reportagens que TIME cobriu sobre o governo Quadros. No entanto, Lacerda ressurgiu com força nesta matéria. Foi lembrado como o articulador da vitória de Jânio, mas, ao que tudo indica, ele se sentiu traído, pois o presidente passou a flertar com os inimigos de sua família.

Mais sorrateira ainda foi a explosão do língua de enxofre Carlos Lacerda, governador da Guanabara (que inclui o Rio de Janeiro). No início, foi articulador da campanha presidencial de Quadros e, desde então, mudou sua posição após o flerte de Jânio Quadros com os comunistas ("futuros carrascos de seus pais, espiões de seus irmãos ").629

O antigesto de Lacerda, condecorando os opositores de Quadros, foi entendido como retaliador a Jânio. Ao mesmo tempo soou como um gesto pueril. O fato foi narrado num breve trecho muito curto. Pouco tempo depois, Lacerda partia para Brasília, a fim de acertar as contas com Jânio. A matéria construía a representação de uma eventual briga entre os dois

627 The Cuban did not arrive on schedule. Row on row of officials were left waiting at the Brasilia airport. When Che finally arrived without warning the next day, only a few mechanics were on hand. Quadros later put on his best blue serge to greet him, and give him an ardent reception, along with Brazil's highest award for foreigners, the order of the Cruzeiro do Sul. Time Magazine, loc. cit. 628 The medal was too much. Rio's O Globo complained that "hung on the chest of a false Cuban and authentic Communist, the emblem of Christ's Cross has been completely devalued." Time Magazine, loc. cit. 629 Sharper still was the blast from sulphur-tongued Carlos Lacerda, governor of Guanabara state (which includes Rio de Janeiro), whose original election-campaign support for Quadros has since changed to dismay at Quadros' flirtation with Communists ("future hangmen of their fathers, spies of their brothers"). Time Magazine, loc. cit. 197

políticos:

Numa reação rápida, Lacerda cercou-se de um grupo de cubanos anticastro liderado por Manuel Antonio ("Tony") Varona e entregou-lhes as chaves do Rio. Então, depois de se passar por Quadros e sendo convidado por ele para jantar, Lacerda arrumou as malas e embarcou num jato da força aérea para Brasília, a fim de realizar pessoalmente seu protesto ao presidente. 630

Segundo a matéria, Lacerda ao chegar em Brasília encontrou Jânio comendo um sanduiche. O leitor da revista, neste momento, teve a informação de que existia no Brasil um presidente que após condecorar um comunista vai fazer um lanche! No trecho abaixo, podemos ainda inferir que o sanduíche estava mais interessante do que a fala de Lacerda, este parecia não amedrontar o presidente:

Ele encontrou Quadros assistindo a um filme em sua sala de projeção particular, foi oferecido um sanduíche e disse para começar a falar. Antes que ele mal começasse, Quadros desculpou-se e calmamente telefonou para o ministro da Justiça Pedroso Horta. 631

O trecho seguinte, Lacerda foi rapidamente despachado por Quadros para ter uma conversa com o ministro da justiça. O ‘língua de enxofre’ apareceu na matéria como um joguete, uma bola de pingue-pongue. Um dos traços de Jânio, muito debatido em reportagens anteriores, reapareceu: sua falta de educação. Lacerda foi deixado do lado de fora do Palácio e com sua mala abandonada. Onde estava Jânio?

"Chame Carlos à sua casa e veja o que ele quer", disse Quadros para a Horta. Quando Lacerda terminou de falar com o ministro da Justiça, e voltou, ele encontrou sua mala abandonada do lado de fora da porta do palácio presidencial. Jânio estava dormindo, disse um assessor.632

Uma declaração de guerra foi anunciada contra Quadros, porém no formato de uma denúncia que muito interessava à TIME. Desde o início das nossas investigações nesta pesquisa, pudemos constatar as dúvidas que a revista detinha quanto aos futuros objetivos do

630 Outside the Door. In a quick reaction, Lacerda rounded up a group of anti-Castro Cubans headed by Manuel Antonio ("Tony") Varona and handed them the keys to Rio. Then, after calling up Quadros and being invited by him to dinner, Lacerda packed an overnight bag and rode an air force jet to Brasilia to carry his protest to the President in person. Time Magazine, loc. cit. 631 He found Quadros watching a movie in his private projection room, was offered a sandwich and told to start talking. He had hardly begun before Quadros excused himself and quietly phoned Justice Minister Pedroso Horta. Time Magazine, loc. cit. 632 "Call Carlos over to your house and see what he wants," said Quadros to Horta. When Lacerda finished talking to the Justice Minister and returned, he found his overnight bag sitting forlornly outside the presidential palace door. Jânio was asleep, said an aide. Time Magazine, loc. cit. 198

‘errático’ Quadros. A denúncia de Lacerda parece ir nessa direção. Segundo a matéria, Lacerda denunciava a existência de um golpe de estado:

A partir de então, foi declarada a guerra, e Lacerda tornou-se um formidável antagonista. Ele voltou para o Rio e anunciou que o ministro da Justiça Horta o havia convidado para participar de uma trama junto com Quadros para ampliar seus poderes presidenciais e conseguir mais autoridade para si e colocar o Congresso em recesso permanente. 633

Por meio do seu jornal, Tribuna de Imprensa, Lacerda começava seus disparos. Segundo Barbosa, “Lacerda não poupou virulentas críticas ao que interpretava como maquinações, visando levar o país a um governo de exceção com coloração comunista.”634 Para Lacerda, Guevara “era considerado como um vil assassino sanguinário de Moscou e outras comparações do gênero.”635 Por outro lado, um aspecto contraditório pode ser destacado nesse ínterim. Lacerda ao convocar em 18 de agosto de 1961 uma entrevista de imprensa chegou “a expressar o seu descontentamento com a evolução dos acontecimentos em Brasília. Indo do sarcástico ao patético, declarou não ser contra o reatamento com a URSS, mas contra a infiltração comunista no país, abertamente favorecida pelas atitudes do governo, segundo ele.”636 Lacerda passou a ser o protagonista, TIME retoma fatos antigos da trajetória desse político. No trecho abaixo, TIME informou que os motivos da renúncia de Jânio se deram mediante as acusações de Lacerda. O poder do governador da Guanabara passou a ser considerado como decisivo para outros eventos, tais como o da morte de Vargas.

No momento em que as acusações de Lacerda começaram e repercutir, Quadros renunciou de forma dramática. Havia se passado sete anos e um dia a contar da renúncia e suicídio do poderoso Getúlio Vargas, outro presidente que tinha sofrido a ira de Lacerda.637

Após a declaração de guerra, a imprensa passou a representar o campo de batalha. Lacerda, nos editoriais de seu jornal, panfleta contra Jânio seguidamente nos dias 22, 23, 24 e 25 de agosto. Lacerda insistiu na acusação de que Jânio havia “traído suas promessas

633 From then on it was undeclared war, and Lacerda is a formidable antagonist. He returned to Rio and announced that Justice Minister Horta had invited him to join a Quadros plot to grab more authority for himself by sending Brazil's holdover Congress into permanent recess. Time Magazine, loc. cit. 634 BARBOSA, op cit, p. 328 635 Ibid., ibidem. 636 Ibid., ibidem. 637 As Lacerda's charges began to stir a fuss, Quadros dramatically resigned. It was seven years and a day from the resignation and suicide of Brazilian Strongman Getúlio Vargas, another President who had incurred Lacerda's wrath. Time Magazine, loc. cit. 199

eleitorais, precisamente ele que era tachado de entreguista e ‘lacaio’ de Wall Street.”638 Por fim, Lacerda “acusava Quadros de, tendo já implantado uma ditadura na política exterior, tentar criar condições para outra interna, lançando o país na ‘órbita da Rússia’”.639 De início, TIME atribui à renúncia de Jânio a ideia de que foi um gesto impulsivo, um ato que foi tomado por um homem jovem, confuso e com muitos erros a serem corrigidos. Mas, por outro lado, surge na matéria a possibilidade de Jânio Quadros estar fazendo um jogo político, utilizando seu vice-presidente como bode expiatório. Outra personagem adentra o corpo da revista, João Goulart. Se as relações de Jânio com os comunistas eram muito temidas, Goulart, ao que tudo indica, era mais temível ainda.

A renúncia de Jânio Quadros foi impulsiva – mas não totalmente precipitada. Ele sabia que se os críticos temiam seu flerte com os próprios comunistas, eles temiam o seu sucessor ainda mais. 640

O foco de TIME passou a mudar gradualmente de Jânio para Goulart. O vice- -presidente do Brasil estava na China numa missão comercial. Os adjetivos não tardaram a aparecer: ambicioso e demagogo de esquerda são alguns deles.

Em Cingapura, liderando uma missão comercial à China Vermelha, o ambicioso vice-presidente João ("Jango") Goulart, 43, um demagogo de esquerda que se escora nos trabalhadores, desceu do avião como se descesse em sua própria casa. 641

Segundo Barbosa, no momento em que Guevara era condecorado, Goulart externava em Pequim “sua admiração pelo povo chinês que havia demonstrado como se libertar do jugo de seus exploradores.”642 A forma como “Jango” passou a ser representado na reportagem parece indicar a posição da revista tanto em relação a ele como em relação a Quadros, ou seja, Quadros aceitou um opositor como vice-presidente, ao mesmo tempo em que esse opositor tem apoio aberto dos comunistas. O formato das candidaturas à vice-presidência do Brasil chamou a atenção de TIME, haja vista que este formato difere do norte-americano. Ainda nesse trecho, TIME observou que o ato de renunciar já fazia parte do script de Jânio Quadros, a revista lembrou de passagem o episódio de 1959:

638 BARBOSA, op cit, p. 328-329 639 Ibid., ibidem. 640 Quadros' resignation was impulsive — but not altogether rash. He knew that if critics feared his own flirtation with Communists, they would fear his successor even more. Time Magazine, loc. cit. 641 In Singapore, having just led a trade mission to Red China, ambitious Vice President João ("Jango") Goulart, 43, a labor-wooing leftist demagogue, hopped a plane for home. Time Magazine, loc. cit. 642 BARBOSA, op cit., p 327 200

Opositor de Quadros – porém eleito (com o apoio comunista), é do costume brasileiro permitir votações separadas para presidente e vice-presidente –, João Goulart automaticamente se torna obrigado a assumir a presidência do Brasil no momento em que tocar o solo brasileiro. 643 Pouco tempo antes do início da sua campanha presidencial, Jânio Quadros renunciou dramaticamente sua candidatura em protesto contra as exigências que estavam sendo feitas pelos partidos que o apoiavam. 644 Na época, o resultado causou impactos em setores do exército e dos oficiais da Força Aérea, houve pedidos em todo o país pelo seu retorno e finalmente Quadros se rendeu aos apelos populares – logo após, os partidos o liberaram de todos os compromissos.645

A matéria passou a informar sobre os incidentes que derivaram da renúncia. O ataque à embaixada americana foi lembrado. Afonso Arinos surge como uma voz isolada e pró- Quadros, o chanceler funcionava como uma eminência parda de Jânio nos assuntos da política externa independente. Por outro lado, o povo reaparece, a voz do povo chamava pela volta de Quadros:

O ritmo e a execução do pedido de renúncia na semana passada apresentou semelhante e calculada imprudência. Houve algumas manifestações turbulentas, incluindo o apedrejamento da embaixada dos EUA no Rio* por 200 alunos. (*Atualmente entre os embaixadores, o Presidente Kennedy anunciou a nomeação do economista de Harvard e do especialista em Brasil, Lincoln Gordon, para o cargo na semana passada.646)647 O Ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos, pediu ao Congresso que "recusem a renúncia, senão haverá caos e guerra civil." E em todo o Brasil, os protestos começaram a pedir o retorno de Quadros – presumivelmente em seus próprios termos novamente.648

Um asterisco apareceu no trecho anterior e anunciou a chegada de Lincoln Gordon à embaixada brasileira. TIME fez questão de frisar que o novo embaixador era um perito em Brasil. Essa reportagem foi publicada sete dias após a renúncia, tinha uma noção aproximada das movimentações tanto em torno da renúncia, como das atitudes posteriores de

643 Opposed by Quadros but elected (with Communist support) under the Brazilian custom of permitting separate votes for President and Vice President, Goulart automatically would become President of Brazil the moment he touches Brazilian soil. Time Magazine, loc. cit. 644 Once before, early in the presidential campaigning, Quadros dramatically resigned his candidacy in protest over the demands being made by parties supporting him. Time Magazine, loc. cit. 645 At that time, the result was a hair-trigger revolt by a few army and air force officers, pleas from across the nation for his return, and Quadros' final surrender to the popular will — after the parties released him from all commitments. Time Magazine, loc. cit. 646 * Currently between ambassadors; President Kennedy announced the appointment of Harvard Economist (and Brazil Expert) Lincoln Gordon for the post last week. Time Magazine, loc. cit. 647 The timing and execution of last week's resignation showed similar calculated recklessness. There were a few riotous demonstrations, including the stoning of the U.S. embassy in Rio* by 200 students. Time Magazine, loc. cit. 648 Foreign Minister Afonso Arinos urged Congress to "refuse the resignation, or else there will be chaos and civil war." And across Brazil, the pleading began for Quadros to return — presumably on his own terms again. 201

Quadros. O tom de despedida sugeriu não esconder a intenção messiânica. Quadros, novamente parte para uma viagem com a pretensão de que as coisas se ajustem em seu favor. Suas viagens eram longevas, tanto no espaço como no tempo. Três meses no exterior.

Sua renúncia não seria julgada até que fosse publicada no Diário Oficial. Mas, nas últimas semanas, Quadros disse: "Eu não voltarei, a minha decisão é definitiva."Ele planeja viajar para o exterior por três meses”, disse ele, "para evitar embaraços ao próximo presidente do Brasil, Sr. Goulart."649

Até aquele momento, poderia ser dúbia a fala de Jânio permitindo que seu vice assumisse sem os embaraços de sua presença no Brasil. A renúncia ainda precisava de um dispositivo legal, ou seja, uma publicação no Diário Oficial da União, do contrário, continuaria presidente. Por se tratar da última matéria observando Jânio como presidente do Brasil, podemos defender que a revista desde o início da cobertura da corrida presidencial de 1960 perseguiu um personagem enigmático. Representou-o de diversas formas e sempre amparando-se em seus gestos impulsivos. Jânio vem aí! A revista o aguardou. Onde estás tu, Jânio? A revista o procurou. Por que tu, Jânio? A revistou tentou compreender essa questão durante os primeiros seis meses de 1961. Agora, Quadros Quit, a revista pareceu não se importar com o seu destino. Nas reportagens seguintes, o messianismo de Jânio apareceu, reapareceu e desapareceu dentro do governo seguinte. Uma grande ameaça ao Século Americano estaria definitivamente afastada?

IMAGENS DO CAPÍTULO 5

649 His resignation would not become final until it is published in the official government gazette. But at week's end Quadros said: "I will not turn back. My decision is definite." He plans to travel abroad for three months, he said, "to avoid embarrassing the next President of Brazil. Senhor Goulart." Time Magazine, loc. cit. 202

Imagem 38 – 30-06-1961

Imagem 39 – Quadros & Fans (30-06-1961) “God destined us to become a great people.” 203

"Deus nos destinou para sermos um grande povo."

Imagem 40 – 30-06-1961

Imagem 41 – 30-06-1961 Deixe o povo ficar! Deixe o povo assistir! 204

Imagem 42 – Castro & Quadros (30-06-1961) “Some Day, in some unknown serra...” "Algum dia, de alguma serra desconhecido ..."

Imagem 43 – Eloá, Quadros & Tutu. (30-06-1961) “The ugliest man I ever met” "O homem mais feio que eu já conheci"

205

Imagem 44 – The Capital that Kubitschek built: Brasília. (30-06-1961) “This place gives me the creebs.” Esse lugar me dá arrepios

Imagem 45 – Grandpa Quadros in Brasília. (04-08-1961) Tacking Between the poles. Alinhavando entre os pólos.

206

Imagem 46 – Quadros decorating Che. (01-09-1961) “Hung on an authentic Communist.” Condecorando um autêntico comunista

Imagem 47 – Critic Lacerda (01-09-1961) Invited to the plot. Convidados para a trama.

207

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Defendemos a tese de que Jânio Quadros, desde o início de sua campanha até sua renúncia, afrontou os interesses norte-americanos no Brasil e, do mesmo modo, incomodou o ideário de TIME. Até que ponto a ideologia de Henry Luce teria condições de chegar, dentro dos seus próprios moldes, aos povos do Terceiro Mundo? Aliás, que lugar ocupavam os povos latino- americanos nos ideais de TIME? Havia alguma diferença entre Europa e América Latina no messianismo de Luce? As respostas para essas questões podem ser resumidas nas reportagens pessimistas, irônicas e jocosas em relação aos latinos-americanos. Além da fronteira americana, havia um mundo cuja política, a cultura e a economia eram estranhos e confusos aos olhos da TIME. A região precisava ser observada dentro de uma seção específica (The Hemisphere). Cada país era observado dentro de um relativo grau de atenção, cuidado e vigilância. Desse método deriva uma proposta tutelar avessa a alteridade. Os países latinos americanos eram analisados dentro de um formato que dispensava uma análise mais imparcial. As vicissitudes desses povos eram observadas e recebiam um tipo de interpretação que negava qualquer réplica defensiva. A chegada de Kennedy ao poder em 1961 foi bem recebida por TIME. Enquanto político, jovem e entusiasta, Kennedy lançou luzes a uma nova fase na política norte- 208

americana. Por outro lado, tratou-se de um contexto conturbado. A América Latina encontrava-se em estado de “ebulição”, por exemplo: a Revolução Cubana, as hostilidades a Nixon, a Operação Pan-americana de JK, o mal-estar argentino diante do imperialismo dos EUA, as questões em torno do Panamá, Jânio Quadros, dentre outros. Todos esses eventos foram cobertos por TIME em tom de crítica, surpresa, curiosidade e apreensão. Kennedy estabeleceu uma linha de trabalho que, de certo modo, contrariava as análises e as interpretações de TIME. O Departamento de Estado defendia a tese de que a ajuda econômica a esses povos seria uma forma de combater ao comunismo. Por se tratar de uma dimensão econômica, tal ajuda iria desagradar aos interesses da empresa republicana na qual se encaixava a revista. As reportagens que cobriram a Aliança para o Progresso eram de cunho crítico e discordavam frontalmente das decisões que foram tomadas em favor dos latinos americanos. Neste ponto articulam-se duas proposições. A primeira diz respeito à falta de perspectiva de TIME em difundir os valores do Século Americano no espaço Latino Americano. Segundo, diante de um espaço conturbado como o aquele, a aplicação de recursos seria inviável. Durante as reuniões com os países da América Latina para tratar dos investimentos da Aliança para o Progresso, TIME deu ênfase a constante insatisfação dos latino-americanos ao receberem o recurso. A perspectiva da ingratidão pode estar bem alinhada à ideia de repulsa aos yankees e a crítica contra o imperialismo executada pelos esquerdistas latino americanos. Se de um lado o formato dos recursos se caracterizava em empréstimos, esses mesmos empréstimos iriam compor um círculo vicioso no qual se tornaria inevitável a tomada de novos empréstimos, alargando ainda mais o fosso da dívida externa dos países dependentes. A gestão dos recursos recebidos corrobora a primeira afirmação. Os políticos, vistos como demagogos e lideranças cegas pelo poder, não teriam a mínima condição racional para conduzir qualquer processo de reerguimento de suas economias. A América Latina foi tratada como um espaço onde a política era interpretada como espaço aberto das disputas partidárias pelo poder (o poder pelo poder). Tais perfis políticos podiam facilmente ser estendidos para além dos partidos, dentre eles: os sindicatos, os gestores de empresas públicas, os militares, as classes média a alta, todos participavam de uma ciranda insana na disputa pelo poder. Havia a perspectiva que dizia respeito ao tipo de região no qual ‘aqueles’ povos estavam inseridos. A América Latina ainda, sob a ótica da TIME pertencia ao Wilderness, uma imensa floresta com caudalosos e misteriosos rios. Sobre esse imenso espaço se assentava uma população pobre, iletrada, sem as luzes do século americano. Não haveria 209

recurso algum no mundo que pudesse ajudar tamanha pobreza e subdesenvolvimento. Investimentos pontuais eram estudados, mas não havia garantia de solução num curto prazo. Para TIME essas teses seriam suficientes para derrubar as propostas do Departamento de Estado para contenção do comunismo na região.

História, Cultura e Imprensa. Os meios de comunicação “imperialistas” impõem, ao seu modo, sentido aos fatos independentemente se há alguém para recepcioná-los ou corroborá-los. A difusão endógena das informações – ou seja: dentro do seu próprio país – feita através de um poderoso veículo de imprensa na maioria das vezes torna-se eficaz. A difusão exógena (publicações em outros países tratando dos mesmos assuntos) depende de outras variáveis, sendo a principal delas a cultura de um povo. Enquanto Jânio era apresentado aos EUA como uma ameaça, o grande público brasileiro tinha a impressão inversa. A UDN tinha como plataforma o alinhamento com os Estados Unidos. Nesse sentido, a figura de Jânio desfrutava de certo prestígio frente à população que o elegeu. Sua expressiva e histórica vitória atesta esse argumento. TIME sabia disso. As reportagens de TIME são históricas e revelam historicidade, no entanto direcionam seu discurso para um determinado público. Arroga-se de publicar a verdade, subterfúgio ideológico – história direcionada. TIME tinha o poder de direcionar uma informação e produzir, a revelia do tema ou do assunto, uma particular versão da história. Prática não muito diferente daquilo que os meios de comunicação já fazem corriqueiramente. A revista TIME se apropriou dos fatos, dialogou com fontes parceiras e sintetizou sua opinião dentro dos moldes do seu ideário: O Século Americano. A história realizada pelos editores de TIME é unilateral. Tal ideário permeia boa parte dos setores conservadores norte- americanos. Até mesmo sua coluna de cartas era filtrada, os missivistas eram completamente parciais. A Guerra Fria, por outro lado, e tendo o duelo EUA/URSS ao fundo, não era um momento de acertos dialéticos. Havia um explícito e delicado dualismo. Nesse sentido, talvez fosse normal que veículos como TIME se ocupassem mais em produzir do gabinete do que sair a campo. O Departamento de Estado e a CIA saíram à caça para localizar e prender, jamais para analisar, dialogar e procurar sínteses amistosas. Numa estrutura de trabalho dualista não havia espaço para o outro.

Século Americano versus Jânio. Dentro de TIME, Jânio existia como seus editores o 210

viam. Para os que estavam de fora, ele era outra pessoa. A empresa capitalista americana esbarrava-se em Quadros. Tratava-se de uma personalidade difícil, senão a mais difícil que tivesse cruzado o caminho dos Estados Unidos no Brasil. Como lidar com uma personalidade tão ambígua? O comportamento de Jânio era de fácil compreensão para os brasileiros que o elegeram: anticomunista e antiamericano. Mas, para um americano, tal ponto de vista era muito complicado. Jânio está ou não está conosco? Talvez um americano se perguntasse: Como pode estar conosco e contra nós ao mesmo tempo? Como ele consegue se opor aos Estados Unidos se ele também é anticomunista? A revista mesmo estando diante de um complicado problema de interpretação, conduziu as reportagens numa perspectiva anti-Jânio. A revista se incomodava com os investimentos no governo Jânio Quadros. Os números eram significativos. Eram proporcionalmente tão grandes como o país para os quais eram direcionados. O nacionalismo e a expropriação andavam juntos naquela administração, pelo menos foram as pautas de campanha durante aquela gestão. Jânio, na maior parte do tempo de seu governo, flertou com os países comunistas. A URSS tinha interesse não apenas em remeter recursos saneadores à economia brasileira, ela queria introduzir seu maquinário, suas fábricas, sua ideologia, ou seja, os mesmos três elementos de que dispõe o Século Americano. O século soviético batia à porta do Brasil com os EUA espreitando pela janela. Jânio não deixaria nunca a porta fechada. O Século Americano não contabilizava ou até mesmo imaginava manifestações de independência tão fortes. A difusão de objetos e valores norte-americanos não podia encontrar nenhum tipo de resistência, exceção para Cuba. Jânio não bloqueou nenhuma entrada de investidores norte-americanos, porém alterou o critério de acesso e influência, ou seja, antes de entrar, seria necessária a autorização do anfitrião.

Fronteira e Wilderness. A fronteira já havia sido vencida há muito tempo, o wilderness não. Despachavam-se correspondentes e repórteres. TIME não enviava antropólogos, aliás, encaminhava para além das fronteiras os mais hábeis espiões. Uma forma peculiar de se produzir história era feita por esses espiões. Por outro lado, das terras distantes a informação era transmitida para o Office. A espera da mensagem estava Henry Luce que fazia o filtro necessário, atribuías aos fatos recebidos o significado que julgava pertinente e de acordo com a sua própria interpretação. TIME continuava a tratar o wilderness como tal. Brasília estava, segundo a revista, assentada nele. Jânio Quadros passou a morar em Brasília, no interior do Brasil, ele era natural do Mato Grosso, região indômita, ao lado de Goiás, outra região a ser desbravada. O Rio de Janeiro, com Lacerda, insistia em centralizar e reter o poder 211

executivo, o duelo entre a bela ex-capital – a Cidade Maravilhosa – e Brasília promovia essa intensa dialética: campo versus cidade, wilderness versus cultura. Ao contrário do vice- presidente João Goulart, que optava por permanecer no Palácio das Laranjeiras, Jânio ficava em Brasília. Os gastos com o deslocamento dos parlamentares eram exorbitantes. TIME notificou essas demandas e, ao seu modo, denunciou a forma como os recursos públicos foram drenados na gestão daquele governo. Jânio fixou uma fronteira visível. Kennedy um fronteira mais amistosa. O contexto mundial estabelecia o desenho e o redesenho da geografia mundial, de um lado eram as fronteiras, do outro eram os Muros. De que maneira o Século Americano poderia vencer essas fronteiras que Jânio fixava? Os empréstimos nada mais eram que armadilhas ingênuas e que muitas vezes não convenciam Quadros. A fronteira pan-americana nada mais era do que uma enorme cerca que guardava em seu enorme interior um imenso wilderness. A principal estratégia para que o Século Americano adentrasse a fronteira do Brasil seria inibir ou até mesmo anular personagens que utilizassem o seu forte poder de persuasão contra a empresa americana. Quadros durante sete meses foi esse personagem.

Quem era o povo brasileiro que aparecia nas reportagens que traziam Jânio como tema? Questões de ordem estrutural tais como saúde, educação e moradia foram amplamente abordadas. Mas o povo brasileiro não aparecia de forma direta na maioria das vezes. O povo estava no campo, ameaçado de cooptação pelas Ligas Camponesas, tidas como instrumento do comunismo no Brasil. O povo estava por trás dos empréstimos e dos investimentos. O povo também era parte do wilderness. TIME tratou o povo como povo, massivo, e facilmente manipulável. O número de eleitores de Jânio e dos demais candidatos não representou apenas uma parcela do povo, mas a sua carência por um líder político que pudesse aplacar os numerosos problemas nacionais. Havia uma população ávida por um redentor e um líder não apenas político, mas messiânico. TIME é uma revista ‘missionária’ e encontrou um forte adversário em outra estrutura messiânica, Jânio, uma espécie de “Providência Divina”, um “Salvador da Pátria”. A revista analisou o perfil de Jânio por meio de uma ousada lógica: Líder + Independente + Autoritário = Ditador. A fórmula revela muito dos temores da revista diante da possibilidade de surgir outro Fidel Castro (outras Cubas). Para TIME, ditadura e comunismo andavam juntos. Jânio Quadros, declarado antiamericano e desafeto da própria revista, era um perigo evidente. A liderança de Quadros ficou clara com a sua força política diante dos 212

partidos nas eleições que participou. A postura independente sempre o acompanhou, estendendo-se ao grau máximo no contexto das relações internacionais. O perfil autoritário estava ligado ao uso político da máquina pública, de forma carismática ele agraciava o povo com atitudes decisivas e enérgicas. Um mês após ter sido a matéria de capa de uma das revistas mais famosas do mundo, Jânio renunciava e partiu, como sempre, para longe. Tratava-se de um momento em que o Século Americano não poderia mais emitir suspiros de alívio em relação ao Brasil e aos países latino-americanos. Jânio Quadros, ao deixar o poder, motivou a TIME a produzir um número ainda maior de reportagens e informações sobre o Brasil dentro de um contexto de preocupação, crítica e desconforto.

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Brazil: Running Start, Monday, 09-03-1959

Brazil: Democracy's Lott, 06-04-1959

Brazil: Running Early, 17-08-1959.

Brazil: The Candidates, 29-02-1960

Brazil: Which Conservative?, 03-10-1960

Brazil: Slipped Trip, 11-04-1960

Brazil: The New President, 17-10-1960

Brazil: Journey To The East, 05-12-1960 213

Brazil: Legacy Of Woes, 19-12-1960.

Brazil: Wherefore Art Thou, Jânio, 06-01-1961

Brazil: Jack & Janio, 10-02-1961

Brazil: Wheeling & Dealing, 03-03-1961

The Americas: Silent Disenchantment, 10-03-1961

Brazil: Insult To Injury, 17-03-1961

The Americas: Two Views South, 17-03-1961

The Hemisphere: Investment Going Down, 17-03-1961

The Americas: Progreso, Si!, 24-03-1961

Brazil: The Quadros Line, 24-03-1961

Brazil: U.S. Bet On Quadros, 14-04-1961

Brazil: Sharpening Definitions, 02-06-1961

The Americas: A New Political Force, 02-06-1961

The Americas: Who's Intervening Where?, 16-06-1961

The Americas: Hello, But No Help, 23-06-1961

Brazil: One Man's Cup Of Coffee, 30-06-1961

Brazil: Plan For The Serra, 21-07-1961

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220

ANEXO: TEXTO ORIGINAL DO SÉCULO AMERICANO

THE AMERICAN CENTURY

HENRY R. LUCE

First published in LIFE magazine 17 February 1941

We Americans are unhappy. We are not happy about America. We are not happy about ourselves in relation to America. We are nervous - or gloomy - or apathetic.

As we look out at the rest of the world we are confused; we don't know what to do. "Aid to Britain short of war" is typical of halfway hopes and halfway measures.

As we look toward the future - our own future and the future of other nations - we are filled with foreboding. The future doesn't seem to hold anything for us except conflict, disruption, war. There is a striking contrast between our state of mind and that of the British people. On Sept. 3, 1939, the first day of the war in England, Winston Churchill had this to say: "Outside the storms of war may blow and the land may be lashed with the fury of its gales, but in our hearts this Sunday morning there is Peace." Since Mr. Churchill spoke those words the German Luftwaffe has made havoc of British cities, driven the population underground, frightened children from their sleep, and imposed upon everyone a nervous strain as great as any that people have ever endured. Readers of LIFE have seen this havoc unfolded week by week.

Yet close observers agree that when Mr. Churchill spoke of peace in the hearts of the British people he was not indulging in idle oratory. The British people are profoundly calm. There seems to be a complete absence of nervousness. It seems as if all the neuroses of modern life had vanished from England.

221

In the beginning the British Government made elaborate preparations for an increase in mental breakdowns. But these have actually declined. There have been fewer than a dozen breakdowns reported in London since the air raids began.

The British are calm in their spirit not because they have nothing to worry about but because they are fighting for their lives. They have made that decision. And they have no further choice. All their mistakes of the past 20 years, all the stupidities and failures that they have shared with the rest of the democratic world, are now of the past. They can forget them because they are faced with a supreme task - defending, yard by yard, their island home.

With us it is different. We do not have to face any attack tomorrow or the next day. Yet we are faced with something almost as difficult. We are faced with great decisions. * * * We know how lucky we are compared to all the rest of mankind. At least two-thirds of us are just plain rich compared to all the rest of the human family - rich in food, rich in clothes, rich in entertainment and amusement, rich in leisure, rich.

And yet we also know that the sickness of the world is also our sickness. We, too, have miserably failed to solve the problems of our epoch. And nowhere in the world have man's failures been so little excusable as in the United States of America. Nowhere has the contrast been so great between the reasonable hopes of our age and the actual facts of failure and frustration. And so now all our failures and mistakes hover like birds of ill omen over the White House, over the Capitol dome and over this printed page. Naturally, we have no peace. But, even beyond this necessity for living with our own misdeeds, there is another reason why there is no peace in our hearts. It is that we have not been honest with ourselves.

In this whole matter of War and Peace especially, we have been at various times and in various ways false to ourselves, false to each other, false to the facts of history and false to the future. In this self-deceit our political leaders of all shades of opinion are deeply implicated. Yet we cannot shove the blame off on them. If our leaders have deceived us it is mainly because we ourselves have insisted on being deceived. Their deceitfulness has resulted from our own moral and intellectual confusion. In this confusion, our educators and churchmen and scientists are deeply implicated. 222

Journalists, too, of course, are implicated. But if Americans are confused it is not for lack of accurate and pertinent information. The American people are by far the best informed people in the history of the world. The trouble is not with the facts. The trouble is that clear and honest inferences have not been drawn from the facts. The day-to-day present is clear. The issues of tomorrow are befogged.

There is one fundamental issue which faces America as it faces no other nation. It is an issue peculiar to America and peculiar to America in the 20th Century - now. It is deeper even than the immediate issue of War. If America meets it correctly, then, despite hosts of dangers and difficulties, we can look forward and move forward to a future worthy of men, with peace in our hearts. If we dodge the issue, we shall flounder for ten or 20 or 30 bitter years in a chartless and meaningless series of disasters.

The purpose of this article is to state that issue, and its solution, as candidly and as completely as possible. But first of all let us be completely candid about where we are and how we got there.

AMERICA IS IN THE WAR

. . . But are we in it?

Where are we? We are in the war. All this talk about whether this or that might or might not get us into the war is wasted effort. We are, for a fact, in the war.

If there's one place we Americans did not want to be, it was in the war. We didn't want much to be in any kind of war but, if there was one kind of war we most of all didn't want to be in, it was a European war. Yet, we're in a war, as vicious and bad a war as ever struck this planet, and, along with being worldwide, a European war.

Of course, we are not technically at war, we are not painfully at war, and we may never have to experience the full hell that war can be. Nevertheless the simple statement stands: we are in the war. The irony is that Hitler knows it -and most Americans don't. It may or may not be an advantage to continue diplomatic relations with Germany. But the fact that a German embassy 223

still flourishes in Washington beautifully illustrates the whole mass of deceits and self-deceits in which we have been living.

Perhaps the best way to show ourselves that we are in the war is to consider how we can get out of it. Practically, there's only one way to get out of it and that is by a German victory over England. If England should surrender soon, Germany and America would not start fighting the next day. So we would be out of the war. For a while. Except that Japan might then attack the South Seas and the Philippines. We could abandon the Philippines, abandon Australia and New Zealand, withdraw to Hawaii. And wait. We would be out of the war. We say we don't want to be in the war. We also say we want England to win. We want Hitler stopped - more than we want to stay out of the war. So, at the moment, we're in.

WE GOT IN VIA DEFENSE

. . . But what are we defending?

Now that we are in this war, how did we get in? We got in on the basis of defense. Even that very word, defense, has been full of deceit and self-deceit. To the average American the plain meaning of the word defense is defense of the American territory. Is our national policy today limited to the defense of the American homeland by whatever means may seem wise? It is not. We are not in a war to defend American territory. We are in a war to defend and even to promote, encourage and incite so-called democratic principles throughout the world. The average American begins to realize now that that's the kind of war he's in. And he's halfway for it. But he wonders how he ever got there, since a year ago he had not the slightest intention of getting into any such thing. Well, he can see now how he got there. He got there via "defense." Behind the doubts in the American mind there were and are two different picture-patterns. One of them stressing the appalling consequences of the fall of England leads us to a war of intervention. As a plain matter of the defense of American territory is that picture necessarily true? It is not necessarily true.

For the other picture is roughly this: while it would be much better for us if Hitler were severely checked, nevertheless regardless of what happens in Europe it would be entirely possible for us to organize a defense of the northern part of the Western Hemisphere so that 224

this country could not be successfully attacked. You are familiar with that picture. Is it true or false? No man is qualified to state categorically that it is false. If the entire rest of the world came under the organized domination of evil tyrants, it is quite possible to imagine that this country could make itself such a tough nut to crack that not all the tyrants in the world would care to come against us. And of course there would always be a better than even chance that, like the great Queen Elizabeth, we could play one tyrant off against another. Or, like an infinitely mightier Switzerland, we could live discreetly and dangerously in the midst of enemies. No man can say that that picture of America as an impregnable armed camp is false. No man can honestly say that as a pure matter of defense - defense of our homeland - it is necessary to get into or be in this war. The question before us then is not primarily one of necessity and survival. It is a question of choice and calculation. The true questions are: Do we want to be in this war? Do we prefer to be in it? And, if so, for what?

WE OBJECT TO BEING IN IT . . . Our fears have a special cause

We are in this war. We can see how we got into it in terms of defense. Now why do we object so strongly to being in it?

There are lots of reasons. First, there is the profound and almost universal aversion to all war - to killing and being killed. But the reason which needs closest inspection, since it is one peculiar to this war and never felt about any previous war, is the fear that if we get into this war, it will be the end of our constitutional democracy. We are all acquainted with the fearful forecast - that some form of dictatorship is required to fight a modern war, that we will certainly go bankrupt, that in the process of war and its aftermath our economy will be largely socialized, that the politicians now in office will seize complete power and never yield it up, and that what with the whole trend toward collectivism, we shall end up in such a total national socialism that any faint semblances of our constitutional American democracy will be totally unrecognizable. We start into this war with huge Government debt, a vast bureaucracy and a whole generation of young people trained to look to the Government as the source of all life. The Party in power is the one which for long years has been most sympathetic to all manner of socialist doctrines and collectivist trends.

The President of the United States has continually reached for more and more 225

power, and he owes his continuation in office today largely to the coming of the war. Thus, the fear that the United States will be driven to a national socialism, as a result of cataclysmic circumstances and contrary to the free will of the American people, is an entirely justifiable fear.

BUT WE WILL WIN IT . . . The big question is how

So there's the mess - to date. Much more could be said in amplification, in qualification, and in argument. But, however elaborately they might be stated, the sum of the facts about our present position brings us to this point - that the paramount question of this immediate moment is not whether we get into war but how do we win it?

If we are in a war, then it is no little advantage to be aware of the fact. And once we admit to ourselves we are in a war, there is no shadow of doubt that we Americans will be determined to win it - cost what it may in life or treasure. Whether or not we declare war, whether or not we send expeditionary forces abroad, whether or not we go bankrupt in the process - all these tremendous considerations are matters of strategy and management and are secondary to the overwhelming importance of winning the war.

WHAT ARE WE FIGHTING FOR? . . . And why we need to know

Having now, with candor, examined our position, it is time to consider, to better purpose than would have been possible before, the larger issue which confronts us. Stated most simply, and in general terms, that issue is: What are we fighting for?

Each of us stands ready to give our life, our wealth, and all our hope of personal happiness, to make sure that America shall not lose any war she is engaged in. But we would like to know what war we are trying to win - and what we are supposed to win when we win it. This questioning reflects our truest instincts as Americans. But more than that. Our urgent desire to give this war its proper name has a desperate practical importance. If we know what 226

we are fighting for, then we can drive confidently toward a victorious conclusion and, what's more, have at least an even chance of establishing a workable Peace.

Furthermore - and this is an extraordinary and profoundly historical fact which deserves to be examined in detail - America and only America can effectively state the war aims of this war. Almost every expert will agree that Britain cannot win complete victory -cannot even, in the common saying, "stop Hitler" - without American help. Therefore, even if Britain should from time to time announce war aims, the American people are continually in the position of effectively approving or not approving those aims. On the contrary, if America were to announce war aims, Great Britain would almost certainly accept them. And the entire world including Adolf Hitler would accept them as the gauge of this battle.

Americans have a feeling that in any collaboration with Great Britain we are somehow playing Britain's game and not our own. Whatever sense there may have been in this notion in the past, today it is an ignorant and foolish conception of the situation. In any sort of partnership with the British Empire, Great Britain is perfectly willing that the United States of America should assume the role of senior partner. This has been true for a long time. Among serious Englishmen, the chief complaint against America (and incidentally their best alibi for themselves) has really amounted to this - that America has refused to rise to the opportunities of leadership in the world.

Consider this recent statement of the London Economist :

"If any permanent closer association of Britain and the United States is achieved, an island people of less than 50 millions cannot expect to be the senior partner. . . . The center of gravity and the ultimate decision must increasingly lie in America. We cannot resent this historical development. We may rather feel proud that the cycle of dependence, enmity and independence is coming full circle into a new interdependence." We Americans no longer have the alibi that we cannot have things the way we want them so far as Great Britain is concerned. With due regard for the varying problems of the members of the British Commonwealth, what we want will be okay with them. This holds true even for that inspiring proposal called Union Now - a proposal, made by an American, that Britain and the United States should create a new and larger federal union of peoples. That may not be the right 227

approach to our problem. But no thoughtful American has done his duty by the United States of America until he has read and pondered Clarence Streit's book presenting that proposal.

The big, important point to be made here is simply that the complete opportunity of leadership is ours. Like most great creative opportunities, it is an opportunity enveloped in stupendous difficulties and dangers. If we don't want it, if we refuse to take it, the responsibility of refusal is also ours, and ours alone. Admittedly, the future of the world cannot be settled all in one piece. It is stupid to try to blueprint the future as you blueprint an engine or as you draw up a constitution for a sorority. But if our trouble is that we don't know what we are fighting for, then it's up to us to figure it out. Don't expect some other country to tell us. Stop this Nazi propaganda about fighting somebody else's war. We fight no wars except our wars. "Arsenal of Democracy?" We may prove to be that. But today we must be the arsenal of America and of the friends and allies of America.

Friends and allies of America? Who are they, and for what? This is for us to tell them.

DONG DANG OR DEMOCRACY

. . . But whose Dong Dang, whose Democracy?

But how can we tell them? And how can we tell ourselves for what purposes we seek allies and for what purposes we fight? Are we going to fight for dear old Danzig or dear old Dong Dang? Are we going to decide the boundaries of Uritania? Or, if we cannot state war aims in terms of vastly distant geography, shall we use some big words like Democracy and Freedom and Justice? Yes, we can use the big words. The President has already used them. And perhaps we had better get used to using them again. Maybe they do mean something -about the future as well as the past.

Some amongst us are likely to be dying for them - on the fields and in the skies of battle. Either that, or the words themselves and what they mean die with us - in our beds.

But is there nothing between the absurd sound of distant cities and the brassy trumpeting of majestic words? And if so, whose Dong Dang and whose Democracy? Is there not something a little more practically satisfying that we can get our teeth into? Is there no sort of 228

understandable program? A program which would be clearly good for America, which would make sense for America - and which at the same time might have the blessing of the Goddess of Democracy and even help somehow to fix up this bothersome matter of Dong Dang? Is there none such? There is. And so we now come squarely and closely face to face with the issue which Americans hate most to face. It is that old, old issue with those old, old battered labels -the issue of Isolationism versus Internationalism. We detest both words. We spit them at each other with the fury of hissing geese. We duck and dodge them.

Let us face that issue squarely now. If we face it squarely now - and if in facing it we take full and fearless account of the realities of our age - then we shall open the way, not necessarily to peace in our daily lives but to peace in our hearts.

Life is made up of joy and sorrow, of satisfactions and difficulties. In this time of trouble, we speak of troubles. There are many troubles. There are troubles in the field of philosophy, in faith and morals. There are troubles of home and family, of personal life. All are interrelated but we speak here especially of the troubles of national policy.

In the field of national policy, the fundamental trouble with America has been, and is, that whereas their nation became in the 20th Century the most powerful and the most vital nation in the world, nevertheless Americans were unable to accommodate themselves spiritually and practically to that fact. Hence they have failed to play their part as a world power - a failure which has had disastrous consequences for themselves and for all mankind. And the cure is this: to accept wholeheartedly our duty and our opportunity as the most powerful and vital nation in the world and in consequence to exert upon the world the full impact of our influence, for such purposes as we see fit and by such means as we see fit. * * * "For such purposes as we see fit" leaves entirely open the question of what our purposes may be or how we may appropriately achieve them. Emphatically our only alternative to isolationism is not to undertake to police the whole world nor to impose democratic institutions on all mankind including the Dalai Lama and the good shepherds of Tibet.

America cannot be responsible for the good behavior of the entire world. But America is responsible, to herself as well as to history, for the world environment in which she lives. Nothing can so vitally affect America's environment as America's own influence upon it, and 229

therefore if America's environment is unfavorable to the growth of American life, then America has nobody to blame so deeply as she must blame herself. In its failure to grasp this relationship between America and America's environment lies the moral and practical bankruptcy of any and all forms of isolationism. It is most unfortunate that this virus of isolationist sterility has so deeply infected an influential section of the Republican Party. For until the Republican Party can develop a vital philosophy and program for America's initiative and activity as a world power, it will continue to cut itself off from any useful participation in this hour of history. And its participation is deeply needed for the shaping of the future of America and of the world. * * * But politically speaking, it is an equally serious fact that for seven years Franklin Roosevelt was, for all practical purposes, a complete isolationist. He was more of an isolationist than Herbert Hoover or Calvin Coolidge. The fact that Franklin Roosevelt has recently emerged as an emergency world leader should not obscure the fact that for seven years his policies ran absolutely counter to any possibility of effective American leadership in international co- operation. There is of course a justification which can be made for the President's first two terms. It can be said, with reason, that great social reforms were necessary in order to bring democracy up-to-date in the greatest of democracies. But the fact is that Franklin Roosevelt failed to make American democracy work successfully on a narrow, materialistic and nationalistic basis. And under Franklin Roosevelt we ourselves have failed to make democracy work successfully. Our only chance now to make it work is in terms of a vital international economy and in terms of an international moral order. This objective is Franklin Roosevelt's great opportunity to justify his first two terms and to go down in history as the greatest rather than the last of American Presidents. Our job is to help in every way we can, for our sakes and our children's sakes, to ensure that Franklin Roosevelt shall be justly hailed as America's greatest President.

Without our help he cannot be our greatest President. With our help he can and will be. Under him and with his leadership we can make isolationism as dead an issue as slavery, and we can make a truly American internationalism something as natural to us in our time as the airplane or the radio. In 1919 we had a golden opportunity, an opportunity unprecedented in all history, to assume the leadership of the world - a golden opportunity handed to us on the proverbial silver platter. We did not understand that opportunity.

230

Wilson mishandled it. We rejected it. The opportunity persisted. We bungled it in the 1920's and in the confusions of the 1930's we killed it. To lead the world would never have been an easy task. To revive the hope of that lost opportunity makes the task now infinitely harder than it would have been before. Nevertheless, with the help of all of us, Roosevelt must succeed where Wilson failed.

THE 20TH CENTURY IS THE AMERICAN CENTURY

. . . Some facts about our time

Consider the 20th Century. It is not only in the sense that we happen to live in it but ours also because it is America's first century as a dominant power in the world. So far, this century of ours has been a profound and tragic disappointment. No other century has been so big with promise for human progress and happiness. And in no one century have so many men and women and children suffered such pain and anguish and bitter death. It is a baffling and difficult and paradoxical century. No doubt all centuries were paradoxical to those who had to cope with them. But, like everything else, our paradoxes today are bigger and better than ever. Yes, better as well as bigger - inherently better. We have poverty and starvation - but only in the midst of plenty. We have the biggest wars in the midst of the most widespread, the deepest and the most articulate hatred of war in all history. We have tyrannies and dictatorships - but only when democratic idealism, once regarded as the dubious eccentricity of a colonial nation, is the faith of a huge majority of the people of the world.

And ours is also a revolutionary century. The paradoxes make it inevitably revolutionary. Revolutionary, of course, in science and in industry. And also revolutionary, as a corollary in politics and the structure of society. But to say that a revolution is in progress is not to say that the men with either the craziest ideas or the angriest ideas or the most plausible ideas are going to come out on top. The Revolution of 1776 was won and established by men most of whom appear to have been both gentlemen and men of common sense. Clearly a revolutionary epoch signifies great changes, great adjustments. And this is only one reason why it is really so foolish for people to worry about our "constitutional democracy" without worrying or, better, thinking hard about the world revolution. For only as we go out to meet and solve for our time the problems of the world revolution, can we know how to re-establish our constitutional democracy for another 50 or 100 years. This 20th Century is baffling, 231

difficult, paradoxical, revolutionary. But by now, at the cost of much pain and many hopes deferred, we know a good deal about it. And we ought to accommodate our outlook to this knowledge so dearly bought. For example, any true conception of our world of the 20th Century must surely include a vivid awareness of at least these four propositions.

First: our world of 2,000,000,000 human beings is for the first time in history one world, fundamentally indivisible.

Second: modern man hates war and feels intuitively that, in its present scale and frequency, it may even be fatal to his species. Third: our world, again for the first time in human history, is capable of producing all the material needs of the entire human family. Fourth: the world of the 20th Century, if it is to come to life in any nobility of health and vigor, must be to a significant degree an American Century. As to the first and second: in postulating the indivisibility of the contemporary world, one does not necessarily imagine that anything like a world state -a parliament of men - must be brought about in this century. Nor need we assume that war can be abolished. All that it is necessary to feel - and to feel deeply - is that terrific forces of magnetic attraction and repulsion will operate as between every large group of human beings on this planet. Large sections of the human family may be effectively organized into opposition to each other. Tyrannies may require a large amount of living space. But Freedom requires and will require far greater living space than Tyranny. Peace cannot endure unless it prevails over a very large part of the world. Justice will come near to losing all meaning in the minds of men unless Justice can have approximately the same fundamental meanings in many lands and among many peoples. As to the third point - the promise of adequate production for all mankind, the "more abundant life" - be it noted that this is characteristically an American promise. It is a promise easily made, here and elsewhere, by demagogues and proponents of all manner of slick schemes and "planned economies." What we must insist on is that the abundant life is predicated on Freedom - on the Freedom which has created its possibility - on a vision of Freedom under Law. Without Freedom, there will be no abundant life. With Freedom, there can be. And finally there is the belief - shared let us remember by most men living -that the 20th Century must be to a significant degree an American Century. This knowledge calls us to action now.

AMERICA'S VISION OF OUR WORLD

232

. . . How it shall be created

What can we say and foresee about an American Century? It is meaningless merely to say that we reject isolationism and accept the logic of internationalism. What internationalism? Rome had a great internationalism. So had the Vatican and Genghis Khan and the Ottoman Turks and the Chinese Emperors and 19th Century England. After the first World War, Lenin had one in mind. Today Hitler seems to have one in mind - one which appeals strongly to some American isolationists whose opinion of Europe is so low that they would gladly hand it over to anyone who would guarantee to destroy it forever. But what internationalism have we Americans to offer? Ours cannot come out of the vision of any one man. It must be the product of the imaginations of many men. It must be a sharing with all peoples of our Bill of Rights, our Declaration of Independence, our Constitution, our magnificent industrial products, our technical skills. It must be an internationalism of the people, by the people and for the people.

In general, the issues which the American people champion revolve around their determination to make the society of men safe for the freedom, growth and increasing satisfaction of all individual men. Beside that resolve, the sneers, groans, catcalls, teeth- grinding, hisses and roars of the Nazi Propaganda Ministry are of small moment.

Once we cease to distract ourselves with lifeless arguments about isolationism, we shall be amazed to discover that there is already an immense American internationalism. American jazz, Hollywood movies, American slang, American machines and patented products, are in fact the only things that every community in the world, from Zanzibar to Hamburg, recognizes in common. Blindly, unintentionally, accidentally and really in spite of ourselves, we are already a world power in all the trivial ways - in very human ways. But there is a great deal more than that. America is already the intellectual, scientific and artistic capital of the world.

Americans -Midwestern Americans - are today the least provincial people in the world. They have traveled the most and they know more about the world than the people of any other country. America's worldwide experience in commerce is also far greater than most of us realize. Most important of all, we have that indefinable, unmistakable sign of leadership: prestige. And unlike the prestige of Rome or Genghis Khan or 19th Century England, 233

American prestige throughout the world is faith in the good intentions as well as in the ultimate intelligence and ultimate strength of the whole American people. We have lost some of that prestige in the last few years. But most of it is still there. * * * No narrow definition can be given to the American internationalism of the 20th Century. It will take shape, as all civilizations take shape, by the living of it, by work and effort, by trial and error, by enterprise and adventure and experience.

And by imagination!

As America enters dynamically upon the world scene, we need most of all to seek and to bring forth a vision of America as a world power which is authentically American and which can inspire us to live and work and fight with vigor and enthusiasm. And as we come now to the great test, it may yet turn out that in all our trials and tribulations of spirit during the first part of this century we as a people have been painfully apprehending the meaning of our time and now in this moment of testing there may come clear at last the vision which will guide us to the authentic creation of the 20th Century - our Century. * * *

Consider four areas of life and thought in which we may seek to realize such a vision:

First, the economic. It is for America and for America alone to determine whether a system of free economic enterprise - an economic order compatible with freedom and progress - shall or shall not prevail in this century. We know perfectly well that there is not the slightest chance of anything faintly resembling a free economic system prevailing in this country if it prevails nowhere else. What then does America have to decide?

Some few decisions are quite simple. For example: we have to decide whether or not we shall have for ourselves and our friends freedom of the seas - the right to go with our ships and our ocean-going airplanes where we wish, when we wish and as we wish. The vision of America as the principal guarantor of the freedom of the seas, the vision of Americas [sic] as the dynamic leader of world trade, has within it the possibilities of such enormous human progress as to stagger the imagination. Let us not be staggered by it. Let us rise to its tremendous possibilities. 234

Our thinking of world trade today is on ridiculously small terms. For example, we think of Asia as being worth only a few hundred millions a year to us. Actually, in the decades to come Asia will be worth to us exactly zero - or else it will be worth to us four, five, ten billions of dollars a year. And the latter are the terms we must think in, or else confess a pitiful impotence. Closely akin to the purely economic area and yet quite different from it, there is the picture of an America which will send out through the world its technical and artistic skills. Engineers, scientists, doctors, movie men, makers of entertainment, developers of airlines, builders of roads, teachers, educators.

Throughout the world, these skills, this training, this leadership is needed and will be eagerly welcomed, if only we have the imagination to see it and the sincerity and good will to create the world of the 20th Century. But now there is a third thing which our vision must immediately be concerned with. We must undertake now to be the Good Samaritan of the entire world. It is the manifest duty of this country to undertake to feed all the people of the world who as a result of this worldwide collapse of civilization are hungry and destitute - all of them, that is, whom we can from time to time reach consistently with a very tough attitude toward all hostile governments.

For every dollar we spend on armaments, we should spend at least a dime in a gigantic effort to feed the world - and all the world should know that we have dedicated ourselves to this task. Every farmer in America should be encouraged to produce all the crops he can, and all that we cannot eat - and perhaps some of us could eat less - should forthwith be dispatched to the four quarters of the globe as a free gift, administered by a humanitarian army of Americans, to every man, woman and child on this earth who is really hungry. * * *

But all this is not enough. All this will fail and none of it will happen unless our vision of America as a world power includes a passionate devotion to great American ideals. We have some things in this country which are infinitely precious and especially American - a love of freedom, a feeling for the equality of opportunity, a tradition of self-reliance and independence and also of co-operation. In addition to ideals and notions which are especially American, we are the inheritors of all the great principles of Western civilization - above all Justice, the love of Truth, the ideal of Charity. The other day Herbert Hoover said that America was fast becoming the sanctuary of the ideals of civilization. 235

For the moment it may be enough to be the sanctuary of these ideals. But not for long. It now becomes our time to be the powerhouse from which the ideals spread throughout the world and do their mysterious work of lifting the life of mankind from the level of the beasts to what the Psalmist called a little lower than the angels.

America as the dynamic center of ever-widening spheres of enterprise, America as the training center of the skillful servants of mankind, America as the Good Samaritan, really believing again that it is more blessed to give than to receive, and America as the powerhouse of the ideals of Freedom and Justice - out of these elements surely can be fashioned a vision of the 20th Century to which we can and will devote ourselves in joy and gladness and vigor and enthusiasm. Other nations can survive simply because they have endured so long -sometimes with more and sometimes with less significance. But this nation, conceived in adventure and dedicated to the progress of man - this nation cannot truly endure unless there courses strongly through its veins from Maine to California the blood of purposes and enterprise and high resolve. Throughout the 17th Century and the 18th Century and the 19th Century, this continent teemed with manifold projects and magnificent purposes. Above them all and weaving them all together into the most exciting flag of all the world and of all history was the triumphal purpose of freedom. It is in this spirit that all of us are called, each to his own measure of capacity, and each in the widest horizon of his vision, to create the first great American Century.

DIPLOMATIC HISTORY, Vol. 23, No. 2 (Spring 1999). © 1999 The Society for Historians of American Foreign Relations (SHAFR). Published by Blackwell Publishers, 350 Main Street, Malden, MA, 02148, USA and 108 Cowley Road, Oxford, OX4 1JF, UK. CREDIT: HENRY LUCE, LIFE MAGAZINE.