Os Descendentes De Ero Fernandes (Séculos IX-XII)
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Sobre a ascendência condal entre a aristocracia infancional: os descendentes de Ero Fernandes (séculos IX-XII) About the countly ascentry among the “infancional” aristocracy: the descendents of Ero Fernandes (IX th-XII th century) João Paulo Martins Ferreira Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade. Universidade do Porto RESUMO Na sequência dos trabalhos de José Mattoso, os infanções foram sendo descritos como uma classe aris- tocrática heterogénea de terratenentes, que se encontrava na dependência da nobreza condal ou, pelo menos, num patamar secundário em relação a ela. Contudo, o levantamento das linhas familiares pro- venientes de Ero Fernandes permite discernir um parentesco claro com os Baião, uma das linhagens infancionais fundadoras da nobreza portuguesa, e com os Celanova e Trava-Trastâmara, representantes de uma aristocracia condal galego-portuguesa mais recente. Com efeito, importa não só analisar estes laços de parentesco e hierarquia interna da antiga nobreza portucalense (condal e infancional), como também relacionar o sentido ascendente do percurso dos Baião, Celanova e Trava-Trastâmara, com a paulatina decadência da velha aristocracia condal, reequa- cionando a situação histórica de Pedroso enquanto último capítulo deste grupo social. PALAVRAS-CHAVE: Infanções; Aristocracia Condal; Ero Fernandes; Baião; Celanova; Trava-Trastâmara; Pedroso; Linhagem e Parentesco. ABSTRACT Following the works of José Mattoso, the “infanções” were described as a heterogeneous aristocratic group of landowners, that were dependents of the families of the old counts of Portugal and Coim- bra or, at least, in a secondary level towards them. However, the reconstitution of the family lines of descendents of Ero Fernandes allows us to assess a clear kinship with the Baião, one of the lineages of “infanções” that founded the Portuguese nobility, and with the Celanova and Trava-Trastâmara, members of a new aristocracy of Galician-Portuguese counts. For that reason, it is important to analyze these family ties and the internal hierarchy of the old nobil- ity of Portucale (both counts and “infanções”), as well as to link the ascendant path of the Baião, Cel- anova and Trava-Trastâmara, with the steady decay of the counts of Portucale and Coimbra, therefore repositioning the historical assessment of Pedroso as the last chapter of this social group. KEY WORDS: Infanções; Countal Aristocracy; Ero Fernandes; Baião; Celanova; Trava-Trastâmara; Pe- droso; Lineage and Kinship. Recibido: 25/06/2018 Revisado: 28/08/2018 Aceptado: 03/09/2018 1. ENTRE NOBREZA CONDAL E INFANÇÕES No seu seminal artigo A Nobreza Rural Portuense nos Séculos XI e XII (1969) 1, José Mattoso esboçou claramente a natureza incipiente da historiografia que, até então, se tinha produzido 1 MATTOSO, José. “A Nobreza Rural Portuense nos Séculos XI e XII”. Anuario de Estudios Medievales, 1969, 6, p. 465-520. ISSN 0214-736X 31 STUDIA ZAMORENSIA, Vol. XVII, 2018 João Paulo Martins Ferreira sobre a nobreza portucalense, limitando-se a aludir aos trabalhos de A. de Almeida Fernandes e de Emilio Saéz. Na verdade, as incursões deste último sobre a aristocracia condal portucalense e coimbrã surgem, acima de tudo, da interacção bidireccional da família de S. Rosendo com o espaço galego e portucalense/coimbrão2. A omnipresença da descendência de Ildoara Eriz (filha do conde Ero Fernandes3, senhor de Lugo) e do conde Guterre Mendes4 (filho do conde Hermenegildo Guter- res, presor de Coimbra) na documentação do mosteiro galego de Celanova5 justifica em grande medida este interesse6. Fundado por S. Rosendo e protegido pelos seus pais e irmãos, o mosteiro de Celanova tor- nou-se, desde cedo, num retrato de uma intrincada rede de relações sócio-familiares, que, com o passar das gerações, foi agremiando em si figuras centrais da aristocracia condal galego-portuguesa e evoluindo em direcções muito díspares, ou seja, elevando-se, extinguindo-se ou, até, decaindo ao nível de infanções. Aparentemente, este último contexto – de evolução socialmente divergente dos ramos fami- liares provenientes de Ero Fernandes – afigura-se como contraditório em relação ao cenário teó- rico traçado por José Mattoso, que, em Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros, segmenta a nobreza medieval portuguesa do período condal em patamares relativamente estanques, constituídos por um corpo de magnates provenientes dos condes presores e por uma classe inferior de infanções (de origem autóctone ou externa), que se assumiriam como seus dependentes ou como detentores de uma autoridade meramente local7. 2 Bem expressa em SÁEZ, Emilio. “Los Ascendientes de San Rosendo. Notas para el Estudio de la Monarquía Astur-Leonesa durante los Siglos IX y X”. Hispania, 1948, 30, p. 5-133. 3 Protagonista de vários estudos como, por exemplo, SALAZAR Y ACHA, Jaime de. “Los Descendientes del Conde Ero Fernández, Fundador del Monasterio de Santa María de Ferreira de Pallares”. In Galicia en la Edad Media (Actas del Coloquio de Santiago Compostela de la Sociedad Española de Estudios Medievales). Madrid: Sociedad Española de Estudios Medievales, 1990, p. 67-86. 4 Sobre Guterre Mendes e sua descendência veja-se MATTOSO, José. A Nobreza Medieval Portuguesa. A Família e o Poder. Lisboa: Círculo de Leitores, 2001 [1981], p. 88 e seguintes. 5 Segundo a documentação deste cenóbio, a família de S. Rosendo, filho deste casal, ostentaria bens desde Bergan- tiños (Galiza) até ao vale do Mondego (ANDRADE, José Miguel. (ed.). O Tombo de Celanova. Santiago de Compostela: Conselho de Cultura Galega, 1995, 2 vols., docs. 1, 2, 4, 7, 75, 172, 179, 213, 218, 229, 256, 348, 357, 419, 453, 478, 493, 500, 508, 509, 510, 518, 568, 570 e 578). Apesar desta sua forte vinculação a Celanova, os descendentes de Ero Fernandes também participaram activamente na fundação de outras casas monásticas galegas de menor importância. Neste contexto, importa assinalar os casos de Ferreira de Pallares (vide nota 3) e de Chantada, principalmente devido à sobrevivência de memórias e tradições genea- lógicas alusivas aos seus patronos. Para o caso de Chantada, podemos recomendar que se veja MÉNDEZ PÉREZ, José. “La Familia de San Rosendo en la Fundación del Monasterio de Chantada”. Estudios Mindonienses, 2007, 23, p. 125-182; e MÉNDEZ PÉREZ, José. “El Problema de Ermesenda en los Primeros Documentos del Monasterio de Chantada. Una Nota Aclaratoria”. Rudesindus, 2012, 8, p. 75-86. 6 Até Mattoso, o lento desenvolvimento dos estudos sobre a aristocracia medieval portuguesa foi inversamen- te proporcional ao interesse nos processos de presúria. Ficam algumas referências que espelham bem esta realidade: SOARES, Torquato de Sousa. “O Repovoamento do Norte de Portugal, no Séc. IX”. Biblos, 1942, 18, p. 187-208; PINTO, Sérgio da Silva. Breves Notas sobre as Presúrias do Século IX na Terra Portugalense. A Respeito de Vímara Peres. Porto: Câmara Municipal do Porto, 1968; ou, mais recentemente, AMARAL, Luís Carlos. Formação e Desenvolvimento do Domínio da Diocese de Braga no Período da Reconquista (Século IX-1137). Dissertação de Doutoramento. Universidade do Porto, 2007. 7 Vide MATTOSO, José. Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros. A Nobreza Medieval Portuguesa nos Séculos XI e XII. Lisboa: Guimarães, 1998 [1982], p. 37-114. Contudo, importa salvaguardar que a sua aceitação da existência de um nível de dependência hierárquica das elites infancionais em relação à velha aristocracia condal surge da adaptação de esquemas teóricos centro-europeus ao contexto Ibérico, que, tal como o próprio Mattoso enfatiza, já tinham levado à produção de retratos mais latos sobre a sociedade feudal peninsular (como, por exemplo, GRASSOTTI, Hilda. Las Institu- ciones Feudo-Vasalláticas en León y Castilla. Spoleto: Centro Italiano di Studi Sull’ Alto Medioevo, 1969, 2 vols.). Com efeito, podemos verificar que esta mesma inspiração teórica também estimulou a historiografia espanhola das décadas de sessenta e setenta, que assumiu, com a mesma clareza, uma subordinação dos infanções e cavaleiros em relação aos estratos mais elevados da aristocracia peninsular (veja-se, por exemplo, PÉREZ DE TUDELA Y VELASCO, María Isabel. Infanzones y Caballeros: su Proyección en la Esfera Nobiliaria Castellano-Leonesa, Siglos IX-XIII. Madrid: Universidad Complutense, 1979). STUDIA ZAMORENSIA, Vol. XVII, 2018 32 ISSN 0214-736X Sobre a ascendência condal entre a aristocracia infancional No entanto, vários autores foram criando um cenário genealógico e social onde são recorren- tes as áreas de intercepção entre linhas da velha aristocracia condal e da emergente classe infancio- nal, ascendentes da nobreza fundacional portuguesa8. No que concerne aos descendentes de Ero Fernandes, esta intercepção surge através da ascen- dência de Arualdo Gondesendes (Baião) em Gondesendo Soares, filho de Soeiro Gondesendes e neto de Gondesendo Eriz, filho de Ero Fernandes e esposo de Enderquina Mendes Pala. Este encadeamento genealógico foi proposto primeiramente por Almeida Fernandes e aceite quer por José Mattoso quer por José Augusto de Sottomayor-Pizarro9, sem que, contudo, se tenham tirado as devidas ilações teóricas de tal associação. Por outro lado, do ramo frondoso de Ildoara Eriz (filha de Ero Fernandes) e do conde “coim- brão” Guterre Mendes sobressaem: Monio Guterres (911-959), pai do conde Gonçalo Moniz de Coimbra (928-981) e avô de Froila Gonçalves (994-1017), famoso aliado cristão de Almançor nas suas surtidas por terras cristãs (995-997)10 e figura que, segundo informações genealógicas do mosteiro de Sobrado, poderá ter sido pai de