História De Portugal A
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HISTÓRIA DE PORTUGAL A. H. de Oliveira Marques volume 1 VOLUME 1 DAS ORIGENS ÀS REVOLUÇõES LIBERAIS A. H. DE OLIVEIRA MARQUES HISTÓRIA DE PORTUGAL DESDE OS TEMPOS MAIS ANTIGOS ATÉ AO GOVERNO DO SR. PINHEIRO DE AZEVEDO Manual para uso de estudantes e outros curiosos por assuntos do passado pátrio PALAS EDITORES - LISBOA 7ª Edição - Março 1977 - 10 000 ex. PREFÁCIO Esta História tem uma pequena história. No Verão de 1967, passei dois meses em Nova York, leccionando na Universidade de Columbia. Pouco antes de partir para a Europa, já em férias, almocei com três colegas americanos, todos eles interessados por temas portugueses. Falou-se em histórias de Portugal em inglês, nos três ou quatro manuais existentes, contra os quais eu me insurgi com veemência. Enfaticamente declarei que nada havia de recomendável, nada, em boa verdade, que um professor de história de Portugal pudesse aconselhar aos seus alunos como obra de conjunto. Nem em inglês, nem em português, acrescentei. Isto passou-se. De regresso aos Estados Unidos, nos meados de Setembro desse ano, fui encontrar uma carta da Imprensa da Universidade de Columbia, convidando-me a escrever um manual de história de Portugal em um volume, atendendo à falta notória de manuais actualizados em língua inglesa. O meu nome fora-lhes sugerido, pelo Prof. Bradford Burns, um dos participantes no tal almoço. Colhido de surpresa, enredado nos meus próprios argumentos, não pude dizer que não. Pus de parte ou afrouxei os diversos trabalhos que tinha entre mãos - um estudo pormenorizado da cidade de Lisboa na Idade Média em colaboração com Maria Teresa Campos Rodrigues; uma antologia de textos medievais hispânicos; etc. - e lancei-me à tarefa de corpo e alma. O livro ficou escrito em cerca de dois anos e meio: de Janeiro de 1968 a meados de 1970. E as 400 páginas inicialmente previstas subiram para 1000 e obrigaram à criação de dois volumes em vez de um só. XIV Uma das condições que propus à Imprensa da Universidade de Columbia, e que ela aceitou, dizia respeito à publicação da obra em português, sem que esta publicação se pudesse considerar uma «tradução» da edição americana e incorresse, portanto, no Copyright que lhe pertencia. De facto, embora o livro fosse originariamente redigido em inglês, reescrevi-o depois, na sua totalidade, em português. Resultaram assim duas versões diferentes, até porque o texto definitivo inglês sofreu consideráveis «podas», a bem da concisão a-romântica e a-barroca do idioma de Shakespeare, estruturalmente oposto à língua de Camões. A par da variedade e maior quantidade de figuras, mapas, quadros genealógicos, etc., isto veio tornar a versão portuguesa bastante mais rica e completa do que a americana, como aliás seria de esperar. Sai também antes dela, ao menos o 1.o volume, já que o processo editorial se revelou mais moroso além do que aquém- Atlântico. O plano deve muito a Vitorino Magalhães Godinho, na medida em que se mostra uma adaptação do plano geral previsto para a grande História de Portugal em vários volumes, que aquele historiador projectava e projecta orientar, e onde eu também me honro de ter parte. A divisão por épocas segue-o de perto. O carácter de manual de consulta levou-me, todavia, a desdobrar cada época em duas partes: uma relativa à Metrópole e outra ao Ultramar. Foi resolução que destruiu um pouco a unidade e a homogeneidade dos vários capítulos, mas que me parece ter beneficiado o leitor que do livro se queira servir. Insista-se que estamos em presença de um manual para o grande público. Daí a importância concedida aos resumos, aos factos, à economia das palavras. Daí a fuga quase sistemática aos grandes voos interpretativos, às sínteses globais cobrindo vários séculos de passado, que teriam cabimento em livro mais pequeno, tipo ensaio, ou, pelo contrário, em História altamente desenvolvida -a tal, dirigida por Vitorino Magalhães Godinho, que há-de surgir num futuro próximo - mas que estariam deslocados em livro de consulta permanente. Não excluí, todavia, interpretações e explicações sempre que me pareceram indispensáveis, a par e passo, mesmo como súmula de algumas grandes épocas. Por isso mesmo, também, o livro não vai muito vincado em ideologia. Não fugi a meia dúzia de adjectivos nem a meia dúzia de casos de apresentação de doutrina que serão antipáticos a muitos. Mas tenho esperança de que até estes encontrarão utilidade na obra e conseguirão usá-la quotidianamente, com menos asco do que quando eu me sirvo, por exemplo, da obra de Fortunato de Almeida e me vejo obrigado a ler os seus termos ofensivos para os meus princípios e as minhas ideias. Repetindo aquilo que escrevi algures, «acaso a ausência de uma ideologia vulgarmente reconhecível fará destes... capítulos uma obra de tendência burguesa a olhos marxistas e um livro de cheiro socialista a olhos burgueses. Oxalá assim seja, porque a nada de melhor aspira o autor do que a fugir aos rótulos ideológicos com que se costumam etiquetar as pessoas. São rótulos que tornam as obras antipáticas e os autores, se a eles aderem bem, falsificadores do passado e péssimas testemunhas do presente.» XVI Com poucas excepções, a bibliografia não vai além do ano de 1970. Para cada capítulo ou sub-capítulo, houve a preocupação de indicar preferentemente obras gerais, quando as há, evitando os artigos e as monografiâs especializadas em excesso. Entre as dezenas de obras utilizadas e citadas, devo salientar o Dicionário de História de Portugal e testemunhar ao seu criador uma palavra de profundo agradecimento. Sem ele, creio que este livro não poderia ter sido escrito. A todos - e foram muitos - os que ajudaram com conselhos ou sugestões ao crescimento da História, vai a minha gratidão mais sincera. E uma saudade sem nome para minha mulher, que estimulou e acompanhou a obra desde o início, mas que o Destino ceifou antes da sua publicação final. Lisboa, 29 de Setembro de 1971. NOTA À 4.- EDIÇÃO O sucesso que este livro tem alcançado não faz esquecer ao autor a sua mágoa pela quase completa inexistência de críticas válidas. Para além de algumas correcções devidas a amigos, o autor só tem a registar, neste período de mais dois anos, a recensão crítica do p.e Domingos Maurício Gomes dos Santos (S. J.) publicada em dois números da revista Brotéria, em Junho e Dezembro de 1973. Com reconhecimento a refere, tendo dela aproveitado numerosos esclarecimentos, correctivos e pontos de vista. Serra d'El-Rei, Setembro de 1974. INTRODUÇÃO AS RAíZES DE UMA NAÇÃO 1 -Traços permanentes a) O espaço «Se relancearmos no seu conjunto os traços geomorfológicos mais gerais da Península Hispânica, particularidade geográfica alguma parece justificar uma fragmentação política dentro dela.» * Jaime Cortesão, Os Factores Democráticos na Formação de Portugal, Obras Completas, I, Lisboa, Portugália, 1964, pp. 16-17. Na verdade, torna-se difícil falar de uma unidade do território português baseada em condições naturais, ou de uma individualidade de Portugal dentro do conjunto da Península Ibérica. O Minho continua a Galiza tanto na orografia e no clima como nas formas da exploração do solo. Trás-os-Montes e o norte da Beira prolongam a Meseta Ibérica. A Cordilheira Central (Serra da Estrela, etc.) separa o Norte e o Sul de Portugal assim como separa o Norte e o Sul da vizinha Castela. A Beira Baixa e o Alentejo compartilham de condições que se encontram na Estremadura espanhola. E a província mais meridional do País, o Algarve, não difere grandemente da Andaluzia litoral. Em todos os casos se deparam semelhanças, não só no solo e no clima mas também nas maneiras de viver e nas condições económicas gerais. As regiões mais originais de Portugal encontram-se, na realidade, numa faixa relativamente estreita do território litoral (Beira Litoral, Estremadura portuguesa) e na planície aluvial da bacia do Tejo (Ribatejo). O todo, porém, não ultrapassa 25 % do País. É facto que a excepcional extensão dos planaltos de baixa altitude confere a algumas regiões de Portugal uma característica bem própria, em comparação com o resto da Espanha. Todavia, este fenómeno resulta mais de considerarmos a unidade política, Portugal, como termo de comparação com ess'outra unidade política, Espanha, do que de separarmos, da Península Ibérica considerada no seu conjunto, uma unidade geográfica. Características morfológicas próprias, tão diversificadas como as portuguesas, também as encontraríamos na Catalunha- Aragão, em Múrcia-Valência, e na Andaluzia, para mencionar só as mais relevantes. Na grande variedade da Ibéria, várias das suas regiões são destacáveis. Portugal -em boa verdade, só uma parte de Portugal - é uma delas. Mas, para citarmos Salvador de Madariaga, «a Espanha é una com todas as suas Espanhas». Este facto, por si só, não faz da independência de Portugal um absurdo político, como não justifica também uma união ibérica. Por toda a Europa, por todo o Mundo, Geografia e História contradizem-se com frequência. A unidade morfológica das planuras da Europa Setentrional foi e é quebrada por fronteiras, aparentemente tão arbitrárias como as portuguesas. E o mesmo se diria de inúmeras regiões da África e da América. Muito mais importante do que uma pretensa individualidade geográfica, é antes a situação geográfica, que explica muitos dos traços característicos da história portuguesa e a própria existência de Portugal como nação. Sendo o país mais ocidental do continente europeu, Portugal foi durante séculos o fim do mundo. Finisterre, o nome de um cabo da Galiza, melhor se poderia aplicar ao cabo da Roca, a ponta da Europa. Para ocidente nada existia, nem mesmo ilhas. De facto, a costa portuguesa, com os seus 848 km, não tem quase ilhas; se esquecermos os pequenos rochedos das Berlengas, ao largo de Peniche. Além disso, é uma costa de poucas aberturas, apesar das longas tiras de praia.