Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Comunicação Social

Vanessa de Freitas Silva

#museumselfie: sociabilidades mediadas por imagens conectadas no Instagram

Rio de Janeiro 2018 Vanessa de Freitas Silva

#museumselfie: sociabilidades mediadas por imagens conectadas no Instagram

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de Concentração: Comunicação Social.

Orientador: Prof. Dr. Fernando do Nascimento Gonçalves

Rio de Janeiro 2018

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

S586 Silva, Vanessa de Freitas. #museumselfie: sociabilidades mediadas por imagens conectadas no Instagram / Vanessa de Freitas Silva. – 2018. 160 f.

Orientador: Fernando do Nascimento Gonçalves Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Comunicação Social.

1. Comunicação Social – Teses. 2. Fotografia – Teses. 3. Museu – Teses. 4. Redes Sociais on-line – Teses. I. Gonçalves, Fernando do Nascimento. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Comunicação Social. III. Título.

es CDU 316.6

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte.

______Assinatura Data

Vanessa de Freitas Silva

#museumselfie: sociabilidades mediadas por imagens conectadas no Instagram

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de Concentração: Comunicação Social.

Aprovada em 28 de fevereiro de 2018 Banca examinadora:

______Prof. Dr. Fernando do Nascimento Gonçalves (Orientador) PPGCOM – UERJ

______Profª. Drª. Cíntia Sanmartin Fernandes PPGCOM – UERJ

______Profª. Drª. Beatriz Brandão Polivanov PPGCOM – UFF

Rio de Janeiro 2018 AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que direta e indiretamente colaboraram para que eu pudesse retornar ao campo acadêmico e concluir essa pesquisa. À minha mãe Lucia Helena de Freitas, pelas palavras de carinho nos meus momentos de dúvidas, e ao meu marido Francisco Aiello, pelo apoio e compreensão. À Uerj, que resiste bravamente apesar de enfrentar a maior crise de sua história e, ainda assim, oferecer ensino gratuito e de qualidade e proporcionar a milhares de pessoas a oportunidade de vivenciar um espaço democrático de debates e de inclusão social. Aos funcionários e professores do PPGcom-Uerj, que em nenhum momento abandonaram o comprometimento com a instituição e com os discentes, sempre prezando para que tivéssemos um ambiente favorável para elaboração de nossas pesquisas. Ao meu orientador Fernando do Nascimento Gonçalves por acreditar na minha proposta e pela delicadeza na condução do nosso trabalho. Aos meus colegas do PPGcom-Uerj por terem feito dessa aventura uma caminhada mais leve. À Fundação Oswaldo Cruz por incentivar a qualificação dos seus servidores, acreditando que a educação é um elemento importante para que a instituição cumpra seu papel estratégico na sociedade brasileira de promover a saúde e o desenvolvimento social.

Art is what you can get away with. Andy Warhol

I walk, I look, I see, I stop, I photograph. Leon Levinstein RESUMO

SILVA, Vanessa de Freitas. #museumselfie: sociabilidades mediadas por imagens conectadas no Instagram. 2018. 160 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

Desde a sua popularização em 2013, a selfie, entendida nesse trabalho como o ato de enquadrar a imagem de si em uma fotografia feita, em geral, com o telefone celular e difundida nos sites de redes sociais, recebeu uma crítica negativa por parte da imprensa e da academia, que a classificou como mais uma ferramenta de comunicação a serviço da espetacularização de um “eu” narcísico. O que diferencia as selfies das outras formas de registro da própria imagem é o fato de ser considerada uma imagem conectada, ou seja, que pressupõe a existência de um destinatário e que, ao mediar a sociabilidade nos sites de redes sociais, torna-se uma poderosa ferramenta de conversação. O objetivo dessa investigação é analisar as sociabilidades mediadas pela imagem conectada a partir das dinâmicas apropriativas das selfies em museus compartilhadas no Instagram. Optou-se por trabalhar com dois museus com características distintas: o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-RJ) e o Museu de Arte do Rio (MAR). Observou-se que, enquanto o CCBB RJ estimula a prática das selfies em suas exposições, o MAR não impede, mas também não incentiva a autorrepresentação fotográfica. Foi feito um mapeamento preliminar das selfies postadas no Instagram, no período de 3 de maio a 2 de agosto de 2017, sob as hashtags #ccbbrj e #museudeartedorio. Por meio de uma análise qualitativa dos posts, a partir dos elementos que acompanhavam as selfies, como as legendas, as hashtags, as marcações de lugar e os comentários, verificamos três formas recorrentes de experiência com a imagem: “Informar e atestar”, “Sentir e exprimir” e “Entreter e brincar”. Dessa forma, mais do que uma mera espetacularização narcísica de si ou de transformar a arte em pano de fundo para suas fotografias pessoais, concluímos que as selfies no museu ampliam a experiência da imagem e suas funções e se constituem em uma legítima maneira de os atores sociais se apropriarem de elementos da vida social, como os museus e suas obras, e usá-las nas suas performances conversacionais, produzindo diferentes formas interação mediadas no Instagram.

Palavras-chaves: Selfie. Museu. Sociabilidades. Fotografia. Instagram.

ABSTRACT

SILVA, Vanessa de Freitas. #museumselfie: socialities mediated by conected images on Instagram. 2018. 160 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

Since its popularization in 2013, selfie – understood in this work as the act of framing the self-image in a photograph took, in general, with the cell phone and shared on social network websites— has received a negative criticism by part of the press and the academy, which classified it as another communication tool in the service of the spectacularization of a narcissistic self. What distinguishes selfies from other forms of self-representation is the fact that they are considered a connected image, the one that presupposes the existence of a receiver and, by providing a means to socialities on social network websites, it becomes a powerful conversational tool. The purpose of this research is to analyze socialities resulted from the connected images, given the appropriation dynamics of selfies at museums shared on Instagram. It was decided to work with two museums with different characteristics: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB RJ) and Museu de Arte do Rio (MAR). While CCBB RJ stimulates the practice of selfies in its exhibitions, MAR does not prohibit photographic self- representation, but also does not encourage it. The data was collected through selfies at museums posted on Instagram, from May 3 to August 2, 2017, under the hashtags #ccbbrj and #museudeartedorio. In a qualitative analysis of the posts, from the elements that accompanied the selfies, such as captions, hashtags, geotags and comments, we found three recurring forms of experience with the image: “Inform and attest”, “Feel and express” and “Entertain and play”. Thus, rather than a mere narcissistic spectacularization of oneself or the shrinkage of art into background for personal photographs, we conclude that selfies at museums extend the experience of the image and its functions and constitute a legitimate way for social actors to appropriate elements of social life, such as museums and their works of art, and use them in their conversational performances, producing different interaction forms on Instagram.

Keywords: Selfie. Museum. Sociality. Photography. Instagram.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Cena do videoclipe da música “#Selfie” ...... 19 Figura 2 – The me me me generation ...... 22 Figura 3 – Selfie no funeral de Nelson Mandela ...... 24 Figura 4 – Selfie na campanha de Hillary Clinton ...... 25 Figura 5 – CCBB RJ promove instalação para selfies e hashtag da mostra ...... 56 Figura 6 – CCBB RJ compartilha selfie de frequentador ...... 56 Figura 7 – Manual da Kodak Retinette ...... 79 Figura 8 – Minolta Disc-7 ...... 79 Figura 9 – Cena do longa-metragem Thelma e Louise ...... 80 Figura 10 – Propaganda do telefone Sharp J-SH04 ...... 80 Figura 11 – Diversas formas de produzir selfies ...... 102 Figura 12 – Usuário edita texto do site do CCBB RJ para divulgar exposição ...... 108 Figura 13 – Uso do texto da curadoria para divulgar exposição no CCBB RJ ...... 110 Figura 14 – Hashtags relacionadas às características físicas do usuário ...... 111 Figura 15 – Blogueira de moda divulga exposição sobre biquíni ...... 112 Figura 16 – Bordadeira informa sobre obra de arte com técnicas de bordado ...... 113 Figura 17 – Selfies informam sobre exposições no CCBB RJ ...... 114 Figura 18 – Atestação de presença: uso de hashtags para produção de visibilidade e popularidade e importância de hashtags e localização para o contexto ...... 115 Figura 19 – Declarações de identidade por meio de hashtags ...... 117 Figura 20 – Rituais de marcação de presença ...... 118 Figura 21 – Rituais de marcação de presença e arquitetura do museu ...... 119 Figura 22 – Usuário informa que está de volta ao país ...... 120 Figura 23 – Selfies no museu usadas como símbolo de um dia agradável ...... 121 Figura 24 – Usuários se referem ao museu como espaço para pessoas cultas ...... 122 Figura 25 – Museu como o local do conhecimento ...... 123 Figura 26 – Usuária ressalta traço da sua personalidade ao valorizar a cultura ...... 123 Figura 27 – “Turistando” na própria cidade ...... 124 Figura 28 – Usuárias declaram amor à arte ...... 126 Figura 29 – Expressão de sentimentos a partir das obras de arte ...... 127 Figura 30 – Performance de contemplação ...... 128 Figura 31 – Obra de arte e poesia ...... 129 Figura 32 – Namorados no CCBB RJ ...... 130 Figura 33 – Declarações para amigos e filhos ...... 131 Figura 34 – Declarações para o CCBB RJ ...... 131 Figura 35 – Desejo de interagir com as obras de arte ...... 133 Figura 36 – Postagens ressaltam normas de comportamento do museu ...... 134 Figura 37 – Usuários interagem com a obra “Estantería II” ...... 134 Figura 38 – Humor nas performances com as obras de arte ...... 136 Figura 39 – Visitantes aproveitam praia virtual do CCBB RJ ...... 137 Figura 40 – Comentários dos usuários dão o tom para a conversação sobre as selfies ...... 138

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – But first, let me take a selfie memes ...... 21 Quadro 2 – Museum of Selfies ...... 49 Quadro 3 – Museu Art in Island ...... 50 Quadro 4 – Dia da Selfie no Museu ...... 53 Quadro 5 – Outras ações do CCBB RJ ...... 57 Quadro 6 – Cenas do comercial de TV do telefone Sharp J-SH04 ...... 81 Quadro 7 – Selfies provocam polêmica na política ...... 86

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 11 1 BUT FIRST, LET ME TAKE A SELFIE: A SELFIE COMO FENÔMENO COMUNICACIONAL ...... 18 1.1 A condenação moral da selfie ...... 19 1.1.1 It’s all about me: a selfie na mídia ...... 19 1.1.2 Narcisismo exibicionista: a selfie na academia...... 27 1.1.3 Selfie e as práticas das “culturas bastardas” ...... 34 1.2 A polêmica relação entre fotografia e museu ...... 37 1.3 #museumselfie: a selfie no museu ...... 45 1.3.1 Um “museu” de selfies no museu ...... 45 1.3.2 A selfie pelos museus: uma ferramenta de comunicação ...... 51 2 A SELFIE E AS INTERAÇÕES SOCIAIS NOS AMBIENTES DIGITAIS ...... 60 2.1 A imagem como mediadora de relações comunicativas ...... 61 2.1.1 Conversações nos sites de redes sociais ...... 61 2.1.2 Imagem conectada ...... 68 2.2 Selfie como uma imagem conectada ...... 76 2.2.1 Selfie como parte da cultura da autorrepresentação ...... 76 2.2.2 As interações sociais e a selfie ...... 82 2.3 Selfie e a construção de identidade no museu ...... 88 3 SELFIE NO MUSEU: A IMAGEM CONECTADA NO INSTAGRAM ...... 93 3.1 Usos e apropriações da selfie no museu: pesquisa empírica e procedimentos metodológicos ...... 93 3.2 Dinâmicas das selfies no CCBB RJ e no MAR postadas no Instagram ...... 107 3.2.1 Informar e atestar ...... 107 3.2.2 Sentir e exprimir ...... 125 3.2.3 Entreter e brincar ...... 132 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 140 REFERÊNCIAS ...... 145 APÊNDICE A - Entrevista com André Luiz Giancotti, gerente de Comunicação do CCBB RJ ...... 158 11

INTRODUÇÃO

Em 2014, uma série de imagens alastrou-se pela linha do tempo dos meus perfis no Facebook e no Instagram. Eram fotografias dos meus amigos, a maioria imagens de si, as chamadas selfies, no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro (CCBB RJ), interagindo com diferentes objetos que continham bolas e luzes coloridas, em uma mostra que estava sendo chamada naqueles sites de redes sociais1 (SRSs) de “Exposição das Bolinhas”. Curiosa e encantada com a beleza das obras de arte retratadas, descobri que se tratava da exposição “Obsessão Infinita”, que reunia instalações da artista japonesa Yayoi Kusama. Decidida a conhecer um pouco mais sobre seu trabalho, parti para o CCBB RJ. Na chegada, a fila assustava. Centenas de pessoas aguardavam há horas para entrar na sala de exposição. A espera me fez lembrar da mostra “O Mundo Mágico de Escher”, dedicada ao ilustrador M.C. Escher, realizada três anos antes naquele mesmo espaço. Comecei a recordar as imagens, compartilhadas na internet à época, de uma instalação onde era possível se fotografar como se o visitante estivesse “dentro” de uma obra do artista holandês. A mostra de Escher foi um marco na história das artes visuais no país ao se tornar a mais visitada do mundo daquele ano (THE ART NEWSPAPER, 2012). Até então, no Rio de Janeiro, a alta frequência em exposições era registrada, principalmente, em retrospectivas de artistas conhecidos do grande público, como Claude Monet, Salvador Dalí, Auguste Rodin e Pablo Picasso, que tiveram exibições de enorme sucesso na década de 19902. Kusama, apesar de não ser um nome tão famoso no Brasil, parecia seguir a mesma direção de Escher. Dentro do CCBB RJ, a mostra da artista japonesa era formada por algumas das suas “Salas do Infinito” (Infinity rooms, tradução nossa). Uma delas, a “Campo de Falos” (Falli’s Field, tradução nossa), era totalmente espelhada e o chão, repleto de falos estilizados, feitos de tecido almofadado na cor branca, decorado com bolas vermelhas. No centro do cômodo, havia apenas uma pequena passagem com capacidade para cinco pessoas.

1 Segundo Ellison e boyd (2013, on-line, tradução nossa), “site de rede social é uma plataforma de comunicação em rede na qual os participantes 1) têm perfis individualmente identificáveis que consistem de conteúdo fornecido pelo usuário, conteúdo fornecido por outros usuários e/ou dados fornecidos pelo sistema; 2) são capazes de articular publicamente conexões que podem ser vistas e atravessadas por outras conexões; e 3) podem consumir, produzir e/ou interagir com fluxos de conteúdo gerado por outros usuários a partir de suas conexões no site. O nome de danah boyd foi grafado em minúsculas devido à preferência pessoal da autora.

2 O Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro recebeu, nos anos 1990, três exposições que se tornaram um marco pela grande quantidade de público que as visitou: Claude Monet (1997, 432 mil visitantes); Salvador Dalí (1998, 250 mil); Auguste Rodin (1995, 226 mil espectadores). Outra exibição de sucesso foi a de Pablo Picasso que levou 180 mil pessoas ao Museu de Arte Moderna do Rio, em 1999. 12

Ao entrar na sala na companhia de outros frequentadores, a funcionária do CCBB RJ, de maneira enfática, avisou que não era permitido tocar na obra de arte. Aquilo soou como um presságio. Assim que ela fechou a porta da instalação, as pessoas que estavam junto comigo se deitaram no campo de falos, sacaram os telefones celulares dos bolsos e começaram a tirar fotos de si mesmas. Essa atitude provocou um misto de choque e fascínio, pois aquela forma de fruição era totalmente nova para mim e, em certo nível, transgressora. Enquanto decidia se deveria fazer o mesmo, a funcionária abriu a porta, se deparou com aquela cena e reclamou com as pessoas, mas ela não parecia surpresa. Fiquei com a impressão de que a mulher já havia visto outros visitantes fazerem o mesmo. Apesar da advertência, ninguém parecia constrangido. Todos começaram a verificar a tela dos telefones para ver como as imagens tinham ficado. Seguindo pela exposição, percebi que semelhante comportamento ocorria em outras instalações: os visitantes não fotogravam apenas as obras de arte, mas capturavam a própria imagem com as obras ao fundo. Inúmeras perguntas vieram à minha cabeça. Por que as pessoas estavam fazendo fotos de si mesmas com as obras de artes? Será que o trabalho de Kusama possuía algo que incitava esse tipo de comportamento? O que significavam essas imagens e esse interesse coletivo e sistemático de produzi-las e compartilha-las nos sites de redes sociais? As selfies ficaram em evidência especialmente a partir de 2013, quando se tornaram onipresentes nos sites de redes sociais, retratando intensivamente o cotidiano dos usuários e sendo alçada à categoria de símbolo cultural (GUNTHERT, 2015c). Nesse período, devido a um aumento de 17.000% em seu uso nos ambientes on-line com relação a 2012, o neologismo selfie, que deriva da junção do termo self (“eu” em inglês) com o diminutivo –ie, foi eleito a palavra do ano pelo Dicionário Oxford. A publicação definiu o verbete como “uma fotografia que alguém tirou de si mesmo, tipicamente com um smartphone ou uma webcam, e compartilhou nas redes sociais”3. Apesar de terem caído no gosto popular, as selfies receberam tratamento negativo por parte da mídia e da academia, que as relacionava a comportamentos imorais e narcisistas, anunciando um período de relacionamentos superficiais, como se as formas de comunicação on-line fossem menos válidas para a sociabilidade do que os meios de comunicação off-line. No caso específico das selfies em museus, um dos aspectos abordados é de que os visitantes não estariam interessados na experiência estética, mas sim em transformar as obras

3 O primeiro registro de utilização do termo selfie com esse sentido data do ano de 2002, em um fórum on-line australiano, mas foi apenas uma década depois que ele se popularizou (OXFORD, 2013). 13

de arte em cenário para as fotografias pessoais (BURNESS, 2016). Ou seja, não era apenas a arte que estava exposta. O próprio sujeito estaria se expondo usando a obra como cenário de fundo. Percebendo esse movimento, as instituições culturais, por sua vez, estariam fomentando a constituição do observador-consumidor ao organizar a experiência da espectorialidade a partir da possibilidade de o sujeito se espetacularizar. O ato de capturar a própria imagem não é uma atividade nova e tem sido realizado ao longo de toda a História. No período da Renascença, a partir do aperfeiçoamento da técnica de fabricação de espelhos, o autorretrato se tornou um gênero artístico na pintura. Na fotografia, o desejo de se representar está presente desde o século XIX, seja por meio de câmeras fotográficas com disparador automático e apontando a câmera para o próprio rosto ou para um espelho. O que diferencia as selfies no contexto dos ambientes digitais das outras formas de registro da própria imagem é o fato de ser considerada uma imagem conectada, ou seja, uma imagem que pressupõe a existência de um destinatário e que, ao mediar a sociabilidade nos sites de redes sociais, torna-se uma poderosa ferramenta de conversação (GÓMEZ CRUZ, 2012; GUNTHERT, 2015c). Isso se dá exatamente pela capacidade de combinação de diversos elementos metatextuais (hashtags, geotags, emojis) e mídias, o que não apenas amplifica a circulação e a visibilidade das imagens, mas suas possibilidades comunicativas e de vinculação social. Essa mudança na experiência da imagem fotográfica foi possibilitada principalmente pelo desenvolvimento de telefones celulares com câmeras fotográficas e conexão com a internet, combinado com o surgimento dos SRSs, como Facebook e Instagram, e com as mudanças nos usos que os atores sociais fizeram dessas ferramentas (ELLISON; BOYD, 2013). Antes, as fotografias eram produzidas e armazenadas, com a função de registro e memória, tendo uma circulação restrita ao âmbito familiar e aos vínculos de amizade. Essa nova dinâmica proporcionada pelos smartphones, em que as imagens feitas nesses dispositivos são compartilhadas de maneira praticamente instantânea na internet, conferiu uma visibilidade até então inédita à fotografia amadora, dando aos usuários dos SRSs a possibilidade de estabelecer novas interações sociais. Com base nas noções de autorrepresentação e de performance de si em Erving Goffman (2002) e em estudos sobre a construção de identidade em ambientes on-line, alguns autores têm se dedicado a analisar as selfies como uma prática social, a partir de seus contextos e, como resultado, encontrando os mais diversos usos e apropriações (BURNESS, 2016; BURNS, 2015; FROSH, 2015; GUNTHERT, 2015c; SENFT; BAYM, 2015). 14

Diante do exposto, nos perguntamos se seria possível entender a selfie como dinamizadora de um processo comunicacional que ocorre não apenas a partir das performances de quem produz essas imagens e as compartilha nos sites de redes sociais, mas das interações entre os usuários dessas plataformas. Se as selfies fazem parte de uma mudança nos paradigmas fotográficos, em que medida essa prática de autorrepresentação poderia caracterizar uma maneira legítima de os atores sociais se apropriarem de objetos, eventos e lugares para a mediação das sociabilidades nas plataformas on-line? Ao observar a popularização dessa prática nos museus de todo mundo (inclusive incentivada por muitos deles), decidimos observar algumas das questões colocadas pelos usos e apropriações da imagem de si nesse contexto, no Rio de Janeiro. Por um lado, em meio às muitas querelas envolvendo a prática das selfies, também a experiência contemporânea de dessacralização do museu e da obra de arte parece indicar mudanças importantes nas formas como vivenciamos os espaços e objetos da arte. Por outro, as selfies no museu como imagem conectada constituem um fenômeno de sociabilidade não negligenciável na medida em que não apenas permite pensar outros valores e sentidos para tais espaços e objetos, mas também e, principalmente, para a própria experiência da imagem, seus modos de presença, circulação e para as experiências sociais de produção e mediação de laços sociais que elas propiciam. Portanto, o objetivo dessa pesquisa é compreender as sociabilidades mediadas pela imagem conectada a partir das dinâmicas apropriativas das selfies em museus compartilhadas nos sites de redes sociais. Com isso, queremos evitar o determinismo tecnológico e entender a selfie como uma questão eminentemente comunicativa que constrói uma experiência com a imagem que não é apenas técnica, nem somente social. Defendemos que é por meio do imbricamento dessas duas dimensões que decorrem seus usos e funções e que se torna possível seu entendimento enquanto fenômeno comunicativo. A ideia também não é rejeitar as explicações que desqualificam tais práticas, nem partir para o oposto, ou seja, entender as selfies apenas como uma ferramenta de empoderamento dos sujeitos. O propósito é evitar julgamentos antecipados e simplistas que poderiam nos impedir de perceber determinados aspectos do fenômeno em um contexto específico. Tendo em vista que a experiência da selfie é constituída de dois momentos distintos, o da produção e o da difusão, escolhemos voltar o foco da pesquisa para a circulação dessas imagens nos SRSs. A observação dentro do museu, apesar de trazer aspectos interessantes sobre a relação dos visitantes com as obras de arte, a relação de seus corpos nesses espaços e a interação com os outros interagentes presentes no local, não nos ajudaria a entender as 15

sociabilidades que são mediadas pelas imagens nos ambientes digitais. Segundo Senft e Baym (2015), uma vez que as selfies adentram nos ambientes on-line, elas podem ser ressignificadas, escapando até mesmo da intenção original do emissor. Por isso, optamos por uma pesquisa qualitativa a partir da observação de postagens no Instagram que continham selfies em museus. Foi feito um levantamento das imagens de si postadas nesse site de rede social, no período de 3 de maio de 2017 a 2 de agosto de 2017, sob as hashtags4 #ccbbrj e #museudeartedorio. O Instagram foi escolhido por ser um site de rede social imagético, em que o compartilhamento de fotos é o objetivo principal, e que possui um ambiente generalista baseado nas interações sociais entre os usuários (GUNTHERT, 2015c), diferentemente de outras plataformas, como o Flickr que estava centrado em discussões sobre a prática fotográfica em si e seus paradigmas estéticos. Com relação aos museus, optamos por duas instituições com características distintas. O Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (CCBB RJ), além de ser a instituição cultural mais visitada do Brasil, é um espaço que parece organizar a expografia de suas mostras a partir da possibilidade de seus visitantes produzirem selfies. Sua atuação nos SRSs também foca as imagens de si como uma importante ferramenta de comunicação. O Museu de Arte do Rio (MAR) também é uma instituição cultural bastante visitada, a terceira em número de frequentadores no Rio. No entanto, sua atuação tanto em termos de curadoria quanto em relação à comunicação nos SRSs não aparenta entender a selfie como uma potencial forma de interação com o público. Uma outra diferença entre os dois está na acessibilidade. Enquanto o CCBB RJ tem entrada gratuita, no MAR o ingresso é pago. No período assinalado, o CCBB RJ estava com duas exposições em cartaz simultaneamente: “Los Carpinteros – Objeto Vital” e “Yes! Nós temos biquíni”. Já o MAR oferecia quatro mostras para seus visitantes: “O nome do medo”, “Lugares do delírio”, “Dja Guata Porã” e “Dentro”. Dessa forma, houve um variado material difundido on-line para a análise pretendida. O mapeamento preliminar apontou para 3.411 postagens com as hashtags #ccbbrj e #museudeartedorio, que geraram 4.558 imagens e 100 vídeos. O corpus foi formado pelas 761 postagens que continham 897 selfies e 6 vídeos selfie. Desse total, selecionamos 64 publicações para a discussão realizada no capítulo 3. Vale ressaltar que a definição de selfie adotada não foi aquela cunhada pelo Dicionário Oxford, citada acima, que restringe um fenômeno em constante transformação. A partir da

4 Hashtag é uma palavra-chave precedida pelo símbolo # e geralmente utilizada para categorizar conteúdos publicados nos ambientes on-line (RECUERO, 2014a). 16

revisão bibliográfica sobre a selfie, foi possível observar que a sua conceituação mudava à medida em que a prática também ia se modificando. Dessa forma, em vez de adotar uma definição que poderia limitar o fenômeno a um tipo particular de fotografia ou de subproduto tecnológico, optou-se por seguir uma definição mais abrangente que caracteriza este tipo de prática como “o desejo de enquadrar o self em uma imagem produzida para ser compartilhada com uma audiência on-line” (DINHOPL; GRETZEL, 2016, p. 127, tradução nossa5). A dissertação se estrutura em três capítulos. No primeiro, a partir da análise documental de reportagens e de revisão bibliográfica, mostraremos como a selfie se consagrou como um fenômeno comunicacional, sem, contudo, perder sua dimensão histórica. A primeira seção discutirá como a selfie tornou-se inicialmente objeto de uma condenação moral principalmente na mídia e na academia e como tal gesto pode ter contribuído para a construção de um imaginário social negativo acerca das imagens de si. Na segunda parte do capítulo, contextualizaremos a relação entre arte e fotografia, que, historicamente, vem sendo marcada por controvérsias que apontam, por sua vez, para a construção das funções sociais da fotografia e da própria arte. Os mesmos argumentos usados para a rejeição da prática fotográfica em museus têm sido convocados por aqueles que são contrários às selfies nesses espaços. Na última parte do capítulo, vamos destacar mais especificamente o fenômeno das selfies em museus e como ele se constituiu nos sites de redes sociais. A partir de análise preliminar dos perfis do CCBB RJ e do MAR no Facebook e no Instagram, apontaremos as principais diferenças entre a atuação das duas instituições6 nesses SRSs no que diz respeito ao incentivo à produção de selfies por parte de seus visitantes. A relação entre a imagem e as interações sociais nos ambientes on-line é a temática central do capítulo 2. Na primeira parte, a partir dos estudos de cibercultura, mostraremos como a conversação, entendida, inicialmente, como uma interação essencialmente verbal que acontece entre dois ou mais atores em uma relação face a face, passou a ser considerada a principal forma de comunicação mediada nos ambientes on-line. Em seguida, demonstraremos como, com o desenvolvimento da tecnologia e as mudanças em seus usos, as imagens passaram a funcionar não apenas como uma ferramenta de mediação nos ambientes on-line, mas a serem consideradas como um objeto propriamente “comunicativo, conectivo e performático” (GÓMEZ CRUZ, 2012), atuante na construção das narrativas de identidade e criando as condições de possibilidade para a constituição de novas formas de representação e

5 O texto no original é: “the desire to frame the self in a picture taken to be shared with an on-line audience”.

6 Solicitamos entrevistas com representantes dos museus, mas recebemos retorno apenas do CCBB RJ. 17

de interação. Veremos como a emergência de uma “imagem conectada” trouxe mudanças para as funções sociais da fotografia, tradicionalmente referentes à informação, à documentação e à produção de memória. Na segunda parte, discutiremos a selfie dentro a perspectiva da imagem conectada. Primeiro, faremos uma historicização da selfie incluindo-a como parte da cultura visual da autorrepresentação. Em seguida, apresentaremos uma série de estudos recentes que contextualizam tanto a produção quanto a difusão das selfies, entendendo que essas imagens possuem um caráter conversacional e fazem parte de uma narrativa de construção de identidades performadas e de apresentação desses selves on-line para uma audiência imaginada. Ao final, abordaremos algumas pesquisas sobre selfies em museus, que, embora tenham se popularizado entre os visitantes desses espaços, ainda são pouco analisadas na academia. O capítulo 3 aborda as dinâmicas apropriativas mais recorrentes das selfies em museus observadas na pesquisa empírica. Após detalhar os procedimentos metodológicos e as etapas da investigação, apresentaremos três experiências a partir das imagens de si. A primeira delas, denominada “Informar e atestar”, ressalta o uso das fotografias como uma ferramenta de comunicação pelos atores sociais para publicizar não apenas as exposições, mas a sua presença nelas. Já a segunda, que chamamos de “Sentir e exprimir”, destaca o desejo dos usuários de expressar sentimento e afeto pela e por meio da arte. A terceira, intitulada “Entreter e brincar”, denota a vontade dos usuários de interagir com as obras de arte e ressignificá-las com o propósito de promover a diversão. É importante dizer que a análise levou em consideração todos os elementos que constituíam as postagens, incluindo as selfies, as legendas, as hashtags, as marcações de localização geográfica e os comentários, pois acreditamos que os usos dessas imagens se constroem também por meio desses elementos, que participam da experiência da imagem conectada e das sociabilidades surgidas com elas.

18

1 BUT FIRST, LET ME TAKE A SELFIE7: A SELFIE COMO FENÔMENO COMUNICACIONAL

I used to dig Picasso. Then the big tech giant came along and turned him into wallpaper. Neil Young8

Neste capítulo, buscaremos mostrar como a veloz popularização das selfies nos sites de redes sociais (SRSs), especialmente a partir do ano de 2013, foi acompanhada por uma também rápida conclusão, principalmente por parte da mídia, de que as pessoas que produzem esse tipo de imagem e as compartilham na internet seriam narcisistas, superficiais e exibicionistas. A onipresença da selfie nos SRSs também despertou o interesse da comunidade acadêmica, que logo começou a pesquisar essa prática de autorrepresentação. Mapeamos duas correntes distintas de trabalhos e, na primeira seção deste capítulo, abordaremos aquela que valida a noção de julgamento moral em relação a este tipo de prática. Esses autores podem ser subdivididos em dois grupos. O primeiro se apoia, prioritariamente, em teorias da psicologia e da psiquiatria. O segundo entende esse comportamento como uma das maneiras de os usuários dos SRSs apresentarem suas identidades nos ambientes on-line como uma espetacularização do “eu” a procura de fama. Em seguida, discutiremos que a selfie pode ser entendida a partir da noção de culturas bastardas, que, segundo Omar Rincón (2016), representam práticas comunicativas contemporâneas atravessadas por referentes que, tradicionalmente, demarcam as culturas populares, mas também por elementos da indústria do entretenimento. Na segunda seção, antes de nos aprofundarmos no fenômeno das selfies em museus, vamos contextualizar as críticas feitas a essas práticas dentro um histórico de controvérsias envolvendo as fotografias de visitantes em espaços culturais, uma vez que, desde que as câmeras e smartphones passaram a fazer parte do cotidiano da visita aos museus, o ato de

7 “Mas primeiro, me deixe tirar uma selfie” (tradução nossa), verso da música “#Selfie”, da dupla de DJs americanos The Chainsmokers (2014, on-line).

8 “Eu costumava entender Picasso. Agora o gigante da tecnologia veio e fez dele um papel de parede” (tradução nossa), verso da música “Driftin’ Back”, do músico canadense Neil Young (2012). 19

fotografar vem sendo entendido como um fator que impossibilita a contemplação das obras de arte. O advento das selfies, que possuem características específicas, surgiu como um elemento para fomentar ainda mais essa polêmica. Críticos de arte, diretores de instituições culturais e também visitantes, muitas vezes, acusam aqueles que fazem fotos de si mesmos nos museus de usar as obras de arte como pano de fundo para suas imagens pessoais. O capítulo será concluído com a apresentação do fenômeno das selfies em museus e como ele se constituiu nos SRSs. Ao final, mostraremos algumas das formas de apropriação da selfie por parte de instituições culturais, seja incluindo-a no gênero artístico do autorretrato ao torná-la tema de exposições, quanto usando-a como ferramenta de comunicação.

1.1 A condenação moral da selfie

1.1.1 It’s all about me: a selfie na mídia

No banheiro feminino de uma casa noturna, duas jovens mulheres, brancas, magras, com longos cabelos lisos, lábios grossos e roupas justas ao corpo, se olham no espelho. Uma delas comenta sobre James, um homem com quem, aparentemente, tem um caso, mas que, naquela noite, estava tentando provocá-la ao aparecer na boate com outra garota. A mulher deprecia a moça, pergunta se a atitude do rapaz era para causar ciúmes e, finalmente, convida a amiga para fumar um cigarro. Mas antes, diz: “me deixe tirar uma selfie”. E as duas começam a produzir fotos de si mesmas com o telefone celular no banheiro (Figura 1).

Figura 1 – Cena do videoclipe da música “#Selfie”

Fonte: Youtube 20

Essa cena do cotidiano está retratada no videoclipe da música “#Selfie”, da dupla de DJs americanos The Chainsmokers, formada por Alex Pall e Andrew Taggart. Lançada em janeiro de 2014, a canção rapidamente “viralizou”9 na Internet, tornando-se uma das mais acessadas e alçando os artistas ao estrelato. Marcada por versos falados como um monólogo, ela retrata a noite de uma jovem em uma boate. Ao mesmo tempo em que divide com as amigas a sua relação de amor e ódio com James e críticas aos outros frequentadores do local, a mulher demonstra preocupação em produzir fotos de si e compartilhá-las no site de rede social Instagram. Ela pede opinião sobre qual filtro deve usar para melhorar a qualidade da imagem e diz que quer escrever uma legenda para que a foto pareça inteligente, sugerindo “vivendo com as minhas vadias”10 (tradução nossa). Disponibilizado no canal oficial dos DJs no Youtube11, o videoclipe soma mais de 520 milhões de visualizações. Ele mistura imagens das amigas no banheiro e de pessoas dançando em uma boate e selfies de celebridades da indústria do entretenimento e dos ambientes on- line, além de centenas de fotos enviadas por fãs do The Chainsmokers especialmente para o vídeo. Em entrevista ao jornal Phoenix New Times, Pall e Taggart explicaram a inspiração para compor o hit. Eles pensaram em como seria divertido se fizessem uma música com as “coisas ridículas” que as pessoas costumam falar, como, por exemplo, “coisas que as garotas dizem nas filas de uma casa noturna”12 (SAVAGE, 2014, on-line, tradução nossa). Os DJs foram inteligentes ao se aproveitar de uma prática que havia se tornado um fenômeno na internet à época, a selfie, para atingir o sucesso. O verso But first, let me take a selfie ganhou as redes sociais e foi transformado em meme13, sendo apropriado para legendar imagens das mais diversas (quadro 1). Podemos observar que os memes feitos a partir da música carregam uma dose de humor negro e uma crítica ao comportamento daquele que produz selfies, como sendo alguém insensível aos problemas alheios. Além disso, eles mostram o caráter prioritário que este tipo de fotografia haveria atingido, tendo que ser

9 “Termo usual da internet que designa a ação de fazer com que algo se espalhe rapidamente”. Disponível em: . Acesso em: 4 jun 2017.

10 O texto no original é: “living with my bitches”.

11 Plataforma digital de vídeos lançada em 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 jul.2017.

12 O texto no original é: “wouldn't it be funny if we did like a whole verse of ridiculous things that we hear people say when we're out. Like things girls say in the lines of a club and whatever”.

13 “(...) memes são um fenômeno típico da internet, e podem se apresentar como imagens legendadas, vídeos virais ou expressões difundidas pelas mídias sociais”. Disponível em: . Acesso em: 8 jul. 2017. 21

realizada antes de qualquer ato da vida cotidiana ou, até mesmo, antes de atos heroicos. O interessante da música de Pall e Taggart – e de seu videoclipe –, em especial para esta pesquisa, é que ela simboliza o caráter superficial atribuído às selfies quando de sua popularização. Enredo semelhante apareceu no seriado de TV “Selfie”, que foi transmitido pela rede americana ABC em 2014. O programa retratava Eliza Dolley, uma jovem obcecada por alcançar a fama por meio do compartilhamento de selfies. Ao perceber que sua popularidade on-line não se traduzia em amizades nos ambientes off-line, ela busca a ajuda de um colega de trabalho especializado em marketing para melhorar sua imagem. Henry, que rejeita o uso excessivo de sites de redes sociais, aceita o desafio. Em uma das cenas, ele diz a Eliza que pode “transformar essa narcisista compulsiva por redes sociais em uma mulher respeitável”14 e começa a fornecer dicas sobre como se portar, por exemplo, em uma conversa informal, demonstrando interesse pelo outro e não apenas em falar de si mesma (IGN, 2014, on-line).

Quadro 1 – But first, let me take a selfie memes15 Imagem 1: referência ao meme “Garota Desastre” Imagem 2: referência à foto de um acidente

Imagem 3: referência ao filme “Frozen” Imagem 4: referência à série “The Walking Dead”

Fonte: imagens coletadas do Twitter

Não parece ser mera coincidência que tanto a música “#Selfie” quanto a série de TV “Selfie” foram lançadas em 2014, na sequência de um ano em que a selfie foi usada massivamente pela imprensa (GUNTHERT, 2015c; SENFT; BAYM, 2015) como símbolo do

14 O texto no original é: “I can transform this vaped social media obsessed narcissist into a woman of stature”.

15 Imagem 1: Eu vou ajudar, mas antes me deixe fazer uma selfie / Imagem 2: Vamos virá-la de volta, mas antes me deixe fazer uma selfie / Imagem 3: Vou matar a rainha Elsa, mas antes me deixe tirar uma selfie / Imagem 4: Vou comer aquele cara atrás de mim, mas antes me deixe tirar uma selfie (tradução nossa). 22

auge de uma sociedade narcisista já denunciada décadas atrás por Christopher Lasch (1983) em seu livro “A Cultura do Narcisismo”. Segundo Lasch, as mudanças sociais ocorridas no século XX, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, com o surgimento de uma cultura do consumo, proporcionaram a emergência de personalidades estruturadas no narcisismo, ou seja, pessoas individualistas, que valorizam a fama, incentivada pela indústria cinematográfica e pela TV, e que têm medo de compromisso amoroso e de envelhecer, o que ocasionou a criação de uma “cultura da juventude”. Nesse sentido, ao passo que a selfie se tornava mais e mais popular em 2013 – o que fez com que fosse escolhida a palavra do ano pelo Dicionário Oxford – a mídia produzia reportagens que, de antemão, julgavam o comportamento de quem fazia essas imagens como superficial e egoísta, em especial os jovens e as mulheres. Um dos exemplos mais emblemáticos foi a reportagem de capa da edição de maio de 2013 da revista norte-americana Time (STEIN, 2013, on-line, tradução nossa). Com o título “Geração eu eu eu: millennials são preguiçosos, narcisistas que ainda moram com seus pais”16, a matéria considerava que os jovens nascidos após os anos 1980 ou, como aponta o texto, aqueles que “cresceram sem ter que fazer muitos cálculos de cabeça graças aos computadores” formam uma geração de narcisistas “cujo egoísmo foi exacerbado pela tecnologia”17 (Figura 2).

Figura 2 – The me me me generation

Fonte: Time.com

16 O texto no original é: “the me me me generation: millenials are lazy, entitled narcissists who still live with their parentes”.

17 O texto no original é: “they grew up not having to do a lot of math in their heads, thanks to computers” / “whose selfishness technology has only exacerbated”. 23

Segundo a publicação, ao tentar elevar a autoestima de seus filhos para melhorar seu desempenho escolar, os pais criaram um grupo de pessoas individualistas, que não respeita a autoridade, que tem menos engajamento político e que vive crises de expectativas não correspondidas. Por isso, não consegue manter um emprego ou um relacionamento amoroso. Eles estariam interessados apenas em fama e em se tornar “marcas” a serem gerenciadas nos sites de redes sociais. A capa da revista resumia o que representa essa geração: uma jovem tirando uma selfie com o telefone celular A reportagem obteve grande repercussão, sendo republicada por outros veículos de imprensa e compartilhada efusivamente nos sites de redes sociais e se tornando fonte para embasar entrevistas sobre o assunto. A selfie ganhou status de fenômeno global e virou foco de discussão na mídia, recebendo, em muitos casos, um tratamento desfavorável. Essa primeira onda de reportagens teria colaborado para a popularização da noção narcisista das selfies. A partir da metade de 2013, surgiu uma segunda série de matérias na imprensa que acenderam debates acalorados sobre qual seria o comportamento apropriado daqueles que fazem selfie e o que poderia estar por trás dessas atitudes. Reportagens sobre selfies em funerais, mortes em decorrência de selfies, selfies em locais onde outros perderam a vida (como o campo de concentração em Auschwitz e o Memorial do 11 de Setembro) e selfies em museus18 vinham acompanhadas de uma espécie de manual de etiqueta, que ensinava sobre onde e quando não tirar selfies19. À época, “a selfie já havia se tornado o símbolo do narcisismo e do desrespeito” e “juntou-se, então, ao smartphone como uma figura maior da ideologia da desconexão, ilustrando a ridicularização de uma vida constantemente documentada e a vaidade de uma comunicação self-branding”20 (GUNTHERT, 2015c, p. 166). A repercussão na mídia causada pela foto que mostra o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e os ex-primeiros-ministros da Inglaterra, David Cameron, e da

18 Funeral: . Mortes: . Auschwitz: . Museus: . Acesso em: 20 dez. 2016.

19 Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2017.

20 O texto no original é: “le selfie est déjà devenu le symbole du narcissisme et de l’irrespect” / “rejoint alors le smartphone comme figure majeure de l’idéologie de la déconnexion, illustrant le ridicule d’une vie documentée en permanence et la vanité d’une communication devenue self-branding”. Todas as traduções das obras deste autor foram feitas pela autora desta pesquisa. 24

Dinamarca, Elle Thorning-Schmidt, sorridentes, no funeral do ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela (figura 3), fazendo uma selfie é um caso exemplar. Os líderes foram execrados pela opinião pública. O jornal inglês The Sun publicou na primeira página a manchete “No selfie respect”, fazendo alusão à frase em inglês no self respect que significa “sem respeito próprio” (tradução nossa)21.

Figura 3 – Selfie no funeral de Nelson Mandela

Foto: Roberto Schmidt, Agência France Press

O caso, que ficou conhecido como “Selfiegate”22, aconteceu em dezembro de 2013, sendo a foto considerada a “selfie do ano da selfie” (MILTNER; BAYM, 2015). Em artigo intitulado “O ano da selfie: Obama conseguiu exemplificar perfeitamente a atitude de uma era – é tudo sobre mim”, o jornal The New York Post afirmou que

era natural que o presidente Obama estrelasse a selfie do ano. Ele está associado à juventude; assim como as selfies. Suas campanhas alavancam o frenesi e o alcance das mídias sociais: idem a selfie. E uma vez que grande parte da cultura da selfie depende da justaposição irônica – o sublime e o ridículo, o sagrado e profano, o indivíduo e o grupo – a última selfie mostraria necessariamente o homem mais poderoso da Terra como um idiota (SMITH, 2013, on-line, tradução nossa23).

21 Disponível em: . Acesso em: 11 dez. 2016.

22 Referência a “Watergate”, um dos maiores escândalos da política americana, que culminou com a renúncia do presidente Richard Nixon, do Partido Republicano. Após dois anos de investigação, descobriu-se que Nixon comandou um esquema de espionagem contra o Partido Democrata, para obter vantagens nas eleições presidenciais.

23 O texto no original é: “President Obama was a natural to star in the Selfie of the Year. He’s associated with youth; so are selfies. His campaigns leverage the frenzy and reach of social media: Ditto the selfie. And since much of selfie culture depends on the ironic juxtaposition – the sublime and the ridiculous, the sacred and the profane, the individual and the group – the ultimate selfie necessarily shows the most powerful man on Earth looking like a dork”. 25

Além de reprovar o comportamento dos líderes políticos, parte da mídia e dos usuários das redes sociais entendeu ainda que a ex-primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, teria ficado incomodada com a proximidade entre o marido e a premiê da Dinamarca, por aparecer com uma feição séria e não participar da selfie. Surpreso com a polêmica, o autor da imagem, o fotógrafo Roberto Schmidt, da agência de notícias France Press, afirmou que o momento de descontração lhe pareceu natural, pois a atmosfera do velório de Mandela era de festa, com pessoas cantando e dançando (TERRA, 2013, on-line). Para Schmidt, os políticos estavam “agindo como seres humanos”. Sobre a polêmica acerca da reação de Michelle Obama, o fotógrafo contou que, segundos antes do clique, ela estava brincando com todos ao seu redor. Ao investigar a repercussão midiática do caso, Kate Miltner e Nancy Baym (2015, on- line, tradução nossa) concluíram que a foto colocou em evidência “ansiedades culturais sobre tecnologia, paradigmas políticos e costumes sociais”24. Segundo as autoras, a selfie é frequentemente associada a um comportamento juvenil, frívolo e narcisista, refletindo um interesse maior em si mesmo do que no outro, e essas não são características esperadas em um líder político. Miltner e Baym encontraram também indícios de racismo e sexismo no discurso da mídia com relação à Michelle Obama e Elle Thorning-Schmidt. Com o passar dos anos, o discurso negativo acerca das selfies permaneceu e se consolidou na imprensa. Outro caso emblemático na política aconteceu em 2016, durante a campanha de Hillary Clinton à presidência dos Estados Unidos. Em um evento para jovens, a fotógrafa oficial da candidata, Barbara Kinney, flagrou o momento em que o público se posiciona de costas para fazer uma selfie com Clinton (Figura 4).

Figura 4 – Selfie na campanha de Hillary Clinton

Foto: Barbara Kinney

24 O texto no original é: “cultural anxieties about technology, political change, and social mores”. 26

Para o jornal britânico The Telegraph (GRAHAM, 2016, on-line), a foto capturou perfeitamente a era da selfie e mostra uma multidão de desesperados querendo enquadrar a si mesmos na foto junto com a candidata. O periódico australiano The Australian (GHOMARI, 2016, on-line, tradução nossa), por sua vez, afirmou que “ter uma imagem da candidata democrata sozinha não é mais suficiente. É preciso que você esteja na foto para impressionar seus amigos nas redes sociais”25. O jornalista Chris Matyszczyk (2016, on-line), do site americano CNET, em irônico editorial, disse que a popularidade das celebridades não satisfaz mais. Segundo Matyszczyk, as pessoas querem fazer uma selfie para postar no Twitter, no Facebook ou no Snapchat para atingir uma “mini fama” e este será provavelmente o máximo de notoriedade que vão conseguir. Procurada pela revista Time, a fotógrafa Barbara Kinney afirmou que foi a própria candidata quem propôs a selfie em massa ao dizer “quem quiser uma selfie, vire-se agora mesmo”26 (FRIEDMAN, 2016, on-line, tradução nossa). Em outras fotos do evento, é possível perceber que, na maior parte do tempo, o público ficou posicionado de frente para Clinton a fim de ouvir seu discurso. Também veio a público que o perfil do Twitter onde a imagem foi divulgada era de um integrante da equipe de campanha, levantando suspeitas sobre o uso promocional da selfie. Para o jornal francês Le Monde (VINOGRADOFF, 2016, on-line), a divulgação da foto fez parte de uma estratégia de marketing para promover Hillary Clinton. Segundo a publicação, a imagem foi escolhida propositalmente porque, fora de contexto, reforçaria a noção de que os jovens de hoje estão desconectados do mundo real. A equipe de campanha acreditava que a foto tinha potencial para gerar um burburinho nas redes sociais e, consequentemente, fazer propaganda gratuita daquela que poderia ter sido a primeira presidente mulher dos Estados Unidos. Outra polêmica envolvendo a prática da selfie ocorreu em 2017, quando o artista israelense Shahak Shapira criou o projeto “Yolocaust”. Ele selecionou 12 selfies realizadas no Memorial do Holocausto em Berlim e que foram compartilhadas em sites de redes sociais. A maior parte das fotos mostrava pessoas sorridentes ou fazendo poses divertidas. Shapira alterou o fundo das selfies inserindo imagens reais de campos de concentração, mantendo as legendas, o número de curtidas e os comentários. O objetivo, segundo ele, era expor o contraste de fotos alegres em um local que deveria ser de luto. O texto do website onde as

25 O texto no original é: “avoir une photo de la candidate démocrate seule ne suffit plus. Il faut que vous soyez sur la photo pour impressionner vos amis sur les réseaux sociaux”.

26 O texto no original é: “anyone who wants a selfie, turn around right now”. 27

montagens foram disponibilizadas dizia: “é você quem decide como se comportar em um monumento que lembra a morte de 6 milhões de pessoas” (PAIVA, 2017, on-line). A repercussão foi enorme tanto na imprensa tradicional quanto nas redes sociais on- line. Todas as pessoas que tiveram suas fotos modificadas entraram em contato pedindo para que elas fossem removidas e se comprometeram a apagar a selfie original em suas contas nos sites de redes sociais. O caso suscitou debates sobre ética, mas também sobre a privacidade em ambientes on-line. É certo apropriar-se da imagem de pessoas que você desconhece, mesmo que tenham sido postadas de maneira pública, e expô-las para denunciar um comportamento que não seria adequado? Em mensagem ao autor do projeto, um dos usuários que teve a sua selfie alterada pediu desculpas a quem se sentiu ofendido, mas afirmou que a foto foi feita para seus amigos como uma piada, sem a intenção de magoar ninguém. Ele disse ser conhecido por fazer brincadeiras sarcásticas e que seus amigos as entendem. “Se você me conhecesse, você também entenderia”, declarou o rapaz (YOLOCAUST, 2017, on-line, tradução). E completou: “mas quando aquilo é compartilhado e chega a estranhos que não têm ideia de quem eu sou, eles só veem alguém desrespeitando algo importante para eles ou para alguém”. Ele encerrou o e-mail com uma frase que pode ser entendida como uma crítica a Shapira pela exposição causada pelas montagens: “oh, e se você pudesse explicar a BBC, ao Haaretz e toooodossss os outros blogs e canais de notícias etc, etc, que eu ferrei tudo, seria ótimo”27. A seguir, apresentaremos uma corrente de autores que compartilha do mesmo pressuposto observado no discurso midiático sobre a prática de tirar fotos de si e compartilhar nos sites de redes sociais. Esses estudiosos procuram explicar o fenômeno a partir de teorias da psiquiatria e da psicologia e sob a ótica da espetacularização do “eu”.

1.1.2 Narcisismo exibicionista: a selfie na academia

Conforme observamos, de uma maneira geral, as reportagens sobre a selfie classificavam esse tipo de fotografia como algo narcisista, individualista, egocêntrico, superficial, insensível e irresponsável, resultado de uma geração que está mais preocupada

27 Os textos no original são: “if you knew me you would too. But when it gets shared, and comes to strangers who have no idea who I am, they just see someone disrespecting something important to someone else or them”. / “Oh, and if you could explain to BBC, Haaretz and aaaaallll the other blogs, news stations etc. etc. that I fucked up, that'd be great”. 28

consigo mesma do que com o outro. A maior parte delas tinha como respaldo a fala de psiquiatras e psicólogos e obras como “A Cultura do Narcisismo”, de Christopher Lasch, citada previamente, e “Generation Me” e “The Narcissism Epidemic”, de Jane M. Twenge, cujos argumentos têm sido desacreditados por pesquisas de especialistas do mesmo ramo de conhecimento28. Os mesmos argumentos usados pela mídia e pela opinião pública para condenar as selfies começaram a aparecer em alguns trabalhos acadêmicos. A partir de uma revisão bibliográfica, foi possível observar que as pesquisas que relacionavam a selfie a um comportamento narcisista podem ser divididas em dois grupos. O primeiro usa conhecimentos da psicologia e da psiquiatria para embasar as análises. Jesse Fox e Margareth C. Rooney (2015, on-line), por exemplo, examinaram a autoapresentação nos sites de redes sociais, a partir de uma pesquisa quantitativa feita com homens americanos, com idade entre 18 e 40 anos, usando a perspectiva da “Dark Triad” (tríade negra, em português), que reúne três traços de personalidade considerados socialmente aversivos: maquiavelismo, narcisismo e psicopatia. Pessoas que reúnem essas características seriam mais suscetíveis ao egoísmo e à falta de empatia, à necessidade de sucesso e à vontade de serem admirados e ao uso de manipulação psicológica, da mentira e da agressão física para conseguirem o que desejam (JONES; PAULHUS, 2014). Fox e Rooney concluíram que os homens que possuem traços narcisistas passavam mais tempo nos sites de redes sociais (mas não os questionaram sobre quais atividades eram realizadas nesse período) e, junto com aqueles que apresentam características de psicopatia, postavam um número maior de selfies do que os homens que não tinham essas condições de personalidade. Para as pesquisadoras, o trabalho sugeriu ainda que aqueles que apresentam níveis altos de dark triad executam “estratégias trapaceiras” que os ajudam a atingir seus objetivos interpessoais nos ambientes on-line, apesar dos seus traços antissociais de personalidade. Também por meio de uma pesquisa quantitativa realizada a partir de um questionário on-line com mulheres e homens americanos, Eric Weiser (2015, on-line) concluiu que o ato de compartilhar selfies serve como uma via na qual as necessidades narcísicas de um indivíduo são expressas. Segundo o estudo, postar esse tipo de imagem não constitui apenas um meio pelo qual os usuários buscam atenção ou promoção de si, mas também uma maneira de conformar percepções de liderança, autoridade e dominação.

28 Alguns dos exemplos são as pesquisas de Kali H. Trzesniewski, M. Brent Donnellan, Richard W. Robins, “Do today's young people really think they are so extraordinary? An examination of secular changes in narcissism and self-enhancement “, e de Jeffrey J. Arnett, “The Evidence for Generation We and against Generation Me” (GUNTHERT, 2015c, p. 163). 29

Utilizado para balizar outras pesquisas que investigavam a relação entre a produção e difusão de selfies e o narcisismo, o levantamento de Weiser apresenta algumas questões metodológicas que merecem ser ressaltadas. A investigação teve como base apenas o cruzamento de informações obtidas a partir de três perguntas (quantas vezes por dia a pessoa acessa as redes sociais e qual o tempo de cada visita; a frequência de postagens; e a frequência de postagens de selfies) com resultados de um questionário utilizado por psiquiatras no diagnóstico de transtornos de personalidade. O estudo não levou em consideração o conteúdo dessas postagens e suas motivações, bem como os contextos de produção e disseminação das selfies. A segunda corrente de autores atrela o ato de fazer e postar selfie a um comportamento apoiado na perspectiva do escritor francês Guy Debord sobre a espetacularização da vida e em autores que entendem as performances dos indivíduos nos ambientes on-line como uma exposição deliberada de si em busca de fama e de atenção. Para Debord (1997, p. 13), a sociedade contemporânea é refém da imagem e do monopólio da aparência, pois “tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação”. “Principal produção da sociedade moderna”, o espetáculo, entendido como “uma relação social entre pessoas mediatizada por imagens”, sujeita o indivíduo a um processo no qual as experiências concretas perdem espaço. As palavras de Debord ecoaram por uma série de estudos acerca do cenário midiático contemporâneo que se proliferaram a partir dos anos 2000. Segundo seus autores, estaríamos vivendo um novo campo de visibilidade, marcado por regimes de exposição da vida privada e de vigilância (BRUNO, 2004), que são fundamentais no processo de constituição da subjetividade contemporânea. O primeiro regime teria se estabelecido a partir de um deslocamento histórico do eixo de constituição do indivíduo cujo modo de ser, até o século XX, era orientado para dentro de si mesmo (SIBILIA, 2016). Com a chegada do século XXI, haveria uma ruptura no que se entende por intimidade, com o modo de ser se voltando para o olhar dos outros. Esse fenômeno, decorrente de transformações econômicas, políticas e socioculturais, teria exacerbado as crenças no valor das imagens e na importância da visibilidade e da celebridade, de forma que o mundo virou um cenário onde as pessoas devem se mostrar. “A imagem de cada um é tratada como um capital tão valioso que é necessário cuidá-lo e cultivá-lo, a fim de não perder o controle nessa proposta de encarnar um personagem sempre atraente no competitivo mercado dos olhares” (SIBILIA, 2016, p. 332). 30

O segundo regime surgiu a partir do advento de um “aparato global de segurança” formado por circuitos internos de TV, chips informáticos, bancos de dados e softwares de coleta de processamento de informações que sujeitam os indivíduos a uma vigilância contínua. Esses dispositivos justificariam “uma vigilância que é sobretudo preditiva e muitas vezes preventiva, voltada para a composição de perfis que predigam e prevejam os riscos que assombram os indivíduos” (BRUNO, 2004, p. 22). Dessa forma, o que esses e outros estudos mostram é que os indivíduos estariam expondo seus dados pessoais e suas intimidades por dois motivos (POLIVANOV, 2014). De um lado, por uma necessidade narcísica de estar no centro das atenções e de atrair o olhar dos outros. De outro, por uma necessidade de segurança que ultrapassaria o modelo de panóptico29 de Michel Foucault (1987), pois agora a vigilância não se restringe aos espaços internos das instituições em que poucos vigiavam muitos, mas se estende ao ciberespaço onde muitos vigiam muitos e que Bruno (2013) chamou de “vigilância distribuída”. Nessa perspectiva, as tecnologias de informação e comunicação (TICs) atenderiam às novas demandas do indivíduo contemporâneo pela superexposição de si. Segundo Paula Sibilia (2016), ferramentas como correio eletrônico, canais de bate-papo ou chats, redes de interação social, sites de compartilhamento de vídeos, aplicativos móveis, blogs e câmeras digitais funcionam como uma “combinação do velho slogan faça você mesmo com a nova dinâmica do mostre-se como for (...)” (SIBILIA, 2016, p. 23). Para esta autora, as selfies poderiam ser consideradas, então, como “a triunfante junção entre visibilidade e conexão” de que necessitam os indivíduos. Não é à toa que ela diz ser inevitável evocar o mito de Narciso para justificar que existe algo de significativo no número de mortes causadas em acidentes durante a realização de selfies (SIBILIA, 2016, p. 22)30. Entre os autores que se utilizam da perspectiva da exposição de si e da espetacularização do “eu” para definir as selfies está a jornalista e doutora em psicologia Simonetta Persichetti (2013). Em seu artigo “Dos elfos aos selfies”, ela classifica as selfies como imagens banais, totalmente incorporadas à cultura do consumo e do lazer. De acordo com a autora, se o autorretrato pictórico e o fotográfico significavam uma forma de o indivíduo se colocar como um ser único, as selfies fazem todos parecerem iguais.

29 Dispositivo de vigilância próprio da sociedade disciplinar que Michel Foucault conceitua na obra “Vigiar e Punir: nascimento da prisão” (1987).

30 Esse argumento ganhou força após reportagem do site Mashable (compartilhada por outros sites) que comparava mortes causadas por selfies em 2015 (12 casos) às mortes decorrentes de ataques de tubarões (8 casos), sendo a selfie, então, mais letal do que tubarões. André Gunthert (2015b) rebate a gravidade desses dados enumerando o índice de letalidade de outros animais, como crocodilos (2.000 mortes), elefantes (600) e abelhas (250), além de acidentes rodoviários e esportes ao ar livre como o alpinismo. 31

Em uma sociedade narcisista, onde pouco se produz e muito se reproduz, os selfies caracterizam, como diria Umberto Eco (1984, p. 60), uma “alegoria da sociedade de consumo”, um falso individualismo, focado na realização rápida do desejo de ser visto, alcançar visibilidade e, portanto, de passar a existir numa sociedade onde imagem e entretenimento são indissociáveis (PERSICHETTI, 2013, p. 163).

A noção de que a selfie pode ser considerada como um dos fenômenos comunicacionais contemporâneos que operam segundo a lógica do espetáculo é compartilhada também por Manuela Galindo (2014), autora de uma das primeiras dissertações de mestrado sobre o tema no país. Galindo entende a selfie como uma “performance ancorada na espetacularização dos corpos nas superfícies das telas” e que as narrativas de si a partir das quais essas imagens se constituem possuem como único objetivo a visibilidade. Para a pesquisadora, “numa cultura que não conhece limites para a publicização do privado, valoriza e estimula os corpos para que se tornem visíveis e na qual os sujeitos atribuem ao olhar alheio o papel de avaliá-los, os selfies encontram o ambiente ideal para se proliferarem” (GALINDO, 2014, p. 108). Apesar de colocar em evidência questões relevantes acerca da visibilidade e da vigilância dos indivíduos31, os autores citados acima, em muitos casos, não levam em consideração três aspectos próprios dos ambientes on-line e que são fundamentais na construção das identidades: a relação identidade e alteridade que, muito antes do aparecimento das tecnologias de informação e comunicação, já evocava o olhar do outro; a predisposição maior dos indivíduos em compartilhar conteúdos considerados de foro íntimo nos ambientes on-line por não poderem contar com a materialidade de seus corpos como nos ambientes off-line; e a possibilidade de escolha, a partir de configurações de privacidade, de quais conteúdos serão visíveis e para qual público (POLIVANOV, 2014). Algumas dessas questões estão relacionadas às novas formas de produzir e distribuir conteúdo nos ambientes on-line, em especial as imagens, e, por isso, retomaremos alguns pontos mais profundamente no capítulo 2. Diante do exposto, é possível perceber uma semelhança no discurso negativo com relação às tecnologias de comunicação e informação e a narrativa que predominava tanto na imprensa quanto no discurso acadêmico, nos manifestos artísticos e no senso comum já na virada do século XIX para o XX. A sensação de caos urbano provocada pela quantidade sem precedentes de estímulos visuais e sensoriais, devido ao surgimento de tecnologias, tais como o bonde e o automóvel, da automação do trabalho etc, transformou a experiência subjetiva dos

31 Bruno, por exemplo, ressalta que nem toda a visibilidade é desejada, especialmente no que concerne a atentados à privacidade e à liberdade dos indivíduos (BRUNO, 2004, p. 19). 32

indivíduos, provocando ao mesmo tempo o sentimento de medo e fascínio (SINGER, 2004). Já naquele momento a fala da mídia e da academia era impregnada de alarmismo, repulsa e ansiedade com relação à vida moderna e de certa nostalgia no tocante a um período menos frenético. Essa dualidade persiste na narrativa hegemônica acerca das selfies e ganha outros contornos. Para Senft e Baym (2015), o discurso “selfiefóbico” assemelha-se ao que o sociólogo sul-africano Stanley Cohen (2002) conceituava como pânico moral. Segundo Cohen, o pânico moral acontece quando

uma condição, episódio, pessoa ou grupo de pessoas emerge como uma ameaça aos interesses e valores da sociedade; sua natureza é apresentada de maneira estereotipada pelos meios de comunicação de massa; barricadas morais são montadas por editores, bispos, políticos e outros formadores de opinião; especialistas socialmente credenciados pronunciam seu diagnóstico (...). Às vezes, o objeto do pânico é novo e, outras vezes, é alguma coisa que já existia há bastante tempo, mas que, de repente, aparece para os holofotes. Às vezes, o pânico passa e é esquecido (...); outras vezes tem repercussões sérias e duradouras e pode produzir mudanças em políticas legais e sociais ou até mesmo na forma como a sociedade concebe a si mesma (COHEN, 2002, p. 1)32.

De acordo com Cohen, o pânico moral tende a ser elevado quando se refere a uma prática adotada por jovens, mulheres e pessoas negras. Da mesma forma, o discurso negativo acerca das selfies não está relacionado apenas à fobia tecnológica. Senft e Baym (2015) perceberam que o julgamento recai com maior intensidade em alguns grupos sociais do que em outros. Fotos de jovens, mulheres, homossexuais e pessoas negras tendem a ser mais estigmatizadas e policiadas nos ambientes on-line. Essa constatação também apareceu no estudo da pesquisadora inglesa Anne Burns (2015, on-line). Para ela, o discurso negativo acerca das selfies foi construído socialmente e, no momento em que é naturalizado, encerra uma sutil, mas significante forma de controle social e reforça as relações de gênero e poder. Segundo Burns, o argumento narcisista, além de refletir uma interpretação pobre do Mito de Narciso, soa mais como acusação do que diagnóstico e configura um círculo vicioso: os jovens, especialmente as mulheres, são vaidosos porque fazem fotos de si mesmos e as selfies, por sua vez, denotam vaidade porque

32 O texto no original é: “a condition, episode, person or group of persons emerges to become defined as a threat to societal values and interests; its nature is presented in a stylized and stereotypical fashion by the mass media; the moral barricades are manned by editors, bishops, politicians and other right-thinking people; socially accredited experts pronounce their diagnoses and solutions (...); Sometimes the object of the panic is quite novel and at other times it is something which has been in existence long enough, but suddenly appears in the limelight. Sometimes the panic passes over and is forgotten (...); at other times it has more serious and long-lasting repercussions and might produce such changes as those in legal and social policy or even in the way the society conceives itself”. 33

são realizadas, majoritariamente, por esse público. Usando o conceito foucaultiano de sanção normalizadora (FOUCAULT, 1987), a autora concluiu que o discurso veiculado sobre as selfies na imprensa possui um efeito disciplinar, pois não somente expressa preconceito com relação a quem produz as selfies, como justifica a difamação, a punição e o controle desse grupo de indivíduos considerados anormais. Outra questão importante sobre o conteúdo dos textos jornalísticos e acadêmicos sobre as selfies é o que Gunthert (2015c) chama de “psiquiatrização dos fatos sociais”. Para o autor, o julgamento sofrido pelas tecnologias de informação e comunicação, das quais as selfies estão imbricadas, é decorrente de uma análise equivocada. De acordo com o autor, “a crítica psicológica reduz o corpus a retratos de pessoas sozinhas, mais frequentemente de bonitas jovens mulheres, isolados de todos os elementos de contexto” (GUNTHERT, 2015c, p. 162)33. Kozinets, Gretzel e Dinhopl (2017, on-line, tradução nossa) afirmam que, ao analisar o fenômeno sob uma perspectiva patológica, atendo-se à relação entre a alta frequência de postagens e o narcisismo, a literatura acadêmica deixa de lado nuances interessantes sobre as selfies. Para os pesquisadores, “assim como acontece com o consumo de internet e de mídias sociais, a pesquisa tem relacionado a produção de selfie a relações superficiais, falta de intimidade, solidão, anorexia, riscos de doença mental e a uma geral falta de bem-estar mental”34. Uma característica relevante que também podemos apontar tanto na fala da mídia quanto nos trabalhos acadêmicos é a generalização do fenômeno. A reportagem da revista Time, citada na seção 1.1.1, por exemplo, homogeneizava a descrição dos millenials, ao afirmar que essa geração pode ser observada em países do Ocidente e do Oriente e em todas as camadas socioeconômicas da população. Ou seja, a matéria não levava em consideração as profundas desigualdades existentes, até mesmo dentro de um país como os Estados Unidos, em que há milhões de pessoas com acesso limitado à internet e vivenciando realidades totalmente distintas. Outro aspecto apontado por Gunthert (2015c) é que os estudos acadêmicos e reportagens que criticam as selfies trazem uma problemática metodológica, pois baseiam-se apenas em pesquisas quantitativas, geralmente com os termos #eu (#me) ou #selfie, uma seleção que, segundo o autor, produz um objeto superficial, conferindo uma aparência

33 O texto no original é: “la critique psychologique réduit le corpus à des portraits solitaires, le plus souvent de jolies jeunes filles, isolés de tout élément de contexte”.

34 O texto no original é: “Indeed, like internet and social media consumption itself, psychology research has linked selfie production to shallow relationships, lack of intimacy, loneliness, anorexia, risks to mental health, and a general lack of mental well-being”. 34

massiva ao fenômeno e descontextualizando os usos. Em seu contra-argumento, ele cita uma pesquisa de Alise Tifentale e Lev Manovich (2015) que concluiu que a proporção de selfies publicadas no Instagram é muito inferior do que o esperado: uma ordem de apenas 3 a 5% do total de fotografias postadas pelos usuários nessa rede social. Sob o mesmo ponto de vista, Senft e Baym (2015, on-line) defendem uma mudança de metodologia nas análises sobre as selfies, evitando os argumentos sobre superficialidade e exposição do “eu”, e apostam em uma perspectiva que compreenda essas imagens em seus contextos. Para elas, “as selfies consistem em algo mais do que jovens garotas estereotipadas fazendo duck faces35 em seus banheiros” (SENFT; BAYM, 2015, grifo nosso), como observamos na música “#Selfie” que introduziu a seção 1.1.1 deste capítulo.

Quando as pessoas posam para selfies políticas, com seus ídolos, em eventos esportivos, quando estão doentes, quando presenciaram algum crime, em funerais ou em lugares como museus, necessitamos de uma linguagem mais precisa do que àquela proporcionada pela psicanálise do século XIX para falar sobre o que elas acreditam estar fazendo e qual resposta esperam obter (SENFT; BAYM, 2015).

Todas essas características que podemos observar no discurso midiático e acadêmico sobre as selfies, como o pânico moral, a artificialidade das amostras de pesquisa e a generalização, a massificação e a descontextualização do fenômeno ajudam a compreender a noção de condenação moral acerca dessa prática fotográfica. No entanto, uma outra questão levantada por André Gunthert parece ser central para o entendimento não apenas da selfie em si, mas da selfie no museu: o fato de esse tipo de imagem ser um fenômeno inventado pelos usuários, o que provoca uma tensão entre as culturas da elite e a cultura popular.

1.1.3 Selfie e as práticas das “culturas bastardas”

Para Pierre Bourdieu (2007), as classes dominantes estão a todo tempo formulando estratégias para manter a sua posição na hierarquia social. Uma das formas de se diferenciar das classes populares é rejeitar aquilo que é próprio da cultura popular. Nesse sentido, André Gunthert (INROCKUPTIBLES, 2015, on-line) acredita que a crítica às selfies seria uma maneira de a elite se distinguir de um comportamento que consideraria grotesco ou bárbaro,

35 Pose comum em fotos postadas em sites de redes sociais, feitas especialmente por mulheres, que consiste em realizar um movimento com os lábios, semelhante a um bico de pato, de forma que eles aparentem ser maiores. 35

para usar as palavras de Bourdieu. A recusa do príncipe Harry, do Reino Unido, em tirar selfies com suas fãs em uma visita à Austrália seria um exemplo dessa distinção. Segundo Gunthert (2015c, p. 169), “é natural que um representante da monarquia exprima uma condenação que não faz mais do que confirmar sua consciência de classe”36. Mais do que parte de uma cultura popular, acreditamos que a prática da selfie se inscreve naquilo que Omar Rincón (2016) denomina de “culturas bastardas”. Segundo o autor, atualmente assistimos a uma crise dos agentes tradicionais de socialização, das formas de representação, do Estado e de suas instituições, do capital, de pensamento etc. Rincón observa uma passagem de uma sociedade baseada nos meios de comunicação para uma sociedade transmídia e de convergência, de uma sociedade de “audiência” de massas para uma sociedade “expressiva” de massas e de uma cultura letrada para uma cultura oral, visual, conectiva e fluida. É o que Jesús Martín-Barbero (2015) chama de “sociedade em mutação” (Martín-Barbero, 2015, p. 13), aquela decorrente não apenas das transformações tecnológicas e das crises dos discursos, mas do deslocamento das falas sociais de seus lugares de poder e de autoridade. Nessa perspectiva, Rincón propõe repensar o conceito do popular para que seja possível compreender as práticas dos “bárbaros do século XXI”. O termo “culturas bastardas” foi cunhado a partir das noções de cultura popular em Jesús Martín-Barbero (2013), Néstor García-Canclini (2003) e Homi Bhabha (1998). De Martín-Barbero, Rincón apropria-se da ideia de reivindicação do massivo para a existência do popular e da lógica dos meios de comunicação como um lugar de “re-conhecimento” para as classes populares. O teórico recupera também o conceito de hibridização, entendido por Canclini como processos em que práticas socioculturais antes separadas “se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (2003, p. XIX). E de Bhabha, ele resgata a “perspectiva intersticial”, ou seja, a ideia de que a articulação entre as diferenças culturais se dá em um “entre-lugar”. Com base nesse tripé, Rincón sugere

abandonar o pensamento dualista (moderno/pré-moderno), essencialista (a autenticidade do outro), multicultural (todos diferentes juntos, mas não misturados) e do perverso massivo-midiático (imperialismo), para assumir os espaços intermédios e de mescla, sendo o mais potente o ambíguo da interculturalidade, e o mais problemático o do massivo-popular (2016, p. 33).

Nos dias de hoje, segundo Rincón, o popular só pode ser entendido para além do folclore, dos modos de narrar, do lugar da resistência ou da massa manipulada, das experiências estéticas definidas ou do que se convencionou chamar de povo. Ele habita as

36 O texto no original é: “il est donc bien naturel qu’un représentant de la dignité monarchique exprime une condommation qui ne fait que confirmer sa conscience de classe”. 36

mais diversas práticas culturais contemporâneas, com todos os seus sentidos ambivalentes. Assim, “o popular é muitas coisas de uma só vez: o popular dá conta de mais do que só uma maneira pura e higienizada de existir, ele é uma experiência bastarda” (2016, p. 31, grifo do autor). Fazendo uma analogia à constituição tradicional de família, as culturas bastardas são ilegítimas porque só se tem certeza de sua origem materna, a cultural local. Já a figura paterna não é reconhecida e pode ser representada pelos modos de ser dos sujeitos da base social, pelo subalterno, pelas novas sensibilidades que permeiam o “existir coletivo”, pelo populismo na política, pela apropriação do popular pelo fazer artístico, pela cultura do exótico e pelo gosto exibicionista e obsceno, pelo mainstream e pelas novas tecnologias de informação e comunicação. “Temos muitos pais (populares, estéticos, narrativos), e por isso não somos puros e essencialistas, porém tampouco interculturais”, afirma Rincón (2016, p. 38). Nessa sociedade “bastardizada”, surge um tipo de cidadania comunicativa da qual seu protagonista é o cidadão celebrity, aquele que reivindica o ‘direito’ de estar nas telas em seus próprios termos, “o querer estar nas telas da autoestima pública (meios e redes) com voz, rosto, história e estética própria” (RINCÓN, 2016, p. 41). Essa visibilidade almejada, no entanto, não se confunde com o desejo de fama a qualquer preço como apontado por alguns teóricos que apresentamos na seção 1.1.2. Trata-se de uma “visibilidade bastardizada” em que “todas as telas, estéticas e formatos são possíveis para os novos heroísmos da sobrevivência popular”, pois a comunicação só adquire sentido “enquanto tática para se ver e se reconhecer (...)” (RINCÓN, 2016, p. 43, 45). As cidadanias celebrities, portanto, são formas de narrativas que transformam os atores sociais em sujeitos públicos e “as experiências populares em intervenções políticas através do alegre”.

Reconhecer o produzido por culturas bastardas, que enfatiza o celebrity como horizonte do reconhecimento, implica compreender que o popular se relaciona com o catártico, o gozo, a sedução e o público e se posiciona em oposição ao virtuoso, ao puro, ao culto e ao privado (RINCÓN, 2016, p. 46).

É nesse sentido, proposto por Rincón, para as culturas bastardas que reivindicamos o entendimento da selfie como uma prática comunicativa proveniente do popular e que ocupa as telas (não somente dos sites de redes sociais, mas do mainstream quando esse tipo de imagem passa a ser objeto de seus produtos, seja de reportagens, músicas ou séries de TV como apontamos na seção 1.1.1), tornando os atores sociais visíveis para suas comunidades on-line (e, em alguns casos, para além delas), com estéticas, narrativas e jogos de identidade próprios. 37

Após discutir a popularização da selfie e a sua condenação moral no discurso midiático e acadêmico e, ainda, de tentar compreender essa prática a partir da noção de culturas bastardas, na próxima seção, iremos abordar a relação entre arte e fotografia que, historicamente, vem sendo marcada por tensões. Essa contextualização é importante, pois as críticas que já eram realizadas por aqueles que rejeitam a prática fotográfica em museus foram estendidas às selfies nesses espaços. Trata-se de um jogo de poder que provém de uma elitização da experiência museal, baseada em uma concepção que valoriza a apreciação das obras de artes por seus aspectos estéticos e formais e não por sua função social. Essas discussões também se apresentam como um elemento para a compreensão sobre as novas relações dos atores socais com a imagem.

1.2 A polêmica relação entre fotografia e museu

Desde a sua popularização, as máquinas fotográficas passaram a estar presentes nos mais diferentes espaços e com os museus não foi diferente. Ao longo do século XX, percebeu- se o uso cada vez maior de câmeras pelos visitantes de exposições de artes visuais e sua permissão nesses espaços é, até hoje, objeto de polêmica entre especialistas da área e instituições culturais (CHAUMIER; KREBS; ROUSTAN, 2013; STYLIANOU-LAMBERT, 2016). Algumas das críticas feitas atualmente à relação entre o público e a fotografia, como a impossibilidade da fruição estética e da obra de arte como mercadoria, possuem semelhanças com as opiniões expressadas sobre o assunto já no século XIX e no início do século XX. As funções sociais da produção artística bem como as estruturas perceptivas dos indivíduos vêm sofrendo mudanças, especialmente a partir do século XIX, período marcado pela industrialização, pelo crescimento populacional que modificou radicalmente a urbanização nas cidades e pelo desenvolvimento de tecnologias de transporte e de comunicação, conforme apontamos no item 1.1.2. Para além das consequências socioeconômicas e políticas derivadas dessas transformações, Benjamin (1989, p. 124) indicava uma alteração na experiência subjetiva37. O indivíduo que circulava pelos centros urbanos era envolto por uma variedade de estímulos e imagens e sua relação com os objetos estava sempre atravessada por diferentes elementos dessa nova ordem capitalista. Para

37 Outros autores como Georg Simmel e Sigfried Kracauer também ressaltavam uma mudança de cunho neurológico na forma como as pessoas vivenciavam o mundo a partir da modernidade (SINGER, 2004). 38

Benjamin, essa sobrecarga de impulsos impossibilitava uma percepção contemplativa, pois a visão estava sempre perpassada por múltiplas experiências sensoriais e ópticas. Os museus não estavam isolados dessas transformações. Walter Benjamin (2009, p. 449) os entendia como uma das “moradas de sonho do coletivo”, experimentadas pelo observador moderno da mesma maneira que as “passagens, jardins de inverno, panoramas, fábricas, museus de cera, cassinos e estações ferroviárias”. As obras de arte, portanto, eram “um dos muitos elementos consumíveis e efêmeros em um caos cada vez maior de imagens, mercadorias e estímulos” (CRARY, 2012, p. 28). Além da anulação do “aqui e agora” da obra de arte, que destitui seu caráter de unicidade e autenticidade, Benjamin apontou dois efeitos diretos que a reprodutibilidade técnica produziu na obra de arte. A primeira é que a reprodução técnica trazia à tona aspectos não acessíveis do objeto representado ao olhar humano. A segunda é que a reprodução aproximava o indivíduo da obra. Não à toa Benjamin (1994, p. 170) dizia que a “cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução”. Se os indivíduos conseguem observar mais facilmente uma pintura, uma escultura ou uma obra arquitetônica por meio de uma fotografia, não se deve atribuir esse fenômeno, dizia Benjamin, “à decadência do gosto artístico ou ao fracasso dos nossos contemporâneos”. Para ele, “os métodos de reprodução mecânica constituem uma técnica de miniaturização e ajudam o homem a assegurar sobre as obras um grau de domínio sem o qual elas não mais poderiam ser utilizadas” (BENJAMIN, 1994, p. 104). Essas transformações resultaram em um abalo na tradição, o que modificou a função social da obra de arte, pois ela “se emancipa, pela primeira vez na história, de sua existência parasitária” (BENJAMIN, 1994, p. 171). Se antes as obras de arte possuíam um valor de culto, ao se liberarem do seu uso ritual, ganharam um valor de exposição.

Com efeito, assim como na pré-história a preponderância absoluta do valor de culto conferido à obra levou-a a ser concebida em primeiro lugar como instrumento mágico, e só mais tarde como obra de arte, do mesmo modo a preponderância absoluta conferida hoje ao seu valor de exposição atribui-lhe funções inteiramente novas, entre as quais a “artística”, a única que temos consciência, talvez se revele mais tarde como secundária (BENJAMIN, 1994, p. 173).

Para Benjamin (1994), a crítica de que as massas procuravam distração na obra de arte, enquanto o conhecedor a encarava como um objeto de devoção, não se justificava, pois

o distraído também pode habituar-se. Mais: realizar certas tarefas, quando estamos distraídos, prova que realizá-las se tornou para nós um hábito. Através da distração, como ela nos é oferecida pela arte, podemos avaliar, indiretamente até que ponto nossa percepção está apta a responder a novas tarefas. E, como os indivíduos se 39

sentem tentados a esquivar-se a tais tarefas, a arte conseguirá resolver as mais difíceis e importantes sempre que possa mobilizar as massas (BENJAMIN, 1994, p. 193).

Reduzir a significação social da obra de arte, portanto, segundo Benjamin, é ampliar a distância entre ela e o público. É por essa razão que ele acreditava que a pintura, assim como o cinema já fazia nas suas primeiras décadas de existência, deveria estabelecer com as massas “uma ligação direta e interna entre o prazer de ver e sentir”, o que diferiria totalmente da atitude do especialista para com a arte. Benjamin acreditava que a investigação sobre a fotografia deveria se libertar do campo das distinções estéticas e adentrar o das funções sociais. Como justificativa, ele cita uma passagem do historiador de arte alemão Alfred Lichtwark que, em 1907, escreveu que “nenhuma obra de arte é contemplada tão atentamente em nosso tempo como a imagem fotográfica de nós mesmos, de nossos parentes próximos, de nossos seres amados” (LICHTWARK apud BENJAMIN, 1994, p. 103). Quase cem anos após os escritos de Walter Benjamin, a relação entre arte, fotografia e sociedade continua envolta em divergências. Com o surgimento de câmeras em telefones celulares e de sites de redes sociais, a fotografia se tornou uma parte importante da visita aos museus e talvez nunca tenhamos visto tantas imagens de obras de arte em circulação como observamos atualmente. Contudo, diante do aumento do número de pessoas fazendo fotos nesses espaços, a partir dos anos 2010, algumas instituições resolveram proibir a fotografia em suas salas. Foi o caso do Museu d’Orsay, na França e do Museu Van Gogh, na Holanda, por exemplo. Para o presidente do Museu d’Orsay, Guy Cogeval, fotografar as obras de arte é um ato de barbárie (HASQUENOPH, 2012, on-line). Cogeval afirmou que a interdição se deveu ao fato de que os visitantes não olhavam mais as obras e impediam os outros de observá-las. Ele se disse espantado ao ouvir de seus alunos que, com os telefones celulares e computadores, ficava mais fácil perceber os detalhes de um quadro. Outras instituições, no entanto, reavaliaram as suas políticas e decidiram incentivar a prática, apostando em seu potencial de atrair mais visitantes e de melhorar a experiência museal (STYLIANOU-LAMBERT, 2016). Tradicionalmente existe um certo consenso acerca da permissão de fotos em museus de ciência ou de história natural. As divergências persistem, na maioria dos casos, quando se trata de museus e galerias de arte. Os principais argumentos contrários à realização de fotografias nesses locais são: (1) efeito prejudicial à experiência estética, (2) acordos de direito autoral e (3) questões de conservação e segurança. Por outro lado, as razões daqueles 40

que defendem a liberação das fotografias são: (1) proibir é um ato contrário ao interesse público que limita o acesso à cultura, à educação e à pesquisa, (2) os visitantes têm o “direito moral” de usar as imagens com as quais se deparam nos museus, e (3) estudos recentes mostram que a fotografia é uma ferramenta inclusiva e democrática de engajamento com as obras (STYLIANOU-LAMBERT, 2016, p. 12-13). Nos anos 1950, o sociólogo Pierre Bourdieu (2008, p. 365) já afirmava que a fotografia era uma forma de intensificar o olhar. Apesar disso, persistiu a ideia de que tirar fotos empobrece uma experiência vivida. Com objetivo de verificar cientificamente a validade dessa premissa, os pesquisadores americanos Kristin Diehl, Gal Zauberman e Alixandra Barasch (2016, on-line) realizaram um estudo para entender se uma experiência é afetada caso uma pessoa esteja ou não fotografando. Eles analisaram nove diferentes situações cotidianas como, por exemplo, um passeio estilo city-tour, um almoço e uma visita a um museu. Os testes, feitos com centenas de pessoas, foram divididos sempre em dois grupos, que eram autorizados ou não a fazer fotos. Diehl, Zauberman e Barasch concluíram que não só a fotografia não atrapalha a experiência, como a experiência é vivida mais intensamente quando é fotografada. Quando realizado em conjunto com outras ações, o ato de fotografar não prejudica a atenção diferentemente de outras atividades. Pelo contrário, o estudo mostra que fazer fotos pode acentuar o foco para aquilo que está sendo vivido. A justificativa de que o ato de fotografar impede que o visitante aprecie a arte tem sido contestada por diversos autores. Segundo Stylianou-Lambert (2016, p. 18), diferentes camadas de engajamento são possíveis quando se visita um espaço cultural. Ele cita outras motivações, além da experiência estética (que classifica como o filtro do amor à arte), tais como “desejo por conhecimento e inspiração (filtro profissional), anseio por novas experiências (filtro da exploração do self), experimentar um destino turístico (filtro do turismo cultural), necessidades de socialização (filtro da visita social) ou uma combinação desses”. Alguns autores enxergam preconceito no argumento daqueles que entendem que a pessoa que fotografa uma exposição não contempla as obras de arte (GUNTHERT, 2015c; HASQUENOPH, 2012; KERR, 2014). Isso se deve, em grande parte, à onipotência da disposição estética, que encontra no museu o seu lugar por excelência. Baseada nos aspectos formais e técnicos da obra e não na sua função social, ela continuou sendo considerada como a única forma de recepção legítima para a arte. Segundo Pierre Bourdieu (2007), essa concepção de entendimento da arte a partir de conhecimentos acumulados por meio da educação formal serve para afastar os não-iniciados e se diferencia da maneira como as classes populares costumam se relacionar com os produtos culturais: a partir do jogo da 41

representação. Esse desejo de se identificar com os personagens e suas emoções, classificado como um ato ingênuo de um público simplório que consome a cultura como divertimento, só poderia ser considerado como válido na medida em que não criasse obstáculos à percepção da essência própria da obra. Para Bourdieu (2007, p. 37), a experimentação formal, portanto, “faz parte do aparelho pelo qual se anuncia sempre o caráter sagrado, separado e que suscita a separação, da cultura legítima, ou seja, solenidade gélida dos grandes museus, luxo grandioso das óperas e dos grandes teatros, cenários e aparatos dos concertos”. Segundo Néstor Garcia Canclini (2003), ainda perdura na sociedade a noção de que as obras têm que ser analisadas em si mesmas, ignorando não só o fato de que a arte está atravessada por várias construções de sentido, que foram sendo acumuladas nos diversos usos dessa arte, seja pela escola, pela mídia, pela política, pela classe artística etc, como também a existência de uma hegemonia entre aqueles detentores dos códigos de recepção dessa arte e o público. Para Canclini (2003, p. 150), existem profundas diferenças entre o que os museus propõem e o que seus visitantes querem, mas esses desencontros não devem ser entendidos como uma incapacidade de incompreensão da arte, pois “as obras não têm significados fixos, estabelecidos de uma vez e para sempre”. Segundo o autor (2003, p. 151), nessa assimetria entre emissores e receptores reside “a possibilidade de ler e olhar para a arte”. Nem mesmo as atividades empreendidas, a partir dos anos 1960, com intuito de democratizar o acesso à arte modificaram essa noção. A primeira delas, a contextualização pedagógica das obras de arte, serviu para prejudicar “a contemplação desinteressada de que deveria caracterizar toda a relação com a arte” (CANCLINI, 2003, p. 136). As informações disponíveis nos museus contribuíam para ampliar o caráter elitista desses espaços, pois, para compreendê-las, era preciso um repertório de conhecimento adquirido ao longo da vida, seja por meio da educação formal, seja pelo ambiente familiar (BOURDIEU; DARBEL, 2007). Já a segunda, a retirada da arte do âmbito das galerias para espaços dessacralizados, como praças e fábricas, foi mais uma forma de a arte questionar a si mesma do que de transformar a sua relação com a sociedade. A terceira, caracterizada pela tentativa de democratizar não só a arte, mas o fazer artístico por meio da oferta de oficinas, parecia tratar o público como artistas frustrados que não foram descobertos porque não tinham formação específica. Assim, apesar dos esforços no sentido de democratizar o acesso à arte, a apreciação do acervo dos museus acabava sendo reservada a iniciados, ou seja, a uma elite com maior poder econômico e cultural. E, em um ambiente como esse, não surpreende que a prática da fotografia pelos visitantes tenha sido rejeitada por aqueles que acreditam que tirar fotos impede a contemplação. Para Gunthert (2015c, p. 149), essa afirmação provém de um desejo 42

de desqualificar a fotografia amadora por quem classifica essa prática como um lazer sem importância. Ele acredita que esse tipo de imagem deveria ser entendido como uma maneira simples e concreta de se reapropriar do mundo. A responsável pelo setor de comunicação do Museu Real da Colúmbia Britânica, no Canadá, e criadora do blog Edgital, dedicado à relação entre mídia digital e educação nos museus, Mairin Kerr (2014, on-line, tradução nossa), acredita que essa visão provém de um momento em que se acreditava “que a arte pertencia a um templo onde a elite poderia ter momentos transformadores enquanto silenciosa e irascivelmente contemplava grandes obras de pintores europeus”38. Ela entende que as políticas das instituições culturais não devem ser centradas nos objetos museais, ou seja, “medindo seu sucesso com base em como os visitantes apreciaram os objetos”, mas voltadas para a audiência, “medindo seu sucesso com base em como os museus servem o público”39. Sob a mesma perspectiva, o jornalista francês e criador do blog “Louvre pour tous” (“Louvre para todos”, tradução nossa), Bernard Hasquenoph (2012, on-line), acredita que esta é uma visão deformada da realidade baseada em uma noção moralizante. Dirigindo-se diretamente ao presidente do Museu d’Orsay, Guy Cogeval, ele afirma que a ideia por trás desse pensamento é de que existem dois tipos de visitantes: aqueles que sabem apreciar a obra de arte e os “intrusos ignorantes”. Hasquenoph lembra que o termo usado por Cogeval – barbárie – remonta a um estado de desumanidade e selvageria, o que, segundo ele, é uma reação totalmente desproporcional, maldosa e caricatural. Dessa forma, existe uma disputa de narrativas, que também devem ser entendidas no contexto das políticas de marketing dos museus como forma de atração de público. Elas funcionam como forças que incidem sobre a espectorialidade das obras e da própria experiência com as instituições culturais e também sobre a própria experiência das imagens fotográficas nesse contexto. Nosso interesse é mostrar como essas questões estão interligadas à discussão sobre a selfie. Outro argumento muito usado para banir as câmeras fotográficas em museus são as restrições legais. É verdade que o direito autoral pode ser um tema complexo que varia de acordo com o país. Em muitos casos, as instituições não são donas da produção artística que expõem e precisam seguir as diretrizes de cada artista ou doador. Muitas vezes, no entanto,

38 O texto no original é: “that art belonged in a temple where the elite could have transformative moments while quietly and waspishly contemplating great works by European Master Painters”.

39 O texto no original é: “measuring success based on how well visitors appreciate the object” / “measuring success based on how well the museum serves the public”. 43

esses argumentos são usados até mesmo para proibir a difusão de imagens de quadros e esculturas que já estão em domínio público. O objetivo seriam os interesses econômicos dos próprios museus de vender produtos oficiais tendo as obras como estampa (STYLIANOU- LAMBERT, 2016, p. 13). Com objetivo de discutir a prática da fotografia nos museus, os autores Serge Chaumier, Anne Krebs e Melanie Roustan convidaram especialistas de diferentes áreas do conhecimento para escrever artigos sobre o assunto que resultaram no livro “Visiteurs photographes au musée” (Visitantes Fotógrafos no Museu, tradução nossa), publicado em 2013. Na primeira parte da obra, advogados, juristas e professores especializados em direito do patrimônio cultural se dedicaram a desconstruir as principais razões que levam os museus a interditarem as fotos em seus espaços. Em comum, os analistas apontaram que as instituições culturais só poderiam banir a fotografia em circunstâncias específicas e que muitas decisões tomadas por seus administradores em relação ao tema são completamente ilegais. Para aqueles que defendem uma política de acesso aberto, o legado artístico existe para ser compartilhado. Proibir a fotografia em museus é negar ao público o direito de registrar as suas experiências com a arte. Para o jornalista francês Bernard Hasquenoph (2010, on-line, tradução nossa), as instituições culturais não deveriam se apropriar das obras, pois são apenas suas depositárias. Segundo ele, coibir a fotografia é caminhar em direção a um “museu mausoléu onde os visitantes circulam como robôs pelos corredores”. Seu desejo é por um “museu em conexão com o seu tempo”40. Em artigo para a revista ArtNews, a jornalista Carolina A. Miranda (2013, on-line) aponta algumas questões contraditórias com relação ao tema. O primeiro deles é a proibição de câmeras fotográficas em exposições de artistas como Andy Warhol, Sherrie Levine e Richard Pince, que têm a foto como uma das bases de seu trabalho. Em 2017, a prática fotográfica foi totalmente vetada na retrospectiva “Andy Warhol. Estrella oscura”, realizada no Museu Jumex, na Cidade do México (COPPEL, 2017, on-line). O motivo foram os direitos autorais das imagens emprestadas por 18 museus internacionais, a maior parte dos Estados Unidos. Para liberação de qualquer foto feita pelo artista é necessária a autorização dessas instituições ou da Fundação Warhol, que cuida de seu legado, ou ainda de representantes das personalidades retratadas, como Marilyn Monroe e Elizabeth Taylor. O Museu Jumex pediu apoio de 24 agentes da Polícia Bancária e Industrial daquele país para, junto com os

40 O texto no original é: “musée mausolée, où les visiteurs circulent comme des robots dans les allées” / “musée vivant, en lien avec son époque”. 44

seguranças, controlar o impulso fotográfico do público. Críticos de arte classificaram a interdição como paradoxal ao trabalho de Andy Warhol, que, durante quase 30 anos, circulou acompanhado de uma câmera Polaroid com a qual fez registros de si mesmo e de amigos, familiares, celebridades, pessoas desconhecidas etc, muitas delas expostas na mostra mexicana. Outro ponto ressaltado por Miranda é a incoerência entre o comportamento dos estabelecimentos culturais nos ambientes on-line e suas políticas em relação à fotografia. Um estudo do Pew Research Center (THOMSON; PURCELL; RAINIE, 2013), com mais de 1.200 instituições culturais americanas, realizado em 2013, mostrou que 97% delas estavam presentes em sites de redes sociais, como Twitter, Facebook, Flickr, entre outros, e que 94% postavam imagens das obras de artes disponíveis em suas galerias. Entrevistada por Miranda para o artigo da ArtNews, a diretora do Museu de Arte e História de Santa Cruz, na Califórnia, e autora do livro “The Participatory Museum”, Nina Simon, afirmou que um museu que se mostra bastante ativo nas mídias sociais transmite a ideia de que “representa um espaço onde tudo é conversacional. Para o visitante, pode ser incômodo chegar no espaço físico e ser confrontado com uma política que não é (conversacional)”41 (tradução nossa). Ao perceber o movimento de algumas instituições da França em proibir a fotografia após a popularização de smartphones em 2012, um grupo de museólogos e representantes de coletivos de frequentadores de museus enviaram uma carta ao então ministro da Cultura daquele país, Frédéric Mitterand. O objetivo era chamar atenção das autoridades francesas para a questão da fotografia que, segundo eles, poderia ser considerada como um fator de enriquecimento da visita e uma nova forma de se relacionar com o patrimônio. Em resposta, o ministério criou um grupo de trabalho formado por integrantes do governo e dos estabelecimentos públicos, de especialistas em diferentes áreas e de representantes dos usuários dos museus, dentre os quais estavam os autores da carta. Depois de meses de discussões, a comissão concluiu que a prática fotográfica não apresentava qualquer problema com respeito aos direitos autorais, à conservação das obras ou à ética do serviço público. Em julho de 2014, foi lançada uma carta de boas práticas, dirigida aos estabelecimentos e denominada “Tous photographes!” (“Todos fotógrafos!”, tradução nossa). O documento trazia cinco recomendações recíprocas para o público e para as instituições como forma de encorajar o ato de fotografar e de compartilhar imagens das exposições, bem como para fomentar iniciativas pedagógicas de engajamento, como

41 O texto no original é: “represent a venue that is all about being conversational. For the visitor, it can be disturbing to then go to the physical space and be confronted with a policy that isn’t”. 45

atividades artísticas e culturais acerca da prática fotográfica (MINISTÈRE DE LA CULTURE, 2014, on-line). A partir da divulgação da carta, as instituições culturais públicas da França liberaram a fotografia em suas salas, com exceção do Museu d’Orsay. Em 2015, ao participar da abertura de uma exposição no local, a ministra da Cultura da França à época, Fleur Pellerin, postou fotos de algumas obras expostas em suas contas do Twitter e do Instagram. Acusada de se aproveitar do cargo para obter um privilégio que a população não possuía, Pellerin respondeu afirmando que apenas colocou em prática o que estava previsto no documento “Tous Photographes!” (JARDONNET, 2015, on-line). Constrangido, o presidente do museu, Guy Cogeval, decidiu liberar a fotografia no interior da instituição. A medida foi considerada uma vitória dos militantes pela causa das fotos em espaços culturais.

1.3 #museumselfie: a selfie no museu

1.3.1 Um “museu” de selfies no museu

A popularização das selfies serviu como um elemento para aumentar ainda mais a polêmica sobre a fotografia nos museus. Além das críticas já mencionadas na subseção 1.2, somou-se a questão do julgamento moral acerca das imagens de si abordada na seção 1.1 deste capítulo. Os debates se acentuaram na imprensa e nas redes sociais. No artigo “A concorda, parem com as selfies!”, o diretor editorial do jornal australiano “The New Daily”, Bruce Guthrie (2014, on-line), afirmou que, em visita ao Museu do Louvre, notou uma diferença no comportamento do público: se antes as pessoas olhavam para os quadros, agora estão dando as costas para fazer selfies, imagens que ele classificou como “a última indulgência de um mundo cada vez mais indulgente e egoísta”. Guthrie se perguntou: “qual é o sentido de visitar uma obra de arte, a menos que você possa contar ao mundo sobre isso?”42 (tradução nossa). O crítico de arte britânico Michael Savage, autor do blog Grumpy Art Historian (Historiador de Arte Mal-Humorado, tradução nossa) acredita que as selfies impedem o engajamento com a arte (SUMANAC-JOHNSON, 2015, on-line). Para Savage,

42 O texto no original é: “the latest indulgence of an increasingly indulgent and self-absorbed world” / “What’s the point of ticking off a visit to a beautiful work of art unless you can tell the world about it?”. 46

em vez de ter as obras de arte como propósito, a visita a um museu muda o foco para o indivíduo. Segundo o crítico, a arte é usada apenas como papel de parede para que os visitantes possam mostrar a si mesmos e dizer que estiveram naquele lugar. Reportagens sobre visitantes que danificaram alguma obra de arte ao tentar fazer uma selfie também contribuem para uma visão negativa sobre este tipo de fotografia. Em 2016, um assunto ganhou amplo destaque nos meios de comunicação nacionais e internacionais: um brasileiro derrubou a estátua São Miguel, no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, causando sua destruição (MIRANDA, 2016, on-line). O caso rendeu diferentes comentários na internet, com predominância de aspectos negativos. A partir de uma breve análise sobre as postagens feitas por usuários do Twitter no perfil do jornal Folha de S. Paulo naquele site de rede social, foi possível perceber três abordagens distintas43. Alguns destacaram a nacionalidade de quem provocou o acidente (“brasileiro sendo brasileiro”; “br é uma desgraça”; “saiu do brasil só para passar vergonha em lisboa”). Outros focaram as disputas históricas entre Brasil e Portugal (“vingança da colonização”; “‘ISSO FOI PELOS ÍNDIOS MORTOS!’ teria dito o brasileiro, momentos antes do suposto acidente”; “isso não faz nem cócegas perto de quanto os portugueses destruíram aqui no brasil”). Uma outra parte criticou o ato de fazer selfies (“tirar selfie em museu, nada melhor para ilustrar o retardamento dessa geração”; “nos museus e exposições é muito comum ver brasileiros mais interessados em selfies do q admirar as obras. Analfabetos. Vergonha.”; “é o que mais tem hj, idiota tirando selfie”; “o museu foi concebido para pessoas civilizadas, não tiveram em conta retardados mentais”). Em julho de 2017, também foi largamente divulgado pelos veículos de comunicação o caso de uma mulher que, ao tentar tirar uma selfie, derrubou uma dezena de pedestais que sustentavam obras de arte da exposição “The 14th Factory”, em Los Angeles (FOLHA DE S. PAULO, 2017, on-line), causando um dano de US$ 200 mil. O fato ganhou repercussão mundial e levantou suspeitas sobre uma possível estratégia de marketing dos responsáveis pela mostra. Na página da “The 14th Factory” no Facebook44, o curador Simon Birch lamentou os prejuízos, mas agradeceu pela “exposição inesperada”. “É um exemplo maravilhoso do poder das mídias sociais, pois mal tínhamos qualquer orçamento para marketing (...). Então, as mídias sociais, por vezes, foram a nossa única maneira de atrair

43 Comentários feitos no perfil da Folha de S. Paulo no Twitter e reproduzidos exatamente como no original. Disponível em: . Acesso em: 13 nov. 2016.

44 Disponível em: . Acesso em: 29 jul. 2017. 47

audiência. Portanto, não há queixas”45, disse Birch (tradução nossa). O caso também recebeu comentários negativos por parte dos usuários das redes sociais46: “Povo perdeu a noção, selfie virou vício”, “É a mania medíocre de tirar selfie fazendo mais uma vítima”, “A maldição do selfie”. Apesar das críticas, fazer uma foto interagindo com uma obra de arte se tornou uma prática bastante popular nos sites de redes sociais. Desde 2013, imagens postadas com as hashtags #artselfie ou #museumselfie ficaram cada vez mais comuns. Em dezembro daquele ano, o perfil do Twitter @CultureThemes lançou um desafio. Convidou os usuários a postar no dia 22 de janeiro de 2014 uma foto acompanhada da hashtag #museumselfie. A conta havia sido criada em 2011, sem fins lucrativos, pela britânica Mar Dixon, uma apaixonada por museus, para promover essas e outras instituições culturais em todo o mundo, pois, na época, várias estavam sofrendo cortes em seus orçamentos. A ideia de Dixon era, todos os meses, escolher um dia para promover um tema em formato de hashtag, como forma de engajar não apenas os usuários dos ambientes on-line, mas também os próprios museus a interagir com seu público de uma maneira não convencional. A temática é contextualizada no site www.culturethemes.com, mas está sempre aberta à interpretação dos frequentadores. As hashtags propostas podem ser divertidas, funcionais, políticas como, por exemplo, #musbuilding (foto do edifício que abrigue um museu), #musfavobj (foto do seu objeto museal preferido), #queermuseum (foto para celebrar o orgulho LGBTI), #musmoods (foto de um objeto museal que combine com seu estado de espírito etc). Como discutiremos no capítulo 3, hashtags e outros elementos que podem compor uma postagem nos sites de redes sociais são fundamentais para as análises das interações a partir das selfies em museus. Dixon conta que a escolha pela hasthag #museumselfie aconteceu pela popularidade que não só a selfie, mas as selfies em museus estavam alcançando nas redes sociais on-line (DIXON, 2016). O Museu Horniman, na Inglaterra, havia acabado de criar uma pasta no site de rede social Pinterest47 denominada “Selfie with the walrus”48, especialmente para selfies com uma réplica de um leão marinho que era o objeto que mais atraía visitantes a fazer esse

45 O texto no original é: “it is also a wonderful example of the power of social media as we barely had any budget for marketing when we first opened so social media was at times our only way of attracting audience. So no complaints”.

46 Disponível em: . Acesso em: 29 jul. 2017.

47 Criado em 2010, o Pinterest se define como “um catálogo mundial de ideias”. É um site de rede social onde os usuários podem compartilhar imagens, formando um quadro de inspirações. Disponível em: . Acesso em: 29 jul. 2017.

48 Disponível em: . Acesso em 29 jul. 2017. 48

tipo de imagem no local. Além disso, em outubro de 2013, tinha sido inaugurada a exposição “National #Selfie Portrait Gallery”, reunindo vídeos de 19 artistas, que exploravam expressões inerentes ao formato desse tipo de imagem, como performance, personalidade e autenticidade49. O post promovendo a hashtag #museumselfie dizia: “então este mês nós queremos que você compartilhe a sua #museumselfie – seja você um funcionário de um museu, um mascote de um museu ou um dos adoráveis visitantes – poste suas fotos usando a tag no dia 22 de janeiro!” (DIXON, 2013, on-line, tradução nossa)50. De acordo com Dixon, assim que a postagem foi feita, ela percebeu que a hashtag se tornaria viral. Diversos museus começaram a planejar o que poderiam fazer naquele dia para engajar seus frequentadores. Dixon afirmou ter ficado surpresa ao acordar no dia 22 de janeiro de 2014 e perceber que a hashtag já estava entre as mais populares entre os usuários das redes sociais. Logo a imprensa começou a reportar o assunto, dando ainda mais visibilidade ao evento on-line. A data acabou sendo rebatizada de Dia da Selfie no Museu. Em dois anos, nunca um tema promovido pelo @CultureThemes havia recebido repercussão tão grande. Apesar do sucesso do primeiro Dia da Selfie no Museu, Dixon recebeu inúmeras críticas por incentivar as pessoas a tirarem selfies em museus, com basicamente os mesmos argumentos negativos já levantados nesse trabalho. Mesmo assim, ela decidiu que, nos anos seguintes, o tema do mês de janeiro do @CultureThemes continuaria sendo a selfie em museus. A cada ano, mais e mais instituições e visitantes participam da iniciativa. Em novembro de 2014, foi criado o perfil “Museum of Selfies” no site de rede social Tumblr. Segundo a responsável pela conta, Olivia Muus (2014, on-line, tradução nossa), que se autodenomina “curadora”, a ideia surgiu quando estava no Museu Nacional da Dinamarca e resolveu fazer fotos que passassem a impressão de que as obras estavam tirando a sua própria selfie. “Eu tirei uma foto de brincadeira e gostei como esse ato simples pode mudar as suas características e dar as suas expressões faciais um significado totalmente diferente”51, afirma Muus na descrição do perfil. Ela convidou outros usuários a fazerem o mesmo e enviar as fotos por e-mail ou postar no Instagram com a hashtag #museumofselfies. As mais interessantes são compartilhadas no Tumblr (quadro 2). É possível afirmar que, para fazer esse tipo de imagem, o indivíduo precisa observar bem a obra para perceber que a expressão

49 Disponível em: . Acesso em 29 jul. 2017.

50 O texto no original é: “so this month we want you to share your #MuseumSelfie – whether you work in a museum, are a museum mascot or one of the lovely visitors – post your pictures using the tag on January 22nd!”.

51 O texto no original é: “I took a picture for fun and liked how this simple thing could change their character and give their facial expression a whole new meaning”. 49

facial, o olhar e a postura corporal da personagem retratada, seja em um quadro ou uma escultura, se assemelham ao de alguém tirando uma selfie.

Quadro 2 – Museum of Selfies

Fonte: Tumblr

Em dezembro de 2014, foi inaugurado, nas Filipinas, o Art in Island, um museu interativo para selfies52. O local dispõe de reproduções de obras de arte famosas e outras pinturas em 3D, que convidam o público a interagir com a produção artística de uma maneira diferente. Os visitantes podem tirar fotografias como se fizessem parte das obras (quadro 3). Em entrevista ao Mashable (2015, on-line), a secretária corporativa do museu, Blyth Cambaya, afirmou que “as pinturas expostas não estão completas se os visitantes não estiverem “dentro delas”, se não fazem fotos com elas”53 (tradução nossa). Na mesma reportagem, uma frequentadora aprovou o museu, pois, segundo ela, diferentemente de outros espaços culturais onde é necessário um comportamento sério, no Art in Island é possível expressar o seu lado divertido. “Isso faz você apreciar ainda mais a arte porque eles têm muitas obras de arte famosas aqui, mas você pode brincar com elas também”54, conclui a visitante. Diante da profusão de selfies em museus, os jornalistas holandeses Alexandra van Ditmars, Melanie Zierse e Fabian de Bont (2016, on-line) imaginaram como seria um museu com curadoria feita a partir dessas imagens de si compartilhadas no Instagram, com a hashtag #museumselfie (first selfie-curated museum). A partir de uma amostra formada por mais de 12 mil fotografias, eles perceberam que a maior parte das selfies em museus foi feita em Nova York, capitaneadas pelo Museu de Arte Moderna (Moma) e pelo Metropolitan Museum of Art

52 Disponível em: . Acesso em: 27 dez. 2016.

53 O texto no original é: “paintings are not complete if you’re not with them, if you don’t take pictures with them”.

54 O texto no original é: “it makes you appreciate the art a lot more too because they have a lot of famous artworks in here but you can really play with it too”. 50

(Met). No entanto, a maioria das pessoas que postaram fotos em frente ao prédio de uma instituição cultural estava no Museu de Arte Islâmica, no Qatar. Entre as obras de arte que mais suscitaram a difusão de selfies, em primeiro lugar ficou o quadro Fulang-Chang e eu, de Frida Kahlo, em exposição no Moma. Em segundo, ficou Wall Drawing #370, de Sol Lewitt, em cartaz no Metropolitan. Surpreendentemente, a Mona Lisa, de , um dos quadros mais fotografados do mundo, disponível no Museu do Louvre, na França, apareceu na terceira posição entre as selfies em museus mais compartilhadas. O estudo mostrou que, no geral, a arte contemporânea atrai mais imagens de si do que obras de outros períodos artísticos.

Quadro 3 – Museu Art in Island

Fonte: Facebook

O comportamento dos visitantes de museus tem sido apropriado também por celebridades da indústria do entretenimento. Em visita ao Louvre, a cantora Beyoncé e o rapper Jay-Z compartilharam em suas contas no Instagram diversas selfies, o que fez o jornal The Telegraph (KEALEY, 2014, on-line) elegê-las as selfies mais irritantes da história. A cantora Shakira postou uma imagem de si com um quadro do Museu d’Orsay, que, por sua vez, agradeceu a propaganda gratuita em sua conta no Facebook (BERNARD, 2015, on-line). Na época, a artista colombiana tinha 54 milhões de seguidores naquela rede social (hoje tem mais de 100 milhões), enquanto a instituição francesa não chega a um milhão. Já a cantora americana Katy Perry, em visita ao Instituto de Arte de Chicago, postou várias selfies (GOMEZ, 2014, on-line). Uma delas, junto a uma obra de René Magritte, estava acompanhada da legenda “VEJA A EXPOSIÇÃO DE MAGRITTE. Vai explodir a sua mente convencional e acordá-lo de seu estado zumbi”55 (tradução nossa).

55 O texto é língua estrangeira é: “GO SEE THE MAGRITTE EXHIBIT. It will blow your conventional mind & wake you up from your zombie state!”. 51

1.3.2 A selfie pelos museus: uma ferramenta de comunicação

O sucesso que as selfies em museus alcançaram nos sites de redes sociais não passou despercebido pelas instituições culturais. Observando o potencial dessas fotografias como ferramenta de engajamento, alguns museus rapidamente se apropriaram desse tipo de imagem como tema para suas mostras e como estratégia de divulgação. Não foi a primeira vez, no entanto, que elementos próprios do campo da comunicação foram utilizados por curadores de exposições. Ainda no século XX, os museus começaram a buscar outros elementos “extra-arte” que ajudassem os frequentadores a entrar em contato com o acervo, como cenografia, recursos de áudio e vídeo, entre outros. Já na virada para o século XXI, diversos pesquisadores apontavam que os centros culturais deveriam transformar a visita em uma experiência multissensorial, promovendo atividades que explorassem não apenas a visão, mas os demais sentidos, como a audição, o tato e o olfato (WAGENSBERG, 2005; SCREVEN, 1993), a fim de incentivar o envolvimento dos frequentadores em três níveis: hands-on (manual), minds-on (mental) e hearts-on (emocional). Dessa forma, as tecnologias de informação e comunicação (TICs) passaram a ser uma grande aliada dos curadores de mostras de artes visuais. Foi possível perceber o uso do entretenimento como linguagem pelos museus, com a apropriação de algumas de suas características, tais como envolvimento emocional, ludicidade, multissensorialidade e o uso de expressões simples e intuitivas (PEREIRA, 2016). Atualmente, observamos que tanto os museus que já foram concebidos nessa lógica, quanto as instituições mais tradicionais lançam mão em suas exposições de elementos que potencializam os processos de interatividade entre público e exposições, gerando novas possibilidade de percepção. A maior parte dos museus inaugurados no Brasil, nos últimos anos, possui a ludicidade, a tecnologia e o apelo às emoções como base de seus projetos, como o Museu da Língua Portuguesa (aberto em 2006) e o Museu do Futebol (2008), ambos localizados em São Paulo, e o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro (2015). Com relação às selfies, a última tendência é a criação de museus “feitos para o Instagram”, como é o caso da Color Factory e do Museum of Ice Cream (Fábrica da Cor e Museu do Sorvete, tradução nossa)56. Percebendo o sucesso que as Salas do Infinito, de Yayoi Kusama, e a Sala da Chuva (Rain Room), que esteve em cartaz no Moma, em Nova York,

56 Color Factory: . Museum of Ice Cream: . Acesso em: 4 jan. 2018. 52

fazem nos sites de redes sociais, os criadores desses espaços convidaram artistas visuais contemporâneos para criar instalações imersivas que oferecessem a oportunidade perfeita para uma selfie. E claro: que pudessem ser replicadas em diferentes locais. O Museu do Sorvete, por exemplo, já abriu três unidades nos Estados Unidos e seus ingressos se esgotam poucas horas após serem colocados à venda. Em entrevista ao site Wired (PARDES, 2017, on-line), a fundadora da Color Factory, Jordan Ferney, afirmou que a ideia era que o museu fosse fotogênico para a internet, mas que tivesse um conceito por trás e, assim, proporcionasse uma experiência única. Por isso, alguns fatores, como a palheta de cores usada e a iluminação, são muito importantes. “Talvez uma luz mais quente seria mais acolhedora, mas uma luz mais branca fica melhor para o Instagram”, admite Ferney57. Para os museus tradicionais, uma das estratégias em relação às selfies é apropriar-se de eventos realizados nos ambientes on-line ou a realização de eventos próprios. Pelo seu potencial mobilizador nas redes sociais, o Dia da Selfie no Museu, mencionado na subseção 1.3.1, ganhou a adesão de diferentes instituições ao longo dos anos (quadro 4). No Brasil, a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo foi o primeiro órgão público a aderir à data em 2016, pedindo que os frequentadores compartilhassem fotos nos espaços culturais mantidos pelo governo estadual (SÃO PAULO, 2016, on-line). Em 2017, eles repetiram a participação. Em comunicado oficial (SÃO PAULO, 2017, on-line ), o então titular da pasta José Roberto Sadek afirmou que “uma iniciativa dessa confirma a vocação dos museus de serem instituições que têm raízes e histórias, mas que estão antenadas com os tempos atuais”. Em 2017, foi a primeira vez que o Instituto Brasileiro de Museus apoiou a data (IBRAM, 2017, on-line). Foram feitas diferentes peças de propaganda para divulgar a iniciativa e os perfis do Ibram nos sites de redes sociais Facebook, Twitter e Instagram compartilharam fotos de usuários que usaram a hashtag #museumselfie. Outros museus também já vêm participando do Dia da Selfie no Museu há alguns anos, como é o caso do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro e de espaços culturais administrados pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, o IPAC (quadro 4). Alguns museus têm promovido também encontros com usuários do Instagram que possuem um número significativo de seguidores. Geralmente esses eventos denominados Instameets são realizados fora do horário de funcionamento e permitem que os participantes tenham maior conforto para visitar as instituições e produzir selfies (STOKEL-WALKER, 2016). Pastas no Pinterest são outra forma de engajar o público. O Metropolitan, por exemplo,

57 O texto no original é: “...maybe a warmer light would have felt better to be there but a whiter light looks better on Instagram”. 53

criou a pasta Met Selfies em que publica imagens de autorretratos pictóricos e fotográficos disponíveis em seu acervo (METSELFIES, on-line).

Quadro 4 – Dia da Selfie no Museu58 Imagem 1: peça de propaganda do Ibram para Imagem 2: peça de propaganda do IPAC para divulgar divulgar o Dia da Selfie em Museu em 2017 o Dia da Selfie em Museu em 2017

Imagem 3: postagem do Museu do Amanhã para Imagem 4: postagem do Governo do Estado de São incentivar o Dia da Selfie em Museu em 2016 Paulo divulgando o Dia da Selfie em Museu em 2017

Fonte: Facebook e Google

Outra ação que tem sido comumente desenvolvida é a promoção de hashtags. Para divulgar uma exposição do artista americano Jeff Koons, o Centre Pompidou, na França, organizou uma campanha para o Dia dos Namorados em 2015. A instituição pediu que os visitantes postassem, nos sites de redes sociais, uma selfie sozinhos ou acompanhados em frente à obra “Hanging Heart” (Coração Pendurado, tradução nossa), com a hashtag

58 Imagem 1: “Tá chegando! Vai ensaiando o clique porque na próxima quarta-feira (18) o mundo inteiro celebra a "selfie" no museu - e o Brasil está dentro! Basta tirar uma foto sua em algum museu e usar a hashtag #museumselfie nas redes sociais!”. Disponível em: / Imagem 2: Disponível em: / Imagem 3: “Hoje é #MuseumSelfie Day, dia de selfie nos museus do mundo inteiro. Se você está aproveitando a quarta-feira, feriado no Rio, para nos visitar, participe! Seja criativo na pose e use #MuseumSelfie e #museudoamanha. Dica: Um dos pontos preferidos para selfies no Museu do Amanhã fica logo na entrada”. Disponível em . Imagem 4: “Tá chegando o Museum Selfie Day! Amanhã é dia de postar aquela sua selfie em um dos nossos museus com #MuseumSelfie. Van Gogh curtiu isso”. Disponível em: . Acesso em 29 jul. 2017. 54

#LoveKoons59. Todos que participassem ganhariam um catálogo da mostra autografado (CENTRE POMPIDOU, 2015). Já na Bahia, o IPAC afirma que houve um aumento de 60% no público dos museus do Estado depois que foi lançada, em 2015, a campanha #MusEuCurto, que tem como objetivo mobilizar a população a visitar, conhecer e se apropriar dos espaços públicos. Em levantamento sobre as selfies em museus, citado anteriormente, Ditmars, Zierse e Bont (2016, on-line) concluíram que algumas instituições usam constantemente as mídias sociais para promover a hashtag #museumselfie. Para apresentar uma nova funcionária ao público, o Metropolitan postou no Instagram uma foto dela com a obra Wall Drawing #370, de Sol Lewitt, que, como observamos, é uma das mais clicadas do museu. O quadro não foi escolhido aleatoriamente, pois a legenda do post dizia “o local perfeito para uma #museumselfie” (METMEMBERS, 2016). O bom humor prevalece até mesmo quando os museus querem criar normas para regular a prática da selfie em seus espaços. De maneira divertida e inusitada, o Museu Real de Ontário (RODGE, 2015), no Canadá, por exemplo, criou um guia on-line sobre como tirar selfies no local. A publicação foi ilustrada com imagens de si dos próprios funcionários do centro cultural. A selfie também tem sido explorada como tema de exposições. Em 2016, o Museu de Belas Artes de Lyon, na França, inaugurou a exposição “Autorretratos, de Rembrandt às selfies” (MBA-LYON, 2016), com mais de 130 obras, entre pinturas, desenhos, estampas, fotografias, esculturas e vídeos. Os visitantes também eram convidados a fazer os seus próprios autorretratos digitais, que foram utilizados para compor uma instalação artística. Já em 2017 foi a vez da Galeria Saatchi, na Inglaterra, lançar a mostra “Da Selfie à expressão do self”, que disponibilizava autorretratos de artistas famosos, como Rembrandt, Van Gogh e Frida Kahlo, em um formato diferente, como se as imagens tivessem sido produzidas por um smartphone, mas também selfies de personalidades contemporâneas como a socialite Kim Kardashian, o ator Tom Cruise e a foto de Barack Obama no funeral de Nelson Mandela, por exemplo. A ideia era fazer uma exposição pequena, mas o chefe executivo da galeria, Nigel Hurst, disse que, quanto mais pesquisava, mais o tema se ampliava. Em entrevista ao jornal The Guardian (BROWN, 2017, on-line, tradução nossa), Hurst esperava que a exibição fosse encarada não apenas como um divertimento, mas como uma forma de explorar assuntos mais sérios. Ele acredita que as galerias de arte podem ser lugares intimidadores e o papel das instituições culturais é aproximar a arte contemporânea do maior número de pessoas possível.

59 Disponível em: . Acesso em 30 jul. 2017. 55

Nesse sentido, a selfie é uma boa porta de entrada. Para Hurst, “a selfie é, de longe, a mais expansiva forma de expressão visual do self, goste você ou não. O mundo da arte não pode se dar ao luxo de ignorá-la”60. O Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro (CCBB RJ), cujas fotos de seus visitantes serão foco de análise no capítulo 3, é exemplar na valorização da selfie como estratégia de comunicação para suas exposições. A partir da observação dos perfis da instituição no Facebook e no Instagram61, selecionamos quatro iniciativas que vêm sendo frequentemente usadas por esse centro cultural. A primeira e mais antiga é a construção de instalações específicas para estimular a produção de selfies pelos visitantes. Este tipo de ação foi consolidado quando a mostra dedicada ao ilustrador holandês M.C. Escher, que oferecia uma sala com diferentes padrões geométricos para o público se fotografar, se tornou a mais visitada do mundo em 2011 (PORTO, 2012, on-line). Desde então, essa estratégia ocorre em todas as grandes exposições do CCBB RJ. Em 2015, para anunciar a exposição “Picasso e a modernidade espanhola” no Facebook, apenas dois dias antes de sua abertura, o CCBB RJ fez uma postagem sobre um labirinto espelhado onde os visitantes poderiam tirar fotos no estilo cubista. A mensagem não tratava de quais ou quantas obras do artista estariam disponíveis para apreciação do público, como seria o mais comum para a divulgação de uma mostra62. Outra ação desenvolvida pelo CCBB RJ relativa à produção de selfies, assim como outros museus já citados, é a promoção de hashtags. São criadas, por exemplo, hashtags específicas para cada exposição: #mondriannoccbbrj (figura 5) para a mostra sobre Piet Mondrian (2016), #modernidadeespanhola para a retrospectiva de Pablo Picasso (2015), entre outras. As hahstags não aparecem apenas nas postagens que CCBB RJ faz em suas contas nos sites de redes sociais. Elas também estão presentes impressas em material gráfico e em cartazes espalhados pelo centro cultural. A instituição também cria hashtags temáticas, como #namoradosnoccbbrj, que incentivava casais a compartilhar selfies realizadas no CCBB RJ por conta do Dia dos Namorados em 2017.

60 O texto no original: “the selfie is by far the most expansionist form of visual self-expression, whether you like it or not. The art world cannot really afford to ignore it”.

61 No dia 26 de julho de 2017, as contas de todos os CCBBs no Instagram foram desativadas e migradas para o perfil geral do Banco do Brasil. No Facebook, as contas permanecem ativas e atualizadas.

62 Disponível em . Acesso em 29 dez. 2017. 56

Figura 5 – CCBB RJ promove instalação para selfies e hashtag da mostra

Fonte: Instagram

A terceira estratégia de comunicação usada pelo CCBB RJ tendo como base as selfies é divulgar as exposições a partir do compartilhamento de imagens de si feitas pelos próprios frequentadores. Por vezes, a iniciativa é vista pelos usuários como um sinal de prestígio e os autores das fotos agradecem ao centro cultural pela difusão da imagem. A figura 6 mostra o compartilhamento de uma selfie que um visitante havia postado originalmente em sua conta no Instagram, com a hashtag #ccbbrj. Ainda como forma de apropriação e uso da selfie em seus espaços, foi possível observar que a instituição também valoriza a produção de selfies em suas dependências ao interagir “curtindo” e comentando as imagens de si que são compartilhadas por seus visitantes. Nesses casos, os perfis do CCBB RJ se apropriam de elementos próprios da linguagem da internet como o uso de emojis ou emoticons.

Figura 6 – CCBB RJ compartilha selfie de frequentador

Fonte: Instagram 57

Como ações isoladas, encontramos uma postagem com uma foto de Abraham Palatnik ao lado de seu autorretrato pictórico, para promover a mostra em sua homenagem realizada em 2017, e um vídeo incentivando a prática da fotografia em suas galerias (Quadro 5).

Quadro 5 – Outras ações do CCBB RJ Imagem 1: post com foto de Abraham Palatnik ao Imagem 2: post com vídeo destacando a prática da lado de seu autorretrato fotografia no CCBB

Fonte: Instagram

Apesar do conteúdo das postagens do CCBB RJ em seus perfis nos sites de redes sociais apontarem para o fato de que a instituição entende o valor da fotografia dos visitantes, em especial às selfies, para a divulgação das atividades que oferece, o gerente de Comunicação do CCBB RJ, André Luiz Giancotti (2017), disse, em entrevista à autora, que “não faz parte da política do CCBB fomentar a produção de fotografias”. No entanto, ele admite que os SRSs funcionam como “um canal para que o público divulgue a sua visita aos espaços culturais”. Segundo Giancotti, “o CCBB RJ tem como prática o compartilhamento de conteúdo relevante, sejam fotos de visitantes ou depoimentos, que agreguem à divulgação da exposição”. Questionado sobre até que ponto a fotografia dos visitantes tem influenciado a curadoria das exposições, ele se limitou a dizer que a instituição utiliza apenas critérios técnicos como originalidade, abrangência de público, relevância conceitual, entre outros. Sobre a criação de instalações para que os frequentadores produzam imagens de si, Giancotti assumiu que o CCBB RJ considera que “as exposições mais interativas facilitam o entendimento da arte e atraem público”. No entanto, afirmou que a decisão para a criação desses espaços, “que acabam sendo muito usados pelos visitantes para selfies”, é de responsabilidade das curadorias de cada exposição, sem interferência do CCBB RJ. Já o Museu de Arte do Rio (MAR), que também terá as fotos de seus visitantes analisadas no capítulo 3, não adota a mesma estratégia em suas contas nos sites de redes sociais. Percebemos que nem todos os posts são acompanhados de hashtags, nem mesmo a 58

hashtag mais usada para identificar a instituição nos ambientes on-line (#museudeartedorio), ou da marcação de geolocalização. Como veremos adiante, esses elementos são relevantes nos SRSs, em especial o Instagram, que será o foco da nossa análise, pois a partir de hashtags e localizações geográficas, a postagem passa a ser buscável no sistema e ganha em visibilidade. Com relação à interação com os seus seguidores, observamos que o perfil do MAR não costuma curtir, comentar ou compartilhar os posts de seus visitantes. O recurso interacional mais usado foi o de “curtir” as imagens de alguns frequentadores, talvez o que exija menos esforço por parte da equipe do MAR, pois basta clicar no ícone correspondente. A comunicação se limita a responder os questionamentos que os usuários fazem nas próprias postagens do museu, como horário de funcionamento e preços de ingressos. O conteúdo das postagens, portanto, têm um estilo informacional, ou seja, comunicam a programação e fatos interessantes sobre seu acervo. Entramos em contato com a gerência de Comunicação do MAR para solicitar uma entrevista sobre o assunto. Apesar da disposição inicial para colaborar com a pesquisa, após o envio do questionário, a instituição não retornou. Neste capítulo, procuramos mostrar como, desde a sua popularização em 2013, a selfie foi considerada tanto pela mídia quanto pela academia, com base em estudos fundamentados de uma maneira geral em teorias da psicologia, da psiquiatria e da comunicação social, como mais uma ferramenta a serviço do exibicionismo do “eu” em uma sociedade do espetáculo. Abordamos alguns aspectos que caracterizam esse discurso negativo. Em geral, há uma problemática metodológica que isola essas imagens de seus contextos e generaliza o fenômeno. O outro ponto é o sentimento de medo, ou pânico moral nas palavras de Cohen (2002), que, historicamente, surge com relação a alguma tecnologia nova, mas também quando uma prática é apropriada especialmente por jovens e grupos sociais que têm sido estigmatizados como mulheres, pessoas com diferentes orientações de gênero etc. No caso das selfies em museus, discutimos que os mesmos argumentos que já eram usados por aqueles que são contrários à fotografia nesses espaços foram transferidos para as imagens de si, com o adicional do julgamento moral acerca dessa prática de autorrepresentação contemporânea. Observamos certo preconceito na fala daqueles que defendem que a realização de fotos nos museus impede a fruição, argumento baseado em uma forma considerada legítima para a contemplação das obras de artes, por meio de seus aspectos formais e técnicos. Discutimos ainda que a noção de culturas bastardas pode ajudar a entender as novas formas que os atores sociais engendram para se relacionar com as imagens. Finalizamos o capítulo expondo algumas das estratégias de comunicação adotadas pelos museus a partir da selfie. 59

Existem ainda outras questões próprias às novas formas de produzir, distribuir e consumir conteúdos nos ambientes on-line, em especial as imagens, que podem ajudar a compreender o fenômeno das selfies e as críticas atreladas a ela, conforme discutiremos no próximo capítulo.

60

2 A SELFIE E AS INTERAÇÕES SOCIAIS NOS AMBIENTES DIGITAIS

We are making photographs to understand what our lives mean to us. Ralph Hattersley63

Diversos autores têm atribuído as mudanças nas formas como as pessoas se relacionam com as imagens não apenas à digitalização da fotografia, mas ao fato de a prática fotográfica estar inserida em um contexto distinto e, por consequência, sendo apropriada de maneiras diferentes (GÓMEZ CRUZ, 2012; GUNTHERT, 2015c). Segundo André Gunthert (2015c), apesar de promover um salto tecnológico, a digitalização não modificou as funções essenciais da fotografia. Ao reduzir a materialidade, ela trouxe maior plasticidade e mobilidade para a imagem, tornando-a fluida e sujeita mais facilmente à cópia e à manipulação, porém os seus usos continuaram os mesmos. Gunthert ressalta ainda que, embora tenha possibilitado uma maior facilidade para a circulação das imagens, a fotografia digital apresentava restrições na sua distribuição, pois era necessário o uso de um computador para que fosse possível a difusão das fotos feitas com câmeras digitais. Neste capítulo, mostraremos que as transformações sociotécnicas64 (SIMONDON, 1999) ocorridas na virada do século XXI juntamente com as mudanças nos usos que as pessoas fazem das plataformas de comunicação em rede (ELLISON; BOYD, 2013) criaram as condições de possibilidade para uma mudança profunda nas formas de produção e circulação das imagens, transformando a função social da fotografia e a sua relação com a vida cotidiana. Essa conjuntura proporcionada pelo surgimento de sites de redes sociais e do telefone celular com câmera e acesso à internet contribuiu para novas práticas de sociabilidades mediadas pela imagem. A ideia de que as imagens funcionam como ferramentas de mediação/regulação das interações e das relações comunicativas nos ambientes on-line, a partir de seus aspectos conversacionais, vem sendo discutida por diversos autores desde meados dos anos 2000 (SIT;

63 “Estamos fazendo fotografias para entender o que as nossas vidas significam para nós (tradução nossa)”.

64 Utilizamos aqui o termo sociotécnico como empregado por Gilbert Simondon, no sentido de que nenhum objeto técnico pode ser entendido fora do contexto de construção de seus usos. Para Simondon, nenhum objeto técnico é puro, sempre tem uma natureza híbrida, ao mesmo tempo social e técnica, na medida em que a técnica “media” as relações do homem com seu entorno social. 61

HOLLAN; GRISWOLD, 2005; BOYD; HERR, 2006; RECUERO, 2008). Contudo, antes de aprofundarmos essa noção, precisamos entender como a conversação, tradicionalmente entendida como uma interação verbal que ocorre nas relações face a face, constituiu-se como a principal forma de comunicação mediada por tecnologias digitais (HERRING, 2010; PRIMO, SMANIOTTO, 2006), que, até hoje, são em sua grande maioria caracterizadas pela linguagem escrita (RECUERO, 2014a). Na segunda parte do capítulo, faremos uma historicização da selfie incluindo-a como parte da cultura visual da autorrepresentação. Em seguida, será apresentada uma série de estudos recentes que procuram contextualizar tanto a produção quanto a difusão das selfies, entendendo que essas imagens possuem um caráter conversacional e fazem parte de uma narrativa de construção da identidade dos atores sociais e uma forma de performar seus selves on-line. O capítulo será finalizado com algumas pesquisas sobre as selfies em museus, que, apesar de se tornarem cada vez mais comuns entre os frequentadores de exposições, ainda são pouco analisadas pelo meio acadêmico. A partir dos estudos de performance, esses trabalhos mostram que, mais do que exibição do “eu”, o que os atores sociais fazem ao produzir e compartilhar imagens de si com obras de arte é expressar aspectos das suas identidades com esses objetos.

2.1 A imagem como mediadora de relações comunicativas

2.1.1 Conversações nos sites de redes sociais

Os primeiros estudos sobre cibercultura entendiam as trocas textuais nos ambientes on-line como uma metáfora da conversação realizada nos ambientes off-line. Com o passar dos anos, percebeu-se que essas interações possuem elementos típicos das conversações orais e, por isso, consistem em conversações em si mesmas. Segundo Raquel Recuero (2014b, p. 115), “embora a conversação seja compreendida primariamente como um fenômeno falado, oral, a apropriação das ferramentas textuais da mediação pelo computador passou a indicar uma simulação da conversação”, ou seja, a conversação realizada por meio de tecnologias digitais passou a ser comparada com a comunicação oral. 62

Dessa forma, a conversação empreendida nos ambientes digitais funciona a partir de uma apropriação de elementos que, em sua origem, não são destinados às interações orais. “Com isso, novos usos e novos sentidos são construídos nas ferramentas, de modo a permitir que os elementos da conversação, como a interação entre dois ou mais sujeitos, sua organização (...) e mesmo os contextos sejam divididos entre os participantes” (RECUERO, 2014b, p. 116). Algumas das características próprias da comunicação mediada propiciam e também ajudam a conformar a conversação on-line (BOYD, 2010). A primeira delas é a persistência, ou seja, o conteúdo que circula nos ambientes digitais geralmente fica gravado, deixando rastros, enquanto que uma conversa oral costuma ser efêmera. Já a replicabilidade é o que permite que as informações sejam copiadas e compartilhadas65. A terceira característica diz respeito ao alcance, à visibilidade maior que aquilo que é difundido on-line pode atingir do que um fato que acontece no ambiente off-line. A buscabilidade, por sua vez, é a capacidade de recuperar um conteúdo a qualquer tempo, desde que ele não seja apagado. A persistência, por exemplo, é o que permite que as conversações aconteçam de maneira assíncrona, quando os interagentes não estão conectados a uma ferramenta ao mesmo tempo. Nos sites de redes sociais, por exemplo, percebemos que muitas das interações acontecem em um espaço de tempo ampliado. Uma postagem pode receber comentários anos depois de sua publicação. Já as conversações síncronas são aquelas que acontecem quando os atores estão interagindo simultaneamente. De acordo com as possibilidades de cada ferramenta, as conversações podem ser públicas ou privadas. As conversações privadas são entendidas por boyd (2010) como aquelas que acontecem em um espaço delimitado e só estão disponíveis para os atores envolvidos. Já as conversações públicas estariam acessíveis a quaisquer usuários de determinada ferramenta. No entanto, essas fronteiras não são muito bem definidas, pois, segundo a autora, uma conversa que originalmente aconteceu em âmbito privado pode se tornar pública de acordo com os interesses dos interagentes. Devido à persistência, replicabilidade e buscabilidade, as conversações privadas podem ser capturadas e compartilhadas com outros usuários que não faziam parte da interação. Uma das primeiras estratégias dos usuários para transformar a linguagem escrita em uma “escrita oralizada” foi o uso de onomatopeias, a repetição de letras (para dar ênfase em

65 É evidente que uma interação que acontece no ambiente off-line pode ser gravada e replicada, mas, para isso, é necessário um dispositivo, como um gravador. No entanto, nas interações on-line, essa possibilidade é intrínseca às características constitutivas dos ambientes digitais (BOYD, 2010). 63

determinada sílaba) e a escolha por uma informalidade que foge à norma culta (como o uso de “tá” em vez de “está”). Outro artifício foi a utilização dos caracteres do teclado para simular as expressões humanas. Chamados de “emoticons”, esses símbolos já apareciam nas cartas, mas foram popularizados na internet. Atualmente, temos ainda os “emojis”, uma imagem que transmite o significado de uma palavra ou um sentimento (no princípio eram apenas as “carinhas” amarelas, mas hoje existe uma grande variedade de imagens). O surgimento de sites de redes sociais, segundo Recuero (2014a), impulsionou novas formas de interação. Ao migrar por diversos SRSs, as conversações tornaram-se mais públicas, podendo atingir usuários que não estavam conectados aos atores que iniciaram o diálogo. A conversação em rede, portanto, inicia-se em pequenos grupos e pode ser ampliada por meio das conexões dos atores, ganhando novos contornos. Segundo boyd (2010, on-line, tradução nossa66), um dos desafios com os quais os atores se deparam durante as conversações nos sites de redes sociais é o “colapso do contexto”, um conceito apropriado pela autora dos estudos sobre as audiências em veículos de comunicação. De acordo com boyd (2010), o colapso do contexto já era vivido nas interações em ambientes off-line, mas de maneira mais controlada. Ela cita como exemplo uma situação em que um indivíduo está no bar com amigos, encontra com o seu chefe e fica sem saber como agir, passando certo constrangimento. “A falta de limites espaciais, sociais e temporais”, que caracterizam os ambientes on-line, “torna difícil manter contextos sociais distintos”67. Nos SRSs, não apenas temos conexões de origens diferentes, tais como familiares, amigos, colegas de trabalho, como fazemos contato também com usuários com os quais não lidamos fora da internet. Além disso, exatamente pela natureza replicável, pesquisável e persistente das conversações, as nossas mensagens correm o risco de serem interpretadas de uma maneira diferente daquela que foi intencionada, pois podem atingir públicos que sequer imaginamos, com realidades totalmente distintas. Diferentemente das relações não mediadas pela tecnologia, nos sites de redes sociais não é possível ter certeza com quem estamos falando. Trata-se, segundo boyd (2010), de uma “audiência imaginada”, ou seja, temos apenas uma sensação de quem constitui o nosso público. E é essa audiência imaginada que “guia as normas de comportamento” nos ambientes on-line. Dessa forma, afirma a autora, o contexto

66 Todas as traduções dessa obra foram feitas pela autora.

67 O texto no original é: “the lack of spatial, social, and temporal boundaries makes it difficult to maintain distinct social contexts”. 64

torna-se essencial para que os atores consigam manter não somente uma coerência em suas performances, como também compreender o conteúdo das conversações. Essas questões que envolvem uma audiência imaginada e o colapso do contexto explicam, em parte, o caso que citamos no capítulo 1 sobre as selfies no Memorial do Holocausto. Uma das fotos alterada pelo artista havia sido criada para uma situação particular entre amigos que compartilhavam dos mesmos códigos de referência. No entanto, por ter sido postada de maneira pública, ela ficou acessível a outros usuários de sites de redes sociais que não dividiam o mesmo conhecimento sobre a personalidade do autor da imagem. Assim, fora de seu contexto original, a foto foi entendida como uma ofensa. A partir da ampliação da banda larga de internet e da proliferação de dispositivos móveis, a comunicação digital passou a contar, de uma maneira mais efetiva, com vários formatos de mídia, como fotos e vídeos, e não apenas com elementos textuais (BOYD; HEER, 2006). Esses recursos, que geralmente são usados na construção dos perfis dos atores nos sites de redes sociais, funcionam como “artefatos de performance digital” e ajudam os usuários a interpretar os contextos sociais nos ambientes on-line, processo primordial para a conversação. Segundo danah boyd e Jeffrey Heer (2006, on-line, tradução nossa68), “modificando seus perfis de forma a engajar os outros, os participantes estão montando palco para a conversação e para a comunicação ao mesmo tempo”. Assim, os autores entendem que os perfis funcionam como conversação na medida em que “a performance de identidade social e as interações transformam o Perfil de uma representação estática do self para um corpo comunicativo em conversação com outros corpos representados”69 (grifo dos autores). Para eles, as conversações ocorrem quando as pessoas trocam informações em uma “dança comunicativa”, compartilhando não apenas para autossatisfação, mas para engajar o outro a compartilhar em troca. Portanto, “a conversação constrói e reconstrói o perfil, oferecendo elementos para a construção de identidade e também dependendo desta para se construir através de performances conversacionais com outros autores” (RECUERO, 2014a, p. 141). A noção de performance tem sido convocada dentro dos estudos de comunicação e sociabilidade para discutir as formas que os atores sociais constroem suas identidades na internet (POLIVANOV, 2014; RECUERO, 2014b, RIBEIRO; BRAGA, 2012). Em geral, esses pesquisadores recuperam alguns dos conceitos trabalhados pelo sociólogo canadense

68 Todas as traduções dessa obra foram feitas pela autora. O texto no original é: “by altering their profiles to engage with others, participants are setting the stage for conversation and communicating as well”.

69 O texto no original é: “the performance of social identity and relationships shifted the Profile from being a static representation of self to a communicative body in conversation with the other represented bodies”. 65

Erving Goffman (2002) sobre as interações face a face em ambiente off-line para tentar entender como essas dinâmicas acontecem nos ambientes on-line, guardadas evidentemente as características de cada um. Dentre os temas desenvolvidos por Goffman que têm sido mais utilizados estão a autoapresentação (self-presentation), o gerenciamento da impressão e os variados papéis desempenhados pelos atores sociais durante as diferentes situações cotidianas (SÁ; POLIVANOV, 2012). É importante ressaltar que os autores que adotam essa perspectiva se diferem dos estudiosos que apresentamos no capítulo 1, que entendem as dinâmicas identitárias na internet a partir da lógica da sociedade do espetáculo (DEBORD, 1997). Segundo aquela corrente, atualmente, haveria um apagamento das fronteiras entre público e privado, promovendo a valorização das imagens, da visibilidade e do culto à personalidade. O que impera seria a ideia de que só existe aquele que se expõe de maneira deliberada, em um processo de espetacularização do “eu”, e as ferramentas da internet, como os sites de redes sociais, seriam usadas para responder às demandas deste novo tipo de sociedade (BRUNO 2004; SIBILIA, 2016; TRIVINHO 2010). Embora apontem temas importantes acerca da visibilidade e da vigilância nos SRS, esses autores carregam um viés pessimista, “homogeneizando as formas de exposição dos atores sociais, sem levar em consideração as diversas motivações e apropriações culturais que os interagentes fazem das tecnologias de informação e comunicação (TICs)” (POLIVANOV, 2014, p. 50). Existem aspectos próprios dos ambientes on-line que são fundamentais na construção das identidades. O primeiro que destacamos é a relação identidade e alteridade que, muito antes do aparecimento das TICs, já evocava o olhar do outro. Inspirado pelos estudos de Robert E. Park (1950) sobre os processos de interação entre indivíduos e o ambiente urbano, Erving Goffman (2002) entende que as relações sociais são marcadas pela representação. Para Park (1950, p. 249, apud GOFFMAN, 2002, p. 27), “todo homem está sempre e em todo lugar, mais ou menos conscientemente, representando um papel (...). É nesses papeis que nos conhecemos uns aos outros; é nesses papeis que nos conhecemos a nós mesmos”. Goffman faz uma analogia com a perspectiva própria da linguagem teatral ao afirmar que os indivíduos agem, em diferentes meios, como atores produzindo uma performance para uma plateia, de acordo com as impressões que desejam causar nas suas audiências.

“(...) o relacionamento social comum é montado tal como uma cena teatral, resultado da troca de ações, oposições e respostas conclusivas dramaticamente estendidas. Os 66

textos, mesmo em mãos de atores iniciantes, podem ganhar vida porque a própria vida é uma encenação dramática” (GOFFMAN, 2002, p. 71).

Segundo boyd e Ellison (2007, on-line), assim como nos ambientes off-line, ao criar e administrar seus perfis nos SRSs, os atores estão sempre tentando controlar a impressão que os outros terão deles, “buscando manter uma coerência na expressividade criada” (SÁ; POLIVANOV, 2012, p. 581). Suas performances não têm apenas o outro como referência, mas são construídas em conjunto com esse outro, em uma relação dialógica. De acordo com a característica de cada plataforma digital, o ator vai representar seu self de maneira distinta assim como fazemos nas relações que prescindem a interação face a face (POLIVANOV, 2014). O segundo fator que os autores apontados anteriormente também não exploram é o conceito de self-disclosure (BAYM, 2010), ou seja, a predisposição maior dos indivíduos em compartilhar conteúdos considerados de foro íntimo, como fotos e vídeos, para conquistar a confiança dos outros nos ambientes on-line, exatamente por não poderem contar com a materialidade de seus corpos como nos ambientes off-line. A terceira questão importante é a possibilidade de os atores, na construção de seus perfis em SRSs por exemplo, poderem escolher, a partir de configurações de privacidade, quais conteúdos serão visíveis e para qual público, podendo ocultar determinadas informações. Para Beatriz Polivanov (2014), apropriando-se das ideias de Anthony Giddens (1991) de que, a partir da modernidade, os atores constroem e reconstroem constantemente suas identidades de modo autorreflexivo, a exposição dos selves nos ambientes on-line é, em menor ou maior grau, refletida, consciente e nada aleatória. Além das questões que envolvem as performances de identidade nos ambientes on- line, outro aspecto importante para as conversações nas plataformas digitais são os valores de capital social negociados a partir das trocas entre os atores. Segundo Recuero (2014a, p. 137), “a conversação necessita de capital social para acontecer”. O conceito de capital social já foi trabalhado de diferentes maneiras por diversos autores. Em comum, está a ideia de um valor que emerge das relações entre os indivíduos. O capital social tem sido usado por vários pesquisadores dos estudos de cibercultura, em especial aqueles que abordam os sites de rede sociais (BURKE, KRAUT; MARLOW, 2011; ELLISON; STEINFIELD; LAMPE, 2007; RECUERO; ARAÚJO; ZAGO, 2011). A maior parte desses trabalhos utiliza o conceito de capital social em Putnam, Bourdieu e Coleman. Para o cientista político americano Robert Putnam (2000), o capital social refere-se às normas de confiança e reciprocidade que advêm da relação entre os cidadãos de determinada 67

sociedade. Já para o sociólogo Pierre Bourdieu (1986), trata-se de um conjunto de recursos estabelecidos por meio de relações duráveis e institucionalizadas, desfrutado através do conhecimento e reconhecimento mútuo entre os participantes. O sociólogo americano James Coleman (1998), por sua vez, afirma que o capital social é definido por sua função. Ele é constituído de aspectos da estrutura social que facilitam ações individuais dentro dessa estrutura. Dessa forma, enquanto para Putnam o capital social pode ser possuído por um ator ou por um grupo, para Bourdieu e Coleman, ele é usufruído na relação entre os atores. A partir desses três conceitos, Raquel Recuero (2009, p. 50), ao estudar os sites de redes sociais, afirma que o capital social é

um conjunto de recursos de um determinado grupo que pode ser usufruído por todos os membros do grupo, ainda que individualmente, e que está baseado na reciprocidade. Ele está embutido nas relações sociais e é determinado pelo conteúdo delas. Portanto, para que se estude o capital social dessas redes, é preciso estudar não apenas suas relações, mas, igualmente, o conteúdo das mensagens que são trocadas através delas.

Apropriando-se de uma classificação proposta por Bertolini e Bravo (2001), a partir da noção de capital social cunhada por Coleman, Recuero (2009, p. 50-51) explica que, o capital social pode ser dividido em cinco categorias: (1) relacional (soma de trocas entre os atores), (2) normativo (normas de comportamento de um grupo), (3) cognitivo (informações acessíveis a um grupo), (4) confiança no ambiente social (confiança construída entre os participantes de um grupo) e (5) institucional (instituições formais e informais que constituem a estrutura de um grupo). As três primeiras categorias podem ser usufruídas individualmente. Já as outras duas são partilhadas pela coletividade. Assim, o capital social necessita de um investimento dos atores sociais, de um esforço de sociabilidade e da capacidade de interação e interesse dos envolvidos. Conforme observamos, os atores sociais constroem as suas performances de identidade nos SRSs de maneira consciente, escolhendo os conteúdos que são compartilhados de acordo com as impressões que desejam provocar em outros usuários. Dessa forma, essa construção também pode ser marcada pelos valores de capital social que imaginam que irão desfrutar. Segundo Recuero (2009), existem quatro tipos de valores de capital social: visibilidade, reputação, popularidade e autoridade. A visibilidade está relacionada ao fato de os SRSs tornarem os atores sociais mais visíveis, ou seja, mais públicos, o que pode contribuir para um aumento das suas conexões. A reputação é a percepção qualitativa de alguém pelos 68

demais participantes de um grupo e está diretamente relacionada às impressões que um determinado usuário tenta criar sobre si. A construção desse valor é feita a partir de três elemento: o “eu”, o “outro” e a relação entre ambos. Já a popularidade é um valor relacionado à audiência que pode ser mensurado, por exemplo, pelo número de seguidores que um ator possui ou pela quantidade de curtidas que recebe em uma postagem. Por fim, a autoridade está atrelada ao poder de influência de um determinado ator em uma rede a partir do conteúdo que compartilha, ou seja, quando ele é reconhecido como referência em determinado assunto e pela capacidade de gerar comentários e repercussões. Oliveira e Polivanov (2016) observaram, a partir das apropriações de conteúdos musicais feitas por usuários do Facebook, do Twitter e do Instagram, a emergência de um outro valor de capital social gerado a partir das interações nessas redes. As autoras perceberam que, por meio da postagem de videoclipes e letras de músicas, os atores expressavam uma vontade de compartilhar um sentimento ou um gosto em particular. Essa necessidade não estava relacionada à busca por visibilidade, reputação, popularidade e autoridade, mas por afeto. Esse valor foi denominado pelas pesquisadoras de “capital afetivo”. Nesta seção, observamos que as conversações nos sites de rede sociais se tornaram a principal forma de comunicação mediada pelas plataformas digitais. Funcionando, inicialmente, a partir da apropriação de elementos textuais, ela se transformou ao passo que as tecnologias de informação e comunicação e seus usos foram se complexificando. As questões abordadas sobre as performances para a construção de identidade como a conversação e a negociação de valores de capital social a partir das conversações são importantes para compreendermos os aspectos conversacionais das imagens e, consequentemente, das selfies, objeto de análise dessa pesquisa. Passaremos agora a uma discussão sobre a imagem como mediadora de interações sociais nos SRSs.

2.1.2 Imagem conectada

Conforme abordamos no início deste capítulo, desde os anos 2000, diversos estudiosos têm apontado que as imagens têm sido usadas nas plataformas digitais com objetivos conversacionais. Os pesquisadores da Universidade de San Diego Ryan Y. Sit, James D. Hollan e William G. Griswold (2005, on-line) analisaram fotografias compartilhadas no Jusspress, um extinto site de rede social criado para facilitar a disseminação de fotos digitais. 69

Eles descobriram que eram difundidos naquela plataforma basicamente dois tipos de fotografia. Algumas tinham o objetivo de provocar reações, fazer questionamentos ou servir como uma recordação visual. Outras eram imagens de si para expressar um sentimento ou estado de espírito. O comum a todas as imagens, segundo os autores, era o desejo de receber feedback. Eles verificaram ainda que os usuários que tinham uma frequência regular de postagem de fotos e que respondiam aos comentários conseguiam provocar mais conversações. Nesse sentido, os autores afirmaram que as imagens funcionam como âncoras conversacionais. A partir do trabalho de Sit, Hollan e Griswold, os pesquisadores danah boyd e Jeffrey Heer (2006, on-line) investigaram os perfis de usuários do Friendster, um dos primeiros sites de redes sociais, criado em 2002. Dentro da análise dos elementos não-textuais apropriados pelos usuários para cunhar seus perfis nos SRSs, boyd e Heer perceberam que as fotos são os mais proeminentes para as performances de identidade. “As fotos são os mais notáveis componentes de performance de identidade” nos perfis de sites de redes sociais, de acordo com eles, pois “sustentam o diálogo em diferentes níveis de visibilidade pública”70. Atualizá- las constantemente é uma forma de transmitir diferentes aspectos sobre si mesmos. Os autores destacaram dois tipos de uso da imagem com objetivos conversacionais. O primeiro tratava-se da publicação de fotos para mostrar que o ator fez parte de algum evento especial. Eles citam como exemplo o festival de rock Burning Man, realizado em 2003, no deserto de Nevada. Após retornarem do evento, os usuários do Friendster começaram a trocar entre si fotos feitas no festival. Compartilhar essas imagens no SRS era uma maneira de demonstrar afeto pelos amigos. A outra apropriação que eles apontaram era o uso de imagens como apoio ou rejeição a algum tema em discussão na sociedade, ou seja, a imagem sendo usada para fins políticos. Seguindo a ótica de boyd e Heer, Raquel Recuero (2008) pesquisou as práticas de sociabilidade em 20 fotologs, ferramentas de publicação de fotografias e imagens, acompanhadas de pequenos textos. Eles funcionam na mesma lógica dos blogs, em que as postagens mais recentes aparecem primeiro. Em cada publicação, o autor do fotolog pode autorizar ou não os comentários de outros usuários. Recuero observou que os fotologs eram usados para o aprofundamento ou manutenção de laços sociais previamente estabelecidos nos ambientes off-line e para a busca de popularidade e apoio social.

70 O texto no original é: “Photos are the most noticeable component of profile identity performance” / “sustaining dialogue with varying levels of public visibility”. 70

Ao investigar as práticas fotográficas contemporâneas tendo como objeto de estudo o Flickr, site de rede social para compartilhamento de fotos, o pesquisador espanhol Edgar Gómez Cruz (2012) também verificou que a fotografia era usada como ferramenta de socialização nessa plataforma. Ainda que a premissa do Flickr estivesse centrada mais nos aspectos estéticos da imagem, o autor observou que as alianças, os comentários e as participações também se mostraram elementos importantes para os atores naquele SRS. Assim como nos fotologs, havia usuários que buscavam popularidade e postavam fotos como um pretexto para a interação. Contudo, Gómez Cruz observou uma mudança profunda nas formas como os atores se relacionavam com a imagem, que diferem daquelas dos fotologs. De acordo com o autor, a fotografia como um “mero contato ou interação entre duas pessoas” passou a ser entendida como “uma socialização de subjetividade que dá como resultado uma imagem coletivizada e que representa um conjunto de conexões (entre pessoas e pessoas, entre pessoas e a imagem, entre memórias e ênfase” (2012, p. 131, tradução nossa)71. Gómez Cruz compara o momento atual com a ruptura ocorrida na virada para o século XX, devido ao surgimento das câmeras Kodak. Até então, os equipamentos fotográficos eram caros, grandes, pesados e difíceis de manipular, o que acabava dificultando a popularização da prática. A Kodak transformou o fazer fotográfico não somente por democratizar a fotografia ao tornar as câmeras acessíveis, reduzindo o seu tamanho e o seu preço, mas pela oferta de serviços de laboratório para revelação dos negativos (SARVAS; FROLICH, 2011, p. 16). Seu famoso slogan “Você aperta o botão, nós fazemos o resto” representa bem o modelo de negócios inaugurado pela “Cultura Kodak” 72. A partir de então, a fotografia amadora se desenvolveu. Se antes as pessoas iam até um estúdio para fazer um retrato familiar, com as câmeras Kodak elas podiam capturar momentos que julgavam importantes da vida em família, como o crescimento dos filhos, festas, viagens etc. Para Gomez Cruz (2012), as mudanças nas práticas fotográficas contemporâneas anunciam a passagem de uma “Cultura Kodak” para uma “Cultura Flickr”, marcada pelo

71 Todas as traduções dessa obra foram feitas pela autora. O texto no original é: “un mero contacto o interacción entre dos personas a una socialización de subjetividades que da como resultado una imagen colectivizada y que representa un conjunto de conexiones (entre personas y personas, entre personas y la imagen, entre memorias y énfasis).

72 O termo “Cultura Kodak” foi criado por Richard Chalfen (1987) para explicar os usos da fotografia no âmbito doméstico, como registro e memória de eventos familiares.

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aparecimento da “imagem em rede73”, ou seja, aquela que privilegia seu uso como objeto comunicativo, conectivo e performático para as narrativas cotidianas, estabelecendo novas formas de representação dos atores sociais.

Na cultura Flickr, o importante não é o objeto fotográfico enquanto objeto de memória e de recordação, mas a fotografia como prática cotidiana por meio da qual nos comunicamos, nos expressamos e nos performamos como sujeitos. A imagem em rede é uma parte constitutiva do nosso “estar no mundo”, que não está isento de contradições e perplexidades, uma vez que essas novas subjetividades parecem implicar uma organização do que é íntimo e privado frente ao que é público (GÓMEZ CRUZ, 2012, p. 248, tradução nossa74).

Segundo Gómez Cruz (2012, p. 230-231), atualmente, “o que as práticas fotográficas produzem não são (somente) objetos que costumávamos chamar de “fotografias”, (também) produzem imagens, que, juntas a textos, links e contextos específicos, formam interfaces, conexões e um sistema de comunicação particular”75, ampliando as suas possibilidades de significação. Dessa forma, as imagens em rede adquirem sentido quando são analisadas dentro de um conjunto de elementos que as acompanham e não a partir apenas daquilo que está representado no objeto fotográfico. A fotografia “perde materialidade para ganhar conectividade” (CRUZ, 2012, p. 234), ou seja, as funções tradicionais de registro, documentação e memória têm menos importância do que o seu caráter de conexão, que gera novas subjetividades e novas formas de ver e pensar o mundo76. Apropriando-se das evidências encontradas por Gómez Cruz em sua pesquisa sobre o Flickr, o sociólogo André Gunthert (2015c) afirma, no entanto, que a efetiva mudança no

73 Antes de Gómez Cruz adotar o termo “imagem em rede” como um suporte teórico para as mudanças no campo fotográfica, a expressão já era usada em estudos de interação entre humanos e computador e no contexto da fotografia digital por Daniel Rubinstein e Katrina Sluis (2008), na obra “A life more photographic: Mapping the networked image”.

74 O texto no original é: “en la cultura Flickr lo importante no es el objeto fotográfico en cuanto objeto de la memoria y para el recuerdo, sino la fotografía como práctica cotidiana a través de la cual nos comunicamos, nos expresamos y nos performamos como sujetos. La imagen en red es parte constitutiva de nuestro “estar en el mundo”, lo que no está exento de contradicciones y perplejidades, puesto que estas nuevas subjetividades parecen conllevar una distinta organización de lo que es íntimo y privado frente a lo público.

75 O texto no original é: “lo que las prácticas de fotografía digital producen no son (sólo) los objetos que solíamos llamar “fotografías”, (también) producen imágenes, que, ensambladas junto con textos, enlaces y contextos específicos, forman interfaces, conexiones y un sistema de comunicación particular”.

76 Isso não significa, segundo Gómez Cruz (2012), que as práticas fotográficas tradicionais tenham desaparecido ou tenham sido substituídas. Embora em escalas menores, ainda existem pessoas que utilizam máquinas analógicas e levam seus negativos para revelar nos laboratórios. Da mesma forma, existem pessoas que usam câmeras digitais e de telefones celulares e optam por armazenar e/ou imprimir fotografias, podendo compartilhá-las ou não em sites de redes sociais ou por outras ferramentas de comunicação mediada. O autor ressalta também que a imagem em rede potencializa as funções tradicionais da fotografia de registro, documentação e memória, dando novos significados. 72

paradigma fotográfico, antes baseado na técnica e na primazia da materialidade e da objetividade, somente se concretizou com o novo contexto trazido pelos telefones celulares com conexão com a internet, os smartphones, e por sites de redes sociais como o Facebook e o Instagram. Segundo Gunthert, desde o início dos anos 2000, era possível tirar fotos com um celular, mas a capacidade de difusão era limitada, pois dependia do sistema de mensagem multimídia (MMS). Os smartphones compensaram a menor qualidade da imagem (em relação às câmeras digitais da época) com a mobilidade e a capacidade de compartilhamento77. Para o pesquisador em filosofia da imagem, Daniel Rubinstein (2005, on-line, tradução nossa), os smartphones não representam apenas a união de várias tecnologias em um único aparelho. “O desaparecimento da câmera fotográfica dentro do telefone celular é simultaneamente o fim da fotografia centrada na câmera78 e a emergência de um novo tipo de conversação na qual as imagens fotográficas adquirem uma nova vida como parte de um código binário junto com a linguagem escrita e a palavra falada”79. Da mesma forma, como já mencionamos, também era possível postar imagens em fotologs e sites de redes sociais, como o Flickr. No entanto, para Gunthert (2015c), o Facebook e o Instagram propuseram um ambiente generalista, estruturado na interação entre as pessoas, enquanto que o Flickr ainda se apoiava em discussões sobre os paradigmas estéticos da fotografia. Não à toa, os usuários do Flickr chamam-se uns aos outros de fotógrafos. Gunthert nomeou a imagem produzida e difundida pelo telefone celular de “fotografia conectada”. O próprio Gómez Cruz (2012) admite que as características da imagem em rede são mais notáveis em SRSs como o Facebook e o Instagram do que no Flickr80. Apesar de ter percebido que as fotografias no Flickr eram usadas como ferramentas de socialização, sua

77 Atualmente, as câmeras de telefones celulares não deixam nada a desejar em termos de qualidade da imagem na comparação com as câmeras digitais. Os últimos modelos de iPhone e Samsung Galaxy, os aparelhos mais populares, possuem câmeras frontais de 12 megapixels e 8 megapixels, respectivamente. Disponível em: e em . Acesso em: 29 dez. 2017.

78 Não diríamos que se trata do fim ou da substituição de uma prática pela outra, pois diversas formas de apropriação das imagens podem coexistir.

79 O texto no original é: “the disappearance of the photographic camera inside the cellphone is simultaneously the end of camera-centred photography and the emergence of a new type of speech in which photographic images acquire a new life as a part of binary code along with the written language and spoken voice”.

80 A obra de Gómez Cruz, “Da Cultura Kodak à imagem em rede”, foi resultado de sua pesquisa de doutorado empreendida no final dos anos 2000. Embora o corpus tenha sido formado por comunidades do Flickr, o autor se dedicou, por meio de pesquisa etnográfica, a investigar às práticas fotográficas nesse SRSs. Alguns dos usos que ele já observava nessa plataforma, ficaram ainda mais evidentes com os smartphones e sites de redes sociais, como Facebook e Instagram. 73

interface não era propícia para as interações, dificultando-as muitas vezes. Ele cita como exemplo a impossibilidade de efetuar uma busca por geolocalização, como no Instagram, o que, para o autor, facilita a criação de vínculos por proximidade. Podemos acrescentar o fato de que o Flickr foi criado em uma era pré-smartphones (2004). Por isso, sua interface era voltada para o acesso pelo computador, o que exigia uma outra relação com a imagem. Já o desenho do Instagram teve a mobilidade como fator determinante. Gómez Cruz afirma, portanto, que o termo “Cultura Flickr” se refere às práticas fotográficas e não se limita a essa plataforma digital. “Muito pelo contrário”, diz o autor (2012, p. 131), as características da imagem em rede “parecem potencializar-se ainda mais em plataformas como o Instagram”81. Na pesquisa de Gómez Cruz, os informantes que também eram usuários do Facebook afirmaram postar mais nesse SRS imagens do cotidiano de vida, como viagens, momentos com os amigos e eventos sociais, do que no Flickr. Para o autor, os SRSs deixam, então, de ser um “espelho para a sociabilidade” para se tornarem um espaço em que a sociabilidade se estrutura. “A imagem funciona como uma interface entre pessoas, contextos, tempos e espaços, estendendo a sociabilidade de uma forma visual e mediada, isto é, ser participante por meio das imagens da vivência do outro” (2012, p. 157)82. A partir das proposições de Gómez Cruz (2012) e Gunthert (2015c), adotaremos o termo “imagem conectada” para nos referirmos às imagens como mediadoras das interações nos sites de redes sociais, uma apropriação das novas tecnologias de informação e comunicação, que conduziu a mudanças nas funções sociais da fotografia. Essa nova experiência com a imagem não se deve apenas ao desenvolvimento da técnica, nem somente ao aspecto social. É propriamente num âmbito sociotécnico que se constroem seus usos e seu entendimento. A palavra “imagem”, como afirma Gómez Cruz, possui um duplo sentido. Por um lado, abrange o objeto fotográfico em si e, por outro, todos os elementos que o acompanham em uma postagem, como legendas, links, hashtags, que juntos formam uma relação de interdependência para a formulação do contexto. Já a palavra “conectada” se refere à mobilidade e ao imediatismo, características que os smartphones trouxeram para as imagens.

81 O texto no original é: “muy por el contrario, parecen potenciarse aún más en plataformas como Instagram”.

82 O texto no original é: “la imagen funciona como interfaz entre personas, contextos, tiempos y espacios, extendiendo la sociabilidad de una forma visual y mediada. Esto es, ser partícipe, a través de las imágenes, de la vivencia del outro”. 74

Portanto, uma das características da imagem conectada, além das já mencionadas, é o fato de que ela não existe sem destinatário. A imagem se torna uma potente ferramenta de conversação pública e privada para mediação de relações afetivas e também políticas. “Agora, tirar uma foto não era mais suficiente, o que conta é poder mostrá-la, discuti-la e retransmiti- la”, ou seja, “mais do que conversações a propósito de fotos, a web favorece conversações por meio das fotos” (GUNTHERT, 2015c, p. 138, 142, grifo do autor)83. Logo, a visibilidade é um valor central para a imagem conectada e deve ser entendida no sentido da construção das identidades e das conversações. Pelo fato de estar dirigida ao outro, a gestão sobre a sua distribuição se torna um processo amplo, sofisticado e que requer cuidado, especialmente, segundo Gómez Cruz (2012), quando os usuários participam de vários SRSs. O ato de compartilhar as fotografias é tão importante quanto o momento de produzi-las. Na verdade, de acordo com ele, os atores decidem o que vão fotografar em função da distribuição. Nessa perspectiva, Gunthert (2015d) discorda dos autores que apostam na tese do exibicionismo deliberado para explicar as performances dos interagentes em sites de rede sociais. Para ele, na época de Guy Debord (1997), a fotografia já era um dos pilares da indústria da informação, como a publicidade e o jornalismo. Por trazer a possibilidade de se apropriar, manipular e controlar a própria imagem, a imagem conectada transforma os usuários em atores da produção do visível, em contraposição à sociedade do espetáculo que pressupunha um consumo passivo de modelos e representações.

Mais do que em direção a uma sociedade do espetáculo, a apropriação das ferramentas de visibilidade nos levam a uma sociedade do teatro na qual as imagens se tornam instrumento do gerenciamento de impressão, escolhida e negociada pela apresentação de si no espaço social, segundo a visão que propõe Erving Goffman (GUNTHERT, 2015d, on-line, grifo do autor)84.

Outras duas características importantes sobre a imagem conectada estão diretamente relacionadas ao contexto trazido pelos smartphones, pois rompem com uma prática demarcada em tempos, espaços e situações distintas. A primeira diz respeito ao aspecto público da prática fotográfica. O uso da máquina fotográfica em espaços públicos antes era

83 O texto no original é: “désormais, prendre une photo ne suffit plus, ce qui compte, c’est de pouvoir la montrer, la discuter, la rediffuser” / “plutôt que des conversations à propôs des photos, le web a favorisé des conversations avec les photos”.

84 O texto no original é: “plutôt que vers une société du spectacle, l’appropriation des outils de la visibilité nous mène vers une société du théâtre, où les images restent l’instrument d’une manipulation des apparences – mais celles choisies et negociées de la présentation de soi dans l’espace social, selon la vision qu’en propose Erving Goffman”. 75

reservado a fotógrafos profissionais ou a turistas. Por estar inserida em um dispositivo de comunicação móvel, a câmera fica disponível a todo momento. “O celular transforma cada um de nós em “turistas do cotidiano, prontos a fazer uma imagem em qualquer ocasião”85 (GUNTHERT, 2015c, p. 137). O segundo aspecto é a perda de seu caráter ritualístico. Se antes o fazer fotográfico estava condicionado a momentos extraordinários da vida familiar, como aniversários, casamentos, formaturas, almoços de família, viagens de férias etc, em que a presença da câmera era esperada, atualmente ele se torna cada vez mais constante e cotidiano. Assim, segundo Gómez Cruz (2012, p. 236), “(...) é cada vez mais comum que ‘se considere como fotografável cada momento de sua própria vida’ (...)”, o que cria uma forma de ver que é constantemente fotográfica. Para ele, essa é uma das características centrais para o sucesso de sites de redes sociais como o Instagram. Um último aspecto que podemos apontar é que, por ser mediadora de relações sociais, ampliando as conexões entre os atores, a negociação de capital social se torna um elemento ainda mais importante no contexto da imagem conectada. Como afirma Gómez Cruz (2012, p. 15886), as imagens conectadas “vão além da representação porque mobilizam, estruturam e materializam as conexões”. Recursos como a marcação de amigos ou seguidores em uma imagem, que, em algumas plataformas como o Facebook, acontece de maneira automática pelo reconhecimento facial, ou o uso de hashtags para ampliar a visibilidade de uma imagem, por exemplo, ajudam a formar redes de vários tipos e a construir capital social. Diante do exposto, reivindicamos o entendimento das selfies a partir das discussões acerca da imagem como mediadora de relações sociais e das implicações que a imagem conectada traz para as performances de identidade e para as conversações nos sites de redes sociais. Nesse sentido, acreditamos que a selfie deve ser compreendida dentro da cultura da autorrepresentação, pois a vontade dos atores sociais de capturar a própria imagem sempre esteve presente na história da humanidade. Na próxima seção, portanto, além de uma historicização da selfie, apresentaremos uma corrente de autores que consideram as imagens de si como uma prática pessoal legítima para performances do self, resultado de experiências sensíveis com a fotografia.

85 O texto no original é: “le mobile transforme chacun de nous en touriste du quotidien, prêt à faire image dans n’importe quelle situation”.

86 O texto no original é: “van más allá de la representación porque son ellas las que movilizan, estructuran y materializan las conexiones”. 76

2.2 Selfie como uma imagem conectada

2.2.1 Selfie como parte da cultura da autorrepresentação

A relação do mito de Narciso com a fotografia é certamente mais antiga do que o fenômeno contemporâneo das selfies que prolifera pelos sites de redes sociais. O mesmo sucesso que a então nova forma de retratar o mundo alcançou, quando de seu surgimento no século XIX, entre a classe burguesa e as camadas mais populares, não foi uma unanimidade entre artistas e críticos. O ensaio “O público moderno e a fotografia”, produzido pelo escritor francês Charles Baudelaire para a Revue Française sobre o Salão da Academia de Belas Artes da França de 1859, pouco mais de 20 anos após a invenção do daguerreótipo, virou símbolo dessa receptividade negativa que a chegada da fotografia obteve87. Baudelaire revelou, com uma escrita irônica e sarcástica, sua aversão pelo que considerava “ser responsável pela decadência do gosto francês” (ENTLER, 2007, p. 5). Suas principais críticas se concentravam na ênfase à máquina que alinhava o fazer fotográfico mais à lógica industrial, funcionalista e quantitativa do que aos estatutos da arte. Outra preocupação do escritor estava relacionada à promessa de uma imagem fiel ao real, discurso amplamente propagado nos primórdios da fotografia88, “respaldado por um público burguês de gosto recém-formado, ávido por consumir todo tipo de novidade” (ENTLER, 2007, p. 9), e que colocava em cheque as noções de realismo e naturalismo conforme os cânones das artes visuais. A terceira crítica mais contundente de Baudelaire e que interessa aos propósitos deste trabalho dizia respeito ao caráter narcisista daqueles que se deixavam fotografar.

(...) a sociedade imunda se lança, como um único Narciso, à contemplação de sua imagem trivial sobre o metal. Uma loucura, um fanatismo extraordinário se apodera de todos esses novos adoradores do sol. Estranhas aberrações se produzem. (...) O amor pela obscenidade, que é tão vivaz no coração natural do homem quanto o amor

87 Ainda que, posteriormente, Baudelaire tenha encontrado na fotografia “uma mediação legítima para sua memória e para seus afetos” (ENTLER, 2007, p. 6).

88 Apesar de hoje ser considerado ingênuo, Entler (2007, p. 9) ressalta que esse discurso foi essencial para a construção do mercado fotográfico. Durante décadas, a fotografia tentou “reverter os efeitos negativos de sua própria propaganda, afirmando a intervenção criativa do fotógrafo, estabelecendo critérios e categorias para julgar sua produção e reivindicando espaços nos meios artísticos consolidados”.

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por si mesmo, não deixou escapar tão bela ocasião para satisfazer-se (BAUDELAIRE, 1999, on-line, tradução nossa)89.

É possível perceber no comentário de Baudelaire um julgamento moral com relação à sociedade francesa da época que era entusiasta da fotografia e também ao ato de fotografar. Assim como Narciso, apaixonado pelo reflexo de seu rosto na água, os franceses estariam obcecados pelas imagens de si mesmos materializadas em fotos, sem qualquer razão válida para tal, pois a fotografia, segundo o escritor, era indigna de ser comparada à arte. Observa-se uma relação entre a crítica realizada por Baudelaire no século XIX e a condenação às selfies a partir de sua popularização, no início do século XXI. Da mesma forma que o autor de “As Flores do Mal” reprovou o aspecto narcísico da fotografia em seus primeiros anos, as imagens de si produzidas pela própria pessoa retratada e, posteriormente, difundidas nos sites de redes sociais, tornaram-se o símbolo do egocentrismo exacerbado de uma sociedade que estaria vivendo a era da exposição e do espetáculo, como discutimos no capítulo 1. Assim como as primeiras fotografias do tempo de Baudelaire, a selfie não pode ser considerada uma anomalia contemporânea. Segundo os pesquisadores em Estudos de Mídia e Comunicação Mehita Iqani e Jonathan E. Schroeder (2015, on-line), a selfie precisa ser entendida como parte de uma cultura visual da autorrepresentação, da qual pertencem os autorretratos pictóricos e fotográficos, e este é um interessante ponto de partida para compreender o que representa esse tipo de imagem nos dias atuais. Há registros da representação de si desde a Antiguidade clássica, mas foi no período da Renascença, com o aperfeiçoamento da técnica de fabricação de espelhos, que o autorretrato passou a ser mais frequente entre desenhistas, cartunistas, pintores e escultores até se tornar gênero artístico e objeto de estudo no século XX. Desde então, é difícil encontrar um artista que não tenha capturado a própria imagem. Entre os que se destacam estão Rembrandt, Vincent van Gogh e Frida Kahlo. De acordo com Iqani e Schroeder (2015, p. 408, tradução nossa), “esses pintores usavam o autorretrato para se consagrarem como artistas, bem como para revelar as características mais profundas de suas personalidades”.90

89 O texto no original é: “(...) la société immonde se rua, comme um seul Narcisse, pour contempler sa triviale image sur le métal. Une folie, un fanatisme extraordinaire s’empara de tous ces nouveaux adorateurs du soleil. D’etranges abominations se produisent. (...) L’amour de l’obscénité, qui est aussi vivace dans le coeur naturel de l’homme que l’amour de soi-même, ne laissa pas échaper une si belle occasion de se satisfaire”.

90 O texto no original é: “these painters used self-portraiture to enshrine themselves as artists, as well as to reveal the inner depths of their character”. 78

Na fotografia, o desejo de se representar está presente desde sua invenção. Segundo a socióloga Gisèle Freund (2011) o retrato é o que a fotografia trouxe de mais essencial para a sociedade, pois funcionou como uma ferramenta de representação de si, atendendo às novas demandas de visibilidade das classes em ascensão na França do século XIX. Para Freund, a fotografia se desenvolveu ampla e rapidamente no período graças à paixão pelo retrato que é anterior à invenção da própria fotografia, mas que era algo exclusivo daqueles que pertenciam às camadas com maior poder econômico, como aristocratas e burgueses que podiam contratar artistas. “A ascensão da classe média provocou novas necessidades de autoapresentação; essas necessidades foram satisfeitas pelo retrato fotográfico que se adaptou às condições econômicas e ao gosto dessa nova classe”91 (FREUND, 2011, p. 141, tradução nossa). Para a pesquisadora de História da Arte e Cultura Visual Annateresa Fabris (2004), o retrato fotográfico fez mais do que subverter os privilégios restritos ao retrato pictórico, pois

contribui para a afirmação moderna do indivíduo, na medida em que participa da configuração de sua identidade como identidade social. Todo retrato é simultaneamente um ato social e um ato de sociabilidade: nos diversos momentos de sua história obedece a determinadas normas de representação que regem as modalidades de figuração do modelo, a ostentação que ele faz de si mesmo e as múltiplas percepções simbólicas suscitadas no intercâmbio social. O modelo oferece à objetiva não apenas seu corpo, mas igualmente sua maneira de conceber o espaço material e social, inserindo-se numa rede de relações complexas, das quais o retrato é um dos emblemas mais significantes (FABRIS, 2004, p 38-39).

O desenvolvimento da fotografia amadora fez emergir o desejo de participação da pessoa retratada na captura da imagem (GUNTHERT, 2015c). Assim como os pioneiros da fotografia92, que testavam os equipamentos fazendo os próprios retratos, os fotógrafos amadores também queriam ser parte integrante da ação. Percebendo esse anseio do grande público, já em 1902 as empresas do ramo introduziram máquinas com disparador automático. Um dos primeiros modelos populares e compactos a oferecer temporizador e um pequeno tripé foi a Kodak Retinette, em 1954. O manual do produto ressaltava as vantagens que a presença do fotógrafo confere à foto (figura 7): “fotografar a si mesmo. Ao mostrar que você fazia parte, a imagem ganha em interesse”93 (tradução nossa).

91 O texto no original é: “l’ascension de larges couches moyennes avait provoqué de nouveaux besoins d’auto- représentation; ces besoins avaient trouvé leur satisfaction dans le portrait photographique qui s’était adapté à leurs exigences économiques et à leur goût”.

92 Os registros mais antigos de autorretratos fotográficos datam de 1839 e foram realizados por pioneiros da fotografia, como o francês Hippolyte Bayard (GUNTHERT, 2013).

93 O texto no original é: “se photographier soi-même! Montrer que l’on était de la partie, l’image gagne ainsi en intérêt”. 79

Figura 7 – Manual da Kodak Retinette

Fonte: www.etudesphotographique.revue.org

Na década de 1980, foi lançada a Minolta Disc-7 que trazia na parte da frente um espelho e um bastão telescópico para facilitar a produção de autorretratos (figura 8).

Figura 8 – Minolta Disc-7

Fonte: Google

Seja com auxílio de um espelho, apontando a câmera fotográfica para o rosto ou usando um apoio, a prática do autorretrato, que é considerado o precursor da selfie (GUNTHERT, 2015c; SENFT; BAYM, 2015), se consolidou e se tornou popular entre os mais diferentes grupos sociais. Curiosamente, ela não suscitou por parte do senso comum, da mídia, da academia ou da crítica especializada debates acerca da faceta narcisista daquele que gosta de se fotografar, como percebemos atualmente com relação às selfies. Essas imagens de si eram realizadas sem impor, aparentemente, nenhum problema. O sociólogo francês André Gunthert (2015c, p. 151) cita como exemplo a emblemática foto das personagens Thelma e Louise que estampou o pôster do longa-metragem homônimo 80

(figura 9), lançado em 1991. O ato de se retratar, feito com uma Polaroid apontada para o rosto das atrizes, acontece de maneira natural no filme, demonstrando que o gesto já estava totalmente inserido nas práticas sociais. Em vez de um comportamento egocêntrico, a imagem eterniza uma experiência compartilhada entre as amigas, marcando o início de sua épica viagem.

Figura 9 – Cena do longa-metragem Thelma e Louise

Fonte: Google

Lançado em 2001, o primeiro telefone celular com câmera, o J-SH04, da Sharp (figura 10)94, já incentivava a prática de se fotografar. Ao lado da lente, havia um pequeno espelho em que os usuários poderiam olhar para a própria imagem antes do clique.

Figura 10 – Propaganda do telefone Sharp J-SH04

Fonte: Google

94 Lançado poucos meses antes, o Samsung SCH-V200 tinha uma câmera acoplada de 0,3 megapixel, mas era preciso conectar o aparelho a um computador para ter acesso às imagens. Já o modelo da Sharp tinha como diferencial a possibilidade de enviar as fotos a partir do aparelho para outras pessoas, ou seja, transformou celular e câmera num único produto (LANDIM, 2015, on-line). 81

Como podemos ver na figura acima e em cenas do comercial de televisão (quadro 6)95, a estratégia de comunicação do produto ressaltou a possibilidade de usar o telefone celular para fazer fotografias, em especial selfies.

Quadro 6 – Cenas do comercial de TV do telefone Sharp J-SH04 Imagem 1: usuários fazem selfie com a ajuda de Imagem 2: selfie é visualizada na tela do telefone espelho instalado no telefone celular celular

Fonte: Youtube

O sucesso comercial do Sharp J-SH04 tornou obrigatória a integração de câmeras aos telefones móveis pelas concorrentes, tanto que, em 2005, a Nokia já vendia mais aparelhos celulares com câmera do que qualquer outra marca de máquina fotográfica digital (NEMES, 2014, on-line). A grande mudança na concepção dos dispositivos que contribuiu para a proliferação das selfies não foi criada para facilitar o autorretrato. Em 2003, a câmera frontal apareceu pela primeira vez no Sony Ericsson Z1010, com o intuito de permitir chamadas de vídeo. Passo a passo, ela foi substituindo as funções das webcams dos computadores. O recurso foi pouco explorado até 2010, quando a Apple decidiu disponibilizá-lo no iPhone 4. A partir de então, a situação mudou. Além de virarem um dos itens mais importantes de um smartphone, as câmeras frontais ficaram cada vez mais sofisticadas. O site do Galaxy S8, modelo top de linha da Samsung, ressalta os recursos sofisticados da câmera frontal do aparelho especialmente para a produção de imagens de si:

Selfies tirados do jeito certo. Acione a câmera de selfies e tire fotos que todos vão querer compartilhar. O autofoco monitora rostos automaticamente, então, se você usar seu braço ou um bastão de selfie, todos na foto estarão dentro do foco. E o processamento otimizado de imagens multiquadros mantém todos os selfies límpidos e nítidos96.

Por sua vez, a Apple apresentou da seguinte forma os requisitos da câmera frontal do iPhone 7:

95 Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2017. 96 Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2017. 82

Suas selfies de cara nova. A câmera FaceTime HD do iPhone 7 captura ampla tonalidade de cores, deixando seu sorriso mais nítido nas selfies. E, na balada ou em outros lugares escuros, o flash Retina se adapta à luz ambiente para captar tons de pele mais realistas. Você vai amar. E se amar97.

A empresa continuou a aprimorar os recursos da câmera. O modo “Retrato” dos modelos iPhone 8 e iPhone X ganhou detecção facial, mapas de profundidade e efeitos de iluminação semelhantes aos obtidos em estúdio: “Luz Natural (o rosto aparece nítido contra um fundo desfocado, Luz de Estúdio (o rosto aparece iluminado e em destaque), Luz de Contorno (sombras destacadas com áreas de alta e baixa luminosidade), Luz de Palco (o rosto aparece em destaque contra um fundo escuro) e Luz de Palco Mono (igual à Luz de Palco, mas no clássico preto e branco)”98. De acordo com o que foi observado, vários foram os incentivos da indústria fotográfica para colaborar com o desejo da sociedade de controlar e manipular a própria imagem e nem por isso aqueles que faziam autorretratos eram considerados narcisistas. Então, por que as selfies têm sido massivamente criticadas?

2.2.2 As interações sociais e a selfie

A selfie tem sido descrita por diversos autores como uma fotografia que uma pessoa faz de si mesma com um telefone celular apoiado pelo braço ou por um bastão de selfie ou ainda em frente a um espelho e compartilha nos sites de redes sociais (Sorokowski et al., 2015). Contudo, na medida em que a prática de autorrepresentação digital foi se transformando, surgiram outras definições para acomodar novos tipos de imagens de si, como fotos de partes do corpo em que o rosto pode ou não estar visível, fotos em grupo, fotos manipuladas digitalmente a partir de aplicativos ou softwares de edição etc (KOZINETS; DINHOPL; GRETZEL, 2017). Nesse sentido, optamos por adotar uma definição mais ampla de forma a não limitar o fenômeno. Entendemos a selfie, portanto, como “o desejo de enquadrar o self em uma imagem produzida para ser compartilhada com uma audiência on- line” (DINHOPL; GRETZEL, 2016, p. 127, tradução nossa99).

97 Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2017.

98 Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2017.

99 O texto no original é: “the desire to frame the self in a picture taken to be shared with an on-line audience”. 83

Conforme observamos anteriormente, a vontade de capturar a própria imagem está presente na história humana. O que parece diferenciar a selfie das outras formas de autorrepresentação é o fato de ela estar inscrita no âmbito da imagem conectada. Segundo Gómez Cruz (2012, p. 173), as selfies estão inseridas “em um contínuo fluxo de imagens, textos e conexões que constroem narrativas e, portanto, subjetividades”100. Durante a realização de revisão bibliográfica sobre as selfies, encontramos uma corrente de autores que se difere daqueles que apresentamos no capítulo 1 e que entendem essas imagens como um ato narcisista e uma forma de exibição do “eu”. Os trabalhos desses autores vão ao encontro das características que observamos sobre a imagem conectada e revelam que a prática da selfie deve ser considerada como um ato comunicativo em que as identidades são performadas e construídas em um processo conversacional. Uma das primeiras características que podemos ressaltar sobre a selfie como uma imagem conectada é a visibilidade inédita que essa imagem de si atingiu, diferentemente de qualquer outra forma de autorrepresentação. Iqani e Schroeder (2015, on-line) lembram que os autorretratos pictóricos eram raros e produzidos no âmbito privado para pessoas importantes, como integrantes da realeza e da nobreza, ou com alto poder aquisitivo, diferentemente dos autorretratos fotográficos que foram se proliferando já no século XIX e cada vez mais ao longo do século XX. Para o historiador de fotografia André Rouillé (2014, on-line), esse é um dos motivos pelos quais o autorretrato não foi relacionado a um comportamento narcisista. Ele era considerado uma “imagem de si, por si e para si (ou quase)”, de uso privado e íntimo, com uma circulação lenta, e “às vezes muito elaborado, com cenários, poses e audácias estéticas alimentadas por sólidas referências artísticas”. Enquanto que a selfie, aliada à mobilidade dos smartphones e à capacidade de difusão dos sites de redes sociais, é uma representação de si “atravessada pela velocidade, imediatismo, compartilhamento e propagação instantânea”101. O autor argumenta que a selfie anuncia a passagem de um espaço ilusionista a um espaço de enunciação, pois pouco importam as características técnicas da imagem. A relevância

100 O texto no original é: “en un continuo flujo de imágenes, textos y conexiones que construyen narrativas, y, por lo tanto, subjetividades”.

101 O texto no original é: “en tant qu’image de soi, par soi et pour soi (ou presque), l’autoportrait est circonscrit dans l’etroit périmetre d’une solitude ou d’une communauté restreinte. C’est une image à usage privé et intime. (...) C’est expression refermée sur un soi, à circulation restreinte et lente, (...) passe par des mises en scène de soi parfois três élaborées, avec décors, poses e audaces esthétiques nourries de solides références artistiques” / “une image de soi totalement nouvelle traversée par la vitesse, l’immédiateté, le partage, da diffusion instantanée”. 84

principal da selfie é estabelecer contato com o outro, “afirmar aos outros a minha presença no momento presente e iniciar uma conversa”. Outra noção recorrente na literatura acerca das selfies é o entendimento da imagem de si como um ato de fala, com fins conversacionais. Para Gunthert (2015c, p. 158), a selfie se constitui como uma mensagem visual destinada a uma audiência e caracterizada pelo lugar, pela temporalidade da ação e pela instantaneidade da situação. Sua interpretação depende estritamente de um “triângulo formado pelo emissor, pela ocasião representada e pelo destinatário” (GUNTHERT, 2015c, p. 158102). O sociológico afirma que a selfie possui um caráter dialógico, pois ao mesmo tempo em que fornece informações ao receptor com objetivo de provocar uma réplica, responde ao “colapso do contexto”, apontado por boyd e Heer (2006), com uma hipercontextualização. Nesse sentido, segundo Gunthert (INROCKUPTIBLES, 2015, on-line), a selfie e outras formas visuais contemporâneas, como gifs e memes, inauguram uma nova forma de olhar para as imagens. Se antes o que importava era aquilo que estava enquadrado, agora é necessário observar o que as imagens trazem em seu entorno, ou seja, os contextos de produção e as conversações que proporcionam. Para ele, a crítica narcísica vem do fato de que as pessoas olham apenas aquilo que está na imagem. “Eu vejo um rosto, logo necessariamente é narcisismo. É uma conclusão lógica segundo uma visão antiga das imagens. Exceto que essa visão não se aplica mais: as imagens conversacionais são imagens feitas em rede, imagens sociais, que são ferramentas de interação103. O artista catalão Joan Foncuberta (2016, on-line) concorda que as selfies fazem parte de uma mudança radical nas práticas fotográficas. Para ele, atualmente, as imagens operam como um gesto comunicativo, ou seja, são produzidas para “que sejam compartilháveis e que se adaptem às dinâmicas da conversação”, atendendo a motivações “utilitárias, celebratórias, formalistas, introspectivas, eróticas, pornográficas e até politicamente transgressoras”. Segundo Fontcuberta, “tirar fotos e mostrá-las nas redes sociais é parte do jogo de sedução e dos rituais de comunicação de subculturas pósfotográficas das quais, apesar de capitaneadas por jovens e adolescentes, quase ninguém fica de fora”. Dessa forma, ele defende que as selfies devem ser interpretadas com base no impacto que se deseja produzir no outro e não por um “duplo impulso narcisista e exibicionista” que ronda este tipo de fotografia, pois, segundo

102 O texto no original é: “un message visuel, dont l’interpretation dépend étroitement du triangle formé par son émetteur, l’occasion représentée et le destinaire visé”.

103 O texto no original é: “je vois un visage, donc forcément c’est narcissique. C’est une conclusion logique selon l’ancienne vision des images. Sauf que cette vision ne s’applique plus: les images conversationelles, ce sont des imagens prises en réseau, des images sociales, qui sont des outils d’interaction”. 85

o autor, a vaidade sempre esteve presente na humanidade. Fontcuberta acredita também que as selfies trouxeram uma noção de que podemos fazer a gestão da nossa própria imagem, algo que antes ficava relegado a um terceiro. O sociólogo e pesquisador em Mídias Sociais Nathan Jungerson (2014, on-line, tradução nossa), por sua vez, descreve esse processo de representar a si mesmo nos sites de redes sociais como “menos produzir mídia e mais compartilhar olhares’. Para ele, as selfies são um modo de expressão que, além de único, é especialmente íntimo e expressivo. Em resposta ao artigo “The documented life”, da escritora Sherry Turkle, para o The New York Times (2013, on-line), Jungerson desmonta o argumento de que o ato de produzir uma selfie interrompe uma experiência em prol da sua documentação. Para ele, de uma maneira geral, as fotos que são compartilhadas na internet, não podem ser entendidas como objetos, mas como um discurso visual com características mais predominantemente linguísticas do que artísticas. Ao contrário de Turkle, Jungerson acredita que as selfies não funcionem como uma documentação de momentos do cotidiano de alguém. Elas são “o momento” e é por essa razão que desejamos compartilhá-las e também observá-las. Senft e Baym (2015, on-line, tradução nossa) afirmam que as selfies possuem duas dimensões. Por um lado, podem ser definidas como “um objeto fotográfico que inicia a transmissão de um sentimento humano na forma de um relacionamento”, como, por exemplo, entre fotógrafo e fotografado, entre imagem e softwares de edição, entre espectador e fotografado etc. Por outro lado, as selfies devem ser entendidas como uma prática social, um gesto que tem a intenção de enviar mensagens. As autoras chamam a atenção para o fato de que, uma vez que as selfies adentram o ambiente digital, elas podem ser modificadas e sofrer ação de outros usuários como receber comentários e reações. “É talvez por essa razão que as selfies funcionam tanto como uma prática da vida cotidiana quanto como um objeto para politizar os discursos sobre como os atores sociais devem representar, documentar e compartilhar seus comportamentos” (SENFT; BAYM, 2015)104. Dois casos retirados da internet exemplificam esse potencial das selfies como uma mensagem conversacional. A primeira foi classificada como um incidente político e a outra, como uma lição diplomática. No concurso Miss Universo de 2017, a candidata do Iraque, Sarah Idan, publicou em sua conta do Instagram uma selfie com a concorrente de Israel, Adar Gandelsman, acompanhada da legenda “Paz e amor da Miss Iraque e Miss Israel” e de emojis

104 O texto no original é: “it is perharps for this reason that selfies function both as a pratice of everyday life and as the object of politicizing discourses about how people ought to represent, document, and share their behaviors”. 86

em formato de coração (quadro 7). Idan recebeu ameaças de morte e foi pressionada a remover a foto ou perderia a coroa. Além disso, sua família teve de deixar o território iraquiano. Segundo Idan, o objetivo da foto era expressar “um apelo à paz e a esperança de uma solução para a crise” entre os dois países (RYDER; RASHWAN; SAJWARI, 2017, on- line). Apesar de não ter apagado a postagem, Idan pediu desculpas aos que sentiram ofendidos e esclareceu que a foto não denota apoio à política externa de Israel. Caso semelhante já havia acontecido no concurso de 2015, quando a candidata de Israel, Doron Matalon, postou em sua conta do Instagram uma selfie em que aparece com a Miss Líbano, Saly Greige (GAUCHAZH, 2015) e ambas foram vítimas de manifestações de ódio.

Quadro 7 – Selfies provocam polêmica na política Imagem 1: selfie entre candidatas de Israel e do Imagem 2: selfie entre ginastas das Coreias do Sul e Iraque no Miss Universo de 2017 do Norte durante os Jogos Olímpicos de 2016

Fonte: Google

Já durante os Jogos Olímpicos de 2016, as ginastas da Coreia do Sul Lee Eun-Ju e da Coreia do Norte Hong Un-jon foram flagradas tirando uma selfie juntas (quadro 7). Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a relação entre os países foi marcada por tensões, especialmente após os recentes testes nucleares feitos pela Coreia do Norte. O presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, classificou a foto como a “ilustração perfeita do espírito olímpico”. Em entrevista, a atleta sul-coreana afirmou: “Eu a vi e pedi para tirar uma foto, queria ficar com uma recordação. Não esperava tantas reações, estou atordoada. No fim das provas, nos misturamos com outros atletas e tiramos fotos. Por que é que nós, sul e norte-coreanos, não podemos fazer o mesmo?” (SAPO, 2016). Diversos pesquisadores estão olhando para o fenômeno das selfies de perto, analisando essas imagens de si a partir de seus contextos e diferentes aspectos e, como resultado, encontrando os mais diversos usos e apropriações. Mulheres têm usado selfies amamentando seus filhos como uma forma de incentivar outras mães a fazê-lo (BOON; PENTNEY, 2015). Já um estudo realizado em favelas da cidade de Vitória, no Espírito Santo, mostrou que os 87

adolescentes daquelas comunidades usam as selfies para falar da violência que vivenciam no cotidiano e para informar aos seus amigos e familiares que estão bem quando há conflitos armados na região (NEMER; FREEMAN, 2015). Uma pesquisa feita sobre selfies em funerais indicou que as imagens de si estendem a subjetividade da situação para aqueles que não estavam presentes (GIBBS et al., 2015). A partir de um estudo sobre as eleições gerais na Índia, Baishya (2015) observou o uso das selfies como uma forma de o candidato Narendra Modi consolidar relações afetivas com seus eleitores a partir de noções de soberania e patriotismo. Dessa forma, assim como nos estudos de cibercultura que abordamos na seção 2.1 deste capítulo, parte da literatura sobre selfies recupera o conceito de performance em Goffman (2002) para mostrar que essas imagens de si fazem parte das narrativas contemporâneas do self nos sites de redes sociais. Para Goméz Cruz (2012), as selfies denotam uma construção visual da identidade, pois o que está em jogo não é apenas a representação do “eu” frente ao “outro”, mas uma reconfiguração das formas e relação social por meio da imagem. “Já não se posa para as fotografias, se cria uma identidade com elas” (2012, p. 175, grifo do autor)105. Em consonância com a ideia proposta por Giddens (1991) de que as identidades estão sempre em construção e com a noção de performance em Goffman (2002), ele acredita que as selfies não operam como uma representação do self “sólida e estável”, mas “são elementos móveis e contextuais de uma identidade em constante fluxo e construção” (2012, p. 176)106. Em sua pesquisa sobre usuários do Flicrk, Gómez Cruz observou que a selfie era usada para jogos de identidade, como experimentação fotográfica, para criar narrativas do “eu” e como terapia. Para o pesquisador em Comunicação Paul Frosh (2015, on-line), a selfie é uma “imagem gestual”, ou seja, aquela que, “em vez de convocar o voyeurismo, mostra o ‘self representando ele mesmo’ e convida os espectadores a refletir sobre a ‘instabilidade do termo self’” (apud SENFT; BAYM, 2015, on-line). De acordo com o pesquisador inglês, a selfie nos faz pensar a identidade em três diferentes dimensões: “o self como uma imagem e um corpo,

105 O texto no original é: “ya no se posa para las fotografías, se crea una identidad con ellas”.

106 O texto no original é: “son elementos móviles y contextuales de una identidad en constante flujo y construcción”.

88

como um efeito construído da representação e como objeto e agente da representação” (FROSH, 2015, on-line, tradução nossa)107. Conclusões semelhantes podem ser encontradas nas pesquisas em Estudos de Mídia da canadense Katie Warfield (2014, on-line, tradução nossa) que, a partir de entrevistas com jovens mulheres, investigou a motivação por trás das selfies, sua influência no fazer fotográfico e como esse processo pode fornecer pistas sobre a construção das identidades nos ambientes on-line. Os relatos mostraram que as jovens não representam seus selves apenas como corpos para serem vistos. O ato de fazer uma selfie é “pensado, sentido e negociado”. Para a autora, elas estão aprendendo a se ver de maneira diferente, brincando com as convenções e usando as “lentes para falar” com suas “personas física e emocional”. Dessa forma, Warfield concluiu que as selfies são um processo performático de captura de emoções e sentimentos, evocando um self que é corporificado. Essa forma de comunicação visual representa uma “diversidade de modos de ver o mundo, de ver um ao outro e, talvez e mais importante, de ver a si mesmo”108. Na próxima seção, apresentaremos alguns estudos que mapeamos sobre as selfies em museus que, no geral, abordam a prática como uma maneira de os frequentadores desses espaços performatizarem suas identidades nos sites de redes sociais a partir das obras de arte.

2.3 Selfie e a construção de identidade no museu

Apesar de ter sido bastante discutida pelos veículos de comunicação e pelos usuários de sites de redes sociais e de ter sido apropriada pelos museus como arte e ferramenta de comunicação, conforme observamos no capítulo 1, não são muitos os autores que se dedicaram a discutir a temática da selfie em museus. Na verdade, embora tenha se tornado uma parte importante da experiência museal, há uma escassez de estudos acadêmicos sobre a fotografia dos frequentadores nesses espaços de uma maneira geral. “(...) enquanto mais e mais visitantes usam a fotografia e acumulam fotos pessoais, seus efeitos e significados na

107 O texto no original é: “a gestural image” / “rather than the inviting voyeurismo, selfies show a ‘self enacting itself’ and invite spectators to reflect on the ‘very instability of the term self’” / “the self as an image and as a body, as a constructed effect of representation and as an object and agent of representation”.

108 O texto no original é: “a diversity of ways of seeing the world, a diversity of ways of seeing one another, and, perhaps most importantly, a diversity of ways of seeing ourselves. 89

experiência em museus e as formas como são usadas são largamente pouco estudadas (STYLIANOU-LAMBERT, 2016, p. 11, tradução nossa). Os livros “Visiteurs photographes au muséé” (CHAUMIER; KREBS; ROUSTAN, 2013) e “Museums and visitor photography: redefining the visitor experience” (STYLIANOU-LAMBERT, 2016) são exemplos de publicações recentes que reúnem alguns estudos acadêmicos sobre fotografia dos visitantes em museus. As pesquisas têm mostrado que essas imagens podem facilitar “a interação social, o compartilhamento on-line ou não, a educação, bem como um envolvimento mais profundo com os objetos museais e a formação de narrativas de memória” (STYLIANOU-LAMBERT, 2016, p. 18). No caso específico das selfies em museus, apresentaremos três trabalhos, um brasileiro e dois estrangeiros, que chegaram a conclusões interessantes e com alguns pontos em comum. Os pesquisadores brasileiros Marcos Martins e Renata Perim A. Lopes (2016) analisaram fotos publicadas no site de rede social Instagram por visitantes da exposição “Picasso e a Modernidade Espanhola”, realizada em 2015, no CCBB RJ. O corpus foi formado por imagens que estavam acompanhadas da hashtag #modernidadeespanhola, promovida pela própria instituição. O objetivo era verificar a experiência do espectador em exposições e sua relação com os novos meios de interação com a arte. Eles verificaram que a maior parte das fotografias postadas era selfie e que, quando compartilhadas no Instagram, geravam comentários e elogios por parte de outros usuários. Com base na análise da narrativa criada pelos visitantes da exposição naquele site de rede social, Martins e Lopes concluíram que não se deve estabelecer a prevalência de uma experiência (com ou sem mediação da fotografia) sobre a outra. É preciso entender a relação entre novas formas de estar em contato com a obra de arte e o espectador a partir do contexto das novas tecnologias de informação e comunicação. “(...) se não afirmamos que o espectador contemporâneo tem sua fruição ampliada por esses dispositivos tecnológicos, notamos também que não cabe reduzir as imagens a meras exposições de si mesmo ou, esvaziá-las de um modo de subjetivação” (MARTINS; LOPES, 2016, p. 33). A australiana Alli Burness pesquisou as selfies em museus para sua dissertação de mestrado em Liberal Arts na Universidade Nacional da Austrália. Durante três anos, ela manteve um perfil no Tumblr chamado “MuseumSelfies” para rastrear as práticas fotográficas dos visitantes em instituições culturais. Para Burness, “o método atual de reportar (o fenômeno das selfies) reduz o espaço para o diálogo público sobre como ler essas imagens e as suas funções como uma ferramenta de comunicação com a qual as identidades são 90

performadas” (2016, p. 94, tradução nossa109). Valendo-se do conceito de pânico moral do sociólogo Stanley Cohen (1972), ela cunhou o termo “argumento Mona Lisa” (Mona Lisa argument) para explicar a narrativa predominante na mídia que entende que as selfies em museus impedem a contemplação estética e servem apenas como mais uma forma de exibicionismo própria da sociedade do espetáculo. A partir de uma revisão teórica que inclui autores como Erving Goffman e Stuart Hall, a literatura sobre a construção de identidade a partir da experiência em museus e os estudos recentes sobre selfie, alguns deles abordados na seção 2.2 deste capítulo, Alli Burness conclui que a selfie em museu pode ser considerada uma forma de expressão do self, inspirada em obras de arte, ou seja, “ao criar essas imagens, os visitantes estão expressando suas identidades usando esses objetos e incluindo-os em suas relações sociais” (BURNESS, 2016, p. 91)110. A produção dessas fotografias representa, portanto, um novo modelo de olhar do espectador nesses espaços e “uma experiência significativa de visita, em que visitantes e museus estão representados” (BURNESS, 2016, p. 105)111. Para Burness, as selfies ressaltam o papel social que as obras de arte possuem na vida dos visitantes e a importância que os museus têm em facilitar essa relação. Inspirados pelo trabalho de Burness, Robert Kozinets, Ulrike Gretzel e Anja Dinhopl (2017, on-line) também fizeram uma pesquisa sobre selfies em museus. Entendendo a selfie como uma forma de construção contínua das narrativas do self, eles focaram não apenas no potencial dessas imagens para performar identidades, mas em seus aspectos comunicativos. Os pesquisadores usaram a metodologia etnográfica para coletar dados, tanto em visitas presenciais a museus quanto para análises de selfies compartilhadas no Instagram. As instituições escolhidas foram o Museu Broad, o Museu de Arte do Condado de Los Angeles (LACMA) e a Galeria Pace Art and Techonology, na Califórnia, e o Instituto Inhotim, no Brasil. A busca foi realizada com a hashtag #museumselfie, mas também com hashtags específicas de cada museu visitado: #broadmuseum, #lacma, #pacegallery e #inhotim. Além disso, eles decidiram ampliar o corpus e incluíram dois museus que apareceram frequentemente nas imagens com a hashtag #museumselfie: o Louvre (#louvremuseum e

109 Todas as traduções dessa obra foram feitas pela autora. O texto no original é: “the current method of reporting reduces space for public conversation about how to read these images and their functions as a communication tool with which to perform identity”.

110 O texto no original é: “by creating these images, visitors are expressing their sense of self, using museum objects and incluing these objects within their social community”.

111 O texto no original é: “a meaningful visit experience, one in which both the visitor and the museum are enacted”. 91

#museedulouvre) e o Museu d’Orsay (#museedorsay e #dorsaymuseum). Também resolveram acrescentar hashtags relativas a duas obras de arte muito fotografadas: a Mona Lisa (#monalisa) e as Salas do Infinito, de Yaoyi Kusama (#infinityroom). Na amostra coletada, surpreendentemente, a clássica foto do visitante em frente à obra de arte encarando a câmera, que, para eles, tem o único propósito de embelezar o self, apareceu em menor número nas postagens. Kozinets, Gretzel e Dinhopl concluíram que as selfies em museus: (1) “comunicam uma relação com arte muito íntima e pessoal”; (2) marcam a experiência no museu, tornando possível atribuir ao self um momento fugaz; e (3) servem como um elemento importante na narrativa on-line do self (tradução nossa)112. Segundo os autores, o museu funciona como um palco para a construção de identidades onde a selfie pode ser usada não apenas para performances superficiais do self, mas como um ato social em busca de conexão. Eles acreditam que os smartphones e os sites de redes sociais “permitem às pessoas usarem lugares especiais, como galerias de arte e museus, para expressar aspectos de si mesmos e pegar emprestados significados culturais particulares, como a sofisticação estética da arte”113. Para eles, as selfies em museus desestabilizam a relação entre as instituições culturais e a sociedade, operando não apenas como um local de aprendizado e de contemplação da arte, mas onde somos provocados a realizar algo sobre nós mesmos. Neste capítulo, procuramos mostrar que a prática da fotografia foi transformada a partir de mudanças tecnológicas ocorridas nos anos 2000, mas também das apropriações que os atores sociais fazem das novas tecnologias. As fotografias, que já provocavam conversações nas plataformas digitais, passaram a mediar as relações entre os usuários de sites de redes sociais, a partir das conversações e das performances de identidade que são engendradas. É no contexto trazido pela imagem conectada que faremos a análise de selfies em museus postadas no Instagram, ou seja, entendendo que as imagens de si não estão descoladas dos elementos que as acompanham como legendas, hashtags, comentários etc. Diferentemente de outros estudos que se apoiam na análise apenas das conversações que acontecem por meio de textos (comentários) ou daquilo que está representado no objeto fotográfico, entendemos que uma observação do conjunto proporcionado pela imagem

112 Todas as traduções deste artigo foram feitas pela autora. O texto no original é: “communicates a very intimate, personal relationship with the art”.

113 O texto no original é: “allow people to use special locations, such as art galleries and museums to express aspects of themselves and borrow particular cultural meanings, such as the aesthetic sophistication of art”. 92

conectada poderá nos ajudar a entender os usos e apropriações que os atores fazem das selfies no âmbito dos museus.

93

3 SELFIE NO MUSEU: A IMAGEM CONECTADA NO INSTAGRAM

Taking pictures is savoring life intensely, very hundredth of a second. Marc Riboud114

3.1 Usos e apropriações da selfie no museu: pesquisa empírica e procedimentos metodológicos

Como o objetivo desta investigação era entender as dinâmicas apropriativas da imagem conectada a partir e por meio das selfies em museus compartilhadas nos sites de redes sociais (SRSs), optamos por realizar uma pesquisa qualitativa, após um mapeamento quantitativo preliminar. A abordagem qualitativa “visa uma compreensão aprofundada e holística dos fenômenos em estudo e, para tanto, os contextualiza e reconhece seu caráter dinâmico”, diferentemente do método quantitativo que “se propõe a utilizar critérios probabilísticos para chegar a um modelo do universo em escala reduzida” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 67-68). Dessa forma, os elementos que compõem o corpus foram escolhidos de maneira intencional, a partir de postagens “informacionalmente ricas” (PATTON, 2002, apud FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011), que ajudaram a compreender as questões centrais relacionadas à investigação. Decidimos focar a análise na esfera onde as selfies circulam – os sites de redes sociais – em vez da esfera onde são produzidas – o espaço do museu – embora as características físicas desses espaços e as obras ali expostas influenciem o fazer dessas imagens e forneçam pistas interessantes sobre o comportamento daqueles que costumam tirar este tipo de foto. Assim, decidimos observar as postagens que continham selfies feitas em museus que são compartilhadas nos SRSs e verificar, dentro de seus contextos, as dinâmicas apropriativas mais recorrentes. O primeiro passo foi decidir se a investigação se daria em vários ou em apenas um site de rede social, pois as selfies são um fenômeno bastante evidente em vários deles. Foram

114 “Tirar fotos é saborear a vida intensamente, cada centésimo de segundo (tradução nossa)”. 94

levados em consideração dois critérios: (1) a representatividade do SRS no Brasil e (2) suas características. O Instagram foi escolhido para esta investigação, pois, além de ser o terceiro SRS em número de usuários no país (WE ARE SOCIAL, 2017, on-line), se constitui como um site de rede social imagético, diferentemente de redes sociais on-line, como Facebook e o Twitter, e de outras ferramentas da comunicação mediada que funcionam “sobre bases de linguagem predominantemente textuais” (RECUERO, 2014a, p. 38). No Facebook, segundo SRS na preferência dos brasileiros, ainda que a difusão de vídeos e fotos seja muito comum, são frequentes os casos em que os usuários utilizam apenas a linguagem verbal em suas postagens, escrevendo até mesmo textos longos, os chamados “textões”115. No Instagram, não é possível criar um post apenas com texto escrito. Pelo contrário, a prerrogativa é compartilhar uma imagem que pode ser acompanhada de uma legenda ou não. É evidente que o usuário pode postar uma imagem que contenha apenas um texto escrito. Criado em novembro de 2010, pelos engenheiros de software Kevin Systrom e Mike Krieger, como um aplicativo gratuito para o compartilhamento de fotos digitais, o Instagram estava disponível, inicialmente, de forma exclusiva para dispositivos da Apple, ganhando versões para Android em 2012 e para Windows Phone em 2013. Atualmente, soma 800 milhões de usuários em todo o mundo. O Brasil é o segundo país em número de participantes desta rede social, com 50 milhões de perfis, ficando atrás somente dos Estados Unidos (FOLHA DE S. PAULO, 2017a, on-line). O Instagram funciona a partir da criação de perfis (pessoais ou institucionais) que podem interagir entre si, curtindo, comentando e compartilhando as postagens. Inspirado nas câmeras fotográficas instantâneas, como a Polaroid116, o Instagram apresenta como um diferencial, em relação a outras plataformas digitais de publicação de imagens, a combinação de ferramentas de edição, presentes em softwares como o Photoshop, com o imediatismo da propagação via tecnologia móvel concedido pelos smartphones. Se, em fotologs ou SRSs como o Flickr, as fotografias percorriam um longo caminho entre a câmera fotográfica ou o telefone celular até o computador para poderem ser difundidas, com o Instagram as fotos

115 Em 2012, mesmo período em que se tornava o SRS com mais usuários no país ao ultrapassar o Orkut, o Facebook ampliou a quantidade de caracteres por post de 5 mil para 63.206 (HORSEY, 2011, on-line). Internautas brasileiros acostumaram-se com a possibilidade de escrever textos longos, especialmente opinativos. Atualmente, o limite de caracteres é de 2.000, e os “textões” são entendidos como algo inconveniente. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2017.

116 Na década de 1940, ao clicar as férias da família, o físico americano Edwin Herbert Land ouviu de sua filha a pergunta: “por que não podemos ver essas imagens agora?”. Em 1948, Land lançou a Polaroid, máquina fotográfica que imprimia as fotos sem a necessidade de enviar o negativo para um laboratório, apenas 60 segundos após o clique. Disponível em: . Acesso em: 25 dez. 2017. 95

feitas nos smartphones podem ser compartilhadas quase que no mesmo momento em que são produzidas. Diferentemente de outros SRSs que se constituíam como o destino final das imagens, no Instagram o objetivo é que elas circulem e produzam diferentes tipos de interação (FALLON, 2014). A inspiração nas máquinas Polaroid não se limitava à instantaneidade na difusão das imagens. As características estéticas das fotografias feitas por aquele tipo de câmera também foram adotadas pelo Instagram. Devido a sua interface simples e intuitiva, com apenas poucos cliques, o usuário pode aplicar “filtros” digitais que mudam as características da imagem, como cor, contraste e brilho, aspectos que só eram possíveis de conseguir usando técnicas fotográficas específicas ou, mais recentemente, com softwares de edição. Ao longo dos anos, o Instagram agregou funcionalidades, tais como a possibilidade de marcar outros perfis em fotos e de incluir a localização geográfica ao postar uma imagem, o envio de mensagens privadas entre usuários, a publicação de vídeos, compartilhar simultaneamente no Facebook, no Twitter e no Tumblr, entre outras. Em 2016, foi lançado o recurso “Histórias” (Stories, em inglês), em que os usuários podem postar fotos e vídeos que ficam disponíveis por 24 horas e depois são deletados automaticamente pelo sistema. No “Histórias”, é possível também fazer transmissões ao vivo. Em dezembro de 2016, a plataforma passou a oferecer a opção de seguir hashtags e não apenas perfis. Dessa maneira, as postagens feitas com determinada hashtag ficam disponíveis no feed117 do usuário, independentemente se ele segue aquele perfil ou não. Mesmo tendo incrementado os recursos disponíveis, o Instagram não oferece muitos elementos para a configuração do perfil, tal qual outros SRSs, como o Facebook, fazem. O usuário conta apenas com os campos “nome”, “nome de usuário”, “site” e “biografia” e com a possibilidade de inserir uma foto. Quando acessamos um perfil, além dessas informações básicas, vemos quantas publicações foram feitas pelo usuário, quantos seguidores possui e quantos perfis segue. Logo abaixo, aparecem as fotos postadas desde a sua entrada no Instagram. O modo de visualização default das imagens é em miniaturas (tumbnails). Assim, para saber a legenda ou os comentários de cada publicação, é necessário clicar na imagem para que o post seja visualizado em tela cheia ou mudar o modo de visualização para “lista”. O formato de apresentação em miniaturas atribui ainda mais importância às imagens compartilhadas no Instagram para a nossa percepção sobre a autoapresentação on-line de um usuário. As fotos formam uma espécie de mosaico daquela pessoa neste SRS, ajudando na

117 Abreviação de newsfeed, feed é a coluna central da página inicial dos SRSs, que mostra as publicações de nossos amigos e organizações que seguimos. 96

construção de sua identidade juntamente com as informações disponíveis na descrição do perfil. Segundo Fallon (2014, on-line, tradução nossa118), é como se o perfil funcionasse como uma narrativa autobiográfica, podendo revelar “um interessante se não idiossincrático retrato de uma pessoa”. É evidente que apenas uma análise detalhada e contextualizada das fotografias fornecerá uma noção mais completa das sociabilidades dinamizadas pelas interações sociais no sistema. Embora ofereça uma versão para desktop, o Instagram é amplamente mais utilizado por meio de telefones celulares, visto que os recursos disponíveis para os navegadores web são limitados. Pelo computador, o usuário pode apenas visualizar as imagens postadas por outros usuários, curtir e comentar. No entanto, a principal função deste SRS, a postagem de fotos, só é permitida por meio de smartphones. Alguns emojis também não são reconhecidos pela versão para desktop somente pelo aplicativo para dispositivos móveis, o que dificulta a comunicação já que, em muitos casos, as legendas e os comentários apresentam somente esses elementos visuais. Após a definição do site de rede social que seria usado na pesquisa, o passo seguinte foi escolher quais museus fariam parte da investigação. Para tanto, levamos em consideração mais uma vez o critério da representatividade numérica, pois a ideia era obter a maior variedade possível de imagens. Com mais de 2,2 milhões de frequentadores em 2016, o Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (CCBB RJ) é considerado o museu mais visitado do país e o 26º do mundo (CULTURA BANCO DO BRASIL, on-line) e, por isso, apresentou-se como um local de observação favorável para a pesquisa. Inaugurado em 1989, o CCBB RJ foi criado pelo Banco do Brasil com o objetivo de promover o acesso à cultura aos mais variados públicos. Trata-se de um espaço multidisciplinar que oferece atividades nas áreas de artes cênicas, artes visuais, cinema e música, bem como debates e seminários, e que se consolidou como referência em programação de qualidade gratuita ou com ingressos acessíveis. O centro cultural funciona em um prédio de importância histórica e arquitetônica para a cidade do Rio de Janeiro, projetado por Francisco Joaquim Bethencourt da Silva, em estilo neoclássico, e erguido, em 1880, para ser a matriz da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Na década de 1920, tornou-se a sede do Banco do Brasil, mas, dos anos 1960 em diante, devido à mudança da capital federal para Brasília, foi transformado em agência bancária e, após, em centro cultural.

118 O texto no original é: “an interesting, if idiosyncratic portrait of the person”. 97

Outro critério considerado para a escolha do CCBB RJ foi o uso da selfie como estratégia de comunicação, conforme observamos no capítulo 1. A partir de pesquisa bibliográfica e também da análise dos perfis da instituição no Instagram e no Facebook, observamos as principais ações de divulgação fundamentadas nas selfies que vêm sendo realizadas por este centro cultural nos últimos anos. Entre as atividades praticadas estão a construção de instalações para a produção de selfies; a promoção de hashtags que estimulam as pessoas a postar esse tipo de imagem; o compartilhamento de selfies de visitantes; e a interação nas postagens dos frequentadores com comentários e curtidas. Desse modo, concluímos que o CCBB RJ é uma instituição que percebe o potencial das selfies como ferramenta de comunicação para as suas práticas culturais, organizando a experiência museal com objetivo de facilitar a produção de fotos e o compartilhamento delas nos SRSs. Ainda utilizando o critério de representatividade numérica, decidimos escolher outro museu com características diferentes daquelas apontadas sobre o CCBB RJ para verificar se os usos e apropriações das selfies seriam distintos. Optamos por trabalhar com o Museu de Arte do Rio (MAR), a terceira instituição cultural mais visitada do Rio de Janeiro, com 404 mil espectadores em 2016 (CANÔNICO, 2017, on-line)119. Apesar de oferecer programações musicais, cursos, palestras, entre outras atividades, o MAR não se constitui como um centro cultural, conforme o CCBB RJ, e sim como um museu de artes visuais que também promove outras ações culturais e educativas. Outra diferença entre ambos é a acessibilidade. Enquanto o visitante tem entrada gratuita para as exposições do CCBB RJ, no MAR é preciso desembolsar R$ 20,00, embora existam algumas iniciativas para ampliar o ingresso. O museu oferece gratuidade às terças- feiras para qualquer pessoa e nos outros dias da semana para alunos da rede pública de Ensino Fundamental e Médio, crianças com até 5 anos de idade, maiores de 60 anos, professores da rede pública de ensino, funcionários de museus, grupos em situação de vulnerabilidade social em visita educativa, vizinhos do MAR (pessoas que moram na região portuária do Rio) e guias de turismo. Além da meia entrada prevista em lei, o museu concede 50% de desconto para cariocas, moradores da cidade do Rio de Janeiro e estudantes de escolas particulares do Ensino Fundamental e Médio. Existe ainda a possibilidade de comprar o “Ingresso Família” por R$ 20,00, que vale para 4 pessoas aos domingos, ou o “Bilhete Único dos Museus” que custa R$ 36,00 e dá direito à entrada no MAR e no Museu do Amanhã. No período da

119 Decidimos não trabalhar com o Museu do Amanhã, a segunda instituição cultural em visitação no Rio (1,4 milhão de visitas em 2016), devido ao número alto de ocorrências de imagens dessa instituição nos sites de redes sociais, o que era incompatível com o tempo e os recursos disponíveis para a pesquisa, e também pela pouca variedade de fotos, com a maior parte das selfies postadas destacando a arquitetura externa do museu. 98

pesquisa, o MAR abriu suas portas aos finais de semana de julho, o que pode ter contribuído para um aumento significativo no número de fotos postadas naquele mês em relação aos demais (3 a 31/5: 383 fotos; 1 a 30/6: 281 fotos; 1 a 31/7: 625 fotos). Além disso, uma análise dos perfis do MAR nas redes sociais on-line, como apontamos no capítulo 1, mostrou que a instituição nem sempre se preocupa com a interação com os usuários, tampouco adiciona de maneira recorrente hashtags relacionadas ao museu ou às suas exposições. O uso dos SRSs pelo MAR é mais informativo do que relacional. Diferentemente do CCBB RJ em que o uso da selfie como estratégia de comunicação é bastante claro, ao observar o comportamento do MAR nos ambientes on-line, parece que a organização opta por não adotar esse tipo de prática comunicacional. Resultado de uma parceria entre a Prefeitura do Rio e a Fundação Roberto Marinho, o MAR foi aberto ao público em 2013, com objetivo de promover exposições que tenham como temática primordial a cidade do Rio de Janeiro, unindo uma perspectiva histórica e contemporânea. O museu está instalado em dois prédios de estilos arquitetônicos diferentes interligados por uma passarela, formando uma área de 15 mil metros quadrados. Um dos edifícios é o Palacete Dom João VI, inaugurado em 1916. Já o outro era um terminal rodoviário em estilo modernista. No terraço foi construída uma cobertura para unir as duas construções, que se tornou a característica arquitetônica mais marcante do local pelo formato que lembra as ondas do mar. Tendo escolhido o Instagram e os museus que seriam o foco da pesquisa, a etapa seguinte consistiu na construção120 do corpus da pesquisa empírica. Devido aos recursos disponíveis para o trabalho, optamos por utilizar o sistema de busca do próprio Instagram. Essa ferramenta classifica os resultados em três categorias: (1) “pessoas” (nomenclatura usada pelo aplicativo para designar os perfis, mesmo que eles sejam corporativos e não pessoais), (2) “tags” (que são as hashtags) e (3) “locais”. A aba “pessoas” apresenta como resultado os perfis de alguém ou de uma organização como, por exemplo, os perfis oficiais do CCBB RJ e do MAR. Uma vez que o objetivo era analisar as selfies dos frequentadores, essa modalidade de busca não se adequava à pesquisa, apesar de as postagens feitas por essas instituições também terem sido alvo da investigação, conforme citamos acima. Entre as outras duas possibilidades, escolhemos a busca por tags por dois motivos. Em primeiro lugar, entendemos que o visitante que insere uma hashtag em sua postagem tem a

120 O uso da palavra “construção” segue o sentido de Fragoso, Recuero e Amaral (2011, p. 55), de ressaltar a artificialidade dos movimentos de recorte que levam à produção e coleta de dados. Para autoras, é importante ter consciência desses processos “para a realização de uma pesquisa coerente e bem articulada”. 99

intenção de tornar aquele conteúdo visível a outros usuários interessados no mesmo assunto (PAGE, 2012, on-line; RECUERO, 2014a). As hashtags são formadas por palavras-chaves ou pequenas frases precedidas do símbolo #, que permitem que um termo seja buscável no ambiente digital. “Essa prática, portanto, torna a conversação capaz de atingir outras redes e amplia a audiência dela” (RECUERO, 2014a, p. 125), podendo gerar novas conexões para os atores naquela rede. Para tanto, o perfil deve ser público, ou seja, quando qualquer usuário pode ver as publicações. Já em perfis privados, apenas os seguidores visualizam as postagens. Em segundo lugar, como o Instagram não permitia a busca por localização até junho de 2015, as hashtags ganharam muita importância para a indexação no sistema. Até essa data, a marcação geográfica servia para mostrar o local onde o usuário estava quando produziu ou postou determinada imagem, mas não para transformá-la em algo buscável e, assim, provocar novas interações. Portanto, apesar de a marcação geográfica ter se tornado mais relevante com o lançamento da busca por “locais”, a cultura da hashtag é uma característica marcante do Instagram. Segundo Fallon (2014), quando foi lançado, o Instagram não possuía uma forma de ordenar e procurar imagens. Assim, a única maneira de indexar as fotos era adicionando hashtags no post, uma apropriação emprestada do Twitter. O autor explica ainda que esse recurso não tem apenas o objetivo de classificar e tornar as imagens buscáveis. Existem as hashtags “trends” (tendências em inglês), aquelas que surgem espontaneamente na plataforma como #bestofsummer (melhor do verão) e #stayandwander (ficar e perambular), por exemplo. Para o autor, participar de uma hashatg trend é uma oportunidade de distinguir a individualidade, além, é claro, de produzir visibilidade. Para as pesquisadoras Katrin Tiinderberg e Nancy Baym (2017), o ato de colocar hashtags em um conteúdo público pode ser considerado por si só como uma forma de performance. Vale ainda ressaltar que a construção da amostragem não foi estendida ao “Histórias”, pois, nesse recurso, apenas o autor da postagem consegue visualizar os comentários e também porque a pesquisa por hashtags só foi permitida no “Histórias” em maio de 2017, após o início da análise das imagens. Com relação às hashtags que seriam usadas no levantamento, consideramos a possibilidade de incluir termos relacionados diretamente a “museu” ou “selfie em museu”. No entanto, essa estratégia não se mostrou eficaz. A hashtag #museu apresentou mais de 400 mil resultados. Já a hashtag #museumselfie trazia imagens do mundo todo, o que acarretaria uma amostra muito abrangente, e sua versão em português #selfieemmuseu só apresentou 2 resultados. Como o sistema de busca do Instagram não permite a combinação de várias hashtags (apenas uma hashtag por vez) ou de hashtags e localização geográfica para reduzir 100

as ocorrências, optamos por construir a amostragem a partir apenas de hashtags com o nome dos museus escolhidos e, dentre os resultados, selecionar aqueles que apresentavam selfies. Nesse sentido, verificamos qual hashtag era mais utilizada para referir-se ao CCBB RJ e ao MAR no Instagram. Com quase 40 mil ocorrências à época, a hashtag #ccbbrj era a mais popular. Outras hashtags encontradas foram #ccbbrio, #ccbbriodejaneiro e #ccbb_rj, mas com um número bem inferior de ocorrências. No caso do MAR, a hashtag escolhida foi #museudeartedorio que tinha quase 20 mil ocorrências no Instagram. A hashtag #mar é usada mais popularmente para fotos em praias. Também encontramos resultados para #marrj, mas não eram representativos121. Coincidentemente ou não esses eram os mesmos termos que as instituições usavam para nomear os seus perfis oficiais (@ccbbrj; @museudeartedorio) e as hashtags que costumam inserir em seus próprios posts. É importante ressaltar que não foi criado um perfil no Instagram para fazer a busca, mas a autora teve o cuidado de verificar se as suas conexões pessoais não influenciariam no resultado. Devido às condições da pesquisa, como disponibilidade de tempo e recursos, não seria possível analisar todos os resultados encontrados com as hashtags #cbbrj e #museudeartedorio. Fez-se necessária a redução da amostra inicial a dimensões compatíveis com uma pesquisa qualitativa. Observando a programação de exposições de artes visuais previstas pelo CCBB RJ para 2017122, escolhemos o período entre 3 de maio e 2 de agosto, quando a instituição estava com duas exposições em cartaz simultaneamente: “Los Carpinteros – Objeto Vital” e “Yes! Nós temos biquíni”123. O MAR, por sua vez, no intervalo assinalado, oferecia quatro exposições para seus visitantes: “O nome do medo”, “Lugares do delírio”, “Dja Guata Porã” e “Dentro”124. Em ambos os casos, acreditávamos que haveria um vasto e variado material difundido on-line para a análise pretendida, o que de fato aconteceu.

121 Na última verificação, realizada em 31 de janeiro de 2018, havia 43.319 postagens com a hashtag #ccbbrj e 21.655 postagens com a hashtag #museudeartedorio no Instagram. O CCBB RJ possuía 70.500 seguidores no Instagram e o MAR, 68 mil.

122 A opção por usar a programação do CCBB RJ para escolher o período da pesquisa deve-se ao fato de que o tempo de duração das exposições nesse museu é mais curto, ou seja, há uma maior rotatividade de atividades, enquanto que no MAR a programação permanece a mesma por bastante tempo. Algumas mostras ficam quase um ano em cartaz.

123 Informações sobre as exposições estão disponíveis no site do CCBB RJ. Acesso em: 9 jan. 2018. “Los Carpinteros – Objeto Vital”: , “Yes! Nós temos biquíni”: .

124 Informações sobre as exposições estão disponíveis no site do MAR Acesso em: 9 jan. 2018. “O nome do medo”: ; “Lugares do Delírio”: ; “Dja Guata Porã”: ; “Dentro”: . 101

Foram levadas em consideração ainda as características dessas mostras que contavam com obras e instalações bastante imagéticas e interativas e que proporcionavam diversas possibilidades para a produção de selfies, como veremos mais adiante. Um dos primeiros grandes desafios enfrentados para a construção do corpus se deve à característica dinâmica da internet, ou seja, o fato de que “todos os elementos são permanentemente passíveis de alteração e a configuração do conjunto se modifica a cada momento” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 55). Se os usuários mudassem o perfil de público para privado e vice-versa ou ainda se decidissem apagar as publicações realizadas, os resultados da busca por hashtags seriam modificados. O mesmo acontece em relação aos comentários feitos nos posts, pois, à medida que o usuário vai criando ou perdendo conexões, essa seção também varia. Dessa maneira, a construção da amostragem ocorreu ao longo do primeiro e do segundo semestre de 2017, mas foi necessária a escolha de uma data para a sua finalização. Assim, os números que serão apresentados a seguir referem- se ao que encontramos no resultado da busca do Instagram até 20 de novembro de 2017. É muito provável que a mesma busca apresente resultados diferentes se for realizada novamente. Esse movimento de idas e vindas no processo de construção da amostra é próprio da pesquisa qualitativa, em que as estratégias de análise podem ser alteradas de acordo com o desenvolvimento da investigação (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 69). Portanto, é importante ressaltar que esse caráter dinâmico proporcionado pelas próprias configurações disponíveis no Instagram e as particularidades de sua ferramenta de busca são alguns dos motivos pelos quais não temos a intenção de abarcar, nesse trabalho, todas as dinâmicas apropriativas possíveis a partir das selfies compartilhadas naqueles museus. Outros visitantes podem ter feito imagens de si e publicado em perfis privados ou sem as referidas hashtags, fazendo com que essas fotos não aparecessem na amostra. Todo o processo de catalogação das selfies foi realizado manualmente. Imagens postadas com as hahstags citadas, no período assinalado, foram verificadas uma a uma. Aquelas que eram consideradas selfies foram salvas como arquivo de imagem em formato “jpg”. Além disso, criamos uma tabela no software Excel para a contabilização dos dados. Conforme discutido no capítulo 2, o conceito de selfie adotado nesta pesquisa foca a vontade de alguém de enquadrar a si mesmo (ou a si junto com outras pessoas) em uma fotografia e compartilhá-la nos sites de redes sociais. Seguindo essa definição, não era condição primordial que o braço ou algum dispositivo, como o bastão de selfie, estivesse aparente na imagem, pois existem várias formas de uma pessoa produzir fotos de si (figura 11). Em alguns casos, era impossível detectar qual método foi usado para a produção da 102

fotografia. Na observação da amostra, percebemos que o conceito de selfie é fluído entre os próprios usuários do Instagram. Alguns adicionavam a hashtag #selfie em suas postagens, mas as fotos claramente não haviam sido feitas da maneira tradicional, com o suporte do braço (figura 11). Acreditamos que, para a discussão pretendida na pesquisa, a forma como a foto foi feita não é uma característica determinante, como talvez fosse para uma análise sobre as questões estéticas das selfies, por exemplo.

Figura 11 – Diversas formas de produzir selfies

No post à esquerda, o autor informa que usou tripé e disparador para produzir a selfie. No outro, a #selfie aparece em foto que não foi feita com suporte do braço

Sendo assim, usamos os seguintes critérios para considerar uma imagem como selfie: (1) a selfie deveria retratar a mesma pessoa que era a “dona” do perfil que compartilhou a imagem. Tomamos o cuidado, portanto, de verificar cada perfil, pois, em alguns casos, o usuário postou imagem de uma terceira pessoa (amigos, parentes e visitante aleatórios); (2) o corpo ou parte do corpo deveria estar visível na foto, mesmo que não aparecesse o rosto, como as selfies dos pés que foram bastante recorrentes. Mais uma vez, foi necessária uma análise cuidadosa para a identificação da pessoa retratada. Quando havia dúvidas, a imagem não foi classificada como selfie; (3) a selfie poderia ser realizada com a ajuda do braço ou de algum artefato visível na foto, como o bastão de selfie, mas também consideramos imagens em que não era possível saber como o usuário as produziu (com um tripé e disparador automático, se pediu para outro interagente), além daquelas feitas em frente a espelhos ou alguma superfície reflexiva (como vidro de portas e janelas). 103

Diante do exposto, no período assinalado, registramos 2.361 postagens com a hashtag #ccbbrj, que geraram 3.228 imagens125, sendo 3.209 imagens comuns (fotos ou colagens) e 19 fotos animadas126 e 76 vídeos. Foram descartadas da amostra 159 imagens e 4 vídeos que não estavam relacionados diretamente com o CCBB RJ ou com as atividades realizadas em seus espaços127. Do total de imagens, 537 eram selfies e 2.691 não eram selfies, ou seja, as selfies correspondiam a 16,6% das imagens postadas com a hashtag #ccbbrj. Esse resultado vai de encontro às afirmações do senso comum de que os frequentadores só vão aos museus para produzir imagens de si mesmos. A maior parte das fotos postadas destacava apenas as obras de arte ou a arquitetura do CCBB RJ, sem focar em seus autores. Vale lembrar que o percentual de selfies seria ainda menor se não estivéssemos utilizando nessa pesquisa o conceito ampliado de selfie, discutido anteriormente. Os resultados se assemelham aos da pesquisa de Kozinets, Dinhopl e Gretzel (2017), em que o número de selfies tradicionais com o próprio braço foi menor do que o esperado. O mesmo aconteceu com os vídeos. Encontramos somente 6 vídeos selfie, sendo um deles feito a partir de uma colagem de selfies. Por sua vez, registramos 1.050 postagens com a hashtag #museudeartedorio, que geraram 1.330 imagens, sendo 1.317 imagens comuns (fotos ou colagens) e 13 fotos animadas, e 24 vídeos. Eliminamos da amostra 226 imagens e 8 vídeos que não se relacionavam diretamente com o MAR ou com as atividades realizadas em seus espaços128. Do total de imagens, 360 eram selfies e 970 não eram selfies, ou seja, as selfies correspondiam

125 A preferência pelo termo imagens em vez de fotos se deve ao fato de que um post pode conter, além de fotos, colagens de várias fotos em apenas uma imagem.

126 As fotos animadas se tornaram populares quando a Apple lançou, em 2015, o recurso Live Photos (Fotos Vivas, tradução nossa) no Iphone 6s, Iphone 6s Plus, apesar de uma tecnologia semelhante já ter aparecido anteriormente em smartphones Lumia, da Microsoft, e Zoe, da HTC (RIBEIRO, 2015). Devido ao sucesso, o Instagram criou o aplicativo Boomerang, em que o usuário poderia criar uma foto em movimento em qualquer modelo de celular (G1, 2015). Em 2016, a função apareceu pela primeira vez nos modelos Galaxy S7 e Galaxy S7 Edge da Samsung (GARRETT, 2016).

127 Dentre essas postagens que inseriam a hashtag #ccbbrj, encontramos perfis de roupas para mulheres cristãs, pois ccbbrj também é a sigla usada pela comunidade cristã do Brasil no Rio; uma grife de roupas masculinas; uma grife de bijuterias; fotos de outros locais do Rio, como Museu do Amanhã, Casa França-Brasil, Boulevard Olímpico, Caixa Cultural, Igreja da Candelária, Aterro do Flamengo, Teatro Oi Casagrande, Shopping Leblon, Biblioteca Nacional, Real Gabinete Português de Leitura e do bairro da Urca, além do CCBB SP, o CCBB BH e um museu em Berlim; perfis de restaurantes próximos ao CCBB RJ (Auguri, Cais do Oriente, Hamburgueria da Alfândega e Cozinha Mironga); trabalhos de artistas independentes que estavam tentando ganhar visibilidade; e até uma empresa de vendas de ervas.

128 Dentre essas postagens que inseriam a hashtag #museudeartedorio, encontramos fotos do veículo leve sobre trilhos (VLT); fotos de outros locais do Rio, como Museu do Amanhã, Boulevard Olímpico, Igreja da Candelária, Aterro do Flamengo, Pedra da Gávea, Museu da Marinha, Museu de Arte Moderna, Aquario, Morro da Conceição, Confeitaria Colombo, Campo de Santana, Estádio do Maracanã, Palácio Guanabara, Tribunal de Justiça do Rio, e prédios históricos do Centro; o Museu Oceanográfico de Mônaco; perfis de restaurantes próximos ao MAR (Auguri e Jazzin); trabalhos de artistas independentes que estavam tentando ganhar visibilidade; e eventos realizados na Praça Mauá. 104

a 27% das imagens postadas com a hashtag #museudeartedorio. Não havia vídeos selfie na amostra. O fato de o percentual de selfies realizadas no MAR ser maior do que no CCBB RJ foi surpreendente e pode ser justificado pelo fato de as imagens de si compartilhadas no mirante do MAR corresponderem a quase um terço (28%) do total de selfies realizadas naquele museu. O mirante fica localizado no quinto andar do edifício e tem entrada gratuita, ou seja, não é necessário visitar as exposições para acessar esse espaço que virou ponto turístico do Rio por causa da vista para a revitalizada Praça Mauá, com o Museu do Amanhã e a Baía de Guanabara ao fundo129. Quanto ao conteúdo das postagens em relação às atividades promovidas pelos museus no período, observamos que o carro-chefe são as exposições. Foram 1.657 menções às mostras realizadas no CCBB RJ, identificadas pelas imagens, pelas legendas ou por hashtags. A arquitetura do centro cultural foi o segundo assunto mais mencionado (223), seguido de peças de teatro (152), mostras de cinema (49), gastronomia (24), atrações de música (23), workshops (17), ações educacionais (14), livraria (8), biblioteca (6), eventos de outras instituições realizados no CCBB RJ (5) e institucional (2)130. Já no MAR, registramos 418 menções às exposições e a itens do seu acervo. A vista proporcionada pelo mirante do museu foi o segundo assunto mais abordado nas postagens (181 menções), seguido da arquitetura (174), música (43), gastronomia (26), institucional (19), biblioteca (14), grafite (12), educacional (8), eventos externos (5) e loja do museu (2). Verificamos ainda que das 2.361 postagens relativa ao CCBB RJ, os usuários, além de inserirem a hashtag #ccbbrj, marcaram o centro cultural como localização geográfica em 1.473 posts (62,3%), dando ainda mais visibilidade às suas imagens, pois elas passaram a ser buscáveis também a partir da categoria “locais”. Das 1.050 postagens relacionadas ao MAR, pouco mais da metade (584) marcou o museu como localização geográfica, além da inserção da hashtag relativa ao espaço cultural. A tabela 1 mostra um resumo dos dados coletados na construção da amostragem.

129 Considerada o coração da zona portuária do Rio, a Praça Mauá passou por uma revitalização visando aos Jogos Olímpicos de 2016, nos moldes de outros projetos realizados em Barcelona (Espanha) e em Buenos Aires (Argentina). A principal modificação foi a derrubada do Viaduto da Perimetral, a construção de um boulevard de mais de 25 mil metros quadrados para pedestres e a criação de uma linha de bonde elétrico. Disponível em: . Acesso em: 9 jan. 2018.

130 O somatório das menções não é igual ao número de postagens, pois algumas publicações faziam alusão a mais de uma atividade, enquanto outras foram impossíveis de identificar. 105

Tabela 1 – Resumo dos dados coletados no mapeamento preliminar Posts Fotos ou Fotos Não Vídeo Postagens Imagens com Selfies Vídeos colagens animadas selfies selfie selfies CCBB RJ 2.361 3.228 3.209 19 479 537 2.691 76 6 MAR 1.050 1.330 1.317 13 282 360 970 24 0 TOTAL 3.411 4.558 4.526 32 761 897 3.661 100 6

Após a codificação inicial desses dados, voltamos nosso olhar para as 761 postagens que continham as 897 selfies e 6 vídeos selfie colhidos no período e que formaram, assim, o corpus da pesquisa. Havia uma grande diversidade de imagens. O primeiro fato que chamou a atenção foi a alta incidência de selfies em dupla ou em grupo, outra particularidade que ajuda a enfraquecer as interpretações narcisistas sobre essa prática. Também podemos destacar a criatividade dos usuários em se apropriar dos mais diferentes elementos presentes nos museus, e não apenas das obras de arte, para realizar as fotos. Essa característica pode indicar que quem gosta de fazer fotografias de si em visita a esses espaços está com o olhar atento para uma oportunidade que se traduza em uma imagem interessante para ser compartilhada nos sites de redes sociais. Conforme aponta Gómez Cruz (2012), a prática fotográfica contemporânea torna o momento da difusão da imagem conectada tão importante quanto o da produção. Os atores fazem fotos já pensando em como poderão distribui-las nos sites de redes sociais. Isso leva-os a adotar, segundo o autor, um olhar que é constantemente voltado para os instantes fotográficos. Outro fato interessante é que, devido a possibilidade de adicionar até 10 fotos e/ou vídeos por post, as selfies, muitas vezes, eram acompanhadas, nas publicações, de outras imagens realizadas na visita àqueles espaços culturais, mas também a outros locais que os atores frequentaram no mesmo dia. Em especial as publicações relativas ao MAR, não raro continham fotografias (selfies ou não selfies) em lugares geograficamente próximos, como a Praça Mauá, o Museu do Amanhã e o Boulevard Olímpico. Logo no início da pesquisa, percebemos que as selfies sozinhas não eram suficientes para observar as apropriações dinamizadas no Instagram. Tampouco os comentários isoladamente poderiam ser os pivôs de análise. O número de curtidas de um post também se mostrou algo relativo, pois varia de acordo com o tamanho e com o tipo de conexões de cada usuário. Quanto maior for o número de seguidores por exemplo, a tendência é que a quantidade de curtidas também aumente. Esse elemento só faria sentido se verificássemos a média de curtidas que cada usuário recebe em suas publicações para ter uma base de comparação para a selfie em museu compartilhada em sua linha do tempo, mas essa estratégia 106

não ajudaria na compreensão das questões centrais da pesquisa. O Instagram não dispõe do botão compartilhar. É preciso instalar um aplicativo específico para realizar essa ação. Dessa forma, não tínhamos como saber quantos compartilhamentos as postagens tiveram. Nesse sentido, para analisar as postagens coletadas, usamos uma combinação de métodos, entendendo que certas “questões complexas e universos heterogêneos e dinâmicos, como a internet, frequentemente requerem observações em diferentes escalas de análise, bem como desenhos metodológicos que combinam diferentes estratégias de amostragem” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 69). Tendo em vista ainda que dados visuais, textuais e hipertextuais são percebidos como intertextualmente relacionais (TIINDERBERG, BAYM, 2017), com objetivo de manter a integridade contextual das publicações, levamos em consideração não apenas a selfie e seu conteúdo, mas todos os elementos verbais e não verbais presentes nas legendas e nos comentários, bem como as hashtags que a acompanhavam e as marcações de perfis e lugares. Argumentamos que o uso conjunto desses elementos é o que torna a selfie uma imagem conectada, conforme observamos no capítulo 2. Desse modo, identificamos as apropriações e usos mais recorrentes presentes na produção e na circulação das selfies em museus, que emergiram de uma análise combinada de elementos usados pelos atores sociais ao compartilhar essas imagens no site de rede social Instagram. A primeira dessas experiências detectadas parece ter o objetivo primordial de informar e atestar uma presença. A segunda concentra-se na expressão de um sentimento a partir da obra de arte ou por alguém. E a terceira tem a intenção de entreter e brincar. É importante ressaltar que essas formas de experiência com a imagem não são mutuamente excludentes. A separação em três maneiras de apropriação foi realizada para melhor compreensão da diversidade de práticas e das formas de interação que elas implicam. Selecionamos para a discussão 64 postagens que evidenciaram esses usos e apropriações das selfies no conjunto das 761 publicações que formam o corpus da pesquisa. Transcreveremos ainda algumas “falas” observadas nas legendas e nos comentários para exemplificar algumas das interações empreendidas entre os atores, sem, no entanto, inserir a imagem da postagem na discussão. Para proteger a privacidade dos autores dos posts, apagamos seus nomes, que foram subtittuídos por “usuário A”, “usuário B” etc, seus rostos e outras possíveis marcas de identidade utilizando o software Photoshop.

107

3.2 Dinâmicas das selfies no CCBB RJ e no MAR postadas no Instagram

3.2.1 Informar e atestar

Com o passar dos anos, os sites de redes sociais deixaram de ser centrados nos perfis dos usuários e passaram a valorizar o conteúdo postado por eles. Cada vez mais, os SRSs têm sido usados como um canal de comunicação em que podemos nos atualizar não apenas sobre a vida de nossos amigos, mas sobre os mais variados temas publicados por páginas pessoais e corporativas que seguimos. O conjunto de informações difundidas colabora na autoapresentação dos atores nas redes, funcionando como mais um elemento de performance de identidade e para provocar conversações. Segundo Ellison e boyd (2013), comunicar e compartilhar conteúdo tornou-se a motivação principal dos usuários nas suas experiências nos SRSs. “A significância dos perfis na experiência do usuário diminuiu, mas os perfis como espaços para autoapresentação e distribuição de conteúdo são ainda a âncora dos sites de redes sociais” (ELLISON; BOYD, 2013, on-line131). Para Recuero (2009, p. 118), existe uma relação direta entre os fluxos de informação nos ambientes on-line e o capital social construído pelos usuários nessas redes. Se os atores sociais são conscientes do processo de gerenciamento de impressão negociado nas interações realizadas nos SRSs, “é possível que as informações que escolhem divulgar e publicar sejam diretamente influenciadas pela percepção de valor que poderão gerar”. Existem dois tipos de informação que são comumente compartilhadas nos SRSs. Aquelas de cunho mais pessoal apelam, de acordo com Recuero, ao capital social relacional, pois têm a intenção de fortalecer conexões e estreitar os laços sociais. Já aquelas de teor informacional relacionam-se com o capital social cognitivo e tem como objetivo gerar conhecimento. A partir da análise das 761 postagens que formam o corpus da pesquisa, foi possível constatar que as selfies foram usadas pelos atores com objetivo informacional e relacional, seja para divulgar as exposições e os museus visitados, como para atestar a sua presença nesses espaços. No primeiro caso, a selfie era acompanhada de uma legenda que trazia informações complementares sobre uma obra de arte específica ou sobre a própria exposição,

131 O texto no original é: “the significance of profiles in the user experience has declined, but profiles as spaces for self-presentation and content distribution are still the anchor of social network sites”. 108

retiradas de materiais de divulgação dos próprios museus, como o programa das mostras ou os textos de seus sites. Também eram adicionadas as informações sobre dias e horários de visitação e preço dos ingressos. Na figura 12, é possível perceber que o usuário A se apropriou de parte do texto de apresentação da exposição “Los Carpinteros”, que foi divulgado no site do CCBB RJ132, como legenda para a sua postagem. Em uma análise mais aprofundada sobre outras postagens feitas por esse usuário, verificamos que ele se constitui em sua rede como uma autoridade (RECUERO, 2009) na divulgação de informações sobre eventos culturais. A maior parte de seus posts está relacionada a sua atividade como espectador de peças de teatro, de apresentações de óperas, de exposições etc. Nos comentários desse tipo de postagem, os usuários costumavam dizer que ficaram curiosos para visitar as exposições após verem as imagens compartilhadas, fazer perguntas sobre as exposições que eram, em sua maioria, respondidas pelos autores, marcar seguidores que fazim parte da sua rede de contatos de forma a informá-los também sobre as mostras ou ainda convidar amigos para um passeio em conjunto. Alguns comentários continham apenas o nome do outro amigo marcado, enquanto que em outros comentários percebemos frases do tipo “olha essa expo”, “é aquela exposição que te falei”, “vamos ver” etc.

Figura 12 – Usuário edita texto do site do CCBB RJ para divulgar exposição

132 Disponível em: . Acesso em 14 jan. 2018. 109

Na figura 12, podemos observar, nos comentários, que a usuária B marcou um outro perfil (@usuáriad), que pode não estar conectado ao autor da postagem, dando ainda mais visibilidade à mensagem difundida por ele e ao seu perfil. Já a usuária C aproveita a postagem para convidar a usuária E a visitar a exposição. A postagem foi feita no dia 4 de maio. Quase um mês depois, no dia 3 de junho, foi curioso encontrar na nossa amostra uma selfie da usuária B na mesma exposição. Dessa forma, assim como acontece com reportagens da imprensa, os atores têm se informado por meio de posts feitos por usuários dos SRSs, que funcionam como um veículo de comunicação para os museus. Na figura 13, a usuária A editou parte do texto de Lilian Pacce, curadora da exposição “Yes! Nós temos biquíni”133, para compor a legenda do post. A divulgação da mostra continua nos comentários quando a usuária C pergunta até quando ficará em cartaz. A usuária A não apenas responde ao questionamento como também convida a usuária C para uma visita à exposição em conjunto, uma atitude que demonstra a intenção de desenvolver a interação iniciada pela amiga no post, aprofundando os laços sociais. A figura 13 foi retirada da versão do Instagram para desktop. Percebe-se que o comentário da usuária B tem seu entendimento prejudicado, pois ela usou vários emojis que não foram reconhecidos pelo sistema, algo que não acontece quando a mesma mensagem é visualizada pelo aplicativo para telefone celular. Como nesses casos o objetivo é divulgar a exposição, algumas vezes as postagens continham, além das selfies, outras imagens que destacavam apenas as obras de arte disponíveis. O fato de haver uma imagem de si entre as fotografias compartilhadas produz um significado diferente para o post. Não se trata de uma mera divulgação da exposição, mas uma comprovação de uma experiência que se aproxima do trabalho do crítico de arte. É como se o autor da postagem dissesse “eu estive lá, gostei e decidi compartilhar com vocês”. Vale ressaltar que em nenhum dos dois casos citados foi dado crédito para os autores dos textos originais usados nas legendas.

133 Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2018. 110

Figura 13 – Uso do texto da curadoria para divulgar exposição no CCBB RJ

Na figura 14, o usuário A também teve a ideia de utilizar um trecho de um texto disponível na sala sobre cultura indígena, da exposição “Yes! Nós temos biquíni”. Apesar do uso das aspas, também não houve menção à autoria como nas postagens anteriores. É interessante notar que, enquanto os autores das postagens retratadas nas figuras 12 e 13 adicionaram hashtags relacionadas apenas ao museu (#ccbbrj) ou à exposição (#loscarpinteros, #cultura), na figura 14 o usuário A ampliou essa variedade. Ele iniciou a série de hashtags com termos relacionados à mostra (#yesnostemosbiquini, #ccbbrj, #lilianpacce etc) e, em seguida, passou a referir-se a características físicas de si mesmo, como #beardman (homem barbado), #beardlife (vida barbada), #beardlover (amantes da barba). A pose dele na foto parece ter sido feita de maneira a ressaltar a sua barba em contraste com o fundo colorido proporcionado pela obra de arte. Podemos argumentar que o uso dessas hashtags não só insere a postagem nos agrupamentos de fotos sobre barba no Instagram, mas pode ter a intenção de ressaltar para o público esse atributo físico que contribui para definir a identidade desse ator social.

111

Figura 14 – Hashtags relacionadas às características físicas do usuário

Também observamos que alguns usuários divulgavam as mostras porque sua temática estava diretamente relacionada à atividade que exercem. Dessa maneira, eles informam um conteúdo que julgam ser de interesse de seu público. Na figura 15, uma blogueira de moda divulga a exposição “Yes! Nós temos biquíni”, do CCBB RJ. Para quem afirma no texto de apresentação de seu blog que quer dividir com os seguidores seu olhar sobre a moda, os lugares por onde passa e os achados que encontra, nada melhor do que compartilhar a possibilidade de conhecer um pouco mais sobre essa peça do vestuário feminino de uma maneira mais lúdica e divertida. Dessa forma, não apenas ela reafirma seu lugar de fala como uma autoridade quando o assunto é moda, mas de um jeito diferente daquele que está acostumada a fazer, postando seu look do dia ou informações sobre roupas, acessórios e produtos de beleza. Os comentários exemplificam um tipo de interação bastante recorrente nos três usos e apropriações das selfies que destacamos nesse capítulo. Grande parte dos comentários que verificamos era composta por elogios à foto (“bela foto”, “ótimo ângulo”), ao autor da imagem (“está linda”, “gatão”) ou à obra de arte representada. Na figura 15, vemos elogios como “linda” e “lindinha”, além de emojis significando palmas. Recuero (2012) classifica esse tipo de comentários como “assertivos”, ou seja, aqueles que estão relacionados a um suporte social ao autor da postagem, seja por um elogio ou por uma concordância.

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Figura 15 – Blogueira de moda divulga exposição sobre biquíni

É interessante notar que a blogueira escreve também em inglês, o que aumenta a visibilidade e o alcance de suas postagens para atuais e até futuros seguidores que não entendam o português. Outro fato que chama a atenção é que a selfie postada não revela muito sobre a exposição, apesar de a legenda deixar a entender que o objetivo do post é divulgá-la. Essa imagem de si foi a única foto compartilhada sobre a mostra por ela em seu perfil. Na figura 16, vemos uma bordadeira, que administra um perfil sobre esse ofício, dividir com seus seguidores a oportunidade que teve de conhecer uma obra de arte que usava técnicas de bordado, na exposição “Lugares do Delírio”, no MAR. Sua mensagem é informacional no sentido de que comunica a obra e o artista. Nos comentários, ela acrescentou o nome da exposição e do museu por meio da hashtag #museudeartedorio. A usuária também marcou o MAR como localização geográfica. Contudo, apesar de divulgar a exposição, a postagem se diferencia das anteriores pelo teor mais pessoal. O perfil em questão é usado para conversas sobre bordado e para informar os cursos presenciais que a jovem ministra sobre essa forma de criar desenho em tecido. Na postagem que destacamos, no entanto, ela revelou que estava em uma viagem de férias ao Rio de Janeiro (na sua biografia, ela diz que mora em Natal) e ainda expressou sua emoção ao conhecer a obra, algo que se aproxima da dinâmica apropriativa “Sentir e exprimir”, que abordaremos adiante. 113

Nos comentários, vemos as reações positivas por parte dos seguidores do perfil, como a da usuária D que afirmou que a obra de arte é apaixonante e inspiradora e ainda incluiu um emoji de coração. A usuária B também fez um comentário elogioso à obra com texto e com emojis que simbolizam palmas e amor. A resposta da autora do post, além de atenciosa, demonstrou certa intimidade entre as duas quando ao dizer que a usuária B ia amar a exposição e ao complementar as informações, explicando o nome da mostra e seu conteúdo. Já a usuária C mostrou que acompanha a rotina da autora da postagem, ao dar a entender que o bordado está sempre presente na vida da autora, que respondeu confirmando: “em todo canto e não largo”.

Figura 16 – Bordadeira informa sobre obra de arte com técnicas de bordado

Em alguns casos, mesmo quando a postagem não tinha a intenção explícita de divulgar a exposição, da forma como vimos, com textos informativos, isso acabava acontecendo como podemos observar pelas conversações geradas. Na figura 17, em ambos os posts, as selfies estavam acompanhadas apenas do nome da mostra e da marcação de lugar, mas, ainda assim, despertaram a curiosidade de outros atores. Diante do interesse suscitado pelas selfies e demonstrado nos comentários, as duas autoras das postagens acabaram por complementar as informações sobre as mostras. Na primeira postagem, mesmo sem ter ido ao CCBB RJ por falta de tempo, a usuária B afirmou que a exposição é linda a partir das imagens postadas pela usuária A. Ela ainda 114

aproveitou o comentário para aprofundar os laços com a autora do post ao desejar “um dia maravilhoso” e inserir emojis de beijo e de uma flor. A usuária A respondeu no mesmo tom carinhoso, dizendo a amiga que ela “vai amar” a mostra que segue em cartaz “até 02/08”, com “entrada franca”, agradecendo o dia maravailhoso e desejando outro em troca. Já na interação com a usuária C, a autora manifestou a vontade de “curtir” com a amiga, que ela chamou de “linda”, em um encontro off-line. Essa troca também foi bastante frequente. As selfies pareciam “lembrar” a existência do outro, fazendo com os atores demonstrassem entre si uma saudade e o desejo de se encontrar pessoalmente. Na segunda postagem, vemos que a selfie da usuária D foi o que possibilitou que a usuária E soubesse que a exposição “Yes! Nós temos biquíni” já estava aberta para visitação. A autora do post reiterou com a informação de que a mostra foi inaugurada no dia 17 e ainda apresentou sua opinião ao dizer que “está muito boa”. No comentário da usuária F, podemos constatar a repetição da letra “o” na interjeição “pô”, uma das estratégias de simulação da linguagem verbal nos ambientes on-line, como discutimos no capítulo 2, para enfatizar a sua vontade de conhecer a exposição.

Figura 17 – Selfies informam sobre exposições no CCBB RJ

As postagens anteriormente citadas serviam não apenas para divulgar as exposições, mas também para atestar a presença dos atores sociais nesses eventos culturais. Mostrar ao outro que você fez parte de uma experiência é algo inerente à essência da selfie. O corpo “impresso” na imagem funciona como uma prova irrefutável da presença, algo que uma foto em que só o museu ou as obras de arte estejam visíveis não garante. Essa apropriação exemplifica umas das mudanças epistemológicas que o artista catalão Joan Fontcuberta (2016, on-line) acredita que as selfies introduziram. “A selfie substitui a certificação de um acontecimento pela certificação de nossa presença nesse acontecimento”. Dessa forma, a 115

imagem produz uma inscrição autobiográfica “no espaço e no tempo, ou seja, na paisagem e na história”. Na atestação de presença, foram bastante recorrentes as postagens que traziam apenas uma selfie no CCBB RJ ou no MAR acompanhada de uma legenda composta somente pelo nome dos museus ou das exposições em forma de texto ou de hashtag, além da marcação de lugar, como podemos observar no post da usuária D (figura 18).

Figura 18 – Atestação de presença: uso de hashtags para produção de visibilidade e popularidade e importância de hashtags e localização para o contexto

Geralmente, nesse tipo de postagem, encontramos de uma maneira mais frequente o uso de hashtags com intuito de aumentar o número de seguidores. Conforme observamos no capítulo 2, a busca pelo incremento na quantidade de conexões está relacionada à popularidade como um valor de capital social (RECUERO, 2009). Na postagem do usuário A (figura 18), vemos as hashtags #museum, #love, #art, #ccbbrj etc, que dão mais publicidade à sua selfie, pois a torna visível a todos os usuários que fizerem buscas por esses temas. Essa estratégia pode ampliar seu número de conexões e fazer com que ele tenha a oportunidade de interagir com usuários que possuam os mesmos interesses. Assim, podemos afirmar que a utilização das hashtags citadas teria a intenção de torna-lo mais visível no Instagram, mas não é possível dizer que ele estava em busca de popularidade. No entanto, as hashtags #followforfollow (seguir por seguir, em inglês), #likeforlike (curtir por curtir), #commentforcomment (comentar por comentar) e #recenteforrecent (recente por recente), que o usuário A adicionou à legenda, mudam essa percepção. Esses termos são comumente usados com objetivo de aumentar a popularidade. A estratégia opera na lógica da reciprocidade: “me siga e eu também te sigo”, “curta a minha foto e eu curto uma foto sua” ou “comente minha foto e eu comento uma sua”. 116

Segundo Ellison e boyd, (2013), inicialmente, a maioria dos sites de redes sociais funcionava de maneira simétrica. Dois usuários estabeleciam uma conexão quando ambas as partes concordavam em “ser amigas” umas das outras. O Twitter popularizou a assimetria entre as conexões, com a noção de “seguir” (follow), ou seja, é possível seguir um perfil e passar a receber as suas atualizações, mas não ser seguido por ele. Uma alta quantidade de seguidores significa, então, uma maior popularidade na rede, pois as mensagens difundidas atingirão mais pessoas, podendo ser mais compartilhadas. Assim, os usuários começaram a criar estratégias para angariar seguidores e uma delas é o uso desse tipo de hashtag. O Instagram opera na mesma lógica assimétrica. Observando outras postagens feitas pelo usuário A (figura 18) foi possível perceber que ele quase sempre inclui essas hashtags. Geralmente, os comentários que os posts com esse tipo de hashtag recebem são realizados por usuários de diversos países, sempre com termos genéricos e elogiosos do tipo “linda foto”, “legal” etc. Na postagem em questão, por exemplo, podemos observar dois comentários. Em um deles, o usuário B diz “cool” (legal, em inglês) e, no outro, o usuário C escreveu emojis de “ok” e de fogo (que pode significar hot ou on fire, que seria um elogio ao autor da imagem como gostoso em português). É importante ressaltar que o artifício de usar hashtags que têm a intenção de angariar seguidores não é exclusivo daqueles que usaram as selfies no museu como atestação de presença. Ele também apareceu, de modo menos frequente, nas outras formas de apropriação das selfies que discutiremos adiante. Um dos grandes desafios para a comunicação mediada é a construção do contexto, pois ele “não é imediatamente dado. Ao contrário, precisa ser construído, reconstruído e recuperado a cada nova interação” (RECUERO, 2014a, p. 96). O contexto é formado por meio de “pistas” que os atores vão adicionando às suas falas. O post da usuária D (figura 18) é interessante, pois evidencia a importância da hashtag e da localização geográfica para a criação do contexto. Apenas pela selfie seria impossível afirmar que ela estava na exposição “Dja Guata Porã”, do MAR, pois a foto poderia ter sido feita em qualquer local. As hashtags #djaguataporã e #museudeartedorio e a localização geográfica são os elementos que permitem a formação do contexto, colaborando para a compreensão daquilo que está sendo dito. Se o usuário E não soubesse por outros meios que a selfie da usuária D se referia à exposição, ficaria difícil identificá-la sem as hashtags e, assim, perguntar a opinião dela sobre a mostra. Ainda que os atores estivessem apenas atestando a presença nas exposições, muitos não deixavam de ressaltar traços de sua personalidade ou de fazer afirmações sobre determinado tema que não tinha qualquer relação com a obra de arte que aparecia na selfie. 117

Essas menções apareceram sempre em formato de hashtag, como #gaypride (orgulho gay), #plussizegirl (garota plus size, uma afirmação de beleza fora dos padrões), #cacheados ou #curlyhair (afirmação sobre cabelos cacheados) etc. Na figura 19, o texto da legenda da postagem traz apenas a informação de que a usuária A estava na exposição "Yes! Nós temos biquíni". É pelas hashtags que a autora do post faz declarações de identidade ao escrever #transworld, #trans, #transwomen, #curlygirl, #curlyhair etc. A usuária A é a primeira travesti a presidir um órgão de defesa dos direitos dos gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros no país.

Figura 19 – Declarações de identidade por meio de hashtags

Nessas postagens, os comentários realizados tinham como objetivo dar apoio ao autor da imagem. Casais gays, por exemplo, recebiam como comentários emojis de coração e frases como “lindo casal”, “lindinhos”, “amor livre” etc. Na figura 19, percebemos esse suporte social nos comentários como corações e “linda demais”. O usuário B afirmou “que mulherão!!!”. Ao que a autora do post perguntou de maneira bem-humorada “da porra???”134, solicitando ainda mais apoio para o usuário B, que respondeu de forma positiva e bem enfática e ainda acrescentou o emoticon “<3”, que significa “coração”.

134 Mulherão da porra significa uma mulher que “impressiona pelo vigor da personalidade, pela inteligência e pela alegria com que vive, amparada em suas próprias opiniões e sentimentos. Disponível em: . Acesso em: 2 fev. 2018. 118

Era muito comum as postagens de atestação apresentarem ainda elementos de marcação de presença já tradicionais em plataformas digitais, como “bom dia”, “boa noite”, “boa semana”. Segundo Recuero (2014a), esses rituais são importantes, pois podem constituir-se na abertura de uma conversação com outros atores, o que observamos na análise do corpus. No caso da figura 20, com uma selfie tendo a obra “Sala de leitura estrelada” da exposição “Los Carpinteros” ao fundo, o usuário A não apenas desejou #boasemanaparatodos e “que o dia de vcs seja lindo”, como aproveitou o post para dizer algo sobre si mesmo, com as hashtags #homaodaporra, #uptownboy, #instaboy, #instabeard e #instabarbas. Percebe-se pelos comentários que a postagem suscitou diversas conversações. Alguns seguidores optaram por elogiar diretamente o autor da postagem, como “gatão!”, “o melhor” e “com essa imagem o meu já sendoo”. Já o usuário C teve a curiosidade de saber onde a foto foi produzida. Percebe-se que o usuário A, cuidadosamente, respondeu as mensagens destacadas individualmente. Para a usuária D, ele disse que estava com saudades (“Sds!”). Já com o usuário E, ele utilizou do humor para responder a um elogio, dizendo que só tem estilo e beleza (“blz”) está em falta.

Figura 20 – Rituais de marcação de presença

Ainda sobre o uso dos marcadores de presença, destacamos a postagem da figura 21. Como outros usuários, a autora do post se apropriou de um detalhe da arquitetura do CCBB RJ, no caso o piso em mármore, para fazer uma selfie de seus pés e desejar bom dia em sete línguas diferentes: português, espanhol, francês, inglês, alemão, italiano e turco. A imagem suscitou uma série de conversações com seus seguidores, que variaram de respostas de “bom 119

dia” a comentários sobre os sapatos e a grande quantidade de sapatos que ela possui, aos seus pés e à foto em si. No geral, as mensagens foram elogiosas e cheias de afeto, com emojis de coração, flores e beijos.

Figura 21 – Rituais de marcação de presença e arquitetura do museu

A atestação de presença por meio das selfies nas exposições também foi uma oportunidade para os atores revelarem algo sobre uma mudança (mesmo que temporária) na sua localização geográfica. Os casos mais comuns eram de pessoas que passaram a trabalhar ou morar no Centro, bairro que abriga o CCBBB RJ e o MAR. Outros amigos, então, aproveitavam a proximidade para solicitar encontros off-line para almoços, chopes etc. Na figura 22, temos algumas das conversações que surgiram a partir de três posts feitos em sequência pelo usuário A, cada um com uma selfie diferente no CCBB RJ. O rapaz, que mora nos Estados Unidos, anuncia para sua rede que está de volta ao país. Podemos 120

inferir essa informação pelo texto da legenda “Bouncing back from where I belong” (“Voltando para onde pertenço”, tradução nossa), pela marcação de lugar e pelas hashtags #ccbbrj e #riodejaneiro. A partir da postagem, vários seguidores manifestaram a vontade de se encontrar com ele e vice-versa, como, por exemplo, a interação que manteve com o usuário B que perguntou “que história é essa que tu tá no Brasil e eu não to sabendo?”. Ao que o usuário A respondeu que sim e já tentou combinar um encontro com “vamos nos ver!”.

Figura 22 – Usuário informa que está de volta ao país

Mesmo com a inclusão de elementos de contexto, ainda assim o usuário C perguntou se é uma foto antiga ou se o usuário A está mesmo no Brasil. Isso acontece porque nos sites de redes sociais é frequente os usuários relembrarem momentos importantes das suas vidas por meio do compartilhamento de imagens passadas. A marcação de localização geográfica nem sempre denota que o indivíduo está naquele lugar, mas que esteve e gostaria de voltar ou até mesmo nunca esteve135. Esse ato de lembrar uma situação marcante do passado ganhou uma hashtag específica #tbt (abreviação de throwback Thursday ou quinta-feira de voltar ao passado, tradução nossa) em que os usuários postam às quintas-feiras uma foto antiga, não necessariamente de algo que aconteceu nesse dia da semana. Seria uma hashtag trend conforme define Fallon (2014), algo que apareceu na nossa amostra com atores lembrando de exposições antigas que visitaram no CCBB RJ e no MAR.

135 O caso de uma miss venezuelana que posta fotos no banheiro de sua casa marcando locais diferentes chamou a atenção no Instagram. A jovem afirmou que a marcação de lugar é feita para que suas fotos fiquem entre as mais populares das regiões marcadas. Disponível em: . Acesso em: 12 jan. 2018. 121

Uma outra questão que podemos destacar do post do usuário A é o uso político da imagem (FONTCUBERTA, 2016; GUNTHERT, 2015c). Ao escrever as hashtags #foratemer e #diretasja, ele revelou a sua opinião sobre a situação política do país, demonstrando ser a favor da saída do presidente Michel Temer e da convocação de eleições diretas para a Presidência da República. Esse assunto foi um dos que mobilizaram os sites de redes sociais após o impeachment de Dilma Rousseff. A multimodalidade, outra característica das conversações nos sites de redes sociais (RECUERO, 2014a), também foi percebida na amostra selecionada. Geralmente, os atores utilizam diferentes ferramentas para a interação nos ambientes on-line e, de acordo com os usos que fazem delas, as conversas acabam migrando pelas plataformas. Em uma das conversações na postagem da figura 22, temos um exemplo da multimodalidade quando a interação com a usuária D deixa o âmbito público do espaço dos comentários do Instagram e passa ao âmbito privado no momento em que esta escreve “me add” (me adiciona, em inglês) e acrescenta o número do telefone celular, provavelmente se referindo à ferramenta de conversa instantânea Whatsapp. É interessante notar que a usuária D não teve pudor em divulgar publicamente seu número de celular. Ela poderia ter optado pelo envio de uma mensagem privada pelo próprio Instagram como forma de resguardar a informação. As selfies nos museus também foram usadas como símbolo de um dia agradável que os usuários tiveram e que incluiu a visita a esses espaços. Geralmente, essas postagens eram acompanhadas de uma legenda com os textos “dia lindo”, “dia ótimo”, “domingo maravilhoso” (figura 23). Esses atores podem ter feito várias atividades no transcorrer do dia, mas escolheram uma imagem de si no museu como a representação ideal dos momentos felizes que viveram naquela data.

Figura 23 – Selfies no museu usadas como símbolo de um dia agradável

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Nas atestações de presença também surgiu a noção do museu como local de conhecimento frequentado por pessoas cultas. Na figura 24, o usuário A perguntou junto com uma selfie no terraço do MAR: “alguém se cansa dessa paisagem?”. O fato de usar uma pergunta na legenda já demonstra que ele quer provocar conversações. Nas hashtags, além de termos relacionados ao que aparece na imagem, ele citou #calatrava, uma referência ao arquiteto espanhol Santiago Calatrava, autor do projeto do Museu do Amanhã. Em um dos comentários, a usuária B disse que o usuário A é muito “cult” e “aplaude” o amigo usando emojis. Por sua vez, o usuário A respondeu retribuindo o elogio ao dizer que a usuária B também é “cult”. A pergunta do autor da postagem foi respondida por dois seguidores. A usuária C, em francês, afirmou que ninguém se cansa da vista. Já o usuário D não só afirmou que ninguém se cansa daquela vista, como também manifesta saudade pelo amigo.

Figura 24 – Usuários se referem ao museu como espaço para pessoas cultas

Na postagem do usuário E e da usuária F (figura 24) são os próprios autores da imagem que fazem a relação com um o fato de serem cultos. O primeiro colocou na legenda “cultinhos”, seguido de várias hashtags como #arte, #cultura. E a usuária F, por sua vez, escreveu “esses cinéfilos chatos que só querem saber de sessão cult” e continuou nas hashtags #soquenão e #masdessavezfoicultsim, finalizando com #michelangeloantonioni, o que denota que ela esteve na mostra de filmes do cinesta italiano Michelangelo Antonioni. Na figura 25, o usuário A relacionou a importância de adquirir conhecimento com fotos de uma visita ao MAR. Nos comentários, percebemos que ele conseguiu, com sua postagem, despertar o interesse de algumas de suas conexões para um passeio no museu, como por exemplo, nas falas do usuário B (“me leva ai cara!”), do usuário C (“tmb vou, me chama”) e da usuária D (“Eiiii querooooooo”). 123

Figura 25 – Museu como o local do conhecimento

Em uma postagem com várias imagens de si e de seu filho no MAR, a usuária A (figura 26) divulga a exposição “Dja Guata Porã” e atesta sua presença, mostrando o quanto a visita foi culturalmente enriquecedora. Destacamos uma imagem em que ela parecia querer fundir a sua identidade com um elemento da cultura indígena. Na legenda, ela declarou seu apoio à cultura e a história do país com as hashtags #euvalorizoacultura, #históriadobrasil, #educação etc.

Figura 26 – Usuária ressalta traço da sua personalidade ao valorizar a cultura

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Dentro das atestações de presença, percebemos uma diferença entre os dois museus analisados. Existe uma percepção de que o MAR está mais atrelado ao turismo do que o CCBB RJ. Isso pode ser explicado, conforme observamos, pelo fato de o MAR estar localizado em um local que fez parte de um projeto de revitalização de uma área degradada, por onde os próprios moradores do Rio evitavam transitar, para se tornar um ponto turístico. No geral, os atores que alegavam estar “turistando” eram moradores da cidade (figura 27).

Figura 27 – “Turistando” na própria cidade

Essa diferença na percepção dos museus se refletiu nas hashtags mais utilizadas pelos atores em associação com aquelas que escolhemos para a construção da amostra: #ccbbrj e #museudeartedorio. No CCBB RJ, entre os termos mais usados juntamente com #ccbbrj, apareceram os nomes das exposições. Enquanto que, no MAR, os títulos das mostras não figuraram entre as hashtags mais populares. Houve uma preferência por referenciais de localização. As hashtags mais usadas em associação com #ccbbrj (2.361 aparições) foram: #ccbb (745), #loscarpinteros (593), #riodejaneiro (524), #art (347), #arte (311), #rj (272), #cultura (201), #errejota (186), exposição (180), #yesnostemosbiquini (163), #rio (890, #expo 125

(88), #objetovital (72) e exposição (70). Já no MAR, os termos que apareceram em maior número juntamente com #museudeartedorio (1.050 aparições) foram #riodejaneiro (495), #mar (358), #museudoamanha (181), #rj (178), #errejota (143), #pracamaua (142), #rio (109), #museu (90), #arte (78), #museum (77), #art (72), #brasil (56) e #brazil (53). A partir das postagens observadas nessa seção, mostramos como os atores sociais usam as selfies nos museus como uma maneira de informar que visitaram esses espaços, como também como um veículo de divulgação para a própria exposição. Mesmo nos posts que tinham a intenção de atestar a presença, percebemos o caráter polissêmico das mensagens. Por meio das imagens, das legendas, das hashtags ou dos comentários, eles iam revelando diferentes aspectos das suas identidades, provocando diferentes conversações e, com isso, produzindo reações e engajamentos, como comentários elogiosos, manifestações de apoio e afeto, solicitações de encontros pessoais fora dos ambientes on-line e estímulo à curiosidade. Foi possível perceber ainda que as interações, em geral, aconteciam entre usuários que já mantinham laços previamente construídos e, por meio delas, as relações eram fortalecidas.

3.2.2 Sentir e exprimir

Outra apropriação que pudemos observar a partir da amostra selecionada foi o uso das selfies para exprimir um sentimento por uma obra de arte específica ou pela exposição ou ainda a partir de algo que uma obra despertou naquele ator social. Também verificamos a expressão de carinho por alguém, sejam familiares ou amigos. De uma maneira geral, mais do que uma busca por visibilidade, popularidade, autoridade e reputação como um valor de capital social a ser desfrutado, verificamos que a intenção dessas postagens possui uma relação com o que Oliveira e Polivanov (2016) definiram como capital afetivo, ou seja, um desejo de compartilhar afetos com as suas conexões nos sites de redes sociais. Na figura 28, temos duas usuárias que relembram momentos marcantes das suas vidas proporcionados pelo encontro com a arte. Na primeira postagem, a usuária A relatou o dia em que teve a oportunidade de estar perto da pintura “Abaporu”, de Tarsila do Amaral, considerada a tela brasileira mais valorizada no mercado artístico. Propriedade do colecionador argentino Eduardo Constantini, ela fica exposta no Museu de Arte Latino- Americano de Buenos Aires (Malba), mas, durante a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, foi exibida no MAR. Na legenda, a usuária A deixou claro que não é afeita a selfies com obras 126

de arte, pelo fato de que a prática pode atrapalhar a contemplação de outros visitantes, mas cedeu à emoção de conhecer um de seus quadros favoritos. Diante da percepção negativa na sociedade acerca do ato de se retratar com obras de arte, o teor do texto soa como uma justificativa. Ela queria uma lembrança do momento em que esteve perto de uma de suas obras prediletas, mas como sabe que a prática pode ser mal vista, ela mesma começou a dar dicas de como fazer a selfie sem causar problemas. É importante ressaltar que a postagem da usuária A fez parte da hashtag trend #tbt, que, como explicamos, é usada para relembrar algo do passado. Já o post da usuária B refere-se à exposição “Obsessão Infinita”, de Yayoi Kusama, cujo sucesso nos sites de redes sociais despertou o desejo de realizar essa pesquisa. Acreditamos que essas declarações de amor à arte apareceriam mais se durante a construção da amostra os museus estivessem exibindo obras icônicas de artistas famosos.

Figura 28 – Usuárias declaram amor à arte

Outros atores se apropriavam de algum aspecto das exposições ou das obras de arte para expor um sentimento. A figura 29 mostra três postagens feitas por visitantes do CCBB RJ. Na primeira, o usuário A está dentro da obra “Sala de Leitura Estrelada” da exibição “Los Carpinteros”, que ficava exposta na rotunda do centro cultural. A selfie tirada de baixo para cima reflete a luz do céu que atravessa a claraboia. Para o autor, a imagem está relacionada com a esperança e “coisas boas a vir”. A segunda postagem realizada na mesma mostra apresenta o usuário B contemplando a obra, em uma postura parecida com a que convocou na legenda: “pare um minuto e veja a realidade se desfazer...ou se revelar”. O terceiro post foi feito a partir de fotografias da exposição “Yes! Nós temos biquíni” que questionavam sobre qual é o corpo de praia. A usuária C aproveitou, então, para expressar a sua opinião ao afirmar 127

“corpo bonito é aquele que tem uma pessoa feliz dentro”. Apesar de não ter autoria conhecida, essa frase vem sendo usada, especialmente, mas não exclusivamente, por movimentos feministas para contestar a “ditatura da magreza”, concepção de que para ser bela é preciso ser magra. Dessa forma, mais do que atestando presença nas exposições, esses atores estão expressando um sentimento a partir das selfies com as obras de arte. O fato de terem capturado a própria imagem nas exposições não impede que produzam reflexões a partir do que estavam vendo e sentindo. Por isso, argumentamos que aqueles que criticam o ato de produzir selfies por impossibilitar a fruição devem evitar as generalizações e perceber que existem diversas maneiras de se apropriar daquilo que uma obra de arte propõe.

Figura 29 – Expressão de sentimentos a partir das obras de arte

Uma selfie bastante comum foram aquelas que mostram o ator social em uma performance de contemplação (figuras 29 e 30). Na maioria das vezes, o indivíduo retratado aparece de costas olhando para a obra de arte e as imagens contêm legendas mais profundas e filosóficas, por vezes retiradas de poesias ou textos famosos. Esse é um dos casos em que não temos como saber como a selfie foi realizada. No entanto, como discutimos anteriormente, para a discussão pretendida nessa pesquisa, a forma como o ator social produziu a selfie não se mostra tão relevante quanto o desejo de se enquadrar, nesse caso específico, com objetos museais, e de compartilhar essa imagem de si em seus próprios perfis nos sites de redes sociais. Para Kozinets, Gretzel e Dinhopl (2017, on-line), a identidade comunicada por meio dessas imagens é mais introspectiva. “Essas postagens bonitas e contemplativas, onde os rostos são indistintos ou ausentes e as legendas procuram capturar e comunicar verdades 128

universais a um público potencialmente ilimitado, parecem passar longe do estereótipo existente da selfie superficial e narcisista”136.

Figura 30 – Performance de contemplação

Na amostra observada, percebemos que uma das obras que mais provocou os visitantes a expressar seus sentimentos foi “O que fazemos aqui?”, de Maurício Dias e Walter Riedweg, da exposição “Dentro” do MAR. Todas as vezes em que a instalação aparecia era retratada com uma selfeet, uma selfie dos pés, e as legendas e os comentários traziam reflexões sobre a vida, sobre a situação do país etc, e, claro, algumas brincadeiras que se aproximam mais da apropriação “Entreter e brincar” que abordaremos na próxima seção. Destacamos o post da usuária A que apresenta um trecho de um poema de Fernando Sabino (figura 31). Outra pessoa que escreveu um poema para acompanhar uma selfie em museu foi a usuária B (figura 31). O poema, que, na verdade, é uma adaptação feita por padre Antônio Damázio a partir de textos em prosa escritos por Clarice Lispector, aborda a questão da solidão. Foi curioso notar que a usuária B postou várias fotos suas no museu sempre sozinha. Em seu perfil, raras são as fotografias em que ela aparece. A quase totalidade das publicações contém imagens com frases de autoajuda inscritas. Em sua pesquisa, Gómez Cruz (2012) observou que uma das apropriações dos autorretratos digitais estava relacionada a uma forma de terapia psicossocial. As imagens de si surgiam como uma ferramenta de autoestima e

136 O texto em língua estangeira é: “these contemplative and beautiful posts, where faces are indistinct or absent and captions seek to capture and communicate universal truths to a potentially limitless audience, seem far from the extant stereotype of the superficial and narcissistic selfie”. 129

autoafirmação, tanto para questões relacionadas com a aceitação do corpo, quanto para lidar com situações difíceis pelas quais vivem nas suas vidas, como o término de relacionamentos.

Figura 31 – Obra de arte e poesia

As postagens em que os usuários expressavam seus sentimentos pela ou por meio da arte suscitaram conversações, em geral, a respeito das obras retratadas ou sobre o conteúdo das legendas. Por exemplo, no caso das obras, os comentários ou faziam elogios ou tinham um tom de lembrança, como “lindo quadro”, “também estive nessa exposição e gostei”. Já sobre o conteúdo das legendas, quando era composto por uma frase mais poética, os seguidores comentavam de forma a concordar com o que foi dito, respondendo: “verdade”, “tem razão”, “falou tudo”. Outra forma bastante recorrente de expressar sentimentos foi por meio de declarações de afeto a familiares e parentes, provocando reações carinhosas não somente dos indivíduos que foram o alvo da demonstração de amor, mas também de outros seguidores. Na figura 32, destacamos dois posts por ocasião do Dia dos Namorados. No primeiro, o usuário A usou uma selfie no CCBB RJ e escreveu uma mensagem de teor bastante pessoal publicizando para sua rede a felicidade de contar com a companhia da usuária B, que correspondeu com o mesmo tom pessoal. Na imagem, podemos perceber o comentário afetuoso do usuário C que afirmou amar o casal. Já a postagem do usuário D, além de expressar amor pela usuária E, 130

participou de uma brincadeira do CCBB RJ, que convocou os namorados a postarem uma foto naquele espaço cultural com a hashtag #namoradosnoccbbrj. A selfie foi compartilhada pelo perfil do CCBB RJ no Instagram. O estilo pouco usual da fotografia, que brinca com um ângulo diferente, chamou a atenção do usuário F, que respondeu com emojis de uma máquina fotográfica, fazendo referência à foto, e de palmas, ou seja, aplaudindo a foto.

Figura 32 – Namorados no CCBB RJ

Na figura 33, a usuária A aproveitou uma selfie realizada com o usuário B durante passeio no MAR para afirmar a importância daquela amizade para a sua vida. A exposição que ela fez do amigo acabou tornando-o visível para o usuário C, promovendo um reencontro entre os dois. Abaixo destacamos a postagem da usuária D que agradeceu às filhas pelo dia das mães desfrutado visitando museus. Uma delas respondeu e também se declarou à mãe, dizendo “amooo você” e inserindo emojis de coração. Outra forma de expressão de sentimento que foi bastante recorrente e que diferencia a percepção do público entre os museus analisados foram as declarações de amor ao CCBB RJ. Enquanto no MAR percebemos uma relação forte com o turismo, no CCBB RJ existe uma conexão afetiva estabelecida entre os visitantes e o centro cultural. Na figura 34, a usuária A agradeceu à amiga (usuária B) por ter apresentando o museu a ela. O CCBB RJ ganhou uma importância tão grande em sua vida que é comparável à sua própria casa. Já a usuária B, em seu perfil, definiu o local como seu “lugar favorito”. Outros usuários classificaram o centro cultural como um lugar “que faz mudar totalmente o rumo em meio à correria do dia a dia” e “que faz bem à alma”. Essas postagens também promoviam conversações sobre o CCBB RJ, com seguidores concordando e dizendo o quanto gostam de visitar o local. 131

Figura 33 – Declarações para amigos e filhos

Figura 34 – Declarações para o CCBB RJ

132

No post da usuária B (figura 34), não podemos deixar de notar o comentário do usuário C. Ele afirma que quer comentar, porém não pode e insere um emoji de “diabinho”. Provavelmente, o usuário pensou que aquilo que gostaria de escrever poderia ser mal interpretado pela usuária B ou por seus seguidores. O curioso é que ele não precisava ter feito comentário algum, mas o conteúdo do que escreveu juntamente com o emoji escolhido dão pistas sobre o que ele gostaria de ter comentado. A atitude do usuário C está relacionada à noção de polidez, uma importante característica das conversações nos sites de redes sociais (RECUERO, 2014a). A polidez seria um conjunto de estratégias de discurso usadas pelos atores para evitar confrontos e interpretações equivocadas nas interações nos ambientes on- line. As postagens analisadas nessa seção mostram como as selfies nos museus foram usadas como uma maneira de os atores sociais expressarem sua paixão pela arte e sentimentos que ela provoca, assim como afeto por pessoas queridas e até mesmo pelo CCBB RJ. Essas demonstrações se fazem importantes para as práticas de sociabilidade nas plataformas on-line, pois distanciam-se das noções de uso das selfies em museus como mero narcisismo e especularização do “eu”.

3.2.3 Entreter e brincar

A terceira forma de apropriação e uso das selfies que detectamos ao analisar as postagens está relacionada à interação com as obras de arte, em muitos casos ressignificando- as de forma a promover a diversão. A vontade de interagir com as obras foi algo bastante recorrente. Para Kozinets, Gretzel e Dinhopl (2017), esse comportamento não deve ser entendido apenas como um simples reflexo do self, transformando a arte em cenário para as fotos, como alguns que são a favor da crítica narcisista poderiam afirmar, mas como uma maneira de o ator inserir-se no contexto proporcionado pela obra. Na figura 35, selecionamos três postagens que indicam esse desejo de estabelecer uma interação com a obra. A usuária A ressaltou a possibilidade que teve de “entrar” na obra de Sérgio Sister, em exposição do MAR, e o gosto por um “museu que te deixa interagir”. Já a usuária C se colocou em posição de contemplação, mas não para expressar um sentimento por meio de uma poesia ou frase de valor universal, como discutimos na seção anterior, mas para fazer “pARTE” do quadro de Abraham Palatnik, exibido no CCBB RJ. O tom da sua blusa 133

listrada, inclusive, assemelhava-se às cores e à textura da obra, feitas com pedaços finos e coloridos de madeira justapostos. Essa selfie lembra o trabalho do fotógrafo Stefan Drachan que retrata visitantes de museus que combinam com obras de arte, seja pela vestimenta ou por seus aspectos físicos137. E ainda o perfil do Instagram @dressedtomatch que seleciona fotos de visitantes de museus postadas nesse SRS em que as estampas de suas roupas se parecem com pinturas138.

Figura 35 – Desejo de interagir com as obras de arte

As normas dos museus que impedem que as pessoas interajam com as obras também apareceu em selfies com teor crítico. Na figura 36, a usuária A está retratada em uma selfie fingindo tocar instrumentos que compõem uma obra da mostra “Los Carpinteros”. Na legenda, ela reproduziu uma das frases mais pronunciadas por seguranças de museus (“não pode mexer”) para, em seguida, dizer: “gente chata”. Provavelmente uma resposta a uma repreensão sofrida. Já o usuário B retratou uma placa indicando que é proibido pisar no local onde estão seus pés. A obra “Estantería II”, da mostra “Los Carpinteros”, que aparece no post da usuária B (figura 35), foi uma das mais que sofreram intervenções dos visitantes durante o período da pesquisa, conforme podemos observar na figura 37. Percebe-se que a criatividade dos

137 Disponível em: . Acesso em: 15 dez. 2017.

138 Disponível em: . Acesso em: 15 dez. 2017. 134

usuários A e B foi reconhecida por outros usuários com comentários como “Eu AMEY essa foto”, “criativo” e “einstein”.

Figura 36 – Postagens ressaltam normas de comportamento do museu

Figura 37 – Usuários interagem com a obra “Estantería II”

135

Segundo Kozinets, Gretzel e Dinhopl (2017), existe uma predileção dos visitantes de museus em produzir imagens divertidas, em que a pessoa interage fazendo uma expressão facial ou corporal que tenha a ver ou não com o contexto da obra de arte. Geralmente, essas fotos são acompanhadas de legendas espirituosas e engraçadas. Esse tipo de performance, de acordo com os autores, acrescenta um caráter único e individual à selfie e aumenta seu valor nas redes sociais para receber curtidas e comentários. Na figura 38, temos diversas apropriações diferentes das obras, todas tendo o humor como característica em comum. Na primeira postagem, a usuária A se colocou em frente à obra “Constelação de Tião”, de Alexandre Sequeira, uma coleção de imagens de moradores do Morro da Providência dispostas em monóculos. Mas ela brincou escrevendo na legenda: “tentando achar a luz no fim do túnel”. A postagem serviu para atiçar a curiosidade do usuário B que disse querer muito ver a exposição. Já para o usuário C, o que chamou a atenção na selfie foi a tatuagem. A usuária A respondeu atenciosamente os comentários. Ao usuário C, ela revelou que fez a tatuagem em Macapá e ainda marcou o tatuador, dando visibilidade a esse profissional. Já o usuário D se transformou no sexto elemento da obra “Stripencores”, de Nelson Leirner, exposta na mostra “Yes! Nós temos biquíni”, uma brincadeira que rendeu nos comentários, com elogios à foto e risadas. O usuário E mencionou a personagem Paola Bracho, a vilã da novela mexicana “A Usurpadora”. Pressupomos que ambos os usuários possuem certa intimidade entre si e que o usuário D vai compreender o contexto da referência trazida pelo amigo. Por sua vez, a usuária F fez uma selfie de seus pés próximo às baterias derretidas da exposição “Los Carpinteros”, mas dando a impressão que ela havia entornado aquele “líquido” no chão. O usuário G entrou na brincadeira dizendo “cuidado para não sujar os sapatos”. Por último, o usuário H experimentou uma das vestes da obra interativa “Novos costumes”, da exposição “Lugares o delírio”, que abordava a temática da loucura. Para o usuário H, aquela imagem poderia ser uma capa de álbum da cantora Lady Gaga, conhecida por usar roupas inusitadas. Já a usuária I se lembrou da cantora Sia. O usuário J apenas elogiou com uma gíria atual: “Plena”.

136

Figura 38 – Humor nas performances com as obras de arte

Também foram recorrentes na apropriação “Entreter e brincar”, imagens de si em instalações criadas para produzir uma maior interação dos visitantes com as obras. Conforme discutimos no capítulo 1, percebendo um desejo maior do público na interatividade, os museus vêm abusando de recursos lúdicos e multissensoriais para promover essa relação com seus frequentadores. De acordo com Pieter Tjabbes (PORTO, 2012), curador de exposições que alcançaram enorme sucesso, como “O Mundo Mágico de Escher” e “Mondrian e o movimento De Stijl”, ambas realizadas no CCBB RJ, os museus devem investir em recursos para que as pessoas se sintam conectadas e envolvidas mais facilmente com o que está sendo exibido. Segundo ele, a partir de seções lúdicas e interativas, que se comunicam mais com os visitantes, é possível atingir novos públicos. Na exposição “Yes! Nós temos biquíni”, havia uma instalação que reproduzia uma praia dentro do museu, por meio de uma projeção do movimento das ondas. Muitos visitantes se sentiram tão à vontade que chegaram a se deitar no chão para fazer selfies como se estivessem à beira-mar (figura 39).

137

Figura 39 – Visitantes aproveitam praia virtual do CCBB RJ

O tom de brincadeira não era promovido apenas pelos autores das imagens. Verificamos que, mesmo em fotos que não tinham a intenção inicial de incentivar a brincadeira, os amigos dos atores retratados, a partir dos comentários, mudavam o sentido da conversação pretendido com a postagem, conforme podemos observar na figura 40. O usuário A fez uma postagem de atestação de presença, mas o comentário da usuária B “olha a bundinha dele kkkk” deu o tom para as conversações que se seguiram. O post da usuária F também tinha a intenção de mostrar que ela esteve presente na exposição “Los Carpinteros”, mas um detalhe que não tem relação alguma com a obra chamou a atenção da usuária G, que ainda incluiu a usuária H na brincadeira sobre a panturrilha da amiga. Já a selfie da usuária I com uma frase da canção de Paulinho da Viola, exposta na Galeria de Valores do CCBB RJ, rendeu comentário bem-humorado por parte do usuário J sobre o possível odor ruim dos pés dela. Por último, a usuária M fez uma certificação de presença diante de uma obra da exposição “Los Carpinteros” em que as fases da lua estão impressas em quatro violões. Contudo, o que o usuário N viu foi uma relação do corpo da usuária M com o formato de um violão ao citar trecho da música “Pelados em Santos”, do grupo Mamomas Assassinas. É possível perceber que essas brincadeiras aconteceram entre atores que possuem certo nível de intimidade, tanto que os autores das imagens levaram na esportiva, sem demonstrar, pelo menos nos comentários, algum tipo de ressentimento.

138

Figura 40 – Comentários dos usuários dão o tom para a conversação sobre as selfies

Assim, buscamos apresentar neste capítulo três formas de apropriação e uso mais recorrentes das selfies observadas no CCBB RJ e no MAR e postadas no Instagram, no período assinalado. O objetivo não foi categorizar essas formas de se relacionar com as imagens e os tipos de interação e comunicação que elas possibilitam, mas agrupá-las de maneira a proporcionar uma melhor compreensão sobre as conversações provocadas a partir da performance das imagens de si. Nesse sentido, observamos que os atores costumam informar aos seus seguidores que fizeram parte daquela experiência museal e que as imagens funcionam como uma divulgação para as exposições. Também verificamos que os usuários expressam sentimentos pela e por meio das obras de arte, assim como usam as imagens de si nesses espaços culturais para declararem afeto por pessoas queridas. Por fim, percebemos que as selfies em museus também são ressignificadas e se transformam em entretenimento para conversações. O que se depreende dessa discussão, finalmente, é que essas formas de apropriações e usos das imagens apontam para uma experiência de conectividade que, ao mesmo tempo que amplia a experiência da imagem e suas funções, assume também um caráter de diálogo que favorece não apenas a comunicação entre sujeitos, mas entre estes e elementos da cultura 139

e da atualidade, como as tecnologias digitais e espaços sociais como o museu, permitindo inclusive sua ressignificação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A selfie se tornou uma das principais formas de autorrepresentação contemporânea. Quando acessamos os sites de redes sociais, vemos selfies de nossos amigos e pessoas que seguimos nos mais variados locais e situações, seja em casa, no trabalho, na escola, na academia e em shows, confraternizações familiares, viagens, restaurantes, banheiros, elevadores etc. Nessa pesquisa, voltamos nosso olhar para as imagens de si que são realizadas em museus. O interesse por esse objeto em particular decorre do fato de que a selfie em espaços culturais envolve, além das questões próprias à autorrepresentação visual e às práticas de produção e de circulação das fotografias no contexto dos ambientes digitais, as formas de experiência com as obras de arte. É importante ressaltar que, enquanto as fotografias dos frequentadores de museus se tornaram um elemento importante da visita e figuram cada vez mais nas plataformas on-line, são poucos os estudiosos que se dedicam a investigar seus usos e apropriações. Após revisão bibliográfica, constatamos, na literatura sobre a selfie, uma corrente, formada especialmente, mas não exclusivamente, por autores da área da psicologia, da psiquiatria e da comunicação (FOX; ROONEY, 2015; GALINDO, 2014; PERSICHETTI, 2013; WEISER, 2015), que corrobora os argumentos usados pela mídia para desqualificar esse tipo de imagem. Esses estudos compreendem o fenômeno sob uma perspectiva patológica e da espetacularização, ou seja, a selfie seria uma forma de narcisismo e de exibicionismo do “eu”. Suas principais premissas, conforme observamos, estão em consonância com uma série de autores que estudam as dinâmicas identitárias na internet a partir da lógica da sociedade do espetáculo (BRUNO, 2004; SIBILIA, 2016). Além das críticas envolvendo às formas de autorrepresentação contemporânea, a selfie no contexto do museu desperta ainda as controvérsias acerca da produção de fotografias com as obras de arte. A prática já era rejeitada por aqueles que acreditam que a única forma legítima de se apropriar dos objetos museais é por meio da análise de seus aspectos formais e técnicos. Dessa forma, ao fotografar um quadro ou uma escultura, o visitante estaria prejudicando a fruição e atrapalhando a experiência de outros frequentadores. Colocar-se de costas para uma obra, como acontece com as selfies, seria então uma heresia. Por se constituir como uma prática criada pelos usuários da internet, a selfie também provoca tensões entre a cultura popular e a cultura da elite. Esses “entrechoques”, segundo 141

Jesús Matin-Barbero (2015), são próprios do momento em que vivemos, ou seja, de uma “sociedade em mutação”, que passa de uma situação em que poucos detinham o poder de fala para uma situação de “fala social ampliada”, cujo recurso mais importante é a informação gerada pelos atores sociais. Essa sociedade em mutação faz com que os produtos da cultura popular devam ser entendidos sob a perspectiva das culturas bastardas, definida por Omar Rincón (2016) como aquelas caracterizadas pelos mais diversos referentes estéticos e narrativos e cujo protagonista é o cidadão celebrity, aquele quer se tornar visível para a sua comunidade. Constituída como uma prática proveniente do popular, a selfie subverte a elitização da experiência com a arte, pois representa não só uma reprodução técnica da obra, mas a inserção do corpo do ator social na representação da obra. Seu compartilhamento nos sites de redes sociais aponta para novos tipos de experiência da imagem como prática comunicativa, pois complexifica suas funções tradicionais de registro, documentação e de produção de memórias e de narrativas. A partir das reflexões de Gómez Cruz (2012) e André Gunthert (2015c) sobre as mudanças nas funções sociais da fotografia, reivindicamos que a selfie deve ser entendida como uma “imagem conectada”, ou seja, como um objeto comunicativo dirigido ao outro, que estabelece nova formas de representação dos atores sociais e que atua como mediador das interações nos ambientes digitais. Nesse sentido, alguns autores começaram a olhar para as imagens de si em seus contextos e encontraram diferentes usos e apropriações (BURNESS, 2016; FROSH, 2015; KOZINETS; DINHOPL; GRETZEL, 2017, JUNGERSON, 2014; WARFIELD, 2014). Essa corrente se difere daquela que aposta na selfie como uma ferramenta a serviço do narcisismo e da espetacularização do “eu”. Com base em estudos de performance, os pesquisadores afirmam que as selfies possuem propriedades conversacionais, pois se constituem como um ato de fala e uma forma legítima de os atores sociais construírem as suas narrativas de identidade nos ambientes digitais. Diante desse contexto, observamos as sociabilidades mediadas pela imagem conectada a partir das selfies realizadas no CCBB RJ e no MAR e postadas no Instagram com as hashtags #ccbbrj e #museudeartedorio. Após um mapeamento preliminar, analisamos apenas as postagens que continham selfies e verificamos três dinâmicas apropriativas mais recorrentes. O objetivo não foi categorizar essas formas de se relacionar com as imagens, mas agrupá-las de maneira a proporcionar uma melhor compreensão do fenômeno. Ao longo da 142

análise das postagens, fomos ponderando as interações empreendidas pelos atores a partir do contexto proporcionado pelas fotografias. Foi curioso notar que, mesmo sendo museus com características distintas, as dinâmicas apropriativas que emergiram nas postagens sobre o CCBB RJ e o MAR foram semelhantes. Notamos apenas uma diferença com relação à percepção que os frequentadores têm desses espaços. No MAR, a relação entre os visitantes era mais fria e estava direcionada a um passeio em um ponto turístico como qualquer outro. Já o CCBB RJ possui uma relação afetiva com os frequentadores. A primeira dinâmica apropriativa, que denominamos de “Informar e atestar”, refere-se às postagens em que os atores sociais tinham a intenção de usar as selfies nos museus para divulgar as exposições e/ou as obras de arte e para atestar a sua presença naquele evento cultural. Alguns usuários faziam seus posts como se fossem mini reportagens, com informações detalhadas sobre as mostras e o que poderia ser visto. Acreditamos que o objetivo dos autores dessas postagens, no geral, era a negociação de autoridade, popularidade e visibilidade como valores de capital social. Argumentamos que a inscrição do corpo na imagem confere à publicação um caráter próximo ao do crítico de arte, pois não se trata de uma mera divulgação, mas de uma comprovação de uma experiência que merece ser compartilhada com a rede. Em outros casos, ainda que não trouxessem nenhuma informação específica sobre a exposição, as postagens acabavam servindo para esse propósito, conforme observamos nas interações pelos comentários. Dessa forma, o corpo na imagem foi o elemento que tornou possível para os seguidores compreenderem que as exposições estavam abertas para visitação e fazerem perguntas sobre as mesmas. As postagens de atestação de presença, a princípio, poderiam significar uma simples demonstração da certificação de uma experiência. No entanto, verificamos o caráter polissêmico dessas mensagens. Primeiro percebemos o uso da selfie por atores que estão em busca de popularidade na rede, ao inserir nas legendas hashtags como #followforfollow, que têm como objetivo principal a conquista de seguidores. Depois, constatamos também que, por meio das legendas, das hashtags e dos comentários, os atores sociais iam revelando os mais variados aspectos das suas identidades e, dessa forma, provocando diferentes conversações. Os engajamentos foram construídos a partir de comentários elogiosos, de manifestações de apoio e afeto, de solicitações de encontros pessoais fora dos ambientes on-line, entre outros. A segunda dinâmica apropriativa, intitulada “Sentir e exprimir”, diz respeito às expressões de sentimentos por e pela arte e por pessoas queridas. Alguns atores publicaram 143

selfies relatando a emoção de terem conhecido determinada obra de arte. Outros se aproveitavam do contexto proporcionado pela obra para expressar um sentimento ou uma opinião. Já alguns usuários se mostravam em uma pose de contemplação para com a obra e escreviam textos mais filosóficos, como um convite à reflexão. As interações a partir dessas postagens eram no sentido do elogio à obra ou de concordância com o que estava sendo dito. Outra maneira de expressar os sentimentos foi por declarações de amor a familiares e amigos, que, geralmente, estavam retratados nas selfies. Essas postagens provocavam reações carinhosas por parte daqueles aos quais as manifestações de afeto estavam dirigidas, mas também de outros seguidores que se emocionavam com as mensagens. Argumentamos que essa forma de se apropriar das selfies está relacionada com o que Oliveira e Polivanov (2016) definem como capital afetivo, ou seja, uma demonstração de afeto pelas conexões nos sites de redes sociais. A terceira dinâmica apropriativa, designada como “Entreter e brincar”, refere-se à interação dos atores com as obras, mudando seu sentido original e abrindo a possibilidade para conversações baseadas em brincadeiras. Essa apropriação demonstra a vontade de se inserir no contexto da obra e um olhar atento para o que ela pode proporcionar. Geralmente, as selfies retratam os atores em poses divertidas e performáticas e as legendas trazem textos espirituosos, irônicos e engraçados. Percebemos ainda que, embora algumas postagens não tivessem o divertimento como propósito, os comentários mudavam o sentido pretendido e davam o tom para as conversações. As sociabilidades observadas a partir dos usos e apropriações das selfies problematizam as teorias sobre narcisismo e exibicionismo como únicas formas de abordar e compreender esse fenômeno de autorrepresentação contemporânea. A própria concepção de imagem conectada já contribui para desconstruir essas afirmações. Narciso era aquele que contemplava a própria imagem, uma imagem da qual ele próprio era o destinatário. No momento em que as fotografias são feitas para serem vistas e para mediar as relações com o outro, essa conexão com o narcisismo enfraquece. Analisadas dentro de uma combinação de elementos que ampliavam a sua significação e formavam o contexto, as postagens revelaram as diferentes maneiras que os atores sociais utilizam as selfies realizadas no CCBB RJ e no MAR na construção de suas performances conversacionais, produzindo diferentes interações com suas conexões no Instagram. Dessa forma, as dinâmicas apropriativas das selfies e as conversações empreendidas a partir delas apontam para uma experiência de conectividade que amplia a experiência da imagem e suas 144

funções, assumindo um caráter dialógico com os atores sociais, com os elementos da cultura e do nosso tempo. Não se pode deixar de ressaltar que as escolhas feitas para a análise do fenômeno excluem determinados públicos como, por exemplo, não usuários do site de rede social Instagram que podem também estar produzindo e compartilhando selfies em museus em outras plataformas e, consequentemente, criando outras dinâmicas apropriativas e formas de conversação a partir de características próprias dessas redes. Da mesma forma, estamos conscientes de que a opção pelo CCBB RJ e pelo MAR também trouxe resultados que poderiam ser diferentes caso a investigação fosse realizada em outro espaço cultural. As discussões realizadas nessa pesquisa mostram como existe um vasto campo a ser explorado em relação às funções sociais da fotografia no contexto dos ambientes digitais. Essa investigação focou em apenas uma das temáticas possíveis: a prática da autorrepresentação no âmbito dos museus. Acreditamos que a investigação trouxe novos elementos para a compreensão sobre as dinâmicas envolvendo a imagem, a tecnologia e a sociedade, contribuindo para os estudos de sociabilidade mediada pelas tecnologias de informação e comunicação na atualidade.

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APÊNDICE A - Entrevista com André Luiz Giancotti, gerente de Comunicação do CCBB RJ

1) Como o CCBB RJ lidou com o aumento no uso de câmeras fotográficas em suas galerias? Vocês acreditam que a fotografia se tornou uma parte importante da visita aos espaços culturais?

Giancotti: Nos últimos anos, algumas curadorias das exposições têm autorizado o registro de fotografias dentro das galerias. Para outras, que trazem acervos mais raros, com direito de imagens restritos, há a proibição de fotografias. Ao CCBB, cabe o papel de respeitar as curadorias e os contratos assinados com as produções. Não temos como avaliar se a fotografia se tornou uma parte importante da visita aos espaços, pois a arte é algo subjetivo para cada visitante.

2) Na última década, percebeu-se que os visitantes não fotogravavam apenas as obras de arte, mas têm feito fotografias de si mesmos com as obras de arte, as chamadas selfies. Como esse desejo de se fotografar com objetos museais tem sido percebido pelo CCBB RJ?

Giancotti: Não temos como avaliar.

3) Até que ponto a fotografia dos visitantes – em especial as selfies – tem influenciado a curadoria das exposições no CCBB RJ? A instituição evita exposições em que a produção de fotografia não seria permitida? É considerada a influência que determinada mostra obteve nas redes sociais (Ex.: se a mostra gerou um fluxo grande de fotografias nas redes sociais quando foi realizada em outros países)?

Giancotti: O processo de seleção de projetos do CCBB, realizado via edital, leva em consideração apenas os critérios listados abaixo:

Critérios do Eixo Curatorial 2017-2018

8.2.1.1 - Inovação: o projeto apresenta novidade na abordagem, no conceito e/ou na execução.

8.2.1.2 - Originalidade: o projeto é inusitado, criativo e apresenta características singulares. 159

8.2.1.3 - Brasilidade: o projeto apresenta características que identificam de forma peculiar e individualizada a cultura brasileira, o sentimento de afinidade ou de valorização do Brasil.

8.2.1.4 - Memória cultural: o projeto refere-se a efeméride, fato histórico, manifestação tradicional e/ou folclore.

8.2.1.5 - Abrangência de público: o projeto atende a diferentes pessoas com diferentes faixas de renda, idade, gêneros, possuindo acessibilidade para as diferentes deficiências, seja visual, auditiva, motora, mental ou intelectual etc.).

8.2.1.6 - Fomento a novos talentos: o projeto fomenta novos talentos e artistas em ascensão, valoriza a nova produção cultural no cenário nacional e internacional.

8.2.1.7 - Relevância Conceitual e Temática: o projeto está contextualizado em relação a temática e possui a capacidade de disseminar o conhecimento e multiplicar ideias.

8.2.1.8 - Experiência: o projeto permite que o conteúdo seja experimentado de diferentes formas.

8.2.1.9 - Ficha Técnica: o projeto possui ficha técnica qualificada para execução da proposta.

8.2.1.10 - Os projetos inscritos para a Área de Ideias, para qualquer um dos Segmentos, que tiverem foco nos seguintes temas, ética, potencial humano, sustentabilidade e inovação, terão prioridade na análise e na seleção.

4) Em que medida as fotografias que os visitantes produzem nas atividades promovidas pelo CCBB RJ - em especial as exposições - e compartilham nos sites de redes sociais colaboram para aumentar o número de frequentadores da instituição?

Giancotti: Sabemos que as redes sociais têm sido uma importante ferramenta de divulgação para as instituições culturais, porém não temos como mensurar os dados da pergunta.

5) É possível perceber que, em grande parte das exposições de artes visuais realizadas pelo CCBB RJ, são disponibilizadas instalações próprias para que os visitantes possam se fotografar. Por que a instituição disponibiliza esse tipo de instalação para o público?

Giancotti: As exposições mais interativas facilitam o entendimento da arte e atraem público. A decisão e criação destes espaços interativos, que acabam sendo muito usados pelos 160

visitantes para selfies, são decisões das curadorias de cada exposição, sem interferência deste CCBB. Em algumas exposições em que há proibição de registro fotográfico dentro das galerias, esses espaços acabam sendo usados como forma de registrar a sua visita ao CCBB.

6) A fotografia dos visitantes é usada como ferramenta de comunicação pelo CCBB RJ? Faz parte da política de comunicação da instituição fomentar a produção de fotografias e a difusão delas nas redes sociais?

Giancotti: Não faz parte da política do CCBB fomentar a produção de fotografias. As redes sociais, principalmente as que carregam a fotografia como suporte principal, acabam sendo um canal para que o público divulgue a sua visita aos espaços culturais. O CCBB tem como prática o compartilhamento de conteúdo relevante, sejam fotos de visitantes ou depoimentos, que agreguem à divulgação da exposição.

7) Em 26 de julho de 2017, o perfil do CCBB RJ no Instagram migrou para o perfil Banco do Brasil, que abrange ações realizadas pelo banco em outras áreas, como esportes e ação social. Qual foi a razão para essa mudança?

Giancotti: A migração aconteceu apenas no Instagram, dentro da estratégia adotada pela Diretoria de Marketing do Banco do Brasil.