Portugués (Pdf)
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
Polis, Revista Latinoamericana, Volumen 15, Nº 44, 2016, p. 415-433 A revolta dos insubmissos no jogo das manifestações de rua no Brasil Francisco Uribam Xavier de Holanda Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil. Email: [email protected] Resumo: O presente artigo é um olhar reflexivo, construído no calor da conjuntura, é um relato que registra impressões, nuanças e diálogos em torno das mobilizações de ruas que surpreenderam o Brasil e o mundo. Os protestos de junho de 2013 no país podem ser abordados por múltiplos olhares e interpretados por diferentes matrizes teóricas. Porém, minha opção foi pela construção de uma leitura crítica ao modo de produção e administração capitalista no país e pela defesa da construção de alternativas emancipatórias. A reflexão aborda as origens das mobilizações, suas características e conquistas, a violência nas ruas, a privatização da política e a crise de representatividade do sistema político; e, por último, as conclusões focadas no esgotamento do modelo neodesenvolvimentista dos governos petistas. Palavras chaves: manifestações de rua, insubmissos, partidos políticos e neodesenvolvimentismo. The uprising of the submissives within street demonstrations in Brazil Abstract: This article is a thoughtful view uprising from the heat of current events, it is a report on impressions, nuance and dialogues inspired by street upheavals that took Brazil and the world by surprise. The 2013’s protests in the country can be approached from multiple views and interpreted according to different theoretical arrays; the article’s choice, however, fell on the building up of a critical reading directed towards the means of production and the capitalistic management of the country, besides proposing a model bearing emancipating-inspired alternatives. The analysis approaches the origin of the mobilizations, their characteristics and conquests, street violence, privatization of politics and the representation crisis of the political system; finally, it presents conclusions focused on the exhaustion of the neo-development inspire model proposed by the leaders of the Workers’ Party. Keywords: Street demonstrations, rebels, political parties, neodevelopment La revuelta de los insumisos en el juego de las manifestaciones callejeras en Brasil Resumen: El presente artículo es una mirada reflexiva, construida al calor de la coyuntura, es un relato que registra impresiones, giros y diálogos en torno de las movilizaciones de calle que sorprendieron a Brasil y al mundo. Las protestas de junio de 2013 en el país pueden ser abordadas desde múltiples miradas e interpre- tadas desde diferentes matrices teóricas. Sin embargo, mi opción fue la construcción de una lectura crítica del modo de producción y administración capitalista en el país 415 Polis, Revista Latinoamericana, Volumen 15, Nº 44, 2016 y la defensa de la construcción de alternativas emancipadoras. La reflexión aborda los orígenes de las movilizaciones, sus características y conquistas, la violencia en las calles, la privatización de la política y la crisis de representatividad del sistema político; y, por último, las conclusiones se centran en el agotamiento del modelo neo desarrollista de los gobiernos petistas. Palabras clave: Manifestaciones de calle, insumisos, partidos políti- cos; neo-desarrollismo. * * * “A história não é nada senão a atividade dos homens perseguindo seus objetivos” Karl Marx – 1847 – A Miséria da Filosofia. Nós fazemos nossa história1 O PT, na ânsia de garantir de forma confortável a reeleição de Dilma, fechou um acordo com o PMDB, ao qual caberia o comando da Câmara e do Senado nos dois últimos anos [2013 e 2014] de governo da presidente. Por esse acordo, o presidente da Câmara dos Deputados passou a ser o deputado Henrique Alves [PMDB-RN], e do Senado, Renan Calheiros [PMDB– AL]; as duas casas legislativas passaram a ser comandadas pelo PMDB, que indicou para os cargos parlamentares acusados de envolvimento em casos de corrupção. Como desdobramento desse acordo, durante as negociações no Congresso Nacional, o PT e o PMDB cederam suas vagas na Comissão de Direitos Humanos e Minoria para o Partido Social Cristão - PSC, que indicou para ocupar as vagas pastores evangéli- cos. Como corolário dessas articulações, no dia 7 de março de 2013, em seção polêmica e a portas fechadas, o pastor Marco Feliciano [PSC – SP] foi eleito com 11 votos para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Marco Feliciano foi e é criticado por emitir e defender declarações tidas como homofóbicas, racistas, e por alimentar o fundamentalismo reli- gioso. Além disso, foi denunciado junto ao Ministério Público, desde 2009, acusado de crime de estelionato por ter recebido 13 mil reais para ministrar um culto religioso ao qual não compareceu. Feliciano é um dos defensores do polêmico projeto de Cura Gay, que define a homossexualidade como doença. É a partir desse momento que se iniciam as mobilizações de protestos nas ruas do Brasil. Uma onda de protestos, articulados em redes sociais, contra a permanência de Feliciano na Comissão dos Direitos Humanos, contra a homofobia e o fundamentalismo religioso, tomou conta, no dia 9 de março, das ruas do Rio de Janeiro, Salvador, Feira de Santana [BA], Fortaleza, Juiz de Fora [MG], Uberlândia [MG], Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Brasília, extrapolando as fronteiras com protestos de brasileiros em Londres e Bue- nos Aires. Tratava-se de mobilizações nas quais cada um tornava-se sujeito político do processo, do ato de convidar ou replicar o convite em sua rede 416 Francisco Uribam Xavier de Holanda social, de fazer seu cartaz, inventando suas palavras de ordem, e de articular o metabolismo de conexão entre rede-rua para fazer uma catarse coletiva de suas aflições e protestar contra as várias formas de violações dos direitos humanos. Nesse momento, não aparece à ojeriza aos partidos, mas a bandeira de que Feliciano e o Congresso não representam o povo em movimento é colocada de forma clara. Numa manifestação de rua, no dia 13 de março, uma jovem carregava um cartaz que dizia: “estamos decepcionados com a forma de governar e a forma de decidir quem vai governar”. Ao abrir mão de bandeiras históricas e contemporâneas, promovendo a visibilidade e a ação de setores evangélicos e ruralistas em cargos chave do parlamento, o PT acabou contribuindo para introdução de uma agenda conservadora no país, com retrocessos em relação à política de reforma agrária, à garantia da demarcação das terras indígenas e quilombolas , além de uma agressiva pressão para retirar do Ministério Público os seus pode- res de investigar casos de corrupção [PEC 37]. Com parte dos movimentos sociais [MST, CONTAG, UNE, CUT] cooptados pelo governo, novos movimentos2 e a sociedade, conectados em redes sociais, foram assumindo as antigas e novas causas que, por sua polêmica e conflitos com os interesses dos ruralistas e do moralismo conservador dos evangélicos [como legalização do aborto, legalização da maconha, políticas contra a homofobia, garantia da demarcação das terras indígenas e quilombolas, contra o fundamentalismo religioso], causas e bandeiras que o governo petista abandonou ou vem se recusando a enfrentar para não entrar em choque com os seus aliados. Os novos atores políticos em cena são gays, indíge- nas, camponeses, ambientalistas, feministas, ativistas digitais, ativistas da luta antimanicomial, ativista pela liberação da maconha, sem-teto, ativistas pelo transporte público, torcida organizada [os pirangueiros] e outros agrupamentos sociais que formam o que alguns estudiosos chamam de subclasse do proletariado ou precariado. Vem pra rua vem No dia 6 de junho, juntaram-se aos movimentos iniciados em março mobilizações de protesto contra o aumento de passagens em sete capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Goiânia, Natal e Maceió. O uso ostensivo da repressão policial em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro alimentou um clima de revolta e expansão do movimento até então tratado como algo localizado e pontual. Outro sinal veio no dia 15 de junho, durante a abertura da Copa das Confederações, no Estádio Mané Garricha, em Brasília, quando a presidente Dilma Rousseff foi vaiada fortemente por três vezes. Logo em seguida, durante os dias 17 a 20, o que vinha fermentando desde março explode e assusta. No dia 20 de junho, os protestos se esparramaram pelo país, manifestações foram registradas nas ruas do Rio de Janeiro [300 mil]; São Paulo [110 mil]; Brasília [30 mil]; Belo Horizonte [50 mil];, Curitiba [ 3 mil]; Porto Alegre [ 10 mil]; Salvador [ 15 mil] ; Fortaleza [ 30 mil]; Manaus [ 60 417 Polis, Revista Latinoamericana, Volumen 15, Nº 44, 2016 mil]; Vitória [60 mil]; Campina – SP [33 mil]; Campo Grande[35 mil]; Cuibá [33mil]; Maceió [10 mil]; Ribeirão Preto– SP [25 mil]; João Pessoa [22mil]; Florianópolis [21 mil];Porto Velho [20 mil]; Uberlândia– MG [20 mil]; São José dos Campos –SP [20 mil]; Belém [15 mil], Campina Grande – PB [15 mil]; Natal [15 mil]; Palmas [10 mil]; Teresina [15 mil]; Londrina– PR [ 2 mil]; Santa Catarina [50 mil]; muitas manifestações em cidades menores não foram re- gistradas pelos jornais [Fonte: jornal O Povo, 20.6.2013] As vozes e corpos nas ruas se rebelaram contra tudo, contra a privatização da política, contra a falência do sistema de representação. As multidões foram as ruas para representar elas mesmas, para mostrar seu descontentamento numa ação de reinvenção da política. Trata-se de um momento em que o novo surge surpreendendo o mundo, mesmo que ainda não