A Revolta Dos Insubmissos No Jogo Das Manifestações De Rua No Brasil
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Polis Revista Latinoamericana 44 | 2016 Seguridad y democracia: ¿antinomia irreductible? A revolta dos insubmissos no jogo das manifestações de rua no Brasil The uprising of the submissives within street demonstrations in Brazil La revuelta de los insumisos en el juego de las manifestaciones callejeras en Brasil Francisco Uribam Xavier de Holanda Edição electrónica URL: http://journals.openedition.org/polis/11978 ISSN: 0718-6568 Editora Centro de Investigación Sociedad y Politicas Públicas (CISPO) Refêrencia eletrónica Francisco Uribam Xavier de Holanda, « A revolta dos insubmissos no jogo das manifestações de rua no Brasil », Polis [Online], 44 | 2016, posto online no dia 15 setembro 2016, consultado o 03 maio 2019. URL : http://journals.openedition.org/polis/11978 Este documento foi criado de forma automática no dia 3 Maio 2019. © Polis A revolta dos insubmissos no jogo das manifestações de rua no Brasil 1 A revolta dos insubmissos no jogo das manifestações de rua no Brasil The uprising of the submissives within street demonstrations in Brazil La revuelta de los insumisos en el juego de las manifestaciones callejeras en Brasil Francisco Uribam Xavier de Holanda NOTA DO EDITOR Recibido: 20.01.14 Aceptado: 20.06.15 “A história não é nada senão a atividade dos homens perseguindo seus objetivos” Karl Marx – 1847 – A Miséria da Filosofia. Nós fazemos nossa história 1 O PT, na ânsia de garantir de forma confortável a reeleição de Dilma, fechou um acordo com o PMDB, ao qual caberia o comando da Câmara e do Senado nos dois últimos anos [2013 e 2014] de governo da presidente1 . Por esse acordo, o presidente da Câmara dos Deputados passou a ser o deputado Henrique Alves [PMDB-RN], e do Senado, Renan Calheiros [PMDB– AL]; as duas casas legislativas passaram a ser comandadas pelo PMDB, que indicou para os cargos parlamentares acusados de envolvimento em casos de corrupção. Como desdobramento desse acordo, durante as negociações no Congresso Nacional, o PT e o PMDB cederam suas vagas na Comissão de Direitos Humanos e Minoria para o Partido Social Cristão - PSC, que indicou para ocupar as vagas pastores evangélicos. Como corolário dessas articulações, no dia 7 de março de 2013, em seção polêmica e a portas fechadas, o pastor Marco Feliciano [PSC – SP] foi eleito com 11 votos para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Marco Feliciano foi e é criticado por Polis, 44 | 2016 A revolta dos insubmissos no jogo das manifestações de rua no Brasil 2 emitir e defender declarações tidas como homofóbicas, racistas, e por alimentar o fundamentalismo religioso. Além disso, foi denunciado junto ao Ministério Público, desde 2009, acusado de crime de estelionato por ter recebido 13 mil reais para ministrar um culto religioso ao qual não compareceu. Feliciano é um dos defensores do polêmico projeto de Cura Gay, que define a homossexualidade como doença. É a partir desse momento que se iniciam as mobilizações de protestos nas ruas do Brasil. 2 Uma onda de protestos, articulados em redes sociais, contra a permanência de Feliciano na Comissão dos Direitos Humanos, contra a homofobia e o fundamentalismo religioso, tomou conta, no dia 9 de março, das ruas do Rio de Janeiro, Salvador, Feira de Santana [BA], Fortaleza, Juiz de Fora [MG], Uberlândia [MG], Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Brasília, extrapolando as fronteiras com protestos de brasileiros em Londres e Buenos Aires. Tratava-se de mobilizações nas quais cada um tornava-se sujeito político do processo, do ato de convidar ou replicar o convite em sua rede social, de fazer seu cartaz, inventando suas palavras de ordem, e de articular o metabolismo de conexão entre rede- rua para fazer uma catarse coletiva de suas aflições e protestar contra as várias formas de violações dos direitos humanos. Nesse momento, não aparece à ojeriza aos partidos, mas a bandeira de que Feliciano e o Congresso não representam o povo em movimento é colocada de forma clara. Numa manifestação de rua, no dia 13 de março, uma jovem carregava um cartaz que dizia: “estamos decepcionados com a forma de governar e a forma de decidir quem vai governar”. 3 Ao abrir mão de bandeiras históricas e contemporâneas, promovendo a visibilidade e a ação de setores evangélicos e ruralistas em cargos chave do parlamento, o PT acabou contribuindo para introdução de uma agenda conservadora no país, com retrocessos em relação à política de reforma agrária, à garantia da demarcação das terras indígenas e quilombolas , além de uma agressiva pressão para retirar do Ministério Público os seus poderes de investigar casos de corrupção [PEC 37]. Com parte dos movimentos sociais [MST, CONTAG, UNE, CUT] cooptados pelo governo, novos movimentos2 e a sociedade, conectados em redes sociais, foram assumindo as antigas e novas causas que, por sua polêmica e conflitos com os interesses dos ruralistas e do moralismo conservador dos evangélicos [como legalização do aborto, legalização da maconha, políticas contra a homofobia, garantia da demarcação das terras indígenas e quilombolas, contra o fundamentalismo religioso], causas e bandeiras que o governo petista abandonou ou vem se recusando a enfrentar para não entrar em choque com os seus aliados. Os novos atores políticos em cena são gays, indígenas, camponeses, ambientalistas, feministas, ativistas digitais, ativistas da luta antimanicomial, ativista pela liberação da maconha, sem-teto, ativistas pelo transporte público, torcida organizada [os pirangueiros] e outros agrupamentos sociais que formam o que alguns estudiosos chamam de subclasse do proletariado ou precariado. Vem pra rua vem 4 No dia 6 de junho, juntaram-se aos movimentos iniciados em março mobilizações de protesto contra o aumento de passagens em sete capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Goiânia, Natal e Maceió. O uso ostensivo da repressão policial em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro alimentou um clima de revolta e expansão do movimento até então tratado como algo localizado e pontual. Outro sinal veio no dia 15 de junho, durante a abertura da Copa das Confederações, no Estádio Mané Garricha, em Polis, 44 | 2016 A revolta dos insubmissos no jogo das manifestações de rua no Brasil 3 Brasília, quando a presidente Dilma Rousseff foi vaiada fortemente por três vezes. Logo em seguida, durante os dias 17 a 20, o que vinha fermentando desde março explode e assusta. 5 No dia 20 de junho, os protestos se esparramaram pelo país, manifestações foram registradas nas ruas do Rio de Janeiro [300 mil]; São Paulo [110 mil]; Brasília [30 mil]; Belo Horizonte [50 mil];, Curitiba [ 3 mil]; Porto Alegre [ 10 mil]; Salvador [ 15 mil] ; Fortaleza [ 30 mil]; Manaus [ 60 mil]; Vitória [60 mil]; Campina – SP [33 mil]; Campo Grande[35 mil]; Cuibá [33mil]; Maceió [10 mil]; Ribeirão Preto– SP [25 mil]; João Pessoa [22mil]; Florianópolis [21 mil];Porto Velho [20 mil]; Uberlândia– MG [20 mil]; São José dos Campos –SP [20 mil]; Belém [15 mil], Campina Grande – PB [15 mil]; Natal [15 mil]; Palmas [10 mil]; Teresina [15 mil]; Londrina– PR [ 2 mil]; Santa Catarina [50 mil]; muitas manifestações em cidades menores não foram registradas pelos jornais [Fonte: jornal O Povo, 20.6.2013] 6 As vozes e corpos nas ruas se rebelaram contra tudo, contra a privatização da política, contra a falência do sistema de representação. As multidões foram as ruas para representar elas mesmas, para mostrar seu descontentamento numa ação de reinvenção da política. Trata-se de um momento em que o novo surge surpreendendo o mundo, mesmo que ainda não seja de forma totalmente definida e o velho, perplexo e atônito, fica apavorado com medo do atestado de invalidez. São sentimentos que transbordam 7 Um dos cartazes registrava que as pessoas estavam nas ruas por sentimentos que transbordam. Como organizar ou entender os sentimentos de pessoas e movimentos sociais que transbordam nas ruas? Outro cartaz dizia: “são tantos os motivos que não cabem aqui”. São cartazes que expressam um sentimento coletivo profundo, que exprimem um grito que estava preso, que revelam uma estética do sofrimento social e que expandem um grito poético que diz: basta! Aqui, vou tentar esquematizar o que capto como sendo algumas das características dessas manifestações, espero poder contribuir para uma reflexão que continuará aberta, ainda por certo tempo, em nossa sociedade. 8 I - As manifestações que vêm ocorrendo desde março nas ruas do país inquietam e desorientam a tradição política, seja de esquerda ou de direita, seguidora de modelos organizacionais formulados por teorias e práticas dos séculos XIX e XX. Os protestos de ruas são organizados por pessoas com identidades difusas e não por partidos políticos, corporações profissionais, como os sindicatos [CUT, CONTANG, ANDES], nem pelo movimento estudantil [UNE] ou social [ MST]; 9 II- A maior parte dos jovens que tomaram as ruas para protestar faz parte da Geração Nativa Digital - GNT. São pessoas que nasceram e cresceram no convívio das tecnologias digitais presentes em suas vidas; são indivíduos que já possuem uma plasticidade cerebral formatada em redes sociais; são indivíduos que fazem parte da Realidade Cíbrida3 , ou seja, uma realidade onde todos estão online e off-line o tempo todo através de meios tecnológicos [celulares/twitter, computadores/facebook] articulados em redes; 10 III – As manifestações de protestos se confrontam com o padrão de organização e de racionalidade cognitiva e ideológica das teorias de organização política formuladas nos séculos XIX e XX, pois o Cibridismo [a realidade cíbrida] permite