Revista Brasileira de Ciências Sociais ISSN: 0102-6909 [email protected] Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais Brasil

Frúgoli Jr., Heitor Relações entre múltiplas redes no bairro Alto (Lisboa) Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 28, núm. 82, junio, 2013, pp. 17-30 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais São Paulo, Brasil

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Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto Relações entre múltiplas redes no bairro Alto (Lisboa)*

Heitor Frúgoli Jr.

* Versão modificada de trabalho apresentado no 35º Contextualização Encontro Anual da Anpocs (2011), no GT Dimen- sões do urbano: tempos e escalas em composição”. Este artigo apresenta aspectos assinaláveis de Agradeço aos comentários do querido professor Gil- uma investigação etnográfica de um bairro especí- berto Velho (in memoriam) e dos demais presentes, fico de Lisboa – o Bairro Alto –, situado na área bem como à leitura atenta de Graça Cordeiro, de par- ticipantes do Grupo de Estudos de Antropologia da central e dotado de razoável densidade, lembrando Cidade (Geac) e dos pareceristas. Este artigo sintetiza que o próprio conceito de bairro acarreta uma série tópicos da pesquisa desenvolvida no 1º semestre de de desafios para sua apreensão. Um bairro não se 2011 com bolsa de pesquisa no exterior da Fapesp, apresenta como uma realidade a priori, dado que mas que também se vale de idas pontuais anteriores é marcado por planos e escalas distintos, fronteiras (2007, 2008 e 2009), propiciadas pelo CNPq. Agra- fluidas e alvo de múltiplas representações; também deço a todos que participaram da pesquisa, ao Centro pode abranger uma variação significativa conforme de Investigação e Estudos de Sociologia do Institu- os atores sociais, as instituições e as situações em to Universitário de Lisboa (CIES-ISCTE-IUL) pela jogo, bem como os interesses políticos em questão; infra-estrutura oferecida, aos retornos obtidos quando além disso o conceito leva a diferenciações significa- das falas sobre a pesquisa no CIES, na Universidade Lusíada de Lisboa, na Universidade de Coimbra (en- tivas conforme o recorte disciplinar adotado (Cor- contro da Rede Brasil-Portugal de Estudos Urbanos) deiro e Costa, 1999; Agier, 1999; La Pradelle, 2000; e na livraria Círculo das Letras, à acolhida calorosa de Authier et al., 2006; Vidal, 2009; Frúgoli Jr., 2009). alguns amigos portugueses ao longo de minha estada Priorizou-se aqui a reconstituição de diversas e à ajuda de última hora de Marina Frúgoli, Tiago redes de relação que, de certa forma, se condensam Frúgoli e Márcio Macedo. num determinado território – no caso o próprio bairro –, ou seja, procurou-se traçar várias conexões Artigo recebido em 23/12/2011 entre agentes, e embora estas possam levar a um pa- Aprovado em 14/05/2012 norama mais ampliado e extensivo, também reve- RBCS Vol. 28 n° 82 junho/2013

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lam, como no presente estudo, uma territorialidade viu em parte de modelo.11 Mais ao final do século mais definida e intensiva (Latour, 1994; Marcus, XX, o bairro passou a ter um afluxo ainda maior 1998; Agier, 2011; Frúgoli Jr., 2007; Sklair, 2010). de frequentadores noturnos, incluindo turistas eu- Ademais, embora sejam inevitáveis classifica- ropeus e estudantes ligados ao Programa Erasmus.12 ções e hierarquizações, procuro evitar nessa aborda- À noite, o local se torna um dos pontos mais movi- gem a defesa de um ponto de vista “mais legítimo”, mentados da cidade, o que causa vários transtornos que poderia ser atribuído, a princípio, aos mora- aos seus moradores. Chegando ao presente, a cena dores do bairro em questão, muito embora eles te- noturna tem sido assinalada por parcela considerá- nham sido levados em conta de forma considerá- vel de frequentadores que consome bebidas alco- vel na pesquisa.1 Cabe ainda frisar que em face da ólicas nas ruas,13 cuja compra (principalmente de tendência recorrente (a começar, pela própria fala cervejas, as “litrosas”) é barateada, prática essa iden- de muitos sujeitos) de separar moradores (idosos) tificada como “botellón”, outra referência espanhola e frequentadores noturnos (a chamada “malta jo- (por vezes aportuguesada para “botilhão”), em que vem”) como dois mundos em permanente conflito, o consumo coletivo e denso de álcool por grupos procurou-se prestar atenção etnográfica às relações juvenis em espaços públicos teria se originado.14 e conexões (por vezes cotidianas) entre ambos, bem De modo geral, o bairro é urbanisticamen- como à configuração de outros tipos de conflito, te delimitado15 ao sul, pela Praça de Luís de Ca- decorrentes ou não da polaridade básica anterior.2 mões, Rua do Loreto, Largo do Calhariz e Calçada Passemos então uma brevíssima contextualiza- do Combro, a leste, pela Rua do Século, ao norte, ção desse bairro (com passagens mencionadas, reto- pela Rua Dom Pedro V, e a oeste, pela Rua de São madas ou reformuladas por vários sujeitos pesqui- Pedro de Alcântara e Rua da Misericórdia (ver Ca- sados). Resumidamente, o Bairro Alto, surgido em rita, 1994, e mapa ao final deste artigo); há demar- 1513,3 pode ser considerado um bairro popular, his- cações “internas”, entre o Bairro “mais comercial” tórico e típico de Lisboa (representações essas mais ou “mais residencial” (respectivamente “ativo” ou consolidadas a partir do final do século XIX)4 – não “ativo”, segundo um morador da “parte ativa”), levando-se em conta os múltiplos significados que delimitada pela Rua da Rosa, que também separa a ideia de bairro evoca no caso português5 –, com duas freguesias (Santa Catarina a oeste e Encarna- a predominância (decrescente) de moradores idosos ção a leste), cujos domínios raramente coincidem, (principalmente senhoras6), protegidos por leis de em Lisboa, com os dos bairros propriamente di- congelamento das “rendas” (aluguéis) e que vivem tos;16 em termos de lazer noturno, novas represen- em edifícios envelhecidos, com pouquíssimos inves- tações espaciais ganham visibilidade, incluindo a timentos de melhoria por parte de seus proprietá- que abrange (por vezes sob a forma de fluxos) uma rios.7 Ao longo de sua história, caracterizou-se por parte do território da vizinha Bica (“o Bairro Alto certa boemia, mais visível a partir de meados do está a descer para cá...”).17 século XIX, tendo em vista a associação entre fado, Cabe ainda nesta introdução mencionar breve- prostituição e marginalidade.8 Durante o século mente certas constatações durante a pesquisa que XIX, o bairro se tornou também um ponto visível serão retomadas adiante: da imprensa local, tendo nele sido localizadas as re- dações dos principais jornais da época.9 Nos anos de Mesmo que algumas representações sobre o 1980, o Bairro Alto viveu um período significativo, Bairro Alto (ou simplesmente Bairro, como quando, de modo geral, desdobramentos frustran- muitos o chamam)18 sejam acionadas por mo- tes da Revolução dos Cravos (1974)10 estimularam radores e comerciantes locais, isso também é mudanças em costumes e atitudes na cidade de Lis- feito, evidentemente, por inúmeros frequenta- boa. Naqueles anos, o bairro serviu como foco cen- dores (atuais e de décadas passadas) que, em- tral para um novo movimento boêmio, a “movida bora não mais residam ali, tomam tal espaço lisboeta”,­ nome inspirado no movimento espanhol, como parte significativa de períodos de suas “la movida madrileña” (pós-franquista), que lhe ser- vidas ou trajetórias.19

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Diferenças entre representações sobre o Bairro , bem como pela ansiedade em conhecer tal bairro Alto como um espaço boêmio “desde sempre” “por dentro”. Mas logo se evidenciaram os desafios: (expressão portuguesa, recorrente nesse caso) em muitas interações, impunham-se variados temas ou principalmente nas últimas décadas, a pri- ligados de forma geral à relação entre os dois paí- meira bastante acionada entre frequentadores ses: entre as idas de 2007 e 2009, havia menções da noite ou comerciantes locais, a segunda recorrentes à forte presença de brasileiros em Por- mais recorrente entre moradores, muito em- tugal (algo presente com certas particularidades no bora outra clivagem possa ser captada, prin- Bairro Alto, como retomarei adiante) e por vezes o cipalmente entre aqueles que fizeram parte da “recado” era de que o Brasil precisava resolver seus vida boêmia do Bairro entre a década de 1970 problemas econômicos; em 2011, por sua vez, elo- e 1980, quando se ressalta as particularidades giava-se os avanços da gestão Lula, o que explicaria da vida noturna moderna ali criada, em ruptu- inclusive certo retorno de imigrantes brasileiros ao ra com a anterior (popular, marginal, fadista e Brasil, em contraste com a crise econômica portu- ligada à prostituição). guesa (ou europeia, a depender do ponto de vista) – assunto que também se impôs de formas variadas Tendo em vista essas ponderações iniciais, pas- no período mais concentrado de pesquisa.23 semos à discussão de uma questão recorrente du- Eu presumia que, por frequentar certos bares, rante as interações etnográficas, relativas à minha podia por vezes compartilhar alguns pontos de condição de antropólogo brasileiro com interlo- vista. Um exemplo: durante a Semana Santa, Lis- cutores de Portugal, Brasil e Guiné-Bissau, que de boa recebia um forte afluxo de turistas europeus, certa forma se impôs à pesquisa, seguida da apre- e no Bairro Alto se falava bastante na vinda de es- sentação de duas frentes de investigação relevantes. panhóis. Num dos feriados, o atendente do balcão de um bar (de frente para o Largo de Camões24), num momento bastante atribulado, comentava jo- Interfaces lusófonas cosamente que precisava aprender espanhol e inglês para dar conta de tantos pedidos, e quando comen- Este texto também trata de uma temática ad- tei que realmente havia muitos estrangeiros por ali vinda do próprio trabalho de campo, decorrente do naqueles dias, ele respondeu: “Inclusive brasilei- fato de ser uma pesquisa fora do Brasil, onde tam- ros!”. Em outra situação um pouco distinta, após bém se fala português, mas cuja noção prévia de meses de presença regular numa adega do Bairro uma proximidade dada pela língua pode se mostrar Alto, fui chamado gentilmente por um dos fre- por vezes bastante ilusória. Isso leva à necessidade quentadores de “meu amigo brazuca”, ou seja, se na de contrapor tal experiência àquelas realizadas em primeira situação me iludi com o tipo de proximi- geral pela antropologia urbana brasileira – na qual dade que atenuaria minha condição de estrangei- me incluo, onde é comum o antropólogo pesquisar ro,25 na segunda fui incorporado com a decorrente a sua própria cidade (Velho, 1978; Durham, 2004 marcação da diferença. [1986]; Peirano, 1999; Magnani, 2002; Frúgoli Jr., Outra constatação foi a dificuldade de 2011; Eckert e Rocha, 2013). compreen­der muitas palavras e expressões (bem Uma questão transversal configurou-se ao lon- como a de me fazer entender), ou mesmo captar o go da pesquisa, e embora não constituísse inicial- tema central de conversas ou anedotas – principal- mente um problema, foi posta de forma recorrente mente em diálogos cortados, com a participação de pelos sujeitos contatados: o fato de eu ser um pes- várias pessoas –, já que muitas referências regionais quisador20 brasileiro em Portugal.21 Reconheço que (relativas ao Alentejo, ao Minho, ao Algarve etc.) não considerei a princípio tal aspecto tão relevante, me eram (e algumas continuaram a sê-lo) estra- pelo fato de minha língua nativa ser também o por- nhas.26 Como bem lembra Darnton, compreender tuguês – o que cria uma perigosa ilusão de proximi- piadas pode ser uma forma privilegiada de adentrar dade e familiaridade, ou de alteridade próxima22 – um sistema cultural (1986, pp. 103-107).

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Certa vez, ao conversar com uma senhora a respeito: a de não portugueses ou de pós-coloni- francesa que vive há alguns anos entre Paris e Lis- zados que partilham a mesma língua, algo também boa (locadora de um apartamento do Bairro Alto), reforçado por algumas proximidades geracionais, o ela falava de dificuldades de interação com os lis- que me levou a um outro tipo de experiência no boetas, por conta de seus valores e de certa falta de chamado mundo lusófono. franqueza desses últimos; como eu não os via sob o mesmo prisma, ela então me alertou para não me iludir com a facilidade da língua comum, pois A rua (da Barroca) como foco etnográfico eles seriam fechados, e que talvez fosse bem difícil compreendê-los.27 Mesmo que tal argumento par- Avançando nas interações etnográficas propria- tisse de premissas questionáveis, o fato é que, por mente ditas, que serão aqui parcialmente recons- distintos caminhos, a familiaridade com a língua tituídas, pode-se dizer que várias delas se concen- (portuguesa) ou a não familiaridade com as expres- traram numa determinada área do Bairro, mais sões (dos portugueses) tornavam-se aos poucos de- precisamente em certos bares, adegas, tascas e res- safios equivalentes. taurantes ao longo da Rua da Barroca (ver mapa ao Ainda nessa temática, pode-se também dizer final), com atenção também aos tipos de interação que, principalmente nas estadias de 2009 e 2011, ocorridos na própria rua.31 foi possível constatar uma presença significativa de Quando ressalto que ali se deu uma vivência brasileiros no Bairro Alto (principalmente como mais significativa, isso não quer dizer que outros lo- empregados em bares e restaurantes28), sem com cais não tenham sido visitados ou percorridos, mas isso afirmar que tal aspecto seja exclusivo a esse local que naquele espaço foi possível estabelecer intera- ou região, embora ali assuma de fato uma densidade ções mais duradouras, sem que fosse preciso, com significativa.29 Isso também me levou a incorporar algumas exceções, apresentar-me constantemente as especificidades de tais interações na abordagem ou fazer perguntas (embora praticamente todos sobre as redes de relação locais, incluindo o modo soubessem que eu era um pesquisador). Fui tam- recorrente de como brasileiros com quem interagi bém aceito em outros locais do bairro, ainda que estabeleciam certa empatia comigo (muitas vezes isso não configurasse uma territorialidade signifi- como “conterrâneos”, ainda que com uma maior cativa para interação e observação mais regulares. proximidade pudessem surgir diferenciações, caso Em outros casos, houve dificuldades em travar rela- por exemplo fossem cariocas, sendo eu paulista). ções iniciais, principalmente em espaços comerciais Mesmo isso às vezes levava a novas ilusões de pro- onde não era possível permanecer por um tempo ximidade: alguns brasileiros eram mais impacien- antes de iniciar uma interação, como, por exem- tes na interação, ou, pelo contrário, achavam que plo, quitandas ou minimercados, expressivamente partilhávamos a priori do mesmo ponto de vista; frequentadas sobretudo pela população local, mas numa noite “brasileira” do Teatro do Bairro, com cuja receptividade dos donos, embora não tenha uma apresentação de “samba de raiz carioca”, tomei sido hostil, não resultou numa possibilidade de por brasileiras algumas moças que sambavam com continuidade satisfatória. muita elegância, que depois soube serem portugue- Dessa forma, pode-se afirmar queum pla- sas (uma era casada com um dos músicos, outras no etnográfico privilegiado (em termos de intera- haviam aprendido com professores brasileiros etc.). ção e observação) foi a rua (mais precisamente, a Tais questões de fundo cultural tornaram-se Rua da Barroca) e não o bairro,32 já que esse não alvo de atenção particular, sobretudo quando passei poderia ser diretamente observado, mas recriado a interagir, mais tardiamente e por conta dos ca- através de abordagens variadas – sem a pretensão minhos da pesquisa (como se verá na última seção da reconstituição de uma dada totalidade. É claro deste artigo), com pessoas que vieram da Guiné- que tal escolha acarretou maior visibilidade sobre -Bissau,30 quando então era como se desse um ou- certos aspectos, mas isso seria inevitável em qual- tro tipo de aproximação, sem que explicitássemos quer microterritório local (com fronteiras também

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extremamente fluidas) que viesse a ser observado continuidade, como na Adega da Barroca que, em mais detidamente, tendo em vista uma abordagem 2011, passei a frequentar mais regularmente. Vale (nessa fase mais prolongada, sem parceiros ou auxi- lembrar que, por vezes, somos também escolhidos liares) na qual se pretendia certa regularidade de in- por nossos interlocutores, e creio que isso se aplica terações. Poder-se-iam mencionar alguns exemplos neste caso. A primeira aproximação com a adega (e desses microterritórios, todos eles com dinâmicas também casa de pasto), em 2007, ocorreu a partir que se alteram conforme o período: de uma conversa com Sr. José, gerente do estabe- lecimento e morador das proximidades. O espaço • Espaços com fluxos ou concentrações mais tu- abre ao final da manhã, atendendo frequentadores rísticas, como a Travessa da Queimada, na qual locais no balcão e se preparando para elaboração está o famoso Luso (casa de fado onde Amália das refeições servidas à noite; no fim da tarde, rea- Rodrigues iniciou sua carreira), e que conecta bre, com o retorno de parte dessa mesma clientela; o Largo Trindade Coelho (uma das “portas de pouco antes das 20hs, o Sr. José, então com a aju- entrada” do Bairro, onde fica a Igreja de São da de sua esposa, passa a atender outros fregueses, Roque) ao restaurante Bota Alta (na esquina da que se dirigem para as mesas de refeição, mais ao Rua da Atalaia) e ao bar Portas Largas (na Rua fundo. Se no período diurno há uma sociabilidade da Atalaia); ou então a Rua Diário de Notícias, predominantemente masculina,34 à noite, o público repleta de restaurantes com grande frequência é mais mesclado, entre mulheres, homens, jovens e turística, muitos deles com mesas ao ar livre turistas. Interessante frisar que tal dinâmica ao lon- (chamadas, principalmente em Portugal, de go do dia ajudava a relativizar a muito aludida se- “esplanadas”). paração entre os mundos diurno e noturno (mesmo • Áreas mais ligadas a consumidores (com pú- admitindo as delimitações simbólicas existentes). blico predominantemente feminino e juvenil e Neste primeiro contato, já foi possível consta- frequência vespertina) de lojas “modernas” ou tar a participação ativa dos presentes nas conver- “alternativas”, como a Rua do Norte. sas (hábito costumeiro em muitos bares, como se • Locais com maior densidade (noturna) de bra- sabe), mas diante do aumento de contingente no sileiros, como na Travessa da Cara, em torno balcão, o Sr. José não pôde mais conversar. Outro do Tacão Grande, ou na própria Casa do Brasil senhor ali presente (Eduardo) centralizou, então, a (localizada na Rua Luiz Soriano). interação,35 discorrendo sobre os bares de alterne36 • Áreas consideradas mais “perigosas” (parte da do passado, alguns deles no Bairro Alto, como Lua Rua do Atalaia ou da Travessa da Cara), por Nova ou Tia Alice (Arroz ), e particularmen- maior incidência de brigas, assaltos ou ven- te sobre um bar noturno cujos frequentadores (na da de substâncias ilícitas – embora os dealers maioria jornalistas) possuíam a chave; também co- (como são chamados os traficantes) estejam mentou a respeito de jovens brasileiros que traba- acessíveis, nas horas de maior movimento no- lhavam (alguns até mesmo residiam) no bairro, e turno, em várias partes do bairro.33 por fim cogitou uma diferença básica entre o Bairro Alto do passado e do presente: “do vinho tinto e Assim, procurei concentrar a atenção na Rua branco para a cerveja, vodka, caipirinha, drogas e da Barroca (em períodos diferenciados, até para ladroagem”.37 registrar certas mudanças nos ritmos da apropria- Quando estive em Lisboa no ano seguinte ção do espaço), ao mesmo tempo em que, como (2008), conheci Sr. Celestino Nelson, cujo nome já mencionado, percorri ou visitei outros espaços fora citado num jornal local em matéria sobre as onde a densidade da observação era inevitavelmen- marchas populares daquele ano.38 Não tive dificul- te menor. dade de encontrá-lo pelas ruas do Bairro, pois ele Desde as primeiras explorações, eu havia con- frequentava vários estabelecimentos e circulava bas- centrado involuntariamente diversos contatos nessa tante, transportando gelo, bebidas, frutas, papéis a rua, e foi ali que ocorreram interações com maior bares e restaurantes, transmitindo recados etc., ati-

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vidades cuja renda complementava sua “reforma” de bares e restaurantes, bem como empregados e (aposentadoria). Bastante conhecido no Bairro, ele moradores. me apresentou às marchas populares39 em meio a Como já referido, a dimensão da crise eco- relatos de sua experiência no Rio de Janeiro, como nômica e política portuguesa impôs-se de forma era conhecido o clube comunitário lisboeta respon- muito incisiva em várias situações de pesquisa. Em sável pela organização dos desfiles no Bairro Alto. 23/3/2011, dia da renúncia do então primeiro-mi- Em nossos breves passeios era evidente seu vasto nistro português José Sócrates, configurou-se um campo de relações, o que por si só relativizava cer- claro drama em escala nacional. Ao fim da tarde ta narrativa que tende a apresentar os idosos como desse dia, na Adega da Barroca, o assunto, trazido mais sedentários e caseiros. por Dona Júlia, fora bastante discutido pelos pre- Em nossa última conversa de minha estadia em sentes. No momento do anúncio oficial, realizado 2009, ele me disse que gostaria de ganhar a “cami- pelo próprio Sócrates, estávamos no bar 89 acom- sola” (camisa) de algum time brasileiro. Ao retornar panhando a transmissão na TV, enquanto Dona a Lisboa, dois anos depois, encontrei-o justamente Júlia me contava sobre o ativismo político de seu na Adega da Barroca e pude então presenteá-lo. A pai (que a levava a manifestações “como se eu fosse receptividade foi significativa não só por parte dele, homem”) e sua vivência do dia 25 de abril de 1974, mas de todos ali presentes, oferecendo-me vinho data da Revolução dos Cravos (ela estava grávida, e (prática muito comum entre os portugueses), con- lembrava-se dos soldados com seus fuzis circulando versas e mesmo ajuda na pesquisa (como a indicação pela cidade). O contraponto com o que estávamos de outras pessoas para contato), o que se reproduziu assistindo naquele momento, que marcava o fim de ao longo do tempo, tornando ali um dos meus lo- um ciclo de seis anos de governo do Partido Socia- cais de frequência regular, com um rico aprendiza- lista português e que obviamente gerava um clima do. As interações em tal estabelecimento revelaram- de apreensão, motivou uma brasileira ali presente -me temas relevantes sobre o cotidiano do bairro, perguntar em tom jocoso se Dona Júlia gostaria de bem como aspectos que extrapolam o plano local migrar para o Brasil, ao que prontamente ela res- e tocam em questões transversais até aqui tratadas. pondeu com seriedade: “Jamais deixarei Portugal!”. Por indicação de um dos frequentadores,40 ca- tólico bastante ativo da Igreja de Santa Catarina, sempre gentil e através do qual pude conhecer um As memórias da década de 1980: novas redes pouco mais a fundo as redes locais ligadas à Igreja de relação Católica, apresentei-me aos donos do bar 89, na Rua da Barroca, que funciona apenas à noite e é A partir dos contatos principalmente efetuados gerido por um casal de brasileiros, Mônica e Or- nessa área da Rua da Barroca, passei a reconstituir lando. Como passei pelo local relativamente cedo, certas redes de relação com uma territorialidade presenciei uma cena muito peculiar: estavam ali a princípio mais definida. Contudo, é importan- conversando, além do casal, os proprietários ou te também apresentar, em caráter introdutório, a gerentes de outros três restaurantes da rua, Júlia reconstituição de redes relacionadas com o Bairro (Baiuca), José (Faia) e Miguel (Taberna da Barro- Alto, mas cujas conexões me levaram a pessoas li- ca), o que, como pude constatar, é muito comum gadas mais especificamente ao passado do Bairro, acontecer um pouco antes das 20hs, uma vez que sobretudo a década de 1980, período simbólico na os estabelecimentos ainda estão relativamente va- história da boemia de Lisboa. zios. Dona Júlia contou-me sua trajetória no Bairro O início dessa reconstituição, na realidade, se (com relatos sobre a época das tabernas do passado deu a partir do contato com Belino Costa, presi- e da prostituição) e como passou de empregada a dente da Associação de Comerciantes do Bairro proprietária do bar Baiuca. Pude entender melhor Alto, colaborador da pesquisa desde 2007. No as interações naquele entorno, com uma teia de reencontro com ele em 2011, ganhei um CD- sociabilidade que envolve donos e frequentadores -ROM onde estava gravado o vídeo clip Halloween

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(2010).41 A ação do filme, com a participação con- de circunscrita que, de certa forma, dialoga com a junta de transeuntes e atores, se passa justamente anteriormente descrita, aprofundando meu conhe- na Rua da Barroca, envolta com iluminação espe- cimento das possíveis conexões ali estabelecidas. A cial, fumaça artificial e contendo até mesmo uma frequentação destes bares configura uma outra rede, intervenção não programada do grupo musical cha- formada por gays, transgenders e transexuais que na- mado “Homens da Luta”.42 Dado meu interesse na quela “panasquina” (Henriques, 10/4/2011, p. 5) temática dos usos noturnos contemporâneos locais, cria algo bastante nítido em noites de mais fluxo.44 entrei em contato com o responsável por sua pro- Foi-se abrindo, de todo modo, a possibilidade dução, o lisboeta Xavier Martins, fotógrafo profis- de uma investigação mais baseada em redes de rela- sional. Conforme ele me relatou, o filme foi realiza- ção e menos territorializada, nas quais o Bairro Alto do com sua câmara digital, cadenciando fotografias constitui principalmente um espaço de memória. em sequência, mas há outros detalhes da interação É que naquela tarde no Maria Caxuxa fui também que cabe assinalar aqui. apresentado a outro fotógrafo, José Luís da Fonse- Xavier começou a frequentar o Bairro a partir ca, nascido no Porto (“tripeiro”, como ele próprio de meados dos anos de 1980, como participante do afirmou), que acompanhou o surgimento de bares movimento punk, “onde iniciei minhas aventuras do Bairro Alto no início da década de 1980, quan- noturnas”; hoje, segundo ele, é o lugar onde sua do uma “geração nova, com novas ideias” chegou filha e amigos circulam preferencialmente aos fins ao local. Ele fotografou ali “pessoas, festas, sítios, de semana. Na tarde de nosso encontro andamos acontecimentos, exposições, poetas a declamar, per- por ruas e travessas do bairro e ele me apresentou as formances”. Lembrou o legendário bar Frágil45 e ou- donas de dois estabelecimentos (uma loja de roupas tros, como Jukebox, Ocarina, Rockhouse ou Os Três “vintage” e um estúdio de tatuagens e bodypiercing), Pastorinhos, assinalando que o “ímpeto cultural” o que se desdobrou em contatos muito interessan- daqueles anos levou à criação de discotecas localiza- tes. Depois nos encontramos a convite de Belino das em outras áreas da cidade, como Plateau, Noites e do próprio Xavier no lançamento de um CD de Longas e, mais tarde, o Kremlin. Segundo ele, “todos Afonso Pais e JP Simões, Onde mora o mundo, no nos conhecíamos, e íamos escoando”, “escorrendo de bar Maria Caxuxa, na Rua da Barroca – bar este acordo com gostos”, num circuito que se iniciava em que já me chamara atenção em outros anos, por bares do Bairro Alto, passava por discotecas e que conta da aglomeração de pessoas à sua porta em terminava no Noites Longas, na zona de Santos.46 noites mais movimentadas. Numa rápida conversa Isso revela um conjunto de espaços e situações viven- com o músico, com treze anos de carreira e quatro ciados sobretudo pela geração da década de 1980, no CDs lançados, ele contou que considera o Maria qual o Bairro Alto teve papel especial. Caxuxa uma espécie de “ponto de passagem” para o A sugestão de Luis da Fonseca para que eu bar Bica (perto dali), afirmação recorrente durante entrasse em contato com Hernâni Miguel foi pro- a pesquisa. Conheci também João Simões, um dos veitosa, uma vez que ele, juntamente com Zé da proprietários do Maria Caxuxa, que posteriormente Guiné, figura que já fora citada antes por Xavier, me contou detalhes da criação daquele espaço: uma Luis e vários outros, deu continuidade à rede e antiga padaria que fora reformada43 com o intuito abriu novas dimensões à pesquisa. Hernâni foi o de receber um público mais velho do que aquele primeiro africano com quem travei relações mais que predominantemente circula à noite pelas ruas duradouras durante a trabalho de campo. Oriun- do Bairro e que se relaciona, de um modo geral, ao do de Guiné-Bissau, ainda criança fora adotado mundo das artes, da cultura e da música. por uma família portuguesa durante a guerra colo- A partir do contato com o brasileiro Júlio Cé- nial. Desde pequeno, ele tinha grande capacidade sar, dono dos bares Sétimo Céu (na Travessa da Es- de fazer contatos, o que é visível em suas inserções pera) e do Side (vizinho, na esquina desta travessa na noite lisboeta desde os anos de 1980, desem- com a Rua da Barroca), que me foi apresentado por penhando uma espécie de papel privilegiado de re- Xavier, pude reconstruir mais uma territorialida- lações públicas. Ele participou, junto com Zé da

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Guiné, do empreendimento que veio a se tornar o contexto um caráter de forte cosmopolitismo. Se- já mencionado Noites Longas,47 lugar que naquele tores da grande imprensa portuguesa têm tentado momento aglutinava toda uma geração que se tor- evitar seu esquecimento e cobrado do poder pú- nou uma espécie de vanguarda intelectual e artísti- blico, ou daqueles que vivenciaram com ele aquela ca da cidade, com um poder simbólico que chega a época, auxílio para esta pessoa reconhecidamente competir com tudo que já foi escrito a respeito do emblemática que, hoje, contudo, se encontra em conhecido e afamado bar Frágil. Talvez o fato de situação bastante vulnerável (Belanciano, 2010; este estabelecimento – assim como de Manuel Reis, Cardoso, 2010). seu criador – já estar consolidado nas lembranças Ainda que muitos com quem conversei duran- da época, pode-se perceber certo empenho especial te a pesquisa fossem os primeiros a se autocriticar de Hernâni em ressaltar o papel de Zé da Guiné a este respeito, tenho plena consciência de que co- e de si mesmo, na configuração da noite lisboeta mumente as gerações mais velhas guardam certa moderna, o que, aliás, é referido pontualmente no nostalgia a respeito de “seu tempo” ou de “sua épo- documentário Crônica de um africano em Lisboa.48 ca”, tendendo a ver o presente de forma negativa, Numa cena, a galerista Zambeze Almeida afirma o que corrobora a visão atual sobre o Bairro Alto, que graças a pessoas como Zé da Guiné, Hernâni tendo em vista sua crescente apropriação juvenil, Miguel e Manuel Reis, Lisboa teria se transformado cujo uso disseminado de bebidas alcoólicas ou de em “Lisóptima”. substâncias ilícitas ajuda a estigmatizar o local, uni- Na última vez em que estive com Hernâni,49 formizando um público bastante heterogêneo e que visitamos Zé da Guiné. Fomos recebidos, apesar de faz usos diferenciados desses espaços.52 De qualquer todas as dificuldades advindas de sua doença dege- maneira, a década de 1980 demarca um período re- nerativa, de forma bem humorada – Hernâni, em levante na história do Bairro Alto, cabendo avaliar tom de brincadeira, fez questão de dizer que eu era mais detidamente seu potencial de ruptura ou de “um dos nossos”. Ele disse estar alegre com a visi- continuidade com relação ao passado. ta recente de alguns amigos, mas triste por certas A presente pesquisa, cujas abordagens não fo- ausências, e, ainda, fez questão que eu conhecesse ram esgotadas nesse artigo, permitiu clarear e intro- um brasileiro que há anos cuidava dele.50 Para além duzir o modo como se dão marcações e interfaces da oportunidade de ter conhecido pessoalmente Zé no campo da “lusofonia”, um impacto etnográfi- da Guiné, os detalhes sobre construções de perten- co não previsto e que, dentre os desdobramen- cimento e formas de aproximação presentes nessa tos possíveis, incide sobre a maneira de se pensar breve conversa fizeram-me pensar sobre os signi- questões relativas aos conceitos de familiaridade e ficados inerentes às relações no interior do assim estranhamento no campo da própria antropologia chamado mundo lusófono. urbana brasileira. Outro prolongamento disso é o Esta personagem tão contundente teve um foco mais detido nos modos de construção verbal passado de luta na guerrilha pela libertação da Gui- ou nos processos de cognição relativos ao território né-Bissau e, já em Lisboa, trabalhou inicialmente da cidade, incluindo a negociação de seus mapas e como segurança de alguns bares. Aos poucos foi fronteiras simbólicas. criando vínculos com a elite intelectual de então Durante a pesquisa deu-se atenção especial às e passou a organizar parte da noite lisboeta.51 Essa potencialidades da observação focada nas intera- visita ajudou-me a entender melhor sua história, ções de uma rua específica, marcada pela densidade que tinha chegado a mim de forma fragmentada. de relações que envolvem distintos atores sociais, Articulando o que já vira e ouvira, pude entendê- em meio a tudo que a delimita e a compõe – bares, -lo como alguém de rara generosidade, traquejo restaurantes, esplanadas, espaços culturais, peque- social, carisma e capacidade performática – ele nos comércios e lojas, residências etc. –; espaço que sabia como ninguém explorar seu corpo atlético, conectado a outros pequenos territórios permitiu usando roupas exóticas geralmente adquiridas na um olhar mais preciso, de forma flexível e situacio- Feira da Ladra –, o que certamente conferiu àquele nal, sobre o bairro em análise.

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Outra abordagem aqui explorada diz respeito à tadores da noite, e que, de um lado, recriam o lugar reconstituição de determinadas redes, procedimen- em suas memórias, confrontando-as, de outro lado, to também presente no tipo de investigação aqui com os usos presentes. empreendido, mas que, neste caso, enveredou o Penso assim ter chegado a um conhecimen- olhar para sujeitos que mantêm com o Bairro Alto to antropológico mais aprofundado do Bairro Alto uma relação prolongada, ainda que como frequen- de Lisboa, marcado pela sobreposição de experiên-

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cias de moradia e trabalho com as de boemia, lazer e otra cosa importante: aquí vivíamos la post-revolución.­ produção cultural; por enraizamentos combinados a Procedíamos de la pequeña y mediana burguesía, de circulações, em meio a vivências geracionais, identi- Lisboa o de sus alrededores, y muy rápido, tres años tárias e de pertencimentos múltiplos. De um ponto después del 25 de abril, vimos que todo estaba per- dido. Entonces nos lanzamos a cosas muy radicales, de vista mais amplo, esses aspectos podem auxiliar contra el compromiso político” (Neyrat, 2011, p. 17). na compreensão de uma cidade em constante criação de suas dimensões, fronteiras, passados e presentes. 11 Nessa época, o surgimento de novos bares e boates no Bairro Alto – como, por exemplo, o prestigiado Frágil – e a chegada de de artistas plásticos e estilistas trouxeram novos e jovens frequentadores, atraídos es- Notas pecialmente pela vida noturna. A partir de 1986, as “Manobras de Maio”, desfiles de moda realizados em 1 Para uma abordagem sobre um bairro a partir de suas ruas que marcaram época na moda portuguesa, práticas espaciais dos moradores, ver Mayol ([1994] também se tornaram símbolos da nova identidade de 2008). Sobre práticas espaciais de uma forma mais Bairro Alto, convertido em espaço de afirmação de va- abrangente, ver Certeau ([1980] 1994, pp. 199-215). lores culturais desse período (cf. entrevista com Belino 2 Ver mais detalhes em Frúgoli Jr. e Sklair (2013). Costa, lojista e presidente da Associação de Comer- 3 Embora o início do bairro conste em documento ciantes do Bairro Alto, set. 2007). assinado em 1498, cujo nome inicial foi Vila Nova 12 Programa de intercâmbio universitário que homena- de Andrade, depois Bairro Alto de São Roque e final- geia Erasmus de Rotterdam, mas que é também um mente Bairro Alto, com um traçado geométrico que acrônimo inglês de European Region Action Scheme antecipou a reforma urbana pombalina pós-terremoto for the Mobility of University Students (ver detalhes de 1755 (Carita, 1994, 2006). em Calvo, 2013). 4 Ver, a respeito, Cordeiro (1997, 2003). Bairro típico 13 Não apenas no Bairro Alto, embora ali isso se conden- é, de um modo geral, uma categoria acionada com se e ganhe maior visibilidade pública. recorrência pelos agentes. 14 Ver matéria recente a respeito em Sobral (2011a). 5 Para um quadro a respeito, ver Cordeiro (1997), Cos- 15 Admitindo-se aqui as fronteiras fluidas de todo e ta (1999) e Cordeiro e Costa (1999). qualquer bairro, muito embora no presente caso haja 6 Ver a respeito o documentário de Marta Pessoa, Lisboa marcas arquitetônicas que de certa forma demarcam domiciliária (Lisboa, Real Ficção, 2010), que enfoca uma morfologia peculiar, que abrange “a unidade do principalmente idosas, boa parte delas residentes do traçado urbano, a riqueza de sedimentações arquitec- Bairro Alto. tónicas e clareza de limites” (Carita, 2006, p. 35), o 7 Cf. entrevistas com Filipe Lopes (ex-coordenador do que não é suficiente, de toda forma, para delimitar Programa de Reabilitação Urbana de Lisboa, 1990- suas fronteiras simbólicas. 2000) e António Miranda (Unidade de Projeto Bairro 16 Ver discussão a respeito em Vidal (2009). Acompa- Alto e Bica UPBAB) (set. 2007). nhei uma procissão realizada pela Igreja de São Ro- 8 Sobre o vasto tema relativo ao fado e contextos asso- que (situada no Largo Trindade Coelho, fronteiriço ciados , ver Brito (1994, 2004) e Pais ([1985] 2008). ao bairro; ver o mapa ao final, na parte limítrofe à Para uma ótima reconstituição literária do Bairro Alto direita), que tem como itinerário as ruas do Bairro da passagem do século XIX ao XX, ver Sousa (1944); abrangidas pela Junta da Encarnação; a procissão rea- tal atmosfera tinha seu fascínio, tendo despertado a lizada pela Igreja de Santa Catarina (próxima dali, na curiosidade em João do Rio (1909), talvez o primeiro Calçada do Combro) percorre, quando chega ao Bair- brasileiro a escrever sobre o Bairro Alto, quando da ro, apenas as ruas ligadas à junta do mesmo nome; em sua primeira estadia em Lisboa. ambas as ocasiões, chama atenção a presença de idosos (principalmente senhoras) nas janelas (geralmente fe- 9 Para uma reconstituição histórica, ver Dias (1994, pp. chadas no horário noturno). 45-96). Hoje, há apenas um jornal ali instalado, A Bola, cuja impressão é feita em outro local. 17 O trabalho de Cordeiro (1997) mostra justamente como as fronteiras da Bica com o Bairro Alto (bem 10 “Ressaca”, como disseram-me alguns. A fala do cine- como a própria visibilidade da primeira) são alvos de asta português Pedro Costa é muito ilustrativa: “Hubo disputas simbólicas constantes.

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18 Agradeço aos comentários de António Firmino da que oferece música popular brasileira no Bairro Alto, Costa (quando debati sobre a pesquisa com colegas do como o Tacão Grande, que pude frequentar por um ISCTE-IUL em 2009) por apontar o paradoxo de que breve período, antes do término da pesquisa. justamente o Bairro Alto talvez seja o “menos” bairro 30 Principalmente Hernâni Miguel (ver adiante) e seu entre todos, por abrigar dinâmicas que se relacionariam amigo Rui. muito mais com como um todo do que com 31 Uma parte do Bairro Alto tem a entrada e a saída de um plano local, embora eu entenda que o enfrenta- veículos controlada, o que restringe bastante tal movi- mento das relações entre territorialidades e redes possa mento e incentiva a um uso mais recorrente das ruas ajudar a expandir a noção de bairro e ao mesmo tempo como local de circulação e interação. preservar um sentido multiplicado de localidade. 32 Inspiro-me aqui, dentre outros, em Agier (1999), 19 Contrapontos esses enfrentados por Cordeiro e Costa Cordeiro e Vidal (2008) e Frehse (2009). (1999). 33 Agradeço a André Gonçalves, músico morador do 20 Encaravam-me geralmente como um jornalista, em- Bairro Alto, pelos comentários sobre os dois primeiros bora isso tenha se relativizado ao longo de meus retor- territórios, e a Sara Merlini, estudante e frequentadora nos periódicos ao Bairro. do Tacão Grande, sobre o terceiro. Quanto ao quar- 21 Para uma reflexão recente a respeito, ver Feldman- to, reconstituído a partir da observação e de múltiplas -Bianco (2010) e Machado (2010). vozes, pode-se adicionar que a venda de substâncias 22 Nos termos definidos por Peirano (1999), embora ilícitas é diferente (até onde sei) dos contextos brasi- aqui eu ressalte justamente o caráter ilusório de tal leiros, já que é comum que os próprios dealers abordem proximidade. os transeuntes. 23 Com reflexos políticos significativos, cuja crise levou à 34 Para uma abordagem sobre formas de sociabilidade renúncia do primeiro-ministro José Sócrates em mar- em botequins brasileiros, ver o trabalho pioneiro de ço de 2011, como relatarei adiante. Silva ([1969] 1978); sobre demarcações de esferas 24 Nome coloquial da Praça de Luis de Camões. masculinas e femininas em espaços comerciais de um bairro popular carioca, ver Santos et. al. (1985, pp. 25 Para uma reflexão sobre as aproximações entre o es- 41-46); sobre significados de masculinidade a partir trangeiro, o estranho e o estranhamento, ver Simmel da etnografia de um café em Pardais (Alentejo), ver ([1908] 1983). É oportuno mencionar uma passagem Vale de Almeida (2000). do jornalista e escritor José Carlos Oliveira quando em Lisboa em 1975: “Então conheci, nesse bar, um 35 Que me contou ter servido o exército português em homem que ao longo da noite se queixou da vida. Moçambique, durante a guerra colonial (1961-1974), Ora, por mais que portugueses e brasileiros se pare- como várias outras pessoas dessa geração que conheci çam, em Lisboa sou estrangeiro; quando cá me falam durante a pesquisa. Em certos momentos finalizava-se em política, fico em silêncio” (2007, p. 417). o assunto e ele mesmo pedia: “outra (pergunta)!”. 26 Ter lido jornal diariamente ajudou-me inclusive a 36 Bares onde mulheres vendem sua companhia a ho- acompanhar parcialmente certas conversas sobre fute- mens, a princípio sem contato sexual posterior, embo- bol (indispensável para um brasileiro nessas situações), ra haja fronteiras ambíguas com a prostituição. política, economia etc. Uma hipótese para certos mal- 37 O vinho tem uma forte simbologia ligada à tradição -entendidos estaria na intenção dos portugueses de camponesa em Portugal; em tabernas rurais represen- ressaltar nossos excessos dedutivos. Num exemplo ta um fator de coesão dotado de forte ritualidade (Bri- comum e recorrente, pergunta o brasileiro: “O senhor to, 1991, p. 195). Nas palavras de Vale de Almeida, “a sabe onde fica tal rua?” Responde o português: “Sei”. cultura do vinho carrega, para os locais, o simbolismo 27 “Mais do que Lévi-Strauss com seus índios”, ela ar- da ruralidade e da taberna. A cerveja, como produto riscou. engarrafado e comercializado pela publicidade, apela aos valores da sociedade de consumo e renega a produ- 28 Há também muitos frequentadores e mesmo casos ção para o consumo próprio que o vinho simbolizava” de donos de estabelecimentos. Machado refere-se, (2000, p. 183). nesse sentido, ao “mercado da alegria”, propício aos brasileiros devido a qualidades como “simpatia” e 38 Ver Padrão (2008, p. 24). Celestino era então porta- “cordialidade” (2010, p. 223). -estandarte do Lisboa Clube Rio de Janeiro. 29 É particularmente assinalável a quantidade de bares 39 Cujo desfile na Avenida da Liberdade também assisti

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naquele ano, bem como acompanhei, de forma bem 50 Quem infelizmente não pude estabelecer contato por mais detida, em 2011 (ver, a respeito, Frúgoli Jr., estar, então, a poucos dias do término da pesquisa. 2012). 51 Ver, a respeito, Carrilho (2011), além do documen- 40 Que também se chama José. tário já citado. 41 Disponível no youtube: , acessado em 20/8/2011. período de pesquisa, tendo inclusive levado a uma 42 Grupo musical que articula humor com protesto polí- primeira tentativa de controle por parte do poder pú- tico, e que faz muitas intervenções nos espaços públi- blico quando do anúncio de uma futura proposição cos da cidade (ver, a respeito, Vaza, 8/3/2011). de restrição do horário de funcionamento das lojas de conveniência, consideradas as principais responsáveis 43 Durante a reforma, descobriram-se ali pisos, paredes por tal consumo nas ruas (Sobral, 2011b). e colunas da época anterior ao terremoto de Lisboa, o que foi incorporado na ambientação do bar. 44 Embora o Sétimo Céu seja um bar assumidamente gay, existe uma tendência de tal territorialidade se es- Bibliografia praiar por vários locais do Bairro e do entorno, como em bares gay-friendly. Por outro lado, Ana Henriques, AGIER, Michel. (1999), L’invention de la ville: em matéria de publicada no periódico Público, afirma banlieues, townships, invasions et favelas. Paris, que espaços antes mais fechados se tornaram aos pou- Archives Contemporaines. cos hetero-friendly. Ademais, se um fluxo significativo . (2011), “Os saberes urbanos da antro- de pessoas na alta madrugada vai do Bairro Alto para pologia” [1997], in . Antropologia a região da Bica ou Cais do Sodré, há outro que segue em direção ao Príncipe Real, lugar referencial de con- da cidade: lugares, situações, movimentos. Tr a- centração desse tipo de público. dução de Graça Índias Cordeiro, São Paulo, 45 Eis a descrição por email da escritora Isabel Fraustino, Terceiro Nome. em 2006: “Nos anos de 1980 surgiu o ‘Frágil’. Foi AUTHIER, Jean-Yves; BACQUÉ, Marie-Hélène o primeiro bar moderno do Bairro Alto e de Lisboa, & GUÉRIN-PACE, France. (eds.) (2006), Le aberto por Manuel Reis (uma figura incontornável da quartier: enjeux scientifiques, action politiques et nova noite lisboeta). O Frágil marcou a mudança na pratiques sociales. Paris, La Découverte. cidade, com ele os jovens e os intelectuais começaram BELANCIANO, Vitor. (2010), “Zé da Guiné”. a sair à noite para frequentar o Bairro Alto sem serem Público, Lisboa, 3 (caderno P2), 25 ago. amantes de fado [...]. Essa ‘movida lisboeta’ nunca BRITO, Joaquim Pais de. (1991), “A taberna: lugar mais parou. Hoje nem sei dizer-lhe quantos bares há; e revelador da aldeia”, in B. J. O’Neill e J. P. em cada rua encontramos vários e em todos eles há de Brito (orgs.), Lugares de Aqui, Lisboa, Dom mais gente na rua do que dentro do bar”. Quixote. 46 Como sintetiza o cronista Vítor Belanciano: “A meio . (coord.). (1994), Fado: vozes e dos anos de 1980, depois do Bairro Alto adormecer, era Lisboa, Museu Nacional de Etnolo- para ali [Noites Longas] que a Lisboa artística descia de sombras. braço dado e se misturava com a Lisboa castiça do Cais gia/Electa. do Sodré e do Mercado da Ribeira” (25/8/2010). . (2004), “As escritas e as ressonâncias 47 Ver detalhes de sua trajetória e das parcerias com Zé da alteridade”, in J. M. Pais, J. P. de Brito e M. da Guiné em Sacramento (2004, pp. 46-47). V. de Carvalho (orgs.), Sonoridades Luso-Afro- 48 Documentário dirigido por José Manuel de S. Lopes -Brasileiras, Lisboa, ICS. (2011) sobre Zé da Guiné (http://www.zedaguinethe- CABRITA, António R.; AGUIAR, José & APPLE- movie.com/welcome.html), que tive a oportunidade TON, João (orgs.). (1992), Manual de apoio à de assistir um pouco antes do fim de minha estada em reabilitação dos edifícios do Bairro Alto. Lisboa, Lisboa, e cujo diretor também contatei. Câmara Municipal de Lisboa/Laboratório Na- 49 Em certas ocasiões acompanhei-o em sua circulação cional de Engenharia Civil. pelos bares do Bairro Alto, com visitas rápidas ou per- CALVO, Daniel M. (2013), “Procesos de revalo- manências mais detidas. rización patrimonial en el barrio de Alfama:

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RELAÇÕES ENTRE MÚLTIPLAS RELATIONS BETWEEN MULTIPLE Rapports entre les REDES NO BAIRRO ALTO NETWORKS IN THE BAIRRO multiples rÉseaux dans le (LISBOA) ALTO (LISBON) Bairro Alto (Lisbonne)

Heitor Frúgoli Jr. Heitor Frúgoli Jr. Heitor Frúgoli Jr.

Palavras-chave: Bairro; Rua; Redes de re- Keywords: Neighborhood; Street; Net- Mots-clés: Quartier; Rue; Réseaux; lação; Etnografia urbana; Vida noturna. work relationships; Urban ethnography; Ethnographie urbaine; Vie nocturne. Nightlife. Formado no século XVI e situado na área Construit au XVIème siècle et situé dans central de Lisboa, o Bairro Alto pode ser Having sprung up in the 16th century, la zone centrale de Lisbonne, le Bairro visto como um bairro popular e típico, Bairro Alto is a neighborhood located in Alto peut être considéré un quartier com certo predomínio de residentes ido- Lisbon’s downtown area and can be con- populaire et typique, avec une certaine sos e que, do ponto de vista histórico, se sidered a typical popular neighborhood, prédominance de résidents âgés. D’un caracterizou por várias formas de boemia. with a predominantly elderly popula- point de vue historique, il s’est caractérisé Nos anos de 1980, deu visibilidade a um tion, which is historically characterized par diverses formes de vie bohème. Dans novo movimento boêmio, seguido de by various forms of bohemian life. In les années 1980 un nouveau mouvement mudanças que têm atraído um número the 1980’s, the rise of increased nightlife bohémien a vu le jour. Les changements elevado e crescente de frequentadores, activities,followed by some changes that qui s’en sont suivis ont attiré un nombre condensando múltiplas redes. Pretende- occurred in the neighborhood, attracted élevé et croissant de personnes, dont la -se neste artigo apresentar alguns resulta- a growing number of goers from sev- fréquentation a impliqué la formation dos de uma etnografia iniciada em 2007, eral social networks. The article presents de multiples réseaux. Cet article a pour com ênfase em três dimensões: decor- some outcomes from an ethnographical but de présenter quelques résultats d’une rências metodológicas das interações do research initiated in 2007, with emphasis ethnographie qui a débuté en 2007 en antropólogo com portugueses, brasileiros on three dimensions: the methodological attirant l’attention sur trois dimensions e africanos; ênfase das observações sobre consequences of the anthropologist’s in- : les conséquences méthodologiques des uma determinada rua e suas dinâmicas teractions with Portuguese, Brazilian and interactions de l’anthropologue avec les de sociabilidade; reconstituição de deter- African persons who frequent the area; portugais, les brésiliens et les africains minadas redes de relação que articulam the emphasis on observations of a specif- ; l’accent sur les observations à propos sobretudo frequentadores noturnos do ic street and its sociability dynamics; the d’une rue choisie et ses dynamiques de Bairro Alto. reconstitution of some specific networks sociabilité ; la reconstitution de certains articulating Bairro Alto night goers. réseaux qui articulent principalement les personnes qui fréquentent le Bairro Alto la nuit.

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