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Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Curso de Graduação em Antropologia

MILLENA PESSANHA DO NASCIMENTO

O bonde do Trilhos atravessa a cidade: a reinserção social nos espaços urbanos

Niterói 2017

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Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Curso de Graduação em Antropologia

MILLENA PESSANHA DO NASCIMENTO

O bonde do Trilhos atravessa a cidade: a reinserção social nos espaços urbanos

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do título de Ba- charel em Antropologia.

Orientador: Alessandra Siqueira Barreto

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N244 NASCIMENTO, MILLENA PESSANHA DO. O bonde do trilhos atravessa a cidade: a reinserção social nos espaços urbanos / Millena Pessanha do Nascimento. – 2017. 62 f. ; il. Orientadora: Alessandra Siqueira Barreto. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Antropologia) – Universidade Federal Fluminense. Departamento de Antropologia, 2017. Bibliografia: f. 61-62.

1. Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho (, RJ). 2. Saúde mental. 3. Estigma. 4. Cidade. 5. Rede de Atenção Psicossocial (Brasil). I. Barreto, Alessandra Siqueira. II. Universidade Federal Fluminense. Departamento de Antropologia. III. Título.

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Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Curso de Graduação em Antropologia

MILLENA PESSANHA DO NASCIMENTO

O bonde do Trilhos atravessa a cidade: a reinserção social nos espaços urbanos

BANCA EXAMINADORA

...... Prof. ª Dr. ª Alessandra Siqueira Barreto Universidade Federal Fluminense

...... Prof.ª Dr.ª Deborah Bronz Universidade Federal Fluminense

...... Prof. Dr. Nilton Silva dos Santos Universidade Federal Fluminense

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente àqueles que me possibilitaram à realização desse trabalho, toda equipe do Trilhos e os aos amigos que fiz em mim estada lá como Gabi e Fabi que me deram muita força e atenção, me ajudando em tudo que precisava fora do horário de trabalho. À minha Tainá Caldeiras quem me apresentou o Centro de Convivência, À Edson, Patrício, Alexandre, Diego, Aluísio, Paulo Roberto, Elisama dentre tantos outros, que me acolheram com muito carinho se tornando pessoas muito queridas para mim. Aos meus pais, Beatriz grande guerreira que abdicou de sua carreira e criou a mim e meus três irmãos sozinha com todo amor e carinho que poderia e não poderia dar. A meu pai Wilson, que sempre me incentivou a seguir com os estudos me dando a liberdade de escolha e a possibilidade de estudar em uma Universidade Federal fora de minha cidade. Aos meus amados irmãos, Bruna meu eterno orgulho, fonte de inspiração para seguir com meus estudos, a Junior que apesar de toda sua braveza sempre me deu muito carinho e amor, cuidando de mim em diversos momentos, a Eduardo, palhaço da casa, meu neném grude da vida, obrigada por serem meus irmãos amo vocês demais. Ao meu companheiro Mário Henrique, que esteve presente em grande parte da minha graduação, aturando por anos minha grande falação sobre tudo que acontecia comigo, comemorando cada passo meu, me apoiando e me segurando em momentos de grande tensão. Obrigada por ser quem você é e por representa tudo que representa para mim, obrigada por me dar o prazer de ser madrasta do Hugo, que com toda sua inocência, brincadeira e carinho me foi um grande terapeuta me ajudando a seguir alegre nessa jornada árdua da graduação. Eu amo vocês. Aos meus familiares, minha avó Rose, meus tios, e tias, por todo o carinho e acolhimento. Aos meus amados primos em especial Ana Gabriela e Ana Carolina por serem muito mais do que família. Às minhas eternas companheiras de apartamento por serem minha família em todos esses anos, Julia e especial Flávia, minha companheira de quarto, grande parceira nos estudos, obrigada por me ensinar veterinária. v

Às minhas queridas amigas presentes da UFF Ana das Fadas, Amanda, Day, Mari, Ana Rita, Mayte, Annelise, Camille, Renan, Marcela, Barbara, dentre tantos outros nomes de tamanha importância que carregarei para sempre com muito carinho ao se lembrar da minha graduação. Obrigada por estarem presentes nessa jornada, ela não seria a mesma sem vocês. À Louise e Diogo, por abrir a porta da casa de vocês para mim em diversos momentos, com muito carinho, doces, comidinhas, cuidado, atenção e amor. Sou eternamente grata a tudo que vocês fizeram e fazem por mim e principalmente por me proporcionarem ser madrinha do meu amado Arthur. Аоs meus amigos e pelas alegrias, tristezas е dores compartilhas. À minha orientadora Alessandra por acolher minhas ideias, me apresentar meu campo de estudo e me orientar nas minhas confusões. Às grandes professoras que foram fonte de inspiração me influenciando a seguir no curso de antropologia, não me deixando desistir, me mostrando outras alternativas como Alessandra Barreto, Renata Gonçalves e Deborah Bronz. E em especial Ana Lúcia Ferraz, que hoje apesar da distância, com suas aulas inspiradoras me apresentou a antropologia que resolvi segui, obrigada pelo apoio, incentivo de estudar o que gostaria, por me mostrar alternativas para não desistir da Antropologia. E Hélène Petry que com suas aulas nada convencionais me proporcionou e incentivou a partir da Somaterapia e Comunicação não violenta, a possibilidade de autocuidado, de grande valia para conseguir chegar até aqui com a saúde mental saudável. A todos as pessoas que estiveram presentes nessa jornada acrescentando um pouquinho de vocês na minha vida. Enfim, agradeço aos deuses, e ao universo por me darem o dom da vida.

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EPÍGRAFE

“Não se curem além da conta viu? Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: Vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu não convivi com pessoas muito ajuiza- das. ”

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RESUMO

Por meio de um estudo etnográfico, busca-se exaltar a relevância das ativida- des culturais, artísticas terapêuticas e a interlocução da loucura com a Cidade no âm- bito das relações sociais advindas de um processo de reinserção social de usuários da rede de saúde mental. Tal estudo se deu a partir do acompanhamento das ativida- des do Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho, localizado no atual Insti- tuto Municipal Nise da Silveira, zona norte do Rio de Janeiro. Agindo como um potente agenciador da clínica itinerante que se dá nos interstícios do tecido urbano atua no processo de desinstitucionalização e desestigmatização da loucura. Procuro demonstrar como as atividades artísticas terapêuticas, por sua vez, dispõem de uma competência que vê e propicia um potencial à loucura. Potencial esse que reflete diretamente na personificação de um eu estigmatizado em prol de uma ressocialização positiva.

Palavras-chave: Centro de Convivência; Desinstitucionalização; Desestigmatização; usuários da RAPS; Cidade;

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LISTAS

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Fluxograma Circuitos urbanos traçados pelo Centro de Convivência e Cultura Trilhos .45 Figura 2: Fotografia Primavera LouCarioca...... 48 Figura 3: Fotografia Primavera LouCarioca...... 49 Figura 4: Fotografia Primavera LouCarioca...... 49 Figura 5: Fotografia Primavera LouCarioca...... 50 Figura 6: Fotografia Palácio da Republica...... 52 Figura 7: Fotografia Palácio da Republica...... 52 Figura 8: Fotografia Palácio da Republica...... 53 Figura 9: Fotografia Palácio da Republica...... 53 Figura 10: Fotografia Feira de São Cristóvão...... 55 Figura 11: Fotografia Feira de São Cristóvão...... 55 Figura 12: Fotografia Feira de São Cristóvão ...... 56 Figura 13: Fotografia Feira de São Cristóvão...... 56 Figura 14: Fotografia Feira de São Cristóvão ...... 57

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 11

2 DO HOSPÍCIO A DESINSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA ...... 18

3 CENTRO DE CONVIVÊNCIA E CULTURA TRILHOS DO ENGENHO ...... 31

4 CLÍNICA, CIDADE E SUBJETIVIDADE ...... 39

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 59

6 FONTES ...... 61

6.1 Referências Bibliográficas ...... 61

6.2 Outras Referências ...... 62

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1 INTRODUÇÃO

As temáticas arte e cultura acompanham minhas aspirações desde muito nova, e ao entrar no mundo acadêmico se mostraram ainda mais significativas para meu pro- cesso de construção pessoal e acadêmica. Logo no segundo período da graduação, cursando a disciplina Saber e Diversidade Cultural, tive o grande prazer de ser apre- sentada a uma outra forma de pensar a educação tanto da forma que é passada, como na questão do que ela representa no âmbito social. Se mostrou para mim sob a ótica não mais da escola e das tradicionais faculdades de conhecimento, mas do pro- cesso mutuo de troca de saberes que se dão no ato de conviver, na experiência em- pírica da vida.

O conhecimento passado de autores como , Larrosa Bondía e especialmente ganharam grande espaço na minha vida, acadêmica e pessoal. Em particular, minha atenção voltou-se as peculiaridades da técnica terapêu- tica do Teatro do Oprimido de Boal. Ao dizer que todos nós nos deparamos diaria- mente com barreiras psicológicas ou sociais que nos reprimem, nos alienando em nossa própria capacidade, busca a partir da faceta do teatro a transformação social com foco no corpo. A devida importância dada por Boal ao diálogo, as práticas coleti- vas e as experiências individuais foram um fator crucial para a escolha do presente campo etnográfico.

Assim, a arte como processo terapêutico e o novo conceito de educação ga- nharam grande significância para mim sob o viés do afeto, da troca, do devir, dos encontros, do diálogo, dos saberes, da experiência. Estando presente durante todo o processo desde o início, na escolha de disciplinas que iam do campo da psicologia social a arte e educação, até a conclusão desse trabalho etnográfico no que diz res- peito a escolha e permanência do campo a ser estudado.

Entretanto havia um outro tema que sempre me instigou durante toda a gra- duação, e ainda o faz. Era o tema das cidades, o famoso estudo da Antropologia Ur- bana. O fenômeno das cidades, a forma como se constrói a noção de espaço, o jeito como ela abraça todos os estilos e formas, o modo como é construída e pensada e

12 para quem é construída e pensada, mas principalmente a forma como ela se mani- festa na vida dos indivíduos.

Buscando essa interlocução entre cidade, arte, terapia, educação e loucura que o Instituto Municipal Nise da Silveira apareceu. Meu primeiro contato com o Insti- tuto se deu no final de 2015, através de uma aula de Antropologia da Arte onde a Professora Alessandra, orientadora desse trabalho, nos apresentou o Hotel e Spa da Loucura e o Museu de Imagens do Inconsciente. Mesmo sem ir lá só ouvindo relatos e lendo a respeito, tive um grande encantamento pelo trabalho terapêutico. Em feve- reiro de 2016 fui conhecer o local e escolhi o desfile do Bloco Loucura Suburbana que estava comemorando seus 15 anos de existência, como primeiro contato. Carregada por uma energia contagiante cercada de muita música, amor, luta, loucura, cor, vida fui magicamente enfeitiçada por aquele espaço e foi naquele momento que tive cer- teza que ali seria o palco de minha primeira pesquisa etnográfica e assim se fez.

Na busca por meios de conseguir adentrar no Instituto, recorri ao contado de amigos próximos, como Tainá Caldeiras, minha veterana nos estudos antropológicos, hoje grande amiga. Tainá trabalhava como musicista oficineira no Centro de Convi- vência e Cultura Trilhos do Engenho, um dispositivo1 não assistencial2 da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que funciona dentro do Instituo Municipal Nise da Sil- veira. Foi ela quem me apresentou o mesmo. Apesar do Centro de Convivência ter como proposta uma interlocução com a comunidade, a entrada em campo por inter- médio de Tainá me possibilitou uma interação mais intima, abrindo certas portas e caminhos que talvez sozinha fossem mais difíceis.

Com suas oficinas de rádio, teatro, música e etc., e os passeios pela cidade, a equipe, as pessoas que ali frequentam, enfim todo o serviço prestado pelo Trilhos do Engenho aos usuários da RAPS e comunidade me encantaram, e acabei por es- colhe-lo como dispositivo onde iria construir minha experiência etnográfica.

1 Dispositivo é um termo na saúde mental provindo das ciências psicológicas que representa as unidades de tratamento. 2 Na estrutura organizacional da RAPS existem os dispositivos assistenciais que são os de tratamento em stitro sensu com consultórios médicos e os dispositivos não assistenciais que são os dispositivos ligados a Cultura.

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O que mais me chamou atenção no Centro de Convivência e Cultura foi seu aparato não assistencial, complementarmente terapêutico. Na busca de uma promo- ção de bem-estar social, de grande valia para o tratamento de transtornos mentais, se faz como uma clínica não convencional, onde o remédio é a convivência e a troca de afetos.

Durante toda a etnografia, procurei apreender o processo de desinstitucionali- zação e desestigmatização da loucura a partir das atividades oferecidas pelo Trilhos Engenho. Dando um enfoque maior nas saídas à rua, na circulação pela cidade como grande ferramenta para esse processo, descrevo a ocupação de novos espaços como aparato essencial para a reinserção social dos usuários a partir da trajetória histórica dos processos de isolamento institucional.

Contextualizando essa instituição, no primeiro capitulo procuro refletir sobre o percurso da psiquiatria no Brasil trazer à tona seus principais pontos, desde a cons- trução do hospício aos seus processos de desconstrução advindos da Reforma Psi- quiátrica. Mostrando o caráter de exclusão social imposto pelas instituições psiquiátri- cas e o consequente isolamento dos internos em relação a sociedade, que vai desde os muros da instituição em seu caráter total com a degradação da identidade do in- terno, à produção de um estigma baseado no imaginário perverso da loucura. Procuro mostrar os caminhos da reforma psiquiátrica brasileira no que diz respeito a desinsti- tucionalização e a criação de novas políticas públicas que deram abertura para a ide- alização de unidades como o Centro de Convivência e Cultura que projetam a rein- serção social.

No segundo capítulo, volto-me para as unidades terapêuticas, escrevo sobre o Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho. Guiada pelas perguntas “como funciona? ”, “a quem serve? ”, descrevo o espaço enquanto dispositivo não assisten- cial da Rede de Atenção Psicossocial, apresentando sua estrutura de organização enquanto prática e composição para servir de base para entender as atividades ex- postas no último e mais importante capítulo.

O terceiro e último capítulo destina-se a reflexão sobre a questão da Cidade enquanto espaço por 0 subjetivo, que projeta uma certa influência sobre a identidade

14 dos indivíduos que nela circulam. Sigo caracterizando arte e cultura como grande ali- adas no processo terapêutico de reinserção social dos usuários. Mapeando os circui- tos traçados na cidade pelo Trilhos do Engenho com os usuários, evidencio a sua relação com os processos de desinstitucionalização e desestigmatização da loucura no que diz respeito ao estímulo de uma transformação social.

Metodologia

“De todos os estudos das ciências humanas, a antropologia é a que está mais profun- damente enraizada na experiência social e subjetiva do investigador. Nela, toda a ava- liação tem como referência o sujeito, toda observação é finalmente aprendida na “ba- tida do pulso. ” (TURNER, V. 2005)

Primeiramente, gostaria de elucidar o quão difícil no sentido ético é escrever sobre algo que te afeta, sobre pessoas que te afetam, vidas que começam a interagir com a sua de forma que te transforma, escrever sobre pessoas que depositam sua confiança e carinho em mim buscando reciprocidade. O quão desafiador é problema- tizar e descrever traduzindo em palavras organizadas em um pedaço de papel rela- ções e experiências vividas e sentidas na pele. Comecei o campo usando do método mais clássico do trabalho etnográfico, a observação participante, tentando buscar toda a técnica que as disciplinas de etnografia me apresentaram e buscando sempre me colocar no árduo papel de pesquisadora.

Passei os primeiros meses indo de semana em semana na programação da rádio que acontecia as sextas feiras no período da tarde. Por ser uma atividade que busca livre expressão, a observação participante me proporcionou uma abertura e aproximação peculiar e tanto proveitosa com a equipe e os frequentadores do Trilhos.

Minha presença nesse contexto se deu por muito mais de uma mera observa- ção participante. Me deixei ser afetada do sentido empregado por Fravet-Saada (2005) de participação além da mínima necessária para a observação. “Se tentasse observar, quer dizer, me mantar a distância, não acharia nada para observar”. O tra- balho realizado pelo Trilhos, e as pessoas que nele encontrei me tocavam muito mais na vida pessoal do que na vida acadêmica, e o fato de estar lá simplesmente por estar,

15 não fazia sentido. De certa forma, involuntariamente fui afetada de dois modos que se entrelaçaram botando em risco a própria pesquisa. Primeiramente num impulso de querer fazer parte, me coloquei não como uma mera pesquisadora, mas me permiti estar junto, como uma voluntária, ou frequentadora. Em outro aspecto vivi o que pode se chamar de experiência extraordinária3, que deixa marcas, como o devir, sendo transformada pela arte do encontro e assim afetada4.

Por conta do deslocamento e a demanda financeira que tal empreitada exige, passei uns meses sem conseguir ir ao campo o que me fez ter vários pensamentos sobre a função e o processo da pesquisa, principalmente sobre a relação construída com as pessoas que ali frequentam. A experiência empírica de uma pesquisa etno- gráfica te proporciona uma posição tênue entre o papel de pesquisadora e o papel de voluntaria/colaboradora e se tratando de saúde mental essa posição pesa um tanto a mais para o lado da colaboradora, amiga. Nesse tempo afastada, fiz algumas visitas esporádicas em outras atividades, o que me fez entrar em crise sobre o meu papel e objetivo ali. Não aceitava simplesmente produzir um trabalho acadêmico que não daria um certo retorno proporcional ao afeto e confiança que tanto a equipe como os usuá- rios depositavam em mim e foi então que surgiu a ideia de agregar um filme etnográ- fico a pesquisa, ganhando assim uma nova metodologia para seguir com o trabalho.

A proposta do filme veio como um retorno prático e útil ao dispositivo e aos usuários que diferentemente da proposta de um trabalho escrito agrega a grande mai- oria dos envolvidos proporcionado assim uma troca em que se sintam contemplados e não usados. Dessa maneira, o filme me possibilitou e abriu certos caminhos que me encorajaram a seguir com o que eu acreditava sem me sentir usando a vida das pessoas e conseguindo assim prosseguir com a pesquisa.

3 A Experiência extraordinária segundo Turner (2005) opera no tempo entre o passado e o presente cortando seu fluxo rotineiro, o transformando em momento de reflexões, ressignificações. Operação que proporciona o questionamento do “como se” e não da afirmação do “é”.

4 No sentido deleuziano de afetamento.

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Numa interlocução entre o aparato audiovisual e observação participante, a pesquisa se deu em diversas atividades do Trilhos sendo essas internas, como a pró- pria oficina de rádio, oficina de música, teatro e etc., além de eventos como exposições artísticas dentro do espaço do Trilhos e ainda entrevistas no dia a dia das atividades. E as externas, nos interstícios do tecido urbano, as mais pertinentes para o objetivo dessa pesquisa, que são as atividades extramuros, na cidade, como eventos em pra- ças, passeios culturais, passeios ecológicos, dentre outros.

Uma das estratégias que tentei foi o uso de entrevistas com o aparato audio- visual. Apesar de ser um instrumento de pesquisa comum, não me foi de grande ser- ventia tendo em vista os eventuais imprevistos, provenientes muitas vezes de uma certa “vergonha” em se falar na frente da câmera, que impossibilitaram a realização de entrevistas formais com os funcionários. Ademais, outro fator se deu pela dificul- dade de chegar à o que procurava ao fazer entrevistas formais com os clientes. Fa- zendo-as na frente da câmera fui esperando que os usuários me falassem sobre a estada deles no Centro de Convivência, os porquês frequentavam, sobre seu trata- mento e etc., mas eles só queriam falar da vida deles, o que fazem, o que gostam de fazer, quem são, quem foram. Por conta dessa dificuldade, os dados etnográficos em grande maioria se revelaram em conversas informais, nas várias situações de socia- bilidade em que estive presente a partir da observação participante.

Infelizmente, por conta da falta de tempo e recursos, o filme não sairá junto com este escrito etnográfico, porém está sendo fundamental para a escrita do traba- lho, como forma de operacionalizar as ideias, dialogar com autores e atores.

Por último, gostaria de destacar que escolhi dar um enfoque na instituição enquanto agente e não necessariamente nos indivíduos como uma forma de não os expor, de preserva-los. Ao se referir aos indivíduos de forma geral uso as categorias de funcionários e as empregadas pela própria Instituição em sua estrutura de organi- zação que é usuário da Rede de Atenção Psicossocial ou cliente5. Ainda ao se referir

5 Cliente é a categoria histórica, utilizada no Instituto por conta de Nise da Silveira, que lá na década de 1950 contestava o uso da palavra paciente para se referir aos internos. Nise dizia que paciente era aquele que espe- rava e, portanto, não tinha autoria na ação. Já o cliente oferece um serviço de mão dupla.

17 diretamente em citações como entrevistas ou conversas informais uso o aparato de nomes fictícios para identificar os sujeitos.

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2 DO HOSPÍCIO A DESINSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

“É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade. ” (Nise da Silveira)

Compreendendo a Instituição psiquiátrica brasileira

Não podemos falar de saúde mental sem analisar a estrutura histórica da insti- tuição que se tornou seu símbolo. O marco institucional da psiquiatria brasileira se deu com a criação do Hospício D. Pedro II. O primeiro hospital psiquiátrico brasileiro foi fundado no ano de 1852, na cidade do Rio de Janeiro, antiga capital do império, na Urca - hoje lugar onde fica o campus da Praia Vermelha da UFRJ. Atendendo a uma demanda de abrigar os indigentes que ocupavam as chamadas Santa Casas de Mi- sericórdia6, assim como dar conta do novo papel da psiquiatria médica que estava em ascensão. Cria-se o hospício, lugar por excelência de intervenção da loucura, que atende a necessidade de recolher os loucos – indigentes sociais - e de os afastarem do meio urbano e social tanto no âmbito do distanciamento7, quanto no âmbito da reclusão. (FONTE, E. M. M., 2012; JORGE, M. A., 2017; informação verbal.8)

As instituições psiquiátricas brasileiras, baseadas nos preceitos da ciência mé- dica estruturadas no pilar do isolamento social, promoviam um espaço com funções asilares, prometendo um “tratamento” à loucura. Por serem vistos como lugares de cura, em sua própria demanda de criação já contavam com a problemática da super- lotação9 (JORGE, 1997; informação verbal10). Por conta dessa demanda tem-se a ne-

6 A loucura só ganha importância para o Estado brasileiro com a chegada da Família Real no início do século XIX. Como ameaças a uma ordem pública que estava a se consolidar, tem se a necessidade de enclausurar os loucos nos porões das chamadas Santas Casas de Misericórdia. 7 O Hospício Pedro II foi criado na Urca, na época lugar isolado da circulação urbana, na busca de um certo dis- tanciamento social. 8 Dados fornecidos a partir dos arquivos históricos do Centro de Estudos, Treinamento e Aperfeiçoamento Paulo Elejalde (CETAPE) por funcionários em visitas guiadas pelo Museu de Imagens do Inconsciente e Instituto Municipal Nise da Silveira. 9 A proposito o hospício em toda a sua história conta com a superlotação 10 Idem ao 6

19 cessidade de criação de novos espaços para abrigar esses indivíduos. E é nesse con- texto que se insere a criação das chamadas Colônias dos Alienados que serviam para abrigar os pacientes excedentes que não apresentavam possibilidade de cura. Como é o caso da Colônia das Alienadas do Engenho de Dentro11 fundada em 1911, onde hoje se encontra o presente Instituto Municipal Nise da Silveira.

Pertinente analisar que a definição de loucura se manifestava como um certo desvio de conduta e não necessariamente uma patologia clínica orgânica – a não ser em casos extremos. Erving Goffman (2011. Id. 2010) ao estudar o hospício e os sin- tomas mentais observa e faz uma crítica à psiquiatria institucional e principalmente ao processo de patologização dos delitos sociais promulgados pela mesma como sinto- mas psicóticos. Tendo que os sintomas mentais estão diretamente relacionados a uma ordem pública, e consequentemente suscetíveis a determinadas situações soci- ais, surge o questionamento, “que tipo de ordem social é relacionada especificamente ao comportamento psicótico? ” (2011, p. 135):

O comportamento psicótico, como sugerido, vai contra aquilo que pode ser pensado como a ordem pública, especialmente uma parte da ordem pública, a ordem que governa as pessoas em virtude de elas estarem na presença física imediata umas das outras. Grande parte do comportamento psicótico é, em primeira instância, uma falha em seguir as regras estabelecidas para a conduta da interação face a face - quer dizer, regras estabelecidas ou pelo menos aplicadas por algum grupo de avaliação, julgamento ou policiamento. O comportamento psicótico, em muitos exemplos, é aquilo que podemos chamar de im- propriedade situacional. (2011, p. 135) O delito social enquanto sintoma psicótico pode ser entendido como um com- portamento ofensivo que infringe uma regra geral de conduta projetando uma certa periculosidade a ordem social vigente. Nesse contexto a crítica de Goffman

11 No final da década de 1930 a localização do Hospício Nacional dos Alienados (antigo Hospício Pedro II, que depois voltou a ter esse nome) na Urca, começa a ser um fator incômodo, tendo em vista o crescimento popu- lacional de uma elite carioca na zona sul. É nesse momento que começa a se viabilizar a transferência do Hospí- cio para a Colônia das Alienadas do Engenho de Dentro. A transferência foi efetivada no ano 1943 com a desati- vação do Hospício Nacional da Praia Vermelha e sua incorporação pela Universidade do Brasil.

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(2011) pode ser completamente aplicada às instituições brasileiras, tendo em vista o processo de desenvolvimento do país que no final do século XIX e início do XX bus- cava um certo progresso social, baseado numa civilidade. Os hospícios exerciam a função de garantir uma certa paz e ordem social cumprindo um papel de custodia – assim como as prisões – escondendo e excluindo os diligentes sociais, chamados de loucos dos olhos da sociedade fazendo o que pode se considerar uma limpeza social.

Mas afinal quem eram esses os loucos? A definição de loucura passava pelos julgamentos e princípios morais vigentes, muitas vezes atrelados a questões eugenis- tas, xenofóbicas e racistas. Os loucos eram os “vagabundos”, inválidos, criminosos, as prostitutas, os homossexuais, os remanescentes da escravidão, dentre muitos ou- tros, os indivíduos considerados indesejados, os desviantes sociais.

Ademais, apesar da falta de fontes bibliográficas, é de se considerar uma pos- sível relação entre as políticas públicas de ordenação social do final do século XIX e início do século XX e uma demanda de remanescentes das leis de libertação es- crava12 como a Lei Eusébio de Queiróz (1850), Lei do Ventre Livre (1971), Lei dos Sexagenários (1885) e a Lei Áurea, lei da abolição, promulgada em 1988. Os registros fotográficos da época do manicômio mostram uma grande quantidade de indivíduos negros e até hoje a grande maioria dos usuários são negros. Partindo desse pressu- posto, torna-se conveniente questionar: Sendo o Brasil um dos últimos países a pro- mulgar a abolição da escravidão, por conta de uma resistência do império e proprie- tários rurais, que perpetuou por vários anos contando ainda com a ajuda repressora da polícia do Estado para manter uma disciplina social frente aos movimentos a favor da abolição. Seria o hospício brasileiro também um deposito dos escravos libertos e pró abolição? Seria possível ao se pensar nos desviantes, se fazer um recorte da raça?

12 Lei Eusébio de Queiróz, proibição do tráfico negreiro; Lei do Ventre Livre promulgada em 28 de setembro de 1871 dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data; Lei do Sexagenários dava liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade; Lei Áurea que proibia a escravidão;

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As Instituições totais e encarceramento da vida

As instituições psiquiátricas nesse contexto se inserem como espaços de tutela e exclusão ocupando completamente a vida do internado. Essas características da instituição de custódia e isolamento se enquadram no que Goffman chamou de Insti- tuições Totais (GOFFMAN, 2010). Totais no sentido que ocupam a realização de to- das as esferas da vida do indivíduo, ocasionando um certo fechamento social para com o mundo externo; uma separação da sociedade mais ampla por um certo período de tempo que pode demorar décadas.

Essas instituições tendem a transformar significativamente a vida do indivíduo que ali frequenta e a definição do seu eu de maneira dramática. Afetando não só a forma como ele se define, mas a forma como se pensa enquanto ser social. Quando um indivíduo “adoece”, a sua imersão em um espaço institucional de característica total acaba que por causar um certo desequilíbrio do eu (GOFFMAN, p 24) caracteri- zado por uma violação da autonomia e da liberdade de ação do indivíduo.

Tal violação advém primeiramente da barreira entre o mundo externo e o mundo interno, com a ruptura da ocupação dos meios sociais, lugar por excelência de troca de afetos e sociabilidade. Apresenta-se, sucessivamente, pelas circunstancias de “enquadramento”, por imposições de regras de conduta, do despojamento de bens que faz perder seu conjunto de identidade e segurança pessoal. A exposição conta- minadora tanto por caráteres físicos (espaço), quanto por contato com pessoas con- sideradas “inferiores”13 também é um fator que age diretamente numa deterioração da identidade do indivíduo.

Os hospícios seguiram, por décadas, reproduzindo a lógica do isolamento e portando diversos problemas estruturais. A superlotação era um desses problemas que influenciava os demais como falta de conforto mínimo para os internos, e precá- rias condições de higiene (Informação verbal)14. Promovendo um movimento contrário

13 Muitos dos internados não tinham características psicóticas. 14 Dados fornecidos a partir dos arquivos históricos do Centro de Estudos, Treinamento e Aperfeiçoamento Paulo Elejalde (CETAPE) por funcionários em visitas guiadas pelo Instituto Municipal Nise da Silveira.

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à cura, suscitava uma cronificação tanto dos estados psicóticos como da própria ins- tituição.

A experiência da instituição psiquiátrica no Brasil no auge do manicômio, de acordo com registros (informação verbal)15, era carregada por uma nuvem densa e pesada, com um caráter um tanto sombrio. O hospício funcionava como um depósito humano de pessoas indesejadas, sistematizando uma desumanização institucionali- zada promovida e aprovada pelos preceitos médicos científicos16 e consequente- mente pela sociedade. Além dos problemas estruturais fomentava uma vida sem os direitos básicos da cidadania, como uma roupa para vestir, um talher para se alimen- tar, lugar confortável para dormir, ou ainda a relações afetuosas.

Do manicômio a reforma psiquiátrica

Por volta do final da década de 1970 e início da 80, teve início uma movimen- tação dos trabalhadores da saúde mental que se viam em uma situação de grande exploração e total decadência. Essa movimentação ganha força ainda na ditadura mi- litar, justamente no momento em que a situação econômica do país estava em crise. Por conta de um movimento de privatização dos hospitais psiquiátricos, a situação dos serviços de saúde pública ficaram ainda mais degradadas e os hospitais foram sendo deixados em estados de maior abandono (FONTE, E. M. M., 2012)

No ano de 1978, estoura uma greve geral dos trabalhadores de saúde mental, estopim da reforma psiquiátrica no Brasil, “episódio conhecido como “Crise da DIN- SAN17” (AMARANTE, 2015, p.51). Refletindo sobre um conjunto de denúncias e rei- vindicações tanto de melhores condições trabalhistas quanto por melhores condições de assistência a população e humanização dos serviços “oscila entre um projeto de transformação psiquiátrica e outro de organização corporativa. ” (2015, p.52).

15 Idem ao 10 16 Ao longo do processo existiram figuras como a própria Nise da Silveira que não aceitaram, que negaram es- ses pressupostos e tentaram construir algo diferente indo contra ao sistema, porem representavam uma agu- lha no palheiro, tendo em vista toda a supremacia da ciência psiquiátrica. 17 Divisão Nacional de Saúde Mental, órgão do Ministério da Saúde responsável pela formulação das políticas do subsetor saúde mental.

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Esta greve não só do campo profissional, acabou por desencadear um movi- mento de maior reflexão sobre as instituições, sobre as relações de poder da psiquia- tria e o tratamento oferecido. Provocou a união dos trabalhadores da saúde mental em todo o Brasil em prol de uma luta por mudanças no sistema, desencadeando uma pluralidade de manifestações figuradas por congressos e encontros decisivos para o movimento dos trabalhadores dando origem ao processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil (2015, p. 51- 56).

Sob grande influência dos movimentos de crítica à psiquiatria que aconteciam nos Estados Unidos e na Europa, principalmente com a Psiquiatria Democrática Itali- ana de Franco Basaglia que teve uma influência direta no movimento dos trabalhado- res de saúde mental.18 Somou-se ainda a chegada às universidades brasileiras do corpus teórico de Michel Foucault com sua obra A História da Loucura na Idade Clás- sica que instaura uma reviravolta tanto na psiquiatria como na loucura. Apresentando que a tratamento da loucura como uma doença que precisa ser isolada é um fato recente na história da humanidade, Foucault (1964 apud AMARANTE, 2015) demons- tra como a loucura na modernidade está fundamentalmente relacionada a psiquiatria enquanto ciência médica. Dessa forma, começa a aflorar um questionamento do pró- prio campo psiquiátrico dentro das universidades sobre a estruturação dessas institui- ções.

Na década de 1980, especialmente, começam a surgir então várias propostas de mudança do sistema, como uma reforma geral do modelo de assistência, pensando principalmente na desconstrução do manicômio não só como espaço físico, mas como um espaço de possibilidade de relações sociais. Tendo influência do modelo italiano de Basaglia, busca-se meios de sistematizar essas ações. É por volta de 1987, na busca de um tratamento mais humanizado, que surgem os primeiros Centros de Aten- ção Psicossocial – CAPS concomitante com o fechamento de alguns manicômios sim-

18 Em 1978 no I Congresso Brasileiro de Psicanalise de Grupos e Instituições sediado no Rio de Janeiro, há a pos- sibilidade de presença dos principais mentores da Rede de Alternativas à Psiquiatria contando com nomes como Felix Guatarri, Robert Castel, Erving Goffman e Franco Basaglia. Basaglia em especial profere conferên- cias em sindicatos, universidades e associações resultando em uma influência significante ao Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental.

24 bolizando um marco inicial no processo de desinstitucionalização da loucura. Instau- rando desse modo um movimento social político e epistemológico que há cerca de 30 anos está em processo trabalhando em prol de “uma sociedade sem manicô- mios” (FONTE, 2012).

Dado o exposto, é pertinente ressaltar a mudança de paradigma quanto `a ca- tegoria de doença e sua possível “cura”. Com a ascensão do Movimento da Luta An- timanicomial, o atendimento psiquiátrico ganha uma nova lógica, tendo um caráter muito mais de acolhimento do que de custódia. O tratamento da loucura se torna algo muito mais ligado à promoção de um bem-estar social do que necessariamente uma cura. Nise da Silveira já dizia que a loucura é um estado do ser e não necessariamente uma doença, é uma forma de estar no mundo. O que o serviço psiquiátrico precisa propiciar é que o indivíduo sofra o menos possível e que possa ser aceito o máximo possível na sociedade.

Instituto Municipal Nise da Silveira

O Instituto Municipal Nise da Silveira19 é uma instituição de saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro sendo uma entidade com uma his- tória importante para o tratamento da loucura no Brasil. Fundado em 1911 como Co- lônia das Alienadas do Engenho de Dentro, passou por diversas transformações ao longo dos anos, tornando-se Centro Psiquiátrico Nacional a partir da transferência do Hospício Pedro II da Praia Vermelha para suas instalações. Acompanhando as mu- danças no tratamento psiquiátrico no Brasil, foi palco do trabalho revolucionário de- senvolvido pela doutora Nise da Silveira. De grande valia para as políticas públicas de saúde mental no pais, propiciou contribuições e inovações significativas para o trata- mento de transtornos mentais (O Centenário, 2011).

Nise da Silveira e foi uma das mais importantes figuras da medicina psiquiá- trica brasileira. A primeira mulher a entrar na Faculdade de Medicina da , lidou

19 Como parte do processo de desinstitucionalização nos anos 2000 com a municipalização do Centro Psiquiá- trico Pedro II, a Instituição ganha um novo nome em homenagem a grande psiquiatra que ali consolidou seu trabalho e sua luta e passa a se chamar Instituto Municipal Nise da Silveira.

25 com diversos impedimentos em sua formação por conta de seu gênero. Com ideais opostos ao de sua época, lutou por suas convicções no âmbito da psiquiatria institu- cional na busca de um tratamento mais humanizado. Inspirada em autores dos cam- pos da arte e psicanalise, como Antonin Artaud, e Carl Gustav Jung, figura importante em sua trajetória, propunha tratamentos baseados em atividades que envolvessem formas expressivas, como pintura, modelagem em oposição aos tratamentos de cho- que, os quais considerava agressivos e ineficazes.

Por volta de 1940, assume um cargo no Hospital Psiquiátrico Pedro II (atual Instituto Municipal Nise da Silveira), localizado no bairro Engenho de Dentro, zona norte do Rio de Janeiro. Ao contestar e se recusar a realizar o tratamento psiquiátrico da eletroconvulsoterapia, do coma insulínico e da lobotomia, é transferida como puni- ção para o setor de “terapia ocupacional” menosprezado na época pelos médicos.

Em 1946, introduzindo a terapia ocupacional no tratamento psiquiátrico fun- dou a Seção de Terapia Ocupacional dentro do hospital, onde os internos chamados por ela de clientes praticavam oficinas de pintura e modelagem. Acreditava que as atividades terapêuticas expressivas eram um jeito eficaz e positivo de se compreender a loucura, principalmente em pacientes esquizofrênicos, com os quais o dialogo era mais restrito (Informação Verbal).20

O sucesso em seus ateliês de pintura e modelagem fizeram com que, em 1952, fosse fundado o Museu de Imagens do Inconsciente. Com o propósito de estudo e pesquisa, o espaço visava, juntamente com a produção dos ateliês, o acompanha- mento da evolução dos casos clínicos e o estudo das imagens e símbolos do incons- ciente. Funcionando como um museu vivo de estudo e pesquisa, atualmente possui em seu acervo cerca de 350 mil obras e é um grande ícone de referência do trabalho da doutora Nise.

Apesar de todo o sucesso de suas práticas em terapia ocupacional e, princi- palmente, no ateliê de pintura, onde teve uma significância no universo das artes, no

20 Dados fornecidos a partir dos arquivos históricos do Centro de Estudos, Treinamento e Aperfeiçoamento Paulo Elejalde (CETAPE) por funcionários em visitas guiadas pelo Museu de Imagens do Inconsciente e Instituto Municipal Nise da Silveira.

26 campo da psiquiatria a repercussão de seu trabalho foi isolada. Foi só por volta da década de 80, com o início da do movimento da Reforma Psiquiátrica, que as terapias de cunho expressivo começam a se aproximar mais da psiquiatria.

A Reforma Psiquiátrica, como já mencionado, pode ser entendida como um processo político e social complexo cotidiano, onde as transformações sociais, cultu- rais, estruturais se dão a cada dia. Ela age em diversos territórios desde políticas públicas no âmbito dos governos federais, estaduais e municipais, tanto em universi- dades, movimentos sociais, nos serviços de saúde, opinião pública contando com a agencia de atores e instituições variadas. Seu grande pilar hoje se debruça no pro- cesso de desinstitucionalização e desestigmatização da loucura, buscando através de manifestações culturais e artísticas a reinserção social dos usuários na sociedade.

Lei da Reforma, e a criação dos Centros de Convivência

A entrada no século XXI emergiu com mudanças significativas nos processos de desinstitucionalização da loucura. Em 6 de abril de 2001 é aprovada a lei 10.216, considerada a lei da Reforma Psiquiátrica que define a Política de Saúde Mental e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”21. A reinserção social ganha des- taque no Art. 4, fomentando assim a criação de uma rede de atenção psicossocial que busque serviços alternativos e substitutivos aos hospitais psiquiátricos de forma a pro- vocar a interlocução dos serviços de atenção à saúde mental com a comunidade (AN- DRADE, 2014)

Ainda em 2001 foi realizada a III Conferência Nacional de Saúde Mental onde se discutiu a possibilidade de ações em múltiplas esferas sociais que trabalhassem em benefício da reinserção social. Estabelecendo princípios e diretrizes que visando a autonomia dos usuários por meio da assistência em saúde mental vê cultura, arte e lazer com grande potencial no processo da reinserção social. Abria-se, assim, para a criação de dispositivos como os Centros de Convivência.

21 D.O. ELETRÔNICO DE 09/04/2001, P. 2

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O Programa de Centros de Convivência na Rede de Atenção em Saúde Mental foram instituídos no ano de 2005 com a portaria N396 de 7 de julho de 2005 consi- derando as determinações da Lei 10.216 e as demandas da III Conferência Nacional de Saúde Mental (2014). Configurando como “dispositivos públicos componentes da rede de atenção substitutiva em saúde mental, onde são oferecidos às pessoas com transtornos mentais espaços de sociabilidade, produção e intervenção na cidade”22, e funcionando como dispositivo estratégico em prol da inclusão social.

Em 2000, com a municipalização do Hospital Pedro II e sua transformação em Instituto Municipal Nise da Silveira, começa-se a intensificar o processo de descons- trução do manicômio. Buscando alcançar a desinstitucionalização, começa-se a pro- mover uma reformulação de seu espaço, buscando uma ocupação do mesmo com projetos culturais, sociais e de geração de renda.

Como parte desse processo em 2011 na busca de dispositivos que pudessem trabalhar com a reinserção social, e a autonomia passa-se a idealizar a criação um Centro de Convivência e Cultura dentro do Instituto. E é a partir dessa ideia que surge o Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho que pretende através do “en- trelace entre clínica, cidade e subjetividade uma provável interferência na experimen- tação cotidiana, daqueles que se aproximam desde dispositivo de cuidado que utiliza a arte e a cultura como potência de transformação”. (ANDRADE, 2014)

De acordo com uma funcionária que esteve presente na criação do Trilhos o início foi um tanto difícil, em condições ditas precárias (informação verbal)23. Por conta da falta de estrutura, como espaço físico, uma equipe de trabalho mínima e material para a realização de oficinas sua consolidação se fez por meio de improvisos e par- cerias. “Com objetivo de experimentar novas formas de estar na cidade e produzir sentido para um possível modo de viver para cada cliente” parcerias foram criadas como com o Ponto de Cultura Loucura Suburbana, o Museu de Imagens do Inconsci-

22 Art 1. Portaria n° 396 de 07 de julho de 2005 23 Dado apresentado por Lívia em conversas informais em novembro de 2016

28 ente, os CAPS da zona norte e espaços culturais como teatros e centros culturais. So- mente em 2013 o Trilhos ganhou um espaço físico e boas condições de funciona- mento possibilitando assim seu crescimento e eficácia.

Da reforma ao estigma

Apesar das novas demandas da Reforma Psiquiátrica e mais precisamente do Movimento da Luta Antimanicomial que hoje atua como um forte movimento social, há de considerar o caráter recente de suas conquistas. A Reforma Psiquiátrica neste ano de 2017 completou 30 anos de luta, o que não tira sua significância mas induz ainda uma herança forte da institucionalização da loucura. Os resquícios do hospício ainda assolam as instituições psiquiátricas e principalmente a mentalidade social acerca da loucura.

Dentro do Instituto Municipal Nise da Silveira, por exemplo, se encontram res- quícios de um passado que não está tão distante assim. Contando em média com 200 internos divididos em internos em crise e os “moradores” que são um público que já estava presente no auge do hospício, mesmo que sem intenção, ainda reproduz a lógica do isolamento. É pertinente, porém ressaltar que os processos de aplicação dos novos paradigmas podem ser considerados um tanto complexos e consequente- mente longos.

O processo de recuperação em saúde mental é algo que demanda um certo tempo e nos casos dos remanescentes do manicômio se torna ainda mais extenso, tendo em vista a devastação que o hospício provocou nessas pessoas. Tal processo se torna ainda mais complicado tendo em vista o recorrente imaginário perverso da loucura ainda vigente em nossa sociedade. Basta pedir informação sobre o Instituto no bairro que a ideia de hospital de doido, de lugar que não se passa perto ainda se aflora.

O estigma da loucura, mesmo hoje, carrega uma historicidade perversa que atravessa todo o processo terapêutico dos usuários da RAPS24. Segundo Goffman

24 Rede de Atenção Psicossocial

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(2012) o estigma estabelece uma relação impessoal com o outro, o sujeito estigmati- zado surge representando características típicas de estigma, no caso a loucura, e não de sua individualidade empírica. O contato face-to-face com pessoas consideradas “normais” proporciona um momento em que ambos “enfrentam diretamente as causas e efeitos do estigma” (2012, p. 15)

Esse contato, baseado em um preconceito que ainda cerca a loucura, por ve- zes tende a causar um efeito prejudicial na identidade social25 do indivíduo. Fazendo com que haja um certo movimento de afastamento do indivíduo para com a sociedade e consigo mesmo, retardando ainda mais seu processo terapêutico. É sobre esse paradigma que se desdobra o principal papel do Centro de Convivência, através da ocupação da cidade, propõe levar a loucura para fora do Instituto num embate com o preconceito que tende a gerar frutos positivos, mesmo que lentos e, às vezes, doloro- sos para a desestigmatização da loucura, conforme abordarei no terceiro capítulo.

O estigma tem um caráter totalmente relevante no âmbito da saúde mental, e em minha pesquisa pude observar dois apontamentos acerca dele. O primeiro é o negativo já citado, que influi diretamente na vida do indivíduo promovendo uma certa exclusão social que se manifesta tanto em olhares tortos como na falta de credibili- dade no potencial do indivíduo. Nesse contexto influi nas relações interpessoais como com a família, ou na busca de relações amorosas. Foi muito comum ouvir relatos de usuários que gostariam de ter uma namorada/o, esposa ou filhos como a grande mai- oria da sociedade dita “normal”.

25 Para uma noção de identidade social, ver Goffman, op. cit. 2012. A sociedade estabelece categorias sociais das quais tendem a formar padrões de normalidade evidenciando as pessoas atributos considerados comuns e na- turais. Estabelece, portanto, categorias das quais as pessoas devem pertencer e se encaixar. Há a criação de um modelo social de indivíduo do qual num ambiente de interações sociais há uma certa expectativa baseada em preconcepções normativas. Ao nos relacionarmos com indivíduos imputamos a eles tais atributos que qualificam a identidade social virtual, entretanto as categorias e atributos da qual o indivíduo realmente possui qualifica a identidade social real. Quando há uma certa discrepância negativa entre as duas identidades surge o estigma, e quanto maior ela for, maior será a acentuação do estigma, portanto, mais prejudicial será para a sua identidade social.

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Por outro lado, surge com um viés positivo, no tocante à abertura que a identi- dade de louco dá ao usuário de se expressar como bem entender, sendo quem ele realmente é. Vivemos em uma sociedade que embora cultive a ideia de liberdade (ao menos como ideal), ainda confere certa padronização de comportamentos, principal- mente em meios públicos. Em um relato de uma usuária ela expõe que constante- mente sua família a indaga sobre quando ela seria curada, e ela sempre responde que se para ser curada ela precisa voltar ao que ela era antes, ela não vai se curar nunca, porque ela só pôde ser ela plenamente depois que se tornou louca.

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3 CENTRO DE CONVIVÊNCIA E CULTURA TRILHOS DO ENGENHO

Minha primeira ida ao Centro de Convivência, se deu por intermédio de Tainá Caldeiras, amiga de amigos e colega de graduação, que trabalhava como oficineira musicista e me ofereceu tal ponte. Ponte essa que me foi muito proveitosa, tendo em vista que minha inserção nas atividades se deu por intermédio de uma pessoa muito querida tanto pelos clientes quanto pela equipe e me proporcionou uma recepção um tanto afetuosa. Conhecendo somente a fachada do Instituto, o barracão do samba onde acon- tece a concentração do desfile do Bloco Loucura Suburbana, o caminho até o centro se fez longo e curioso. Passando por diversos pavilhões, moradias26, e um beco es- treito chegamos enfim ao prédio do Trilhos. Minha descoberta do que é um Centro de Convivência se deu ao mesmo tempo em que fui apresentada ao Trilhos do Engenho na busca de um lugar de pesquisa dentro do Instituto Municipal Nise da Silveira. O que me chamou atenção no Centro de Convivência, foi o trabalho diferenciado que ele propõe, a chamada clínica itine- rante. Apesar da pegada artística que o Instituto me transmitiu de primeiros contatos imaginava somente o trabalho assistencial onde apesar da arteterapia eu teria contato também com consultórios, psiquiatras e o prontuário dos usuários com suas respecti- vas patologias a mostra, porém não foi isso que aconteceu. Meus primeiros contatos se deram a partir da Oficina de Rádio, que acontece todas as sextas à tarde. Ocupando o Programa Espaço da Diferença da Radio Revo- lução FM a oficina decorre com uma reunião de pauta onde se discute sobre o roteiro da programação e segue com a própria concretização do Programa. Ela conta com uma programação fixa que gira em torno de temas escolhidos pelos participantes a cada semana. Os temas são diversos e geralmente tocam em questões que atraves- sam a vida cotidianamente dos usuários, e/ou participantes como questões de família, amizade, saúde, sexualidade, estigma dentre tantos outros. De forma inerente por ser um espaço de livre expressão é um lugar com grande potencial terapêutico, onde a

26 As moradias são parte do Núcleo Reabilitação e Inclusão Social. Atendem a demanda dos remanescentes do manicômio, em processo de ressocialização.

32 fala tem seu devido valor e o entretenimento se mistura com seriedade. Em muitas ocasiões presenciei relatos que denunciavam questões incomodas e silenciadas na vida dos usuários como no relato de um cliente sobre sua relação familiar: Para mim as vezes, nem sempre, tem até um livro que fala sobre isso “Por favor doutor me ajude com essa família”, as vezes a família ado- ece o doente mental porque não compreende o doente mental. As ve- zes o doente mental precisa ficar sozinho para escrever, dançar, pintar, as vezes a família não compreende esse momento de solidão criativa do doente mental. Crítica, não respeita o espaço criativo do doente mental. (Heitor, relato sobre “relações interpessoais” para o Quadro Dialogando da Rádio Revolução FM, outubro de 2016) Como primeira fonte de contato a Rádio com toda sua magnitude de conteúdo e entretenimento me foi uma entrada em campo um tanto peculiar e me permitiu uma certa imersão valiosa. Era só a placa de No Ar está ligada e éramos todos iguais, as patologias se misturavam em brincadeiras e músicas e dificilmente eram evidenciadas. Falando em patologias, é intensamente rico a forma como o Centro de Convi- vência lida com elas, e a forma como o processo terapêutico se dá. Como já mencio- nado o Centro é um dispositivo público, não assistencial27, ligado a RAPS28 que atua como equipamento estratégico para a inclusão social. Mas afinal, como ele funciona e a quem ele serve?

Como funciona? O Trilhos do Engenho atua com uma equipe técnica que trabalha na organiza- ção e elaboração de atividades que visem a articulação entre produção de autonomia e convivência. A equipe é constituída por oito profissionais, que ocupam cargos de ensino médio ou terceiro grau sendo parte estatuaria e parte terceirizada. Sob a supervisão de uma psicóloga que assume o cargo de coordenadora constitui-se com mais três psicólogos sendo um ocupante do cargo de oficineiro.

27 Na estrutura organizacional da RAPS existem os dispositivos assistenciais que são os de tratamento em stitro sensu com consultórios médicos e os dispositivos não assistenciais que são os dispositivos ligados a Cultura. 28 Rede de Atenção Psicossocial, é instituída com a Portaria nº 3088 de 23 de dezembro de 2011, com republi- cação em 21 de maio de 2013. Ela dispõe sobre a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à sa- úde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, ál- cool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde.

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Conta ainda em sua composição com uma auxiliar administrativa, um enfermeiro e mais duas oficineiras que ocupam cargos de cunho artístico. Existe ainda o trabalho de estagiários, grande parte do curso de enfermagem da UNIRIO, que de tempo em tempo integram a equipe auxiliando na realização do trabalho. Por ser um dispositivo com uma demanda fluída as funções dos membros da equipe muitas vezes assumem diversos papeis por vezes indo além de sua capacita- ção profissional. Como no caso de um funcionário que ocupa um cargo de agente da saúde, enfermeiro mas exerce outras funções, em entrevista falou sobre sua entrada no Trilhos: Fiquei na enfermaria, farmácia novamente porque já conheciam meu trabalho lá da farmácia do Pinel e depois pedi para sair aí fui convidado para vir trabalhar aqui. A coordenadora ainda falou, ah enfermagem, mas o que um enfermeiro vai fazer aqui, sinais vitais? Fazer curativo? Se aqui é um serviço não assistencial. E aí eu fui ficando, e ficando e aí acompanhando os pacientes nos passeios. (Roberto, entrevista for- mal, março de 2017) Além de uma equipe técnica e estagiários, dispõe de um grupo de parceiros voluntários que assumem certas atividades. Como no caso da Oficina de Pintura mi- nistrada por um colaborador. A oficina de Teatro que é ofertada pela Companhia Fa- brica de Cultura, as aulas de Capoeira do mestre Grilo e tantos outros. O espaço físico do Trilhos oferece uma grande variedade de atividades, inclu- indo oficinas, exposições artísticas (dos próprios clientes), e ainda, um espaço de livre circulação onde a convivência é facilitada. Há um cronograma de atividades regulares que fica a disposição tanto dos usuários como da comunidade. Tais atividades acon- tecem vezes dentro do espaço físico vezes fora dele, a oficina de música por exemplo muitas vezes é levada para outros espaços do Instituto atraindo outra clientela como moradores das residências que não podem circular livremente. Das atividades pro- postas, grande parte é de cunho artístico, cultural contando ainda com atividades físi- cas como o futebol e a Oficina de Relaxamento. Dentro do cronograma de atividades ainda se destaca um cronograma mensal de eventos organizados ou ofertados pelo Trilhos que incluem passeios culturais e artísticos contando ainda com eventos dentro do próprio Instituto oferecidos pelos es- paços culturais como o Espaço Travessias e o Ponto de Cultura Loucura Suburbana.

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Conta também com eventos na cidade, vezes organizados pelo próprio Trilhos, apre- sentações de teatro, cinema, museus, saídas gastronômicas dentre outros. É interes- sante ressaltar que dentro desse cronograma mensal, há fixamente o Encontro de Ideias, que é um dia onde os clientes, a equipe e demais participantes se encontram para rever fotos e vídeos dos eventos do último mês e no embalo de conversas dão sugestões para as atividades e passeios do próximo. As sugestões são anotadas e postas em pauta na reunião semanal de equipe onde se estuda possibilidades para a sua realização. Na busca da promoção de uma convivência e autonomia, a interlocução na e com a cidade proposta nesses eventos é o que mais diferencia o serviço prestado pelo Trilhos, dos demais serviços do circuito da saúde mental. Viabilizando o acesso a espaços antes inabitados por usuários a ocupação do tecido urbano funciona como um potente agente transformador, que influí tanto na produção de autonomia como na produção de subjetividade dos clientes. Operando como uma clínica itinerante pro- move o encontro de diferenças, o convívio em sociedade, fazendo com que o processo terapêutico se dê além dos muros da instituição. O Centro funciona de segunda à sexta, contando ainda com alguns sábados e domingos. Sua programação ocupa considerável espaço no dia a dia dos clientes, fazendo com que apesar do não assistencialismo estrutural, o tratamento de diversos clientes se dê em suas atividades. O relato de uma conversa com um cliente exempli- fica essa situação: Vitor: A que horas serve a refeição? Eu e Flora: O Trilhos não serve refeição, qual é o dispositivo que cuida de você? Você precisa ir até ele para se alimentar. Vitor: Mas quem cuida de mim é o Trilhos. Eu e Flora: Mas o Trilhos não faz esse tipo de serviço, qual dis- positivo você frequenta? Algum CAPS? Vitor: Eu faço meu tratamento aqui no Trilhos.

Logo, na qualidade de um dispositivo de cuidado que busca um bem-estar so- cial, atua como potente instrumento no âmbito da reinserção social. Promovendo um

35 espaço de troca e convívio propiciando assim uma fértil interlocução com a comuni- dade e a cidade criando e fortalecendo assim laços sociais muitas vezes interrompidos pelo tratamento psiquiátrico. Por efeito dessa interrupção uma considerável parte dos usuários de saúde mental carregam em demasiado carência afetiva o que faz com que depositem carinho em qualquer pessoa que lhe de uma certa atenção. Constantemente me deparava com frases como, eu queria ter uma namorada/o, minha irmã não gosta de mim dentre outras que demostram essa carência. Por ser um espaço aberto, amigável, onde hierarquias muitas vezes são postas de lado o comprometimento afetivo ganha uma proporção acentuada fazendo com que se tenha um certo cuidado para não causar situações complicadas. Um funcioná- rio em entrevista me contou sobre esse impasse que vem desde que ele chegou até os dias de hoje: Quando eu cheguei aqui fiquei sem saber o que fazer, mas eu tinha uma coisa boa, a escuta. Então os clientes vinham querendo me co- nhecer uns apertavam a minha mão, outros me abraçavam e tudo e sem aquela coisa de ficar assim de longe, como um acompanhante terapeuta, mas também sem me envolver emocionalmente. Quer dizer sem me envolver afetivamente porque eles ficam com uma carência muito assim, afetiva, alguns não tiveram pai, mãe, irmã, nem namo- rado, nem namorada, então eles têm essa questão de ter. Eu vou dar exemplo de um que quando me encontra fala você é meu pai né? Quer ser meu pai? E outra que já me falou que modéstia parte se queria namorar comigo. Saber discernir a questão do afeto, está perto e tudo, mas procurar manter esse distanciamento afetivo emocionalmente até por conta que eles são muito fragilizados na questão do emocional, se apegam muito fácil. (Roberto, entrevista formal, março de 2017)

Em virtude dessa demanda afetiva, meu papel de pesquisadora constante- mente se botava a prova me fazendo assumir outros papeis como voluntária ou sim- plesmente amiga. Poucos usuários me enxergavam como pesquisadora, por vezes sendo chamada até de doutora. Essa relação fluída de troca afetuosa provocada pela convivência com usuários da saúde mental, em certa altura da minha pesquisa me fez repensar o trabalho etnográfico, e toda implicância da presença do antropólogo, me

36 causando um certo incômodo pela falta de um retorno prático para com os usuários e equipe29. Devido a esse incômodo me surgiu a ideia de produzir um filme etnográfico, que além de retratar as vivências da pesquisa sendo um material útil e prático de retorno, também daria mais abertura para os usuários, no sentindo em que a partir da presença da câmera, assumiriam o papel que desejassem expor. E assim se fez.

A quem serve30? Partindo do pressuposto que todo encontro produz afeto31 (negativo ou positivo) e que todo afeto é um devir e que o devir incita a transformação a arte do encontro se torna um potente artificio na produção de subjetividade. Enquanto seres sociais essa subjetividade se dá nos interstícios da convivência, ou seja, das relações sociais. No Trilhos “na delicada arte de produzir encontros”32 a convivência não se dá simplesmente pelo fato de se reunir pessoas, mas no âmbito de promover trocas de experiências, facilitando a criação de laços. Como uma unidade intersetorial cabe aos Centros de Convivência em sua constituição a articulação com dispositivos da RAPS fortalecendo assim o processo de desinstitucionalização da loucura. Logo assume uma demanda de usuários da RAPS, sendo em grande maioria de dispositivos localizados na zona norte do Rio de Janeiro. Dentre os dispositivos que mais frequentam estão os usuários do Espaço Aberto ao Tempo33, do Museu de Imagens do Inconsciente34, residentes do Instituto com pátio35 livre e usuários de diversos CAPS sendo de maior frequência do CAPS AD III e CAPS , todos localizados bem próximo do Trilhos.

29 Devido a esse incômodo me surgiu a ideia de produzir um filme etnográfico, que além de retratar as vivências da pesquisa sendo um material útil e prático de retorno, também daria mais abertura para os usuários, no sen- tindo em que a partir da presença da câmera, assumiriam o papel que desejassem expor. E assim se fez. 30 Verbo servir, usado por conta da ideia de Nise da Silveira com relação a categoria de cliente. Atendimento psiquiátrico visto pela lógica de prestação de um serviço a uma clientela. 31 No sentido de afetamento deleuziano. 32 Nome dado do I e II ENCONTRO ESTADUAL DE CENTROS DE CONVIVÊNCIA em São Paulo nos anos de 2011 e 2015. 33 Unidade de Terapia Diária 34 A saber sobre o Museu de Imagens do Inconsciente ver. Del Inconsciente a lá Ciudadanía: apuntes sobre Nise da Silveira y la reforma psiquiátrica brasileña. MAGALDI, F. S. 2014. 35 Dentre os residentes que “moram” no Instituto existem os que tem pátio livre, quer dizer podem circular pelo Instituto e os que não tem pátio livre que são aqueles que precisam de um tutor para sair das moradias.

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Ademais, a parceria com núcleos de arte e cultura, proporcionam certas ativi- dades como a Oficina de Teatro e passeios culturais que incitam a participação da comunidade influenciando assim no fluxo da clientela. A Oficina de Teatro por exemplo conta com a presença de várias meninas jovens que usufruem de aulas de teatro gratuitas perto de casa. Já nos eventos mensais, principalmente os passeios contam demasiadamente com a frequência de familiares dos usuários e idosos da comuni- dade. Apesar de frequentemente encontrar certos clientes, por conta dessa fluidez de clientela e devido a minha não presença em todos os dias da semana, não consegui especificar a quantidade de indivíduos que ali circulam. Apesar do processo de desinstitucionalização que o Instituto vem atravessando no percurso até o Trilhos tem se contato com diversos unidades de assistência como as moradias, que ainda reproduzem o aprisionamento da intervenção terapêutica. No ideário da constituição dos Centros de Convivências a sua localização fora dos muros da instituição é um fator importante para a ocupação de outros espaços. Entretanto por sua criação está diretamente ligada ao processo de desinstitucionalização do Ins- tituto o Trilhos do Engenho conta com uma singularidade, um aparato que o diferencia dos outros centros. A sua presença dentro de um Instituto Psiquiátrico que ainda tem diversos in- ternos residentes se torna um tanto proveitosa funcionando como uma ponte de es- cape dentro os muros da instituição. Produzindo muitas vezes uma mudança no coti- diano dos residentes, possibilitando sua participação em certas atividades. É perti- nente ressaltar que existem residentes que tem pátio livre, quer dizer a permissão de circular no pátio e outros não. Tive o prazer de presenciar certa vez, na oficina de música que acontecia na frente de uma moradia, uma demanda de moradores tutela- dos, sem permissão de circulação no pátio que puderam ir do lado de fora para parti- cipar da oficina, mudando a lógica de sua rotina de forma divertida. Outro caso relevante é o que acontece com um Diogo, cliente assíduo em grande maioria dos passeios. Ele reside temporariamente em uma moradia dentro do Instituto e apesar de ter permissão de circulação no pátio, só pode sair da instituição na presença de um tutor. Por conta de uma articulação do Trilhos com a referência técnica de sua moradia tem permissão de ir aos passeios na cidade tendo a equipe do Trilhos como tutores.

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Entretanto é de se notar que apesar da frequência da comunidade ao redor e demais frequentadores como familiares, essa movimentação de não usuários ainda é pequena. Geralmente contando com a presença maior de simpatizantes com a causa da saúde mental, como meninas que querem fazer psicologia e idosos, que assim como os usuários de saúde mental também sofrem um isolamento social histórico. Dado o exposto, torna-se necessário ressaltar, que a convivência se faz de modo eficiente, porém seria pretencioso não salientar as relações conflituosas que ela engendra. Pensando os conflitos a partir da lógica de George Simmel (1983) que os vê como fato sociologicamente positivo e socialmente construtivo, um elemento inte- grante das interações sociais, presente cotidianamente na vida dos indivíduos tem-se como elemento fundamental para a convivência. Operando não necessariamente a provocar uma eliminação de contrários, funciona de forma a agregar diferenças dentro de uma unidade36. Como um meio de organização das relações sociais parte de um processo de identificação, criação de consenso e delimitação das divergências. A convivência nesse sentido, não se dá somente por uma harmonia sem fim, enquanto seres sociais os conflitos se manifestam no dia a dia de diversas formas. Sendo eles intersetorialmente, enquanto unidade, no que diz respeito a pluralidades de dispositivos37 dentro do Instituto e suas possíveis divergências em relação aos seus projetos, advindos de posições hierárquicas ou mesmo de competição. E ainda na própria convivência do dia a dia, atravessando as relações da equipe e até mesmo dos clientes.

36 Designamos por “unidade” o consenso e a concordância dos indivíduos que interagem, em contraposição a suas discordâncias, separações e desarmonias. Mas também chamamos de “unidade” a síntese total do grupo de pessoas, de energias e de formas, isto é, a totalidade suprema daquele grupo, uma totalidade que abrange tanto as relações estritamente unitárias quanto as relações duais. (SIMMEL, G. 1983. p. 125) 37 O Instituto conta com dispositivos assistências que são como o Núcleo de Atenção a Crise, Núcleo de Reabili- tação (moradias), Ambulatório Central e o Espaço Aberto ao Tempo (funciona como um CAPS). E os não assis- tenciais que são os Pontos de Cultura, como o Centro de Convivência Trilhos do Engenho, O CETAP (Centro de Estudos), NAIC (Núcleo de Articulação e Intervenções Culturais) Ponto de Cultura Loucura Suburbana, Espaço Travessias, e o Museu de Imagens do Inconsciente que oscila entre o assistencialismo e o não assistencialismo.

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4 CLÍNICA, CIDADE E SUBJETIVIDADE

“Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosida- des malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar. ” (João do Rio, A alma encantadora das ruas)

A cidade Ao pensarmos em cidade, logo nos remetemos a uma grande pluralidade de coisas e pessoas, das quais estão dispostas sobre certas logicas dentro de um deter- minado espaço. A cidade em sua essência, funciona como uma “maquina” produtora de subjetividade, atingindo o âmbito coletivo e individual. Ela por meio de seus recur- sos urbanísticos, influí diretamente na vida das pessoas moldando a forma como elas circulam, atuam, vivem, etc. Há um certo devir social da cidade. (GUATTARI, 1992) Se fragmentarmos a cidade, principalmente as metrópoles urbanas que são o ápice de movimentação humana, nos deparamos com uma diversidade cultural e so- cial, disposta por arranjos urbanísticos que partem de um princípio econômico para sua configuração socioespacial. Por sua vez a produção de um espaço urbano base- ada nas relações econômicas, reflete em dimensões um tanto contraditórias que atra- vessam a vida humana. A cidade como cenário principal da vida em sociedade, pode ser considerada como um agente que atravessa a vida humana por diversas vias. Ao pensar as rela- ções sociais e a interação delas com o meio, podemos ver a cidade a partir a categoria de análise de território desenvolvida por MAGNANI Como “sujeito cultural”, sujeito que fala através de suas paisagens, que nos informa sobre o seu longo processo de humanização, sujeito que nos transmite mensagens simbólicas e afetivas, que interfere em nossa identidade, nossa língua, nossa cultura. Assim defendemos que a ideia de que o território é um meio humano, que tem uma identidade de longa duração, que tem profundeza histórica e camadas de histori- cidade, tal como os jovens ele vive ciclos de vida, num permanente

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processo de indentização. (2003 apud E. ALMEIDA e M. NAKANO, 2011) Caracterizando Cidade como território e considerando território como sujeito nos desdobramos ao caráter humano da Cidade. Na contextualização de um espaço dinâmico e empírico, ela se mostra não como mero espaço físico, nem cenário, mas como organismo vivo que pulsa concomitante com a vida humana. Em seus interstí- cios encontra-se o que podemos categorizar como lugar, O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade habitante-identidade-lugar. A cidade, por exemplo, produz-se e revela-se no plano da vida e do indivíduo. Este plano é aquele do local. As relações que os indivíduos mantêm como os espaços habitados se exprimem todos os dias nos modos de uso, nas condições mais ba- nais, no secundário, no acidental. (CARLOS, 1996, p. 20 apud E. AL- MEIDA e M. NAKANO, 2011).

O lugar por sua vez aflora com caráter um tanto indenitário, e principalmente afetivo! Afetivo não só no sentido de afeição, mas como um processo de afetamento que influi na forma como os sujeitos sociais se pensam enquanto habitantes/ocupan- tes de certos lugares. Esses lugares por sua vez, seja por aspectos estruturais ou ainda por suas concepções físicas, como o cenário tanto na ótica visual, quanto em outros sentidos como o cheiro e o som, refletem no comportamento social local, e nas formas como são produzidos meios de atuação de vida. Tais afetamentos perpassam pela questão já citada das contradições sociais que afligem a vida humana, principalmente no meio urbano, advindas das disposições socioespaciais de uma cidade construída em prol de condições monetárias. O espaço urbano nesse contexto “aparece como campo de disputa e luta”, onde há uma articu- lação entre as relações sociais e o território. O espaço como objeto de disputa é con- siderado não somente onde os eventos acontecem, mas como sujeito dotado de agen- cia e historicidade com caráter sociopolítico.

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A Cidade, em especial o Rio de Janeiro local onde se desenvolveu essa pes- quisa, enquanto grande metrópole que desde a Reforma Passos38 se modela em prol de condições socioeconômicas, promove uma urbanização segregadora. Como ci- dade capitalista sua estrutura socioespacial reproduz conflitos de classes urbanas pro- movendo um processo de segregação e periferização (ABREU, Mauricio. 1987), não somente ligada a localização, mas também com a falta de infraestrutura. A produção dos bairros cariocas periféricos como a Cidade de Deus39 que foi construída para re- alocar os moradores das favelas planas da zona sul que foram removidas em prol de uma urbanização social local são um grande exemplo que refletem essa segregação. O Instituto Municipal Nise da Silveira se localiza no Engenho de Dentro, bairro suburbano do Rio. As demandas de clientes tanto do Centro de Convivência quanto dos outros dispositivos do Instituto atendem indivíduos que moram nessa região e adjacências sendo em sua grande maioria moradores da zona norte carioca40. Como já mencionados o lugar enquanto agente se insere nesse contexto provendo uma certa marginalização espacial e subjetiva no sentido de circulação e condições de bem-estar social muitas vezes ligada a questões de violência urbana - fato muito co- mum nessas áreas – e a falta de infraestrutura básica como transporte público seguro e abundante, e saneamento básico. A pensar a condição monetária dos clientes – que em grande maioria vem de situações de baixa renda - e a sua socialização na cidade advinda desse fator, a marginalização da vida se torna ainda mais intensa. Consoante a isso, a própria criação da Colônia das Alienadas do Engenho de Dentro até a transferência do Hospício da Praia Vermelha se estabeleceram pela ló- gica da distribuição socioespacial urbana procurando um afastamento dos indivíduos ditos loucos de uma elite social carioca. O Rio de Janeiro como um território de grande discrepância social, insere como um importante espaço sociopolítico enquanto campo de disputa e luta. Na busca de alcançar a demanda da desinstitucionalização da lou- cura e desmistificação da mesma, habitar espaços onde a loucura em seu histórico

38 A Reforma Passos representa o primeiro grande exemplo de intervenção direta, maciça e abrangente do Es- tado sobre o espaço urbano carioca, intervenção essa que teve dois eixos básicos de sustentação: o controle da circulação e o controle urbanístico. (ABREU, M. A. 2003) 39 Zona Oeste carioca 40 Zona considerada subúrbio carioca.

42 de isolamento não circula significa em pequenos passos uma potente ferramenta de transformação social.

Interlocução, loucura e cidade

Entendendo que cultura faz parte de um processo de reprodução do social da saúde que se inscrevem os e que ambas, são direitos indis- pensáveis à qualidade de vida dos sujeitos, cabe pensarmos possíveis espaços, para além dos já existentes em Saúde Mental, que potenci- alizem o outro em sua ação e criação. É neste contexto Centros de Convivência e Cultura e, mais especificamente o “Trilhos do Engenho”. Lugar onde a Arte, Cultura e Cidadania convergem a fim de potencia- lizarem a Vida, reinventando-a seu cotidiano, na medida em que são potentes ferramentas que tem a capacidade de intercambiar experiên- cias, facilitando a circulação pela Cidade que é o lugar, por excelência, de trocas sociais. (ANDRADE, 2014) O Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho apesar de ter suas re- ferências no ministério da saúde atua como um dispositivo de Cultura. Um dispositivo que vê as manifestações artísticas e culturais como grandes aliadas para a luta da saúde mental. Como pontes que propiciam o fortalecimento, a reinvenção de possibi- lidades para a loucura como um todo, desde seu aparato institucional a potencializa- ção da vida. De todas as atividades que estive presente, as saídas à Cidade sempre se ma- nifestaram com um potencial terapêutico, social significativo. Na busca da desinstitu- cionalização da loucura, a Cidade como um espaço substancial das relações sociais se torna palco da principal ação do Trilhos do Engenho que é a promoção de convi- vência e autonomia para os usuários da rede de saúde mental que em detrimento de seu tratamento foram restritos de tal. Os passeios na cidade, como já mencionado no capítulo anterior, são pensados a partir de sugestões dos próprios clientes que no Encontro de Ideias expressam lu- gares onde se tem a vontade de conhecer. Além dessa demanda busca-se lugares onde o lazer comumentemente se faz, lugares onde parte da sociedade considerada “saudável”, “normal” circula em sua essência.

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MAGNANI ao estudar as opções de lazer numa periferia paulista dispõe de uma gama de categorias de analise para demarcar formas de sociabilidade, sistemas de relações na dinâmica da cidade (2002). Uso a categoria de circuito, empregada como “equipamento que concorre para a oferta de tal ou qual bem de serviço, ou para o exercício de determinada prática” não como categoria de espaços de socialização por princípios de referência, como os circuitos dos shows, mas como circuitos traçados de acordo com os lócus41 da reinserção social. As saídas do Trilhos se inserem em um sistema de circuitos urbanos, que es- tipulam quais lugares e que tipo de lugares serão ocupados/habitados. Durante minha pesquisa pude observar presencialmente ou não, os seguintes circuitos que estão re- presentados no Fluxograma a seguir:

41 Espaços de manifestações culturais, e artísticas.

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Figura 1: FLUXOGRAMA Circuitos urbanos traçados pelo Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho. Minha autoria

Pertinente ressaltar que a ideia de ocupar espaços não está só atrelada a uma circulação na Cidade, mas também a uma ocupação da Cidade. No sentindo em que se apropria de certos lugares como praças e ruas, para a realização de atividades do circuito da saúde mental que antes ficavam restritas a instituição. Estabelecendo desse modo novos palcos a essas atividades, possibilitando uma diversidade de par- ticipantes e ainda propiciando uma interlocução com outros públicos além da saúde mental.

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É o que acontece com a Praça Rio Grande do Norte, que ganha um lugar de destaque no fluxograma. Usando ainda das categorias de análise de MAGNANI po- demos empregar a categoria de pedaço para a Praça a partir de dois elementos bási- cos. Primeiro “pela ordem espacial física” por se localizar bem próximo ao Instituto Municipal Nise da Silveira, representa uma demanda considerável do Centro de Con- vivência, sendo o lugar na cidade onde normalmente os eventos organizados pelo próprio Trilhos acontece. E segundo por uma “ordem social, na forma de uma rede de relações”, provenientes de uma familiaridade com a frequência cotidiana de frequen- tadores de Instituto, tanto no dia a dia, como nos eventos. Pertinente ainda, ressaltar que antes da mesmo de ser ocupada pelo Trilhos, tem em seu histórico a ocupação da Praça pelo Bloco Carnavalesco Loucura Suburbana42 que com o decorrer dos anos passou a mobilizar todo o bairro a participar sem o olhar de medo e preconceito. Refletindo sobre a produção de um bem-estar social, num processo dialético entre o sujeito e o território, esses circuitos, enquanto espaços de lazer, se inserem num processo de transformação muito atrelado para mim a uma instancia de felicidade, uma não tristeza. O isolamento institucional/social proporcionado/coagido pelo ad- vento da doença mental está atrelado constantemente a um processo de depressão, sendo as vezes o próprio motivo para tal advento. Diversas vezes ouvi relatos dos clientes sobre esses estados mentais onde a tristeza tem ou teve um espaço signifi- cativo em suas vidas sendo ainda constantemente o motivo de seu adoecimento. Nas atividades, eventos ou passeios, o contado com arte e cultura proporcio- nam uma certa interlocução, um diálogo tanto para com a sociedade quanto consigo mesmo de valor significativo. Provocando desse modo diversas emoções interferem nos processos de inclusão social da loucura, no que diz respeito a sua desestigmati- zação, transformando o dia a dia dos indivíduos. Ademais esse contato artístico cul- tural, enquanto provedor de expressividade, acaba que por potencializar o caráter au- tentico dos usuários, que se manifestam com aspirações um tanto festivas, animadas e jocosas. Usarei três exemplos de passeios/eventos em que estive presente para descrever como essas manifestações me apareceram.

42 Bloco Loucura Suburbana que no ano de 2017 completou 16 anos, em primeiro momento a reação da vizi- nhança foi de medo e espanto, “como assim, abriram as portar do hospício? Os doídos estão na rua”. As pes- soas ficavam dentro de casa olhando desconfiados pela janela sem coragem de estar junto. Hoje em dia as coi- sas são diferentes há uma mobilização do bairro muito grande, são milhares de pessoas que vem para o bloco. (Virginia, dado apresentado em visita guiada pelo Instituto, março de 2017).

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Primavera LouCarioca Minha primeira saída do Instituto com Trilhos e o primeiro evento em que usei do recurso audiovisual como ferramenta metodológica. Com uma decoração muito bem-feita, totalmente colorida com flores, mandalas, fitas e ainda com fantasias dis- postas para uso, o espaço de cara manifestava um bem-vindo muito acolhedor. A Primavera LouCarioca foi o primeiro evento de ocupação da Praça Rio Grande do Norte localizada no Engenho de Dentro, zona norte do Rio de Janeiro, que aconteceu em outubro de 2016. Organizada pelo Trilhos em parceria com os CAPS Raul Seixas e Clarice Lispector, Espaço Travessias e ainda Grêmio Nise da Silveira proporcionou um encontro colorido, florido e totalmente musical. Celebrando a che- gada da Primavera a festa se fez com grande êxtase e alegria. Realizou-se com diversas atividades em sua programação como Oficina de Ori- gamis, preparo e venda de tapiocas do CAPS Raul Seixas, degustação de chá medi- cinal dentre muitas outras atividades intercambiadas sempre com muita cantoria e dança. O Sarau Literário promovido pelo CAPS Clarice Lispector em especial ocupou um espaço significante no evento se tornando um momento de reflexão e saudação. As pessoas escolhiam um poema de seu próprio conhecimento ou algum produzido pelos usuários do CAPS que estavam em um varal a disposição e o recitavam no microfone. Um poema recitado por um cliente do Trilhos se mostrou significativo e representou toda a magia do evento que acontecia, segue o tal: Onde está o louco? Louco sou eu? Não! Brinca, chora, se diverte Louco é pouco Sou Feliz! (Ser Louco, Luiz Claudio) Entre brincadeiras, e diversão a música foi a maior manifestação do evento intercambiando todas as atividades. Com o microfone à disposição de quem quisesse a cantoria rolou solta e atravessou todas as demandas de estilos, indo de músicas gospel a MPB e ainda pop internacional. Dessa forma enquanto manifestação artística universal, a música, propiciou em demasiado liberdade de expressão e principalmente uma interação calorosa e animada misturada com muito movimento e alegria fazendo

47 com que a celebração da primavera se desse em seu âmago mais essencial, com uma celebração à vida! A seguir, algumas fotos da Primavera LouCarioca:

Figura 2: FOTOGRAFIA Primavera LouCarioca Fonte: Acervo Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho

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Figura 3: Primavera LouCarioca Fonte: Acervo Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho

Figura 4: FOTOGRAFIA Primavera LouCarioca Fonte: Minha autoria

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Figura 5: FOTOGRAFIA Primavera LouCarioca Fonte: Acervo Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho

Museu da República - Palácio do Catete Os museus como lugares por excelência de referência Cultural ocupam uma parte do circuito bem significativa. Com dimensões históricas ou contemporâneas, exercem o papel de fornecer conhecimento e provocar reflexões, além de terem uma certa demanda social considerável, sendo de grande valor para o exercício da cida- dania e reinserção social. A escolha do Museu da República como exemplo, se dá por três motivos. O primeiro deles é sua arquitetura exuberante. Logo de chegada os clientes já se exal- taram com as características do lugar. Cada parede, uma obra de arte, cada lustre um novo olhar sobre o espaço explorado. É intensamente rica excitação não só dos cli- entes, mas da equipe e demais, de estar dentro de um lugar com todo esse aparato visual não muito comum no dia a dia. Seu lindo jardim com animais e natureza também foram de grande valia representando parte considerável do passeio. Por estar um dia muito quente o jardim se fez um lugar de descanso e contemplação da natureza tendo como grande espetáculo os patos que vivem ali.

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O segundo motivo, é acesso a um lugar com caráter político histórico tão forte. O Palácio do Catete foi sede do Poder Republicano por quase 64 anos abrigando em suas instalações cerca de 18 presidentes sendo, portanto, palco de grandes momen- tos importantes na história do Brasil. O terceiro, e não menos importante, o acervo dedicado ao Getúlio Vargas, que mantem seu quarto igualmente ao dia em que o ex- presidente da Republica se suicidou, incluindo ainda em seu acervo a arma em que realizou tal feito. Quando perguntei a dois clientes o que mais tinha chamado a atenção deles no museu, me responderam a arma que Getúlio se suicidou. E ao indagar sobre o porquê, um em especial que possui quadros de depressão em sua história, apontou o motivo do adoecimento, a perda da cabeça o que o levou ao suicídio. É interessante como a cultura e a demanda artística histórica, possuem um potencial significativo no âmbito do subjetivo. Enquanto manifestações de cunho emo- cional, tendem a promover uma certa interação valiosa. GELL (2009) propõe que a arte muito mais do que mera contemplação, é uma ação, no sentindo em que produz agencia sobre os indivíduos. A arma exposta num dentro de um vidro contemplando um acerco cultural tem o poder de provocar não somente uma contemplação, mas em determinados contextos, agenciar sentimentos que refletem questões subjetivas da trajetória de vida dos indivíduos.

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Figura 6: FOTOGRAFIA Palácio da Republica Fonte: Minha autoria

Figura 7: FOTOGRAFIA Palácio da Republica Fonte: Acervo Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho

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Figura 8: FOTOGRAFIA Palácio da Republica Fonte: Minha autoria

Figura 9: FOTOGRAFIA Palácio da Republica Fonte: Acervo Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho

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Feira de São Cristóvão - Feira de Tradições Nordestinas

Em uma manhã de sábado, o bonde do Trilhos chegou em peso na famosa Feira de Tradições Nordestinas e já em ritmo de forró entrou com tamanha animação e entusiasmo. Contando com uma grande presença dos usuários, de alguns se seus familiares e senhoras da comunidade, além da equipe a farra se fez abundante. A feira em especial, enquanto ponto turístico carioca de grande relevância, foi um passeio que contemplou vários dos objetivos dos circuitos traçados pelo Trilhos. Seja pela co- mida, pela dança, pela música, ou pelo grande potencial de sociabilidade. Decorrendo da manhã até pós almoço, o passeio de deu contemplando diver- sos aspectos. A abordagem marcante dos funcionários dos diversos restaurantes com o grupo grande se manifestou com muita palhaçada e brincadeira. Como sempre, re- pletos de animação a energia musical da feira fez com que a dança e a cantoria ga- nhassem um espaço expressivo no passeio, sendo o aspecto mais significante. A dança acompanhada da cantoria se fez presente no mini palco, em cima do banco, nos corredores, no grande salão, em todo canto. Um cliente em especial que costuma ter uma demanda de cantar e dançar, se encontrou num momento de grande excitação. Ao indaga-lo sobre o passeio, se mos- trou puramente satisfeito, me contando ainda que havia conseguido ganhar um beijo na boca, fato muito positivo, já que o mesmo vive a falar da necessidade de se encon- trar uma namorada.

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Figura 10: FOTOGRAFIA Feira de São Cristóvão Fonte: Acervo Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho

Figura 11: FOTOGRAFIA Feira de São Cristóvão Fonte: Minha autoria

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Figura 12: FOTOGRAFIA Feira de São Cristóvão Fonte: Minha autoria

Figura 13: FOTOGRAFIA Feira de São Cristóvão Fonte: Acervo Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho

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Figura 14: FOTOGRAFIA Feira de São Cristóvão Fonte: Minha autoria

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A força que afeta a si mesmo Apesar do Centro de Convivência não ser um lugar de tratamento em sentindo estrito, atua como um potente agenciador terapêutico. Os efeitos da ocupação na e da Cidade influem na vida dos clientes, de diversas formas. Funcionando como uma clínica itinerante proporciona um tratamento terapêutico diferenciado. Considerando que o lugar está diretamente relacionado com os processos de formação de identidade, vê-se na ocupação de novos espaços novas possibilidades de reinvenção da vida. Atuando no subjetivo dos usuários essa nova habitação inter- fere substancialmente em suas vidas atingindo o modo como eles se enxergam e como enxergam sua relação para com a sociedade. A autonomia também ganha um destaque nesse processo terapêutico, tendo em vista que ao se promover saúde43, promove-se também a recuperação no sentido de renormatização da vida44 (ALVAREZ, et. al. 2005). Ao favorecer a liberdade de es- colha em suas ações deixa de lado as limitações do diagnóstico psiquiátrico. Nesse contexto a saída da Instituição psiquiátrica se torna uma opção como relata um funci- onário em entrevista sobre o papel do Trilhos: Estimular a clientela a fazer alguma coisa em prol de si mesmo, não deixar o imã do hospital psiquiátrico puxar eles para dentro, movi- mento para fora, essa frase não é minha é um e diretor daqui o Edmar que falava tinha que fazer um engenho de fora e não o engenho de dentro porque isso aqui é um imã e te puxa. (Roberto, entrevista formal, março de 2017) Além disso constantemente essa autonomia se mostrou ligada a um processo educacional, no sentido de orientação. Frequentemente ouvia relados dos clientes que depois de passeios em certos lugares da Cidade com o Trilhos aprenderam a sair sozinhos. Traçando novos caminhos distintos do cotidiano que eram suas casas e as instituições psiquiátricas, aprendendo a ir a outros lugares como o centro do Rio e à praia. Já no âmbito da convivência o processo terapêutico atrelado a circulação e ocupação na e da Cidade tem um papel fundamental se não o mais importante, sendo

43 Ideia de promoção de saúde na questão de um tratamento oposto a cura que busque um bem-estar social. 44 Saúde não como ausência de doença, mas como a possibilidade de adoecer e se recuperar, pois a recupera- ção, envolve também um processo de renormatização da vida. (ALVAREZ, A. et. al. 2005)

58 o caráter político das ações do Trilhos (ANDRADE, 2014). Apesar do processo de humanização da saúde mental, o imaginário perverso da loucura ainda existe e está em todas as partes. O estigma da loucura está vivo e se manifesta muitas vezes por olhares e piadas que engendram sentimentos ruins em quem os recebe fortalecendo ainda mais o processo de isolamento. Ao convocar o retorno dos usuários à Cidade, vê-se na ocupação de novos espaços um mecanismo de grande potencial para o processo de desestigmatização da loucura. Propiciando a convivência e, portanto, um encontro de diferenças, pro- move um embate com o preconceito fazendo com que os modos de compreensão da loucura sejam desacomodados. Com efeitos muito mais significativos que os programas e campanhas de cons- cientização contra o preconceito essa convivência produz uma certa catarse social, uma mudança de concepção. De modo geral mesmo que indiretamente afeta a sub- jetividade de todos os envolvidos, tanto clientes como a sociedade em geral transfor- mando, mesmo que em pequenos passos, a mentalidade social acerca da loucura.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim como já mencionado durante todo o trabalho etnográfico, o estigma acerca da loucura, ainda existe, e ainda se manifesta em grande proporção na socie- dade. Apesar de todo o trabalho da Rede de Atenção Psicossocial sobre a desinstitu- cionalização da loucura a Instituição ainda se faz presente e totalmente importante no processo terapêutico enquanto lugar de referência em assistência. Entretanto, essa presença eventualmente acaba que por reforçar uma possível identidade louco en- quanto estigma. Ao longo da escrita, tive um certo incômodo quanto as categorias para classifi- car ou identificar os usuários, os identificando diversas vezes como clientes. Tal incô- modo se deu principalmente por ser uma categoria que esconde a individualidade dos mesmos. Ao se falar em saúde mental, é muito comum se fazer uma distinção entre “nos” e “eles”, afirmando sempre uma posição de distanciamento. O distanciamento enquanto artefato de escrita, se mostra um tanto complexo, e de difícil solução. Apesar de se buscar uma não estigmatização, onde independente da condição de usuário, o indivíduo deva ser analisado pela convivência empírica o aparato da diferença se torna necessário. Necessário não para descrever sobre caráter dos indi- víduos - que aproposito se torna conveniente quanto a sua trajetória de vida - mas como categoria para identificar um grupo de indivíduos dentro da sociedade. Contudo essa identificação, em contraste com o imaginário perverso que lou- cura carrega em sua história, pode se tornar uma potente ferramenta na propagação de um possível potencial à mesma. Ao se exaltar a categoria de loucura, como em nomes de blocos carnavalescos, em programas sociais e etc. busca-se um empode- ramento da mesma, disseminando um aspecto positivo à palavra e consequentemente aos indivíduos ditos loucos. Dado o exposto torna-se pertinente assumir que os processos de desinstituci- onalização, e desestigmatização da loucura, se fazem traçando ainda caminhos muito estreitos. Dado o caráter recente das reformas, e ainda a falta de recursos financeiros para a articulação das práticas. Apesar dos novos dispositivos de assistência, como o Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho, proporem a agirem de forma prática, e eficiente, sofrem ainda com a falta de investimento para a consolidação de

60 seu trabalho. As próprias saídas à Cidade se tornam uma questão complicada por ter uma demanda financeira para custeio de passagens e afins.

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6 FONTES

6.1 Referências Bibliográficas

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6.2 Outras Referências

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