MIRIAM CAJADO GOMES DE OLIVEIRA

AS INVERSÕES NA PRÁXIS JORNALÍSTICA Estratégias e (des) caminhos na construção do noticiário

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO São Paulo 2004 1

MIRIAM CAJADO GOMES DE OLIVEIRA

AS INVERSÕES NA PRÁXIS JORNALÍSTICA Estratégias e (des) caminhos na construção do noticiário

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica - Signo e Significação nas Mídias, sob a orientação do Prof. Dr. Norval Baitello Junior.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO São Paulo 2004 2

BANCA EXAMINADORA

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À minha mãe-amiga, Jacyra, grande companheira dedicada de todas as horas e em todos os empreendimentos. 4

AGRADECIMENTOS

À minha irmã Fátima, pelo incentivo e presença amiga.

À minha irmã Márcia (in memoriam), que muito me ajudou, comemorou a meu lado o ingresso no mestrado e não teve tempo de me ver concluí-lo, já que a vida, em uma perversa inversão, levou precocemente para muito longe quem família e amigos queriam bem perto.

Ao Prof. Dr. Norval Baitello Junior, orientador entusiasta, por confiar em mim e me conduzir para novos conhecimentos.

Aos Profs. Drs. Fabio Cypriano e José Eugenio de Oliveira Menezes, por toda a atenção e pelas contribuições apresentadas no exame de qualificação.

Aos Profs. Drs. Irene Machado, Cecilia Almeida Salles, Amálio Pinheiro e Eugênio Trivinho, pelo acolhimento e por propiciarem meu crescimento acadêmico.

À Professora Flamínia M.M. Lodovici, pela cuidadosa revisão desta dissertação.

À grande amiga Ana Cosenza, que me incentivou a ingressar no mestrado e me ajudou a nele permanecer, pela paciência para me ouvir e por sanar tantas dúvidas.

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A todos os amigos da Cúria Metropolitana de São Paulo, em especial, Leandro Siqueira, Juliana Satie, Analu Braggio, Cloves Reis, Magali Godoy, José Carlos Jerônimo e Rita Ribeiro, que me acompanharam mais de perto no percurso desta pesquisa.

Aos queridos amigos do trio, Andréa Florentino e José Mauricio Conrado, pelos encontros de estudo, pelas sugestões e, acima de tudo, pela demonstração de companheirismo e lealdade.

A todos os colegas do mestrado, em especial os do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia, pela amizade e carinho.

Ao cardeal dom Paulo Evaristo Arns e ao cônego Antônio Aparecido Pereira, pelo apoio.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela concessão da bolsa de estudos que permitiu a realização desta pesquisa. 6

RESUMO

Esta pesquisa trata das formas de inversão presentes na práxis jornalística, demonstrando o que são, onde estão e como são operacionalizadas, iniciando com um mapeamento dos conceitos teóricos acerca dos processos comunicativos. Com Ivan Bystrina e Mikhail Bakhtin, discute a inversão como uma solução cultural encontrada pelo homem para superar seus medos e dificuldades, abolindo regras e hierarquizações. Transportada para o âmbito do jornalismo, desta vez a partir da perspectiva das instituições e não da do povo, esta liberação configura também uma solução cultural encontrada pela imprensa para se livrar das pressões a que está sujeita, como, por exemplo, a necessidade de trazer a novidade mais recente, no menor tempo possível e antes dos concorrentes. Invertendo a própria inversão, transforma-se de solução para o produtor em problema para o consumidor do produto jornalístico, ao qual é negado o direito a informações completas, devidamente contextualizadas, como aponta Edgar Morin, e livres de distorções. Com Perseu Abramo, traz as inversões nas diferentes formas como se apresentam nas matérias jornalísticas, trocando de lugar fato e versão, informação e opinião, forma e conteúdo, parte e totalidade, dentre outros. Os estudos de Pierre Bourdieu sobre os “mecanismos invisíveis” do campo jornalístico fornecem os subsídios para entender algumas das causas da incidência das inversões apontadas por Abramo. Por fim, analisa matérias alusivas a três temas: reforma agrária e sem-terra, marketing pessoal de personalidades e disputa eleitoral, apontando as inversões presentes.

Palavras-chave: inversão; comunicação; jornalismo; cultura. 7

ABSTRACT

This research deals with the current forms of inversion in the journalistic praxis, demonstrating what they are, where they are and how they become operational, starting by mapping the theoretical concepts relating to the communicative processes. With Ivan Bystrina and Mikhail Bakhtin, it argues that the inversion is a cultural solution found by man in order to overcome his fears and difficulties, abolishing rules and hierarchical systems. When assigned to the field of journalism, this time from the perspective of the institutions and not of the people, this liberation is also shaped as a cultural solution found by the press to free itself from the pressures to which it is subject, for instance, the need to bring the most recent newness, in the lesser possible time and ahead of the competitors. Inverting the inversion itself, it transforms itself from solution for the producer into a problem for the consumer of the journalistic product, to whom the right to broad information, duly conceptualized, as pointed by Edgar Morin, and free of distortions is denied. With Perseu Abramo, it brings the inversions in the different forms they appear in the journalistic writings, changing places of fact and version, information and opinion, form and content, part and totality and others. The studies of Pierre Bourdieu about the “invisible mechanisms” of the journalistic field provide the subsidies to understand some of the causes of incidence of the inversions pointed by Abramo. Finally, it analyzes allusive journalistic writings to three subjects: land reform and landless people, personal marketing of public figures and electoral dispute, pointing the current inversions.

Key words: inversion; communication; journalism; culture. 8

SUMÁRIO

Introdução 09

CAPÍTULO 1 A imprensa e seus mecanismos de produção

1.1 Os códigos culturais, segundo Ivan Bystrina 16 1.1.1 Os quatro universais da cultura 19 1.2 Com Mikhail Bakhtin, carnavalizando a notícia 22 1.2.1 Ambivalência 24 1.3 O estabelecimento de novos sentidos 26 1.4 Os fundamentos dos padrões apontados por Abramo 32 1.4.1 Padrão de ocultação 33 1.4.2 Padrão de fragmentação 35 1.4.3 Padrão de inversão 43 1.4.3.1 Inversão da relevância dos aspectos 44 1.4.3.2 Inversão entre forma e conteúdo 44 1.4.3.3 Inversão entre versão e fato 44 1.4.3.4 Inversão entre opinião e informação 46 1.4.4 Padrão de indução 47 1.4.5 Padrão global ou específico do jornalismo de televisão e rádio 47

CAPÍTULO 2 O cotidiano da mediação invertida

2.1 Distorções abrigadas 50 2.1.1 Os sem-terra existem? 51 2.1.2 Silvio Santos: a morte como espetáculo 60 2.1.3 Imprensa na disputa eleitoral 64 2.1.3.1 Em pauta, a interpretação dos números 65 2.1.3.2 O apoio no discurso alheio 69 2.1.3.3 A informação em último lugar 73 2.1.3.4 Vale-tudo verbal 76

Considerações finais 79 Bibliografia 81 Anexos 91 Glossário 131 9

Introdução

A imprensa1 assume cotidianamente em seus discursos o compromisso com a liberdade e a isenção, reservando, inclusive, espaços em seus projetos editoriais para asseverar sua independência. Conforme Motta (2002: 15), a imprensa insiste em defender uma posição própria de imparcialidade no jogo político, de neutralidade e de distanciamento na observação e no relato dos eventos públicos. Apesar de tais discursos, nossa pesquisa parte da hipótese de que nem sempre a situação seja exatamente a que é apregoada. É possível pensar que existem fatores impeditivos que acabam por estabelecer o modo de produzir e transmitir informação para uma sociedade determinada, criando e recriando o noticiário, sejam eles os mecanismos estruturais do campo jornalístico, conforme veremos mais adiante com Pierre Bourdieu (1997), sejam eles fatores ligados a interesses dos veículos de comunicação, de seus jornalistas ou dos grupos aos quais estejam mais ligados econômica ou politicamente ou sejam ainda uma conjugação destes e de outros elementos.

1 No presente trabalho, utilizamos o termo “imprensa” genericamente, referindo- nos ao conjunto de seus vários suportes (rádio, TV, jornal etc.) - independentemente de suas grandes ou pequenas infra-estruturas ou de quaisquer outras características -, bem como aos jornalistas que neles atuam. A generalização explica-se pelo fato de entendermos que a inversão, nosso objeto de estudo, pode ser parte integrante de todos os mecanismos da cultura - havendo ou não intencionalidade -, aí inclusas a grande imprensa, a imprensa sindical, a imprensa religiosa etc. Naturalmente, sabemos também que - felizmente! - nem todos os veículos de comunicação ou jornalistas deixam-se enredar pelas inversões, motivo pelo qual não estamos particularizando que apenas este ou aquele veículo ou jornalista o faça, mas, sim, estamos tratando a questão do ponto de vista estrutural do jornalismo. Apenas no segundo capítulo, quando apresentamos as análises de casos, somos obrigados a exemplificar e, para isso, optamos pela imprensa escrita em nosso recorte, trazendo produções de diferentes veículos. 10

Assim introduzimos nosso objeto de estudo, a inversão, que pode ser duplamente caracterizada: em primeiro lugar, como uma contradição entre o discurso da imprensa e sua prática efetiva, ou, podemos dizer, possível; e em segundo lugar, por sua presença trazida à tona nas notícias. É necessário esclarecer, porém, que não trabalhamos com os aspectos dos discursos da imprensa em relação a seus valores e/ou independência, o que seria demasiado extenso para o âmbito da presente dissertação, detendo-nos, portanto, apenas na análise da inversão presente nas matérias jornalísticas, o que, em alguns casos, pode incluir a avaliação que o próprio veículo faz tão somente em relação à matéria específica. A palavra “inverter” vem do latim invértere e significa mudar a ordem dos objetos, dispor de maneira contrária ao normal, transformar uma coisa em outra (Cf. BUENO, 1965: 1978). E é isso o que tentamos demonstrar que ocorre, em maior ou menor grau, na práxis jornalística. Para tanto, discutimos na presente pesquisa o que são as inversões, onde elas se encontram e como funcionam. As conseqüências de uma visão distorcida por parte do público receptor, que em primeiro lugar é cidadão, são de grandes proporções, podendo perpassar as raias da dominação. Acreditamos que se este público, naturalmente leigo em sua grande maioria no que diz respeito a técnicas comunicacionais, puder, a partir das reflexões dos teóricos, ter acesso aos “bastidores” das notícias, puder conhecer as técnicas aplicadas na produção do noticiário, muitas vezes negando-lhe o direito a informações claras, coesas e, ao menos, minimamente livres de interferências, terá, com pensamento novo, maior percepção crítica. Da mesma forma, para os jornalistas, categoria da qual também fazemos parte, desvelar os mecanismos que intervêm no cotidiano da profissão deve ser entendido não como denúncia, busca de culpados ou ácida crítica, mas, sim, como “uma possibilidade de se libertar, pela tomada 11

de consciência, da influência desses mecanismos...” (BOURDIEU, 1997: 117). Partindo desses princípios, discutimos, no primeiro capítulo da presente dissertação, alguns conceitos relativos ao processo comunicativo, em diálogo com teóricos da Cultura e da Comunicação, tais quais Ivan Bystrina, Pierre Bourdieu, Mikhail Bakhtin, Edgar Morin e Perseu Abramo. Deste último, trazemos os estudos sobre a multiplicidade de facetas da inversão, que, entre outros recursos, oculta, trocando valores; fragmenta, trocando sentidos; troca de lugar versão e fato ou opinião e informação. No segundo capítulo, analisamos algumas matérias jornalísticas, apontando os tipos de inversões nelas presentes. Os textos referem-se a três temas que aparecem com freqüência na imprensa: reforma agrária e sem- terra, marketing pessoal de personalidades e eleições governamentais. Os exemplos são extraídos da revista Primeira Leitura, edição de agosto de 2003; da revista Contigo!, edições de 15 de julho de 2003 e 22 de julho de 2003; e dos jornais de circulação diária Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, em várias edições de outubro de 2002. É preciso destacar que não é nosso intento polemizar sobre a existência de uma suposta “realidade absoluta” acerca de qualquer dos acontecimentos apresentados nas matérias analisadas, pois, se aqui tentássemos nos aprofundar demasiadamente nos diferentes conteúdos, estaríamos adentrando o perigoso terreno das certezas simplificadoras e redutoras. Compartindo as idéias do sociólogo francês Edgar Morin, lembramos que a “realidade não é facilmente legível”.

As idéias e teorias não refletem, mas traduzem a realidade, que podem traduzir de maneira errônea. Nossa 12

realidade não é outra senão nossa idéia da realidade. Por isso, importa não ser realista no sentido trivial (adaptar-se ao imediato), nem irrealista no sentido trivial (subtrair-se às limitações da realidade); importa ser realista no sentido complexo; compreender a incerteza do real, saber que há algo possível ainda invisível no real. (MORIN, 2000a: 85)

Igualmente, outra questão que perpassa a impossibilidade de apreensão total do “real” pela imprensa e, portanto, faz-se implícita ou explicitamente presente nas reflexões desta dissertação, diz respeito às funções do jornalismo. Vejamos o que diz Emir Sader, referindo-se aos grandes meios de comunicação:

Uma ambigüidade central cruza a grande imprensa: ela desempenha uma função pública, mas é uma empresa privada. No limite, torna-se incompatível a busca de rentabilidade por parte da empresa jornalística com a função de informar e ser um espaço minimamente democrático de debate. Sua lucratividade faz com que ela perca independência, conforme passa a buscar maior rentabilidade, participando de outros ramos econômicos e, assim, passando a ter interesses materiais que limitam ainda mais sua isenção... (SADER, 1998: 9)

Cientes destas características e suas implicações, o que nos interessa é analisar diferentes versões2, ou seja, variantes de interpretação e apresentação de determinado acontecimento pela imprensa. É nossa

2 Como acepção figurada do verbete “Versão”, temos: “Variante de boato, notícia, forma diversa, um tanto diferente, de uma opinião, de uma notícia que corre entre o povo” (Cf. BUENO, 1967: 4233). 13

intenção, assim, demonstrar que os jornais fazem corriqueiramente a opção por uma ou outra versão, mas com o agravante de apresentarem-na como a única: sai de cena a mediação social da informação e entra em seu lugar a estruturação e constituição do real midiático. Trabalhamos a partir do que os profissionais de comunicação chamam de padrão de “realidade jornalística”, que pode ser um fato comprovado por uma fonte, um personagem, um cenário político etc. Vamos dar um exemplo bastante simples e cotidiano: a queda de uma ponte é um fato comprovado, mas há versões diferentes quanto à causa do ocorrido, como fraude, acidente, falta de manutenção etc. Os meios de comunicação podem, então, apresentar uma “realidade jornalística” diferente de outra “realidade jornalística”. É claro que posteriormente sempre poder-se-á retificar a informação, mas, dependendo de como a versão foi originalmente apresentada, o estrago pode ser irreversível. É preciso considerar também que nem sempre o “desmentido” aparece no noticiário e, quando aparece - várias vezes em tamanho menor que o da notícia original -, nada garante que será lido. Por exemplo, se existe uma contraversão que é omitida, ocorre, então, a inversão por ocultamento do chamado “outro lado”; se há inversão da relevância dos aspectos apresentados ou sua descontextualização, a notícia estabelece novos sentidos aos fatos. Pela forma como a imprensa noticia um fato, ou deixa de noticiá-lo, pode-se notar a tentativa de criar consenso em torno da versão por ela adotada. Uma idéia inicial para abordagem do tema neste trabalho, posteriormente abandonada por configurar uma outra pesquisa, foi o instigante universo mítico. Se prosseguíssemos com esta opção teórica, indubitavelmente o deus escolhido teria sido Hermes, da mitologia grega, (para os romanos, o deus Mercúrio), tido como o mensageiro dos deuses, aquele que faz a ponte entre os mortais e o Olimpo, o mestre da persuasão, 14

o mestre gatuno, o guia de almas, o deus esquivo, o senhor das estradas. Como nos lembra o psicoterapeuta cubano Rafael López-Pedraza (1999: 9- 15), esse deus do comércio nas fronteiras possui elementos de silêncio, logro e furto, podendo, nas transações, tanto indicar o caminho como desencaminhar os viajantes. O autor apresenta uma interessante passagem que muito bem ilustra a dinâmica da cultura - mostrar e esconder -, aqui expressa pela astúcia inerente ao deus Hermes: a fim de disfarçar o rastro das reses que roubava, ele as tangeu transversalmente, revirando suas patas para o lado e invertendo as marcas dos cascos, de modo que os da frente fossem para trás e vice-versa. Como López-Pedraza (1999: 61-3) nos ajuda a compreender, ao direcionar aquelas reses, Hermes estimulou um movimento retrogressivo, habilmente realizado por meio das sandálias e da inversão das pegadas do gado, num movimento que vai em certa direção mas parece que vai em outra. Ainda seguindo os passos de Hermes, dos vários aspectos apresentados pelo psicólogo venezuelano Efraim Rojas Boccalandro, um, em especial, é-nos caro e, com ele, encerramos esta Introdução. Diz o autor:

Esta energia psíquica que encontra sua representação na mitologia grega como sendo o deus Hermes, simboliza a inteligência realizadora. Como em todos os arquétipos, este possui seu aspecto positivo e negativo. Hermes corresponde à comunicação, à transmissão de idéias e ideais, porém este poder de eloqüência pode possuir em seu conteúdo a persuasão, a trapaça, o engano. (BOCCALANDRO, 2000: 90) 15

CAPÍTULO 1

A imprensa e seus mecanismos de produção

Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Sentou pra descansar como se fosse sábado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Sentou pra descansar como se fosse um príncipe E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no chão feito um pacote tímido Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar como se fosse um pássaro E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contramão atrapalhando o sábado

“Construção” (fragmentos), de

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1.1 Os códigos culturais, segundo Ivan Bystrina

A inversão é apontada pelo cientista político e semioticista tcheco Ivan Bystrina (1995: 9) como uma das soluções simbólicas - para o autor, uma solução muito radical - criadas pelo homem para superar a assimetria causada pela codificação dual e polar da cultura, esta naturalmente aqui tomada do ponto de vista comunicacional e de sua imortalidade, como o semioticista Norval Baitello Junior nos ajuda a compreender:

Este campo amplo recebe as contribuições e descobertas de cada indivíduo, de cada grupo social, de cada época, e as perpetua, transmitindo as informações de geração a geração (...). Suas criações têm normas próprias e independentes (e é por esta razão que ela consegue contrariar até as normas mais rígidas da vida), constituindo-se em uma ‘segunda realidade’. Dela fazem parte o vestir, os gestos, as artes (...), a literatura, (...), os hábitos (...), os sistemas políticos (...). Assim é que a cultura se organiza como um complexo sistema comunicativo, semiótico portanto, que coordena todas estas atividades. Reconhecer a existência da cultura como tal significa reconhecer que todas estas atividades atendem a regras e normas comuns - vale dizer, obedecem a um código da cultura (...). A cultura é o macrossistema comunicativo que perpassa todas as manifestações e como tal deve ser compreendido para que se possam compreender assim as manifestações culturais individualizadas. (BAITELLO JUNIOR, 1999: 18)

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Para chegarmos até o padrão de inversão, é necessário entender o foco da obra de Bystrina: os mecanismos pelos quais são operados os códigos da segunda realidade - a realidade da cultura, um tempo paralelo que inclui memória semiótica dos fatos biológicos, sociais e naturais, uma criação do homem para suplantar e solucionar a primeira realidade (biológica), a fim de vencer os medos que se apresentam nos locais e momentos em que esta primeira realidade se mostra insuportável ou insuperável. Vejamos, então, o que são estes códigos e como eles podem nos auxiliar a melhor compreender os processos de cultura e de comunicação, como eles podem nos ensinar a perceber como lidamos com o mundo. Segundo Bystrina (1995: 4), os códigos são o sistema de regras de funcionamento das linguagens, um sistema de vinculações entre os signos que compõem os textos, sendo estes aqui entendidos como complexos significativos de elementos sígnicos, como um conjunto orgânico e não como um órgão isolado.3 Entrelaçados, existem três grupos de códigos de comunicação. São eles:

1) Os códigos hipolingüísticos ou primários, responsáveis por regular toda a informação presente no organismo e, portanto, na vida biológica. O código genético, por exemplo, que atualiza o homem, seus talentos especiais, seus dons ou seus defeitos. Estes códigos, portadores de informações que se situam no interior no corpo, são suficientes para a transmissão de informações, mas não para a

3 O professor Bystrina (1995: 4) classifica os textos em três categorias, conforme segue: 1) textos instrumentais, cuja função primordial é atingir um objetivo instrumental, técnico e cotidiano, pragmático; 2) textos racionais, que são textos lógicos, textos matemáticos, textos das ciências naturais; 3) textos criativos e imaginativos, como os mitos, rituais, obras de arte, utopias, ideologias e ficções. 18

produção de signos. A cor de uma flor, por exemplo, transmite uma informação pela qual pássaros e insetos se orientam, mas esta informação ainda não constitui um signo - trata-se ainda de um pré-signo -, pois a flor não possui a intenção de ter uma cor, estando esta informação contida em seu próprio código genético.

2) Os códigos linguais ou secundários, que são os códigos da linguagem natural, aqueles que sincronizam a comunicação e determinam a organização social. Os textos são elementos produzidos de acordo com determinados padrões estruturais, seguindo regras que provêm justamente dos códigos secundários, os códigos da linguagem.

3) Os códigos hiperlingüísticos ou terciários, a partir dos quais surgem os textos da cultura, como mitos, histórias, lendas, crenças, religiões. São, portanto, códigos culturais.

Relacionando os códigos, Bystrina destaca que o que para os códigos primários é uma necessidade, como, por exemplo, a oposição claro e escuro ou dia e noite, somente se realiza pela atuação de um código secundário, como a construção gramatical da frase. Chegando à esfera dos códigos terciários, essa informação binária dos códigos secundários adquire maior significado: mais que uma necessidade técnica de comunicação ou expressão lingüística adequada, as oposições, vistas pelo eixo cultural, vão até a estrutura mais profunda do texto, podendo, por exemplo, relacionar-se com os bons ou maus espíritos, com o céu e o inferno etc.

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1.1.1 Os quatro universais da cultura

Ao estudar a estrutura básica dos códigos culturais, partindo de conceitos desenvolvidos especialmente pelos russos e pelos estruturalistas do Círculo de Praga, Bystrina destaca que os processos de codificação da cultura trazem em si regras de referência que se aplicam a todos os processos de transformação cultural. Ele, então, denomina-as como os quatro universais da cultura. Desses quatro universais, três são responsáveis por determinar de que maneira, ou maneiras, percebemos o mundo. O primeiro deles é o da binariedade ou dualidade, que se fundamenta no intercâmbio que ocorre no mundo material, ou seja, baseia-se na observação da primeira realidade.

No início da cultura humana, a oposição mais importante era vida-morte. E toda a estrutura dos códigos terciários ou culturais se desenvolveu a partir dessa oposição básica: saúde/doença, prazer/desprazer, céu/terra, espírito/matéria, movimento/repouso, homem/mulher, amigo/inimigo, direita/esquerda, sagrado/profano, paz/guerra (...) Tais oposições binárias dominam com enorme força o pensamento da nossa cultura particular e o desenvolvimento da cultura em geral. (BYSTRINA, 1995: 7)

A imprensa trabalha normalmente com o sistema dual, porque assim consegue simplificar seus conteúdos, tornando-se veículo de massa, rápido, fácil. É isto ou aquilo, não há espaço para meios-termos - o sistema triádico, por exemplo, ocasiona uma perda de impacto no receptor. Apresentando os 20

conflitos dualmente, eles são mais facilmente digeríveis; do contrário, complexificar-se-iam demais para os moldes midiáticos. Para o leitor/ouvinte/telespectador, a desvantagem dessa postura é enorme, já que a dualidade é divisão tosca, discriminadora e violenta, não permitindo o espaço para variações. Dessa forma, não é difícil imaginar as desastrosas conseqüências que podem recair sobre a percepção crítica que o leitor/ouvinte/telespectador deveria ter despertada e não abafada. A polaridade é o segundo universal da cultura apresentado por Bystrina. Como a estrutura binária dos códigos culturais é organizada em polaridades, há a necessidade de valorar os componentes para facilitar as decisões, atitudes, comportamentos ou ações em relação a eles.

Um bebê, no momento do nascimento, grita. Por que ele grita? Porque percebe a mudança de ambiente entre o interior do útero materno e o ambiente externo, aéreo. Ele sente a perda do prazer de estar num ambiente interno e o desprazer de um ambiente externo. Depois vêm os sofrimentos da fome e o prazer de ser amamentado. (...) O homem, portanto, começa a demarcar os pólos binários desde o início da sua existência. E ele o inicia nas situações de desprazer, como por exemplo, quando há uma pedra no caminho, uma situação de perigo. Onde não existe perigo, não há sinal, não há desafio. Isso significa que os conceitos, idéias ou objetos que não possuem seu correspondente pólo negativo não podem ser sinalizados, não podem ser demarcados. (BYSTRINA, 1995: 8)

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A polaridade cria as condições para o terceiro universal: a assimetria. De acordo com Bystrina, constatada a polaridade, ela será sempre assimétrica, ou seja, com um pólo mais forte do que o outro. O animal é mais forte que o homem, a noite é mais forte que o dia, a morte é mais forte que a vida. E o pólo sinalizado negativamente é percebido mais fortemente do que o pólo marcado positivamente; é ele que mais atrai o homem, mais o captura em todos os sentidos.

Portanto, do ponto de vista da preservação da vida, é sempre o pólo negativo (a morte) que comemora a vitória. Esta é a assimetria: a morte é mais forte que a vida, na percepção comum. Por isso, em todas as culturas o homem aspira sempre a uma imortalidade, ou seja, à vida após a morte. (BYSTRINA, 1995: 8)

Para superar as desvantagens criadas pelo próprio homem com os três universais acima citados, Bystrina (1995: 8-12) apresenta o quarto universal: as ações de superação, mecanismos que se desenvolveram paralelamente ao próprio desenvolvimento dos códigos culturais. Diante da assimetria, o homem age materialmente, criando instrumentos, ferramentas, textos, ciência, conhecimento. Como contra a morte não há criação material eficiente, ele cria os textos imaginativos. O homem tem, portanto, ações materiais e ações simbólicas. A história do conjunto das ações simbólicas é a cultura, a segunda realidade, o repertório do imaginário humano. E é utilizando-se do aparato da segunda realidade que o homem realiza incursões na primeira realidade, modificando-a. Entre essas ações de superação, está justamente, como já apontamos, a inversão. 22

Atuando na polaridade, a inversão troca os rótulos entre o positivo e o negativo, invertendo os valores. A morte, por exemplo, com sua faceta universalmente assustadora, pode passar a ser percebida positivamente, como o início de um novo e promissor caminho rumo ao esplendor da vida eterna. A negação do pólo negativo como meio de afirmação do pólo positivo, artifício que, como veremos mais adiante, a imprensa utiliza ao ocultar ou descontextualizar determinados acontecimentos ou parte deles, também configura uma inversão deliberadamente aplicada para penetrar na primeira realidade, modificando-a na segunda realidade, no imaginário, já que na primeira realidade não é possível fazê-lo. É a decretação de morte da complexidade, que se perde totalmente ao querer mostrar-se apenas um dos pólos de determinado objeto.

1.2 Com Mikhail Bakhtin, carnavalizando a notícia

O teórico russo Mikhail Bakhtin foi um dos primeiros a falar em inversão como meio para subverter a primeira realidade com a utilização do aparato da segunda realidade, embora sem valer-se da terminologia que só posteriormente seria utilizada por Bystrina. Ao analisar a cultura cômica popular na Idade Média e no Renascimento4, Bakhtin destaca que os festejos carnavalescos propiciam ao

4 Na obra A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, Mikhail Bakhtin (1996) faz um estudo das festas populares, da linguagem da praça pública e da história do riso, abrangendo o período da Idade Média e do Renascimento e utilizando como perspectiva as imagens rabelesianas. Outros livros do teórico russo, cuja obra privilegia a temática do dialogismo - enfocando a carnavalização da literatura, o romance polifônico, a transformação 23

povo a libertação das “verdades”, da opressão dos superiores, fazendo-se momento em que todas as regras e hierarquizações são abolidas.

Todos esses ritos e espetáculos (...) ofereciam uma visão do mundo, do homem e das relações humanas totalmente diferente, deliberadamente não-oficial, exterior à Igreja e ao Estado; pareciam ter construído, ao lado do mundo oficial, um segundo mundo e uma segunda vida aos quais os homens da Idade Média pertenciam em maior ou menor proporção (...) Isso criava uma espécie de dualidade do mundo... (BAKHTIN, 1996: 4-5)

Interessa-nos observar com Bakhtin não o aspecto da comicidade popular, do riso carnavalesco, mas tão somente a transposição de traços carnavalescos para a vida cotidiana, fecundando os diversos domínios da vida e da cultura, como uma percepção diferente de mundo, aqui partindo da perspectiva das instituições e não da ótica popular. Cabe destacar que, na avaliação do autor, um dos problemas mais complexos e interessantes da história da cultura é justamente o problema do carnaval (no sentido de conjunto de todas as variadas festividades, dos ritos e formas de tipo carnavalesco), sua essência, suas raízes profundas na sociedade primitiva e no pensamento primitivo do homem, seu desenvolvimento na sociedade de classes, sua excepcional força vital e seu perene fascínio. (Cf. BAKHTIN, 1996: 105) Com ênfase nas mudanças e transformações, a cosmovisão carnavalesca tem, na inversão, uma de suas constituições primordiais, operando como um artifício de releitura do mundo. A vida carnavalesca é,

dos gêneros literários e outros -, abrangendo a linguagem de maneira ampla e não somente a criação literária, estão indicados na bibliografia desta dissertação. 24

assim, uma vida desviada da sua ordem habitual, em certo sentido uma vida às avessas, um mundo invertido. (Cf. BAKHTIN, 1996: 105)

1.2.1 Ambivalência

Com sua ambivalência característica, a imagem carnavalesca tende a abranger e a reunir os dois pólos do processo de formação ou os dois membros da antítese: nascimento-morte, mocidade-velhice, alto-baixo, face-traseira, elogio-impropério, afirmação-negação, trágico-cômico etc., sendo que o pólo superior da imagem biunívoca reflete-se no inferior segundo o princípio das figuras das cartas do baralho. Isto pode ser expresso assim: os contrários se encontram, olham-se mutuamente, refletem-se um no outro, conhecem e compreendem um ao outro. (Cf. BAKHTIN, 1996: 153) A coroação e o posterior destronamento dos reis bufões é outra expressão da ambivalência dos festejos carnavalescos: na primeira, já está contida a idéia do segundo. Coroa-se o antípoda do verdadeiro rei, ou seja, o escravo ou o bobo, inaugurando-se o mundo às avessas. No destronamento, o coroado é despojado de suas vestes reais, da coroa e de outros símbolos do poder, e é surrado e ridicularizado. Os símbolos carnavalescos sempre incorporam a perspectiva de negação (morte) ou o contrário. O nascimento é prenhe de morte; a morte, de um novo nascimento. (Cf. BAKHTIN, 1996: 107) Sobre a negação como inversão, já apontada anteriormente, Bakhtin também tece algumas considerações sobre sua existência na cultura popular. Para o autor, não é o nada que se encontra por trás da negação: 25

... mas uma espécie de objeto às avessas, de objeto denegrido, uma inversão carnavalesca. A negação remaneja a imagem do objeto denegrido, muda principalmente sua situação no espaço, tanto do objeto inteiro como de suas partes; transporta-o inteiro para os infernos, põe o baixo no lugar do alto, ou o traseiro no lugar do dianteiro, deforma as proporções espaciais do objeto, exagerando desmesurada-mente um único de seus elementos em detrimento dos outros etc. (BAKHTIN, 1996: 360)

Assim como a forma de negação cronotópica acima referida, a cultura apropria-se de uma outra forma de negação: a da construção da imagem positiva por meio da negação de certos aspectos do objeto. O exemplo apontado por Bakhtin a respeito da substituição da negação pela afirmação é o da abadia de Télema, construída por Rabelais, como uma antítese do mosteiro: o que é interdito naquele, é autorizado, até mesmo exigido, em Télema. (Cf. BAKHTIN, 1996: 362) O que podemos depreender dos apontamentos de Bakhtin que trazemos em diálogo com Bystrina é que a inversão configura uma solução cultural, uma liberação das amarras da primeira realidade, um extravasamento de determinados formatos rígidos presentes na sociedade, um meio que o homem utiliza para resolver, ou afastar, seus medos, modificando sua percepção a respeito deles e, assim, passando a melhor conviver com eles. Construindo uma ponte para a prática jornalística, acreditamos ser possível também entender a utilização dos mecanismos de inversão pela imprensa como uma solução por ela encontrada, consciente ou inconscientemente, para se liberar de alguns entraves em sua prática 26

cotidiana, como, por exemplo, quando quer transmitir nas notícias um tipo de mensagem em detrimento de outro tipo. Solucionar uma questão é concluí-la, encerrá-la - ao menos naquele momento e para o seu produtor -, podendo esta solução ser favorável ou não, de acordo com as percepções individuais e suas implicações para os envolvidos. No caso das análises desta dissertação, acreditamos que a imprensa utiliza-se dos padrões de inversão presentes na cultura, “carnavalizando” a notícia e liberando-se, assim, das regras vigentes de organização social. Será que não é possível ver, com Bakhtin (1996), nos exemplos de coroação/destronamento, de negação ou de escárnio, algumas práticas da imprensa, que aniquila o velho e coloca em seu lugar o novo, na ânsia de buscar elementos da matéria-prima da notícia, como a novidade, a surpresa, o inusitado, a fim de bem seduzir seu público? No jornalismo, se a inversão é uma solução para o meio, contrariamente - podemos dizer até, em uma espécie de inversão da própria inversão -, para o receptor, esta mesma solução pode transformar-se em um problema.

1.3 O estabelecimento de novos sentidos

Para tratar mais detidamente das várias formas de inversão que se encontram presentes em matérias jornalísticas, lançamos mão da classificação efetuada pelo jornalista e sociólogo Perseu Abramo (2003)5 e por ele denominada de “padrões de manipulação”.

5 Abramo nasceu na capital paulista em 1929. Célebre jornalista e sociólogo, atuou intensamente em veículos da grande imprensa e da imprensa sindical e partidária, entre os quais o jornal Folha de S.Paulo, que o demitiu em 1979 em 27

Por tratar-se a manipulação de uma categoria de recepção, o que não é o caminho desta pesquisa, que quer tão somente discutir a produção jornalística, e ainda por tratar-se de um conceito que suscita discussões quanto a seu caráter ultrapassado, por pressupor poder ilimitado aos meios de comunicação e nenhuma resistência por parte dos receptores, não discutiremos este modelo teórico6. Concedemo-nos licença para utilizar as categorias de Abramo, já que a entendemos como de pleno acordo com nosso interesse e argumentação - já introdutoriamente apresentados -, independentemente da terminologia utilizada. Embora esse autor diferencie nominalmente os padrões, podemos objetar, tentando demonstrar nesta dissertação que os procedimentos por ele apresentados - fatos apresentados de maneira fragmentada, com seus aspectos descontextualizados ou ordenados de forma inversa quanto a sua relevância e seu significado; uma versão particular tomando o lugar do acontecimento; uma opinião, introduzida no meio da matéria, aparecendo travestida de informação; a ocultação de determinado aspecto do fato como forma de ressaltar um aspecto contrário do mesmo fato etc. - caracterizam- se todos como modalidades de inversão, já que constituem soluções

função de sua participação na greve dos jornalistas. No magistério superior, atuou, entre outros, na Cásper Libero, Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Nas áreas política, sindical e social, sua participação foi muito ativa, podendo ser citados como alguns, entre tantos exemplos de atuação, as campanhas pela anistia e contra a ditadura militar e a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Morreu em 6 de março de 1996. 6 Ao apresentar um quadro comparativo dos modelos teóricos para o estudo das Comunicações, Venício Artur Lima fala sobre “superação” do modelo teórico da manipulação pelo da persuasão. Para o autor, “trata-se na verdade de uma mudança de terminologia” que revela a passagem de um modelo que considerava as comunicações como todo-poderosas, ou seja, possuidoras de efeitos ilimitados, para um outro modelo no qual seu poder é menor e seus efeitos, portanto, limitados. Com o modelo da persuasão, teriam passado a ser consideradas e reconhecidas as resistências dos receptores em relação às mensagens a eles dirigidas pelos meios de comunicação. (Cf. LIMA, 2001: 42) 28

culturais encontradas pela imprensa e que, ao distorcerem os acontecimentos, acabam por estabelecer novos sentidos a eles. Antes, porém, da apresentação dos padrões específicos, trazemos os estudos do sociólogo francês Pierre Bourdieu, que podem nos ajudar a esclarecer alguns fatores que desencadeiam a incidência dos procedimentos apontados por Abramo. Bourdieu (1997: 101)7 analisa a ascendência dos mecanismos inerentes ao campo jornalístico, que cada vez mais atende a exigências do mercado - leitores e anunciantes -, sobre os jornalistas em primeiro lugar e, a seguir, em parte por meio deles, sobre os diferentes campos de produção cultural, campo jurídico, campo literário, campo artístico e campo científico.

... atualmente todos os campos de produção cultural estão sujeitos às limitações estruturais do campo jornalístico, e não deste ou daquele jornalista, deste ou daquele diretor de emissora, eles próprios vencidos pelas forças do campo. E essas limitações exercem efeitos sistemáticos muito equivalentes em todos os campos. O campo jornalístico age, enquanto campo, sobre os outros campos. Em outras palavras, um campo, ele próprio cada vez mais dominado pela lógica comercial, impõe cada vez mais suas limitações aos outros universos. Através da pressão do índice de audiência, o peso da economia se exerce sobre a televisão, e, através do peso da televisão sobre o jornalismo, ele se exerce sobre os outros jornais... (BOURDIEU, 1997: 81)

7 Apesar de ser intitulada Sobre a televisão, a obra em referência não restringe sua análise àquele meio, mas desenvolve reflexões acerca de todo o campo do jornalismo. Embora, ainda, as reflexões do autor girem em torno da imprensa francesa, entendemos que, em diálogo com Abramo, seja possível identificá-las também com a imprensa brasileira. 29

Para o autor, a apreensão dos mecanismos explicativos das práticas jornalísticas passa justamente pela compreensão do mundo do jornalismo como um microcosmo que tem leis próprias e que é definido por sua posição no mundo global e pelas atrações e repulsões que sofre da parte dos outros microcosmos. Assim, destacar a autonomia do campo jornalístico, que possui suas próprias leis, equivale a dizer que apenas os fatores externos - como os econômicos - não são suficientes para explicar o que ocorre neste campo (Cf. BOURDIEU, 1997: 55). Há, portanto, mais elementos envolvidos; há toda uma estrutura interna invisível que o sociólogo consegue desvelar. Os efeitos que o campo jornalístico e, por meio dele, a lógica do mercado impõem aos outros campos de produção cultural têm ligação com a distribuição dos diferentes jornais e jornalistas, de acordo com sua autonomia em relação às forças do mercado dos leitores e do mercado dos anunciantes. Segundo Bourdieu, para se medir o grau de autonomia de um órgão de difusão, por exemplo, deve-se considerar a parcela de suas receitas advindas da publicidade e da ajuda do Estado, seja como publicidade ou como subvenção, e o grau de concentração dos anunciantes. Em relação aos jornalistas, sua autonomia depende de vários fatores interligados: primeiramente, do grau de concentração da imprensa, já que o menor número de empregadores potenciais faz crescer a insegurança do emprego; em segundo lugar, da posição que o veículo de comunicação ocupa no espaço que divide com os outros veículos, em relação à maior proximidade com o pólo intelectual ou com o pólo comercial; em seguida, de sua própria posição no veículo de comunicação, ou seja, ser ou não ser efetivo determina quais são - ou não são - suas garantias estatutárias, e seu salário; e, por fim, de sua capacidade de produção autônoma da informação. (Cf. BOURDIEU, 1997: 102-4) 30

Segundo o autor, para que possa ser compreendido como o campo jornalístico contribui para reforçar, no seio de todos os campos, o pólo comercial, ou seja, com produtores mais sensíveis às seduções dos poderes econômicos e políticos, em detrimento do pólo puro, isto é, autônomo em relação às pressões comerciais, com produtores mais aplicados em defender os princípios e os valores da profissão, é necessário “perceber que ele se organiza segundo uma estrutura homóloga à dos outros campos e que nele o peso do ‘comercial’ é muito maior”. (BOURDIEU, 1997: 104) A constituição do campo jornalístico como tal, explica o sociólogo, deu-se, no século XIX, em torno da oposição entre os jornais que continham notícias sensacionalistas e os jornais que, com análises e comentários, buscavam distinguir-se daqueles por meio da afirmação de valores de objetividade. Assim, o campo jornalístico abriga a oposição entre duas lógicas e dois princípios de legitimação, ou seja, de um lado, o reconhecimento pelos pares, outorgado aos que privilegiam os valores e princípios internos; e, de outro lado, o reconhecimento da maior parte das pessoas, expresso pelo sucesso de vendas e pelos lucros financeiros obtidos.

Como o campo literário ou o campo artístico, o campo jornalístico é então o lugar de uma lógica específica, propriamente cultural, que se impõe aos jornalistas através das restrições e dos controles cruzados que eles impõem uns aos outros e cujo respeito (por vezes designado como deontologia) funda as reputações de honorabilidade profissional. (BOURDIEU, 1997: 105)

Sujeito às sentenças determinadas pelo mercado, pelo sucesso ou não de vendas e/ou índices de audiência, o campo jornalístico, muitas vezes, tende a dividir os jornalistas em duas frentes: uma, em que se situam 31

aqueles com posições hierarquicamente superiores, que, segundo Bourdieu, são mais propensos a adotar critérios mais comerciais na produção, como os de notícias curtas, simples e que vendem melhor; e outra frente em que se situam aqueles que, mais jovens e menos estabelecidos, tendem a opor os princípios e valores da profissão às exigências dos primeiros. Julgamos necessário destacar aqui, mais uma vez, nossa consideração apresentada na Introdução da presente pesquisa acerca dos profissionais que, independentemente de sua posição hierárquica, resistem como e o quanto podem às imposições estruturais do campo jornalístico. Por ser a lógica da concorrência o mais importante dos mecanismos do campo jornalístico, o anseio pelo maior número de clientes, especialmente nos veículos mais próximos do pólo comercial, faz com que a busca incessante das notícias mais novas, o chamado “furo” jornalístico, torne-se prioridade absoluta. Com isso, os profissionais são levados, muitas vezes, a produzir uma “representação instantaneísta e descontinuísta do mundo”. Em ressonância com o conceito de padrão de fragmentação que veremos com Abramo, os fatos são apresentados pelos jornalistas sem as devidas conexões com seus antecedentes e conseqüentes.

Na falta de tempo, e sobretudo de interesse e de informação (limitando-se seus trabalho de documentação, no mais das vezes, à leitura dos artigos de imprensa consagrados ao mesmo assunto), eles não podem trabalhar em tornar os acontecimentos (por exemplo, um ato de violência em uma escola) realmente inteligíveis recolocando-os no sistema de relações em que estão inseridos (como a estrutura familiar, ela própria ligada ao mercado de trabalho, ele próprio ligado à política em matéria de impostos etc.)... (BOURDIEU, 1997: 140) 32

Ainda pela lógica da concorrência, as atividades dos outros veículos de comunicação e seus jornalistas são alvo de especial atenção, seja para tirar proveito dos fracassos alheios, para aprender com os erros dos outros a fim de evitá-los ou para contrapor-se aos sucessos dos concorrentes. Aqui, também podemos pensar nos padrões que veremos com Abramo, especialmente os de ocultação e de inversão. Além de serem informados por fontes diversificadas, os jornalistas pautam-se pelos concorrentes, ou seja, a decisão sobre o que deve ou não ser transmitido ao público advém, em grande parte, dos informantes. Isto é, a lógica da concorrência também determina os fatos que serão incluídos no noticiário, bem como de que forma e em que ordem, e aqueles que serão excluídos. “E isso leva a uma espécie de nivelamento, de homogeneização das hierarquias de importância.” (BOURDIEU, 1997: 36)

1.4 Os fundamentos dos padrões apontados por Abramo

Explicitados, mesmo que sucintamente, os mecanismos estruturais do campo jornalístico - os quais também, mas não somente, envolvem interesses econômicos e políticos -, retomamos as reflexões de Abramo, cientes de que a incidência dos padrões apontados pelo autor nas matérias jornalísticas pode explicar-se em grande parte por estes “mecanismos invisíveis que orientam ações e pensamentos” (BOURDIEU, 1997: 132), por interesses específicos dos veículos de comunicação e dos jornalistas ou por uma conjugação desses fatores. Os procedimentos foram apresentados por Abramo no ensaio “Significado político da manipulação na grande imprensa”, escrito em 1988 e somente publicado em 2003 no livro Padrões de manipulação na grande 33

imprensa. Deles, quatro são válidos para a imprensa em geral e um é ligado especificamente ao jornalismo de televisão e rádio. São eles: ocultação, fragmentação, inversão, indução e, por fim, global ou específico do jornalismo de televisão e rádio. Embora tratem-se de reflexões desenvolvidas em época distinta da atual, em termos políticos, sociais e econômicos, a presente pesquisa mostra, com a exemplificação de casos, que o pensamento de Abramo pode ser aplicável hoje em dia tanto quanto o era naquela época, posição que se ratifica pelas reflexões mais recentes de Bourdieu e pela própria decisão editorial de publicação da obra após 15 anos do ensaio escrito pelo autor - e que também é expressa em seu prefácio intitulado “A atualidade dos estudos do jornalista e professor Perseu Abramo”. Vamos à apresentação dos padrões.8

1.4.1 Padrão de ocultação

Este padrão diz respeito à opção do veículo de comunicação em noticiar ou não noticiar determinado acontecimento, decisão esta que, naturalmente, não se dá de maneira aleatória. Há uma concepção geral entre os profissionais da comunicação - empresários ou empregados - sobre a existência de fatos jornalísticos e não jornalísticos e é a partir dela que freqüentemente é tomada a decisão. Abramo critica esta concepção, destacando que:

8 Neste capítulo, tratamos dos padrões apenas teoricamente, ficando a exemplificação e análise dos casos para o segundo capítulo desta dissertação. 34

Ora, o mundo real não se divide em fatos jornalísticos e não-jornalísticos, pela primária razão de que as características jornalísticas, quaisquer que elas sejam, não residem no objeto da observação, e sim no sujeito observador e na relação que este estabelece com aquele. O ‘jornalístico’ não é uma característica intrínseca do real em si, mas da relação que o jornalista, ou melhor, o órgão de jornalismo, a imprensa, decide estabelecer com a realidade. (...) toda a realidade pode ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um fato independe das suas características reais intrínsecas, mas depende, sim, das características do órgão de imprensa, de sua visão de mundo, de sua linha editorial ... (ABRAMO, 2003: 26)

A considerar a crítica do autor, haveria, então, uma opção militante do veículo de comunicação, de acordo com sua linha editorial e seus interesses, opção esta que determinaria a presença parcial ou camuflada pela diagramação ou a ausência total do acontecimento na edição. Com esta decisão, o leitor é, naturalmente, o maior prejudicado, pois a ele é negado o direito de conhecer o fato pela imprensa. Destacamos, aqui, o agravante da existência de grande concentração de veículos de comunicação nas mãos de poucos grupos empresariais de mídia. A relação de propriedades de rádios, TVs e jornais vinculados às seis principais redes privadas de TV aberta no Brasil, por exemplo, pode ser verificada no projeto “Donos da mídia”, um banco de dados elaborado pelo Instituto de Pesquisas em Comunicação (Epcom) e apresentado no Fórum Social Mundial em 2002 como resultado de um trabalho de 1 ano em todos os estados brasileiros. De acordo com a pesquisa, somente seis redes privadas - Bandeirantes, CNT, Globo, Record, Rede TV! e SBT - predominam no segmento de televisão, aglutinando 140 grupos afiliados, os 35

principais de cada região, e abrangendo 667 veículos, dos quais 309 emissoras de TV e 358 outros veículos, como emissoras de rádio e jornais.9 Naturalmente, essa concentração pode favorecer o monopólio da informação por parte daqueles que controlam a imprensa, assim decidindo o que é ou não noticiado. Podemos, aqui, falar em inversão, já que o compromisso do jornalismo deve ser primeiramente com a defesa dos interesses da sociedade e não com os interesses políticos ou econômicos dos empresários de comunicação. Se um acontecimento é deliberadamente alijado da edição para atender aos interesses do veículo de comunicação, está-se, assim, procedendo a uma mudança na ordem de prioridades. Por outro lado, se a alegação para a ocultação é a falta de espaço na edição, também pode, em alguns casos, configurar-se em uma sutil inversão de pauta: alguns acontecimentos que, por sua relevância para a sociedade, deveriam estar no alto da lista de matérias prioritárias, vão para o final e, “somente por absoluta falta de espaço”, acabam por ser cortados. É cômodo para a direção e os editores, e todos ficam com suas consciências tranqüilas.

1.4.2 Padrão de fragmentação

Após a decisão sobre o que será descartado, resta noticiar o que passou pelo crivo do veículo de comunicação. Esta apresentação ao leitor, em grande número de vezes não será, porém, em sua totalidade, mas particularizada, caracterizando um posicionamento pobre diante de um acontecimento muitas vezes complexo. Na elaboração da notícia, são ignoradas as conexões com os antecedentes e conseqüentes do acontecimento, o contexto em que ele foi

9 Uma síntese da pesquisa pode ser encontrada no artigo “Quem são os donos”, publicado na edição do dia 6 de março de 2002, da revista Carta Capital. 36

gerado e sua dinâmica, implicando, então, segundo o autor, duas operações básicas: a seleção de aspectos/particularidades e a descontextualização. De forma similar ao que ocorre no padrão de ocultação, a seleção de aspectos tem a função de determinar o que será ou não permitido dar a conhecer ao leitor, de acordo com o projeto editorial adotado pelo veículo de comunicação. Como alerta Abramo:

Novamente, os critérios para essa seleção não residem necessariamente na natureza ou nas características do fato decomposto, mas sim nas decisões, na linha, no projeto do órgão de imprensa, que são transmitidos, impostos ou adotados pelos jornalistas desse órgão. (ABRAMO, 2003: 28)

Fruto da seleção de aspectos, a descontextualização é evidente. Se algo é apresentado isoladamente e apenas em parte, a apreensão de significados fica prejudicada por não haver elementos suficientes para que o leitor possa fazer as necessárias relações, a fim de bem estruturar sua compreensão de mundo. O acontecimento passa, então, a não ter significado aparente ou adquire novo significado, que pode ser não somente diferente, como também antagônico ao original, o que nos remete aos conceitos de criação da segunda realidade apontados por Bystrina. Vejamos o que diz Abramo:

A fragmentação da realidade em aspectos particularizados, a eliminação de uns e a manutenção de outros e a descontextualização dos que permanecem são essenciais, assim, à distorção da realidade e à criação artificial de uma outra realidade. (ABRAMO, 2003: 28)

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O jornalista Leão Serva (2001: 59)10 também aborda a questão da fragmentação nas notícias, mecanismo que impede o estabelecimento de relações, apontando-a como um dos limites do jornalismo. Ao ressaltar que o jornalismo tem como matéria-prima o fato novo, desconhecido, que pode causar surpresa, o autor assevera que, diante disso, para não excluir esta surpresa do leitor, os jornais “deixam de buscar em primeiro lugar uma compreensão genuína dos acontecimentos”.

É como dizer: se os leitores entenderem a notícia, seus antecedentes, seu contexto e sua repercussão, não vão se surpreender com ela, não vão dar valor ao noticiário. E quem sabe no dia seguinte não “renovarão a eleição” do veículo, entendida pelo ato de compra repetido diariamente. (SERVA NETO, 2001: 59-60)

Valendo-nos do conceito de Complexidade, que tem em Morin seu maior expoente, podemos afirmar que a fragmentação das idéias ou das informações é exatamente o inverso a tudo que se situa em termos daquele conceito.

10 Em ressonância com o que discutimos nesta pesquisa, Leão Serva, em seu livro Jornalismo e desinformação, aponta algumas razões que determinam lacunas de informação nos jornais e de compreensão nos leitores. São elas: 1) a omissão e 2) a sonegação, nas quais ocorre a ausência da informação, ainda que por causas diferentes; 3) a submissão, ocorrida quando o fato é publicado, mas a notícia recebe uma edição que não permite ao receptor compreender sua importância e seu significado; e 4) a deformação da informação, um caso extremo de submissão, que ocorre quando a desinformação gerada é tão grande que leva a uma compreensão errada da informação. Esta “desinformação-informada”, quando tornada sistêmica e não episódica, pode levar os leitores ao que o autor denomina de desinformação funcional, de forma semelhante ao que ocorre com o analfabeto funcional, que é capaz de unir palavras e frases, mas não consegue apreender o significado do que lê. 38

A complexidade, que, no sentido original do termo, significa “o que foi tecido junto”, pressupõe o rompimento com o isolamento dos objetos, ou seja, a pertinência de todo o conhecimento está no estabelecimento de relações com o contexto em que esses objetos se inserem. Por exemplo, uma pessoa que se limita somente ao seu grupo possui um imaginário restrito e, assim, deixa de conviver com a cultura. É preciso abrir-se às mudanças, observando claramente o mundo das coisas e as instituições em que se vive, abandonando velhas idéias pré-concebidas e conceitos que dividem o mundo dicotomicamente. É a busca de uma nova percepção de mundo por meio da ótica da complexidade. Morin (2002: 12) destaca dois bons e cotidianos exemplos da importância do pensamento complexo, para que as pessoas possam, de fato, obter um conhecimento mais efetivo a respeito dos objetos. O primeiro deles lembra-nos da necessidade de busca dos antecedentes, das origens dos fatos, a fim de rejuntar as informações ao contexto ao qual elas pertencem. Morin destaca que, quando pela primeira vez ouviu-se falar sobre a guerra da Bósnia, a palavra Sarajevo não possuía significado algum para quem a escutava. Posteriormente, inclusive com a ajuda dos meios de comunicação, a sociedade começou a situar a cidade geográfica, política e culturalmente. Para melhor conhecimento ainda, é necessário saber sobre o passado dos Bálcãs, a ocupação turca, a Primeira Guerra Mundial - que começou com um atentado em Sarajevo -, a Segunda Guerra Mundial, o comunismo iugoslavo do marechal Tito, a crise desse comunismo etc. O segundo exemplo apresentado pelo sociólogo ressalta a importância de não se deixar capturar pela armadilha do conhecimento muito sofisticado, mas isolado, o que pode levar ao erro e à ilusão. O exemplo trata da incapacidade que os economistas têm de prever crises vindouras, justamente por se aterem a pensamentos compartimentados. 39

Morin destaca que por se tratar de uma ciência quantitativa, a Economia elimina de sua visão o que se refere à vida, às paixões, aos sofrimentos e aos gozos humanos, dimensões estas que também se fazem presentes na vida econômica. E exemplifica com a situação de uma jovem que, ao comprar um creme de beleza, pratica um ato econômico que está relacionado a seu desejo de agradar e seduzir. Desta forma, Morin ressalta que em todo ato econômico os seres humanos colocam suas necessidades e aspirações. Para encontrar instrumentos do conhecimento que possam, de fato, permitir o enfrentamento da complexidade, Morin desenvolveu um trabalho denominado O método, publicado em quatro volumes. Esses instrumentos têm como proposta religar o que está separado e, dessa forma, enraizar uma nova estrutura de pensamento. Trazemos, a seguir, um pequeno resumo dos instrumentos - que, embora não tenham sido inventados pelo sociólogo, foram por ele desenvolvidos e reagrupados -, pois julgamos importante para o tema de nossa dissertação a apresentação e o conhecimento de caminhos que possam levar à superação das fragmentações e inversões, caminhos que permitam o estabelecimento de ligações, e, assim, conduzam ao conhecimento complexo, hoje abandonado pelos meios de comunicação social, que privilegiam as simplificações e os banais determinismos. O primeiro instrumento é o que Morin denomina como noção de sistema, ou seja, o conjunto de partes diferentes, unidas e organizadas. Por exemplo, a sociedade é um sistema constituído por grupos e indivíduos sociais diferentes. E não é nada difícil perceber que, para conhecer efetivamente esta sociedade, não se pode fazê-lo a partir de grupos ou indivíduos isolados, mas, sim, unindo as partes ao todo e vice-versa.

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Um todo organizado produz qualidades e propriedades que não existem nas partes tomadas isoladamente (...) Portanto, é necessário ter um pensamento que possa conceber o sistema e a organização, pois tudo o que conhecemos é constituído da organização de elementos diferentes ... (MORIN, 2002: 13)

A circularidade, idéia formulada por Norbert Wiener, constitui o segundo instrumento. Referindo-se ao caráter retroativo do sistema, a circularidade opõe-se à idéia linear de que toda a causa tem um efeito e em seu lugar pressupõe uma causalidade circular, em que o próprio efeito volta à causa. O exemplo apresentado por Morin é o do termostato em um local com aquecimento central. Primeiro, a obtenção da temperatura desejada (causa) leva ao desligamento do termostato (efeito); e posteriormente, quando o local volta a esfriar, o termostato (efeito) é ligado, reaquecendo (causa) o local.11 O terceiro instrumento é o da circularidade autoprodutiva. Os exemplos passam pela reprodução humana, na qual todos somos produtos e produtores; e também pela constituição da sociedade, que é produzida pela interação entre os indivíduos, mas também ela mesma, com sua cultura e linguagem, retroage sobre os indivíduos. Morin denomina o quarto instrumento como hologramático, em uma referência à idéia de que não somente a parte está dentro do todo, mas o todo está no interior das partes. Ele destaca, por exemplo, que os indivíduos estão dentro da sociedade, mas a sociedade está presente nos indivíduos

11 Aqui, destacamos entender o processo comunicativo como probabilístico, sujeito a surpresas, ao acaso, contrariamente ao conceito que o entende como linear, com regras de imutabilidade. O conceito de comunicação probabilística, conforme o propõe Baitello, foi apresentado durante suas aulas de Semiótica da Cultura, na PUC/SP. 41

desde seu nascimento, já que estes recebem daquela as proibições, as normas, a linguagem etc. O dialógico é o quinto operador desenvolvido por Morin, que assevera que, para que alguns fenômenos complexos possam ser compreendidos, é necessário juntar duas noções que são ao mesmo tempo antagônicas e complementares, como, por exemplo, vida e morte. Para se manter vivo, o organismo humano lança mão da morte de células e moléculas degradadas. Também as sociedades vivem da morte de seus indivíduos, já que, lembra-nos Morin, a cultura é transmitida às novas gerações e assim se regenera. Desta forma, o sentido do operador dialógico é o de que a própria vida integra seu maior oposto, a morte. Por fim, Morin aborda o princípio de integração do observador à sua observação e do conhecedor ao seu conhecimento. O profissional sociólogo, por exemplo, é a parte do todo social, que, por sua vez, também está dentro dele. Para que possa realizar um efetivo trabalho diante do conjunto da sociedade, ele deve, então, fazer uma auto-análise com o objetivo de situar- se e perceber que não possui inicialmente o verdadeiro conhecimento, mas, sim, um conhecimento relativo. Os antropólogos ocidentais do início do século 20, e suas descobertas acerca da riqueza de conhecimento das populações arcaicas em contraposição à postura deles mesmos, que se consideravam os donos da razão e do conhecimento objetivo, também são citados por Morin. Vejamos:

Lévy-Bruhl, grande antropólogo francês do início do século, caracterizava as sociedades, a que chamava de primitivas, de sociedades compostas de indivíduos de mentalidades mágicas e místicas. Ele não se perguntava como esses indivíduos eram capazes de construir instrumentos e estratégias de caça extremamente racionais e eficazes. Diante 42

de novas condições históricas, (...) houve uma mudança no ponto de vista dos antropólogos, que descobriram que havia riquezas de conhecimento nas populações arcaicas, que havia conhecimento de plantas e remédios (...) É preciso notar que toda a cultura, que poderia ser considerada por nós arcaica e primitiva, contém, nela própria, uma mistura de sabedoria, de verdades profundas, de conhecimentos, e de erros e superstições. Mas nossa sociedade também tem os mesmos elementos de conhecimento, de verdade, de erros e superstições. Freqüentemente o que chamamos de razão é algo profundamente irracional. (MORIN, 2002: 17)

Indo ao encontro de como a Semiótica da Cultura trabalha com os objetos, ou seja, a partir da transdisciplinaridade, Morin destaca a necessidade de que rompamos com o paradigma da disjunção que comanda a história do mundo e do pensamento ocidental e que separa o espírito da matéria, a filosofia da ciência, o conhecimento particular que vem da música ou da literatura do conhecimento advindo da pesquisa científica, o sujeito do conhecimento do objeto do conhecimento.

Assim, vivemos num mundo em que é cada vez mais difícil estabelecer ligações, quando se trataria de enraizar outra estrutura de pensamento. Para isso, é preciso, evidentemente, uma ruptura do ensino, que permita juntar ao mesmo tempo que separa. O conhecimento complexo conduz ao modo de pensar complexo, e esse modo de pensar complexo, ele mesmo, tem prolongamentos éticos e existenciais, e talvez até políticos. (MORIN, 2002: 18)

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Com esses instrumentos, Morin desafia-nos a compreender e empreender as mudanças necessárias em nossa forma de conhecer e interagir com os objetos à nossa volta.12 Se a imprensa distancia-se da complexidade, utilizando com freqüência, deliberadamente ou não, mecanismos que impedem que as tão necessárias ligações sejam feitas pela sociedade, aprendermos a reconhecer tais estratégias e darmos forma a uma nova estrutura de pensamento pode ser um bom começo para mudanças rumo ao desalojamento de idéias pré- concebidas e enraizadas.

1.4.3 Padrão de inversão

Retomando a classificação de Abramo, após fragmentar o acon- tecimento em seus aspectos particulares e descontextualizados, é hora de reordenar as partes, trocar seus lugares e ordem de importância, prosseguindo, assim, com a construção do real midiático. Apresentamos, a seguir, o que Abramo aponta como as principais formas do padrão de inversão:

12 No livro Os sete saberes necessários à educação, Morin (2000) apresenta os conceitos homônimos que julga imprescindíveis para a reorganização da educação diante dos problemas do sistema. São eles: as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão, os princípios do conhecimento pertinente, ensinar a condição humana, ensinar a identidade terrena, enfrentar as incertezas, ensinar a compreensão, a ética do gênero humano. Do mesmo modo, dialogando com (1996: 25) em A pedagogia da autonomia, é preciso lembrar que “quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”. Nesta formação, que ocorre mediada pelo mundo, deve incidir, então, a necessária autonomia de ser e de saber, seja ela do educador, do jornalista, do educando ou do leitor. Assim, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. 44

1.4.3.1 Inversão da relevância dos aspectos

Nos textos, o secundário é apresentado como principal; o particular, como geral; o acessório e supérfluo, como importante e decisivo etc. Podemos falar aqui, em nosso entendimento, de uma inversão do centro com o periférico, o que pode confundir o leitor e desviar sua atenção. A repetição constante de uma “ilusão” faz com que ela acabe virando “realidade”, assim como o deslocamento também favorece a tática, ou seja, de acordo com o local em que se coloca a informação, ela pode transformar-se em “realidade”.

1.4.3.2 Inversão entre forma e conteúdo

O texto passa a ser mais importante do que o acontecimento; o ficcional e o espetaculoso se sobrepõem à realidade; a palavra ou a frase entram no lugar da informação. Com relação à diagramação, o espaço destinado à matéria predomina sobre o que seria de fato necessário para assegurar a clareza da informação.

1.4.3.3 Inversão entre versão e fato

Neste caso, não importa o acontecimento, mas a versão, seja ela a do próprio veículo de comunicação ou aquela gerada nas fontes consultadas e pelo veículo aceita como válida. O agravante maior está, inclusive, na 45

freqüente e contundente sustentação da versão apresentada, mesmo quando outros fatores a contradizem.

Muitas vezes, [o órgão de imprensa] prefere engendar versões e explicações opiniáticas cada vez mais complicadas e nebulosas a render-se à evidência dos fatos. Tudo se passa como se o órgão de imprensa agisse sob o domínio de um princípio que dissesse: se o fato não corresponde à minha versão, deve haver algo errado com o fato. (ABRAMO, 2003: 29)

Caracterizam extremos deste padrão, por exemplo, a utilização exacerbada do que Abramo denomina de frasismo e oficialismo. No frasismo, trechos de frases ou até mesmo uma frase inteira são utilizados de maneira descontextualizada ou fragmentária, como se representassem o fato em sua totalidade. A seção de “frases”, presente em grande parte dos veículos da imprensa escrita, é um exemplo de como o artifício é por eles abusivamente utilizado, isentando-os de dar a conhecer apenas uma versão; afinal, ela foi “apresentada” não pelo veículo, mas por terceiros. Com a utilização da fala dos envolvidos nos acontecimentos, o veículo pretende produzir uma nítida sensação de que aquela versão, ancorada pelos testemunhos, é a única e, é claro, a “real”. O oficialismo, como o próprio nome sugere, é a utilização apenas da fonte “oficial” sobre determinado assunto, seja ela uma autoridade do governo ou um representante do segmento envolvido. Mais uma vez, a versão oficial deve necessariamente corresponder ao pensamento e interesses do órgão de imprensa.

46

1.4.3.4 Inversão entre opinião e informação

Este padrão ocorre quando o juízo de valor é utilizado como se fosse juízo de realidade. O que interessa para o veículo de comunicação é transmitir sua teoria sobre o assunto e não o que ocorreu; não há distinção clara entre o que é editorial e o que é informação. Destacamos, aqui, o fato evidentemente saudável de que os veículos de massa também expressem suas posições e opiniões, mas nos lugares destinados a isso, como, por exemplo, os editoriais. E não nas matérias jornalísticas, que devem primar pela isenção - afirmação esta que fazemos mesmo correndo o risco de ratificarmos uma posição ingênua a respeito da prática jornalística. Com a coexistência, na mesma edição, de matérias informativas e matérias opinativas, devidamente caracterizadas e identificadas, seria dada ao leitor a oportunidade de formar sua própria opinião, a partir dos dados apresentados, o que infelizmente não ocorre. Vejamos o que destaca Abramo:

A informação, quando existe, serve apenas de mera ilustração exemplificadora da opinião adrede formada e definida - a tese - e que, esta sim, se quer impor à sociedade. (ABRAMO, 2003: 32)

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1.4.4 Padrão de indução

Corresponde ao resultado das sistemáticas e constantes vezes em que o leitor é submetido aos outros padrões e, com isso, submetido também às tentativas de fazê-lo ver, compreender e consumir uma realidade que foi artificialmente criada, ou seja, a realidade midiática.

... o leitor é induzido a ver o mundo não como ele é, mas sim como querem que ele o veja. O padrão de indução é, assim, o resultado e ao mesmo tempo o impulso final da articulação combinada de outros padrões de manipulação dos vários órgãos de comunicação com os quais ele tem contato. (ABRAMO, 2003: 33)

1.4.5 Padrão global ou específico do jornalismo de televisão e rádio

Tomando como referência o jornalismo de televisão, o padrão global - termo utilizado pelo autor com o sentido de total, completo, ou seja, do problema à sua solução - divide-se em três momentos básicos:

1) O momento da “exposição do fato” é aquele em que, já submetido aos outros padrões gerais, ele é apresentado sob os seus ângulos menos racionais e mais emocionais, espetaculares e/ou sensacionalistas. Para compor o quadro da notícia, imagens e sons - amparados por textos apresentados pelos repórteres - mostram incêndios, enchentes, passeatas, crimes etc. 48

2) No momento da “sociedade fala”, as imagens e os sons privilegiam as particularidades dos envolvidos no fato, apresentando seus testemunhos, suas dores, alegrias, críticas, queixas e propostas. 3) O momento da “autoridade resolve” conclui o padrão. É o instante em que são anunciadas pelas autoridades - o presidente da República, o policial, o papa etc. - as providências, ou seja, as soluções adotadas ou prestes a serem adotadas em relação ao ocorrido. Com isso, destaca Abramo, a autoridade “tranqüiliza o povo, desestimula qualquer ação autônoma e independente do povo, mantém a autoridade e a ordem, submete o povo ao controle dela, autoridade”. Abramo ressalta ainda que, com freqüência, há um “epílogo” que se segue ao momento da “autoridade resolve”, no qual a emissora, por meio do apresentador, reforça o papel resolutório, tranqüilizador e alienante da autoridade ou a substitui, quando julga que a mensagem transmitida não tenha sido suficientemente eficaz para controlar a opinião pública. Apresentados todos os padrões, cuja presença, repetimos, é variável quanto à sua incidência nos veículos de comunicação, fica um pouco mais fácil perceber que o leitor que tem tolhido seu direito à informação precisa, clara e coesa - por meio da ausência de determinados assuntos, fragmentação e inversão de outros etc. - pode ser induzido a enxergar o mundo com olhos que não são os seus. Encerramos, então, este capítulo com uma frase de Bakhtin, frase esta que permeia nossas reflexões e abre o caminho para nossa tentativa de demonstrar, no próximo capítulo desta dissertação, como a imprensa pode incorporar o poder transformador dos festejos carnavalescos: “O carnaval é a festa do tempo que tudo destrói e tudo renova. Assim se pode expressar a idéia fundamental do carnaval”. (BAKHTIN, 1996: 107) 49

CAPÍTULO 2

O cotidiano da mediação invertida

“... De fato, a questão, onde termina a realidade e onde começa a aparência está colocada de forma errada: isto porque rádio, imagem televisiva e o consumo de fantasmas são em si realidades sociais de tal massividade, que podem aceitar a luta com as outras demais realidades atuais, afirmando que elas mesmo determinam ‘o que é real’, ‘o que de fato se passou’. A frase de Karl Krauss, com a qual ele acreditou fustigar um escândalo: ‘No início havia a imprensa, depois apareceu o mundo’, já se tornou inofensiva. Pois agora se trata do seguinte: ‘No começo havia as transmissões mediáticas. Para elas o mundo acontece’...” (ANDERS,1994)

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2.1 Distorções abrigadas

Após tudo o que tentamos explicitar até aqui, poderia até parecer simples e fácil para o leitor detectar a presença das diversas formas de inversão no noticiário. Infelizmente, porém, não o é. Via de regra, os procedimentos são muito bem disfarçados e de difícil detecção, em particular se considerarmos que, conforme nos alerta Bourdieu (1997: 34) ao falar sobre a concorrência entre os veículos de comunicação, muitas das diferenças produzidas por eles são “absolutamente imperceptíveis para o espectador médio, que ele só poderia perceber se visse a um só tempo várias emissoras”. Este é um desafio de nossa pesquisa, isto é, conseguir colaborar para que a práxis jornalística seja ao menos parcialmente desnudada, limpando a maquiagem - quem sabe, possamos dizer, carnavalesca - que dá colorido aos textos e os torna atraentes. Por compreendermos a inversão como uma prática que pode perpassar todo o fazer jornalístico, as matérias analisadas neste segundo capítulo são utilizadas apenas como exemplos que permitem explicitar aspectos de um procedimento presente em maior ou menor grau no conjunto da imprensa, assim como Abramo o entende quando se refere à totalidade do que denomina de padrões de manipulação, aí incluída a inversão.

A gravidade do fenômeno decorre do fato de que ele marca a essência do procedimento geral do conjunto da produção cotidiana da imprensa, embora muitos exemplos ou matérias isoladas possam ser apresentados para contestar a característica geral. (ABRAMO, 2003: 25)

51

Nosso recorte de análise contempla três temas freqüentemente presentes - muitas vezes, de forma polêmica - na imprensa: reforma agrária e sem-terra, marketing pessoal de personalidades e disputa eleitoral. É necessário destacar que, naturalmente, não temos a pretensão de explorar qualquer um dos assuntos em sua totalidade, esgotando a questão, mas tão somente de analisar a forma como os temas são tratados especificamente nas matérias aqui apresentadas. Optamos por começar nossa análise com o texto sobre a reforma agrária e os sem-terra, já que é um bom exemplo para demonstrar como é possível abrigar as mais variadas formas de inversão em uma única matéria. Nos demais casos, que têm análise mais breve, destacamos apenas os aspectos que julgamos mais relevantes, o que não implica na inexistência, nestes textos, de outras formas de inversão não apontadas ou até mesmo na impossibilidade de que o mesmo exemplo se encaixe nas várias formas de inversão que perpassam umas às outras.

2.1.1 Os sem-terra existem?

A manchete da edição n.º 18 da revista Primeira Leitura (ago. 2003) é “Os sem-terra não existem”.13 Além da crença da revista na afirmação, como revela o texto da matéria à qual se refere, percebemos a inversão, aqui, principalmente como utilizada para despertar a atenção do leitor ao contradizer o senso comum: a existência de pessoas que não possuem terras no Brasil. A associação feita com a publicação, também na capa, da foto de João Pedro Stedile torna a contradição ainda maior, pois o Movimento dos

13 Reproduções da capa e da respectiva matéria encontram-se no Anexo 1. 52

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que surgiu em 1984 e é por ele hoje liderado, é de grande visibilidade no país, tendo suas ações como tema de inúmeras matérias jornalísticas, independentemente de concordar-se ou não com sua atuação. Parece-nos um recurso de marketing, algo feito para ajudar a captar a atenção do leitor e, por conseguinte, vender a revista. Abaixo da manchete está a chamada principal da capa:

Stedile é o líder de uma causa tão influente quanto inexistente. A agricultura brasileira é um sucesso, e o país tem de dar resposta aos sem-emprego e sem-renda. Isso, sim, define um governo progressista. O resto é desgoverno e leniência com o crime. (OS SEM-TERRA não existem, ago. 2003: capa)

Assim como na manchete, o que prevalece na chamada é a opinião da revista sobre os sem-terra, seu movimento e sua importância, bem como a opinião sobre o governo federal e como deveria ele agir, o que permite afirmar que há uma inversão entre opinião e informação, conforme a entende Abramo (2003: 31-2). O que chama o leitor para a matéria interna não é o fato: um acontecimento novo, uma mudança conjuntural ou estrutural no país, o acesso da revista a algum material ou depoimento exclusivo, a publicação de uma pesquisa - ainda que todos esses elementos constem da reportagem interna. Toda a capa, da manchete à foto, é calcada em elementos subjetivos e não traz uma única informação. Afirma-se que “Stedile é o líder de uma causa tão influente quanto inexistente”, sem comentário algum sobre o porquê dessa afirmação. Ao dizer que “a agricultura brasileira é um sucesso e o país tem de dar resposta aos sem-emprego e sem-renda”, a revista apenas expõe seu ponto de vista, sem maiores especificações. Por fim, a 53

revista utiliza mais uma vez a memória do leitor sobre Luiz Inácio Lula da Silva, que se elegeu em 2002 com a proposta de fazer um governo progressista, para cobrar deste as ações que considera pertinentes. Por ser tema da principal matéria da revista, a questão dos sem-terra é abordada no editorial intitulado “Sem-terra com história” (AZEVEDO, ago. 2003: 9). O texto, que se refere também a matérias de edições anteriores sobre o assunto14, utiliza insistentemente o conceito de “verdade” para defender a opinião da revista, travestida em fato que, segundo ela, é evidenciado por uma “impecável reportagem” publicada na edição:

... a reforma agrária no país é coisa do passado; os números estão todos inflados pela luta política e pela peroração ideológica: a verdadeira revolução de que o Brasil precisa é a do crescimento econômico, e os sem-terra, em verdade, são sem-emprego e sem-renda. Eis aí o desafio de um país verdadeiramente progressista. (AZEVEDO, ago. 2003: 9. Grifos nossos.)

De acordo com a “verdade” defendida pela revista, a revolução pregada pelo movimento sem-terra é falsa, já que o país precisa não de uma reforma agrária, mas de crescimento econômico, ali subentendido que os dois termos são opostos e incompatíveis. A questão dos sem-terra também é falsa no entendimento da revista, pois ao contrário do emprego e da renda, que devem ser garantidos pelo governo, a propriedade da terra não é um direito de todos e, portanto, sua falta não representa um problema verdadeiro. Em conseqüência, a luta pela terra não é verdadeiramente

14 O texto, que também está reproduzido no Anexo 1 desta dissertação, refere-se a edições da revista República, pertencente ao mesmo grupo e que posteriormente se reformularia na revista Primeira Leitura. 54

progressista. Por isso, a reforma agrária é coisa do passado, que serve apenas à luta político-ideológica. O mesmo teor é encontrado no título interno da matéria: “A perigosa fantasia regressiva dos sem-terra” (NOGUEIRA, ago. 2003: 22), com destaque para a utilização do termo “fantasia” como oposto de realidade e dos termos “perigosa” e “regressiva” para firmar a noção de que a reforma agrária é coisa do passado e que sua defesa no presente representa perigo à nação. Também segue esta diretriz a abertura da matéria:

A dura e crua verdade é que o Brasil tem hoje alguns milhões de sem-emprego e sem renda. Não há mais reforma agrária a fazer. O país precisa agora é optar pela revolução do crescimento. (NOGUEIRA, ago. 2003: 22)

O padrão de ocultação - resultado da decisão da revista sobre o que é e o que não é considerado acontecimento jornalístico - é verificado na total ausência, na matéria, de elementos que reflitam o ponto de vista dos sem- terra, o que implica em distorção, já que este mecanismo impede eventuais contraposições ao que é apresentado. Conforme o próprio texto, os líderes do MST se recusaram a conceder entrevista.

Onde encaixar Stedile e o MST em toda essa equação agrícola? Foi sintomático que, na tentativa de ressuscitar o movimento, as lideranças dos sem-terra tenham escolhido como alvos preferenciais das invasões de julho o pobre Nordeste e o problemático Pontal do Paranapanema (SP). Onde a Igreja não tem laços históricos com eles e as máquinas agrícolas dos dois Estados do Mato Grosso perfazem até metade da produção nacional de alguns grãos, 55

os sem-terra estão apagados. Convidados a debater esses temas, os líderes do MST mandaram a assessoria de imprensa dizer à Primeira Leitura, por meio do escritório em Brasília, que estavam “viajando e não localizáveis”. (NOGUEIRA, ago. 2003: 31)

A impossibilidade de entrevistar lideranças do MST não justifica, entretanto, a supressão de qualquer referência à história da luta pela terra no país e à trajetória do MST. Também consiste em ocultação da voz dos sem- terra a ausência de entrevistas, por exemplo, com a base do movimento, como membros de acampamentos ou assentamentos. Quanto às formas de fragmentação presentes no texto, a descontextualização aparece não apenas na falta de referências à trajetória do MST, mas também na transformação, criada pela revista, do problema da terra em uma briga entre o Ministério da Agricultura - encabeçado pelo “moderno ruralista Roberto Rodrigues, que apoiou José Serra (PSDB) [nas eleições presidenciais de 2002]” - e o Desenvolvimento Agrário -, dirigido por Miguel Rosseto, “aliado incondicional do MST”. (NOGUEIRA, ago. 2003: 23) Entendemos, porém, que o principal recurso de descontextualização na matéria seja a existência de frases creditadas aos líderes do MST e do governo em um box cujo título é “Loucura como método - O que tem sido dito no Brasil sobre a reforma agrária” (NOGUEIRA, ago. 2003: 24). Ao retirar as frases do contexto em que foram proferidas e selecionar os trechos a serem publicados, a revista desejou direcionar o entendimento do leitor. A primeira frase é de João Pedro Stedile e é reproduzida também no corpo da matéria: “O que nos falta é nos unirmos, para cada mil (sem-terra) pegarem um (fazendeiro). Não vamos dormir até acabarmos com eles” (NOGUEIRA, ago. 2003: 24-6). As demais declarações de Stedile, 56

inclusive aquelas em que o líder do MST nega ter dito a frase tal como é apresentada, constam apenas do box. Quanto à seleção de aspectos e sua ordenação dentro da matéria, há uma opção da revista por determinados dados em detrimento de outros e pela condução do leitor a tirar conclusões que não necessariamente seriam decorrentes desses fatores. Como exemplo, a estimativa do MST de que haja 23 milhões de sem-terra é considerada como “evidentemente” superfaturada:

É um número equivalente a quase toda a população rural brasileira, que passa pouco de 27 milhões (16%), segundo a Pnad/2001 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio/IBGE) - pelo censo de 2000, o Brasil bateu na casa dos 80% de urbanização e juntou-se aos países que, a partir de agora, ao contrário do que acredita o PT, a Igreja e o MST, vêem cair a demanda por terra, mas não a produção agrícola... (NOGUEIRA, ago. 2003: 24)

Ao selecionar e ordenar aspectos, a revista reforça a idéia de que seria absurdo o número de 23 milhões de sem-terra, quando nada impede que a grande maioria da população no campo seja, de fato, não proprietária. A estimativa do MST também não é necessariamente contraditória com os 80% de urbanização apontados pelo censo 2000, já que uma das conseqüências da alta concentração de terras no país seria justamente o êxodo rural. Ainda como exemplo de seleção e ordenação de aspectos, a Primeira Leitura oferece grande quantidade de dados positivos sobre o setor agropecuário no país, como a safra recorde de 120 milhões de toneladas de grãos, o aumento das exportações de carne bovina, a possibilidade de que o 57

Brasil se torne um dos maiores produtores de alimentos do mundo, os altos investimentos feitos por empresas estrangeiras e o crescimento da oferta de empregos no campo e nas fábricas de maquinário rural (NOGUEIRA, ago, 2003: 28-31). Justifica-se, assim, a afirmativa da revista de que a reforma agrária não é necessária ao país, já que o campo se desenvolve. Entretanto, há somente dados sobre exportação e nenhum número sobre produção de alimentos para consumo interno. A matéria não questiona se os recordes de produção trouxeram benefícios aos trabalhadores rurais - sejam eles proprietários ou assalariados. Também não explica por que a divisão da terra e o fim do latifúndio seriam contraditórios com a continuidade do desenvolvimento rural. Os dados apresentados servem, assim, mais para formar a opinião do leitor do que para informá-lo. Todos os dados de produção, mecanização agrícola e porcentagem de população rural e urbana constam em boxes. Outras duas pesquisas em destaque através de tabelas mostram o que a opinião pública pensava do MST entre março de 1998 e julho de 2001. A pesquisa, com as questões “O MST pensa mais nos resultados sociais ou políticos de suas ações?” e “Você apóia ou não apóia o MST?” (ago. 2003: 29), indica ondulações no apoio ao MST e não é comentada no interior da matéria. Sem a análise e exploração dos resultados, o quadro torna-se mera ilustração da página, sem sentido concreto na reportagem, o que o configura no padrão de inversão entre forma e conteúdo. Inserem-se também neste padrão, bem como no de inversão entre versão e fato, as frases de efeito sem base em fatos que se espalham pela matéria, como a afirmativa de que “Os sem-terra de Stedile são soldados de um exército comandado por um general que promete levá-los do nada a lugar nenhum” (NOGUEIRA, ago. 2003: 24) ou a comparação, no início do texto, de João Pedro Stedile com Dom Quixote e com o demônio:

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Nunca uma batalha como a do economista João Pedro Stedile, líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), se aproximou tanto da ficção do Dom Quixote enredado nas pás dos moinhos de vento. A novela está plena de paradoxos. O Brasil jamais teve um movimento popular ao mesmo tempo tão influente na política e de motivação inexistente (...) Quixote era o cavaleiro inocente da história, regressivo em seu humanismo, tão inoperante quanto inofensivo em sua generosidade exótica. Stedile não é o satã que a direita tenta pintar - porque, na verdade, ninguém é -, mas não se deve correr o risco de considerá-lo um bobalhão. (NOGUEIRA, ago. 2003: 23)

Também invertendo versão e fato, a matéria utiliza depoimentos que reforçam as opiniões defendidas pela revista15. Inserem-se neste padrão, entre outras, declarações creditadas a membros de órgãos como a Confederação Nacional da Agricultura e o Ministério da Agricultura, mas sem que sejam citados nomes:

O Brasil tem hoje uma taxa de 5% de terras agriculturáveis ociosas. Relativamente ao tamanho do país, não constitui escândalo. Os responsáveis por esse panorama são: 1) a luta política e econômica do MST contra o latifúndio improdutivo; 2) os planos econômicos em

15 De acordo com GOMES (2000), o jornalismo utiliza os recursos da entrevista, do depoimento, da fotografia e das tabelas como elementos para remeter ao real, ou seja, como uma estratégia para dar ao discurso jornalístico a aparência de reprodução fiel da realidade. Entretanto, a autora considera que esta função de porta-voz do real pretendida pelo jornalismo é impossível: “Tanto a fotografia quanto a entrevista e a citação são recortes, escolhas. Ora, no fundamento do recorte há uma estrutura lacunar: algo está de fora, algo foi excluído, pois trata-se de um viés e sempre de uma descontextualização. Trata-se aqui do fragmento valendo por, sempre outra coisa que o referenciado.” (GOMES, 2000: 30) 59

seqüência - Cruzado 1 e 2, Verão, Bresser, Collor e Real - que, no intuito de combater a inflação, sempre encilharam os preços dos produtos agrícolas. “O MST e os planos, alguns deles muito loucos, ajudaram a definir quem iria ficar na terra para produzir”, disse um assessor do ministro da Agricultura. (NOGUEIRA, ago. 2003: 25)

Mesmo afirmando que o MST luta contra o latifúndio improdutivo, a matéria dá a entender que a situação atual do campo é conseqüência direta da ação do movimento e, em última instância, que se há ainda alguma injustiça na divisão de terras no país, o MST é responsável por isso. A inversão entre opinião e informação permanece no texto interno da matéria da mesma forma que na capa e no editorial da revista. É possível pensar que o fato para justificar a matéria seja o “julho vermelho” - onda de ocupações de terras promovidas pelo MST em julho de 2003 como forma de pressionar o governo Lula a acelerar a reforma agrária -, mas que, porém, foi apenas citado no texto. (NOGUEIRA, ago. 2003: 27) Em contrapartida, é insistentemente repetido em todo o texto que Stedile vende aos sem-terra um sonho impossível - a reforma agrária ultrapassada e desnecessária, já que a agricultura brasileira se desenvolve -; que o problema social do campo se resolve com emprego - pois basta gerar postos de trabalho, independentemente de quanto ganhariam esses trabalhadores, de quem ou de quantos são os donos da terra ou a que modelo de agricultura o país deveria seguir -; e que o PT foi e é conivente com o MST e suas atitudes criminosas. A matéria induz, assim, o leitor a chegar às mesmas conclusões que a revista: os sem-terra não existem porque não há motivo para existirem. A agricultura brasileira progride e, se há conflitos no campo, isso é resultado 60

dos interesses políticos das lideranças do MST e da conivência do governo federal16:

De fato! [Os líderes do MST] estão viajando em utopias regressivas e tentando transformar seus moinhos de vento em motor do atraso. Sob os olhos cúmplices e lenientes do poder. (NOGUEIRA, ago. 2003: 31)

2.1.2 Silvio Santos: a morte como espetáculo

Em sua edição n.º 145217, a revista Contigo! apresenta matéria de capa com bombástica entrevista realizada com o empresário e comunicador Silvio Santos, que estaria à beira da morte. A revista, embora datada do dia 15 de julho de 2003, já estava disponível nas bancas cinco dias antes. Intitulada “Silvio Santos: ‘Quero morrer nos Estados Unidos’” (SOARES, 15 jul 2003: 16-27), a matéria é um misto de espetacularização e blefe, inversamente ao que se propõe um texto jornalístico, mas mesmo assim é

16 Pode ser relevante para compreender o porquê das críticas da revista ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva o fato do publisher da editora Primeira Leitura e sócio do site e da revista ser Luiz Carlos Mendonça de Barros, que exerceu a função de ministro das Comunicações de abril a dezembro de 1998, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. (Disponível em: www.primeiraleitura.com.br/html/institucional/quemsomos_ok.php?quemsomos_i d=luizcarlos. Acesso em: 13 jul. 2004.) Também Raul Jungmann, colaborador da revista e autor de artigo no final da matéria de capa da edição (JUNGMANN, ago. 2003: 32), foi ministro de Cardoso nas pastas de Política Fundiária entre 1996 e 1999 (mesmo período em que presidiu o Incra) e de Desenvolvimento Agrário entre 1999 e 2002. (Disponível em: www.camara.gov.br/Internet/deputado. Acesso em: 13 jul. 2004.) 17 A capa da revista, a respectiva matéria principal e os textos secundários encontram-se reproduzidos no Anexo 2. 61

manchete e, juntamente com outros textos secundários, ocupa, além da capa, 12 das 80 páginas da revista, ou seja, 15% do total da publicação. Segundo a matéria, nos dias 5, 7 e 8 de julho, Silvio Santos havia conversado com a repórter que assina a matéria, Ana Carolina Soares, via telefone, a partir de sua casa na Flórida, Estados Unidos. O empresário declarou naqueles momentos que estaria sofrendo de um problema nas artérias do coração, que se locomoveria apenas com a utilização de uma cadeira de rodas, que os médicos teriam estimado seu tempo de vida em seis anos e que já teria vendido suas ações do SBT para José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ex-consultor da Rede Globo, e para a rede mexicana Televisa. Pelo tom jocoso das palavras de Silvio Santos, esboça-se o jogo de marketing pessoal do empresário. Mesmo que sua intenção não tenha sido esta, o resultado da “brincadeira” foi o nome do empresário-comunicador figurar em boa parte da imprensa nacional e também em veículos de comunicação internacionais. Vejamos o que traz a entrevista. Primeiro, o apresentador afirma não se lembrar do nome da doença que o estaria matando; algumas perguntas depois, lembra-se: “ataque do coração em seis anos”; diz ainda que seu último desejo seria que todas as publicações no Brasil saíssem com uma tarja preta no dia de sua morte; sobre a venda “secreta” do SBT por 2 bilhões de reais, declara de maneira tranqüila não saber quem colocariam em seu lugar; e, por fim, ao ouvir o pedido de que falasse com o diretor de redação da revista, diz não poder, já que os médicos estariam chegando e ele teria de fazer uma transfusão de sangue. Apesar de não conseguir confirmar nenhuma das declarações de Silvio Santos, a revista fez sua opção por publicar a matéria assim mesmo. Na capa, são publicadas entre aspas as declarações “Estou doente e tenho mais seis anos de vida” e “Vendi o SBT para a Televisa e o Boni”, com 62

corpo maior e mais destacado do que o alerta de que “Boni nega negociação e família desconhece a doença”. O título que estampa a capa é: “Silvio Santos - A vida anônima nos EUA”. Na edição posterior da revista Contigo!, n.º 145318, datada de 22 de julho, as fortes declarações da capa da edição anterior são “esquecidas” na explicação que a revista traz sobre os cuidados que adotou para “evitar o sensacionalismo”:

Para evitar o sensacionalismo, Contigo! destacou na capa “Silvio Santos - A vida anônima nos EUA”. Ignoramos o que o próprio apresentador sugeriu: “Silvio Santos espera a morte”. Ainda na capa, tivemos o cuidado de desmentir as declarações não comprovadas. (ANTES em Contigo!, 22 jul. 2003: 20)

Bastou a edição de 15 de julho chegar às bancas e a polêmica estava instalada no país e fora dele. Jornais, revistas, sites, televisões e rádios exploraram fortemente o assunto, como mostra a própria revista Contigo!, que, em sua edição de 22 de julho, vangloria-se de liderar “a cobertura de celebridades” e de ter sido “notícia em todo o país”. (ANTES em Contigo!, 22 jul. 2003: 20-21) O desmentido das declarações bombásticas veio na noite de 11 de julho, pelo próprio Silvio Santos, em conversa gravada sem seu conhecimento pelo repórter Marcos Ommati e veiculada no programa Boa Noite Brasil, da TV Bandeirantes. Em sua edição de 22 de julho, a revista Contigo! destaca, entre suas explicações para o ocorrido:

18 Reproduções da capa e da matéria encontram-se também no Anexo 2. 63

É dever de todo veículo de comunicação revelar o que alguém como ele [Silvio Santos] diz, assim como mostrar suas provocações ou ironias, mas não é papel da imprensa julgar os entrevistados... (ANTES em Contigo!, 22 jul. 2003: 20)

Ou seja, embora sabendo tratar-se de pura espetacularização, a revista manteve sua decisão de destinar amplo e privilegiado espaço para que o ficcional espetaculoso se sobrepusesse à realidade, assim promovendo uma inversão entre forma e conteúdo. Mesmo levando em consideração que a revista Contigo! é uma publicação de fofocas sobre artistas e personalidades, entendemos que isto não quer dizer que ela esteja isenta da responsabilidade de primar pelas informações que divulga ou que possa utilizar-se da inversão entre o sério e o jocoso, especialmente em um episódio que envolve uma das maiores redes de televisão do país e um grupo estrangeiro. O texto da entrevista traz uma reflexão do próprio Silvio Santos, feita no momento em que a repórter insiste que a notícia não “vai ser verdadeira”, que talvez possa ajudar a explicar a opção da revista:

Qual é o problema? Você falou comigo, gravou, foi essa a informação que eu te dei, coloca na capa, vai vender um monte de revistas. Depois, se eu não morrer, é milagre. (SOARES, 15 jul. 2003: 21)

Por parte do restante da imprensa, as declarações de Silvio Santos, embora tenham figurado nos mais diversos veículos, de maneira geral não mereceram críticas contundentes, sendo encaradas na maioria das vezes apenas como a “pegadinha do ano”, tal qual as classificou José Bonifácio de 64

Oliveira Sobrinho (Cf. DUARTE, 16 jul. 2003: 56). Cabem, então, alguns questionamentos: é lícito que um empresário de comunicação do porte de Silvio Santos utilize sua imagem pública para infantilizar a sociedade e a imprensa com brincadeiras? E que, assim, o apagamento entre o verdadeiro e o mentiroso, alçado a matéria jornalística, seja tratado com tamanha simplicidade, como se isso fosse normal?19

2.1.3 Imprensa na disputa eleitoral

A respeito do tema de disputa eleitoral, trazemos alguns exemplos de matérias publicadas em dois dos principais jornais de circulação diária no país, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo no período da última eleição para presidente e governadores no Brasil, ocorrida em 6 de outubro de 2002 (primeiro turno) e 27 de outubro de 2002 (segundo turno). Os dois jornais publicaram, naquele período, cadernos especiais sobre as eleições, ambos com número variável de páginas - a Folha, de 18 de agosto a 29 de outubro; o Estado, de 4 a 10 de outubro e de 24 a 29 de outubro. Nos dias em que o caderno especial não circulou, o Estado publicou o noticiário das eleições no Caderno Nacional.

19 Cabe lembrar, como adendo, que, em 1971, Silvio Santos estampou a capa da revista Melodias em uma fotomontagem em que aparecia como se estivesse careca. Em outro episódio - vergonhoso -, sua emissora veiculou no dia 7 de setembro de 2003, no programa Domingo Legal, apresentado por Augusto Liberato, uma entrevista falsa com supostos membros do Primeiro Comando da Capital (PCC), em que foram feitas ameaças a personalidades. 65

2.1.3.1 Em pauta, a interpretação dos números

Em 25 de outubro de 2002, a Folha de S.Paulo (edição São Paulo) afirma na capa do jornal e na página Esp. 12 do Caderno Eleições que, de acordo com monitoramento do Instituto de Pesquisas Datafolha sobre a cobertura da disputa eleitoral realizada no período de 7 a 19 de outubro, o jornal teria se mantido eqüidistante em relação aos então candidatos a governador em São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) e José Genoino (PT), e a presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB). Vejamos os números: Com relação ao espaço no noticiário sobre os presidenciáveis, o quadro publicado pelo jornal junto à matéria intitulada “Folha se manteve equidistante no 2º turno”20 mostra os seguintes índices percentuais:

Total da Folha Primeira página Lula - 53 Lula - 54 Serra - 47 Serra - 46

Opinião Cadernos Brasil e Eleições Lula - 55 Lula - 53 Serra - 45 Serra - 47

Outros cadernos Lula - 52 Serra - 48

20 Reproduções da matéria e do quadro encontram-se no Anexo 3. 66

Quanto ao teor do noticiário em percentual, ainda sobre os presidenciáveis, a Folha apresenta:

Total da Folha Primeira página • Positivo • Positivo Lula - 40 Lula - 53 Serra - 32 Serra - 48 • Neutro • Neutro Lula - 27 Lula - 8 Serra - 24 Serra - 8 • Negativo • Negativo Lula - 34 Lula - 39 Serra - 43 Serra - 44

Cadernos Brasil e Eleições • Positivo Lula - 47 Serra - 37 • Neutro Lula - 24 Serra - 23 • Negativo Lula - 29 Serra - 40

O espaço no noticiário sobre os então candidatos a governador é assim apresentado, em percentual:

67

Total da Folha Primeira página Alckmin - 52 Alckmin - 49 Genoino - 48 Genoino - 51

Opinião Cadernos Brasil e Eleições Alckmin - 62 Alckmin - 50 Genoino - 38 Genoino - 50

Outros cadernos Alckmin - 56 Genoino - 44

Com relação ao teor do noticiário, em percentual, também sobre os então candidatos a governador, o jornal traz:

Total da Folha Primeira página • Positivo • Positivo Alckmin - 39 Alckmin - 70 Genoino - 48 Genoino - 44 • Neutro • Neutro Alckmin - 25 Alckmin - 13 Genoino - 23 Genoino - 10 • Negativo • Negativo Alckmin - 37 Alckmin - 18 Genoino - 28 Genoino - 46

Cadernos Brasil e Eleições • Positivo Alckmin - 37 Genoino - 48 68

• Neutro Alckmin - 24 Genoino - 23 • Negativo Alckmin - 39 Genoino - 29

A análise dos números permite-nos ver na matéria uma inversão entre versão e fato, ou seja, embora os dados mostrem diferenças não só no espaço destinado a cada candidato, mas, principalmente, diferenças percentuais consideráveis na publicação de matérias classificadas como positivas, neutras e negativas, o jornal estampa em títulos de capa e interno que sua cobertura foi eqüidistante. Não nos parece correto alegar a existência de igualdade de tratamento quando, por exemplo, o então candidato Lula tem, nos cadernos Brasil e Eleições, 47% de notícias positivas, enquanto Serra obtém 37% na mesma categoria. Ou quando, com diferença ainda maior, Lula tem, nos mesmos cadernos, 29% de matérias negativas, contra 40% de matérias sobre Serra com teor negativo. No caso dos então candidatos a governador, o exemplo mais evidente está nos números sobre as notícias publicadas na primeira página do jornal: Alckmin tem 70% de matérias positivas e Genoino tem 44%. Quanto às matérias negativas, Alckmin fica com 18% e Genoino, com 46%. Na matéria, o jornal apresenta os números, mas não explica o que o faz classificar a cobertura como “relativamente equilibrada”:

O jornal manteve assim o relativo equilíbrio que já havia observado na cobertura da campanha do primeiro 69

turno... (FOLHA se manteve equidistante no 2º turno, 25 out. 2002: Esp. 12)

Na mesma página, a Folha apresenta outro levantamento realizado pelo Datafolha com leitores da Grande São Paulo, que aponta que 81% deles avaliam como isento o noticiário do jornal sobre as eleições. A matéria, intitulada “Leitor reconhece cobertura apartidária”, e o quadro com os dados da pesquisa coroam a versão apresentada pelo jornal e suscitam a questão da dificuldade que os leitores comuns têm de estabelecer relações entre as matérias - e seus “mecanismos invisíveis” de produção - que formam o conjunto do noticiário.21 Naturalmente, sabemos que a força dos fatos - ou a ausência deles - muitas vezes é fator impeditivo de manter eqüidistância na cobertura jornalística dedicada aos candidatos em uma disputa eleitoral. O que queremos trazer é uma reflexão sobre o recurso retórico utilizado pela Folha para sustentar sua versão, mesmo com os fatos contradizendo-a.

2.1.3.2 O apoio no discurso alheio

Ainda em 25 de outubro de 2002 e também na página 12 do Caderno Eleições da Folha de S.Paulo (edição São Paulo), outra matéria é intitulada “‘Le Monde’ critica governo FHC e analisa a chegada do PT ao poder”22. Mesmo que consideremos que o título refere-se a uma afirmação feita pelo jornal francês, caberia à Folha ter colocado aspas na palavra “chegada”, já que na data da publicação, 25 de outubro, as eleições ainda não haviam

21 A matéria e o quadro estão reproduzidos também no Anexo 3. 22 A matéria encontra-se reproduzida no Anexo 4. 70

ocorrido, como a própria Folha afirma. No entanto, essa informação, bem como o verbo “especular”, que ajudaria o leitor a entender tratar-se de conjecturas, aparecem no texto, mas não no título.

O jornal francês “Le Monde” afirma que, a três dias do segundo turno das eleições presidenciais, está “praticamente garantida a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva”, candidato do PT. (‘LE MONDE’ critica governo FHC e analisa a chegada do PT ao poder, 25 out. 2002: Esp. 12)

Toda a matéria é pautada no que foi publicado pelo Le Monde, com os parágrafos iniciados com expressões como “O jornal afirma (...)”, “Segundo o jornal (...)”, “O jornal critica (...)”, “‘Le Monde’ especula (...)”. Assim, configura-se a inversão entre versão e fato: ao noticiar o que teria sido dito pelo Le Monde e transcrever entre aspas trechos da matéria – portanto, isentando a Folha de seu conteúdo -, o jornal brasileiro acaba por publicar na parte reservada às notícias algo que não é fato ocorrido e, sim, especulação sobre o futuro - a vitória de Lula nas eleições. Retomemos o que diz Abramo:

... não é o fato em si que passa a importar, mas a versão que dele tem o órgão de imprensa, seja essa versão originada no próprio órgão de imprensa, seja adotada ou aceita de alguém - da fonte das declarações e opiniões... (ABRAMO, 2003: 29)

A inversão entre versão e acontecimento, neste caso, poderia também ter conseqüências para além dos limites da própria matéria. Se o Le Monde 71

dá como certa a vitória do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva antes das eleições ocorrerem efetivamente e o jornal brasileiro ratifica esta opinião e a transforma em “informação”, isso poderia induzir o leitor ao voto útil, ou seja, a dar seu voto a Lula já que sua vitória estaria “praticamente garantida”. Continuando a citar o jornal francês, a Folha diz:

O jornal afirma que as pesquisas publicadas sobre as intenções de votos já garantem que a afirmação acima [de que Lula seria vitorioso no pleito eleitoral] possa ser feita com segurança. (‘LE MONDE’ critica governo FHC e analisa a chegada do PT ao poder, 25 out. 2002: Esp. 12)

É importante destacar o problema de a imprensa basear matérias jornalísticas em pesquisas eleitorais, podendo de alguma forma e em alguma medida influir no resultado concreto das votações.23 Ainda que busque respaldo nas declarações entre aspas, a responsabilidade pelo que é noticiado é da Folha, já que a versão publicada não é a original do texto do Le Monde. Dessa forma, no título dado pela Folha, a crítica do jornal francês ao governo de Fernando Henrique Cardoso vem em primeiro lugar e a análise sobre a chegada do PT ao poder, em segundo. No texto, as posições estão

23 Análise crítica das pesquisas de opinião, particularmente as eleitorais, e suas conseqüências políticas pode ser encontrada em BOURDIEU (1981: 137-51). Também lembramos aqui, particularmente, os problemas ocorridos com institutos de pesquisas no primeiro turno das eleições de 1998 no Brasil. Na época, foram constatadas várias diferenças entre os números previstos por institutos e a apuração das urnas. Apesar das alegações sobre margens de erro e enganos dos eleitores ao digitarem os números dos candidatos nas urnas eletrônicas, os erros levaram os institutos a rever sua metodologia, apresentando, no segundo turno, melhor desempenho. Sobre o episódio e, especialmente, o papel da imprensa naquele momento, ver: GUSMÃO (dez. 1998: 46-51). 72

invertidas. Fala-se antes da vitória de Lula e somente no quarto parágrafo - em uma matéria de oito parágrafos - é que surge uma crítica pontual a FHC:

O jornal critica a postura de Fernando Henrique Cardoso, que em seu governo não mantinha o costume de se reunir com o seu ministério e convocou os governadores para apenas duas reuniões nos oito anos de governo. (‘LE MONDE’ critica governo FHC e analisa a chegada do PT ao poder, 25 out. 2002: Esp. 12)

Não são feitas apenas ressalvas ao governo FHC pelo jornal Le Monde, mesmo considerando que a parte crítica seja maior que a do apoio. Essa informação, no entanto, consta apenas do último parágrafo da matéria brasileira, no qual a Folha afirma:

O “Monde” ainda faz um breve balanço dos oito anos do governo FHC, destacando a vitória da economia sobre a “inflação galopante”, mas criticando a vulnerabilidade econômica do país. (‘LE MONDE’ critica governo FHC e analisa a chegada do PT ao poder, 25 out. 2002: Esp. 12)

Portanto, pode-se pensar que a Folha, ao referir-se à matéria publicada pelo jornal Le Monde, divulgou não apenas a versão do jornal francês sobre o governo de então e as perspectivas eleitorais, mas também a sua própria opinião sobre o assunto por meio do discurso do outro.

73

2.1.3.3 A informação em último lugar

Ainda com relação às pesquisas eleitorais, utilizamos as edições dos dias 2, 3, 16 e 23 de outubro de 2002 dos jornais Folha de S.Paulo24 e O Estado de S.Paulo, para demonstrar a presença de inversão por ocultação e inversão da relevância dos aspectos. Nas edições de 2, 16 e 23 de outubro, a Folha optou por não anunciar na capa o resultado das pesquisas eleitorais divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) na véspera daqueles dias ou mesmo uma chamada para a matéria interna. Em seu lugar, à exceção do dia 16, o jornal preferiu anunciar que, no dia seguinte, o Instituto de Pesquisas Datafolha divulgaria sua nova pesquisa sobre o assunto (AMANHÃ - Nova pesquisa Datafolha traz a situação a 3 dias da eleição, 2 out. 2002: capa; LEIA amanhã pesquisa Datafolha para presidente e governador de SP, 23 out. 2002: capa).25 Caracteriza-se a inversão da relevância dos aspectos, já que o jornal considerou mais importante utilizar o privilegiado espaço de visibilidade da capa, que traz os principais assuntos de uma edição, para anunciar o secundário - uma pesquisa que ainda seria divulgada - do que ocupá-lo com a informação principal - os resultados da mais recente pesquisa eleitoral. Restam algumas questões. Estaria o jornal colocando interesses corporativos à frente da informação? Se a Folha fez sua opção, por exemplo, por não confiar nos números do Ibope, por que publicou os resultados em matéria interna? Por que os resultados do Ibope não tiveram

24 Foram analisadas as edições de São Paulo/DF dos dias 2 e 16 de outubro e as edições de São Paulo dos dias 3 e 23. 25 Ver reproduções no Anexo 5. 74

importância para ser publicados na capa da edição do dia 2 e os resultados do Datafolha, com números bastante próximos, foram manchete no dia 3? No dia 3, por exemplo, o jornal traz como manchete da capa “Lula mantém 49%; Serra vai a 22%”, apontando os resultados da pesquisa Datafolha, juntamente com quadros e textos que, no conjunto, ocupam pouco mais da metade superior da primeira página.26 Quanto às matérias internas, no dia 2, os resultados do Ibope são alocados em matéria no final da capa do Caderno Eleições (NO IBOPE, Lula tem 48% dos votos válidos, 2 out. 2002: Esp. 1), enquanto os resultados do Datafolha são publicados, no dia 3, com título e quadro no mesmo estilo da capa do jornal, como matéria principal da capa do Caderno Eleições (LULA continua com 49% dos válidos, contra 22% de Serra, 3 out. 2002: Esp. 1), também ocupando pouco mais da metade superior da página. Os resultados de então do Ibope apontavam o candidato Lula com 48% dos votos válidos e os do Datafolha traziam o mesmo candidato com 49% dos votos válidos. Tanto o primeiro dado, parcialmente ocultado por não constar da capa da edição do dia 2, quanto o segundo dado, continham informações importantes, pois mostravam Lula a, respectivamente, 2 pontos percentuais e 1 ponto percentual de vencer as eleições no primeiro turno. Analisando o jornal O Estado de S.Paulo nos mesmos dias - 2, 3, 16 e 23 de outubro de 2002 -, vemos publicados na capa os resultados das pesquisas do Ibope nas edições dos dias 2, 16 e 23, e os resultados do Datafolha, no dia 3. O nome dos institutos responsáveis pelas pesquisas é ocultado do título no caso do Datafolha, constando nas edições referentes às pesquisas do Ibope (IBOPE: Lula, Serra e Garotinho sobem, 2 out. 2002: capa; LULA tem 45% e Serra vai a 21%, diz pesquisa, 3 out. 2002: capa;

26 Reprodução da capa encontra-se no Anexo 5. 75

LULA tem 60% e Serra, 31%, mostra Ibope, 16 out. 2002: capa; IBOPE: Lula mantém 60% e Serra sobe para 32%, 23 out. 2002: capa27). Em nenhuma das edições, o assunto é manchete. Apesar do fato do então candidato Lula estar a dois pontos de vencer as eleições no primeiro turno já ter sido anteriormente divulgado em outras pesquisas e, portanto, não ser uma novidade, entendemos que sua permanência no patamar de 48% dos votos válidos a apenas quatro dias do pleito tem maior relevância do que o fato noticiado pelo Estado no título da capa em sua edição de 2 de outubro, “Ibope: Lula, Serra e Garotinho sobem”, configurando, então, uma inversão da relevância dos aspectos. Não se pode esquecer de que tal fato adquire ainda maior importância se considerado o perfil do então candidato Lula - um migrante nordestino, ex- operário e líder sindical perseguido pela ditadura - e o desejo de mudança nos rumos do país, por parte da sociedade, o que pode ser entendido como expresso também pelos números. Na chamada da matéria, o texto traz, entre outras informações, os números das intenções de votos dos três candidatos de então: Lula (43%), Serra (19%) e Garotinho (16%). Diz também que Lula “permanece” com 48% dos votos válidos, sem explicar o significado disto - desconhecido para o leitor médio, sem familiaridade com os números -, importante informação que só aparece no jornal internamente (página A4), no olho e no terceiro parágrafo da matéria que, aliás, mantém o mesmo estilo do titulo da capa - “Lula, Serra e Garotinho sobem, e Ciro cai”. Em sua edição do dia 3 de outubro, o Estado publica na capa os resultados do Datafolha, como já dito, ocultando o nome do instituto no título (LULA tem 45% e Serra vai a 21%, diz pesquisa, 3 out. 2002: capa). Desta vez, a opção é por divulgar já no título da capa os percentuais de

27 Ver Anexo 5. 76

intenção de voto dos dois primeiros colocados, segundo a pesquisa, porém ocultando tratar-se de percentuais de intenção de voto e não de votos válidos - Lula aparece na mesma pesquisa com 49% dos votos válidos. O texto inicia com a informação de que Serra, pelos números divulgados, consolida-se no segundo lugar na disputa eleitoral pela Presidência. Embora Lula apareça nessa pesquisa com 49% dos votos válidos e, portanto, a um ponto de vencer no primeiro turno, a informação não consta da capa e nem do título da matéria interna (EM NOVA pesquisa, Serra cresce e se isola em 2º, 3 out. 2002: A6), só aparecendo no olho da matéria, e mesmo assim, somente após a informação de que “tucano sai do empate técnico com Garotinho”.

2.1.3.4 Vale-tudo verbal

Encerrando o tema das eleições, trazemos alguns exemplos de como a guerra verbal entre os candidatos pode se sobrepor, no noticiário, às informações a respeito das propostas de governo ou aos debates sobre assuntos inerentes à administração pública.28 Estampadas em títulos de capa ou internos, as declarações são, muitas vezes, retóricas agressivas que se prestam apenas à troca de ofensas entre candidatos e aliados, o que suscita reflexões importantes sobre a atuação da imprensa. Alçadas a títulos, as frases bombásticas, ou de efeito, são utilizadas para despertar a atenção do leitor; com isso, porém, o veículo de comunicação corre o risco de se tornar uma peça do jogo propagandístico da disputa eleitoral.

28 Ver Anexo 6. 77

... os jornalistas, que invocam as expectativas do público para justificar essa política de simplificação demagógica (...), não fazem mais que projetar sobre ele suas próprias inclinações, sua própria visão; especialmente quando o medo de entediar os leva a dar prioridade ao combate sobre o debate, à polêmica sobre a dialética, e a empregar todos os meios para privilegiar o enfrentamento entre as pessoas (os políticos, sobretudo) em detrimento do confronto entre seus argumentos, isto é, do que constitui o próprio desafio do debate, déficit orçamentário, baixa dos impostos ou dívida externa... (BOURDIEU, 1997: 134-5)

No dia 11 de outubro de 2002, a Folha de S.Paulo (edição São Paulo/DF) publica na capa do jornal e na capa do Caderno Eleições os seguintes títulos, respectivamente: “Com Lula, Brasil vira Venezuela, diz tucano” e “Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer”, em referência à crise enfrentada por aquele país. A matéria interna limita-se a expor as acusações de Serra e outros políticos presentes ao comício realizado em Goiânia (GO) na véspera daquela edição, sem dizer o que, no eventual governo do então candidato Lula, poderia causar crise semelhante à da Venezuela ou citar, por exemplo, qualquer tipo de declaração objetiva sobre as propostas do então candidato tucano, a não ser a de que “vamos continuar a mudança segura”. (ULHÔA, 11 out. 2002: Esp. 1) No dia 12 de outubro de 2002, O Estado de S.Paulo estampa como título da matéria principal da página A9, tida como “nobre” por ser ímpar e, portanto, ter maior visibilidade: “Lula diz que governo faz ‘terrorismo econômico’”. No texto, em alusão à cotação da moeda americana chegar aos quatro reais, o então candidato critica o governo de Fernando Henrique 78

Cardoso, que, segundo ele, “tem mecanismos para controlar a alta do dólar e não pode ficar brincando de fazer terrorismo econômico”. (PASQUATTO; SCINOCCA; PULITI, 12 out. 2002: A9) Por maior violência que signifiquem as constantes altas do dólar, o termo “terrorismo” parece-nos despropositado para figurar no título. Entende-se que a notícia seja dada, já que o termo foi utilizado não pelo jornal, mas pelo então candidato; estampá-lo no título, porém, configura uma inversão, já que o mais importante não é a nomeação dada à condução da política econômica do governo FHC, mas, sim, a crítica que se faz a ela e a apresentação de possíveis soluções. Em outras edições dos dois jornais, a sistemática persiste, sempre com as declarações agressivas alçadas a títulos como se fossem o teor principal da notícia, assim contribuindo para reforçar animosidades e, várias vezes, tão somente subjetividades. Alguns exemplos da Folha (respectivamente, edição São Paulo/DF e edição São Paulo): “Ermírio [de Moraes] ataca ‘covardes’ que mudam de lado” (SILVA, 11 out. 2002: Esp. 4); “‘Fascismo toma o país’, diz Jarbas [Vasconcelos], aliado de tucano” (23 out. 2002: capa). Exemplos do Estado: “‘A equipe econômica não enxerga, é cega’, diz Lula” (ROSA, 18 out. 2002: A4); “Para Serra, maquiagem e fantasia não governam” (19 out. 2002: capa); “Petista acusa Serra de ser preconceituoso” (CORSALETTE, 20 out. 2002: A6); “Serra acusa Lula de partir para ataque pessoal” (KATTAH; SAMARCO, 22 out. 2002: A8); “‘Se PT ganhar, MST vai invadir’, ataca Roriz [Joaquim]” (GUEDES, 22 out. 2002: A13). 79

Considerações finais

As reflexões advindas da interpretação dos dados coletados e analisados na presente pesquisa levam-nos a perceber mais claramente como a imprensa, instituição de grande valia para qualquer sociedade democrática, pode, porém, a partir da opção - intencional ou não - que faz por determinados procedimentos para a construção da notícia, transformar- se em porta-voz não de informações minimamente isentas, mas, sim, de sua visão particular dos fatos. Um desses procedimentos, utilizados para afirmar as escolhas da imprensa, é a inversão, apontada nesta pesquisa sob diversos ângulos, todos eles congruentes com o estabelecimento de novos sentidos para os fatos e a busca de adesão do receptor à versão adotada. Uma conjunção de fatores é responsável pela presença de inversões nas matérias jornalísticas. O dia-a-dia, repleto de pressões pela busca do “furo”, pela velocidade requerida, pela imposição dos superiores e pela concorrência, pode levar os profissionais-jornalistas a delegar ao segundo plano um maior cuidado com a produção da notícia. Quando isso ocorre, o resultado é a apresentação da informação ocultada, descontextualizada, fragmentada, espetacularizada, às avessas. Mesmo cientes da impossibilidade de apreensão absoluta do “real”, acreditamos que o conhecimento dos estudos dos teóricos aqui apresentados pode contribuir para desvelar o cotidiano da prática jornalística e, ao fazê- lo, iniciar um processo de inquietação seguida de ação, tanto por parte dos receptores quanto dos produtores da notícia. Se a sociedade conhece os mecanismos que atuam na produção da notícia, pode passar a melhor percebê-los, a duvidar do que vê, lê ou ouve, a refletir com pensamento próprio, a exercer sua criticidade, a exigir seu direito de ser efetivamente bem informada. 80

De seu lado, o profissional-jornalista pode, consciente da existência destes mecanismos, tentar se libertar e garantir sua maior autonomia. Compartimos a reflexão que faz Bourdieu (1997: 78-79), ao destacar a “esperança de eficácia” presente em uma análise sociológica sobre o jornalismo: “... elevando a consciência dos mecanismos, ele [o sociólogo] pode contribuir para dar um pouco de liberdade a pessoas que são manipuladas por esses mecanismos, quer sejam jornalistas quer telespectadores”. Evidentemente, nossa pesquisa é uma pequena amostra dentro da complexidade do tema. Assim, não esgota o assunto, e nem pretendeu fazê- lo, sendo apenas um passo na direção das - estas sim - grandes contribuições dos teóricos da comunicação e da cultura. 81

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CERCADO pela família, Silvio tenta voltar à normalidade. Contigo!, São Paulo, n.º 1453, 22 jul. 2003, p. 16-23.

COM LULA, Brasil vira Venezuela, diz tucano. Folha de S.Paulo, São Paulo, 11 out. 2002, capa.

CORSALETTE, Conrado. Petista acusa Serra de ser preconceituoso. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 20 out. 2002, p. A6.

DUARTE, Sara. Acredite se quiser. ISTOÉ, São Paulo, n.º 1763, 16 jul. 2003, p. 56-57.

EM NOVA pesquisa, Serra cresce e se isola em 2º. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 3 out. 2002, p. A6.

‘FASCISMO toma o país’, diz Jarbas, aliado de tucano. Folha de S.Paulo, São Paulo, 23 out. 2002, capa.

FOLHA se manteve equidistante no 2º turno. Folha de S.Paulo, São Paulo, 25 out. 2002. Caderno Eleições, p. Esp. 12.

GUEDES, Gilse. ‘Se PT ganhar, MST vai invadir’, ataca Roriz. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 22 out. 2002, p. A13.

GUSMÃO, Sérgio Buarque de. Pesquisa ou cartomancia? Revista Adusp, São Paulo, n.º 16, dez. 1998, p. 46-51.

HERZ, Daniel; GÖRGEN, James; OSÓRIO, Pedro Luiz. Quem são os donos. Carta Capital, São Paulo, n.º 179, 6 mar. 2002, p.17-19.

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IBOPE: Lula, Serra e Garotinho sobem. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 2 out. 2002, capa.

JUNGMANN, Raul. Reforma agrária nunca mais! Não essa... Primeira Leitura, São Paulo, n.º 18, ago. 2003, p. 32.

KATTAH, Eduardo; SAMARCO, Cristiane. Serra acusa Lula de partir para ataque pessoal. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 22 out. 2002, p. A8.

LEIA amanhã pesquisa Datafolha para presidente e governador de SP. Folha de S.Paulo, São Paulo, 23 out. 2002, capa.

LEITOR reconhece cobertura apartidária. Folha de S.Paulo, São Paulo, 25 out. 2002. Caderno Eleições, p. Esp. 12.

‘LE MONDE’ critica governo FHC e analisa a chegada do PT ao poder. Folha de S.Paulo, São Paulo, 25 out. 2002. Caderno Eleições, p. Esp. 12.

LULA continua com 49% dos válidos, contra 22% de Serra. Folha de S.Paulo, São Paulo, 3 out. 2002. Caderno Eleições, p. Esp. 1.

LULA mantém 49%; Serra vai a 22%. Folha de S.Paulo, São Paulo, 3 out. 2002, capa.

LULA, Serra e Garotinho sobem, e Ciro cai. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 2 out. 2002, p. A4.

LULA tem 45% e Serra vai a 21%, diz pesquisa. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 3 out. 2002, capa.

LULA tem 60% e Serra, 31%, mostra Ibope. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 16 out. 2002, capa.

NOGUEIRA, Rui. A perigosa fantasia regressiva dos sem-terra. Primeira Leitura, São Paulo, n.º 18, ago. 2003, p. 22-31. 89

NO IBOPE, Lula tem 48% dos votos válidos. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2 out. 2002. Caderno Eleições, p. Esp. 1.

OS SEM-TERRA não existem. Primeira Leitura, São Paulo, n.º 18, ago. 2003, capa.

PARA SERRA, maquiagem e fantasia não governam. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 19 out. 2002, capa.

PASQUATTO, Jô; SCINOCCA, Ana Paula; PULITI, Paula. Lula diz que governo faz ‘terrorismo econômico’. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 12 out. 2002, p. A9.

ROSA, Vera. ‘A equipe econômica não enxerga, é cega’, diz Lula. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 18 out. 2002, p. A4.

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ULHÔA, Raquel. Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer. Folha de S.Paulo, São Paulo, 11 out. 2002. Caderno Eleições, p. Esp. 1.

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www1.folha.uol.com.br/fsp www.igutenberg.org www.intercom.org.br www.observatoriodaimprensa.com.br www.primeiraleitura.com.br www.psdb.org.br www.pt.org.br 91

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, capa.

92

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, p. 9.

93

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, p. 22.

94

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, p. 23.

95

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, p. 24.

96

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, p. 25.

97

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, p. 26.

98

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, p. 27.

99

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, p. 28.

100

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, p. 29.

101

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, p. 30.

102

Anexo 1 - Os sem-terra existem?

Primeira Leitura, n.º 18, ago. 2003, p. 31.

103

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, capa.

104

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 16.

105

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 17.

106

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 18.

107

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 19.

108

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 20.

109

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 21.

110

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 22.

111

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 23.

112

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 24.

113

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 25.

114

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 26.

115

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1452, 15 jul. 2003, p. 27.

116

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1453, 22 jul. 2003, capa.

117

Anexo 2 - Silvio Santos: a morte como espetáculo

Contigo!, n.º 1453, 22 jul. 2003, p. 20.

118

Anexo 3 - Imprensa na disputa eleitoral · Em pauta, a interpretação dos números

Folha de S.Paulo, 25 out. 2002, p. Esp. 12.

119

Anexo 3 - Imprensa na disputa eleitoral · Em pauta, a interpretação dos números

Folha de S.Paulo, 25 out. 2002, p. Esp. 12.

120

Anexo 4 - Imprensa na disputa eleitoral · O apoio no discurso alheio

Folha de S.Paulo, 25 out. 2002, p. Esp. 12.

121

Anexo 5 - Imprensa na disputa eleitoral · A informação em último lugar

Folha de S.Paulo, 2 out. 2002, capa.

122

Anexo 5 - Imprensa na disputa eleitoral · A informação em último lugar

Folha de S.Paulo, 3 out. 2002, capa.

123

Anexo 5 - Imprensa na disputa eleitoral · A informação em último lugar

Folha de S.Paulo, 23 out. 2002, capa.

124

Anexo 5 - Imprensa na disputa eleitoral · A informação em último lugar

O Estado de S.Paulo, 23 out. 2002, capa.

125

Anexo 6 - Imprensa na disputa eleitoral · Vale-tudo verbal

Folha de S.Paulo, 11 out. 2002, p. Esp. 1.

126

Anexo 6 - Imprensa na disputa eleitoral · Vale-tudo verbal

O Estado de S.Paulo, 12 out. 2002, p. A9.

127

Anexo 6 - Imprensa na disputa eleitoral · Vale-tudo verbal

Folha de S.Paulo, 11 out. 2002, p. Esp. 4.

Folha de S.Paulo, 23 out. 2002, capa.

128

Anexo 6 - Imprensa na disputa eleitoral · Vale-tudo verbal

O Estado de S.Paulo, 18 out. 2002, p. A4.

O Estado de S.Paulo, 19 out. 2002, capa.

129

Anexo 6 - Imprensa na disputa eleitoral · Vale-tudo verbal

O Estado de S.Paulo, 20 out. 2002, p. A6.

O Estado de S.Paulo, 22 out. 2002, p. A8.

130

Anexo 6 - Imprensa na disputa eleitoral · Vale-tudo verbal

O Estado de S.Paulo, 22 out. 2002, p. A13.

131

Glossário

ABERTURA - Texto de introdução ou de apresentação de uma matéria. É, geralmente, diagramado em corpo maior que o da própria matéria.

BOX - Espaço, geralmente delimitado por fios, com informações adicionais às de uma matéria jornalística.

CADERNO - Cada uma das partes separadas do jornal, com um determinado número de páginas e enfoque (política e economia, esportes, cultura etc). Os jornais publicam também, com freqüência, cadernos relativos a assuntos especiais.

CHAMADA - Pequeno titulo e/ou resumo de uma matéria, publicado geralmente na primeira página de jornal ou na capa de revista, com o objetivo de atrair a atenção do leitor e remetê-lo para a matéria completa, apresentada nas páginas internas.

CORPO - Dimensão dos tipos de letras usados na composição dos textos e títulos. É medido pela quantidade de pontos tipográficos.

DIAGRAMAÇÃO - Ato ou efeito de diagramar (distribuir graficamente os elementos, como textos, títulos, ilustrações etc). Projeto gráfico.

EDIÇÃO - Conjunto dos exemplares de uma única tiragem de jornal ou revista, ou cada emissão de um noticiário de rádio ou TV.

132

EDITORIAL - Texto jornalístico opinativo, escrito de maneira impessoal e publicado sem assinatura, referente a assuntos ou acontecimentos locais, nacionais ou internacionais de maior relevância. Define e expressa o ponto de vista do veículo ou da empresa responsável pela publicação (jornal, revista etc) ou emissão (programa de televisão ou de rádio).

FONTE - Procedência da notícia. Todos os documentos e pessoas de onde um autor de trabalho jornalístico, literário, técnico ou artístico extraiu informações para sua obra.

IMPRENSA - Conjunto dos jornais e revistas de um lugar ou de determinada categoria, gênero ou assunto (ex.: imprensa carioca, imprensa nanica, imprensa esportiva, imprensa católica, imprensa marrom). O mesmo que jornalismo. P. ext., o conjunto dos processos de difusão de informações jornalísticas por veículos impressos (jornais e revistas - imprensa escrita) ou eletrônicos (rádio e televisão - imprensa falada e televisada) etc. Conjunto dos jornalistas.

MANCHETE - Título principal, composto em letras garrafais e publicado com grande destaque, geralmente no alto da primeira página de um jornal ou revista. Indica o fato jornalístico de maior importância entre as notícias contidas na edição. P. ext., título de maior destaque (em tamanho e importância jornalística) no alto de cada página de notícias.

MATÉRIA - Tudo que é publicado, ou feito para ser publicado, por um jornal ou revista, incluindo texto e ilustrações. Tanto o original de qualquer 133

notícia, artigo, crônica, nota etc., quanto a sua forma impressa recebem, genericamente, o nome de matéria.

PÁGINA NOBRE - Página ímpar, denominada nobre porque desperta mais a atenção. É quase sempre vista antes da página par pelo leitor, ao folhear qualquer publicação.

QUADRO - Gráfico, mapa ou tabela em uma publicação. Moldura de ilustração ou de texto composto. Cercadura.

TÍTULO - Palavra ou frase, geralmente composta em corpo maior do que o utilizado no texto e situada com destaque no alto da notícia, artigo, seção, quadro etc. Tem a função de indicar resumidamente o assunto da matéria e chamar a atenção do leitor para o texto.

Fontes:

RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo Guimarães (1987). Dicionário de Comunicação. Colaboração de Muniz Sodré. São Paulo: Ática.

SILVA, Rafael Souza (1985). Diagramação: o planejamento visual gráfico na comunicação impressa. São Paulo: Summus.