Universidade De São Paulo Escola De Comunicações E Artes Curso Superior De Audiovisual

RELATÓRIO FINAL DE ATIVIDADES DO ALUNO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA (IC) PIBIC/USP/CNPq

Cinema e Política em O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho

Período: Agosto / 2018 a Julho / 2019

João Pedro Martinez Oliveira

Pesquisa sob orientação do Prof. Dr. Eduardo Victorio Morettin em nível de Iniciação Científica Bolsista PIBIC/CNPq

São Paulo 2019 Sumário

Objetivos ...... 3

Introdução ...... 4

Atividades Desenvolvidas ...... 9

Metodologia ...... 12

Resultados ...... 15

Análises ...... 16

Conclusões ...... 79

Referências...... 83

Anexos ...... 84

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1. Objetivos

Esta iniciação científica teve como objetivo identificar e analisar temas e questões políticas levantadas no cinema de Kleber Mendonça Filho, nos filmes O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016), e de que forma os elementos cinematográficos são utilizados para abordar tais questões. Para isso, analisamos sequências que consideramos primordiais para entender este caráter.

Nesta pesquisa pretendeu-se também analisar a recepção crítica e acadêmica destes filmes1, uma vez que o aspecto político de um filme também se dá fora das salas de exibição, a partir de interpretações e de situações política do país. Portanto, foi importante explorar o que se disse sobre as obras, como foram encarados pela crítica e, quando possível, pelos próprios espectadores.

A partir da análise individual dos dois filmes, da sua comparação, e da sua análise da recepção crítica e acadêmica foi possível ter uma visão mais ampla sobre a sua importância para a cinematografia brasileira, preocupado com o primor técnico sem se descuidar de um crítico e político. Ao percorrer esse material, esta foi a nossa intenção.

Procuramos também, sempre que possível, estabelecer pontos com o cinema brasileiro contemporâneo, produção que vem ganhando espaço e visibilidade no cenário nacional e internacional, como atesta a sua circulação em diversos países e a premiação recebida em festivais cinematográficos importantes.

1 Realizamos extenso levantamento da recepção crítica dos dois filmes, material que foi lido e parcialmente utilizado no presente relatório. No Anexo A apresento a relação das críticas e estudos a O Som ao Redor. No Anexo B, a Aquarius.

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2. Introdução

Este relatório se refere ao projeto Cinema e Política em O Som ao Redor (2012) e

Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho, que tinha por objetivo analisar e discutir conceitos estéticos e políticos presentes nos dois filmes, de forma a desenvolver uma relação entre cinema e política. Pretendemos aqui apresentar os principais resultados obtidos ao longo desta pesquisa.

Na cinematografia brasileira recente há uma série de filmes que se preocupam em analisar as questões sociais e políticas, obras que se debruçam sobre a situação da sociedade brasileira, procurando, de certo modo, imprimir a sua marca no debate.

Dessa forma, percebe-se que essa questão está impregnada na cinematografia brasileira de modo geral, tanto em filmes comerciais, como por exemplo Tropa de Elite (2007) e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro (2010), ambos de José Padilha, quanto nos filmes que interessam a esta pesquisa, advindos de um cinema autoral não comercial, como é o caso de

Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016), dirigidos por Kleber Mendonça Filho.

No Brasil, parte expressiva da produção segue uma perspectiva autoral2. Isso significa que se trata de um cinema mais preocupado com a expressão artística, valorizando-se a mise- en-scène, por vezes adotando uma estética inovadora, trazendo uma reflexão estética sobre a forma de se ver o mundo e tendo, por fim, a figura do diretor como centro desta força criativa.

Há mais de uma década o cinema de Pernambuco ganhou destaque e se consolidou nessa perspectiva, sendo reconhecido nacional e internacionalmente, com filmes como Febre do Rato (2011) de Cláudio Assis, Tatuagem (2013) de Hilton Lacerda, A História da

Eternidade (2014), de Camilo Cavalcante, Boi Neon (2015), de Gabriel Mascaro, O Som ao

2 Conceito criado na França dos anos 1940, por teóricos do cinema como André Bazin e Alexandre Astruc e tornado chave no exercício da crítica por meio das páginas da revista Cahiers du Cinéma. Um dos primeiros movimentos a manifestá-lo foi a Nouvelle Vague e, no Brasil o Cinema Novo teve um caráter autoral muito forte. Para um histórico da questão no Brasil ver BERNARDET, Jean-Claude. O autor no cinema: a política dos autores: França, Brasil anos 50 e 60, 2018.

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Redor (2012) e Aquarius (2016), ambos de Kleber Mendonça Filho, esses últimos sendo o alvo desta pesquisa.

A produção cinematográfica recente de Pernambuco normalmente tem uma tensão comum nas obras, a fricção entre o moderno e a tradição. É no mundo urbano e globalizado que é possível perceber resquícios de uma tradição pautada na cultura violenta e patriarcal, sinal de origem que explica a situação presente. É nesse choque que está a base de várias obras pernambucanas, como Amarelo Manga (2002) de Cláudio Assis, Cinema, Aspirinas e Urubus

(2005) de Marcelo Gomes, Árido Movie (2005) de Lírio Ferreira, Boi Neon (2015), entre outras.

O Som ao Redor articula esse mesmo encontro do arcaico com o moderno, anunciando desde o início que este confronto estará presente. O primeiro paralelo se dá com o corte da sequência inicial de fotografias da década de 1970, em preto e branco, com a próxima cena de crianças brincando no condomínio, nos dias atuais. Faz isso de forma mais reiterada do que a maior parte da filmografia pernambucana, mostrando que o passado não desaparece, porém se recicla no presente. Como afirma José Geraldo Couto3, a obra

radiografa sua época sem perder de vista o processo histórico de longa duração em que ela se insere. Não se perde nas aparências do presente, não fetichiza o novo, mas, pelo contrário, revela a presença do arcaico no moderno, a reiteração sob novas formas de um modelo civilizatório ao mesmo tempo perverso e fascinante – tudo isso sob a aparência de uma prosaica crônica urbana ambientada num bairro recifense de classe média.

Kleber Mendonça, jornalista de formação, foi crítico cinematográfico na revista

Cinética, e nos jornais O Globo, Folha de São Paulo e Jornal do Commercio, além de gerir o site de crítica CinemaScópio, nome também da produtora de seus filmes4.

3 COUTO, José Geraldo. O som sutil e a fúria contida. Blog do IMS. 04/01/2013. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-som-sutil-e-a-furia-contida/. Acesso em: 14/11/2018. 4 KLEBER Mendonça Filho. Filme B. Disponível em: http://www.filmeb.com.br/quem-e-quem/diretor- roteirista/kleber-mendonca-filho. Acesso em: 16/01/2019.

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Como realizador iniciou sua trajetória artística em vídeo em 1997, com Enjaulado, dando início a este cinema crítico e reflexivo, característico de seu trabalho. Posteriormente fez uma série de curtas-metragens, com destaque para Eletrodoméstica (2005), que narra a vida de uma dona de casa na década de 1990, e Recife Frio (2009), um falso documentário que narra um resfriamento súbito do Recife. Além disso, em 2008 lança seu primeiro longa-metragem

Crítico, um documentário que discute o cinema a partir de entrevistas de críticos e cineastas, abordando as diversas visões sobre a indústria cultural e o fazer cinema.

Seu primeiro longa-metragem ficcional foi O Som ao Redor (2012), um dos filmes brasileiros mais aclamados do ano, rodando por diversos festivais e recebendo alguns prêmios.

Como disse Luiz Zanin5, “não sem motivos, críticos (incluindo este que aqui escreve) o consideram o mais importante filme nacional dos últimos anos”.

O Som ao redor retrata a chegada de um grupo de seguranças particulares que oferece proteção à rua de classe média em Recife, sendo Clodoaldo (Irandhir Santos) o chefe. Trata-se de uma vizinhança já repleta de proteções e grades e que procura mais uma forma de se sentir segura. Francisco (W.J. Solha), dono de muitas propriedades da região, se sente incomodado com a chegada do grupo, como se estivessem a invadindo. Enquanto Bia6 (Maeve Jinkings), dona de casa e mãe de dois filhos, se incomoda com os latidos constantes de um cão de um vizinho e procura maneiras de lidar com isso. Por sua vez, João (Gustavo Jahn), neto de

Francisco, cuida dos negócios da família, atuando como corretor de imóveis. Ele tem um relacionamento com Sofia (Irma Brown).

5 ZANIN, Luiz. Casa Grande & Senzala – O Som ao Redor. O Estado de São Paulo. 13/01/2014. Disponível em: https://goo.gl/K9zz9x. Acesso em: 16/11/2018. 6 Apesar de partilhar o mesmo espaço, as personagens principais não se relacionam, Bia não conhece Francisco, nem João. Mas todos se relacionam com Clodoaldo, que é o ponto comum dos núcleos, unindo-os. Esta união não é dada ao espectador desde o início, a construção da narrativa nos leva a perceber a existência desta conexão.

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Posteriormente, em 2016, lança seu segundo longa, Aquarius, outro filme aclamado pela crítica e que recebe diversos prêmios. Inácio Araujo, na Folha de São Paulo7, disse que

“Aquarius é um filme de impacto. Não um impacto imediato, mas algo longamente preparado e amadurecido.” e Peter Bradshaw, no The Guardian8, afirma: “Este filme é um rico e detalhado estudo de personagem, imergindo o público na vida e na mente de sua incrível personagem principal, Clara”.

Aquarius gira em torno de Clara, em dois momentos de sua vida. Começa em 1980, no aniversário de sua tia, momento em que Clara (Bárbara Colen) se recupera de um câncer.

Depois o filme salta para 2016, com Clara (Sônia Braga), viúva, residindo no edifício Aquarius.

Ela é a última moradora do local, pois os outros apartamentos foram vendidos a uma construtora, que pretende demolir e modernizar a região. Clara, que não quer se mudar e sofre diversas ameaças, resiste.

Os dois filmes possuem elementos estéticos comuns, como a utilização de artifícios do gênero do suspense: a trilha sonora que pontua momentos de tensão, a câmera que acompanha as personagens e que é reveladora, e também a montagem que varia entre cortes rápidos e lentos, gerando no espectador essa expectativa do que pode vir a acontecer.

Outro ponto comum é o uso do som em ambos, a trilha musical – em alguns momentos

– é usada para transmitir, direta ou indiretamente, os sentimentos das personagens. Acontece também uma hipernaturalização da trilha sonora, principalmente de seus ruídos, gerando uma poluição sonora, benéfica ao filme, aumentando o desconforto em certas cenas.

Além disso, os dois filmes expostos tratam de questões atuais, realizam seus diagnósticos e criticam características da sociedade brasileira. Alguns pontos são comuns a ambos: a forma como são abordadas as questões relacionadas às classes sociais e sua

7 ARAUJO, Inácio. Sonia Braga está espetacular em filme construído meticulosamente. Folha de São Paulo. 30/08/2016. Disponível em: https://goo.gl/eR25eN. Acesso em: 16/11/2018. 8 BRADSHAW, Peter. Aquarius review: rich and mysterious Brazilian story of societal disintegration. The Guardian. 17/05/2016. Disponível em: https://goo.gl/S9vK3Y. Acesso em: 16/11/2018.

7 hierarquização; os estigmas sociais impostos sobre grupos e suas quebras; a permanência do patriarcado na sociedade brasileira e o que isso acarreta; a questão racial; a exploração imobiliária e o interesse dos grandes grupos econômicos, um tema presente também em Recife

Frio, no qual o diretor usa para falar de diversos aspectos, anseios e conflitos contemporâneos.

O diretor faz diversas críticas à classe média brasileira, de forma a fazer o espectador refletir. Aponta o rompimento de um servilismo dos trabalhadores, principalmente em O Som ao Redor, em que se aponta a constante tensão entre ricos, classe média e pobres. Vemos alguns empregados se revoltando e se vingando de seus patrões, em ações pequenas, como o exemplo de um funcionário do prédio de João que risca o carro de uma senhora, até a vingança dos filhos de um trabalhador rural pela sua morte. O diretor aponta ainda a invisibilidade de personagens subalternizadas, de classes inferiores, que resistem à opressão sofrida, como veremos nas análises fílmicas adiante.

Ambos representam características brasileiras, bem presentes em nossos tempos: o cinismo e o esquecimento. Ademais, são obras que operam com a dialética entre o interdito e o visível, abordando essa dinâmica de forma visual, escancarando ao espectador algumas dessas atitudes, retornando tudo aquilo que fora reprimido ou esquecido, ou seja, joga à tona assuntos velados e acabam por gerar desconforto e um baque no espectador.

Os filmes abordam e apontam ainda a importância da resistência à pressão externa e ao incômodo e a relevância da memória: do resgate do passado e da mobilização da história.

Kleber Mendonça, em uma entrevista para The New York Times9, disse que gostaria de explorar realidades de uma nação recém próspera, evitando alguns cenários que definem o cinema brasileiro desde os anos 60, como as favelas e paisagens rurais. Mas ao mesmo tempo

9 ROTHER, Larry. In Brazil, a Noisy, Tense Prosperity. The New York Times. 17/08/2012. Disponível em: https://www.nytimes.com/2012/08/19/movies/kleber-mendonca-filho-directs-neighboring- sounds.html?_r=1&ref=movies. Acesso em: 20/01/2019.

8 utilizando desses outros brasis para demonstrar e fortalecer a ideia de que estes cenários persistem e assombram as finas camadas da modernidade.

O diretor consegue resumir o Brasil em pequenos grupos sociais, criando uma certa metáfora do real. Expõe, portanto, uma representação do macro refletida no micro, com personagens fortes e individuais que acabam representando uma classe inteira, de modo a formular uma certa alegorização na representação de classes10, demostrando as ambiguidades e complexidades de suas relações. 3. Atividades Desenvolvidas

A primeira reunião com o orientador Eduardo Morettin, após aprovação da bolsa, se deu em agosto de 2018, para desenvolvermos o método da pesquisa, a apresentação das atividades que seriam desenvolvidas e os bancos de dados pertinentes à pesquisa. A partir dessa primeira reunião, comecei a pesquisar e levantar críticas e textos acadêmicos sobre os filmes

O Som ao Redor e Aquarius, desenvolvendo os anexos A e B.

Reunimo-nos novamente em setembro para discutir o levantamento feito e selecionar as leituras essenciais para o projeto. Paralelamente a essa lista, também li alguns livros recomendados pelo orientador em nossas reuniões, a fim de concretizar um panorama do cinema pesquisado, bem como da conceituação audiovisual, sendo: EDUARDO, Cléber.

Continuidade Expandida e o novo cinema autoral (2005-2016)11, XAVIER, Ismail. A alegoria histórica12, XAVIER, Ismail. Alegorias do Subdesenvolvimento13 e XAVIER,

Ismail. Considerações sobre a estética da violência14.

10 Ismail Xavier, diz que “a alegoria surge hoje como um ingrediente do ‘espírito do tempo’, uma prática de representação privilegiada que traz à tona todas as ambiguidades vinculadas à identificação e aos interesses nacionais”. XAVIER, Ismail. A alegoria histórica. In: RAMOS, Fernão. Teoria Contemporânea do Cinema, volume 1. p. 378. São Paulo: Editora Senac, 2005. Para um melhor aprofundamento do tema, pretende-se utilizar de conceitos e escritos de Ismail Xavier sobre alegorias no cinema, como “A alegoria histórica”, “Sertão Mar” e “Alegorias do Subdesenvolvimento”. 11 In: RAMOS, Fernão Pessoa; SCHVARZMAN, Sheila. Nova história do cinema brasileiro. p.567-595, 2018. 12 In: RAMOS, Fernão. Teoria Contemporânea do Cinema, volume 1. p. 339-379. São Paulo: Editora Senac, 2005. 13 2ª ed. São Paulo: Cosac Naify, 2013. 14 In: ______. Sertão Mar: Glauber Rocha e a estética da fome. 2ª ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007. cap.5 p.183-198.

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Com esse amplo embasamento sobre as questões que nos interessavam à pesquisa, parti para a leitura detalhada do levantamento prévio das críticas, dos artigos e de teses, de modo a fazer uma segunda seleção mais criteriosa. O que foi melhor definido numa próxima reunião, em novembro, além de definir os próximos passos: desenvolver um primeiro texto sobre O

Som ao Redor, sobre as questões narrativas e estéticas, presente no anexo C.

Em dezembro nos reunimos novamente para discutir esse texto e, também, comecei a organizar e elaborar uma análise sobre a recepção crítica e os estudos elaborados sobre o filme, presente no anexo D.

Em janeiro fiz algumas alterações na primeira análise de O Som ao Redor, após comentários detalhados do orientador. Também, realizei pesquisas na Biblioteca Paulo Emílio, na Cinemateca Brasileira, único local onde tive acesso à alguns textos, o que complementou a análise.

Já em fevereiro, com a análise fílmica e da recepção crítica de O Som ao Redor encaminhadas, comecei um texto sobre as questões estéticas e narrativas de Aquarius, presente no anexo E. E posteriormente, sobre sua recepção crítica, anexo F.

Em abril e maio, a partir de toda a leitura, começamos um debruçamento nas análises fílmicas, aprimorando-as a partir das questões políticas abordadas nos filmes, bem como em suas implicações estéticas. Em junho, incorporei os textos sobre as recepções críticas às análises, de modo a criar apenas duas análises fílmicas, as que estão presente nesse relatório, mais abaixo. E, por fim, em julho, após nossa última reunião, discutimos a elaboração do relatório final.

Além dessas reuniões com o orientador, participei do grupo de pesquisa CNPq História e Audiovisual, com reuniões mensais, que me permitiu estar em contato com pesquisadores do cinema brasileiro, com discussões e leituras muito proveitosas para este projeto. Mesmo tendo assuntos diversos e não necessariamente congruentes com esta pesquisa, foi produtivo estar em

10 contato com o grupo. Inclusive, foi importante minha participação nas reuniões, dado que

Mariana Souto, cuja tese de doutorado foi de extrema importância para este projeto e que cito no próximo item, se juntou ao grupo neste ano.

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4. Metodologia

A primeira frente foi a de enfrentar a questão da análise fílmica. A fim de adentrar neste assunto, o orientador me sugeriu a leitura de alguns textos, como o Sertão Mar: Glauber

Rocha e a estética da fome e Alegoria Histórica, ambos de Ismail Xavier, neles a análise volta-se, também, para as questões políticas presentes nos filmes analisados. Além de me indicar a leitura de Análise do Filme, de Jacques Aumont, trabalhando questões mais práticas sobre como analisar um filme, em que tive contato com alguns parâmetros importante para a realização das análises aqui presentes.

Após a leitura desses autores, a indicação dada pelo orientador foi a de que escrevesse um texto dedicado apenas ao filme, tentando identificar sua estrutura e questões de estilo. Em um primeiro momento, O Som ao Redor foi objeto desta análise15. Depois, Aquarius16.

Discutido o texto, foram definidas as questões mais importantes, tendo em vista o tema geral do projeto, sendo o texto ampliado a partir da incorporação de uma pesquisa bibliográfica.

Para realizar de forma mais densa as análises, empreendi a pesquisa bibliográfica de artigos e teses sobre o cinema brasileiro mais recente, principalmente o cinema de Recife, contexto imediato aos quais os filmes se vinculam. A fim de organizar esta bibliografia, que se tornou extensa e diversa17, realizei um levantamento em diversos bancos de dados18. Em seguida, a partir de uma reunião com o orientador, definimos e selecionamos textos de melhor proveito para o projeto. Desta forma, obtive uma visão abrangente do material que compõe a recepção crítica e acadêmica sobre os filmes examinados e também deste cinema contemporâneo brasileiro.

15 No Anexo C está presente uma primeira versão da análise de O Som ao Redor. 16 Anexo E está presente uma primeira versão da análise de Aquarius. 17 No Anexo A e B relaciono a fortuna crítica pesquisada sobre os dois filmes. 18 A partir das recomendações do orientador, fiz uma ampla busca nos seguintes sites: Google Acadêmico, Catálogo de Teses e Dissertações (CAPES), Catálogo da Biblioteca Paulo Emílio (Cinemateca Brasileira), Banco de Teses do Mnemocine e Base de Dados da FIAF (Federação Internacional de Arquivos de Filmes).

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Duas pesquisas foram importantes para o projeto: a dissertação de mestrado de Raul

Arthuso, Cinema independente e radicalismo acanhado: ensaio sobre o novíssimo cinema brasileiro19 e a tese de doutorado de Mariana Souto, Infiltrados e invasores: uma perspectiva comparada sobre as relações de classe no cinema brasileiro20. Estes dois textos me deram um bom embasamento sobre o caráter político no cinema brasileiro mais recente: o de Mariana Souto trabalha questões que estão presentes em ambos os longas de Kleber

Mendonça, como, por exemplo, a relação entre a classe média e a baixa, e as possibilidades que surgem desse embate; e o de Raul Arthuso traz um panorama mais geral sobre a situação desse cinema autoral brasileiro e de como ele é construído por bases sociopolíticas.

A pesquisa por artigos se deu em diversos sites, como na SOCINE (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema), que possui em seus anais de eventos científicos alguns textos voltados para estes filmes; em algumas revistas onlines específicas de cinema, como a Filme Cultura e

Devires. A pesquisa por críticas de cinema ocorreu em revistas em versão eletrônica, como a

Cinética, Revista de Cinema e Sight and Sound, entre outras, e em jornais nacionais, principalmente Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, e internacionais, The New York

Times e The Guardian.

Algumas críticas e textos só obtive acesso na biblioteca Paulo Emílio, na Cinemateca

Brasileira. Pesquisando na base de dados da Cinemateca, obtive acesso a versão impressa de revistas, como a Revista de Cinema e Sight and Sound, com alguns dos textos de maior importância para a pesquisa.

As análises fílmicas foram desenvolvidas por um primeiro exame de sua estrutura interna a partir do contato exaustivo com as obras, valorizando as questões técnicas e narrativas.

E ao longo da pesquisa, revendo os filmes e estudando a bibliografia, progredi na análise quanto

19 Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2016. 20 Tese (Doutorado em Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social) - Universidade Federal de Minas Gerais. 2016.

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às questões políticas e suas abordagens estéticas. Primeiro escrevi quatro análises separadas, duas fílmicas e duas sobre a recepção crítica21, para depois uma junção dos dois textos, com o intuito de reforçar minhas análises. E por fim, as conclusões feitas a partir da inserção destes filmes na filmografia do diretor, considerando-se o seu novo longa-metragem, com estreia prevista para 29 de agosto deste ano, Bacurau que mantém, até onde sabemos, as mesmas características sociopolíticas abordadas nesta pesquisa.

21 Nos anexos D e F estão as análises sobre as recepções críticas de O Som ao Redor e Aquarius, respectivamente.

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5. Resultados

Tentamos, nesta pesquisa, demonstrar como se articulam as dimensões políticas e estéticas a partir do corpus fílmico selecionado, como veremos no texto a seguir, alcançando nosso objetivo de analisar como os elementos cinematográficos são utilizados para abordar questões políticas.

A partir das análises foi possível depreender semelhanças e diferenças entre os dois filmes, tanto em questões estéticas, quanto em questões políticas. Interessante perceber como algumas escolhas estéticas reforçam ou minimizam tópicos, perceptíveis a partir da seleção de enquadramentos, priorizando algumas personagens, escolhendo o que mostrar na câmera, quem mostrar e como, e do uso da trilha sonora que contribui para a sensação de suspense, com a musical demonstrando o estado de espírito, e até político, das personagens.

As análises da recepção crítica e acadêmica permitiram, como tínhamos como objetivo, uma visão mais ampla sobre o aspecto político dos filmes, a partir de outras interpretações e críticas.

Tínhamos como objetivo estabelecer alguns pontos com outras produções do cinema brasileiro contemporâneo, o que em partes foi cumprido, com algumas comparações feitas em determinados momentos com filmes semelhantes. Mas percebemos durante o processo que para fazer como planejávamos ampliaríamos muito o objeto do projeto, fugindo do tema.

De modo geral, os objetivos foram alcançados, com duas análises fílmicas concentradas em relacionar os elementos cinematográficos e políticos. De tal forma que realizamos as análises focando nesta afluência de escolhas técnicas e resultados políticos. Revendo os filmes pela última vez, consegui ter um olhar mais crítico e percebi ainda mais essa junção, o que está presente nas análises a seguir.

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6. Análises

a. O Som ao Redor (Kleber Mendonça, 2012): ambiguidades e paranoias de uma classe média hipócrita

Neste primeiro momento, faremos uma abordagem da narrativa do filme, de modo a construir uma sinopse a fim de, posteriormente, trazermos uma análise mais detalhada sobre o mesmo.

O Som ao Redor, primeiro longa-metragem de ficção dirigido por Kleber Mendonça

Filho (1968), retrata o cotidiano de uma rua de um bairro de Recife, Setúbal. A obra é um retrato de uma sociedade que convive diariamente com o medo e a busca por segurança, como

é possível ver em diferentes cenas: as casas com cercas nas janelas e portas, câmeras de segurança e seguranças particulares.

O longa é construído como um mosaico que contém núcleos principais convivendo em cenas independentes: o resultado é a intercalação desses núcleos. É “um sofisticado quebra- cabeças cinematográfico”22, com algumas unidades, aparentemente isoladas e autônomas, registrando o cotidiano dessas pessoas de forma, a princípio, naturalista. Para Ricardo Calil e

Nina Rahe,

há uma ciranda de personagens que parece uma versão da Quadrilha de Carlos Drummond, na qual o amor foi substituído por medo: crianças que brincam nos prédios, vigiadas por babás, vigiados por moradores, vigiados por porteiros em uma rua agora vigiada por uma espécie de milícia. (CALIL; RAHE, Medo à brasileira, Bravo!, v. 15, n. 185, p. 44-46, jan. 2013.)

Os dois núcleos principais que mais têm tempo de tela e, portanto, maior importância, são o de Bia (Maeve Jinkings) e o de João (Gustavo Jahn). Além desses, há o de Clodoaldo

22 CALIL, Ricardo. Crítica: Diretor Conecta reflexão social a clima de suspense e humor sutil. Folha de São Paulo. 01/01/2013. Disponível em: https://goo.gl/Q865bK. Acesso em: 18/12/2018.

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(Irandhir Santos) e o de Francisco (W.J. Solha), e no embate desses dois está a reviravolta do filme e seu final.

Bia é dona de casa, esposa e mãe de dois filhos. Logo de início a vemos incomodada com os latidos do cachorro de seu vizinho, que não a deixa dormir. Temos aqui, a princípio, a primeira explicação para o título, o latido é o primeiro “som ao redor”. Essa situação vai se agravando no decorrer do filme, e ela inventa diversas maneiras para tentar lidar com o problema e acabar com o barulho. Tenta desde jogar um pedaço de carne com remédios até a compra de um aparelho importado que emite um ruído audível apenas para o cachorro e que tem como objetivo silenciá-lo.

Essa insatisfação é percebida em outros aspectos de sua vida: não vemos uma relação maternal com as suas crianças que, durante as férias, ficam praticamente confinadas em casa, tendo aulas de inglês e mandarim23, de forma a ocupar seus dias. Além disso, temos a compra de maconha fornecida por um traficante e o fumo do baseado escondido, disfarçando o cheiro ao assoprar a fumaça no aspirador de pó, assim como a sequência da masturbação de Bia ao lado de uma máquina de lavar, que com seu barulho escondia os gritos de seu gozo, demonstrando o desejo de desestressar, buscar prazer às escondidas e aguentar a vida; as duas brigas, uma com a vizinha, que sente inveja de Bia por causa de uma televisão maior e parte para cima, e depois com a empregada, por queimar um aparelho importado.

Toda essa insatisfação culmina na compra de bombinhas, as quais Bia estoura no final do filme com a família para tentar resolver de vez o problema com o cachorro, “resolvendo” todos os seus problemas pelo conflito. O ápice de seu núcleo remete, justamente, à violência sugerida ao final do filme, uma vez que essa resolução não ocorre por meio do diálogo com o vizinho, mas pelo enfrentamento.

23 Esta cena em que aprendem mandarim é uma pequena inserção de uma preocupação que as classes média e alta têm com o futuro profissional dos filhos, colocando em suas agendas o aprendizado de uma das línguas mais faladas no mundo.

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À primeira vista Bia é representada como uma mulher da classe média, com todos os estereótipos presentes no cinema para tal posição, dona de casa perfeita, mão zelosa, e portanto, uma mulher sem desejos. No entanto, aos poucos, a cada nova cena, essa imagem vai sendo quebrada, a partir da inserção de novos elementos, como fumar maconha; novos sentimentos, como a raiva e a perda de controle na discussão com a vizinha e empregada; novos desejos, como o sexual com a máquina de lavar roupa; esgotamento físico e psicológico com o cachorro do vizinho que não para de latir.

João é corretor de imóveis e responsável por cuidar dos negócios do avô, seu Francisco, dono de muitas propriedades no bairro. Acompanhamos ao longo do filme o relacionamento entre João e Sofia. Em um desses momentos, João a atende, que reclama com ele do aparelho de rádio roubado de seu carro. João recorre a seu primo Dinho, arrombador de carros da rua, para ver se tinha sido ele. Em outro momento, durante a visita ao engenho de seu avô, os dois andam e brincam pelas redondezas, depois visitam a antiga casa de Sofia naquele bairro, relembrando e compartilhando seu passado aristocrático com João.

Francisco é um coronel moderno, ou pelo menos se enxerga dessa forma, proprietário de diversas residências no bairro e também de um antigo engenho, revelando a origem de sua fortuna, herdeiro de uma riqueza advinda da exploração da mão de obra escrava e, depois, da contínua exploração dos camponeses. Quando Clodoaldo, chefe do grupo de seguranças particulares, oferece no bairro seus serviços, seu Francisco não o aceita muito bem e de princípio já o trata com desdém, com um ar esnobe e patronal.

Ele representa o arcaico presente no mundo urbano, se achando, portanto, o dono da rua. Esconde atrás de sua autoridade um passado de família escravagista, desse passado provém todo seu dinheiro, sendo um homem que galgou sua posição não por méritos próprios, e sim, por ser cheio de privilégios. Dessa forma, revela uma altivez e arrogância, maltratando verbalmente serviçais, disfarçadas por sua aparente simpatia.

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Clodoaldo aparece de uma hora para outra na rua de Setúbal. Alguns moradores o recebem de bom grado, ao passo que outros sentem um certo desconforto e não entendem a necessidade de seu serviço, como é o caso de Francisco e de sua família, Anco (Lula Terra), seu filho, e João. Na verdade, vemos que seu papel no bairro é outro, distinto daquele que se espera de uma empresa de segurança: ele e seu grupo assistem a um vídeo de uma câmera de segurança em que um rapaz é assassinado na rua por três tiros; Clodoaldo ameaça Dinho pelo telefone; controla a venda de maconha para os moradores do bairro; usa as casas vazias para encontros fortuitos com as empregadas; abusa de um poder que imagina possuir, como exemplo, dois de seus comparsas espancam um garoto negro que estava escalando uma árvore, por ser considerado uma “ameaça”.

Por fim, esses dois últimos núcleos amarram a história e se confrontam, como é revelado ao final no momento em que somos informados de que o pai e o tio de Clodoaldo e de Claudio (Sebastião Formiga), seu irmão, foram mortos a mando de Francisco em razão de conflitos de terra ocorridos no passado. Assim, entendemos o real motivo para aquela milícia ter ido àquele bairro. O filme se fecha num ato de vingança e justiça.

O Som ao Redor foi muito bem recepcionado pela crítica e teve extensa carreira nos festivais. Considerado por algumas mídias como o filme brasileiro mais importante dos últimos tempos, tornando-se a mais aclamada produção brasileira desde Cidade de Deus24 (2002), de

Fernando Meirelles e Kátia Lund. Foi apontado, também, como um dos 10 melhores filmes do mundo realizados em 2012 por Anthony O. Scott25, crítico chefe do The New York Times, e um dos 20 melhores pela Film Comment26, entre outras publicações. De acordo com o British Film

24 CALIL, Ricardo; RAHE, Nina. Medo à brasileira. Bravo!, v. 15, n. 185, p. 44-46. jan. 2013. 25 SCOTT, A. O. The Leisure Class Bears Its Burden. The New York Times. 23/08/2012. Disponível em: http://www.nytimes.com/2012/08/24/movies/neighboring-sounds-directed-by-kleber-mendonca- filho.html?ref=movies&_r=0. Acesso em: 16/11/2018. 26 50 Best Films of 2012. Film Comment. 13/12/2012. Disponível em: www.filmcomment.com/entry/50-best- films-of-2012. Acesso em: 28/01/2019.

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Institute (BFI)27 é um dos dez melhores filmes de língua não-inglesa da primeira metade dos anos 2010.

Realizou sua première mundial no 41º Festival Internacional de Roterdã, na Holanda, onde conquistou o Prêmio da Federação Internacional de Críticos (FIPRESCI). No Festival

Internacional de Copenhagen conquistou o prêmio de melhor filme, assim como no Festival de

Novi Sad, na Sérvia. Além de percorrer por mais de 30 festivais em cerca de 15 países, como o Festival de Locarno, na Suíça, de Sydney, na Austrália, de Viena, na Áustria, BFI London

Film Festival, na Inglaterra e em Vancouver, no Canadá. Foi a obra selecionada para representar o Brasil na competição de Oscar de melhor filme estrangeiro na edição de 2014.

Já nos festivais brasileiros o filme recebeu o prêmio de melhor filme na 36ª Mostra

Internacional de Cinema de São Paulo e no 8º Panorama Coisa de Cinema de Salvador.

Conquistou no Festival do Rio os prêmios de melhor filme e de roteiro e em Gramado os prêmios de Melhor Som, Filme da Crítica, Filme do Público e Diretor.

Não à toa, as críticas selecionadas na bibliografia refletem essa recepção, geralmente, positiva. É comum ler frases como “O Som ao Redor é uma experiência rara no cinema brasileiro recente.”28, “Depurada síntese do vigoroso cinema produzido em Pernambuco nos

últimos quinze anos.”29 e “Soberbamente construído, com uma atuação habilidosa e uma bela fotografia, “O Som” deveria ter feito um maior burburinho em Roterdã.”30, que sintetizam a agitação causada por esta obra cinematográfica. São duas virtudes reconhecidas pelos festivais e críticos: utilizar com sutileza e sofisticação os recursos visuais e sonoros que só o cinema

27 WIGLEY, Samuel. 10 great foreign-language films of the decade so far. British Film Institute. 10/08/2018. Disponível em: https://www.bfi.org.uk/news-opinion/news-bfi/lists/10-great-foreign-language-films-decade-so- far. Acesso em: 28/01/2019. 28 CALIL, Ricardo. Crítica: Diretor Conecta reflexão social a clima de suspense e humor sutil. Folha de São Paulo. 01/01/2013. Disponível em: https://goo.gl/Q865bK. Acesso em: 18/12/2018. 29 COUTO, José Geraldo. O som ao redor e a primavera pernambucana. Blog do IMS. 24/08/2012. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-som-ao-redor-e-a-primavera-pernambucana/. Acesso em: 14/11/2018. 30 WEISSBERG, Jay. . Variety. 05/02/2012. Disponível em: http://variety.com/2012/film/reviews/neighboring-sounds-1117947011/. Acesso em: 14/11/2018.

20 oferece e dar a um tema universal – o medo da violência – um olhar original e específico, com distinto foco brasileiro, e de uma região em particular, Pernambuco.

Apresentada em linhas gerais a história e a recepção da obra, passemos agora à análise fílmica de O Som ao Redor. O filme inicia com uma sequência de dez fotografias em preto e branco, imagens de uma Pernambuco antiga, da época do engenho, como já dissemos. Não há nenhuma identificação das pessoas representadas e nem o motivo pelo qual estão inseridas ali, possibilitando uma série de percepções e interpretações. O passado está ali presente e congelado. Para tanto, há um interesse em usufruir do passado para se construir o presente? O que há de comum nessas imagens com a atual Pernambuco, representada por Kleber

Mendonça? Há desejo de futuro?

Enquanto na imagem temos esse congelamento, o som contribui para a construção de suspense, com um crescendo da música e os bumbos cada vez mais fortes. Ficamos com um desejo de saber o que está por vir, ao mesmo tempo em que ocorre um receio do desconhecido.

Isso até o momento em que acontece uma interrupção abrupta e vamos para o presente, com duas crianças brincando no estacionamento de um prédio, uma em patins e outra na bicicleta; a câmera baixa as persegue a uma certa distância; as crianças seguem para a quadra acompanhadas desta forma, o que cria já no início uma cena muito peculiar.

As crianças estão no centro brincando e se divertindo, enquanto as empregadas, uniformizadas, estão às margens da quadra. A câmera continua baixa, só que, como se percebesse a presença das empregadas, ela muda de interesse e vai em sua direção, compondo o quadro com elas, presentes ao fundo, mas com um maior destaque.

O som off, uma música, junto com o som over, uma esmerilhadeira, vão se intensificando e criando uma poluição sonora, ocasionando um desconforto, construído juntamente com a imagem em que há sobreposição de grades.

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Com essa pequena introdução o autor consegue expressar um dos motes de sua obra: o desejo por segurança e o cerceamento da liberdade pelas elites e classe média, uma segurança que só está presente no privado, no interno. Há uma sequência de planos que faz essa relação direta e corrobora tal afirmação. O primeiro plano é o de três crianças observando a instalação de uma nova grade em uma casa na rua. Posteriormente, dois jovens se beijam entre inúmeros muros e, por fim, temos uma batida de carros em uma rua tranquila.

A introdução acaba com a inserção de uma cartela: 1ª PARTE - CÃES DE GUARDA.

O nome desta parte remete à já referida questão da segurança das duas histórias paralelas e centrais do filme, ao cachorro que incomoda constantemente Bia, apesar de não ser propriamente um cão de guarda e não estar associada à proteção, e ao grupo que oferecerá segurança particular à rua de João.

Inicia-se uma montagem paralela entre os dois principais enredos, e é nessa costura que o filme transcorre. Como a narrativa de Bia é interna, uma relação pessoal e presa ao espaço em que mora, todas as questões levantadas se dão no ambiente privado: o cachorro que a incomoda, a vizinha com quem se desentende e a relação família-trabalho. A de João, por sua vez, é externa e tem uma relação mais direta com a rua em que vive e, de maneira mais geral, com a questão urbana, o passado escravista brasileiro e os trabalhadores.

Depois dessa apresentação das personagens, de suas principais questões nos primeiros trinta minutos de filme, ocorre o primeiro ponto de virada nas duas histórias: na de João, com a chegada de Clodoaldo, trazendo segurança privada para a rua, e na de Bia, com a primeira

“interação” com o cachorro, jogando remédio para ele.

Há um questionamento sobre os valores morais e também um escancaramento de uma hipocrisia da classe média em duas sequências de Bia. Em uma sequência a vemos fumando um cigarro, e sua filha, Fernanda, reclamando. Bia vai para seu quarto e fuma um baseado escondida, soprando em um aspirador de pó que apoia na janela, para que seus filhos não

22 descubram, mantendo o cheiro longe da casa, naquele que é um dos poucos momentos de paz durante o filme. O som cria uma sensação contrária a esse estado de espírito, sinal de não adesão aos seus sentimentos: além do barulho do aspirador, há a inserção de um ruído constante, intensificando o desconforto pela poluição sonora.

Na próxima sequência, ela compra maconha do entregador de água, Romoaldo, e logo, em seguida, se masturba com a quina da máquina de lavar, lembrando-nos do ápice de seu curta

Eletrodoméstica31. Nesta cena o som é de extrema importância, já que percebemos que algo irá acontecer com a máquina de lavar, pois Romoaldo percebe um barulho da máquina e olha com um ar suspeito, e depois sai de casa.

E então Bia prepara cuidadosamente o cenário, puxando para frente a máquina de lavar, fechando as persianas, com um ruído leve ao fundo da máquina funcionando. Então começa um plano e contra-plano, como se estivessem se encarando, e há um crescendo no som e no desejo de Bia, expresso em seu rosto e no movimento de sua mão em direção à sua vagina. A máquina começa a bater e trepidar no chão, elevando ao máximo a trilha sonora, levando ao

ápice da cena, com Bia se masturbando e gozando. Enquanto a obra revela essa busca por prazer, Bia faz questão de fazer às escondidas, tranca a porta na hora de comprar maconha e fecha a janela na cena da máquina de lavar. Um resguardo de sua privacidade e índole, uma preocupação com as aparências bem típica de certos setores da classe média que a obra procura representar.

A próxima sequência mostra a insegurança de Clodoaldo e Fernando quando vão conversar com seu Francisco. O momento de espera por seu Francisco é demonstrativa do temor que estão da conversa e dos resultados que ela trará. A cena é muito bem construída pela

31 Em Eletrodoméstica, acompanhamos a vida de uma mulher (Magdale Alves) de classe média nos anos 90 de Recife, no mesmo bairro de O Som ao Redor, Setúbal. As cenas de Bia são diretamente ligadas à desta mulher, com muitas semelhanças, como a cena em que sopra a fumaça do baseado no aspirador de pó ou a de seu tédio e exaustão de estar presa naquela casa e realidade. O final do curta se dá com a masturbação da mulher na máquina de lavar, em uma espécie de escape da vida real, com diversos sons que escondem aquele ato, da mesma forma que Bia aproveita estar sozinha em casa e fecha todas as janelas.

23 montagem, conseguindo dilatar o tempo e apresentar nas expressões dos dois estes sentimentos, presente já no plano em que ambos estão no elevador. Posteriormente dentro da casa, a espera se demonstra angustiante, com o campo e contra-campo, dos personagens e da cozinha, intercalados até que em um momento Francisco chegue.

Com a inserção de planos da cozinha vazia, trazendo a visão subjetiva deles, o montador alonga a espera e faz com que o espectador aguarde junto com os dois, como se o esperado nunca chegasse. Já o plano dos dois, as suas expressões fazem com que o espectador fique aflito e sinta empatia por aqueles rapazes, fazendo com que o público alvo do filme se identifique com os explorados.

Ocorre um diálogo ríspido, com seu Francisco sendo irônico. Francisco lhes dá permissão para atuarem na rua, ou melhor, não os proíbe. Impõe apenas uma condição: a de não mexerem com seu neto Dinho, dizendo que ele não é da alçada deles. Revelando seu caráter coronelístico, protegendo o nome de sua família, mais que isso, a classe alta e sua hierarquia, jogando para debaixo do tapete as sujeiras que todos conhecem. Assim acaba a primeira parte do filme.

Uma cartela anuncia o início da segunda parte: GUARDAS NOTURNOS. Bia e sua família suspeitam dos guardas ao mesmo tempo que esperam que melhore a segurança do bairro.

Acontece uma reunião de condomínio no prédio em que mora João, uma sequência onde o diretor tenta expor a hipocrisia da classe média a partir da discussão sobre a demissão do porteiro do prédio e de seus direitos. Há imagens gravadas e depoimentos de moradores confirmando que o porteiro está dormindo em serviço. Por outro lado, alguns moradores dizendo que ele está provocando uma situação para poder ser demitido e ter seus direitos assegurados, com todos reclamando do valor total de indenizações, considerado um absurdo.

Cria-se uma dualidade, pois deduzimos que o porteiro realmente não está fazendo um bom

24 serviço, ao mesmo tempo que está há anos com o condomínio. Esta é uma das poucas cenas que o diretor cria um juízo de valor de forma explícita, pendendo para o lado da crítica a posição que, como se infere, será tomada, em prejuízo do porteiro.

Essa sequência se inicia com uma pergunta de João sobre o assunto, indicando que se sente como um peixe fora d’água. Ele discorda do posicionamento tomado pelos outros condôminos, pois considera injusto prejudicar o porteiro e esquecer de sua história no condomínio. Ele é retratado como um dos únicos esclarecidos, advogando a favor do trabalhador, praticando a ética do bom patrão. Porém, considero que é uma cena com alguns problemas técnicos.

Na tentativa de ilustrar algumas contradições da classe média e do seu discurso, os diálogos acabam soando falsos, como, por exemplo, uma fala do síndico responsável pelo comando da reunião que diz que é engraçado não terem dinheiro para pagar indenização, mas tem para comprar produtos importados de Amsterdã ou outra condômina que reclama pelo fato de receber sua Veja fora do plástico e da grosseria no tratamento, o que leva a uma pequena discussão com outro condômino. Tudo, em meu entendimento, transforma tais personagens em caricaturas, o que acaba por diminuir o tom de crítica, diferenciando-se de todo o restante do filme em que as questões não se apresentam diretamente pelo que falam e dizem as personagens.

Na sequência subsequente ocorre a primeira cena com caráter fantástico: Bia está na laje de sua casa observando a vizinhança, enquanto fuma um baseado. Ao fundo ouvimos uma música de certo suspense. Acima de um telhado, surge a figura de um menino negro sem camisa, mal iluminado, andando com as mãos apoiadas no chão. Bia não reage de acordo com a cena, ela não se assusta, nem toma providências para avisar alguém. Além disso, a maneira como é montada a cena: primeiro com uma fusão lenta de um ambiente interno para a varanda, depois pelo movimento lento de aproximação e a presença do garoto em um único plano aberto,

25 reforça o questionamento de que se o que acabamos de assistir é uma aparição real, ou remete

à imaginação de Bia. No decorrer do filme há uma série de cenas que remetem ao passado brasileiro de uma forma fantástica, aludindo à folclorização da escravidão no Brasil.

Seu Francisco sai à noite, para um passeio noturno. Os seguranças o avistam e dão as costas, num ato de desdém e abandono, entregando sua segurança para si próprio. Nós o vemos caminhando pelas ruas, com luzes de presença nas propriedades, que vão acendendo na calçada

à medida que avança, em sintonia com seus passos. O som das ondas vai tomando conta da banda sonora. Seu Francisco retira a camiseta e chinelos e desce as escadas em direção à praia.

Por meio de uma placa, que o diretor faz questão de destacar no enquadramento, somos informados que se trata de uma área sujeita a ataques de tubarões. Francisco chega à beira do mar e pede proteção à Deus fazendo o sinal da cruz no peito: ele está minúsculo no quadro, enquanto o mar domina o restante do enquadramento. Essa cena que poderia passar desapercebida e ser considerada banal, é na verdade um símbolo desse poder de Coronel que

Francisco incorpora para si; um poder inabalável, que nada teme e que tudo desafia, um ser aprisionado no seu próprio tempo e que acredita comandar o de todos.

Clodoaldo liga e ameaça Dinho, o qual vem mais tarde tirar satisfação. Conhecemos um pouco a história dos seguranças, mas de uma maneira afastada e até desumanizada. Quando

Dinho conversa com eles conhecemos seu verdadeiro caráter, um moleque da classe média que desrespeita os mais pobres e se acha no direito por sua família ter posses e poder. A segunda parte finaliza com um plano de um carro dando cavalo de pau sem que saibamos ao certo do que se trata.

Tem início a terceira parte: GUARDA-COSTAS. O engenho e o que representa retornam em suas primeiras sequências com a ida à fazenda do avô de João, seu Francisco, momentos de assombração que envolvem João e Sofia, carregando uma força implícita, pois seus significados remetem à história de violência do Brasil. A primeira delas é um almoço entre

26 as três personagens: um repasto farto, que finaliza com um constrangimento provocado por

Francisco, que pergunta sobre o casório dos dois, uma cena forçosa, em que o matrimônio e a espera de herdeiros ainda está presente no horizonte de Francisco.

A próxima é onde João e Sofia conhecerão o engenho, e é nesta que algumas cenas fantásticas, de um certo realismo fantasmagórico, ficando incerto o limiar entre o real e o fantástico, pois no real estão as reações e o lidar com as questões que são representadas pelo fantástico.

A primeira cena é em um cômodo do engenho, aparentemente o porão da casa grande, ou a senzala, enquanto estão lá ouvem passos e o ranger da madeira. No plano do real temos os passos de Francisco caminhando pela casa, mas pela reação das personagens, pelos enquadramentos e pela textura sonora, há um ar fantástico, característico de um filme de terror clássico, deixando em aberto seu referente. O terror é associado a princípio ao passado daquele lugar, em que possivelmente o que ouvimos são passos de escravos, presença da exploração que ainda marca as relações dessa família com a sociedade.

A segunda é em uma escola, que remete à alfabetização e catequização, ao mesmo que remete à aparente boa índole dos patrões para com os filhos de seus empregados, criando uma escola para eles. Temos a cena do cinema, com sons não diegéticos de uma música de terror e de gritos, com duas possíveis interpretações, a do plano real é de que se trata de filmes de terror que foram exibidos ali, e o “bu” final de Sofia seria uma referência a esse gênero. Pode-se interpretar, no plano do fantástico, esses sons como gritos de escravos que passaram pelo engenho, gritos de agonia e de medo, como se os espíritos dos escravos estivessem pairando no ambiente em busca de uma resolução para um ponto da nossa história que ainda se encontra não resolvido. O “bu”, nesta abordagem, soa irônico e num tom de deboche com a história do

Brasil e com o sofrimento dos escravos, bem como a não memória do povo brasileiro com isso e com toda a dívida que se tem.

27

E, por último, a cena da cachoeira, umas das mais emblemáticas do filme, que se tornou o cartaz e capa do DVD do filme, iniciando com Francisco se banhando. É possível ver que a

água está forte e com um certo peso sobre seu corpo, João vai para debaixo da cachoeira.

Francisco apoia seu braço no ombro de João e gritam, depois Sofia também entra. Vamos para um plano aberto, com Sofia no meio, Francisco no canto esquerdo e João no direito; há um corte para um plano fechado de João e a água se transforma em sangue, cortando para João na cama, dando a ideia de um pesadelo, que, ao acordar, se depara com uma das netas de Maria cantando boi da cara preta.

Como a cena é construída, o sangue que cai é lúdico, e cabe a interpretação de seus significados ao espectador. Já o terror e suspense, citados acima, nunca sabemos se, de fato, são sentidos pelas personagens e/ou são intervenções do narrador, não há como afirmar.

É uma cena emblemática pois assume o fantástico de forma que nenhuma outra cena do filme o faz, trazendo consigo a síntese do filme: o passado e o presente se cruzam, de maneira que o presente está atrelado ao passado. O sangue dessa cena representa a violência e o banho de sangue ocorrido no engenho: há um passado de sangue na estrutura de classes brasileiras, e o sangue derramado pelas classes baixas banha as classes mais altas.

O Som ao Redor poderia ser considerado um filme de gênero, suspense e thriller, que se utiliza da suspensão temporal e de um humor sutil para realizar uma reflexão social? José

28

Geraldo Couto diz que é nessa sutileza que está a maior qualidade da obra32. Nessa conjuntura,

é um filme que está constantemente oscilando entre assumir ou não a abrasividade típica do filme de horror político, mudando constantemente o tom, seja de uma representação naturalista para o fantástico, assombrada pelo iminente confronto de classes.

Há uma cena muito interessante, neste sentido, que mostra a familiaridade dos seguranças com a rotina do bairro: de fato eles conhecem bem a rua e as pessoas, e isso poderia ser tomado em seu proveito. Mas isso é mostrado com certa ambiguidade, pois eles chacotam de um dos moradores que sofre traição cotidiana de sua mulher, conhecendo a rotina do casal, e sabedores da hora que o marido sai e da que o amante chega. Também sabem da boca de maconha de Romoaldo e de todo seu esquema de venda. Eles não proíbem a venda a céu aberto, apenas recriminam o horário de venda, pela manhã, pedindo mais discrição. São duas ocasiões em que o papel de segurança fica em segundo plano, mostrando uma nova característica do grupo aos espectadores, criando uma desconfiança em relação à sua função.

Depois do foco voltado ao núcleo de João, voltamos para o núcleo de Bia. As crianças estão estudando mandarim, Bia utiliza um aparelho emissor de um som agudo, que faz o cachorro parar de latir na hora, e que, no entanto, atrapalha as crianças.

E o primeiro ponto comum, em que vemos que as duas histórias estão de certo modo relacionadas, é a ida de Clodoaldo no portão de Bia para pegar o dinheiro referente à sua prestação de serviços. Uma cena simples, contudo mostra que Clodoaldo, o representante figurativo da segurança, está presente em ambos os núcleos, unindo-os.

Clodoaldo e a empregada de seu Francisco têm um caso, e vão para a casa de um morador que está viajando. Quando sobem para o quarto de casal, ao fundo passa um menino negro (talvez seja o mesmo que Bia viu no telhado). Novamente há uma inserção de um

32 COUTO, José Geraldo. O som sutil e a fúria contida. Blog do IMS. 04/01/2013. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-som-sutil-e-a-furia-contida/. Acesso em: 14/11/2018.

29 elemento fantástico, que é intensificado na próxima sequência, no sonho de Fernanda, no qual um grupo grande de pessoas negras pulam o portão e enchem o quintal. Ela vai para o quarto dos pais, e a cama deles se tornou um caixote de madeira. Quando volta ao seu quarto, a cama de seu irmão se tornou um caixote também.

A fantasia com a realidade se misturam, e ficamos confusos sobre o que é real na cena.

Na sequência os seguranças veem uma coisa estranha na árvore, e, ao se aproximarem, descobrem que é um menino negro sem camisa, o mesmo que apareceu nas cenas anteriores, antes em registro fantástico. Um dos seguranças se aproxima e consegue bater no garoto. Pode- se interpretar nessas cenas a presença do tema da escravidão na sociedade brasileira.

Lendo as críticas algo interessante que desconhecia surgiu: o vulto que aparece no filme em alguns momentos, com um ar fantástico e até fantasmagórico, faz alusões a uma figura da crônica policial de Recife na década de 90: o Menino-Aranha, “o garoto Tiago João da Silva, que desde os nove anos de idade escalava com as próprias mãos prédios residenciais da cidade para assaltar apartamentos. Tiago foi detido e fugiu várias vezes, até ser morto a tiros aos 17 anos, em 2005.”33 Tal fato traz para esta figura um significado muito maior, principalmente pela forma como é inserido no filme, constantemente fora de quadro. Por ser uma criatura de mito, representa a ideia de insegurança e traz na sua presença uma série de violências passadas e mal resolvidas pela sociedade brasileira. Mas, assim como eu desconhecia tal alusão, a maioria do público, incluindo o de Recife, provavelmente não fez essa ligação. Trata-se de uma curiosidade que aumenta o significado das aparições, mas não é necessária para o entendimento como uma figura fantasmagórica.

O tempo, memória e passado são temas não ditos, nem vistos diretamente, todavia estão presentes nas vidas, nas fotografias e no som do filme. Uma cena cujo foco é a rememoração é uma em que Anco, ao sair de sua casa, olha para a rua e o contra-plano é o da mesma rua em

33 Idem, ibidem.

30 um passado, talvez dos anos 70. A memória também é exposta na cena em que João e Sofia estão visitando a casa em que ela vivera. Ouvimos a memória dela a respeito casa, havendo uma reconstrução pelo diálogo, em contraponto à destruição que está por vir.

A chegada do irmão de Clodoaldo, Claudio, é pontuada com uma música de suspense ao fundo, e só entendemos o motivo dessa pontuação mais exacerbada mais para frente com a conversa estabelecida com seu Francisco. Seu Francisco tenta ligar algumas vezes, sem sucesso em cenas anteriores, para Clodoaldo, e durante a festa ele fala com Clodoaldo que gostaria de conversar. Clodoaldo e o irmão vão ao seu apartamento e descobrimos o motivo da vinda:

Francisco matou o pai e tio dos irmãos. Fica claro que o sentimento de vingança preside as ações que virão: o diálogo vai se intensificando, com o som colaborando com a sensação de sufocamento. Levando ao clímax da cena, com os três se levantando num tom ameaçador e ocorre um corte para a família de Bia.

A última cena do filme acontece com a explosão das bombas para calar o cachorro.

Temos ao fundo o latido e grunhido do cachorro, e Bia e o marido tentando acender as bombas.

Vemos na feição de Bia a cara de felicidade de uma vingança sendo cumprida.

A fotografia desta cena é distinta do restante do filme, isto é, a cada explosão o frame

é congelado, se assemelhando ao início das fotografias estáticas. Até que a última explosão congela por mais tempo o frame, um clarão toma conta da imagem, e o quadro que fica é bem interessante.

31

Último quadro do filme O Som ao Redor (2012)

Temos a família de classe média enfrentando a mesma situação de formas distintas: em primeiro plano, separado da família, o filho desviando o olhar e tapando os ouvidos, não aguentando a explosão e o que ela significa; o marido com uma cara repulsiva, representando um certo medo do que poderá vir com a explosão; Bia e Fernanda já estão mais aliviadas e despreocupadas, e Fernanda está, inclusive, sorrindo. O estrago já está feito, agora resta lidar com as consequências. O silêncio toma conta por alguns segundos, a tela fica preta até que se iniciam os letreiros finais, com ruídos e música.

A rima dramatúrgica com a sequência anterior é fascinante, porque ao que tudo indica algo de ruim aconteceria, e muito provavelmente seu Francisco morreria. A memória visual faz com que o som atual nos lembre e faça pensarmos que as bombas também podem significar tiros. Quando esse impacto da cena final chega, todas as relações que o autor constrói durante o filme se concretizam e acabam se forjando muito bem dentro desse discurso maior referente

às classes sociais e aos seus enfrentamentos, a priori resolvidos nesse final. O incômodo da classe média gerado pela falta de privacidade é resolvido com o estrondo que ocasionará num possível silenciamento do cachorro, ao passo que a vingança do trabalhador para com o patrão

é efetivada com o tiro de Clodoaldo em Francisco, vingando a morte de seu pai.

32

O filme, ao seu final, sugere o rompimento da relação de subserviência, quando vemos o poder de Francisco, que se considera uma pessoa acima de tudo, sendo confrontado pelos seguranças, que se vingarão da violência sofrida pelos camponeses que trabalhavam para o proprietário.

O Som ao Redor é um filme cheio de problematizações, e são nestas questões que reside a grande força da obra. A paranoica busca pela segurança e as tensas relações entre patrões e empregados dizem muito sobre a forma com que a sociedade brasileira encaminha essas temáticas.

A relação entre classes de mais enfoque é a das empregadas domésticas e seus patrões: há diálogos em que a estranheza do relacionamento é evidenciada, revelando uma característica comum à classe média e suas empregadas. Ao mesmo tempo em que existe afeto, há uma relação de poder, de patronagem: é parte da família e não é, aspecto bem trabalhado no filme

Doméstica (2012) de Gabriel Mascaro.

A cena mais dramática e tensa sobre essa relação é a de Bia e Francisca, quando esta queima o aparelho emissor de ruído por colocá-lo na tomada de 220V. Bia é grossa e cresce para cima de Francisca, gritando, por ser a patroa. Esta é a única cena em que há claro desrespeito entre empregada e patrão, sendo que nas outras o que se sugere é apenas estranhamento.

Assim, os gritos de Bia representam a falta de paciência e um enfrentamento de classes mais próximo aos outros apresentados, e por ser de classe média baixa, o grito se torna a maneira de distanciar e manifestar a hierarquia.

Vale ressaltar ainda outras situações desenvolvidas pelo filme: vemos dois homens, um funcionário do prédio e outro, aparentemente limpador de carros, negando saber de alguma coisa sobre o ocorrido com o carro de Sofia, mas percebemos que eles sabem de algo; em outra sequência vemos novamente os dois, mas agora um deles risca o carro de uma cliente, após

33 esta ser sido desrespeitosa. E, também, pode ser incluído aqui, o trote e a discussão que os seguranças têm com Dinho, ultrapassando o limite imposto por Francisco.

A obra capta a estrutura hierárquica da sociedade brasileira, que é extremamente rígida, mostrando a relação entre empregados e patrões, as questões de raça e a perpetuação do privilégio. As relações de classe insinuam-se sutilmente, pela presença da câmera intrusa nesses ambientes expondo a gama de relações e de fervorosas contradições.

A crítica de Eduardo Escorel, na revista Piauí34, trabalha o filme com um viés distinto das demais críticas aqui presentes, com um olhar mais reticente dizendo:

Ao se transformarem em surto de ufanismo patrioteiro, porém, os elogios podem acabar mais prejudicando do que beneficiando o filme, seu autor e eventuais leitores. Adjetivação hiperbólica pouco contribui para a compreensão de O som ao redor e das questões que ele levanta.

Essa crítica traz algumas constatações pouco abordadas e uma visão mais realista sobre o filme em si, como, por exemplo, a de ser uma obra sobrecarregada de intenções, algumas não realizadas por completo, o que a torna “pesada”, estendendo a duração do filme para dar conta de todos os subtemas. Discorre também sobre a apatia do elenco e a opção por atuações monocórdicas que, no seu entender, empobrece os personagens.

Como dito, ao mesmo tempo que o filme trabalha o presente e as questões atuais de

Pernambuco, aborda-se questões do passado a partir do presente, expondo as heranças de um passado escravocrata e patriarcal da sociedade brasileira. Trata-se de um retrato cru sobre a classe média brasileira, que sintetiza no microcosmo do bairro Setúbal o macro Brasil, abordando: as ânsias e fobias da classe média; a renovação oligárquica brasileira, em que senhores de engenho agora são proprietários de residências urbanas e herdeiros de uma fortuna;

34 ESCOREL, Eduardo. O Som ao Redor - Violência Latente. Piauí. 29/01/2013. Disponível em: http://piaui.folha.uol.com.br/o-som-ao-redor-violencia-latente/. Acesso em: 08/11/2018.

34 as relações serviçais perpetuando uma estrutura, ainda, da escravidão, a exemplo da existência de quartos para empregadas.

Uma questão presente nas diversas críticas é a universalidade que a obra conseguiu atingir a partir de um retrato singular, o de uma rua em um bairro de Recife, o do próprio diretor, fazendo com que o estranho e o familiar coabitem e se confrontem na obra. Essa sociedade representada nesse microcosmo pode ser vista como um recorte da sociedade brasileira, e ali estão representados alguns de seus tipos mais representativos, como a classe alta cuja fortuna foi forjada nos antigos engenhos, um ex-policial que vende serviços particulares de segurança, as empregadas domésticas que são caladas e silenciadas, a classe média invejosa, etc. Para Celso Sabadin,

O Som ao Redor é mais um painel comportamental, um retrato crítico e irônico de uma sociedade que se aquartelou em seus domínios, se isolou em si mesma e perdeu os referenciais de convívio. (O som ao redor. Revista de cinema, v. 13, n. 112, p. 10, dez. 2012-jan. 2013)

Os dispositivos cinematográficos exercem um papel revelador e de destaque para essas questões, com o som sendo o principal elemento, atuando como parte essencial do discurso no cinema político.

Como o título sugere é o som que mantém a sensação de perigo, sendo antes da imagem, o elemento que constrói uma paisagem de filme de suspense ou terror. O som off tem um grande destaque no filme, porque nós sempre ouvimos mais do que vemos, e consequentemente, o som cria a ilusão de que algo está sempre por vir e “é o móvel ficcional que avança a narração”35.

O ritmo e sentido da história são movidos pela dinâmica do som, que inicia na precipitação da sucessão de fotos da cena inicial e culmina no som e imagens da explosão final, que remete à da casa grande com a morte do patriarca. A intensidade dramática, na maioria dos

35 SOUZA, Enéas de. O som e a fúria do sertão do Recife. Teorema, n. 21, p. 18, dez. 2012.

35 casos, é amparada por este elemento, pontuando e a acentuando os momentos de maior suspensão.

Esses sons que estão ao redor, como latidos, máquinas, carros, passos, entre outros, tratam de um medo onipresente e de uma ameaça contínua, “dando uma sensação de estranhamento, inquietação, irritação de uma realidade histórica cuja clareza está longe de ser de todos”36.

Há uma sobreposição constante de faixas sonoras em algumas cenas, pontuando certos elementos e elevando o nível do desconforto das personagens e também do espectador.

Sobreposição já presente no início do filme, com o barulho das crianças na quadra, o de carros, o de uma máquina, o bater de um surdo e uma música que se inicia, conjunto que vai se intensificando até se quebrar e contrapor com um silêncio.

A cena da cachoeira também é um ótimo exemplo dessa sobreposição. Quando a água se tolda de vermelho, ocorre uma pontuação sonora, como uma batida. Além de elementos diegéticos que vão tomando conta da banda sonora e assumindo um destaque desproporcional, sucede a inserção de ruídos e elementos musicais que contribuem para tal efeito.

A fotografia do filme é intimista e invasiva, como é possível perceber na cena da masturbação de Bia: a câmera faz alguns closes no rosto e em sua roupa. Em outra cena um garoto está jogando bola e quando a bola cai no prédio ao lado, ele volta para casa e a câmera o persegue até a grade de seu apartamento. No terço final do filme, a câmera segue e persegue a empregada de Francisco, revelando seu quarto de empregada, acompanhando-a até seu quarto, onde troca de roupa.

O peso da arquitetura na construção imagética do filme é muito forte, exibindo uma grande quantidade de prédios enquadrados e enquadramentos geométricos, com muitas linhas e formas retas, fotografias em perspectiva, com um objeto de interesse em primeiro plano e a

36 Ibid., p. 19.

36 visibilidade da continuidade do quadro, com prédios ou rua ao fundo do quadro, com uma grande distância focal. Muitos enquadramentos dão destaque às grades, visto que há uma necessidade gigantesca por segurança da parte das personagens retratadas, e Kleber Mendonça assume esses elementos como forma narrativa. Outro tipo de enquadramento muito utilizado é o do quadro dentro do quadro, podendo remeter a um certo aprisionamento das personagens.

O interesse não está apenas no espaço urbano em si, mas em sua transformação através do tempo e do comportamento humano em sociedade, representando a fragmentação, o isolamento e a repetição da sociedade contemporânea. Com crianças entediadas dentro de casa, com o cercamento e cerceamento de sua liberdade o retrato é o mais pessimista possível.

O tema da especulação imobiliária também está bem presente, pois vemos muitos prédios e caçambas nas ruas. E em uma cena, quando João e Sofia estão deitados numa cama, no terço final do filme, descobrimos que a casa em que Sofia morou será derrubada, o que os leva a visitar a casa e rememorar sentimentos por meio da arquitetura e dos espaços vazios.

Existe também uma troca constante dos núcleos e, pelo fato das cenas serem majoritariamente internas, os espaços acabam ambientando o espectador e preparam-no para as situações de cada núcleo, uma vez que em cada um o retrato é realizado de forma distinta.

No de Bia, por exemplo, sabemos que algo sempre a incomodará, deixando-a exausta.

Gostaria de chamar atenção para algumas cenas filmadas de cima do prédio em que vemos mensagens escritas na rua, mensagens que só é possível ser lidas estando de cima: “Te amo Livia”, “Feliz aniversárío Vícky” são alguns dos primeiros quadros do filme. Mais para o final do filme temos mais uma mensagem “LU QUE TRISTE. TE AMO”. O que pode ser relacionado com o filme Um Lugar ao Sol (2009) de Gabriel Mascaro, documentário em que o diretor entrevista dez moradores de coberturas, em que retrata o abismo social presente no

Brasil. O autor se interessa, entre outras questões, pelos motivos que levaram estas pessoas a morarem nesses apartamentos luxuosos, e a maioria diz estar interessada na segurança e,

37 também, no status. A semelhança de ambos se dá por essa elevação no status, uma superioridade que é remetida à imagem, em um os privilégios são alcançados estando em cima, no outro, mais sutil, a possibilidade de se ler as mensagens.

A atuação naturalista eleva os pequenos detalhes e aproxima o espectador com o que acontece em tela. Há a ilusão de uma ficção documentalizante, com pequenas esquetes do cotidiano daquelas pessoas. Nesse quesito a atuação de Maeve Jinkings e de Irandhir Santos se sobressaem, assumindo profundamente as personagens de Bia e Clodoaldo.

Percebemos nos gestos de Bia os seus sentimentos e, também, vivenciamos com ela – sem nos solidarizarmos – o cansaço e angústia gerados pelo cachorro e seus outros problemas pessoais. Como vemos em uma cena em que ela está sentada no sofá, logo depois de receber a televisão: o seu semblante transmite melhor do que qualquer fala a sua exaustão. Já na primeira aparição de Clodoaldo, numa conversa de apresentação para Anco e João, inferimos algumas de suas intenções, com a dubiedade e desconfiança presentes em seu personagem.

Essa busca por uma atuação naturalista soa em muitos momentos como falsas e teatrais, em meu entendimento, como no momento em que João e Dinho discutem pelo rádio roubado.

Apesar de compreender que a intenção era criar uma relação estranha, com um distanciamento entre os primos, o diálogo não flui e a caracterização de Dinho como um garoto delinquente, desinteressado e mimado não convence, e sua atuação entra numa chave forçada, falsa. Outro exemplo é o da já comentada cena da reunião de condomínio que ressalta essa atuação teatral, forçada e caricata, em minha opinião.

Por fim, a montagem da obra conjuga realismo e estratégias fantásticas, como vimos.

As cenas são encadeadas de forma linear, mas em alguns momentos são feitas associações, como por exemplo na sequência em que cachorros são associados a homens, e mandantes de assassinatos aos que se vingam de cães, o que produz uma multifacetação dos medos contemporâneos da classe média brasileira. Após o “pesadelo” de João na cachoeira, com o

38 sangue caindo em sua cabeça, uma menina canta boi da cara preta, fazendo uma associação entre os medos.

Outra associação é quando Bia vê no telhado de um vizinho próximo o garoto negro, e depois vamos para Francisco indo caminhar até a praia, temos duas formas de enxergar o medo e de transmitir a sensação de segurança. Enquanto o medo está “próximo” de Bia, é “real”, seu

Francisco se mostra potente e sem medos, como se nada pudesse atingi-lo.

Nada se resolve estruturalmente: outros cães continuarão a ladrar, outros “coronéis” continuarão a precisar de capangas, outros vingadores retornarão, e a cidade continuará a gerar ruídos confusos e a amortecer os confrontos. Nada se supera ou se aperfeiçoa, a não ser os estratagemas da vingança pessoal, sem poder de mobilização. RABELLO, Ivone Daré. O SOM AO REDOR: SEM FUTURO, SÓ REVANCHE?. Novos estud. - CEBRAP, São Paulo, n. 101, p. 172, Mar. 2015.

A utilização do sobrenatural é muito inteligente, já que assim o “não-dito finalmente pode retomar até nós sem filtros, que a nossa história de violência pode finalmente se afirmar”37, trazendo à cena temas como as contradições sociais e a luta de classes, de forma sutil e velada, sem necessariamente dizer que está tratando desses temas. E, portanto, um filme que toma o pulso da História, também está tomando da política, sendo assim um filme político.

37 FURTADO, Filipe. O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho (Brasil, 2012). Revista Cinética. 11/03/2013. Disponível em: http://revistacinetica.com.br/home/o-som-ao-redor-de-kleber-mendonca-filho- brasil-2012/. Acesso em: 08/11/2018.

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b. Aquarius (Kleber Mendonça, 2016): corpo e espaço como resistência política

Assim como na análise anterior, iremos primeiro fazer um panorama geral do filme, detendo-nos sobre a sua sinopse e distribuição para depois nos debruçarmos sobre as sequências e aspectos mais específicos.

Aquarius (2016), segundo longa de ficção de Kleber Mendonça Filho, gira em torno de

Clara em dois momentos de sua vida: no ano de 1980, interpretada por Bárbara Colen, em um trecho curto no início do filme, mas de extrema importância; no ano de 2015, interpretada por

Sônia Braga, a qual é dedicada a maior parte do filme. Os dois períodos se passam no mesmo espaço, o apartamento do edifício Aquarius, e também pelo mesmo corpo, o de Clara, denotando neles, corpo e espaço, um lugar de resistência política.

Dessa forma, nas palavras de José Geraldo Couto: “o corpo de uma mulher dentro do corpo de um prédio dentro do corpo de uma cidade. Um organismo humano pode ser corroído por células cancerígenas, um edifício por cupins, uma cidade pela ação deletéria de seus habitantes. ”38

Já Inácio Araujo, na Folha de São Paulo39, relaciona um elemento físico de Clara, seu cabelo, que tem total destaque no filme, com a memória, dizendo que ele “designa o tempo, o câncer, a morte, a memória. E a memória, por sua vez, engendra o dever de resistência. ”

Portanto esses corpos – o de Clara e o do edifício – são carregados de memórias. Chico

Fireman, na UOL40, diz que “a memória, mais uma vez, é parte intrínseca da narrativa de um filme do cineasta pernambucano, mas depois do olhar mais cruel para o passado de “O Som ao

38 COUTO, José Geraldo. O Corpo que Resiste. Blog do IMS. 02/09/2016. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-corpo-que-resiste/. Acesso em: 24/04/2019. 39 ARAUJO, Inácio. Sonia Braga está espetacular em filme construído meticulosamente. Folha de São Paulo. 30/08/2016. Disponível em: https://goo.gl/eR25eN. Acesso em: 16/11/2018. 40 FIREMAN, Chico. Arte e política andam juntas em "Aquarius", mas polêmica não se justifica. UOL. 29/08/2016. Disponível em: https://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2016/08/29/na-era-de-aquarius-politica- e-arte-vivem-um-torrido-caso-de-amor.htm. Acesso em: 24/04/2019.

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Redor”, desta vez, Kleber se volta para trás com nostalgia”. E nas palavras de Camila Moraes, no El País41, Clara é

Uma mulher tão firme quanto vulnerável, que sabe – verdadeira, empática, rodeada de livros, vinis e outros objetos de afeto que lhe propiciam bons momentos e inspiram recordações – que defender seu espaço significa defender algo ainda maior, que é o tempo (além do tempo presente, as memórias).

O filme é dividido em três partes, que são desenvolvidas dramaticamente em crescente tensão até o desfecho. São elas: O cabelo de Clara, é nessa que conhecemos Clara e sabemos de seu câncer, ainda nos anos 80, e o seu modo de enfrentar a doença; O amor de Clara, aqui conhecemos seu apego à família e ao espaço onde reside, cujas memórias são importantes para ela; O câncer de Clara, nessa última Clara é obrigada a resistir e a lutar contra mais uma

“doença” fortemente agressiva, a construtora Bonfim.

Em 1980 somos apresentados a essa personagem com 30 anos. Neste prólogo descobrimos que Clara acabou de vencer um câncer de mama, vemos sua relação com o marido e seus 3 filhos, e também a importância que a música tem em sua vida. Kleber Mendonça constrói o passado de Clara para justificar seu apego pelo lugar e por suas memórias, como veremos no decorrer do filme.

Essa primeira sequência ocorre durante a festa de 70 anos da tia de Clara, a tia Lúcia, interpretada por Thaia Perez. Lúcia é uma mulher independente e forte, o que é refletido na sua visão de mundo: ela lutou contra a ditadura militar e não se conforma com os papeis estabelecidos às mulheres, sexuais inclusive. Ela é figura importante para Clara, inspirando-a.

Em 2015 vemos Clara mais velha, com seus 65 anos. Agora viúva e aposentada, ex- crítica musical e escritora, vive sozinha no apartamento onde criou os três filhos. Conta com a

41 MORAES, Camila. Não ficarás indiferente a ‘Aquarius’. El País. 02/09/2016. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/01/cultura/1472696108_914418.html. Acesso em: 24/04/2019.

41 companhia constante da empregada, Ladjane, interpretada por Zoraide Coleto, com a qual tem uma amizade e, ao mesmo tempo, sustenta uma relação de poder.

Eliane Moraes, em sua crítica, aborda também a questão das empregadas domésticas, percebendo a forma como a relação de Clara e Ladjane foi construída por Kleber Mendonça.

Para isso, compara-a com o que ocorre em Que Horas Ela Volta? (Anna Muylaert, 2015).

Enquanto neste a relação ocorre por via da denúncia, “Aquarius toca em outro ponto nevrálgico e se arrisca a abordar os laços afetivos entre Clara e Ladjane, sustentados num possível reconhecimento mútuo que, embora não esconda seus limites, passa pelo pertencimento ao gênero feminino.”42

Posteriormente ela diz que o diretor “foi tão corajoso quanto sutil ao enfrentar o tema: sem confundir sentimento e emancipação, seu filme insinua que, se o afeto entre patroa e empregada em nada faz avançar a luta de classes, ao menos pode fazer alguma diferença para os sujeitos singulares implicados na relação.”

A personagem de Clara quebra alguns paradigmas, tanto do cinema brasileiro, como da sociedade brasileira. Clara é uma personagem feminina que não é regida por um sentimentalismo dramático. Além disso, uma mulher dessa idade normalmente é retratada como sendo frágil e desprovida de desejo sexual, o que é subvertido na obra, manifestando sua resistência a esse lugar pré-determinado e uma vida sexual ativa.

O apartamento de Clara é o único remanescente de um prédio em que o restante foi comprado por uma construtora, a Bonfim. Não à toa, tem esse nome sugestivo, buscando o que seria um “bom fim” do edifício Aquarius para a construção de um novo arranha-céu.

Ao se recusar a vender seu imóvel, Clara passa a sofrer diversos tipos de assédios e ameaças para aceitar o negócio, com uma violência crescente: pequenos incômodos, como

42 MORAES, Eliane. O fim da utopia hippie em "Aquarius". Folha de São Paulo. 09/10/2016. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/10/1820800-o-fim-da-utopia-hippie-em-aquarius.shtml. Acesso em: 06/11/2018.

42 deixar as portas dos outros apartamentos abertas, relembrando-a do vazio, adesivos com o logo da construtora colados nas portas dos apartamentos, mostrando quem são os novos donos do prédio, ou queimar um colchão a céu aberto; aumento da oferta monetária por parte da construtora; tentativa de cooptação de seus filhos; com o aval do jovem empreiteiro Diego

(Humberto Carrão), acontecem duas reuniões com propósitos opostos, mas incômodos da mesma forma, uma orgia no andar de cima e um culto evangélico ocupando todo o prédio.

Clara tem em sua família um apoio emocional, mas que se configura contraditório, pois, ao mesmo que a apoiam, fazem-no com um certo receio, lembrando-a de seu bem-estar e qualidade de vida. Entretanto, há outros personagens nos quais Clara encontra apoio: Ladjane está em todos os momentos ao lado de Clara; Roberval, interpretado por Irandhir Santos, um bombeiro guarda-vidas, em quem Clara deposita confiança máxima; suas amigas, sendo uma delas advogada de Clara, cujo trabalho é fundamental para o ápice do filme.

A pressão sobre Clara chega ao seu máximo quando ela descobre uma infestação, causada pela construtora, de cupins nos apartamentos superiores ao seu. Então, processa a construtora e leva alguns pedaços de madeira infectados para a mesma (as imagens aí presentes compõem o final do filme).

Aquarius (Kleber Mendonça, 2016) foi muito bem recepcionado pela crítica e teve uma carreira ainda mais bem-sucedida do que O Som ao Redor em festivais. O filme concorreu, inclusive, à Palma de Ouro em Cannes – considerado um dos principais prêmios e festivais do mundo – sendo um feito para o cinema brasileiro, que não tinha um representante na competição desde Linha de Passe ( e , 2008)43, além de ser a

única produção latino-americana selecionada naquele ano.

43 STIVALETTI, Thiago. Brasileiro Aquarius vai competir em Cannes. Filme B. 14/04/2016. Disponível em: http://www.filmeb.com.br/noticias/nacional-mundo/brasileiro-aquarius-vai-competir-em-cannes. Acesso em: 24/04/2019.

43

No mesmo festival, a atuação de Sônia Braga foi fortemente reconhecida, reconhecimento que lhe rendeu uma série de indicações de Melhor Atriz em festivais posteriores. Num prêmio paralelo, ICS Cannes Award – uma premiação organizada pela

International Cinephile Society – ela recebeu o prêmio de Melhor Atriz por Aquarius. Assim como em outros festivais, como o Premio Platino del Cine Iberoamericano, Festival

Internacional de Cine de Mar del Plata, Festival de Lima e Festival de Havana, entre outros.

Foi no próprio Festival de Cannes que o filme realizou sua première mundial, em 17 de maio de 2016, sendo ovacionado. A equipe ainda realizou, nas escadarias que dão acesso ao cinema em Cannes, um protesto contra o governo interino de Michel Temer, levantando cartazes contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

No festival de Sydney recebeu o prêmio de Melhor Filme, bem como no Festival de

Amsterdam e no Festival de Cartagena das Índias. Além de percorrer por diversos festivais em diferentes países, como o Festival de Cinema de Nova Iorque, o Festival de Toronto, o

Independent Spirit Awards (conhecido como o Oscar de filmes independentes) e o César

(conhecido como o Oscar francês). Além disso, passou por mostras em Jerusalém (Israel),

Munique (Alemanha), Nantes (França), Auckland (Nova Zelândia), Melbourne (Austrália),

Breslávia (Polônia), Sarajevo (Bósnia e Herzegovina) e Karlovy Vary (República Tcheca).

Já nos festivais brasileiros o filme recebeu os prêmios de Melhor Longa-Metragem de

Ficção, Diretor e Trilha Sonora no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Recebeu os prêmios de melhor filme e roteiro no 60º Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).

Venceu oito prêmios no CINE SESC Melhores do Ano.

Desse modo, Aquarius teve uma carreira de distribuição mais ampla do que o filme anterior. Contou também com o apoio da Globo Filmes, o que lhe possibilitou uma divulgação em uma escala nacional. Foi lançado comercialmente em mais de sessenta países. E também os direitos de exibição on demand foram comprados pela Netflix, disponibilizando a obra na

44

América, com exceção do Brasil, Ásia, com exceção da China, América do Norte, Austrália,

Nova Zelândia, e Grã-Bretanha.

As críticas refletem essa recepção, majoritariamente positivas e entusiasmadas. Ele foi apontado como um dos 10 melhores filmes do mundo realizados em 2016 em diversas mídias, como na tradicional lista dos 10 melhores da New York Times44, elaborada por Anthony O.

Scott e Stephen Holden, bem como na lista da revista Cahiers du Cinema45. Vale salientar que nestas duas listas, Boi Neon (Gabriel Mascaro, 2016) também foi apontado, constituindo um marco para o cinema brasileiro e pernambucano ter duas obras reconhecidas dessa maneira. De acordo com uma lista anual da Variety46, em que elenca diretores promissores ainda em início de carreira, realizando seu primeiro ou segundo longametragem, Kleber Mendonça é um dos dez diretores iniciantes de 2016 com destaque.

Assim como O Som ao Redor (2012), Aquarius poderia ser definido como um suspense entrelaçado ao sentimento de mal-estar social. No entanto, ao invés de vários pontos de vistas como em seu primeiro filme, da estrutura em mosaico, nesse último a narrativa é exposta pelo ponto de vista único de Clara, essa mulher que se apega à casa, às suas memórias e, ainda, resiste à invasão imobiliária.

A crítica reconhece o trabalho do diretor, comparando-o ao anterior, citando um amadurecimento de sua dramaturgia, com um roteiro mais estruturado. Porém, outras críticas fazem considerações sobre aspectos negativos do filme anterior que perduram neste novo longa. Como é o caso da crítica de Eduardo Escorel, na Revista Piauí47, que recupera pontuações já feitas ao longa anterior, ao afirmar que:

44 SCOTT; HOLDEN; DARGIS. Best Movies of 2016. The New York Times. 07/12/2016. Disponível em: https://www.nytimes.com/2016/12/07/movies/the-best-movies-of-2016.html?_r=0. Acesso em: 24/04/2019. 45 Top Ten 2016 des Cahiers. Cahiers du Cinema. Disponível em: https://www.cahiersducinema.com/produit/top-ten-2016/. Acesso em: 24/04/2019. 46 SIMON, Alissa. 10 Directors to Watch: Kleber Mendonça Filho Cast Brazilian Legend Sônia Braga in ‘Aquarius’. Variety. 03/01/2017. Disponível em: https://variety.com/2017/film/features/10-directors-to-watch- kleber-mendonca-filho-aquarius-1201951408/. Acesso em: 24/04/2019. 47 ESCOREL, Eduardo. Aquarius – o filme em questão. Piauí. 08/09/2016. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/aquarius-o-filme-em-questao/. Acesso em: 24/04/2019.

45

Assim como em O som ao redor, seu filme anterior, Kleber Mendonça Filho, roteirista e diretor, divide Aquarius em três partes de durações desiguais, identificadas através de legendas. Além dessa estrutura geral, cuja razão de ser não fica clara, preserva também outros traços estilísticos comuns: multiplicidade de temas, como Bernardet assinalou, mas também demora em explicitar a trama central, duração além da habitual e resolução rápida. Além disso, um conteúdo comum às críticas é a discussão feita dentro do filme sobre o

Brasil e suas questões sociopolíticas. Nesse sentido, Pedro Butcher diz que o filme “tem coragem de discutir questões do país quando isso virou quase um tabu no cinema, e com uma franqueza que esfrega na cara aquilo que nós mesmos, brasileiros, temos tanta dificuldade de enxergar.”48

Portanto, é inegável que Aquarius é político e crítico sobre o Brasil e sua sociedade, e que possui, conforme Chico Fireman49,

um estado de espírito contaminado por velhas verdades e muitas dependências. Todos

os envolvidos estão extremamente cientes desta postura, mas em nenhum momento a

necessidade de discurso se sobrepõe à expressão artística.

Aquarius possui um ritmo próprio, com uma fluência sem grandes altos e baixos, nem muitos conflitos dramáticos, em minha opinião. É uníssono, com algumas perturbações pontuais, o que fica evidente pelo tempo que se passa até a inserção do conflito – representado pela construtora – que só ocorre aos 27 minutos de filme.

Portanto, diferentemente de O Som ao Redor, não possui um clima de tensão e suspense contínuos. Aqui o interesse é em captar histórias cotidianas, criar relações afetivas, e, em momentos pontuais, acrescentar uma tensão sutil, que vai aos poucos se dilatando. Como exemplo, recupero uma cena simples em que Clara tenta sair de sua garagem e o carro de Diego está impedindo sua saída, e numa montagem rápida, os carros se movem parecendo que irão

48 BUTCHER, Pedro. Brasileiro volta a exibir domínio absurdo do cinema em 'Aquarius'. Folha de São Paulo. 17/05/2016. 17/05/2016. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/1772146-brasileiro- volta-a-exibir-dominio-absurdo-do-cinema-em-aquarius.shtml. Acesso em: 24/04/2019. 49 FIREMAN, Chico. Arte e política andam juntas em "Aquarius", mas polêmica não se justifica. UOL. 29/08/2016. Disponível em: https://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2016/08/29/na-era-de-aquarius-politica- e-arte-vivem-um-torrido-caso-de-amor.htm. Acesso em: 24/04/2019.

46 bater, ou algo não dará certo, então retirar um carro da garagem se transforma numa guerra, momento de grande tensão.

Em Aquarius o som continua tendo a sua importância dramática, porém, nesta obra é a música que ganha maior importância, diferentemente dos ruídos no filme anterior. É a música que cria as relações de memória, fazendo com que a montagem ligue os anos 80 e os dias atuais ao som de “Toda menina baiana”. As músicas ainda pontuam as emoções e os estados de espírito de Clara e de outras personagens.

E sobre esse uso há tanto críticas positivas, como a de José Geraldo Couto, que diz que o filme faz “uso preciso da trilha musical (Gilberto Gil, Taiguara, Roberto Carlos, Maria

Bethânia) para estabelecer os marcos temporais e emocionais dos personagens”50, quanto críticas negativas, sendo a crítica de Escorel51 um ótimo exemplo, uma vez que

As letras sugerem sentidos adicionais e indicam, algumas vezes, o pensamento e

estado de espírito dos personagens – um recurso desgastado porque se tornou lugar-

comum da dramaturgia televisiva. Por ser tão banal, é surpreendente que Mendonça

Filho lance mão desse expediente de forma tão sistemática.

Aquarius (2016) inicia da mesma maneira que O Som ao Redor (2012), com fotografias em preto e branco e uma música de fundo. A diferença está no ambiente representado nas imagens: uma Recife urbana à beira-mar, mais precisamente a praia de Boa Viagem dos anos de 1970.

A sequência, de nove fotografias, inicia com imagens mais próximas, focadas nas pessoas, e vai se afastando, mostrando a dominação de prédios altos ao redor da praia e na cidade como um todo, como é possível perceber pelas fotografias abaixo.

50 COUTO, José Geraldo. O Corpo que Resiste. Blog do IMS. 02/09/2016. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-corpo-que-resiste/. Acesso em: 24/04/2019. 51 ESCOREL, Eduardo. Aquarius – o filme em questão. Piauí. 08/09/2016. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/aquarius-o-filme-em-questao/. Acesso em: 24/04/2019.

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FIGURA 1 – Sequência inicial com fotografias em Preto e Branco.

Enquanto temos essas fotografias na imagem escutamos a música Hoje, de Taiguara.

Com um trecho que diz:

“Hoje trago em meu corpo as marcas do meu tempo. Meu desespero, a vida num momento. A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo. Hoje trago no olhar imagens distorcidas. Cores, viagens, mãos desconhecidas trazem a lua, a rua às minhas mãos. Mas hoje, as minhas mãos enfraquecidas e vazias procuram nuas pelas luas, pelas ruas. Na solidão das noites frias por você. ” (TAIGUARA. Hoje. c1969) Taiguara foi um cantor brasileiro que foi censurado e perseguido durante a ditadura militar, chegando a se auto exilar em dois momentos, de acordo com o site Memórias da

Ditadura52, em 1973 exilou-se para Londres, retornando em 1975 para gravar um disco, mas o show foi cancelado e toda a tiragem recolhida, o que levou Taiguara a sair do Brasil novamente.

A escolha por incluir esta música, e mais, começar o filme com ela, tem um peso tamanho, porque carrega consigo significados intrínsecos, de um passado da sociedade brasileira e do próprio cantor.

Em primeiro lugar por sua letra, uma vez que há um diálogo entre os sentimentos de

Clara e seu corpo e o que é entoado por Taiguara. As “marcas do tempo” evocadas pela canção se refletem também no edifício, cuja estrutura se choca com os edifícios ao seu entorno. E, em

52 TAIGUARA. Memórias da Ditadura. Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/artistas/taiguara/ Acesso em: 30/07/2019.

48 segundo lugar, por ser uma música censurada na década de 1960 e agora estar sendo reproduzida, como se o presente permitisse a revisitação e uma transformação da história.

Já nessa sequência inicial podemos perceber a importância da memória e do passado para a personagem Clara, e, naturalmente, para o filme Aquarius. Também revelam a importância das cicatrizes, tanto pela cirurgia de mastectomia em um dos seios de Clara, como veremos, e pelo fato dela viúva.

Ainda mais, Eliane Moraes53 sintetiza os principais tópicos do filme, agregando-os em uma única relação, dizendo que

O imóvel em questão passou de geração em geração na sua família e guarda muitas histórias de vida, sendo uma espécie de celeiro das existências singulares que ali habitaram. (...) daí sua determinação em combater as forças que ameaçam a preservação de suas lembranças, impondo um veto à capacidade vital da rememoração. É nesse ponto que a saudade de uma "juventude assim perdida" se cruza com a denúncia de uma "dignidade assim perdida" para associar, em definitivo, a experiência da memória e a da resistência. Inicia-se então a primeira parte do filme, chamada de O Cabelo de Clara, que ocorre com a inserção de um letreiro, onde se lê “1980”, o que nos situa temporalmente. Nesta sequência somos apresentados à Clara, e a cartela do primeiro capítulo faz com que os espectadores reparem em seu cabelo, curto. E assim nos perguntamos o que poderá significar aquela cartela. A resposta, no entanto, virá mais tarde nesse mesmo prólogo.

A sequência abre com uma imagem da praia à noite. Ao fundo do quadro está um carro andando na areia com faróis acesos, que vem em direção à câmera. A câmera nos leva para dentro do carro, com um plano próximo de Clara (Barbara Colen) colocando uma música,

“Another One Bites The Dust”, do Queen. Corta para um plano médio do para-brisa, e vemos as companhias da personagem: Antônio, seu irmão, Fátima, sua cunhada, e dois filhos de Clara, ouvindo a música.

53 MORAES, Eliane. O fim da utopia hippie em "Aquarius". Folha de São Paulo. 09/10/2016. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/10/1820800-o-fim-da-utopia-hippie-em-aquarius.shtml. Acesso em: 06/11/2018.

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É nessa cena também que o interesse de Clara pela música já é evidenciado, um interesse que mais tarde se revelará sua profissão, a de crítica musical.

FIGURA 2 - Plano de Clara e seus familiares ouvindo música no carro

Essa sequência funciona muito bem como imersão à década de 1980. Com o carro, a música, o figurino e até o aspecto da imagem – granulado e um tom sépio –, distinto do aspecto da outra parte do filme, nos dias atuais, fazem com que voltemos no tempo de uma forma rápida, agradável e envolvente.

Clara pede para irem embora e acontece uma fusão longa entre um plano dessas pessoas fora do carro e o do carro entrando em quadro na esquerda e indo em direção à direita. Neste primeiro momento essa fusão pode não significar nada, mas com as próximas fusões, elas ganham um significado de lembranças.

Está acontecendo uma festa de aniversário de 70 anos da tia Lúcia (Thaia Perez), ao som de uma música melosa, “Sentimental Demais”, de Aldemar Dutra. Eles chegam ao apartamento. Na janela vemos Adalberto (Daniel Porpino), marido de Clara, chamando-os, pois estão atrasados. Então, Clara vai atrás das crianças que estão na garagem e também leva algumas comidas para o porteiro, seu Zé. Os traços de sua personalidade vão sendo desenhados por meio de suas ações.

Vemos que Clara é casada e mãe de 3 filhos: Martim, Rodrigo e Ana Paula, os quais leem uma carta para a tia Lúcia, numa espécie de discurso. Lúcia nos é apresentada como uma

50 mulher forte, que cursou o ensino superior nos anos de 1930, o que é incomum e revelador também de que se trata de uma família abastada. Pelo discurso é notório o que ela significa para a família e também para Clara, servindo de inspiração à resistência de Clara. Como é possível ver a conexão das duas na imagem abaixo.

Figura 3 – Imagem de Clara e Lúcia juntas

Em alguns momentos do discurso das crianças há flashbacks de Lúcia para os anos 40.

Motivados pela cômoda que a faz memorar de momentos calorosos que viveu junto com

Augusto (Tavinho Teixeira), mostrando planos de Augusto praticando sexo oral em Lúcia em um quarto com a cômoda ao fundo e, também, em cima da mesma cômoda. São os objetos do lugar que despertam lembranças íntimas e erotizadas da personagem e que, de certa maneira, nos fornecem mais informações sobre Lúcia do que o relato de qualquer parente, revelando a importância que o espaço tem para as personagens.

Após esse discurso, tia Lúcia decide fazer um breve discurso, como se complementasse o que foi dito, ou demonstrasse para todos o que foi mais importante para si. Ela discursa contra o apagamento da memória de Augusto, seu companheiro e amante. Há uma discrepância entre os dois discursos, o da inocência por parte das crianças e o do falar de uma intimidade por parte de Lúcia. Revela que não era casada, uma vez que Augusto já era casado, gerando um certo desconforto em alguns familiares, como se aquele nome não pudesse ser mencionado,

51 desconforto esse revelado também pelas montagem e fotografia, pulando de rosto em rosto em closes.

Uma questão importante que vale ressaltar é a presença das empregadas durante a festa.

São três mulheres negras que estão ligadas ao espaço da cozinha, e ali permanecem. Um momento que destaco é quando o discurso está para iniciar, e as empregadas se posicionam na porta da cozinha para poder assistir e ouvir a homenagem à tia Lúcia, mas o espaço a elas é renegado, como é possível ver na imagem abaixo, dado o incômodo que sua presença causa em algumas personagens.

Figura 4 – As empregadas têm seu espaço renegado

No final desta sequência, Adalberto (Daniel Porpino), inspirado pelo discurso de Lúcia, comenta da doença de Clara, da sua superação e das dificuldades que enfrentaram no ano anterior. Descobrimos então que Clara está de cabelo curto por causa de um câncer de mama.

Ele toca em alguns temas sensíveis à família e às suas relações, como a ausência de alguns durante todo o processo, acompanhado de um plano de uma mulher cabisbaixa, culpada.

Logo depois, diz: “a vida não vem com manual para essas situações”, amenizando a exposição anterior. E esse discurso rememora a música pela qual Augusto foi apresentado - “Sentimental

Demais”- mostrando-se um personagem carinhoso e que se importa com Clara.

As pessoas da festa começam a cantar uma canção de aniversário, “Canções de

Cordialidade”, de Villa-Lobos e Manuel Bandeira. Com um trecho que diz “Seja a casa onde

52 mora, a morada da alegria”, dialogando diretamente ao mote principal do filme. Lúcia, Clara e

Adalberto estão abraçados e há mais uma fusão, cortando para um outro plano da mesma cena.

O prólogo se encerra com um tom nostálgico, com a música “Toda Menina Baiana”, de

Gilberto Gil, canção de 1979 que fala sobre os encantos, jeitos, defeitos e santos que as meninas baianas têm. Fala também de um mundo sem maniqueísmo, em que o bem e o mal estão presentes juntos.

As pessoas da festa estão celebrando e dançando ao som dessa música, momento em que ocorre a terceira fusão, de uma sala cheia de pessoas para uma sala vazia. Todavia nesta fusão há uma elipse temporal: agora estamos nos tempos atuais, em 2015. Junto com essa mudança temporal temos uma mudança no espaço, porque, como era de se supor, o apartamento foi modernizado e redecorado. E a música que estava presente antes em primeiro plano, vai perdendo sua força e toma a forma de uma memória.

Esses 17 minutos de introdução trazem consigo um legado emocional e de memória de

Clara que não conseguiríamos apreender de outra forma. Ainda, essa elipse revela elementos que remetem aos 30 anos passados, os quais trouxeram mudanças como os livros, os discos, o longo cabelo e o prédio agora azul.

Nesta sequência, vemos Clara (Sonia Braga), agora com 65 anos, observando uma maratona que ocorre na orla em frente ao seu prédio. Depois, em alguns planos, ela se alonga.

Um plano aberto do lado de fora do prédio, enquadrando a janela, revela algumas alterações que o prédio sofreu durante os anos, além da cor, ele envelheceu.

O diretor faz questão de chamar atenção para a mudança do cabelo de Clara, nome do capítulo. Enquadrando ações em que o cabelo ganha destaque, primeiro Clara está de cabelo preso, depois se exercita com cabelo solto, para em seguida prender novamente o cabelo.

Ela pergunta à sua empregada, Ladjane, qual será o almoço. E então em uma sequência de três planos vemos: as folhas da revista se virando com o vento em cima do sofá, outras em

53 cima da mesa e, por fim, a porta entre a Clara e a cozinha se fecha. Relembrando o vento que existia durante o prólogo, o tempo passou para o apartamento, mas o vento permanece o mesmo.

Ela vai à praia, desliga a vitrola, interrompendo a música “Toda Menina Baiana”, põe um chapéu e sai do apartamento. A câmera enquadra a porta, esta que virá a ser peça fundamental para o decorrer do filme, pois é ela que mantém Clara protegida das ameaças iminentes. Ainda no mesmo plano, a câmera faz uma pan e revela o móvel da Tia Lúcia, ainda presente no apartamento, movimento que não corresponde a ponto de vista de nenhuma personagem.

Há um corte para um plano próximo de Roberval (Irandhir Santos), que, sob um sol forte, está com os olhos cerrados. A câmera vai recuando, abrindo o quadro, revelando um grupo que se exercita em uma quadra. Clara está com a cabeça apoiada sobre a barriga de

Roberval, sinalizando uma certa proximidade entre eles.

Depois de algum tempo, quatro meninos negros entram na quadra. Há de início uma reação de desconforto da maioria das pessoas naquela quadra (uma região de classe média alta) que param de rir e voltam seus olhares para eles. Eles se juntam aos demais e participam da dinâmica. É clara a vontade de mostrar o racismo que é inerente a estas pessoas, elemento presente também no espectador, que enxerga nessa cena um perigo próximo, assumindo o ponto de vista dos que estão na quadra.

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Figura 5 – Plano dos quatro jovens negros entrando na quadra

Corta-se para a praia, no centro do quadro uma placa de aviso sobre ataques de tubarão.

Um comentário sobre o verdadeiro perigo, uma rima com o plano dos garotos e também com a entrada de Clara na água, demonstrando sua coragem e força.

Ao fundo escutamos Roberval chamando o barco para a região do Aquarius, para que

Clara possa entrar no mar de forma segura, dizendo que ela é uma mulher importante. Antes de tomar um banho de mar, Clara solta o cabelo e entrega para Roberval uma piranha. Uma música se inicia, “Quinteto de Madeiras”, demonstrando, junto com a mise-en-scène, o respeito e afeto que existe na relação dos dois.

Clara toma uma ducha, um tilt revela seu rosto, com os olhos fechados embaixo d’água.

Ela abre os olhos e olha para o prédio com nostalgia e agradecimento. Clara abre a porta do prédio, num mesmo enquadramento utilizado nos anos 1980: a câmera está no topo dos degraus, enquadrando a porta, com uma perspectiva em profundidade interessante, com as linhas nas paredes levando à porta ao centro.

Figura 6 – Imagens da entrada do edifício em 1980 e em 2015.

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A seguir, acompanhamos algumas tarefas cotidianas de Clara: ela pega uma correspondência, leva comida para os gatos. Então, entra em seu quarto, tira a saída de banho e o maiô, expondo pela primeira vez a cicatriz da mastectomia.

Posteriormente, Clara dará uma entrevista para uma revista, com o intuito de saber o que ela acha das novas mídias, e é aqui que é dado um primeiro choque de gerações. A sequência começa com um plano próximo de alguns LPs (sendo muitos de trilhas musicais de filmes) e, ao fundo, ouvimos a música “Dois Navegantes”, da banda Ave Sangria. Corta para um plano próximo de fitas K7 e depois para alguns CDs empilhados, criando uma historicidade da reprodução de músicas. E um plano próximo da mão de Clara escolhendo um LP. Corta para um plano de Clara, com o LP do grupo Ave Sangria na mão, contando a história do disco, que mesmo com 41 anos, ainda toca perfeitamente.

Assim, começa uma dissintonia entre entrevistadora e entrevistada. Enquanto a repórter quer ir direto ao ponto e tirar da boca de Clara a resposta que procura – a de que ela aceita as mídias digitais -, Clara quer demonstrar o valor sentimental que tem pelos discos e como esse envolvimento com a música pode ser perdido com as novas mídias. Isso tudo corrobora o seu apego aos discos, às memórias que eles geram, e, de forma geral, ao passado.

Com o disco “Double Fantasy” em mãos, que curiosamente é de 1980, retira do encarte um artigo de jornal, do LA Times, demonstrando as coincidências e as possibilidades desta mídia. Nesta sequência fica evidente a importância do arquivo, do guardar coisas, memórias, ou em suas palavras – “a mensagem na garrafa”, uma mídia que pode contar histórias a partir de sua fisicalidade.

Depois desse choque entre entrevistada e repórter, parte-se para o primeiro e mais importante conflito da obra, momento em que a construtora é inserida. Clara está enquadrada deitada na rede em primeiríssimo plano, e, ao fundo, Diego Bonfim (Humberto Carrão) também em foco com um celular na mão tirando fotos do prédio.

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Corta para um plano - do ponto de vista do apartamento de Clara - da entrada do prédio com dois homens no corredor: Geraldo Bonfim (Fernando Teixeira), avô de Diego, e um funcionário da construtora. Diego se junta a eles, e a câmera lentamente faz um passeio pelo apartamento de Clara como se acompanhasse o caminhar daqueles homens sem que possamos vê-los, sendo este o início do pesadelo de Clara, pois eles irão atormentá-la pelo resto da obra.

Assumimos o ponto de vista de Clara, que não percebe o chegar dessas figuras. A campainha toca, vemos Clara ainda deitada na rede se levantando e prendendo o cabelo. A campainha toca novamente em um plano próximo da porta, Clara abre a porta e estão os três homens, começando uma conversa educada e cordial que é, ao mesmo tempo, recheada de ataques.

Eles estão ali querendo comprar o seu apartamento. Ladjane chega ao fundo, como uma guarda costa de Clara, que, lhe pergunta onde estava, pois se tivesse atendido a porta pouparia toda aquela conversa. Há um zoom na mão do terceiro homem, com um molho cheio de chaves, que são de todos os outros apartamentos, revelando que a construtora é proprietária do restante do edifício, e de que este problema – tentativa de compra do apartamento de Clara – já existe há tempos.

Clara tenta cortar a conversa dizendo que o apartamento não está à venda, e faz menção de fechar a porta. No entanto, a ação é interrompida por Diego, que faz primeiro uma abordagem elogiando a decoração e as reformas feitas por Clara no apartamento, para depois se pôr como o responsável do projeto do novo empreendimento imobiliário. E na sua fala já assume que o prédio deixará de existir, o que deixa Clara irritada.

Clara fecha a porta, e um envelope da Bonfim passa pela porta. Clara o empurra, e o envelope entra novamente pela fresta para que Clara o devolva mais uma vez. Há um plano de

Ladjane comendo, olhando para a cena. Clara abre a porta, e Diego está agachado e diz que vai deixar o envelope para Clara ler com mais calma.

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A sua falta de paciência a faz tocar na parede do edifício em um plano próximo, sustentando-se naquele espaço. Há uma relação entre personagem e espaço, como dissemos.

Ao seu toque na parede inicia uma música, “Quarteto de Metais”, que segue o plano e contra plano de Clara olhando para a saída do prédio e os homens saindo.

FIGURA 7 – Plano de Clara se sustentando na estrutura do prédio.

Em um plano próximo, Clara olha para o oceano e solta seu cabelo. Novamente há essa relação entre o cabelo e a força de Clara, finalizando a primeira parte do filme justamente com um plano de uma ação de se mexer no cabelo. Outra questão importante é o oceano, que neste plano reforça a conexão de Clara com a água, elemento que já tinha sido inserido de forma mais sutil anteriormente, com seu mergulho e banho. Nesse plano ele é mostrado como o lugar onde Clara busca renovar suas energias.

E então, após 33 minutos, inicia-se a segunda parte do longa, O Amor de Clara. Nessa parte, o espectador conhece a vida íntima de Clara, suas relações familiares e o desenvolvimento, ainda sutil, do conflito com a construtora.

A partir deste ponto, percebemos que o filme se deterá ainda mais sobre Clara, fazendo com que alguns críticos categorizem o longa como um estudo de personagem, como argumenta

Pedro Butcher, na Folha de São Paulo54. Para ele, o filme “com o mesmo senso de

54 BUTCHER, Pedro. Brasileiro volta a exibir domínio absurdo do cinema em 'Aquarius'. Folha de São Paulo. 17/05/2016. 17/05/2016. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/1772146-brasileiro- volta-a-exibir-dominio-absurdo-do-cinema-em-aquarius.shtml. Acesso em: 24/04/2019.

58 enquadramento raro, um uso de som e da música de tirar o fôlego e um ritmo que desafia a maré dominante dos tempos acelerados, (...) é antes de tudo um estudo de personagem”.

Peter Bradshaw, no The Guardian55, também argumenta na mesma linha. Trata-se de um “rico e detalhado estudo de personagem, envolvendo o espectador na vida e mente de sua imperiosa protagonista, Clara”, assim como Jay Weissberg, que na Variety56 também afirma:

“é um estudo de personagem, bem como uma meditação perspicaz sobre a transitoriedade desnecessária do lugar e o modo como o espaço físico suprimem nossa identidade”. E por fim,

José Geraldo Couto, no Blog do IMS57, exalta o trabalho feito dizendo que “é uma sondagem em profundidade de uma personagem.”

E com um foco tão voltado na personagem, naturalmente outro caráter reconhecido pela crítica é a atuação, principalmente de Sônia Braga, mas não só. Luiz Zanin, no Estado de São

Paulo58, diz que o filme “conta com elenco excepcional, no qual desponta uma Sônia Braga em estado de graça”, e Pablo Villaça, no site Cinema em Cena59, elogiou a atuação, considerando “homogêneo em qualidade”.

A primeira sequência desta segunda parte inicia com Clara pegando um novo envelope da construtora em sua porta. Observa que as portas dos outros apartamentos estão abertas, reforçando a ideia de um prédio fantasma, lembrando-a que todos estão vazios, acentuando aos poucos o clima de suspense ao qual me referi acima. Ela então fecha as portas e sai do prédio, rasgando o envelope, demonstrando o seu descaso com a proposta.

55 BRADSHAW, Peter. Aquarius review: rich and mysterious Brazilian story of societal disintegration. The Guardian. 17/05/2016. Disponível em: https://goo.gl/S9vK3Y. Acesso em: 16/11/2018. 56 WEISSBERG, Jay. Film Review: ‘Aquarius’. Variety. 17/05/2016. Disponível em: https://variety.com/2016/film/reviews/aquarius-review-1201776731/. Acesso em: 24/04/2019. 57 COUTO, José Geraldo. O Corpo que Resiste. Blog do IMS. 02/09/2016. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-corpo-que-resiste/. Acesso em: 24/04/2019. 58 ZANIN, Luiz. Brilhante e polêmico, ‘Aquarius’ é um elogio à resistência. O Estado de São Paulo. 01/09/2016. Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,brilhante-e-polemico-aquarius-e-um- elogio-a-resistencia,10000073225. Acesso em: 10/11/2018. 59 VILLAÇA, Pablo. Aquarius. Cinema em Cena. 17/05/2016. Disponível em: http://cinemaemcena.cartacapital.com.br/Critica/Filme/8254/aquarius. Acesso em: 24/04/2019.

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Logo após, Clara está com seu sobrinho Tomás (Pedro Queiroz) no carro. Evidencia-se um carinho entre eles, sendo ele a primeira pessoa da família a se relacionar com Clara nesta

época atual. Eles conversam sobre músicas que ele baixou a seu pedido. Ela coloca Maria

Betânia, e eles conversam sobre uma menina que virá para Recife, uma paquera dele, Julia

(Julia Bernat), conhecida pela internet. E então Clara diz uma frase que ficou icônica: “mostra

Maria Betânia pra ela, mostra que tu é intenso”. Além de apresentar esse apoio familiar, ela ilustra a questão das novas mídias, tanto pelas músicas, como a inserção da internet na vida cotidiana.

Uma fusão corta para a cunhada de Clara, Fátima (Paula de Renor), em sua livraria arrumando uma estante. Clara e o sobrinho chegam, e eles conversam sobre a proposta da construtora. Ela diz que rasgou o envelope e não sabe do que se trata. Ao mesmo tempo que eles a apoiam na decisão, preocupam-se com a sua qualidade de vida, isto é, com o que poderá acontecer a ela, sofrendo pressão da construtora.

Ela desconversa e diz que quer sair para dançar. Fátima pede que Antônio (Buda Lira) a libere. Há atrás dessa frase uma brincadeira, mas também um machismo incluso. E Clara aproveita para colocar essa questão em pauta, questionando o que ela acabou de escutar, como ela pode pedir permissão para ter que sair.

Neste momento, corta-se para o banheiro da festa, em que vemos Clara e algumas mulheres em frente ao espelho. Junto de Clara estão na mesa algumas amigas, que demostram jovialidade, cumplicidade e algumas atitudes reservadas para adolescentes na representatividade cinematográfica. Uma sequência que apesar de demonstrar a intimidade e a relação de Clara com suas amigas, acaba imprimindo na tela algo muito comum às mulheres no cinema, que é o assunto das conversas, das senhoras que falam basicamente sobre homens, elemento que, ao meu ver, prejudica a cena.

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Clara troca olhares com um homem, até que ele vem à mesa falar com ela e a chama para dançar. A festa continua, e eles dançam juntos. A próxima cena é dentro de um carro, um plano próximo de Clara com a mão do homem em seu pescoço: ele entra em quadro e se beijam.

Ele leva sua mão ao seio direito de Clara, ela sente um desconforto e retira sua mão e diz que realizou uma cirurgia. A reação dele é de se afastar, mas não por não conseguir lidar com aquilo, talvez por ter alguém como a esposa ou a filha que tenha tido câncer também.

Entretanto, ao mesmo tempo a imagem que está impressa no filme pode dar a entender como uma reação negativa. É uma cena ambígua, não explicada no filme, que pode gerar, a partir das vivências do espectador, visões distintas.

Clara chega em casa com um táxi, está um pouco bêbada, olha para o prédio vizinho, com um tecido branco esvoaçante, e a câmera faz um tilt up. Este prédio assume uma figura fantasmagórica a partir dessa abordagem cinematográfica, o possível futuro do Aquarius vindo assombrar Clara.

Posteriormente ela está em frente a uma estante, pegando um disco do Roberto Carlos.

Corta para um plano médio de Clara colocando o disco na vitrola e começa a dançar a música

“O Quintal do Vizinho”. Ela se senta no sofá e escreve em seu caderno vermelho. A música conversa com o estado de espírito atual de Clara – que está pensativa– como também tem uma relação com a visão fantasmagórica do prédio vizinho.

Dá início a um plano musical do filme, como se fosse um videoclipe de Clara dançando a música. Ao fundo o tecido branco passa pela janela, novamente como inserção fantasmagórica, lembrando ao público do perigo iminente, pois Clara não o vê. Há um fade out, e a tela fica preta. Mas logo o diretor transforma o elemento fantástico em real. O fade in revela o tecido aberto na rua, sobre carros e o muro do prédio, e dois homens o retiram.

Em outro dia, desenrola-se uma conversa de Clara e Roberval na orla da praia sobre medo. Ao fundo está chegando um rapaz de bicicleta, e a câmera realiza um zoom. E Roberval

61 começa a falar sobre ele: trata-se de um traficante, com uma fisionomia distinta da opinião pública racista, pois é um rapaz branco e de classe alta.

Depois vemos um rapaz de regata preta correndo, dando meia volta e se aproximando dos dois. Ele se apresenta como filho de um antigo vizinho de Clara. Ela percebe o que está por vir – uma cobrança para que Clara venda o apartamento – mas ao mesmo tempo se faz de desentendida. Ele inicia de uma forma passiva, uma aproximação calma, mas vai escalando para uma agressividade, chegando a perguntar se Clara é doida. Terminando com a frase: “A senhora me conheceu como criança, mas como adulto não”, num tom claro de ameaça.

Roberval, ali do lado dela, está como um guarda-costas, e talvez as coisas não partiram para uma agressão por ele estar ali.

Em sequência, um caminhão da construtora, cheio de colchões, está sendo descarregado na calçada do edifício. Clara e Ladjane estão observando a cena pela janela, até que em um plano Clara beija Ladjane, demonstrando seu amor. Ela a chama e vão até o piano. Clara toca uma música de aniversário, a mesma de Villa-Lobos que ouvimos antes, para Ladjane. Levanta- se e a abraça.

Depois, Clara vai à garagem, mas há um carro impedindo-a de sair. Ela se aproxima de

Diego, e eles têm um segundo contato em uma conversa um tanto ríspida, Clara pergunta por que os colchões foram trazidos para o prédio e Diego responde que como os apartamentos são da construtora, eles podem fazer e trazer o que bem entenderem para lá. Clara perde essa primeira batalha, porém não se dá por vencida.

Ela quer sair da garagem, então pede para ele tirar o carro. Há uma montagem criando a sensação de uma disputa com os automóveis. Um plano de Diego ligando o carro. Clara fechando o vidro e acelerando. Diego dando ré. Clara indo para frente. Diego continua dando ré. Corta para uma parede de ladrilhos brancos, a câmera recua em zoom out rapidamente, ao mesmo tempo que o carro entra em quadro acelerando.

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Clara anda pelo cemitério com duas rosas na mão. Para em uma lápide, e diz em voz alta que escreveu umas coisas, retirando o caderno vermelho, mas desiste e guarda-o na bolsa.

Leva as rosas à lápide, e vemos algumas letras faltando no túmulo de Adalberto, enquanto retira umas folhas secas. Ela sai caminhando, há uma fusão para um plano mais próximo de Clara, também caminhando. Ela observa dois coveiros retirando ossadas de um dos túmulos. Há um zoom de seu rosto, e ela continua a caminhar.

Depois dessa sequência de memória de seu marido, vamos para a primeira e única reunião de Clara e seus três filhos, Martim (Germano Melo), Rodrigo (Daniel Porpino) e Ana

Paula (Maeve Jinkings).

Ouvimos “O Ar (O Vento) ”, uma música infantil, enquanto na tela vê-se um bebê se debatendo na cama. Clara se aproxima e pega seu neto. Percebemos que eles não se encontram muito. Primeiro pela fala de Clara que é bom tê-los em sua casa, depois sua nora diz que estava com saudades.

Pedro, filho de Ana Paula tosse, e ela olha para a direita brava, com a câmera acompanhando seu olhar com uma pan até vermos o menino no colo de uma babá. Há uma conversa sobre o novo namorado de Rodrigo, sua mãe não o conhece, e ele mostra umas fotos para a mãe e irmã. Clara diz: “me visite mais, estou viva”, e então corta para a cozinha.

Inicia-se a sequência do primeiro confronto entre filhos e mãe sobre a questão do apartamento. Os filhos estão preocupados com a mãe vivendo naquele prédio sem ninguém.

Eles comentam com ela sobre os adesivos que colaram nas outras portas do edifício, com o logo da construtora, demarcando seu território. Trata-se de mais um ataque silencioso da construtora, o qual Clara não havia percebido.

Ana Paula faz o papel de bruxa, é a única que insiste no assunto, o que é uma escolha estranha para este filme, porque cria uma intriga entre duas mulheres. A discussão termina em lágrimas e ambas expõem seus ressentimentos. Este é outro momento, como veremos, em que

63 percebemos ambiguidades na personagem de Clara, apesar dela ser a “heroína, é muito dura com sua filha, que em sua maneira está preocupada com seu bem-estar e trazendo Clara para a realidade.

Ana Paula pergunta se a mãe chegou a considerar a oferta da construtora, que é em dinheiro e não por área construída. Clara, então, descobre que a filha foi atrás da construtora, desrespeitando-a e, assim, corroborando a caracterização de Clara como a louca do Aquarius.

Clara entra no assunto do dinheiro, que ela pode ajudar os filhos, pois tem a aposentadoria, cinco apartamentos e patrimônio criado por ela e pelo pai. Revelando, além do que já era possível perceber, que, além dos interesses dos filhos na renda que poderiam se beneficiar, se trata de uma família de classe média alta, com diversas fontes de renda e privilégios.

Ana Paula confronta a mãe dizendo que o patrimônio foi construído por seu pai, e não pela carreira de jornalista da mãe. Clara canta uma música do Paulinho da Viola para Ana

Paula: “Há pessoas com nervos de aço, sem sangue nas veias e sem coração. Mas às vezes...”.

No fim elas se desculpam e se abraçam. Os filhos vão embora, a câmera faz um zoom out, abrindo o quadro e Clara está sozinha. Há um fade out.

Fade in, é noite, um casal transando na praia, uma pan para a esquerda, jovens jogando futebol numa quadra. Zoom out, entramos no apartamento de Clara, que está deitada na rede assistindo uma orquestra na televisão, que executa Villa-Lobos. O início dessa sequência revela a vida que se tem ao redor do apartamento, no mundo exterior ao edifício. Ao invés do que se teria em um arranha-céu, vendo apenas pontos se movendo, é possível pelo seu olhar perceber essas cenas.

No momento em que pessoas entram no prédio e sobem as escadas, a câmera os acompanha até o apartamento do andar de cima, sem sair do apartamento de Clara. Uma música inicia, anunciando o começo de uma festa que incomoda Clara. Ela aumenta o volume da televisão ao máximo e começa a tomar vinho.

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Vai até sua estante e pega um disco de vinil, Jazz, do Queen. Então começa a ouvir “Fat

Bottomed Girls”. Ela canta, dança, anda pela sala, a câmera acompanha-a em giros. Enche mais uma taça, incomodada com o barulho vindo do andar de cima, e vai tomar banho.

Enfim Clara, curiosa, decide checar a festa. Ao fundo está tocando “Meu Som é Pau”, do Aviões do Forró, ao subir se depara com a porta entreaberta. Ao abrir um pouco a porta, ela vê uma orgia acontecendo naquele apartamento. Ela dá um pequeno sorriso e desce.

Logo, a festa começa a invadir materialmente sua casa, com um cigarro caindo em sua janela. Corta para Clara ligando para Paulo (Allan Souza Lima), um garoto de programa, que sua amiga Letícia havia indicado. Há uma pan, enquadrando novamente a cômoda, e Clara fuma um baseado enquanto espera pelo rapaz.

Paulo entra no apartamento, e o primeiro plano dele é da sua calça, da região do seu pênis, e só depois sobe para seu rosto. Talvez uma tentativa discreta de subverter os enquadramentos reservados para mulheres no cinema. Os dois transam. Um momento que vale ressaltar, se lembrarmos da cena de seu encontro com o homem no baile, é quando ele pega no seu seio direito e Clara leva delicadamente sua mão para o direito, e ele a respeita.

Corta para um plano do nascer do sol na praia, com um barco sendo empurrado por três pessoas, um plano rápido, cuja função é de demonstrar uma elipse temporal, com o amanhecer do dia. Ao sair de casa, Clara se depara com o que restou da festa da noite anterior, um cheiro ruim exala pelas escadas do prédio, pois há fezes humanas nas escadas.

Em seguida Clara está na praia, na área dos salva-vidas junto com Roberval. O enquadramento inicial desta sequência é peculiar: Roberval e Clara são enquadrados dentro de duas janelas. Há uma separação entre eles, possuem realidades diferentes, mas estão no mesmo ambiente, o que fica claro quando Roberval no fim da sequência pergunta à Clara se ela está dando em cima dele. Ela diz que não, e voltamos novamente para esse enquadramento separando os dois.

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Figura 8 - Plano de Clara e Roberval separados pelas janelas Nessa mesma sequência, Clara pede à Roberval seu telefone para que possa ter uma ajuda caso necessário. Ela está se sentindo ameaçada, ao mesmo tempo que não quer assumir, o que pode ser percebido também pelo enquadramento utilizado durante o campo (de Clara) e contra campo (de Roberval). O quadro de Clara está poluído visualmente, com referências da praia e prédio, inclusive traçando uma linha ao redor do seu pescoço. Já no quadro de Roberval o que vemos é apenas o mar.

Figura 9 – Imagens que demonstram o estado de espirito ao fundo do quadro

Somos, assim como Clara, introduzidos à Julia. Clara, Tomás e Julia caminham pela praia, conversando rapidamente sobre o Rio de Janeiro. Clara demonstra seu carinho por

Tomás, dizendo que ele é como um filho para ela.

Clara explica, então, uma divisão que existe entre duas praias, Pina e Brasília Teimosa, que é feita a partir do cano de esgoto. De um lado a parte rica, do outro a parte pobre. Uma separação dita “invisível”, assim como na sociedade, é feita também na divisão de área de praia.

Ladjane mora em Brasília Teimosa, e é para lá que estão indo. Clara conta que o filho de Ladjane morreu atropelado por um bêbado e não aconteceu nada. A reação deles, comum à

66 classe média, é de ter um senso de justiça, mas ao mesmo tempo se manter inerte e dizer: “Diga aí, um cara bêbado atropela ele e não acontece nada. Foda”. E um silêncio toma conta da cena, com o som do mar ao fundo.

Até que uma música, “Sufoco”, de Alcione, cuja letra é: “Não sei se vou aturar. Esses seus abusos. Não sei se vou suportar. Os seus absurdos. Você vai embora”. Apesar de falar sobre um amor sufocante, entendo como um comentário sobre o ocorrido com o filho de

Ladjane e também por essa questão levantada anteriormente, uma crítica a essa postura da classe média, da distância e de suposta imparcialidade.

Há um corte para a laje, onde está ocorrendo a festa, e a música é assumida diegeticamente, mudando a sonoridade. Clara abraça Ladjane, ao fundo está Letícia (Arly

Arnaud), amiga de Clara, e patroa de Lara, irmã de Ladjane.

As duas patroas conversam sobre Paulo, em frente à janela, sobre a noite anterior.

Letícia pergunta se foi bom e vemos alguns flashes da noite, cenas que não haviam sido exibidas anteriormente e que terão uma importância posteriormente: os dois deitados no sofá

(sexo oral em Clara), plano próximo dos dois transando, plano aberto de Paulo se vestindo, plano próximo de Paulo saindo pela porta e plano detalhe da porta sendo fechada.

É possível ver o mar ao fundo do quadro. Há aí uma relação, um paralelo, entre Clara e

Ladjane. As duas moram à beira mar, na mesma orla, porém separadas pelas classes. Além disso, outra semelhança entre as duas mulheres é a luta pela memória, o que é perceptível pela foto do filho ao lado de Ladjane durante o “parabéns”, imagem que ela beija.

Em síntese, a memória presente no filme se manifesta na família, e essa é uma das vertentes da obra. Inácio Araujo, referindo-se a isso, diz: “A morte, continuidade e permanência

67 são temas ligados à família que estão presentes e que retornam com insistência. A família é um lugar de passagem de gerações, mas de permanência de um espírito. ”60

Por fim, Clara está deitada em sua cama e se lembra de mais flashes da noite anterior, desencadeados pela conversa com Letícia, mais precisamente o momento em que ela fecha a porta de entrada. A montagem dessa sequência faz com que fiquemos em dúvida, entrando na paranoia junto da personagem, se aquela sequência é real ou não, reforçando aqui o clima de suspense. Com uma repetição incessante da ação de Clara de fechar a porta e não trancá-la, até que um vulto entra pela porta, e está cada vez mais perto de Clara. Ela então levanta e confere se trancou a porta, o que não o fez. Enfim, fecha a porta com todos os trincos.

De modo que Clara decide pintar a fachada do prédio de branco, depois de suas preocupações relacionadas à segurança do apartamento virem à tona, no mesmo tempo em que os trabalhadores da construtora estão limpando a escada social. Clara vai até eles e pergunta se limparam a merda da escada, não há um embate, são apenas funcionários da construtora. É perceptível que o trato de Clara com os funcionários da construtora e vice-versa é de respeito.

Em sequência Tomás e Julia estão deitados, acordando no apartamento de Clara, e se beijando. Clara leva alguns álbuns de fotografia para Felipe, seu sobrinho que irá se casar.

Clara e Antônio olham para aquelas recordações e relembram de suas vidas. Uma sequência que novamente retorna a importância de se manter memórias vivas.

Eles tentam se lembrar do nome de uma das empregadas da família, a qual é acusada de roubar joias. Fátima diz que é inevitável: “a gente explora elas, elas roubam a gente de vez em quando e assim vai”. Relativizando atitudes de ambos os lados, e criando um didatismo desnecessário e incongruente com o restante do filme, pois antes o discurso se dava pelas ações das personagens durante as cenas, agora o discurso está na boca das personagens.

60 ARAUJO, Inácio. Sonia Braga está espetacular em filme construído meticulosamente. Folha de São Paulo. 30/08/2016. Disponível em: https://goo.gl/eR25eN. Acesso em: 16/11/2018.

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Tomás e Julia aparecem na reunião familiar e vão escolher um disco. Clara se dirige ao quarto, mas para em frente a porta. Antônio e Felipe conversam sobre a mudança das fotos com carros, algo comum antigamente, lembrando-nos da cena inicial do filme, em que os dois,

Antônio e Fátima, desfilavam com o carro novo, mostrando-o para Clara nos anos 80. A noiva de Felipe solta um comentário e é discordada, aparentando ser uma pessoa estranha àquele ambiente.

Ao fundo de Fátima passa a empregada da fotografia, como um fantasma, um vulto, atravessando o corredor, de uma porta a outra. Corta para uma breve inserção mais próxima da entrada da empregada pela porta, saindo de quadro.

Clara volta do cômodo, passando por onde a empregada andou e lembra de seu nome, como se atravessasse uma energia deixada por ela, Juvenita (Andrea Rosa). Ela senta no sofá e revela o nome a todos. Enquanto isso, o casal de noivos passa na frente do quadro e se sentam no chão. Clara faz uma brincadeira com a profissão do sobrinho, que é advogado, e a noiva não entende a piada, novamente se mostrando fora daquela rede.

Ao fundo desta sequência inteira está tocando “Washboard Wiggles”, de Tiny Parham

& His Orchestra, uma música instrumental do final dos anos 20. A canção nos transporta automaticamente para uma visita ao passado. Algo atingido também imageticamente: através de fotografias em preto e branco penduradas nas paredes, fotografias antigas em álbuns e pelos discos LPs expostos.

Clara observa uma foto de tia Lucia, e todos comentam rapidamente com saudades.

Ladjane entra e serve mais vinho para os convidados e, querendo se inserir naquele ambiente, reacende a memória de seu filho, mostrando uma foto dele. A reação das pessoas é de um silêncio absoluto, respeitoso, porém distante, como se aquele momento não pertencesse àquela família.

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Dá-se início a uma das sequências mais fortes dramaturgicamente, em que há uma conexão distinta a partir do momento em que Clara assume um papel antes reservado à tia

Lúcia. Julia fala sobre o disco que escolheu. Há um plano do casal noivo, desviando o olhar.

Logo corta para um detalhe de Clara esperando a música começar, e há uma apreensão em seu olhar. Ela sorri e olha para cima, em direção à Julia, de modo que percebe que Julia tem a ver com Tomás. Enquanto isso Julia continua olhando diretamente para Clara. Tomás depois de ver o sorriso da tia, vira-se para Julia. Os dois se olham embaraçados, olham para a tia novamente. Corta para ela e abre um sorriso, seus olhos começam a marejar.

Então, corta para os noivos, contrariados. Corta para o casal jovem, o disco enrosca num momento, e Julia reage de forma engraçada. Clara ainda sorrindo olha para Julia. A câmera volta-se para Julia, e há um pequeno zoom e seus olhos também estão com lágrimas. Corta para

Clara, logo para um plano mais próximo de Julia, ela olha para Tomás, ele vai até seus ouvidos e diz algo; ela sorri. Corta para Clara sorrindo, com os olhos ainda mais cheios de lágrimas.

Enfim, Clara assume o mesmo papel que tia Lucia tinha para ela, uma referência como mulher e pessoa. É possível perceber a conexão intensa feita entre as duas naquele momento, pela maneira como as atrizes interagem à distância, sem falas, passando para a tela essa emoção, bem como pela montagem da cena, com cortes precisos. Demonstra a potência da dramaturgia da cena.

Corta para a cozinha, o lugar reservado para as empregadas na casa, pela perspectiva da sala, Ladjane entra em quadro e corta um peito de frango.

A parte três, O Câncer de Clara, inicia-se depois de 1 hora e 40 minutos de filme, com a imagem do prédio sendo pintado de branco. Clara se preocupa com o Aquarius, quer renová- lo.

A câmera sobe até a janela de Clara, ela abre a porta com uma máscara para brincar com seu neto, mas a filha passa por cima. Ana Paula logo entrega seu filho para Ladjane. A

70 filha demitiu a babá, agora precisa da ajuda de sua mãe. Ana Paula é também representada cheia de contradições, ela é uma mulher batalhadora, recém divorciada, vivendo sobre uma pressa e uma angústia que acabam desumanizando-a.

Enquanto Clara está fora do apartamento, andando com seu neto Pedro, Ladjane está no apartamento sozinha, atuando como uma guardiã. Ela percebe a presença de dois rapazes que estão levando colchões sujos para baixo e passam na frente da porta de serviço. Mais uma vez a ameaça acontece fora do apartamento, à beira de adentrar, e Ladjane está ali para protegê- lo.

Voltamos para Clara, que está contando histórias infantis para seu neto, que se referenciam à trama do filme: os três porquinhos e a alusão às ameaças da construtora personificada pelo lobo mal; e a do chapeuzinho vermelho, na qual o lobo mal come a vovozinha, fazendo praticamente a mesma alusão.

Retornamos para Ladjane, agora falando ao telefone. E uma cabeça – de um funcionário da construtora – surge na janela, assustando-a, como que complementando as alusões feitas anteriormente pelas histórias infantis. Há mais uma tentativa, mesmo que sutil, de uma invasão, de adentrar naquele apartamento.

Clara anda pela calçada de seu prédio, voltando do passeio com o neto. Ela estranha aquela aglomeração de pessoas na frente e dentro do edifício. Trata-se de um grupo de evangélicos que estão realizando um culto em seu interior, como pode ser percebido também pelo som, com músicas, falatório e palmas. São pessoas gentis, mas a agressividade reside na invasão, na quantidade de pessoas, na superlotação do quadro.

Ladjane não sabe nem o que falar para a patroa, levando-a até a cozinha para ver a garagem cheia de carros. A chave do filme, a partir dessa sequência, muda: a invasão antes sorrateira e sutil, começa a atormentar Clara.

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Ela vai até seu quarto e deita, há uma fusão de Clara dormindo na cama para Clara dormindo no sofá: ela está se cansando com as investidas da empreiteira. Ladjane vem até ela e conta sobre o que aconteceu com os colchões no dia anterior. Clara não entende o porquê de

Ladjane não ter contado o ocorrido no mesmo dia, dando uma leve bronca.

E então vamos para um flashback de Ladjane na cozinha, observando a garagem.

Depois de um longo período, há um corte para dois homens do lado de um colchão pegando fogo. Ladjane anda pelo corredor, enquanto o som toma conta do espaço, um som parecido com vento. Ela chega perto dos homens, perguntando o que significava aquilo, e o homem responde com um “fique na sua”, mostrando um desrespeito para com aquela mulher.

Corta para Ladjane e Clara, do tempo presente, observando as cinzas do colchão, com um silêncio. Diego chega com a caminhonete no mesmo instante, e o som se intensifica, há o barulho alto do motor do carro, cachorro latindo e diversos ruídos complementando a paisagem sonora.

Ambos começam uma conversa mais agressiva do que os contatos anteriores. Existe ainda a cordialidade, mesmo que falsa, entre os dois, mas há também uma irritação, a qual vai crescendo de ambos os lados. Ladjane atua, no meio dos dois, como uma mediadora, sem dizer muita coisa, contudo com uma presença defensora.

Ele muda a abordagem, primeiro com uma abordagem passiva agressiva, depois escancara que irá atacar. Fala de seu curso de Business nos EUA, relembra Clara que o prédio está vazio, mostrando uma aparente preocupação com as condições em que Clara se encontra.

Utiliza como argumento a quantidade de pessoas que estão à mercê da decisão de Clara para poderem trabalhar. Ao tentar expor a posição dos filhos de Clara, ela o interrompe e grita com ele.

Acontece a cena mais didática do filme, com a fala de Clara sobre a educação de Diego, dizendo que é na elite que se encontra a falta de educação. O discurso que o filme construiu

72 cinematograficamente durante sua duração é explicitado em uma única fala de maneira didática, diminuindo seu impacto e veracidade. E ele finaliza atacando-a, expondo sua culpa burguesa de patroa, rememorando-a que também é de uma família abastada, mas o faz junto com um racismo embutido, se referenciando ao tom de pele de Clara – pertencente a “uma família de pele mais morena”.

Clara se encontra com Ronaldo (Lula Terra), diretor do jornal onde ela trabalhava como crítica musical. Ele lhe mostra a publicação da entrevista que ela havia dado para o jornal: Clara odeia a manchete (“Eu gosto de MP3”), com a clara manipulação sobre o que foi dito.

Logo em seguida Clara pergunta sobre a construtora Bonfim, se ele possui alguma informação que possa prejudicá-los. Descobre que Diego está ligado com alguma igreja. Além de ser da família de Ronaldo, porquanto é afilhado do irmão. Demonstrando os privilégios e favorecimentos reservados a amigos e familiares.

Quando tocam no assunto de família e Clara se demonstra contrária a esses favorecimentos, Ronaldo a relembra das acusações, no âmbito político, que o irmão de Clara está sendo acusado. Finalmente, depois de muito sarcasmo na conversa dos dois, Ronaldo revela à Clara a existência de documentos sobre a construtora que, se divulgados, podem causar um grande estrago.

Clara e Cleide (Carla Ribas) entram em um galpão com diversos documentos, os quais se interessam pelos que estão jogados em meio à bagunça. Inicia-se um ruído agudo, típico de suspense, emendando-se nos instrumentos de uma música instrumental.

Vemos a pintura do prédio sendo finalizada pela tarde. Ocorre uma elipse e o prédio está inteiro branco pela noite. Entra-se no apartamento de Clara, a cômoda é enquadrada, e

Clara está sentada mexendo em seu notebook. Num primeiro momento ela vê fotos do sobrinho com Julia, com a qual trocou e-mails e, então, vê o perfil de Diego Bonfim numa rede social de empregos.

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A câmera passeia pelo lado externo do prédio com sons de gatos. Volta para a sala do apartamento, há um ruído na cozinha que motiva a mudança para o plano enquadrando a cozinha. Juvenita entra em quadro, mexendo na pia da cozinha. Uma cena com um caráter fantástico e fantasmagórico, uma memória que desencadeou a vinda dessa mulher para o “plano real”.

FIGURA 10 – Plano fantasmagórico de Juvenita

Juvenita sai da cozinha e vai em direção ao quarto, a câmera a acompanha. Abre o armário, pega um porta-joias e senta na cama. Admira as joias, enquanto Clara a observa deitada na cama, o lado direito de seu peito começa a sangrar e manchar sua roupa. Há a inserção de um plano do apartamento vazio, com a cômoda aberta e vazia no centro do quadro, diferentemente de todas as outras aparições, em que estava fechada. Nesse plano, os dois elementos que têm maior importância quanto espacialidade e memória, assumem agora o papel de esquecimento e vazio. Há um corte para uma porta batendo, e Clara acordando assustada.

Tudo era um pesadelo. Os maiores medos de Clara estavam ali representados. Nesse momento, ao contrário de outros, o diretor faz questão de desmascarar o caráter fantástico, trazendo-nos de volta para a realidade. As memórias, além do caráter nostálgico e prazeroso, podem ser dolorosas e machucar, o que não tira a importância de seu resgate.

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FIGURA 11 – Imagem demonstrando um dos maiores medos de Clara, o apartamento vazio

Há uma cena com Ana Paula, trazendo novamente Pedro para os cuidados de sua mãe.

O prédio está cheio de gatos, os habitantes que restam no prédio. Ao mesmo tempo que vemos a preocupação de Clara com sua filha, vemos ela preocupada com a situação da mãe no prédio vazio, que acabou de receber uma notificação da construtora por pintar a fachada do prédio.

Clara está voltando do mercado, com duas sacolas nas mãos, a câmera a acompanha.

Vemos dois homens atravessando a rua e se aproximando de Clara: o movimento de câmera, acompanhando-os e fechando o quadro, juntamente com a montagem, criam uma tensão e a sensação de violência iminente. Logo é revelado que se tratam de dois trabalhadores da construtora, que se aproximam dela por se preocupar com aquela senhora e avisam do plano da construtora de deixar os cupins para fazer o prédio ruir.

Ela entra em casa, processando a informação dada pelos rapazes. Percebe a proporção que esse novo câncer tomou em sua vida. E ao ver o neto, percebe a importância da família, e, num momento de breve devaneio, consegue se despreocupar e curtir o presente. Porém, logo isso é quebrado com um plano dela observando o prédio, voltando-se à preocupação com a presença do cupim nos apartamentos, como informado pelos funcionários.

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Neste momento os planos tortos de Clara e sua dimensão, diminuta diante do prédio, demonstram esse estado de espírito sufocante em que ela se encontra. Uma música de suspense começa e uma fusão acontece entre Clara e a viatura de bombeiro entrando pela garagem.

FIGURA 12 – Imagens demonstrando o abalo de Clara

Clara está pela primeira vez vestida totalmente de preto, como se estivesse de luto, e seu cabelo está um pouco desarrumado. Mostrando o estado em que se encontra a personagem depois de todo o assédio sofrido e com a preocupação pelo desconhecido.

Ao seu lado estão as pessoas que tiveram o tempo todo dando suporte, Ladjane, Tomás,

Roberval e, nos momentos finais, Cleide. Este grupo, com exceção de Ladjane, vai em direção aos apartamentos.

Ao arrombarem a porta de um dos apartamentos se deparam com colônias de cupins, trazidas pela construtora para corroer as estruturas do prédio. Em um primeiro momento parece que Clara vai sucumbir, se desesperando. E ao entrarem no segundo apartamento constatam que esse se encontra em piores condições, parece que Clara vai se decompor com o edifício, mas acontece justamente o contrário. Trata-se, portanto, de uma metáfora que explicita a relação da construtora com os insetos, querendo invadir estruturas que não podem atravessar, móvel da última tentativa de ataque à Clara.

Assim que o plano fecha no cupinzeiro, somos transportados para a saída de Clara do mar com um maiô preto. Ela vem caminhando em direção à câmera entrando em foco. Para a caminhada, olha diretamente para a câmera com um semblante de preparada para enfrentar o que está por vir.

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Ela então se ajeita para a batalha final na construtora, com planos dela escolhendo sua roupa, se maquiando e fumando um baseado. Clara tem o apoio de Antônio, Tomás e Cleide.

Há uma troca de olhares entre Cleide e Clara, olhares de cumplicidade e de apoio.

Há um detalhe da mão de Clara, com um único cupim subindo sua mão. E depois um plano próximo do rosto de Clara, ela se afasta e faz um pequeno tilt down revelando a maleta e depois subindo para a face de Clara. Esse pequeno movimento dá uma primeira dica para o espectador do que virá.

Eles caminham por um tempo razoável pela construtora, cheia de corredores, até chegarem na sala de reuniões. Os quatro se entreolham esperando por Diego e Geraldo. Os dois chegam na sala e se cumprimentam, com exceção de Tomás, que faz questão de não os cumprimentar.

Clara não se delonga, e logo que possível retira os documentos e entrega na mão de

Geraldo, que fica abismado. E diz que se não fosse educado colocaria Clara para fora, embora achem que aquilo não tem valor e que não daria em nada. Ela diz não estar preocupada com o dar ou não em nada, estando interessada em causar um desconforto para eles. Os dois homens acabam perdendo a paciência, visto que foram pegos de surpresa por Clara e foram atingidos.

Clara decide revelar o segundo motivo pelo qual estão ali. Ela conta da sua vitória sobre o câncer, e diz: “Eu prefiro dar um câncer em vez de ter um.”. Isto posto, ela pega sua mala e a coloca sobre a mesa, enquanto seu sobrinho filma toda a ação e possível reação dos homens

Bonfim.

Quando Clara abre a mala, se exalta e começa a depositar com força os pedaços de madeira que trouxera sobre a mesa. A câmera ainda consegue captar algumas reações das personagens, mas logo a câmera se fecha em detalhes das madeiras infestadas de cupins.

Em off começa a música “Hoje”, de Taiguara, novamente. Atuando como réplica à mesma música do início do filme, pois a percepção do espectador sobre a personagem Clara,

77 assim como as nuances apresentadas na história fazem com que a letra seja encarada de uma outra forma, criando novos significados, sendo apreendida como uma nova canção.

FIGURA 13 – Plano Detalhe da madeira infestada de cupins

É mais uma cicatriz que Clara levará no corpo. Mais uma batalha vencida por Clara, essa heroína apresentada com todas as suas contradições, mas que cria empatia com o público a partir de suas questões, sua força e sua determinação na luta contra aqueles invasores.

Gostaria de concluir esta análise debruçando sobre a escolha do ponto de vista da obra.

O filme nos coloca numa posição de observadores – em alguns momentos até de invasores – a partir da fotografia que passeia pelo apartamento, como se fosse um integrante daquele espaço.

Claro que a todo momento acompanhamos o embate de Clara e da construtora sob a perspectiva de Clara, não vemos outros lados da mesma história, não percebemos as aflições e quereres de outras pessoas atingidas pela não-venda do apartamento de Clara.

É uma escolha astuta do diretor, visto que nos simpatizamos e torcemos pela personagem e, ao mesmo tempo, nos questionamos sobre suas decisões e atitudes, demonstrando ser uma mulher cheia de nuances. Ao mesmo que a critica, a entende. Dessa forma, ao perceber contradições de Clara, percebemos também questões de classes e sociais em nossas vidas e sociedade.

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7. Conclusões

Desde seus curtas, Kleber Mendonça reitera alguns temas que lhe interessa tratar em seus filmes, cada qual distinto em forma, mas semelhantes em alguns conteúdos. Ele já havia demonstrado essa veia política em seu trabalho pregresso e, como vimos, nesses dois longas analisados isso se torna muito mais intenso.

Principalmente temas sociopolíticos, como a questão de empregadas domésticas, tanto em Eletrodoméstica e Recife Frio como em O Som ao Redor e Aquarius; a segurança, ou a falta da mesma, em Enjaulado e O Som ao Redor; o passado da sociedade que assombra a classe média, presente tanto em A Menina do Algodão, como em O Som ao Redor e em menor escala em Aquarius; e a relação entre mãe e filha, com um olhar que valoriza sua complexidade, como acontece em Vinil Verde e em Aquarius.

A semelhança entre Eletrodoméstica e O Som ao Redor ocorre principalmente pela personagem de Magdale Alves e pelo núcleo da personagem de Maeve Jinkings, Bia. Enquanto no primeiro há um foco mais específico no impacto dos eletroeletrônicos na vida desta mulher de classe média, entediada com a vida, no segundo esta questão é tratada com maior complexidade, como vemos na cena de briga e inveja com uma vizinha envolvendo uma televisão. A despeito deste paralelo, em O Som ao Redor, o grande mote está em se proteger de uma ameaça externa, que a incomoda e viola sua privacidade, acabando com seu sossego.

Em Recife Frio, utilizando de recursos cômicos e de certa ironia, Kleber Mendonça critica a relação empregada-patrões. Quando a temperatura de Recife se modifica, com um inverno rigoroso, a empregada é expulsa de seu quarto por ele ser o mais quente, trocando com o filho dos patrões. Esta cena reforça heranças patronais de nossa sociedade, presentes desde a

época da escravidão, tanto pela existência de um quarto para a empregada dentro do ambiente de trabalho, como pela forma que se dá essa relação. Já em Aquarius, essa relação é mostrada através de uma ambiguidade, mais fiel à realidade brasileira, em que há afeto por trás da relação

79 de trabalho, ao mesmo tempo em que é considerada quase da família, existe um distanciamento em certas situações.

Em Enjaulado, o personagem, um homem de classe média, se sufoca em seu próprio mundo de medo, a partir de sua paranoia por segurança. E a semelhança deste com O Som ao

Redor não se dá por um personagem, mas sim pela sensação criada em seu universo.

Constantemente paira no ar um pressentimento de medo e insegurança, próprio de uma classe média brasileira, que busca a todo custo proteger sua propriedade.

Kleber Mendonça utiliza de elementos do terror para demonstrar essa mesma insegurança, com um caráter sobrenatural, mas partindo para uma crítica mais enraizada no cerne da sociedade, com seus preconceitos e anseios sobre o passado e memória. Utilizando de lendas do imaginário popular pernambucano, como a menina de algodão, uma figura que assombra banheiros, no filme homônimo e em O Som ao Redor, utilizando o Menino Aranha, como vimos.

Dessa forma ele aprimora essas questões em seus dois longas. Algumas críticas trabalham justamente esse processo de amadurecimento artístico de Kleber Mendonça, que já tinha mostrado inventividade e competência em trabalhos anteriores, até chegar ao resultado final de seu primeiro longa-metragem, O Som ao Redor, com temas e mesmo cenas recorrentes em seus outros curtas, como Vinil verde, Eletrodoméstica e Recife frio e igualmente em seu longa documentário Crítico.

Tanto em O Som ao Redor quanto em Aquarius, as questões sociopolíticas tornam-se os elementos de maior força. Não ocupam um papel secundário, estão ali tanto na forma, como no conteúdo. Na forma, pelo recurso ao suspense, pelo esforço em se afastar do proselitismo, demonstra a resistência de personagens à pressão externa, às ameaças da urbanização, do capitalismo, da falta de privacidade e a busca pela segurança em uma sociedade aflita. O som em ambos os filmes é utilizado de forma a reforçar as aflições e questões levantadas, tanto a

80 trilha musical, como a sonora, com todos os ruídos e sons off ocupando um plano dissonante, uma hipernaturalização.

E no conteúdo, ao apresentar situações críticas do cenário sociopolítico brasileiro, principalmente de um passado escravagista e a perpetuação de privilégios em determinadas classes. Em ambos, ele trabalha um microcosmo de Recife, mas alcança o macro, sendo possível identificar questões semelhantes à sociedade brasileira.

A relação entre empregado e patrão, nas mais diversas esferas, é abordada nos dois filmes, sendo um dos eixos de maior semelhança. Um dos pontos em comum de ambos é a relação patroa e empregada doméstica – com exceção de João e Francisco em O Som ao

Redor, sendo uma relação entre patrão e empregada – já em Aquarius a relação se dá apenas entre mulheres. Mas essa relação é distinta entre os filmes, em O Som ao Redor a relação de Bia é uma relação patronal, com uma maior distância afetiva, já entre Clara e

Ladjane (e também entre Clara e as empregadas na festa de tia Lúcia em 1980) há uma relação de afeto e carinho, para além da relação patronal que também está presente.

Com todas as críticas sociopolíticas presentes nos filmes e com o cenário político decorrente durante a carreira dos filmes, eles foram interpretados por alguns como filmes panfletários e com uma dimensão política distinta da que foi abordada nessa pesquisa.

Principalmente Aquarius foi interpretado com uma defesa à presidenta Dilma Roussef, um ataque ao governo de Michel Temer, e é neste aspecto que nos deteremos ao final deste relatório.

Primeiro com o protesto da equipe em Cannes e a transformação do seu status, sendo assumido por alguns61 como um filme panfletário contra o governo de Michel Temer. Pedro

Butcher utiliza de palavras certeiras para pontuar o caso: “Que ‘Aquarius’ seja um filme sobre

61 AZEVEDO, Reinaldo. Assim que “Aquarius” estrear no Brasil, o dever das pessoas de bem é boicotá-lo. Que os esquerdistas garantam a bilheteria. Veja. 18/05/2016. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/assim-que-aquarius-estrear-no-brasil-o-dever-das-pessoas-de-bem-e- boicota-lo-que-os-esquerdistas-garantam-a-bilheteria/. Acesso em: 14/11/2018.

81 resistência nesse momento muito particular da história brasileira pode ser uma coincidência circunstancial - que aumenta, sim, a importância do filme-, mas não tira dele uma força que sobreviverá a esse momento.”62.

Posteriormente, o filme e o diretor sofreram consequências desse protesto, como o posterior boicote à seleção para concorrer ao Oscar, o vaivém da classificação etária, que queria impor a idade de 18 anos, e o seu desligamento da Fundação Joaquim Nabuco. José Geraldo

Couto diz que isso “condenou o filme de Kleber Mendonça Filho a adquirir, para o bem ou para o mal, uma dimensão política ainda maior do que a já contida em seus 142 minutos.”63

Logo, alguns críticos defenderam que uma obra deve ser autônoma, e o que importa é apenas o filme, um deles sendo Luiz Zanin. Para ele, o filme “deve ser pensado com autonomia em relação à conjuntura política imediata, embora nenhuma obra esteja acima ou ao lado das contingências históricas em que é feita e realizada”64. Por outro lado, Eduardo Escorel possui uma visão mais pessimista sobre essas questões, questionando se esses episódios já não contaminaram o filme de maneira irremediável, prejudicando-o.

Portanto, um filme político se mescla com a situação política em que ele está inserido, de forma a se tornar difícil uma separação entre a obra e as interpretações sobre o mesmo. As situações descritas acima levaram-no, para o bem e mal do filme, a um patamar de símbolo de sua época.

62 BUTCHER, Pedro. Brasileiro volta a exibir domínio absurdo do cinema em 'Aquarius'. Folha de São Paulo. 17/05/2016. 17/05/2016. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/1772146-brasileiro- volta-a-exibir-dominio-absurdo-do-cinema-em-aquarius.shtml. Acesso em: 24/04/2019. 63 COUTO, José Geraldo. O Corpo que Resiste. Blog do IMS. 02/09/2016. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-corpo-que-resiste/. Acesso em: 24/04/2019. 64 ZANIN, Luiz. Brilhante e polêmico, ‘Aquarius’ é um elogio à resistência. O Estado de São Paulo. 01/09/2016. Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,brilhante-e-polemico-aquarius-e-um- elogio-a-resistencia,10000073225. Acesso em: 10/11/2018.

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8. Referências

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Anexos Anexo A - Relação de críticas e estudos sobre O Som ao Redor.

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101

Anexo C – Primeira Análise de O Som ao Redor

O Som ao redor retrata a chegada de uma milícia oferecendo segurança particular, com

Clodoaldo (Irandhir Santos) sendo o chefe, numa rua de classe média em Recife. O que deveria trazer paz e segurança, na verdade, faz com que o temor aumente, gerando uma tensão constante, enquanto Bia (Maeve Jinkings) se incomoda com latidos constantes de um cão de um vizinho e procura maneiras de lidar com isso.

O Som ao Redor é um filme cheio de contradições e problematizações, e são nestas questões que está a grande força da obra, a representatividade social é maior do que a representatividade na tela.

A mise-en-scène se dá mais nos espaços do que nos atores e em suas situações. A atuação naturalista eleva os pequenos detalhes e aproxima o espectador com o que acontece em tela, há uma hipersignificação, gerando expectativas e quebras. Essa busca por uma não atuação soa em muitos momentos como falsas e teatrais.

Ao mesmo tempo que trabalha o presente, as questões atuais de Pernambuco, acaba abordando questões do passado a partir do presente, as heranças de um passado escravocrata e patriarcal da sociedade brasileira. É um retrato cru sobre a classe média brasileira, em que sintetiza no microcosmo do bairro Setúbal o macro Brasil, abordando as ânsias e fobias da classe média, a renovação oligárquica presente na historicidade brasileira, onde as relações sociais pouco mudaram desde a escravidão.

Seu Francisco como herdeiro do engenho e dono de metade das propriedades do bairro; a questão das empregadas domésticas, tanto nas relações de poder, como também sutilezas, como a existência de um quarto para empregadas em diversos apartamentos; questões que tangem o social, como as relações de classe, especulação imobiliária e segurança pública.

Aponta um rompimento de um servilismo da classe trabalhadora, em que vemos alguns trabalhadores se revoltando e se vingando de seus patrões. No plano de fundo temos uma luta

102 de classes sutil e sem enfrentamento físico. A relação entre classes de mais enfoque é a das empregadas domésticas e seus patrões, há diálogos em que a estranheza do relacionamento é evidenciada, revelando uma característica comum à classe média e suas empregadas, há um afeto ao mesmo tempo que há uma relação de poder, de patronagem, é uma relação estranha, em que ao mesmo tempo que se diz ser parte da família, não é, algo que fica evidente no filme

Doméstica de Gabriel Mascaro. A cena mais dramática e tensa sobre essa relação é a de Bia e

Francisca, quando esta queima o aparelho emissor de ruído, em que Bia é grossa e cresce pra cima de Francisca por ser a patroa.

Os dispositivos cinematográficos exercem um papel revelador e de destaque para essas questões, com o som sendo o principal elemento, atuando como parte essencial do discurso no cinema político. O diretor é muito feliz em suas escolhas sonoras, pois é na banda sonora que se encontra os principais elementos de suspense do filme, a obra opera na medida em que o espectador fica a todo momento no aguardo do que está por vir, e o som quebra a expectativa em diversos pontos. A intensidade dramática, na maioria dos casos, é amparada pelo som, pontuando e a acentuando os momentos de maior suspensão.

Há uma sobreposição de faixas sonoras constante em algumas cenas, em que o autor pontua certos elementos, elevando o nível do desconforto das personagens e também do espectador. Além de elementos diegéticos que vão tomando conta da banda sonora e assumindo um destaque desproporcional, há a inserção de ruídos e elementos musicais que contribuem para tal efeito.

A fotografia do filme é intimista e invasiva, contribuindo para uma maior empatia e portanto um sentimento distinto quanto à questões e conflitos das personagens, transpassando uma sensação de pertencimento e anseio aos espectadores. O peso da arquitetura na construção imagética do filme é muito forte, uma grande quantidade de prédios enquadrados e enquadramentos geométricos, com muitas linhas e formas retas, fotografias em perspectiva.

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Muitos enquadramentos dão destaque às grades, há uma necessidade gigantesca por segurança,

Kleber Mendonça assume esses elementos como forma narrativa. Outro tipo de enquadramento muito utilizado é o do quadro dentro do quadro, podendo remeter a um certo aprisionamento das personagens.

O interesse não está apenas no espaço urbano em si, mas em sua transformação através do tempo e o comportamento humano em sociedade. Representando a fragmentação, o isolamento e a repetição da sociedade urbana contemporânea. Crianças entediadas dentro de casa, com o cercamento e cerceamento de sua liberdade. O tema da especulação imobiliária também está bem presente, vemos muitos prédios e caçambas nas ruas. E em uma cena descobrimos que a casa em que Sofia morou será derrubada.

A montagem da obra conjuga realismo e estratégias fantásticas, as cenas são encadeadas de forma linear, mas em alguns momentos são feitas associações, como por exemplo na sequência em que cachorros são associados à homens, e mandantes de assassinatos aos que se vingam de cães, o que produz uma multifacetação dos medos contemporâneos da classe média brasileira.

Algumas cenas filmadas de cima do prédio com mensagens escritas na rua, mensagens que só é possível ler estando de cima. O que pode ser relacionado com o filme Um Lugar ao

Sol de Gabriel Mascaro. Há uma elevação no status, uma superioridade que é remetida à imagem.

Há certas alegorias presentes na obra que são retrabalhadas, modernizadas e há quebras em cima delas. Sendo as duas principais a de Bia, representando uma alegoria da Mãe, e a de seu Francisco a do Coronel. À primeira vista Bia é representada como uma mulher da classe média, com todos os estereótipos presente no cinema para tal posição, mas aos poucos essa imagem de dona de casa perfeita, mãe zelosa, uma mulher sem desejos, já que é mãe, vai sendo quebrada e desmascarando tais estigmas.

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Seu Francisco representa um coronelismo moderno, urbano, dono de muitas propriedades, se achando portanto o dono da rua. Esconde atrás de sua autoridade um passado de família escravagista, e daí que vem todo seu dinheiro, um homem que galgou sua posição não por méritos próprios, mas cheio de privilégios. Disfarçando atrás de sua aparente simpatia, uma altivez e arrogância, maltratando verbalmente serviçais.

O Som ao Redor inicia com uma sequência de dez fotografias em preto e branco, imagens de uma Pernambuco antiga, da época do engenho. Não há nenhuma identificação das pessoas representadas e nem o motivo pelo qual estão inseridas ali, possibilitando uma série de percepções e interpretações. O passado está ali presente e congelado, há um interesse em usufruir do passado para se construir o presente? O que há de comum nessas imagens com a atual Pernambuco, representada por Kléber Mendonça? Há um desejo de um futuro?

Enquanto na imagem temos esse congelamento, o som contribui para a construção de um suspense, há um crescendo dos bumbos e uma intensificação, ficamos com um desejo de saber o que está por vir, ao mesmo que ocorre um receio do desconhecido. Até que há uma interrupção abrupta e vamos para o presente, com duas crianças brincando no estacionamento de um prédio, e vão para a quadra em uma cena muito peculiar, as crianças no centro brincando e se divertindo, enquanto as empregadas, uniformizadas, estão às margens da quadra. O som off, uma música, junto com o som over, uma esmerilhadeira, vão se intensificando e criando uma poluição sonora, ocasionando um desconforto, construído juntamente com a imagem, com uma sobreposição de grades.

Com essa pequena introdução o autor consegue expressar um dos motes de sua obra, o desejo por segurança e o cerceamento da liberdade, uma segurança que só está presente no privado, no interno. Há uma sequência de planos que faz essa relação direta e corrobora essa afirmação. O 1º plano são 3 crianças observando a instalação de uma nova grade em uma casa

105 na rua, posteriormente 2 jovens se beijando entre inúmeros muros e por fim uma batida de carros em uma rua tranquila.

A introdução acaba com a inserção de uma cartela: 1ª PARTE, CÃES DE GUARDA.

O nome desta parte remete-se à questão da segurança das duas histórias paralelas centrais do filme, ao cachorro que incomoda constantemente Bia e aos seguranças que oferecerão segurança particular à rua de João (Gustavo Jahn).

Inicia-se uma montagem paralela entre os dois principais enredos, e é nessa costura que o filme transcorre, enquanto a narrativa de Bia é interna, uma relação pessoal e de moradia, todas as questões levantadas se dá no ambiente privado, o cachorro que a incomoda, a vizinha com quem se desentende, a relação família-trabalho. E a de João é externa, tem uma relação mais direta com a rua em que vive, a questão urbana, o passado escravista brasileiro e os trabalhadores.

Depois dessa apresentação das personagens, de suas principais questões nos primeiros trinta minutos de filme, ocorre o primeiro ponto de virada nas duas histórias, na de João com a chegada de Clodoaldo, trazendo segurança privada para a rua e na de Bia com o primeiro enfrentamento direto com o cachorro jogando remédio para o cachorro.

Há uma quebra de paradigmas e também um escancaramento de uma hipocrisia da classe média em duas sequências de Bia. Em uma sequência vemos ela fumando um cigarro, vai para seu quarto e fuma um baseado escondida, soprando em um aspirador de pó. Na próxima sequência ela compra maconha do entregador de água, e logo em seguida se masturba com a quina da máquina de lavar, lembrando-nos do ápice de seu curta Eletrodoméstica.

Enquanto a obra revela esse lado, Bia faz questão de fazer às escondidas, tranca a porta na hora de comprar maconha e fecha a janela na cena da máquina de lavar. Um resguardo de sua privacidade e índole.

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A próxima sequência mostra a insegurança de Clodoaldo e Fernando quando vão conversar com seu Francisco, o momento de espera por seu Francisco é demonstrativa do temor que estão da conversa que virá, e é muito bem construída pela montagem, com a inserção de planos da cozinha vazia, a visão subjetiva deles, e a expressão dos dois. Ocorre um diálogo ríspido, seu Francisco sendo irônico. Com a permissão de seu Francisco para atuarem na rua, ou melhor, a não proibição. Impõe apenas uma condição, a de não mexerem com seu neto

Dinho acaba a primeira parte do filme.

Uma cartela anuncia o início da 2ª parte GUARDAS NOTURNOS. Bia e sua família suspeitam dos guardas ao mesmo tempo que esperam que melhore a segurança do bairro.

Acontece uma reunião de condomínio de João, uma sequência onde o diretor tenta expor questões sobre a demissibilidade do porteiro do prédio e de seus direitos, a hipocrisia da classe média ao mesmo tempo criando uma dualidade quanto às questões, o porteiro realmente não está fazendo um bom serviço ao mesmo tempo que está anos com o condomínio. Essa sequência inicia uma questão de João, ele se sente como um peixe fora d’água, tanto em seu bairro como na família. Porém é uma cena com alguns problemas técnicos, na tentativa de ilustrar algumas contradições da classe média e do seu discurso, acaba soando falso e algumas personagens caricatas.

Na sequência subsequente ocorre a primeira cena com caráter fantástico, Bia está na laje de sua casa observando a vizinhança, quando uma música, de certo suspense, inicia e ao fundo acima de um telhado vemos um homem negro sem camisa, andando com as mãos apoiadas no chão. No decorrer do filme há uma série de cenas que remetem ao passado brasileiro de uma forma fantástica.

Seu Francisco sai à noite e vai em direção à praia, é uma praia com aviso de tubarões.

Clodoaldo liga e ameaça Dinho, o qual vêm mais tarde tirar satisfação. Conhecemos um pouco a história dos seguranças, mas de uma maneira afastada e até desumanizada. Quando Dinho

107 conversa com eles conhecemos seu verdadeiro caráter, um moleque da classe média que desrespeita os mais pobres e se acha no direito por sua família ter posses e poder. A 2ª parte finaliza com um plano de um carro dando cavalo de pau e não sabemos ao certo do que se trata.

Dá início à 3ª parte: GUARDA-COSTAS. A questão do engenho retorna nas primeiras sequências dessa parte com a ida para a fazendo do avô de João, seu Francisco (W.J. Solha), e questões não resolvidas pela sociedade brasileira assombrarão João e Sofia em cenas pontuais e sutis. A primeira sequência é um almoço entre as três personagens, um almoço farto e que finaliza com um constrangimento por parte de Francisco, perguntando sobre o casório dos dois.

A próxima sequência é onde João e Sofia conhecerão o engenho, e é nesta que algumas cenas soarão como fantásticas, um certo realismo fantasmagórico. A primeira é em uma cômodo do engenho, enquanto estão lá ouvem passos e o ranger da madeira, o que a princípio remete ao passado daquele lugar, em que possivelmente são passos de escravos. A segunda é em uma escola, que remete à alfabetização e catequização, ao mesmo que remete à boa índole dos patrões para com os filhos de seus empregados, criando uma escola para eles. Temos a cena do cinema, com sons não diegéticos de uma música de terror e de gritos, com duas possíveis interpretações, a principal é de que se trata de filmes de terror que foram exibidos ali e o “bu” final de Sofia seria para esses filmes, pode-se interpretar também como gritos de escravos que passaram pelo engenho e o “bu” final de Sofia soa como irônico e num tom de deboche com a história do Brasil e com o sofrimento dos escravos, bem como a não memória do povo brasileiro com isso e com toda a dívida que se tem. E por último a cena da cachoeira, em que a água se transforma em sangue. Acaba com uma das netas de Maria cantando boi da cara preta.

Há uma cena muito interessante que mostra a familiaridade dos seguranças com a rotina do bairro, de fato eles conhecem bem a rua e as pessoas, e isso poderia ser bom para o trabalho deles. Mas é mostrado com uma ambiguidade, há uma zoação com uma traição que ocorre em

108 uma das casas e também sabem da boca de Romoaldo, e não o impedem de vender mas recriminam o horário.

Depois de um foco voltado para o núcleo de João, voltamos para o núcleo de Bia. As crianças estão estudando mandarim, Bia utiliza um aparelho emissor de um som agudo, que faz o cachorro parar de latir na hora, porém atrapalha as crianças. E o primeiro ponto comum, que cruza as duas histórias é a ida de Clodoaldo no portão de Bia pegar o dinheiro.

Clodoaldo e a empregada de Seu Francisco tem um caso, e vão na casa de um morador que está viajando. Quando sobem para o quarto de casal, ao fundo passa um menino negro

(talvez seja o mesmo que Bia viu no telhado). Novamente há uma inserção de um elemento fantástico, que é intensificado na próxima sequência, no sonho de Fernanda, no qual um grupo grande de pessoas negras pulam o portão e enchem o quintal, ela vai para o quarto dos pais e a cama deles se tornou um caixote de madeira, quando volta ao seu quarto, a cama de seu irmão se tornou um caixote também. A fantasia com a realidade se misturam, e ficamos confusos sobre a realidade da cena. Na próxima cena os seguranças veem uma coisa estranha na árvore, ao se aproximarem descobrem que é um menino negro sem camisa, o mesmo que apareceu nas cenas anteriores, como sendo um elemento fantástico, um deles bate no garoto. Pode-se interpretar como se enxerga e é abordado o tema da escravidão na sociedade brasileira, ela está presente, não se pode negar, mas ao mesmo tempo é algo que tenta-se ocultar, esquecer e tratar de forma ofensiva.

O tempo, memória e passado são temas, não ditos e vistos diretamente, mas que estão presentes nas vidas, fotografias e no som do filme. Uma cena em que rememora é uma em que

Anco (Lula Terra), ao sair de sua casa olha para a rua, e o contraplano é o da mesma rua em um passado, talvez dos anos 70. A memória também é exposta na cena em que João e Sofia estão visitando a casa em que vivera, ouvimos a memória dela sobre aquela casa, e há uma reconstrução pelo diálogo, em contraponto à destruição que está por vir.

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A chegada do irmão de Clodoaldo, Claudio (Sebastião Formiga), é pontuada com uma música de suspense ao fundo, e só entendemos o motivo dessa pontuação mais exacerbada mais pra frente com a conversa com Seu Francisco. Seu Francisco tenta ligar algumas vezes, sem sucesso em cenas anteriores, para Clodoaldo, e durante a festa ele fala com Clodoaldo que gostaria de conversar. Clodoaldo e o irmão vão ao apartamento de Seu Francisco e descobrimos o motivo da vinda, Francisco matou o pai e tio dos irmãos, e há no ar um sinal de vingança e o diálogo vai se intensificando, com o som colaborando com a sensação de sufocamento, o clímax da cena acontece com os três se levantando num tom ameaçador e há um corte para a família de Bia.

A última cena do filme acontece com a explosão das bombas para calar o cachorro.

Temos ao fundo o latido e grunhido do cachorro e Bia e o marido tentando acender as bombas.

Vemos na feição de Bia a cara de felicidade de uma vingança sendo cumprida, a fotografia desta cena é distinta do restante do filme, a cada explosão o frame é congelado, se assemelhando ao início das fotografias estáticas, até que a última explosão congela por mais tempo o frame, um clarão toma conta da imagem, e o quadro que fica é bem interessante. O silêncio toma conta por alguns segundos.

A rima dramatúrgica com a sequência anterior é fascinante, ao que tudo indica da ultima sequencia algo de ruim aconteceria, provavelmente seu Francisco morreria. A memória visual faz com que o som atual nos lembre e faça pensarmos que as bombas também podem significar tiros. Quando este impacto da cena final chega todas as relações que o autor constrói durante o filme se concretizam e acabam se forjando muito bem dentro desse discurso maior.

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Anexo D - Recepção Crítica de O Som ao Redor

O Som ao Redor foi muito bem recepcionado pela crítica e pelos festivais. Considerado por algumas mídias como o filme brasileiro mais importante dos últimos tempos, tornando-se a mais aclamada produção brasileira desde Cidade de Deus65. Foi apontado como um dos 10 melhores filmes do mundo realizados em 2012 por Anthony O. Scott66, crítico chefe do The

New York Times e um dos 20 melhores pela Film Comment67, entre outras publicações. De acordo com o British Film Institute (BFI)68 é um dos dez melhores filmes de língua não-inglesa da primeira metade dos anos 2010.

Realizou sua première mundial no 41º Festival Internacional de Roterdã, na Holanda, onde conquistou o Prêmio da Federação Internacional de Críticos, a FIPRESCI. No Festival

Internacional de Copenhagen conquistou o prêmio de melhor filme, assim como no Festival de

Novi Sad, na Sérvia. Além de percorrer por mais de 30 festivais em cerca de 15 países, sendo exibido em festivais de cinema importantes como o Festival de Locarno, na Suíça; de Sydney, na Austrália; de Viena, na Áustria, BFI London Film Festival, na Inglaterra e em Vancouver, no Canadá. Além de ser a obra selecionada para representar o Brasil na competição de Oscar de melhor filme estrangeiro na edição de 2014.

Já nos festivais brasileiros o filme recebeu o prêmio de melhor filme na 36ª Mostra

Internacional de Cinema de São Paulo e no 8º Panorama Coisa de Cinema de Salvador.

Conquistou no Festival do Rio os prêmios de melhor filme e de roteiro e em Gramado os prêmios de Melhor Som, Filme da Crítica, Filme do Público e Diretor.

65 CALIL, Ricardo, RAHE, Nina. Medo à brasileira. Bravo!, v. 15, n. 185, p. 44-46, jan. 2013 66 SCOTT, A. O. The Leisure Class Bears Its Burden. The New York Times. 23/08/2012. Disponível em: http://www.nytimes.com/2012/08/24/movies/neighboring-sounds-directed-by-kleber-mendonca- filho.html?ref=movies&_r=0. Acesso em: 16/11/2018. 67 50 Best Films of 2012. Film Comment. 13/12/2012. Disponível em: www.filmcomment.com/entry/50-best- films-of-2012. Acesso em: 28/01/2019. 68 WIGLEY, Samuel. 10 great foreign-language films of the decade so far. British Film Institute. 10/08/2018. Disponível em: https://www.bfi.org.uk/news-opinion/news-bfi/lists/10-great-foreign-language-films-decade-so- far. Acesso em: 28/01/2019.

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Não à toa, as críticas selecionadas na bibliografia refletem essa recepção, geralmente, positiva. É comum ler frases como “O Som ao Redor é uma experiência rara no cinema brasileiro recente.”69, “Depurada síntese do vigoroso cinema produzido em Pernambuco nos

últimos quinze anos.”70 e “Soberbamente construído, com uma atuação habilidosa e uma bela fotografia, “O Som” deveria ter feito um maior burburinho em Roterdã.”71, que sintetizam a agitação causada por esta obra cinematográfica. Duas virtudes reconhecidas pelos festivais e críticos: utilizar com sutileza e sofisticação os recursos visuais e sonoros que só o cinema oferece e dar a um tema universal – o medo da violência – um olhar original e específico, com distinto foco brasileiro, Pernambuco.

A crítica de Eduardo Escorel, na revista Piauí72, trabalha o filme com um outro viés, com um olhar mais reticente dizendo:

Ao se transformarem em surto de ufanismo patrioteiro, porém, os elogios podem acabar mais

prejudicando do que beneficiando o filme, seu autor e eventuais leitores. Adjetivação

hiperbólica pouco contribui para a compreensão de O som ao redor e das questões que ele

levanta.

Essa crítica de Escorel balanceia o tom crítico, trazendo algumas constatações pouco abordadas e uma visão mais realista sobre o filme em si, como por exemplo que é um filme sobrecarregado de intenções, algumas não se realizando por completo, tornando o filme pesado e estendendo a duração do filme para dar conta de todos os subtemas. Fala também sobre a apatia do elenco, que essa opção por atuações monocórdicas empobrece os personagens. Ele finaliza com alguns elogios à Kleber Mendonça, dizendo “O grande mérito de talvez seja o de

69 CALIL, Ricardo. Crítica: Diretor Conecta reflexão social a clima de suspense e humor sutil. Folha de São Paulo. 01/01/2013. Disponível em: https://goo.gl/Q865bK. Acesso em: 18/12/2018. 70 COUTO, José Geraldo. O som ao redor e a primavera pernambucana. Blog do IMS. 24/08/2012. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-som-ao-redor-e-a-primavera-pernambucana/. Acesso em: 14/11/2018. 71 WEISSBERG, Jay. Neighboring Sounds. Variety. 05/02/2012. Disponível em: http://variety.com/2012/film/reviews/neighboring-sounds-1117947011/. Acesso em: 14/11/2017 72 ESCOREL, Eduardo. O Som ao Redor - Violência Latente. Piauí. 29/01/2013. Disponível em: http://piaui.folha.uol.com.br/o-som-ao-redor-violencia-latente/ Acesso em: 08/11/2018.

112 se diferenciar não só dos filmes produzidos por seus colegas, no Recife, como do cinema brasileiro em geral”.

Uma questão presente nas diversas críticas é a universalidade que a obra conseguiu atingir enquanto singularidade, uma rua em um bairro de Recife, o bairro do próprio diretor, fazendo com que o estranho e o familiar coabitem e se confrontem na obra. Essa sociedade representada nesse microcosmo pode ser vista como um recorte da sociedade brasileira, e ali estão representados alguns dos tipos mais representativos da nossa sociedade, como a classe alta cuja fortuna foi forjada nos antigos engenhos, um ex-policial que vende serviços particulares de segurança, as empregadas domésticas que são caladas e silenciadas, a classe média invejosa.

O Som ao Redor é mais um painel comportamental, um retrato crítico e irônico de uma

sociedade que se aquartelou em seus domínios, se isolou em si mesma e perdeu os referenciais

de convívio.

Muitas das críticas focam justamente nesse ponto do medo e da violência, algumas trabalhando a relação entre a segurança e a paranoia por sua busca. Essa paranoia é potencializada pela proximidade, pela saturação demográfica, pela ausência de privacidade e pela turbulência e presença de ruídos. Vemos na tela um retrato de nossa sociedade, onde pessoas amedrontadas escondem atrás de muros e guaritas, de cercas elétricas, carros blindados e seguranças particulares.

O Som ao Redor é um filme de gênero, suspense e thriller, que se utiliza da suspensão temporal e de um humor sutil para realizar uma reflexão social. José Geraldo Couto diz que é nessa sutileza e nas entrelinhas que está a maior qualidade da obra73. É um filme que está constantemente vacilando entre assumir ou não a abrasividade típica do filme de horror

73 COUTO, José Geraldo. O som sutil e a fúria contida. Blog do IMS. 04/01/2013. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-som-sutil-e-a-furia-contida/. Acesso em: 14/11/2018.

113 político, mudando constantemente o tom, seja duma representação naturalista para o fantástico, seja pelo iminente confronto de classes.

A obra capta a estrutura hierárquica da sociedade brasileira, que é extremamente rígida, mostrando a relação entre empregados e patrões, as questões de raça e a perpetuação do privilégio. As relações de classe insinuam-se e mesclam-se sutilmente, a não ser pela câmera intrusa nesses ambientes expondo a gama de relações e de fervorosas contradições.

O roteiro é construído de uma forma a se parecer um mosaico, “um sofisticado quebra- cabeças cinematográfico”74, com algumas unidades ficcionais, aparentemente isoladas e autônomas, e registra o cotidiano dessas pessoas de forma naturalista.

Há uma ciranda de personagens que parece uma versão da Quadrilha de Carlos

Drummond, na qual o amor foi substituído por medo: crianças que brincam nos prédios,

vigiadas por babás, vigiados por moradores, vigiados por porteiros em uma rua agora

vigiada por uma espécie de milícia. (CALIL, Ricardo; RAHE, Nina. Medo à brasileira.)

Como o título sugere é o som que mantém a sensação de perigo, é antes da imagem, o som que constrói uma paisagem de filme de terror. O som off tem um grande destaque no filme, nós sempre ouvimos mais do que vemos, e com isso o som cria a ilusão de que algo está sempre por vir, “é o móvel ficcional que avança a narração”75. O ritmo e sentido da história é movido pela dinâmica do som, que inicia na precipitação da sucessão de fotos da cena inicial e culmina na explosão final da casa grande com a morte do patriarca.

Esses sons que estão ao redor, latidos, máquinas, carros, passos, entre outros, tratam de um medo onipresente e de uma ameaça contínua, “dando uma sensação de estranhamento, inquietação, irritação de uma realidade histórica cuja clareza está longe de ser de todos”.

74 CALIL, Ricardo. Crítica: Diretor Conecta reflexão social a clima de suspense e humor sutil. Folha de São Paulo. 01/01/2013. Disponível em: https://goo.gl/Q865bK. Acesso em: 18/12/2018. 75 SOUZA, Enéas de. O som e a fúria do sertão do Recife. Teorema, n. 21, p. 16-20, dez. 2012

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Algumas críticas trabalham o processo de amadurecimento artístico de Kleber

Mendonça, que já tinha mostrado inventividade e competência em trabalhos anterior, até chegar ao resultado final da obra, com temas e até cenas recorrentes em seus outros curtas, como Vinil verde, Eletrodoméstica e Recife frio e também em seu longa documentário Crítico, só que agora maturados, reelaborados e redistribuídos numa estrutura de mosaico.

Kleber Mendonça, em uma entrevista para The New York Times76, disse que gostaria de explorar realidades de uma nação recém próspera, evitando alguns cenários que definem o cinema brasileiro desde os anos 60, como as favelas e paisagens rurais. Mas ao mesmo tempo utilizando desses outros brasis para demonstrar e fortalecer a ideia de que eles persistem e assombram as finas camadas da modernidade.

A produção cinematográfica recente de Pernambuco normalmente tem uma tensão comum nas obras, a fricção entre o moderno e a tradição, no mundo urbano e globalizado é possível perceber resquícios da cultura violenta e patriarcal, e é nesse choque que está a base de várias obras pernambucanas, como Amarelo Manga (2002), Cinema, Aspirinas e Urubus

(2005), Árido Movie (2005), Boi Neon (2015), entre outras.

O Som ao Redor articula esse mesmo encontro do arcaico com o moderno, anunciando desde o início que este confronto estará presente com o corte das fotografias em Preto e Branco iniciais com a cena das crianças brincando. Fazendo isso de forma mais sutil do que a maior parte da filmografia pernambucana, mostrando que o passado não desaparece, mas se recicla no presente.

Radiografa sua época sem perder de vista o processo histórico de longa duração em que ela se

insere. Não se perde nas aparências do presente, não fetichiza o novo, mas, pelo contrário, revela

a presença do arcaico no moderno, a reiteração sob novas formas de um modelo civilizatório ao

76 ROTHER, Larry. In Brazil, a Noisy, Tense Prosperity. New York Times. 17/08/2012. Disponível em: https://www.nytimes.com/2012/08/19/movies/kleber-mendonca-filho-directs-neighboring- sounds.html?_r=1&ref=movies. Acesso em: 20/11/2018.

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mesmo tempo perverso e fascinante – tudo isso sob a aparência de uma prosaica crônica urbana

ambientada num bairro recifense de classe média.

Lendo as críticas algo interessante que desconhecia surgiu, o vulto que aparece no filme em alguns momentos, com um ar fantástico e até fantasmagórico, faz alusões a uma figura da crônica policial de Recife na década de 90: o Menino-Aranha, “o garoto Tiago João da Silva, que desde os nove anos de idade escalava com as próprias mãos prédios residenciais da cidade para assaltar apartamentos. Tiago foi detido e fugiu várias vezes, até ser morto a tiros aos 17 anos, em 2005.” 77

Trazendo para esta figura um significado muito maior a partir disso, principalmente pela forma como é inserido no filme, está constantemente fora de quadro, sendo uma criatura de mito, representando a ideia de insegurança e trazendo na sua presença uma série de violências passadas, mal resolvidas pela sociedade brasileira.

A utilização do sobrenatural é muito inteligente, pois assim o “não-dito finalmente pode retomar até nós sem filtros, que a nossa história de violência pode finalmente se afirmar”78, trazendo à cena temas como as contradições sociais e luta de classes, de forma sutil e velada, sem necessariamente dizer que está tratando destes temas. E, portanto, um filme que toma o pulso da História, também está tomando da política, sendo assim um filme político.

77 COUTO, José Geraldo. O som sutil e a fúria contida. Blog do IMS. 04/01/2013. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-som-sutil-e-a-furia-contida/. Acesso em: 14/11/2018. 78 FURTADO, Filipe. O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho (Brasil, 2012). Revista Cinética. 11/03/2013. Disponível em: http://revistacinetica.com.br/home/o-som-ao-redor-de-kleber-mendonca-filho-brasil-2012/. Acesso em: 08/11/2018.

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Referências

CALIL, Ricardo. Crítica: Diretor Conecta reflexão social a clima de suspense e humor sutil. Folha de São Paulo. 01/01/2013. Disponível em: https://goo.gl/Q865bK. Acesso em: 18/12/2018.

CALIL, Ricardo, RAHE, Nina. Medo à brasileira. Bravo!, v. 15, n. 185, p. 44-46, jan. 2013.

COUTO, José Geraldo. O som ao redor e a primavera pernambucana. Blog do IMS. 24/08/2012. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-som-ao-redor-e-a-primavera- pernambucana/. Acesso em: 14/11/2018.

COUTO, José Geraldo. O som sutil e a fúria contida. Blog do IMS. 04/01/2013. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-som-sutil-e-a-furia-contida/. Acesso em: 14/11/2018.

ESCOREL, Eduardo. O Som ao Redor - Violência Latente. Piauí. 29/01/2013. Disponível em: http://piaui.folha.uol.com.br/o-som-ao-redor-violencia-latente/ Acesso em: 08/11/2018.

FURTADO, Filipe. O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho (Brasil, 2012). Revista Cinética. 11/03/2013. Disponível em: http://revistacinetica.com.br/home/o-som-ao-redor-de- kleber-mendonca-filho-brasil-2012/. Acesso em: 08/11/2018.

ROTHER, Larry. In Brazil, a Noisy, Tense Prosperity. New York Times. 17/08/2012. Disponível em: https://www.nytimes.com/2012/08/19/movies/kleber-mendonca-filho-directs- neighboring-sounds.html?_r=1&ref=movies. Acesso em: 20/11/2018.

SCOTT, A. O. The Leisure Class Bears Its Burden. The New York Times. 23/08/2012. Disponível em: http://www.nytimes.com/2012/08/24/movies/neighboring-sounds-directed- by-kleber-mendonca-filho.html?ref=movies&_r=0. Acesso em: 16/11/2018.

SOUZA, Enéas de. O som e a fúria do sertão do Recife. Teorema, n. 21, p. 16-20, dez. 2012.

WEISSBERG, Jay. Neighboring Sounds. Variety. 05/02/2012. Disponível em: http://variety.com/2012/film/reviews/neighboring-sounds-1117947011/. Acesso em: 14/11/2017

WIGLEY, Samuel. 10 great foreign-language films of the decade so far. British Film Institute. 10/08/2018. Disponível em: https://www.bfi.org.uk/news-opinion/news- bfi/lists/10-great-foreign-language-films-decade-so-far. Acesso em: 28/01/2019.

50 Best Films of 2012. Film Comment. 13/12/2012. Disponível em: www.filmcomment.com/entry/50-best-films-of-2012. Acesso em: 28/01/2019.

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Anexo E - Primeira Análise de Aquarius

Aquarius (2016), segundo longa de ficção de Kleber Mendonça Filho, gira em torno de

Clara em dois momentos de sua vida: no ano de 1980, interpretada por Bárbara Colen, em um trecho curto no início do filme, mas de extrema importância; no ano de 2015, interpretada por

Sônia Braga, a qual é guardada a maior parte do filme. Os dois períodos acontecem e são envolvidos pelo mesmo espaço, o apartamento do edifício Aquarius, e também pelo mesmo corpo, o de Clara, denotando no corpo um espaço de resistência política.

O filme é dividido em três partes, que são desenvolvidas dramaticamente em crescente tensão até o desfecho. São elas: O cabelo de Clara, é nessa que sabemos de seu câncer, ainda nos anos 80, e o seu modo de enfrentar a doença; O amor de Clara, aqui conhecemos seu apego à família e ao espaço onde reside, cujas memórias são importantes para ela; O câncer de Clara, nessa última Clara é obrigada a resistir e a lutar contra mais uma “doença” fortemente agressiva, a construtora Bonfim.

Em 1980 somos apresentados a essa personagem com 30 anos. Neste prólogo descobrimos que Clara acabou de vencer um câncer de mama, vemos sua relação com o marido e seus 3 filhos, e também a importância que a música tem em sua vida. Kleber Mendonça constrói o passado de Clara para justificar seu apego pelo lugar e por suas memórias.

Essa sequência ocorre durante a festa de 70 anos da tia de Clara, a tia Lúcia, interpretada por Thaia Perez. Lúcia é uma mulher independente e forte, o que é refletido na sua visão de mundo: ela chega a lutar contra a ditadura militar e não se conforma com os papeis estabelecidos a mulheres, sexuais inclusive, como relata da revolução sexual. Sendo então uma figura importante para Clara, inspirando-a e criando uma relação especial entre elas.

Em 2015 vemos Clara mais velha, com seus 65 anos. Agora viúva e aposentada, ex- crítica musical e escritora, vive sozinha no apartamento onde criou os três filhos. Conta com a

118 companhia constante da empregada, Ladjane, interpretada por Zoraide Coleto, com a qual tem uma amizade e, ao mesmo tempo, sustenta uma relação de poder.

A personagem de Clara quebra alguns paradigmas, tanto do cinema brasileiro, como da sociedade brasileira. Clara é uma personagem feminina que não é regida por um sentimentalismo dramático; além disso uma mulher dessa idade normalmente é retratada como sendo frágil e desprovida de desejo sexual, o que é subvertido na obra, manifestando uma resistência e uma vida sexual ativa.

O apartamento de Clara é o apartamento ocupado remanescente. O restante foi comprado por uma construtora, a Bonfim, que não à toa tem esse nome sugestivo, buscando um bom fim do edifício Aquarius para a construção de um novo arranha-céu.

Ao se recusar a vender seu imóvel, Clara passa a sofrer diversos tipos de assédios e ameaças para aceitar o negócio, com uma violência crescente: pequenos incômodos, como deixar todas as portas abertas, colar adesivos nas portas ou queimar um colchão a céu aberto; aumento da oferta monetária; tentativa de cooptação de seus filhos; pragas bíblicas e profanas do jovem empreiteiro, Diego (Humberto Carrão), como uma orgia e um culto evangélico.

Clara tem em sua família um apoio emocional, mas que se configura contraditório, pois ao mesmo que a apoiam, fazem-no com um certo receio, lembrando-a de seu bem-estar e qualidade de vida. Entretanto há outros personagens nos quais Clara encontra apoio: Ladjane está em todos os momentos ao lado de Clara; Roberval, interpretado por Irandhir Santos, um bombeiro guarda-vidas, em quem Clara deposita confiança máxima; suas amigas, sendo uma delas advogada de Clara, cujo trabalho possibilita o ápice do filme.

Até que o assédio chega ao seu máximo, com a descoberta que Clara faz de uma infestação, causada pela construtora, de cupins nos apartamentos superiores ao seu. Então, processa a construtora e leva alguns pedaços de madeira para a mesma (as imagens aí presentes compõem o final do filme).

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Assim como O Som ao Redor (2012), Aquarius é um suspense de mal-estar social. No entanto, ao invés de vários pontos de vistas como em seu primeiro filme, nesse último a narrativa é exposta pelo ponto de vista único de Clara, essa mulher que se apega à casa, às suas memórias e, ainda, resiste à invasão imobiliária. O filme explora a luta e a resistência pela memória, colocando em pauta algumas contradições da classe média brasileira: o relacionamento ambíguo entre patrões e empregadas domésticas; as relações de poder exercidas pelas classes dominantes; revelação e abordagem crítica para com as desigualdades sociais. Trata também de temas urbanos, como o crescimento desordenado e a especulação imobiliária. Ademais, desenvolve temas humanos como a liberdade sexual feminina, as relações familiares e suas complexidades e as cumplicidades entre amigas e pessoas.

Aquarius possui um ritmo próprio, com uma fluência sem grandes altos e baixos, nem muitos conflitos dramáticos. É uníssono, com algumas perturbações pontuais, o que fica evidente pelo tempo que se passa até a inserção do conflito, representado pela construtora, que só ocorre aos 27 minutos de filme.

Portanto o filme, diferentemente de O Som ao Redor, não possui um clima de tensão e suspense contínuo. Aqui o interesse é em captar histórias cotidianas, criar relações afetivas, e em momentos pontuais acrescentar uma tensão sutil, que vai aos poucos se dilatando. Como exemplo dessa tensão sutil está uma cena simples como retirar um carro da garagem se transforma numa guerra, com uma grande tensão.

Em Aquarius o som continua tendo a sua importância dramática, porém nesta obra é a música que ganha maior importância, diferentemente dos ruídos no filme anterior. É a música que cria as relações de memória, fazendo com que a montagem ligue os anos 80 e os dias atuais ao som de “Toda menina baiana”. As músicas ainda identificam os sentimentos de Clara ao externo.

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Aquarius (2016) inicia da mesma maneira que O Som ao Redor (2012), com fotografias em preto e branco e uma música de fundo. A diferença está no ambiente representado nas imagens: uma Recife urbana à beira-mar, mais precisamente a praia de Boa Viagem dos anos de 1970.

A sequência, de nove fotografias, inicia com imagens mais próximas, focadas nas pessoas, e vai se afastando, mostrando a dominação de prédios altos ao redor da praia e na cidade como um todo. Como é possível perceber pelas fotografias abaixo.

Enquanto temos essas fotografias na imagem escutamos a música Hoje, de Taiguara.

Com um trecho que diz:

Hoje trago em meu corpo as marcas do meu tempo. Meu desespero, a vida num momento. A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo. Hoje trago no olhar imagens distorcidas. Cores, viagens, mãos desconhecidas trazem a lua, a rua às minhas mãos. Mas hoje, as minhas mãos enfraquecidas e vazias procuram nuas pelas luas, pelas ruas. Na solidão das noites frias por você. (TAIGUARA. Hoje)

Taiguara foi um cantor brasileiro que foi censurado e perseguido durante a ditadura militar, chegando a se auto exilar em dois momentos. A escolha por incluir esta música, e mais, começar o filme, tem um peso tamanho, porque carrega consigo significados intrínsecos.

Em primeiro lugar por sua letra, uma vez que há um diálogo entre os sentimentos de

Clara e seu corpo com o que é entoado por Taiguara. As “marcas do tempo” evocadas pela canção refletem também no edifício, cuja estrutura se choca com os edifícios ao seu entorno.

E em segundo, por ser uma música censurada na década de 1960 e agora estar sendo reproduzida, como se o presente permitisse a revisitação e uma transformação da história.

Já nessa sequência inicial podemos perceber a importância da memória e do passado para a personagem Clara, e, naturalmente, para o filme Aquarius. Também revelam a importância das cicatrizes, tanto pela cirurgia de mastectomia em um dos seios de Clara, como por ser viúva.

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Inicia-se então a primeira parte do filme, chamada de O Cabelo de Clara, que ocorre com a inserção de um letreiro, logo depois um letreiro escrito 1980. Nesta sequência somos apresentados à Clara, e a cartela do primeiro capítulo faz com que os espectadores reparem em seu cabelo, um cabelo curto. E assim nos perguntamos o que poderá significar aquela cartela.

A resposta, no entanto, virá mais tarde nesse mesmo prólogo.

A sequência abre com uma praia à noite. Ao fundo do quadro está um carro andando na areia com faróis acesos, o qual vem em direção à câmera. Ouvimos o roncar do carro e algumas risadas e então, corta-se para um plano mais próximo e o carro faz voltas.

A câmera nos leva para dentro do carro, com um plano próximo de Clara (Barbara

Colen) colocando uma música, “Another One Bites The Dust”, do Queen. Corta para um plano médio do para-brisa, e vemos as companhias da personagem: Antônio, seu irmão, Fátima, sua cunhada, e dois filhos de Clara, ouvindo a música. É nessa cena também que o interesse de

Clara pela música já é evidenciado, um interesse que mais tarde se revelará sua profissão, a de crítica musical.

Essa sequência funciona muito bem como imersão à década de 1980. Com o carro, a música, o figurino e até o aspecto da imagem - granulado e um tom sépio característicos de imagens dessa época, e captado com lentes anamórficas - fazem com que voltemos no tempo de uma forma rápida, agradável e envolvente.

Clara pede para irem embora e acontece uma fusão longa entre um plano dessas pessoas fora do carro e um plano do carro entrando em quadro na esquerda e indo em direção à direita.

Neste primeiro momento essa fusão pode não significar nada, mas com as próximas fusões, elas ganham um significado de lembranças.

Está acontecendo uma festa de aniversário de 70 anos da tia Lúcia (Thaia Perez), ao som de uma música melosa, “Sentimental Demais”, de Aldemar Dutra. Eles chegam ao apartamento. Na janela vemos Adalberto (Daniel Porpino), marido de Clara, chamando-os, pois

122 estão atrasados. Então, Clara vai atrás das crianças que estão na garagem e também leva algumas comidas para o porteiro, seu Zé. Os traços de sua personalidade vão sendo desenhados por meio de suas ações.

Vemos que Clara é casada e mãe de 3 filhos: Martim, Rodrigo e Ana Paula, os quais leem uma carta para a tia Lúcia, numa espécie de discurso. Lúcia nos é apresentada como uma mulher forte, que cursou o ensino superior nos anos de 1930, o que é incomum e revelador de que se trata de uma família abastada. Pelo discurso é notório o que ela significa para a família e também para Clara, servindo de inspiração à resistência de Clara. Como é possível ver a conexão das duas na imagem abaixo.

Em alguns momentos do discurso das crianças há flashbacks de Lúcia para os anos 40.

Motivados pela cômoda que a faz memorar de momentos calorosos que viveu junto com

Augusto (Tavinho Teixeira). São os objetos do lugar que despertam lembranças íntimas da personagem e que, de certa maneira, conhecem Lúcia mais do que qualquer parente, revelando um tom que o filme terá durante sua duração: o espaço tem uma grande importância para as personagens.

Após esse discurso, tia Lúcia decide fazer um breve discurso, como se complementasse o que foi dito, ou demonstrasse para todos o que foi mais importante para si, ela discursa contra o apagamento da memória de Augusto, seu companheiro e amante. Há uma discrepância entre os dois discursos, a inocência por parte das crianças e o falar de uma intimidade por parte de

Lúcia. Revela que não era casada, uma vez que Augusto já era casado, gerando um certo desconforto em alguns familiares, como se aquele nome não pudesse ser mencionado, desconforto esse revelado também pelas montagem e fotografia, pulando de rosto em rosto em closes.

Uma questão importante que vale ressaltar é a presença das empregadas durante a festa.

São três mulheres negras que estão ligadas à cozinha e ali permanecem. Um momento que

123 destaco é quando o discurso está para iniciar, e as empregadas se posicionam na porta da cozinha para poder assistir e ouvir a homenagem à tia Lúcia, mas o espaço a elas é renegado, como é possível ver na imagem abaixo, incomodando algumas personagens.

No final desta sequência, Adalberto (Daniel Porpino) se inspira pelo discurso de Lúcia e comenta da doença de Clara, da superação da doença e das dificuldades que eles enfrentaram no ano anterior. Descobrimos então que Clara está de cabelo curto por causa de um câncer de mama.

Ele toca em alguns temas sensíveis à família e às suas relações, como a ausência de alguns durante todo o processo, acompanhado de um plano de uma mulher cabisbaixa, culpada; logo depois ele diz: “a vida não vem com manual para essas situações”, amenizando a exposição anterior. E esse discurso rememora a música pela qual Augusto foi apresentado -

“Sentimental Demais”- mostrando-se um personagem carinhoso e que se importa com Clara.

As pessoas da festa começam a cantar uma canção de aniversário, “Canções de

Cordialidade”, de Villa-Lobos e Manuel Bandeira. Com um trecho que diz “Seja a casa onde mora, a morada da alegria”, dialogando diretamente ao mote principal do filme. Lúcia, Clara e

Adalberto estão abraçados e há mais uma fusão, cortando para um outro plano da mesma cena.

O prólogo se encerra com um tom nostálgico, com a música “Toda Menina Baiana”, de

Gilberto Gil, canção de 1979. Canção tal que fala sobre os encantos, jeitos, defeitos e santos que as meninas baianas têm. Fala também de um maniqueísmo, em que o bem e o mal estão presentes juntos.

As pessoas da festa estão celebrando e dançando ao som dessa música e então ocorre a terceira fusão, de uma sala cheia de pessoas para uma sala vazia. Porém nesta fusão ocorre uma elipse temporal, agora estamos nos tempos atuais, em 2015. Junto com essa mudança temporal ocorre uma mudança espacial, isso porque o apartamento foi modernizado e redecorado. E a

124 música que estava presente antes em primeiro plano, vai perdendo sua força e toma a forma de uma memória.

Esses 17 minutos de introdução trazem consigo um legado emocional e de memória de

Clara que não conseguiríamos apreender de outra forma. Ainda, essa elipse revela elementos que remetem aos 30 anos passados, os quais trouxeram mudanças como os livros, os discos, o longo cabelo e o prédio agora azul.

Nesta nova sequência, vemos Clara (Sonia Braga), agora com 65 anos, observando uma maratona que ocorre na orla em frente a seu prédio, e depois em alguns planos em que se alonga. Um plano aberto do lado de fora do prédio, enquadrando a janela, revela algumas alterações que o prédio sofreu durante os anos: o prédio que antes era rosa, agora é azul.

O diretor faz questão de chamar atenção para a mudança do cabelo de Clara, nome do capítulo. Enquadrando-a primeiro de cabelo preso, depois se exercita com cabelo solto e depois que se exercita prende novamente.

Ela pergunta a sua empregada, Ladjane (Zoraide Coleto), qual será o almoço. E então em uma sequência de 3 planos: as folhas da revista se virando com o vento em cima do sofá, outras em cima da mesa e, por fim, a porta entre a Clara e a cozinha se fecha. Relembrando o vento que existia durante o prólogo, o tempo passou para o apartamento, mas o vento permanece o mesmo.

Ela vai à praia, desliga a vitrola, parando a música “Toda Menina Baiana” põe um chapéu e sai do apartamento. A câmera enquadra a porta, esta que virá a ser peça fundamental para o decorrer do filme, é ela que mantém Clara protegida das ameaças iminentes. Ainda no mesmo plano, a câmera faz uma pan e revela o móvel da Tia Lúcia, ainda presente no apartamento.

Há um corte para um plano próximo de Roberval (Irandhir Santos) sob um sol forte com os olhos cerrados. A câmera vai recuando, abrindo o quadro, revelando uma ginástica em

125 grupo acontecendo em uma quadra. Clara está com a cabeça apoiada sobre a barriga de

Roberval, sinalizando uma certa proximidade entre eles.

Depois de algum tempo 4 meninos negros entram na quadra; há de início uma reação de desconforto da maioria das pessoas naquela quadra (uma região de classe média alta) que param de rir e voltam seus olhares para eles. Eles se juntam aos demais e participam da dinâmica. Trabalhando o racismo nestas pessoas e também no espectador, que enxerga nessa cena um perigo próximo.

Corta-se para a praia, no centro do quadro uma placa de aviso sobre ataques de tubarão.

Um comentário sobre o verdadeiro perigo, uma rima com o plano dos garotos e também com a entrada de Clara na água, demonstrando sua coragem e força.

Ao fundo escutamos Roberval chamando o barco para a região do Aquarius, para que

Clara possa entrar no mar de forma segura, dizendo que ela é uma mulher importante. Antes de tomar um banho de mar, Clara solta o cabelo e entrega para Roberval uma piranha. Uma música se inicia, “Quinteto de Madeiras”, demonstrando junto com a mise-en-scène, o respeito e afeto que existe na relação dos dois.

Clara toma uma ducha, um tilt revela seu rosto, com os olhos fechados embaixo d’água, ela abre os olhos e olha para o prédio com um olhar nostálgico, de agradecimento. Clara abre a porta do prédio, num mesmo enquadramento utilizado nos anos 1980: a câmera está no topo dos degraus, enquadrando a porta, com uma perspectiva interessante.

E exibe algumas tarefas cotidianas de Clara, ela pega uma correspondência, leva comida para os gatos. Então, entra em seu quarto, tira a saída de banho e o maiô, expondo a cicatriz da mastectomia. Entra no box e liga o chuveiro.

A obra exprime um primeiro choque de gerações. A sequência em que Clara é entrevistada começa com um plano próximo de alguns LPs (sendo muitos de trilhas musicais de filmes) e ao fundo a música “Dois Navegantes”, da banda Ave Sangria. Corta para um plano

126 próximo de fitas K7 e depois para alguns CDs empilhados, criando uma historicidade da reprodução de músicas. E um plano próximo da mão de Clara escolhendo um LP. Corta para um plano de Clara, com o LP da Ave Sangria na mão, contando sua história, com 41 anos, toca perfeitamente.

Assim, começa uma dissintonia entre entrevistadora e entrevistada. Enquanto a repórter quer ir direto ao ponto e tirar da boca de Clara que ela aceita as mídias digitais, Clara quer demonstrar que para ela o valor sentimental que se tem pelos discos e esse envolvimento com a música pode ser perdido com as novas mídias. Corroborando o seu apego aos discos, às memórias que eles geram, e, de forma geral, ao passado.

Ela pega um disco “Double Fantasy”, que curiosamente é de 1980, abre-o e retira um artigo de jornal, do LA Times, demonstrando as coincidências e as possibilidades que se tem com a mídia física. Nesta sequência fica evidente a importância do arquivo, do guardar coisas, memórias, ou em suas palavras - a mensagem na garrafa.

Depois desse choque entre entrevistada e repórter, parte-se para o primeiro e mais importante conflito da obra, é aqui que a construtora é inserida. Clara está enquadrada deitada na rede em primeiríssimo plano, e ao fundo Diego Bonfim (Humberto Carrão) também em foco com um celular na mão tirando fotos do prédio.

Corta para um plano - do ponto de vista do apartamento de Clara - da entrada do prédio com dois homens no corredor, Geraldo Bonfim (Fernando Teixeira), avô de Diego, e um funcionário da construtora. Diego se junta a eles, e a câmera lentamente faz um passeio pelo apartamento de Clara como se acompanhasse o caminhar daqueles homens sem podermos vê- los, sendo este o início do pesadelo de Clara, aqueles homens irão atormentá-la pelo resto da obra.

Há então uma perspectiva de Clara, que não percebe o chegar dessas figuras. A campainha toca, vemos Clara ainda deitada na rede se levantando e prendendo o cabelo. A

127 campainha toca novamente em um plano próximo da porta, Clara abre a porta e estão os três homens, e começa uma conversa educada e cordial que é, ao mesmo tempo, recheada de ataques.

Eles estão ali querendo comprar o seu apartamento. Ladjane chega ao fundo, como uma guarda costa de Clara, esta lhe pergunta onde estava, pois se tivesse atendido a porta pouparia toda aquela conversa. Há um zoom na mão do terceiro homem, com um molho cheio de chaves, são as chaves dos outros apartamentos.

Clara tenta cortar a conversa dizendo que o apartamento não está à venda, e faz menção de fechar a porta. No entanto, a ação é interrompida por Diego, o qual faz primeiro uma abordagem elogiando a decoração e as reformas feitas por Clara no apartamento, para depois se pôr como o responsável do projeto. E na sua fala já assume que o prédio deixará de existir, o que deixa Clara irritada.

Clara fecha a porta, e um envelope da Bonfim passa pela porta, Clara o empurra, o envelope entra novamente pela fresta e Clara o empurra novamente. Há um plano de Ladjane comendo, olhando para a cena. Clara abre a porta e Diego está agachado e diz que vai deixar o envelope para Clara ler com mais calma. Ele então vai embora e ela fecha a porta. Corta para

Ladjane que vai buscar uma água para a patroa.

A sua falta de paciência a faz tocar na parede do edifício em um plano próximo, sustentando-se naquele espaço. Há uma relação entre personagem e espaço. Ao seu toque na parede inicia uma música, “Quarteto de Metais”, que segue o plano e contra plano de Clara olhando para a saída do prédio e os homens saindo.

Em um plano próximo, Clara olha para o oceano e solta seu cabelo. Novamente há essa relação entre o cabelo e a força de Clara, finalizando a 1ª parte do filme justamente com um plano de uma ação de se mexer no cabelo. Outra questão importante é o oceano, neste plano anuncia-se a conexão de Clara com a água, o que já tinha sido inserido de forma mais sutil

128 anteriormente, com seu mergulho. Nesse plano designa-se o lugar onde Clara busca renovar suas energias.

E então, após 33 minutos inicia-se a 2ª parte do longa, O Amor de Clara. Nessa parte, o espectador conhece Clara e o que ela virá a enfrentar. Nesta parte se dará as relações familiares de Clara e o desenvolvimento, ainda sutil, desse conflito com a construtora.

A sequência inicia com Clara pegando um novo envelope da construtora em sua porta.

Observa que as portas dos outros apartamentos estão abertas, reforçando a ideia de um prédio fantasma, lembrando-a que todos estão vazios. Ela então fecha as portas e sai do prédio, rasgando o envelope, demonstrando o seu descaso com a proposta.

Corta para Clara com seu sobrinho Tomás (Pedro Queiroz) no carro, evidencia-se um carinho entre eles, sendo ele a primeira pessoa da família a se relacionar com Clara nesta época atual. Eles conversam sobre músicas, ele baixou algumas músicas que ela pediu. Ela coloca

Maria Betânia e eles conversam sobre uma menina que virá para Recife, uma paquera dele,

Julia (Julia Bernat), conhecida pela internet. E então Clara diz uma frase que ficou icônica:

“mostra Maria Betânia pra ela, mostra que tu é intenso”. Além de apresentar esse apoio familiar, ela ilustra a questão das novas mídias, tanto pelas músicas, como a inserção da internet na vida cotidiana.

Uma fusão corta para a cunhada de Clara, Fátima (Paula de Renor), em sua livraria arrumando uma estante. Clara e o sobrinho chegam e eles conversam sobre a proposta da construtora. Ela diz que rasgou o envelope e não sabe do que se trata, ao mesmo tempo que eles apoiam-na na decisão, preocupam-se com a qualidade de vida, isto é, com o que poderá acontecer a ela, sofrendo pressão da construtora.

Ela desconversa e diz que quer sair para dançar, Fátima pede que Antônio (Buda Lira) a libere. Há atrás dessa frase uma brincadeira, mas também um machismo incluso. E Clara aproveita para colocar essa questão em pauta.

129

Corta para o banheiro da festa, com algumas mulheres em frente ao espelho. Corta uma mesa com amigas de Clara, mostrando uma jovialidade, uma cumplicidade, com algumas atitudes reservadas para adolescentes na representatividade cinematográfica. Uma sequência que apesar de demonstrar a intimidade e a relação de Clara com suas amigas, acaba imprimindo na tela algo muito comum para mulheres no cinema, que é o assunto das conversas, as senhoras falam basicamente sobre homens, prejudicando a cena.

Clara troca olhares com um homem, até que ele vem à mesa falar com ela e a chama para dançar. A festa continua e eles dançam juntos. A próxima cena é dentro de um carro, um plano próximo de Clara com a mão do homem em seu pescoço, ele entra em quadro e se beijam.

Ele leva sua mão ao seio direito de Clara, ela sente um desconforto e retira sua mão e diz que realizou uma cirurgia. A reação dele é de se afastar, mas não por não conseguir lidar com aquilo, talvez por ter alguém como a esposa ou a filha que tenha tido câncer também.

Entretanto, ao mesmo tempo a imagem que está impressa no filme pode dar a entender como uma reação negativa. É uma cena ambígua, não explicada no filme, que pode gerar, a partir das vivências do espectador, visões distintas.

Clara chega em casa com um táxi, ela está um pouco bêbada, olha para o prédio vizinho, com um tecido branco esvoaçante, a câmera faz um tilt up. Este prédio assume uma figura fantasmagórica a partir dessa abordagem cinematográfica, o possível futuro do Aquarius vindo assombrar Clara.

Clara está em frente a uma estante, pegando um disco do Roberto Carlos. Corta para um plano médio de Clara colocando o disco na vitrola e começa a dançar a música “O Quintal do Vizinho”. Corta para ela sentada no sofá escrevendo em seu caderno vermelho. Ao mesmo tempo que há um diálogo entre o estado de espírito de Clara, que está pensativa e está sentada.

Tem uma relação com a visão fantasmagórica do prédio vizinho.

130

Dá início a um plano musical do filme, como se fosse um videoclipe de Clara dançando a música, ao fundo o tecido branco passa pela janela, novamente como inserção fantasmagórica, lembrando ao público do perigo iminente, pois Clara não o vê. Há um fade out e a tela fica preta. Mas logo o diretor transforma o elemento fantástico em real. O fade in revela o tecido aberto na rua, sobre carros e o muro do prédio. Dois homens o retiram.

Desenrola-se uma conversa de Clara e Roberval na orla da praia, sobre medo. Ao fundo está chegando um rapaz de bicicleta, a câmera realiza um zoom. E Roberval começa a falar dele, ele é um traficante, com uma fisionomia distinta da opinião pública racista, um rapaz branco e de classe alta.

Depois vemos um rapaz de regata preta correndo, dando meia volta e se aproximando dos dois. Corta para um plano enquadrando o traficante pela porta do quiosque e os dois observando a cena. Corta para o plano anterior e o rapaz de regata preta está falando com Clara.

Ele se apresenta como filho de um antigo vizinho de Clara. Ela percebe o que está por vir, mas ao mesmo tempo se faz de desentendida. Ele inicia de uma forma passiva, uma aproximação calma, mas vai escalando para uma agressividade, chegando a perguntar se Clara

é doida. Terminando com a frase: “A senhora me conheceu como criança, mas como adulto não”, num tom claro de ameaça. Roberval, ali do lado dela, está como um guarda-costas, e talvez as coisas não partiram para uma agressão por ele estar ali.

Um caminhão de colchões está sendo descarregado na calçada do edifício. Corta para o rosto de Clara, depois para um zoom do logo da construtora no caminhão. Corta para o plano de Clara, para um plano de Ladjane e Clara a beija, demonstrando seu amor. A chama e vão até o piano, ela toca uma música de aniversário, a mesma de Villa-Lobos, para Ladjane.

Levanta-se e a abraça.

Clara vai à garagem, mas há um carro, de Diego, impedindo-a de sair. Eles têm um segundo contato em uma conversa um tanto ríspida, Clara pergunta por que os colchões foram

131 trazidos para o prédio e Diego responde que como os apartamentos são da construtora, eles podem fazer e trazer o que bem entenderem para lá. Clara perde essa primeira batalha, porém não se dá por vencida.

Ela quer sair da garagem, então pede para ele tirar o carro. Há uma montagem criando a sensação de uma disputa com os automóveis. Um plano de Diego ligando o carro. Clara fechando o vidro e acelerando. Diego dando ré. Clara indo para frente. Diego continua dando ré. Corta para uma parede de ladrilhos brancos, a câmera recua em zoom out rapidamente, ao mesmo tempo que o carro entra em quadro acelerando.

Clara anda pelo cemitério com duas rosas na mão. Para em uma lápide, e diz em voz alta que escreveu umas coisas, mas desiste e guarda o caderno na bolsa. Leva as rosas à lápide, vemos algumas letras faltando no túmulo de Adalberto e retira umas folhas secas. Ela sai caminhando, há uma fusão para um plano mais próximo de Clara, também caminhando. Ela observa dois coveiros retirando ossadas de um dos túmulos. Há um zoom de seu rosto e ela continua a caminhar.

Depois dessa sequência de memória de seu marido, vamos para a primeira e única reunião de Clara e seus três filhos, Martim (Germano Melo), Rodrigo (Daniel Porpino) e Ana

Paula (Maeve Jinkings).

Ouvimos “O Ar (O Vento) ”, uma música infantil, enquanto na tela vê-se um bebê se debatendo na cama. Clara se aproxima e pega seu neto. Percebemos que eles não se encontram muito, primeiro pela fala de Clara que é bom tê-los em sua casa. Depois sua nora diz que estava com saudades.

Uma das crianças tosse, e Ana Paula olha para a direita brava, a câmera acompanha seu olhar com uma pan e o menino está no colo de uma babá. Há uma conversa sobre o novo namorado de Rodrigo, sua mãe não o conhece, ele mostra umas fotos para a mãe e irmã. Clara diz: “me visite mais, estou viva”, e então corta para a cozinha.

132

Inicia-se a sequência do primeiro confronto entre filhos e mãe sobre a questão do apartamento. Os filhos estão preocupados com a mãe vivendo naquele prédio sem ninguém.

Eles comentam com ela sobre os adesivos que colaram nas portas, mais um ataque silencioso da construtora, o qual Clara não havia percebido.

Ana Paula faz o papel de bruxa, é a única que insiste no assunto, o que é uma escolha estranha para este filme, porque representa na única filha este papel, criando uma intriga entre duas mulheres. A discussão entre as duas termina em lágrimas e ambas expõem ressentimentos.

Demonstrando contradições da personagem de Clara, apesar de ser a “heroína” do filme, nessa sequência sua posição é contraditória.

Ana Paula pergunta se a mãe chegou a considerar a oferta da construtora, que é em dinheiro e não por área construída. Clara pergunta se eles procuraram-na ou se ela procurou a construtora; descobre que a filha quem foi atrás, desrespeitando-a e, assim, incentivando a noção de Clara como a louca de Aquarius. Clara entra no assunto do dinheiro, que ela pode ajudar os filhos, pois tem a aposentadoria, 5 apartamentos e patrimônio criado por ela e pelo pai.

Ana Paula confronta a mãe dizendo que o patrimônio não foi construído pela carreira de jornalista. Clara canta uma música do Paulinho da Viola para Ana Paula: “Há pessoas com nervos de aço, sem sangue nas veias e sem coração. Mas às vezes...”. No fim elas se desculpam e se abraçam. Os filhos vão embora, a câmera faz um zoom out, abrindo o quadro e Clara está sozinha. Há um fade out.

Fade in, é noite, um casal transando na praia, uma pan para a esquerda, jovens jogando futebol numa quadra. Zoom out, entramos no apartamento de Clara, que está deitada na rede assistindo uma orquestra na televisão, de Villa-Lobos.

Pessoas entram no prédio e sobem as escadas e a câmera os acompanha até o apartamento do andar de cima, sem sair do apartamento de Clara. Uma música inicia. O começo

133 de uma festa que incomoda Clara, ela aumenta o volume da televisão ao máximo e começa a tomar vinho.

Vai até sua estante e pega um disco de vinil, Jazz, do Queen. Então começa a ouvir “Fat

Bottomed Girls”. Ela canta, dança, anda pela sala, a câmera acompanha-a em giros. Enche mais uma taça, incomodada com o barulho vindo do andar de cima, e vai tomar banho.

Clara, curiosa, decide checar a festa. Ao fundo está tocando Meu Som é Pau, Aviões do

Forró, ao subir se depara com a porta entreaberta. Ao abrir um pouco a porta, ela vê uma orgia acontecendo naquele apartamento. Ela dá um pequeno sorriso e desce.

A festa começa a invadir materialmente sua casa, com um cigarro caindo em sua janela.

Corta para Clara ligando para Paulo (Allan Souza Lima), um garoto de programa, que sua amiga Letícia havia indicado, ela o chama para sua casa. Há uma pan, enquadrando novamente a cômoda, e Clara fuma um baseado preparando-se para aquele momento novo para ela.

Paulo entra no apartamento, e o primeiro plano dele é da sua calça, da região do seu pênis, e só depois sobe para seu rosto. Talvez uma tentativa discreta de subverter os enquadramentos reservados para mulheres no cinema. Os dois transam. Um momento que vale ressaltar é quando ele pega no seu seio direito e Clara leva delicadamente sua mão para o direito, e ele a respeita.

Corta para um plano do nascer do sol na praia, com um barco sendo empurrado por três pessoas, um plano rápido, cuja função é de demonstrar uma elipse para o amanhecer do dia.

Ao sair de casa, Clara se depara com o que restou da festa da noite anterior, um cheiro ruim exala pelas escadas do prédio, há fezes humana nas escadas.

Clara foi à praia. Está na dos salva vidas junto com Roberval. O enquadramento inicial desta sequência é peculiar: Roberval e Clara são enquadrados dentro de duas janelas. Há uma separação entre eles, possuem realidades diferentes, mas estão no mesmo ambiente, o que fica

134 claro quando Roberval no fim da sequência pergunta à Clara se ela está dando em cima dele.

Ela diz que não, e voltamos novamente para esse enquadramento separando os dois.

Nessa mesma sequência, Clara pede à Roberval seu telefone para que possa ter uma ajuda caso necessário. Ela está se sentindo ameaçada ao mesmo tempo que não quer assumir, o que pode ser percebido também pelo enquadramento utilizado durante o campo (de Clara) e contra campo (de Roberval). O quadro de Clara está poluído, com referências da praia e prédio, inclusive traçando uma linha ao redor do seu pescoço. Já no quadro de Roberval o que vemos

é apenas o mar.

Somos, assim como Clara, introduzidos à Julia. Clara, Tomás e Julia caminham pela praia, conversando rapidamente sobre o Rio de Janeiro. Clara demonstra seu carinho pelo

Tomás, diz que ele é como um filho para ela.

Clara explica uma divisão que existe entre duas praias, Pina e Brasília Teimosa, que é feita a partir do cano de esgoto. De um lado a parte rica, do outro a parte pobre. Uma separação dita “invisível”, assim como na sociedade, é feita também na divisão de área de praia.

Ladjane mora em Brasília Teimosa e é para lá que estão indo. Clara conta que o filho de Ladjane morreu atropelado por um bêbado e não aconteceu nada. A reação deles, comum à classe média, é de ter um senso de justiça, mas ao mesmo tempo se manter inerte e dizer: “Diga aí, um cara bêbado atropela ele e não acontece nada. Foda”. E um silêncio toma conta da cena, com o som do mar ao fundo.

Até que uma música, “Sufoco”, de Alcione, cuja letra é: “Não sei se vou aturar. Esses seus abusos. Não sei se vou suportar. Os seus absurdos. Você vai embora”, apesar de falar sobre um amor sufocante, entendo como um comentário sobre o ocorrido com o filho de

Ladjane e também por essa questão levantada anteriormente, uma crítica a essa postura da classe média, da distância e de uma imparcialidade.

135

Há um corte para a laje, onde está ocorrendo a festa, e a música é assumida diegeticamente, mudando a sonoridade. Clara abraça Ladjane, ao fundo está Letícia (Arly

Arnaud), amiga de Clara, e patroa de Lara, irmã de Ladjane. As duas patroas conversam sobre

Paulo, em frente à janela, sobre a noite anterior. Letícia pergunta se foi bom, e vemos alguns flashes da noite, cenas que não haviam sido exibidas anteriormente e que terão uma importância posteriormente: os dois deitados no sofá (sexo oral em Clara), plano próximo dos dois transando, plano aberto de Paulo se vestindo, plano próximo de Paulo saindo pela porta e plano detalhe da porta sendo fechada.

É possível ver o mar ao fundo do quadro. Há aí uma relação, um paralelo, entre Clara e

Ladjane. As duas moram à beira mar, na mesma orla, porém separadas pelas classes. Além disso, outra semelhança entre as duas mulheres é a luta pela memória, o que é perceptível pela foto do filho ao lado de Ladjane, durante o “parabéns”, à qual ela beija.

Clara está deitada e se lembra de mais flashes da noite anterior, desencadeados pela conversa com Letícia, mais precisamente o momento em que ela fecha a porta de entrada. A montagem dessa sequência faz com que fiquemos em dúvida, entrando na paranoia junto da personagem, se aquela sequência é real ou não. Com uma repetição incessante da ação de Clara de fechar a porta e não trancá-la, até que um vulto entra pela porta, e está cada vez mais perto de Clara. Ela então levanta e confere se trancou a porta, o que não o fez. Enfim, fecha a porta com todos os trincos.

De modo que Clara decide pintar a fachada do prédio de branco, depois de suas preocupações relacionadas à segurança do apartamento virem à tona, no mesmo tempo em que os trabalhadores da construtora estão limpando a escada social. Clara vai até eles e pergunta se limparam a merda da escada, não há um embate, são apenas funcionários da construtora. É perceptível que o trato de Clara com os funcionários da construtora e vice-versa é de tremendo respeito.

136

Em sequência Tomás e Julia estão deitados, acordando no apartamento de Clara, e se beijando. Clara leva alguns álbuns de fotografia para Felipe, seu sobrinho que irá se casar.

Clara e Antônio olham para aquelas recordações e relembram de suas vidas. Uma sequência que novamente retorna a importância de se manter memórias vivas.

Clara e Antônio tentam se lembrar do nome de uma das empregadas da família, a qual

é acusada de roubar joias. Fátima diz que é inevitável: “a gente explora elas, elas roubam a gente de vez em quando e assim vai”. Relativizando atitudes de ambos os lados, e criando um didatismo desnecessário e incongruente com o restante do filme.

Tomás e Julia aparecem na reunião familiar e vão escolher um disco. Clara se dirige ao quarto mas para em frente a porta. Antônio e Felipe conversam sobre a mudança das fotos com carros, algo comum antigamente, lembrando-nos da cena inicial do filme, em que os dois desfilavam com o carro novo, mostrando-o para Clara, nos anos 80. A noiva de Felipe solta um comentário e é discordada, aparentando ser uma pessoa estranha àquele ambiente.

Ao fundo de Fátima passa a empregada da fotografia, como um fantasma, um vulto, atravessando o corredor, de uma porta a outra. Corta para uma breve inserção mais próxima da entrada da empregada pela porta, saindo de quadro.

Clara volta do cômodo, passando por onde a empregada andou e lembra de seu nome, como se atravessasse uma energia deixada por ela, Juvenita (Andrea Rosa). Ela senta no sofá e revela o nome a todos. Enquanto isso, o casal de noivos passa na frente do quadro e se sentam no chão. Clara faz uma brincadeira com a profissão do sobrinho, que é advogado, e a noiva não entende a piada, novamente se mostrando fora daquela rede.

Ao fundo desta sequência inteira está tocando “Washboard Wiggles”, de Tiny Parham

& His Orchestra, uma música instrumental do final dos anos 20. A canção nos transporta automaticamente para uma visita ao passado. Algo atingido também imageticamente: através

137 de fotografias em preto e branco penduradas nas paredes, fotografias antigas em álbuns e pelos discos LPs expostos.

Clara observa uma foto de tia Lucia, todos comentam rapidamente com saudades.

Ladjane entra e serve mais vinho para os convidados e querendo se inserir naquele ambiente, reacende a memória de seu filho, mostrando uma foto dele. A reação das pessoas é de um silêncio absoluto, respeitoso, porém distante, como se aquele momento não pertencesse àquela família.

Dá-se início a uma das sequências mais fortes dramaturgicamente, há uma conexão distinta e Clara assume um papel antes reservado à tia Lúcia. Julia fala sobre o disco que escolheu. Há um plano do casal noivo, desviando o olhar.

Logo corta para um detalhe de Clara esperando a música começar, há uma apreensão em seu olhar. Ela sorri e olha para cima, em direção de Julia, de modo que percebe que Julia têm a ver com Tomás. Enquanto isso Julia continua olhando diretamente para Clara. Tomás depois de ver o sorriso da tia, vira-se para Julia. Os dois se olham embaraçados, olham para a tia novamente. Corta para ela e abre um sorriso, seus olhos começam a marejar.

Então, corta para os noivos, contrariados. Corta para o casal jovem, o disco enrosca num momento e Julia reage de forma engraçada. Clara ainda sorrindo olha para Julia. A câmera volta-se para Julia e há um pequeno zoom e seus olhos também estão com lágrimas. Corta para

Clara. Corta para um plano mais próximo de Julia, ela olha para Tomás, ele vai até seus ouvidos e diz algo, ela sorri. Corta para Clara sorrindo, com os olhos ainda mais cheios de lágrimas.

Enfim Clara assume o mesmo papel que tia Lucia tinha para ela. Corta para a cozinha, o lugar reservado para as empregadas na casa, pela perspectiva da sala, Ladjane entra em quadro e corta um peito de frango.

A parte 3, “O Câncer de Clara”, inicia-se depois de 1 hora e 40 minutos de filme, com a imagem do prédio sendo pintado de branco. Clara se preocupa com o Aquarius, quer renová-

138 lo. A câmera sobe até a janela de Clara, ela abre a porta com uma máscara para brincar com seu neto, mas a filha passa por cima. Ana Paula logo entrega seu filho para Ladjane. A filha demitiu a babá, agora precisa da ajuda de sua mãe. Ana Paula é também representada cheia de contradições, ela é uma mulher batalhadora, recém divorciada, vivendo sobre uma pressa e uma angústia que acabam desumanizando-a.

Enquanto Clara está fora do apartamento, andando com seu neto Pedro, Ladjane está no apartamento sozinha, atuando como uma guardiã. Ela percebe a presença de dois rapazes que estão levando colchões sujos para baixo e passam na frente da porta de serviço. Mais uma vez a ameaça acontece fora do apartamento, à beira de adentrar, e Ladjane está ali para protegê- lo.

Volta-se para Clara, que está contando histórias infantis para seu neto. As quais referenciam-se à trama do filme: os três porquinhos, fazendo alusão às ameaças da construtora personificada pelo lobo mal; e a chapeuzinho vermelho, na qual o lobo mal come a vovozinha, fazendo praticamente a mesma alusão.

Retorna para Ladjane, agora falando ao telefone. E uma cabeça, de um funcionário da construtora, surge na janela, assustando-a e complementando as alusões feitas anteriormente pelas histórias infantis. Há mais uma tentativa, mesmo que sutil, de uma invasão, de adentrar naquele apartamento.

Clara anda pela calçada de seu prédio, voltando do passeio com o neto. Ela estranha aquela aglomeração de pessoas na frente e dentro do edifício. Trata-se de um grupo de evangélicos que estão realizando um culto no edifício, como pode ser percebido também pelo som, com músicas, falatório e palmas. São pessoas gentis, mas que transmitem uma agressividade pela sua quantidade, pela superlotação do quadro.

139

Ladjane não sabe nem o que falar para a patroa, levando-a até a cozinha para ver a garagem cheia de carros. A chave do filme, a partir dessa sequência, muda: a invasão antes sorrateira, começa a incomodar Clara.

Ela vai até seu quarto e deita, há uma fusão de Clara dormindo na cama para Clara dormindo no sofá, ela está se cansando com as investidas da empreiteira. Ladjane vem até ela e conta sobre o que aconteceu com os colchões no dia anterior. Clara não entende o porquê de

Ladjane não ter contado o ocorrido no mesmo dia.

E então vamos para um flashback de Ladjane na cozinha, observando a garagem.

Depois de um longo período a observando, há um corte para dois homens do lado de um colchão pegando fogo. Corta para Clara incrédula. Volta-se para o flashback, Ladjane andando no corredor, enquanto o som toma conta do espaço, um som parecido com vento. Ela chega perto dos homens, perguntando o que significava aquilo e o homem responde com um “fique na sua”, mostrando um desrespeito para com aquela mulher.

Corta para Ladjane e Clara, do tempo presente, observando as cinzas do colchão, com um silêncio. Diego chega com a caminhonete no mesmo instante, e o som se intensifica, há o barulho alto do motor do carro, cachorro latindo e diversos ruídos complementando a paisagem sonora.

Ambos começam uma conversa mais agressiva do que o primeiro contato. Existe ainda a cordialidade, mesmo que falsa, entre os dois, mas há também uma irritação, a qual vai crescendo de ambos os lados. Ladjane atua, no meio dos dois, como uma mediadora, sem dizer muita coisa, contudo com uma presença defensora.

Ele muda a abordagem, primeiro com uma abordagem passiva agressiva, depois escancara que irá atacar. Fala de seu curso de Business nos EUA, relembra Clara que o prédio está vazio. Mostrando uma preocupação com as condições em que Clara se encontra. Utiliza

140 como argumento a quantidade de pessoas que estão a mercê da decisão de Clara para poderem trabalhar. Ao tentar expor a posição dos filhos de Clara ela o interrompe e grita com ele.

Acontece a cena mais didática do filme, com a fala de Clara sobre a educação de Diego, dizendo que é na elite que se encontra a falta de educação. O discurso que o filme construiu cinematograficamente durante sua duração é explicitado em uma única fala de maneira didática, diminuindo seu impacto e veracidade. E ele finaliza atacando-a, expondo sua culpa burguesa de patroa, rememorando-a que também é de uma família abastada, mas o faz junto com um racismo.

Clara se encontra com Ronaldo (Lula Terra), diretor do jornal onde ela trabalhava como crítica musical. Ele lhe mostra a publicação da entrevista que ela havia dado para o jornal, Clara odeia.

Logo em seguida Clara pergunta sobre a construtora Bonfim. Pede ajuda para conseguir informações que incomodem seus inimigos, mas não quer falar sobre as acusações que pairam sobre seu irmão, e este assunto a incomoda.

Descobre que Diego está ligado com alguma igreja. Além de ser da família de Ronaldo, porquanto é afilhado de seu irmão. Demonstrando os privilégios e favorecimentos reservados a amigos e familiares. Finalmente Ronaldo revela à Clara a existência de documentos sobre a construtora que, se divulgados, podem causar um grande estrago.

Clara e Cleide (Carla Ribas) entram em um galpão com diversos documentos, os quais lhes interessam estão jogados em meio a bagunça. Inicia-se um ruído agudo, típico de suspense, emendando-se nos instrumentos de uma música instrumental.

Vemos a pintura do prédio sendo finalizada pela tarde, ocorre uma elipse para, e o prédio está inteiro branco pela noite. Entra-se no apartamento de Clara, a cômoda é enquadrada, e Clara está sentada mexendo em seu notebook. Num primeiro momento ela vê fotos do

141 sobrinho com Julia, com a qual trocou e-mails e, então, vê o perfil de Diego Bonfim numa rede de empregos.

A câmera passeia pelo lado externo do prédio com sons de gatos. A câmera volta para a sala do apartamento, há um ruído na cozinha que motiva a mudança para o plano enquadrando a cozinha. Juvenita entra em quadro, mexendo na pia da cozinha. Uma cena com um caráter fantástico, se assemelhando a um realismo fantasmagórico. Uma memória que desencadeou a vinda dessa mulher para o “plano real”.

Juvenita sai da cozinha e vai em direção ao quarto, a câmera a acompanha. Abre o armário, pega um porta-joias e senta na cama. Admira as joias, mas Clara está deitada na cama observando-a, Juvenita a olha e diz que Clara está sangrando. Vemos o lado direito de seu peito sangrar e manchar sua roupa. Há a inserção de um plano do apartamento vazio. Há um corte para uma porta batendo e Clara acordando assustada.

Tudo era um pesadelo. Os maiores medos de Clara estavam ali representados e o diretor faz questão de desmascarar o caráter fantástico, trazendo-nos de volta para a realidade.

Há uma cena com Ana Paula, trazendo novamente Pedro para os cuidados de sua mãe.

O prédio está cheio de gatos. Ao mesmo tempo que vemos a preocupação de Clara com sua filha, vemos a sua filha preocupada com a situação da mãe no prédio vazio, representado pelo envelope da construtora.

Clara está voltando do mercado, com duas sacolas nas mãos, a câmera a acompanha.

Vemos dois homens atravessando a rua se aproximando de Clara: o movimento de câmera, acompanhando-os e fechando o quadro, juntamente com a montagem criam uma tensão e uma noção de violência iminente. Logo são revelados como dois trabalhadores da construtora, que se aproximam dela por se preocupar com a aquela senhora e avisam do plano da construtora de deixar os cupins, para fazer o prédio ruir.

142

Ela entra em casa, processando a informação dada pelos rapazes. Percebe a proporção que esse novo câncer tomou em sua vida. E ao ver o neto, ela percebe a importância da família, num momento de devaneio, que logo é quebrado com um plano dela observando o prédio, voltando-se a preocupação com os apartamentos informados pelos homens.

Neste momento os planos tortos e a dimensão de Clara demonstram esse estado de espírito sufocante em que Clara se encontra. Uma música de suspense começa e uma fusão acontece entre Clara e a viatura de bombeiro entrando pela garagem.

Clara está pela primeira vez vestida totalmente de preto, como se estivesse de luto, seu cabelo está um pouco desarrumado. Mostrando o estado em que se encontra a personagem depois de todo o assédio sofrido e com a preocupação pelo desconhecido.

Ao seu lado estão as pessoas que tiveram o tempo todo dando suporte, Ladjane, Tomás,

Roberval e nos momentos finais Cleide. Este grupo, com exceção de Ladjane, vai em direção aos apartamentos.

Ao arrombarem a porta de um dos apartamentos se deparam com colônias de cupins, trazidas pela construtora para corroer as estruturas do prédio. Em um primeiro momento parece que Clara vai sucumbir, se desesperando. E ao entrarem no segundo apartamento constatam que esse se encontra em piores condições, parece que Clara vai se decompor com o edifício, mas acontece justamente o contrário.

Assim que o plano fecha no cupinzeiro, somos transportados para a saída de Clara do mar com um maiô preto. Ela vem caminhando em direção à câmera entrando em foco e para a caminhada, olha diretamente para a câmera com um semblante de preparada para enfrentar o que está por vir.

Ela então se ajeita para a batalha na construtora, com planos escolhendo sua roupa, se maquiando e fumando um baseado. Clara tem o apoio de Antônio, Tomás e Cleide. Há uma troca de olhares entre Cleide e Clara, olhares de cumplicidade e de apoio.

143

Há um detalhe da mão de Clara, com um único cupim subindo sua mão. E depois um plano próximo do rosto de Clara, ela se afasta e faz um pequeno tilt down revelando a maleta e depois subindo para Clara. Esse pequeno movimento dá uma primeira dica para o espectador do que virá.

Eles caminham por um tempo razoável pela construtora, cheia de corredores, até chegarem na sala de reuniões. Os quatro se entreolham esperando por Diego e Geraldo. Os dois chegam na sala e se cumprimentam, com exceção de Tomás, o qual faz questão de não os cumprimentar.

Clara não se delonga, e logo que possível retira os documentos e entrega na mão de

Geraldo, o qual fica abismado. E diz que se não fosse educado colocaria Clara para fora, embora achem que aquilo não tem valor, e não daria em nada. Ela não está preocupada se daria ou não em nada, estando interessada em causar um desconforto para eles. Os dois homens acabam perdendo a paciência, visto que foram pegos de surpresa por Clara e foram atingidos.

Para que terminem logo com aquilo, Clara decide revelar o segundo motivo pelo qual estão ali. Ela conta da sua vitória sobre o câncer, e diz: “Eu prefiro dar um câncer em vez de ter um.”. Isto posto, ela pega sua mala e coloca sobre a mesa, enquanto seu sobrinho filma toda a ação e possível reação dos homens Bonfim.

Quando Clara abre a mala, se exalta e começa a depositar com força os pedaços de madeira que trouxera sobre a mesa. A câmera ainda consegue captar algumas reações das personagens, mas logo a câmera se fecha em detalhes das madeiras infestadas de cupins.

Em off começa a música “Hoje”, de Taiguara, novamente. Atuando como réplica à mesma música do início do filme, pois a percepção do espectador sobre a personagem Clara, assim como as nuances apresentadas na história fazem com que a letra seja encarada de uma outra forma, criando novos significados, sendo apreendida como uma nova canção.

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Anexo F – Recepção Crítica de Aquarius

Aquarius (Kleber Mendonça, 2016) foi muito bem recepcionado pela crítica e teve uma carreira ainda mais bem-sucedida do que O Som ao Redor em festivais. O filme concorreu, inclusive, à palma de ouro em Cannes – considerado um dos principais prêmios e festivais do mundo – sendo um feito para o cinema brasileiro, que não tinha um representante na competição desde Linha de Passe (Walter Salles e Daniela Thomas, 2008)79, além de ser a

única produção latino-americana selecionada naquele ano.

No mesmo festival, a atuação de Sônia Braga foi fortemente reconhecida, rendendo uma série de indicações de Melhor Atriz em festivais posteriores. Num prêmio paralelo, ICS

Cannes Award – uma premiação organizada pela International Cinephile Society – ela recebeu o prêmio de Melhor Atriz por Aquarius. Assim como em outros festivais, como o Premio

Platino del Cine Iberoamericano, Festival Internacional de Cine de Mar del Plata, Festival de

Lima e Festival de Havana, entre outros.

O filme realizou sua première mundial no próprio Festival de Cannes, em 17 de maio de 2016, onde foi ovacionado. No festival de Sydney recebeu o prêmio de Melhor Filme, bem como no Festival de Amsterdam e no Festival de Cartagena das Índias. Além de percorrer por diversos festivais em diferentes países, sendo exibido em festivais de cinema importantes como o Festival de Cinema de Nova Iorque, o Festival de Toronto, o Independent Spirit Awards

(conhecido como o Oscar de filmes independentes) e o César (conhecido como o Oscar francês).

Além disso, passou por mostras em Jerusalém (Israel), Munique (Alemanha), Nantes

(França), Auckland (Nova Zelândia), Melbourne (Austrália), Breslávia (Polônia), Sarajevo

(Bósnia e Herzegovina) e Karlovy Vary (República Tcheca).

79 STIVALETTI, Thiago. Brasileiro Aquarius vai competir em Cannes. Filme B

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Já nos festivais brasileiros o filme recebeu os prêmios de Melhor Longa-Metragem de

Ficção, Diretor e Trilha Sonora no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Recebeu os prêmios de melhor filme e roteiro no 60º Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).

Venceu oito prêmios no CINE SESC Melhores do Ano.

Desse modo, Aquarius teve uma carreira de distribuição um tanto diferente do filme anterior, neste o lançamento se deu em maioria com cópias digitais. E teve apoio da Globo

Filmes, possibilitando uma divulgação em uma escala nacional. Foi lançado em mais de sessenta países. E também os direitos de exibição on demand foi comprado pela Netflix, lançando-o na América, com exceção do Brasil, Ásia, com exceção da China, América do

Norte, Austrália, Nova Zelândia, e Grã-Bretanha.

As críticas refletem essa recepção, majoritariamente positivas e entusiasmadas. Ele foi apontado como um dos 10 melhores filmes do mundo realizados em 2016 em diversas mídias, como na tradicional lista dos 10 melhores da New York Times80, por Anthony O. Scott e Stephen

Holden, bem como na lista da revista Cahiers du Cinema81. Vale salientar que nestas duas listas, Boi Neon (Gabriel Mascaro, 2016) também foi apontado, sendo um marco para o cinema brasileiro e pernambucano ter duas obras reconhecidas dessa maneira. De acordo com a

Variety82, Kleber Mendonça é um dos dez diretores iniciantes de 2016 com destaque.

A crítica reconhece o trabalho do diretor, comparando com o trabalho anterior, citando um amadurecimento de sua dramaturgia, com um roteiro mais estruturado. Porém algumas outras críticas fazem considerações sobre aspectos negativos do filme anterior que perduram neste novo longa. Como é o caso da crítica de Eduardo Escorel, na Revista Piauí83 – com pontuações que havia feito já no longa anterior e que rememora nesta nova crítica – ele diz que:

80 SCOTT, A. O.; HOLDEN, Stephen; DARGIS, Manohla. Best Movies of 2016. The New York Times. 81 Cahiers du Cinema. Top Ten 2016 des Cahiers. 82 SIMON, Alissa. 10 Directors to Watch: Kleber Mendonça Filho Cast Brazilian Legend Sônia Braga in ‘Aquarius’. Variety. 83 ESCOREL, Eduardo. Aquarius – o filme em questão. Piauí.

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Assim como em O som ao redor, seu filme anterior, Kleber Mendonça Filho, roteirista e diretor, divide Aquarius em três partes de durações desiguais, identificadas através de legendas. Além dessa estrutura geral, cuja razão de ser não fica clara, preserva também outros traços estilísticos comuns: multiplicidade de temas, como Bernardet assinalou, mas também demora em explicitar a trama central, duração além da habitual e resolução rápida. Outro quesito comum às críticas é a categorização do longa como um estudo de personagem. Pedro Butcher, na Folha de São Paulo84, diz que o filme “com o mesmo senso de enquadramento raro, um uso de som e da música de tirar o fôlego e um ritmo que desafia a maré dominante dos tempos acelerados, Aquarius é antes de tudo um estudo de personagem”.

Peter Bradshaw, no The Guardian85, diz que é um “rico e detalhado estudo de personagem, envolvendo o espectador na vida e mente de sua imperiosa protagonista, Clara”, e Jay

Weissberg, na Variety86 também diz que “é um estudo de personagem, bem como uma meditação perspicaz sobre a transitoriedade desnecessária do lugar e o modo como o espaço físico suprimem nossa identidade”. E por fim, José Geraldo Couto, no Blog do IMS87, exalta o trabalho feito dizendo que “é uma sondagem em profundidade de uma personagem. ”

E com um foco tão voltado na personagem, naturalmente outro caráter reconhecido pela crítica é a atuação, principalmente de Sônia Braga, mas não só. Luiz Zanin, no Estado de São

Paulo88, diz que o filme “conta com elenco excepcional, no qual desponta uma Sônia Braga em estado de graça”, e Pablo Villaça, no site Cinema em Cena89, elogiou a atuação, considerando “homogêneo em qualidade”.

Ainda na linha da personagem como foco do filme, um elemento que ganha destaque é o corpo. Dessa forma, nas palavras de José Geraldo Couto: “o corpo de uma mulher dentro do corpo de um prédio dentro do corpo de uma cidade. Um organismo humano pode ser corroído

84 BUTCHER, Pedro. Brasileiro volta a exibir domínio absurdo do cinema em 'Aquarius'. Folha de São Paulo. 85 BRADSHAW, Peter. Aquarius review: rich and mysterious Brazilian story of societal disintegration. The Guardian. 86 WEISSBERG, Jay. Film Review: ‘Aquarius’. Variety. 87 COUTO, José Geraldo. O Corpo que Resiste. Blog do IMS. 88 ZANIN, Luiz. Brilhante e polêmico, ‘Aquarius’ é um elogia à resistência. Estado de São Paulo. 89 VILLAÇA, Pablo. Aquarius. Cinema em Cena.

147 por células cancerígenas, um edifício por cupins, uma cidade pela ação deletéria de seus habitantes. ”

Já Inácio Araujo, na Folha de São Paulo90, relaciona um elemento físico de Clara, que tem total destaque no filme, com a memória, dizendo que “a questão do cabelo de Clara não é nada secundária, como vimos. Ela designa o tempo, o câncer, a morte, a memória. E a memória, por sua vez, engendra o dever de resistência. ”

Portanto esses corpos – o de Clara e o do edifício – são carregados de memórias. Chico

Fireman, na UOL91, diz que “a memória, mais uma vez, é parte intrínseca da narrativa de um filme do cineasta pernambucano, mas depois do olhar mais cruel para o passado de “O Som ao

Redor”, desta vez, Kleber se volta para trás com nostalgia”. E nas palavras de Camila Moraes, no El País92, Clara é

Uma mulher tão firme quanto vulnerável, que sabe – verdadeira, empática, rodeada de livros, vinis e outros objetos de afeto que lhe propiciam bons momentos e inspiram recordações – que defender seu espaço significa defender algo ainda maior, que é o tempo (além do tempo presente, as memórias). Em síntese, a memória presente no filme se dá na família, e essa é uma das vertentes da obra. Inácio Araujo, referindo-se a isso, diz: “A morte, continuidade e permanência são temas ligados à família que estão presentes e que retornam com insistência. A família é um lugar de passagem de gerações, mas de permanência de um espírito. ”

Ainda mais, Eliane Moraes sintetiza os principais tópicos do filme, agregando-os em uma única relação, dizendo que

O imóvel em questão passou de geração em geração na sua família e guarda muitas histórias de vida, sendo uma espécie de celeiro das existências singulares que ali habitaram. (...) daí sua determinação em combater as forças que ameaçam a preservação de suas lembranças, impondo um veto à capacidade vital da rememoração. É nesse ponto que a saudade de uma "juventude

90 ARAUJO, Inácio. Sonia Braga está espetacular em filme construído meticulosamente. Folha de São Paulo. 91 FIREMAN, Chico. Arte e política andam juntas em "Aquarius", mas polêmica não se justifica. UOL. 92 MORAES, Camila. Não ficarás indiferente a ‘Aquarius’. El País.

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assim perdida" se cruza com a denúncia de uma "dignidade assim perdida" para associar, em definitivo, a experiência da memória e a da resistência. Além disso, um conteúdo comum às críticas é a discussão feita dentro do filme sobre o

Brasil, sobre as questões sócio-políticas. Nesse sentido, Pedro Butcher diz que o filme “tem coragem de discutir questões do país quando isso virou quase um tabu no cinema, e com uma franqueza que esfrega na cara aquilo que nós mesmos, brasileiros, temos tanta dificuldade de enxergar. ”

Sob o mesmo ponto de vista, Eliane Moraes aborda a questão das empregadas domésticas, percebendo a forma como a relação de Clara e Ladjane foi construída por Kleber

Mendonça. Para isso compara-a com o que ocorre em Que Horas Ela Volta? (Anna Muylaert,

2015), enquanto neste a relação ocorre por via da denúncia, “Aquarius toca em outro ponto nevrálgico e se arrisca a abordar os laços afetivos entre Clara e Ladjane (Zoraide Coleto), sustentados num possível reconhecimento mútuo que, embora não esconda seus limites, passa pelo pertencimento ao gênero feminino. ”

Posteriormente ela diz que o diretor “foi tão corajoso quanto sutil ao enfrentar o tema: sem confundir sentimento e emancipação, seu filme insinua que, se o afeto entre patroa e empregada em nada faz avançar a luta de classes, ao menos pode fazer alguma diferença para os sujeitos singulares implicados na relação. ”

Portanto, é inegável que Aquarius é político e crítico sobre o Brasil e sua sociedade, que possui

Um estado de espírito contaminado por velhas verdades e muitas dependências. Todos os

envolvidos estão extremamente cientes desta postura, mas em nenhum momento a necessidade

de discurso se sobrepõe à expressão artística. (FIREMAN. Arte e política andam juntas em

"Aquarius", mas polêmica não se justifica. UOL.)

Ademais dessa configuração política do filme, após diversos processos, o filme tomou uma nova proporção política. Primeiro com o protesto da equipe em Cannes e a transformação do seu status, sendo assumido por alguns como um filme panfletário contra o governo de

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Michel Temer, Pedro Butcher utiliza de palavras certeiras para pontuar o caso: “Que ‘Aquarius’ seja um filme sobre resistência nesse momento muito particular da história brasileira pode ser uma coincidência circunstancial - que aumenta, sim, a importância do filme-, mas não tira dele uma força que sobreviverá a esse momento. ” Posteriormente, o filme sofreu algumas possíveis consequências desse protesto, como a possível seleção para concorrer ao Oscar e um posterior boicote, o vaivém da classificação etária, que queria impor a idade de 18 anos. José

Geraldo Couto diz que isso “condenou o filme de Kleber Mendonça Filho a adquirir, para o bem ou para o mal, uma dimensão política ainda maior do que a já contida em seus 142 minutos.”

Logo, alguns críticos defenderam que uma obra deve ser autônoma, e o que importa é apenas o filme, um deles sendo Luiz Zanin, que diz que o filme “deve ser pensado com autonomia em relação à conjuntura política imediata, embora nenhuma obra esteja acima ou ao lado das contingências históricas em que é feita e realizada”. Por outro lado, Eduardo Escorel possui uma visão mais pessimista sobre essas questões, questionando se esses episódios já não contaminaram o filme de maneira irremediável, prejudicando-o.

Em relação aos recursos cinematográficos, o mais comentado é a trilha sonora, principalmente do uso das músicas para pontuar as emoções e estados de espirito das personagens. E com isso, há tanto críticas positivas, como a de José Geraldo Couto, que diz que o filme faz “uso preciso da trilha musical (Gilberto Gil, Taiguara, Roberto Carlos, Maria

Bethânia) para estabelecer os marcos temporais e emocionais dos personagens. ”

Quanto críticas negativas, sendo a crítica de Escorel um ótimo exemplo, uma vez que

As letras sugerem sentidos adicionais e indicam, algumas vezes, o pensamento e estado de

espírito dos personagens – um recurso desgastado porque se tornou lugar-comum da

dramaturgia televisiva. Por ser tão banal, é surpreendente que Mendonça Filho lance mão desse

expediente de forma tão sistemática.

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Por fim, a dramaturgia de sua obra – a maneira como ela é construída – é questionada em algumas críticas. Principalmente por sua longa introdução e pelo final inconcluso, desse modo, Escorel finaliza sua crítica dizendo que “Aquarius chega ao seu fim dessa forma inconclusa, de modo ambíguo, permeado de contradições. ”

Referências

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BRADSHAW, Peter. Aquarius review: rich and mysterious Brazilian story of societal disintegration. The Guardian. 17/05/2016. Disponível em: https://www.theguardian.com/film/2016/may/17/aquarius-review-rich-and-mysterious- brazilian-story-of-societal-disintegration Acesso em: 24/04/2019

BUTCHER, Pedro. Brasileiro volta a exibir domínio absurdo do cinema em 'Aquarius'. Folha de São Paulo. 17/05/2016. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/1772146-brasileiro-volta-a-exibir-dominio- absurdo-do-cinema-em-aquarius.shtml Acesso em: 24/04/2019

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COUTO, José Geraldo. O Corpo que Resiste. Blog do IMS. 02/09/2016. Disponível em: https://blogdoims.com.br/o-corpo-que-resiste/ Acesso em: 24/04/2019

ESCOREL, Eduardo. Aquarius – o filme em questão. Piauí. 08/09/2016. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/aquarius-o-filme-em-questao/ Acesso em: 24/04/2019

FIREMAN, Chico. Arte e política andam juntas em "Aquarius", mas polêmica não se justifica. UOL. 29/08/2016. Disponível em: https://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2016/08/29/na-era-de-aquarius-politica-e-arte- vivem-um-torrido-caso-de-amor.htm. Acesso em: 24/04/2019

MORAES, Camila. Não ficarás indiferente a ‘Aquarius’. El País. 02/09/2016. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/01/cultura/1472696108_914418.html. Acesso em: 24/04/2019.

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SCOTT, A. O.; HOLDEN, Stephen; DARGIS, Manohla. Best Movies of 2016. The New York Times. 07/12/2016. Disponível em: https://www.nytimes.com/2016/12/07/movies/the-best- movies-of-2016.html?_r=0. Acesso em 24/04/2019.

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VILLAÇA, Pablo. Aquarius. Cinema em Cena. 17/05/2016. Disponível em: http://cinemaemcena.cartacapital.com.br/Critica/Filme/8254/aquarius. Acesso em: 24/04/2019

WEISSBERG, Jay. Film Review: ‘Aquarius’. Variety. 17/05/2016. Disponível em: https://variety.com/2016/film/reviews/aquarius-review-1201776731/ Acesso em: 24/04/2019

ZANIN, Luiz. Brilhante e polêmico, ‘Aquarius’ é um elogia à resistência. Estado de São Paulo. 01/09/2016. Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,brilhante-e- polemico-aquarius-e-um-elogio-a-resistencia,10000073225. Acesso em: 10/11/2018

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