O Sino E O Relógio
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O SINO E O RELÓGIO UMA ANTOLOGIA DO CONTO ROMÂNTICO BRASILEIRO COM TEXTOS DE Franklin Távora Bernardo Guimarães Fagundes Varela Apolinário Porto Alegre J. F. de Meneses Visconde de Taunay Nísia Floresta Joaquim Norberto de Sousa e Silva Maria Firmina dos Reis Corina Coaracy Escolástica P. de L. ORGANIZADA POR João Manuel Pereira da Silva Martins Pena Hélio de Seixas Guimarães & Vagner Camilo Justiniano José da Rocha Gentil Braga Flávio d’Aguiar Josino do Nascimento Silva Francisco de Paula Brito Casimiro de Abreu José de Alencar Joaquim Manuel de Macedo Luís Guimarães Júnior Machado de Assis & dois autores anônimos Para estabelecer o texto desta edição, atualizamos a grafia das palavras e a pontuação, optando pelas formas mais correntes. No entanto, não foram corrigidas as colocações pronominais ou concordâncias que indicavam opções estilísticas dos autores. Er- ros evidentes de composição tipográfica foram retificados. As citações de textos em línguas estrangeiras são feitas con- forme aparecem nos textos-base. As notas das edições originais tomadas como referência pa- ra transcrição dos textos foram mantidas e vêm indicadas por [N.E.O.]. As notas incluídas pelos organizadores e pelos editores estão indicadas por [N.E.]. SUMÁRIO PARTE I – FANTÁSTICO O SINO ENCANTADO Franklin Távora 27 O PÃO DE OURO Bernardo Guimarães 35 A GUARIDA DE PEDRA Fagundes Varela 67 O BAÚ Anônimo 77 MANDINGA Apolinário Porto Alegre 81 O PUNHAL DE MARFIM J. F. de Meneses 95 PARTE II – HISTÓRICO CAMIRÃ, A QUINIQUINAU EPISÓDIO DA INVASÃO PARAGUAIA EM MATO GROSSO Visconde de Taunay 115 INTRODUÇÃO AO FANY CONTO ROMÂNTICO OU O MODELO DAS DONZELAS Hélio de Seixas Guimarães & Vagner Camilo Nísia Floresta 11 139 AS DUAS ÓRFÃS PARTE IV – INTRIGA Joaquim Norberto de Sousa e Silva 149 GUPEVA — ROMANCE BRASILIENSE CARLOTINHA DA MANGUEIRA Maria Firmina dos Reis Gentil Braga 173 245 O GRANDE VASO CHINÊS Flávio d’Aguiar PARTE III – COTIDIANO 253 UM ENFORCADO — O CARRASCO Josino do Nascimento Silva CONVERSAÇÕES 261 COM MINHA FILHA: A REVELAÇÃO PÓSTUMA A MULHER LITERATA Francisco de Paula Brito Corina Coaracy 269 203 CAROLINA ACHAR MARIDO NUM OVO Casimiro de Abreu EPISÓDIO EM 1839 283 Escolástica P. de L. LEMBRA-TE DE MIM 209 José de Alencar QUE DESGRAÇA! 305 Anônimo INOCÊNCIO 215 Joaquim Manuel de Macedo O BANHO RUSSO 319 João Manuel Pereira da Silva O ÚLTIMO CONCERTO 221 Luís Guimarães Júnior MINHAS 351 AVENTURAS NUMA O RELÓGIO DE OURO VIAGEM NOS ÔNIBUS Machado de Assis Martins Pena 399 227 A CAIXA E O TINTEIRO Justiniano José da Rocha FONTES DA TRANSCRIÇÃO DOS CONTOS 411 235 REFERÊNCIAS 413 Introdução ao CONTO ROMÂNTICO LENda, causO, racontO, aNEdOta, apólogo, quadro, histó- ria, novela, noveleta, romance, romancete… Todos esse termos foram utilizados de modo profuso e indistinto no Brasil ao longo do século xix para se referir a várias modalidades de narrativas que hoje classificaríamos mais ou menos tranquilamente como contos. A oscilação dos termos para nomeação de histórias mais curtas que o romance e a novela mostra justamente a indefinição de um gênero que, a princípio, se alimentou de narrativas de ori- gem incerta, transmitidas oralmente de geração a geração, acu- mulando versões sobre versões, até ganharem a forma mais estável da escrita. É o caso das lendas e contos de fadas que circu- laram pela Europa ao longo de muito tempo até que chegassem ao livro. Ou dos mitos, lendas e causos que circularam pelo territó- rio brasileiro até que encontrassem a página impressa pela pena dos primeiros escritores brasileiros e, mais tarde, pelos trabalhos de Sílvio Romero e Luís da Câmara Cascudo.1 A imprecisão dos limites entre as formas breves e a flutuação das designações genéricas não são características só da literatura (1) Cf. Sílvio Romero (org.), Contos populares do Brasil. Lisboa: Nova Livra- ria Internacional, 1885; Luís da Câmara Cascudo, Contos tradicionais do Brasil. Rio de Janeiro: Americ-Edit, 1946. 12 Hélio de Seixas Guimarães & Vagner Camilo iNtrOduçãO aO contO rOmâNticO 13 local, mas de outras tantas, como demonstraram estudos, por parece ter se verificado mais ou menos simultaneamente em vá- exemplo, sobre o nascimento do gênero na França, que foi a prin- rios países entre meados do século xix até as primeiras décadas cipal referência cultural e literária para os escritores brasileiros do século xx. do século xix. Buscando afastar-se do conto tradicional, mais próximo da Os contornos imprecisos do gênero em seu nascimento sem- tradição oral, novas formas apresentavam um foco narrativo bem pre levaram o leitor ou intérprete a esbarrar na questão das fron- delimitado, histórias desenvolvidas em tempo e espaço geralmen- teiras com os gêneros vizinhos, bem como na questão das formas te restritos, linguagem econômica e análise vertical das situações prévias de que o conto moderno se valeu para se configurar como apresentadas. Assim, com poucos personagens e situação bem tal. Isso inclui o contato com formas oralizadas, como o causo, a definida, em poucas páginas e alguns minutos de leitura, as histó- lenda, a anedota. As marcas de oralidade, que vão além da questão rias punham o leitor em contato com dilemas morais e inter- da brevidade, se fazem notar em várias das tentativas inaugu- pretativos de grande profundidade e alcance. rais do gênero, talvez mesmo motivadas pela persistência da Para a definição, na teoria e na prática, de histórias com essas transmissão oralizada da literatura no país, o que obviamente características contribui de forma decisiva Edgar Allan Poe (1809- não contradiz sua preservação na forma impressa. -1849). Foi o poeta de “O corvo” e o autor de histórias de mistério O estudo do comparatista Jacques Voisine, Le récit court, des e horror que eletrizaram a imaginação dos leitores da primeira Lumières au Romantisme (1760-1820). I. Du conte à la nouvelle, faz metade do século xix nos Estados Unidos e em boa parte do Oci- retroceder a permeabilidade entre os gêneros a bem antes do Ro- dente que postulou o conto como uma unidade de efeito, uma es- mantismo, desde pelo menos o Renascimento, e continuaria a se trutura em que todas as partes devem concorrer para deixar no verificar por muito tempo, dado o emprego muitas vezes indiferen- leitor uma impressão indelével. Essa unidade, ou totalidade, seria ciado dos termos nouvelle e conte. Segundo o crítico, o período de uma característica distintiva do conto em relação ao romance, 1760-1820 viu a nouvelle adquirir, em relação ao conto em prosa, pela possibilidade de leitura ininterrupta, “numa assentada”, per- uma autonomia que manifestaria toda a sua riqueza com o Roman- mitindo ao autor “levar a cabo, e sem interrupção, todo o seu tismo. Era de se esperar que o vocabulário crítico registrasse essa plano”, de modo que durante aquela hora de leitura o espírito do diferenciação, mas não foi o que ocorreu. leitor está sob o controle do escritor”.2 E assim tem sido com su- Com a palavra conte, nota Voisine em estudo complementar, a cessivas gerações de leitores que se deixaram arrebatar pela lei- língua francesa dispôs de um termo genérico que cobria diversas tura de “O gato preto”, “O barril de amontilado”, “A queda da casa formas de narração breve em prosa, e algumas específicas de uma de Usher”… ou outra literatura estrangeira. As principais variantes praticadas no Além de Poe, destaca-se algumas décadas mais tarde na defini- período por ele estudado são: o conte philosophique nascido na Fran- ção do conto moderno Guy de Maupassant (1850-1893), com suas ça, o Märchen dos românticos alemães e as adaptações literárias do histórias baseadas na reversão de expectativas, nas quais o leitor é conto de fadas tradicional, de Charles Perrault aos irmãos Grimm. surpreendido no final por uma solução que contradiz a expecta- No curso desse período, operou-se uma repartição de fato das fun- tiva inicial. Maupassant também dominou a técnica do distancia- ções próprias ao romance, ao conto e à novela, propícia ao brilhante desenvolvimento que conheceu a prosa narrativa do século xix. Essa modernização das formas tradicionais do conto e da sua (2) Edgar Allan Poe, “The Short Story”, The Portable Edgar Allan Poe. Nova distinção em relação a outras formas de narrativa mais longas York: Penguin Books, 1981, pp. 565-567. 14 Hélio de Seixas Guimarães & Vagner Camilo iNtrOduçãO aO contO rOmâNticO 15 mento do narrador em relação ao que é narrado, fazendo com que afirme que este “se divulgou no Brasil como um gênero autônomo, o leitor fique numa situação de exposição direta ao relato, aumen- no período de influência romântica, a partir de 1836, tendo entre tando o potencial efeito do conto. Na Rússia, onde já havia resul- seus primeiros autores os melhores jornalistas da época — Justi- tado em grandes realizações com Nikolai Gógol (1809-1852), por niano da Rocha, Pereira da Silva, Josino Nascimento Silva, Vicente exemplo, o gênero alcançaria o patamar da perfeição com Anton Pereira de Carvalho Guimarães, Martins Pena, João José de Sousa Tchékhov (1860-1904). Por meio da delimitação de “fatias de vida”, e Silva Rio”, ele mesmo trata de relativizar sua afirmação ressal- momentos ocasionais e pequenos flagrantes do cotidiano, o autor tando que as narrativas curtas eram referidas principalmente de “A dama do cachorrinho” construiu histórias com o mínimo de como histórias, lendas, anedotas, apólogos…, e que o caráter es- enredo e o máximo de emoção, preparando um golpe certeiro no porádico da produção nesse gênero fica indicado pelo fato de boa leitor enquanto ele tem a sensação de estar lendo uma história so- parte dos seus praticantes não persistir no gênero, dedicando-se bre coisa nenhuma. Já no século xx, o escritor argentino Julio ao jornalismo (caso de Justiniano da Rocha), à política (caso de Fir- Cortázar, ele mesmo um mestre no gênero em sua feição moderna, mino Rodrigues e Josino do Nascimento), à história (como fez Pe- atribuiria ao grande conto a capacidade de transformar um episó- reira da Silva) ou ao teatro (caso de Martins Pena).