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ANÁLISE DE CONJUNTURA

MAIO DE 2016

Com assessoria do Instituto Cultiva 2 O CENÁRIO POLÍTICO INSTITUCIONAL www.assibge.org.br 3

Trata-se de uma interpretação enviesada do confronto O programa de Temer aberto instalado na sociedade brasileira: não se trata da economia, mas da crise que aprofunda a desigualdade. O O impeachment como base instável do governo Temer Com uma base movediça e marcada pelas traições e “entendimento e cooperação”, destaque desde a primeira chantagens, propõe governar com um página deste documento, aparecem como intenção mágica programa típico da agenda empresarial de 1990, O cenário político atual é marcado pelo im- tre Michel Temer e Renan Calheiros. Renan Calheiros e não como fruto de frustrações históricas e concretas. Frus- focado na redução dos custos de produção indus- peachment da Presidente . Não foi o mensageiro do acordo que procurou firmar com Dilma trações, inclusive, que possuem clivagens de classe e interes- trial e a convicção que o aquecimento da indústria apenas em virtude do impedimento em si, mas Rousseff em meados do ano passado, apresentando a agenda ses sociais específicos, não genéricos ou generalizáveis. levará à recomposição de empregos e, conseqüen- da ofensiva conservadora que não conseguia as- elaborada em comum acordo com FIRJAN e FIESP e que A partir desta introdução, o documento sugere um diag- temente, aumento do consumo popular. Algo que nunca sumir o governo pelo voto há mais de uma déca- ganhou o título de Agenda Brasil. Trata-se, em linhas gerais, nóstico intitulado “Um retrato do presente” que retoma o ocorreu em nosso país, dado o binômio perverso entre ri- da. Trata-se de um golpe e, portanto, de um go- da Ponte para o Futuro apresentada por Michel Temer re- foco da agenda liberal nacional. O foco passa a ser a dívida queza nacional (8ª economia mundial) e profunda desigual- verno que deve ser tipificado como golpista. O centemente. Michel Temer, contudo, é muito próximo dos pública. O texto foge, contudo, do reducionismo sobre o dade social (o IDH-D brasileiro, que corrige o IDH pelos jornal Der Spiegel denominou de “golpe frio”, tucanos paulistas, desde quando foi da base de Orestes Quér- tamanho do Estado, afirmando que a questão não é esta, indicadores de desigualdade social) está abaixo da média da ou seja, uma farsa que se baseia em brechas ju- cia, do PMDB paulista. Renan Calheiros procura ocupar a mas a funcionalidade das políticas estatais. América Latina. O Brasil está na 75º colocação no ranking rídicas. Estaria enquadrado no que o filósofo imagem que até o início das ações nitidamente conspiratórias A primeira promessa, ou sugestão de agenda do IDH, entre 188 países, com índice de 0,755, acima da italiano Giorgio Agamben define como “Estado do vice-Presidente era a que Temer procurava sustentar: a de econômica, é a meta de crescimento nacional do média da América Latina (0,748) e considerado alto. É o de Exceção”: uma liderança moderadora da política nacional. PIB, fixada em 2,5% ao ano. 13º melhor índice entre os latino-americanos. De acordo “Diante do incessante avanço do que No PSDB, a disputa é dupla. De um lado, Aécio Para tanto, o tema central eleito para ataque é a política com o relatório das Nações Unidas, os países da América foi definido como uma `guerra civil mun- Neves, que parece atravessar seu inferno astral (e fiscal. Sustenta que, para tanto, interesses organiza- Latina com maior grau de desenvolvimento humano são dial`, o estado de exceção tende sempre início da decadência como liderança nacional) e os dos terão que ser enfrentados. Chile (41º no ranking), Cuba (44º) e Argentina (49º). Os mais a se apresentar como o paradigma de tucanos paulistas. De outro, entre os tucanos pau- E, apresenta uma agenda mínima, composta por: três países são classificados como de “muito elevado- de governo dominante na política contempo- listas, em especial, Geraldo Alckmin e José Serra. senvolvimento”. Contudo, quando se verifica o IDH-D, o rânea. Esse deslocamento de uma medida José Serra, inclusive, já era dado como ex-tucano, dado Diminuição da carga tributária (e comple- Brasil fica com 0,557, perdendo 26,3% de seu IDH, com provisória e excepcional para uma técnica que Aécio Neves teria conseguido ampliar sua base a par- xidade tributária). Sugere, sutilmente, que a car- um coeficiente de desigualdade humana de 25,6%. Peru de governo ameaça transformar radical- tir das hostes serristas. A radicalização do confronto com ga seja fixada entre 25% e 30%, citando EUA, (84º no ranking mundial do IDH), Equador (88º) e Jamai- mente – e, de fato, já transformou de modo o PT proposta por Aécio Neves, contudo, inviabilizou seu Inglaterra e Alemanha como exemplos; ca (99º), por exemplo, aparecem abaixo do Brasil na lista muito perceptível – a estrutura e o sentido nome como capaz de articular forças políticas mais ao cen- base, mas sofrem perdas menores e superariam o país no da distinção tradicional entre os diversos tro e, em especial, um pouco mais à esquerda, o que trans- IDH-D com índices de 0,563%, 0,570% e 0,593%, respec- Revisão das despesas obrigatórias que tipos de constituição. O estado de exceção formaria o Congresso Nacional em fonte de conflitos per- tivamente. Nos três quesitos levados em conta no IDH-D, a imobilizam o orçamento público; apresenta-se, nessa perspectiva, como um manentes. Aécio, então, colheu o fruto de sua proposta de renda desigual entre a população, com 38% de perda, é o patamar de indeterminação entre demo- radicalização: isolou-se. item que mais derruba o índice brasileiro - a desigualdade cracia e absolutismo.” (Giorgio Agamben) Finalmente, o baixo clero. Trata-se de um termo cria- Desindexação do salário mínimo; na educação e expectativa de vida têm perdas de 23,2% e Segundo Arnaldo Godoy, livre-docente pela do por Ulysses Guimarães para nomear entre 250 a 300 de- 14,5%, respectivamente. USP, putados federais que não são expoentes políticos em seus par- Já o IDH o IDH-D (IDH Ajustado à Desigualdade), Adaptação dos benefícios previdenciários “O estado de exceção revela-se, em seu tidos e que amargam o ostracismo midiático. Assim, o baixo que leva em consideração a desigualdade humana em três à lógica demográfica (de aumento da esperança sentido formal, como um espaço jurídico clero viceja entre acordos de apoio à sua base territorial e/ dimensões (renda, educação e expectativa de vida), faz o de vida). vazio, o que o descaracterizaria como ins- ou apoiadores diretos, a partir de cargos e obras concedidas Brasil perder 26% do seu IDH, caindo para 0,55 pontos. trumento de ditadura. Porém, as teoriza- via emendas parlamentares ou acordos com os governos de Assim, programas liberais de afastamento de políticas O documento, significativamente, elege o Relatório Global ções com as quais contamos não explici- plantão. Sua atuação é nitidamente clientelista e se baseia na sociais distributivas da ordem do dia tendem a alimentar a de Competitividade 2015-2016 como base de comparação tam se o estado de exceção estaria dentro chantagem diária. O que cria um movimento errático cons- desigualdade de oportunidades e aprofundar o sentimen- internacional, mas não cita os dados sociais (como IDH-D) ou fora do ordenamento. A suspensão do tante, mudanças de posição e traições sucessivas. As traições to de injusta, fator principal da queda de popularidade do ou relatórios de desenvolvimento territorial como referência, ordenamento vigente, para a garantia de são combatidas, via de regra, por chantagens e traições. As- governo Dilma Rousseff quando do anúncio das medidas outro prenúncio de escolhas ideológicas e de sustentação so- sua sobrevivência, acentua Agamben, não sim é que parece que se deu a inclinação de deputados para econômicas liberais em janeiro de 2015. cial nítidas. suscita uma resposta a uma lacuna nor- votarem pela aprovação do processo de impeachment de Dil- Critica duramente as vinculações constitucionais que levaria mativa; o estado de exceção “apresenta-se ma Rousseff: benesses pessoais e/ou ameaças do “Bloco Te- ao déficit. Um discurso similar ao adotado pelo PSDB desde como a abertura de uma lacuna fictícia no mer”, em especial, em virtude de escândalos sexuais que co- o governo FHC fundado na crença ultraliberal de desregula- ordenamento, com o objetivo de salvaguar- meçaram a se vazados pela grande imprensa (cf. entre outros QUAIS SÃO AS PREMISSAS DO PRO- mentação dos direitos sociais para diminuir o custo de pro- dar a existência da norma e sua aplicabili- websites: http://popsapiens.net/2016/04/22/conheca-a- dução (ou canalização dos recursos públicos para este fim) o dade à situação normal”. -morena-que-fazia-programas-na-camara-dos-deputados/). GRAMA TEMER, INTITULADO “UMA PONTE PARA O FUTURO”? que, “moto continuo”, geraria empregos e, conseqüentemen- A articulação conservadora tem como prota- te, melhoria do padrão de vida. Ao Estado caberia garantir a gonistas o baixo clero do Congresso Nacional e vida e as condições básicas de competição entre indivíduos e as articulações que gravitam ao redor de Michel agentes sociais e econômicos. O que teoricamente é refutado Temer/FIESP e a cúpula do PSDB, em especial, O documento não esconde suas prioridades. Trata-se do discurso e agenda empresarial dos anos por liberais clássicos (como John Locke, que sugere a função a paulista. Não se trata de um acordo estável e social da propriedade e a intervenção estatal para corrigir a que constrói um “bloco no poder” (para citar o 1990. Inicia não destacando como problema central a desigualdade social do brasileiros, mas a necessida- distribuição desigual ou perniciosa da propriedade) ou con- termo de inspiração gramsciana formulado por temporâneos (como Amartya Sen, que sugere que a liberda- Poulantzas). de de pacificação e preservação da economia (para tornar viável o desenvolvimento e o Estado ter de só é garantida pelas condições de garantia de cidadania O PMDB tem vários pólos em dispu- capacidade de executar políticas sociais). ou direitos humanos numa determinada sociedade). ta. O mais significativo é o pêndulo en- 4 www.assibge.org.br 5

OS MINISTERIÁVEIS

O texto é claro em relação à desvinculação e para manter o poder de com- constitucional dos recursos públicos para a saúde e educação. pra dos que recebem rendas As indicações de composição do mi- sociedade e adotando medidas econômi- Há várias frases emblemáticas neste texto de referência “Sdo Estado deixamos a inflação fora nistério Temerpublicizadas até 12 de cas restritivas e de forte impacto negati- maio sugeriam: , minis- vo junto aos mais pobres e trabalhado- que denotam a agenda ultraliberal dos anos 1990. Destaca- de controle ou muito alta, estaremos mos algumas delas: tro de Ciência, Tecnologia, Inovações e res, o governo Temer nasce sob o signo penalizando a grande maioria da po- Comunicações; , minis- da crise, embora seu discurso seja pela pulação, que não tem a seu favor me- tro da Defesa; Romero Jucá, Planejamen- sua superação. to, Desenvolvimento e Gestão; Geddel Tal situação de desequilíbrio ou canismos automáticos de indexação.” Vieira Lima, ministro-chefe da Secreta- fragilidade política parece ainda mais (p. 12) ria de Governo; Sérgio Etchegoyen, mi- perigosa com o baixo índice de aprova- nistro-chefe do Gabinete de Segurança ção da figura pública de Michel Temer. instrumento para isto Institucional; Bruno Araújo, ministro das Pesquisa IBOPE divulgada no final de Cidades; , ministro da Agri- abril indicava que somente 8% dos bra- [o equilíbrio fiscal] é a “O cultura, Pecuária e Abastecimento; Hen- sileiros desejavam o vice-Presidente di- obtenção de um superávit pri- rique Meirelles, ministro da Fazenda; rigindo o país e 62% afirmavam que o mário capaz de cobrir as despe- Mendonça Filho, ministro da Educação melhor seria que a chapa eleita em 2014 amos precisar aprovar leis e Cultura; , ministro-chefe fosse afastada para ocorrerem novas sas de juros menos o crescimen- e emendas constitucio- da Casa Civil; , ministro do eleições presidenciais. to do próprio PIB” (p. 13) nais“V que, preservando as conquis- Desenvolvimento Social e Agrário; Leo- A legitimidade e perfil moderador nardo Picciani, ministro do Esporte; que Michel Temer procurou construir tas autenticamente civilizatórias Ricardo Barros, ministro da Saú- foram abalados, ainda, pelo veredicto expressas em nossa ordem legal, de; José , ministro do da imprensa internacional a respeito de aproveite os mais de 25 anos de Meio Ambiente; suas movimentações para suceder Dil- Henrique Alves, ministro do Turis- ma Rousseff, consideradas como “golpe experiência decorridos após a pro- Estado deve cooperar com mo; José Serra, ministro das Relações frio” (matéria do Der Spiegel) ou far- mulgação da Carta Magna, para Exteriores; Ronaldo Nogueira de Olivei- sa (Publico, de Portugal; Le Monde, El o setor privado na abertu- corrigir suas disfuncionalidades e ra, ministro do Trabalho; Alexandre de Pais), seguidos por The Wall Street Jour- ra“O dos mercados externos, buscando Moraes. ministro da Justiça e Cidadania; nal, Financial Times, The Washington reordenar com mais justiça a racio- com sinceridade o maior número Mauricio Quintella, ministro dos Trans- Post, La Nación, Agência Reuters, Irish nalidade”. (p. 16) portes, Portos e Aviação Civil; Times, Fox News, Clarin, Le Parisien, possível de alianças ou parcerias Fabiano Augusto Martins Silveira, Al Jazeera e CNN. regionais, que incluam, além da ministro da Fiscalização, Transparência Ainda pior, Michel Temer foi conde- redução de tarifas, a convergência e Controle (ex-CGU); nado por crime eleitoral em segunda ins- Fábio Osório Medina, AGU. A pro- tância ao pagamento de multa de oitenta de normas, na forma a das parcerias messa de redução de ministérios (para, mil reais, se tornando inelegível a partir que estão sendo negociadas na Ásia no máximo, 25), se revelou fantasiosa, de 2018 e sendo o primeiro Presidente da e no Atlântico Norte”. (p. 17) a área trabalhista, per- dado o imenso passivo que o novo gover- República ficha-suja no Brasil. no terá que quitar com o baixo clero e Temer é citado, ainda, por delatores mitir que as conven- vários pequenos partidos e apoiadores do da Operação Lava Jato e de que teria re- ções“N coletivas prevaleçam sobre alto empresariado. cebido 5 milhões de reais da construtora as normas legais, salvo quanto Trata-se de um ministério com pouca OAS de maneira ilegal. Temer teve seu luz própria, com exceção de José Serra – nome incluído no pedido de investigação aos direitos básicos”. (p. 19) que chegou a exigir a Fazenda como úni- que a Procuradoria Geral da República a área tributária, realizar ca pasta aceitável – e encaminhou ao STF. Também teve seu um vasto esforço de sim- – coringa que satisfaz o campo tucano e nome delatado por Delcídio Amaral, plificação,“N reduzindo o número de lulista. Não há, contudo, nenhum nome Fernando Baiano e Júlio Camargo. Em que consiga garantir qualquer lastro com 2014, o nome de Temer também apare- impostos e unificando a legislação a base social ou entidades de mediação ceu em uma planilha apreendida na em- do ICMS, com a transferência da social (igrejas, ONGs, sindicatos, organi- preiteira Camargo Corrêa relacionado a cobrança para o Estado de destino, Quanto a este último item, a respeito da reforma tributá- zações de massa) que possam criar canais dois pagamento de US$ 40 mil por obras ria, reproduz-se a agenda definida pelo Conselho de Desen- institucionais de negociação e partici- em Araçatuba e Praia Grande. À época, desoneração das exportações e dos volvimento Econômico e Social (CDES) e que constava da pação das camadas mais desfavorecidas o vice negou que tivesse recebido doa- investimentos, reduzir as exceções reforma tributária em discussão na Câmara de Deputados da sociedade. ções da empreiteira. para que os grupos parecidos pa- no final da gestão Lula. Algo que não incluiu nenhum item Sem perfil carismático, ladeado por Durante investigações da Operação ministros sem relações com a base da Castelo de Areia, que investigou a Ca- guem impostos parecidos.” (p. 19) a respeito do conceito de justiça tributária. 6 PROJEÇÃO DO CENÁRIO ECONÔMICO PARA 2017 www.assibge.org.br 7

margo Corrêa, a Polícia Federal encontrou documentos que A combinação entre juros citam 21 vezes o nome do vice-presidente ao lado de quan- A taxa de inflação recuou no perío- tias que somam US$ 345 mil.Ele era deputado federal no altos e desvalorização da do, embora vários analistas apontem que período coberto pela planilha, entre 1996 e 1998.A opera- a inflação inercial conteve uma queda ção foi anulada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, na moeda nacional mais acentuada. época, Temer negou irregularidades. A opção tomada pelo governo Dilma Rousseff logo O conceito de inflação inercial foi O peemedebista também já foi citado em investiga- após a posse em janeiro de 2015 jogou a economia nacio- muito empregado ao longo dos anos ções sobre o porto de Santos, considerado sua área de in- nal num ciclo recessivo que somente em 2018 poderá ser 1980 pelos economistas brasileiros para fluência.Ele foi citado em um processo como beneficiá- revertido. A opção foi pela adoção de política de cunho conceituar um movimento preventivo rio de esquema de cobrança de propina de empresas com monetarista, ou seja, de contenção da liquidez da econo- dos agentes econômicos que, mesmo sem contratos no porto, mas o caso foi arquivado. Ele negou mia nacional para projetar nossas exportações e conter a informações concretas da projeção de irregularidades à época. inflação. As medidas adotadas forma similares às sugeri- inflação do período, corrigiam os preços Em pedido de impeachment apresentado em dezembro, das pela Troika Européia (troika é uma palavra russa que para criar um colchão de proteção para o advogado Mariel Márley Marra argumentava que Temer significa carro conduzido por três cavalos), composta pelo manutenção dos negócios. O Banco Cen- cometeu crime de responsabilidade ao assinar quatro decre- FMI, Banco Central Europeu e Comissão Européia, que tral, por diversas vezes, sustentou que a tos de suplementação orçamentária entre maio e julho de jogou Grécia, Portugal e Irlanda num profundo esgarça- taxa SELIC no patamar de 14,25% ao 2015, autorizando novos gastos quando o governo já não es- ano provocaria um movimento recessi- tava cumprindo a meta original estabelecida para o supera- vo que aproximaria gradativamente a vit primário (economia para pagar juros da dívida pública). taxa de inflação ao centro da meta anual A denúncia aceita por Cunha contra Dilma também a acusa (4,5% a.a.). Em fevereiro deste ano, os de crime de responsabilidade ao ter assinado seis decretos As medidas impostas a estes países para res- dados oficiais indicavam a persistência desse tipo - além das chamadas “pedaladas fiscais”, das quais gate financeiro à Comissão Européia visavam a da inflação inercial. Temer não é acusado. A defesa do vice-presidente Michel redução do déficit fiscal. Em Portugal, a proje- tem argumentado que ele não pode ser responsabilizado por ção foi de para 5,9% em 2011, 4,5% para 2012 decretos assinados quando estava substituindo Dilma na Pre- e 3% para 2013. As principais medidas foram: sidência da República, porque ele não teria participado da agravamento do imposto de renda da classe elaboração dos decretos nem da formulação da política eco- média, diminuição de deduções domésticas (in- nômica do governo. Teria cumprido mero ato burocrático. cluindo saúde e educação), aumento do custo da energia elétrica, corte de pensões a partir de um teto mensal, redução em 15% dos cargos da administração pública, redução dos gastos mili- tares, redução do tempo de auxílio-desemprego, redução da taxa social única paga pelas empre- sas, privatização de empresas estatais, suspensão das parcerias público-privadas.

mento social que evoluiu, no caso grego, para uma crise institucional grave. À desvalorização do real – o que poderia gerar au- mento da inflação -, seguiu-se a elevação da taxa de juros e corte de subsídios para o crédito popular (houve que- da de juros provocada pelo governo Dilma Rousseff em 2012, mas absolutamente revertida em 2015). Tal combinação destrói a capacidade de consumo fa- miliar e aumenta a especulação no mercado financeiro. Em suma, somente os segmentos sociais com poupança conseguem crescer num cenário econômico como este. Setores produtivos tendem a ingressar neste ciclo espe- culativo (incluindo venda de estoques de energia elétrica, entre outros), diminuindo a geração de empregos. Percebe-se, contudo, que a tentativa de conten- ção inflacionária via taxa de juros básica é elemento da política econômica governamental de todo perío- do de gestão Dilma Rousseff, como ilustrado na tabela apresentada a seguir: 8 O CAMPO POPULAR-DEMOCRÁTICO www.assibge.org.br 9

A crise se arrastará por 2016 e 2017

Evidentemente que esta política teve enorme im- O FMI projeta para pacto sobre a geração de empregos e sobre o consu- este ano uma queda do mo popular, pedra de toque da “inclusão pelo con- PIB de 3,8%, segundo sumo” implementada pelo lulismo e que legitimou o a última versão do re- PT na última década como partido hegemônico do latório “Panorama Eco- sistema partidário. nômico Global”. Para Em 2015, as despesas de consumo das famílias 2017, o fundo projeta caíram 4% em relação ano ano anterior, o maior da estagnação econômi- série histórica iniciada em 1996 pelo IBGE. No quar- ca (crescimento zero). to trimestre de 2015 a retração foi de 10,1%. Nem No mesmo documen- em 2009, com a queda brutal do PIB, o país redu- to, afirma-se que a - re ziu tão drasticamente a demanda doméstica. Pode-se tomada da economia afirmar que este foi o ápice, até aqui, do impacto do mundial está sendo pacote recessivo sobre o consumo familiar. Segun- mais lenta do que se do a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, esperava, “num ritmo Rebeca Palis, “o consumo das famílias caiu devido cada vez mais frágil”, o a vários fatores, como aumento dos juros e da infla- que gerou a projeção de ção”. O consumo familiar de itens básicos (bebidas, crescimento global para alimentos, higiene e limpeza) voltou ao patamar de 3,2% neste ano. 2010, quebrando a espiral de crescimento iniciado em 2008. Sugerimos uma distinção entre o pe- bem conhecido dos que dirigiram este par- O PT, sem dúvida, é a tismo e o lulismo, e destes com o que tido desde sua origem. parte frágil deste cabo de O país, enfim, mergulhou na recessão a partir denominaremos de campo político- Portanto, a crise do lulismo é a cri- guerra. Subordinou-se com- de uma opção conservadora do governo federal que -democrático e as esquerdas. se da crença na conciliação de inte- pletamente ao lulismo e se trans- lhe custou a popularidade e a sua governabilida- Trata-se de uma tipologia que possibilita resses, mas também na capacidade formou na ilustração acabada de. A queda do PIB, que nos anos de gestão Lula compreendermos os diversos movimentos do carismática de um personagem que do que a literatura especializada só havia sido sentida em 2009 (para então atingir, no que poderemos nomear como bloco de opo- galvanizou uma vanguarda partidá- denomina de “partido cartel” ano seguinte, a marca espetacular de 7,5% de cres- sição ao governo Michel Temer. ria. (cf. Maire Katz), totalmente de- cimento), foi uma constante desde a primeira gestão O lulismo foi um retrocesso à agen- A crise do lulismo é, também, a pendente do Estado. Com efeito, Dilma Rousseff. da e lógica original do PT. O PT sempre crise parcial deste campo popular- sem o governo federal, o PT se declarou socialista e democrático. Sempre -democrático que, agora, se rearticula se desmontará porque não repudiou o trabalhismo – em virtude, jus- aceleradamente, tendo na figura de Gui- terá como alimentar sua tamente, da tutela popular pela vanguarda lherme Boulos sua expressão pública de militância com cargos pú- “morena” – e o burocratismo soviético. Já mais fácil reconhecimento. Mas, por ser um blicos e sua base política e o lulismo, ao adotar a agenda rooseveltiana campo fluido, sem grande coesão ideológica social com programas e fi- como seu DNA programático, sustentou a e focado numa pauta específica de lutas por nanciamentos. A debandada coalizão ou pacto desenvolvimentista como direitos (sociais ou civis), chegou a se envol- de parlamentares e prefeitos é condição básica para sua sobrevivência. A ver com arenas permanentes de negociação aguardada para logo após o im- Além da recuperação mais lenta de economias avançadas, conciliação de interesses já foi tentada nos de políticas sociais com o governo federal e peachment se consumar, tendo como EUA, União Europeia e Japão, e a contínua fraqueza da anos 1950 e gerou a crise aguda do segun- até mesmo participar de instâncias híbridas muitos declarado que não seria maioria dos emergentes, o estudo atribui a queda à volatilidade do governo getulista. Mas, Lula insistiu. E de governo, caminhando para uma lógi- honesto deixar a embarcação nos mercados financeiros. deu certo, inicialmente, em virtude de sua ca neocorporativa que abriu espaço em momento tão aguda e difí- Um dos indicadores do aprofundamento da crise interna- imensa capacidade política e fluxo farto de para a tutela lulista. Deixará, agora, cil. Fernando Haddad, da cor- cional é o impacto da deterioração dos preços do petróleo (bar- investimentos externos (e elevação de preços possivelmente, de crer na fragmentação das rente Mensagem ao Partido, já ril abaixo de 30 dólares) sobre a avalanche de falências do setor internacionais de commodities). Mas o van- agendas e voltará para as ruas. Voltará, em declarou aos jornais que o PT nos EUA: 59 empresas de petróleo e gás faliram recentemente, guardismo e a tutela social levaram o lulismo certa medida, ao final dos anos 1980, resis- não será mais o partido hegemô- número próximo dos 68 pedidos de falência do setor de tele- Crescimento médio do PIB até final da primeira ao paroxismo de ditar candidatos estranhos tindo e agindo no confronto com o campo nico das esquerdas brasileiras, o comunicações em 2002 e 2003 (embora aquém da crise aberta gestão Dilma Rousseff às lutas sociais e até mesmo à base partidá- institucional. Na medida em que 92% dos que pode ser interpretado como pelo subprime em 2008). ria como sendo os candidatos adequados. Foi brasileiros não desejam Temer como presi- admissão, mas também, como Charles Gibbs, sócio da AkinGump, no Texas, disse que o uma cabal demonstração de força pessoal dente e somente 12% confiam no Congres- preparação de sua corrente para setor petroleiro nos EUA não chegou nem na metade de sua que levou no arrastão muitas lideranças pe- so Nacional e 5% nos partidos políticostupi- mudar de rumos. A atual direção Segundo o FMI, o Brasil terá o segundo pior de- onda de falências. tistas, históricas, que poderiam fazer sombra niquins, a possibilidade deste campo crescer nacional do PT se revelou a mais sempenho econômico do mundo em 2016. Projeta-se No Brasil, uma possível melhora no PIB no próximo ano ao líder máximo. O desmonte das possibili- em volume nos próximos meses é razoável. despreparada da história do par- contração de 3,5%. não significará mais empregos. De acordo com o estudo, o de- dades de Marina Silva, Cristovam Buarque, Faltará a elaboração política para não caír tido, oscilando entre a omissão e semprego no Brasil subirá de 6,8% em 2015 para 9,2% em José Dirceu, Palocci, Tarso Genro, Benedi- nos mesmos erros e subordinações que toda a orientação irresponsável para 2016 e 10,2% em 2017. ta da Silva, Marta Suplicy e tantos outros é idolatria carrega e estimula. o enfrentamento. Não soube Tempos difíceis para o futuro governo Temer, portanto. 10 www.assibge.org.br 11

Inclui algumas organizações de luta promover uma leitura mais aprofundada peranças de dias melhores para sua por direitos sociais (a maioria, vincula- e muito menos qualquer esboço de auto- família e comunidade. Trata-se de da ao que a literatura especializada denomina de “demandas materiais”), crítica. Continuou arrogante e abusou da uma cultura cautelosa, heterodoxa e parte vinculada à igrejas progressistas autopromoção a partir do conceito mágico comunitária. Fundamentalmente co- ou pastorais sociais. Embora mais de “correlação de forças” e da lógica ca- munitária. As esquerdas brasileiras crítico ao lulismo, este bloco, por ser botina de afirmar que não teriam chegado raramente discutiram esta realida- pragmático, negocia com diversos ao poder se não tivessem mudado as orien- de a partir de suas próprias pernas. governos para conquistar benefícios tações históricas do partido. Ficará difícil, No passado, empregaram esquemas sociais para sua base (moradia, am- agora, se safar da explicação sobre a mais interpretativos alienígenas, como a pliação do programa saúde da família, BLOCO DOS profunda crise que o partido mergulhou fantástica convicção de termos res- creches etc), podendo apresentar tendo suas convicções e opções como pano quícios feudais num país que nasceu oscilação em relação à agressividade HERDEIROS de fundo. O PT, para continuar existindo, durante o mercantilismo. contra o governo Temer. No próximo terá que se refazer. E Lula, para continuar Esta prestação de contas com o período, este bloco será disputado DE 2013 sendo liderança nacional, terá que se su- passado e um mergulho na realida- palmo a palmo, incluindo um possível bordinar às esquerdas, já que sua coalizão de popular do nosso país terá que deslocamento do primeiro bloco para faliu e o traiu. Sem a chave do Estado, terá ser feita. No momento, contudo, as compor com este segundo. poucos argumentos para convencer PSB, esquerdas serão obrigadas a redefinir PP, PSD, PRB e, muito menos, o PMDB. o papel do campo institucional como Restará a esquerda. Mas, qual campo de luta prioritário. Deverão Majoritariamente composto por jovens que gravitam ao redor do au- esquerda? Uma certeza une a todos deste crescer no Rio de Janeiro, em São BLOCO tonomismo ou de lutas identitárias. É o bloco mais radical em relação campo: a conciliação de interesses não pos- Paulo e . Haverá à ruptura com a lógica institucional e que rejeita radicalmente estru- sui base histórica e cultural para se susten- resistência petista em Minas Gerais LULISTA turas verticais e centralizadas de organização. Pratica a ação direta e tar no Brasil. O empresariado tupiniquim e Bahia. Mas a referência, possivel- ocupação de espaços públicos. No momento, a maior expressão pública deste bloco são as ocupações de escolas públicas em São Paulo, Rio de e parte das classes médias sulinas preferem mente, não serão os partidos. Serão Janeiro, Goiás, Pará e Rio Grande do Sul. a luta de classes nas ruas, com panelaços, os movimentos sociais e as ações das BLOCO Adotando métodos inovadores, diferenciados e radicalizados, ainda que apitos e patinhos como armas preferen- organizações populares, de lutas so- mantenham alguma relação com princípios que surgiram com alguns ciais, em virtude de sua cultura estamen- ciais. O alimento das esquerdas, por- PRAGMÁTICO movimentos sociais dos anos 1980. Além das ocupações de escolas, tal. Não suportam a mobilidade social. tanto, não serão seus partidos, mas aparecem nas grandes marchas feministas pelo “Fora Cunha”, nas Mas, esta certeza é pouco para unir as es- o confronto de rua e a resistência ao Articula-se ao redor de várias marchas e movimentos LGBT’s e movimentos negros, incluindo a luta querdas.Há diferenças importantes, nunca governo Temer/PSDB. organizações de massa, como pela legalização da maconha como elemento de disputa na sociedade, aprofundadas a partir dos anos 1990. Uma As esquerdas, portanto, parecem UNE e CUT. Seu projeto é influenciando culturalmente uma geração. Esse movimento de forças delas é a tradicional divisão entre partido ter uma reserva moral a ser explora- defender o legado lulista e tende a se ampliar suas manifestações e articulações, mas sofrendo com de quadros (e o papel das vanguardas) e da, mas sem o PT como partido de retomar o poder nas bases limitações de não ter um projeto estratégico definido. Nesse sentido, partido de massas.Daí derivaria a lógica massas e de referência popular, te- da conciliação de interesses podemos esperar uma crescente desses movimentos que irão modificar participacionista e a reforma democrática rão que assumir a responsabilidade ou pacto desenvolvimentista. também as diversas estruturas de luta, que são comumente conhecidas do Estado brasileiro. Em parte, este dile- de se alçarem para além deste pa- Não rompem, portanto, com dos movimentos sociais. ma esteve presente nos primeiros três anos pel de médio protagonismo político o projeto rooseveltiano, mas BLOCO do governo Lula. A partir de 2006, a op- no Brasil. são radicalmente contrários à ção participacionista foi descartada, o que O próximo período será de cres- agenda liberal ou ultraliberal RADICALIZAÇÃO promoveu a saída dos expoentes da igreja cimento gradativo e crescente das na economia e os impactos sociais, em especial, à perda de DAS LUTAS católica progressista, tendo Frei Betto e Ivo reações populares, lideradas pelas direitos trabalhistas e sociais Poletto à frente.Não há, nas esquerdas, um organizações do campo popular-de- SOCIAIS conquistados nas gestões Lula acordo nítido sobre a leitura de nossa atual mocrático. Mas haverá, ainda, esta (como aumento real do salário formação social, nossas características cul- tarefa de uma leitura mais profun- mínimo, Prouni e cotas para O fato, que temos um período de imprevisibili- turais e comportamentais. Somos uma na- da dessa última década e meia, dos acesso à universidade, piso dade na política institucional, mas que o caldo das ção rica e profundamente desigual, dotada erros cometidos e da compreensão salarial nacional de professores, ruas pode chacoalhar as estruturas e redefinir planos de uma cultura popular conservadora, mas da profunda mudança social e cul- Bolsa Família, entre outros). Hoje, articulado ao redor da sobre o contexto brasileiro. que rejeita o Estado Mínimo e a agenda tural que o lulismo promoveu no Este bloco vivenciará um Frente Povo sem Medo (que A direita nunca soube resolver este dilema do liberal-conservadora na área econômica. país. Não se trata de bater no peito impasse crescente e enfrentará envolve 30 organizações nacio- desenvolvimento, apenas sugerindo políticas para Uma nação majoritariamente religiosa, e retomar as teses do século XIX ou uma disputa sobre os rumos a nais) e tendo como principal o crescimento econômico. Caberá à esquerda, mais sincrética e que rejeita o conflito como início do XX. O “aggiornamento” à serem tomados. Os próximos liderança o coordenador do uma vez, apresentar um programa que enfrente esta princípio, valorizando a ordem. Não crê esquerda não se fará pela promoção meses poderão definir a capa- MTST, Guilherme Boulos. vergonha nacional. Terá que estar preparada em organizações políticas e acredita que o do passado. cidade de liderar, se continuará Este bloco rompe estrategica- jogo partidário é um jogo de elites, voca- Dentro dessa esquerda popular e atrelada a certa orfandade mente com o lulismo e articula cionadas desde sempre à corrupção. Daí, democrática a qual citamos, existem com a crise do lulismo ou se uma resistência de ações de não valorizarem a luta contra a corrup- diferenças sobre suas experiências e reinventará programaticamen- massa contra o governo Temer, ção, desde que o governante os promova táticas. Podemos identificar quatro te. A própria radicalização ou como bloqueio de rodovias socialmente e garanta um mínimo de es- blocos distintos: insatisfação de sua base social que ocorreram nas últimas impulsionará esta decisão. semanas. 12