2007 Outubro 06-13 Imperícia, Falta De Independência Do Judiciário Ou Parcialidade? Três Actos Da Trama Que Condenou Graça Campos
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2007 Outubro 06-13 Imperícia, falta de independência do judiciário ou parcialidade? Três actos da trama que condenou Graça Campos O julgamento que condenou Graça Campos a oito meses de prisão efectiva e ao pagamento de uma indemnização de 250 mil dólares a Paulo Tjipilica foi feito à revelia, decorrendo na sua ausência e também na dos seus representantes legais. A 25 de Agosto último, quando o juiz Pedro Viana reuniu o tribunal para deliberar a acção em que o Provedor de Justiça pedia que Graça Campos fosse condenado e reparasse alegados crimes de injúria e difamação por via de uma indemnização, o jornalista não se encontrava em Angola. Os seus advogados, João Gourgel e Paulo Rangel, não estavam avisados da ocorrência do julgamento e também não compareceram ao tribunal. Quando, regressado ao país, o jornalista se apercebeu do desenrolar dos acontecimentos, accionou os serviços dos seus advogados, que se apressaram a justificar as faltas e solicitaram a realização de novo julgamento, tudo isso de acordo com aquilo que a lei prevê para situações do género. Os advogados justificaram a falta com «dificuldades com as notificações e ausência do país do seu constituinte». Com isso, a defesa pretendia esclarecer plenamente os factos em resposta às petições de Paulo Tjipilica e permitir que fossem produzidas as provas que possibilitassem que fosse feita justiça. Mas o juiz Paulo Viana indeferiu essa petição dos advogados, dando prosseguimento à acção no quadro das precárias «démarches» já encetadas. Segundo informações disponíveis, quando Graça Campos estava ausente de Angola e não pôde zelar pela sua defesa e muito menos fazer-se presente para julgamento, Pedro Viana escreveu â Ordem dos Advogados de Angola (Oaa) solicitando defesa oficiosa. Duas defensoras oficiosas chegaram a ser indigitadas pela Oaa, mas nunca puderam tomar contacto pleno com o processo. De maneiras que, quando, na última quarta-feira, Graça Campos se apresentou à Quarta Secção da Sala de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, ia convencido de que ia apenas iniciar as audiências de julgamento do processo nº 2352/D-04, em que Paulo Tjipilica se dizia injuriado por lhe terem sido apontadas suspeitas de envolvimento num esquema de favorecimento a interesses portugueses ligados ao desconfisco de bens patrimoniais em Angola. Para sua surpresa completa, o jornalista, já acompanhado pelo advogado Paulo Rangel, escutou, ao contrário, uma sentença desproporcional: oito meses de prisão efectiva e pagamento de uma indemnização do valor de 250 mil dólares, juntamente com a recusa do recurso suspensivo imediatamente recusado pelo juiz e o mandato de recolha à cadeia. Os advogados estão convictos de que o juiz atropelou as normas impostas pela lei processual penal, em primeiro lugar, ao fixar o prazo de prisão. Os crimes de injúria, calúnia e difamação são punidos com uma pena máxima de seis meses de prisão, mesmo quando decorra de um cúmulo de penas. Ou seja, para esses crimes estão estabelecidas penas que vão da mais baixa à mais alta, mas que não podem exceder a mais alta, conforme ficou decretado com a sentença imposta sobre Graça Campos. Os advogados concluíram que ao condenar o réu numa pena superior ao limite máximo, o juiz demonstrou que «não sabe fazer um cúmulo jurídico» para o estabelecimento de penas de prisão. Em segundo lugar, insurgiram-se contra a recusa do recurso suspensivo por parte do juiz Pedro Viana, que aceitou, em troca, um recurso devolutivo. Recurso suspensivo é aquele que, quando interposto, suspende os efeitos da sentença até que a causa seja decidida num tribunal de segunda instância. No caso de Graça Campos, que estava em liberdade na altura da sentença, dava-lhe o direito de aguardar o desfecho do recurso fora da cadeia. Já o recurso devolutivo decretado pelo juiz, não suspende a sentença, obrigando ao arguido a aguardar o desfecho da causa na segunda instância em regime de prisão. Os advogados contrapõem esta decisão do juiz evocando a lei, que prevê que as penas que vão de três dias a dois anos podem ser suspensas por interposição de recurso, pagamento de caução ou conversão em multa. Por último, neste jornal ficou registada uma aparente parcialidade do tribunal: durante a leitura do acórdão, o juiz sempre se referiu ao queixoso enumerando as suas qualidades de dignitário, quando, na verdade, era o cidadão Paulo Tjipilica que figurava no julgamento como contraparte do Semanário Angolense e o seu director-geral. Nesse capítulo, chegou a haver diferenciação das partes, iguais à luz da lei: o tribunal preocupou-se em arranjar uma sala especial para alojar Paulo Tjipilica durante a sua permanência no Palácio da Justiça, deixando o director-geral do Semanário Angolense à sua própria mercê. Mas a parcialidade desse julgamento pode ser também inferida pelo facto de muitos juízes terem tramitado sentenças de desconfisco a favor dos interesses que se dizia na matéria envolverem Paulo Tjipilica. Não se sabe se Pedro Viana julgou algum caso desses, mas se o fez, ele pode ser considerado parte interessada, logo, parcial. Enfim, o desfecho do julgamento de Graça Campos pode ser mais um caso de imperícia do tribunal ou de falta de independência do poder judiciário, agora que, com o «Caso Miala», já terá havido uma flagrante demonstração disso, mas será sempre um problema de parcialidade. 071006-13 Advogados esforçam-se para obtenção de justiça A defesa de Graça Campos dividiu-se quinta-feira em esforços para fazer reverter as decisões do juiz que um dia antes ordenou a prisão do jornalista no desfecho de um julgamento em que não se defendeu nem foi defendido. Depois de terem visto negado um recurso que pudesse suspender os efeitos da sentença até à decisão da segunda instância, os advogados recorreram aos procedimentos previstos nas normas processuais para obter, a favor de Graça Campos, os direitos que lhe foram usurpados, sendo-lhe embora concedidos por lei. Os advogados, João Gourgel e Paulo Rangel, escreveram ao Procurador-Geral da República, Augusto da Costa Carneiro, na sua qualidade de fiscal da legalidade, submetendo à sua apreciação a cópia de uma reclamação relativa à prisão de Graça Campos naquele mesmo dia enviada ao Juiz Presidente do Tribunal Supremo. A reclamação enviada a Cristiano André no quadro destes esforços dos advogados anota o facto o juiz da causa não ter aceite o recurso suspensivo interposto pela defesa na sessão de audiência de quarta-feira, tal como o de não ter anuído ao pagamento de caução com vista à alteração do efeito da sentença. Nesse documento, os advogados consideram não serem legítimas tais decisões do juiz e reputam-nas como sendo «violação flagrante das leis de processo penal». Ainda na quinta-feira, os advogados formalizaram a interposição de recurso em requerimento dirigido ao juiz de Direito da Sala de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, solicitando que, ao invés do recurso ser meramente devolutivo, tenha efeito um suspensivo, para que Graça Campos aguarde o julgamento do recurso em liberdade. Esperava-se que depois destas diligências, o director- geral do Semanário Angolense pudesse estar em liberdade no prenuncia deste fim-de-semana. 071006-13 Sobre a detenção do seu director, Graça Campos Comunicado do Semanário Angolense Na quarta-feira, 03 de Outubro, o director-geral do Semanário Angolense, o jornalista Felisberto da Graça Campos, foi pronunciado por um tribunal de primeira instância de Luanda, com uma sentença que o condena a oito meses de prisão e ao pagamento de uma dita indemnização no valor de 250 mil dólares dos Estados Unidos a favor do cidadão Paulo Tchipilica, actual provedor de justiça. A sentença a que o director-geral deste jornal foi condenado marca, dessa forma tão desproporcional, o desfecho de uma acção judicial expeditamente julgada contra o Semanário Angolense nos tribunais de Luanda, ao longo daquilo que vai do ano de 2007. Efectivamente, Graça Campos respondia a uma acção interposta nos tribunais pelo actual Provedor de Justiça, Paulo Tchipilica, numa altura do ano de 2004 em que ainda estava investido no posto de ministro da Justiça. Tal acção decorria de uma queixa que Paulo Tchipilica apresentou aos tribunais em face da publicação de um artigo, na edição numero 51 do Semanário Angolense, em que eram levantadas suspeitas relativas a um hipotético tráfico de influências num processo de desconfisco de imóveis que, alegadamente, beneficiaria o dignitário. Paulo Tchiplica solicitou, expressamente, a condenação do Semanário Angolense adicionada de uma reparação financeira por alegados danos morais, ao que o tribunal que julgou o caso anuiu no quadro de um processo apressado e geralmente parcial, que descambou na gratuita condenação do director-geral do Semanário Angolense. E o Semanário Angolense passa a enumerar os factos que, na sua óptica, conformam a parcialidade do tribunal: 1. Na matéria que redundou no julgamento, não existem afirmações taxativas sobre o envolvimento de Paulo Tchipilica na questão da reversão dos confiscos, falando-se apenas em «suspeitas», pelo que o juiz não estava no direito de dar provimento a essa queixa; 2. O julgamento ocorreu na ausência do director-geral do Semanário Angolense e de seus representantes legais, não tendo sido produzidas quaisquer provas; 3. O tribunal não considerou os factos sucessivos da exoneração de Paulo Tchipilica do Ministério da Justiça e da decisão do seu substituto de mandar reverter os processos de desconfisco, abonarem suficientemente as suspeitas levantadas por este jornal; 4. O director- geral do Semanário Angolense foi ludibriado, ao deparar-se com a leitura da sentença que agora o priva da liberdade, quando tinha sido notificado apenas para uma audiência de julgamento. 5. Apesar de não estar entre as suas atribuições, o juiz negou a interposição de recurso, impedindo que o jornalista se mantenha ao serviço deste jornal até ao desfecho do caso em segunda instância.