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VOL. 20 | N. 34 | 2015 | http://dx.doi.org/10.15448/1980-3710.2015.2

Dossiê 65 anos de TV no Brasil P.01 P.18 P.129 Estórias e História: memórias As contribuições da TV para o Memórias de ontem, hoje de telespectadores sobre desenvolvimento do campo e construção e amanhã – Entrevista com novelas de 1970 e 1980 de novas representações sobre o rural Marialva Barbosa Diego Franco Gonçales e Ricardo Ramos Carneiro da Cunha, Vicente William da Silva Ciro Götz e Julio Cesar Fernandes Darde e Fernando Albino Leme Jéferson Cardoso Recebido em 1 de outubro de 2015. Aceito em 19 de janeiro de 2016.

Telenovelas: origens, Resumo Abstract A brasileira é um produto The Brazilian soap opera is a cultural evolução e aspectos cultural que transmite valores e es- product that difuses values and tilos de vida. Ela é um produto que lifestyles with the purpose of comerciais visa o entretenimento e, eventuais entertainment. Eventual mass explosões de consumo, geradas pe- consumption explosions, generated las , são consequências by soap operas, are the consequence Soap operas: origins, do sucesso desse tipo de fcção jun- of the success among its public. Its to ao seu público espectador, e suas origins date back to the hygiene and evolution and commercial aspects origens remontam a peças publicitá- beauty products advertisements rias de produtos de higiene e beleza on the radio, in the middle of the veiculadas nas rádios em meados do twentieth Century. The relationship século XX. A relação entre as novelas between soap operas and viewers

1 e os telespectadores funciona como functions as a two-way road, where Jenara Miranda Lopes um caminho de duas vias, em que in- information and consumption, formação e consumo, referência e re- reference and reproduction are in produção estão num ciclo constante, a constant cycle, boosted by social potencializado pelas redes sociais. A networks. The relationship between relação entre telenovelas e os diver- soaps and the various types of sos tipos de consumo é o que se pro- consumption is what this article põe abordar neste artigo. proposes to address. Palavras-chave Keywords Telenovela; mídia; consumo; Soap opera; media; consumption; merchandising editorial. product placement.

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Para falar sobre a evolução da telenovela e sua relação res do gênero novelístico, como, por exemplo, Janete se limitava a entrar com o parco equipamento exis- com interesses comerciais, devemos revisar as suas ori- Clair. O estilo preferido das histórias da radionovela era tente e com o ‘horário’. Os publicitários confrmam gens. Nos anos 1940, chegou ao Brasil o que seria na época o melodrama, e se estenderia à telenovela quando do que em alguns casos havia quase uma inversão de o sucesso entre os ouvintes na América Latina e Estados seu surgimento no Brasil, na década de 1950. Segundo papéis, pois a agência que produzia os programas Unidos, a radionovela. Ligadas diretamente à publicidade, Martín-Barbero, deixava para a emissora simplesmente o trabalho de as radionovelas foram um gênero extremamente popular, comercializar o espaço (Ortiz, 2001, p. 60). voltado ao público feminino, principalmente donas-de- a cumplicidade com o novo público popular e o tipo -casa. Esses programas, além de serem patrocinados pelas de demarcação cultural que ela traça são as chaves Nesta época, os programas eram exibidos “ao vivo” grandes Indústrias Multinacionais, que importaram o gê- que nos permitem situar o melodrama no vértice e de modo precário, pois não existia uma estrutura de nero ao Brasil, tinham suas agências de propaganda como mesmo do processo que leva do popular ao mas- produção adequada ao novo veículo. Com o advento responsáveis pela criação e produção. sivo: lugar de chegada de uma memória narrativa da TV Excelsior, esse cenário muda. A partir de 1954, as e gestual e lugar de emergência de uma cena de produções passam a adaptar textos estrangeiros, consa- Tendo sido idealizada nos EUA, a soap opera surge massa, isto é, onde o popular começa a ser objeto grados pela literatura popular internacional, se distan- na década de 1930 e se difunde nas rádios ameri- de uma operação, de um apagamento das frontei- ciando um pouco do melodrama e retomando o gênero canas. Concebida originalmente como veículo de ras deslanchando com a constituição de um discur- folhetinesco (Ortiz, 1991). Conforme Daniel Filho, “exis- propaganda das “fábricas de sabão”, ela visava au- so homogêneo e uma imagem unifcada do popular, tem alguns elementos que toda novela deve ter: o mo- mentar o volume de produtos e limpeza e toalete, primeira fgura da massa. [...] A funcionalização da cinho, a mocinha, a ingênua, o bandido, o flho perdido comprado principalmente pelas mulheres. Com música e a fabricação de efeitos sonoros, que en- que não sabe quem são os pais verdadeiros, o velho, o a expansão das empresas americanas na América contrarão nas novelas de rádio seu esplendor, tive- jovem, o romance jovem” (Filho, 2001, p. 67). Latina (Colgate, Lever) buscou-se aclimatar a ame- ram no melodrama não só um antecedente, mas A precariedade com que era feita a produção dos rican-soap ao interesse folhetinesco das mulheres todo um paradigma (Martín-Barbero, 1997, p. 159). programas contribuiu para que a novela fosse consi- latino-americanas. Nascem assim as radionovelas, derada um gênero menor, pois não tinha a qualidade que primeiramente forescem em Cuba sob o patro- Conhecida nos Estados Unidos como soap opera, do cinema. Conforme a qualidade das produções foi cínio dos produtores de sabão e detergente, e são a telenovela vem ao Brasil, também, importada pelas aumentando, as novelas foram ganhando um maior es- em seguida exportadas para o resto do continente grandes indústrias do “sabão” e de higiene pessoal, exa- paço nas grades de programação. Programas que eram como técnica de venda e comercialização de produ- tamente como a sua antecessora, seguindo o mesmo transmitidos com apenas 20 minutos passaram a ter um tos (Ortiz, 200, p. 44). modelo de programa patrocinado. Ortiz considera que, tempo de duração maior e, gradualmente, passaram a neste período “de 1951 a 1954, a telenovela existe como ser apresentados diariamente. Isso só foi possível atra- Nessa época, conhecida como “a época de ouro” um prolongamento das radionovelas” (Ortiz, 2001, p. vés da profssionalização e da divisão de tarefas dentro do rádio no Brasil, as agências de propaganda tinham 74). Além disso, falando sobre o papel da publicidade na do processo de produção, buscando esse conhecimen- os seus próprios estúdios. Segundo Ortiz, “entre 1943 e produção dos programas, Ortiz diz que to muitas vezes no exterior (México, Argentina, Vene- 1945, a Rádio Nacional chegou a produzir 116 novelas zuela), onde as telenovelas já eram um gênero consa- num total de 2.985 capítulos” (Ortiz, 2001, p. 40). Alguns […] a agência de publicidade ‘cuidava de tudo: escre- grado pelo público. A primeira telenovela diária – 2-5499 roteiristas de radionovela puderam ser vistos na televi- via, produzia, contratava elenco e até mesmo ‘com- ocupado, de Alberto Migré – foi ao ar em julho de 1963 são mais tarde, onde se consagraram grandes escrito- pletava’ o salário do pessoal técnico da emissora que pela TV Excelsior (Ortiz, 1991). Conforme Daniel Filho,

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soap opera seguiu na televisão o esquema do rádio, imagem, segundo, o merchandising. São inúmeras as primeiras novelas eram traduções de produções se dirigindo a um público feminino durante o horá- as cenas ditadas pelo imperativo econômico de se argentinas e mexicanas, um ramo, ainda na época rio da tarde, a novela se transformou entre nós num anunciar algum produto – restaurantes, boates, re- da TV Excelsior, dominado pelas agências de publi- produto prime time, e para ela convergiram todas frigerantes (Ortiz, 1991, p. 139). cidade. Pelas Colgate-Palmolive da vida, que geren- as atenções (de melhoria do padrão de qualidade e ciavam as novelas e diziam como deviam ser feitas. dos investimentos) (Ortiz, 2001, p. 145). Segundo Renato Ortiz, quando na história a ser É de uma dessas agências que surge Glória Maga- contada é introduzida uma série de signos e sinais da dan (Filho, 2001, p. 32). A partir daí, temas diferentes foram abordados, al- “realidade”, isto tem por fnalidade estabelecer uma li- guns atraindo inclusive a audiência masculina. Segundo gação entre o que está sendo mostrado e situações da O surgimento e o desenvolvimento da tecnologia o Anuário 2013 do Obitel, “observa-se que há um aumen- vida cotidiana (Ortiz, 1991). Para ele, o que interessa à do videotape contribuíram para que o sucesso deste to na porcentagem de público masculino na composição telenovela é apresentar algo que o telespectador possa tipo de produção fosse possível. Outros avanços tecno- da audiência após as 21h (nas telenovelas Avenida Brasil e identifcar, e a introdução de cenas em locações exter- lógicos infuenciaram na legitimação da telenovela com e nas séries A Grande Família e Tapas & Beijos)” nas contribui para a percepção desses ambientes coti- um gênero dramatúrgico de qualidade, entre eles o uso (Lopes e Gomez, 201, p. 150). Conforme Daniel Filho, dianos. Sobretudo porque esses ambientes são familia- de equipamento digital, de câmeras de alta defnição res ao espectador – por exemplo: ruas e avenidas, praias e, atualmente, a transmissão do sinal em alta defnição. e pontos turísticos de cidades como o Rio de Janeiro – e, em São Paulo, Cassiano Gabus Mendes captou isso. Este último, inclusive, permite que as telenovelas, bem dessa forma, prendem sua atenção. Conforme Jost, E desse seu insightgenial surgiu em 1969 a novela como toda a programação televisiva, sejam captadas – um personagem do nosso cotidia- em dispositivos móveis, tais como tablets e celulares. uma novela pode ser percebida tanto como uma no, vivendo aventuras e trapalhadas que qualquer Com a consolidação da Rede Globo no cenário na- fcção, como também uma peça que trata dos docu- um, com certa “prontidão” diante da vida e do mun- cional, a grade de horários das novelas foi padronizada, mentos da tela, isto é, como um documento sobre a do, poderia viver. O público começava a querer as- assim como o formato e os gêneros apresentados nas realidade. No contexto televisual, a emissora é a ins- sistir na televisão coisas mais próximas da sua reali- tradicionais faixas de horários das 18h, 19h e 20h. Ao tância, se assim se pode chamar, de onomaturgia, dade (Filho, 2001, p. 35). longo dos anos, essas faixas de horário foram se modif- que decide ou propõe - a nuance tem importância cando e hoje temos cinco faixas de horário tradicionais, -, a générécité do produto (Jost, 2004, p. 28). As novas tecnologias trazidas pela emissora, em dedicadas à transmissão de novelas: 16h30 (reprises), função de um contrato com o grupo Time-Life, propor- 17h30 (público jovem), 18h30, 19h30 e 21h. Eventual- Maria Rita Kehl coloca a evolução da narrativa das cionaram à televisão uma proximidade maior com o pú- mente, tem-se transmitido produções de curta duração telenovelas em dois momentos: a da inclusão de temas blico, por fazer produções mais realistas e por introduzir realistas e, mais tarde, a adoção de uma estética natu- na faixa de horário das 23h, com remakes de produções o uso de cenas externas com maior regularidade. antigas e, mais recentemente, uma produção original: ralista. Essa evolução narrativa e estética, pela qual pas- (Rede Globo, 2015). Segundo Ortiz, Do ponto de vista da produção, pode-se dizer que saram as telenovelas ao longo dos anos, só foi possível as externas, que eram raras nos anos 60, tornam- graças à evolução técnica pela qual a televisão passou. é interessante observar que no Brasil a telenovela -se atualmente quase que obrigatórias. Dois Segundo ela, “na novela, o realismo do começo dos foi escolhida como o produto por excelência da ati- motivos concorrem para isto. Primeiro, uma tendên- anos 1970 descambou rapidamente para um naturalis- vidade televisiva. Contrariamente aos EUA, onde a cia ao realismo, que exige uma elaboração maior da mo altamente sofsticado quanto às suas possibilidades

65 PORTO ALEGRE | v. 20 | n. 34 | 2015 | pp. 63-71 Sessões do Imaginário Telenovelas: origens, evolução e aspectos comerciais técnicas de mimetizar as aparências do real” (Kehl, 1986, Ao escrever uma novela, o autor não deve começar já a fcção, propagado nas redes sociais, fato que cha- p. 278). Apesar de ter passado por evoluções na lingua- muito preparado para o que poderá acontecer posterior- mou a atenção da imprensa internacional. As hash- gem ao longo dos anos, pouco mudou em relação à mente na história. Como obra aberta, tem muita estrada do tags #avenidabrasil e #oioioi (+ nº do capítulo) foram, estrutura básica de uma novela, que ainda mantém os primeiro ao último capítulo. A novela ganha vida quando ao longo da última semana da telenovela, Tops no traços herdados do melodrama. toda a equipe trabalha sobre ela: a trilha sonora, os cenários, Twitter WorldwideTrends. As alterações na agenda A matriz melodramática permanece como domi- os fgurinos, o trabalho dos atores. Pode até haver falta de da presidente da República e o transbordamento da nante nas produções, porém, o modo como acon- química entre atores, ou entre o ator e seu personagem. De- temática da telenovela para a inteira programação tecem os desdobramentos desses temas, colocados pois da estreia ainda pode haver problemas com a audiên- da Globo, criando um reforço das expectativas por num contexto brasileiro contemporâneo, faz surgir cia, doença de atores e outros incidentes (Filho, 2001, p. 70). contágio dos programas, às vésperas da exibição do abordagens inovadoras ou, no mínimo, questionado- último capítulo na TV, também são indicativos do fe- ras, na medida em que dão ênfase a questões polê- Essa interferência do público nas tramas tem se inten- nômeno. Nas redes, dois fatores contribuíram para o micas, sejam sociais ou morais, como, por exemplo, a sifcado na medida em que os canais de interação com engajamento e a transmidiação do conteúdo fccio- corrupção. O reconhecimento de novos atores sociais, as produções vêm também aumentando. Segundo pes- nal de Avenida Brasil: o hábito dos brasileiros de as- com a chamada “nova classe média” ou “nova classe quisas do Obitel, cada vez mais o público tem consumido sistir TV ao mesmo tempo em que buscam e geram C” ganhando força no mercado consumidor, fez com os conteúdos televisivos em multiplataforma: ao mesmo conteúdos sobre a grade horária nas redes sociais, e que novos cenários, comunidades e comportamentos tempo em que assiste à televisão, por exemplo, utiliza o volume de conteúdos gerados pelo produtor na também ganhassem espaço nas produções audiovi- aplicativos para tablets, navega em páginas ofciais das fanpage da Rede Globo e na página ofcial da tele- suais de um modo geral, em especial nas telenove- produções na internet e em redes sociais como Facebook novela no Facebook, que reuniu aproximadamente las, tendo a periferia uma presença significativa em e Twitter – especialmente as telenovelas, tendo utilizado, meio milhão de fãs (Lopes e Gomez, 2013, p. 151). produções como Avenida Brasil (Rede Globo, 2012) e sobretudo, as redes sociais para conversações e aprecia- Salve Jorge (Rede Globo, 2012), Babilônia (Rede Globo, ções sobre estas, consumindo e gerando conteúdo sobre Outro aspecto relativo à maneira como são con- 2015) e (Rede Globo, 2015), para citar essas produções (Lopes e Gomez, 2013). De acordo com sumidas as telenovelas e os conteúdos provenientes algumas produções do horário das 21h. o Anuário de pesquisas do grupo, Avenida Brasil (Rede delas são as revistas. Especializadas em telenovela Pelo fato de permanecerem durante muitos meses Globo, 2012) foi a produção cujo engajamento dos teles- e voltadas para as classes populares, essas revistas no ar, as telenovelas estão sujeitas às mudanças no ro- pectadores representou um marco no que diz respeito a publicam os resumos da semana e também antecipam teiro previstas, ou não, pelos autores. Alguns deles fa- novos modos de se consumir as telenovelas: os acontecimentos que estão por vir nas tramas. Essa zem modifcações ao longo do período de exibição por prática intensifica a visibilidade das telenovelas atra- conta de futuações de audiência e, além disso, o modo a telenovela Avenida Brasil marcou a história da tele- vés de meios e veículos, como a imprensa – diaria- como um ator/atriz conduz seu personagem também visão brasileira no que se refere a índices de enga- mente e em encartes específicos e semanais sobre faz com que ele tenha uma visibilidade junto ao públi- jamento da audiência com a trama fccional do ho- televisão – e grandes portais de entretenimento e co que não era prevista no início das tramas. Alguns rário nobre, repercutindo de maneira surpreendente notícias da internet, que não estão vinculados direta- personagens, inclusive, que estão previstos para sair diante do atual contexto de espalhamento das au- mente com as emissoras, mas que se valem do poder das produções (morrer, viajar, etc.) acabam permane- diências e consumo de conteúdos em multiplata- de venda que estas produções possuem. Embora es- cendo por mais tempo a pedido do público. Sobre isso, formas. Um dos refexos desse êxito foi o volume de ses resumos tenham a finalidade de manter o espec- Daniel Filho diz que conteúdos gerados por produtores e usuários sobre tador atualizado com os acontecimentos das novelas,

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las exibidas pela Rede Globo, no horário das 21h, que ganham maior destaque em ambas as revistas, com conteúdos ocupando geralmente as páginas centrais. Merchandising editorial e licenciamento Tendo feito uma breve trajetória histórica das tele- novelas, passamos para os aspectos comerciais, como licenciamento e merchandising editorial, presentes nessas produções e que estão diretamente ligados ao consumo. A telenovela jamais atingiria o estágio em que se apresenta hoje se não fosse, desde o início, pa- trocinada. Desde a sua concepção, a novela teve a sua veiculação atrelada a interesses comerciais de empre- sas que não se escondiam ao usá-la para anunciar suas grifes e produtos. Segundo Lipovetsky, “a cultura de massa é uma cultura de consumo, inteiramente fabri- cada para o prazer imediato e a recreação do espírito, devendo-se sua sedução em parte à simplicidade que manifesta” (Lipovetsky, 2006, p. 210). E não apenas serve como divulgadora de hábitos de consumo, como ela mesma se tornou um produto de exportação nacional, consumido em diversos paí- ses do exterior. O Bem Amado (TV Globo, 1973) foi a primeira telenovela exibida em cores a ser exportada Figura 1: Revista Tititi (2012), p. 21, 28-32. para o exterior. Além disso, há a venda das trilhas sono- sobretudo quando este não consegue assistir aos ca- atrizes e, por vezes, fazendo especulações sobre o fu- ras também muito consumidas. Em 1965, foi lançado, pítulos no momento da sua exibição e/ou em outras turo de seus personagens nas tramas. Dois exemplos no mercado nacional, o primeiro “LP” com trilha musi- plataformas, muitos dos telespectadores usam esses de publicações com essas características que pode- cal de novela. Essa tradição se confrma com a criação canais de informações mesmo sendo assíduos, de for- mos citar são as revistas Tititi (Figura 1) e Minha Nove- da gravadora , em 1969, pela Rede Globo. ma paralela à transmissão dos capítulos pelas emis- la (Figura 2)2, ambas da Editora Abril. Conforme Ortiz, soras, criando uma prática de consumo que podería- São revistas semanais, com preços populares e lin- o processo de escolha e de produção da trilha musi- mos, também, considerar como transmidiática. Essas guagem simples, que reúnem informações sobre as cal tornou-se mais complicado, na medida em que mesmas revistas incluem entrevistas com o elenco telenovelas exibidas pelas diferentes emissoras brasi- se vincula a interesses comerciais consideráveis. A das produções, descrevendo os perfis desses atores e leiras de televisão aberta. Contudo, são as telenove- TV Globo ‘descobriu’ que a trilha sonora podia ser

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um produto mercadológico independente da pró- pria novela (Ortiz, 1991, p. 146).

Mas foi nos anos 1970 que as vendas de LP’s com as trilhas sonoras das telenovelas ganharam força. Se- gundo Ortiz,

[…] a Som Livre, vinculada à Rede Globo de Televi- são, se especializou no ramo das músicas de novelas, deslocando do mercado inclusive as multinacionais. Iniciando suas atividades em 1970 com o compilado da trilha sonora da novela “”, já em 1976 se torna líder do mercado fonográfco, e em 1982 detém 25% do seu faturamento. (Ortiz, 2001, p. 128)

Após a consagração das novelas como grande su- cesso de público e audiência no Brasil, as emissoras iniciaram uma prática comercial diferenciada, a ação de merchandising editorial entre as cenas, chamado inicialmente de merchandising por conta de os pro- gramas serem considerados como vitrines para os consumidores. Quando falamos em merchandising editorial, cujo nome usado em outros países é Pro- duct Placement ou Tie-In, falamos das aparições sutis de produtos em novelas, na marca estampada virtu- almente em um evento esportivo ou numa demons- tração de produto dentro de um programa de audi- tório (Blessa, 2011). Os primeiros grandes cases foram as telenovelas Dancing Day’s (TV Globo, 1979), com as calças jeans Staroup, da personagem Júlia (Sônia Bra- ga), e Água Viva (TV Globo, 1980) com a USTop (Souto Maior, 2006). A justificativa de se realizar essas ações é tornar viável a exibição desse produto cultural nos meios de comunicação, devido ao alto custo de sua produção, de modo que, ao atrair investimentos de Figura 2: Revista Minha Novela, p. 6-9, (2012).

68 PORTO ALEGRE | v. 20 | n. 34 | 2015 | pp. 63-71 Sessões do Imaginário Telenovelas: origens, evolução e aspectos comerciais produtos com potencial de inserção dentro do con- se transformou em produto de exportação da Rede Glo- das novelas – as marcas – são catalogados por capítulo texto dessas produções, proporciona-se maior visibi- bo, estão as telenovelas. Essa dinâmica dos investimen- e personagem e indicados ao espectador conforme seu lidade às marcas. tos em inclusão das marcas na programação, não só nos pedido. Outro meio através do qual é possível descobrir Com o surgimento das plataformas VOD (Video On intervalos comerciais, se deve em parte à possibilidade quais marcas são usadas nos fgurinos e nos cenários é Demand) e a possibilidade de assistir aos programas em de os espectadores assistirem a essa programação em através de blogs e revistas de moda, estilo e comporta- qualquer horário e lugar e sem intervalos, muitos canais VOD, como já citado anteriormente. A Rede Globo, emis- mento que buscam essas informações através do SAT ou de televisão internacionais passaram a adotar as práticas sora que detém as maiores fatias de audiência da televi- de divulgações feitas pela própria produção das novelas. de licensing – licenciamento de produtos com as marcas são brasileira4, já disponibiliza um serviço de assinaturas Com a possibilidade de interação direta entre as dos programas de televisão e/ou nome e imagem de per- que permite acessar os programas na íntegra, em qual- empresas e seus consumidores – proporcionada pela sonagens para serem vendidos no varejo diretamente ao quer horário via internet e dispositivos móveis. internet, sobretudo pelas redes sociais – outra forma público – e product placement3 (Phillips, 2005). Em relação ao uso do licenciamento de marcas pela de divulgação das peças que compõe o guarda-rou- As rotinas de consumo de bens culturais produzidos Rede Globo, acessando o endereço eletrônico globo- pa de um personagem é através dos blogs e fanpages pela televisão – que incluem o consumo das telenovelas marcas.com o telespectador tem acesso à loja virtual da das marcas. Um exemplo que podemos citar é o da – acabam, também, infuenciando no modo como os in- emissora, que vende produtos licenciados de todos os ti- grife mineira Alphorria, que divulga imagens das per- vestimentos de anunciantes vão assumindo dinâmicas pos, inclusive reproduções de peças utilizadas nos cená- sonagens de novela que vestem suas roupas. Como diferentes. No Brasil, houve um signifcativo aumento rios e fgurinos. O catálogo também dispõe de publica- foi o caso da novela Salve Jorge (Rede Globo, 2012), no investimento em merchandising editorial nos últimos ções da Editora Globo, CD’s e DVD’s da Som Livre, boxes com as personagens “Helô” – – e três anos. Nesse cenário de convergência midiática e de programas novos e antigos exibidos pela emissora e Lívia – Cláudia Raia – (Figura 35), que tiveram a ima- mudança nos modos de consumo, em que vemos em- de flmes distribuídos pela Globo Filmes, além de conte- gem publicada na fanpage do Facebook e em seu presas de televisão atuando com tecnologias da inter- údos dos canais por assinatura GNT, Canal Brasil, Futura, blog6, junto com as informações de outras novelas da net e empresas de internet produzindo e distribuindo Sportv e de eventos esportivos e culturais transmitidos Rede Globo e seus personagens. conteúdo de televisão (Lopes e Gómez, 2013), podemos e/ou patrocinados pela empresa, como, por exemplo, o Esta prática tem sido cada vez mais recorrente, bem dizer que os investimentos estão se deslocando cada Rock in Rio. Tendo iniciado parcerias com indústrias e como a promoção dos fgurinos pela própria emissora, vez mais para o product placement. Além disso, o endos- empresas varejistas em 2004, um ano depois a emissora divulgando estas informações através de press relea- so de produtos por celebridades e artistas confere às já contava com 1441 produtos licenciados (Sobral, 2005). ses, eventos com editoras de revistas e blogueiras de marcas ainda mais visibilidade e, por vezes, credibilida- O licenciamento de marcas e o merchandising edi- moda, ou mesmo nos sites das próprias novelas, como de (Solomon, 2011, p. 304). torial são os modos mais explícitos de como o consumo dicas de tendências de moda e beleza, num esforço de No caso das telenovelas, os tipos de merchandising pode estar presente nas telenovelas. Mas as peças que aproximação das produções com o público através do editorial mais aplicados são o “estímulo visual” – que, são usadas no fgurino e no cenário – e que não são dis- consumo desses produtos, que não raro se tornam as- em 2012, teve um investimento de aproximadamente ponibilizadas para venda pela Globomarcas – também sunto em redes sociais, entre amigos ou em locais de 114 milhões de reais – e a “ação integrada” – que teve o despertam o interesse do público consumidor, que pre- consumo como lojas e salões de beleza. Por não se tra- investimento de aproximadamente 818 milhões de reais, cisa buscar essas informações através de outros canais, tar de marcas específcas, como ocorre no merchandi- no mesmo ano (Mídia Dados Brasil, 2013). Entre a progra- como, por exemplo, o Serviço de Atendimento ao Teles- sing editorial, os números resultantes do consumo des- mação que mais atrai investimentos em merchandising pectador (SAT) da Rede Globo. Nessa central de atendi- tes produtos são mais difíceis de serem mensurados editorial, que é o carro chefe da programação nacional e mento por telefone, os dados sobre os itens de fgurino estatisticamente, podendo, apenas, ser observados

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SOLOMON, Michael R. O comportamento do consu- 3 Inserção de produtos com a divulgação de marca den- midor: comprando, possuindo e sendo. Porto Alegre: tro do contexto das produções– com a fnalidade de Bookman, 2011. pp. 129-131. cobrir as perdas de investimento em comerciais, possi- bilitando às marcas alcançar o espectador através dos SOUTO MAIOR, Marcel. Almanaque TV Globo. São próprios programas. Paulo: Globo, 2006. 4 A emissora apresenta um share de 32% no período ma- TITITI. São Paulo: Abril, 1997 –. Mensal. ISSN 1415-974-0. tutino (7 às 12 horas), de 39,98% no período vespertino N. 792. (12 às 18 horas) e de 51,68% no período noturno (das 18 às 24 horas). Cf. IBOPE Media Workstation – 2012. In: Notas Mídia Dados Brasil 2013. Op. cit. 1 Mestre em Comunicação Social pela PUCRS. Especia- lista em Imagem Publicitária pela Pontifícia Universida- 5 Imagem da novela Salve Jorge (Rede Globo, 2012), pu- de Católica do Rio Grande do Sul (2007) (Av. Ipiranga, blicada na página da Alphorria, no Facebook, em 8 de 6681, prédio 7, sala 319, CEP: 90619-900 – Porto Alegre/ abril de 2013. Disponível em: . Acesso em: dez. 2013. diovisual, moda, design, fgurino e consumo. E-mail: [email protected] 6 Ver Blog Alphorria. Disponível em: . Acesso em: dez. 2013. 2 Os conteúdos de ambas as fguras remetem à teleno- vela Amor à Vida, exibida pela Rede Globo no horário das 21h, em 2013.

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