O Fluxo Da Invenção E a Emergência Da Imaginação Nas Galáxias De

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O Fluxo Da Invenção E a Emergência Da Imaginação Nas Galáxias De UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA Fluxo da Invenção e Emergência da Imaginação nas Galáxias de Haroldo de Campos Diego Cervelin Florianópolis, fevereiro de 2012. Diego Cervelin Fluxo da Invenção e Emergência da Imaginação nas Galáxias de Haroldo de Campos Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura, área de concentração em Teoria Literária, Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação da Profª. Drª. Susana Scramim, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Literatura. Florianópolis, fevereiro de 2012. 2 Sonnet XXX When to the sessions of sweet silent thought I summon up remembrance of things past, I sigh the lack of many a thing I sought, And with old woes new wail my dear time’s waste: Then can I drown an eye, unused to flow, For precious friends hid in death’s dateless night, And weep afresh love’s long since cancell’d woe, And moan the expense of many a vanish’d sight: Then can I grieve at grievances foregone, And heavily from woe to woe tell o’er The sad account of fore-bemoaned moan, Which I new pay as if not paid before. But if the while I think on thee, dear friend, All losses are restor’d and sorrows end. William Shakespeare A Wellington Roriz, companheiro de viagem. A Carmen Scheide ( in memoriam ), companheira de imaginação. 3 No Começo, o homem sem linguagem é essencialmente um emotivo e um perito na leitura do pensamento. A leitura do pensamento se intensifica para compensar a ausência de linguagem. Flávio de Carvalho Si le langage était parfait, l’homme ceserait de penser. Paul Valéry Qualquer que seja a arquitetura dum edifício, seus escombros obede- cerão ao estilo barroco. Aníbal Machado 4 AGRADECIMENTOS À professora Susana Scramim, pela orientação, pela generosida- de, pela amizade e pela liberdade de abordagem dos meandros do percurso galáctico de Haroldo de Campos. Aos professores Raúl Antelo e Ana Luiza Andrade, pelas valiosas e generosas leituras e observações apresentadas ao longo do pro- cesso de pesquisa e na qualificação deste trabalho. Às professoras Luz Rodríguez Carranza, Marianne Wiesebron e Maria Lúcia de Barros Camargo, pela atenção entusiástica em Leiden. Ao profes- sor Marcelo Jacques de Moraes, por aceitar participar da banca de defesa do trabalho. Ao Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina. Ao Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura e a Sra. Rahile Escaleira. Ao CNPq e a CAPES pelo apoio financeiro. Aos meus pais, Márcia e Nadir, pela constância e intensidade do amor e do carinho. Aos queridos amigos e amigas que ofereceram seus ouvidos e seus abraços ao longo dos altos e baixos do percurso por entre os ecos e ocos das Galáxias : Miguel Caballero, Flávia Cera, Leonardo D’Ávila, Alexandre Nodari, Patrícia Cella Azzolini, Rodrigo Lopes de Barros, Iara Fuentes, Ana Carolina Cernicchiaro, Cristiane Scheide Garzo, Jorge Wolff, Antônio Carlos Santos, Yanneke Whitehouse, Luiza Ribas e Maya Walangah Aumaj. À Brigitte, alegre companheira que entre ronronos e travessuras ouviu pacientemente muitos trechos das Galáxias . Last but not least , a Wellington Roriz e a Carmen Scheide, pela delicadeza da companhia e pela força da imaginação vivificante. 5 RESUMO Este trabalho se volta para os fluxos e refluxos do percurso das Galáxias , texto fragmentário escrito por Haroldo de Campos entre 1963 e 1976. Permeado pela trajetória da poética sincrônica apre- sentada pelo escritor paulistano ao longo de diversos ensaios publicados especialmente entre os anos 50 e 70, o percurso galác- tico – assim como lido aqui – indica uma possibilidade de consi- deração diferencial em relação aos estudos sobre as formas e a dinâmica entre a sincronia e a diacronia, apresentando uma corrente de abordagem tão ensaística quanto ditirâmbica do fenô- meno barroco e da experiência de linguagem – ou melhor, do fato de que os homens usem os nomes em face de uma vontade de dizer e significar. 6 ÍNDICE Retrospecto e prospecto galáctico – 8 Topologia da invenção e da sincronia – 23 Tropologia da invenção e da origem – 70 Excurso epistemo-babélico – 149 I. Da metafísica e da negatividade ‒ 150 II. Da poesia e da filosofia – 158 III. Da re-flexão e da reflexão – 163 IV. Da cognoscibilidade e da imaginação – 175 Anotações fantasmáticas da imaginação galáctica – 185 Bibliografia – 250 Créditos das imagens usadas no texto – 265 7 Retrospecto e prospecto galáctico A presença de Haroldo de Campos no campo de forças das letras brasileiras não deixa de dar espaço a uma polêmica que vai da mais absoluta admiração a mais acerba denegação. Tais juízos, para além da figura do escritor, tocam em cheio o cerne de seus trabalhos crítico-criativos, como é o caso do texto fragmentário que será objeto de análise deste trabalho: Galáxias , escrito entre 1963 e 1976, mas publicado como livro apenas em 1984. Passados trinta anos da Semana de Arte Moderna , Haroldo de Campos, juntamente com seu irmão mais novo, Augusto, e Décio Pignatari – todos egressos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco –, em ruptura com o ideário dos poetas da Geração de 45 , lançaram o grupo Noigandres 1 e a revista de mesmo nome, em 1952. Propunham uma guinada experimentalista através da poesia concreta , cujo aparecimento oficial se deu na Exposição Nacional de Arte Concreta , em São Paulo, em dezembro de 1956, e cujos princípios diretivos foram apresentados no manifesto plano-piloto para poesia concreta , de 1958. Nesse momento, pautados eminente- mente pela sintaxe subversiva e pelo léxico enigmático de Mallarmé, pelo método ideográfico e visual dos Cantos de Pound e dos Calligrammes de Apollinaire, pelos neologismos de Joyce 2, 1 O nome noigandres provém de um “lema extraído do Canto XX de Ezra Pound: ‘Noigandres, eh, noigandres! Now what the DEFFIL can that mean!’ NOIGANDRES, expressão provençal, procedida de Arnaut Daniel, o grande inventor entre os trovadores medievais; aquele que Dante chamara il miglior fabbro [...] NOI-GANDRES, duas palavras enigmáticas para designar talvez aquela flor cujo perfume ( l’olors ) afasta – gandres , de gandir – o tédio, noia , l’ennui ; fonemas talismânicos que nos serviram de emblemas de busca e de pesquisa poética” (Campos, 2002a, p. 19). 2 Embora a rede de afinidades se ampliasse em diversas ocasiões, esses escritores formam o núcleo duro do paideuma concreto. Assim como admi- tido pelos poetas concretos, o paideuma vem diretamente do modus operandi indicado por Ezra Pound (cf. 2006, p. 161): “ Paideuma : a ordenação do conhecimento de modo que o próximo homem (ou geração) possa achar, o 8 Haroldo de Campos e seus companheiros se dispuseram ao projeto de controlar e agir construtivamente sobre os elementos da forma poética. Atentos ao interesse de fazer interagir a instância verbal, sonora e visual da linguagem em um mesmo texto – onde a palavra, antes de tudo, surge como coisa –, os três concretos decretaram a morte da poesia versificada em vários manifestos publicados em jornais ou revistas de circulação massiva - posteriormente, foram reorganizados em Teoria da poesia concreta , de 1965. A proliferação de poemas, manifestos e textos críticos, por outro lado, também se pautou pela dedicação a canais especiais para a veiculação das propostas e visadas (neo)van- guardistas. Assim, em 1960, ampliando a formação original de Noigandres através da colaboração de José Lino Grünewald, Luiz Antônio Pinto, Pedro Xisto, Ronaldo Azeredo, Edgard Braga, Mário Chamie e Cassiano Ricardo, surgiu a equipe daquela que seria a revista Invenção 3. Aliás, foi no quarto número de Invenção , dedicado ao resgate de Oswald de Andrade dez anos depois de sua morte, que, em 1964, Haroldo de Campos publicou, além do prospecto operativo intitulado “dois dedos de prosa sobre uma nova prosa”, os primeiros treze fragmentos de Galáxias , sugesti- vamente apresentados como partes de um livro de ensaios (cf. Campos, 1964, p. 114). Embora a afirmação da ruptura com a poesia versificada no furor performático dos anos 50 e 60 pudesse sugerir uma negação da tradição literária, ela jamais deixou de ser considerada. A pró- mais rapidamente possível, a parte viva dele e gastar um mínimo de tempo com itens obsoletos”. 3 Conforme lembra Gonzalo Aguilar (2005, p. 365), Mário Chamie e Cassiano Ricardo abandonaram Invenção , respectivamente, em 1961 e 1962. Entre janeiro de 1960 e fevereiro do ano seguinte, o grupo manteve uma página no jornal Correio Paulistano . Apenas em 1962 seria publicado o primeiro número da revista Invenção propriamente dita. Planejada para ter uma tiragem tri- mestral, “a revista terá um evidente espírito de grupo e a seleção será feita a partir dos critérios da poesia espacial e visual” (Aguilar, 2005, p. 366). 9 pria ampliação do paideuma é já bastante sugestiva, na medida em que, além dos autores da vanguarda do século XX, outros mais canônicos, como Homero, Dante, Goethe, integrariam paulatina- mente o espaço de interesse dos concretos. Nesse sentido, o pro- jeto de uma nova operação poética também incluía a tentativa de promover uma releitura do passado. Animada pela inspiração de “colher no ar uma tradição viva” (Campos et al ., 2006, p. 47), a trindade concreta usou, então, um termo curioso para relacionar as instâncias do tempo e da (forma da) linguagem na literatura: presentificação . Ele serviu como a marca de certa capacidade da linguagem para tornar possível a emergência daquilo que, nas palavras de Roman Jakobson (2008, p. 121), faria parte de uma “tradição literária que [...] permaneceu viva ou foi revivida”. Assim, enquanto “meditação crítica de formas” (Campos, 1977a, p. 45), a poesia verbivocovisual dos concretos também não deixa- va de fazer seu tributo à noção poundiana segundo a qual “lite- ratura é novidade que permanece novidade” (Pound, 2006, p. 33). Mas nessa dinâmica em que o poema comporta uma atenção especial à sua própria construtividade “metalingüistica”, para usar a terminologia cara a Jakobson, a fronteira entre texto criati- vo e texto crítico se abre em poros, expondo um limiar que possi- bilita o trânsito de uma problemática concernente à linguagem e ao seu uso.
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