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052 Uma Viagem no sud express

“O comboio rompe a noite precedido de um foco de luz que a barulhenta locomotiva projecta nos carris molhados. Em seu redor a escuridão é total. Na segunda classe sãopoucos os compartimentos ainda iluminados. (...)”

Texto de carlos cipriano fotografias de miguel madeira (jornal Públi- co) e dario silva

Publicado originalmente na gazeta das cal- das em 06 de Junho de 2008 6 de Junho 2008 25 Uma viagem no Sud Expresso Em memória do António Martinho e do Maurício Levy comboio rompe a as começara às noite precedido 16 horas e seis de um foco de luz O minutos da tarde que a barulhenta locomotiva M anterior quando, em Santa projecta nos carris molhados. Apolónia, o Sud Expresso sol- Em seu redor a escuridão é tou um apito e arrancou, vaga- total. Na segunda classe são roso, da linha número três. A poucos os compartimentos seguir pára no Oriente e logo ainda iluminados. A carrua- acelera pela beira do Tejo até gem-restaurante acaba de à primeira paragem no Entron- apagar as luzes. camento. No vagão azul que segue Há 120 anos que este com- na cauda da composição os boio liga Lisboa a , em- estores estão todos corridos e bora, em rigor, só vá até à fron- o corredor alcatifado está va- teira francesa de Hendaya, zio. É a carruagem-cama. Os onde outra composição asse- quartos, forrados a madeira, gura o resto do percurso devi- têm um velho lavatório sobre do à diferença de bitola (dis- o qual se desce um tampo a tância entre carris). Hoje esse servir de mesa. A cama tem os troço é assegurado pelo TGV, lençóis brancos bem engoma- mas durante décadas foi tam- dos e basta um único cobertor bém um comboio de luxo que porque o ambiente é aqueci- assegurou o segmento fran- do. A luz de presença permite cês desta viagem. ler, mas o balancear suave da Era o tempo em que burgue- composição e o ruído monó- ses endinheirados, diploma- tono das rodas a deslizar so- tas, espiões, aristocratas e, bre os carris convidam ao mais tarde, refugiados das sono. As rajadas de vento lá duas guerras, viajavam neste fora e a chuva a bater nos vi- comboio, numa época em que dros da janela fazem o resto – a aviação comercial era um fecha-se o livro, apaga-se a luz mito e a massificação do auto- e adormece-se, quentinho, móvel ainda não dera os pri- embalado pela dança suave meiros passos. da velha carruagem. Georges Nagelmarkers, um Assim no meio do noite, o empresário belga que fundou Sud, o último dos grandes ex- a Companhia Internacional de pressos europeus, asseme- Wagons Lits, inaugurara em lha-se a um paquete no ocea- 1887 o Sud Expresso, depois no, habitado por uma comuni- seguindo directamente pela golfo da Biscaia. Graças ao estação do Estoril. serviço no percurso portugu- de já ter criado o famoso Ori- dade heterogénea de viajan- Beira Alta até Salamanca sem caminho-de-ferro, Lisboa ga- O último dos grandes ex- ês), o vagão das couchetes ente Expresso (Londres – Pa- tes. Durante o dia os seus pas- prestar vassalagem à capital nhava estatuto nas grandes pressos europeus é hoje uma (uma forma barata de viajar ris – Istambul). O seu sonho era sageiros conversaram, cruza- do país vizinho. rotas internacionais. pálida imagem desses tempos deitado, em beliches, preferi- ligar Lisboa a Moscovo com ram-se nos corredores e com- As grandes companhias O Avenida Palace, aos Res- áureos. Já não tem atrelado o da pelos emigrantes) e as car- um único comboio, mas os na- partimentos, no bar e no res- marítimas alteraram os horári- tauradores, tinha uma comu- furgão onde viajavam as ma- ruagens restaurante e camas, cionalismos da época não o taurante. À noite jantaram. E os dos navios por forma a fa- nicação directa com a estação las de uma clientela distinta e que conferem ao Sud um der- permitiram. agora dormem. zer coincidir as suas partidas do Rossio (que a dada altura os livros que os intelectuais da radeiro toque nostálgico e de O Sud realizava-se três ve- Passam 25 minutos da com a chegada do Sud Ex- era o términus do Sud Expres- Brasileira do Chiado se apres- aventura. zes por semana e demorava meia-noite. As luzes de Medi- presso. Desde o centro da Eu- so) para receber os recém- savam a ir esperar ao Rossio. 45 horas entre Lisboa e Paris na del Campo ainda estão lon- ropa para a África e a América chegados passageiros vindos A locomotiva reboca carru- ão é, porém, esse via . O sucesso foi tal ge e as de Salamanca já não do Sul poupavam-se agora de França. E durante alguns agens de segunda (uma das o motivo que leva que em breve passou a diário se avistam. A viagem vai ago- três dia de navegação e evita- anos, a própria carruagem- quais fica em Vilar Formoso NJosé Hernandez, e o seu percurso modificado ra a meio… va-se a turbulenta travessia do cama seguia viagem para a pois destina-se a reforçar o quadro de uma empresa por- Dário/ ocomboio.net Dário/ ocomboio.net 26 6 de Junho 2008

Dário/ ocomboio.net tuguesa de papel, a viajar to- “Pagamos 180 euros ida e dos os meses no Sud até San volta, mas o avião era mais Sebastian. Embarca em Man- caro, só ia até Valladolid e gualde e explica por que pre- depois ainda tinha que ir de fere este modo de transporte autocarro para Burgos”, ex- ao avião. plica. “Primeiro, poupo 250 qui- esta altura já o Sud lómetros pois teria de ir a Lis- Expresso sobe vi boa apanhar o avião para Bil- Ngoroso a linha da bau e depois viajar de carro Beira Alta. Já não precisa de para San Sebastian. Assim, mudar de locomotiva na Pam- entro em Mangualde, janto a pilhosa porque todo o percur- bordo e saio directamente no so português é electrificado e centro da cidade de manhã a mesma máquina reboca a cedo. No comboio durmo composição até Vilar Formo- magnificamente bem, as so. Solitário, indiferente, ao que pessoas são acessíveis e se passa nas carruagens que janta-se razoavelmente com reboca, o maquinista tem os um preço também razoável. olhos postos na luz que varre Em segundo lugar, só pago a escuridão uns escassos me- por tudo isto 275 euros [com- tros à sua frente. As duas tiras partimento single na carrua- de metal que são os carris mal gem-cama] quando só o se distinguem. Sucedem-se os avião custa 750 euros mais túneis, as curvas, as pontes, as uma noite de hotel em Lis- estações iluminadas no meio boa”. do nada com as plataformas Grande parte dos passagei- vazias, que passam velozes. ros do Sud não faz o ponta a O traçado é sinuoso, mas a ponta (Lisboa-Paris), mas en- linha da Beira Alta já foi mo- tra na região Centro (o com- dernizada e, mesmo sendo em boio pára em Fátima, Pombal via única, tem elevados índi- e Coimbra) ou na Beira Alta e ces de segurança. O célebre Miguel Madeira/ Público sai em Espanha ou no sul de desastre de Alcafache seria França. hoje impossível de acontecer É o caso destas três mulhe- porque o tráfego ferroviário é res que vão visitar os seus controlado à distância através maridos acompanhadas dos de sistemas informáticos que filhos. Maria Celeste e Maria monitorizam o percurso dos de Fátima vêm de Vila do Con- comboios. de e acompanham-nas o Ema- O próprio maquinista limita- nuel, de 13 anos, e a Joana, se a ser um “gestor da condu- um ano mais nova. A primeira ção”. A velocidade a que deve vai para Hendaya e a segun- seguir é-lhe imposta por um da para Bordéus. Os maridos computador de bordo, o esta- trabalham na construção civil do dos próximos sinais é-lhe e o comboio foi a melhor op- comunicado antes de se apro- ção para esta viagem. ximar deles e à mínima falha a “O avião era muito caro”, própria máquina lança avisos diz Maria Celeste, que já faz e, no limite, faz parar a compo- este percurso pela quarta vez. sição. A viagem em 2º classe custa Santa Comba Dão, Nelas, apenas 74 euros. “Isto faz-se Mangualde, Celorico, Vila Fran- bem. Trazemos um farnel e ca das Naves, Guarda. Por que quando o sono aperta, mes- pára tantas vezes um comboio mo sentados, dorme-se na rápido? Porque esta é uma re- mesma”. No restaurante do gião de emigrantes e histori- comboio diz que só tomou “um camente este é o comboio que cafezinho”. os levou para terras de França. Já para Maria de Fátima A tradição já não é o que era, esta viagem é uma estreia. “Es- mas nesta sexta-feira as gares tou a achar isto bom porque estão cheias de gente que o já fui de autocarro e acho espera. Muitos aguardam mais confortável ir de com- quem chega de Lisboa ou de boio …embora o autocarro Coimbra. E outros para embar- numa linha de resguardo, em seja mais barato”. Os miúdos, car e fazer uma longa viagem. jeito de submissao. Só por uma tiva a diesel é engatada à com- comida ou servir as bebidas A hora do jantar é precedi- que se entretêm com os tele- Cento e trinta é a velocida- vez, num apeadeiro esqueci- posição e irá rebocá-lo, duran- sem partir nem entornar nada da pelo toque de uma sineta móveis e os sms, estão de acor- de máxima que o Sud alcança do, o comboio encosta e te toda a noite, até Hendaya quando uma curva mais aper- que um empregado faz bada- do. Desentorpecer as pernas em Portugal. A linha permite aguarda - no meio do nada - onde chegará às 7h10. tada provoca um safanão na lar ao longo de toda a compo- no corredor, ir à casa de ba- mais, mas as carruagens é pelo Intercidades da Guarda. carruagem, a passagem de sição. É o ponto alto da viagem. nho ou ao bar, é uma vanta- que não. Ainda assim, a sen- No silêncio da noite, ouve-se acalhau à Lagarei uma agulha faz saltitar os pra- No Verão e em épocas de mai- gem que só o comboio pode sação de velocidade é gran- primeiro a vibração dos carris ro com batata a tos, ou uma frenagem brusca or procura o restaurante do Sud oferecer. de, os tímpanos ressentem-se e vê-se depois a luz ao longe Bmurro. Em que outro obriga a um equilíbrio de per- ganha até algum glamour com O acaso juntou no mesmo à entrada dos túneis e a trepi- que rapidamente se aproxima. comboio do mundo se poderá nas para manter tudo na verti- as mesas cheias de gente ani- compartimento outra mãe com dação nas agulhas pode as- Um furacão passa veloz, com comer uma tal ementa? Sopa cal. mada que faz prolongar o jan- um filho, este de 15 anos, que sustar quem não está habitua- grande estrondo e, subitamen- de legumes, pudim, fruta da O cliente pode ainda optar tar pela noite dentro em torno vai também visitar o marido. do a viajar na locomotiva por- te, outra vez o silêncio da noite época, café, vinho tinto. Vinte por uma lasanha de salmão ou dos digestivos. Alexandra Alexandre vem de que esta abana e dá solavan- gelada. euros é quanto custa este jan- perninhas de frango com fari- Com bom tempo, janta-se Lisboa e vai sair em Burgos. cos que não se sentem nas O sinal vermelho, entretan- tar, servido com um toque per- nheira. Qualquer dos pratos é ao entardecer vendo a serra Não pode descuidar-se com o carruagens de passageiros. to, deu lugar ao verde, e o Sud sonalizado por funcionários acompanhado de batata cora- da Estrela ao longe, intervala- sono pois a hora de chegada De vez em quando um regi- Expresso retoma a sua mar- que há muito anos estão habi- da e espinafres salteados. Um da pelos escarpas rochosas de é ingrata - às três da manhã - onal ou um comboio de mer- cha. Em Vilar Formoso será tuados à restauração sobre bife com batatas fritas também granitos que quase tocam a mas mesmo assim acha que o cadorias em sentido contrário entregue aos espanhóis. Uma carris. Só a experiência permi- se arranja, ali mesmo prepa- composição quando esta ir- comboio foi a melhor opção. aguarda a passagem do Sud pesada e barulhenta locomo- te transportar uma travessa de rado na cozinha do comboio. rompe pelas trincheiras. Há 6 de Junho 2008 27

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Dário/ ocomboio.net estações que passam a correr Américo Rocha, 45 anos, vai moso) transporta, contudo, 70 por esta tela que é a janela do para Bayonne visitar familiares. mil passageiros por ano e no comboio e outras onde a situ- “Para a próxima se calhar percurso exclusivamente es- ação se inverte e o restauran- vou de avião, que isto é mui- panhol 15 mil. te é como um aquário ilumina- ta hora no comboio”, diz. É O seu mercado é heteró- do exposto à curiosidade (e a normal para quem, como afir- geneo: desde um segmento alguns olhares invejosos) dos ma, não viaja de comboio des- médio-alto que aprecia este que estão nas plataformas das de criança. “Pensava que isto tipo de viagens com sabor a gares. fosse um bocadinho melhor. aventura, às pessoas que Mas hoje são escassos os Tenho estado a mandar men- têm medo de andar de avião comensais. Há algumas famí- sagens para a minha filha a (os funcionários do comboio lias com crianças pequenas, contar a viagem”. garantem que não são pou- uns poucos clientes habituais cas), emigrantes, jovens de (um passageiro que viaja de CP ainda não sabe inter-rail e, mais recentemen- comboio de Lisboa para Dus- o que fazer com te, estudantes do Erasmus. seldorf), homens solitários. Aeste comboio que é A CP tem duas alternativas O bar tem mais procura. velho e dá prejuízo. Mas que para o futuro deste comboio. Bebe-se cerveja e sumos. Pe- tem História, cumpre uma fun- Um up grade à situação ac- dem-se uma sandes. ção social e, sobretudo, tem um tual, com modernização das Nesta carruagem encon- potencial de mercado que é carruagens, dotando-as de tram-se emigrantes e imigran- preciso explorar. climatização e interiores mais tes. “Portugal está ruim, não As carruagens avariam-se adequados a viagens de lon- há trabalho e quando há frequentemente e já tem acon- go curso, ou a compra de Dário/ ocomboio.net paga-se mal”, dizia Maria de tecido os passageiros refugia- composições para rea- Fátima quando contava que ia rem-se no restaurante porque lizar um comboio-hotel idên- visitar o seu homem, emigran- o aquecimento falhou. Os com- tico ao que circula entre Lis- te do século XXI que trabalha partimentos de 2ª classe já não boa e Madrid. Esta solução na construção civil em França, respondem aos padrões de teria ainda a vantagem de como o fizeram os portugue- exigência actuais – são aper- poder ligar directamente Lis- ses dos anos sessenta do sé- tados e incómodos para via- boa a Paris sem mudar de culo passado. gens nocturnas. comboio pois estas compo- Mas também no Sud circu- Enquanto isto, as low co- sições adaptam-se aos dois lam africanos e sul-america- ast aumentam a sua oferta e tipos de bitola. nos, sobretudo brasileiros. Não os autocarros conseguem O problema maior é fácil de por acaso, no dia seguinte, em preços mais baratos. A Ren- explicar - a CP não tem di- Hendaya, a polícia francesa fe, que explorava o Sud Ex- nheiro e o seu accionista (o esperará os passageiros des- presso em parceria com a CP, Estado) não tem sido gene- te comboio que vem do Sul desinteressou-se e deixou o roso a dotá-la com os meios para pedir identificações. E em ónus da questão para a trans- necessários para renovar a Portugal, contrariando o espí- portadora portuguesa que é sua frota. Nas últimas déca- rito do código de fronteiras do a única responsável por este das, Portugal sempre teve espaço Shengen, o SEF serviço diário desde Janeiro mais dinheiro para auto-es- aguarda regularmente o Sud de 2006. Os espanhóis limi- tradas do que para o transpor- Expresso em Vilar Formoso ou tam-se a assegurar a tracção te ferroviário. em Santa Apolónia para pedir no seu território. E depois há ainda um pro- passaportes. Não raras vezes, A procura tem vindo a di- blema de horário. A empresa há um passageiro, normal- minuir. Em 2002 o Sud trans- reconhece que há um merca- mente de tez escura, que fica portou em serviço internaci- do interessante no eixo Sala- detido na fronteira. onal 165 mil passageiros, manca, Valladolid, Burgos, San Amib Mosaad tem 30 anos mas no ano seguinte já só Sebastian que poderia viajar e é egípcio. Regressa a Paris eram 122 mil, em 2004 atin- de comboio para Portugal. O depois de ter trabalhado cinco giu 109 mil e desde então Sud é a única ligação directa, meses em Portugal. Pagou 168 estabilizou nos 100 mil pas- mas atravessa Espanha de euros pela viagem em 2ª clas- sageiros. No percurso nacio- noite, a horas impróprias para se. nal (entre Lisboa e Vilar For- um bom serviço comercial. 28 6 de Junho 2008

Miguel Madeira/ Público mpróprio é também paisagem igualmente de- ser-se acordado às sinteressante. I seis da manhã e não Em St. Jean-de-Luz se ter direito a um duche ainda se vê uma nesga (um “luxo” que o Talgo ofe- de mar, mas a estação de rece aos passageiros da Biarritz já fica longe da primeira classe). Felizmen- costa e agora é só a pla- te a água jorra abundante nície que mal se avista no lavatório do comparti- na madrugada. mento e o café servido no Em Bayonne, onde o restaurante é português. As TGV chega às 8h33, o torradas estão quentinhas Sol cumprimenta os via- e o corpo e a alma retem- jantes, mas a modorra da peram-se e reconciliam-se viagem prossegue. Não com o mundo. se pode fumar e um letrei- Mundo que, porém, tar- ro indica que os telemó- da em clarear. Atravessa- veis devem estar no silên- se o País Basco e quando cio. Falar ao telefone só não se mergulha nos tú- nos intervalos entre as neis dá para ver através carruagens, explica o re- das luzes amareladas das visor. Uma forma da cidades uma paisagem in- SNCF responder às inú- dustrial onde ainda há fu- meras queixas de quem mos de fábricas e monta- se sentia incomodado nhas de sucatas. Em San com os toques e as con- Sebastian a linha acompa- versas ao telefone dos nha o porto marítimo que outros passageiros. começa a ganhar vida, mas Em Dax, às 9h10, a em breve o Sud Expresso composição encosta de- chega à fronteira espanho- vagarinho noutro TGV e la de Irún, pára por uns mi- forma-se um comboio Miguel Madeira/ Público nutos, cruza uma ponte e único com 600 metros de imobiliza-se, às 7h10, na comprimento. A manobra gare de Hendaya. terá corrido mal porque, Aquela estação não é o à partida, a voz simpáti- melhor cartão de visita ca da menina da SNCF francês. Conserva toda a lamenta informar que há sua estrutura da Europa um atraso de 20 minutos. com fronteiras. As grades Em Bordéus o TGV en- que separam as platafor- che-se. Já há mais movi- mas dos comboios espa- mento e no bar comem-se nhóis das dos franceses croissants com café au mantêm-se. E um subter- lait. A paisagem desliza râneo esconso termina mais depressa porque a numa escadaria onde linha já permite os 220 passageiros sonolentos, Km/hora. carregados de sacos e Mas vai ser preciso es- malas, se acumulam e perar mais uma hora e travam o passo porque, lá meia em que nada acon- em cima, os polícias fran- tece para o coqueluche ceses efectuam o contro- dos caminhos-de-ferro lo dos passaportes. franceses mostrar aquilo O TGV nº 8524 faz a sua que vale e entrar na linha entrada na estação qua- de alta velocidade onde se sem se dar por ele. É se lançará numa correria um “bicho” prateado de de 300 Km/hora. O maqui- focinho pontiagudo. A nista ultrapassará mesmo composição é ladeada de este patamar e chegará janelinhas estreitas que aos 310 à hora, legal- deixam antever um interi- mente permitidos para or com um design estili- recuperar atrasos. Miguel Madeira/ Público zado, agradável, onde Agora sente-se clara- predominam as cores ro- mente a sensação da ve- xas, pontuadas de cinzen- locidade, mais nítida ain- to e laranja. Entre a velha da quando, já perto de carruagem portuguesa fa- Paris, a linha acompanha bricada nos anos setenta uma auto-estrada e se ul- na Sorefame e estes veí- trapassam os carros que culos franceses a diferen- ficam para trás como se ça é abismal. estivessem parados. Desiluda-se, porém, Às 13h45 em ponto, quem julgue que uma vi- com os 20 minutos de agem no TGV é uma ex- atraso recuperados, o periência emocionante. TGV nº 8524 entra silen- Há mais história e históri- ciosamente na gare de as no Sud Expresso que Montparnasse onde des- ficou para trás, do que peja milhares de passa- neste asséptico comboio geiros. Entre eles, ape- que circula, para já, ape- nas uma meia dúzia vin- nas a 160 Km/hora com da de Lisboa concluiu ali uma clientela nem bem uma viagem de 2000 qui- nem mal humorada, deli- lómetros percorrida em cada sem ser simpática, 20 horas e 39 minutos. sonolenta quanto baste para que, em breve, a vi- agem decorra silenciosa Carlos Cipriano e monótona por entre uma [email protected]