UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Geociências

MARÍA KARLA HERNÁNDEZ GONZÁLEZ

A VALORIZAÇÃO E REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA DO PATRIMÔNIO

CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO DE ,

CAMPINAS

2019

MARÍA KARLA HERNÁNDEZ GONZÁLEZ

A VALORIZAÇÃO E REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA DO PATRIMÔNIO

CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA, CUBA

DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRA EM GEOGRAFIA NA ÁREA DE ANÁLISE AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL

ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIA TEREZA DUARTE PAES

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARÍA KARLA HERNÁNDEZ E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. MARIA TEREZA DUARTE PAES

CAMPINAS

2019

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Geociências Marta dos Santos - CRB 8/5892

Hernández González, María Karla, 1991- H43v HerA valorização e refuncionalização turística do patrimônio cultural no Centro Histórico de Havana, Cuba / María Karla Hernández González. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

HerOrientador: Maria Tereza Duarte Paes. HerDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências.

Her1. Turismo. 2. Patrimônio Cultural. 3. Gentrificação. I. Luchiari, Maria Tereza Duarte Paes, 1961-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Enhancement and touristic refunctionalization of the cultural heritage in the Historic Center of Havana, Cuba Palavras-chave em inglês: Tourism Cultural Heritage Gentrification Área de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica Territorial Titulação: Mestra em Geografia Banca examinadora: Maria Teresa Duarte Paes Marcelo Antonio Sotratti Cristina Meneguello Data de defesa: 24-10-2019 Programa de Pós-Graduação: Geografia

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-7960-7507 - Currículo Lattes do autor: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visu

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

AUTORA: María Karla Hernández González

A VALORIZAÇÃO E REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA, CUBA

ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Tereza Duarte Paes

Aprovado em: 24 / 10 / 2019

EXAMINADORES:

Profa. Dra. Maria Tereza Duarte Paes - Presidente

Prof. Dr. Marcelo Antonio Sotratti

Profa. Dra. Cristina Meneguello

A Ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros, encontra-se disponível no SIGA - Sistema de Fluxo de Dissertação e na Secretaria de Pós-graduação do IG.

Campinas, 24 de outubro de 2019.

A mis padres, a Anibitín y a Adán

por el motivo de siempre,

por querernos.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família, por seu amor e apoio incondicional, pelo carinho e as notícias diárias que me faziam sentir mais perto de casa.

Ao Adán, por seu apoio, preocupação, por acreditar nas minhas escolhas, por seu carinho e pelo resgate do trabalho as vezes que perdi alguma parte.

A minha orientadora Tereza, por ter acreditado no meu projeto, por sua paciência e carinho sempre, pelas explicações e orientações, pela leitura do trabalho e as correções, por ter me ajudado muito na minha formação nestes três anos.

Aos colegas do grupo de pesquisa “Geografia, Turismo e Patrimônio Cultural”, por me acolher com muito carinho desde o primeiro momento, pelos encontros, os conhecimentos compartilhados, pela ajuda com o português, por escutar sobre minha pesquisa atentamente e fazer sempre oportunas sugestões. A todos, aos que estavam no início e aos que estão agora, muito obrigada!

Às professoras Vanessa Bello e Ana Maria Fernandes, que participaram do Exame de Qualificação, pela leitura atenta e pelas valiosas contribuições para a finalização desta pesquisa.

A meu amigo de sempre, Reynaldo, por sua ajuda no trabalho de campo e na confecção dos mapas.

À Cris, por sua amizade e apoio.

A minha família cubana no Brasil pelos almoços e as festas sem falar das nossas pesquisas, o carinho e o apoio, por ter um cantinho de Cuba aqui.

À Secretária da pós-graduação por me auxiliar com todas minhas dúvidas e sua ajuda nesta etapa.

Aos professores de todos os tempos por compartilhar seus conhecimentos e contribuir na minha formação profissional e pessoal.

Aos entrevistados por seu tempo e disposição a compartilhar as suas vivências, colaboração muito significativa na pesquisa.

Corro o risco de esquecer a pessoas que me ajudaram, ensinaram e acolheram, mas saibam que fico muito grata com todos os que me apoiaram durante a elaboração deste trabalho.

RESUMO

Na década de 1990, nos centros históricos de América Latina, aconteceram processos de renovação urbana muito vinculados à valorização turística do patrimônio cultural e ao interesse do capital por transformar a imagem destas zonas e reconfigurá-las como espaços de consumo e lazer. Na adequação dos centros para o desenvolvimento do setor, o patrimônio cultural foi refuncionalizado como recurso turístico e adquiriu novos usos vinculados à visitação e lazer, hotelaria, bares, lojas de souvenirs, restaurantes entre outros atrativos do consumo cultural. A mudança de função tornou muitos desses espaços exclusivos das classes médias e elites econômicas, ao mesmo tempo em que gerou uma mudança na significação destes bens culturais, materiais ou imateriais, para as populações locais. Unido a isto, a turistificação dos centros históricos provocou processos de gentrificação, com características diferentes de uma cidade a outra. Identificar e analisar os efeitos da refuncionalização turística do patrimônio cultural na dinâmica socioespacial entre moradores tradicionais, turistas e novos empreendimentos no Centro Histórico de Havana Velha, Cuba, é o objetivo desta pesquisa. A revisão bibliográfica, a pesquisa documental e a pesquisa empírica permitiram compreender que, no Centro Histórico de Havana Velha, está emergindo um processo de gentrificação, com características similares às de outras cidades da América Latina, mas, com algumas diferenças, por se tratar de um país socialista e com um governo ainda preocupado com a população local, que realiza projetos sociais orientados à moradia e a socialização da cultura.

Palavras-chave: Turismo, Patrimônio Cultural, Gentrificação.

ABSTRACT

In the 90s, some processes of urban renovation took place in the historic centers of Latin America. These processes were related to both a touristic enhancement of the cultural heritage and the interest of the capital in changing the appearance of these areas and also transforming them into leisure places. When adapting these historic centers for the development of the sector, the cultural heritage was refunctionalized as a touristic resource and new leisure areas, hotels, bars, souvenirs shops and restaurants were built in this part of the cities. This change not only made these places exclusively affordable for the middle classes and the economic elite, but it also changed the actual meaning of these tangible or intangible properties for the locals. Also, the touristification of these historic centers led to a process of gentrification whose characteristics may change depending on the city. The objective of this research is to identify and analyze the effects of the touristic refunctionalization of the cultural heritage on the socio-spatial dynamic of city-dwellers, tourists and new companies in the historic center of , Cuba. The bibliographic review and the empirical research showed that a process of gentrification was taking place in the historic center of Old Havana. This process presents similar characteristics to the ones in Latin America; however, it also differs from them since the Cuban government takes special care of its people and leads many social projects whose main goals are the resolution of housing issues and the cultural promotion.

Keywords: Tourism, Cultural Heritage, Gentrification.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Mapa dos oito setores funcionais do Centro Histórico de Havana Velha……….25 Figura 2: Cartaz de protesto dos dos moradores do Centro Histórico de Ciudad de México, 2019...... 43 Figura 3: Novos prédios residenciais no Centro Histórico de Ciudad México……………46 Figura 4: Mapa do bairro pericentral a Floresta, Ecuador…………………….…..……….49 Figura 5: Exterior da Puerta de Monserrate de la Muralla de La Habana………………54 Figura 6: Plaza e Convento de San Francisco século XVIII…………………….………..55 Figura 7: Plaza Vieja século XVIII…………………….…………………….……………55 Figura 8: Convento de San Juan de Letrán onde radicou a Real y Pontificia Universidad de San Jerónimo…………………….…………………….…………………….……………..56 Figura 9: Teatro Tacón…………………….…………………….……………………..…..56 Figura 10: Localização geográfica do Centro Histórico de Havana……………………...58 Figura 11: Edificio Bacardí e Cine Fausto, de esquerda a direita………………………..59 Figura 12: Castillo de la Real Fuerza, na atualidade…………………….………………...61 Figura 13: Palacio Aldama…………………….…………………….………………...…..61 Figura 14: Iglesia de San Francisco de Paula, na atualidade…………………….………..61 Figura 15: Antigo Palacio Presidencial, 2017 (Hoje, Museo de la Revolución)...... 62 Figura 16: Capitolio Nacional…………………….…………………….…………...... ….62 Figura 17: Centro Asturiano, na atualidade…………………….…………………….…...63 Figura 18: Centro Gallego, na atualidade…………………….…………………….……..63 Figura 19: Instituto de Segunda Enseñanza No. 1, na atualidade……………………..…63 Figura 20: Convento de San Juan de Letrán………………………………..…………....64 Figura 21: Casa Natal de José Martí………………………………..…………………….70 Figura 22: ………………………………..……………………………….70 Figura 23: Museo Histórico de las Ciencias Carlos J. Finlay……………………….……..70 Figura 24: Centro Histórico de Havana Velha e o sistema de fortificações……………...75 Figura 25: Fortificações militares de Havana Velha………………………………..…….76 Figura 26: La Plaza Vieja antes da restauração e depois de recuperada em 2017 ……….78 Figura 27: Antigo Colegio de San Francisco de Sales restaurado e refuncionalizado como restaurante desde 1984 ………………………………..…………………………………..80 Figura 28: Casa da família Franchi Alfaro antes da restauração da década de 1980 e durante a década de 1990 ………………………………..…………………………………..…….80

Figura 29: Antiga mansão del Conde de Casa Lombillo antes da restauração da década de 1980 depois nos anos 1990 ………………………………..……………………...……….80 Figura 30: Cooperação internacional (1994-2008)………………………………..……...82 Figura 31: Chegadas turísticas a Cuba no período 1980-1990…………………………..83 Figura 32: Hotel Santa Isabel………………………………..……………………...…..….85 Figura 33: Hotel Marqués de Prado Ameno………………………………..………...…...86 Figura 34: Antiga Lonja do Comercio………………………………..……………...……88 Figura 35: Edifício Gómez Vila………………………………..………………………...... 88 Figura 36: Organigrama da Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana………..90 Figura 37: Turistas e rendimentos do setor no período 1990-1994………………………..93 Figura 38: Turistas e rendimentos do setor no período 1995-2000……………………...94 Figura 39: Cortiço na antiga moradia de Beltrán de Santa Cruz (esquerda) e Hotel Beltrán de Santa Cruz (direita) depois da refuncionalização………………………………..……..99 Figura 40: Cortiço da rua Teniente Rey, hoje Hotel Los Frailes…………………….…...100 Figura 41: Hotéis dos diferentes grupos hoteleiros e restaurantes de Habaguanex no Centro Histórico de Havana Velha ………………………………..…………………….……….105 Figura 42: Mural do antigo Liceo Artístico y Leterario de La Habana…………………106 Figura 43: Apropriação dos espaços públicos pelos restaurantes turísticos…………....107 Figura 44: Terminal Internacional de Cruceros na Baía de Havana…………………….108 Figura 45: Centro Cultural Antiguos Almacenes de Depósito San José………………..109 Figura 46: Artigos comercializados no Centro Cultural Antiguos Almacenes de Depósito San José…………………..…………………..…………………..……………..……...…109 Figura 47: Fábrica de Cerveza Artesanal no antigo Almacén del Tabaco y la Madera…..110 Figura 48: Catedral de la Virgen María de la Concepción Inmaculada de La Habana na campanha turística Auténtica Cuba………………………………..………………….…..111 Figura 49: A Plaza Vieja em 1999, já iniciada a recuperação…………………………...112 Figura 50: Imagem atual da Plaza Vieja………………………………..…………...……112 Figura 51: Coches de Cavalo no Centro Histórico de Havana Velha…………………..113 Figura 52: Havanesas………………………………..……………………………….…...114 Figura 53: Pequena loja de artesanato privada no Centro Histórico de Havana Velha…115 Figura 54: Hospedagem privada no Centro Histórico de Havana Velha……………….115 Figura 55: Restaurante privado “Doña Blanquita” no Centro Histórico de Havana Velha...... 116 Figura 56: Restaurante privado Mojito Mojito………………………………..………..117

Figura 57: Restaurante estatal La Imprenta………………………………..……………..118 Figura 58: Mapa das funções predominantes do solo no Centro Histórico de Havana Velha...... 121 Figura 59: Hotel Iberostar Grand Packard Habana………………………………..……...124 Figura 60: Hotel Paseo del Prado, ainda em restauração………………………………..125 Figura 61: Mapa das funções predominantes proposta do solo no Centro Histórico de Havana Velha para 2030………………………………..……………………..….....……126 Figura 62: Ocupação na economia por forma de propriedade em 2012…………………134 Figura 63: Moradias em perigo de desabamento……………………………………..…..135 Figura 64: Mapa dos oito setores funcionais do Centro Histórico de Havana Velha…...137 Figura 65: Reconstrução do futuro Hotel Palacio de Cueto, numa esquina da Plaza Vieja...... 147 Figura 66: Pantomimeiros na rua Obispo e na Plaza de San Francisco, de esquerda a direita...…...... 149 Figura 67: Interior de um cortiço no Centro Histórico de Havana Velha…………….....151 Figura 68: Imagem da campanha da OHCH pelo 500 aniversário da cidade…………...155 Figura 69: Alicia Alonso……………………………….……..158 Figura 70: População local e turistas internacionais numa apresentação do Festival de Danza Callejera………………………………..…………...... …………..……………………...159 Figura 71: Chegadas anuais de turistas internacionais a Cuba e Havana no período 2015- 2018….…………………..…………………..……………....……..………………….….164 Figura 72: Manzana de Gómez (2003) e Hotel Manzana Kempinski (2018)…………….171 Figura 73: Prédios em mau estado construtivo no Centro Histórico de Havana Velha….174 Figura 74: Ruas Mercaderes e Muralla………………………………..…………...... …..175 Figura 75: Vendedores ambulantes no Centro Histórico de Havana Velha……………..176 Figura 76: Complejo Comercial Gastronómico Variedades Obispo, entrada…………...180 Figura 77: Complejo Comercial Gastronómico Variedades Obispo, lateral rua Obispo..180 Figura 78: Restaurante ………………………………..……………………….171 Figura 79: Hotel Iberostar Parque Central ………………………………..…….....…….181 Figura 80: Grupo de moradias vizinhas ao Hotel Parque Central……………………….182 Figura 81: San Ignacio 255, moradia protegida para idosos………………………...... 184 Figura 82: Moradia estudantil em restauração………………………………..………...184

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Entrevistas…………………..…………………..…………………..…...... …..26 Quadro 2: Observação guiada…………………..…………………..…………………...... 27 Quadro 3: Levantamento fotográfico…………………..…………………..………...…….28 Quadro 4: Monumentos Nacionales no Centro Histórico de Havana Velha……………..68 Quadro 5: Sistema de fortificações incluídas na declaratória da UNESCO……………..73 Quadro 6: Assistência econômica da UNESCO no processo de restauração do Centro Histórico de Havana Velha e seu sistema de fortificações …………………..…………..77 Quadro 7: Alojamentos turísticos estatais no Centro Histórico de Havana Velha……….95 Quadro 8: Bares e restaurantes de Habaguanex no Centro Histórico de Havana Velha…………………..…………………..…………………..………………………....101 Quadro 9: Número de imóveis e espaços recuperados segundo a sua função no período 1991-2008…………………..…………………..…………………..………...... …….…..119 Quadro 10: Imóveis refuncionalizados para atividades culturais e educativas…………...119 Quadro 11: Projetos hoteleiros no Centro Histórico de Havana Velha………………….122 Quadro 12: População e moradia no Centro Histórico de Havana Velha (1990-2012)...... 133 Quadro 13: Frequência de aparição dos códigos associados à definição de patrimônio cultural na fala dos atores entrevistados…………………..…………………..………...... 139 Quadro 14: Patrimônios culturais reconhecidos pelos atores entrevistados ……………141 Quadro 15: Frequência de aparição dos códigos associados ao valor do patrimônio cultural na fala dos atores entrevistados…………………..…………………..………………...... 145 Quadro 16: Principais beneficiários das ações de recuperação e refuncionalização do patrimônio arquitetônico no Centro Histórico de Havana Velha, segundo os grupos entrevistados…………...... 151 Quadro 17: Atividades recreativas, culturais e de turismo frequentadas/pensadas para a população local e os turistas nacionais…………………..…………………..………….156 Quadro 18: Quantidade de turistas que visitaram Cuba e Havana no período 1990- 2015...... 163 Quadro 19: Aspectos positivos e negativos do aumento do número de turistas no Centro Histórico de Havana Velha para a população local…………………..…………………..165

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO…………………..…………………..………………….………………..17 O CAMINHO METODOLÓGICO…………………..…………………..…………...... 21

PRIMEIRA PARTE: TURISMO E PATRIMÔNIO CULTURAL: NOVOS USOS E SOCIABILIDADES…………………..…………………..………………..………..…....31

1. A RELAÇÃO ENTRE O TURISMO, O PATRIMÔNIO CULTURAL E O PROCESSO DE GENTRIFICAÇÃO NA AMÉRICA LATINA……………………..32 1.1 TURISMO E PATRIMÔNIO CULTURAL…………………..…………………..….32 1.2 GENTRIFICAÇÃO E AS SUAS CARACTERÍSTICAS NA AMÉRICA LATINA…44 1.2.1 Ciudad de México: o “blanqueamiento” do Centro……..………..………..……..44 1.2.2 Sem retorno ao centro de Quito…………………..…………………..…………...47 1.2.3 Santiago de Chile e as suas singularidades…………………..…………………....50 1.3 POSSIBILIDADES DO DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO……..………..…….52

2. O PROCESSO DE VALORIZAÇÃO TURÍSTICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA, CUBA……..…54 2.1 A EVOLUÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA, CUBA NO PERÍODO COLONIAL…………………..…………………..………………..……...... ………..….54 2.2 A OFICINA DEL HISTORIADOR DE LA CIUDAD DE LA HABANA: UM INTENTO POR RESGATAR A HAVANA VELHA…………………..…………………..…………57 2.3 A DECLARATÓRIA DA UNESCO NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA…...... 71 2.4 O TURISMO COMO ESTRATÉGIA ECONÔMICA E A CRIAÇÃO DA COMPANHIA TURÍSTICA HABAGUANEX S.A. NA DÉCADA DE 1990……....….84

3. REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA…………………..…………………..………………..…..…..………....………...92 3.1 A REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA DAS EDIFICAÇÕES NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA…………………..…………………..…………..…92

3.2 O PAPEL DO ESTADO NO PROCESSO DE REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL…………………..…………………..…....…..………..….127

SEGUNDA PARTE: A VISÃO DOS DIFERENTES ATORES ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE VALORIZAÇÃO TURÍSTICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA…………………..……………..132

4. REFUNCIONALIZAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA: A VISÃO DOS DIFERENTES ATORES ENVOLVIDOS…………………..………….....…..……….133 4.1 RESSIGNIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL PARA A POPULAÇÃO LOCAL DO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA…………………..….…133 4.2 O PROCESSO ATUAL DE PRESERVAÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA…………………..………………….....146 4.3 REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA E RESIGNIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO: POSSIBILIDADES DE USO……..……….156

TERCEIRA PARTE: AS NOVAS DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA…………………..…………………..…………162

5. INFLUÊNCIA DA ABERTURA PARA O TURISMO NA VIDA DOS MORADORES TRADICIONAIS DO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA. O TURISMO COMO ALTERNATIVA ECONÔMICA………………..…163 5.1 OS EFEITOS DA ABERTURA PARA O TURISMO E DA REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL NA DINÂMICA SOCIOESPACIAL ENTRE MORADORES TRADICIONAIS, TURISTAS E NOVOS EMPREENDIMENTOS NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA……….163 5.2 O CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA: UM CASO DE GENTRIFICAÇÃO?……..………..………..………..………..………..…...... ………170

CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………..…………………..………………...... 183 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…………………..…………………..…….…188 ANEXOS…………………..…………………..…………………………….…………...205 16

APRESENTAÇÃO

Pesquisar é sempre um desafio. Quando começamos a investigação nos defrontamos com horas de leitura minuciosa, com análises e interpretações, com escrever e reescrever uma mesma página. Pesquisar sobre Cuba pode supor um desafio extra, se não se compreendem as peculiaridades econômicas e políticas do sistema socialista do país, se não se conhecem as suas instituições e a sua história, então, é importante, de saída, esclarecer o leitor de que é deste lugar que escrevo essa dissertação. Sou cubana, vivi toda minha vida no país e tenho um amor muito grande pelo Centro Histórico de Havana Velha, mesmo não sendo havanesa, do tempo de estudo universitários, pois minha faculdade se localizava na zona. Expor a minha nacionalidade e explicar um pouco sobre a minha formação poderiam ser alguns aspectos esclarecedores na posterior leitura do trabalho. Me formei como Licenciada em Turismo, em 2014, na Univerdad de La Habana (UH). No meu Trabalho de Conclusão de Curso pesquisei com patrimônio gastronômico e, desde essa época, tinha interesse e inquietudes sobre a relação o turismo e o patrimônio cultural. Trabalhei como Especialista Comercial no Departamento de Vendas do Hotel H10 Habana Panorama, até março 2016 e, desde essa data, moro no Brasil. Procurei fazer o Mestrado em Geografia, pois soube sobre a linha de pesquisa da professora Dra. Maria Tereza Duarte Paes, gostei muito da temática que abordam e de como estudavam o turismo desde uma ótica diferente daquela que eu estava acostumada. Em março de 2017 comecei o Mestrado sob a sua orientação. As informações que utilizo no trabalho são fundamentalmente o resultado de revisão bibliográfica, pesquisa documental e do trabalho de campo realizado no Centro Histórico de Havana Velha, entre agosto e setembro de 2018, mas, as vezes, não consegui fugir de colocar dados que conheço por ser cubana e ter vivido no país quase toda minha vida, ou por ter sido estagiária e ter trabalhado no setor turístico cubano de 2009 até 2016. O tempo do mestrado, as disciplinas, as leituras indicadas pela professora Tereza, a oportunidade de conhecer sobre as pesquisas dos seus outros orientandos e dos integrantes do grupo de pesquisa “Geografia, Turismo e Patrimônio Cultural” sob sua orientação, a possibilidade de compartilhar informações e critérios com eles, modificou muito (realmente muito) meu olhar sobre o turismo, o patrimônio e as relações que estabelecem no espaço. O resultado destes quase três anos de mudanças e aprendizado é este trabalho.

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INTRODUÇÃO A turistificação de alguns centros históricos da América Latina está muito relacionada com as declaratórias destes sítios a Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e à Cultura (UNESCO). A declaratória é uma garantia de relevância e notoriedade a nível internacional e vira um reconhecimento utilizável para atrair investimentos e turistas (DELGADILLO, 2015), como aconteceu em cidades como Quito (DEL PINO, 2010), Cartagena (POSSO, 2015) e Ciudad de México (DELGADILLO, 2015). Com a finalidade de garantir o sucesso no desenvolvimento da atividade turística, a imagem, muitas vezes deteriorada e decadente (POSSO, 2015; DELGADILLO, 2016), destes bairros centrais deve mudar. Assim, durante a década de 1990, nas diferentes cidades da América Latina, nos antigos centros históricos aconteceram processos de refuncionalização turística mediante a renovação urbana (PAES, 2017) e, em vários casos, pela declaratória de patrimônio mundial da UNESCO. Muitos prédios de valor histórico e cultural foram transformados em hotéis, restaurantes, cafés, bares, lojas de souvenirs orientados ao turismo, o que provocou uma “homogeneización del paisaje” (DELGADILLO, 2015, p. 126) nestes centros históricos convertidos em cenários, nos quais a fachada é o principal recurso (POSSO, 2015), para o turismo. Os bens imateriais também entraram nesta lógica comercial de representação da cidade antiga para o turista e, assim as tradições dos diferentes bairros e municípios foram recriadas e espetacularizadas para o consumo. A cidade e o seu patrimônio tornam-se mercadorias e o valor cultural, histórico e social fica relegado a um segundo plano (PAES, 2012). A patrimonialização pela UNESCO dos bens materiais e imateriais de significação histórica e cultural colocou na mira das empresas turísticas cidades e bairros pouco conhecidos a nível global, sendo transformados em atrativos turísticos economicamente produtivos. Segundo Delgadillo (2015) existe uma relação direta entre o reconhecimento por organismos internacionais como a UNESCO, e a agudização dos conflitos pelo espaço e a emergência de processos de gentrificação. As características deste processo na América Latina variam de uma cidade a outra (PAES, 2009; HIERNAUX e GONZÁLEZ, 2014; ALEXANDRI ET AL., 2016; DELGADILLO, 2016; JANOSCHKA, 2016), porém é, de maneira geral, um fenômeno que exclui aos moradores tradicionais e converte os espaços, valorizados pelo turismo, e pelo capital imobiliário, em zonas das elites sociais e dos turistas. 18

O presente trabalho se propõe a estudar o caso do Centro Histórico de Havana Velha, por ser uma zona que possui um alto número de edificações de distintos períodos históricos e estilos arquitetônicos, um sistema de fortificações que data da etapa colonial e variados espaços públicos, em um bom estado de conservação patrimonial e que foi declarado em conjunto com o sistema defensivo pela UNESCO: Patrimônio Cultural da Humanidade, em 1982. O desenvolvimento da atividade turística em Cuba se inicia na década de 1990, porém, nos primeiros anos, o país aposta pelo turismo de sol e praia. Em 1993, as estratégias para que este setor evolua, variam e se reorientam também para o desenvolvimento do turismo cultural. Neste mesmo ano, aumentam as ações para fomentar esta modalidade no Centro Histórico de Havana Velha que passa de receber aproximadamente 240 mil turistas anuais, em 1990, e a receber perto dos 2 827 146 turistas em 2018 (MARTÍN FERNÁNDEZ, 2008; PRUDENTE, 2009; ONE, 2019). Além de ser um país com um sistema político e econômico diferente do resto das nações da América Latina, ocorrem processos de reestruturação do espaço urbano para adaptar a zona central aos interesses do capital turístico e dos turistas que criam conflitos no espaço urbano (SEGRE, 1997; SCARPACCI, 2001). Assim, a presente pesquisa se propõe como problema a questão: Como acontecem os processos de recuperação e refuncionalização turística do patrimônio cultural no Centro Histórico de Havana Velha? Para tanto, propomos como objetivo geral identificar e analisar os efeitos da refuncionalização turística (PAES, 2009) do patrimônio cultural na dinâmica socioespacial entre moradores tradicionais, turistas e novos empreendimentos no Centro Histórico de Havana Velha. Além de buscarmos analisar o desenvolvimento das relações entre turismo e patrimônio cultural na América Latina e, em particular, em Cuba, no Centro Histórico de Havana Velha, buscamos identificar e analisar a influência da valorização turística do patrimônio cultural na vida dos moradores do Centro Histórico de Havana Velha. Segundo nossas hipóteses, a recuperação e a valorização turística do patrimônio cultural no Centro Histórico de Havana Velha, se manifesta como um processo contraditório. De um lado, favorece a população local pela infraestrutura instalada e pelos projetos sociais desenvolvidos na zona, de outro, a turistificação ameaça a permanência da população de moradores, como tem acontecido em inúmeras cidades da América Latina. 19

O presente trabalho está estruturado em três partes e cinco capítulos. A primeira parte, intitulada: Turismo e patrimônio cultural: novos usos e sociabilidades, possui três capítulos. O primeiro: Relação turismo, patrimônio cultural e o processo de gentrificação na América Latina, aborda a relação que se estabelece entre turismo e patrimônio cultural, principalmente nos Centros Históricos da América Latina e como nestes espaços, onde o patrimônio é valorizado pelo turismo, são frequentes as afetações na dinâmica socioespacial dos moradores. Além disso, se abordam os conceitos de refuncionalização turística e de gentrificação, com a análise de três estudos de caso: Ciudad de México, Quito e Santiago de Chile. As cidades foram escolhidas pela tipicidade de cada um dos seus processos nos quais se analisaram a origem do processo, a trajetória, os atores envolvidos e as consequências dos deslocamentos originados. O segundo capítulo: O processo de valorização turística do patrimônio cultural no Centro Histórico de Havana Velha, Cuba; introduz o estudo de caso principal da pesquisa que é o Centro Histórico de Havana Velha, com sua história, localização, dados demográficos, entre outras caracterizações. Além disso, este capítulo apresenta a Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana (OHCH), instituição encarregada da preservação histórico-cultural nesta zona e a ampliação das suas funções ao setor turístico, assim como a declaratória do Centro Histórico e o sistema defensivo da cidade como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, em 1982. O terceiro e último capítulo desta primeira parte, denominado: Refuncionalização turística no Centro Histórico de Havana Velha, expõe as características do processo de refuncionalização na zona estudada e o papel das diferentes esferas do Estado cubano no mesmo. A segunda parte desta dissertação: A visão dos diferentes atores envolvidos no processo de valorização turística do patrimônio cultural no Centro Histórico de Havana Velha, consta de um único capítulo. Este está denominado: Refuncionalização e ressignificação do patrimônio cultural no Centro Histórico de Havana Velha: a visão dos diferentes atores envolvidos, e é o primeiro capítulo no qual se começam a analisar alguns dos resultados do trabalho de campo. O mesmo aborda o processo de recuperação atual do Centro, a significação do patrimônio cultural para a população local e as possibilidades de uso para os moradores deste espaço refuncionalizado para o turismo. A terceira, e última parte: Influência da abertura para o turismo na vida dos moradores tradicionais do Centro Histórico de Havana Velha, aborda o turismo como alternativa econômica, analisa com os dados obtidos no trabalho de campo o desenvolvimento turístico no Centro e os aspectos positivos e negativos que a abertura turística levou para a população local. Além disso, estuda as possibilidades de que no 20

Centro Histórico de Havana Velha esteja emergindo um caso de gentrificação e, finalmente, explica os desafios para o desenvolvimento local. Este capítulo finaliza as discussões propostas no trabalho demonstrando o cumprimento da hipótese proposta.

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O CAMINHO METODOLÓGICO No processo de pesquisa, para dar cumprimento aos objetivos propostos, se determinou realizar uma revisão bibliográfica que permitisse, primeiramente, uma análise teórica sobre a relação que existe entre turismo e patrimônio cultural, a partir da consolidação do turismo cultural como modalidade que procura colocar os turistas perto das diferentes expressões históricas de identidade. Se estudaram diversos autores ressaltando o fato da pesquisa estar orientada para o contexto da América Latina. Tais referências permitiram entender o processo do patrimônio histórico e cultural e da cidade, convertidos em produtos, na lógica do mercado capitalista, assim como a refuncionalização turística e a fragmentação espacial que acontecem nos centros históricos valorizados pelo turismo. Por ser um processo de reestruturação espacial que acontece nas cidades latinoamericanas, vinculado ao desenvolvimento turístico (PAES, 2017), como aponta a bibliografia estudada, foi analisada também a conceitualização da gentrificação e, num primeiro momento, as características do processo no Norte global, na década dos 1960. Esse estudo permitiu entender a definição de gentrificação, muito associada ao retorno da inversão de capital e das classes com maior poder econômico às áreas centrais da cidade, reincorporando estes centros ao mercado capitalista como um processo de segregação socioespacial tendo como base o poder econômico. Vários autores foram fundamentais para entender as especificidades desse fenômeno na América Latina, que possui características diferentes do modelo descrito nos primeiros casos dos países centrais e são próprias destes contextos, com diferenças marcadas de um caso a outro. Outra revisão bibliográfica foi muito útil para repensar o turismo, não só como um setor da economia, que gera conflitos financeiros, socioculturais, políticos e ambientais no espaço, mas também como uma possibilidade de desenvolvimento econômico para as populações locais, sempre que o seu bem estar seja respeitado, e como oportunidade para a conservação da riqueza cultural e histórica dos centros urbanos, se bem gerido. No segundo capítulo, procurou-se estudar o processo de resgate do patrimônio cultural do Centro Histórico de Havana Velha e como acontece a sua valorização pelo turismo. Vários textos ajudaram a compreender o papel da OHCH neste processo, como esta passa de uma instituição que procura preservar os valores patrimoniais, tangíveis e intangíveis do Centro Histórico de Havana Velha, para uma empresa que administra um sistema empresarial vinculado principalmente ao turismo, atividade que financia os trabalhos de recuperação. Na bibliografia estudada se destaca o interesse estatal por integrar 22

à população ao processo de transformação do Centro Histórico e por garantir a sua permanência na zona. Na investigação sobre a declaratória do Centro Histórico e o sistema defensivo da cidade como Patrimônio Cultural da Humanidade, foi muito útil também o acesso aos documentos no portal digital da UNESCO (2018). Na elaboração do terceiro capítulo procurou-se estudar o processo de refuncionalização turística no Centro Histórico de Havana Velha para isto também recorremos à bibliografia específicade modo a analisar o desenvolvimento do turismo em Cuba e as mudanças de usos dos prédios e do espaço a partir de 1990. Além disso, se produziram dois quadros que resumem a transformação de diversos imóveis em instituições turísticas (hotéis e restaurantes), a partir de informações de sites web como: Hoteles Habaguanex (2019), Holiplus (2019), D-Cuba (2019), Habana Radio (2019), Restaurantes en Cuba (2019) e Paseos por la Habana (2019). Se trabalhou com o Plan Especial de Desarrollo Integral do Plan Maestro (2016), que permitiu entender o processo de transformação do Centro Histórico como uma atividade ainda inacabada e em progresso. Também se realizou uma análise do papel do Estado neste processo no qual foram de muita utilidade os artículos do Acuerdo no. 2951 e da Resolución Conjunta de 1996, que demonstram o apoio do Estado para que o Centro Histórico de Havana Velha vire uma zona eminentemente turística. Na escrita do quarto capítulo que pertence a segunda parte deste trabalho: A visão dos diferentes atores envolvidos no processo de valorização turística do patrimônio cultural no Centro Histórico de Havana Velha, foram analisados dados do Rodríguez Alomá (2009, 2012) e o Plan Maestro (2016), para obter estatísticas referentes à população residente no Centro Histórico de Havana Velha (por sexo, idades, nível educacional), à densidade populacional nos diferentes períodos, o número de moradias, a população economicamente ativa, aos ocupados por tipo de atividade econômica e setor, salário médio mensal, entre outros temas de interesse que se determinaram no processo de pesquisa. Além disso, neste capítulo se abordam conceitos como significação e ressignificação do patrimônio cultural, e para compreender os mesmos foram estudados autores como: Leão (2009), Fernández et al. (2016) e Cordero e Meneses (2019), chegando a entender que a cidade, os seus bens edificados -patrimoniais ou não- e as suas tradições possuem usos e significados em determinados períodos de tempo, para grupos ou indivíduos, mas estes usos podem mudar e estas interpretações são susceptíveis portanto a sua ressignificação. Para a elaboração do capítulo cinco, pertencente à terceira e última parte do trabalho: As novas dinâmicas socioespaciais no Centro Histórico de Havana Velha, foram 23

estudados os textos de o Plan Maestro e Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana (2014) e o Plan Maestro (2016) para ter alguns dados sobre o desenvolvimento do turismo na zona de estudo, e os textos de Segre (1997), Nuñez Fernández e García Pleyán (2000), Scarpacci (2000), (Rodríguez Alomá, 2001), Leal (2004), Noguera (2004), Delgadillo (2015) e Prudente (2009) serviram para analisar se no Centro Histórico se presenta um caso de gentrificação e as suas características. Porém, para este capítulo e o anterior são de muito valor os resultados do trabalho de campo, analisados mais à frente. No referente à pesquisa documental, no trabalho de campo, realizado no Centro Histórico de Havana Velha, de agosto a setembro de 2018, se obtiveram na Empresa de Proyectos RESTAURA mapas e fotografias de Havana Velha em períodos anteriores. Também foram utilizados sites disponíveis na página da Oficina del Historiador de la Ciudad: Emisora Habana Radio, Habaguanex S.A, Revista Opus Habana e Plan Maestro. Os documentos obtidos nesses sites foram utilizados a partir do segundo capítulo. Os documentos da Emisora Habana Radio serviram para determinar os usos anteriores de várias edificações refuncionalizadas como hotéis e restaurantes. Habaguanex S.A permitiu obter informações sobre esta companhia turística. Na Revista Opus Habana se consultaram dentre outros artigos: Centrando una idea de intervención, de Inclán e Castillo (2012), sobre a refuncionalização do porto. No Plan Maestro se obtiveram textos fundamentais para o trabalho como Regulaciones. La Habana Vieja, Centro histórico (s/a), que disponibilizou várias leis sobre as regulações urbanísticas do Centro Histórico e o Plan Especial de Desarrollo Integral 2030 (2016), que facilita as projeções do trabalho até 2030. Além disso, se trabalhou com o repositório do Consejo Nacional de Patrimonio Cultural del Ministerio de Cultura que disponibiliza documentos que listam os Patrimônios Mundiais en Cuba, o Patrimônio Cultural da nação, os Monumentos Nacionais e o Patrimônio Imaterial, assim como as resoluções para seus reconhecimentos. No capítulo quatro foram utilizados estes documentos para conhecer as datas das declaratórias e comparar os bens materiais e imateriais percebidos como patrimônios pela população -não oficiais- e os nomeados e reconhecidos oficialmente. Além disso, se requereram dados que foram obtidos na pesquisa documental nos Anuários Estatísticos de Cuba, que fornece a Oficina Nacional de Estadísticas (ONE), para obter estatísticas referentes às cifras de turistas internacionais que visitaram Cuba entre 1990 e 2015 e no período 2015-2018. Estes dados permitiram elaborar o Quadro 18 e a Figura 71 do capítulo quatro. No repositório digital da UNESCO se obtiveram documentos referentes à declaratória do Centro Histórico de Havana Velha e seu sistema defensivo 24

como Patrimônio Cultural da Humanidade tais como: a Avaliação da Organização Consultora (ICOMOS), Documentos da Cooperação Financeira Internacional e da Assistência Técnica, os critérios para o reconhecimento e a lista das fortificações declaradas. Estes documentos foram de grande importância na elaboração do capítulo dois. Para os capítulos quatro e cinco tem muito valor a visão dos moradores tradicionais, dos trabalhadores estatais (não vinculados diretamente às atividades turística ou de recuperação do patrimônio), trabalhadores ou donos de negócios privados, atores dos centros de gestão do patrimônio e do turismo, no processo de valorização turística do Centro Histórico de Havana Velha é um ponto essencial, pois o trabalho procura analisar as contradições socioespaciais presentes desde a perspectiva destes atores envolvidos. Desta forma a elaboração destes capítulos depende em grande medida da análise das entrevistas semi-estruturadas realizadas no trabalho de campo no Centro Histórico de Havana Velha. O trabalho de campo se realizou no Centro Histórico de Havana, município de Havana Velha. Porém, por ser uma área muito extensa (2,14 km2), para selecionar as áreas de trabalho, se utilizou a divisão feita pelo Plan Maestro no processo de recuperação do Centro. A mesma consta de oito setores funcionais. Na figura 1, que é um mapa do Centro Histórico, se podem apreciar os oito setores funcionais, mas, as zonas estudadas são as que concentram o maior número de atividades terciárias, ou seja quatro setores funcionais:

T1: Catedral-Plaza Vieja: potencialidad para actividades turísticas y terciarias T2: Corredor Obispo-O'Reilly: potencialidad para actividades terciarias T3: Paseo del Prado: potencialidad para actividades turísticas y terciarias T4:Calle Muralla: potencialidad para actividades terciarias (SALINAS e ECHARRI, 2005, p. 177)

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Figura 1: Mapa dos oito setores funcionais do Centro Histórico de Havana Velha

FONTE: Elaborado por pela autora (2018) a partir de informações extraídas de SALINAS e ECHARRI

(2005)

Nestes setores se realizaram as entrevistas (Anexos A, B, C, D e E), a observação guiada (Anexo f) e o levantamento fotográfico previsto para o trabalho de campo, com a participação de diversos atores da sociedade. As entrevistas semi-estruturadas a moradores tradicionais, trabalhadores estatais (não vinculados diretamente às atividades turística ou de recuperação do patrimônio), trabalhadores ou donos de negócios privados, atores dos centros de gestão do patrimônio e do turismo tiveram como objetivo conhecer e dar voz a estes sujeitos, de modo de mapear a influência do uso do patrimônio cultural para o turismo na vida dos moradores tradicionais do Centro Histórico de Havana (Quadro 1).

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Quadro 1: Entrevistas Atores Descrição Centros, atividades e Entrevistas entrevistados comunidades às quais pertencem realizadas os atores entrevistados Moradores Pessoas que moram em algum Comunidades: Catedral-Plaza 5 locais dos quatro setores de estudo Vieja, Corredor Obispo-O'Reilly, Paseo del Prado ou Calle Muralla Trabalhadores Indivíduos que trabalham em Centros: Abaluarte, Biomédica, 4 Estatais alguma das empresas estatais Recursos Hidráulicos. dos setores de estudo (porém não trabalham nas empresas de patrimônio ou turismo) Trabalhadores Donos e trabalhadores de Atividades: Artesanato, Guía de 4 Privados negócios privados dos setores turismo, Restaurantes, Hostal. de estudo Atores dos Pessoas que trabalhem nos Centros: Gabinete de restauración 5 centros de centros de gestão do y conservación de Pintura de gestão do patrimônio caballete e Empresa de Proyectos patrimônio da Oficina del Historiador de la Ciudad, Plan Maestro Atores dos Pessoas que trabalhem nos Centros: Companhía Turística 4 centros de centros de gestão do turismo Habaguanex, S. A., Agencia de gestão do no Centro Histórico Viajes Amistur, Agencia de Viajes turismo Cubarama DMC, Grupo de Turismo Gaviota S.A. FONTE: Da autora (2018)

Foram entrevistados atores entre 19 e 79 anos. As entrevistas realizadas foram gravadas em áudio. Com o objetivo de garantir a liberdade de participação na pesquisa, cada pessoa que participou das entrevistas deu o seu consentimento no início da mesma para ser entrevistado e gravado. Além disso, se esclareceu que a participação era de forma voluntária e livre, sem obter nenhuma vantagem com isto. A pesquisadora se comprometeu a preservar os dados que possam identificar aos participantes para assegurar o bem-estar e a proteção dos indivíduos e a população com a qual se trabalha. As entrevistas foram transcritas e analisadas com a utilização do programa computacional ATLAS.ti. Esta ferramenta, criada para estudar dados qualitativos, auxilia na organização e interpretação dos dados. A amostra das entrevistas foi determinada de maneira aleatória, desta forma todas as pessoas que moram ou trabalham no Centro Histórico de Havana Velha tiveram a mesma possibilidade de fazer parte da pesquisa. Em relação às características esperadas da 27

amostra se deve sinalizar que as pessoas que participaram da pesquisa pertenciam a qualquer sexo, cor/raça, orientação sexual e identidade de gênero, classes e grupos sociais, pois estes fatores não são determinantes para os objetivos da mesma, mas se tentou buscar um equilíbrio no momento de selecionar os entrevistados no campo. Todos os sujeitos tiveram a mesma oportunidade de ser selecionados a partir de que tivessem mais de 18 anos. A observação guiada (Quadro 2) e o levantamento fotográfico (Quadro 3) procuraram determinar e registrar, respetivamente, as condições de vida da população (moradia, serviços, equipamentos públicos, entre outros), infraestrutura para o turismo (hotéis, restaurantes, centros noturnos, entre outros) e as características dos negócios privados da área, conforme sintetizado nos quadros a seguir:

Quadro 2: Observação guiada Objetivo Instalações e ruas nas quais se realizou a observação guiada Determinar as condições de Ruas: vida da população Setor 1: San Ignacio, Mercaderes, Teniente Rey e Muralla/ O’Reilly, (moradias) Empedrado, outros segmentos de San Ignacio e Mercaderes Setor 2: Obispo e O’Reilly Setor 3: Paseo del Prado (duas vias) Setor 4: Muralla Determinar as condições Ruas: dos equipamentos públicos Setor 1: San Ignacio, Mercaderes, Teniente Rey e Muralla/ O’Reilly, dos que dispõe a população Empedrado, outros segmentos de San Ignacio e Mercaderes local de cada setor Setor 2: Obispo e O’Reilly (escolas, hospitais, Setor 3: Paseo del Prado (duas vias) parques, entre outros) Setor 4: Muralla Determinar as condições Instalações: gerais de infraestrutura Setor 1: Restaurantes e bares: Cerveceria Plaza Vieja, Café Bohemia, estatal para o turismo Azúcar!!! Lounge&Bar, Café el Escorial, Santo Ángel, El Patio, La Bodeguita del Medio; Hotéis: Não tem presencia de hotéis neste setor Setor 2: Restaurantes e bares: Bar Floridita, Café Paris; Hotéis: Florida, Ambos Mundos, Santa Isabel, Hostel Marqués de Prado Ameno Setor 3: Restaurantes e bares: Cafeteria Prado Número 12, Havana Gourmet Restaurants, Restaurante Prado y Neptuno; Hotéis: Saratoga Havana; Hotel Inglaterra, Hotel Telégrafo, Hotel Iberostar Parque Central, Hotel Mercure Sevilla Setor 4: Restaurantes e bares: Mojito Mojito, La Vitrola; Hotéis: Não tem presencia de hotéis neste setor Entre outras que possam ser de interesse uma vez no campo Determinar as condições Instalações: gerais de infraestrutura Setor 1: Restaurantes e bares: Paladar Dona Eutimia, Paladar Galería 28

privada para o turismo Orozco; Hostels: Ana y Surama; Teniente Rey 16 Setor 2: Restaurantes e bares: Los Cocos, Café O’Reilly; Hostels: La puerta de Obispo, Hostal Obispo, Casa Particular Tres Hermanas, Hostal Gonzalez Setor 3: Restaurantes e bares: El Asturianito, Los Nardos, D’Lirios Bar Restaurante; Hostels: Casa Évora, Casa del Francés, Casa del científico, La terracita de Julio Setor 4: Restaurantes e bares: El Shamuskia’o, El Cubanito, Creperie Oasis Nelva; Hostels: Casa Laura y Rodney, Casa 6 Balcones, HavanaCasaParticular.com Entre outras FONTE: Da autora (2018)

Mesmo se tratando de muitas instalações, a realização da observação guiada resultou viável, pois, não se realizou uma observação guiada de cada instalação e sim do conjunto de instalações em geral dependendo do setor ao qual eles pertencem.

Quadro 3: Levantamento fotográfico Objetivo Instalações, centros, instituições, comunidades e ruas nas quais se realizará o levantamento fotográfico Demonstrar a ocupação de Dona Eutimia, D’Giovanni, Papa Ernesto, Café El Escorial, espaços públicos por restaurantes, Casa Victor, Bodegón Onda, Plaza Vieja, Casa del Ángel cafeterias e outros negócios Jacqueline Fumero, entre outros que foram encontrados no lucrativos campo Demonstrar as diferenças nas Restaurantes e cafeterias: instalações de serviços Instalações em CUP: (restaurantes, cafeterias, etc.) em Setor 1: Neste setor só existem instalações destinadas Peso Cubano (CUP) orientadas principalmente ao turismo principalmente para a população Setor 2: Soda Obispo, La lluvia de Oro nacional e Peso Cubano Setor 3: Prado 264 Convertível (CUC) destinadas Setor 4: - principalmente para o turismo1 Instalações em CUC:

1 Em Cuba existem duas moedas com as quais a população e os turistas podem realizar as transações: Peso Cubano (CUP) e Peso Cubano Convertível (CUC). Os trabalhadores estatais cubanos recebem a maior parte do salário em CUP, 24 o 25 CUP são equivalentes a 1 CUC. O salário mínimo mensal em Cuba é de 250 CUP (10 CUC) aproximadamente e segundo a Redacción Nacional de Granma Digital (2019) -jornal oficial cubano- em 2019 aumentará a 400 CUP (16 CUC). O CUC surge no Período Especial - crise da economia cubana na década de 1990 que será abordada no transcurso deste trabalho - como uma moeda cubana equivalente ao dólar estadunidense (1 CUC = 1 USD) com o objetivo de eliminar o excesso de liquidez em CUP (o país continuava pagando os salários aos trabalhadores, mas existia escassez de produtos para serem comprados), estabilizar a taxa de câmbio (chegou a ser 150 CUP por 1 USD) e servir como uma alternativa ao dólar para posteriormente desdolarizar a economia (FERNANDES E MARTINS, 2015). Porém, na troca de efetivo em Cuba de USD a CUC, é cobrada uma taxa de aproximadamente 10%, e não é possível trocar de USD a CUP diretamente, o dinheiro em USD deve ser trocado a CUC e de CUC a CUP. Atualmente, na maioria dos estabelecimentos comerciais, são aceitos tanto o CUP como o CUC, mas com USD - mesmo estando legalizado - não se realizam operações comerciais em instalações estatais, excepto a troca. Os 29

Setor 1: Neste setor só existem instalações destinadas principalmente ao turismo Setor 2: Bar Floridita, Café Paris, Los Cocos, Café O’Reilly Setor 3: Cafeteria Prado Número 12, Havana Gourmet Restaurants, Restaurante Prado y Neptuno, El Asturianito, Los Nardos, D’Lirios Bar Restaurante Setor 4: Mojito Mojito, La Vitrola, El Shamuskia’o, El Cubanito, Creperie Oasis Nelva Hotéis e negócios onde Atual Gran Hotel Manzana Kempinski La Habana - Antiga anteriormente existiam lugares Manzana de Gómez. que ofereciam serviços à Hotel Santa Isabel – Antiga Lonja de Víveres população, e vice-versa Analisar as diferenças entre as Moradias das Ruas: casas dos moradores tradicionais e Setor 1: San Ignacio, Mercaderes, Teniente Rey e Muralla/ as casa de aluguel para o turismo O’Reilly, Empedrado, outros segmentos de San Ignacio e Mercaderes Setor 2: Obispo e O’Reilly Setor 3: Paseo del Prado (duas vias) Setor 4: Muralla Casas de aluguel para o turismo: Setor 1: Ana y Surama; Teniente Rey 16 Setor 2: La puerta de Obispo, Hostal Obispo, Casa Particular Tres Hermanas, Hostal Gonzalez Setor 3: Casa Évora, Casa del Francés, Casa del científico, La terracita de Julio Setor 4: Casa Laura y Rodney, Casa 6 Balcones, HavanaCasaParticular.com Analisar as diferenças do estado Moradias e Ruas que estão em zonas de interesse turístico: de recuperação das casas e ruas, Setor 1: San Ignacio, Mercaderes, Teniente Rey e Muralla/ nas zonas turísticas e residenciais O’Reilly, Empedrado, outros segmentos de San Ignacio e Mercaderes Setor 2: Obispo e O’Reilly Setor 3: Paseo del Prado (duas vias) Setor 4: Muralla Moradias e Ruas que estão em zonas residenciais do Centro Histórico, que estão perto das zonas de interesse turístico: Ruas: Mercaderes, San Ignacio, Aguiar, Compostela, Colón, Trocadero Mostrar a sobrecarga turística em Praça Velha, Rua Obispo, Praça da Catedral, entre outros espaços públicos espaços. FONTE: Da autora (2018)

Assim, desde março de 2017, a pesquisa passou por diferentes etapas de revisão bibliográfica, pesquisa documental, desenho dos instrumentos que foram utilizados no

serviços turísticos possuem altos preços em CUC, e pela diferença na troca de CUP a CUC, se pode perceber a sua orientação ao turismo internacional. 30

trabalho de campo (entrevistas, guia de observação), o trabalho de campo e o processamento da informação recolhida no mesmo, passos que possibilitaram a elaboração desta dissertação.

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PRIMEIRA PARTE: TURISMO E PATRIMÔNIO CULTURAL: NOVOS USOS E SOCIABILIDADES 32

1. A RELAÇÃO ENTRE O TURISMO, O PATRIMÔNIO CULTURAL E O PROCESSO DE GENTRIFICAÇÃO NA AMÉRICA LATINA

1.1 TURISMO E PATRIMÔNIO CULTURAL O turismo, desde a sua consolidação como atividade comercial no século XX, se converteu em um dos principais motivadores de fluxos de pessoas, capitais e serviços do período contemporâneo (KATCHIKIAN, 2008). Nas últimas décadas, o crescente aumento dos deslocamentos para o lazer e a desvalorização dos destinos de turismo de massa fez com que surgissem modalidades turísticas que enfatizam o caráter formativo, o enriquecimento cultural e o compromisso com o meio ambiente, de modo a satisfazer as expectativas dos públicos mais diferenciados e exigentes (AYALA, 2009). Neste contexto, cresce a oferta e a demanda de produtos culturais, pois segundo dados da OMT, de 1997 a 2007 as cifras de viagens culturais aumentaram de 199 a 359 milhões, respectivamente. Se se tem em conta que a estimativa percentual que a OMT atribui a estes viagens é de 40%, então em 2018, 560 milhões de turistas se deslocaram por esta motivação. Se trata de uma cifra considerável devido a que se contabilizam únicamente os turistas internacionais (JULIÃO, 2013). Este tipo de viagem é motivada pela busca por compreender e apreciar as diferentes expressões de identidades culturais passadas e presentes (monumentos, museus, arquitetura, sítios arqueológicos, ritos, gastronomia, festivais, estilos de vida e manifestações artísticas tradicionais), e o seu desenvolvimento se deve ao interesse crescente de uma parte da população que possui recursos econômicos, disponibilidade de tempo e valoriza as expressões do passado. Esta modalidade possui importância quantitativa perceptível no aumento das cifras de destinos e de turistas; e qualitativa, pois para as elites sociais o turismo cultural é uma atividade sofisticada e que foge dos destinos tradicionais de turismo massivo (BERTONCELLO, 2009). Desta forma, a cultura vira um recurso ou uma matéria prima que é transformada pela indústria turística em produtos de interesse para o consumo de um turista que visa entrar em contato com as expressões do patrimônio dos povos. Em 1972, na Convenção de Patrimônio Mundial da UNESCO, a denominação de patrimônio histórico se altera para patrimônio cultural, entendido como: Os monumentos: Obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos de estruturas de carácter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; 33

Os conjuntos: Grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; Os locais de interesse: Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. (CONVENÇÃO PARA A PROTECÇÃO DO PATRIMÓNIO MUNDIAL, CULTURAL E NATURAL, 1972, s.p.)

Dez anos mais tarde, na declaração do México, a UNESCO definiria o patrimônio cultural como: “as obras de seus artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim como as criações anônimas, surgidas da alma popular, e o conjunto de valores que dão sentido à vida” (DECLARAÇÃO DE MÉXICO SOBRE AS POLÍTICAS CULTURAIS, 1982, p. 9). Apenas em 2003, na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, se reconhecem também os bens imateriais (práticas, saberes, habilidades) como parte do patrimônio. Segundo Toledo (2010, s.p.): Patrimônio cultural é a riqueza comum que nós herdamos como cidadãos, transmitida de geração em geração. Constitui a soma dos bens culturais de um povo. Ele conserva a memória do que fomos e somos, revela a nossa identidade. (...) Apresenta no seu conjunto, os resultados do processo histórico. Permite conferir a um povo a sua orientação, pressupostos básicos para que se reconheça como comunidade, inspirando valores, estimulando o exercício da cidadania, a partir de um lugar social e da continuidade do tempo.

A proteção do patrimônio passa a ser fundamental para salvaguardar a cultura dos povos, preservando não só “...os bens tangíveis como também os intangíveis, não só as manifestações artísticas, mas todo o fazer humano, e não só aquilo que representa a cultura das classes mais abastadas, mas também o que representa a cultura dos menos favorecidos...” (BARRETTO, 2000, p. 11). Além disso, é importante ressaltar que existem “bens materiais e imateriais autorizados por esferas públicas de poder e aqueles que possuem valor para atores locais, porém não foram eleitos como patrimônio por órgãos oficiais” (FACHINI, 2017, p. 43) . Então, se pode entender que os bens culturais valorizados pelos atores locais não são apenas os institucionalizados por organismos internacionais, como a UNESCO, ou nacionais e locais, embora o processo de patrimonialização selecione apenas parte desses bens para o registro ou tombamento, em uma esfera técnica, política, cultural e jurídica (PAES, 2009a). Para satisfazer a demanda de cultura, história e ambiente que na atualidade conforma o imaginário das sociedades ocidentais avançadas (URRY, 1996), o setor 34

turístico oferta o patrimônio cultural como parte de seus produtos, determinando uma relação direta entre ambos. Assim, fazer parte da Lista do Patrimônio Mundial se converte num ponto na mira dos governos, pela conotação, relevância e carga simbólica que confere esta nomeação, e como uma oportunidade no mercado, pois este fato está estreitamente relacionado à possibilidade de desenvolvimento do turismo cultural (FERNANDES, 2017). Muitos centros históricos coloniais, que preservam seus valores patrimoniais por terem sido descartados, por conta das suas possibilidades econômicas, localização geográfica ou de circunstâncias políticas e econômicas determinadas, e terem ficado fora da lógica modernizante do século XX, são restaurados e recolocados na maquinaria capitalista como produtos de alto valor cultural a serem consumidos pelos turistas (CASTILLO, 2010; PAES, 2012). Desde a década de 1990, na América Latina, nas antigas vilas, acontecem processos de refuncionalização turística mediante a renovação urbana2: os prédios, as vias e infraestrutura de estas cidades sofrem mudanças nos usos, funções e na aparência para se orientar à atividade turística (PAES, 2017). Para Sousa (2006, p. 525) refuncionalizar significa dar: “novos usos para formas espaciais preexistentes” e segundo Paes (2009) esta aquisição de novas funções é constante, como um meio para se adaptar às dinâmicas socioespaciais de cada época. Para esta autora: Este processo de refuncionalização tem sido acentuado na valorização turística de patrimônios culturais, sejam estes objetos, conjuntos paisagísticos ou práticas sociais. Nesse sentido, a refuncionalização é uma atribuição de novos valores e conteúdos às formas herdadas do passado, que refletem uma renovação das ideologias e dos universos simbólicos. (PAES, 2009a, s.p.)

Então, se pode entender que a refuncionalização turística consiste em dar novos usos turísticos ao patrimônio cultural, seja pela conversão de imóveis ou conjuntos, com valores patrimoniais, em equipamentos turísticos e de lazer como hotéis, restaurantes, cafés, lojas de souvenirs ou pela recriação de tradições locais espetacularizadas, a reprodução dos modos de vida de populações atrativas para o turismo, pois este processo não se limita aos bens materiais. Além disso, Paes (2012, p. 320) explica que a refuncionalização turísticas nos centros históricos: “(...) engloba inúmeros projetos de renovação urbana, tais como:

2 Processo de intervenção arquitectónica que procura adaptar bairros, quarteirões, conjuntos de prédios antigos a usos modernos, transformando a imagem das zonas (PICCINI, 2004). Segundo Silva Santos (s/a) alguns projetos deste tipo não consideram aspectos como a história e o patrimônio construído do lugar. Esta estratégia urbana busca levar: “nova vida ao centro das cidades” (SILVA SANTOS, s/a, p. 18), mas também pode gerar desigualdades, pois uma vez que estes espaços se revalorizam, a população local se vê forçada a se deslocar pelo aumento dos aluguéis, produtos e serviços, como será abordado no próximo subitem. 35

gentrificação, enobrecimento, reabilitação, requalificação, revitalização, entre outros.”. Assim, este processo acontece muito vinculado a outros processos espaciais nas cidades. No referente aos novos valores que são atribuídos ao patrimônio cultural com a sua refuncionalização, Fernandes (2017, p. 32) aponta que este processo: “(...) modifica a sua utilidade (valor de uso) e lhe atribui um poder de compra (valor de troca), impulsionando novas condições de produção do espaço urbano (...)”. Além da mudança no valor de uso, se transformam as relações e significados que as populações locais estabeleciam ou atribuiam, respectivamente, a estes bens carregados de “valor social” (KUPER e BERTONCELLO, 2008, p. 474). Fernandes (2017, p. 341) aponta para uma “redução narrativa da cidade”, uma vez que apenas o patrimônio eleito torna-se um recurso turístico, mas não todo o legado histórico das cidades. Apenas aquelas expressões identitárias, materiais ou imateriais, que podem ser convertidas em mercadoria de interesse para os consumidores são realçadas e incorporadas às rotas e aos circuitos turísticos. Não é o significado histórico o que vai garantir a preservação dos ritos, tradições ou a reconstrução dos monumentos e edificações, mas sim as possibilidades de comercialização ante a demanda turística. Nesse caso, é latente o risco da invenção e da produção de falsos históricos para o turismo (PROENÇA, 2004). Tal é o caso da campanha turística Auténtica Cuba, que promociona o destino objeto de estudo desta pesquisa, como um produto a ser vendido internacionalmente. Então, cabe se questionar novamente o valor relativo do patrimônio cultural, devido ao uso reiterado deste termo. Para Paes (2012, p. 320): (…) definir o que é legítimo ou autêntico no patrimônio cultural arquitetônico tornou-se um recurso discursivo com baixa credibilidade, afinal, onde está o valor da memória que se quer preservar? Nos materiais e nas técnicas originais com os quais as edificações foram erguidas? Na estética que representou o belo em período histórico pretérito? Na história social que deu conteúdo, sentido e função às formas remanescentes? Ou seria os valores do presente o sujeito que elege determinadas formas como representativas do passado? E aqui referimo-nos aos homens, com suas escolhas, hierarquias, seus valores institucionalizados em comissões, Conselhos, suas ações e suas normas para decretar o que deve ser preservado - tombado - e o que pode ser esquecido (...)

Se, segundo Toledo (2010, s.p.): “(…) patrimônio cultural é a riqueza comum que nós herdamos como cidadãos (...)”, então, a participação cidadã é fundamental na hora de tomar esta decisão, embora na maior parte das vezes, ela seja excluída ficando em mãos do Estado e das empresas privadas determinar o que pode ser atrativo para o mercado turístico. Assim, começa a cenarização dos sítios urbanos históricos, e a criação de cidades onde o que importa é a imagem e beleza da mercadoria sobre o verdadeiro significado cultural, histórico e social que fica registrado na paisagem (PAES, 2012). 36

Nesse mesmo sentido, segundo Choay (2001, p. 225), se reconstroem cidades que se repetem em formas, vias, cores: (...) estereótipos do pitoresco urbano: alamedas, pracinhas, ruas, galerias para pedestres, pavimentação ou lajeados à antiga, guarnecidos de mobiliário industrializado standard (candelabros, bancos, cestinhos de lixo, telefones públicos) de estilo antigo ou não, alegrados, de acordo com o espaço disponível, com esculturas contemporâneas, chafarizes, vasos rústicos de flores e arbustos internacionais; estereótipos do lazer urbano – cafés ao ar livre com mobiliário adequado, barracas de artesãos, galerias de arte, lojas de objetos usados e ainda, sempre, por toda parte, sob todas as suas formas (regional, exótica, industrial), o restaurante (…)

Se recriam maquetes “perfeitas” para o desfrute turístico, mas cidades repetitivas, para quem conhece uma muito bem tem a sensação de que já viu todas. Esta ideia de reconstrução padronizada perde de vista um elemento diferenciador de cada paisagem: as populações tradicionais e as relações que nesses espaços se produzem. Por outro lado, os recursos históricos melhor conservados, aceitos como mais notórios e, portanto, prováveis de serem reconhecidos como patrimônio, são sobretudo os que pertenceram às elites sociais. A cultura e os registros materiais dos desfavorecidos passaram desapercebidos por muito tempo, ganhando relevância apenas nas últimas décadas. Como aponta Paes (2005, p. 96): (…) os bens culturais tombados como patrimônio representam, tradicionalmente, os grupos sociais hegemônicos (a arquitetura colonial, os palácios, as pirâmides, as igrejas, entre outros). Só recentemente os artefatos e os bens simbólicos da cultura popular (as vilas operárias, o artesanato, as tradições imateriais) ganharam prestígio de patrimônio cultural(...)

O poder é um elemento chave na relação turismo e patrimônio cultural. Primeiramente, os bens materiais que recebemos como herança e que pareceram ter maior relevância simbólica são os das classes dominantes. Quem determina o que deve ser preservado e patrimonializado é o governo, as empresas privadas e as instituições que, em muitos casos, respondem aos interesses dos primeiros. Por último, o desfrute desse patrimônio está reservado aos grupos e classes sociais com poder econômico para chegar até eles e pagar pelo consumo destes recursos sociais. É no poder econômico da população local, ou na falta deste, e na possibilidade de poder fazer parte da cidade, que se recria para o turismo, onde radica o principal problema nesta relação turismo e patrimônio cultural. Primeiramente, se se analisa cuidadosamente, a refuncionalização turística pode ser entendida como um processo natural, já que a sociedade está em constante mudança e os bens que ela utiliza para o desenvolvimento da sua vida assumem novas formas (SANTOS, 1996); por outro lado, a indústria turística privilegia os recursos econômicos; então, na maioria dos casos ela é 37

orientada por uma lógica de mercado e não pelos interesses da população local. O problema é a segregação socioespacial que se produz nestas cidades recriadas para o consumo turístico (LUCHIARI, 2005). Nas cidades onde o patrimônio é valorizado pelo turismo, são frequentes as interferências na dinâmica socioespacial dos moradores. O espaço público se converte num lugar de espetáculo onde cabem os consumidores do lazer, a diversão e os serviços do consumo cultural e se excluem os moradores tradicionais. Os usos e sentidos do patrimônio mudam (PROENÇA, 2004). As tradições, desde a vestimenta até o jeito de se relacionar na sociedade, são transformadas. Os receptores podem ser vistos simplesmente como objetos (patrimonializados) (BERTONCELLO, 2009) ou como prestadores de serviços (MATÍAS, 2009). Segundo Sotratti (2005, p. 44): “A cidade deixa de ser a materialização de relações sociais locais para demonstrar comportamentos socioculturais globalizados e associados à modernidade e ao consumo”. O Presidente do II Congresso Internacional celebrado no ano 1985 em Basileia, Suíça, sobre conservação Arquitetônica e Planejamento Urbano, manifestou no seu informe que: En algunos países, especialmente algunos en desarrollo, los beneficios del turismo han resultado ilusorios. Se han quebrantado patrones culturales y sociales, el consumo por parte de los turistas de recursos que escasean ha ido en desventaja de la población, el carácter y la identidad local han sufrido (CASTILLO, 2010, p. 2).

O desenvolvimento do turismo cultural não garante que os bens culturais sejam desfrutados pelas populações locais, é apenas “(...) uma via ou estratégia parcial de colocar o patrimônio a disposição de todos, pois só uma parte limitada da sociedade pode praticar turismo” (BERTONCELLO, 2009, p. 38), já que, para praticá-lo são necessários recursos econômicos. Do mesmo modo, os resultados econômicos obtidos no desenvolvimento do turismo cultural não retornam para a população de forma equitativa. Os atores sociais com maiores recursos e as empresas privadas com o capital disponível para ser investido, recebem um maior benefício. Ambos vêem na cidade uma empresa (VAINER, 2002), e no seu patrimônio um recurso do qual dispõem para satisfazer ao mercado e recuperar seus investimentos. Os Centros Históricos refuncionalizados para o turismo viram o lugar de conflito entre os atores privados, o governo, os moradores tradicionais e as empresas extranjeras. Os primeiros vem a possibilidade de investir na cidade e nos serviços para 38

obter um lucro significativo. O governo planeja uma cidade embelezada, revitalizada e segura, mas, excludente através de políticas urbanas neoliberais e pró empresariais (DELGADILLO, 2016). A população mais pobre é criminalizada e desalojada e seus bairros dedicados a negócios imobiliários e ao lazer dos consumidores. Mullins (1994) aponta que aparece uma pequena burguesía vinculada à indústria turística, mas esta não aparece das classes mais despossuídas, o que reestrutura as classes sociais na cidade refuncionalizada e aumenta as diferenças. Além disso, as empresas estrangeiras encaminham o ganho derivado da atividade turística para fora do país (CASTILLO, 2010). Uma vez que o setor turístico se apodera “(…) de las estructuras físicas y de los espacios de vida de los habitantes tradicionales para desarrollar sus actividades, expulsandolos; (…) desposee a los residentes de un género de vida histórico con la finalidad de acumular experiencias nuevas para su propia cotidianidad” (HIERNAUX e GONZÁLEZ, 2014, p. 65). Se pode pensar, então, que a valorização turística do patrimônio e o resgate dos centros urbanos esquecidos, quando exclui aos moradores tradicionais e converte estes espaços em zonas das elites sociais e dos turistas, cede passo a processos de gentrificação, num modelo diferente do tradicional europeu, mas coerente com suas definições, particularmente as relacionadas às remoções de populações pobres (PAES, 2009; HIERNAUX e GONZÁLEZ, 2014; ALEXANDRI ET AL., 2016; DELGADILLO, 2016; JANOSCHKA, 2016) que será analisado no próximo subitem.

1.2 GENTRIFICAÇÃO E AS SUAS CARACTERÍSTICAS NA AMÉRICA LATINA A gentrificação é um processo que se iniciou entre os anos 1960 e 1970 nos centros urbanos europeus e norteamericanos que tinham sido abandonados e desatendidos por décadas, e se converteram nos lugares de moradia das classes sociais mais pobres. O termo foi introduzido pela socióloga Ruth Glass, para quem, que segundo Slater (2011, p. 571), gentrificação engloba: (…) as desigualdades de classe e injustiças criadas pelos mercados de terras urbanas e as políticas capitalistas. O aumento do custo da casa para as famílias de baixa renda e da classe trabalhadora e as catástrofes pessoais de deslocamento, expulsão e falta de moradia, são sintomas de um conjunto de arranjos institucionais (direitos de propriedade privada e livre mercado) que favoreçam a criação de ambientes urbanos para atender às necessidades de acumulação de capital em detrimento das necessidades sociais de casa, comunidade, família (...)

Segundo Smith (2012), uma vez que se produziu a reinversão necessária nestes centros urbanos, o valor do solo aumentou, e teve uma substituição dos moradores tradicionais destes bairros, de baixa renda, por uma população das classes médias e altas da 39

sociedade. A gentrificação, nestes primeiros anos em Europa e Estados Unidos, consistiu no retorno da população com maior renda aos centros esquecidos, foi uma tentativa de apagar o passado de miséria destas zonas, substituir velhos e pobres prédios por casarões luxuosos, “(...) si no se demuele el pasado completamente, al menos se reinventa -frotando suavemente sus contornos de clase y raza- en la renovación de un pasado agradable.” (SMITH, 2012, p. 67). A gentrificação se caracterizou por ser uma luta pelo poder na cidade renovada (SMITH, 2012). De igual modo, Sassen (1991, p. 255) aponta que a gentrificação está vinculada a “(…) processos de reestruturação espacial, econômica e social(...)”. Na análises destes processos de gentrificação europeus e norteamericanos, Mendoza (2016) perfila três agentes gentrificadores: o governo, o mercado e os novos donos. O governo é o principal agente na reestruturação urbana, estabelece as políticas públicas que beneficiam as empresas imobiliárias e dinamiza as áreas centrais e pericentrais. O mercado investe capital no solo a partir da construção de imóveis, de maior padrão, e obtém consideráveis ganhos, com a brecha de preços no aluguel ou venda de imóveis que se produz a partir da substituição de classes nestes espaços. Os novos donos mudam as relações socioespaciais nestas áreas urbanas (MENDOZA, 2016). De acordo com os autores estudados, a gentrificação se pode compreender como o retorno da inversão de capital e das classes com maior poder econômico às áreas centrais da cidade. Este capital transforma a paisagem urbana: as velhas e descuidadas áreas industriais se transformam em zonas residenciais embelezadas (MENDOZA, 2016), o que aumenta o valor do solo e marca o reincorporação destes centros ao mercado capitalista. O aumento do custo da vida e a chegada dos novos grupos sociais que estabelecem sociabilidades diferentes, excluem os moradores tradicionais que se transferem para outras zonas menos valorizadas. Este retorno não está marcado pela integração das classes e sim, pela fragmentação do espaço (MENDOZA, 2016). Segundo López Morales (2016), alguns autores como Maloutas (2011), Betancur (2014) o Ghertner (2015), ao estudarem a gentrificação coincidem na afirmação de que o conceito não descreve o fenômeno na escala planetária devido à: “(…) inaplicabilidad de las variables que supuestamente caracterizan el fenómeno en lugares que no sean del hemisferio norte (...) sostienen asimismo que la gentrificación se circunscribe a un momento particular post-industrial, en el norte global(...)” (LÓPEZ MORALES, 2016, p. 221). Porém, López Morales (2016) explica que não se pode rejeitar este concepto só porque algumas expressões atuais, e no Sul, não são réplicas do modelo descrito nos 40

primeiros casos na Inglaterra. “La gentrificación asume también diversas manifestaciones sociales y físicas dependiendo del contexto, pero siempre con el efecto de producir desplazamiento o exclusión desde el centro urbano de los segmentos sociales más bajos (...)”(LÓPEZ MORALES, 2016, p. 221). Na presente pesquisa se assume que o conceito de gentrificação engloba os processos de reestruturação urbana que acontecem na América Latina na atualidade, como sustentam Hiernaux e González (2014), Alexandri et al. (2016), Delgadillo (2016), Janoschka (2016) e Paes (2017), fazendo o paréntesis de que mesmo na América Latina existem diferentes manifestações deste processo. Segundo Paes (2009), a gentrificação se manifesta na América Latina a partir da década de 1990 e “(...) tem se apresentado muito mais como uma recuperação do centro para atividades culturais, de visitação, de lazer e de turismo, do que como o retorno das classes médias e das elites para fins residenciais, como ocorreu nos países centrais” (PAES, 2009, p. 16). Então, se pode afirmar que a valorização turística dos centros históricos e do seu patrimônio edificado, está muito relacionada aos processos atuais de gentrificação no Sul do continente. Como para o capitalismo não pode existir “(…) nenhum uso cultural, nenhum sentimento sobre a natureza, nenhum desejo de conhecer outros lugares, sem colocar em cada um dos produtos desses derivados um valor econômico(...)” (PAES, 2017, p. 679), os seus atores (os governos, as empresas privadas, os agentes turísticos) percebem a possibilidade de converter a cidade e os seus valores patrimoniais em um produto que seja consumido pelos públicos interessados na cultura e com o poder adquisitivo necessário para desfrutá-lo. A base econômica das cidades passa da indústria ao desenvolvimento dos serviços e da indústria cultural (DELGADILLO, 2016). Nesse processo de mercantilização da cidade a sua imagem deve mudar. Assim, as descuidadas áreas centrais e pericentrais, que tinham acolhido a marginalidade por décadas, são renovadas para atividades de comércio, lazer e turismo, como acontece nos casos dos centros históricos de Ciudad de México (DELGADILLO, 2015) e Lima (CASTILLO, 2015). Nestas cidades, as políticas se orientam a melhorar a trama urbana através de investimentos no patrimônio arquitetônico e nos espaços públicos, na refuncionalização de prédios para funções culturais, de lazer ou habitação dos novos moradores e na recuperação das fachadas para mudar a imagem (HIERNAUX e GONZÁLEZ, 2014); à privatização de serviços públicos e da infraestrutura, em mega projetos urbanos (ALEXANDRI ET AL., 2016); e na promoção de eventos culturais (CASTILLO, 2015). 41

Se se trata de mudar a visual desses bairros, as populações de baixa renda não combinam com o cenário de cidade modelo para a visitação e o consumo. Estas estratégias procuram estabelecer “perímetros seguros” (mediante câmaras, agentes de seguridade, forças do ordem público) que trazem, conjuntamente, a apropriação privada dos espaços públicos pela delimitação das áreas comuns e da fragmentação da sociedade (PROENÇA, 2004). Neste processo, com um fundo classista e segregador, os moradores tradicionais são expulsos do espaço público espetacularizado. Segundo Alexandri et al. (2016) este processo está muito marcado pela violência, tanto na: (…) re-apropiación del patrimonio cultural y arquitectónico; la violencia en la expulsión de las actividades informales que sirven para “limpiar y desinfectar” la ciudad y formalizar el control sobre las nuevas formas de urbanidad que emergen; la violencia del papel de las diferentes formas de capital (bienes raíces, comercial, simbólica) de reconfiguración urbana y el papel activo y decisivo que juegan los procesos de inversión de bienes inmobiliarios(…) (ALEXANDRI ET AL., 2016, p. 12)

Muitos pesquisadores latinoamericanos tem procurado definir este processo e, mesmo não existindo uma definição única, alguns dos autores analisados (HIERNAUX e GONZÁLEZ, 2014; ALEXANDRI ET AL., 2016; JANOSCHKA, 2016) coincidem no fato de que este está vinculado essencialmente ao deslocamento ou remoção da população pobre das áreas centrais pelos interesses do mercado capitalista que exclui os cidadãos que não têm poder aquisitivo para garantir o desfrute da cidade e do seu patrimônio convertidos em mercadorias como acontece nos casos de Cartagena de Indias (POSSO, 2015), Salvador, na Bahia (DÍAZ, 2015), Recife, em Pernambuco (PROENÇA, 2004) e Ciudad de México (DELGADILLO, 2015). Para Alexandri et al. (2016, s.p.) é: (...) la mercantilización del espacio público y la creación de nuevos espacios urbanos, exclusivos para el consumo de las élites en el que las poblaciones excedentes con valor de mercado insuficiente (...) han de ser expulsados en sigilo o por la fuerza...La gentrificación, por lo tanto, genera nuevos patrones de segregación socio-espacial en sociedades que ya son desiguales, reagrupando a la población en base a sus ingresos, así como a la identidad social.

É importante assinalar que, como apontam Alexandri et al. (2016), não em todos os casos os deslocamentos da população acontecem pela força, pois em alguns casos os moradores saem de suas casas pacificamente, pois existem promessas governamentais de relocação que nem sempre são cumpridas, como é o caso do bairro de Chambacú, em Cartagena de Indias, descrito por Posso (2015). Janoschka (2016, s.p.) aponta que: “La gentrificación consiste en un proceso territorial que es el resultado de ensamblajes económicos y políticos específicos y que 42

provoca procesos de acumulación por desposesión mediante el desplazamiento y la expulsión de hogares de menores ingresos”. Os processos de renovação urbana e valorização, turística ou imobiliária, que acontecem em determinadas zonas e que terminam transformando a estrutura social dos bairros, estão muito relacionados com os interesses econômicos e políticos dos ciclos de governo locais. Segundo López Morales (2016): La gentrificación no se trata sólo de brechas de renta de suelo incrementadas, sino que se trata de la pérdida de valor de uso en el espacio, así como la denegación del derecho de uso de determinados espacios para la reproducción social de las capas sociales más bajas, en cuanto el valor de cambio de esa tierra aumenta hasta el punto de que cualquier otro valor consideración se vuelve irrelevante para aquellos que toman decisiones unilaterales sobre el desarrollo de la ciudad. (LÓPEZ MORALES, 2016, p. 235)

Esta é uma reflexão muito interessante, pois nos usos e nas relações sociais que se estabeleciam nesse espaço, agora reestruturado, radicava um dos seus valores patrimoniais. A imagem tradicional dos bairros e as suas sociabilidades são apagadas, pois a renovação urbana elimina os usos sociais anteriores do espaço público, tais como o comércio ambulante, os moradores de rua e a prostituição, para criar uma ambiência mais adequada ao o turismo e à classe média. Nos casos de Cartagena de Indias, Lima e Bogotá, onde acontecem casos de gentrificação pela valorização do patrimônio os problemas sociais não se erradicam como resultado da intervenção urbana, eles são deslocados para fora da zona turística e de interesse para o capital imobiliário (DÍAZ, 2015). Na cidade espetacularizada para o consumo não existe espaço para as classes sociais mais pobres. Elas são removidas de maneira direta, com desocupações forçadas, ou, indiretamente, pelo aumento do custo de vida ou mesmo pela perda da identidade com o lugar. Também, se podem dar casos de abandono especulativo, por megaprojetos, projetos militares ou como resultado das ações de atores urbanos ou culturais locais. Estes últimos tombam determinadas áreas ou bens patrimoniais e o valor do solo no entorno destes recursos aumenta, podendo chegar à remoção da população de baixa renda (ALEXANDRI ET AL., 2016). Esta obrigação ao deslocamento é uma injustiça social que legitima o direito e o pertencimento à centralidade da cidade de um segmento da sociedade escolhido pelo poder econômico e político. Para Blanco e Apaolaza (2016), na América Latina, estas populações expulsas não só perdem o direito a seu espaço tradicional e à centralidade, como são deslocadas para as periferias com alta privação material, precariedade urbana e vulnerabilidade ambiental. Os interesses econômicos e políticos e não o bem estar social dos antigos moradores dominam o espaço. 43

Na exclusão das populações tradicionais e das suas práticas nos bairros centrais recuperados está uma das características fundamentais da gentrificação latinoamericana, segundo Delgadillo (2016). Para este autor, as políticas que garantem a revalorização material e simbólica do patrimônio cultural estão indissoluvelmente ligadas à remoção dos moradores. É como se a presença deles no centro impedisse o sucesso destas áreas para o mercado. A figura 2 mostra um cartaz de protesto colocado em um prédio residencial do Centro Histórico da Ciudad de México no qual a população defende o direito dos moradores tradicionais e do comércio local a permanecer na zona revalorizada.

Figura 2: Cartaz de protesto dos dos moradores do Centro Histórico de Ciudad de México, 2019

FONTE: https://mundo.sputniknews.com/reportajes/201905161087279559-gentrificacion-ciudad-mexico- inmobiliarias-derecho-tanto/

A outra característica que destaca Delgadillo (2016) está relacionada ao aumento do interesse dos governos e as administrações locais de retornar ao controle dos espaços centrais, devido ao potencial econômico destas zonas e de como as políticas urbanas neoliberais e pró-empresariais favorecem os investimentos e desenvolvimento das empresas privadas. Os governos viram agentes gentrificadores, pois adoptam medidas para criar uma “cidade sustentável” e renovada, onde o pertencimento está associado à possibilidade de consumo, e se expulsa e criminaliza aos moradores pobres, ou seja, as políticas públicas estão desenhadas para beneficiar aos grupos econômicos e os políticos mais poderosos. Então, se na análise dos processos de gentrificação europeus e norteamericanos, se tinha determinado que, segundo Mendoza (2016), existiam três agentes gentrificadores: 44

o governo, o mercado e os novos donos, nos casos latinoamericanos, estes três atores continuam a ser grupos gentrificadores sendo as classes altas em menor medida. Porém, Hiernaux e Gonzalez (2014) identificam um novo agente, pensando ao turista como gentrificador. Se trata de entender ao turista como “habitante de los centros históricos” (HIERNAUX e GONZÁLEZ, 2014, p. 63), pois eles ocupam o espaço e o habitam por um período de tempo, e mesmo se não são sempre os mesmos indivíduos/turistas que vivem nos centros das cidades, a permanência destes e o consumo dos serviços, os novos equipamentos, o domínio dos espaços públicos e as novas sociabilidades geram os mesmos conflitos, devido a uma apropriação do espaço central da cidade por agentes externos. Um exemplo desta apropriação dos turistas das áreas centrais e históricas é o caso dos apartamentos e casas colocados no site Airbnb para serem alugados, pois em muitos casos a população residente sai das suas casas centrais para áreas distantes na cidade para arrendar suas moradias localizadas perto das zonas valorizadas pelo turismo. De qualquer modo, mesmo que estas sejam características da gentrificação na América Latina, cada caso tem as suas próprias singularidades. Nos próximos itens serão analisados três estudos de caso: Ciudad de México, Quito e Santiago de Chile. As cidades foram escolhidas pela tipicidade de cada um dos seus processos nos quais se analisaram a sua origem, trajetória, atores envolvidos e as consequências dos deslocamentos originados.

1.2.1 Ciudad de México: o “blanqueamiento” do Centro Segundo Delgadillo (2016), a zona central da Ciudad de México se caracterizava, até a década dos 1990, por ser um área de indústrias obsoletas que abrigava as classes populares. Os seus espaços “(…) relativamente despoblados, bien comunicados y declarados “decadentes” por las autoridades (...)” (DELGADILLO, 2016, p. 101), que possuíam excepcionais valores históricos e culturais, seriam transformados em lugares de consumo das classes com maiores ingressos e dos turistas. Para Janoschka (2016), na Ciudad de México o processo de gentrificação está ligado ao interesse por preservar o centro histórico e o seus bens patrimoniais. Com a revalorização pelos investimentos públicos e privados neste espaço central, muitos prédios restaurados adquiriram novas funções vinculadas principalmente ao turismo e os serviços, o lazer ou à indústria cultural, mas também em alguns casos à venda ou ao aluguel para novos residentes. Com a modificação da imagem urbana deste espaço que pertencia anteriormente às classes média e populares, o perfil da população começa a mudar, pois os moradores de baixa renda e os vendedores ambulantes não eram mais compatíveis com a 45

cidade reestruturada para o consumo. Se tratava da preservação da cidade e do patrimônio cultural, mas só para um segmento da população. Janoschka (2016) aponta que, mesmo com alguns moradores tradicionais permanecendo na área, o processo de deslocamento começou e tratou da “desposesión del patrimonio arquitectónico” (JANOSCHKA, 2016, p. 47) e seria válido complementar: da centralidade. Segundo López Morales (2016) quando os bairros centrais se tornam estratégicos muitas moradias informais são reemplazadas por regimes formais de propriedade. Delgadillo (2016) explica que a partir do 2000, mesmo se muitas pessoas de baixos ingressos abandonaram o centro para ir morar de maneira informal na periferia, o governo e as empresas privadas organizaram um plano para acelerar e cobrir este processo de despossessão na área central. A estratégia consistia na construção de moradias na periferia. Casas muito pequenas, distantes e de péssima qualidade, mas com um preço razoável para as classes populares, fato que levou a mudança de muitos, pois os bairros centrais estavam se tornando caros e cada vez podiam se identificar menos com os mesmos. Assim, a cada ano mais de cem mil pessoas abandonam a Ciudad de México pelos altos custos do solo e dos serviços (DELGADILLO, 2016). Se criou assim uma cidade segregada em função da renda. Segundo Delgadillo (2016), enquanto isto acontecia, o Gobierno del Distrito Federal (GDF) traçou uma política de desenvolvimento urbano que propunha aproveitar a cidade construída e frear a expansão urbana para proteger as áreas de preservação ecológica. Discurso ambíguo este, pois, por um lado, conscientizava sobre a necessidade de limitar a expansão da cidade, mas, por outro, construía casas para os “ruídos visuais” (PROENÇA, 2004) na periferia. A centralidade seria aproveitada, mas por determinados segmentos da população com a possibilidade de pagar os altos preços da moradia no centro. Para levar a frente esta estratégia se estabeleceram: (…) restricciones urbanísticas, programas habitacionales, la rehabilitación de un selecto patrimonio histórico y acciones en ciertos espacios públicos. Así, selectas áreas urbanas centrales han sido revalorizadas en términos simbólicos y materiales: se han elevado los precios del suelo y los costos de las viviendas (...) (DELGADILLO, 2016, p. 111)

Com diferentes governos e mandatos, e com os mais diversos slogans (Bando 2, Desarrollo urbano sustentable, Ciudad compacta) a ideia era: repovoar o centro com determinados estratos econômicos, “recuperar” o espaço público para determinadas atividades -nada de vendedores ambulantes-, melhorar o transporte e os serviços para os novos usuários do espaço, incentivar o desenvolvimento econômico e social e recuperar o 46

patrimônio cultural, herança da humanidade a que poucos têm acesso (DELGADILLO, 2016). Embora os projetos destacassem a importância da preservação do patrimônio, este se encontrava no território valorizado pelo capital na Ciudad de México, o que levaria a violação da legislação, pois muitos atores econômicos privados destruiriam construções patrimoniais e substituiriam estas por altos e novos prédios, ou se restringiriam à conservação exclusiva da fachada (DELGADILLO, 2016) López Morales (2016) afirma que, para Sergio González, um ativista contra a especulação imobiliária da Ciudad de México, a gentrificação nesta cidade é um processo de “blanqueamiento”. A nova população é branca, os seus gostos estéticos levaram a pintar de branco as fachadas e interiores de muitos prédios e existe um branqueamento de capitais com os investimentos em imóveis e solo. A figura 3 mostra novas construções de moradias na zona central, prédios brancos que motivam a iniciar um novo estilo de vida e sem dúvida, os preços de compra ou aluguel desses investimentos excluem aos moradores tradicionais da zona de baixa renda e impulsionam a chegada de outros grupos sociais de maior poder econômico.

Figura 3: Novos prédios residenciais no Centro Histórico de Ciudad México

FONTE: http://revistainvi.uchile.cl/index.php/INVI/article/view/1088/1315

Para manter esta cidade branca, elitista e fragmentada se cria um sistema de segurança contínua para o centro, com vigilância reforçada por câmeras e policiais; se deslocam as formas de comércio informais (vendedores ambulantes), se reordena o trânsito de veículos e se recuperam espaços públicos (JANOSCHKA, 2016). 47

Para Delgadillo (2016), no caso de Ciudad de México, os agentes gentrificadores são os atores públicos e privados que modificam o futuro dos bairros e do centro, pois o que marca a situação não é tanto a chegada de determinados grupos, mas o investimento de capital por ambos atores. Janoschka (2016) explica que este capital acha o modo solapado de expropriar a centralidade às classes populares, para prepará-lo para o consumo dos turistas e das populações não residentes. No processo de gentrificação na Ciudad de México coexistem a revalorização de selectos espaços e do patrimônio e a chegada de novos estratos sociais, residentes ou não, ao centro, motivados pelas mudanças na paisagem que os investimentos públicos e privados promovem. Este processo se caracteriza pelo aumento do valor do solo, da moradia e dos serviços e, portanto, da expulsão discreta da população pobre e mestiça à periferia.

1.2.2 Sem retorno ao centro de Quito No início do século XX a cidade de Quito era apenas o que hoje se conhece como o seu Centro Histórico e que, atualmente, é só um pequeno setor de toda a cidade. Porém, sem dúvidas, se trata do segmento com o maior número de bens históricos e culturais: 320ha² que guardam um bem cuidado conjunto arquitetônico colonial (CEVALLOS-ARAÚZ, 2018). Segundo Paes (2017), este Centro Histórico foi o primeiro a ser declarado Patrimônio Cultural da Humanidade, em 1978, e é um lugar vivo, pois além da conservação de museus, praças, igrejas e prédios históricos, a população está presente na dinâmica socioespacial cotidiana com as suas tradições e o seu comércio. As políticas urbanas da cidade de Quito tem promovido a renovação urbana no Centro Histórico, com o fim de preservar o seu patrimônio cultural e desenvolver o turismo nesta área (MARTÍ-COSTA, DURÁN e MARULANDA, 2016). Mesmo quando esta zona recebe aproximadamente 1107400 turistas nacionais e estrangeiros por ano (LA ACTUALIDAD, 2018), e existe uma reinversão do capital no centro que tem provocado o deslocamento dos moradores tradicionais de baixa renda, as classes médias e altas não tem retornado a este espaço (SANTILLÁN, 2015). Então, a diferença da Ciudad de México e da maioria dos casos da América Latina, em Quito não se produz uma “(...) vuelta al centro, sino fundamentalmente procesos de colonización de nuevas áreas periféricas(...)” (MARTÍ- COSTA, DURÁN e MARULANDA, 2016, p.132) pelas classes com maior poder econômico. Mas, ainda que não aconteça um caso de gentrificação tradicional no Centro Histórico de Quito, esse risco não deixa de existir. 48

Janoschka (2016) analisa dois bairros rurais da periferia de Quito: Cumbayá e Calderón. Estes bairros se dedicavam a atividades industriais e agrícolas e sua população estava composta pelas classes populares, que foram substituídas, no primeiro caso, por um espaço habitacional para a classe alta e, no segundo, a partir do investimento público na construção de um aeroporto internacional na zona, tem sido objeto de interesse para desenvolver novos projetos com capital público e privado. Os novos prédios habitacionais, fechados e com muita segurança, e os novos grandes centros comerciais nestas zonas modificaram as interações sociais, as atividades (agrária e as práticas indígenas) e o comércio tradicional, provocando uma mudança na paisagem e no uso do espaço (JANOSCHKA, 2016). O convívio de grupos (por um lado classes populares e indígenas e, por outro, classes médias-altas e altas) com duas formas de vida tão diferentes num mesmo espaço termina excluindo as sociabilidades tradicionais e, finalmente, o grupo mais vulnerável. Mesmo se nestes casos ainda não se produz um grande deslocamento das pessoas mais pobres, as suas práticas começam a ser apagadas: restrição das festas comunitárias, proibição da cria de animais, favorecimento ao transporte privado sobre o coletivo (JANOSCHKA, 2016). Paulatinamente se “(…) desvaloriza de forma simbólica las costumbres populares y las prácticas tradicionales arraigadas en el territorio, aplicando una violencia simbólica de la “modernidad” establecida como proceso normalizador que se manifiesta en la transformación territorial.” (JANOSCHKA, 2016, p. 62) Estas transformações, como mencionado anteriormente, são consequências do investimento público e do incentivo dos governos aos investimentos privados que aumentam o valor do solo com os seus empreendimentos comerciais, imobiliários e onde recursos obtidos vão parar nas mãos dos grupos com o poder econômico e político, e não são revertidos no bem estar social. Não se trata de que os investimentos públicos ou privados em si mesmos sejam prejudiciais, o problema está em planejar as cidades e os seus espaços para poucos. Neste caso o espaço é apropriado como uma mercadoria para as elites, onde as populações tradicionais e as suas práticas podem ser excluídas. Janoschka sinala que este é um caso de “(…) desplazamiento por desposesión de las plusvalías de la intervención pública.” (JANOSCHKA, 2016, p. 60) Por su lado, Cevallos-Aráuz (2018) analisa o caso da Floresta (Figura 4), um bairro pericentral de Quito, marcado por uma forte história cultural onde, mesmo quando ainda não exista um marcado processo de gentrificação, começam a se apreciar algumas características. 49

Figura 4: Mapa do bairro pericentral a Floresta, Ecuador

FONTE: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6517035

A revalorização deste bairro, os novos projetos imobiliários, a mudanças nas atividades econômicas do entorno e a chegada de novos grupos sociais com maiores recursos mudam a paisagem urbana desta zona. Porém, segundo a autora, não existe uma ameaça de expulsão das populações tradicionais, mais pobres do que as que estão chegando, pois os novos moradores parecem interessados em os incluir no espaço reestruturado e na nova dinâmica socioespacial. Porém, é importante pensar em se uma vez que aconteça a rearticulação total do bairro e das suas atividades, os moradores tradicionais ainda sentirão que pertencem à zona e se serão capazes de se identificar com as formas de vidas dos novos grupos. A literatura não mostra casos de gentrificação tradicional em Quito, mas não se pode perder de vista a possibilidade que se estejam gestando nas zonas pericentrais. Mesmo quando os moradores não tem sido expulsos, a restrição e a desvalorização das suas práticas, em conjunto com as mudanças na paisagem são formas de lhes desapropriar do espaço.

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1.2.3 Santiago de Chile e as suas singularidades No centro histórico de Santiago de Chile convergem as diversas expressões de vários períodos do desenvolvimento urbano da cidade (SILVA, 2017). Seus prédios, praças e trama ficaram como testemunhas da antiga paisagem cultural, pois, segundo López Morales (2016), nesta cidade tem se perdido muito do patrimônio no que se refere à imagem das zonas centrais. A imagem dos bairros não se conforma só com as suas edificações e espaços, ela depende muito das pessoas que as habitam e das relações econômicas, sociais e culturais que estabelecem. No caso de Santiago, o retorno ao centro do capital imobiliário trouxe como consequência um reemplazo da população tradicional mais modesta por grupos sociais de maior poder. Segundo Imilan, Olivera e Beswick (2016), na década dos noventas o governo se coloca como um dos objetivos fundamentais solucionar os problemas da moradia, criando políticas para reduzir a insuficiência de casas. Mas estas estratégias não resolveram a situação, pois a construção destas se realizou nas periferias onde os preços do solo eram mais baixos e com subsídio estatal num mercado imobiliário privado. Se criaram assim bairros com baixo valor do solo, sem serviços básicos e infraestrutura para vida diária, onde só moram os grupos mais pobres da cidade e proliferam males sociais (IMILAN, OLIVERA e BESWICK, 2016). O dinheiro investido pelo governo passa a mano de empresas privadas que obtêm grandes lucros com a renda do solo. Neste caso se produz uma transformação do problema e não a sua solução. Sem bem a situação habitacional melhorou apareceram novas ameaças nos novos territórios de exclusão. No caso de Santiago existe um retorno do capital ao centro e a expulsão dos moradores em função da renda (Janoschka, 2016), mas os autores estudados Blanco (2016), Janoschka (2016), López Morais (2016) e Imilan, Olivera e Beswick (2016) não abordam a associação deste processo ao desenvolvimento do turismo na área, mesmo quando este acontece (NAVARRETE, 2017), e o relacionam mais à exploração do solo mediante as empresas imobiliárias privadas com o respaldo dos governos. Segundo Janoschka (2016) em Santiago no período 2002-2012 a planta habitacional se duplicou, e nos bairros centrais e pericentrais possuem 60% dos permisos para novas construções. O preço de venda e aluguel das novas moradias aumentaram em mais de 100% (LÓPEZ MORALES, 2016) nestas selectas zonas. O aumento do preço faz com que muitas pessoas devam abandonar as áreas centrais e percam a facilidade de acesso a vários serviços: transporte, espaços públicos de lazer, escritórios, hospitais, escolas, entre outros. Além disso se perdem as “redes sociales barriales establecidas” (LÓPEZ 51

MORALES, 2016, p. 233) e se modifica a paisagem dos bairros com a mudança do perfil dos grupos que nele habitam e a forma de estabelecer as suas relações entre eles e com o espaço. Um reduzido grupo de grandes investidores privados obteve significativos lucros com o aumento do valor do solo no centro de Santiago e muitos pequenos proprietários, residentes e inquilinos se viram obrigados a vender pela subida de preços (JANOSCHKA, 2016). Em Santiago o processo está fortemente marcado pelas políticas públicas governamentais e o seu programa de moradias que determina o lugar para morar na cidade em relação à capacidade financeira das pessoas induzindo a uma reorganização social e espacial da cidade (JANOSCHKA, 2016). Além, dos governos, se identificam como agentes gentrificadores às classes altas e médias, pois segundo Blanco (2016) em alguns bairros se trata de profissionais assalariados que são nomeados como “trabajadores de cuello celeste” (BLANCO, 2016, p. 87); as empresas imobiliárias e os seus investidores (LÓPEZ MORALES, 2016) que em alguns casos foram universidades privadas (JANOSCHKA, 2016) interessadas no investimento residencial. Estas políticas neoliberais, de mercantilização da moradia (LÓPEZ MORALES, 2016) e de reconfiguração da cidade não são pensadas para toda a população. Os moradores, formais ou informais, mais modestos são excluídos a partir da violência simbólica (JANOSCHKA, 2016) que privilegia os interesses do mercado capitalista. Cada um dos casos analisados tem as suas particularidades, mas em todos se produz um retorno do capital ao centro da cidade na década dos 1990. No caso de Ciudad de México e de Santiago de Chile a reestruturação da cidade, o interesse de preservação patrimonial e de recuperação de espaços públicos provocaram processos de expulsão dos moradores tradicionais de baixa renda para as periferias da cidade em condições adversas, fragmentando a cidade em função do poder adquisitivo dos grupos sociais. Quito pareceria uma situação diametralmente oposta, pois as classes altas não retornam ao centro, elas preferem as zonas mais afastadas, porém se abordou a caso da Floresta, zona pericentral e com um forte caráter cultural de Quito que está atraindo novos moradores de maior perfil econômico. Mesmo se Santillán (2015), Martí-Costa,Durán e Marulanda (2016) e Cevallos- Aráuz (2018) aponta que em Quito não existem casos de gentrificação, López Morales (2016) sinala que na década dos 1990 se proibiu o comércio ambulante no centro que se estava valorizando para o turismo. Estes estudos de caso permitem entender que o problema não consiste em que o capital retorne ao centro, o em se as classes altas voltam para morar o só para atividades de lazer, o questão radica em que as políticas públicas não 52

regulam estes processos de mudança, “embelezamento” e refuncionalização turística que acontecem, para criar uma cidade inclusiva e com espaços para todos. O problema não é o turismo, ou as classes altas, é a falta do interesse estatal em cuidar das classes mais despossuídas e vulneráveis e não só dos interesses econômicos próprios ou do país, pois nos casos de Ciudad de México e de Santiago de Chile o principal agente gentrificador são os governos que legitimam o papel das empresas privadas no mercado do solo e estabelecem políticas mercantilizantes e neoliberais.

1.3 POSSIBILIDADES DO DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO O turismo não é o “vilão” (PAES, 2017, p. 677) nos processos de reestruturação urbana que acontecem na atualidade. Então, não se trata de eliminar o turismo se não de: (…) conciliar os diferentes usos e primar pela permanência das populações locais, observando as possibilidades de sobrevivência econômica e de acesso à moradia destas, sem excluir os visitantes, nem o caráter público dos bens tombados, devem constituir-se em uma preocupação central do planejamento turístico(...) (PAES, 2005, p. 103) Mesmo tendo em conta os visíveis inconvenientes que a atividade turística gera, os seus efeitos positivos, se bem planejado o seu desenvolvimento, sobre o patrimônio e as comunidades, não devem ser negligenciados. O desenvolvimento turístico pode servir para a conservação da riqueza cultural e histórica dos centros urbanos, pois atrai os recursos financeiros necessários para a preservação e recuperação de imóveis, praças e monumentos, põe em valor o patrimônio, o promove, o difunde e contribui para a conscientização sobre a importância de conservar o legado material e imaterial. Além disso, gera empregos que beneficiam os receptores vinculados ao setor e, se bem gerido, os aportes econômicos que geram as atividades turísticas podem auxiliar na refuncionalização dos prédios que podem servir de habitação para as populações dos centros urbanos, ou a funções e serviços comunitários que melhorem a qualidade de vida dos habitantes. O Acta de Copenhaguen do Buró Internacional do Turismo Social, de 1972, expressa a necessidade de “... armonizar las necesidades crecientes del turismo social y el objetivo esencial de la protección del patrimonio del hombre...” (CASTILLO, 2010, p. 2), pelo que é primordial garantir que o desfrute dos valores patrimoniais não atente contra o bem-estar dos mesmos. A vontade, a conscientização e a implicação real (não só discursiva) do Governo, das instituições encarregadas da preservação e restauração do patrimônio, dos 53

representantes locais, das empresas privadas e os moradores podem chegar a um consenso favorável para ambas. Se trata de democratizar o uso dos espaços culturais e os valores patrimoniais da cidade, para turistas e moradores de todos os grupos econômicos. Em Cuba, a Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana é a responsável pela conservação do Centro Histórico de Havana Velha e, mesmo que o trabalho realizado nas últimas décadas esteja muito longe de ser perfeito, interessa-nos conhecer as particularidades deste processo que tem como objetivo não excluir a população local nem as suas representações, e conciliar a valorização do seu patrimônio cultural com o interesse turístico. Em 2004, a experiência pontual que se desenvolveu na Havana Velha foi considerada por especialistas da UNESCO como uma plataforma de inovação e uma experiência a ser considerada mundialmente, pois procurou, sobre todas as coisas, lograr um diálogo entre patrimônio, turismo e moradores, o que pode resultar em um modelo para outras localidades que desenvolvam uma estratégia turística sustentada pelo seu patrimônio cultural. Nesse sentido, o próximo capítulo explica como acontece o processo de valorização turística no Centro Histórico de Havana Velha e o papel da Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana como instituição que procura preservar o patrimônio cultural da zona e ao mesmo tempo procura desenvolver o turismo para autofinanciar os trabalhos de recuperação neste espaço. Além disso, se aborda a declaratória, pela UNESCO, da zona e do sistema defensivo da cidade como: Patrimônio Cultural da Humanidade, assim como a significação deste reconhecimento para o posterior desenvolvimento do turismo cultural no Centro Histórico.

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2. O PROCESSO DE VALORIZAÇÃO TURÍSTICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA, CUBA

2.1 A EVOLUÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA, CUBA NO PERÍODO COLONIAL A vila de San Cristóbal de La Habana foi fundada, por Diego Velázquez e os conquistadores espanhóis, em 1519. A cidade se desenvolveu até se tornar capital da ilha, em 1607, fundamentalmente pela sua localização na baía, um porto chave para as relações entre o Novo e o Velho Continente (LEAL, 2004). A cidade começou no que hoje se conhece como o seu Centro Histórico no município de Havana Velha. Se criaram ali os bens materiais para o desenvolvimento da vida: casas de um único piso com pátio interior, grandes portões e decorações de cerâmica (PLAN MAESTRO, 2004); fortificações militares, igrejas e praças. O sistema de fortificações foi uma necessidade, pois pela sua condição de porto conector entre América e Europa e, portanto, protetora de inúmeras riquezas, a cidade se converteu num objetivo na mira dos ataques dos corsários e piratas. Surgiram assim, para garantir a defesa deste espaço e da sua população, no século XVI, o Castillo de la Real Fuerza, o Castillo de Los Tres Reyes del Morro e o Castillo de San Salvador de la Punta, conjunto de proteção que se completaria, um século mais tarde, com a fundação da Fortaleza de San Carlos de la Cabaña e a Muralla de La Habana (Figura 5).

Figura 5: Exterior da Puerta de Monserrate de la Muralla de La Habana

FONTE: Imagem obtida na Empresa de Proyectos RESTAURA (OHCH) (2018)

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Depois da primeira fortificação da baía, as seguintes construções tinham como objetivo embelezar a cidade e criar espaços para as diversas ordens religiosas espanholas (PLAN MAESTRO, 2004). Vão se perfilando assim cinco praças fundamentais (Figura 6 e 7), “(…) espacios públicos para el desarrollo de la vida ciudadana” (PLAN MAESTRO, 2004, p. 2). A religião foi um meio dos colonizadores para conseguir dominar no Novo Mundo e justificar assim as suas ações, por isto, para eles, a construção de edificações religiosas era um fator chave. Surgiram as primeiras igrejas, conventos e seminários: o Convento de San Agustín, a Ermita del Humilladero, a Iglesia del Santo Ángel Custodio, o Monasterio de Santa Teresa e o Convento de San Felipe Neri (LEAL, 2004). As principais atividades econômicas dos primeiros anos foram a construção de barcos, utilizando os meios naturais que fornecia o entorno, e o comércio. Neste espaço, os espanhóis reproduziram seus modos de vida, se adaptando às novas circunstâncias.

Figura 6: Plaza e Convento de San Francisco século XVIII

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/la-plaza-de-san-francisco/

Figura 7: Plaza Vieja século XVIII

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/la-plaza-vieja/

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A cidade crescia e aumentava o desenvolvimento econômico dos seus habitantes, por tanto, eram necessários novos espaços de formação e encontro que mostrassem a prosperidade da vila, uma cidade que se refinava. Surgiram, assim, nos séculos XVIII e XIX, a Real y Pontificia Universidad de San Jerónimo, no Convento de San Juan de Letrán (Figura 8); o Teatro Tacón (Figura 9); o Liceo Artístico y Literario; o Teatro Coliseo; o ferrocarril, sendo o quinto país do mundo a contar com este avanço (LEAL, 2004) e novos bairros residenciais de elite, o que produziu um êxodo da população para as novas localidades, deixando o centro assumir uma função industrial (PLAN MAESTRO, 2004). Figura 8: Convento de San Juan de Letrán onde radicou a Real y Pontificia Universidad de San Jerónimo

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/antiguo-convento-de-santo-domingo/

Figura 9: Teatro Tacón

FONTE: https://palauantiguitats.com/en/grabado/teatro-de-tacon-habana-2/

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Estas construções foram o resultado das necessidades imperantes, do desenvolvimento da época, dos conhecimentos, das características geográficas do território, dos interesses da metrópole espanhola e da disponibilidade de materiais, entre outros fatores. A cidade da Havana surge a partir desta produção de brancos espanhóis, negros africanos, aborígenes oriundos de Cuba e, mais tarde, os criollos, que também deixaram a sua marca nesse espaço. O país se envolveu em três guerras independentistas, mas o intento de independência se viu frustrado pela entrada dos Estados Unidos na guerra em 1898, quando o país passou a ser de uma colônia espanhola para uma neocolônia norteamericana, mesmo quando formalmente tornou-se uma república em 1902. Se iniciava assim a República Neocolonial, uma outra etapa na história de Cuba e na produção do seu espaço, pois o país mudava de dono e mudavam, portanto, os interesses envolvidos.

2.2 A OFICINA DEL HISTORIADOR DE LA CIUDAD DE LA HABANA: UM INTENTO POR RESGATAR A HAVANA VELHA A instauração da República de Cuba, no início do século XX, marca uma nova etapa no desenvolvimento econômico, político e social do país. As mudanças que acontecem modificam a configuração espacial da cidade de Havana, capital da nação e centro das principais transformações e fluxos financeiros e, fundamentalmente, do seu núcleo urbano tradicional, denominado Centro Histórico. A figura 10 mostra a área que ocupa a província de Havana, em verde, e o município Havana Velha, em rosa, onde se localiza o Centro Histórico, sinalizado seu perímetro em vermelho, que é um espaço com uma área de 2,14 km², aproximadamente 50% do município, e abarca a antiga zona intramuros, espaço de expansão desta parte da cidade no final do século XIX, o Paseo do Prado e uma parte do Bairro Jesús María (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2012).

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Figura 10: Localização geográfica do Centro Histórico de Havana

FONTE: Elaborado pela autora (2017) a partir de informações obtidas na Empresa de Proyectos RESTAURA (OHCH) (2017)

Segundo o Plan Maestro (2004), nesta etapa, o Centro Histórico da cidade acolhe as principais instituições bancárias e comerciais, para as quais se edificam prédios altos e luxuosos que mudam o gabarito tradicional da área. Desta forma, o Centro Histórico de Havana Velha que na metade do século XVIII tinha sido abandonado pelas classes altas, se recupera como um centro econômico. A cidade cresce e a herança colonial se mistura às novas construções e estilos. São construídos prédios art déco, como o Edificio Bacardí e o Cine Fausto (Figura 11) (RIGOL, 2015), que se integram à paisagem tradicional do Centro.

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Figura 11: Edificio Bacardí e Cine Fausto, de esquerda a direita

FONTE: https://www.encaribe.org/es/Picture?IdImagen=1431&idRegistro=561 e https://www.cubatechtravel.com/destination/extrahotel/en/292/fausto-cinema-theater

É neste contexto que surge primeiro, em 1935, o cargo de Historiador de la Ciudad e, depois, em 1938, a Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana (OCHOA ALOMÁ, 2015). Para Rodríguez Alomá (2001) e Ochoa Alomá (2015), o Plan Maestro (2004) a criação, tanto do cargo quanto da instituição, se deve a uma campanha de um grupo de intelectuais com um pensamento nacionalista que pretendia conscientizar e conseguir apoio estatal para a preservação, nos primeiros momentos, do patrimônio documental da cidade e, posteriormente, para a conservação dos valores arquitetônicos e culturais da parte mais antiga da cidade. À frente deste grupo se encontrava o Dr. Emilio Roig de Leuchsenring, que via com receio as transformações que aconteciam no Centro, tendo sido o primeiro Historiador de la Ciudad. Desta forma, a Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana surge como uma instituição provincial (TERRÓN, 2015) que procura defender a cultura nacional e proteger as construções coloniais da cidade de Havana, principalmente as que se encontravam no Centro Histórico. O Historiador de la Ciudad, cargo que ocupava Emilio Roig desde 1935, seria a pessoa que lideraria o trabalho desenvolvido por este organismo. Nos primeiros tempos, a OHCH cria algumas instituições para compartilhar a atividade de resgate do patrimônio e descentralizar as funções. Surgem assim, o Archivo Histórico de la Oficina del Historiador e a Biblioteca Histórica em 1938, e dois anos mais tarde a Comisión de Monumentos, Edificios y Lugares Históricos y Artísticos Habaneros - hoje Comisión Provincial de Monumentos -, e a Junta Nacional de Arqueología y 60

Etnología em 1942. Além destes organismos, era necessário um marco legal para a salvaguarda do núcleo histórico, por esta razão é aprovada a Ley de los Monumentos Históricos, Arquitectónicos y Arqueológicos em 1939 (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2001). O trabalho da OHCH contribuiu na inclusão dos artigos 47, 58 e 59 da Constituição da República de Cuba em 1940: Art. 47 La cultura en todas sus manifestaciones, constituye un interés primordial del Estado, son libres la investigación científica, la expresión artística y la publicación de sus resultados (...) Art. 58 El estado regulará por medio de la ley la conservación del tesoro cultural de la nación, su riqueza artística e histórica así como también protegerá especialmente los monumentos nacionales y lugares notables por su belleza natural, o por su reconocido valor artístico o histórico. Art. 59 Se creará un Consejo Nacional de Educación y Cultura que presidido por el Ministro de Educación, estará encargado de fomentar, orientar técnicamente o inspeccionar las actividades educativas, científicas y artísticas de la nación. (Cuba, 1940: 115)

Iniciava-se um novo caminho no qual, pelo menos de um jeito formal, existia um entendimento do valor da cultura, do patrimônio e da importância da sua divulgação por parte do governo. Segundo dados do Plan Maestro (2018) nas décadas de 1940 e 1950, a OHCH dedicou-se à recuperação, conservação e reabilitação de obras e conjuntos arquitetônicos de valor patrimonial e dentre a suas ações neste período destaca-se a proteção da área externa e do Castillo de la Fuerza (Figura 12), uma fortaleza construída no século XVI para a proteção da cidade, na frente da qual tinha uma praça (hoje Praça de Armas) em torno da que se construíram as moradias dos vizinhos mais notórios; a restauração de um segmento da Muralla de la Habana, muralha que cercava a cidade, construída a inícios do século XVII para salvaguardar Havana dos ataques de corsários e piratas, com uma extensão era de cerca de 4,5 quilómetros, tinha uma média de 1,40 metros de espessura e 10 de altura, e uma tripulação de 3 400 homens e um armamento de 180 peças (MARTÍN ZEQUEIRA e RODRÍGUEZ FERNÁNDEZ, 1995); a restauração da porta de La Tenaza, uma das portas da Muralla de la Habana; do Convento e Igreja de San Francisco, prédios religiosos situados na Plaza de San Frnacisco de Asís, construídos no século XVI; do prédio da Hacienda, da Catedral, igreja consagrada à Virgen María, construída no século XVIII, e do Palacio Aldama (Figura 13), mansão cubana do século XIX. Outro exemplo foi a campanha realizada contra a destruição da Iglesia e o Hospital de San Francisco de Paula (Figura 14), prédios situados na Alameda de Paula, construídos no século XVII, e mesmo quando as ações não permitiram a proteção total da construção, salvaram-na parcialmente.

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Figura 12: Castillo de la Real Fuerza, na atualidade

FONTE: http://www.soilcropandmore.info/Newsletter/Personal-Newsletters/Havana-Letter/index.htm

Figura 13: Palacio Aldama

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/asaltan-palacio-de-aldama/

Figura 14: Iglesia de San Francisco de Paula, na atualidade

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/antigua-iglesia-de-san-francisco-de-paula/ 62

Para Ochoa Alomá (2015) são memoráveis os protestos da OHCH, em 1942, para evitar que fosse pintada a fachada do Palacio Presidencial (Figura 15) e as manifestações contrárias às ações que prejudicassem a estética do conjunto palaciano, formado pelo Capitolio Nacional (Figura 16), os Centro Gallego e Asturiano (Figura 17 e 18), o Instituto de Segunda Enseñanza No. 1 (Figura 19) e a Manzana de Gómez, pois se discutia nas esferas do governo sobre a possibilidade de construir nestes espaços vários arranha-céu.

Figura 15: Antigo Palacio Presidencial, 2017 (Hoje, Museo de la Revolución)

FONTE: http://www.radioreloj.cu/es/noticias-radio-reloj/cultura/velada-la-habana-13-marzo/

Figura 16: Capitolio Nacional

FONTE: http://www.habanaradio.cu/tribuna-del-historiador/nuevas-salas-abiertas-en-el-capitolio-nacional/

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Figura 17: Centro Asturiano, na atualidade

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/edificio-de-la-calle-san-rafael-nos-1-y-3/

Figura 18: Centro Gallego, na atualidade

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/el-primer-centro-gallego-de-la-habana/ Figura 19: Instituto de Segunda Enseñanza No. 1, na atualidade

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/edificio-de-la-calle-zulueta-no-407/

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Lamentavelmente, em alguns casos, as ações da Oficina não foram suficientes e várias construções foram demolidas, como é o caso do Convento de San Juan de Letrán (Figura 20), ocupado pela ordem , onde estava localizada a primeira universidade cubana: a Real y Pontificia Universidad de San Gerónimo de La Habana (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2001).

Figura 20: Convento de San Juan de Letrán

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/antiguo-convento-de-santo-domingo/

O trabalho da instituição não se limitou a preservação e recuperação de prédios e sítios históricos, a OHCH começou a intervir na regulação dos nomes das ruas na Havana Velha procurando manter os nomes tradicionais quando não fossem nomes de governantes despóticos e, nesses casos, seriam substituídos por nomes de próceres independentistas, principalmente; na recuperação de patrimônio intangível (carnavais e outras festas, comparsas3, entre outros) (PLAN MAESTRO, 2004), na colocação de inscrições nos monumentos, igrejas, praças, e na realização de congressos de história (Congresos Nacionales de Historia e de Historia Municipal Interamericana) (OCHOA ALOMÁ, 2015). Com a participação da OHCH e da Junta Nacional de Arqueología y Etnología, nestas décadas, foram declarados Monumento Nacional vários prédios e sítios históricos, na procura de notoriedade e proteção para estes bens, pois uma vez que eram declarados monumento a Junta regulava que:

3 Grupos de pessoas fantasiadas que desfilam e dançam juntas pelas ruas com acompanhamento de uma música própria. 65

(…) Los Monumentos Nacionales, no podrán ser modificados o restaurados, sin la previa autorización de la Junta. La conservación de los edificios declarados Monumentos Nacionales no pueden limitarse exclusivamente a su exterior, a su fachada, porque ello significaría convertir a los Monumentos Nacionales en telones decorativos utilizados en una farsa histórica o artística(…) Prohibe que, sin autorización de la Junta, sea adosada una construcción nueva a un edificio declarado Monumento Nacional(…) (OCHOA ALOMÁ, 2015: 107)

Esta normativa ditava como proceder com estes prédios de alto valor para a história e para a cultura cubana e pretendia evitar que fossem derrubados ou sofressem intervenções sem a assessoria necessária que garantisse processos de restauração adequados. Assim, foram declarados Monumento Nacional: a Iglesia de Paula em 1944, a casa natal de José Martí, a Fortaleza de los Tres Reyes del Morro, o Palacio Aldama, em 1949 e, dois anos depois, o Rincón e a Fragua Martiana, e em 1955 o Palacio Pedroso (OCHOA ALOMÁ, 2015). Eram valorizadas construções representativas das classes altas da etapa colonial cubana, mas também registros vinculados à figura histórica de José Martí. Nesta etapa ainda ficavam fora das nomeações a herança das classes menos favorecidas. Quando se analisam as resoluções atuais do Consejo Nacional de Patrimonio Cultural (2019) que declaram os Monumentos Nacionales alguns destes prédios: Iglesia de Paula, Palacio Aldama e o Palacio Pedroso; não possuem mais esta condição devido a que sufriram demolições ou alterações parciais posteriores (MARTÍN ZEQUEIRA e RODRÍGUEZ FERNÁNDEZ, 1995) mesmo quando estas declaratórias visavam protegê- los. Outros como: a casa natal de José Martí, a Fortaleza de los Tres Reyes del Morro e o Rincón e a Fragua Martiana -fora dos limites do Centro Histórico-; possuem declaratórias posteriores à década de 1970 -como se abordará em próximos subitens-, talvez devido a uma necessária revisão para avaliar às suas condições para continuar integrando esta lista. Além disso, a Junta Nacional de Arqueología y Etnología tinha declarado, em 1944, como “(…) zona de excepcional valor histórico y artístico toda la parte de la Habana comprendida entre el mar y las antiguas murallas (...)” (OCHOA ALOMÁ, 2015: 109). A resolução estava assinada pelo Presidente Fulgencio Batista. Esta declaração dava relevância ao conjunto paisagístico que décadas depois, em 1982, seria reconhecido pela UNESCO e assentava as bases para a sua proteção, pois se legislou que os prédios que se construíssem ou reconstruíssem deveriam ter harmonia com os estilos colonial cubano, neoclássico ou clássicos já utilizados na cidade, e ficava proibida a construção de prédios com fachadas de estilo moderno - medida respeitada por alguns anos no Centro Histórico (ÁLVAREZ, 1998). 66

Nestes anos, o trabalho da OHCH esteve muito ligado à Junta Nacional de Arqueología y Etnología, e ao fato de que “(…) Los Monumentos Nacionales, no podrán ser modificados o restaurados, sin la previa autorización de la Junta(…)” (OCHOA ALOMÁ, 2015, p.107), como citado anteriormente, demostra uma supremacia do poder da segunda instituição, panorama que mudaria nos próximos anos. Mas, cabe ressaltar também que o Historiador de la Ciudad era membro pleno da Junta e que primava em ambos organismos o interesse para que as ações de conservação não comprometessem a imagem original do bem. Por um lado, parecia que o governo respaldava as ações em favor da defesa dos monumentos coloniais, com a assinatura do Presidente na declaratória de Havana Velha como Zona de excepcional valor histórico y artístico, mas, segundo Rigol (2015), sem consultar a Junta ou a OHCH, foi contratado por Batista, em 1956, uma equipe de urbanistas estrangeiros para fazer um plano de expansão das vias e de embelezamento do Centro Histórico de Havana Velha. Este projeto implicava derrubar vários quarteirões de prédios coloniais, conservando apenas alguns poucos dentre os mais emblemáticos, e realizar uma transformação radical da cidade antiga. Com este processo de renovação urbana se procurava que Havana entrasse na lógica do mercado e que se adaptasse aos tempos modernos. Finalmente o projeto não se realizou, mas, de ter sido acometido, esta área e o sistema defensivo da cidade não seriam declarados pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade, três décadas depois. No primeiro de janeiro de 1959 triunfa a Revolución Cubana e, a partir desta data, o país entra num período de profundas mudanças sociais, políticas e econômicas. Os primeiros passos do novo governo estiveram encaminhados pela nacionalização das principais indústrias do país, pela aprovação da Ley de Reforma Agraria, pela realização da campanha de alfabetização, entre outras. Mesmo quando havia interesse do estado na proteção do patrimônio cultural da nação, o país atravessava por uma situação na qual se impunha a resolução de outros problemas mais urgentes. As limitações financeiras dos anos 1960 frearam os projetos de transformação urbana da década anterior. Desta forma, o Centro Histórico de Havana Velha conservou o seu traçado e a maioria dos seus prédios antigos. A autenticidade original foi preservada, embora existam ainda algumas áreas em avançado processo de deterioração (PLAN MAESTRO, 2004). Segundo Rodríguez Alomá (2001), o novo governo reconheceu a OHCH e o trabalho que esta vinha desempenhando e, mesmo se nos anos 1960, se realizaram poucas 67

ações de preservação do patrimônio cultural, se acometeram algumas, tais como: o início de um plano de recuperação para Havana Velha, que incluía trabalhos em três das principais praças (Plaza de Armas, Plaza de San Francisco e ); continuaram as obras no Castillo de la Real Fuerza e no Palacio del Segundo Cabo; e começa a reabilitação do Palacio de los Capitanes Generales para que fosse a sede do Museo de la Ciudad (OCHOA ALOMÁ, 2015). Também a década do 1960 foi uma etapa de mudanças para a OHCH, pois em 1964 morre Emilio Roig, e a partir desta data as funções de Historiador de la Ciudad seriam desempenhadas por Eusebio Leal (PLAN MAESTRO, 2004), mas as concepções e ideias de ambos eram semelhantes, então, se pode apreciar uma continuidade na obra de recuperação. No dia 15 de fevereiro de 1976 se aprovou uma nova Constitución de la República de Cuba, na qual no Capítulo V Educación y Cultura existe um único inciso referente ao patrimônio cultural cubano: h) el Estado defiende la identidad de la cultura cubana y vela por la conservación del patrimonio cultural y la riqueza artística e histórica de la nación. Protege los monumentos nacionales y los lugares notables por su belleza natural o por su reconocido valor artístico o histórico(...) (Cuba, 1976: 9)

Sendo insuficiente em matéria de leis o ditado na Constituição de 1976 sobre o patrimônio cultural cubano, nesse mesmo ano a Asamblea Nacional del Poder Popular previu outros instrumentos legislativos e aprovou a Ley No. 1 sobre el Patrimonio Cultural e a Ley No. 2 sobre los monumentos nacionales y locales. A Ley No. 1 sobre el Patrimonio Cultural procura estabelecer as pautas para o registro e proteção dos bens culturais ao tempo que dispõe: ARTICULO 1: La presente Ley tiene por objeto la determinación de los bienes que, por su especial relevancia en relación con la arqueología, la prehistoria, la historia, la literatura, la educación, el arte, la ciencia y la cultura en general, integran el Patrimonio Cultural de la Nación, y establecer medios idóneos de protección de los mismos. ARTÍCULO 5: Toda persona natural o jurídica tenedora por cualquier título de bienes que constituyan Patrimonio Cultural de la Nación, viene obligada a declararlos, previo requerimiento, ante el Registro Nacional de Bienes Culturales de la República de Cuba, sin que ello implique modificación de título por el que se posee. Los que faltaren a esta obligación en el término que se les señale serán sancionados conforme a la legislación vigente. ARTÍCULO 7: Se declaran de utilidad pública e interés social los bienes culturales a que se refiere la presente ley, los que no podrán ser destruidos, remozados, modificados o restaurados, sin previa autorización del Ministerio de Cultura. ARTÍCULO 12:La extracción o el intento de extracción del territorio nacional de bienes culturales protegidos por esta Ley sin haber obtenido previamente la autorización del Ministerio de Cultura, constituirá delito de contrabando y será sancionado conforme establece la Ley Penal. Dichos bienes serán siempre decomisados.(...) (Cuba, 1976a: 1) 68

Esta lei centralizava as funções de proteção do patrimônio no Ministério de Cultura. A Ley No. 2 sobre los monumentos nacionales y locales, por sua parte, estipula quando um bem pode ser declarado Monumento Nacional, cria a Comisión Nacional de Monumentos e as Provinciales, adscrita ao Ministério de Cultura e se determinam as suas funções, estipula como deve ser a realização de escavações arqueológicas e a restauração de obras de artes plásticas nos monumentos (Cuba, 1976b). Estas leis, e as sucessivas (Decreto No.55 Reglamento para la ejecución de la Ley de los Monumentos Nacionales y Locales ou o Decreto No.118 Reglamento para la ejecución de la Ley de Protección al Patrimonio ambos de 1977) alicerçam as bases legais para a atuação no resgate, proteção e recuperação do patrimônio cultural cubano. Em 1978 o Centro Histórico de Havana Velha e as suas fortificações militares são declarados Monumento Nacional pela Comisión Nacional de Monumentos devido à preservação arquitetônica do conjunto. A partir desse ano, são reconhecidas, por esta instituição, várias edificações de valor histórico e cultural com esta declaratoria. O quadro 4 apresenta os Monumentos Nacionales do Centro Histórico de Havana Velha até a atualidade.

Quadro 4: Monumentos Nacionales no Centro Histórico de Havana Velha

Monumento Descrição Data da declaratória

Antigua Villa de San Cristóbal Centro Histórico do município 10 de outubro de 1978 de La Habana y el sistema de Havana Velha e o sistema fortificaciones coloniales que defensivo da cidade composto la circundan por 10 fortificações militares

Casa Natal de José Martí Moradia do Héroe Nacional de 10 de outubro de 1978 Cuba

Hotel Inglaterra Hotel vinculado às lutas 12 de maio de 1981 independentistas

Museo Histórico de las Antiga construção vinculada 14 de agosto de 1981 Ciencias Carlos J. Finlay ao arte, a história e a ciência

Locomotora La Junta Mais antiga locomotora que se 31 de agosto de 1998 conserva em Cuba, data de 1842

Estación de Ferrocarriles Parte do patrimônio ferroviário 2 de novembro de 2002 Cristina nacional 69

Estación Central de Parte do patrimônio ferroviário 12 de novembro de 2002 Ferrocarriles de La Habana nacional

Capitolio Nacional Emblemática construção, 15 de novembro de 2010 cenário do acontecer político do período republicano (1902- 1958) FONTE: Elaborado pela autora (2019) a partir de informações extraídas de Consejo Nacional de Patrimonio Cultural (2019)

Além dos Monumentos Nacionales reconhecidos no Centro Histórico, em dezembro de 2014 foi declarado Patrimonio Cultural de la Nación o Cañonazo de las Nueve4. Esta cerimônia é realizada na Fortaleza de San Carlos de la Cabaña, uma das fortificações espanholas declaradas Monumento Nacional, de conjunto com Havana Velha, em 1978. Segundo Paes (2005, p. 96), muitos dos bens materiais e imateriais reconhecidos como patrimônio são representativos dos “(...) grupos sociais hegemônicos (...)”, no Centro Histórico de Havana Velha também acontece assim, pois os bens declarados Monumento Nacional e Patrimonio Cultural de la Nación, são conjuntos, construções -exceto a casa de Martí, que provinha de uma família humilde, porém espanhola- e tradições representativas das classes médias e altas das etapas colonial e neocolonial; ou estão vinculados às lutas independentistas. Em Cuba, existem poucos testemunhos construídos das classes mais desfavorecidas, sendo que e a maioria se encontra na região oriental do país, mas, nos últimos anos, se declararam algumas tradições como: o sombrero de guano, tipo de chapéu tradicional do campo, lendas dos campos e as parrandas -carnaval popular da região central- como Patrimonios Culturales ou Inmateriales de la Nación (CONSEJO NACIONAL DE PATRIMONIO CULTURAL, 2019). As seguintes figuras mostram as três primeiras edificações em serem declaradas Monumento Nacional no Centro Histórico: a Casa Natal de José Martí (Figura 21), o Hotel Inglaterra (Figura 22) e o Museo Histórico de las Ciencias Carlos J. Finlay (Figura 23), a primeira se trata de uma construção modesta, porém as outras duas são edificações que acolheram à alcurnia havanesa.

4 Tradição identitária de Havana Velha. Consiste em atirar um tiro com um antigo cânon espanhol às 21h na Fortaleza de San Carlos de la Cabaña. Na época colonial o realizavam os militares espanhóis para avisar que as pessoas deviam se proteger na zona amuralhada da cidade. Na atualidade se continua realizando diariamente e é visitado por turistas nacionais e internacionais.

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Figura 21: Casa Natal de José Martí

FONTE: https://www.pinterest.es/pin/778982066769112878/

Figura 22: Hotel Inglaterra

FONTE: Da autora (2018)

Figura 23: Museo Histórico de las Ciencias Carlos J. Finlay

FONTE: http://www.granma.cu/granmad/2008/03/19/nacional/artic05.html 71

A partir das declaratórias de 1981 se inicia uma etapa na qual a OHCH começa um trabalho de conscientização e difusão dos valores culturais da cidade e do Centro Histórico, junto à população que morava no Centro e na cidade de Havana em geral. A partir da publicação de artigos sobre a temática nos jornais nacionais, têm início os ciclos de conferências e caminhadas por lugares de interesse na cidade (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2001). O trabalho da Oficina del Historiador de la Ciudad, desde a sua fundação, esteve orientado ao resgate e conservação dos bens arquitetônicos, monumentos históricos e dos valores culturais na área mais antiga da cidade. A instituição procurou que as ações de recuperação não modificaram a estrutura dos imóveis e que não se limitaram às fachadas dos mesmos. A recuperação se iniciou tendo como motivação principal preservar a história contida no Centro Histórico de Havana Velha.

2.3 A DECLARATÓRIA DA UNESCO NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA Segundo Rodríguez Alomá (2001), desde o triunfo da revolução o governo cubano tinha reconhecido a Oficina del Historiador de la Ciudad como uma instituição encarregada de preservar a herança cultural do Centro Histórico. Porém, como analisado anteriormente, nos instrumentos legislativos para a proteção do patrimônio, esta função aparecia centralizada no Ministério de Cultura oficialmente, mesmo se na prática a OHCH continuava a realizar o projeto de recuperação de décadas passadas, como demostram os textos de Rodríguez Alomá (2001), do Plan Maestro (2004) e de Ochoa Alomá (2015). Para o ano 1981, este panorama muda e o governo designa à OHCH como o organismo plenamente encarregado para a reabilitação do Centro Histórico contando com o apoio financeiro estatal (LEAL, 2004). Um ano mais tarde, como reconhecimento ao trabalho de preservação e restauração que tinham realizado a Junta Nacional de Arqueología y Etnología e a OHCH, por mais de quatro décadas, e pelo valor patrimonial da parte antiga de Havana Velha, o Centro Histórico e o sistema defensivo da cidade foram declarados pela UNESCO: Patrimônio Cultural da Humanidade (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2001). A declaratória se baseava nos critérios IV e V da lista de critérios de seleção da UNESCO, e são justificados no caso de Havana desta forma: Criterio (iv) Las fortunas históricas de La Habana fueron producto de la función excepcional de su bahía como una parada obligatoria en la ruta marítima hacia el Nuevo Mundo, que en consecuencia requería su protección militar. La extensa 72

red de instalaciones defensivas creadas entre los siglos XVI y XIX incluye algunas de las fortificaciones de piedra más antiguas y más grandes de América, entre ellas la fortaleza de La Cabaña en el lado este del canal de entrada estrecha a la Bahía de La Habana, el Castillo Real Fuerza en la Lado oeste, castillo de Morro y castillo de La Punta custodiando la entrada al canal. Criterio (v) El centro histórico de La Habana ha mantenido una notable unidad de carácter como resultado de la superposición de diferentes períodos de su historia, que se ha logrado de manera armoniosa pero expresiva a través de la disposición urbana original y el patrón subyacente de la ciudad como un todo. Dentro del centro histórico de la ciudad hay muchos edificios de mérito arquitectónico sobresaliente, especialmente en torno a sus plazas, que están dispuestas por casas y edificios residenciales en un estilo más popular o tradicional que, cuando se considera en su conjunto, proporciona una sensación general de arquitectura, continuidad histórica y ambiental que convierte a la Habana Vieja en el centro histórico de la ciudad más impresionante del Caribe y uno de los más notables del continente americano en su conjunto. (UNESCO, 2018: on line)

Alguns critérios destacados pela UNESCO (2018) nesta declaratória são a integridade, a autenticidade e os requisitos de proteção e gestão do conjunto. Quanto à integridade assinala o Valor Universal Excepcional da “(…) distribución urbana de la Habana Vieja con sus cinco grandes plazas y su conjunto armonioso de monumentos arquitectónicos y edificios populares de estilo tradicional de diferentes épocas en su Historia, y su extensa red de fortificaciones (UNESCO, 2018: on line)”, e destaca o fato de que tenham acontecido poucas mudanças da estrutura urbana e nas construções. Sobre a autenticidade ressalta que o Centro Histórico e o sistema defensivo da cidade “(…) tienen un alto grado de autenticidad en términos de ubicación y configuración, formas y diseños, y materiales y sustancias (UNESCO, 2018: on line)” e que, mesmo tendo acontecido algumas intervenções desde a década de 1950, a autenticidade do conjunto não foi comprometida. No referente à proteção e gestão expõe que a grande maioria dos prédios situados na área declarada patrimônio é propriedade do governo cubano e que estes bens estão protegidos por diversas disposições, tais como a Constitución de la República de Cuba (1976) e Resolución de la Comisión de Monumentos Nacionales 3/1978, que declara o Centro Histórico e as fortificações coloniais Monumento Nacional, garantindo sobre esta área a aplicação das leis de Protección al Patrimonio Cultural e de Monumentos Nacionales y Locales que procuram salvaguardar o patrimônio cultural cubano. Além disto, destaca que velam pela administração do Centro Histórico a Asamblea Provincial del Poder Popular e o Ministerio de Cultura através da OHCH, organismo que possui os recursos legais, técnicos, econômicos e de gestão para desenvolver os projetos de restauração. A UNESCO (2018) recomenda preservar o Centro Histórico e seus valores, o que requererá a continuidade da atividade que se realizava até o momento e de novos planos inovadores que resgatem e preservem as construções e a trama urbana que se 73

encontrava em mau estado devido a “negligência crónica” (UNESCO, 2018: on line) e criar um sistema de prevenção de riscos devido a diversos eventos climatológicos que afetam a cidade como os furacões. A declaratória da UNESCO, além do Centro Histórico de Havana Velha, incluía as seguintes fortificações coloniais da cidade:

Quadro 5: Sistema de fortificações incluídas na declaratória da UNESCO Fortificação Ano de Localização Espaço Uso atual inauguração Castillo de los Tres 1589 Carretera de La 1.4 ha Museum Marítimo Reyes del Morro Cabaña, Costa Forma junto com a Fortaleza Este de la entrada de San Carlos de la Cabaña o de la Bahía de La Parque Histórico-Militar Habana (Fora dos Morro-Cabaña limites de Havana Velha) Fortaleza de San Carlos 1774 Carretera de la Museu de Fortificações e de la Cabaña Cabaña, Habana 9.2 ha Armas del Este (Fora dos Forma junto com o Castillo de limites de Havana los Tres Reyes del Morro o Velha) Parque Histórico-Militar Morro-Cabaña Hornabeque de San 1780 Ao noroeste da 1.1 ha Moradia de militares Diego Fuerte No. 4 Fortaleza de la Cabaña em direção a Cojímar (Fora dos limites de Havana Velha) Fuerte No. 1 - - 0,35 ha - Torreón de San Lázaro 1665 San Lázaro y 0.001 Faz parte de um parque em Malecón, Centro ha homenagem ao Geral das Habana (Fora dos Guerras de Independência do limites de Havana século XIX cubano, Antonio Velha) Maceo Santa Dorotea de la 1645 Calle Malecón Bar-restaurante Luna de la Chorrera entre 18 y 20, 0.5 ha (Fora dos limites de Havana Velha) Castillo de Cojímar 1649 Calle 1 D y Final, 1.5 ha Ocupado pela Guarda Costeira Cojímar (Fora Cubana dos limites de Havana Velha) 74

Polvorín de San Segunda Ensenada de - Antonio mitade do Guasabacoa e 5,2 ha século XVII perto da desembocadura do río Luyanó (Fora dos limites de Havana Velha) Castillo de Atarés 1767 Fábrica e/ Arroyo Unidade militar (porém no y Gancedo. 0.5 ha trabalho de campo foi Havana Velha expressado por membros da OHCH que tinha sido cedido pela FAR para a OHCH para novas funções) Castillo del Príncipe 1779 Calzada de Dependência do Ministério de Zapata y Calle G, 5 ha Cultura Vedado (Fora dos limites de Havana Velha) FONTE: Elaborado pela autora (2018), adaptado de UNESCO World Heritage Center (2018) e com informações do Trabalho de campo.

Mesmo se a maioria das fortificações se encontram fora da área do Centro Histórico (Figura 24), elas são incluídas na declaratória, pois, de acordo com ICOMOS (1981), elas têm um caráter homogêneo como sistema defensivo e com o conjunto reconhecido como patrimônio.

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Figura 24: Centro Histórico de Havana Velha e o sistema de fortificações

FONTE: UNESCO (2018). Adaptado pela autora (2019)

A Figura 25 mostra seis das dez fortificações militares que formavam parte do sistema defensivo da cidade de Havana na etapa colonial e que foram reconhecidas pela UNESCO. Na primeira coluna de cima para baixo aparecem: o Castillo de Cojímar, o Castillo de los Tres Reyes del Morro e o Castillo de Atares; e na segunda na mesma ordem: o Torreón de San Lázaro, Santa Dorotea de la Luna de la Chorrera e a Fortaleza de San Carlos de la Cabaña.

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Figura 25: Fortificações militares de Havana Velha

FONTE: http://www.habanaradio.cu; https://www.flickr.com/photos/x_angel_x93/4894935965; http://www.arquitecturahabana.org/centro-habana/torreon-de-san-lazaro; http://www.cubarte.cu/en/articulo/castillo-de-atar-s-excellent-overlook-oldest-area-havana/45557;

Depois da declaratória, a UNESCO facilitou ajuda técnica e econômica para os trabalhos de reabilitação do Centro Histórico e do sistema defensivo. Desta forma, chegou a pagar de 1985 a 2002, 263 777 USD para a recuperação da Plaza Vieja e dos prédios que a circundam, a conservação do Parque Histórico Militar Morro Cabaña (conformado pelo Castillo de los Tres Reyes del Morro e a Fortaleza de San Carlos de la Cabaña), que contém uma parte valiosa da história de defensa nacional e das tradições do povo cubano e que foram refuncionalizados como museus; e a reabilitação do Convento de Santa Clara de Asís, como se pode apreciar no quadro 6.

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Quadro 6: Assistência econômica da UNESCO no processo de recuperação do Centro Histórico de Havana Velha e seu sistema de fortificações

Motivo Ano Monto (USD)

Equipamento para a recuperação da Plaza Vieja 1985 20 000

Consolidação dos trabalhos na Plaza Vieja 1993 20 000

Reabilitação de prédios da Plaza Vieja: Cine Habana, Café Taberna e 1993 55 000 Colegio del Santo Ángel.

Conservação do conjunto de fortificações Morro-Cabaña 1998 28 777

Reabilitação do Convento de Santa Clara de Asís 1999 30 000

Continuação da reabilitação do Terceiro Claustro do Convento de 2000 35 000 Santa Clara de Asís

Asintência de emergência para a reabilitação do Convento de Santa 2002 75 000 Clara de Asís

Total - 263 777 FONTE: Elaborado pela autora (2019) a partir de informações extraídas de UNESCO (2018)

Além de oferecer assistência financeira para os trabalhos de resgate da Plaza Vieja, a UNESCO iniciou uma campanha internacional para obter recursos financeiros para a reabilitação deste espaço e, com esse propósito, fez um chamado: (…) a los estados miembros (…), a las organizaciones intergubernamentales y no gubernamentales, a las instituciones públicas y privadas, a las fundaciones, artistas y poetas, historiadores y educadores, a ofrecer con generosidad sus contribuciones en dinero, en materiales o en servicios para la gran tarea que emprende el Gobierno de la República de Cuba para preservar su patrimonio histórico (...) (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2015: 200)

Porém, para Arteaga et al. (2015), o chamado da UNESCO não conseguiu arrecadar fundos suficientes para a reconstrução da Plaza Vieja (Figura 26). A mesma só seria totalmente restaurada no final da década de 1990 (EMISORA HABANA RADIO, 2019).

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Figura 26: La Plaza Vieja antes da recuperação (acima) e depois de recuperada em 2017 (baixo)

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/la-plaza-vieja/ e https://onlinetours.es/blog/post/751/la-camara- oscura-de-la-habana-vieja

Além dos recursos provenientes da UNESCO e da cooperação internacional, com a declaratória, aumentou a destinação de recursos governamentais para a recuperação dos monumentos e a preservação dos bens patrimoniais do Centro Histórico (PLAN MAESTRO, 2006). Mesmo que os Planes Quinquenales5 e projetos de planejamento econômico em diversas áreas, tenham se iniciado em 1981, em matéria de recuperação de Havana Velha, é a partir da declaratória da UNESCO que essas estratégias ganham maior força. Assim, entre as principais obras que se desenvolveram estão a recuperação de espaços públicos como as praças (da Catedral e de Armas) e de movimentadas vias de acesso como: Oficios, Mercaderes, Tacón e uma parte de Obispo (o processo de reconstrução desta rua ocorre até hoje). Também, se realizaram trabalhos de resgate no Colegio de San Francisco de Sales (Figura 27) (LEAL, 2004).

5 Planos que consistiam na planificação da economia por períodos de cinco anos. 79

Figura 27: Antigo Colegio de San Francisco de Sales restaurado e refuncionalizado como restaurante desde 1984 (foto da esquerda depois da restauração, foto da direita antes)

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/edificio-de-la-calle-oficios-6-esquina-obispo-109/

Também, foram recuperados prédios de arquitetura doméstica pertencentes a Martín Aróstegui, a família Franchi Alfaro (Figura 28), Beatriz Pérez Borroto e de Lombillo (Figura 29); os Palacios del Marqués de Aguas Claras, Conde de Casa Bayona e Conde de Jaruco. A maioria destes prédios abrigariam, inicialmente, funções culturais que eram escassas nesta zona que se orientava fundamentalmente ao comércio e a moradia (LEAL, 2004). Uma das características fundamentais deste processo foi que a prioridade para restaurar os prédios, praças, monumentos e artérias se deveria ao seu estado de conservação e a sua localização nas principais ruas e espaços públicos do Centro Histórico (OCHOA ALOMÁ, 2015).

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Figura 28: Casa da família Franchi Alfaro antes da restauração da década de 1980 (esquerda) e durante a década de 1990 (direita)

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/edificio-de-la-calle-mercaderes-no-315-esquina-a-muralla/

Figura 29: Antiga mansão del Conde de Casa Lombillo antes da restauração da década de 1980 (esquerda) depois nos anos 1990 (direita)

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/edificio-de-la-calle-empedrado-no-151-esquina-mercaderes/

Segundo Leal (2004), nos primeiros momentos a recuperação deste espaço urbano esteve centrada na recuperação dos bens materiais, mas, com o percurso do tempo, as instituições que lá trabalhavam compreenderam que, pelas características da área, que nunca deixou de ter funções habitacionais e, por tanto, moradores, então era impossível se dedicar às obras de reabilitação sem ter em conta a população que ali residia. Assim, a obra ampliou o seu espectro e se começou a pensar no desenvolvimento de carácter social. Por 81

esta razão se construíram moradias e vários prédios foram dedicados à função habitacional, e também aumentaram os serviços comunitários, porém, as redes técnicas de água e esgoto desta área eram muito antigas e não conseguiam dar conta da demanda que se tinha na época e muitas das obras construídas para a população eram de baixa qualidade (poucos recursos, inexperiência) e em poucos anos, se encontrariam em tão mau estado quanto alguns prédios antigos (OCHOA ALOMÁ, 2015). Para o ano 1990 tinham sido recuperados mais de cinquenta prédios (PLAN MAESTRO, 2006) e a configuração visual do Centro Histórico de Havana Velha começava a mudar positivamente. Mas, com o colapso do bloco socialista europeu, e com a desintegração da União de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o panorama econômico se transformaria radicalmente para o país. Com a crise econômica que atravessava o país na década de 1990, a UNESCO incitou novamente à cooperação internacional para ajudar na reabilitação de Havana Velha. Desta forma, o país recebeu assistência técnica e econômica de países como: México, Espanha, Itália e Bélgica que somavam até 2008, 25,8 milhões de USD (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2009). A figura 30 mostra o comportamento da cooperação internacional de 1994 a 2008, evidenciando que num ano se chegaram a receber mais de 300 mil USD para este fim.

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Figura 30: Cooperação internacional (1994-2008)

FONTE: Elaborado pela autora (2019) a partir de informações extraídas de Rodríguez Alomá (2009)

As cifras demonstram que mesmo se tratando de um país fechado, pela via do patrimônio e partir da declaratória da UNESCO, se recebeu auxílio internacional para os trabalhos de resgate do patrimônio cultural no Centro Histórico de Havana Velha. Mesmo após a declaratória da UNESCO ter constituído um reconhecimento dos valores culturais e históricos do Centro Histórico de Havana Velha e do sistema defensivo da cidade, dado relevância internacional ao conjunto, contribuído no amadurecimento da consciência nacional para dar importância à preservação deste espaço, oferecido auxílio financeiro para alguns trabalhos de resgate e incitou à cooperação internacional para a reabilitação, a declaratória em si mesma não impulsionou as cifras de turistas internacionais em Cuba ou no Centro Histórico. A figura 31 permite observar o crescimento do número de turistas que visitavam Cuba desde 1980, antes da declaratória, até 1990. Porém, segundo Martín Fernández (2008), este crescimento está associado ao próprio aumento dos turistas na área do Caribe neste período procurando destinos de sol e praia. 83

Figura 31: Chegadas turísticas a Cuba no período 1980-1990

FONTE: Elaborado pela autora (2018) a partir de informações extraídas de Ayala (2001) e Marín Fernández (2008)

A declaratória da UNESCO vai dar notoriedade ao Centro Histórico para o desenvolvimento do turismo cultural, pois garantia uma visibilidade a nível internacional (PLAN MAESTRO, 2006), mas, isto acontecerá na década de 1990, especificamente a partir de 1993, momento em que o governo decide desenvolver o turismo cultural neste espaço e a partir da criação da Companhia Turística Habaguanex, como se explicará no próximo subitem. A declaratória do Centro Histórico de Havana Velha e seu sistema defensivo, foi um ponto fundamental no processo de renovação urbana deste espaço, pois a UNESCO ofereceu meios econômicos para que isto acontecesse, motivou a cooperação internacional e a declaratória gerou compromisso a nível do governo nacional com a recuperação, e assim, o Estado destinou uma suma de dinheiro para trabalhos que mudassem a imagem do Centro como se explicou anteriormente. Além disso, ainda que não tinha sido utilizada, num primeiro momento, para aumentar os fluxos turísticos, a declaratória deu relevância a um lugar pouco visitado, legitimando seu valor histórico e cultural e transformando-o num atrativo turístico que podia ser explorado ou não. A conotação internacional da declaratória é utilizada atualmente nas campanhas turísticas que procuram promocionar Havana Velha como destino de turismo cultural, difundidas por INFOTUR (2019) e Cuba-Portal del Turismo (2019). 84

2.4 O TURISMO COMO ESTRATÉGIA ECONÔMICA E A CRIAÇÃO DA COMPANHIA TURÍSTICA HABAGUANEX S.A. NA DÉCADA DE 1990 Na década 1990 o país passava por uma séria crise econômica, pois como consequência do colapso do bloco socialista europeu e da desintegração da URSS, Cuba deixou de receber o apoio econômico proveniente do Conselho de Ajuda Mútua Econômica (CAME). Desta forma, o governo também não contava com os recursos financeiros necessários para dar continuidade as atividades de reconstrução no Centro Histórico e suspendeu o orçamento aprovado em 1981, com o qual se estavam desenvolvendo esses trabalhos. Se iniciava, desta maneira, em Cuba, o chamado Período Especial, que foi uma etapa de crise econômica. O produto interno bruto (PIB) cubano caiu de -2,90%, em 1990, para -14,9%, em 1993. As exportações e importações diminuíram a menos da metade das realizadas antes do início desta etapa; escassearam o petróleo, os fertilizantes, os insumos agrícolas, os alimentos e os produtos básicos; o fornecimento de energia elétrica e os sistemas de transporte também se tornaram instáveis (SANTOS, 2014). É por estas razões que o governo da Ilha optou por desenvolver o turismo internacional como via para obter recursos financeiros e normalizar a situação econômica no país. Em 1993 se pensou também no turismo como uma solução que permitiria continuar desenvolvendo os trabalhos de resgate e recuperação de maneira autofinanciada no Centro Histórico de Havana Velha. Desta forma, se assinou, em 1993, a Lei-decreto 143 que declara ao Centro Histórico “área de conservação de máxima prioridade” e responsabilizava, uma vez mais, à Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana para a sua recuperação como contempla a constituição da Companhia Turística Habaguanex, S. A. e facilita os meios econômicos e legais para sua criação. A mesma se dedicaria à atividade turística e arrecardaria divisas frescas que se inverteriam na salvaguarda do Centro Histórico (LEAL, 2004). Assim, a Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana, que tinha sido criada com o objetivo de proteger e restaurar o patrimônio cultural da zona de Havana Velha, resgatar e divulgar a história do centro urbano da cidade, teria, a partir deste decreto, que fazer frente à responsabilidade de criar e gerir as instalações turísticas e comerciais próprias - e depois um sistema empresarial -, que proporcionaram os recursos econômicos necessários para continuar o projeto de recuperação, sem esquecer a necessidade da reanimação cultural e social do entorno. Sem mudar o conceito desta instituição se lhe 85

somavam novas funções que fugiam das razões pelas quais havia sido criada, assim, o que acontece não é que a OHCH se dedicasse à atividade turística como primeira função, e sim que a atividade turística atrairia os meios financeiros para continuar o trabalho de proteção do patrimônio cultural. Habaguanex, empresa turística gerida pela OHCH, começou a operar com um único hostel de doze quartos e uma cafeteria (CASTILLO, 2010), mas, com um amplo programa de investimentos conta hoje com 21 hotéis, localizados em imóveis reabilitados e redesenhados nas suas novas funções; 36 restaurantes, 56 cafeterias e 112 lojas (PÉREZ CORBEA, 2010 e GAVIOTA HOTELES, 2018). Habaguanex surgiu para operar o maior peso da atividade turística do Centro Histórico e do município de Havana Velha em geral, por esta razão, adquiriu alguns antigos hotéis localizados na zona como Florida, Ambos Mundos, Santa Isabel, Telégrafo e mansões coloniais que foram convertidas em hotéis, como é o caso do Hotel Santa Isabel (Figura 32), antiga casa dos Condes de Santovenia ou do Hotel Marqués de Prado Ameno (Figura 33) antiga moradia da família de Cárdenas. Uma das características distintivas desta companhia é o fato de que as suas instalações se encontram em prédios de grande valor histórico e cultural, que foram refuncionalizados para a atividade turística. Figura 32: Hotel Santa Isabel

FONTE: Da autora (2018)

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Figura 33: Hotel Marqués de Prado Ameno

FONTE: https://www.trivago.com.br/havana-33570/hotel/marques-de-prado-ameno-1337368

Dentro do Centro Histórico operam outras companhias, pois todas as agências de viagens podem realizar passeios turísticos na zona, mas a atividade hoteleira está praticamente concentrada em Habaguanex, pois só existem oito hotéis que não pertencem a este grupo: Plaza, Inglaterra e Mercure Sevilla, do Grupo Hotelero Gran Caribe S.A., o Gran Hotel Manzana Kempinski e o Iberostar Grand Packard do Grupo de Turismo Gaviota, o Iberostar Parque Central do Grupo Cubanacán e o Caribbean de Hoteles Islazul. Na década dos 1990 foram fundadas várias instituições no Centro Histórico que poderiam se dividir em dois grupos: geradoras de divisas e gestoras da recuperação urbana, social e cultural da área. Ambos os grupos trabalhariam em conjunto e sob a direção da OHCH. Habaguanex foi a primeira de um sistema de empresas que surgiu para gerar os recursos econômicos para a recuperação dos espaços públicos do Centro histórico. Porém, não se podia perder de vista o interesse de recuperação urbana na área e, para guiar os estudos técnicos, sociais e econômicos sobre o centro, surge, em 1994, o Plan Maestro (LEAL, 2004). Depois da proclamação do Acuerdo 2951, de novembro de 1995, que declara o Centro Histórico “(…) zona de alta significación para el turismo(...)” (LEAL, 2004: p. 69), se criaram também a agência de viagens San Cristóbal, nesse mesmo ano para complementar a oferta turística de Habaguanex, fornecendo um serviço especializado em turismo histórico, cultural e patrimonial; e as empresas imobiliárias Aurea, Fénix e Mercurio, a partir de 1996, para alugar locais recuperados de alto standing. Segundo Rodríguez Alomá (2009), das empresas pertenecientes à OHCH, é a Habaguanex a que 87

maior lucro gera, pois, seus rendimentos anuais superavam os 129,1 milhões de CUC - equivalente ao dólar estadunidense- no 2008. Com este modelo de gestão se tem obtido, desde 1994 à atualidade, mais de 500 milhões de dólares (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2012). Este ganho provém, principalmente, do uso turístico de prédios de valor monumental, e dos serviços que se encontram nesta área urbana. O orçamento arrecadado se investiu no Centro Histórico e em outras zonas de Havana. “De estos recursos el 45 % se destina a proyectos productivos, el 35 % a programas sociales y el resto a colaborar con otros sitios de la ciudad y la nación” (LEAL, 2004, p. 4). Segundo Blanco (2009), foram restaurados com o dinheiro arrecadado e com o trabalho do sistema empresarial da OHCH um grande número de atrativos turísticos: 40 museus e casas-museus, 22 lugares históricos, 13 igrejas de importância arquitetônica e social, 21 galerias de arte, 9 teatros, 9 livrarias e bibliotecas, 11 centros de promoção cultural e 5 praças principais. Da mesma forma, a produção cultural também aumentou, conforme ressalta Quintana et al. (2005, p. 109): En el ámbito de los espectáculos y eventos se presenta un crecimiento de las agrupaciones profesionales, en el número de exposiciones del movimiento de la plástica y además un desarrollo de programas y festivales que promueven la afluencia turística tales como: el Festival de Ballet, el Festival Internacional de Teatro, Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, La Feria Internacional del Libro, Festivales de Coro, Guitarra, Jazz, entre outros.

Como parte do processo de reabilitação, as imobiliárias Aurea e Fénix restauraram apartamentos de alto standing e escritórios para serem dedicados ao aluguel. Estas ações permitem, por um lado, resgatar prédios de alto valor patrimonial e, por outro, arrecadar dinheiro que possa ser empregado no financiamento de projetos sociais. Alguns exemplos de prédios deste tipo são o Emilio Bacardí, a antiga Lonja do Comércio (Figura 34) e o Gómez Vila (Figura 35), na Praça Velha (LEAL, 2004). Segundo RODRÍGUEZ ALOMÁ (2012), nesta etapa se restaurou um terço do Centro Histórico.

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Figura 34: Antiga Lonja do Comércio

FONTE: https://www.cubaconecta.com/lugares-interes/articulos/2017-12-18-u43-e42-lonja-comercio-habana

Figura 35: Edifício Gómez Vila

FONTE: http://cuba-explore.com/es/Arquitectura/Camara-Oscura

Como se explicou anteriormente, 35% do capital obtido com a atividade turística foi investido em programas sociais procurando elevar a qualidade de vida dos moradores (LEAL, 2004). Desta forma, um dos primeiros pontos a ser trabalhado para melhorar estas condições foi a moradia. Para Castillo (2010), no caso do Centro Histórico de Havana Velha, muitas casas coloniais que abrigavam a várias famílias sem as condições mínimas requeridas foram transformadas em casas de apartamentos, tal como o prédio da rua San Ignacio, 360, que foi reabilitado mantendo a função habitacional. 89

Além disso, se criaram programas para atender as necessidades dos setores mais vulneráveis da população como: idosos, mulheres e crianças. Se reabilitaram o Hogar Materno Doña Leonor Pérez para abrigar as mulheres grávidas que não podem estar nas suas casas por diversos motivos, a Clínica de Rehabilitación Infantil Senén Casas Regueiro, o Centro Geriátrico Santiago Ramón y Cajal e o Centro para la Tercera Edad (LEAL, 2004). Foram restauradas as escolas Ángela Landa, Mariano Martí, Carlos Manuel de Céspedes, Israel Cabrera e José Martí, e se criou a Escuela Taller Gaspar Melchor de Jovellanos, para formar a jovens em trabalhos de restauração de patrimônio (LEAL, 2004). Segundo Rodríguez Alomá (2012), se criaram mais de 13 000 empregos, sendo 50% destes destinados aos moradores locais. Estas ações conseguiram, em certa medida, melhorar a qualidade de vida de uma parte dos moradores: os atingidos por estes programas. Para conseguir o objetivo de recuperar o Centro Histórico e o seus bens patrimoniais (LEAL, 2004) a OHCH estabeleceu um grupo de trabalho (Figura 36) composto por diversos organismos e entidades (como é o caso do Plan Maestro); um conjunto de departamentos especializados no planejamento econômico, territorial, social e cultural e um sistema empresarial centrado nas atividades turística e imobiliária, fundamentalmente, que oferecia os recursos econômicos para desdobrar um plano de desenvolvimento que abarca a recuperação patrimonial como um todo, incluindo a recuperação e a refuncionalização dos prédios, monumentos, praças e parques, o resgate de tradições culturais como as comparsas, os zanqueros6, mas também que beneficiasse a população que morava, e mora, no Centro Histórico de Havana Velha. Este conjunto de instituições, direções e empresas eram administradas pela OHCH e realizam um trabalho conjunto.

6 Pessoas, fantasiadas ou não, que desfilam e dançam sobre zancos (altos postes de madeira) a uma altura considerável do solo. 90

Figura 36: Organigrama da Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana

FONTE: Rodríguez Alomá (2001)

Os autores analisados, Leal (2004), Plan Maestro (2004), Castillo (2010) e Rodríguez Alomá (2012), com formações e carreiras bem diferentes, concordam que a OHCH não virou uma empresa turística, pois, segundo eles, a realização das atividades turísticas no seio da instituição foi uma ferramenta para arrecadar o dinheiro necessário para realizar as atividades de resgate patrimonial do Centro Histórico para a população, e que isto só foi possível pelo apoio do governo, ou a existência de uma única organização com autoridade para a condução deste processo de reconstrução - a OHCH -, a legislação sobre patrimônio, as atividades econômicas de autofinanciamento e o fato de que alguns imóveis fossem próprios da Oficina. Em Cuba as instituições turísticas não estão centralizadas no Ministerio de Turismo (MINTUR). Estas instalações estavam divididas, até final de 2016, entre o Grupo de Administración Empresarial (GAE) (pertencente às Fuerzas Armadas Revolucionarias 91

(FAR) que opera o turismo mediante a empresa Grupo de Turismo Gaviota S.A.; a Oficina del Historiador de la Ciudad com a Companhía Turística Habaguanex, S. A. e o MINTUR. Em agosto de 2016 as instituições pertencentes a Habaguanex passaram para as mãos das FAR. Esta mudança modificou a estrutura da OHCH. Pareceria um lógico retorno gradual às funções iniciais da Oficina uma vez que o país parece ter sobrepassado o período de maior crise, porém, pouco se tem explicado sobre com quais recursos econômicos continua o processo de recuperação do Centro Histórico, pois o trabalho de recuperação não parou e continua até a atualidade. Os objetivos fundacionais da OHCH de preservar os valores patrimoniais, tangíveis e intangíveis, do Centro Histórico de Havana Velha deveriam combinar, a partir da década de 1990, com funções de administração de un sistema empresarial. A transformação da paisagem urbana e a recuperação do patrimônio arquitetônico requeria recursos financeiros que possibilitassem a sua materialização. No contexto do país, a solução mais pragmática era optar pela via autofinanciada. E o processo que se iniciou com o interesse de conservação dos valores históricos e culturais da zona, virou uma estratégia econômica que colocou o Centro Histórico de Havana Velha no mercado turístico global. Segundo Carrión (2006), assistimos à utilização do antigo como uma estratégia para o futuro. Em Havana e no seu núcleo fundacional aconteceu o que ocorria nessa etapa em outras cidades de América Latina. O centro começava a ser embelezado, seguro e os prédios refuncionalizados para abrigar atividades culturais, de lazer ou turísticas. Se produzia uma mercadoria para ser vendida em forma de produto turístico e se apostava nessa indústria. Porém, este processo tinha algumas diferenças dos que aconteciam no Sul do continente. Por um lado, a infraestrutura, os serviços e o espaço não foram privatizados, e são o governo e as instituições -fundamentalmente a OHCH- os encarregados de regular a atividade turística e recebem os rendimentos. E, por outro lado, o trabalho realizado pela Oficina parece estar orientado também a pensar na projeção social deste espaço: no bem- estar e na integração da população ao processo.

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3. REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA

3.1 A REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA DAS EDIFICAÇÕES NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA Desde a etapa da colônia, Havana Velha recebeu, pela sua localização na baía, um alto número de flotas, marinheiros e viajantes. Por esta razão, nas cercanias do porto sempre existiram lugares simples para o alojamento e refeições para quem chegava. Porém, os primeiros hotéis da cidade datam da década de 1860 e foram construídos com o estabelecimento de linhas marítimas regulares entre várias cidades costeiras estadunidenses e Havana (AYALA, 2001). Mesmo se estas viagens fossem motivadas por fins turísticos, este setor só iria se desenvolver realmente no século seguinte. Entre as décadas de 1920 e 1950 se construíram grandes e luxuosos hotéis na cidade que recebiam fundamentalmente turistas estadounidenses (AYALA, 2001). Mas, nesta etapa, as construções não se concentraram na parte antiga da cidade, e mesmo quando se edificaram alguns hotéis como o Ambos Mundos e o Park View, as obras estavam orientadas mais ao Vedado, nova zona nobre e da moda. As mudanças econômicas e políticas que aconteceram em Cuba a partir de 1959, transformaram o panorama do desenvolvimento turístico do país. Até 1989 praticamente desapareceu na ilha o turismo internacional e o setor estava orientado ao fomento do turismo nacional. Como foi explicado anteriormente, com o início da etapa conhecida como Período Especial, o governo vê no turismo uma oportunidade para sair da crise através dos ingressos que esta atividade gera. Assim, a partir dos anos 1990, o governo traça uma estratégia com o objetivo de desenvolver o turismo, e as ações, segundo Ayala (2001), se centram na construção de novos hotéis e na recuperação dos já existentes; no estabelecimento de vínculos comerciais com touroperados e empresas hoteleiras estrangeiras para que começassem a operar em Cuba; na criação de agências nacionais, com seus próprios sistemas de comercialização e recepção turística e na organização de um sistema de capacitação e seleção dos trabalhadores do setor. Na etapa de 1990 a 1994, o setor turístico é um dos poucos setores da economia cubana que cresce (MARTÍN FERNÁNDEZ, 2008). A figura 37, apresenta o ininterrupto crescimento dos visitantes e dos rendimentos da atividade de 1990 a 1994:

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Figura 37: Turistas e rendimentos do setor no período 1990-1994

FONTE: Ayala (2001)

Porém, o aumento nas cifras de turistas nesta primeira etapa esteve associado principalmente ao desenvolvimento da modalidade de sol e praia, pois só no ano 1994 se inicia uma etapa de redesenho do turismo no país. Esta reestruturação se realiza para transmitir uma imagem de Cuba como destino integral, diversificando o produto mediante a potenciação dos valores históricos, culturais e naturais do país. Assim, a partir de 1994, começa a crescer o turismo cultural nos centros históricos de Havana Velha, Trinidad, Cienfuegos, Camagüey e Santiago de Cuba, distribuindo os fluxos turísticos nas diferentes regiões, influenciando na recuperação do patrimônio cultural edificado e vinculando a população com a atividade turística a partir da geração de empregos (AYALA, 2001). O desenvolvimento do turismo cultural influenciou nos fluxos de turistas que chegavam a Cuba no período, pois, em 1996, se sobrepassa o milhão de turistas. A figura 38 apresenta o aumento das cifras de turistas e dos rendimentos de 1995 a 2000, já influenciado pela quota correspondente ao turismo cultural.

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Figura 38: Turistas e rendimentos do setor no período 1995-2000

FONTE: Ayala (2001)

No Centro Histórico de Havana Velha a tarefa de desenvolver o turismo cultural era responsabilidade principalmente da OHCH e da sua empresa turística Habaguanex. A análise anterior do setor turístico na cidade de Havana, mostra que a parte antiga da cidade não tinha uma grande planta hoteleira. Porém, era a zona que abrigava o maior número de edificações de valor patrimonial, monumentos e museus que poderiam ser atrativos para o turismo. Mas, mesmo quando existiam prédios históricos e a imagem urbana deste centro preservava a sua integridade, as edificações estavam num avançado grau de deterioração ou eram ruínas parciais (CASTILLO, 2001). Correspondeu a OHCH e ao conjunto de departamentos e organismos vinculados a ela transformar a paisagem do Centro Histórico. Assim, a partir de 1994, muitos antigos palácios e casas coloniais que pertenceram às classes endinheiradas cubanas foram reabilitados e transformados em hostels e hotéis, e os hotéis que já existiam foram restaurados. O Quadro 7 resume o estado atual da planta hoteleira do Centro Histórico de Havana Velha. A zona possui 29 hotéis: destes 21 pertencem à marca Habaguanex, agora operada pelo Grupo de Turismo Gaviota; 2 de recente inauguração, que são também do Grupo Gaviota, 4 do Grupo Hotelero Gran Caribe, 1 do Grupo Cubanacán e 1 de Hoteles Islazul. A grande maioria das instalações se encontra localizada em prédios dos séculos XVII, XVIII e XIX de valor histórico e cultural. Estas edificações foram submetidas a processos de restauração e em alguns casos de reconstrução pelo avançado estado de deterioração, mas mesmo nos piores casos de destruição se puderam preservar algumas 95

estruturas, tais como: corrimãos, sacadas, vitrais, louças, entre outros elementos (PLAN MAESTRO, 2006). Estes imóveis de valor patrimonial pertenciam principalmente à função habitacional, eram escritórios ou armazéns vinculados às atividades do porto ou colégios e adquiriram novos usos vinculados ao turismo. O processo de recuperação, refuncionalização e abertura das instalações foi paulatino se se analisam as datas de abertura como hotéis de Habaguanex, marca que possui o maior número de hotéis em construções de valor patrimonial que, antes, tinham outra função, não vinculada ao turismo. Esse processo que se inicia em 1994 e chega até a atualidade.

Quadro 7: Alojamentos turísticos estatais no Centro Histórico de Havana Velha Habaguanex (por Gaviota) Hotéis e Hostels Função anterior Data de Abertura construção como hotel de Habaguanex Hotel Ambos Mundos Hotel (hospedou em várias ocasiões a 1925 1997 Ernest Hemingway) Hotel Armadores de Moradia do Conde de la Mortera 1897 2002 Santander Escritórios de armadores da cidade de Santander, Espanha Atividades de comércio como bar, barbería, casa de troca de moedas, venda de charutos, cigarros e café Casa Balear, associação de espanhóis 1903 a 1909 Hotel El Universo desde inícios do século XX Casa del Joven Creador, instituição cultural (uso em 1995) Hotel Beltrán de Santa Casa de Gabriel Beltrán de Santa Cruz, Século XVIII 2002 Cruz primeiro Conde de San Juan de Jaruco Cortiço7 na segunda metade do século XX Hotel Conde de Villanueva Casa de Claudio Martínez de Século XVIII 1994 Pinillos, Conde de Villanueva Fondo Cubano de Bienes Culturales Hotel El Comendador Casa da família de Século XVIII 1999 Don Pedro Regalado Pedroso y Zayas, Comendador de la orden de Isabel la

7 Os cortiços do Centro Histórico de Havana Velha são antigos palacetes e mansões coloniais que foram transformados em prédios multifamiliares com habitações pequenas e ocupadas por pessoas de baixa renda. No Centro Histórico existem mais de 850 cortiços (PLAN MAESTRO, 2016). Em Cuba são chamados de ciudadelas.

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Católica Casa da família de Don Pedro Regalado Pedroso y Pedroso, Comendador de la Orden de Carlos III Comércio, armazém, escritório e moradia inícios do século XX Cortiço na segunda metade do século XX Hotel El Mesón de la Flota Comércio e armazém no primeiro - 2000 andar e moradia no segundo Hotel Florida Casa de Joaquín Gómez 1836 1994 Hotel a partir de 1885 Club Británico de La Habana década de 1930 Sociedad Mercantil Anónima Inmobiliaria Bancofo S.A. 1959 Armazém e escritório na década dos 1960 Hotel Los Frailes Casa do marqués Pedro Claudio Século XVIII 2001 Duquesne Armazém no primeiro andar e moradia no segundo primeiraa metade do século XX Cortiço na segunda metade do século XX Hotel Marqués de Prado Casa da família de Prado Ameno Primeira 2008 Ameno Moradia de diversas famílias década do Prédio de casas de aluguel inícios do século XVIII século XX Comércio e armazém Imprenta de La Gaceta Oficial Hotel Marqués de San Propriedade de Don Sebastián de Fins do 2010 Felipe y Santiago de Peñalver IV Marqués de San Felipe y século XVIII Bejucal Santiago Função comercial século XIX Escritórios na segunda metade do século XX Oficina del Historiador de la Ciudad década del 1990 Hotel Palacio O'Farrill Casa de Don José Ricardo O’ Farrill, 1832 2002 nobre da etapa colonial Escritórios: Registro de Propiedad, Tribunal Supremo y la Fiscalía, Secretaría de Justicia, Colegio de Abogados e o Fondo Especial de Obras Públicas Hotel Park View Hotel 1928 2002 97

Hotel Raquel Construído para escritórios e armazéns 1905 2003 de tecidos Cámara de Comercio, Industria y Navegación de Cuba Escritórios e moradia na década de 1960 Hotel San Miguel Casa de Antonio San Miguel y Segalá, 1860 2000 promotor cultural Escritórios Ministerio de Salud Pública desde 1959 Hotel Santa Isabel Antiga casa dos Condes de Santovenia Inícios do 1997 Hotel a partir de 1867 século XVIII 1889 Lonja de Víveres de La Habana 1943 Escritório, armazém e comércio segunda metade do século XX Moradia de várias famílias Cortiço na década de 1990 Hotel Saratoga Construído com fins comerciais para 1880 2005 funcionar como armazéns, moradias e casas de hóspedes Hotel Alcázar a partir de 1911 Hotel Saratoga 1933 Cortiço desde 1960 Hotel Tejadillo Conjunto de casas dos séculos XVIII, Séculos 1999 XIX e XX XVIII, XIX e Colégios religiosos das ordens Sagrado XX Corazón (1888-1950) e das Hijas de María Auxiliadora (1945-1961) Hotel Telégrafo Hotel Entre 1858 e 2001 1863 Hostal Valencia Casa do regedor Sotolongo Finais do 1994 Casa de Oficios e Obrapía século XVIII Hotel Habana 612 Casa de família Século XIX 2016

Grupo de Turismo Gaviota

Hotéis e Hostels Função anterior Data de Abertura construção como hotel de Gaviota Gran Hotel Manzana Primeiro Centro Comercial Cubano 1894 a 1917 2017 Kempinski (com lojas, escolas de comércio Pittman e Gregg, cartório, escritórios de advogados, escritório da revista Show) Escolas, comércios e escritórios até 98

2014

Iberostar Grand Packard Hotel Biscuit Década de 2018 Hotel Packard desde 1931 1920 Cortiço desde a década de 1980 até o ano 2000 Grupo Hotelero Gran Caribe S.A.

Hotéis Função anterior Data de Última construção restauração Hotel Gran Caribe Plaza Casa da família Pedroso 1895 a 1909 1991 Escritório do Diario de la Marina 1912 Hotel Leal (um segmento do prédio) Hotel Gran Caribe Hotel 1856 1989 Inglaterra Hotel Mercure Sevilla Hotel 1908 1993 Habana Grupo Cubanacán

Hotéis Função anterior Data de Última construção restauração Hotel Iberostar Parque Hotel 1998 2010 Central Moradia e comércios Hoteles Islazul

Hotéis e Hostels Função anterior Data de Última construção restauração Hotel Islazul Caribbean Hotel 1956 2006

FONTE: Elaborado pela autora (2018) a partir de informações extraídas de Martin Zequeira e Rodríguez Fernández (1995), Blanco (2009), Emisora Habana Radio (2019), Hoteles Habaguanex (2019) e Holiplus (2019)

Como se pode observar no quadro anterior, alguns dos prédios que foram refuncionalizados para serem convertidos em hotéis anteriormente eram cortiços que abrigavam a numerosas famílias de baixa renda. Tal é o caso dos atuais hotéis Beltrán de Santa Cruz, El Comendador, Los Frailes, Santa Isabel, Saratoga e Iberostar Grand Packard. Para que estas construções pudessem adquirir este uso turístico, muitas famílias foram removidas para outras zonas da cidade, com maior frequência para , zona periférica longe de Havana Velha, como indica Scarpacci (2000). Os prédios de excepcionais valores históricos e culturais foram restaurados, embelezados e transformados em recursos turísticos, mas, para serem desfrutados por novos usuários, aqueles com os 99

recursos econômicos necessários e o tempo para realizar turismo no Centro Histórico, os moradores tradicionais não puderam permanecer. A refuncionalização turística acentua as contradições socioespaciais, pois por um lado se investe na recuperação do Centro Histórico, mas, por outro, uma parte dos moradores tradicionais, a população mais pobre que mora nos cortiços, são removidos para zonas periféricas com menos serviços, ofertas culturais e maiores problemas de transporte, como se abordará nos próximos capítulos. Desta forma, a cidade se fragmenta em função das classes sociais e da renda. As figuras 39 e 40 mostram antigos cortiços refuncionalizados para a atividade turística.

Figura 39: Cortiço na antiga moradia de Beltrán de Santa Cruz (esquerda) e Hotel Beltrán de Santa Cruz (direita) depois da refuncionalização

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/antigua-casa-de-gabriel-beltran-de-santa-cruz-2/

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Figura 40: Cortiço da rua Teniente Rey (esquerda), hoje Hotel Los Frailes (direita)

FONTE: http://www.habanaradio.cu/articulos/edificio-de-la-calle-teniente-rey-no-8-entre-oficios-y- mercaderes/

Além da refuncionalização destes antigos prédios, citados no quadro 7, para serem convertidos em alojamentos turísticos, como parte da estratégia para inserir a Cuba no mercado turístico global, se fez necessária a criação de vários restaurantes, bares e cafeterias. Se bem este tipo de instalações não se concentram exclusivamente, no Centro Histórico, na Companhia Habaguanex, pois existem instituições do Grupo Extrahotelero Palmares e do Grupo de Turismo Gaviota, Habaguanex possui o maior número de instalações deste tipo na zona com 36 restaurantes e 56 cafeterias (PÉREZ CORBEA, 2010). O Quadro 8 se centra na análise dos restaurantes de Habaguanex, pois segundo Leal (2004) as instalações desta companhia se caracterizam por estar localizadas em prédios de valor patrimonial que tem adquirido novos usos. A maioria destas instalações datam dos séculos XVII, XVIII e XIX e as suas funções anteriores estavam relacionadas à moradia, ensino, armazéns e escritórios vinculados à atividade do porto, mas também aos serviços, pois vários se encontram em imóveis que sempre estiveram vinculados a este setor, mesmo se não estavam orientados ao turismo especificamente. Alguns destes restaurantes oferecem pratos tradicionais da gastronomia cubana, fazendo da culinária costumbrista um atrativo turístico mais.

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Quadro 8: Bares e restaurantes de Habaguanex no Centro Histórico de Havana Velha Habaguanex Restaurantes Função anterior Data de Abertura construção como bar de Habaguanex Restaurante a Prado y Bodega de madeira Século XIX 1999 Neptuno Café de las Columnas 1899 Restaurante Bar Miami 1939 Restaurante Caracas y Budapest década dos 1980 Restaurante Anacaona Construído com fins comerciais para 1880 2005 (Hotel Saratoga) funcionar como armazéns, moradias e casas de hóspedes Hotel Alcázar a partir de 1911 Hotel Saratoga 1933 Cortiço desde 1960 Restaurante Bodegón Casa da família de Século XVIII 1999 Onda (Hotel Comendador) Don Pedro Regalado Pedroso y Zayas, Comendador de la orden de Isabel la Católica Casa da família de Don Pedro Regalado Pedroso y Pedroso, Comendador de la Orden de Carlos III Comércio, armazém, escritório e moradia inícios do século XX Cortiço na segunda metade do século XX Restaurante Cabaña - - - Restaurante Café del - - 1997 Oriente Restaurante Cantabria Moradia do Conde de la Mortera 1897 2002 (Hotel Armadores de Escritórios de armadores da cidade de Santander) Santander, Espanha Atividades de comércio como bar, barbería, casa de troca de moedas, venda de charutos, cigarros e café Casa Balear, associação de espanhóis 1903 a 1909 Hotel El Universo desde inícios do século XX Casa del Joven Creador, instituição cultural (uso em 1995) Restaurante Casa de la Casa 1640 - Parra Restaurante Castillo de Bar-restaurante 1896 - 102

Farnés Restaurante Conde del Propriedade de Don Sebastián de Fins do 2010 Castillo (Hotel Marqués de Peñalver IV Marqués de San Felipe y século XVIII San Felipe y Santiago de Santiago Bejucal) Função comercial século XIX Escritórios na segunda metade do século XX Oficina del Historiador de la Ciudad década del 1990 Restaurante Don Giovanni Mansão colonial Século XVIII 1994 Restaurante Don Ricardo Casa de Don José Ricardo O’ Farrill, 1832 2002 (Hotel Palacio O´Farril) nobre da etapa colonial Escritórios: Registro de Propiedad, Tribunal Supremo y la Fiscalía, Secretaría de Justicia, Colegio de Abogados e o Fondo Especial de Obras Públicas Restaurante Dos Bar-restaurante Los Dos Hermanos Mediados do - Hermanos século XX Restaurante El Baturro Armazém 1919 - Cantina Restaurante El Condado (Hotel Santa Isabel) Antiga casa dos Condes de Santovenia Inícios do 1997 Restaurante El Mesón de Hotel a partir de 1867 século XVIII la Flota (Hotel Santa 1889 Lonja de Víveres de La Habana Isabel) 1943 Escritório, armazém e comércio segunda metade do século XX Moradia de várias famílias Cortiço na década de 1990 Café el Mercurio Antiga Lonja de Víveres de La Habana 1909 1997 Antiga Lonja de Comercio Prédio de diferentes escritórios

Restaurante El Patio Palácio colonial do Marqués de Aguas Século XVIII - Claras Lugar de reunião da bohemia havanesa na décadas de 1980 Restaurante Bar Entre 1928 e - 1931 Restaurante Europa Pastelería Século XIX - Restaurante Factoría Plaza Casa - - Vieja Comércio Restaurante Jardín del Construído para escritórios e armazéns 1905 2003 Edén (Hotel Raquel) de tecidos Cámara de Comercio, Industria y Navegación de Cuba 103

Escritórios e moradia na década de 1960 Restaurante La Barca Propiedade da sociedade comercial - - González y Suárez para a importação de suministros Sede de várias entidades britânicas: Legação diplomática do Reino Unido em Habana, Havana Coal Co., Havana Marine Railways Co. propriedade do fundo de investimentos da Rainha Victoria e a moradia do capitão Stapleton, fundador do Havana British Club Restaurante La Dominica Antiga cafeteria Século XIX -

Restaurante La Floridana Casa de Joaquín Gómez 1836 1994 (Hotel Florida) Hotel a partir de 1885 Club Británico de La Habana década de 1930 Sociedad Mercantil Anónima Inmobiliaria Bancofo S.A. 1959 Armazém e escritório na década dos 1960 Restaurante La Imprenta Imprenta La Habanera Século XIX 2010

Restaurante La Mina Moradia de Obispos da Iglesia Século XVI - Parroquial Mayor (demolida em 1748 para construir a Catedral de La Habana) Antigo colégio de moças Colegio de San Francisco de Sales 1686-1690 Palacio Episcopal 1758 Pensionato 1917 Restaurante 1984 Restaurante La Paella Casa do regedor Sotolongo Finais do - (Hotel Valencia) século XVIII Restaurante La Torre de - Século XVIII - Marfil Restaurante Plaza de Hotel (hospedou em várias ocasiões a 1925 1997 Armas (Hotel Ambos Ernest Hemingway) Mundos) Restaurante Prado Hotel 1928 2002 (Hotel Park View) Restaurante Puerto de Restaurante 1945 - Sagua 104

Restaurante Santo Ángel Casa colonial Século XIX - Colegio del Santo Ángel para meninos pobres 1866 Conservatorio de Música de Santa Amelia 1932 Restaurante Taberna El Casa da família de Prado Ameno Primeira 2008 Molino (Hotel Marqués de Moradia de diversas famílias década do Prado Ameno) Prédio de casas de aluguel inícios do século XVIII século XX Comércio e armazém Imprenta de La Gaceta Oficial Restaurante Telégrafo Hotel Entre 1858 e 2001 (Hotel Telégrafo) 1863 Restaurante Vuelta Abajo Casa de Claudio Martínez de Século XVIII - (Hotel Conde de Pinillos, Conde de Villanueva Villanueva) Fondo Cubano de Bienes Culturales8 FONTE: Elaborado pela autora (2018) a partir de nformações extraídas de D-Cuba (2019), Restaurantes en Cuba (2019) e Paseos por la Habana (2019)

A figura 41 apresenta a localização de todos os hotéis do Centro Histórico de Havana Velha e dos restaurantes da Companhia Turística Habaguanex. Cada grupo hoteleiro está identificado com uma cor diferente, permitindo apreciar que a maioria dos hotéis do Centro pertence a Habaguanex. Dentro dos círculos marrons, que representam os hotéis de Habaguanex, existem, em alguns casos, pontos azuis que indicam os restaurantes deste mesmo grupo, situados dentro dessas instalações. Além destes estabelecimentos turísticos localizados no mapa, existem restaurantes de outros grupos estatais e negócios privados (tanto alojamentos como restaurantes) orientados ao turismo na zona. Se se tem em conta que a extensão do Centro Histórico é de 2,14 km², se pode afirmar que o Centro Histórico possui um significativo número de estabelecimentos turísticos, pois além de hotéis e restaurantes, existem outros serviços e instalações localizados na zona, orientados a este setor como feiras, agências de viagens, locais para aluguel de carros, dentre outros. Além disso, no mapa se pode apreciar uma concentração das instalações, na parte esquerda, que marca o limite da zona, e onde se localiza o Paseo del Prado, importante via; e na zona direita espaço que abriga as principais praças e perto do Malecón e a área do porto.

8 Instituição que pertence ao Ministerio de Cultura (MINCULT) e que promove e comercializa as obras de artistas cubanos: artesanato, roupas, quadros, dentre outros. 105

Figura 41: Hotéis dos diferentes grupos hoteleiros e restaurantes de Habaguanex no Centro Histórico de Havana Velha

FONTE: Elaborado pela autora (2019) a partir de informações obtidas na Empresa de Proyectos RESTAURA (OHCH) (2018)

A recuperação do Centro Histórico de Havana Velha está estreitamente ligada à refuncionalização turística das formas arquitetônicas, mas, segundo Herrera (2012, s.p.) o maior problema radica nos: 106

objetos e imágenes “añadidas” al espacio público urbano, cuya proliferación en los últimos años, paradójicamente, impide el goce pleno de la arquitectura legada y rescatada con rigor y profesionalidad por arquitectos y constructores de la institución (OHCH): me refiero a la cadena de mesas y sillas que obstruyen el paso en determinadas callejuelas y pasajes del área principal del centro histórico, a macetas y arecas en abundancia de orden y tamaño, a muros bajos para la protección de murales, a profusos afiches e infografías montadas sobre estructuras metálicas en fachadas, esquinas y plazas.

Um exemplo destes muros aos que faz referência Herrera (2012) é o que protege o mural do antigo Liceo Artístico y Literario de La Habana, inaugurado no ano 2000, no qual aparecem importantes figuras da intelectualidade cubana. Muitos são os turistas que passam diariamente por este lugar para fazer fotografias (Figura 42).

Figura 42: Mural do antigo Liceo Artístico y Leterario de La Habana

FONTE: Da autora (2018)

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As praças e ruas de Havana Velha tem sido invadidas pelas mesas dos restaurantes estatais para o turismo, fazendo com que estes espaços públicos sejam exclusivos dos consumidores. A figura 43 mostra, da esquerda para a direita, os restaurantes: Café Paris, La Dominica, La Paella e La Mina -estes três últimos de Habaguanex- que tem se apropriado de ruas centrais transformadas em espaços de uso turístico, o que impede o aproveitamento destes lugares para o encontro e o intercâmbio social dos moradores, mudando a paisagem tradicional desta área urbana. As funções da rua são alteradas e ficam exclusivas para o turista.

Figura 43: Apropriação dos espaços públicos pelos restaurantes turísticos

FONTE: Da autora (2018) 108

Porém, a estratégia turística no Centro Histórico de Havana Velha não se concentra unicamente na recuperação de edificações para serem convertidos em hotéis e restaurantes, e a refuncionalização turística nesta zona não é exclusiva dos prédios com valores históricos e culturais. O Puerto de la Habana também tem sido refuncionalizado para abrigar o negócio turístico. As atividades tradicionais do porto de carga e descarga de produtos tem sido trasladadas a outras zonas da baía, menos visíveis para o turista e, no seu lugar, ocupa este espaço o Terminal Internacional de Cruceros (Figura 44). Especialistas afirmam que esta decisão está relacionada ao avançado nível de deterioração das estruturas do porto, à contaminação das águas que produziam as indústrias próximas e a que as possibilidades comerciais da atividade portuária eram insuficientes (INCLÁN e CASTILLO, 2012), mas, parece ser esta última justificativa a mais certeira, pois as estruturas foram reformadas antes de abrir o terminal de cruzeiros, a função portuária continua a se realizar e as indústrias estão localizadas em outras zonas, só que mais longe da área valorizada pelo turismo. Cabe perguntar se essas áreas não se verão também afetadas pela contaminação num futuro. Assim se erige a razão do lucro financeiro associado ao turismo como o principal motivador na refuncionalização do porto e da área fronteiriça.

Figura 44: Terminal Internacional de Cruceros na Baía de Havana

FONTE: Parra (2015)

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Também, o conjunto de prédios relacionados com a função portuária recebe novos usos recreativos, culturais e turísticos (PLAN MAESTRO, 20016). Os Almacenes de Depósito San José foram refuncionalizados entre 2005 e 2009 (PARRA, 2015) e viraram o Centro Cultural Antiguos Almacenes de Depósito San José (Figuras 45 e 46), um espaço de exposição e venda de artesanatos que, devido aos produtos que comercializa, souvenirs padronizados da maioria dos destinos coloniais, e aos altos preços, está fundamentalmente orientado ao sector turístico. Em 2014 se terminam os trabalhos de refuncionalização do antigo Almacén del Tabaco y la Madera, atualmente Fábrica de Cerveza Artesanal (Figura 47) (PARRA, 2015). O programa de recuperação da antiga zona portuária concluiu, em 2015, a recuperação da Avenida del Puerto e do Separador Central, da Alameda de Paula.

Figura 45: Centro Cultural Antiguos Almacenes de Depósito San José

FONTE: https://br.pinterest.com/pin/482518547550902311/

Figura 46: Artigos comercializados no Centro Cultural Antiguos Almacenes de Depósito San José

FONTE: https://br.pinterest.com/pin/482518547550902311/ 110

Figura 47: Fábrica de Cerveza Artesanal no antigo Almacén del Tabaco y la Madera

FONTE: https://onlinetours.es/blog/post/585/un-almacen-embriagador-en-el-corazon-de-la-habana-vieja Para Inclán et al. (2014, s/n), con estas ações: se aprovecha y se conserva el patrimonio industrial heredado de esta zona. Se potencia la idea de dar un nuevo frente a la ciudad que estuvo ocupado por mucho tiempo por las actividades portuarias y de espaldas a la ciudad. Se propicia la actividad pública y el espacio colectivo, la mezcla de grupos etarios y el espacio público practicado por la población local fundamentalmente

Neste caso, não se trata do aproveitamento do patrimônio industrial em desuso, nem da aparição de novas relações espontâneas com os bens históricos pela mudança social, trata-se da remoção de uma atividade econômica que por séculos tinha acontecido neste espaço e da alteração da dinâmica de vida dos moradores do Centro Histórico que lá trabalhavam por decisões governamentais motivadas por razões econômicas. Não se pode pensar no porto, nas pessoas que frequentavam esta zona, nem nas suas atividades como processos que aconteciam “de espaldas a la ciudad” (INCLÁN et al., 2014, s/n) pois eles eram parte característica da zona e este setor econômico estruturou a cidade por muito tempo. Se a mudança visual e funcional deste espaço tem sido bem recebida pela população, como aponta Parra (2015), e neste espaço “se propicia la actividad pública” (INCLÁN et al., 2014, s/n), tem que se pensar se este espaço está pensado para todos os públicos, pois a maioria dos serviços deste entorno têm preços muito elevados para a população local, fato que transforma esta área numa zona de consumo turístico fundamentalmente. Além da função portuária como atividade econômica, o Centro Histórico de Havana Velha cresceu como núcleo urbano a partir das cinco praças principais e as ruas que as unem (CASTILLO, 2001). Das praças fundacionais: Plaza de la Catedral, Plaza del Cristo, Plaza de San Francisco, Plaza de Armas e Plaza Vieja, as três primeiras abrigam igrejas católicas ou edificações relacionadas à fé. Estes prédios foram construídos inicialmente pelos espanhóis que chegavam no país e traziam com eles as suas tradições e 111

crenças, e constituíram lugares importantes de reunião e devoção. Com a refuncionalização turística do centro, mesmo se continuam com estes usos primários, as igrejas e as praças viraram lugares de contemplação da paisagem histórica e cultural e de apreciação das expressões artísticas: da sua arquitetura e decoração. Estas igrejas são destacadas em várias campanhas turísticas (Figura 48) sobre Havana, fato que influi num alto índice de visitação turística.

Figura 48: Catedral de la Virgen María de la Concepción Inmaculada de La Habana na campanha turística Auténtica Cuba

FONTE: https://thecrazycircus.com/cuba/

Também a Plaza Vieja, uma das praças fundacionais, com a refuncionalização turística do Centro Histórico é transformada num espaço espetacularizado para o turismo. Esta praça e seus prédios foram restaurados, as fachadas dos imóveis pintadas com as cores padronizadas de outros destinos coloniais, a praça foi decorada com esculturas contemporâneas, vasos com arbustos e invadida pelas mesas de diversos restaurantes e cafeterias como: a Factoria Plaza Vieja, o Café el Escorial e o Santo Ángel, que, como explica Choay (2001), costuma acontecer na construção de cidades repetitivas. Este espaço parece uma maquete para o turismo, no qual a população local -que pode e faz uso do espaço público e das atividades culturais que se realizam ao ar livre- parece uma outra personagem na representação de um centro histórico habitado. A figura 49 mostra a praça em 1999, com a reabilitação já iniciada, porém, não concluída; e a figura 50 apresenta este mesmo espaço, em agosto de 2018, completamente refuncionalizado e com uma imagem mais comercial.

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Figura 49: A Plaza Vieja em 1999, já iniciada a recuperação

FONTE: https://placesjournal.org/article/history-of-the-present-havana/?cn-reloaded=1

Figura 50: Imagem atual da Plaza Vieja

FONTE: Da autora (2018) Tanto a Plaza Vieja como o restaurante Santo Ángel, antigo Colegio del Santo Ángel, foram restaurados com dinheiro proveniente da UNESCO, como se analisou em capítulos anteriores. Então, se pode apreciar a influência da UNESCO, não só no processo de renovação urbana, se não também na refuncionalização turística da zona. Para Carrión (2006, p. 196), o desenvolvimento do turismo no Centro Histórico de Havana Velha está vinculado ao: “desarrollo de una imagen basada en la escenografía urbana”. Se bem é certo que o Centro Histórico possui um elevado número de museus - Museo Nacional de Bellas Artes, Museo de la Ciudad de La Habana, Museo Nacional de Historia Natural, Museo Casa Natal de José Martí, dentre outros, com carácter educativo e recreativo dos quais a população pode desfrutar por um preço simbólico, tem se criado 113

também alguns museus, como o Museo del Chocolate, Museo del Ron e Museo del Tabaco, reconhecidos produtos cubanos pela sua qualidade e elementos que distinguem o país para quem chega de fora. Porém, estes museus, situados em casas coloniais do século XVIII, estão mais orientados à degustação e comercialização destes produtos do que à promoção da sua história, realmente mais vinculada a outras regiões do país em cada um dos casos. Se assiste assim à recriação de uma imagem urbana e a ressaltar os produtos que o turista espera encontrar e desfrutar, além do que realmente pode ser característico da cidade. Outro exemplo da transformação do Centro Histórico numa zona eminentemente turística e da recriação das tradições para o turismo é o caso dos coches tirados por cavalos (Figura 51). Os turistas têm a possibilidade de fazer um percurso pela zona histórica da cidade nestes meios de transporte, que eram utilizados no período colonial cubano, mas são pouco viáveis para percorrer, hoje, as longas distâncias da capital. Também é possível encontrar as havanesas (Figura 52), mulheres vestidas com roupas típicas cubanas que percorrem a área. Estas roupas tradicionais não são mais utilizadas pelas mulheres no país, então se trata de uma pessoa fantasiada para atrair o olhar dos turistas. Se trata da recriação de tradições que estão ali por e para os turistas.

Figura 51: Coches de Cavalo no Centro Histórico de Havana Velha

FONTE:https://www.14ymedio.com/economia/turistas-turismo-cuba-Mintur-Mayda_Alvarez-viceministra- inversiones_0_2148385151.html

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Figura 52: Havanesas

FONTE: Da autora (2018)

Até 2010, no Centro Histórico, o setor turístico era gerido fundamentalmente pelas empresas estatais, mas em setembro desse ano, com a flexibilização das leis que permitiram a criação de determinados negócios privados, o número de estabelecimentos particulares direcionados ao turismo aumentou, no país e, nesta zona (ANTÚNEZ, MARTÍNEZ e OCAÑA, 2013). Um ano mais tarde, se aprovou a lei que permitia a compra e venda de casas entre pessoas físicas, isto fez com que acontecessem muitos negócios de compra e venda de moradias, principalmente na parte antiga de Havana Velha, com o objetivo de refuncionaliza-las para serem utilizadas como restaurantes, casas de aluguel ou comércio de artesanatos vinculados ao turismo internacional (PLAN MAESTRO, 2016). Assim, muitos destes novos negócios abriram em prédios de valor patrimonial do Centro Histórico de Havana Velha. Para evitar que as ações construtivas privadas que aconteciam neste processo de refuncionalização danificassem a imagem dos imóveis, o Plan Maestro resolveu que estas ações deviam tender à mínima modificação para não transformar de um jeito irreversível as características do prédio. Quanto aos novos usos estipulou-se: Artículo 452: Se permitirán nuevos usos manteniendo las características espaciales en los espacios principales del inmueble. Cualquier refuncionalización deberá tener en cuenta la capacidad del inmueble para lograr la adecuada accesibilidad y la inserción de soluciones tecnológicas contemporáneas, sobre todo en edificaciones de dos o más niveles donde sea de interés desarrollar actividades de uso público de cierta intensidad y, en especial, si implican la presencia de grupos vulnerables (niños, ancianos y personas con discapacidad). (PLAN MAESTRO, s/a, p. 86)

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Surgem assim, no Centro Histórico, pequenas lojas de artesanato e souvenirs (Figura 53), hospedagens (Figura 54) e restaurantes particulares (Figura 55) em moradias, das quais a população é proprietária. Muitos deles vão ocupar somente um dos andares da construção, podendo ser o primeiro ou o segundo, dependendo do uso, e o outro é utilizado para habitação.

Figura 53: Pequena loja de artesanato privada no Centro Histórico de Havana Velha

FONTE: Da autora (2018)

Figura 54: Hospedagem privada no Centro Histórico de Havana Velha

FONTE: Da autora (2018)

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Figura 55: Restaurante privado “Doña Blanquita” no Centro Histórico de Havana

Velha FONTE: Da autora (2018)

Os negócios privados de venda de artesanatos comercializam produtos padronizados: mercadorias com a imagem do Ché Guevara, de carros antigos, das mulatas, do rum, dos charutos, elementos que para o turista são os símbolos de Cuba. Assim, expressões culturais menos divulgadas, e por tanto menos reconhecidas, deixam de ser produzidas, pois os artesãos ficam a expensas dos interesses do mercado. Os restaurantes e alojamentos particulares, muitos deles localizados em casas de valor patrimonial, às vezes não cuidam da adequada decoração das instalações: as cores, a mobília e os elementos do ambiente não são coerentes e misturam etapas e estilos. Estes cenários são montados para dar um valor cultural agregado na oferta, mas os negócios terminam cuidando mais da mercadoria principal, que das formas culturais e históricas que consideram complementares, e não existe uma fiscalização estatal sobre isto9. Atualmente não existem grandes diferenças entre os negócios privados e os estatais, no referente à qualidade das instalações, dos produtos e dos serviços que prestam ou ao tamanho, como em décadas anteriores. No trabalho de campo alguns entrevistados explicaram que os negócios particulares até chegavam a funcionar melhor que os estatais,

9 Estes dados foram obtidos a partir da observação guiada e as entrevistas no trabalho de campo 117

pois, o pagamento dos empregados era melhor -fator que incidia na sua motivação e disposição- e às vezes tinham os produtos que não estavam disponíveis no setor estatal - cervejas cubanas, maltas- pois os donos se preocupavam mais pelo fornecimento. As figuras 56 -setor privado- e 57 -estatal- mostram dois restaurantes, um de cada setor, e as diferenças visuais dos imóveis não são muito significativas. A maior diferença constatada consiste na importância que oferece cada setor ao valor histórico e cultural dos seus produtos, sendo maior esta preocupação no setor estatal.

Figura 56: Restaurante privado Mojito Mojito

FONTE: Da autora (2018)

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Figura 57: Restaurante estatal La Imprenta

FONTE: Da autora (2018)

Por outro lado, os usos turísticos, privados ou estatais, se concentram nas principais vias e praças do Centro Histórico, e nas suas cercanias. Mas, mesmo nestes espaços, nas zonas abertas ao público que não implicam consumo de mercadorias, se pode apreciar a mistura dos turistas com a população havanesa. O Centro Histórico recuperou a sua posição de centralidade dentro da cidade e constitui um lugar de visitação para os havaneses pelo número de opções culturais, recreativas e comerciais da zona, além da maioria ter preços para o turismo. Mesmo existindo uma refuncionalização turística do centro, ele ainda abriga atividades e usos que também podem ser aproveitados pelos havaneses, moradores ou não de Havana Velha. O quadro 9 permite apreciar que foram recuperados 122 imóveis e espaços dos quais a população pode fazer uso, pois, estão orientados a atividades culturais, educativas ou são espaços públicos, principalmente no período 2000-2008. Os mesmos podem ser utilizados tanto pela população local como pelos turistas internacionais, exceto os imóveis vinculados à educação, por tratar-se principalmente de escolas.

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Quadro 9: Número de imóveis e espaços recuperados segundo a sua função no período 1991-2008

Año/Função 1991-1999 2000-2008 Total

Cultura 25 47 72

Educação 1 33 34

Monumentos, Praças e parques 0 16 16

Total 26 96 122 FONTE: Elaborado pela autora (2019) a partir de informações extraídas de Rodríguez Alomá (2009)

O quadro 10 resume uma série de imóveis históricos, principalmente dos séculos XVI, XVII e XVIII, originalmente dedicados à função habitacional, que foram refuncionalizados para atividades culturais e educativas a partir da década de 1980, porém, a maioria adquire um novo uso nos anos 1990. Estas edificações com atividades e uma programação cultural não necessariamente orientada ao turismo internacional, mas das quais o turista pode e faz uso, também fazem parte dos roteiros turísticos das agências de viagens. Segundo Segre (1997), a reativação cultural do Centro Histórico de Havana Velha e a refuncionalização dos antigos casarões como museus e instituições culturais, estão muito relacionadas ao desenvolvimento turístico da zona. Então, as atividades culturais e os museus, além de opções recreativas para a população, são atrativos turísticos.

Quadro 10: Imóveis refuncionalizados para atividades culturais e educativas Imóvel Uso atual Data de Data da última construção refuncionalização Castillo de la Real Fuerza Museo Castillo de la Real Fuerza Século XVI 2005 (Fortificação militar colonial) Casa del Conde de Casa Museo de Arte Colonial 1720 1969 Bayona (casa colonial) Casa de Juana Carvajal Gabinete e Museo de Arqueología Século XVIII Antes de 199610 (casa colonial) Casa del Conde de Casa Centro Provincial de las Artes Século XVIII Década de 1980 Barreto Plásticas y Diseño ou Palacio del Marquéz de

10 Assim indica Segre (1997) 120

Cárdenas (casa colonial) Casa de la Condesa de la Centro de Promoción Cultural 1732 Década de 1980 Reunión Alejo Carpentier (casa colonial) Palacio de Mateo Palacio de la Artesanía 1780 Antes de 199611 Pedroso (casa colonial) Palacio del Segundo Cabo Centro para la Interpretación de 1772 - las Relaciones Culturales Cuba- Europa Casa del Conde de Casa Redação da revista Opus Habana Século XVIII 2000 Lombillo Galeria de Arte (casa colonial)

Casa de las Hermanas Centro de Desarrollo de las Artes - 1989 Cárdenas Visuales Convento de San Sala de concertos 1591 1994 Francisco Edificio Gómez Vila Cámara Oscura (mediante um 1909 2001 periscópio se pode observar Havana Velha em tempo real) Teatro Habana Planetario de La Habana Século XVII 2009 Edificio Romagosa Escuela Primaria Ángela Landa Mediados do Finais da década século XVII de 1990 Moradia Rua Obispo Librería Boloña Mercaderes Século XVII 1997 número 121-123

Casa de Beatriz Pérez Fototeca de Cuba Século XVI 1986 Borroto (casa colonial) Centro Asturiano Museo de Bellas Artes (Arte 1927 2001 Universal) Centro Gallego Escuela Primaria Concepción 1880 2003 Arenal Casa de Don Mariano Casa Museo Oswaldo Guayasamín Século XVII 1991 Carbó (casa colonial) Mansión de los Condes de Centro de Arte Contemporáneo Século XVIII 1983 Peñalver Wilfredo Lam FONTE: Elaborado pela autora (2019) a partir de informações extraídas de Martín Zequeira e Rodríguez Fernández (1995), Segre (1997) e Emisora Habana Radio (2019)

11 Assim indica Segre (1997) 121

Além da turistificação do Centro Histórico de Havana Velha, a zona continua tendo diversos usos. O seguinte mapa (Figura 58) permite apreciar a multiplicidade de funções do solo na zona.

Figura 58: Mapa das funções predominantes do solo no Centro Histórico de Havana Velha

FONTE: Plan Maestro (2016, p. 128)

Muitas destas funções são aproveitadas pelos turistas, mas também atendem às necessidades dos moradores locais do centro e dos havaneses em geral. A utilização, ou não, de muitos destes espaços que implicam consumo, pelos havaneses, vai depender dos preços elevados na maioria dos casos, por serem orientados ao turismo internacional. Mesmo se o turismo gera uma alta ocupação dos espaços públicos e de consumo do Centro 122

Histórico, nas temporadas de baixa turística -de junho a outubro, aproximadamente- esta zona continua recebendo grandes fluxos de pessoas nos seus espaços públicos; são as atividades econômicas as que mais sentem os efeitos da temporada de baixa visitação de turismo internacional. O mapa também permite apreciar que a função habitacional ainda é alta na zona e que por tanto se trata de um “centro vivo” (LEAL, 2004). Mas cabe a pergunta: por quanto tempo, quando o valor do solo tem aumentado na área (PLAN MAESTRO, 2016) e os serviços do entorno são tão caros, ou quem serão os que lograram continuar a morar lá, sem dúvidas, não será a população atual de baixa renda, elementos que serão discutidos no último capítulo. A recuperação e refuncionalização turística do Centro Histórico de Havana Velha não são processos acabados. Dentre as estratégias do Plan Maestro (2016), no Plan Especial de Desarrollo Integral destacam alguns pontos para desenvolvimento do turismo neste espaço: aumentar o número de hotéis e hostels nas vias principais, criar novos museus temáticos relacionados com as atividades tradicionais do país (o Habano, o café, o açúcar e os autos antigos); restaurar edificações de alto valor patrimonial para fins culturais, incrementar as instalações que comercializam produtos culturais especializados, aumentar o número de restaurantes, bares e cafeterias nas praças e vias principais; dar continuidade ao passeio marítimo e incrementar as atividades esportivas e culturais do Eje de Bordes Avenida del Puerto-San Pedro-Desamparados. Para criar estes novos hotéis, restaurantes e espaços culturais, antigas oficinas, armazéns e cortiços adquiriram novos usos como aponta o Plan Maestro (2016, p. 120): Considerar los locales de almacenes incompatibles con el carácter del Centro Histórico, o aquellos convertidos en viviendas inapropiadas, como potencial de transformación para la localización de actividades compatibles con la refuncionalización del territorio.

Assim, dentro do sistema de intervenções previstas destaca a refuncionalização de vários prédios para serem convertidos em hotéis para o turismo internacional (Quadro 11). A maioria destes prédios que serão refuncionalizados pertencem a inícios do século XX e vários já tinham abrigado a função hoteleira.

Quadro 11: Projetos hoteleiros no Centro Histórico de Havana Velha Habaguanex (By Gaviota) Projeto de Hotéis e Função anterior Data de Localização Hostels construção Hoteles Catedral - - Empedrado 123

113 Hotel Marqués de Palácio do Marqués de Cárdenas de Século XIX Oficios 110 Cárdenas de Monte Monte Hermoso Hermoso Centro Provincial de Artes Plásticas y Diseño em 1995 Prédio onde radicou Habaguanex Hotel Palacio Cueto Armazém 1906 Inquisidor Fábrica de chapéus até os anos 1920 351-355 Hotel Palacio Viena (ao ser alugado por José Cueto) Sem uso desde os anos 1990 Hotel Real Aduana (Ou Prédio da antiga Alfândega 1910 Oficios 154 Corredores) Hotel Santo Ángel Casa colonial Século XIX Teniente Rey Escola Santo Ángel para meninos 60 pobres 1866 Conservatorio de Música de Santa Amelia 1932 Atual restaurante Santo Ángel MINTUR Hotel New York Hotel 1919 Dragones Sem uso desde os anos 1990 154-152 Grupo de Turismo Gaviota Hotel Miramar-Malecón Hotel Miramar 1908 Prado 2 Hotel Regis Moradia e estabelecimentos comerciais 1909 Prado 161- no primeiro andar (fonda, café, bar e 163 loja de charutos e cigarros) Hotel Regis 1954 Cortiço da década de 1990 com funções comerciais no primeiro andar Hotel Pasaje/Manzana Antigo Hotel Pasaje 1876/1877 Prado 517- Payret (em estudo) Cortiço até 1982 521 Atual Sala Polivalente Kid Chocolate (sala esportiva) (Futuro Hotel Pasaje) desde 1991 construída para os Jogos Panamericanos/ Atual Cine-Teatro Payret (Futuro Manzana Payret)

Hotel Marina (em estudo) Armazéns do porto Fins do Desamparado Prédio de escritórios vinculados ao século XIX s s/n - porto desde 1930 Edificio Juan Manuel Díaz Hotel Edificio Finanzas y Antigo Banco Nacional 1907 Obispo 211 Precios Atual Ministerio de Finanza y Precios 124

Hotel La Metropolitana Prédio de escritórios (Sede de Cuba 1926 O Reilly 412 Tabaco, de uma Companhía Telefónica, uma inmobiliaria, o Edificio Frank País, atual sede do Municipio de Educación en Habana Vieja) Gran Hotel - - Teniente Rey 557 esquina a Zulueta Aparthotel Parque Central - - Zulueta 252 FONTE: Elaborado pela autora (2018) a partir de informações extraídas de Plan Maestro (2016), Paseos por la Habana (2019), Emisora Habana Radio (2019) e Radio Rebelde (2019)

O caso mais alarmante nesta mudança de usos é o do possível complexo hoteleiro Hotel Pasaje/Manzana Payret, ainda em fase de estudo. Mas, a simples possibilidade faz pensar em como as aspirações sociais de colocar o esporte ao alcance de todos -a Sala Polivalente Kid Chocolate era uma instituição esportiva popular na qual se realizavam eventos dos quais participava a população local e se formavam atletas- e oferecer, no Centro Histórico, serviços culturais para a população local ficam em segundo plano ante, o que parece ser, o interesse de criar no corredor Paseo del Prado uma vitrine para o turismo, já que vários são os empreendimentos que aconteceram recentemente nesta via como são: o Gran Hotel Manzana Kempinski, o Hotel Iberostar Grand Packard Habana (Figura 59) e Hotel Paseo del Prado (Figura 60), ainda em restauração. Neste corredor existem outros hotéis como: o Hotel Saratoga, o Hotel Telégrafo, o Hotel Iberostar Parque Central Habana, o e o Hotel Caribbean, e instituições históricas e culturais reabilitadas nos últimos anos como: o Gran Teatro de La Habana Alicia Alonso (2016) e o Capitolio Nacional (2019). Figura 59: Hotel Iberostar Grand Packard Habana

FONTE: https://www.iberostar.com/pt/hoteis/havana/iberostar-grand-packard 125

Figura 60: Hotel Paseo del Prado, ainda em restauração

FONTE: https://www.directoriocubano.info/noticias/a-punto-de-inaugurarse-hotel-de-lujo-paseo-del-prado- en-la-habana/

O Plan Maestro (2016) no Plan Especial de Desarrollo Integral prevê para 2030 uma mudança ampla no uso do solo. A Figura 61 mostra como se continuarão substituindo as funções de armazém, oficina e as indústrias da Bahía de La Habana por serviços recreativos, esportivos, de lazer e de transporte -orientados principalmente ao turismo, que se pode apreciar na substituição da cor vermelha na parte inferior do mapa da figura 58 pelas cores violeta e roxo, destinadas a marcar estas atividades; a diminuição das moradias (a cor cinza), e o aumento da indústria cultural em diferentes espaços -em azul claro neste mapa e que não é muito usada no mapa anterior da figura 58- agora ocupados por moradias. Poderia parecer uma ação positiva o aumento dos espaços vinculados à indústria cultural, porém, a preocupação surge pelo tratamento diferenciado entre funções culturais e da indústria cultural, o documento não o explica, mas, o segundo termo deve estar associado a cultura como atividade comercial e econômica.

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Figura 61: Mapa das funções predominantes proposta do solo no Centro Histórico de Havana Velha para 2030

FONTE: Plan Maestro (2016, p. 129)

As transformações que acontecem no Centro Histórico desde a década dos 1990 renovam a paisagem urbana deste espaço, dão novos usos às formas pretéritas e os lugares mudam de usuários. O turismo se apodera de imóveis de valor patrimonial, das principais praças, das vias de acesso que conectam os atrativos e dos restaurantes que ocupam as ruas e as transformam em lugares de consumo. Na relação que se deveria estabelecer entre turista e cidade histórica, às vezes, se coloca a mercadoria como elemento fundamental e a conotação cultural, e o valor patrimonial das formas e da história ficam relegados a um segundo plano. A zona tem alguns espaços que parecem uma vitrine para o turismo e nos quais as relações tradicionais 127

acontecem a partir da simulação, tal é o caso das havanesas. Se o espaço onde aconteceram as trocas sociais de uma população, desde sempre, abriga elementos de valor patrimonial está bem que este seja compartilhado e se transforme também num espaço de trocas culturais entre a população e os turistas, mas isto deve acontecer sem que as mercadorias inundem o lugar e sejam o principal elemento realçado. Em muitos espaços públicos do Centro Histórico coexistem turistas, moradores e habitantes de Havana em geral, mas em Cuba as atividades e os serviços estatais são pensados para turistas ou para nacionais. Os turistas podem se integrar e desfrutar dos programas desenhados para os cubanos, mas no sentido contrário, os espaços e as atividades terminam sendo exclusivas e excludentes pelos altos preços. É como se existissem duas dimensões e duas realidades num mesmo espaço. Mesmo quando o programa de recuperação do Centro Histórico procura recuperar Havana Velha para os seus moradores (LEAL, 2004), os novos usos dados aos lugares tem uma forte orientação ao consumo turístico da cultura e dos serviços.

3.2 O PAPEL DO ESTADO NO PROCESSO DE REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL A partir de 1959 na organização político-administrativa do Estado Cubano se distinguem três esferas: Nacional (Cuba), Provincial (neste caso, Havana) e Municipal (Havana Velha que contém o Centro Histórico). As peculiaridades da política cubana, a existência de um único partido e planos de governo a longo prazo, que seguem uma mesma linha por estar vinculados aos interesses desse mesmo partido, fazem com que a posição, estratégias e ações destas esferas do Estado sejam, consequentes sempre nos três níveis. Assim existe, de 1960 até hoje, um alinhamento na colocação dos governos nacional, provincial e municipal no referente ao Centro Histórico. Desde 1970 os governos nacional e municipal criaram o aparato legislativo para a proteção do patrimônio e, nos anos 1980, ofereceram mais de onze milhões de CUP (CARRIÓN, 2006), o equivalente a quinhentos cinquenta mil USD12, para os trabalhos de recuperação da parte antiga da cidade com os planes quinquenales, também as diferentes esferas do estado deram todo o apoio legal e financeiro ao processo de refuncionalização turística do Centro Histórico de Havana Velha dos 1990.

12 Segundo o histórico das taxas de câmbio oficiais de CUP a USD disponível em: 128

Foi o governo nacional quem aprovou em outubro de 1993 a Lei-decreto 143 que declara o Centro Histórico “área de conservação de máxima prioridade”, reafirma a recuperação deste espaço como tarefa da Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana, amplia as suas faculdades legais e de funcionamento e contempla a criação da Companhia Turística Habaguanex, S. A. Além disso, o governo ofereceu um crédito de sessenta e cinco milhões de dólares (CARRIÓN, 2006) para criar Habaguanex e as suas primeiras instalações turísticas. Com este decreto, o governo nacional garantiu que a OHCH se subordine diretamente ao Consejo de Estado e tenha relações horizontais com o Consejo de Ministros, o governo provincial e municipal (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2012). Assim, se pode compreender o apoio ao mais alto nível de governo ao trabalho -como empresa turística e restauradora- da OHCH. Além disso, como em Cuba a propriedade sobre o solo é maioritariamente do governo este fato tem facilitado o processo de refuncionalização turística. Segundo Rodríguez Alomá (2001), como a OHCH é um organismo estatal, as suas atividades são amparadas como prioritárias pelo governo, uma vez que esta instituição determina que um imóvel possui valor patrimonial e deve ser restaurado, as esferas do governo: (...) disponen la necesidad de liberar locales o inmuebles a favor de la rehabilitación, otorgándolos a la Oficina en usufructo por 25 años, prorrogables a otra cantidad de años similar. La Oficina no puede comprar el suelo, ni expropiarlo , a las personas jurídicas estatales, pues resulta un sinsentido que el Estado expropie al Estado, o que se compre y venda a sí mismo (...) (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2001, p. 234)

Para Rodríguez Alomá (2012, p. 133) a OHCH vai adquirindo um “fondo patrimonial propio” que pode aproveitar. Para legitimar o uso do solo ou moradias em posse de pessoas físicas, em caso de que a OHCH o estimasse conveniente para ser restaurado por seu valor patrimonial ou para atividades turísticas, em 1995 de aprovou o Acuerdo no. 2951 del Consejo de Ministros no qual o Centro Histórico é considerado Zona de Alta Significación para el Turismo (CUBA, 1995) e, um ano mais tarde, a Resolución Conjunta sobre o regímen especial para as moradias neste espaço (CUBA, 1996). Estas disposições governamentais estabelecem condições especiais para as casas e a propriedade do solo no Centro Histórico de Havana Velha pela sua importância para o desenvolvimento da atividade turística e colocam à OHCH para atender as questões administrativas nestes casos. Dentre os artículos do Acuerdo no. 2951 destacam estes: 129

a) Los ocupantes legales de vivienda que no sean propietarios, quedarán en las mismas en concepto de arrendatarios mediante el pago de la misma cantidad que vinieron abonando o de la que corresponda fijar según el sistema de precios por metros cuadrados hasta que el Estado decida reubicarlos en otra vivienda fuera de la zona turística. c) Los ocupantes ilegales de viviendas que de acuerdo con lo dispuesto en la Ley General de la Vivienda deban ser reubicados lo serán en otras zonas que a tal efecto se determine, en el propio municipio fuera de la zona turística, o en otros municipios cercanos. d ) Las permutas de viviendas solo podrán realizarse com el Estado. e) Las viviendas que queden a favor del Estado serán entregadas al Ministerio de Turismo y cuando no sean de su interés, este las entregará (…) para ser utilizadas únicamente com fines sociales. h) Cuando el Estado, en interés de la nación, requiera áreas para programas de desarrollo del turismo, tanto internacional como nacional, que exijan la construcción de hoteles e instalaciones diversas, u outro uso de esas áreas en el momento que las necesite podrá negociar com los propietarios la compra o reubicación de viviendas fuera de la zona u otras formas de compensación a los afectados en la misma, sin perjuicio de los derechos de expropiación que le corresponden, estabelecidos em la Constitución. (CUBA, 1995, p. 392)

Estes artículos demonstram o apoio do Estado a que o Centro Histórico de Havana Velha vire uma zona eminentemente turística. Se bem os preços dos impostos sobre o solo não aumentam a partir da valorização da área, se prevê a remoção de arrendatários legais e ocupantes ilegais para fora da zona turística ou do Centro quando se estime preciso, como já tem acontecido segundo Scarpacci (2000) e Rodríguez Alomá (2009). Se fomenta o uso turístico de determinadas regiões de relevância e com a execução destas disposições muitos moradores perderam o direito a permanecer e pertencer ao centro. Se nota um marcado interesse do Estado por ter posse da maior quantidade possível do solo do Centro Histórico para o dedicar ao turismo, atividade que gera capital financeiro. Também, se decide dar prioridade para a escolha dos imóveis ao Ministerio de Turismo e quando este não se interesse neles é que são destinados a projetos sociais. Além disso, a Resolución Conjunta de 1996 dispõe: OCTAVO: Las viviendas, las habitaciones y locales que queden desocupados y disponibles a favor del Estado en la zona, serán entregados directamente a la Oficina del Historiador, quien dispondrá de ellos, acorde con las regulaciones establecidas para estos casos, al objeto de lograr los fines siguientes: a) La reubicación y mejoras de las condiciones habitacionales de la población residente en la Zona. b) La restauración y conservación del patrimonio c) El desarrollo turístico de la Zona d) La satisfacción de los servicios sociales de la población. NOVENO: LA Dirección Municipal de la vivienda de la Habana Vieja y los organismos y entidades que cuenten con locales situados en la Zona, se abstendrán, en lo sucesivo, de entregarlos con los fines habitacionales. Los locales que sean recuperados se entregarán a la Oficina del Historiador a los efectos de cumplimentar los objetivos del apartado anterior DECIMO: No se aprobarán solicitudes de viviendas en la zona; las que cesaren como tales, pasarán al fondo de la oficina del Historiador, a los efectos de 130

cumplimentar los objetivos del apartado octavo de esta resolución Conjunta. (CUBA, 1996, s.p)

Esta normativa favorece à OHCH como proprietária das edificações desocupadas e sem uso no Centro Histórico para “la reubicación y mejoras de las condiciones habitacionales de la población residente en la Zona” (CUBA, 1996, s.p) e criar a infraestrutura de serviços sociais que a população pode requerer ou “el desarrollo turístico de la Zona” (CUBA, 1996, s.p), porém os artigos nono e décimo interrompem o crescimento como zona residencial desta área impedindo o fluxo natural da cidade. Ambas legislações esclarecem que a refuncionalização turística do Centro Histórico de Havana Velha está amparada pelo Estado. A aplicação destas leis gera contradições socioespaciais, pois se restaura o Centro Histórico, mas para o uso turístico, pois mesmo quando se investe em projetos sociais, desde a seleção dos imóveis para cada função -turística ou social- se evidencia que se prioriza na seleção dos imóveis a atividade turística sobre os projetos sociais, como se aprecia ni inciso e) do Acuerdo 2951. Se fomenta o uso dos imóveis patrimoniais recuperados e do porto, porém a maioria dos seus serviços e atividades possuem preços muito altos que os deixam inacessíveis à população. A partir da valorização turística do Centro o governo se centra em diminuir a densidade populacional deste espaço, que se bem é muito alta, não tinha sido uma prioridade até que se turistifica a zona e, ao mesmo tempo, sobrecarga o território com turistas como se evidencia nas informações extraídas do trabalho de campo e que serão abordadas nos próximos capítulos. Carrión (2006) explica como acontecem as relações da OHCH com os governos provincial e municipal. Na associação com o governo provincial, este traça o plano da cidade em geral e determina estratégias gerais para o Centro Histórico, que são avaliadas e levadas à prática pela OHCH. O vínculo da Oficina com o governo municipal se concebe a partir do seu funcionamento como instituições complementares, pois a primeira se dedica a reabilitar edificações com valor patrimonial e espaços públicos, sustentar uma amplia rede de instituições culturais e a melhorar as condições de vida população; e a segunda a criar a infraestrutura necessária para a população local e os serviços comunitários como: educação, saúde, esporte e lazer no Centro Histórico (PLAN MAESTRO, 2016). Para Rodríguez Alomá (2001), o aumento das faculdades legais da OHCH para o planejamento urbano e a gestão de uma empresa turística própria foi propiciado para que esta instituição garantisse o trabalho de resgate patrimonial autofinanciado e colaborasse com os recursos financeiros obtidos do setor turístico nos programas sociais e culturais do 131

Centro Histórico. Então, se poderia pensar que no apoio do governo à refuncionalização turística da área existe um interesse social que se pode constatar na execução de projetos sociais na área como: reconstrução de lares maternos (moradias que acolhem a mulheres grávidas que vivem em situações de risco), lares de idosos (moradias para pessoas da terceira idade que não tem parentes que possam velar por eles), escolas, bibliotecas e moradias (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2001). Porém, isto não justifica que se permita que o setor turístico se apodere da zona, que se transformem as sociabilidades tradicionais da área e a vida dos moradores uma vez relocados fora do município, como se propõe nas legislações analisadas. Como se explicou no capítulo anterior, em agosto de 2016 a empresa Habaguanex S.A., gerida desde a sua criação pela OHCH e que tinha como objetivo coletar fundos que permitissem continuar com o trabalho de recuperação do Centro Histórico e a revitalização cultural e social desta área, passa a formar parte do Grupo de Administración Empresarial (GAE), pertencente às Fuerzas Armadas Revolucionarias (FAR). Esta decisão, ao nível de governo, demonstra que o Estado Nacional é principal decisor e responsável de tudo o que acontece no Centro Histórico de Havana Velha. No processo de recuperação do patrimônio cultural no Centro Histórico, o Estado cubano tomou boas decisões como: a concentração das competências em relação ao patrimônio numa única instituição e o resgate dos bens históricos e culturais de maneira autofinanciada a partir do desenvolvimento turístico. Porém, a valorização turística deste espaço tem transformado seus usos, o Estado negou o crescimento da função habitacional e alguns arrendatários foram removidos fora do município, mudando a paisagem urbana e as dinâmicas socioespaciais tradicionais da área. A relação que se devia estabelecer com o turismo para o desenvolvimento comunitário, terminou virando a criação de espaços exclusivos para o uso turístico e a perda da centralidade de uma parte da população tradicional do Centro Histórico. Desta forma, mesmo num sistema econômico e político socialista se reforçam contradições como a segregação espacial em função do poder econômico, pois a partir da valorização turística da zona se modificam os usuários tradicionais do espaço dos moradores mais pobres pelos consumidores turistas, além de que exista uma preocupação estatal com a parte da população que fica para morar na zona.

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SEGUNDA PARTE: A VISÃO DOS DIFERENTES ATORES ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE VALORIZAÇÃO TURÍSTICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA

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4. REFUNCIONALIZAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA: A VISÃO DOS DIFERENTES ATORES ENVOLVIDOS

4.1 RESSIGNIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL PARA A POPULAÇÃO LOCAL DO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA O Centro Histórico da Havana ocupa 2,14 km² do município Havana Velha, aproximadamente 50% do seu território (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2012). Desta superfície 1,73 km² se correspondem aos quarteirões e 0,4 km² à rede vial que tem uma longitude de 44,02 km. 60% da área do Centro Histórico se encontra edificada e possui 3 500 imóveis, dos quais 81% está reservado à função habitacional (SANTANA HERNÁNDEZ, 2018). Neste espaço moram 55 484 pessoas (SANTANA HERNÁNDEZ, 2018) para uma densidade populacional de 25 927 habitantes por quilômetro quadrado. A alta densidade nesta zona se explica pela existência de aproximadamente 850 cortiços, nos quais se localizam mais da metade das moradias. Contudo, mesmo que este indicador seja muito alto, as cifras se reduziram nos últimos anos se se analisam os dados do quadro 12 que mostra alguns dados demográficos do Centro 1990 até 2012. Os dados de 1995, 2001 e 2012 pertencem aos informados nos Censos de Población y Vivienda nas respectivas datas.

Quadro 12: População e moradia no Centro Histórico de Havana Velha (1990-2012)

Ano/ Indicador População Densidade Moradias populacional (hab/km²)

Antes de 1990 ≈ 71 250 ≈ 33 294 -

1995 70 658 33 017 22 516

2001 66 742 31 187 22 623

2012 55 484 25 927 21 241 FONTE: Elaborado pela autora (2019) a partir de informações extraídas de Segre (1997), Rodríguez Alomá (2001, 2012) e Plan Maestro (2016)

A população do Centro Histórico de Havana Velha se caracteriza, faz várias décadas, por ter uma maior presença feminina, representando 52,8% da população total e sendo, na maioria dos casos, as cabeças de família. Em relação à cor da pele, a população branca representa 48,8%, a mestiza 32% e a negra 19,2%. A estrutura etária segue as 134

características de todo o país, onde a maior parte da população está no grupo entre 15 e 59 anos (54,3%), e a população idosa (20,9%) supera à infantojuvenil (14,8%) (PLAN MAESTRO, 2016). Segundo o Plan Maestro (2016) o nível educacional da população da área é alto, pois a média de estudo é de 10,8 anos. A população economicamente ativa é 60,2% do total e trabalha nos setores de comércio (15,2%), administração pública (14,9%), defesa e seguridade social (14,6%) e saúde pública (9,2%), fundamentalmente. O salário médio é de 553 CUP (22,12 CUC) e a maior parte da população trabalha vinculada ao setor estatal, embora comecem a se vincular a outros setores: às corporações estrangeiras e associações mistas, às cooperativas13 e aos negócios privados (Figura 62) (PLAN MAESTRO, 2016).

Figura 62: Ocupação na economia por forma de propriedade em 2012

FONTE: Elaborado pela autora (2019) a partir de informações extraídas de Plan Maestro (2016)

A alta ocupação populacional da zona está favorecida pelo elevado número de imóveis multifamiliares e coletivos, principalmente os cortiços (PALET, SARDIÑAS e GARCÍA, 2007). Existem, no Centro Histórico, 21 241 moradias e delas só 26% está em

13 As cooperativas agropecuárias surgem em Cuba em 1993, a partir da associação do Estado e pessoas naturais. Ambos integrantes aportam bens, terras, trabalho ou meios de produção, dentre outros, para aumentar a produção e assumem os gastos com seus lucros. Em 2011, surgem as cooperativas não agropecuárias que têm as mesmas características, porém, se criam orientadas aos serviços e outros setores produtivos (Caballero, 2018). Na fonte dos dados utilizados para a elaboração da figura não se faz distinção entre o tipo de cooperativa.

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bom estado construtivo. Os principais problemas das moradias são as infiltrações nos tetos e paredes, os defeitos estruturais, que provocam riscos de desabamento (Figura 63), e a deterioração das redes hidrossanitárias (PLAN MAESTRO, 2016).

Figura 63: Moradias em perigo de desabamento

FONTE: Da autora (2018)

No referente à situação legal das moradias, mais de 75% são privadas, mas existe aproximadamente 12% de moradias em usufruto gratuito -principalmente nos cortiços- número que tem diminuído desde 2001, quando representavam 40%. O aumento do número de moradias privadas -menos de 50% em 2001- está associado a trabalhos de reabilitação que transformaram alguns cortiços em prédios de apartamentos. Estas ações foram realizadas pelo Estado. Depois destes trabalhos de recuperação, os novos apartamentos foram entregues em propriedade aos moradores que ficaram, pois, como a recuperação também procurava diminuir a densidade destes prédios sobreutilizados, nem todas as famílias permaneceram depois (PLAN MAESTRO, 2016). Para determinar quais moradores ficam e quais saem, segundo Rodríguez Alomá (2009, p. 286): Se considera la extensión del núcleo familiar (en muchas casos conviven más de un núcleo por vivienda), la edad de los componentes (se favorecen para quedar en el lugar a los adultos mayores), el sentimiento de arraigo, la condición legal (hay casos de ocupantes ilegales), la discapacidad de algún miembro de la familia, entre otros aspectos.

No período 1994-2008, segundo Rodríguez Alomá (2009), se investiram mais de 7,5 milhões de dólares em projetos relacionados com a moradia, provenientes da cooperação internacional, e uma parte dos 131,6 milhões de dólares destinados no Plan de 136

Inversiones para programas sociais. Com estes investimentos se conseguiram recuperar 1182 moradias no Centro Histórico, o que representa 5,6% das existentes em 2012. Para a realização desta pesquisa se tiveram em conta estas características da área do Centro Histórico de Havana Velha e da sua população. Então, por tratar-se de uma área muito extensa para a realização das entrevistas e a observação guiada como parte do trabalho de campo, foi preciso determinar uma zona menor para trabalhar. Para isto se utilizou a divisão realizada pelo Plan Maestro que segmentou o Centro Histórico em oito setores funcionais, atendendo a critérios referentes às características tipológicas e funções tradicionais (SALINAS e ECHARRI, 2005). Se delimitaram os seguintes oito setores funcionais: T1: Catedral-Plaza Vieja: potencialidad para actividades turísticas y terciarias T2: Corredor Obispo-O'Reilly: potencialidad para actividades terciarias T3: Paseo del Prado: potencialidad para actividades turísticas y terciarias T4:Calle Muralla: potencialidad para actividades terciarias R1: “El Angel”: residencial R2: “Belén-San Isidro”: Residencial MR: “Cristo-San Felipe”: Mixto – Residencial M: “Litoral Sur: Muelle de Luz-EstaciónCentral”: Uso mixto. (SALINAS e ECHARRI, 2005, p.177)

Desta forma, as atividades turísticas se concentram nos primeiros quatro setores que contém as principais praças, parques, ofertas recreativas, as principais vias conectoras e comerciais, edificações monumentais e de alto valor histórico-cultural, a rede hoteleira, o patrimônio industrial e que ainda conserva a função habitacional. Por esta razão a pesquisa foi realizada no perímetro correspondente aos quatro primeiros setores funcionais (Figura 64).

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Figura 64: Mapa dos oito setores funcionais do Centro Histórico de Havana Velha.

FONTE: Elaborado pela autora (2018) a partir de informações extraídas de SALINAS e ECHARRI (2005)

Além de delimitar a zona de trabalho, para a realização das entrevistas se teve presente que se tratava de uma população heterogénea e, mesmo quando a amostra era aleatória, se procurou ter representatividade dos diferentes grupos etários, de gênero, raça e nível educacional. Porém, não só se trabalhou com a população residente, pois no Centro Histórico existe uma população flutuante que trabalha neste espaço, seja no setor estatal ou privado. Também se entrevistaram os atores dos centros de gestão do patrimônio e do turismo para conhecer as suas opiniões e dar voz a todas as partes envolvidas no processo de valorização turística do patrimônio cultural no Centro. Neste capítulo se abordarão e tratarão os processos de refuncionalização e ressignificação do patrimônio cultural do Centro Histórico de Havana Velha desde a percepção dos diferentes atores envolvidos. Segundo Cordero e Meneses (2019, p. 20) a ressignificação: “(...) suele utilizarse para nombrar al hecho de darle una nueva significación a un acontecimiento o a una conducta. Esto quiere decir que la resignificación supone otorgar un valor o un sentido diferente a algo (...)”. 138

Fernández et al. (2016, p. 21) definem a ressignificação do território e do patrimônio como: “(...) la intencionalidad de un grupo social de dotarlos de nuevas acepciones, producto del devenir histórico o de la propia lectura que la sociedad hace de un determinado espacio (...)” A cidade, os seus bens edificados, patrimoniais ou não, e as suas tradições, possuem significados em determinados períodos de tempo, para grupos ou indivíduos, mas estas interpretações são susceptíveis à ressignificação. A recuperação dos Centros Históricos está associada a processos de refuncionalização, tanto dos prédios como dos espaços históricos das cidades que levam à ressignificação destes bens e do espaço para os cidadãos. Para Leão (2009, p. 9): Ao reajustar o passado às novas percepções da realidade urbana permite-se, através dos processos de revitalização e preservação patrimonial, a probabilidade de estabelecer novos elos temporais constituídos de inúmeras significações, pois tais sentimentos afloram do imaginário daqueles que convivem e possuem algum tipo de ligação para com o patrimônio em questão e reconhecem nele seu próprio passado (...) compreende-se que a cidade torna-se mutável de acordo com os acontecimentos que nela ocorrem e que, por sua vez, são refletidos na variação de seus significados. Ou seja, a cidade reinventa-se e reconstrói-se ao longo do tempo e traduz, por excelência, as memórias individuais e coletivas.

A partir do processo de reconstrução dos prédios históricos, da refuncionalização, da abertura para o turismo e da valorização turística do Centro Histórico de Havana Velha, o que é entendido como patrimônio cultural para os moradores tradicionais, para os trabalhadores estatais e privados que convivem neste espaço e para os atores dos organismos de patrimônio e turismo? E, qual o valor que estes grupos outorgam a esse patrimônio? Para conhecer a percepção do que é o patrimônio cultural para os diferentes atores que convivem no Centro Histórico de Havana Velha foram realizadas entrevistas semiestruturadas nas regiões dos quatro setores funcionais vinculados à atividade turística e terciária a: moradores locais, trabalhadores estatais e privados, e a atores dos centros de gestão de patrimônio e turismo. Como explicado na metodologia, a análise dos dados foi realizada com a utilização do programa computacional ATLAS.ti., mediante a determinação de códigos ou categorias. Neste caso, os códigos estão associados a palavras chaves das diferentes definições, do patrimônio, trabalhadas na pesquisa (CONVENÇÃO PARA A PROTECÇÃO DO PATRIMÓNIO MUNDIAL, CULTURAL E NATURAL, 1972; CONVENÇÃO PARA A SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO IMATERIAL, 2003; 139

BARRETO, 2010) e termos que apareceram na fala dos entrevistados, no caso dos dois últimos códigos do Quadro 13.

Quadro 13: Frequência de aparição dos códigos associados à definição de patrimônio cultural na fala dos atores entrevistados

Atores/ Moradores T. Estatais T. Privados Atores do Atores do Total Códigos Locais Patrimônio Turismo

Monumentos - 2 1 4 3 10

Conjuntos 2 - - 3 - 5 arquitetónicos

Locais de 1 1 1 1 - 4 interesse

Bens 2 1 2 5 3 13 imateriais

Identidade 1 1 2 2 2 8

Beleza 1 - - - 1 2

Conservação - - 1 - - 1 FONTE: Da autora (2019)

O Quadro 13 mostra o número de aparições de cada código na fala dos atores entrevistados. A tabela permite interpretar que a compreensão do patrimônio para estes grupos está principalmente associada aos bens imateriais, mesmo quando o grupo no qual todos os atores assinalaram os bens imateriais na sua definição de patrimônio seja aquele dos trabalhadores das instituições relacionadas à OHCH e os órgãos reguladores da atividade de patrimônio no Centro Histórico -pessoas com conhecimentos específicos sobre o tema- , nos outros grupos, pelo menos um ator fez menção a esta categoria na sua interpretação. O significado do patrimônio para os entrevistados também está muito associado aos monumentos e, em terceiro lugar, à identidade. Alguns atores fazem uma leitura deste espaço e do seu patrimônio cultural desde o pertencimento e a identificação com eles, como o revelam alguns fragmentos das entrevistas: “(...) todas [as expressões materiais ou imateriais do patrimônio] tienen mucha importancia capital en lo hoy que somos nosotros como seres (...)” (MORADOR LOCAL, 2018) ou “(...) Para mí, primero que todo, el patrimonio es un recordatorio de lo que somos (...)” (TRABALHADOR 140

PRIVADO, 2018). Nas entrevistas, o patrimônio cultural também é associado à beleza o que demonstra uma preocupação pela aparência e a estéticas das formas como apontava Luchiari (2005). No quadro 14 se pode apreciar que os lugares mais mencionados como exemplos de patrimônio foram as casas e prédios antigos, os museus, as praças e a Havana Velha como um todo. Os exemplos específicos mais repetidos foram a Plaza Vieja, o Capitolio e El Templete. Os exemplos de patrimônio citados demonstram que aqueles patrimônios reconhecidos pela população local, os trabalhadores da zona e os grupos que direcionam as atividades de turismo e patrimônio no Centro Histórico de Havana Velha não coincide, necessariamente, com aqueles declarados Monumento Nacional e reconhecidos pelo seu valor histórico e cultural. Mesmo se são reconhecidos a Havana Velha como um todo, da qual o Centro Histórico é Patrimônio Cultural da Humanidade, a Casa Natal de José Martí e o Capitolio, que são Monumentos Nacionais desde 1978 e 2010, respetivamente (CONSEJO NACIONAL DE PATRIMONIO CULTURAL, 2010), a rumba, Patrimonio Cultural Inmaterial de la Humanidad desde 2016, e o Cañonazo, Patrimonio Cultural de la Nación Cubana desde 2014 (CONSEJO NACIONAL DE PATRIMONIO CULTURAL, 2019), foram nomeados outros doze patrimônios específicos não oficiais, mas que a população aceita como tais. O sistema de fortificações, declarado pela UNESCO Patrimônio Cultural da Humanidade, só foi mencionado uma vez, e Monumentos Nacionais como: Museo Histórico de las Ciencias "Carlos J. Finlay", o Hotel Inglaterra e as Estaciones de Ferrocarriles não foram apontados, outro fato que prova este distanciamento entre o que é entendido como patrimônio pela população e o que os organismos e instituições entendem. Com a intenção de agrupar em categorias estes patrimônios listados, se estabeleceram seis classificações atendendo às características e à tipologia dos exemplos mencionados: Lugar de importância local, Obras, Sistema defensivo, Religiosidade, Bens imateriais e Natureza. Desta forma, se pode compreender que para estes grupos a ideia de patrimônio cultural está mais vinculada aos lugares de importância local e aos bens imateriais.

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Quadro 14: Patrimônios culturais reconhecidos pelos atores entrevistados

Exemplos de Classificação Reconhecimento Atores Total patrimônio oficial cultural ML TE TP AP AT

Plaza Vieja Lugar de Não 3 1 4 importância local

Plaza de la Lugar de Não 1 1 Catedral importância local

Plaza de Armas Lugar de Não 1 1 2 importância local

Plaza de San Lugar de Não 1 1 Francisco importância (Mencionada local como Plaza de las Palomas)

Praças Lugar de - 1 2 3 6 importância local

Palacio de los Lugar de Não 2 1 3 Capitanes importância local

Casa de José Lugar de Monumento 1 1 Martí importância Nacional local

Capitolio Lugar de Monumento 2 1 1 4 importância Nacional local

Casas de figuras Lugar de - 1 1 históricas importância local 142

Museus Lugar de - 1 2 1 2 6 importância local

Casas e prédios Lugar de - 2 2 3 1 8 antigos importância local

Teatros Lugar de - 1 1 importância local

Puerto Lugar de Não 1 1 importância local

Restaurantes, Lugar de - 1 1 Bares e hostels importância local

Galerias Lugar de - 1 1 importância local

Havana Velha Lugar de Patrimônio 1 1 3 5 como um todo importância Cultural da local Humanidade (O Centro Histórico de Havana Velha)

Lugar de 46 importância local

Esculturas Obras - 1 1

Tarjas Obras - 1 1

Obras que se Obras - 1 1 conservam em museus 143

Obras 3

Sistema de Sistema Patrimônio 1 1 fortificações defensivo Cultural da Humanidade

Sistema 1 defensivo

Catedral Religiosidade Não 1 1

Iglesia de la Religiosidade Não 1 1 Loma del Ángel

El Templete Religiosidade Não 1 1 1 1 4

Convento de Religiosidade Não 1 1 San Francisco de Asís

Igrejas Religiosidade - 1 1

Religiosidade 10

Congas, Bens imateriais Rumba: 1 1 2 comparsas e Patrimonio rumbas Cultural Inmaterial de la Humanidad

Vendedores e Bens imateriais - 1 1 comércio

Comida Bens imateriais - 1 1

Música Bens imateriais - 1 1 2

Zanqueros Bens imateriais - 1 1 2

El Cañonazo Bens imateriais Patrimonio 1 1 Cultural de la 144

Nación Cubana

As pessoas Bens imateriais - 1 1

Festa pelo Bens imateriais Não 1 1 aniversário da cidade

Atividades Bens imateriais - 1 1 culturais em datas específicas

Bens imateriais 12

Ceiba del Natureza Não 1 1 Templete

Natureza 1

FONTE: Da autora (2019)

Se o patrimônio pertence ao povo e é a sua herança (TOLEDO, 2010; DELGADILLO, 2016), por que existe tanto distanciamento entre o que estes grupos representativos da população identificam como patrimônio e, os patrimônios e monumentos reconhecidos oficialmente? Entra em vigor a questão sobre quais são os interesses na hora de definir quais elementos devem ser preservados como patrimônio, abordada no capítulo 1. Neste caso, a maioria dos patrimônios assinalados pertenceram (...) aos grupos sociais hegemônicos (...)” (PAES, 2005, p. 96), são legados materiais e imateriais das classes altas das etapas colonial e neocolonial, que foram os preservados historicamente. A distinção de um grupo de bens sobre o outro também não foi pensada em função do que pode ser atrativo para o mercado turístico, pois todos estes exemplos citados estão incorporados nas rotas turísticas. Existe um distanciamento entre a oficialidade e o verdadeiro sentido de identidade que a população deve ter com o seu patrimônio cultural. Para Cordero e Meneses (2019, p. 20), a ressignificação do patrimônio está associada com: “(...) otorgar un valor o un sentido diferente a algo (...)”, assim para saber qual é valor dado pelos grupos que fazem parte da pesquisa ao patrimônio cultural do Centro Histórico de Havana Velha, eles foram questionados sobre a importância que lhe outorgam. Para analisar os dados qualitativos obtidos nas entrevistas também foi utilizado o 145

programa computacional ATLAS.ti. Neste caso foram elaborados códigos diferentes, pois as respostas estão associadas a outras categorias que foram determinadas a partir do estudo das respostas dadas pelos entrevistados. O Quadro 15 permite interpretar que o valor dado ao patrimônio cultural, pelos grupos entrevistados, está principalmente associado à ideia de identidade. Da leitura atenta das falas dos atores que expressaram a importância relacionada a esta categoria, se pode compreender que veem no patrimônio um elemento formador da identidade do ser individual, mas também no referente à identidade coletiva como havaneses e como nação. A segunda categoria mais mencionada pelos entrevistados foi a memória histórica e a ideia de que o patrimônio cultural preserva parte da história do país.

Quadro 15: Frequência de aparição dos códigos associados ao valor do patrimônio cultural na fala dos atores entrevistados

Atores/ Moradores T. Estatais T. Privados Atores do Atores do Total Códigos Locais Patrimônio Turismo

Identidade 1 1 3 3 3 11

Conhecimento - - - 1 - 1

Memória 2 1 1 - 3 7 histórica

Memória 1 - - - 1 2 cultural

Herança - 1 - 1 - 2

Importância - 1 - - - 1 popular

Conservação 1 - 1 - - 2

Atrativo 1 - - - - 1 turístico

Evocação ao 1 - - - - 1 passado FONTE: Da autora (2019)

O patrimônio cultural do Centro Histórico de Havana Velha, a partir da década de 1990, é valorizado pelo setor turístico. As políticas governamentais, os investimentos da OHCH, do MINTUR e de outros organismos para restaurar e adequar o patrimônio cultural 146

arquitetônico para transformá-lo em hotéis, restaurantes e lojas orientadas ao turismo internacional, assim como o aumento de turistas e visitantes neste espaço, o convertem numa zona turística. A apropriação do patrimônio cultural por este setor faz com que mudem as relações que a população estabelece com o ele e, mesmo nos casos dos prédios com valores históricos e culturais que não são exclusivos para o uso turístico, e nos quais existe uma reapropriação por parte dos moradores e atores da área, eles têm um novo valor para estes grupos que atuam na zona, o que implica a sua ressignificação. O valor do patrimônio cultural para os atores entrevistados está associado principalmente ao seu valor simbólico como sinônimo de identidade e memória histórica. O sentido de pertença, o interesse por conhecer sobre um passado que também sentem seu e preservar essa herança estão presentes no discurso dos entrevistados. Porém, na fala de um dos moradores a importância desses patrimônios está associada ao seu valor de uso como recurso turístico. Assim a ressignificação do patrimônio cultural do Centro Histórico de Havana se pode entender associada à apropriação pelo turismo dos espaços de consumo (hotéis, restaurantes, lojas) e dos atrativos turísticos realçados pelas agências de viagens; e a uma reapropriação por parte da população local e dos atores que nela trabalham daqueles espaços que não são exclusivos para o uso turístico e que possuem valores patrimoniais e que também foram restaurados. Mas também vinculada aos novos valores simbólicos de identidade e de uso como recurso turístico.

4.2 O PROCESSO ATUAL DE PRESERVAÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA A preservação histórica-cultural no Centro Histórico de Havana Velha é um processo contínuo e de um desenvolvimento paulatino, desde a década de 1990, liderado pela OHCH até a atualidade. Este processo está orientado em dois sentidos: na reabilitação e refuncionalização dos bens materiais e na recuperação das tradições e fomento da atividade cultural na zona. As ações para a recuperação do patrimônio arquitetônico neste momento estão encaminhadas a concluir a reabilitação dos prédios localizados nas cinco praças principais - Plaza de Armas, Plaza Vieja, Plaza de San Francisco, Plaza de la Catedral e Plaza del Santo Cristo del Buen Viaje- e nos seus arredores; restaurar a Plaza del Cristo e as 147

plazuelas14 Supervielle, Albear, Las Teresas, Santa Catalina de Siena e Las Ursulinas; completar os trabalhos de preservação dos prédios destas plazuelas mencionadas; continuar a restauração das edificações significativas e de alto valor patrimonial nas ruas Tacón, Oficios, Mercaderes, San Ignacio, Cuba, Teniente Rey, Amargura, Inquisidor, San Pedro, Desamparados, Zulueta, Obispo e O’Reilly e na Avenida del Puerto e Prado; assim como realizar ações de conservação nos parques Central, de la Fraternidad e del Agrimensor (PLAN MAESTRO, 2016). Na figura 65 se pode apreciar a reconstrução de um dos prédios das esquinas da Plaza Vieja, o outrora Hotel Palacio Viena, construção sem uso desde os anos 1990, que está sendo restaurado para acolher ao Hotel Palacio Cueto.

Figura 65: Reconstrução do futuro Hotel Palacio de Cueto, numa esquina da Plaza Vieja

FONTE: Da autora (2018)

Segundo um dos especialistas da OHCH entrevistados, este processo de recuperação se caracteriza pela inserção de: “(...) algunos códigos más contemporáneos, pero siempre teniendo la síntesis de lo que existió (...)” (ATOR DE PATRIMÔNIO, 2018). Os fundos para a realização destes trabalhos de recuperação provêm dos recursos obtidos da atividade turística, da contribuição de empresas estatais e privadas, da

14 Praças pequenas 148

atribuição de um orçamento estatal e da cooperação internacional. Além disso, com o objetivo de diversificar os meios de captação de recursos financeiros para a recuperação, o Plan Maestro, a Direção Económica da OHCH, a Banca Nacional e outros Organismos de la Administración Central del Estado (OACE s), vinculados às estratégias econômicas nacionais, se estabelecem como premissas: melhorar o sistema de tributos, cobrar pelo uso do espaço público e multar a instalações e trabalhadores privados que usem o espaço público de modo inapropriado. O dinheiro obtido com estas medidas, em fase de desenho, será investido na reabilitação do Centro Histórico (PLAN MAESTRO, 2016). No referente à recuperação das tradições e ao fomento da atividade cultural na zona, atualmente, segundo o Plan Maestro (2016), se trabalha no resgate de celebrações e tradições locais, como é o caso da retreta15 de la Banda de Concierto na Plaza de Armas, os concertos de música lírica e coros na Plaza de la Catedral e as feiras de arte popular e artesanatos da Plaza del Cristo. Mesmo quando a OHCH já conseguiu recuperar, ou recriar, costumes como as congas dos domingos, presentes nas praças e ruas, para esta instituição é primordial o resgate das tradições culturais, assim como impulsionar novas manifestações artísticas (Rodríguez Alomá, 2009) para imprimir um caráter cultural ao Centro Histórico. Os pantomimeiro, que se podem encontrar em diferentes espaços do Centro, são personagens que evocam a antigos frequentadores deste espaço. Os que aparecem na figura 66 usam vestuários de épocas e chapéus e representam um bandido, na esquerda, e um músico, na direita, figuras frequentes do entorno em períodos anteriores.

15 Concerto de banda musical em espaços públicos. 149

Figura 66: Pantomimeiros na rua Obispo e na Plaza de San Francisco, de esquerda a direita

FONTE: Da autora (2011, 2014)

As ações também estão encaminhadas a incrementar as exposições de artes plásticas nos espaços públicos; colaborar no estabelecimento de galerias de reconhecidos artistas plásticos cubanos para expo-venda; criar escolas de dança para aprender os bailes tradicionais cubanos; diversificar a produção de artesanatos e aumentar o comércio de instrumentos musicais cubanos (PLAN MAESTRO, 2016). Quando se analisam as ações de preservação histórico-cultural no Centro Histórico de Havana Velha, se pode perceber que se trata de um processo no qual a população local não é omitida, pois, se potencializa a participação da comunidade no referente a reconstrução de moradias e aos espaços públicos (PLAN MAESTRO, 2014) e, segundo Segre (1997, p. 817), a mesma participa, porém, é cada vez menos “entusiasta”. Além disso, a recuperação do patrimônio arquitetônico inclui a recuperação de espaços públicos como praças e parques para o desfrute de todos e, no referente ao resgate das tradições culturais, as mesmas são pensadas para serem reproduzidas ocupando as ruas e espaços abertos. Segundo o Plan Maestro (2016, p. 120), um dos objetivos do Plan Especial de Desarrollo Local é: “Conservar el carácter residencial del Centro Histórico, 150

garantizar el derecho a una vivienda digna y aumentar la calidad de vida de la población local (...)” e é projetada a melhora de toda a rede de serviços públicos e de infraestrutura para a população: escolas, hospitais, aqueduto, eletricidade, sistema vial, dentre outros. Mas é realmente o Centro Histórico uma zona da cidade pensada para a população local? Esta questão será respondida no transcurso deste capítulo. Como foi analisado no Capítulo 3, a recuperação dos prédios patrimoniais desta área está ligada a um processo de refuncionalização dos mesmos para as atividades turísticas, sejam hotéis, restaurantes ou centros vinculados à indústria cultural. O Centro Histórico tem virado uma zona turística e, também, segundo o Plan Maestro (2016), se visa consolidar a hotelaria na zona, eliminar os usos incompatíveis com o novo caráter da área, sejam armazéns ou oficinas, recuperar os térreos para atividades comerciais, mesmo quando eles estão ocupados atualmente por moradias, e eliminar os cortiços. Então, quais classes sociais podem permanecer nesta zona se se eliminam os cortiços? A melhoria dos serviços como aqueduto, eletricidade, sistema viário alcança só aos moradores ou também garante uma melhoria para o sistema de empresas turísticas da zona? A figura 67 mostra uma imagem interior de um cortiço no Centro Histórico de Havana Velha, na mesma se pode ver o estado de deterioração deste tipo de prédio que abriga 41,5% da população residente na zona (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2009). Com a erradicação deste tipo de moradia, onde vivem os grupos sociais menos favorecidos economicamente, sem dúvida se diminuirá a pobreza no Centro Histórico e os trabalhos de recuperação dos serviços de fornecimento que acontecem na zona também beneficiam as instalações turísticas do território.

151

Figura 67: Interior de um cortiço no Centro Histórico de Havana Velha

FONTE: https://www.americatevepr.com/la-habana/los-solares-se-multiplican-la-habana-n889447

O Centro Histórico de Havana Velha é um espaço pensado para dois públicos: turistas internacionais e população local. As praças, parques, museus são lugares comuns, de encontro, porém, os espaços de consumo, devido aos altos preços de restaurantes, hotéis, bares, são exclusivos para o turismo, produzindo uma segmentação espacial que, em muitos casos, alcança os espaços públicos ocupados, como mostrado anteriormente, pelos restaurantes turísticos. Então, qual é a visão dos moradores da zona e dos outros grupos entrevistados sobre recuperação e refuncionalização do patrimônio arquitetônico no Centro Histórico? Dos 22 entrevistados, 90,9% (vinte entrevistados) percebe as ações de recuperação e os novos usos como um processo positivo, e 9,1% (dois entrevistados) como um acontecimento com pontos tanto positivos como negativos. Mas, como beneficiários destas ações foram assinalados diversos grupos favorecidos como mostra o Quadro 16.

Quadro 16: Principais beneficiários das ações de recuperação e refuncionalização do patrimônio arquitetônico no Centro Histórico de Havana Velha, segundo os grupos entrevistados Atores Moradores T. Estatais T. Atores do Atores do Total entrevistados/ Locais Privados Patrimônio Turismo Respostas- Beneficiários

Crianças 1 1 152

Adolescentes e 1 1 jovens

Idosos 1 1

Todos os cubanos 2 1 3

A humanidade 1 1

Os moradores do 2 2 2 3 9 Centro Histórico

Novos 1 1 empreendimentos

Os havaneses 1 1

Turismo 1 1 3 2 7 internacional

Turismo nacional 2 1 3

Economía 1 1 Nacional

Parte da população 1 1 cubana

Todos 1 1

Trabalhadores do 1 1 Centro Histórico FONTE: Da autora (2019)

Os beneficiários citados no quadro 16 foram listados de maneira aleatória, na medida em que foram aparecendo nas entrevistas realizadas. Mesmo com critérios muito gerais, ou alguns que englobam outros, eles foram igualmente colocados na tabela para plasmar as ideias dos entrevistados o mais fidedigno possível. Como mostra esta tabela, para os grupos entrevistados os principais favorecidos com as ações de recuperação no Centro Histórico são em ordem descendente: os moradores do Centro Histórico, o turismo internacional, os cubanos em geral e o turismo nacional, estes dois últimos ao mesmo nível. As razões dadas pelos atores questionados para qualificar as mudanças acontecidas na zona como positivas estão relacionadas à: ● Criação de espaços para projetos sociais orientados às crianças, adolescentes e jovens ● Construção de centros para cuidar às pessoas idosas (Asilos de Ancianos) ● Recuperação de escolas 153

● Reuso adaptativo de espaços e imóveis que estavam em avançado nível de deterioração ● Aumento dos espaços para a recriação da população local ● Embelezamento e limpeza desta parte da cidade ● Concessão do título de Cidade Maravilha16 ● Criação das escolas-museus ● Reconstrução de prédios, com diferentes usos, em mau estado ● Recuperação da diversidade de usos que tinham os prédios antes do 1959, para manter a cidade de maneira dinâmica e que funcione sem precisar se expandir ● Criação da infraestrutura turística ● Resgate histórico ● Geração de empregos Para os dois entrevistados que explicaram que se tratava de processos com aspectos positivos e negativos, as suas razões estão associadas, num primeiro caso, a modificação da arquitetura original de alguns dos prédios restaurados e, no segundo, à remoção de pessoas que não querem sair dos seus imóveis para recuperá-los. Segundo um dos trabalhadores privados entrevistados: Las mismas personas no tienen el poder adquisitivo para poder mantenerla y entonces, el Estado, como tal, ha tratado de recuperar esas casas para no perder el patrimonio y volverlas a su imagen antigua, para conservar lo que es su imagen antigua (...) no lo veo bien, pero no lo veo mal, porque muchas personas llevan muchos años en esas casas y no les gusta que los saquen de sus viviendas, pero por otra parte les favorece porque al final les mejora la vida. (TRABALHADOR PRIVADO, 2018)

Com a finalidade de conhecer a opinião dos moradores locais e os trabalhadores estatais da zona referente à recuperação das tradições no Centro Histórico, estes grupos foram interrogados sobre quais tradições culturais desapareceram com o aumento do fluxo turístico neste espaço. Ambos grupos coincidiram em 100% (nove entrevistados) em que, com a recuperação e o aumento de turistas nesta área não se perderam as tradições, e insistiram em que o que aconteceu foi a recuperação de vários costumes esquecidos e o fortalecimento de algumas tradições. Para reforçar a sua opinião, seis destes atores mencionaram algumas que têm sido resgatadas ou mantidas como: músicas, danças, artesanato, artes plásticas, costumes religiosos, festas populares como os Carnavais, a presença de figuras típicas nas ruas como

16 Título outorgado a Havana no dia 7 de junho de 2016. A cidade foi elegida Maravilha do mundo moderno através de uma votação popular a nível global na Terceira Competição Anual da fundação suíça New7Wonders. Resultaram também vencedoras: La Paz (Bolivia), Doha (Qatar), Durban (Sudáfrica), Beirut (Líbano), Vigan (Filipinas) e Kuala Lumpur (Malásia). (CUBA DEBATE, 2016) 154

as havanesas, as representações da cultura afro-cubana e os pregões dos vendedores ambulantes. Além disso, quatro dos entrevistados manifestaram que, em parte, o resgate e a conservação destas tradições está relacionado à atratividade turística das mesmas e ao interesse por mostrá-las para o turismo. Nos seguintes depoimentos se pode apreciar a preocupação de dois dos moradores entrevistados com a cenarização e espetacularização das tradições e a cultura cubana para o turismo:

(...) hay muchos tríos, mucha música popular, a veces un poquito caricaturesca, no? Menos original de lo que pudiera ser porque está más pensada en que al turista le agrade que en su esencia, en ocasiones. Pero también hay quien la hace bien (...) pero ahora hay más vida cultural, pero sobre todo es más para afuera, más como visible, porque lo que se quiere es precisamente eso: mostrar, mostrar la vida cultural. (MORADORA LOCAL, 2018)

Yo creo que las tradiciones culturales, más que perderse, se pueden, tal vez, estar afianzando, porque no soy de la opinión de que el turista venga a Cuba a ver su cultura o a que nosotros les presentemos aquí las cuestiones que no son autóctonas de nosotros (...) La mayor cantidad de espectáculos que se presentan en todos estos espacio tienen una fuerte raíz cubana, de cualquiera de las ramas más importantes, pueden ser: la rama europea o la rama africana, o las cuestiones campesinas del propio pueblo de Cuba, o las tradiciones que ya se formaron dentro de la nación como: el son, el mambo, el chachachá, son cuestiones que se ponen muy de manifiesto aquí. O sea que yo soy del criterio que todo esto ha ayudado un poco a fortalecer la presencia de la cultura cubana. Lo que también trae el gran desafío para todos los que tienen esta responsabilidad de mostrar la mejor de las fases o la mejor de las representaciones de la cultura cubana en cada una de estas manifestaciones, no banalizarla, no vulgarizarla, no comercializarla para satisfacer determinadas exigencias o reclamos turísticos o de visitantes. (MORADOR LOCAL, 2018)

Esta inquietude dos moradores locais no referente à banalização das tradições culturais cubanas pelas montagens para o turismo está latente na fala dos atores de patrimônio e turismo entrevistados. As instituições do patrimônio (OHCH, Plan Maestro) e do turismo (MINTUR, Habaguanex, Gaviota) são as encarregadas de regular tudo o que nestas matérias acontece no Centro Histórico. 77,78% dos participantes destes grupos (sete entrevistados) responderam que consideram que o turismo pode levar a que as práticas tradicionais se banalizem, enquanto 11,11% (um entrevistado) expressou que dependia de alguns fatores e este mesmo número opinou que não necessariamente implicavam a sua trivialização. Os entrevistados assinalaram entre as medidas que se tomam para que isto não aconteça as campanhas da OHCH nas quais se realçam os valores mais autóctones, nas quais se escolhe o que quer que se conheça e se divulga, porém também explicavam que as 155

instituições estatais não têm como regular o que projetam os trabalhadores privados, os produtos que comercializam e as manifestações artísticas que recriam nos seus locais, para que estas sejam o mais representativas possíveis e que não sejam um reflexo do que pode ser comercializado para o turismo. A figura 68 mostra a atual campanha da OHCH, lançada em junho de 2019, para comemorar os 500 anos da cidade. A imagem agrupa monumentos e estátuas havaneses de significativo valor histórico e cultural. Se misturam elementos reconhecidos e atrativos para o turismo como o Faro del Castillo del Morro, a Estatua de la República situada no interior do Capitolio ou os Leones del Prado, terceira, quarta e sexta imagem, respectivamente, e outros menos difundidos para o turismo, porém significativos para a população local como a , a estátua de Cecilia Valdés fora da Iglesia del Santo Ángel Custodio ou a estátua de Martí a cavalo, situada fora do Museo de la Revolución, primeira, segunda e quinta imagens, respectivamente.

Figura 68: Imagem da campanha da OHCH pelo 500 aniversário da cidade

FONTE: http://www.eusebioleal.cu/noticia/habana-500-la-ciudad-de-todos/

Porém, 88,89% (8 atores) dos entrevistados considera que a atividade turística contribui na preservação do patrimônio cultural através da geração de recursos financeiros que são investidos na conservação, incentiva o resgate de tradições esquecidas (música, gastronomia, dentre outras) e a valorização simbólica, pelos turistas, gera compreensão do significado dessa herança criando consciência sobre a necessidade da sua preservação. A recuperação do Centro Histórico de maneira geral é valorada como positiva pelos grupos entrevistados sobre este tema. Ainda que exista segregação socioespacial neste espaço pelo poder de consumo, com a reabilitação desta área melhoraram os serviços básicos à população (aqueduto, sistema viário), as condições construtivas de muitas 156

moradias e aumentou a oferta recreativa e cultural. Assim, mesmo existindo prejuízos para a população local pela refuncionalização turística deste espaço, eles parecem perceber mais os efeitos positivos sobre a sua vida diária do que os inconvenientes.

4.3 REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA E RESIGNIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO CENTRO HISTÓRICO: POSSIBILIDADES DE USO Uma das premissas do processo de recuperação do Centro Histórico de Havana Velha é o desenvolvimento cultural neste espaço (PEDI, 2016). Segundo Santana (2018, s.p. ) se procura: “(...) Garantizar el derecho universal a la cultura. Promover el conocimiento, la preservación, la rehabilitación y la puesta en valor del patrimonio cultural tangible e intangible (...)”. Assim, além de criar e estimular uma oferta cultural para o turismo neste espaço, é pensada e posta em marcha uma oferta de atividades culturais que dinamizam a vida da zona e das quais podem desfrutar a população local e os visitantes. Ao questionar aos moradores locais e aos trabalhadores estatais da zona sobre se se produziu um aumento das ofertas culturais e recreativas nesta área nos últimos 30 anos 100% dos entrevistados (9 atores) coincidiu que sim, cresceu a programação cultural e de lazer na zona neste período. O quadro 17 mostra as atividades culturais das quais a população desfruta frequentemente -segundo as respostas dos entrevistados- e quais atividades de lazer, cultura e turismo se realizam para a população local neste espaço segundo as respostas dos atores de patrimônio e turismo interrogados.

Quadro 17: Atividades recreativas, culturais e de turismo frequentadas/pensadas para a população local e os turistas nacionais

Atividades recreativas, culturais e Atividades frequentadas Atividades pensadas de turismo pelos moradores locais e para a população local e os trabalhadores estatais os turistas nacionais da zona segundo os atores de patrimônio e turismo

Concertos 3 2

Teatro 1 2

Atividades nos museus 3 0

Apresentações no Gran Teatro de la 3 0 Habana Alicia Alonso 157

Atividades da Biblioteca Rubén 1 0 Martínez Villena

Atividades no Museo de Ciencias 1 0 Naturales

La Cámara Oscura 1 0

Apresentações de livros nas praças 1 0

Espetáculos no Anfiteatro de la 2 0 Habana Vieja

Apresentações da Orquesta Sinfónica 1 0 Nacional

Atividades nas praças 1 0

Apresentações no Teatro Martí 2 0

Pequenas salas de teatro 1 0

Pequenas salas de concerto 1 0

Festival de Danza Callejera (nome 1 2 oficial: Festival Internacional de Danza en Paisajes Urbanos Habana Vieja: Ciudad en Movimiento)

Basílica Menor de San Francisco de 1 0 Asís (pequena sala de concertos)

Rutas y Andares17 0 7

Retretas 0 1

Exposições 0 2

Talleres de bordado 0 1 FONTE: Da autora (2019)

O quadro 17 mostra que as atividades mais frequentadas pelos moradores e os trabalhadores estatais entrevistados são: os concertos, as atividades nos museus e as apresentações no Gran Teatro de la Habana Alicia Alonso (Figura 69), e em segundo lugar os espetáculos no Anfiteatro de la Habana Vieja e as apresentações no Teatro Martí. Tanto

17 Rutas y Andares é um programa histórico-cultural que inclui roteiros variados por praças, parques, museus e prédios patrimoniais. Foi desenhado pela OHCH para os meses de verão que coincidem com as férias escolares no país. Podem participar os cubanos e também os turistas internacionais de todas as idades. O preço para os cubanos é preferencial (5 CUP equivalente a 0,20 CUC).

158

o Anfiteatro, como os teatros Martí e Alicia Alonso foram restaurados dentro do processo de recuperação do Centro Histórico, nos anos 1995, 2014 e 2016 respectivamente, e se trata de imóveis com elevados valores culturais e históricos nos quais a população local pode desfrutar das mais diversas manifestações artísticas e que são pensadas para diversos públicos (crianças, jovens, idosos). Nas atividades assinaladas pela população como as mais realizadas se pode perceber que se trata de ofertas culturais com preços acessíveis, tendo em conta os preços dos estabelecimentos pesquisados no trabalho de campo, e que muitas se realizam em espaços abertos.

Figura 69: Gran Teatro de la Habana Alicia Alonso

FONTE: Da autora (2018)

Além disso, o quadro 17 também permite perceber a opinião dos atores do patrimônio e do turismo no referente a quais são as atividades recreativas, culturais e turísticas que estas instituições desenham para a população local e os turistas nacionais, sendo as mais mencionadas: os roteiros de Rutas y Andares, os concertos, teatros, exposições e o Festival de Danza Callejera. Tanto os atores que frequentam como os que desenham as atividades coincidiram em mencionar atividades culturais abertas ou com preços acessíveis à população. Cabe destacar que todas as ofertas culturais e artísticas mencionadas pelos grupos em questão também são abertas para o desfrute dos turistas internacionais, só em alguns casos aumentam os valores dos ingressos, e as mesmas são frequentadas por estes. A figura 70 mostra uma apresentação do Festival de Danza Callejera -que acontece em diferentes praças e espaços públicos de Havana Velha- e a mesma é desfrutada tanto pela população local como pelos turistas. Esta manifestação artística representa uma dança afro- 159

cubana, colocada em um espaço aberto para os moradores e, ao mesmo tempo, aumenta a atratividade turística da zona a partir da cenarização do patrimônio cultural imaterial.

Figura 70: População local e turistas internacionais numa apresentação do Festival de Danza Callejera

FONTE: http://www.cubahora.cu/cultura/vuelve-la-danza-a-los-espacios-de-la-habana-vieja

Por outro lado, um dos moradores locais entrevistados, o mais jovem, explicava que existe uma oferta cultural em centros noturnos, atrativa para os jovens em geral, mas, que pelos elevados preços fica inacessível aos moradores locais, e está mais orientada ao turismo internacional. Então, o turismo pode desfrutar das atividades culturais criadas para a população local -retretas, concertos em praças, exposições- porém, a população não pode aceder à programação desenhada para o turismo: espetáculos, concertos em instalações turísticas, pelos altos preços. A valorização de determinadas manifestações da cultura cubana, como música e dança, as transforma em recursos turísticos, permitindo a criação de ofertas artísticas elitizadas para o turismo e encarecidas para a população local. Se evidencia uma segregação do espaço em função do poder econômico e a agudização das contradições sociais. Na análise do quadro 17, também chama a atenção que o roteiro de Rutas y Andares que foi o mais mencionado pelos atores do turismo e patrimônio, e que é pensado para a população local e os turistas nacionais, não foi mencionado nem uma vez pelos moradores e os trabalhadores estatais da zona. Isto demonstra que existem atividades criadas para a população, mas das que ela às vezes não participa, por exemplo, por problemas de divulgação. No referente a qual é a instituição encarregada da organização e realização destas atividades, os entrevistados das empresas de turismo e patrimônio assinalaram à 160

OHCH, unanimemente, como o organismo possibilitador das mesmas. As companhias e centros culturais no Centro Histórico determinam os seus calendários de eventos, que são recepcionados pela OHCH que os agrupa e determina o que pode acontecer e quando, estabelecendo a programação cultural da zona como um todo, segundo a explicação de um dos atores do patrimônio entrevistado. O Centro Histórico é um espaço que tem uma relação de pertencimento com a OHCH, pois segundo estas respostas, o MINTUR não se envolve na preparação das ofertas para os turistas nacionais, porém, ele cuida da oferta cultural que se apresenta para o turismo internacional, mesmo neste espaço. Isto acontece para que a OHCH cuide da “autenticidade” das manifestações artísticas que se projetam neste espaço. Acaso não seria preciso que, na programação artística que se difunde para o turismo internacional se velasse porque representa as tradições e a arte cubana o mais real possível? Sem dúvida, seria necessário que acontecesse assim, mas na programação cultural para o turismo, muitas vezes o importante é vender um espetáculo atrativo. A divulgação da oferta cultural desta área de Havana Velha se realiza através dos meios de difusão massiva: rádios, televisão e em menor medida na imprensa escrita. Além disso, a programação também se difunde na revista da OHCH: Opus Habana, publicação online; nos cartazes de anúncios culturais da agência de viagens San Cristóbal e da Basílica Menor de San Francisco de Assís. A promoção destas atividades está a cargo da Dirección de Información Cultural da OHCH, segundo as informações obtidas nas entrevistas aos atores de turismo e patrimônio. Porém, a divulgação deveria ser um pouco mais intensa e, talvez assim, mais pessoas conheceriam o roteiro Rutas y Andares ou outros programas. Um dos atores do turismo explicava: (...) creo que si llegaran con más fuerzas en los medios, pudieran tener muchos más adeptos y eso es una de las vías, los medios de comunicación, sobretodo la televisión, no le he visto mucho en la prensa (...) (ATOR DO TURISMO, 2018)

A refuncionalização turística do patrimônio cultural no Centro Histórico de Havana Velha fez com que os turistas se apropriassem dos espaços de consumo (hotéis, restaurantes, lojas, centros noturnos) e dos atrativos realçados pelas agências de viagens, porém, existe uma reapropriação, fomentada pelo Estado, por parte da população local e dos atores que nela trabalham, daqueles espaços que não são exclusivos para o uso turístico e que possuem valores patrimoniais e que também foram recuperados, assim como uma ampla participação destes nas atividades culturais com preços acessíveis que na zona se realizam. O aumento da programação artística, unido a possibilidade de participar desta são duas das razões pelas quais a população local e os trabalhadores da zona têm uma visão 161

favorável sobre o processo de recuperação. Se trata de um Centro pensado para dois públicos, com ofertas culturais para estes e as mesmas co-existem no espaço, mas o poder econômico determina quem e onde se participa. Se trata de uma zona fragmentada na qual se agudizam as contradições socioespaciais.

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TERCEIRA PARTE: AS NOVAS DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA

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5. INFLUÊNCIA DA ABERTURA PARA O TURISMO NA VIDA DOS MORADORES TRADICIONAIS DO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA. O TURISMO COMO ALTERNATIVA ECONÔMICA

5.1 OS EFEITOS DA ABERTURA PARA O TURISMO E DA REFUNCIONALIZAÇÃO TURÍSTICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL NA DINÂMICA SOCIOESPACIAL ENTRE MORADORES TRADICIONAIS, TURISTAS E NOVOS EMPREENDIMENTOS NO CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA No início da década de 1990, tal como explicado anteriormente, o governo cubano traça como estratégia econômica desenvolver a indústria turística com o fim de obter divisas frescas que permitiram estabilizar ou mesmo melhorar a situação financeira que atravessava o país. As cifras de turistas internacionais que recebia Cuba em 1990 não ultrapassavam os 345.000 turistas no ano, pois até esse momento as políticas se tinham destinado a desenvolver apenas o turismo nacional. Com a reorientação do plano de desenvolvimento do Estado, numa década, o país experimentou um crescimento de 345% nas chegadas de turistas internacionais, devido à construção da infraestrutura de serviços necessária (hotéis, restaurantes, modernização dos aeroportos), ao alto número de lugares de interesse e atrativo turístico para visitar, à segurança e à realização de campanhas publicitárias que destacavam estes valores. Para o ano 2010 o aumento experimentado foi de 215.7%, cifra ainda alta, e 5 anos mais tarde, Cuba passava a receber mais de 3 milhões de turistas, em certa medida pelo restabelecimento das relações diplomáticas entre os governos de Cuba e Estados Unidos (Quadro 18).

Quadro 18: Quantidade de turistas que visitaram Cuba e Havana no período 1990- 2015

Variáveis 1990 2000 2010 2015

Turistas que 340 1173 2531 3540 visitam Cuba/miles

Turistas que 240 703 1518 2124 visitam La Habana/miles

% de - 345 215.7 139.8 crescimento no 164

arribo de turistas por ano FONTE: Elaborado pela autora (2015) a partir de informações extraídas de Martín Fernández (2008) e ONE (2015, 2019) Não existem cifras exatas de quantos turistas visitam Havana anualmente, porém, segundo Prudente (2009), a cidade recebe 60% dos turistas que chegam a Cuba. Se se assume que a visita ao Centro Histórico é um circuito obrigatório, uma vez na cidade, desde 1990 a 2015 os turistas que visitavam esta zona da cidade aumentaram em quase dois milhões (Quadro 18). Este crescimento está associado à declaratória da UNESCO -mas como explicado anteriormente de 1982 a 1990 o país era principalmente um destino de sol e praia- e, fundamentalmente, à decisão governamental de desenvolver o turismo cultural neste espaço, com a criação da Companhia Turística Habaguanex, que forneceria a infraestrutura necessária, e aumentando os trabalhos de resgate patrimonial e realizando campanhas internacionais para fomentar esta modalidade turística. A figura 71 mostra o aumento gradual das cifras de turistas internacionais que recebeu Cuba nos últimos quatro anos. Além disso, indica um paulatino crescimento nas chegadas à cidade de Havana e que as cifras de visitantes se aproximam, na atualidade, aos três milhões de turistas anuais.

Figura 71: Chegadas anuais de turistas internacionais a Cuba e Havana no período 2015-2018

FONTE: Elaborado pela autora (2019) a partir de informações extraídas de ONE (2019) 165

Então, como percebem os moradores e trabalhadores estatais do Centro Histórico este aumento do número de turistas nesta zona? Quais aspectos positivos e negativos trouxe este incremento de visitantes para a vida diária destes atores?

Quadro 19: Aspectos positivos e negativos do aumento do número de turistas no Centro Histórico de Havana Velha para a população local Aspectos positivos ML TE AT Criação de uma oferta para o turismo da qual a população pode desfrutar X recuperação de prédios, museus, teatros, ruas, parques, etc. X X X Embelezamento da zona X X Aumento da segurança X Reabertura de centros X Desenvolvimento econômico para o país X X X Intercâmbio cultural X X X Oportunidade para mostrar o país e os níveis de desenvolvimento (por exemplo X educacional) Aumento dos serviços X Abertura de negócios particulares X X Melhoria das condições de vida das pessoas que trabalham vinculadas ao turismo X X Aumento do nível de vida dos moradores X Aspectos negativos ML TE AT Aumento da prostituição e dos cafetões na zona X Crescimento do número de negócios ilícitos X Aparição de pessoas pedindo esmola X Fluxo de turismo descontrolado X Incremento das doenças X Chegada de narcotraficantes estrangeiros passando como turistas X Sobreexploração da zona X Diminuição dos espaços para a população devido ao aumento das instalações X orientadas ao turismo Remoção dos moradores para a refuncionalização de alguns prédios X Encarecimento dos serviços da zona (táxis, restaurantes, bares) X Barulho nas ruas X Sobrecarga turística X FONTE: Da autora (2019) 166

O quadro 19 resume os aspectos positivos e negativos do aumento do número de turistas no Centro Histórico, a partir de 1990, para a população local, assinalados por três dos grupos entrevistados: moradores locais, trabalhadores estatais da zona e atores do turismo. Os aspectos positivos nos que coincidiram os entrevistados dos três grupos foram: a recuperação de prédios, museus, teatros, ruas, parques, etc., o desenvolvimento econômico para o país e a possibilidade de intercâmbio cultural. Segundo Leal (2004), o Plan Maestro (2006) e Rodríguez Alomá (2012) a exploração dos recursos turísticos da zona se iniciou para conseguir, exatamente, recuperar os prédios de valor patrimonial da zona e para o desenvolvimento econômico do país. Resulta interessante que os moradores locais apontam que eles se beneficiaram da recuperação de museus, teatros, ruas, parques e da reabertura de centros ações que, segundo Leal (2004), são principalmente, projetos sociais e não econômicos. O aumento do nível de vida dos moradores, mesmo quando não estão vinculados diretamente ao turismo, está dado, pois, como explicado anteriormente, 35% dos ganhos da empresa turística Habaguanex se investem no desenvolvimento de programas sociais (LEAL, 2004), assim, muitos prédios destinados à moradia, escolas e espaços públicos foram restaurados. No trabalho de campo os atores de patrimônio foram entrevistados sobre como acontece este retorno, mas não tinham conhecimento sobre o tema. No referente aos pontos negativos citados destaca que não existem coincidências entre os aspectos mencionados por cada grupo. Isto pode acontecer porque cada segmento tem uma visão própria baseada nas suas experiências. Um dos critérios negativos assinalado pelos atores do turismo foi a remoção dos moradores para a refuncionalização de alguns prédios. Porém, esta questão não foi mencionada pela população local. Para conhecer a opinião tanto dos moradores como dos trabalhadores estatais da zona eles foram interrogados sobre este tema. De um total de 9 entrevistados 66.6% (6 entrevistados) estima que as mudanças acontecidas no Centro Histórico, a partir de 1990, beneficiam a permanência dos moradores da área, 22.2% (2 entrevistados) valora que em alguns casos sim e em outros não, e 11.1% (1 entrevistado) opina que não os favorece. As razões dadas para explicar que estas mudanças beneficiam à população são: recuperação de prédios de moradia e escolas, aumento dos serviços como supermercados, as possibilidades de estabelecer um negócio particular e o incremento dos ganhos pessoais, e a existência de pessoas que não desejam se trasladar para outras zonas porque se sentem bem morando no Centro Histórico. Os pontos pelos quais alguns entrevistados percebem as mudanças como negativas são: a construção de hotéis em 167

prédios que estavam destinados à moradia, a remoção permanente ou temporal de algumas pessoas das suas casas, as fortes regulações urbanísticas no referente às modificações das fachadas, ao barulho e à higiene. Um dos entrevistados apontava: No, pienso que no porque han hechos muchos hoteles. Mira, ahí mismo, donde está el Hotel Parque Central, eso ahí era un edificio de viviendas, muy malo, estaba muy malo, se estaba cayendo, pero estoy segura que los pobladores de ahí hubieran querido que lo hubieran arreglado (...) y haber seguido viviendo ahí. ¿Qué hicieron? Lo arreglaron e hicieron un hotel cinco estrella. ¿Y los que vivían ahí? Porque también yo tengo una compañera que vivía ahí y ahora vive en Alamar. (TRABALHADOR ESTATAL, 2018)

Este depoimento demonstra que têm existido casos de remoção da população, mesmo quando a maioria dos atores entrevistados concorda em que, de um jeito geral, as mudanças foram para melhorar as suas condições de vida. Segundo o Plan Maestro e Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana (2014, p.19): “(…) el Centro Histórico (...) muestra entre sus políticas conservar el carácter residencial garantizando la permanencia de la población residente según los parámetros de habitabilidad, densidad y calidad de vida que resulten más apropiados(...)”. Então, para garantir uma densidade adequada, prioridade do governo desde a turistificação da zona, muitas pessoas têm sido removidas para outras zonas da cidade. Em 1995 a densidade populacional do Centro Histórico era de aproximadamente 33 017 habitantes por quilômetro quadrado (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2001) e, em 2018, tinha descido a 25 927 habitantes por quilômetro quadrado (SANTANA HERNÁNDEZ, 2018). Segundo Palet, Sardiñas e García (2007), a maior densidade populacional da província Havana está no município Centro Havana e, na capital, existem outras zonas com esta mesma situação e que são fronteiriças com Havana Velha, como os municípios e Cerro, porém as estratégias para diminuir a densidade populacional se centram no Centro Histórico, por ser esta uma zona de interesse para o capital turístico. Outro dos pontos negativos citado pelos atores do turismo foi a sobrecarga turística. Por esta razão, tanto os atores do turismo como os de patrimônio, foram questionados sobre a aplicação de medidas para evitar a sobrecarga turística. Dos 9 entrevistados um tércio opina que sim se aplicam, outro que não e um último terço que não sabe. Os que consideram que sim, se aplicam, assinalam como exemplos: a proibição de entrada de grandes cruzeiros (só podem entrar de pequena ou mediana escala) à Havana Velha, pelo tamanho da zona, a falta de infraestrutura e serviços para atender a um alto número de visitantes; e a definição e coordenação de horários de visita a diferentes lugares entre as agências de viagem. Porém, é difícil controlar a sobrecarga turística quando todo o 168

turismo que se realiza não acontece através das agências, então se dificulta controlar, para as instituições turísticas, os fluxos de visitantes. Seria mais viável que cada museu ou feira estabelecesse as suas regulações. Mas, existe o fator econômico e de consumo, por exemplo, nas férias, que em quanto mais pessoas recebem aumentam as possibilidades de vendas e por tanto os ganhos. É uma realidade que às vezes o Centro Histórico de Havana se encontra sobrecarregado. Um dos entrevistados explicava: (…) Hay veces que en La Habana Vieja se siente uno como persona que lo usa, y eso que yo no vivo, solo voy a trabajar todos los días, se siente incómodo porque es mucha gente y la Habana Vieja de por sí tiene mucha población y entonces, a veces, es imposible caminar por las calles o por espacios, a veces no encuentras donde sentarte. También, aunque hay gran cantidad de servicios para uno ir y merendar, o almorzar, siempre hay mucha cola, y siempre están todos llenos porque no da a vasto. Todavía falta mucho por hacer en la Habana Vieja y además es bastante la cantidad de visita que recibe, no solo de los turistas, sino de las mismas personas que encuentran a la Habana Vieja como un lugar para distraerse (...) (ATOR DE PATRIMÔNIO, 2018)

Se bem é verdade que a sobrecarga do Centro Histórico não se deve exclusivamente ao uso turístico, as cifras de turistas cresceram muito nos últimos anos. Segundo os atores de turismo e patrimônio entrevistados esta zona acolhe anualmente, em uma estimativa, entre dois e três milhões de turistas e visitantes internacionais, a maior cifra entre os meses de novembro e abril. 88.9% dos entrevistados (8 atores) estima que este número deve continuar crescendo devido às campanhas publicitárias sobre o destino, aos novos hotéis que se estão construindo, à atratividade da história desta zona e principalmente, devido às mudanças econômicas, políticas e sociais que têm dado visibilidade ao país no contexto internacional. Uma das medidas econômicas do governo que favoreceu o desenvolvimento turístico desta zona nos últimos anos foi a flexibilização das leis que permitem o trabalho privado no país, desde setembro de 2010 (ANTÚNEZ, MARTÍNEZ e OCAÑA, 2013). Segundo Zaldívar, Mayor e Martínez (2019), em 2015 existiam no Centro Histórico de Havana Velha 6 387 licenças para desempenhar algum tipo de trabalho privado, destas, a maioria pertence à zona norte, que possui os setores analisados nesta pesquisa, por abrigar o maior número de instalações vinculadas à atividade turística e comercial, e uma grande parte dos imóveis com valor patrimonial. Com estas medidas a oferta turística cresceu nos negócios vinculados fundamentalmente ao alojamento, aos serviços gastronômicos e à venda de artesanatos. 169

Ao entrevistar os trabalhadores ou donos de negócios privados sobre o que os motivou a orientar seu negócio ao setor turístico, 100% (4 pessoas) expressou razões vinculadas às possibilidades econômicas que oferece o setor e às oportunidades de ganhar mais do que trabalhando para o governo. Porém, três dos atores explicaram que, mesmo os negócios estando orientados ao turismo, os cubanos também podem ir. Além disso, estes entrevistados expõem que a maior parte dos ganhos provém dos turistas, e que alguns cubanos frequentam este tipo de estabelecimento (restaurantes, bares, lojas de artesanato) e em algumas épocas do ano (junho, setembro) a maior parte dos rendimentos que obtém chegam com os nacionais. Os trabalhadores privados também foram interrogados no referente aos produtos que comercializam e se estes mostram as tradições culturais cubanas. 100% deles expressou que sim, que os bens que promovem e vendem refletem estas tradições porque é o que os turistas procuram. Segundo estes atores os produtos seriam: artesanatos feitos a mão em Cuba, rum, charutos, Mojitos, guayaberas (camisa dos campesinos cubanos), música e pratos típicos cubanos. Muitos destes imóveis onde hoje estão localizados negócios não estatais possuem valores patrimoniais. Porém, os entrevistados não tinham conhecimento sobre esta questão e não conheciam as funções anteriores de nenhum dos imóveis. Então, que parte da história, da cultura e das tradições interessa resgatar? Aquela reconhecida pelo mercado, que é procurada pelo turismo e que pode ser vendida. Só aquela que pode ser transformada numa mercadoria. Na dinâmica socioespacial do Centro Histórico participam a população local, os turistas e os novos empreendimentos. A população julga como positiva a abertura ao turismo e o desenvolvimento desta atividade econômica, mesmo quando percebe alguns dos seus efeitos negativos para a sua vida diária. Esta complacência atual, com o desenvolvimento turístico, parece contrária às opiniões de algumas pessoas descontentes com a situação anterior a 2008, na qual os cubanos estavam impossibilitados de se hospedar nos hotéis destinados ao turismo internacional. A respeito desta proibição se gerou insatisfação popular e em algumas expressões artísticas se chegou a comparar a chegada de inversores espanhóis para abrir hotéis, que só podiam ser visitados pelos turistas, com um processo de doble colonização. Mas atualmente para a população parecem ser mais os benefícios obtidos desta atividade. Ao mesmo tempo, esta se mostra favorável aos negócios não estatais na área e vislumbra neles uma oportunidade de progresso econômico pessoal e para a economia familiar. Porém, os novos empreendimentos, pensados principalmente 170

para o turismo, chegam deslocando aos moradores tradicionais? Esta pergunta será respondida no próximo subitem.

5.2 O CENTRO HISTÓRICO DE HAVANA VELHA: UM CASO DE GENTRIFICAÇÃO? Como foi analisado no capítulo 1, segundo López Morales (2016), a gentrificação é um fenômeno que se manifesta de diversas formas, dependendo do contexto. Mesmo dentro da América Latina este processo assume características diferentes de uma cidade a outra. Mas, como indica Paes (2009), no Sul do continente esse processo se desenvolve, fundamentalmente, na década de 1990 e se caracteriza pela “(...) recuperação do centro para atividades culturais, de visitação, de lazer e de turismo” (PAES, 2009, p. 16). Segundo Smith (2012), a gentrificação pode acontecer em zonas centrais abandonadas, às classes trabalhadores e mais pobres, e nas áreas desvalorizadas pela falta de investimento de capital para o desenvolvimento dos bairros (na indústria, nos serviços). O Centro Histórico de Havana Velha, segundo Segre (1997, p. 817), nos anos 1970 e 1980, era “un hábitat precário”, pois por diversas razões as condições de vida e moradia na zona não eram as melhores. Segundo este autor, pelos problemas de moradia que existiam no início da década de 1970, herdados de épocas anteriores, o governo entregou os imóveis desocupados e os espaços vazios das lojas do Centro Histórico para que virassem moradias, como medida paliativa às precárias condições nas quais estas pessoas já moravam. Obrigadas pela necessidade, algumas famílias tiveram que transformar estes locais, pois moravam muitas pessoas em espaços reduzidos. Sin controles ni reglamentaciones, cada usuario adaptó a sus necesidades y posibilidades el tratamiento de las fachadas, convirtiéndose ligeros paños de grandes cristales en ciegos muros de bloques o ladrillos (...) la altura de los locales (...) generó la proliferación de barbacoas (entrepisos) realizadas com improvisadas estructuras de madera. Su peso y diseño afectó la estabilidad de los antiguos edificios y el tratamiento exterior, al dividirse los altos paños verticales de rejas y ventanas, típicos del diecinueve habanero, en toscas aberturas con persianas (...) (SEGRE, 1997, p.815)

Nos 1980, 131 palácios e mansões viraram descuidados cortiços, densamente habitados, nos quais as condições higiênicas estavam comprometidas (SEGRE, 1997). Estas adaptações deterioraram a imagem da cidade. Segundo Scarpacci (2000), aconteceram vários desmoronamentos de prédios pelo estado de deterioração e da falta de manutenção dos imóveis. Para Castillo (2001, s.p. 171

), antes dos 1990 muitas construções eram: “(...) ruinas parciales que sufrieron un grave deterioro por sobreutilización, maltrato, desidia y falta de mantenimiento adecuado (...)” A população que morava na zona tinha um baixo nível educacional, prevalecia a raça negra e tinha um alto índice de desocupação. Além disso, a zona se caraterizava pela delinquência e a promiscuidade (SEGRE, 1997). Com a valorização turística do Centro Histórico de Havana Velha e do seu patrimônio edificado, na década de 1990, se inicia um processo de retorno dos investimentos a este espaço, para a recuperação e refuncionalização turística de prédios coloniais, recuperação das moradias e para os projetos sociais, de interesse estatal a favor da sua preservação. Segundo Smith (2012), a gentrificação também está associada à substituição de velhos prédios por imóveis luxuosos. No Centro Histórico, a partir dos anos 1990, começa um processo que chega até a atualidade com a recuperação de antigos e maltratados casarões ou palácios e a refuncionalização dos mesmos para a atividade turística. A figura 72 ilustra a mudança do antigo prédio da Manzana de Gómez que abrigava escolas, farmácias, lojas populares e que foi transformado no Manzana Kempinski, o primeiro hotel de luxo de Havana.

Figura 72: Manzana de Gómez (2003) e Hotel Manzana Kempinski (2018)

FONTE: https://archpaper.com/2017/04/cuba-tourism-modernist-buildings/ e da autora (2018)

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A desatendida área portuária, como analisado anteriormente, também virou uma zona turística embelezada que contribuiu na transformação da paisagem urbana da zona (PARRA, 2015). Para López Morales (2016, p. 21), para que exista gentrificação é preciso que aconteça “(...) desplazamiento o exclusión desde el centro urbano de los segmentos sociales más bajos (...)”. Se pode afirmar que no Centro Histórico de Havana Velha existem casos de deslocamento da população se se analisa a densidade populacional em diferentes períodos. Segundo Segre (1997), antes de 1990 a densidade populacional por hectare edificada era de entre 500 e 1000 habitantes, na atualidade com uma redução de 14 hectares edificadas - comparando dados de Segre (1997) e Santana Hernández (2018)- a densidade é de 433 habitantes. Como aconteceram esses deslocamentos e quais foram as causas? Mesmo que o processo de recuperação do Centro Histórico de Havana Velha esteja marcado pela recuperação de alguns prédios destinados à moradia da população local, nos investimentos nos programas e serviços sociais (escolas, hogares maternos, asilos de ancianos) e nas melhorias na infraestrutura (sistema viário, aqueduto) (RODRÍGUEZ ALOMÁ, 2001; LEAL, 2004), quando se procura a permanência dos moradores tradicionais da área e a mesma é incentivada pelas esferas do governo e a recuperação é principalmente para os moradores (LEAL, 2004), alguns autores e os entrevistados no trabalho de campo assinalam casos de deslocamento negociado. Para Scarpacci (2000, p. 295): Most residents of Habana Vieja displaced by historic preservation must relocate in , across the bay on the eastern side of the city (...) This is the site of some of the first public housing projects in the 1960s. Many habaneros consider it unattractive because of its poor sites and services, public transportation problems, and badly maintained grounds (Hamberg 1994). Although no official data exist, I estimate that Habaguanex has displaced at least 200 residents.18

Segundo este mesmo autor, a população de um dos prédios que circundam a Plaza Vieja foi deslocada depois da recuperação do imóvel. Scarpacci (2000, p. 296) afirma: On the northeastern corner of the square rests a stately apartment complex built in

18 A maioria dos moradores da Velha Havana deslocados pela preservação histórica deve se mudar para Habana del Este, do outro lado da baía, no lado leste da cidade (...) Este é o local de alguns dos primeiros projetos de habitação pública na década de 1960. Muitos havaneses a consideram pouco atraente por causa de seus locais e serviços ruins, problemas de transporte público e má conservação (Hamberg, 1994). Embora não existam dados oficiais, calculo que Habaguanex tenha deslocado pelo menos 200 moradores. (Tradução da autora)

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1904. Much of the ornate plasterwork and some of the balconies have fallen off the six-story apartment building over the years. By the late 1960s, the former single-family apartments had become homes to several families. Crowding compounded the interior deterioration. In 1996, a joint venture Italian-Cuban project began renovating the structure into condominiums. Future occupants will be foreign business people working in Cuba, not residents of Habana Vieja. Foreigners will rent the apartments from Habaguanex and will pay in dollars, not pesos. The adjacent Plaza Vieja has been restored with an expensive ornate Italian-marble fountain in the center of the plaza, and the perimeter of the plaza is framed by metal spheres to prevent vehicular traffic. Officials at Habaguanex justify such building renovation, civic beautification, and residential displacement.19

No trabalho de campo, 12 atores dos diferentes grupos foram entrevistados sobre se conheciam casos de desalojo no Centro Histórico. 77% negou a existência de casos deste tipo, 15% afirmou que aconteciam e 8% explicou que não sabia sobre o assunto. Porém, 54% reconhece casos de deslocamentos da população mediante uma negociação entre os moradores e as instituições estatais. Nas entrevistas foi possível identificar três tipos de casos de deslocamentos: ● Intercâmbio de moradia: Os moradores do Centro Histórico aceitam trocar uma casa em mau estado no Centro por outra em melhores condições em outro lugar (geralmente fora de Havana Velha e longe do Centro). A população aceita esta troca, pois na maioria dos casos não possui os recursos econômicos necessários para realizar a reparação. A moradia do Centro é restaurada e refuncionalizada pelo Estado. ● Remoção da população por perigo de desabamento ou acidentes. ● Remoção da população para efetuar a reabilitação, mas os moradores retornam. Os deslocamentos estão associados à recuperação e enquanto alguns entrevistados afirmam que existem lugares que ainda não foram restaurados porque os moradores não querem deixar seus prédios, outros explicam que: (...) conozco muchas personas que vivían en La Habana Vieja, los sacaron de los edificios, los mandaron para Alamar, en el mejor de los casos, porque hubo mucha gente que los mandaron hasta para albergues y después nunca los devolvieron a sus edificios (...) (TRABALHADOR ESTATAL, 2018)

No Centro Histórico ainda moram pessoas com baixa renda e existem prédios

19 No canto nordeste da praça, fica um imponente complexo de apartamentos construído em 1904. Grande parte do reboco ornamentado e algumas das varandas caíram do prédio de seis andares ao longo dos anos. No final da década de 1960, os antigos apartamentos unifamiliares se tornaram lar de várias famílias. A multidão agravou a deterioração interior. Em 1996, um projeto ítalo-cubano começou a reformar a estrutura em condomínios. Os futuros ocupantes serão empresários estrangeiros trabalhando em Cuba, não residentes de Havana Velha. Estrangeiros vão alugar os apartamentos de Habaguanex e pagarão em dólares, não em pesos cubanos. A adjacente Plaza Vieja foi restaurada e ornamentada com uma fonte de mármore italiano no centro da praça, e o perímetro da praça é emoldurado por esferas de metal para impedir o tráfego de veículos. Os funcionários de Habaguanex justificam essa renovação, embelezamento cívico e deslocamento residencial. (Tradução da autora)

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em péssimo estado construtivo. A figura 73 mostra imóveis que se encontram situados dentro dos setores de estudo da pesquisa, que são as zonas que pelas suas possibilidades para desenvolver o turismo (valores patrimoniais, atrativos turísticos, infraestrutura hoteleira) já estão passando por processos de recuperação. Também, nas imediações da Plaza Vieja existe uma Comunidad Provisoria que, segundo um dos entrevistados, abriga pessoas que perderam as suas casas por desmoronamentos e residem temporariamente neste local. Então, neste caso, não se pode falar de uma mudança completa da zona, nem de que se apagaram totalmente os vestígios de pobreza da paisagem.

Figura 73: Prédios em mau estado construtivo no Centro Histórico de Havana Velha

FONTE: Da autora (2018)

Segundo Segre (1997, p. 818), no Centro Histórico de Havana Velha existem “(...) fronteras muy bien definidas, entre los espacios cualificados por los que deambulan los turistas y las zonas interiores totalmente abandonadas a su propio destino (...)”. Estas fronteiras visuais subsistem até hoje (Figura 74). A figura 74 mostra as diferenças entre as ruas Mercaderes, recuperada para a atividade turística e via importante de circulação entre hotéis e serviços turísticos, e Muralla, que ainda não recuperada e que abriga vários moradores.

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Figura 74: Ruas Mercaderes e Muralla (de esquerda a direita)

FONTE: Da autora (2018)

Segundo Delgadillo (2016, p. 105), “(...) las políticas que revalorizan el patrimonio urbano en sus múltiples dimensiones (materiales, simbólicas, económicas, culturales), excluyen ciertas prácticas populares (comercio ambulante, indigencia) (...)”. Porém, no caso de Cuba, não se erradicaram os vendedores ambulantes no Centro Histórico. Estes vendem os produtos mais diversos: cebolas e temperos, água de coco, churros, bonecas artesanais, chapéus ou pastéis (Figura 75). Coexistem desde os mais simples até aqueles com mais infraestrutura para desenvolver o seu negócio. Esses vendedores com seus pregões são um atrativo turístico a mais que se deseja preservar.

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Figura 75: Vendedores ambulantes no Centro Histórico de Havana Velha

FONTE: Da autora (2018)

Para Delgadillo (2015), existe um deslocamento por pressão devido ao aumento dos custos de vida. Mesmo quando nenhum dos entrevistados falou sobre o seu conhecimento sobre casos de deslocamento pelo encarecimento da zona, esta situação foi colocada como um dos aspectos negativos do aumento de turistas na zona. Segundo Smith (2012), uma vez que acontece o reinvestimento e revitalização destes centros urbanos, o valor do solo aumenta, com a consequente substituição dos moradores tradicionais destes bairros de baixa renda, por uma população das classes médias e altas da sociedade. No caso de Cuba, a partir do processo revolucionário de 1959, se erradicou a especulação imobiliária, o Estado nacionalizou a maior parte da terra e se determinou um preço padrão para o solo urbano, e nem a localização, nem as características do entorno modificam esse valor (NUÑEZ FERNÁNDEZ e GARCÍA PLEYÁN, 2000). 177

Porém, com a reabilitação do Centro Histórico de Havana Velha, mesmo quando o valor oficial do solo continua sendo o mesmo, acontece uma revalorização monetária informal dos imóveis localizados na zona. Segundo Nuñez Fernández e García Pleyán (2000, s.p.) existem alguns “(...) propietarios que alquilan inmuebles y que elevan sus rentas en función de procesos de regeneración urbana (...)” e outros que decidem sair da zona a partir de um intercâmbio de casas e: (...) que en el mercado subterráneo de la permuta exigen cantidades importantes de dinero adicional para realizar el trueque de una propiedad inmobiliaria entre dos barrios de características desiguales (...) El mercado de la permuta, sin embargo, está extremadamente controlado y limitado en el territorio del casco histórico y la única forma de apropiarse de esa plusvalía es de manera subterránea o ilegal. (NUÑEZ FERNÁNDEZ e GARCÍA PLEYÁN, 2000, s.p)

Mesmo quando Nuñez Fernández e García Pleyán (2000) não referenciam a compra e venda de imóveis, pois a lei que legaliza a compra e venda de casas em Cuba é posterior ao artigo, com esta acontece de igual jeito, os altos valores são fixos dentro da informalidade. No trabalho de campo, vários entrevistados fizeram referências ao aumento do valor das casas, por tanto, mesmo quando não é oficial este incremento, é socialmente reconhecido e aceito pela população. O encarecimento do solo, neste caso, parece estar ligado a um interesse por morar numa zona central e de fácil acesso dentro da cidade, renovada (uma grande parte), que possui um alto número de serviços, uma infraestrutura melhorada e, fundamentalmente, uma zona valorizada pelo turismo internacional. Em Cuba, possuir um negócio privado vinculado ao setor turístico é uma importante fonte de ingressos, e ter um imóvel nesta área oferece essa possibilidade. Porém, existe uma revalorização do solo também amparada pelo Estado, pois, para Nuñez, Brown e Smolka (2007, p. 286): (...) la Oficina del Historiador (...) comenzó a recaudar impuestos directos e indirectos que suman el 35 por ciento de los ingresos de empresas privadas no relacionadas con la Oficina, tales como hoteles, establecimientos comerciales y restaurantes que se han beneficiado de las labores de rehabilitación del distrito histórico (...)

Os elevados valores do mercado informal de imóveis e os altos impostos sustentados pelo Estado na zona do Centro Histórico apontam a um encarecimento do solo. Este aumento do preço implica na chegada de novos grupos econômicos? Em Cuba, por muitos anos se defendeu a inexistência de classes sociais. Então, quais seriam estes grupos que estão chegando ao Centro Históricos e quais as suas características? Segundo Noguera (2004), a partir de 1969, em Cuba, se podem distinguir 178

quatro grupos sociais: os trabalhadores, os campesinos, os intelectuais e o pequeno setor privado, porém, afirma que até 1989 não existiam grandes diferenças econômicas entre estes grupos. Com o início do Período Especial aconteceram uma série de mudanças na economia -legalização do dólar e consolidação de uma economia que opera em duas moedas (CUP e CUC, este último equivalente ao dólar estadunidense), ampliação do trabalho privado, transformações no setor agrícola que incidem no aumento do setor campesino privado- que levam à “(...) crear nuevos tipos económico-sociales –grupos socio-estructurales– en el interior de las clases. Factores que establecen una estratificación o diferenciación socio-económica intraclasista, ejerciendo una influencia directa sobre la estructura social (...)” (NOGUERA, 2004, p.50) Para Acevedo Meireles (s. a.) no continente americano: “(...) los pobres viven con $2 o menos por día; bajos ingresos entre $2.01 y $10; medio entre $10.01 y $20; media superior entre $20.01 y $50; ingresos altos más de $50.” e explica que uma parte dos trabalhadores privados em Cuba consegue ganhar 10 CUC ou mais, diariamente. No trabalho de campo, se pôde comprovar que os cubanos reconhecem a existência de classes sociais dentro da sociedade cubana e que o pertencimento à classe média ou alta, para eles, está relacionado à: posse de uma moradia própria e de um carro próprio, aos ganhos em CUC (depende do setor onde se trabalha) ou o recebimento de remessas familiares em dólares desde o exterior, ter um negócio privado, posse de dinheiro poupado, possibilidades de férias e de viajar ao estrangeiro -uma parte da sociedade cubana realiza viagens comerciais informais que garantem uma renda extra. Os aspectos assinalados melhoram as condições de vida destes grupos. Segundo Noguera (2004, p. 53), se trata de uma “(...) desigualdad caracterizada por producirse en un modelo de pirámide social invertida, donde un taxista, un camarero o un participante de la economía sumergida se coloca por encima de un investigador doctor en ciencias o que un cirujano (...)” As emergentes classe média e alta cubana estão muito vinculadas ao setor dos serviços. Ao perguntar aos entrevistados se a partir da recuperação do Centro Histórico e do desenvolvimento turístico neste espaço as emergentes classes média e alta cubana chegaram ao Centro Histórico, 100% dos 22 entrevistados opinou que sim, tinham chegado e continuam chegando. A principal motivação destes deslocamentos urbanos parece estar associada à possibilidade de criar negócios privados vinculados à atividade turística. De acordo com alguns dos atores interrogados as classes médias e altas cubanas continuam morando fora do Centro Histórico e só possuem negócios na zona. Além disso, os 179

entrevistados explicaram que também muitos antigos residentes da zona criaram seus próprios negócios não estatais, mas que a maioria pertence a pessoas que chegaram de outras zonas, e que em alguns casos o dinheiro para desenvolver os negócios provém de estrangeiros interessados em investir em Havana Velha. Este interesse por investir no Centro Histórico pode estar associado ao reconhecimento do mesmo como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, em 1982, pois, segundo Díaz (2015), esta declaratória costuma atrair investimentos que mercantilizam a zona patrimonial para o turismo. No caso de Havana, estes investimentos chegam mais de 30 anos depois da declaratória pelas características do marco legislativo cubano que, por exemplo, não favorecia o surgimento de negócios privados até 2010 e proibia a compra e venda de imóveis até 2011 (ANTÚNEZ, MARTÍNEZ e OCAÑA, 2013). Para Scarpacci (2000, p. 289), no Centro Histórico de Havana Velha os agentes gentrificadores são: “(...) a transient group made up of foreign tourists or business people from Canada, Western Europe, and Latin America (...)”20. A este grupo de agentes gentrificadores se poderia somar as classes média e alta cubana que estão chegando à zona para investir em negócios e colaboram no deslocamento de moradores de baixa renda que vendem suas moradias, ante a impossibilidade econômica de restaurá-las com recursos próprios. Por outro lado, mesmo quando no Centro Histórico coabitam moradores e turistas internacionais, existe uma grande diferença de qualidade e preços entre os serviços orientados para cada grupo. A figuras 76 e 77 mostram o Complejo Comercial Gastronómico Variedades Obispo, um supermercado com preços em CUP para a população local. O prédio, mesmo estando na central rua Obispo, não está bem pintado e nas suas janelas persistem restos do que deve ter sido uma proteção de adesivo contra furacões. A figura 78 mostra o Floridita, emblemático restaurante do Centro, realçado nas campanhas turísticas por ser um lugar de recorrentes visitas de Ernest Hemingway para beber um daiquirí. No início da mesma rua Obispo, o imóvel está em bom estado construtivo e sua fachada está bem pintada. No caso do Floridita, as janelas contam com uma proteção metálica em caso de furacões.

20 Um grupo transitório composto por turistas ou empresários estrangeiros do Canadá, Europa Ocidental e América Latina (Tradução da autora) 180

Figura 76: Complejo Comercial Gastronómico Variedades Obispo, entrada

FONTE: Da autora (2018)

Figura 77: Complejo Comercial Gastronómico Variedades Obispo, lateral rua Obispo

FONTE: Da autora (2018)

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Figura 78: Restaurante Floridita

FONTE: Da autora (2018)

Também existe um forte contraste entre as moradias da população local e as instalações orientadas ao turismo, tanto estatais como privados. Nas figuras 79 y 80 se podem apreciar as diferenças do estado construtivo e da manutenção entre um hotel, neste caso o Parque Central, e um grupo de moradias que ficam numa das ruas do hotel.

Figura 79: Hotel Iberostar Parque Central

FONTE: Da autora (2018)

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Figura 80: Grupo de moradias vizinhas ao Hotel Parque Central

FONTE: Da autora (2018) Segundo Scarpacci (2000), Delgadillo (2015) e Prudente (2009), no Centro Histórico de Havana Velha acontece um processo de gentrificação associado à recuperação da cidade histórica para sua refuncionalização turística. Nas entrevistas aos atores de patrimônio, um destes trabalhadores apontava que ainda não é um caso de gentrificação aguda, mas que se trata de um processo emergente. O problema no Centro Histórico não radica em embelezar, recuperar ou não a trama urbana, é a conversão da cultura numa mercadoria, é a modificação dos usuários do espaço pelos consumidores, é a segregação espacial em função do poder econômico. Se poderia falar então, de gentrificação em Havana Velha, porém, do tipo de gentrificação que pode acontecer num país socialista com um governo ainda preocupado com a população e onde esta é também uma prioridade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A valorização turística do patrimônio cultural do Centro Histórico de Havana Velha incidiu na mudança da dinâmica socioespacial dos moradores tradicionais da zona e nas relações econômicas e sociais que neste espaço se produziam entre os seus diferentes usuários. Esta notoriedade está muito relacionada com a recuperação e refuncionalização das construções com valor histórico e cultural, trabalho que continua até a atualidade. Então, como a recuperação desta área urbana persiste são muitos ainda os desafios e possibilidades deste processo. Hoje, o principal desafio parece radicar em frear o emergente processo de gentrificação que se apresenta nesta zona. Mesmo quando, segundo Leal (2004), é uma máxima desta obra e das instituições que a materializam conciliar os usos do espaço pela população local e os turistas, na prática são apreciáveis os deslocamentos da população tradicional e a chegada de novos grupos sociais para investir em negócios privados, assim como a separação entre as áreas e serviços turísticos e aqueles orientados aos moradores locais. Se bem é certo que o Centro Histórico é ainda um centro vivo, pois abriga mais de 55.000 habitantes, escolas, museus, bibliotecas, centros culturais, instituições para os setores mais vulneráveis da população: grávidas, idosos (Figura 81), crianças sem família, pessoas sem recursos econômicos; projetos sociais e a construção deste tipo de centros continua (Figura 82), existe um desequilíbrio entre o número de programas para a população, a recuperação de moradias e os projetos orientados ao turismo. Mesmo quando os recursos provêm da atividade turística não se pode perder a proporção entre os planos para os moradores e os turistas.

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Figura 81: San Ignacio 255, moradia protegida para idosos

FONTE: Da autora (2018)

Figura 82: Moradia estudantil em restauração

FONTE: Da autora (2018)

Para que a população seja realmente a principal beneficiária deste processo se poderia incentivar a sua permanência na área através de um aumento de planos de recuperação das moradias a curto prazo -existem mas são muito demorados- e com o oferecimento de créditos para motivar a que os moradores invistam em criar pequenos 185

negócios turísticos e frear a chegada de investidores forâneos. No setor estatal, se poderia fomentar o oferecimento preferencial de emprego nos novos estabelecimentos turísticos para os moradores da zona. Como analisado anteriormente, a população local e os atores vinculados à atividade turística que foram entrevistados no trabalho de campo reconheceram alguns fatores negativos vinculados à esta atividade econômica. Dentre eles, se poderia prestar especial cuidado pelas diferentes esferas do governo, a OHCH e as instituições turísticas que operam na área para a diminuição ou erradicação da prostituição, dos negócios ilícitos, do tráfico de drogas, no controle de doenças na chegada ao país e na gestão dos fluxos turísticos para evitar sobrecarga em alguns espaços. Mas, é preciso considerar também, que além dos problemas que a atividade turística gera na zona, o setor foi desenvolvido no país como uma solução econômica num momento de crise financeira. O turismo proporcionou os ganhos que se esperava e, na atualidade, constitui um ponto chave na economia nacional, pois é uma das principais fontes de renda. Este setor também contribuiu no desenvolvimento da economia local no Centro Histórico. No trabalho de campo, um dos moradores entrevistados explicava que, mesmo quando nesta zona se sentiram os efeitos do Período Especial, depois da abertura para o turismo os efeitos diminuíram um pouco na zona, mas o alcance deste setor na economia familiar é visível somente quando as pessoas trabalham vinculadas diretamente com a atividade. O desenvolvimento turístico é hoje -e no futuro imediato será- uma importante fonte de renda a nível de Estado e da economia pessoal neste espaço. A chegada de turistas na Havana Velha, também potenciou a conservação das riquezas históricas e culturais, o resgate de tradições que tinham se perdido com o tempo - mesmo quando algumas são só uma cenarização para o turista- e possibilitou o intercâmbio cultural entre os moradores e os visitantes. O fato do país ter ficado isolado na política e na cultura por várias décadas e o pouco desenvolvimento turístico antes de 1990, concentrado, principalmente, na chegada a Cuba de turistas provenientes dos países do leste europeu, fazem que cresça na maioria da população um interesse por mostrar a sua cultura e entrar em contato com pessoas de outras nações. No trabalho de campo, um dos moradores locais explicava que o turismo: (...) favoreció el intercambio entre todos los pueblos, entre nuestro pueblo y otros, que conocieran a Cuba, que nosotros tuviéramos la posibilidad de intercambiar con otras personas, que pudiéramos mostrar el país, la calidad del pueblo cubano, la calidad de sus habitantes, los niveles de desarrollo digamos educacional, de instrucción que tiene nuestro pueblo, la calidez humana de nuestras personas. Soy de los que consideran que la llegada del turismo a Cuba, o el desarrollo de la actividad turística no solo nos favoreció económicamente, sino como sociedad. (MORADOR LOCAL, 2018)

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Então, a possibilidade de intercâmbio cultural entre os moradores e os turistas é um aspecto que deve ser cuidado no futuro, pois as fronteiras entre os espaços e instalações turísticas e aqueles que são para os moradores, podem prejudicar essa relação que é reconhecida pela população como um ganho. Outro desafio consiste em potencializar os efeitos positivos reconhecidos pelos moradores locais e é recomendado que o trabalho futuro das instituições que regem a reabilitação e o desenvolvimento turístico desta área velem para que os espaços, serviços e projetos sociais orientados à população continuem, que se embelezam as zonas de função habitacional. Como se analisou anteriormente, a imagem urbana de Havana Velha permaneceu no tempo, isto representa uma possibilidade e, ao mesmo tempo, um desafio, pois se devem evitar ações que danifiquem a imagem da zona. As maiores possibilidades no cenário de Centro Histórico estão relacionadas a que o processo foi liderado pela gestão pública e ao interesse -pelo menos discursivo- do governo para desenvolver a zona orientada ao turismo sem perder o caráter residencial e as funções sociais associadas à presença de moradores (escolas, hospitais, centros culturais). Outro fato que pode ser uma possibilidade para o futuro é a existência de uma única organização que gestiona todo o processo: a OHCH, que conta com o apoio do governo, leis que possibilitam o seu atuar, um conjunto de empresas e organismos para realizar o trabalho de recuperação e relações horizontais com os governos municipal, provincial e o Consejo de Ministros. A recuperação do Centro Histórico de Havana Velha é ainda um processo inacabado, se continua trabalhando na reabilitação de espaços para a população e para o turismo internacional. Mesmo quando a refuncionalização turística deste espaço não provocou, ainda, uma rejeição por parte dos moradores em relação aos turistas, como já vimos em tantos centros urbanos como são os casos de Barcelona, Veneza, Atenas em um processo de turismofobia (PISANI, 2017); isto pode acontecer num futuro se não se realizam mais ações que harmonizem a coexistência e o uso por ambos os grupos dos mesmos espaços. Segundo (BARBERÍA, 2017, s.p.): “A complacência original dos cidadãos desaparece, especialmente em cidades e espaços limitados ou submetidos com antecedência à pressão da visitação intensiva.” Atualmente no Centro Histórico de Havana Velha o turismo é percebido como uma atividade positiva, fundamentalmente, pelos benefícios econômicos que reporta para a economia nacional e familiar, mas, esta “complacência” pode mudar com a intensificação de alguns problemas que já existem na 187

zona e que apareceram na fala dos atores entrevistados como: o aumento dos preços nos serviços, os deslocamentos dos moradores tradicionais para fora da área turística e a sobrecarga turística nesta zona, não muito extensa, e de alta densidade populacional. O desafio fica em conseguir manter o desenvolvimento turístico do Centro Histórico, como uma base importante da economia do país, ao mesmo tempo, que esta área da cidade, continue pertencendo e sendo habitada pelos moradores tradicionais e que estes sejam os principais beneficiários desta atividade.

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ANEXOS

Anexo A - Roteiro de perguntas para entrevista aos moradores do Centro Histórico de Havana Velha

La presente entrevista tiene como objetivo conocer su opinión, como morador del Centro Histórico de la Habana Vieja, en lo referente a temas como: la composición del patrimonio cultural de esta zona, su relación con el mismo antes y después de la apertura en la Isla para el turismo, la labor de la Oficina del Historiador de la Ciudad en la recuperación de este espacio urbano, entre otros. Sus respuestas serán utilizadas desde el anonimato, para dar cumplimiento a algunos de los objetivos de la tesis de Maestría en Geografía: La valorización turística del patrimonio cultural en el Centro Histórico de la Habana Vieja, Cuba; que se realiza en el Instituto de Geociencias de la Universidad Estadual de Campinas y busca determinar la influencia del uso del patrimonio cultural para el turismo, en la vida de la población local. De antemano agradecemos su colaboración.

______Fecha y local Datos personales:

Nombre______Sexo F( ) M( ) Edad______Lugar de nacimiento______Años vividos en el Centro Histórico______

Preguntas generales:

1. En su opinión, ¿qué es el patrimonio cultural de un pueblo? 2. ¿Qué ejemplos de patrimonio cultural usted citaría dentro del Centro Histórico? Y ¿cuál considera que sea su importancia? 3. Con la recuperación del Centro Histórico, por parte de la Oficina del Historiador de la Ciudad, muchos edificios han adquirido nuevos usos, ¿esta acción es positiva? ¿Para quién? 4. ¿En el Centro Histórico de la Habana Vieja se puede hablar de casos de desalojo o expulsión de los moradores? 5. Con la recuperación del Centro Histórico y el incremento del turismo en este espacio urbano, ¿se puede decir que han llegado a esta zona de la Habana Vieja las emergentes clases medias y altas del país?

Preguntas específicas de este grupo:

6. ¿Cuáles tradiciones culturales se han perdido com el aumento del flujo turístico en el Centro Histórico? 7. A partir de la década 90, el número de turistas que visitan el Centro Histórico aumentó, ¿qué aspectos, positivos y negativos, trajo este aumento, para su vida diaria? 8. ¿Se ha producido un aumento en las ofertas culturales y recreativas de la zona en los últimos 30 años? ¿De cuáles disfruta usted con frecuencia? 9. ¿Los cambios ocurridos em el Centro Histórico,a partir de los 90, benefician la permanencia de los moradores del área? 206

¡Muchas gracias por su colaboración! 207

Anexo B - Roteiro de perguntas para entrevista a trabalhadores estatais (não vinculados diretamente às atividades turística ou de recuperação do patrimônio) do Centro Histórico de Havana Velha

La presente entrevista tiene como objetivo conocer su opinión, como trabajador de una empresa del sector estatal, que radica en el Centro Histórico de la Habana Vieja, en lo referente a temas como: la composición del patrimonio cultural de esta zona, su relación con el mismo antes y después de la apertura en la Isla para el turismo, la labor de la Oficina del Historiador de la Ciudad en la recuperación de este espacio urbano, entre otros. Sus respuestas serán utilizadas desde el anonimato, para dar cumplimiento a algunos de los objetivos de la tesis de Maestría en Geografía: La valorización turística del patrimonio cultural en el Centro Histórico de la Habana Vieja, Cuba; que se realiza en el Instituto de Geociencias de la Universidad Estadual de Campinas y busca determinar la influencia del uso del patrimonio cultural para el turismo, en la vida de la población local. De antemano agradecemos su colaboración. ______Fecha y local Datos personales:

Nombre______Sexo F( ) M( ) Edad______Empresa______Años trabajados en el Centro Histórico______

Preguntas generales:

1. En su opinión, ¿qué es el patrimonio cultural de un pueblo? 2. ¿Qué ejemplos de patrimonio cultural usted citaría dentro del Centro Histórico? Y ¿cuál considera que sea su importancia? 3. Con la recuperación del Centro Histórico, por parte de la Oficina del Historiador de la Ciudad, muchos edificios han adquirido nuevos usos, ¿esta acción es positiva? ¿Para quién? 4. ¿En el Centro Histórico de la Habana Vieja se puede hablar de casos de desalojo o expulsión de los moradores? 5. Con la recuperación del Centro Histórico y el incremento del turismo en este espacio urbano, ¿se puede decir que han llegado a esta zona de la Habana Vieja las emergentes clases medias y altas del país?

Preguntas específicas de este grupo:

6. ¿Cuáles tradiciones culturales se han perdido com el aumento del flujo turístico en el Centro Histórico? 7. A partir de la década 90, el número de turistas que visitan el Centro Histórico aumentó, ¿qué aspectos, positivos y negativos, trajo este aumento, para su vida diaria? 8. ¿Se ha producido un aumento en las ofertas culturales y recreativas de la zona en los últimos 30 años? ¿De cuáles disfruta usted con frecuencia? 9. ¿Los cambios ocurridos em el Centro Histórico,a partir de los 90, benefician la permanencia de los moradores del área?

¡Muchas gracias por su colaboración! 208

Anexo C - Roteiro de perguntas para entrevista a trabalhadores ou donos de negócios privados do Centro Histórico de Havana Velha

La presente entrevista tiene como objetivo conocer su opinión, como trabajador o dueño de un negocio privado, que radica en el Centro Histórico de la Habana Vieja, en lo referente a temas como: la composición del patrimonio cultural de esta zona, su relación con el mismo, la labor de la Oficina del Historiador de la Ciudad en la recuperación de este espacio urbano, entre otros. Sus respuestas serán utilizadas desde el anonimato, para dar cumplimiento a algunos de los objetivos de la tesis de Maestría en Geografía: La valorización turística del patrimonio cultural en el Centro Histórico de la Habana Vieja, Cuba; que se realiza en el Instituto de Geociencias de la Universidad Estadual de Campinas y busca determinar la influencia del uso del patrimonio cultural para el turismo, en la vida de la población local. De antemano agradecemos su colaboración. ______Fecha y local Datos personales:

Nombre______Sexo F( ) M( ) Edad______Formación______Labor actual______Negocio______Años trabajados en el Centro Histórico______

Preguntas generales:

1. En su opinión, ¿qué es el patrimonio cultural de un pueblo? 2. ¿Qué ejemplos de patrimonio cultural usted citaría dentro del Centro Histórico? Y ¿cuál considera que sea su importancia? 3. Con la recuperación del Centro Histórico, por parte de la Oficina del Historiador de la Ciudad, muchos edificios han adquirido nuevos usos, ¿esta acción es positiva? ¿Para quién? 4. ¿En el Centro Histórico de la Habana Vieja se puede hablar de casos de desalojo o expulsión de los moradores? 5. Con la recuperación del Centro Histórico y el incremento del turismo en este espacio urbano, ¿se puede decir que han llegado a esta zona de la Habana Vieja las emergentes clases medias y altas del país?

Preguntas específicas de este grupo:

6. ¿El negocio en el cual usted trabaja está orientado al turismo? ¿Qué lo motivó a trabajar para este sector? 7. Si tuviera que dividir en porcientos estimados las ganancias del negocio, ¿qué porciento de las ganancias diría que provienen de los turistas? 8. ¿Los productos que comercializa reflejan nuestras tradiciones culturales? ¿Cuáles? 9. ¿El inmueble dónde está ubicado su negocio tiene valor patrimonial? ¿Conoce su función anterior? ¿Recibe alguna ayuda del estado para la manutención del inmueble o para el desarrollo de su negocio? ¡Muchas gracias por su colaboración! 209

Anexo D - Roteiro de perguntas para entrevista a atores dos centros de gestão do patrimônio do Centro Histórico de Havana Velha

La presente entrevista tiene como objetivo conocer su opinión, como representante de los centros de gestión del patrimonio en lo referente a temas como: la composición del patrimonio cultural de esta zona, su relación con el mismo, la labor de la Oficina del Historiador de la Ciudad en la recuperación de este espacio urbano, entre otros. Sus respuestas serán utilizadas desde el anonimato, para dar cumplimiento a algunos de los objetivos de la tesis de Maestría en Geografía: La valorización turística del patrimonio cultural en el Centro Histórico de la Habana Vieja, Cuba; que se realiza en el Instituto de Geociencias de la Universidad Estadual de Campinas y busca determinar la influencia del uso del patrimonio cultural para el turismo, en la vida de la población local. De antemano agradecemos su colaboración.

______Fecha y local Datos personales:

Nombre______Sexo F( ) M( ) Edad______Institución______Cargo______Años en su función______

Preguntas generales:

1. En su opinión, ¿qué es el patrimonio cultural de un pueblo? 2. ¿Qué ejemplos de patrimonio cultural usted citaría dentro del Centro Histórico? Y ¿cuál considera que sea su importancia? 3. Con la recuperación del Centro Histórico, por parte de la Oficina del Historiador de la Ciudad, muchos edificios han adquirido nuevos usos, ¿esta acción es positiva? ¿Para quién? 4. ¿En el Centro Histórico de la Habana Vieja se puede hablar de casos de desalojo o expulsión de los moradores? 5. Con la recuperación del Centro Histórico y el incremento del turismo en este espacio urbano, ¿se puede decir que han llegado a esta zona de la Habana Vieja las emergentes clases medias y altas del país?

Preguntas específicas de este grupo:

6. ¿Cuáles han sido las principales acciones públicas de las diferentes esferas del Estado (Nacional, Provincial, Municipal) en el proceso de recuperación del Centro Histórico? 7. Además de la auto-financiación, ¿con cuáles otros recursos económicos se cuenta para la labor restauradora? 8. ¿Cómo se realiza este retorno de los recursos económicos obtenidos de la actividad turística para (el bienestar) los moradores del Centro Histórico? 9. En su opinión, ¿cuántos turistas aproximadamente recibe anualmente el Centro Histórico de la Habana Vieja? En su opinión, ¿este número debe aumentar? ¿Por qué? 210

10. ¿En la actualidad se aplican medidas para evitar la sobrecarga turísticas en museos, plazas, ferias, etc.? ¿Cuáles? 11. ¿Qué actividades de ocio y turismo se realizan en el Centro Histórico para la población local y los turistas nacionales? ¿Qué entidad es la encargada de las mismas? ¿Cómo se realiza la divulgación de estas y cómo puede acceder la población? 12. ¿Considera que la actividad turística contribuye en la preservación del patrimonio cultural? ¿De qué manera? 13. ¿Considera que el turismo puede llevar a que muchas prácticas tradicionales y culturales se banalicen? ¿Qué se hace en la actualidad para que esto no ocurra?

¡Muchas gracias por su colaboración!

211

Anexo E - Roteiro de perguntas para entrevista a atores dos centros de gestão do turismo no Centro Histórico de Havana Velha

La presente entrevista tiene como objetivo conocer su opinión, como representante de los centros de gestión turística en lo referente a temas como: la composición del patrimonio cultural de esta zona, su relación con el mismo, la labor de la Oficina del Historiador de la Ciudad en la recuperación de este espacio urbano, entre otros. Sus respuestas serán utilizadas desde el anonimato, para dar cumplimiento a algunos de los objetivos de la tesis de Maestría en Geografía: La valorización turística del patrimonio cultural en el Centro Histórico de la Habana Vieja, Cuba; que se realiza en el Instituto de Geociencias de la Universidad Estadual de Campinas y busca determinar la influencia del uso del patrimonio cultural para el turismo, en la vida de la población local. De antemano agradecemos su colaboración.

______Fecha y local Datos personales:

Nombre______Sexo F( ) M( ) Edad______Institución______Cargo______Años en su función______

Preguntas generales: 1. En su opinión, ¿qué es el patrimonio cultural de un pueblo? 2. ¿Qué ejemplos de patrimonio cultural usted citaría dentro del Centro Histórico? Y ¿cuál considera que sea su importancia? 3. Con la recuperación del Centro Histórico, por parte de la Oficina del Historiador de la Ciudad, muchos edificios han adquirido nuevas funciones (algunos para desarrollar actividades turísticas y de ocio), ¿esta acción es positiva? ¿Para quién? 4. ¿En el Centro Histórico de la Habana Vieja se puede hablar de casos de desalojo o expulsión de los moradores? 5. Con la recuperación del Centro Histórico y el incremento del turismo en este espacio urbano, ¿se puede decir que han llegado a esta zona de la Habana Vieja las emergentes clases medias y altas del país?

Preguntas específicas de este grupo: 1. ¿Qué aspectos, positivos y negativos, diría que trajo el aumento de turistas que recibe el Centro Histórico, para la vida diaria de los moradores locales? 2. En su opinión, ¿cuántos turistas aproximadamente recibe anualmente el Centro Histórico de la Habana Vieja? ¿Cuándo la demanda es mayor? 3. ¿Cree que el número de turistas que visitan el Centro Histórico debe aumentar? ¿Por qué? 4. ¿En la actualidad se aplican medidas para evitar la sobrecarga turísticas en museos, plazas, ferias, etc.? ¿Cuáles? 5. ¿Considera que la actividad turística contribuye en la preservación del patrimonio cultural? ¿De qué manera? 6. ¿Considera que el turismo puede llevar a que muchas prácticas tradicionales y culturales se banalicen? ¿Qué se hace en la actualidad para que esto no ocurra? 212

7. ¿Qué actividades de ocio y turismo se realizan en el Centro Histórico para la población local y los turistas nacionales? ¿Qué entidad es la encargada de las mismas? ¿Cómo se realiza la divulgación de estas y cómo puede acceder la población?

213 Anexo F - Roteiro para a observação guiada no Centro Histórico de Havana Velha

(Critérios de avaliação de 1 a 5, sendo 1 terrível e 5 excelente) Setor:

Aspectos gerais das condições de vida da população no setor 1 2 3 4 5 Estado construtivo das moradias Estado construtivo do equipamento público (escolas, hospitais, parques, entre outros) Acessibilidade em transporte público Estado construtivo das vias de acesso Higiene Ruídos Sinalização Segurança Comentários:

Aspectos gerais da infraestrutura para o turismo no setor 1 2 3 4 5 Estado construtivo dos hotéis, restaurantes e centros noturnos Acessibilidade Estado construtivo das vias de acesso Higiene Ruídos Sinalização Segurança Ambientação Relação com as tradições culturais Comentários:

Aspectos gerais da infraestrutura para os negócios privados da área 1 2 3 4 5 Estado construtivo dos hostáis e restaurantes Acessibilidade Estado construtivo das vias de acesso Higiene Ruídos Sinalização Segurança Ambientação Relação com as tradições culturais Comentários: