O BARULHO DA TERRA Nem Kalunga Nem Camponeses
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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia O BARULHO DA TERRA Nem Kalunga nem camponeses Rosy de Oliveira Orientadora: Yvonne Maggie Rio de Janeiro 2007 O BARULHO DA TERRA: NEM KALUNGA NEM CAMPONESES Rosy de Oliveira TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA DA UNIVERDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA. Aprovada por: _____________________________________________ Yvonne Maggie de Leers Costa Ribeiro (Orientadora) _____________________________________________ John Camerford (UFRRJ) _____________________________________________ Mari de Nazareth Baiocchi (UFG) _____________________________________________ Mirian Goldenberg(IFCS/UFRJ) _____________________________________________ Peter Fry (IFCS/UFRJ) _____________________________________________ RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL 2007 OLIVEIRA, ROSY O Barulho da Terra: Nem Kalunga Nem Camponês [Rio de Janeiro] 2007 PPGSA/IFCS/UFRJ, D. Sc, Antropologia e Sociologia Tese – Universidade Federal do Rio de Janeiro, PPGSA/IFCS 1. Comunidades Negras Rurais/Remanescentes de Quilombo I. PPGSA/IFCS/UFRJ II. Título (Série) RESUMO Nesta tese analiso a intrincada história que se passou em Tocantins e que diz respeito à questão da terra e aos processos identificação de grupos classificados como “comunidades remanescentes de quilombo” a partir dos critérios estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Os Kalunga do Mimoso, em Tocantins, não foram incluídos no mesmo processo identificatório de seus parentes de Goiás. As famílias do grupo Kalunga de Goiás se reconheceram como remanescentes de quilombo e conquistaram a titulação da terra, em 1998. As famílias do grupo que estudei nos agrupamentos Kalunga do Mimoso, em Tocantins, não foram incluídas no mesmo processo identificatório de seus parentes de Goiás, porque muitos deles não se reconheciam e nem se autodeclaravam como negros, nem como remanescentes de quilombolas naquela altura. Cheguei à conclusão de que a razão prática para esta recusa em se assumir como negros quilombolas, ou remanescentes de quilombos, residia no fato de que alguns tinham, ou acreditavam ter, a posse legal, ou propriedade privada, de seus lotes de terra, através de escritura passada em cartório. Neste caso, receber ou assumir a designação de descendentes de quilombolas significaria perder a posse da sua terra, em troca da posse coletiva do território, inviabilizando uma possibilidade futura de venda ou negociação da propriedade particular. Também conclui que havia uma razão simbólica para aquela recusa: o medo de perder aquilo que acreditavam ter herdado de seus ascendentes, como as fontes de água, as terras sagradas dos cemitérios e as árvores. O reconhecimento do grupo como remanescentes de quilombo — por meio de laudo antropológico por mim elaborado e protocolado junto às instituições públicas do estado —, confirmou seus temores, pois, quando conseguiram a identificação legal, o drama social vivenciado pelas famílias desse grupo tornou-se mais acirrado. Ao assumir a identidade quilombola, o patrimônio do grupo passou a ser ainda mais ameaçado pela ação dos grileiros e fazendeiros, que se diziam proprietários daquela área. ABSTRACT In the following dissertation, I analyze the intricate history of land rights in Tocantins and the processes of identification of groups classified as “quilombo remnant communities” according to criteria established by the Brazilian Federal Constitution of 1988. The Kalunga of Mimoso, Tocantins, were not included in the same identification process as their relatives in Goiás. The families of the Kalunga group in Goiás gained recognition as a quilombo remnant and thus achieved title to their lands in 1998. The Kalungo group families that I studied in Mimoso, Tocantins, were not included in the identification process along with their relatives in Goiás because many of them had not declared themselves to be black or quilombo remnants on that occasion. I believe that the practical reason behind this lack of self-ascription has to do with the fact that many of these people have – or believe they have – legal title to privately-owned lots of land. If they are identified as quilombolos, they will lose private title to this land, which will become the collective possession of the group as a whole. This, of course, will prevent its future sale or lease. I have also concluded that a symbolic reason lies behind their refusal to join in the identification process: a fear of losing what they have inherited from their ancestors, including sources of water, sacred burial grounds and trees. Recognition of the group as a quilombo remnant – via an anthropological survey conducted by the author, registered with the appropriate state authorities – has resulted in the confirmation of the group’s fears. With legal recognition, the social drama of these families has become more intense. With the assumption of the quilombola identity, the group’s property has become increasingly threatened by squatters and farmers who claim to own the area. À Alami, que me ajudou a colocar o ponto final, perguntando-me quantas palavras faltavam para terminar a tese. Agradecimentos Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro PPGSA/IFCS/UFRJ. Ao Programa Bolsa Internacional da Fundação Ford pela bolsa e auxílios que me foram concedidos durante os trinta e seis meses desta pesquisa. À Universidade Federal de Tocantins, Curso de História, e Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UFT/TO, pelo apoio institucional. Aos professores do curso de doutorado do PPGSA/UFRJ e as valiosas sugestões do Profº. Jean François Véran, que foram fundamentais para a elaboração desta tese. À Prof.ª Susana Viegas, pelas orientações e caminhos apontados ao longo do período em que estive como bolsista sob sua orientação na Faculdade de Ciência e Antropologia da Universidade de Coimbra, UC/PT. À Superintendência Regional do Incra de Tocantins e sua equipe técnica pela parceria e apoio concedido durante a realização desta pesquisa. Aos historiadores, Antônio Liberac Cardoso Simões Pires, Flávio dos Santos Gomes, Mary Karasch, Rita Melo e Patrícia Sposito Mechi pelas contribuições e apoio constantes. Aos colegas de turma, Ana Paula, Brígida Arnould, Isabel Garcia e Maria Thereze pela amizade e dívidas intelectuais contraídas nessa trajetória. Agradeço à Joana Cardoso Simões Pires, Maria Auxiliadora de Oliveira, Marlene de Oliveira, Protásio Olímpio de Oliveira Neto, as flores e espinhos do jardim secreto da minha família e à Alami Vivas C. Simões Pires e Rosa Vivas de Oliveira, pelo empenho para que este trabalho chegasse ao fim. Minha especial gratidão à orientadora deste trabalho, Yvonne Maggie. Sumário Agradecimentos 07 Abreviaturas 10 Prólogo 11 Introdução 17 CAPITULO I - “O barulho da terra” ou a identidade mata o patrimônio 40 1.1. O Chão do Curral Velho “partilhado” 42 1.2. O barulho da terra 44 1.3. Direito Coletivo 53 1.4. Mecanismos de expropriação fundiária 58 1.5. Conclusão 62 CAPÍTULO II - A festa do Império do Moleque: Uma cultura e dois territórios 64 2.1.Localização 64 2.2.O acampamento 66 2.3. O Sorteio do Imperador 72 2.4. O Festejo de Santo Antônio Mimoso (TO) 76 2.5. O Giro da Folia 80 2.6.Conclusão 83 CAPÍTULO III – Os Kalunga de Tocantins: Comunidade e Territorialidade 84 3.1. A territorialidade das famílias 84 3.2. As famílias 89 3.2.1.Descendentes dos Santos Rosa 90 3.3. O Universo dos “parentes” 95 3.4. Mudanças no quadro familiar 98 3.5. A Casa 102 3.6. A Casa no interior da comunidade 104 3.7. A arquitetura 105 3.8. A casa da roça 107 3.9.A casa da farinha 114 3.10. Parteiras 119 CAPITULO IV - Caminhos do passado e do presente 125 4.1. O que pode ser Kalunga 127 4.2. A antropologia cria as comunidades negras rurais e as identidades diferenciadas de camponeses, antes vistos como “campesinato” 131 4.2.1. Uma outra versão 135 4.2.2. Mudança de classe 136 4.3. O Projeto Kalunga Povo da Terra 140 4.4. Por que a noção de “Comunidades Negra Rural” foi transformada na categoria de “remanescentes de Quilombos”? 146 4.5. O que aconteceu com os Kalunga do Tocantins 153 4.6. Os contornos da “descoberta” 155 4.7. Conclusão 157 CAPÌTULO V – Política de “reconhecimento” ou como muitas identidades se transformam em uma só 159 5.1. Os municípios/sedes e o projeto Kalunga 161 5.2. Kalunga forte/Fraco 163 5.3. O(s) Kalunga e “suas” categorias de cor 166 5.4. As agências e a “ordenação” da identidade Kalunga: os Kalunga com documentos e os sem documentos 167 5.5. Kalunga do Mimoso em Tocantins na interface da História 172 5.6. O contexto etnográfico 174 5.7.Conclusão 182 VI- Considerações Finais 184 VII – Referências Bibliográficas_____________________ 186 Anexos 196 Abreviaturas Utilizadas ABA - Associação Brasileira de Antropologia AKMT. – Associação Kalunga do Mimoso do Tocantins ADCT/CF - Ato das Disposições Constitucionais Transitória da Constituição Federal DIRA - Diretoria de Irrigação e Reforma Agrária do Estado de Goiás DOU - Diário Oficial da União FCP – Fundação Cultural Palmares IDAGO – Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás INCRA - Nacional de Colonização e Reforma agrária MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário Minc - Ministério da Cultura MNU – Movimento Negro Unificado MP - Ministério Público NEAB/TO - Núcleo de Estudos Afro-brasileiros Tocantins OIT – Organização Internacional do Trabalho SIPRA – Sistema de Informação de Projetos de Reforma Agrária SHKPCG - Sitio Histórico Kalunga Patrimônio Cultural de Goiás Prólogo Uma pequena história do caso Aqui se pretende apresentar com brevidade a intrincada história da questão da terra e da identidade no Brasil contemporâneo. Em 1998 os Kalunga1 de Goiás finalmente adquiriram o registro como Remanescente de Quilombo depois de um penoso processo, de cerca de dez anos, envolvendo o período em que se estabeleceu o estado de Tocantins em1988.