“Vai Curintia!!!!”

Lá pelos idos de 1958, na pacata Conquista, sítio nas cercanias da bucólica Botelhos, onde vivíamos à luz de lamparinas e lampiões, certo dia, Zé Chiachio chega em casa puxando uma égua, castanha, novinha. - Troquei a bicicleta pela égua da sua tia; disse todo entusiasmado. O velho havia adquirido uma bicicleta Caloi, com pneus tipo “balão” e com farol, para possibilitar nossas idas e vindas até a cidade, escola etc. Mas na época das chuvas, as estradas ficavam intransitáveis. Andávamos mais a pé, amassando barro, puxando a bicicleta do que montado nela. Por isso, a melhor solução era mesmo um equino, como meio de transporte. - Temos que botar um nome nela, avisou. - Curinga, disse eu. - Por quê? - É a melhor carta do baralho, serve pra qualquer coisa e igual a égua do Rubinho, respondi. - Tá bom, dê umas voltas com ela chamando de Curinga pra acostumar. Agora posso ir pra escola a cavalo, qualquer que seja o tempo; pensei. Todavia, menos de uma semana, aparece em casa o Rubinho, nosso vizinho, filha de Maria Chica, conhecida benzedeira da região: - Ceis tem qui mudá o nome da égua por causa qui nossa já chama Curinga e a mãe disse qui não pode duas éguas cum memo nome. Não pra evitar possível homonímia, mesmo porque ainda não se pedia certidões negativas pra éguas, mas, sim, não criar problemas com a vizinha, meu pai mandou escolher outro nome. - Curin ... curin ... curin .... Curintia!!!! Gritei. - Da onde tirou esse nome moleque? Perguntou. - Curin porque parece com curinga e tia porque era dela. Além disso, tem pelo da cor do cabelo da tia, expliquei. - Tá bom, então fica Curintia, mas parece nome de time de futebol, concordou o velho. E assim, então, surgiu a Curintia. - João, já pegou a Curintia hoje? - João, pega a Curintia e leva o Zé Marcos na Maria Chica pra benzer. - João, pega a Curintia e vai comprar açúcar. - João, pega a Curintia e leva isso pra Lene. - João, pega a Curintia e vai buscar o Zé na escola. Enfim, a Curintia era pau pra toda obra. Tão mansa quanto preguiçosa e barranqueira. Mal via um já encostava. Na volta da escola, andava a passos lentos, calma, pela solitária estrada que eu até cochilava montado nela. Quando despertava, estava ela lá parada ao lado e à sombra de um barranco. - Vai Curintia!!! Gritava e ela saía lépida e fogosa. Nem precisava de chicote e espora. Era só gritar: Vai Curintia!!! E a éguinha obedecia. Pena que morreu de causas desconhecidas. Logo depois Zé Chiachio arranjou outra, com as mesmas qualidades da falecida, a Castanha; mas essa é outra história. - Não vá botar nome nela de Curintia, sentenciou Zé Chiacho. - Por quê? Indaguei. - Deu azar com a outra e parece nome de time de futebol, explicou. Assim, a Castanha substituiu a Curintia. Naquela época eu nem sabia que existia um time chamado Corintia. Também, Zé Chiachio só falava dos grandes clubes daqueles tempos: São Paulo, Palmeiras, Vasco, Flamengo, Botafogo. O Jabaquara, de Santos, era mais famoso do que o time da própria cidade. Aos domingos, quando o São Paulo jogava, íamos até a cidade pra ouvir o jogo no rádio do Olímpio Gregório, apesar da voz do locutor se confundir com os chiados. TV? Nem sabíamos que existia. Jogadores, então, o velho só se referia a De Sordi (o mais injustiçado da Copa de 58; só não jogou a final e o quem ficou famoso), Mauro (capitão da seleção de 62), (o monstro do Maracanã; Schweinsteiger e Xavi não chegam aos pés dele), Zizinho (diziam que foi melhor que Pelé) e Canhoteiro (um Neymar do passado); todos do SPFC. De vez em quando mencionava outros, Zagalo, Garrincha, Didi, Nilton Santos, Julinho, Vavá, Gilmar, , , Luizinho etc. Aliás, contou-me, com o rosto estampado de alegria, na final do campeonato paulista de 1957, o glorioso tricolor deu um baile no tal de “Corintia”, referindo-se ao homônimo da éguinha. No terceiro gol, o ponta direita do São Paulo – Maurinho - depois de driblar toda a defesa corintiana, frente a frente com o Gilmar (o maior goleiro do Brasil de todos os tempos, depois de Rogério Ceni) perguntou qual o canto que ele queria que fizesse o gol. Tal ousadia gerou um baita bafafá entre os jogadores. Diziam as más línguas que o velho concordara com o nome da égua, em homenagem ao time de futebol homônimo, porque, na verdade, era corintiano, mas não acredito. Quando me ensinava a chutar bola, só tomava como exemplos jogadores do São Paulo Futebol Clube. Enfim, quando ouço a fabulosa torcida, reconheço, do pseudo timão, gritar: “Vai Curintia”, lembro-me da minha éguinha. Doce recordação. Se tivesse registrado o nome, a marca ou expressão, hoje, a cada grito da torcida, ganharia milhões de royalties.

Dr. Jobachi.