Bellum, Bellus a Guerra Dos Sexos Bellum, Bellus a Guerra Dos Sexos Bellum, Bellus War of Sexes
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Bellum, bellus A guerra dos sexos Bellum, bellus A guerra dos sexos Bellum, bellus War of sexes Paolo Lollo Tradução: Cristiane Cardoso Lollo Resumo A guerra traz consigo o horror da destruição e da morte, horror que o poeta alemão Reiner Maria Rilke, em uma de suas elegias, chama de das Schrecklich , que não é outra coisa senão o ponto de chegada de um começo radiante, bellus ( das Schöne ). De um lado a guerra, uma confrontação entre dois exércitos; do outro, o amor, um face a face entre dois sujeitos em busca do desejo. Nos dois casos, duas entidades se encontram face a face em uma indecisão e uma dúvida, mas também em uma relação que os une e separa. A relação sexual pode ser vivida como um con%ito, uma relação de força e uma tensão contínua, ou como uma relação de amor onde a diferença é levada em conta. Um homem e uma mulher são separados pela sua diferença sexual. A guerra dos sexos é a consequência de uma relação fundada no bellum , na confrontação de força, numa relação quantitativa que faz da diferença de forças a única diferença possível. Existe também um con%ito entre Diké (a justiça) e Nomos (a lei). Um con- %ito que é uma ligação e uma tensão. Diké representa a lei oral que antecede e funda o Nomos , a lei escrita. No início ( am Anfang ) a justiça dos deuses e a lei dos homens estão em um face a face, em um equilíbrio, depois eles se distanciam e entram em con%ito. A arte, o belo, das Schöne , é o ato de fundação de toda relação humana. O ato de criação, aquele do início, que aparece em sua beleza, coloca em harmonia a justiça dos deuses e a lei dos homens. Justiça e lei surgem a partir de um ato de separação, que é o ato mesmo de criar. Cada criação é um ato de diferenciação que separa, mas que, num primeiro momento não entra em con%ito. Existem dois tempos para essa separação, dois tempos consequentes que produzem o bellus e o bellum . O primeiro privilegia a ligação; o segundo, a oposição. Essa relação permite inscrever simboli- camente no psiquismo que o dois, o real, vem depois do UM. Édipo mata o pai real apagando, assim, o UM simbólico, sua origem. Antígona é sua 0lha e sua irmã ao mesmo tempo. Ela é fruto de um incesto. Como se livrar da maldição que sobreveio por causa desse sacrilégio? Como reparar o crime do Édipo pai? Palavras-chave : Bellum, Bellus, Guerra, Amor, Gozo, Direito, Lei, Sideração, Desideração. A guerra, a arte e a de-sideração Bellum coloca em cena o con%ito, um due- Na primeira conferência 1 falamos sobre a lo entre dois exércitos, cada um tendo como oposição entre bellum e bellus . E a pergun- objetivo a rendição do adversário, a sua des- ta agora é: como articular essa oposição? feita. O outro deve ser derrotado, deve cair 1. Esta é a segunda de três conferências proferidas no seminário Direito, Psicanálise e Sexualidade: Universal e Diversidade , realizado pelo Circulo Psicanalítico da Bahia em Salvador, nos dias 12 e 13 dez. 2012. A primeira conferência foi publicada na Estudos de Psicanálise , n. 43 p. 117-128), lançada em jul. 2015, com o título O nome e a lei, a “sensoalidade” e o direito. Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 44 | p. 71–82 | dezembro/2015 71 Bellum, bellus A guerra dos sexos no campo de batalha, morto, siderado. É um na posição de sujeito dividido e siderado momento de imobilidade absoluta onde a por sua divisão. Uma posição histérica que destruição sai vitoriosa. demanda a interpretação de seu sintoma. A sideração é a consequência do terrí- Diante dele está a obra, sintoma mudo, que vel presente no campo de batalha. Alguns se apresenta como objeto a. O artista, en- instantes após a cessação das hostilidades, quanto sujeito dividido/silencioso, mas his- todo movimento é suspenso. É um momen- tericamente atuante, produz um objeto que to traumático, tudo )ca paralisado. É o )m projeta (como efeito do retorno) o silêncio do con*ito, uma suspenção do tempo. Esse siderante de seu mistério. O sujeito artista só horror é o que Rilke chama de Schrechlich , o é capaz de produzir um objeto porque é divi- ponto de chegada de um movimento que, no dido. Sua palavra/ato, no entanto, não preen- início, era bellus ( das Schöne ) e que, em seu che o campo do outro. Ele se torna então ob- estado )nal, se torna horrível. Guerra, mor- jeto que, no campo do outro se transforma te, sideração. em signi)cante primordial. Esse signi)cante Uma vez que chegamos ao extremo, um é dividido, não é total e, por essa razão, pode recomeço é sempre possível. Não falo de vir a ser (no sentido de devir, devenir, tornar- um retorno, mas de um renascimento. De se), pois participa da falta enquanto objeto a. repente um novo começo é factível. Parece Bellus coloca face a face um sujeito silen- um paradoxo, mas só pode haver ‘de-sidera- cioso e dividido que age e um objeto miste- ção’ se houver sideração. Só se pode retomar rioso – o objeto da criação, em vias de tor- o movimento se em algum momento houve nar-se. uma parada. Esse movimento de de-sidera- ção é o caminho em direção ao desejo e ao Relação de força e relação de amor belo. Mais adiante abordarei os segredos do O con*ito ( bellum ) introduz no campo de “sidus ”, 2 que, como veremos, é fundamental batalha um agente que se coloca como verda- para compreendermos o que é o desejo. Por de e se opõe contra o outro, contra o inimigo. enquanto apresentarei apenas a oposição si- O discurso da guerra é o discurso do mestre, deração e ‘de-sideração’ como signi)cantes do senhor. Esse con*ito se con)gura em uma que dialogam com o duo bellum e bellus . relação de força. No campo, em uma tensão Essa dualidade tem como efeito duas con- armada, as forças se medem e se confrontam. sequências: a guerra e o amor. De um lado, A força do senhor age para dominar o outro o confronto de dois exércitos, de duas ‘divi- e tem como objetivo ganhar o confronto, a sões’, duas metades em con*ito, em oposição; )m de manter submissos os escravos, graças do outro, a divisão entre sujeito e objeto que a uma nova vitória. Esse é de fato o discurso permite o desejo, o amor e a relação estética. do mestre que, na posição de S 1 se impõe ao Duas entidades face a face, que vivem uma outro. Nessa dialética, é sempre possível que indecisão e uma dúvida, 3 um con*ito que ao o escravo reverta a situação, ganhe a guerra mesmo tempo divide e une. Podemos dizer e se torne mestre, enquanto o senhor cairá e que o con*ito pode levar à sideração, mas se tornará escravo. Esse tipo de con*ito fun- também à beleza, à arte e ao desejo. dado na força serve de modelo para a políti- Na criação artística existe um confronto ca e para certos tipos de relações pessoais. A entre sujeito e objeto, que se encontram face relação sexual, por exemplo, pode ser vivida a face como em um espelho. O artista está como uma relação de força. Um homem e uma mulher são separados por suas diferenças sexuais. A guerra de se- 3DODYUDODWLQDTXHVLJQL¿FDHVWUHOD xos é a consequência de uma relação fundada 3. Em alemão dúvida se diz Zweifel , palavra cuja raiz é Zwei , que VLJQL¿FDGRLV sobre o bellum , sobre o confronto de forças, 72 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 44 | p. 71–82 | dezembro/2015 Bellum, bellus A guerra dos sexos uma relação quantitativa, que faz da diferen- hetero, uma vez que consiga remover o recal- ça de forças a única diferença possível. Duas que da castração e, assim, não permanecer pessoas de sexos diferentes se confrontam em uma relação de força, sadomasoquista. negando suas diferenças físicas anatômi- Um homem pode muito bem reconhecer em cas que são, na verdade, expressão de uma seu parceiro uma diferença que passa pela qualidade. Recalcando a diferença sexual, sua singularidade, física ou não, e que não um casal homem/mulher é obrigado, em tem nada a ver com uma diferença de for- sua relação, a inventar outra diferença capaz ça. Contrariamente, um casal heterossexual de anular a identidade e desativar, assim, a pode muito bem funcionar, e isso acontece ameaça de fusão, de aniquilação. Se o sujeito frequentemente, em um modelo homo (con- não reconhece a diferença de características fusão de identidade) e produzir, assim, uma sexuais, visto que elas são recalcadas, a única guerra permanente. A relação sexual se dá maneira de escapar da ameaça do idêntico é na articulação das diferenças, físicas e sub- inventar para o sujeito outra diferença que jetivas. Essa articulação pode entrelaçar uma será, dessa vez, quantitativa e, consequente- heterogeneidade no casal homossexual e le- mente, mensurável. var a uma relação onde o estabelecimento de O con)ito entre os sexos ( bellum ) surge uma diferença qualitativa é possível. no seio de um casal quando os dois parceiros Em de0nitivo, para sair da confusão que não são capazes de se diferenciar em termos leva ao idêntico, é preciso fazer a diferença qualitativos. A posição fálica, seja ela mascu- entre bellum e bellus , entre guerra e subli- lina, seja feminina, seria então uma maneira mação. A guerra dos sexos, vivenciada por de acessar um tipo de diferença, dentro da casais tanto heterossexuais quanto homosse- esfera da força.