Elizama Almeida Estudante Do Ensino Universitário – Nível Mestrado
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Nome Elizama Almeida1 [email protected] Categoria II Estudante do ensino universitário – Nível Mestrado País Brasil Instituição Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) Tutor Marília Rothier Cardoso [email protected] Título do trabalho Paulo Rónai no Museu da Literatura Brasileira ou Como construir pontes 1 Elizama Almeida é mestranda na Puc-Rio com o projeto de pesquisa “Um museu que não nasceu: Lygia Fagundes Telles e a criação do Museu da Literatura Brasileira na década de 1970” e doutoranda do Programa de Materialidades da Literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pesquisadora do Instituto Moreira Salles, faz parte do grupo de investigação sobre arquivos literários lacuna. Contato: [email protected]. 1 1. Ponte “Em anexo, estou-lhe mandando algum material para o Museu Literário”, escreve o húngaro Paulo Rónai a Lygia Fagundes Telles em uma carta inédita de 4 de outubro de 1975. A missiva permite imaginar se teria sido datilografada na mesma máquina de escrever que ele trouxe em 1941, quando chegou ao Brasil, aos 33 anos, com apenas duas malas e ombros que suportavam um mundo em guerra. O documento, até agora desconhecido, integra a Coleção Museu da Literatura Brasileira, sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), da Universidade de São Paulo (USP). Na linha seguinte, Rónai segue: “Foi o que encontrei de momento. Para originais e cartas de amigos, vou precisar de mais tempo”. Diante desse trecho, surge uma espécie de esfinge entre o documento e o pesquisador, como se dissesse “decifra-me ou te devoro”: a que Museu Literário Paulo se refere? Que documentos teria enviado? Qual a relação entre Rónai e Lygia, àquela altura já amplamente conhecida autora brasileira? Por que ela estaria coletando materiais? Em 1977, a escritora paulista entregaria, ao IEB, cerca de 230 documentos que fariam parte deste Museu da Literatura Brasileira (MLB), que ela vinha idealizando há dois anos. Como a historiografia nos adianta, o referido Museu não nasceu por motivos biográficos distintos. Neste mesmo ano, morreu o marido de Lygia, Paulo Emílio Sales Gomes, crítico e fundador da Cinemateca Brasileira, de modo que ela passou a ocupar o lugar dele na presidência dessa importante instituição de cultura dedicada ao cinema nacional. E José Geraldo Nogueira, escritor que a estava auxiliando no MLB, foi eleito para Academia Paulista de Letras em 1978. O projeto do museu literário, então, teve de ser abortado e os documentos coletados naquele período permaneceram inéditos ao longo dos últimos 40 anos. O objetivo de Telles era bastante claro. Conforme afirma em entrevista a um periódico da época, o MLB seria um “centro de estudos e pesquisas grande o bastante para ser realmente representativo da nossa literatura”; e ela apostava ainda que “isso tudo prestará um dia um serviço inestimável à pesquisa e à reflexão crítica”. Rónai, então, não apenas passaria a integrar a constelação dos 70 literatos brasileiros no universo desse museu-arquivo, como seu nome e endereço são os primeiros em uma lista de doadores de documentos, antecipando os do poeta Carlos Drummond de Andrade e do ficcionista Pedro Nava, por exemplo (Fig. 1). Apesar de não ser numerosa a remessa inicial que, de fato, Paulo enviara para compor a sua parte no Museu, os 9 itens são perfeitamente ilustrativos de importantes episódios da vida pessoal e profissional do húngaro em terras brasileiras. Há a supracitada carta de 4 de outubro 2 de 1975; cartão de participação de seu casamento com Nora Tausz em 1952; convite para cerimônia de posse da cadeira de francês no Colégio Pedro II em 1958; convite para palestra sobre Rui Ribeiro Couto na Sociedade de Estudos de Moçambique em 1972; convite para evento em homenagem a Carlos Drummond de Andrade promovida pela Aliança Francesa e pelo Serviço Cultural da Embaixada da França em 1973; e cartaz do curso “A tradução vivida” que aconteceu no Centro de Estudos Superiores da Aliança Francesa. Constam, também, três fotografias: uma de Paulo em sua biblioteca e duas da cerimônia em que foi condecorado com a Ordem Nacional do Mérito pela Embaixada Francesa. Esse magro conjunto documental ganha outra dimensão se investigado não como uma fonte de pesquisa, mas como uma ponte para pesquisa. Ponte entre os episódios a que correspondem, pontes entre as pessoas ali envolvidas, pontes entre diferentes tempos e, nesse instante, pontes entre países. Fig. 1. Lista com nome dos doadores manuscrita por Lygia Fagundes Telles. Coleção Museu da Literatura Brasileira/IEB 2. Comunidade Os caminhos profissionais e biográficos de Lygia Fagundes Telles e Paulo Rónai se encontram e, nesse sentido, cabe dedicar um espaço para verificar essa proximidade. Um primeiro passo diz respeito ao estabelecimento de vínculos de cada um deles com as suas respectivas comunidades e as práticas políticas aí envolvidas. Aos 19 anos de idade, Lygia, junto com outras cinco mulheres, destoava do grupo de mais de cem homens formados na tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo, naquele 1941 — mesmo ano em que Paulo chegava ao Brasil. Mãe tardia de um 3 filho apenas, divorciou-se na década de 1960: essas informações não devem passar despercebidas. Pelo contrário, dão pistas de sua autonomia no decorrer de um século em que as mulheres ainda precisavam reivindicar tópicos básicos, como o direito à contracepção e ao divórcio. Mais recentemente, em 2016, ela foi a primeira mulher brasileira a ser indicada para o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto da obra. Mas sua prática política não se limitou a feitos pessoais, se estendendo para o coletivo a que pertencia (isto é, o dos agentes da cultura). Sobre esse aspecto, há um quase desconhecido episódio que é necessário destacar: no mesmo período em que dava início ao museu literário durante a ditadura militar de Ernesto Geisel, Lygia liderou uma comitiva que foi a Brasília, capital do país, para entregar pessoalmente o “Manifesto dos Mil” ao ministro da Justiça, Armando Falcão. Esse documento constituiria a maior demonstração pública da classe artística desde a Passeata dos Cem Mil, em 1968, e trazia, entre os abaixo assinados, nomes de expressão para as letras, tais como Rubem Fonseca, Antonio Candido e Jorge Amado. Se é possível aproximar a literatura de uma noção sobre política e pensar a política como uma capacidade de criar laços, a própria idealização do Museu da Literatura Brasileira resulta de um esforço tanto de reunir autores contemporâneos quanto de reabilitar “poetas importantes, esquecidos ou nunca lembrados”. “A profissão de escritor”, afirmou Lygia, “por si só é muito difícil e marginalizada no Brasil” e, com o apoio da Secretaria de Cultura e Tecnologia e o Conselho Estadual de São Paulo, a institucionalização não apenas dos materiais que envolvem os livros, mas os autores desses livros, seria um modo de colocar no centro do debate a profissão/profissionalização do ofício de escritor. Esse arranjo institucional para uma outra política pública ecoava uma nova virada dos estudos da museologia capitaneada pelo francês Hughes Bohan-Varine. Em 1972, houve o congresso do Conselho Internacional de Museus (ICOM) no Chile que buscou repensar a função dos museus na América Latina, levando em conta sua dimensão social. De uma forma quase intuitiva, portanto, Lygia vai ao encontro da proposta de Varine, presidente do ICOM no período. Lembrando o museólogo francês, Maria Helena Pires Martins afirma, no Dicionário crítico de política cultural (1997), que (...) a nova museologia deve partir do público, ou seja, de dois tipos de usuários: a sociedade e o indivíduo. Em lugar de estar a serviço dos objetos, o museu deveria estar a serviço dos homens. Em vez do museu “de alguma coisa”, o museu “para alguma coisa”: para educação, identificação, confrontação, conscientização, enfim, museu para uma comunidade, função dessa mesma comunidade. (p. 157) 4 O Museu da Literatura Brasileira se alinharia de algum modo ao conceito de “ecomuseu”, que se baseia, segundo Varine, em considerar “coleção” em vez de “patrimônio”; “comunidade” em vez de “público”; e “território” em vez de “edifício”. Vale sublinhar o protagonismo que, no ecomuseu, ganham os membros da comunidade em que se insere. A instituição não existe como força alheia e indiferente ao seu entorno, muito pelo contrário — ela é habitada por pessoas que são agentes na formulação e construção de seus espaços de memória. Fazendo um arco entre tempos e países, estava o jovem Rónai Pál e seu “apetite de línguas” (ANDRADE, 1977). Recém-ingressado nos cursos de filologia e línguas neolatinas da Universidade Pázmany Péter, dedicava-se à tradução de poemas franceses como quem buscasse construir uma primeira ponte entre idiomas diferentes. Pál ergueria uma segunda ponte, em 1938, entre a Hungria e um país mais distante da Europa, o Brasil. O português que, pelo aspecto escrito, lhe dava a impressão de um “latim falado por crianças ou velhos” (RÓNAI, 2014, p.31), em determinado momento deixaria de ser apenas uma gramática a dominar e se tornaria a principal escapatória da onda nazista que assassinaria, nos anos seguintes, sua noiva Magda Péter, seu irmão Feri e muitos dos companheiros linguistas com os quais sentava-se em um dos cafés da Szabadsag tér (Praça da Liberdade) para discutir e articular traduções e artigos a serem publicados na Nouvelle Revue de Hongrie. Para o jovem professor, a salvação da morte veio pela palavra. Já em terras brasili, o naturalizado Paulo Rónai (per)segue o ofício acadêmico dividindo o tempo entre tradução e magistério. Sua produção intelectual foi surpreendentemente fértil até mesmo para um nativo. Os brasileiros de muitas gerações devem a ele a preparação de três dos principais instrumentos da formação educacional à época: livros didáticos, dicionários e manuais de latim. Também Rónai compartilhava a tarefa hercúlea com Aurélio Buarque de Holanda de organizar e traduzir contos de diversas línguas reunidos na publicação Mar de histórias: Antologia do conto mundial.