JANETE CLAIR E a CONSOLIDAÇÃO DA TELENOVELA BRASILEIRA Luciane Souza Catalá (UFPR) Resumo: No Brasil, De Forma Sistemática A
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JANETE CLAIR E A CONSOLIDAÇÃO DA TELENOVELA BRASILEIRA Luciane Souza Catalá (UFPR) Resumo: No Brasil, de forma sistemática a partir dos anos 70, foram inseridos elementos considerados realistas na produção ficcional televisiva, cuja matriz folhetinesca e melodramática, com narrativas polarizadas e esquemáticas, passa a conviver com inovações formais, de conteúdo e interpretação. Essa incorporação propiciou a consolidação de uma nova linguagem para a telenovela brasileira, que, a partir de então, passou a ocupar a posição de programa de televisão mais assistido no país, de acordo com o IBOPE. Tais inovações davam-se num contexto em que a modernização capitaneada pelo Estado pautava-se num projeto que visava à promoção da integração nacional através da comunicação, a partir da associação entre o nacional e o moderno, em busca de um rompimento com o passado, visto como arcaico. A Rede Globo, por suas características administrativas e uma maior afinidade com a esfera estatal, tornou-se hegemônica e assim o principal agente de construção dessa identidade nacional. Porém, ainda que marcada pelo conservadorismo do Estado, demonstrando as ambivalências dos movimentos em curso, a modernização televisiva também se articulou com as estratégias de artistas eruditos e de esquerda que ingressavam na teledramaturgia, que tinham o intuito de alcançar e retratar o brasileiro comum contemporâneo. A partir da relação entre melodrama e realismo nas telenovelas dos anos 70 de Janete Clair, principal autora do horário nobre da década, o artigo pretende elucidar como sua obra, através da contraposição entre o moderno e o arcaico, o urbano e o rural, o local e o nacional, expressou os contrastes do período. Palavras-chave: telenovela; modernização; Janete Clair Financiamento: CAPES Introdução Para Esther Hamburger, a telenovela é uma obra audiovisual que pode ser definida como “um jogo complexo de interações desiguais” que “resulta de um multidiálogo e faz a mediação da relação entre produtores e receptores, incorporando uma gama de significados possíveis, nem sempre intencionais” (HAMBURGER, 2005, p.19-20), não definidos univocamente, portanto, no momento da produção. Mario Carlón (2012) também acentua a complexidade dessa relação: para o autor, a contemplação televisiva é uma prática ativa, mobilizadora de inúmeros e diversos saberes por parte dos telespectadores; no entanto, o que prevalece é a visão condenatória da avaliação crítica e teórica em geral, segundo a qual a televisão é caracterizada como um “mau objeto”. Ainda que a telenovela brasileira, exportada para inúmeros países, seja assistida diariamente, no âmbito privado, por milhões de telespectadores, e transformada por eles em matéria de debate público - como demonstra Maria Immaculata V. de Lopes (2010), segundo a qual, ao incorporar-se à cultura do país, constitui-se em “narrativa da nação” -, muitas pesquisas ignoram a importância de sua repercussão cultural e as especificidades de sua linguagem, cuja compreensão faz- se necessária para a apreensão de seu processo de produção de significados. Sílvia Borelli demonstrou, em estudo sobre a cultura brasileira nos anos 70 - período em que se consolida a nova linguagem da telenovela brasileira e sua posição de programa mais assistido no país – que os polos popular e erudito, que até então ocupavam lugares distintos no Brasil, têm seus contornos de reflexão emaranhados com a “expansão da cultura de massa e ampliação dos espaços das mídias e do mercado de bens simbólicos em todo o mundo” (BORELLI, 2005, p. 54). Para a autora, enquanto muitos veem a instauração de um monopólio das mídias no cenário mais geral da cultura brasileira, desde os anos 60 e 70, as particularidades da ficção televisiva seriada, juntamente com a Bossa Nova e a Tropicália, estavam processando simbioses, diálogos entre o popular, o massivo e o erudito. Objetivos De forma sistemática a partir dos anos 70, a inserção de elementos considerados realistas na produção ficcional televisiva brasileira fez com que a matriz folhetinesca e melodramática, com narrativas polarizadas e esquemáticas, passasse a conviver com inovações formais, de conteúdo e interpretação, num processo de modernização que propiciou a consolidação de uma nova linguagem para a telenovela brasileira, que, a partir de então, passou a ocupar a posição de programa de televisão mais assistido no país, de acordo com o IBOPE. Na medida em que Janete Clair era a principal responsável pelo horário nobre da Rede Globo no período de consolidação do gênero, em que a emissora também tornava-se hegemônica, o presente estudo pretende elucidar como, a partir da combinação entre melodrama e realismo, a autora contribui para esse processo, expressando, em suas obras, as contradições do período, que contrapunha o moderno ao arcaico, o urbano ao rural, o nacional ao local. Resultados Como demonstra Hamburger (1998), paralelamente ao desenvolvimento do mercado, deu-se a expansão da rede televisiva no Brasil, expansão que estava ligada diretamente à atuação do Estado, que, nos anos 50 e 60, concedeu, por meio de bancos públicos, empréstimos a emissoras privadas, e, durante o Regime Militar, contribuiu para o crescimento com a divulgação de anúncios publicitários e investimentos na infraestrutura de telecomunicações. Transformadas em “itens prioritários da pauta de uma política econômica impressa em sucessivos planos desenvolvimentistas dos governos militares, instalados no poder desde o golpe de 1964” (BORELLI, Op. Cit., p. 54), esses investimentos faziam parte de um projeto que relacionava modernização ao avanço das indústrias culturais e das telecomunicações. Em 1965, o Estado, visando à promoção da integração nacional através da comunicação, inaugurou a Embratel, “o que possibilitou, a partir de 1969, a constituição de redes nacionais de televisão no país, propagadas em micro-ondas” (RIBEIRO; SACRAMENTO; SILVA, 2009, p. 74). No decorrer dos anos 70, com a integração de novas estações de TV e afiliações de emissoras de várias regiões do país, a rede continuou a se expandir. De acordo com Ortiz, Borelli e Ramos (1991), a TV Excelsior, surgida em 1960, foi a primeira emissora a racionalizar sua administração e produção, entretanto, foi a Rede Globo, inaugurada em 1965, que se tornou a maior beneficiária da intensificação do projeto de modernização e da nova fase do capitalismo brasileiro, por ser administrativamente mais centralizada e organizada, e manter uma maior afinidade com a esfera estatal, no momento em que o Estado estimulava a consolidação de uma cultura de caráter nacional, enquanto incentivava a entrada de capital e tecnologia estrangeiros. De acordo com Ribeiro, Sacramento e Silva, nesse cenário, a modernização televisiva constituiu uma ramificação da modernização comandada pelo Estado, tendo formado um “novo espaço público nacional e midiatizado” (Op. Cit., p. 68), que servia tanto ao interesse dos dirigentes militares, de “unificação política das consciências e das fronteiras do território nacional” (Ibid., p. 74), quanto ao interesse dos empresários das comunicações, de integração do mercado de consumo. Como forma de valorização das políticas do regime, essa unificação do território e da cultura deveria, por sua vez, dar-se através da associação entre o nacional e o moderno, estabelecendo “o novo a partir da produção de dessemelhança com o passado, visto como arcaico” (Ibid., p. 74). Paradoxalmente, de acordo com Ribeiro, Sacramento e Silva (Ibid.), os empresários da comunicação consideravam os artistas e intelectuais comunistas como os mais adequados para empreender essa tarefa, uma vez que possuíam prestígio como produtores culturais e eram associados ao sentimento de brasilidade. Por sua vez, os artistas e intelectuais membros do Partido Comunista do Brasil, como o dramaturgo Dias Gomes, contratado pela Rede Globo em 1969, viam o trabalho para a televisão como uma oportunidade de resistir à repressão sobre as expressões artísticas e de representar a realidade e as características do brasileiro comum. Foi, portanto, a partir dessa dialética entre adequação de orientações e conflitos de interesses, que se deu a reformulação dos produtos televisivos, com a articulação entre autonomia criativa e exigências de mercado. Primeira a cobrir todo o território nacional, foi nesse contexto que a Rede Globo consolidou o chamado “padrão Globo de qualidade” e tornou-se hegemônica, com base em mudanças estruturais na produção e na programação e no investimento no jornalismo e na teledramaturgia. O desenvolvimento tecnológico e as transformações culturais em curso permitiram, dessa forma, que se consolidasse uma linguagem televisiva efetivamente autônoma, num movimento de rompimento com a herança radiofônica, ainda marcante. Segundo Mônica Kornis, a partir dos anos 70, a Rede Globo, ao formular um discurso sobre a nação, “a transformava em poderosa agente de construção de uma identidade nacional” (KORNIS, 2007, p. 2), onde os hábitos, os problemas e os dilemas contemporâneos constituem aspectos fundamentais no processo de construção de uma comunidade imaginada. Conforme Ortiz, Borelli e Ramos (Op. Cit.), até que o sucesso da telenovela O Direito de Nascer, da TV Tupi, no ano de 1964, impulsionasse todas as emissoras a investirem no gênero, predominaram as adaptações de telenovelas importadas, da Argentina, de Cuba e do México; a partir de então, começou-se a valorizar o autor nacional, havendo, além dos textos importados, adaptações de radionovelas brasileiras, permitindo uma maior aproximação dos textos à realidade