UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM LABORATÓRIO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM JORNALISMO

ALESSANDRA SCHWANTES MARIMON

COLETORAS DE SEMENTES E SEMEADORAS DE FLORESTAS: O PROTAGONISMO DAS MULHERES NA REDE DE SEMENTES DO XINGU

CAMPINAS, 2020

ALESSANDRA SCHWANTES MARIMON

COLETORAS DE SEMENTES E SEMEADORAS DE FLORESTAS: O PROTAGONISMO DAS MULHERES NA REDE DE SEMENTES DO XINGU

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para obtenção do título de Mestra em Divulgação Científica e Cultural, na área Divulgação Científica e Cultural.

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Maria Tait Lima

Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação defendida pela aluna Alessandra Schwantes Marimon e orientada pela Profa. Dra. Márcia Maria Tait Lima

CAMPINAS, 2020

BANCA EXAMINADORA

Márcia Maria Tait Lima

Fernanda Viegas Reichardt

Renata Faleiros Camargo Moreno

IEL/UNICAMP 2020

Ata da defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria de Pós Graduação do IEL.

DEDICATÓRIA

A todas as mulheres coletoras da Rede de Sementes do Xingu. Vocês servem de inspiração para construirmos um caminho mais justo, igualitário e sustentável para todas as formas de vida no planeta. Às gerações presentes e futuras. Que possam aprender com os conhecimentos dessas mulheres e que possam, quem sabe, refletir ao lerem essa dissertação e, dessa forma, trilharem caminhos verdadeiramente transformadores. A sustentabilidade da vida depende de todos nós.

AGRADECIMENTOS

À toda a minha família e, em especial, aos meus pais, Beatriz e Ben Hur, que me incentivaram a gostar de ler e escrever desde que me entendo por gente, me apoiando há anos para seguir uma carreira na qual eu pudesse concretizar minhas habilidades comunicacionais e de escrita. Vocês são a minha verdadeira inspiração para cada conquista profissional e pessoal. Eu não conseguiria realizar esta pesquisa, nem seguir carreira acadêmica, sem todo o apoio emocional, amoroso, logístico e financeiro que vocês me proporcionaram ao longo da vida. Sou grata por vocês existirem e serem esses pais-profissionais tão incríveis. Amo vocês. Ao meu companheiro de amor, de luta e de vida, Murilo. Você me incentiva, me mostra todo o seu carinho e me “joga pra cima” durante todas as minhas crises de “socorro, eu não sou capaz disso”. Seus beijos e abraços e sua admiração pelo meu trabalho me deram ainda mais forças para terminar esta pesquisa. Você sempre está ao meu lado em todos os momentos que mais preciso. E eu te amo. À minha orientadora, Márcia Tait, por todos os conselhos, críticas, apontamentos e conversas que tivemos. Seja em um barzinho de Barão Geraldo sentadas em cadeiras de praia, ou em uma sala de aula com discussões extremamente pertinentes, você sempre tem algo importante e bonito a dizer. Que mais mulheres e homens possam se inspirar em sua força e intelecto. Mais do que nunca, a universidade pública precisa de mulheres como você. À Associação Rede de Sementes do Xingu e ao Instituto Socioambiental (ISA), por facilitarem a minha aproximação com as coletoras e os coletores da Rede e me receberem super bem, com respeito e atenção durante os encontros e reuniões, me concedendo permissão para iniciar e dar continuidade ao projeto. Às brasileiras e brasileiros que me proporcionaram a possibilidade de realizar pesquisa em uma universidade pública e de qualidade. É uma honra poder fazer parte desse patrimônio educacional amplamente reconhecido como essencial à formação não só acadêmica, mas cidadã. O povo brasileiro é o verdadeiro financiador desta dissertação. Por fim, agradeço a todas as mulheres coletoras e aos homens coletores, que me acolheram de braços e sorrisos abertos em suas casas ou durante os encontros. Vocês me ofereceram desde um copo d’água até o mais sincero desabafo e sou extremamente grata pela generosidade de todas e todos. Aprendi tanto durante as nossas conversas que, graças a vocês, hoje posso dizer que sou uma mulher mais empática, compreensível e crítica. Muito obrigada.

RESUMO Esta pesquisa de mestrado coloca em diálogo as práticas e discursos das mulheres coletoras de sementes da Associação Rede de Sementes do Xingu (RSX), localizada em Mato Grosso, Brasil. Por meio de métodos como a observação participante e entrevistas, evidenciamos as coletoras como verdadeiras protagonistas de um processo de coleta e comercialização de sementes nativas, que visa a restauração de florestas nas regiões dos rios Araguaia e Xingu. Para a pesquisa, utilizamos um recorte que evidenciou três grupos distintos de mulheres coletoras: indígenas, rurais e urbanas. Por meio de um estudo interdisciplinar, utilizamos uma visão integrada que entrelaça diversos conceitos e teorias como: questões de gênero, natureza, estudos da ciência e tecnologia, antropologia, economia feminista, ecofeminismo e comunicação. Em um primeiro momento, realizamos uma contextualização histórica sobre a criação da Rede, resgatando desde os processos de colonização ocorridos em meados do século XX, até as atuais ameaças socioambientais em curso na região. Ao longo deste estudo, discutimos também a trajetória das mulheres coletoras e a RSX como uma alternativa geração de renda e emancipação econômica, além de um modelo economicamente solidário e sustentável, também inserido dentro de uma lógica de tecnologia social. Introduzimos também um pensamento voltado para os conceitos ecofeministas, evidenciando percepções sobre desmatamento e mudanças climáticas; a respeito da crise socioecológica e os caminhos ecofeministas; debates em torno de uma economia feminista em torno da crítica sobre produção/reprodução da vida; a sustentabilidade da vida, o cuidado com a natureza e a co- responsabilidade, além de oferecermos um outro olhar sobre o extrativismo e o futuro do planeta, inserindo também conceitos como o Bem Viver nas práticas das mulheres coletoras de sementes. Em relação às mulheres indígenas, reservamos um capítulo especial para elas, onde realizamos um recorte e contextualização sobre os grupos pesquisados, além de possíveis diálogos entre o conhecimento científico “hegemônico” e o local/indígena. Por fim, ao conceituarmos a comunicação e suas teorias, levantamos discussões a respeito de como esse conceito é elucidado durante encontros, oficinas e reuniões da RSX; além disso, discutimos sobre as novas tecnologias da informação e comunicação inseridas em cada grupo (indígenas, rurais e urbanas), além dos processos de empoderamento, ocupação em espaços públicos e lugares discursivos. Por fim, destacamos alguns problemas e possíveis soluções na dinâmica da Rede.

Palavras-chave: Amazônia; Xingu; feminismo; comunicação; reflorestamento

ABSTRACT This master's research brings into dialogue the practices and discourses of seed-collecting women of the Associação Rede de Sementes do Xingu (RSX), located in Mato Grosso, Brazil. Through methods such as participant observation and interviews, we highlight the women collectors as protagonists of a process of collecting and selling seeds which aims to restore forests in the regions of the Araguaia and Xingu rivers. For the research, we resorted a made a social approach that evidenced three distinct groups of seed-collecting women: indigenous, rurals and urbans. Through an interdisciplinary study, we used an integrated view that interweaves several concepts and theories, such as: gender issues, nature, science and technology studies, anthropology, feminist economics, ecofeminism and communication. At first, we carried out a historical contextualization about the creation of the seed network, calling out from the colonization processes that occurred in the middle of the 20th century to the current socio-environmental threats underway in the region. Throughout this study, we also discussed the trajectory of women collectors and the RSX as an alternative generation of income and economic emancipation, in addition to an economically solidary and sustainable model, also inserted within a logic of social technology. We have also introduced a way of thinking that is focused on ecofeminist concepts, showing perceptions about deforestation and climate change; about the socio-ecological crisis and ecofeminist paths; debates around a feminist economy around the critique of production/reproduction of life; the sustainability of life, care for nature and co-responsibility, besides offering another look at extractivism and the future of the planet, also inserting concepts such as the Buen Vivir (“Good Living”) logic in the practices of seed-collecting women. In relation to indigenous women, we have reserved a special chapter for them, where we cut and contextualize the researched groups, in addition to possible dialogues between scientific knowledge and the local/indigenous one. Finally, when conceptualizing communication and its theories, we raised discussions about how this concept is elucidated during meetings, workshops and other events of the network; furthermore, we discussed the new information and communication technologies inserted in each group (indigenous, rural and urban), besides the processes of empowerment, occupation in public spaces and discursive places. Finally, we highlighted some problems and possible solutions in the dynamics of the RSX.

Keywords: Amazon (Brazil); Xingu; feminism; communication; reforestation

RESUMEN La investigación de maestría pone en diálogo las prácticas y los discursos de las mujeres recolectoras de semillas de la Associação Rede de Sementes do Xingu (RSX), ubicada en Mato Grosso, Brasil. A través de métodos como la observación participante y entrevistas, mostramos a las recolectoras como verdaderas protagonistas en un proceso de recolección y venta de semillas nativas, cuyo objetivo es restaurar los bosques en las regiones de los ríos Araguaia y Xingu. Para la investigación, utilizamos un recorte que mostraba tres grupos distintos de mujeres recolectoras: indígenas, rurales y urbanas. A través de un estudio interdisciplinario, utilizamos una visión integrada que entrelaza varios conceptos y teorías como: cuestiones de género, estudios de naturaleza, ciencia y tecnología, antropología, economía feminista, ecofeminismo y comunicación. Al principio, llevamos a cabo una contextualización histórica sobre la creación de la Red, rescatando desde los procesos de colonización ocurridos a mediados del siglo XX, hasta las actuales amenazas socioambientales en curso en la región. A lo largo de este estudio, también discutimos la trayectoria de las mujeres recolectoras y la RSX como una alternativa de generación de ingresos y emancipación económica, además de un modelo económicamente solidario y sostenible, insertado dentro de una lógica de tecnología social. También hemos introducido un pensamiento centrado en conceptos ecofeministas, que muestra percepciones sobre la deforestación y el cambio climático; sobre la crisis socioecológica y los caminos ecofeministas; debates en torno a una economía feminista en torno a la crítica de la producción/reproducción de la vida; la sostenibilidad de la vida, el cuidado de la naturaleza y la corresponsabilidad, además de ofrecer otra mirada al extractivismo y el futuro del planeta, también insertando conceptos como buen vivir en las prácticas de las mujeres recolectoras de semillas. En relación con las mujeres indígenas, hemos reservado un capítulo especial para ellas, donde hicimos un recorte y contextualizamos los grupos investigados, además de posibles diálogos entre el conocimiento científico y lo local / indígena. Finalmente, al conceptualizar la comunicación y sus teorías, planteamos discusiones sobre cómo se aclara este concepto durante encuentros, cursos y reuniones de RSX; Además, discutimos las nuevas tecnologías de información y comunicación insertadas en cada grupo (indígenas, rurales y urbanas), además de los procesos de empoderamiento, ocupación en espacios públicos y lugares discursivos. Finalmente, destacamos algunos problemas y posibles soluciones en la dinámica de la Red.

Palabras clave: Amazonia (Brasil); Xingu; feminismo; comunicación; reforestación

LISTA DE FIGURAS Pág. Figura 1. Ayaneko , durante discurso. Foto: Autora...... 24 Figura 2. Rio das Mortes, em Nova Xavantina, Mato Grosso. Fotos: Autora...... 26 Figura 3. Primeiro contato com algumas das mulheres coletoras de sementes da RSX, em Nova Xavantina. Na foto, Milene Alves (à esquerda) e Valdivina de Oliveira (direita). Foto: Autora...... 28 Figura 4. Participantes do 15º Encontro Geral da ARSX, em junho de 2018, na cidade de São Félix do Araguaia-MT. Foto: Equipe RSX - Rede de Sementes do Xingu...... 35 Figura 5. Caminho percorrido para chegar à cidade de São Félix do Araguaia para participar do Encontro Geral. Foram mais de 100 km de estrada de terra, de um total de 498 km saindo de Nova Xavantina – MT. Foto: Autora...... 35 Figura 6. Localização dos municípios, assentamentos e terras indígenas com coletoras e coletores da Associação Rede de Sementes do Xingu em Mato Grosso. Assentamentos de reforma agrária: Macife (Bom Jesus do Araguaia), Bordolândia (Serra Nova Dourada) e Banco da Terra (Nova Xavantina). Mapa: Facundo Alvarez...... 45 Figura 7. Material de divulgação produzido pela Rede de Sementes do Xingu para demonstrar às coletoras a dinâmica de funcionamento da Rede. (Fonte: Site oficial Associação Rede de Sementes do Xingu. Acesso: http://sementesdoxingu.org.br/site/wp-content/uploads/2014/09/banner2.jpg)...... 50 Figura 8. Sementes de diferentes espécies que foram coletadas pela Rede de Sementes do Xingu (esquerda), as quais depois de misturadas compõem a muvuca (direita). (Fotos: Milene Alves Oliveira)...... 51 Figura 9. Esquema que resume parte da dinâmica da Rede no TIX...... 53 Figura 10. Coletora Eliane Riggi, do assentamento Bordolândia, no município de Nova Serra Dourada...... 58 Figura 11. D. Conceição (à esquerda) e D. Cleuza (à direita), em suas respectivas propriedades. Foto: Autora...... 59 Figura 12. Milene é responsável pela Casa de Sementes, onde detém a função de verificar os pedidos, realizar a pesagem das sementes e verificar se estão todas conforme os critérios pré-estabelecidos. Foto: Autora...... 61 Figura 13. Coletora Sônia, em sua propriedade, demonstra o processo de limpeza e secagem da semente de feijão-de-porco. Foto: Autora...... 68 Figura 14. Mãe e filha, D. Vera e Milene, trabalham juntas na coleta. Foto: Autora...... 69 Figura 15. D. Vera, de Nova Xavantina, aproveita a atividade de coleta de sementes para gerar uma renda extra com venda de frutos e suas polpas, como o pequi, por exemplo. Foto: Autora...... 70 Figura 16. D. Conceição e autora durante entrevista na propriedade da coletora. Foto: Ben Hur Junior...... 77 Figura 17. Em casa, D. Cleuza demonstra a técnica de quebrar a casca da semente de sucupira. À esquerda, em um encontro, demonstra outra técnica utilizando uma peneira. Fotos: Autora...... 83 Figura 18. Técnica para limpar sementes de carvoeiro, apresentada pelo coletor Vilmar, demonstrando o uso do cortador de grama de fio de nylon. Makawá Ikpeng observa o resultado das sementes limpas. Fotos: Autora...... 83 Figura 19. D. Vera (esquerda) e Milene (direita) selecionam sementes de jatobá que deixam secando ao sol da manhã. Para quebrarem a casca de sementes mais duras, utilizam o pilão como um dos artefatos que auxiliam no processo. Foto: Autora...... 84 Figura 20. D. Conceição lava a louça e prepara o almoço para ela, a neta e o marido. Foto: Autora...... 106 Figura 21. D. Vera, de “uniforme”, também sobe em árvores para coletar sementes. Foto: Autora...... 108 Figura 22. D. Valdivina ao lado de uma de suas matrizes de sementes. Foto: Autora...... 109 Figura 23. Autora e Meixula durante Encontro Nacional da ARSX...... 135 Figura 24. Páginas oficiais da Rede de Sementes do Xingu no Instagram e Facebook, respectivamente...... 145 Figura 25. Calendários de coleta de D. Odete (fotos à esquerda) e de D. Conceição, à direita, e suas respectivas fotos estampadas nos meses de julho e setembro de 2018. Créditos: Autora...... 146 Figura 26. Alguns dos materiais impressos, pertencentes à D. Odete, e disponibilizados às coletoras e coletores da Rede de Sementes do Xingu: livros, cartilhas, calendários e blocos de anotação. Créditos: Autora...... 146 Figura 27. Coletores e coletoras durante uma aula prática da “Oficina de coletores especialistas” realizada no Campus da UNEMAT, em Nova Xavantina-MT. Foto: Milene Alves...... 147 Figura 28. Encontro da Rede de Sementes do Xingu realizado no Pólo Diauarum (Território Indígena do Xingu) e participantes reunidos sob a copa de uma mangueira. Foto: Milene Alves...... 148 Figura 29. À esquerda, coletora Milene apresenta aos participantes do encontro anual os resultados de suas pesquisas sobre qualidade das sementes. À direita, demonstra uma técnica. Fotos: Autora...... 149 Figura 30. Interação com os coletores durante o encontro anual da Rede de Sementes do Xingu, em São Félix do Araguaia-MT, em julho de 2019. À direita, a autora e Oremê Ikpeng...... 149 Figura 31. Exemplo de dinâmica (roda de conversa) que ocorre durante os encontros. Foto: Autora...... 152 Figura 32. Cidade de Bom Jesus do Araguaia, onde está localizado o assentamento Macife. Semelhante à configuração dos assentamentos, a maior parte das ruas do município não possui asfalto. Foto: Autora...... 161 Figura 33. Vista do assentamento Macife, em Bom Jesus do Araguaia. Foto: Autora...... 164

SUMÁRIO Introdução...... 15 Breve histórico e caracterização...... 15 As semeadoras de florestas...... 18 Coletoras contra o retrocesso político...... 23 Sobre a autora...... 26 Definições de pesquisa...... 29 Estrutura da dissertação...... 31 Etapas de campo e coleta de dados...... 34 Capítulo 1: Da colonização de Mato Grosso à Rede de Sementes do Xingu...... 38 Introdução...... 38 1.1 Território Indígena do Xingu: revisitado...... 38 1.2 Expansão da fronteira agrícola: rumo a um falso vazio demográfico...... 39 1.3 A criação do então Parque Indígena do Xingu (PIX)...... 42 1.4 Um rio ameaçado e as sementes de reflorestamento...... 43 1.5 Funcionamento da Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX)...... 46 1.6 Muvuca de sementes e muvuca de gente...... 50 1.7 Considerações do capítulo...... 53 Capítulo 2: Trajetórias e perspectivas econômicas e tecnológicas do trabalho das coletoras...... 55 Introdução...... 55 2.1 As trajetórias de trabalho das coletoras no âmbito rural...... 56 2.2 As trajetórias de trabalho das coletoras no âmbito urbano...... 60 2.3 As trajetórias de trabalho das coletoras no âmbito indígena...... 63 2.4 Geração de renda e emancipação econômica...... 65 2.5 Economia solidária no âmbito das coletas...... 72 2.6 Introdução aos conceitos dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia...... 78 2.7 A Tecnologia Social no cotidiano das coletoras...... 81 2.8 Considerações do capítulo...... 88 Capítulo 3: Lugar de mulher é na coleta de sementes: a sustentabilidade da vida a partir de uma perspectiva ecofeminista e de economia do cuidado...... 90 Introdução...... 90 3.1 A natureza em perigo: percepções sobre desmatamento e mudanças climáticas.... 91 3.2 A crise socioecológica e os caminhos ecofeministas...... 95 3.3 Mulheres e natureza: caminhos para o pensamento feminista ecológico...... 98 3.4 A esfera econômica ampliada: produção/reprodução da vida...... 101 3.5 A sustentabilidade da vida, o cuidado com a natureza e a co-responsabilidade..... 108 3.6 Um outro olhar sobre o extrativismo e o futuro do planeta...... 111 3.7 O Bem Viver nas práticas das mulheres coletoras de sementes...... 113 3.8 Considerações do capítulo...... 115 Capítulo 4: Mulheres indígenas coletoras de sementes: um recorte dos povos Ikpeng, Wauja e Xavante...... 118 Introdução...... 118 4.1 Possíveis diálogos entre o conhecimento científico e o local/indígena...... 121 4.2 Mulheres indígenas: bruxas, vítimas ou protagonistas de sua própria história?..... 123 4.3 Ikpeng: história e mudanças ambientais...... 124 4.4 As mulheres Yarang, a natureza e o trabalho de coleta segundo a cultura Ikpeng. 126 4.5 Wauja: história e ingresso na Rede de Sementes do Xingu...... 131 4.6 Xavante: a TI Marãwaitsédé e o grupo Pi’õ Rómnha Ma’Ubumrõi’wa...... 135 4.7 Considerações do capítulo...... 138 Capítulo 5: As mulheres coletoras e a comunicação...... 140 Introdução...... 140 5.1 Conceituando a comunicação...... 141 5.2 Multiplicidade da divulgação e dos processos comunicacionais: do encontro presencial às novas mídias...... 144 5.3 Os elos e a comunicação...... 154 5.4 Coletoras urbanas e as novas tecnologias de informação e comunicação...... 156 5.5 Coletoras rurais e as novas tecnologias de informação e comunicação...... 159 5.6 Coletoras indígenas e as novas tecnologias de informação e comunicação...... 165 5.7 Processos de empoderamento, ocupação em espaços públicos e lugares discursivos...... 167 5.8 Problemas e possíveis soluções na dinâmica comunicacional da Rede...... 170 5.9 Considerações do capítulo...... 172 Considerações finais...... 174 Referências...... 179 Anexos...... 199

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INTRODUÇÃO

Breve histórico e caracterização

A região dos rios Xingu e Araguaia, localizada a Nordeste de Mato Grosso, foi considerada incorretamente durante séculos como um “vazio demográfico”, um imenso pedaço de terra desconhecido e hostil que, portanto, deveria ser “desbravado” (SANTANA, 2009). Ao contrário do imaginário popular, que até hoje permeia em algumas partes de grandes centros urbanos, essas terras abrigam histórias de diversos povos em contato com a natureza, muito antes de serem explorados, colonizados e dominados – povos que também detêm culturas, costumes, línguas e crenças distintas e únicas (SMITH, 1971). Mas foi a partir dos anos 70, com a ajuda de programas políticos e econômicos desenvolvimentistas, que a até então fronteira agrícola passou a se expandir em ritmo cada vez mais acelerado, rumo a um impacto socioambiental que teria consequências devastadoras nos dias atuais (MORENO, 1999). Atualmente, florestas e rios sofrem com o processo de degradação provocado pelo desmatamento dos empreendimentos de agronegócio, já fortemente estabilizados na região (SOARES-FILHO et al., 2005; 2014; CELIDONIO et al., 2019). Atividades como pecuária extensiva, garimpo ilegal e grilagem de terras, além da própria flexibilização do Código Florestal, foram as principais responsáveis pela devastação de quase 40 mil hectares, entre maio e junho de 2019, na Bacia do Rio Xingu, incluindo os estados de Mato Grosso e Pará (REDE XINGU+, 2019). Segundo esses dados, as terras indígenas localizadas na mesma região sofreram um aumento de 264% no desmatamento no terceiro bimestre de 2018, enquanto que as unidades de conservação tiveram quase 18 mil hectares de floresta apagados do mapa; um aumento de 405% em comparação ao segundo bimestre do ano. Em 2019, toda a região que engloba a Amazônia Legal atingiu o recorde de queimadas, com repercussão internacional negativa e pessimista sobre o futuro da maior floresta tropical do planeta (BBC, 2019; IPAM, 2019). A preocupação com esse atual modelo de desenvolvimento é compartilhada não só por ambientalistas, mas por moradores de assentamentos de reforma agrária, de cidades do interior, entre as populações indígenas que vivem no Parque Indígena do Xingu (PIX) e em outras terras indígenas e que dependem diretamente da natureza. Os povos do Xingu preferem chamar suas terras de Território Indígena do Xingu (TIX) (VILLAS-BOAS et al., 2017), termo que também decidimos adotar, por considerarmos que a nomenclatura oficial não condiz com a realidade e não reflete a identidade de tais povos, visto 16

que o TIX é a morada de milhares de pessoas e não um espaço para recreação e turismo, como é um parque urbano ou natural. Mesmo tendo sido originalmente imposto aos moradores daquelas terras pelas políticas expansionistas (não havia escolha a não ser aceitar a “proposta”), representa hoje a resistência dos xinguanos contra as tradicionais políticas pautadas no desenvolvimento econômico predatório (SANCHES, 2015). Vale ressaltar que usamos o termo “desenvolvimento” com base no pensamento de Arturo Escobar (1995)1. Atualmente, o território xinguano ocupa aproximadamente 2,8 milhões de hectares e está situado na porção norte de Mato Grosso entre os dois maiores biomas brasileiros, a Amazônia e o Cerrado, em uma zona de tensão ou transição ecológica, inserida no chamado “arco do desmatamento”, uma região onde a até então denominada “fronteira agrícola” havia avançado de forma desenfreada durante o último século (NEPSTAD et al., 1999). No entorno do TIX, até 2007, mais de cinco milhões de hectares foram desmatados para dar lugar à agricultura e pecuária, afetando drasticamente as nascentes dos mananciais que deságuam no Rio Xingu (VELASQUEZ et al., 2010). No documentário Para onde foram as andorinhas? (ISA, 2015), os povos xinguanos relatam que já não conseguem mais interpretar os sinais da natureza como antigamente. O fato está relacionado com a perda da biodiversidade na região, a qual os próprios indígenas denominam de “o abraço da morte”, que os deixa “ilhados” em uma porção de terra ainda relativamente protegida, mas em risco (RICARDO, 2000). Em resposta a uma iniciativa dos próprios indígenas, que solicitaram ajuda para resolver os impactos causados pelo agronegócio no entorno do TIX, em 2004 o ISA (Instituto Socioambiental), em parceria com instituições públicas e privadas, lançou a campanha ‘Y Ikatu Xingu (“Salve a água boa do Xingu”, em língua kamayurá), para recuperar e proteger as florestas ribeirinhas e as nascentes do Rio Xingu (SANCHES, 2015). Considerando que essa iniciativa exigiria a recuperação de extensas áreas degradadas, em uma escala de milhões de hectares (VELASQUEZ et al., 2010), foi necessário criar uma rede de apoio para prover a matéria-prima essencial para realizar ações dessa envergadura: as sementes. Assim, em 2007 foi criada a Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX ou simplesmente RSX), que até a

1 Segundo Arturo Escobar (1998), o conceito de “desenvolvimento” surge no período pós-II Guerra Mundial e toma como base os modelos das sociedades capitalistas norte-americanas e europeias, tais como: mecanização da agricultura, altos níveis de industrialização e urbanização e outros padrões culturais de vida, tudo para ser encarado como uma espécie de ideologia a ser seguida pelos intitulados “países de Terceiro Mundo” – incluindo o Brasil e países do sul global. O autor, que define as políticas de desenvolvimento como verdadeiros mecanismos de controle, mostra que tal modelo se mostra um verdadeiro fracasso atualmente: a implementação do pensamento desenvolvimentista gerou ainda mais desigualdade, individualismo e pobreza generalizada, além de graves consequências socioambientais, como as mudanças climáticas e seus impactos nas sociedades, por exemplo.

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data de finalização desta pesquisa contava com aproximadamente 600 coletores distribuídos em 16 municípios e mais quatro terras indígenas além do TIX: Panará, Marãiwatsédé, Pimentel Barbosa e Areões (URZEDO et al., 2017a; RSX, 2019a). O trabalho das coletoras e dos coletores da ARSX toma como princípio conceitos de Economia Solidária (ES) e da Tecnologia Social (TS). De acordo com Tait e Dagnino (2011), a designação da ES tem origem em meados dos anos 1990 e foi criada para nomear todas as atividades econômicas classificadas de acordo com as noções de autonomia, cooperação, propriedade coletiva, e gestão e autogestão democrática, além do desenvolvimento humano como um todo. Outro conceito no qual a prática das coletoras também se encaixa e que está diretamente ligado à ES é o da Tecnologia Social (TS). A TS representa um conjunto de soluções sociais e tecnológicas, voltadas para um problemáticas sociotécnicas e que envolve três dimensões: o artefato em si, o conhecimento relacionado a ele e a organização social, que se desenvolve em consonância ao primeiro (WINNER, 2010). O termo sociotécnico foi utilizado por Latour (1993) para definir um conjunto de atores humanos e não-humanos, uma rede unida na produção de diversos conhecimentos para a solução de problemas. As coletoras e os coletores da ARSX se encaixam tanto nos princípios da ES quanto da TS, porque inserem o trabalho como uma questão central, mas indo além dos interesses capitalistas (TAIT; DAGNINO, 2011). Os referidos autores reforçam que, no Brasil, a TS além de ser compartilhada e descentralizada, preocupa-se com as problemáticas das questões socioambientais, adaptando-se aos sistemas locais e às realidades culturais de cada grupo, fato que pode também ser observado na forma de organização da ARSX. As práticas comunicacionais também estão presentes em toda a realidade da Rede de Sementes do Xingu. Além de contar com uma série de materiais impressos e de audiovisual, destinados tanto para as coletoras e coletores quanto para a divulgação do trabalho, a rede realiza diversos encontros anualmente, além de reuniões e oficinas. Tais atividades servem não apenas para reforçar os princípios de uma economia social e solidária e das tecnologias sociais se façam presente, mas também para que a prática da “comunicação pública” (GOMES; MAIA, 2008; HABERMAS, 1987) seja o fio condutor desse processo, levando a transformações de ordem pessoal e coletiva. Além disso, é fato que muitas vezes a ciência ocidental enxerga o conhecimento local como “inferior” ou mesmo “ingênuo”. Portanto, nossa proposta é também valorizar os saberes tradicionais e locais, reconhecendo que as culturas “periféricas” podem ser ótimas fontes de entendimento sobre o trabalho com as sementes em diferentes sentidos e ainda contribuírem para mudanças estruturais na sociedade (NAZAREA, 2016). Ao se mobilizarem socialmente 18

em torno de um ideal comum, os atores da Rede podem propor diálogos e estratégias, divulgar conhecimentos, trocar experiências e serem ouvidos e participantes ativos de processos de decisão em diferentes instâncias da sociedade (TORO; WERNECK, 2018).

As semeadoras de florestas

As mulheres coletoras merecem especial atenção, já que são ampla maioria e detêm um papel primordial no funcionamento da ARSX, sendo o público-alvo desta pesquisa. Nas comunidades indígenas, por exemplo, elas compõem a maior parte das coletoras e coletores das aldeias do TIX, participando tanto das etapas de planejamento quanto da liderança (URZEDO et al., 2017b). As mulheres não-indígenas também representam um número expressivo de coletoras que atua na Rede e podem se destacar pelo trabalho de elevada qualidade e eficiência. Assim como as indígenas, normalmente elas são maioria em comparação aos homens e podem ocupar diferentes cargos e funções dentro da RSX, como diretoras, coletoras e elos (vide descrição de funcionamento da rede no capítulo 1). Nossa análise leva em conta o fato de que o protagonismo feminino e as ações da Rede dentro desse contexto são extremamente importantes na vida dessas mulheres. Isso também se deve ao fato de que há poucas as alternativas de geração de renda disponíveis para quem vive em áreas consideradas remotas, com pouca infraestrutura, menos opções de trabalho e estudo e menor oportunidade para a plena formação humana (BERCHEL; SCHRECKENBERG, 2007). No caso das indígenas, alguns grupos de coletoras vêm se destacando pela atuação comunitária, pelo ativismo que praticam e pela forma única em que realizam o trabalho de coleta. Um exemplo disso é o Movimento das Mulheres Yarang (MMY), do povo Ikpeng, das aldeias Moygu e Arayo do médio Xingu. Considerado um dos grandes símbolos dessa resistência e do empoderamento feminino das coletoras do TIX, o MMY já foi premiado durante encontros anuais da Rede pela qualidade com que as mulheres realizam o trabalho de coleta e limpeza das sementes. O grupo, que hoje conta com 64 coletoras, escolheu o nome yarang, que significa “formiga-saúva” na língua ikpeng, para refletir o trabalho de cooperação (YAMAOKA, 2017). No dia 16 de junho de 2019, as atividades dessas mulheres foram apresentadas em um episódio dominical do programa Globo Rural, onde elas demonstraram uma parte da relação dos indígenas com a natureza e as sementes, bem como seus significados. Parceiros da Rede, como o Instituto Socioambiental (ISA), por meio de redes sociais como Youtube, Facebook, Twitter e Instagram, também colabora na construção e divulgação de 19

conteúdos que evidenciam o trabalho das Yarang e de outras mulheres coletoras da RSX. Urzedo (2014) descreveu brevemente como ocorre o processo entre o Movimento das Mulheres Yarang: uma parte da coleta é separada para venda, troca, doação ou plantio, dando preferência às espécies que poderão ser utilizadas na construção de casas, itens de artesanato, frutas, ervas medicinais e recursos para festas tradicionais. Segundo o autor, desde a criação do MMY as mulheres se tornaram mais participativas, unidas e respeitadas pela comunidade Ikpeng. A atuação delas e dos primeiros grupos de coletores xinguanos serviu de inspiração para outros povos da região Xingu-Araguaia, como é o caso das mulheres Xavante da Terra Indígena Marãiwatsédé que criaram em 2011 o grupo Pi’õ Rómnha Ma’Ubumrõi’wa (literalmente, Mulheres Coletoras de Sementes, na língua xavante), que conta com 90 mulheres e cujas coletas também são utilizadas em projetos de reflorestamento na própria Terra Indígena (ISA, 2017). Nas aldeias, dentro e fora do TIX, os homens, muitas vezes, abrem caminho na floresta e acompanham as indígenas, mas a limpeza, cuidados e beneficiamento das sementes, necessariamente, fica a cargo das mulheres e crianças das aldeias. São nos núcleos urbanos, no entanto, que a divisão numérica de gênero se vê mais equilibrada e não notamos, durante a pesquisa, um número mais expressivo de mulheres em comparação aos homens. A partir de uma perspectiva comunicacional, consideramos ainda a relação das coletoras com a comunicação e seus meios (BERLO, 1970; BRANDEMBURG, 2010; BORDENAVE, 1988, 1997; CANCLINI, 2015; FREIRE, 2013; GOMES; MAIA, 2008; HABERMAS, 1987; MCQUAIL, 2003; RODRIGUES, 2016; PERUZZO, 2004, 2017; WOLTON, 1999), além das novas tecnologias da informação e processos de exclusão/inclusão digital (CASTELLS, 2002, 2003; EVANGELISTA, 2020; FERREIRA, 2013; KLEIN et al., 2018; MATSUURA, 2019; MATTOS et al., 2009; PINTO, 2011; SORJ, 2003). Também evidenciamos o papel de “comunicadoras” das mulheres, pois elas transmitem grande parte do conhecimento construído na prática do trabalho, preparando as gerações futuras para darem continuidade às ações por elas lideradas no presente. Os estudos da epistemologia feminista nos ajudam também a entender a natureza do conhecimento e, mais precisamente, da crítica feminista ao conhecimento científico, para analisar e contrapor os diversos tipos de conhecimentos produzidos que desprezam vozes que não sejam masculinas, brancas e heterossexuais, ainda considerados socialmente mais relevantes (PRESSLEY, 2005). Por não sermos capazes de enxergar com os mesmos olhos das coletoras rurais, indígenas e urbanas, consideramos os “conhecimentos localizados e corporificados” de cada uma delas no trabalho com as sementes, encarando seus saberes como valorosos e objetivos – visto que a ciência ocidental não é a única forma de se investigar o 20

mundo, e o conhecimento dito “mais objetivo” parte de uma estrutura social de poder e retórica que pode ser contestada a qualquer momento (HARAWAY, 1995). A ênfase se dá em um “ponto de vista feminista” que coloca grupos não-hegemônicos como foco e como agentes dos debates sociais, levando em conta a importância de se colocar em prática a crítica feminista da ciência, em busca de uma outra forma de produção de conhecimento mais objetiva e emancipatória - ou o que chamamos de ciência feminista - para atender aos interesses de mulheres e grupos historicamente marginalizados (HARDING, 1991). Ainda em relação às questões de gênero e dos estudos feministas, julgamos necessário iniciar uma discussão sobre a importância de desmistificar uma visão patriarcal dominante do ocidente, que coloca a mulher como um ser inferior ao homem e, portanto, incapaz de produzir e trabalhar ‘duro’, tal como o gênero oposto (KERGOAT, 2009). Pensando na heterogeneidade de mulheres entrevistadas (indígenas, trabalhadoras urbanas e rurais), usamos nesta pesquisa a tese exposta por grande parte da literatura feminista, de que as experiências singulares de mulheres e homens não ocorrem por simples diferenças biológicas de comportamento, mas antes, por construções sociais, que podem variar conforme gênero, cultura, raça, etnicidade, classe e o lugar em que essas pessoas estão inseridas (ROCHELEAU et al., 2005). A busca por uma autonomia econômica, presente no discurso e atuação de algumas coletoras entrevistadas, também pode ser justificada a partir da lógica de dominação masculina explicitada por Bordieu (2002), afirmando que, historicamente, são impostas às mulheres tarefas e papéis considerados inferiores, excluindo-as dos assuntos públicos e mais especialmente dos econômicos e, além disso, restringindo-as aos cuidados domésticos e à reprodução biológica e social da descendência. Ao conquistarem uma autonomia tanto pessoal quanto coletiva, as coletoras mostram, ao longo da pesquisa, que têm condições de tomar as próprias decisões sobre o dinheiro que recebem com a venda das sementes, além de proverem sustento para seus entes queridos. Isso também corrobora com a tese de que, ao longo desses anos de atuação da ARSX, tem sido observado que onde as mulheres atuam como protagonistas na produção e coleta de sementes, a renda tende a ser revertida para a família de forma mais igualitária e coletiva (ISA, 2017). Durante a pesquisa, percebemos que, além da emancipação/autonomia financeira das mulheres, a consciência ambiental e a preocupação com o desmatamento e as gerações futuras mostraram-se presentes nos discursos da maioria delas. Assim como apontam os estudos de diversas autoras e autores da interface ecofeminista, entendemos também que as mulheres não devem ser vistas simplesmente como vítimas de um sistema excludente e envolto por uma lógica patriarcal que naturaliza a dominação dos homens sobre as mulheres (PLUMWOOD, 1993). As mulheres também precisam ser encaradas como 21

grandes protagonistas de ações contra a degradação da natureza, em direção ao que chamamos de “sustentabilidade da vida” (PULEO, 2011, 2012; HERRERO, 2014). Nesse contexto de urgência, as mulheres mostram-se engajadas e preocupadas com o futuro, assumindo cada vez mais a linha de frente no quesito de participação social e nas instâncias de decisão. Para alinhar esse pensamento, partimos da teoria da feminista sobre economia, que considera a importância de destacar os trabalhos reprodutivos como fundamentais para a existência humana, ao passo que as autoras também criticam o processo de invisibilização das mulheres em um contexto capitalista-patriarcal (CARRASCO et al., 2011; FARIA; MORENO, 2012; FEDERICI, 2004; GRECCO et al., 2018; HERRERO, 2014; MIES, 1998; KELLER, 1992; KERGOAT, 2009; OROZCO, 2014; PICCHIO, 2012; PULEO, 2011 e 2012; SCHOTTZ et al., 2015; SHIVA, 1988). Consideramos essencial esclarecer os conceitos de colonialismo, patriarcado e capitalismo, demonstrando a tese de que esses são fenômenos profundamente entrelaçados entre si. Para tanto, apresentamos, além das autoras já citadas, definições de autoras do “Norte” global como Maria Mies (1998) e Silvia Federici (2004). A primeira expõe a tese de que o patriarcado está localizado no cerne do capitalismo e que esse último não poderia ter tido sucesso em sua acumulação de capital sem as ideais e práticas patriarcais estruturalmente enraizadas (MIES, 1998). Ao resgatarmos o pensamento de Federici, propomos que o processo de expansão colonialista nas Américas explorava e subjugava particularmente as mulheres e seus corpos para os trabalhos reprodutivos (FEDERICI, 2004). Tais análises permitem que ampliemos as críticas da economia feminista para entendermos a dinâmica reprodutiva/produtiva de trabalhos realizados pelas coletoras e as diversas nuances presentes nesse processo, inclusive destacando alguns pontos de vista masculinos e suas contradições. As mulheres coletoras da Rede de Sementes do Xingu, em suas ações e discursos, apresentam ainda semelhanças com o modo de resistência territorial de povos indígenas e não- indígenas contra o chamado neoextrativismo, que toma força na América Latina a partir do início do século XXI, no período de “boom das commodities” (SVAMPA, 2016; 2019). Assim como esses grupos, que se destacam na luta contra os avanços dos megaempreendimentos – como hidrelétricas, hidrovias e mineradoras – as mulheres coletoras, desde a criação da Rede, também protagonizam formas de resistência coletiva e mostram a sua capacidade de unir forças em direção a um novo tipo de extrativismo, sustentável e não predatório (MARIMON; TAIT, 2019). As autoras afirmam que tal atividade tem o potencial de agregar laços familiares e comunitários, promover um protagonismo feminino singular e colaborar para um processo de emancipação econômica das mulheres contempladas na Rede. Nas entrevistas e em suas 22

práticas, as coletoras demonstraram clareza no entendimento de que ao destruir a biodiversidade e os saberes locais, a degradação socioambiental torna-se inevitável. Segundo Shiva (2003), a sustentabilidade e a diversidade cultural são elementos intrinsecamente conectados e, por isso, se não houver uma alteração na lógica atual da economia e das políticas globais, dificilmente a sociobiodiversidade poderá ser mantida. Como uma alternativa a solucionar a problemática, partimos de uma linha de pensamento, aliada à práxis feminista, que se baseia em uma verdadeira “ecologia de saberes”, reconhecendo a pluralidade de vozes e de saberes que podem e devem se conectar e se inter-relacionar de forma autônoma, democrática e heterogênea, unindo esforços comuns em torno das emergências atuais (DE SOUSA SANTOS, 2010). Em uma verdadeira corrida contra o tempo e contra a expansão do agronegócio em grande escala, um exemplo são as agroindústrias e a agricultura mecanizada e transgênica, cada vez mais expressivas (TAIT, 2015), as mulheres coletoras da Rede de Sementes do Xingu já começaram o seu trabalho rumo a novos sentidos e práticas para construção de novas relações interdependentes entre natureza-sociedade. A possibilidade de divulgar práticas comunitárias de mulheres engajadas com a conservação da biodiversidade e a promoção de iniciativas de restauração florestal no interior do Brasil é um grande desafio que julgamos necessário para os dias atuais, tanto em termos teóricos quanto práticos. As ações, posicionamentos e experiências coletivas das coletoras vêm demonstrado que elas são politicamente ativas e preocupadas com as futuras gerações, além de estarem engajadas contra a expansão exacerbada de empreendimentos agropecuários - mesmo que implicitamente, em alguns casos. Para compreender a participação dessas mulheres, é preciso entender que cada uma delas chega à Rede com trajetórias e histórias de vidas diferentes, individuais ou coletivas, e que variam conforme cada povo, grupo, geração, cor de pele, núcleo urbano ou rural, entre outras identidades e características sociais analisadas aqui. As mulheres coletoras contribuem para a manutenção do equilíbrio das forças que compõem a RSX e também com a sociedade como um todo quando dividem suas próprias experiências - em encontros, cursos ou mesmo no próprio grupo coletor ou na família -, quando participam de espaços que auxiliam no conhecimento do trabalho de coleta, quando ocupam funções importantes ou simplesmente quando têm a iniciativa individual de se tornarem coletoras, mesmo contra a vontade das pessoas que as rodeiam, como observamos em alguns casos. Ainda que os papéis delas na restauração florestal possam parecer inexpressivos diante da dimensão de ecossistemas destruídos ao longo dos anos, das políticas que alteraram a legislação ambiental e anistiaram 90% das propriedades rurais quanto ao desmatamento ilegal (SOARES-FILHO et al., 2014) e, principalmente, de comunidades historicamente 23

negligenciadas pelos poderes socioeconômicos. Mas, como lembra Marcuse (1983), “a insistência em restaurar a Terra não é só mais uma ideia romântica, estética, poética (...), é, hoje, uma questão de sobrevivência”.

Coletoras contra o retrocesso político

Ironicamente, a Rede de Sementes do Xingu consegue se manter de forma mais efetiva devido, em parte, aos produtores rurais que se adequam o Código Florestal de 1965, o qual estabelece as matas ciliares como áreas de preservação permanente; e, dessa forma, eles também auxiliam na recuperação de áreas dentro das fazendas. O interessante dessa análise é que o trabalho de coleta joga luz sobre a possibilidade de encararmos a busca pela sustentabilidade partindo do equilíbrio e o diálogo com grupos aparentemente antagônicos entre si. O que temos vivenciado, no entanto, é que a polarização ainda permanece com força, e as atitudes políticas, tanto de líderes locais e governamentais quanto federais, contribuem ainda mais para a permanência de ideologias perversas e perniciosas. Para justificarmos a necessidade deste trabalho, basta olharmos para o atual cenário político-ambiental brasileiro e também mundial. Dados divulgados pelo programa de detecção em tempo real da cobertura vegetal da Amazônia, o DETER/INPE, apontam que o desmatamento na região sofreu um aumento de 278% em julho de 2019 em relação ao mesmo mês de 2018 (WATANABE, 2019). Os alertas desse monitoramento servem como um suporte à fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e para as secretarias de meio ambiente dos estados da chamada Amazônia Legal, mas também são uma forma de divulgar o trabalho de pesquisa à mídia e ao público em geral (INPE, 2008). Reconhecidos pela precisão científica, cujas bases são tecnologias de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento, tais dados foram questionados publicamente pelo atual presidente do Brasil, o capitão reformado do exército, Jair Messias Bolsonaro. Em consequência dos atritos travados entre o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) e o governo, em 2019 o diretor do instituto, o físico e engenheiro Ricardo Magnus Osório Galvão, acabou sendo exonerado do cargo que ocupava desde 2016. Durante o encontro mais recente da Rede de Sementes do Xingu, em julho de 2019, uma coletora e liderança indígena do TIX, Ayaneko Ykpeng (Figura 1), expressou ao microfone na língua materna, a insatisfação dela e de outros indígenas com o atual governo de Jair Bolsonaro. A fala durou vários minutos e foi depois resumida ao público presente em breves palavras, quando traduzida em português por um dos homens ikpeng. A indignação dela 24

e de outros povos do TIX é justificável diante de um presidente que tentou, entre outras inúmeras declarações e ações, transferir ao Ministério da Agricultura a responsabilidade de demarcar terras indígenas, como uma forma de fomentar a atividade de garimpo (URIBE, 2019). A medida provisória foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ser considerada inconstitucional e a demarcação das terras permaneceu sob responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), entidade ligada ao Ministério da Justiça (BRASIL, 1988).

Figura 1. Ayaneko Ikpeng, durante discurso. Foto: Autora.

Mais recentemente, temos presenciado as graves consequências de uma política que, além de flexibilizar as multas ambientais e ignorar os dados científicos, tem dado legitimidade para produtores e grileiros agirem com violência contra as florestas e os povos originários que nelas habitam. Ainda durante campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro, concedeu declarações preconceituosas contra povos indígenas que vivem em territórios, ao se referir a eles como se fossem “animais em zoológicos”, além de ser contra a demarcação dessas terras indígenas, acrescentando haver riscos de que eles pudessem formar novos Estados independentes – tese que se provou uma invenção manipuladora de Bolsonaro (CIMI, 2019). Vale destacar também que entre 20 de julho e 20 agosto de 2019 a Amazônia vem sofrendo impactos socioambientais devido ao número recorde de focos de incêndio (33.060), 25

que provocaram queimadas em unidades de conservação e TI’s (incluindo as Xavante de Maraiwãtsédé e Pimentel Barbosa - dois núcleos coletores da RSX e que estão entre as 10 terras indígenas mais afetadas), destruindo a sociobiodiversidade e encobrindo de fumaça o céu de diversas localidades de centro a sul do país (ROMAN, 2019). Além disso, a autora lembra que a TI Maraiwãtsédé, que abriga o grupo xavante Pi’õ Rómnha Ma’Ubumrõi’wa, esteve em quarto lugar entre as terras indígenas que mais sofreram com o desmatamento ilegal – principalmente para atividades ilegais de extração de madeira – ao longo daquele mesmo ano. Esse fenômeno de governos que deslegitimam dados científicos, ao mesmo tempo que legitimam ações criminosas e mostram claras alianças com setores específicos, como a chamada “bancada ruralista” e seus aliados, tem consequências não somente políticas, mas socioambientais, e colocam em risco eminente a conquista de direitos de uma natureza cada vez mais desprotegida e das populações que dela dependem (BRUM, 2019). Assim, não é apenas a Constituição Federal, mas os laços comunitários que unem e fortalecem o trabalho das mulheres coletoras que servem como uma espécie de resistência democrática às crescentes políticas retrógradas as quais temos vivenciado no mundo contemporâneo. Afinal, se colonialismo, patriarcado e capitalismo estão diretamente relacionados entre si (MIES, 1998; FEDERICI, 2004), bem como com as atuais políticas ambientais (ou a falta delas) relacionam- se com a urgência climática/ambiental, então podemos dizer que nunca foi possível separar o debate da emancipação feminina/humana da libertação da própria natureza. É justamente a grande conexão entre esses dois conceitos que pode ajudar a fomentar a nossa crítica, rumo a uma mudança de paradigma epistemológico/social (GUIMARÃES, 2019).

Sobre a autora

Sou natural de Nova Xavantina, município situado a leste do estado de Mato Grosso, em uma zona de transição ecológica entre dois biomas, a Amazônia e o Cerrado (DE NEGREIROS et al., 1996), estando também inserida na região denominada de Amazônia Legal (FARIAS et al., 2018). Além disso, a cidade está localizada na mesorregião do Vale do Araguaia, na qual eu residi até os 16 anos, e apresenta uma população estimada em pouco mais de 20 mil habitantes, segundo dados do IBGE de 2019. A história de criação política do município de Nova Xavantina pode ser analisada a partir do período da colonização e da então chamada “fronteira agrícola” durante o início dos anos 40, na Era Vargas, com a expedição Roncador-Xingu, vinculada ao projeto nacionalista- 26

desenvolvimentista chamado de “Marcha para o Oeste” (VILLAS-BÔAS; VILLAS-BÔAS, 2012). Nos anos 70, o município emancipou-se, estabelecendo sua economia entorno da pecuária intensiva e da soja e permanecendo assim até hoje (DE OLIVEIRA, 2015). De acordo com a referida autora, o povo Xavante habitava, e ainda habita, aquelas terras desde meados do século XIX, após migrarem do estado de Goiás até a região do Rio das Mortes (na qual minha cidade natal está localizada); mas mesmo assim a campanha política ainda insistia-se fortemente no conceito de “vazio demográfico”. Segundo contam alguns moradores antigos da cidade, o rio que corre na região foi batizado de “Rio das Mortes” (Figura 2) justamente para relembrar o passado sangrento de expedições que dizimou grande parte da população Xavante.

Figura 2. Rio das Mortes, em Nova Xavantina, Mato Grosso. Fotos: Autora.

A familiarização com questões ambientais, com a natureza em si e com a biodiversidade, acompanha a minha trajetória desde a infância. Morei em uma chácara durante parte da infância e, até a adolescência, o meu cotidiano se resumiria a brincadeiras na rua, ir de bicicleta até a escola, tomar banhos de chuva no auge do verão, chupar manga e caju direto do pé e nadar no rio. Ao contrário do que muita gente da “cidade grande” pensa, nunca tive contato com onças ou sucuris gigantes. Mas além de certa liberdade que uma criança do interior desfruta, pude vivenciar a expansão desenfreada de monoculturas de soja e da pecuária intensiva/extensiva, acompanhadas do desmatamento ilegal; também acompanhei de perto incêndios criminosos em Áreas de Preservação Permanente; me deparei com o aumento de animais silvestres mortos nas rodovias, ou em fazendas, por causa de máquinas agrícolas. 27

Sobre a questão indígena, também presenciei, com um olhar mais externo, a marginalização e criminalização dos Xavante e outros povos indígenas que, muitas vezes por falta de escolha, mudavam-se para a cidade já em situação de extrema vulnerabilidade social e precarização econômica, muitas vezes sem emprego fixo. Inclusive fui vizinha de uma família Xavante que era tratada pelos meus outros vizinhos e amigos como “bichos” ou “animais selvagens”. Uma das cenas que mais me marcou foi quando eu estava brincando na rua com a vizinha e nós soubemos que um grupo de homens Xavante estava se deslocando até a casa do então delegado, que morava em frente à minha, para reivindicar ou negociar algo, que a minha memória infantil não me permite recordar com veracidade ou exatidão. Naquele momento, a mãe de minha amiga nos chamou para voltarmos depressa para dentro de casa. Estávamos com medo do que os “índios” pudessem fazer. Eu não vi nada e até hoje não sei nem se eles realmente foram até a casa do delegado. Eu tinha sete anos e o preconceito/medo já estava se enraizando dentro de mim, a partir de mitos sobre essas pessoas. Ao contrário de algumas amigas e amigos, eu tive a sorte de ter pais que, mais tarde, desmistificaram pra mim parte da crença de que índios eram “maus” e “perigosos”, ou até “preguiçosos” e “vagabundos” – conceitos que ainda permanecem fortes no imaginário popular da minha região. O meu primeiro contato com a Rede de Sementes do Xingu e as coletoras é recente, datado em 2017, quando participei de uma reunião de mulheres em Nova Xavantina. Naquela ocasião eu estava apenas como ouvinte, mas pude observar mulheres de assentamentos próximos e da própria cidade discutir questões sobre o trabalho de coleta. Tudo aquilo era ainda muito novo para mim, mas o que mais me chamou atenção foi o fato de serem todas mulheres e parecerem engajadas na atividade (Figura 3). Fui bem recebida e senti que aquele era um espaço onde eu poderia me sentir à vontade. Não compartilhava da mesma realidade socioeconômica daquelas mulheres, mas tínhamos algo em comum: éramos da mesma cidadezinha do interior do Brasil. E isso já representava para mim uma certa conexão.

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Figura 3. Primeiro contato com algumas das mulheres coletoras de sementes da RSX, em Nova Xavantina. Na foto, Milene Alves (à esquerda) e Valdivina de Oliveira (direita). Foto: Autora.

Apesar de ter vivido grande parte da vida no interior, eu tive privilégios que poucas colegas e amigas/amigos de Nova Xavantina tiveram: saí de casa aos 16 anos para terminar o ensino médio em uma capital e, com todo o apoio financeiro, educacional e familiar que tive desde o início da minha jornada no mundo, ingressei em universidades públicas de qualidade. Mesmo assim, acredito que o fato de eu ser uma mulher fruto do interior, contribuiu para ampliar o olhar desta pesquisa e transmitir uma visão diferente do que muitas vezes a ciência acadêmica está acostumada. Espero, com esse exemplo, estimular outras mulheres, e também homens, a olharem para o que uma mulher do interior é capaz de produzir. As mulheres do interior do Brasil, e não só de São Paulo ou outras metrópoles, também produzem ciência de forma excepcional, com qualidade e excelência, e precisam ser reconhecidas e estimuladas como sujeitos capazes. Por fim, por meio desta dissertação, eu tenho uma grande oportunidade em mãos: contar uma história de mulheres sob uma perspectiva de uma mulher, e uma mulher feminista. Ao resgatar o nosso papel como sujeitos ativos da sociedade, eu gostaria de deixar, nas entrelinhas desta pesquisa de mestrado, o entendimento de que nós, mulheres, também somos grandes protagonistas desta e de várias outras histórias e devemos ser valorizadas por isso. Eu acredito que esta dissertação é um espaço onde as mulheres (eu inclusa) podem, finalmente, ser ouvidas com atenção, com muito respeito, empatia e consideração por cada lugar de fala. 29

Definições de pesquisa

A proposta da pesquisa foi previamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE n.º 95430518.4.0000.8142; Parecer n.º 3.154.065), tendo em vista a necessidade de defender os interesses e direitos das participantes e para contribuirmos com o desenvolvimento da pesquisa dentro dos padrões éticos preestabelecidos pela instituição acadêmica. Da mesma forma, apresentamos o projeto às lideranças indígenas ligadas à RSX, ao conselho diretor da rede e demais envolvidos, e também apresentamos a proposta a todas as coletoras e coletores que participaram do Encontro Anual da ARSX, em São Félix do Araguaia, entre os dias 21 e 24 de junho de 2018, os quais autorizaram a realização dos estudos. Somente depois de todas as autorizações, devidamente lidas e assinadas, demos início à pesquisa. Visto que esta dissertação está inserida no contexto de um programa de Pós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural, nós tivemos a preocupação em utilizarmos uma linguagem que pudesse ser um pouco mais acessível, inclusive por algumas coletoras, e menos restrita aos muros acadêmicos. Seria contraditório de nossa parte se não fizéssemos dessa forma. Contudo, nós não pretendemos, de nenhuma maneira, atuarmos como tradutoras do dito “conhecimento científico”. A colaboração de coletoras e pesquisadoras na produção desta dissertação de mestrado mostrou-se fundamental e não seria possível realizar essa pesquisa sem o conhecimento dessas mulheres. Então, se as mulheres da Rede, inseridas nos mais diversos contextos plurais, colaboram na criação de uma ciência e tecnologia diferente das convencionais, e auxiliam para alertar sobre o agravamento dos problemas socioambientais, nós reconhecemos a necessidade que temos de divulgar os conhecimentos tradicionais e locais, dignos de mérito e relevância para essa e outras pesquisas do gênero. O primeiro elemento que nos chamou a atenção, antes mesmo de conhecermos a Rede mais a fundo, era de que as mulheres representam a maioria no trabalho de coleta. Esse fato já seria um forte indicativo da grande relevância delas para o funcionamento da RSX. Por isso, a nossa principal hipótese inicial era de que um possível protagonismo feminino estaria já concretizado dentro da rede – desde as coletoras até outras funções administrativas e de liderança. Dessa forma, o objetivo da pesquisa foi entender as diversas dinâmicas sociais nas quais as mulheres coletoras da Rede de Sementes do Xingu estariam envolvidas, levando em conta os diferentes grupos – indígenas, rurais e urbanas – e comprovar a hipótese desse protagonismo. De maneira interdisciplinar e a partir de uma divisão dos grupos entre indígenas, rurais e urbanas, propusemos entender os diversos processos de participação, mobilização e 30

gestão entre as coletoras e os demais atores envolvidos; as ferramentas/estratégias da comunicação na produção e difusão dos conhecimentos, da participação e da mobilização social nos três grupos diferentes; as relações de trabalho e percepções envolvendo questões de gênero, ambientais, tecnológicas e econômicas; além de compreender de que maneira a vertente ecofeminista perpassa todo o cotidiano e modos de pensar dessas mulheres. Serviram de auxílio e apoio na construção de nosso pensamento as teorias e práxis feministas, principalmente dos campos da economia feminista, do ecofeminismo e dos estudos feministas da ciência e tecnologia (CARRASCO et al., 2011; FARIA; MORENO, 2012; FEDERICI, 2004; GRECCO et al., 2018; HARAWAY, 1995; HERRERO, 2014; MIES, 1998; KELLER, 1992; KERGOAT, 2009; OROZCO, 2014; PICCHIO, 2012; PULEO, 2011 e 2012; SCHOTTZ et al., 2015; SHIVA, 1988; TAIT, 2015); os estudos sociais da ciência e tecnologia (ESCT) (DE LA BELLACASA, 2015; FEENBERG, 1996, 2005; LATOUR, 1993; PFAFFENBERGER, 1988; TAIT; DAGNINO, 2011; WINNER, 2010); práticas de economia solidária que também se veem presente dentro da Rede (ABRAMOVAY, 2018, 2012; DAGNINO, 2014; BELLEI, 2011; CAVALCANTI, 2010; FARIA; MORENO, 2012; NUMIECOSOL, 2013.); os elementos e teorias da antropologia (principalmente em relação às mulheres indígenas e às questões ambientais) (DAI-AMTB, 2010; FAUSTO, 2004, 2005; FLOWERS, 2014; FRANCHETTO, 1995; PAGLIARO; AZEVEDO, 2008; SCHADEN, 1956; SILVA, 2014.); a crítica sociológica em relação ao desenvolvimento econômico e à emergência socioambiental a partir de uma perspectiva latino-americana (ACOSTA, 2016a, 2016b; GUDYNAS, 2017; NAZAREA, 2016; SVAMPA, 2017); e as teorias da comunicação (desde o campo informacional até uma comunicação considerada mais ampla e “libertária” (BERLO, 1970; BRANDEMBURG, 2010; BORDENAVE, 1988, 1997; CANCLINI, 2015; FREIRE, 2013; GOMES; MAIA, 2008; HABERMAS, 1987; MCQUAIL, 2003; RODRIGUES, 2016; PERUZZO, 2004, 2017; WOLTON, 1999). Para a realização da pesquisa, utilizamos o estudo de campo por meio da observação direta ou participante. A partir desse método, encarado por nós como um dos mais eficazes para atingir os objetivos pretendidos, realizamos um melhor acompanhamento das reuniões, oficinas e da rotina de trabalho, entre outros, o que contribuiu para uma maior conexão e vínculo com as coletoras envolvidas. Além disso, a observação direta permitiu uma melhor comunicação entre as partes, evitando-se ruídos comunicacionais que pudessem comprometer o estudo. Elaboramos um roteiro semiestruturado de perguntas com 57 questões para a realização de entrevistas em profundidade (disponível nos anexos), a fim de organizar as 31

respostas em categorias e subcategorias, buscando compreender as características, estruturas ou modelos que estavam por trás das informações disponibilizadas (BARDIN, 2011). Seguindo corretamente todos os processos exigidos pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), optamos pela identificação de todas as entrevistadas que desejassem ter seus nomes inseridos na pesquisa. Todas aceitaram e assinaram devidamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com exceção de uma delas que preferiu manter essa informação em sigilo (alteramos esse nome para um pseudônimo). Posteriormente, estruturamos os capítulos da dissertação a partir das categorias temáticas, das perguntas e respostas e problematizações que surgiram durante a pesquisa. É necessário destacar também que as perguntas do roteiro foram todas formuladas apenas em língua portuguesa. No entanto, antes de realizarmos as entrevistas com as indígenas do povo Ikpeng, durante os encontros da Rede de Sementes do Xingu, tivemos o auxílio de um dos membros do grupo, o Oremê Ikpeng, técnico institucional da Rede e elo do Movimento das Mulheres Yarang, que verificou o conteúdo das perguntas e auxiliou na elaboração do roteiro. Após essa etapa, ele acompanhou o procedimento de entrevistas e ficou responsável por traduzir as perguntas e respostas para as duas línguas. Nos outros casos, tanto as perguntas quanto as respostas foram feitas somente no idioma português. Como referência documental que nos permitisse maior aprofundamento sobre a dinâmica de funcionamento da Rede, consultamos também materiais impressos e digitais produzidos pelo ISA (Instituto Socioambiental) e pela própria Associação Rede de Sementes do Xingu. Para contextualizarmos o histórico, o perfil e as ações da Rede de Sementes do Xingu, também consultamos referências bibliográficas que remetiam à história da colonização e à criação do Território Indígena do Xingu, até finalmente chegarmos à Rede.

Estrutura da dissertação

Além da Introdução, Conclusão e Referências, esta dissertação está estruturada em cinco capítulos, sendo que cada um contém itens. O capítulo 1, intitulado “Da colonização de Mato Grosso à Rede de Sementes do Xingu”, inclui um relato sobre o surgimento e funcionamento da Associação Rede de Sementes do Xingu e os diversos atores envolvidos no processo, desde a implementação da campanha ‘Y Ikatu Xingu até os dias atuais. Por estar situada principalmente no interior do estado de Mato Grosso, julgamos necessário retomar a discussão desde a colonização do estado, visto que o processo de criação do Parque Indígena 32

do Xingu e, posteriormente, da própria Rede, estão direta e indiretamente associados. Ao longo do capítulo, explicamos, em detalhes, a estrutura e dinâmica de organização e as etapas de funcionamento da ARSX, desde a coleta até a comercialização das sementes, para melhor situar a/o leitor/a no universo das coletoras. O capítulo 1 está dividido em sete tópicos, além da introdução, sendo eles: 1.1 Território Indígena do Xingu: revisitado; 1.2 Expansão da fronteira agrícola: rumo a um falso vazio demográfico; 1.3 A criação do então Parque Indígena do Xingu (PIX); 1.4 Um rio ameaçado e as sementes de reflorestamento; 1.5 Funcionamento da Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX); 1.6 Muvuca de sementes e muvuca de gente; 1.7 Considerações do capítulo. O capítulo 2, intitulado “Trajetórias e perspectivas econômicas e tecnológicas do trabalho das coletoras” tem como foco o trabalho das mulheres coletoras e suas trajetórias (dificuldades, histórias e desafios enfrentados); além disso, o capítulo aponta aspectos e aportes de estudos econômicos, demonstrando de que maneira a Rede se insere em modelos de trabalho alternativos como a Economia Solidária. Inserimos, também, discussões acerca das tecnologias usadas e adaptadas por elas, tomando como base os Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (ESC&T). Apresentamos as mudanças provocadas nas vidas dessas mulheres desde que começaram a participar da Rede de Sementes do Xingu, além da organização de trabalho - que envolvem os processos de manejo, limpeza e beneficiamento de sementes, além das dificuldades encontradas e distâncias percorridas para a realização do trabalho. Esse capítulo apresenta sete itens, sendo eles: 2.1 As trajetórias de trabalho das coletoras no âmbito rural; 2.2 As trajetórias de trabalho das coletoras no âmbito urbano; 2.3 As trajetórias de trabalho das coletoras no âmbito indígena; 2.4 Geração de renda e emancipação econômica; 2.5. Economia solidária no âmbito das coletas; 2.6 Introdução aos conceitos dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia; 2.7 A Tecnologia Social no cotidiano das coletoras; 2.8 Considerações do capítulo. O capítulo 3, “Lugar de mulher é na coleta de sementes: a sustentabilidade da vida a partir de uma perspectiva ecofeminista e de economia do cuidado”, está divido em: Introdução; 3.1 A natureza em perigo: percepções sobre desmatamento e mudanças climáticas; 3.2 A crise socioecológica e os caminhos ecofeministas; 3.3 Mulheres e natureza: caminhos para o pensamento feminista ecológico; 3.4 A esfera econômica ampliada: produção/reprodução da vida; 3.5 A sustentabilidade da vida, o cuidado com a natureza e a co-responsabilidade; 3.6 Um outro olhar sobre o extrativismo e o futuro do planeta; 3.7 O Bem Viver nas práticas das mulheres coletoras de sementes; 3.8 Considerações do capítulo. As reflexões sobre os conceitos de ecofeminismo e economia feminista, além de sustentabilidade da vida e Bem Viver serviram para que desenvolvêssemos uma importante discussão teórica ao longo de todo o capítulo. A 33

partir de uma perspectiva feminista e de gênero, tais teorias auxiliaram reflexões sobre as dinâmicas de trabalho e sua divisão sexual, que se desenvolvem na atividade de coleta, e principalmente como um mote central em direção à uma transformação coletiva de pensamento e ação. No capítulo 4, “Mulheres indígenas coletoras de sementes: um recorte dos povos Ikpeng, Wauja e Xavante” destacamos o protagonismo das coletoras indígenas no trabalho e o papel que desempenham na articulação de ações tanto dentro da Rede como dentro de grupos, núcleos e de movimentos. Percebemos as mulheres de diferentes povos ligados à Rede como agentes construtoras de conhecimentos ancestrais tão valiosos quanto os conhecimentos científicos. No total, as coletoras e coletores indígenas compreendem sete povos: Ikpeng, Kawaiweté, , Wauja, Yudja, Xavante e Panará. No entanto, realizamos um recorte de análise para os povos Ikpeng, Wauja e Xavante, visto que foram os únicos dos quais obtivemos autorização para realizarmos as entrevistas, bem como informações documentais mais detalhadas. Além da introdução, temos a seguinte divisão de tópicos: 4.1 Possíveis diálogos entre o conhecimento científico e o local/indígena; 4.2 Mulheres indígenas: bruxas, vítimas ou protagonistas de sua própria história?; 4.3 Ikpeng: história e mudanças ambientais; 4.4 As mulheres Yarang, a natureza e o trabalho de coleta segundo a cultura Ikpeng; 4.5 Wauja: história e ingresso na Rede de Sementes do Xingu; 4.6 Xavante: a TI Marãwaitsédé e o grupo Pi’õ Rómnha Ma’Ubumrõi’wa; 4.7 Considerações do capítulo. O quinto e último capítulo, intitulado “As mulheres coletoras e a comunicação”, discute o papel da comunicação para o funcionamento da Rede e na articulação de ações e engajamento das próprias coletoras. Para tanto, conceituamos a comunicação a partir de teorias clássicas e contemporâneas, analisando uma “comunicação pública” da Rede; as tecnologias de informação e comunicação, com foco nos processos de inclusão/exclusão digital aos quais os três grupos de mulheres analisados se encaixam; problemas e possíveis soluções na dinâmica comunicacional da Rede; e os processos de empoderamento, ocupação em espaços públicos e lugares discursivos dessas mulheres. Depois da introdução, está estruturado em nove itens: 5.1 Conceituando a comunicação; 5.2 Multiplicidade da divulgação e dos processos comunicacionais: do encontro presencial às novas mídias; 5.3 Os elos e a comunicação; 5.4 Coletoras urbanas e as novas tecnologias de informação e comunicação; 5.5 Coletoras rurais e as novas tecnologias de informação e comunicação; 5.6 Coletoras indígenas e as novas tecnologias de informação e comunicação; 5.7 Processos de empoderamento, ocupação em espaços públicos e lugares discursivos; 5.8 Problemas e possíveis soluções na dinâmica comunicacional da Rede; 5.9 Considerações do capítulo. 34

Finalmente, em Considerações finais propusemos reflexões acerca das experiências individuais e coletivas das mulheres coletoras, suas estratégias de trabalho e de comunicação, bem como recomendamos algumas ações que poderão ser adotadas dentro da Rede para melhorar a comunicação dos gestores com os/as coletores/as e entre os/as coletores/as. Também destacamos um resumo do que aprendemos na troca de saberes com as mulheres coletoras ao longo dessa trajetória de pesquisa, reconhecendo o protagonismo delas frente à luta contra o desmatamento e as mudanças climáticas, discutindo e repensando ações futuras para que a nossa contribuição ultrapasse os muros da Academia.

Etapas de campo e coleta de dados

Estabelecemos o primeiro contato com as coletoras de sementes da Associação Rede de Sementes do Xingu no mês de outubro de 2017, durante uma reunião entre as mulheres coletoras do município de Nova Xavantina e do assentamento Banco da Terra, localizado na mesma cidade. Participamos apenas como ouvintes e registramos algumas demandas internas das mulheres e planos de coleta para os próximos anos. Estavam presentes cinco mulheres coletoras e apenas um homem, técnico da Rede e integrante da ONG Instituto Socioambiental (ISA). Naquela ocasião, o projeto de mestrado ainda não havia sido concretizado, mas pudemos estabelecer os primeiros contatos e iniciar o desenvolvimento de uma relação de proximidade com algumas coletoras. Em 2018, já como mestranda do Programa de Pós-graduação em Divulgação Científica e Cultural (Labjor/Unicamp), tivemos a oportunidade de participar, entre os dias 21 e 24 de junho de 2018, do 15º Encontro Geral e da 4ª Assembleia da Associação Rede de Sementes de Xingu (ARSX) na cidade de São Félix do Araguaia (MT) (Figuras 4 e 5). A reunião contou com a participação de aproximadamente 100 pessoas, entre coletoras e coletores, apoiadoras e apoiadores e pesquisadoras e pesquisadores da Rede. Diversos assuntos foram discutidos e debatidos durante a reunião, que agregou experiências sobre restauração ecológica, usos e adaptação de tecnologias de coleta, além de apresentações de pesquisas relacionadas às espécies de árvores da região Amazônia-Cerrado.

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Figura 4. Participantes do 15º Encontro Geral da ARSX, em junho de 2018, na cidade de São Félix do Araguaia- MT. Foto: Equipe RSX - Rede de Sementes do Xingu.

Figura 5. Caminho percorrido para chegar à cidade de São Félix do Araguaia para participar do Encontro Geral. Foram mais de 100 km de estrada de terra, de um total de 498 km saindo de Nova Xavantina – MT. Foto: Autora.

Naquele período, o processo de aprovação do projeto de mestrado ainda não estava tramitando no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Unicamp. Mesmo assim, a partir de uma apresentação em PowerPoint, tivemos a oportunidade de mostrar a proposta de pesquisa, que foi discutida e aprovada no final do encontro pelas coletoras e coletores e diretoras e diretores da Rede. Na sequência, os diretores assinaram um termo de declaração autorizando a realização da pesquisa, que foi posteriormente entregue como documento de comprovação ao CEP. 36

Durante aquele mesmo encontro, conversamos com participantes e trocamos contatos com coletoras indígenas e não-indígenas. Percebemos uma participação expressiva das mulheres durante o encontro, as quais estavam em maior número em comparação aos homens. Essas duas etapas “pré-campo” mostraram-se fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa e para que pudéssemos nos envolver mais profundamente no universo de trabalho e em parte da realidade das coletoras. De forma geral, as conversas informais também auxiliaram no desenvolvimento do roteiro de pesquisa e deram a base para a realização das etapas de campo. A metodologia da observação participante nos permitiu ficarmos atentas às nuances das relações entre coletores, além de permanecermos mais imersas nos acontecimentos, fato que ocorreu de modo expressivo durante as visitas que realizamos às casas das coletoras e durante o 16º Encontro Geral da Associação Rede de Sementes do Xingu, entre os dias 3 e 6 de julho de 2019, também em São Félix do Araguaia (MT). A primeira etapa de campo ocorreu no decorrer do mês de fevereiro de 2019, logo após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. Nos deslocamos até os municípios de Bom Jesus do Araguaia e Serra Nova Dourada, onde realizamos nove entrevistas com mulheres coletoras rurais do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Bordolândia e o Projeto de Assentamento (PA) Macife, ambos localizados dentro dos limites daqueles municípios. A partir de um roteiro com 57 perguntas (disponibilizado na íntegra nos anexos), elaborado especialmente para as mulheres não-indígenas e não-urbanas, realizamos as entrevistas nas residências de cada uma delas, mediante o consentimento prévio e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (disponível nos anexos), elaborado em conformidade com as regras do CEP. A segunda etapa de campo ocorreu no município de Nova Xavantina, quando entrevistamos cinco coletoras. Durante o Encontro da Rede de Sementes do Xingu, no início do mês de julho de 2019, entrevistamos um “elo” indígena Ikpeng e três coletoras indígenas, duas Ikpeng e uma do povo Wauja. Todas as entrevistas com indígenas ocorreram fora de territórios indígenas, e foram realizadas dentro do núcleo urbano da cidade de São Félix do Araguaia-MT, na sede do encontro. Além disso, no mês de agosto de 2019 entrevistamos a diretora mais antiga da ARSX e três homens coletores. Assim, totalizamos 18 entrevistas realizadas no decorrer de toda a pesquisa. Durante todas as etapas de campo houve o acompanhamento de profissionais das ciências biológicas, que atuam como pesquisadoras e pesquisadores parceiros da Rede de Sementes do Xingu e colaboraram para o acesso às comunidades e casas, bem como para um olhar interdisciplinar durante as entrevistas. Algumas questões do roteiro de perguntas, 37

principalmente referentes às percepções ambientais, foram discutidas e elaboradas juntamente com essas profissionais; além disso, auxiliaram no entendimento acerca das diferentes espécies de sementes trabalhadas na Rede. Por fim, ressaltamos que a pesquisa foi realizada de forma autônoma, com recursos financeiros próprios, o que representou um imenso desafio, mas sem comprometer a qualidade e a realização da pesquisa.

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CAPÍTULO 1:

DA COLONIZAÇÃO DE MATO GROSSO À REDE DE SEMENTES DO XINGU

INTRODUÇÃO

Para que possamos compreender de forma clara os processos nos quais convivem as mulheres da Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX), é necessário voltar no tempo, em pelo menos oito décadas, para entender o que exatamente motivou a necessidade da formação da ARSX. Neste capítulo, analisaremos parte do contexto por trás do que fez da Rede de Sementes do Xingu uma necessidade indispensável, tanto às mulheres de forma individual e coletiva e as comunidades que dela dependem, quanto à sobrevivência das florestas e dos povos da região de transição entre os dois maiores biomas brasileiros, o Cerrado e a Amazônia. A história da colonização do estado de Mato Grosso, acompanhada por políticas de Estado durante os regimes de Getúlio Vargas e da ditadura militar, pode ser considerada como um fator-chave ou o pontapé inicial para que esse estado, geograficamente central no país e com rica biodiversidade, se transformasse da maneira como o conhecemos hoje: envolto em desmatamento e conflitos socioambientais mas, ao mesmo tempo, palco de projetos e ações de sucesso contra a degradação e o retrocesso socioambiental. Faremos aqui um recorte que sobre o histórico de criação do Território Indígena do Xingu (TIX), local onde a Rede de Sementes do Xingu nasceu e foi pela primeira vez implementada. Por termos obtido maiores informações sobre a relação do TIX com a RSX, visto que foi lá onde tudo começou e seus povos têm participação bastante expressiva, as outras terras indígenas, que fazem parte da rede e apresentam núcleos coletores, mas que estão localizadas fora do TIX, serão citadas de forma mais breve ao longo deste capítulo.

1.1 Território Indígena do Xingu: revisitado

Desde o império português, a região da bacia hidrográfica do rio Xingu sofre um longo processo de exploração e de diversas expedições de não-indígenas a fim de “desbravarem” aquelas terras. No fim do século XIX, durante o governo de Dom Pedro II, o antropólogo e médico alemão destacou-se como o primeiro etnógrafo responsável por explorar o que hoje compreende a extensão do TIX, ou Território Indígena do Xingu (BEUTER, 2000). Ele chegou na região pelo rio Kuluene, um importante afluente do rio Xingu, e relatou a presença de mais de 3.000 indígenas distribuídos em 31 aldeias na região cultural 39

conhecida hoje como Alto Xingu2 (ISA, 2011). Lá o antropólogo realizou diversos estudos sobre os diferentes povos que habitavam as margens do rio, além de registros geográficos e cartográficos sobre a bacia (PAIVA, 2010). Ao mesmo tempo em que as pesquisas do explorador alemão atraíram outras expedições, tanto científicas quanto militares, de modo contraditório elas também contribuíram para o desenvolvimento da etnologia na região, servindo de alerta sobre os impactos da colonização, bem como para o processo de extermínio daqueles povos que se seguiram nos anos seguintes (SCHADEN, 1956). Foram as expedições das últimas décadas do século XX que provocaram uma radical diminuição dos habitantes originais da região, principalmente devido às doenças levadas pelos não-indígenas3; visto que daquele contato não-solicitado surgiram surtos gripais, disenterias bacterianas e outras moléstias, não conhecidas pelos indígenas até aquele momento (VILLAS BÔAS; VILLAS BÔAS, 1975).

1.2 Expansão da fronteira agrícola: rumo a um falso vazio demográfico

A lógica da exploração de recursos naturais tem sido parte fundamental da história de construção da América Latina, assolada pela colonização tradicionalmente eurocêntrica (FERREIRA, 1998). Em relação à parte central do Brasil não foi diferente, já que as grandes expedições ocorridas nos dois séculos passados foram essenciais para reforçar a consolidação de uma identidade estratégica aos interesses geopolíticos dominantes (MESQUITA, 2009). A política desenvolvimentista de meados do século XX (ESCOBAR, 1995), foi posta à prova na região e, alinhada a um pensamento positivista de “progresso econômico” (RIBEIRO JÚNIOR, 1988), tinha justamente o intuito de “desenvolver” aquelas terras. Além disso, os discursos sobre as regiões dos rios Xingu e Araguaia se encaixariam perfeitamente no estereótipo de um vasto território selvagem e inexplorado, envolto em grandes mistérios e aventuras (FERREIRA, 1998), um “prato cheio” também para manter o imaginário aguçado da opinião pública e dos próprios expedicionários que participariam dessas “sagas”. Um dos primeiros programas oficiais de expansão da então fronteira agrícola no centro- oeste do Brasil foi criado ainda nos anos 30 sob o título de “Marcha para o Oeste” (1943-1948)

2 A parte localizada ao sul do TIX é denominada Alto Xingu (porção mais próxima da nascente do rio) e é ocupada pelos povos , , Kamaiurá, , Matipu, Mehinako, Nahukuá, Naruvotu, Trumai, Wauja e , que possuem algumas características culturais em comum, relacionadas à visão de mundo e a seus modos de vida. Os povos Ikpeng, Kaiabi, Kĩsêdjê, Tapayuna e Yudja são encontradas no Médio e Baixo Xingu e são consideradas mais heterogêneas culturalmente (https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Xingu).

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(VILLAS BÔAS; VILLAS BÔAS, 2012). O caráter militarista pode ser observado não apenas no nome, mas também na maneira com que se consolidou o programa, por meio da Expedição Roncador-Xingu, chefiada pelo coronel Flaviano de Matos Vanique (GALVÃO, 2011). Com a expedição, iniciada em junho de 1943 sob a coordenação da extinta Fundação Brasil Central (FBC), o governo pretendia ocupar o centro do Brasil, com a proposta de “integrá-lo” ao resto do país – o que ocorreria por meio de vias de comunicação, construção de pistas de pouso, exploração de recursos naturais e processos de povoamento, principalmente nas regiões das cabeceiras dos rios Xingu e Araguaia (MENEZES, 1999). A autora explica que a expedição tomou rumo pela Serra do Roncador, uma região até então povoada principalmente pelos povos Xavante, e seguiu pelas cabeceiras do rio Xingu e pelos rios Araguaia e das Mortes, na divisa entre os estados de Mato Grosso e Goiás; depois de instalada a sede, na cidade de Aragarças (GO), a meta final da expedição era chegar até Manaus (AM), passando pelo rio Tapajós (PA). À época consideradas incorreta e estrategicamente como vazios demográficos passíveis de serem ocupadas e exploradas, essas regiões eram tradicionalmente ocupadas por diversos povos e comunidades locais. Entre indígenas, pescadores, garimpeiros, posseiros e tantos outros grupos, o estado de Mato Grosso, de Norte a Sul, comportava uma gama heterogênea de pessoas com costumes, tradições, conflitos, identidades e cultura próprios (MENDES, 2012). Em relação aos povos indígenas, estudos arqueológicos e antropológicos estimam que antes mesmo da colonização portuguesa, havia aproximadamente três milhões de pessoas na região amazônica (SMITH, 1971), sendo que para a região do Alto Xingu as estimativas são de 500 mil a um milhão de pessoas no período pré-colombiano (SOUZA et al., 2018). A entrada naquelas terras durante as expedições foi comandada também pelos irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo Villas Bôas. Figuras centrais desde o início dos projetos de colonização de meados daquele século, os irmãos iniciaram os projetos como trabalhadores, mas acabaram liderando a Expedição Roncador-Xingu a partir de 1941 (BARUZZI; JUNQUEIRA, 2005). Esses irmãos paulistas e de classe média foram responsáveis por estabelecer um contato mais pacífico com os indígenas e protagonizaram, anos depois, a criação do Parque Indígena do Xingu (ROYSEN, 2015). Schaden (1969) explica que os contatos de indígenas com não-indígenas no século XX provocaram mudanças profundas, muitas vezes negativas em diversos aspectos dos povos, tanto culturais, quanto sociais, psíquicos e biológicos. As consequências foram devastadoras para os povos da floresta, que antes da criação do TIX já percebiam a redução de suas terras com o processo de desmatamento e na degradação dos rios, causados pela construção de rodovias federais, por garimpos de mineração, pelo 41

mercado de extração de madeira e pela crescente expansão de pastos e lavouras (VILLAS- BÔAS; VILLAS-BÔAS, 2012). A partir dos anos 60, durante os “anos de chumbo” do regime militar, a política de ocupação não-indígena foi intensificada e o princípio de expansão do mercado do agronegócio para preencher os tais “vazios demográficos” ganhou força (GALVÃO, 2013). A autora ressalta que as políticas de isenção fiscal e de concessão de crédito facilitado foram essenciais para atrair empresários e instalar grandes latifúndios - naquele mesmo período, o governo militar criou órgãos como o Banco da Amazônia S/A (BASA) e a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO) para estimular novos investimentos. Em 1967, foram criados os empreendimentos Agropecuária Suiá-Missú (1960) e a Companhia de Desenvolvimento do Araguaia (CODEARA), que abriram ainda mais áreas para a agropecuária extensiva e estimularam de forma contundente o agronegócio (PARET, 2012). Nesse processo cada vez mais intenso de ocupação não-indígena de terras e da criação de colônias agrícolas nacionais, houve também a participação de cooperativas e entidades privadas de Norte a Sul do país e, como resultado, 40 novos municípios e vilas foram criados em Mato Grosso nos anos seguintes (MENDES, 2012). Na década de 1970, projetos de colonização de caráter privado se consolidaram na região com a expressiva presença de empresas e cooperativas de agricultores que chegavam principalmente da porção Sul do país; mas havia também nordestinos, paulistas e goianos entre os imigrantes. Rodovias federais, como a Transamazônica, foram criadas, e o fluxo migratório se intensificou (ISA, 2011). Em Mato Grosso, as cidades de Água Boa, Canarana, Feliz Natal e Querência, parte dos atuais núcleos coletores da Associação Rede de Sementes do Xingu, são alguns dos municípios que passaram por um processo de colonização predominantemente sulista (MENDES, 2012). O município de Canarana, também em Mato Grosso, é particularmente singular por ser considerado a “porta de entrada” para o TIX (Figura 6) e englobar também a terra indígena Pimentel Barbosa, do povo Xavante (COOPER, 2010), além de ser a cidade onde está localizado o escritório da RSX. Os municípios de Diamantino e Nova Xavantina, os mais distantes do TIX, também fizeram parte do processo de colonização das décadas de 60 e 70 (MENDES, 2012) e hoje detêm papel fundamental na dinâmica de funcionamento da Rede.

1.3 A criação do então Parque Indígena do Xingu (PIX)

Como uma forma de resolver o “problema” da presença indígena em Mato Grosso, em 14 de abril de 1961, durante o governo do presidente Jânio Quadros, e com o auxílio da política 42

indigenista dos irmãos Villas Bôas, foi criada uma área indígena, oficializada à época como Parque Nacional do Xingu e apoiada pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Dezenas de povos, antes espalhados por imensos territórios, com modos de vida distintos e culturas diversificadas, foram realocados para aquele espaço limitado, onde se viram obrigados a residir e conviver com outros povos indígenas, muitas vezes de culturas conflitantes e até “inimigos”, forçando-os a alterar seus costumes e modificar suas vivências (VILLAS BÔAS; VILLAS BÔAS, 2012). A imprensa, desde antes da inauguração do então Parque Nacional do Xingu, deteve papel importante na divulgação e elaboração de um discurso próprio para a criação do ambicioso projeto. O debate se aflorava nos anos 40, como exposto abaixo por Menezes (1999): A imprensa agiu de encontro à vulgarização científica e, na contravia, contribuindo para construir, através de reportagens, uma parte do conteúdo de significados geográficos, antropológicos e sociológicos referidos e relacionados ao Alto Xingu e seus habitantes. Por isso, frequentemente declarava que caberia à comunidade científica despertar o interesse da opinião pública, pois, além de promover a ciência, deveria estimular o interesse patriótico por um rincão que também é o Brasil. A mensagem é que cada brasileiro seja um defensor leal e consciente (ibidem) deste território. (...) O discurso jornalístico impõe o apelo à nacionalidade e ao sentimento cívico para com a terra e os índios. Tenta-se forjar uma mentalidade de preservacionismo natural e científico por meio das reportagens que propagandeiam o Alto Xingu como santuário a ser preservado. Tanto no discurso jornalístico quanto no discurso científico, a ideia de preservação é calcada numa matriz que impõe um peso simbólico à ideia da região natural e da cultura material (MENEZES, 1999, p. 73-74).

Originalmente, a área demarcada para a criação do Território Indígena do Xingu era quatro vezes maior do que a atual, de quase três milhões de hectares. As nascentes do rio Xingu, essenciais para garantir a integridade ecológica do manancial e a alimentação e manutenção de algumas tradições, ficaram de fora do projeto final, bem como os territórios de Kamukuwaká e Sagihengu, localizados ao sul do TIX, e considerados sagrados para diversos povos do Alto Xingu, que ainda visitam esses lugares e realizam o ritual conhecido como kuarup (ROBRAHN-GONZÁLEZ; MIGLIACIO, 2008; SILVA, 2015). Harari (2017a) observou que atualmente há mais de 22 mil nascentes no entorno do TIX, a maioria com pouca proteção e altamente ameaçadas pelas atividades agropecuárias, cada vez mais competitivas e mecanizadas; além do fato de que mais de 200 mil hectares de florestas ribeirinhas estão degradadas ou foram derrubadas. Hoje, estima-se que mais de 300 mil hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs), que incluem florestas de galeria e ciliares, foram degradadas pela ação humana, principalmente devido ao desmatamento e aos incêndios ilegais (BELLEI, 2011). Entretanto, apesar das nascentes do rio Xingu estarem atualmente ameaçadas pelas atividades agropecuárias, estima-se que o TIX ainda permanece como sendo a área mais preservada da 43

região (ISA, 2011), juntamente com algumas terras dos povos Xavante, Karajá e Tapirapé, nas proximidades do rio Araguaia. A capacidade de resistência e resiliência do TIX pode ser constatada pelos diferentes povos que ali vivem, que acabaram por retomar, compartilhar, reinventar e reconstruir o território a partir de seus modos particulares e comunitários de vida (MENEZES, 1999). Apesar de um passado conflitante, marcado por grande degradação ambiental, hoje o TIX é quase inteiramente ocupado por mais de cinco mil pessoas de 16 povos e 77 aldeias e representa a resistência de povos contra a destruição de suas terras (ISA, 2011).

1.4 Um rio ameaçado e as sementes de reflorestamento

Em um contexto de desmatamento e da própria demanda de povos indígenas por soluções a favor da recuperação da biodiversidade, o ISA (Instituto Socioambiental), em parceria com outras instituições, criou a campanha ‘Y Ikatu Xingu que agregava o processo de restauração florestal via semeadura direta4. Ao longo dos anos, percebeu-se uma enorme demanda por sementes de espécies nativas (aquelas que ocorrem naturalmente nas florestas e cerrados da região), visto que muitos produtores rurais se interessaram também em se enquadrar no Código Florestal e recuperar as áreas desmatadas ilegalmente nas fazendas (DUARTE, 2019). Consequentemente, surgiu em 2007 a Rede de Sementes do Xingu (RSX), que anos mais tarde se consolidaria como Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX). A partir de um negócio de base familiar e comunitária, a Rede passou a desenvolver tecnologias de recuperação de áreas degradadas que pudessem ser adotadas pelos produtores rurais e que aliassem redução de custos, ganho ecológico e adaptação aos sistemas de produção (URZEDO et al., 2017b). De acordo com os referidos autores, foi criado um caminho para a semeadura direta, troca e comercialização de sementes de espécies nativas da região Amazônia- Cerrado, como uma fonte geradora de renda e uma maneira de valorizar as florestas. Decorridos 12 anos da consolidação do trabalho, a Rede conta atualmente com aproximadamente 600 coletores (RSX, 2019a), em 16 municípios mato-grossenses localizados nas bacias dos rios Xingu, Araguaia e Teles Pires, comportando 15 projetos de assentamentos rurais, além da Reserva Extrativista na Terra do Meio, no Pará, e 17 aldeias de sete povos distribuídos em quatro terras indígenas (HARARI, 2017b) (Figura 6). Os povos do TIX, Ikpeng (aldeias Arayó e Moygu), Kawaiweté (aldeias Ilha Grande, Kwaruja, Tuiararé e Samaúma),

4 Semeadura direta de sementes é um tipo de plantio utilizado tanto na agricultura quanto como estratégia de recuperação florestal; que pode ser feito manualmente (lançando as sementes), com maquinário ou de ambas as formas. Fonte: https://www.embrapa.br/codigo-florestal/semeadura-direta. 44

Matipu, Wauja (aldeias Piyulaga e Piyulewene) e Yudjá (aldeia Tuba Tuba), correspondem a 40% do total de coletores que contribuem para o fortalecimento das ações e do trabalho de coleta (RIBEIRO, 2018). Até o ano de 2017, o núcleo de coleta do TIX produziu 7,6 toneladas de sementes, o que correspondeu a 227 mil reais em renda para as comunidades (SÁ, 2017). Fora do TIX, outros povos também realizam coletas para a Rede, como os Xavante das terras indígenas Marãiwatsédé (Aldeia Marãiwatsédé) e Pimentel Barbosa (Aldeia Ripá), e os Panará (Aldeia Nãsepotiti) da Terra Indígena Panará, todos localizados em Mato Grosso (RIBEIRO, 2018). Até 2017, o trabalho da Rede permitiu recuperar mais de cinco mil hectares de áreas degradadas nas bacias dos rios Xingu e Araguaia e em outras regiões dos biomas Cerrado e Amazônia, totalizando a coleta e o beneficiamento de 175 toneladas de sementes que geraram uma renda de 4,2 milhões para as pessoas envolvidas (HARARI, 2017a e b; RSX, 2019a). De indígenas a urbanos, de maneira geral as coletoras e coletores compartilham conhecimentos locais, uma preocupação com a conservação da biodiversidade, com a qualidade de vida familiar e o fortalecimento das relações sociais (URZEDO et al., 2017a).

Figura 6. Localização dos municípios, assentamentos e terras indígenas com coletoras e coletores da Associação Rede de Sementes do Xingu em Mato Grosso. Assentamentos de reforma agrária: Macife (Bom Jesus do Araguaia), Bordolândia (Serra Nova Dourada) e Banco da Terra (Nova Xavantina). - Mapa: Facundo Alvarez.

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A formalização do sistema de produção de sementes na Rede de Sementes do Xingu só foi possível em 2015, após a aprovação e conquista do Registro Nacional de Sementes e Mudas, o RENASEM (MAPA, 2019), que de início mostrou-se um empecilho para o trabalho, por exigir uma série de adequações e documentos sem levar em conta a realidade das comunidades locais (HARARI, 2017a). Além de se adequar aos requisitos legais, hoje em dia a Rede de Sementes do Xingu está com um laboratório de sementes, localizado na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), no campus de Nova Xavantina, onde são realizados rotineiramente testes de germinação e qualidade das sementes e conta com a participação de alunos estagiários (dois deles são coletores) sob a supervisão de professores parceiros da RSX. A criação da Rede de Sementes do Xingu foi pautada no que Abramovay (2012) denominou de “economia do conhecimento da natureza”, na qual os êxitos supõem o crescimento pessoal, o fortalecimento das identidades comunitárias, de seus vínculos e da capacidade de responder aos desafios da inovação e do contato com diferentes grupos sociais por meio da conexão com a natureza (ABRAMOVAY, 2012; VILLAS-BOAS et al., 2017). No contexto da RSX, o termo inovação é compreendido a partir de um conjunto de conhecimentos científicos e empíricos em que os indivíduos, ao inovarem determinada tecnologia, buscam alterar a realidade na qual estão inseridos (BARRETO, 1995). Na lógica da Rede, o conceito de cadeia de valor (PORTER, 1985) é ampliado, colocado em suas ações não como um modelo competitivo e que visa simplesmente o lucro, mas como uma oportunidade de produção comunitária e sustentável (ISA, 2017). O Prof. Ricardo Abramovay aponta, no prefácio do livro de Villas Boas et al. (2017), que ao contrário do atual modelo de “economia da destruição”, um dos maiores objetivos e desafios contemporâneos (e da própria RSX) é o de transitar até uma economia que fortaleça os valores indígenas e estimule os mercados tradicionais a reconhecerem essa importância, pois:

É na cultura material dos povos da floresta que se encontra a raiz de comportamentos produtivos capazes de contribuir com a regeneração dos serviços ecossistêmicos que as atividades econômicas convencionais (agricultura, pecuária, e exploração madeireira) sistematicamente destroem. E esta cultura material envolve o manejo das áreas florestais, mas também a representação mental da floresta para a vida humana. A floresta é provedora de significados e não apenas de recursos (VILLAS-BOAS et al., 2017, p. 7-8).

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1.5 Funcionamento da Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX)

O caráter de organização da ARSX pode ser descrito por meio de uma “Rede de desenvolvimento comunitário”, cujo “bem comum” são as sementes (OLIVEIRA et al., 2017). A ARSX funciona por meio de uma relação que abrange não só uma diversidade sociocultural de coletores de sementes, mas também mais de 22 parceiros e 13 apoiadores, distribuídos entre organizações governamentais e não governamentais, prefeituras, movimentos sociais, instituições de ensino e pesquisa, além de entidades da sociedade civil5 (RSX, 2019a). Nesse contexto, para que o trabalho de restauração florestal aconteça, existe uma articulação entre oferta e demanda de sementes, onde as coletoras e coletores planejam anualmente seu potencial de produção, enquanto a central administrativa estabelece contratos e parcerias com os compradores, de modo a otimizar a comercialização e retornar a renda para as coletoras e coletores (SÁ, 2017). O processo de produção de sementes inclui as etapas de planejamento, coleta, identificação, manejo, secagem e armazenamento, e depende da realidade social de cada um dos grupos coletores (URZEDO, 2014). De acordo com o referido autor, a coleta das sementes se dá por meio de técnicas e equipamentos próprios e está relacionada com as experiências culturais e o conhecimento de cada coletor. Os critérios e pactos colaborativos são estabelecidos dentro da associação, também definidos anualmente em reuniões (denominadas de “encontrão”) com técnicos da própria RSX, de instituições parceiras e de representantes dos núcleos coletores (ISA, 2017). Por meio de cursos, treinamentos, palestras, encontros, oficinas e da participação em congressos promovidos pela Associação Rede de Sementes do Xingu e parceiros, as coletoras e coletores têm a oportunidade de aperfeiçoar desde a identificação correta das espécies de árvores em que as sementes serão coletadas, até a adoção de técnicas de semeadura direta das sementes na restauração de áreas degradadas. A comercialização das sementes pela RSX é coordenada pela central administrativa localizada em Canarana e conta com o auxílio de técnicos da própria Rede, que precisam

5 Entre alguns dos parceiros, podemos destacar: Instituto Socioambiental (ISA); Associação de Educação e Assistência Social Nossa Senhora da Assunção (ANSA); Prefeitura Municipal de Canarana; Articulação Xingu Araguaia (AXA); Comissão Pastoral da Terra (CPT); Operação Amazônia Nativa (Opan); Associação Terra Indígena Xingu (ATIX); Movimento das Mulheres Yarang; Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat); Embrapa. Já os apoiadores da ARSX são: União Europeia; Live Amaz; Regnskogfondet - Rainforest Foundation Norway; Gordon and Betty Moore Foundation; EDF (Environmental Defense Fund); Manos Unidos - Campaña Contra el Hambre; Instituto Bacuri; Amazonia Live - Rock in Rio; Conservação Internacional Brasil; DGM Brasil; Partnerships for Forests e Great Britain & Northern Ireland for Partnership. 47

relacionar a oferta que as coletoras e coletores indicam com a demanda do mercado de insumos florestais (URZEDO et al., 2017a). Dessa forma, as sementes são destinadas para produtores de mudas, produtores rurais e para projetos de restauração ecológica, como os que são realizados pelo Instituto Socioambiental (ISA, 2011). Durante uma palestra no XV Encontro da Rede de Sementes do Xingu, em junho de 2018, em São Félix do Araguaia-MT, um dos técnicos do ISA, que trabalha há nove anos com o método de plantio em larga escala utilizando implementos agrícolas para a geração de novas florestas, afirmou que somente a sua equipe consegue recuperar entre 100 e 150 ha por ano. O trabalho é árduo e requer persistência e dedicação, mas também criatividade, porque cada semente exige um tipo de técnica e ferramenta diferenciada para coleta. As coletoras e coletores não-indígenas, utilizam diversas tecnologias adaptadas, algumas criadas ao longo da experiência, como é o caso de uma guilhotina criada especialmente para cortar as sementes de baru (Dipteryx alata Vogel); podem também, por exemplo, utilizar um cortador de grama com fio de nylon que corta sementes aladas e um tanque de lavar roupas para limpar sementes com polpa espessa. Objetos mais simples, como chinelos de dedo, baldes e peneiras também servem de alternativa para o processamento das sementes. Um podão com cabo de madeira e uma esteira elaborada a partir das fibras das folhas da palmeira buriti (Mauritia flexuosa L.) estão entre alguns dos materiais mais utilizados pelos indígenas, mas alguns instrumentos não- tradicionais como facões, bacias de plástico, baldes, facas e carrinhos de mão muitas vezes são indispensáveis ao processo de trabalho, mesmo nas comunidades mais tradicionais (SÁ, 2017). O autor destaca que, ao longo dos anos, os povos das florestas também adotaram certos métodos de seleção de sementes tradicionalmente usados pelos não-indígenas, a exemplo do processo de secagem na sombra, que é adotado para sementes de “casca dura” e que não podem em hipótese alguma ficar expostas diretamente ao sol, sob o risco de serem danificadas. Para garantir o bom andamento da estrutura de base comunitária, as coletoras precisam estar cientes sobre o funcionamento das etapas de planejamento, coleta, manejo, secagem e armazenamento das sementes. Tais processos são essenciais para o desenvolvimento das ações em grupo e para garantir a comercialização, porque os compradores das sementes são, principalmente, pessoas, projetos e empresas externas ao grupo, e a manutenção da qualidade das sementes é essencial para garantir sua comercialização e respectivo sucesso nos plantios (RSX, 2017). Algumas das principais espécies de sementes coletadas pela Rede de Sementes do Xingu são: amoreira (Maclura tinctoria (L.) D.Don ex Steud. - Moraceae), angelim da mata (Andira vermifuga (Mart.) Benth. - Fabaceae), angelim do cerrado (Andira cujabensis Benth. 48

- Fabaceae), aroeira (Myracrodruon urundeuva Allemão - Anacardiaceae), baru (Dipteryx alata Vogel - Fabaceae), buriti (Mauritia flexuosa L.f. - Arecaceae), cajazinho (Spondias mombin L. - Anacardiaceae), caju (Anacardium occidentale L. - Anacardiaceae), caroba-da- mata (Jacaranda copaia (Aubl.) D.Don - Bignoniaceae), caroba-do-cerrado (Jacaranda brasiliana (Lam.) Pers. - Bignoniaceae), carvoeiro (Tachigali vulgaris L.G.Silva & H.C.Lima - Fabaceae), copaíba (Copaifera langsdorffii Desf. - Fabaceae), garapa (Apuleia leiocarpa (Vogel) J.F.Macbr. - Fabaceae), guanandi (Calophyllum brasiliense Cambess. - Calophyllaceae), guarita (Astronium fraxinifolium Schott - Anacardiaceae), ipê-amarelo-do- cerrado (Handroanthus ochraceus (Cham.) Mattos - Bignoniaceae), jatobá-do-cerrado (Hymenaea stigonocarpa Mart. ex Hayne - Fabaceae), jatobá-da-mata (Hymenaea courbaril L. - Fabaceae), lixeira (Curatella americana L. - Dilleniaceae), lobeira (Solanum lycocarpum A.St.-Hil. - Solanaceae), mamoninha (Mabea fistulifera Mart. - Euphorbiaceae), mirindiba- boca-boa (Buchenavia tomentosa Eichler - Combretaceae), mutamba (Guazuma ulmifolia Lam. - Malvaceae), pequi (Caryocar brasiliense Cambess. - Caryocaraceae) e xixá (Sterculia striata A.St.-Hil. & Naudin - Malvaceae) (URZEDO et al., 2016; RSX, 2019b). Com base nessa extensa lista de espécies verificamos que a variedade de sementes coletadas pela RSX demonstra como a produtividade biológica de uma floresta se baseia ecologicamente na diversidade, visto que atualmente quase 200 espécies são apresentadas no site oficial da Rede (RSX, 2019b). Enquanto que as monoculturas propagam a cultura exclusiva de um único produto, a biodiversidade, considerada a base da estabilidade ecológica (TILMAN, 1996), é um dos atores principais da Rede. A biodiversidade possui papel fundamental na manutenção de serviços ecossistêmicos e na manutenção de processos ecológicos, sendo que o valor econômico e utilitário da biodiversidade está fortemente apoiado na dependência do ser humano sobre ela e nos produtos que a natureza nos supre (ALHO, 2008). O autor observou ainda que a biodiversidade engloba os serviços ecossistêmicos, como a regulação do clima, habitats alimentares e reprodutivos para a pesca comercial, de organismos que contribuem para a fertilidade do solo, entre outros. A Casa de Sementes é o local onde são recebidas e armazenadas as sementes coletadas pelo grupo ou núcleo e onde permanecerão até serem comercializadas. Após coletadas e beneficiadas, as sementes são armazenadas a 17°C na Casa, onde permanecem até o momento certo de comercialização. A temperatura é mantida com auxílio de um ar-condicionado e um desumidificador, e patógenos e pragas são controlados. As principais funções dos responsáveis pela Casa de Sementes são: 1) verificar se o lote de sementes foi identificado; 2) conferir se as sementes foram corretamente beneficiadas; 3) pesar as sementes e registrar os valores; e 4) 49

armazenar e monitorar o lote de sementes, verificando se estão no padrão de qualidade e se não apresentam problemas (URZEDO, 2016). O sistema de coleta, manejo e armazenamento das sementes é amplamente divulgado pela RSX e, sempre que possível, no decorrer de encontros e reuniões, são distribuídos folders, cartilhas e material de divulgação com esquemas e ilustrações que facilitem a compreensão sobre o processo (Figura 7).

Figura 7. Material de divulgação produzido pela Rede de Sementes do Xingu para demonstrar às coletoras a Dinâmica de funcionamento da Rede. (Fonte: Site oficial Associação Rede de Sementes do Xingu. Acesso: http://sementesdoxingu.org.br/site/wp-content/uploads/2014/09/banner2.jpg).

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1.6 Muvuca de sementes e muvuca de gente

A principal técnica utilizada para a restauração florestal, baseada na matéria prima fornecida pela Rede de Sementes do Xingu, é a semeadura direta de sementes. As experiências demonstradas por esse método, por meio da utilização de maquinários agrícolas ou até mesmo à mão, dependendo da espécie, evidenciam uma melhor adequação à realidade local (SÁ et al., 2017). Os baixos custos da mecanização do plantio, associados à ampla experiência dos agricultores no uso desse sistema, permitiram a implementação da técnica apelidada como muvuca de sementes6 (Figura 8), por misturar sementes de diferentes espécies nativas (são mais de 80 espécies) para a restauração de áreas degradadas e, assim, criar-se uma verdadeira floresta (ISA, 2017). Além disso, como pondera o autor, sementes de muvuca não crescem com a mesma força e intensidade caso não recebam o manejo e planejamento adequados, trabalho que é feito dentro da Rede.

Figura 8. Sementes de diferentes espécies que foram coletadas pela Rede de Sementes do Xingu (esquerda), as quais depois de misturadas compõem a muvuca (direita). Fotos: Milene Alves Oliveira.

Os plantios convencionais, que utilizam mudas, resultam em cerca de 1.600 árvores por hectare, sendo que no sistema de muvuca cada hectare resulta em mais de 5.500 árvores (HARARI, 2017a) e os custos do plantio direto são menos da metade do sistema convencional (FREITAS et al., 2019). Basicamente, no processo da muvuca, são utilizadas sementes de 15 a

6 A muvuca começou a ser disseminada no Brasil pelo trabalho do grupo “Mutirão Agroflorestal” com Ernst Göstch na década de 1980 e 1990. Consiste na semeadura direta baseada na mistura de sementes de diversas espécies nativas (geralmente mais de 30, incluindo pioneiras e não-pioneiras), juntamente com algum substrato (areia ou terra úmida). O plantio pode ser mecanizado ou manual e, para acelerar o processo de recolonização do solo e criar condições microclimáticas propícias ao desenvolvimento das espécies nativas, são incluídas sementes de algumas espécies exóticas anuais não invasoras (como o Feijão de Porco, Feijão Guandu e a Crotálaria) (PIETRO-SOUZA; SILVA, 2014). 51

75 espécies de árvores nativas e adicionadas sementes de outras espécies, algumas exóticas (espécies não-nativas), que favorecem a adubação-verde, como o feijão-de-porco, o feijão- guandu e a crotalária (CAMPOS-FILHO, 2017). A quantidade de sementes de cada espécie deve ser cuidadosamente calculada e misturada com areia, em uma betoneira, sendo em seguida utilizadas as mesmas plantadeiras que são normalmente utilizadas para semear a soja, com alguns ajustes para o tamanho das sementes (CAMPOS-FILHO et al., 2013). Alguns critérios e papéis precisam ser seguidos e estabelecidos dentro da rede. As coletoras, além de se responsabilizarem pela qualidade, pela busca de conhecimento e identificação das espécies das quais coletam as sementes, devem conservar as florestas ciliares que se encontram em suas propriedades; já a determinação dos horários e do tempo dedicado ao trabalho de coleta, bem como a quantidade de sementes por coletor, fica a cargo dos próprios núcleos e grupos coletores (URZEDO et al., 2016). As coletoras também precisam entregar até o mês março de cada ano a “lista de potencial de coleta de sementes”, gerada a partir da demanda pelas espécies. Elas elaboram a lista usando como referência as produções de anos anteriores. Cada coletora e coletor é instruída/o a deixar no mínimo 30% dos frutos nas árvores, além da necessidade de coletar na maior quantidade possível de matrizes, de modo a respeitar princípios ecológicos, garantindo a dispersão natural das árvores, a alimentação da fauna nativa e também a variabilidade genética das sementes que serão comercializadas e plantadas em áreas a serem restauradas (CAMPOS-FILHO et al., 2013). Uma personagem é essencial para o funcionamento da organização: o “elo”. Essa coletora ou coletor recebe o nome de “elo”, porque é responsável por diversas funções, como acompanhar os pedidos e as entregas de sementes, conferir a qualidade das sementes antes da entrega à Casa de Sementes, orientar e manter uma comunicação horizontal entre o coletor e a Rede, repassando notícias e decisões tomadas durante encontros e reuniões da ARSX, além de promover encontros e reuniões entre as coletoras do seu grupo (URZEDO et al., 2016). No capítulo 5, iremos explorar melhor questões relativas ao papel do elo, exemplificando mulheres coletoras encarregadas de exercer essa função e destacando uma discussão em torno da comunicação. Apesar do foco da Rede ser na produção de sementes nativas, ao longo da pesquisa observamos também o uso de sementes de algumas espécies exóticas em assentamentos rurais, como abóbora e mamão, que em algumas situações complementam a muvuca, principalmente para promover a atração de animais dispersores de sementes para a área do plantio da muvuca. O processo de restauração de áreas degradadas, não raro, pode ser feito também pelas próprias coletoras, sendo que algumas até plantam em seus quintais ou áreas próximas que foram 52

desmatadas e se sentem muito orgulhosas com os resultados alcançados, fazendo questão de mostrar aos visitantes as áreas por elas restauradas. Dentro da dinâmica da Rede, o Território Indígena do Xingu é concebido como um dos núcleos de coleta. Assim como as outras coletoras, as indígenas são responsáveis por identificar e localizar as matrizes corretas para servirem como pontos de coleta, pela análise de qualidade da além de coletar e realizar o manejo das sementes. Normalmente cada aldeia armazena as sementes em suas próprias casas, mas também há as casas de sementes nas aldeias principais. O transporte pode ser mais demorado, pois normalmente é preciso primeiro atravessar as sementes de barco para depois chegarem em terra em firme. A lista de potencial de coletas dos indígenas obedece a critérios estabelecidos pelos próprios povos, como por exemplo, o fato de que eles só coletam aquelas espécies que não são endêmicas7 ao Parque (SÁ, 2017). Segundo o autor, assim como em núcleos coletores urbanos e rurais, as/os indígenas também são representadas/os por elos em cada aldeia, o que contribui para aumentar a comunicação com as coletoras, com as lideranças indígenas, com os diretores da ARSX, com a equipe do escritório de Canarana que processa os pagamentos resultantes das vendas, e até com os próprios produtores rurais (Figura 9).

Figura 9. Esquema que resume parte da dinâmica da Rede no TIX.

7 Espécies endêmicas são aquelas que só ocorrem em uma determinada região. 53

1.7 Considerações do capítulo

Quando entendemos os processos que levaram à colonização do TIX, diretamente ligados à expansão da até então “fronteira agrícola” rumo ao “vazio demográfico”, percebemos que a RSX é uma rede complexa, com grupos de pessoas de realidades distintas, mas que acabam conectados por algumas semelhanças históricas, geográficas, geracionais, socioeconômicas e culturais. As diferenças e nuances entre os grupos coletores se mostram promissoras ao efetivarem o trabalho de coleta de sementes, visto que existe um intenso processo de valorização e adaptação de técnicas a partir da realidade de cada povo ou grupo. Desta forma, compreender e respeitar a diversidade sociocultural na qual é formada a dinâmica da Associação Rede de Sementes é inquestionavelmente importante para o funcionamento do trabalho de coleta tal como ocorre atualmente. Além disso, de todo esse trabalho, da campanha Y’ Ikatu Xingu até aqui, podemos concluir que os resultados têm sido positivos e promissores, o que também leva a crer na possibilidade de que esse modelo de base comunitária possa ser expandido em escalas ainda maiores, a partir de articulações mais efetivas com outros grupos de outras regiões do país e até mesmo com tomadores de decisão.

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CAPÍTULO 2:

TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS ECONÔMICAS E TECNOLÓGICAS DO TRABALHO DAS COLETORAS

INTRODUÇÃO

Este capítulo tem como base as entrevistas de mulheres coletoras que nos relataram histórias e responderam perguntas relacionadas às trajetórias coletivas e individuais na Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX). O objetivo foi entender o que as motivou a ingressar no trabalho e qual seria o significado da coleta de sementes na vida delas, de modo individual e coletivo, e também na perspectiva familiar em termos de renda e emancipação. Elas também nos relataram sobre as principais técnicas utilizadas e inventadas, bem como os usos e adaptações de tecnologias no processo de coleta, manejo e beneficiamento de sementes. Introduzimos algumas discussões acerca das teorias contemporâneas dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (ESCT), baseadas principalmente em Winner (2010), Pfaffenberger (1988), Latour (1993), Feenberg (2005 e 1996), Baumgarten (2008) e Tait e Dagnino (2011) e Dagnino (2010). Percebemos que a RSX se organiza a partir de uma lógica de trabalho e produção coletiva e de cooperação. O seu funcionamento pode ser entendido a partir da proposta inovadora da Tecnologia Social (TS), baseando-se em um modelo que busca, primeiramente, solucionar um problema – no caso, de ordem socioambiental – mas sem colocar o lucro como premissa (DAGNINO, 2010). Tal como observado pelo referido autor, para esta pesquisa nós estabelecemos uma associação desses estudos com a questão econômica, em seu aspecto mais amplo, ao entendermos que a atividade de coleta e comercialização de sementes para iniciativas de reflorestamento e restauração de áreas degradadas podem servir como uma alternativa viável à chamada Tecnologia Convencional (TC) ou capitalista. Ao longo deste capítulo, também defendemos a tese de que a ARSX se encaixa em um exemplo de empreendimento da chamada Economia Solidária, conceito que está interligado com o anterior (TS) e demonstra que iniciativas como essa se organizam a partir de uma administração mais democrática de autogestão do que no modelo econômica convencional, que é essencialmente capitalista, hierárquico e baseado na heterogestão (SINGER, 2002). Dentro dessa perspectiva, também emprestamos conceitos feministas que serviram como um fio 55

condutor de alguns dos tópicos, de forma a aprofundar a tese de que a economia solidária está diretamente ligada à crítica feminista sobre a questão econômica (FARIA; MORENO, 2012). Tomamos como premissa a noção de que os discursos das mulheres coletoras da Rede fazem parte de uma construção social - que não é inerente à natureza -, com componentes históricos aos quais culturas, gêneros, raças, classes, sexualidades, grupos religiosos etc., estão inseridos (HARDING, 1991). Portanto, considerando a existência de inúmeros “pontos de vista femininos” - como afirmou Harding (1991) e outras autoras da epistemologia feminista - ao longo do capítulo e de toda a dissertação tomamos o devido cuidado para não romantizar as falas dessas pessoas, muito menos torná-las verdades absolutas e inquestionáveis.

2.1 As trajetórias de trabalho das coletoras no âmbito rural

Em Bom Jesus do Araguaia-MT, um município de aproximadamente 5.300 habitantes (IBGE, 2010b), no assentamento Macife, um Projeto de Assentamento (PA) Federal criado sob a responsabilidade do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Sra. Odete S. Barbosa, hoje uma das coletoras mais idosas e mais antigas da Rede, com 77 anos, foi uma das responsáveis por articular o primeiro grupo de coletores do local. Sentada em uma cadeira de fios na varanda de sua casa e com vista para um morro, Dona Odete, como é conhecida, nos contou que foi em 2010 que descobriu, por meio de um funcionário do ISA (Instituto Socioambiental), o projeto de restauração de áreas degradadas que usava sementes de espécies nativas para os plantios. “Ficaram sabendo que eu estava com um viveiro e com vontade de plantar nas APPs [Áreas de Proteção Permanente]. Chegaram aqui e apresentaram o projeto. Me deram um treinamento de um dia, sobre os critérios do coletor, o que tinha que fazer com o sabugo, o jeito de secar a semente...”. Após aquela etapa, D. Odete ficou encarregada de conversar com outras famílias do assentamento para apresentar o projeto e, posteriormente, formar um núcleo coletor. “Foi muita gente na reunião; no fim eu consegui um grupo bom. Entrou inclusive quem nem queria no começo e agora já entrega bastante semente”. A coletora Eliane Righi (Figura 10), 35 anos, reside em Bordolândia, um assentamento que conta com aproximadamente 300 famílias, localizado no município de Serra Nova Dourada. Oficializada em 2009, Bordolândia é caracterizado como um Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), um tipo de projeto estabelecido para que seja possível realizar atividades focadas na sustentabilidade ambiental para populações tradicionais, como ribeirinhos e comunidades extrativistas (EMPAER, 2015). A história da Rede na vida de Eliane tem relação com o processo de ocupação do assentamento que estava com um projeto de recuperação de APPs. Naquela época, uma das diretoras da RSX era membro da Comissão 56

Pastoral da Terra (CPT) e convidou os assentados para uma reunião. “Ainda tava construindo a nossa casa aqui e meu marido falou, ‘Você vai fazer o que lá? Perder tempo? Não. Tem que fazer almoço pro pedreiro’; e eu respondi, ‘Não quero nem saber, me leva lá e na hora que acabar eu ligo pra você me buscar’. Eu fui na reunião e conseguimos formar 12 [pessoas]. Ela [a diretora da RSX] preparou o projeto, mandou e ele foi aprovado, mas tinha que ir pra Brasília pra apresentar. E naquele tempo eu não conseguia nem conversar direito, tinha muita vergonha mesmo, mas eu falei, ‘Uai, ninguém quer ir? Então eu vou’. Cheguei lá e consegui”. Foram dois anos de projeto com 18 famílias, mas dessas 18, apenas 10 continuaram. Desse modo, surgiu a ideia de Eliane em prosseguir com os trabalhos que tivessem foco na recuperação de áreas degradadas. Depois que descobriu a Rede, ela nunca mais se desvinculou da atividade. Eliane também é elo8 do grupo de coletores de Bordolândia desde o início e considera o trabalho desafiante. “É muita responsabilidade, porque tem que estar ali pra receber a semente, checar pra ver se está tudo certo e tirar o seu tempo pra pesar tudo. Claro que também toma tempo do coletor, que tem que coletar e limpar, mas se eu fosse só coletora era mais fácil. Eu entregava e pronto”. Eliane também tem dois filhos pequenos que ainda estão aprendendo sobre a dinâmica de coleta, mas, mesmo assim, ajudam no trabalho. A mais velha já sabe ler e escrever e o mais novo tem aproximadamente quatro anos. Ambos já aprenderam os nomes das árvores cujas sementes são coletadas por sua mãe. “Outro dia a gente tava pesando, ela [a filha] tava marcando numa folha [o peso] pra gente passar pro caderno. Então um faz a marcação, o outro ensaca a semente, outro pesa, e assim um vai ajudando o outro. Ele mesmo [filho] gosta muito de limpar sementes de abóbora”. Eliane mencionou que o sonho da filha é ter um celular, então aproveita a oportunidade para mostrar o quão difícil e oneroso pode ser adquirir esse bem material e incentiva a participação da filha nas atividades relacionadas às sementes, valorizando o trabalho e o retorno financeiro dos esforços empreendidos. Concordamos com Eliane ao afirmar que o trabalho de coleta não é uma tarefa simples. Para que a coleta seja realizada de forma eficaz e efetiva, as mulheres do campo precisam entender sobre os diversos processos da natureza, como a época de frutificação e floração de cada espécie de árvore, por exemplo. Além disso, é necessário que estejam atentas sobre o fato de que, durante a seca nessa região, as florestas geralmente produzem mais sementes, mas é também um período onde os trabalhos no campo costumam ficar mais intensos, o que pode

8 O elo tem a função de registrar e divulgar as experiências do núcleo, acompanhar os pedidos e entregas de sementes, zelar pela qualidade das sementes, manter e garantir o contato coletor-Rede. Fonte: http://www.sementesdoxingu.org.br/site/funcoes-elos/ 57

inviabilizar a coleta (DA COSTA et al., 2014). Por isso, para conseguirem conciliar os trabalhos, tanto domésticos quanto rurais, com a coleta de sementes, elas necessitam de planejamento e organização do tempo. Desse modo, podem garantir a possibilidade de coleta e a entrega das sementes que estão inseridas na lista de potencial com a qualidade desejada.

Figura 10. Coletora Eliane Riggi, do assentamento Bordolândia, no município de Nova Serra Dourada.

A Sra. Valdivina Martins de Oliveira, 50 anos, é moradora do assentamento Banco da Terra, em Nova Xavantina-MT, e iniciou os trabalhos como coletora em 2013. Ela demostrou ter uma conexão antiga e familiar com a terra, algo que a motivou a participar desse trabalho. “Toda vida eu gostei muito, desde criança. Nunca estudei sobre o assunto [formalmente], mas sempre morei e trabalhei em fazenda e gosto muito de plantar. Meus pais também são agricultores, então pra mim trabalhar com sementes é muito natural”. A coletora e elo, Sra. Cleuza Nunes de Paula (Fig. 11), de 56 anos, também é moradora do PA Macife (Figura 6), localizado a 346 km de distância do assentamento de D. Valdivina. Neta de uma mulher Xavante e fluente na língua indígena, D. Cleuza ingressou na Rede em 2010 a convite da amiga D. Odete, do mesmo assentamento. Cleuza concorda que o trabalho com as sementes pode ser comparado com as atividades da roça que realizava com os pais e irmãos. “Eu me interessei porque era uma coisa que eu já fazia desde sempre. Eu já plantava de tudo, cuidava e conhecia as plantas. E quando eu vi aquele trabalho com as sementes, eu aceitei na hora”. A realidade das mulheres de assentamento entrevistadas está envolta em um histórico de programas de reforma agrária. Apesar de tais programas terem auxiliado na conquista por direitos da terra e na regularização de moradias rurais com base em princípios de solidariedade 58

e contrários ao modelo hegemônico do agronegócio (CEREGATTI et al., 2015), alguns assentamentos acabaram também intensificando o processo de desmatamento na Amazônia Legal (FARIAS et al., 2018). A Sra. Conceição de Oliveira Fonseca (Figura 11), 76 anos, também do Macife, ao ingressar na RSX, acreditou que seu trabalho, além de auxiliar na geração de renda extra, ajudaria a recuperar as florestas. “Todo mundo tava entrando e a gente se interessou. Falei, ‘Vamos catar sementes, vai ter um dinheiro a mais e é pra reflorestar’. Mas pra mim era mais o interesse de não acabar a floresta, porque quando a gente entrou aqui já tinha que desmatar. Se não desmatava, não ganhava a terra pra plantar”. A fala de D. Conceição vai de encontro com o que ocorreu no início dos anos 1970, quando o processo de ocupação das terras incentivado pelo INCRA (Instituto nacional de Reforma Agrária) era baseado no imediato desmatamento, de modo a garantir a posse da área, levando à uma política descontrolada de uso e ocupação da terra (WOOD et al., 2003; LOUREIRO; ARAGÃO PINTO, 2005). Tentando corrigir os erros daquela desastrosa ocupação dos tempos antigos, iniciativas como a dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) e dos Projetos de Assentamentos Florestais (PAF), modalidades de assentamento baseados no extrativismo, na agricultura familiar, no manejo florestal múltiplo e nos sistemas agroflorestais, estavam voltados a reduzir os impactos ambientais e as áreas degradadas nos assentamentos (INCRA, 1999; 2003). A própria RSX surgiu também como uma alternativa aos assentados, como evidencia a fala de D. Conceição.

Figura 11. D. Conceição (à esquerda) e D. Cleuza (à direita), em suas respectivas propriedades. Foto: Autora.

Ao longo das entrevistas, percebemos que, além do próprio retorno financeiro, a proximidade e intimidade delas com os modos de vida historicamente ligados à realidade rural, 59

como o trabalho de subsistência do “plantar para colher”, pode ser justificado como um dos principais motivos para algumas delas terem se interessado em ingressar na ARSX. Mesmo assim, com base na pesquisa, concluímos que o processo de ingresso na Rede foi algo exatamente “natural”, devido a uma suposta “forte ligação inerente” com a terra. Sugerimos aqui que as divisões históricas de gênero e território, além das condições socioeconômicas e de trabalho podem estar mais relacionadas a uma maior conexão das comunidades rurais, e principalmente das mulheres, com essas questões ambientais (CEREGATTI et al., 2015). Apesar de algumas práticas rurais ainda serem consideradas insustentáveis - como coletas e queimadas descontroladas -, sempre houve uma preocupação em preservar a biodiversidade local a partir de práticas sustentáveis, como por exemplo, o rodízio de culturas, o uso de práticas de controle biológico e de adubação orgânica (BRANDEMBURG, 2010). Além disso, o referido autor lembra que, “em muitas situações, a agricultura familiar desenvolveu técnicas e acumulou experiências de manejo de recursos naturais em consonância com as leis de reprodução do ambiente natural e que foram ignoradas mais tarde por pesquisadores” (BRANDEMBURG, p. 420, 2010).

2.2 As trajetórias de trabalho das coletoras no âmbito urbano

A coletora Sra. Vera Alves da Silva, 47 anos, moradora da zona urbana de Nova Xavantina - cidade de 20 mil habitantes localizada na região leste do de Mato Grosso - foi criada na roça quando jovem. Apesar de morar há anos na cidade, o contato com o ambiente rural foi também um dos fatores que a atraiu para o trabalho na rede. “Eu andava muito com o meu pai e sempre perguntava pra ele o nome das árvores e pra que que servia cada uma, e ele passava o conhecimento dele pra mim. Então eu peguei amor pela natureza desde o princípio”. D. Vera descobriu a Rede em 2013, por meio de um amigo, que na época era um dos elos da Rede, e havia pedido ajuda para limpar algumas sementes. A coletora gostou tanto do trabalho que, logo em seguida, pediu para fazer parte do grupo. “E como agora eu tô na rede, o amor parece que dobra, e a gente tem mais cuidado com as plantas”. A filha de D. Vera, Milene Alves de Oliveira (Fig. 12), é uma das coletoras mais jovens da Rede, com apenas 19 anos. Estudante do curso de Ciências Biológicas da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso), campus de Nova Xavantina, ela embarcou no projeto junto com a mãe, ainda aos 14 anos, e já um ano depois tornou-se responsável pela 60

Casa de Sementes9, onde permaneceu na função até 2018. Em 2014, Milene foi convidada para participar de um curso sobre a qualidade de sementes na UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos), em Sorocaba (SP), e outro de mesmo tema na ESALQ-USP (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”), em Piracicaba (SP). “A experiência marcante foi o carinho das pessoas que eu nem conhecia, mas que acolheram a gente. Eu nunca tinha saído longe de casa sem a minha mãe e foi a primeira vez que eu viajei de avião e que eu conheci uma cidade universitária, que é bem grande, quase uma cidade. Não deu pra acreditar que eu estava lá. Foi muito bom”.

Figura 12. Milene é responsável pela Casa de Sementes, onde detém a função de verificar os pedidos, realizar a pesagem das sementes e verificar se estão todas conforme os critérios pré-estabelecidos. Foto: Autora.

Segundo Milene, a decisão de ingressar no curso de Ciências Biológicas estava diretamente ligada ao trabalho com a Rede. “Em 2016, para ajudar no meu desenvolvimento na Rede e na universidade, eu entrei no Laboratório de Ecologia Vegetal [LABEV/UNEMAT]. Antes eu sabia os nomes populares das espécies, mas não sabia os científicos. Eu fui lá pra aprender e fiz o meu primeiro projeto de pesquisa com uma espécie que era problemática [baixo percentual de germinação nos plantios a campo], então foi um marco na minha trajetória, desvendar esse mistério. A gente viu porque que ela não nascia: a semente estava sendo

9 Ambiente climatizado onde são armazenadas as sementes (já beneficiadas) entregues pelas coletoras e coletores da ARSX. A Casa de Sementes conta com o auxílio de um coletor que fica responsável pela pesagem das sementes e cuidados no armazenamento antes do envio para a sede da RSX em Canarana, que cuida da comercialização e envio das sementes aos compradores. 61

coletada antes da hora”. A empolgação de Milene com o resultado de sua primeira pesquisa científica foi enorme, pois ela observou claramente que a ciência pode ser também uma ferramenta útil para ajudar as pessoas a solucionarem problemas. Depois disso, além de apresentar seus resultados em eventos científicos (e.g., IX Semana Científica da UNEMAT de Nova Xavantina) ela também fez questão de apresentar os resultados às coletoras, usando sempre uma linguagem acessível e ilustrações, de modo a garantir que a ciência por ela produzida chegasse aos interessados finais. A comercialização da espécie por ela estudada (Cecropia pachystachya Trécul - Urticaceae), popularmente conhecida como embaúba, havia sido cancelada na Rede devido ao insucesso na germinação durante os plantios. Após a resolução do problema e a descoberta da Milene de que as sementes estavam sendo coletadas prematuramente, as coletoras passaram a fazer a coleta na época certa; a semente retornou à lista de espécies para coleta e comercialização e isso contribuiu diretamente para ampliar a renda das coletoras. Milene se sente orgulhosa por ter contribuído com algo que beneficiou a todas as coletoras e coletores, inclusive a ela. A coletora Roberizan Marques Pereira Tusset, 47 anos, de Nova Xavantina, envolveu- se com o trabalho por influência do marido, Vilmar, que contou a ela sobre a novidade. “A gente tem um sítio no [assentamento] Banco da Terra. Meu marido estava lá e foi numa reunião com o pessoal da Rede e eles convidaram algumas pessoas pra ser coletor”. A familiaridade que ela já tinha com a questão rural e ambiental foi fundamental para que o interesse pudesse se concretizar na ação. “Decidi participar porque como ele é meu marido, a gente faz as coisas junto, né? E como gosto muito de árvore, meio ambiente, essas coisas, eu disse ‘opa, vou junto’”. Roberizan é graduada em Ciências Biológicas pela UNEMAT e é especialista em Ecologia do Cerrado e Gestão Pública. “Isso me ajudou bastante, porque era uma coisa que eu já gostava. Aí como dá dinheiro também, ajudou as duas coisas”. Enquanto o processo de coleta das mulheres urbanas ocorre, em sua maioria, dentro do território das cidades onde habitam, as mulheres rurais já têm, normalmente, maior contato com árvores e sementes provenientes de reservas ambientais, ou mesmo de seus próprios lotes e propriedades. Mesmo assim, as coletoras urbanas, apesar de apresentarem um contato com a terra menos intensivo e frequente em comparação com as coletoras rurais, apresentaram discursos que evidenciam uma conexão com questões rurais, agrícolas ou ambientais, muitas vezes transmitidas pelos avós ou pais. Nesse caso, a transmissão de saberes entre gerações serviu de base e incentivo para o ingresso na Rede (ver capítulo 5 e considerações finais).

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2.3 As trajetórias de trabalho das coletoras no âmbito indígena

Entre os povos indígenas do TIX (Território Indígena do Xingu) estão algumas das coletoras e coletores mais antigas/os da Rede de Sementes do Xingu. Tal fato pode ser justificado pela percepção que tiveram, há anos, sobre as mudanças nos sinais da natureza, que entendem ser ocasionadas pelo agronegócio predatório (PARA ONDE..., 2016), como veremos mais detalhadamente nos capítulos 3 e 4. Além disso, a tradição agroextrativista da maior parte dos povos indígenas membros da Rede, tanto do TIX quanto dos outros territórios, é também um indicativo de uma relação mais antiga com os recursos da terra, a partir dessa atividade que é considerada sustentável, porque geralmente respeita os limites naturais (PARET, 2012). As mulheres e jovens se destacam pelo modo de organização e pela quantidade de envolvidos no trabalho com a coleta e beneficiamento das sementes. Como apontado no capítulo 1, os cinco povos que trabalham com a coleta de sementes dentro do TIX - Kawaiwete, Wauja, Matipu, Yudja e Ikpeng - correspondem a 40% das coletoras e coletores da Rede (RIBEIRO, 2018), além das terras indígenas Marãiwatsédé (Xavante), Panará (Panará) e Pimentel Barbosa (Xavante), que também têm representação bastante expressiva, principalmente se nos reportarmos às mulheres coletoras. Makawá Ikpeng, moradora do TIX, aldeia Moygu, no Médio Xingu, é cantora, artesã e parteira, e é também uma das líderes do Movimento de Mulheres Yarang (MMY). Yarang, na língua ikpeng, significa formiga-cortadeira, também conhecida como saúva ou lavapé. O relato de Makawá foi realizado na língua ikpeng e traduzido em português pelo sobrinho, Oremê Ikpeng, de 26 anos, que é técnico institucional da Rede e elo do MMY. Segundo Oremê, Makawá afirmou que “o nome ‘Yarang’ é porque as formigas cortadeiras estão sempre andando juntas, colhendo folhas, sementes e guardando tudo na casa. As coletoras também fazem isso e todo mundo anda sempre junto”. Antes de ingressar na Rede, o sobrinho explicou que Makawá já tinha grande conhecimento sobre sementes, porque desde jovem coletava as espécies locais para o plantio de roça. De acordo com a tradução de Oremê, a líder das Yarang afirmou que a iniciativa das mulheres para coletar sementes para restaurar áreas degradadas ocorreu em 2009, a partir da proposta do irmão, genro e cunhado da coletora, que são técnicos e agentes de manejo florestal. Segundo a tradução, um dos motivos que fez com que as coletoras se juntassem para o trabalho com as sementes foi o retorno financeiro, que provou ser de suma importância para estimular outras coletoras a posteriormente ingressarem no trabalho. Elas passaram a participar de oficinas e encontros da Rede e receberam materiais para a coleta. Isso fez com que outras 63

coletoras ficassem curiosas, começassem a se interessar e se envolver nessa atividade. A primeira líder do Movimento de Mulheres Yarang foi a mãe de Makawá e avó de Oremê, Ayré, uma anciã respeitada na aldeia. Depois que Ayré já não tinha mais condições físicas para coletar, as outras coletoras se reunirem e decidiram que Makawá assumiria o papel de líder, o qual ela aceitou. Durante uma das dinâmicas realizadas no último Encontro da Rede de Sementes do Xingu, em julho de 2019, que consistia em se imaginar entrando em um barco no meio de um rio, Makawá e as outras Yarang realizaram uma performance inusitada, que gerou aplausos dos participantes: elas engatinharam todas juntas até o “barco imaginário”, imitando o movimento das formigas-cortadeiras, o que evidenciou parte do engajamento e da relação identitária que elas têm com os seres da floresta, confirmados também durante as entrevistas. Não há dúvidas sobre a estreita relação dos povos indígenas do Xingu – e de outras terras indígenas – com as plantas e animais da natureza e sobre o conhecimento tradicional que eles têm a respeito de espécies florestais, sendo a inserção desses povos nas atividades e iniciativas da Rede de Sementes do Xingu compreensível. Como explicita o antropólogo Viveiros de Castro (1996) sobre o perspectivismo ameríndio, observa-se uma intensa convivência e interação de povos ameríndios - como é o caso dos xinguanos - com seres não humanos (animais, plantas, espíritos…), sendo consideradas como relações sociais e comuns a diversos povos da América Latina. Além disso, a economia indígena é tradicionalmente relacionada a atividades de subsistência de forma muitas vezes “sustentável” justamente por uma profunda interdependência que exercem com o mundo natural (LUCIANO, 2006). Mas o fato que merece destaque aqui é o elemento que despertou inicialmente o interesse das indígenas em se engajarem nessa trajetória da Rede: o retorno financeiro gerado pela comercialização das sementes (discutido mais amplamente no item 2.4). Nosso entendimento é de que o contato de indígenas com a cultura dos colonizadores e os processos de desenvolvimento, geraram mudanças de comportamento, de usos e de costumes que muitas vezes exigem articulações monetárias, e também a busca dos próprios indígenas por autonomia financeira. Essa busca pode ser ampliada para um escopo que engloba mais de um milhão de povos indígenas brasileiros e também justifica-se pela ausência de políticas ambientais que corroboraram com a perda de direitos, à crescente onda de violência e extermínio dos povos por parte de latifundiários e outros, bem como a pressão de mineradoras e construção de usinas hidrelétricas (PEDUZZI, 2018). Além disso, corroborado pela desigualdade social – consequência do tão sonhado “projeto de desenvolvimento” das economias dominantes (ESCOBAR, 1995) – grande parte das populações indígenas vive hoje em situação de pobreza, com dificuldade em conseguir 64

emprego e tendo como uma das principais fontes de renda apenas o artesanato (que não é suficiente para suprir outras demandas do dia-a-dia), além do acesso escasso e precário aos serviços de saúde e educação (PAIVA; HEINEN, 2017). Se a situação de vida das mulheres indígenas da Rede pode ser comparativamente melhor a outros povos em termos de direitos básicos – principalmente se comparadas a aqueles povos que vivem em cidades, ou mesmo em aldeias, em situação de extrema vulnerabilidade social e não têm outras alternativas de geração de renda –, não podemos descartar o fato de que o dinheiro das sementes tem um peso consideravelmente relevante na trajetória de ingresso das indígenas na Rede. Por isso, também julgamos necessário ressalta que as/os indígenas “têm, comparativamente, um alto grau de interesse e de compreensão quanto à disponibilidade futura de recursos naturais. Será sempre mais fácil convencer uma comunidade indígena, do que as frentes predatórias, sobre a importância da preservação da biodiversidade” (RICARDO, 2004, p. 12). É importante, sim, fugirmos de qualquer generalização e estereótipo que insira todo e qualquer povo indígena como “grandes guerreiros defensores da natureza”, mas não podemos esquecer que a conexão com os elementos naturais é amplamente evidenciada pelos povos inseridos na RSX, visto que todos residem em terras indígenas e estão, cotidianamente, inseridos mais próximos às realidades das florestas, dependendo diretamente de seus recursos.

2.4 Geração de renda e emancipação econômica

Em termos de atividades econômicas, a região Araguaia-Xingu é historicamente ligada à exploração dos recursos da natureza e é essencialmente baseada no agronegócio de grande escala, como explicitado no Capítulo 1. Se considerarmos as cadeias produtivas da soja, milho e algodão, a região nordeste de Mato Grosso, onde estão inseridos os principais municípios que fazem parte da Rede de Sementes do Xingu, representa 15% do total da área plantada no estado e 16% do rebanho bovino (IMEA, 2017). A partir desse padrão de “produção de bens e serviços baseados no setor primário, muito intensivos no recurso terra, de escasso valor agregado e escassa diversificação”, criou-se um verdadeiro monopólio da agropecuária nos municípios da região, o que contribuiu negatividade para o aumento da concentração de produção e renda em alguns lugares e, consequentemente, maior desigualdade na distribuição de renda (PARET, 2012, p. 25). No âmbito da área de atuação da Rede de Sementes do Xingu, podemos destacar os municípios de Canarana e Querência, geograficamente mais próximos do Território Indígena do Xingu, como detentores do maior PIB (Produto Interno Bruto, que é a soma de riquezas geradas por produtos e serviços 65

finais de uma região ou país) per capita (PIB dividido por número de habitantes), com R$ 50.430,17 e R$ 75.163,71, respectivamente, e os municípios de Nova Xavantina e Serra Nova Dourada - que visitamos durante a nossa pesquisa -, como os de menor PIB, com R$ 25.790,65 e R$ 23.576,94, respectivamente; o PIB per capita de Mato Grosso, como um todo, foi estimado em R$ 28.007,75 (IBGE, 2010b). Entre 2007 e 2017, a Associação Rede de Sementes do Xingu gerou mais de R$ 2,5 milhões com a comercialização de sementes (URZEDO et al., 2017b). Esse valor é expressivo para a região, principalmente quando consideramos a categoria de agricultores familiares, para os quais, em Mato Grosso, a renda média por trabalhador/ano é inferior a mil reais e onde cerca de 75% dos estabelecimentos são considerados “quase sem-renda” (FERRO; VECHI, 2014). Nesse caso, uma renda extra no orçamento familiar pode muitas vezes representar um ganho significativo e de alto impacto na vida dessas pessoas, como no caso de D. Vera, de Nova Xavantina, que é uma das poucas que vive exclusivamente com a renda gerada pela coleta de sementes. A frequência da coleta, segundo ela, depende de quais espécies de frutos estarão maduros, o que geralmente ocorre entre maio e novembro de cada, e o lucro, consequentemente, também varia bastante. “Tem pedido que eu já ganhei muito, e teve ano que foi só R$ 3 mil. No último ano mesmo, deu só R$ 4 mil. Se eu não me engano, esse ano a quantidade do pedido foi de sete mil kg, divididos pra 13 coletoras aqui do núcleo”. A incerteza nos pedidos, que muitas vezes também dependem do quão “enérgicas” são as políticas governamentais com relação às exigências dos plantios em áreas degradadas, e as instabilidades climáticas, como em 2015-2016, quando o pior evento extremo de seca foi registrado na região (RIFAI et al., 2018), que afetam diretamente a produção de frutos e sementes das árvores, são fatores que impactam diretamente a renda das coletoras. Algumas espécies de árvores cujas sementes são coletadas pela RSX, como o jatobá, por exemplo, também podem apresentar a frutificação irregular e muitas vezes episódica, com grande produção em um ano e pouca em outro (ALECHANDRE et al., 2011). D. Odete, do assentamento Macife, lembra que, também por esse motivo, o rendimento com as sementes pode ser relativamente baixo dependendo do ano. De acordo com ela, “Em 2017, por exemplo, nós colhemos pouquinha semente e deu pra fazer quase R$ 4 mil, divididos aqui entre quatro [membros da família]. Mas esse ano, acho que o pedido vai dar bem mais, porque agora tem muito mais semente pra colher” [de acordo com vária coletoras, o ano de 2018 apresentou chuvas mais regulares em comparação com anos anteriores]. Exatamente por ser uma atividade que não ocorre mensalmente e depende de diversos fatores naturais, como os períodos de floração e frutificação das árvores, a coleta das sementes 66

geralmente precisa estar acompanhada de outras formas de geração de renda. No caso das coletoras rurais, a agricultura de subsistência não é o único trabalho. D. Odete garante a renda a partir da criação de animais (bovinos, suínos e galinhas), da produção de leite e ovos, e da venda de cana-de-açúcar, que é usada na produção de rapadura e garapa. “Eu tenho a pensão de viúva, a aposentadoria por idade, e também umas 30 cabeças de porco, 60 cabeças de gado e umas 200 cabeças de galinha de granja pequena”, reforçando que com ela reside ainda toda a família de um dos filhos. A coletora Sônia Marlei Wesolowski (Figura 13), 47, moradora do assentamento PDS Bordolândia, produz no quintal, junto com o marido, frutos como mamão, maracujá e banana, que garantem renda extra, além de trabalhar também com gado leiteiro e de corte e criação de porcos. Sônia calcula que a renda familiar chega a aproximadamente um salário mínimo e afirma estar otimista para a produção de sementes em 2019. “Ano passado, nós tiramos uns R$ 1200, agora esse ano já vai aumentar, porque a gente plantou mais feijão-de-porco”, mencionando uma das espécies exóticas que é plantada junto com as nativas no sistema de muvuca. A coleta das sementes para a Rede também é feita em conjunto com o companheiro e a divisão do dinheiro arrecadado, de acordo com Sônia, é igualitária. “A gente usa o dinheiro pra nossa terra e é tudo dividido entre nós. Se, por exemplo, o lucro da coleta deu R$ 2000, então dá R$ 1000 pra ele e R$ 1000 pra mim, porque os dois trabalham juntos”.

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Figura 13. Coletora Sônia, em sua propriedade, demonstra o processo de limpeza e secagem da semente de feijão-de-porco. Foto: Autora.

Observamos que, em geral, a maioria das coletoras está satisfeita com o preço médio das sementes e têm uma clara noção sobre o valor monetário das sementes, que variam de preço conforme o tamanho (quanto menor, mais valiosa, porque sementes pequenas têm peso muito baixo e normalmente são mais difíceis de processar) e a demanda. Elas também compreendem que, para que o trabalho seja efetivo, precisam de uma grande variedade de espécies, de modo que o valor de uma compense o da outra. Como explicou D. Vera: “Se a gente olhar só o preço, não tem como trabalhar. Pra tirar um quilo de embaúba [uma das menores em tamanho], por exemplo, é difícil, demora muito pra conseguir fazer um quilo. E pode não valer tanto o dinheiro, mas vai valer muito pra natureza. Então é tipo uma corrente, você vai conciliando, uma vai compensando a outra”. Algumas coletoras afirmaram que a renda das sementes permitiu que comprassem móveis, eletrodomésticos e até mesmo automóveis, como carros e motocicletas. Depois que uma equipe técnica visitou D. Conceição, coletora do PA Macife, e afirmou que alguns coletores haviam até comprado carro ao entrar na Rede, ela se empolgou e decidiu fazer o mesmo. “Eu fui juntando o dinheiro da semente com o da aposentadoria, guardei e coloquei no banco e fiz um consórcio. E graças a Deus, loguinho tirei o carro, paguei tudo e não peguei um centavo do filho, do marido, de ninguém”. A última renda que ela tirou com as sementes girou em torno de R$ 1800, mostrando orgulhosamente o veículo estacionado no quintal de sua casa. 68

Algumas coletoras até trocaram a antiga profissão, como no caso de D. Vera, de Nova Xavantina, que antes trabalhava como empregada doméstica. “Depois de um ano [na ARSX] eu parei de trabalhar fora e fiquei só na Rede”. Segundo a filha de D. Vera, Milene, essa decisão da mãe foi o ponto culminante para que a conexão entre ambas se fortalecesse (Figura 14): “A minha vida inteira eu vi minha mãe o dia todo cuidando da casa e do filho dos outros pra pôr comida na mesa. Depois que ela saiu do serviço pra entrar na Rede foi muito bom, porque a gente começou a trabalhar junto. A Rede me deu minha mãe de volta e trouxe esse conforto”.

Figura 14. Mãe e filha, D. Vera e Milene, trabalham juntas na coleta. Foto: Autora.

Para gerar uma renda extra, D. Vera passou a trabalhar com a extração de polpa de frutos das espécies que coleta para a Rede (Figura 15), como o pequi (Caryocar brasiliense Cambess.) e o murici (Byrsonima spp.). “A gente vive da natureza aqui em casa de dois jeitos: aproveitando a polpa dos frutos e trabalhando com as sementes. A gente vende muita polpa de suco na feira e tudo reaproveita, mas não são todos que descobriram ou que têm paciência pra aproveitar os restos. Eu mesma já cheguei a jogar fora uns 200 a 300 kg de polpa e agora eu não desperdiço mais. Ano retrasado eu tirei a polpa de mil cajus, por exemplo”. Milene também lembra que elas já andaram vários quilômetros para coletar murici. “Quando a gente começou a vender na feira a gente vendia por R$ 2 a meio litro de polpa, aí o pessoal começou a comprar; passaram dois anos e começamos a fazer outros sabores. Hoje a gente vende a R$ 5 o murici e R$ 4 os outros sabores, tipo caju, açaí, buriti, mangaba”.

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Figura 15. D. Vera, de Nova Xavantina, aproveita a atividade de coleta de sementes para gerar uma renda extra com venda de frutos e suas polpas, como o pequi, por exemplo. Foto: Autora.

Dona Vera Lúcia Alves de Amorim, 49 anos, é moradora do assentamento Macife, em Bom Jesus do Araguaia-MT. Quando visitamos sua casa, D. Vera Lúcia mostrou-se empolgada pelo tratamento dentário que havia sido custeado com o dinheiro das sementes. Também com o auxílio do dinheiro das sementes, a filha pôde se mudar para Goiânia - aproximadamente 870 km de distância do assentamento - para cursar Biomedicina. “O primeiro dinheiro das sementes eu comprei uma máquina [de lavar], que a gente não tinha. Aí esse último agora eu gastei no dentista, que foi bem aproveitado. E o outro eu mandei pra minha menina estudar”. Para as indígenas, foi interessante notar a menção ao dinheiro como um auxílio às mulheres para adquirir necessidades básicas, como acessórios de cozinha, alimentos e remédios, como descreveu Makawá Ikpeng, do Movimento das Mulheres Yarang. A descrição também levou em conta o senso de partilha do dinheiro, realizado de forma menos individual e mais comunitária, entre família e outros membros da aldeia. Segundo as palavras do sobrinho tradutor, que mediou nossa conversa: “Para ela [Makawá], a importância das Yarang é que elas ajudam na renda familiar, pra comprar coisas que elas não têm e que a aldeia não tem, e ajudar a reflorestar as matas (...)”. Além disso, o dinheiro também foi mencionado como uma maneira de estimular outras crianças a trabalharem com a coleta de sementes. Meixula Wauja, moradora do Alto Xingu, incentiva a filha de 5 anos a participar do trabalho da seguinte maneira: “A 70

gente fala pra ela que pega sementes pra ter dinheiro e poder depois comprar caderno, lápis, borracha, boneca, brinquedo. Por isso que ela vai ajudar”. A prática de incentivar os filhos e crianças a participarem do trabalho a partir da compensação financeira também foi observada nas falas de algumas coletoras rurais, como relatou a moradora de Bordolândia, Rosinha* (nome fictício, pois não quis se identificar), 36, sobre os filhos: “Eu conquisto eles assim, e falo, ‘filho, me ajuda, que a mãe vai comprar isso e isso; minha filha, se você me ajudar, eu te dou tal coisa e se você precisar do dinheiro eu te dou tanto’. E demorou, mas agora estão se acostumando com a ideia, porque antes era só eu que tinha que ir lá apanhar. Falei ‘se começarem a me ajudar, também vão ter uma renda e vou poder comprar coisas que vocês precisam’. É assim que a gente trabalha aqui, porque hoje em dia os meninos só querem uma coisa em troca. Falar ‘vamos lá pra luta’ era só antigamente, porque antes a gente trabalhava e não ganhava nada, mas hoje...”. A renda familiar de Rosinha está baseada na produção de leite e maracujá, mas ela menciona que gostaria de ter estudado e tido mais oportunidades de trabalho. O município de Serra Nova Dourada, por exemplo, onde fica localizado o assentamento da coletora, apresenta uma taxa de apenas 11% de pessoas ocupadas em empregos formais e um percentual de 41,2% da população com rendimento nominal mensal per capita de até 1/2 salário mínimo (IBGE, 2016). Em relação à Terra Indígena do Xingu, o encolhimento do território com a chegada do questionável “progresso econômico” na região, tem causado não somente escassez de alimentos para as populações indígenas que se veem cada vez mais reduzidas em um espaço de terra (REPÓRTER..., 2010), mas também um aumento no número de pragas e animais invasores (PARA ONDE..., 2016), como explica Oremê Ikpeng, que também é técnico em agroecologia: “Se eu não me engano, foi em 2016 que um monte de besouro atacou a floração do pequi no Alto Xingu. Eles comeram tudo, até as frutas verdes. Teve um prejuízo enorme pros coletores e isso nunca tinha acontecido antes. E como o agronegócio também está destruindo as matas e sobram só as ilhas de floresta, então qualquer tipo de animal começa a entrar no Xingu pra se esconder, e isso também aumenta a população de porco-do-mato, por exemplo, que começa a atacar as roças nas aldeias”. Esse fato, relatado por Oremê, está de acordo com o recente (2015-2016) registro do evento extremo de seca na região ocasionado pelo fenômeno climático conhecido como El Niño, que foi considerado, para aquele período, o mais intenso desde quando começaram as medições, tendo sido reportado por alguns autores como sendo um “mega El Niño” (ROSSI; SOARES, 2017). De modo geral, as mulheres coletoras com as quais tivemos contato estão, na maior parte das vezes, inseridas em um contexto (geográfico, social, histórico, racial e de gênero) que 71

tem oferecido poucas oportunidades de trabalho remunerado e alternativas econômicas sustentáveis, com atividades precárias e uma disparidade salarial de gênero ainda muito evidente (BRUSCHINI, 2007). Agravado por mudanças climáticas em curso, esse contexto específico - encontrado não apenas na região de Mato Grosso, mas em diversas outras partes do país e do planeta - pode ser um grande empecilho para que as mulheres coletoras atinjam o objetivo de se tornarem mais independentes e pode corroborar, inclusive, para o aumento ou permanência da violência e opressão de gênero. Nossa percepção sobre autonomia econômica, que será melhor delineada nos tópicos seguintes, não significa apenas o ganho material, mas também a possibilidade de ter condições para tomar decisões sobre o próprio dinheiro. A partir da renda das sementes, ao terem a chance de sustentarem a si mesmas e também quem depende delas, as coletoras colaboram para a busca por um tipo de autonomia tanto pessoal quanto coletiva que tende a beneficiar a todas. Nosso argumento é de que a coleta de sementes pode servir como uma ferramenta propícia para o combate à desigualdade econômica, ambiental e de gênero. Nesse sentido, a Associação Rede de Sementes do Xingu, por ser uma alternativa rentável, de caráter coletivo e com foco na sustentabilidade ecológica, tem a capacidade de auxiliar na geração de renda de mulheres que buscam por mais emancipação econômica, ambiental e feminina. Cabe a nós torcermos para que as incertezas climáticas não impactem essa iniciativa, causando por exemplo, a redução na produção de frutos e sementes das espécies por elas coletadas.

2.5. Economia solidária no âmbito das coletas

Como uma maneira de contrapor o atual modelo neoliberal excludente de acumulação de riquezas por meio do lucro, que concentra dinheiro nas mãos de poucos e colabora para o acirramento da pobreza e desigualdades sociais, a chamada Economia Solidária (ES) surge como uma alternativa de geração de renda (NUMIECOSOL, 2013). De acordo com Tait e Dagnino (2011), a designação da ES como conhecemos tem origem em meados dos anos 1990 e está relacionada a todas as atividades econômicas classificadas de acordo com as noções de autonomia, cooperação e gestão democrática de recursos. Para os autores, que levam em conta os dizeres da SENAES (Secretaria Nacional de Economia Solidária), a Economia Solidária pode ser encontrada em diversas empresas ou empreendimentos de caráter solidário, que 72

detenham formas de organização baseadas no cooperativismo, no trabalho associado, na autogestão e, de forma ainda mais ampla, no próprio desenvolvimento humano como um todo. Com base nessas características, que se diferenciam fortemente de um modelo de economia liberal-capitalista, a forma como se organiza a Rede de Sementes do Xingu pode ser considerada um exemplo de empreendimento dentro dos moldes da Economia Solidária (ES). Em geral, as coletoras têm a concepção de que as atividades da Rede são essencialmente coletivas/comunitárias, citando exemplos de cooperação e divisão de tarefas durante a coleta e beneficiamento das sementes, o que corrobora com a tese de que o modo de produção desse tipo de economia solidária é baseado mais na propriedade comum, gerida por um coletivo, do que no individual (SINGER, 2002). A coletora D. Vera, de Nova Xavantina, diz que “uma pessoa só não vai a lugar nenhum”. Por isso, ela acredita ser impossível trabalhar sozinha, visto que a família e os grupos coletores sempre se ajudam mutuamente. “Ali a gente planta junto e colhe junto. Enquanto uns estão colhendo o feijão, por exemplo, eu tô limpando as sementes; não só minhas, mas dos outros também. Meu menino corta o baru enquanto eu vou no mato, coleto a semente e limpo tudo pra ele. É tipo uma troca de favores e todo mundo sai feliz”. Ao levar o gênero em questão, a economia solidária também pode buscar pela valorização da luta pela igualdade de direitos entre mulheres e homens (NUMIECOSOL, 2013). Ao contrário da economia convencional, que se vê demasiadamente entrelaçada com as noções opressoras de divisão sexual do trabalho, que se configuram em uma separação entre “trabalhos femininos” e “trabalhos masculinos” e em uma relação de poder e dominação dos homens sobre mulheres, visto que os trabalhos masculinos são sempre mais valorizados, social e monetariamente (KERGOAT, 2009). Em relação ao trabalho da RSX, observamos que, por mais que haja uma divisão de tarefas entre homens e mulheres, a tendência que se vê é que tanto o trabalho de coleta feito por mulheres, quanto o realizado pelos homens, são encarados como essenciais e valorosos para o funcionamento da rede. Em algumas ocasiões, inclusive, as mulheres se destacam entre as coletoras dos grupos e ganham até prêmios, que são anunciados durante os encontros da rede (vide item 2.7). A prática de economia solidária também toma como princípio a emancipação feminina, cujos elementos apresentados abaixo também podem ser observados dentro do âmbito da Rede: “Para as mulheres, a economia solidária representa um modo de organização coletiva, que em muitos casos se integra a outras formas de organização e permite a geração de renda a partir de seus próprios saberes (...). Um grande número de experiências de economia solidária é animado por mulheres ou destinado a elas. As mulheres avaliam sua participação em grupos de economia solidária não apenas do ponto de vista da remuneração econômica. Elas valorizam o aprendizado, a convivência, a possibilidade de tratar temas como a violência doméstica ou a saúde reprodutiva. Em geral, as mulheres se sentem mais fortes, valorizadas, com maior auto-estima por seu conhecimento e sua capacidade de inovar a partir de pouco” (CEREGATTI et al., 2015, p. 48). 73

Entretanto, assim como acontece na maior parte das sociedades, o trabalho reprodutivo ainda é essencialmente delegado às mulheres coletoras, que além da coleta ainda precisam tirar grande parte do tempo para cuidar dos filhos e do lar e de outras tarefas também consideradas como “essencialmente femininas”, inclusive no quesito de proteção ao meio ambiente (PULEO, 2012). Essas questões serão aprofundadas no capítulo 3, onde, a partir de críticas feministas, resgatamos depoimentos de coletoras e pontuamos as nossas próprias observações. Uma prática também comum entre as coletoras e os coletores, e que se vale de princípios da Economia Solidária, é a troca de sementes. Partindo de uma ideia de cooperação, identificamos nos discursos que serve também para manter um bom relacionamento com os colegas, que muitas vezes são amigos ou membros da família. A troca de sementes acontece também durante os encontros anuais, onde é disponibilizado um espaço chamado de “Feira de Troca de Sementes”. No caso de D. Odete, algumas não são apenas trocadas, mas doadas. “Às vezes tem alguém que vê nosso trabalho e fala ‘nossa, eu gostaria de ajudar também, aí a gente incentiva e doa semente’. Em Iporá [GO], na minha família, eu também já troquei sementes. Eles levaram algumas daqui e eu trouxe outras de lá.” A concessão de empréstimos a partir de um microcrédito concedido pelo chamado Fundo Rotativo10 que, em parceria com a Rede, é mais um exemplo que acompanha ações de Economia Solidária e estimula o fortalecimento do trabalho de coleta. O objetivo da concessão é investir nas atividades de coleta, como beneficiamento e armazenagem de sementes, transporte, comercialização e plantios (URZEDO et al., 2016). Segundo os autores, alguns itens que entram na categoria de financiáveis podem ser “podão, bicicleta, carretinha, peneiras, bacias, máquina de extração das sementes de Baru, combustível, tesoura de poda, tambor, motocicleta, frete, lona, corda, carrinho de mão, cabo de podão, equipamento para ascensão vertical, estilingue, escada e embalagens”. Os beneficiados podem ser qualquer coletora ou coletor que cumpra os critérios de coletar corretamente, sem danificar as matrizes, sendo que o elo exerce papel fundamental na divulgação da iniciativa, ao auxiliar na elaboração do projeto de investimento e também no acompanhamento e devolução dos recursos (JORNAL…, 2012). Outra característica observada é que as nomeações da diretoria ocorrem por meio de assembleias com a participação de todas as coletoras e coletores que desejarem, durante as quais as/os diretoras/es são indicadas/os. No decorrer das assembleias, também são discutidas

10 O Fundo Rotativo é uma iniciativa criada desde o início da fundação da Rede, em 2010, para auxiliar o trabalho de coleta. O projeto é gerido pela OECA (Organização Ecossocial do Araguaia), um dos parceiros da RSX. Fonte: http://www.ansaraguaia.org.br/pt-br/projeto/crédito-popular-solidário 74

questões internas relacionadas à gestão financeira da ARSX, que funciona a partir de um modelo de autogestão - diferente do modelo de negócios capitalista convencional, que se baseia em um sistema hierárquico de forças de trabalho (SINGER, 2002). Mesmo assim, notamos que há atividades de gerência que permanecem mais restritas à diretoria e elos, principalmente quando o assunto é o sistema de comercialização e administração da Rede. Uma das entrevistadas, por exemplo, não sabia sequer qual é o destino das sementes. Esse desconhecimento pode indicar tanto uma falha de comunicação e divulgação do trabalho da Rede para alguns coletores, quanto um certo distanciamento de valores da economia solidária, e maior aproximação com o modelo de heterogestão criticado por Singer (2002). Sobre as mulheres entrevistadas, observamos que as maiores dúvidas sobre o funcionamento da Rede e sobre o trabalho de coleta estavam justamente entre aquelas que nunca participaram de nenhum encontro, curso ou oficina. Para reduzir essas dúvidas e aumentar o alcance dos gestores da RSX, a comunicação e o engajamento das coletoras, consideramos ser essencial ampliar a participação dos membros nos encontros e assembleias, de modo a garantir que em cada evento participem sempre membros antigos e também membros que nunca participaram anteriormente, permitindo um retorno positivo das ações de divulgação e comunicação dos membros. Apesar desses problemas, é preciso ressaltar que as assembleias e encontros anuais da ARSX mostram-se importantes instrumentos democráticos e de cooperação, servindo para pôr em prática ações colaborativas e democráticas de economia solidária. Participamos de duas assembleias e encontros anuais, em 2018 e em 2019, e verificamos que são nesses espaços onde as opiniões são ouvidas e discutidas; dúvidas são tiradas, ocorrem desabafos, depoimentos e reclamações, além de debates, rodas de conversa e dinâmicas em grupo. Nesses encontros, as trocas de experiências e conhecimentos permitem maior enriquecimento e engajamento no trabalho, bem como sugestões para alterar e adicionar novas regras e planos de gestão. São espaços onde os valores de cooperação, autonomia e solidariedade se veem presentes. Isso corrobora com um fato observado entre os discursos de grande parte das entrevistadas urbanas e rurais: o interesse pelo dinheiro auxilia de forma expressiva e bastante positiva na renda familiar, mas não é o único fator que influencia na realização do trabalho. Sob a perspectiva de uma mulher assentada, Dona Cleuza interpretou o ganho monetário a partir dos conhecimentos rurais da seguinte forma: “A gente sempre plantou pra sobreviver, e até se sobrava a gente trocava tal coisa com alguém. Naquele tempo ninguém ia atrás de dinheiro, mas de ter as coisas. (...) No fim o dinheiro é muito bom, mas é melhor você saber que faz uma coisa boa pra natureza e pras pessoas. Por exemplo, quando eu passo naquela beira 75

de estrada da Rancho 60, eu vejo as árvores e falo: ‘essas sementes aí fomos nós que coletamos’ e eu ainda nem estava na Rede, mas me sinto tão orgulhosa que eu falo assim mesmo”. A Fazenda Rancho 60 pertence ao grupo Agropecuária Fazenda Brasil (AFB), que realiza, desde o início, a compra de sementes da Rede de Sementes do Xingu, e utiliza em iniciativas de restauração de áreas degradadas, especialmente APPs (Áreas de Preservação Permanente). Mesmo assim, Dona Valdivina, do assentamento Banco da Terra, apontou que existe uma parte de coletores, incluindo mulheres, que pensa de forma individualista no trabalho com as sementes: “Muitas vezes a pessoa só tá ali pelo dinheiro. Chega numa área e não quer nem saber o que pode ou o que não pode fazer, maltrata a [árvore] matriz, vai na beira de um córrego, estraga alguma coisa e não conserta. Eu não gosto disso, porque acho que antes do dinheiro vem o cuidado com o lugar”. No assentamento Macife, onde reside Dona Conceição, esse tipo de prática, que visa apenas o lucro, também ocorre. Além de algumas (poucas) pessoas não respeitarem as regras - por exemplo, de deixar 30% dos frutos na árvore - há também aqueles que até derrubam árvores para coletar as sementes. “Eu falei ‘gente, se derrubar a árvore, no ano que ninguém vai pegar sementes nela, porque não vai ter nada’”. D. Conceição acredita que essa prática é danosa para a Rede. “Não pode ser desse jeito, porque todo mundo quer ganhar um pouquinho, mas tem que saber que o interesse maior é o reflorestamento. A semente que colhe verde nem nasce na terra e nem aproveita nada. E aí, todo ano fala ‘oh, não é pra catar verde, não é pra danificar as matrizes’, mas tem gente que não obedece”. A partir dessa última fala da coletora, podemos inferir não apenas que há uma consciência sobre a importância da preservação da natureza entre essas coletoras entrevistadas, mas que os conhecimentos adquiridos por elas agregam valor ao trabalho também a partir de origens distintas. Como relatado anteriormente, a partir de estudos laboratoriais e de um conhecimento técnico-científico, a jovem coletora urbana Milene descobriu dentro da universidade que a semente da embaúba estava sendo coletada antes da hora. No caso de D. Conceição (Figura 16), o conhecimento sobre algumas sementes que são coletadas ainda “verdes” é algo que foi adquirido ao longo da experiência de décadas que ela obteve com o trabalho no campo. Isso, por si só, já agrega valores de uma economia solidária. Com a RSX, pesquisa científica e prática se entrelaçam de maneira muitas vezes quase inevitável e formam um conhecimento único, que promete bons frutos para a manutenção de um modelo economicamente solidário e que leva em conta o protagonismo e a sabedoria de mulheres como sujeitos, que detêm trabalhos tão importantes e valoráveis quanto os dos homens – rompendo, assim, com a lógica patriarcal da divisão sexual do trabalho. 76

Concluímos aqui que a prática da Economia Solidária se encaixa bem no modo de trabalho das mulheres coletoras, que mostraram preferência por caminhar juntas, não apenas no ato de coletar sementes, mas no trabalho como um todo. Além disso, demonstraram estar felizes e satisfeitas com o trabalho. Por fim, apesar de alguns problemas observados, a participação em ações de colaboração, aliada a uma administração democrática, contribuem para a disseminação de valores como solidariedade e respeito, tanto pela natureza, quanto umas pelas outras.

Figura 16. D. Conceição e autora durante entrevista na propriedade da coletora. Foto: Ben Hur Junior.

2.6 Introdução aos conceitos dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia

O avanço da ciência e da tecnologia, em uma busca incessante para resolver os problemas práticos mais complexos, trouxe inúmeros benefícios sociais e culturais, transformando e muitas vezes melhorando os modos de vida das pessoas (ANGOTTI; AUTH, 2001). Ao mesmo tempo, o avanço científico das sociedades capitalistas também colaborou para provocar um afastamento entre sociedade/cultura e natureza, levando as pessoas, muitas vezes, a olharem a ciência quase como uma “entidade” religiosa, indiscutível, neutra e livre de questionamentos (MERCHANT, 1989). Assim, a tecnologia ocidental, baseada na aplicação prática de uma ciência capitalista dominante, se vale muitas vezes das máximas de “eficiência” e “lucratividade”, colocando o conhecimento científico, as invenções tecnológicas e o lucro 77

corporativo como elementos entrelaçados e reforçados socialmente (WINNER, 2010). Em um contexto social que privilegia países “desenvolvidos” em detrimento de outros - e que, portanto, deteriam “maior” conhecimento científico e tecnológico - consideramos o fato de que a ciência e a tecnologia são construções sociais, cujas narrativas estão envoltas tanto em fatos quanto em ficção e que, por isso, são suscetíveis a críticas (ESCOBAR apud HARAWAY, 1995). Neste tópico damos início à discussão - que será aprofundada nos capítulos seguintes - de que a ciência hegemônica ocidental, com seus usos, significados e instrumentos, pode e deve ser questionada quando necessário. Um desses casos é, por exemplo, quando a sabedoria milenar e a sociobiodiversidade são destruídas em prol de tecnologias baseadas em monoculturas intensivas e extensivas e de uma verdade baseada na “indústria da biotecnologia”, onde os impactos na biodiversidade se veem presentes e uma imensa gama de atores da agricultura familiar, de pequenas cidades do interior e povos tradicionais são diretamente afetados por esse modelo, que colabora para o aumento da fome e as mais variadas formas de desigualdades (SHIVA, 2003). A dinâmica das relações das coletoras e coletores de sementes com as tecnologias empregadas por elas e eles pode ser analisada por meio dos chamados Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (ESCT). Considerando o papel das redes de conhecimento, tais estudos têm se mostrado elementos-chave no debate sobre a relação entre sustentabilidade e tecnologia (BAUMGARTEN, 2008). Se hoje o desenvolvimento social e o crescimento econômico parecem estar determinados pelo progresso técnico-científico (HABERMAS, 2009), alternativas como as da RSX, que vão contra o modelo tecnocrata, podem e devem ser bem- vindas, e também apoiadas pelos conhecimentos tecnocientícos. A Teoria Crítica da Tecnologia (FEENBERG, 2005; WINNER, 2010) e os ESCT como um todo nos auxiliam a reconhecer que os diversos tipos de tecnologias usadas, criadas e adaptadas pelas coletoras, não podem ser compreendidos como meros artefatos e “objetos neutros”, passivos de serem manipulados por distintos projetos com valores distintos. Ao contrário: tais tecnologias detêm importância fundamental no trabalho, e dependem também das diversas maneiras e condições em que são adaptadas e utilizadas. A partir disso, fomos capazes de entender que determinados valores inseridos e reforçados e os variados contextos (sociais, históricos, etc.) estão diretamente relacionados a determinadas técnicas e tecnologias inseridas no trabalho das coletoras de sementes. Para que seja possível aprofundar a discussão sobre as limitações e possibilidades que dizem respeito aos aspectos tecnológicos adotados pelas coletoras e coletores da RSX, é necessário assumir a postura que considera a tecnologia como um “fenômeno social total”, ou 78

seja, não podemos compreendê-la em sua perspectiva puramente material, mas devemos considerar as experiências subjetivas e coletivas da construção social e cultural as quais esse fenômeno está submetido (PFAFFENBERGER, 1988). Deste modo, os ESCT se mostram essenciais para compreender as estratégias de desenvolvimento socioeconômico e de inclusão social no contexto da RSX. Sabemos que o arranjo funcional da Rede de Sementes do Xingu só é possível por meio de uma verdadeira interação entre humanos, natureza, tecnologias e outros elementos (LATOUR, 1993), que só funcionam de forma integrada e com objetivos comuns, como é na Economia Solidária (SINGER, 2002). Desconsideramos a visão que supõe, entre outras coisas, o ser humano como sendo distante e superior à natureza e esta última como mera provedora de recursos exploráveis. Nossa interpretação assume um olhar que enxerga os sistemas como inter-relacionados, e pode ser entendida a partir da resolução da Teoria do Ator-Rede (TAR), desenvolvida por Latour (1993). De acordo com o autor, para a TAR é incorreto analisar a tecnologia por si só ou tomar apenas como base a sociedade como mero objeto de estudo, porque essa rede de relações é considerada por meio de um sistema complexo, como uma “cadeia sociotécnica”, que envolve as diferentes interações entre natureza, sociedade, ciência, tecnologia, política, discursos, imaginários, eventos e assim por diante. Em relação à RSX, a lógica da cadeia produtiva de sementes usadas para restauração de áreas degradadas também funciona a partir de uma verdadeira rede sociotécnica, em uma conjunção de atores humanos e não-humanos que interagem constantemente. Por exemplo: os trabalhos de coleta, manejo e beneficiamento de sementes necessitam de mãos humanas e de objetos, desde os mais simples aos mais complexos; o processo de deslocamento das sementes demanda diversos tipos de meios de transporte (moto, carro, ônibus, barco, etc.) e, a depender do lugar onde estão localizadas as sementes, a logística poderá exigir mais de dois tipos; a coleta, a depender da distância percorrida, também necessitará de um meio de transporte motorizado. O plantio em grande escala exige ainda a união entre maquinários agrícolas e práticas manuais, já que, dependendo da espécie de semente, ela precisará de uma técnica diferenciada de semeadura. Além disso, tanto os compradores quanto a central administrativa da RSX precisam estar a par de todo o trabalho, e os meios de comunicação e informação (principalmente celular com internet) mostram-se essenciais nesse processo. Já a análise da qualidade das sementes é realizada em um laboratório científico, na UNEMAT do campus de Nova Xavantina, o qual comporta equipamentos e artefatos próprios, além de uma equipe de professores e estagiários; a Casa de Sementes e os espaços de armazenamento necessitam de pessoas treinadas para monitorarem as sementes e de eletrodomésticos como freezer, geladeira e ar-condicionado para 79

manterem as temperaturas ideais das sementes. As indígenas também utilizam ferramentas (ex: facão e podão) e equipamentos (como a roçadeira costal) que auxiliam na coleta e processamento das sementes. Assim, ao acelerarem e facilitarem o processo, melhorando a qualidade, a comunicação e a interação entre eles, toda essa rede de atores humanos e não- humanos interage entre si para manter o funcionamento da Rede tal como é hoje. Winner (2010) afirmou que a tecnologia, no geral, representa um conjunto de soluções sociotécnicas voltadas para a resolução de um problema que envolve três dimensões: o artefato em si, o conhecimento relacionado a ele e a organização social. Para ampliarmos esse espectro, consideramos que as práticas das coletoras e dos coletores podem ser entendidas como um empreendimento baseado no conceito de Tecnologia Social (TS). As principais diferenças entre a TS e a Tecnologia Convencional (TC), é que a última é criada e retroalimentada pelas camadas mais ricas e influentes da sociedade, além de não estar comprometida com a inclusão social e se destina aos interesses individualistas de empresas privadas (DAGNINO, 2010). O referido autor ressalta que os objetivos da TC são atingidos por meio de processos alienantes e que impedem ações inovadoras e criativas por parte de quem a produz ou utiliza, além de contar com um sistema de hierarquização que controla todo o trabalho de maneira desigual e opressora. Associada à Economia Solidária, a TS seria, portanto, a melhor alternativa contrária a esse modelo hegemônico. Ao caracterizarmos o trabalho da RSX como sendo um tipo de TS, compreendemos aqui o termo “tecnologia” em sua total abrangência, englobando todas as técnicas, ferramentas e artefatos (VESSURI et al., 1980) utilizados no trabalho de coleta. Ao longo da pesquisa, observamos que a etapa de reflorestamento e restauração de áreas degradadas - normalmente executada por técnicos da própria Rede ou de ONGs parceiras e ligadas à ARSX - é realizada por meio do uso de tecnologias convencionais, principalmente para o plantio de soja e arroz, maquinários agrícolas como as plantadeiras, por exemplo, servem para pôr em prática a técnica da muvuca (discutida no Capítulo 1). Para os plantios na restauração de áreas degradadas, que envolvem grandes áreas, os produtores rurais normalmente são os responsáveis por disponibilizar os maquinários e, em muitos casos, a mão- de-obra. Essa parceria permite que o produtor participe ativamente do processo e se encaixe como um ator no processo de restauração, muitas vezes acompanhando os resultados positivos, em médio e longo prazos. Essas tecnologias podem ser entendidas por meio do conceito de adequação sociotécnica, pois inserida dentro da Economia Solidária, ela busca adequar as tecnologias convencionais à realidade de empreendimentos auto gestionários, podendo estar presente tanto na realidade tecnológica – em equipamentos, ferramentas, no conhecimento 80

técnico, no processo e organização da produção, etc. (DAGNINO, 2014). Se encarada como um novo modelo de produção dentro da Rede de Sementes do Xingu, a adequação sociotécnica mostra uma capacidade não só de transformação de tecnologias, adaptando-as a uma realidade completamente diferente, mas também de construir novas formas de relações sociais, que podem ser transformadoras. Nessa perspectiva, se a tecnologia é um processo tão social quanto qualquer outro e “influenciada por interesses e processos públicos” (FEENBERG, 1996, p. 2), então podemos dizer que as ações de ressignificação, adaptação e inovação tecnológica no trabalho com as sementes auxiliam na criação de formas alternativas de se pensar um modelo social contra- hegemônico e mais democrático. Dentro desse escopo, os atores compartilham tipos de conhecimento e conversam entre si, na busca por superar os tradicionais modelos capitalistas de produção de tecnologias convencionais, bem como da visão instrumental da tecnologia.

2.7 A Tecnologia Social no cotidiano das coletoras

As tecnologias revelaram-se parte essencial do dia-a-dia de trabalho de coleta, manejo e processamento das sementes, e foram consideradas grandes facilitadoras nesse processo. Ao inventarem ou adaptarem tecnologias que otimizam e aperfeiçoam a qualidade dos seus trabalhos, as coletoras e os coletores dedicam esforços em ações de inovação. No contexto da RSX, o termo inovação é compreendido a partir de um conjunto de conhecimentos científicos e empíricos, em que os indivíduos, ao modificarem determinada tecnologia, também buscam alterar a realidade na qual estão inseridos – mesmo que às vezes de forma não totalmente consciente –, dando novos significados, tanto aos artefatos quanto ao próprio trabalho de coleta (BARRETO, 1995). Além disso, como observam Urzedo et al. (2017b), a realidade local de cada coletora ou coletor é fator fundamental na adoção de diferentes técnicas e estratégias, ainda mais se levarmos em conta as diferenças em questões de infraestrutura, conhecimentos locais e culturais, formas de organização e presença ou ausência de assistência técnica: “Tais experiências têm demonstrado que fatores limitantes da produção podem ser atenuados ou superados por meio do conhecimento local. Muitos coletores têm promovido a inovação técnica e tecnológica de materiais e equipamentos que otimizam a produção com ganhos na qualidade (...). Muitas adaptações bem sucedidas originam-se em conhecimentos locais. As cestarias, peneiras e redes confeccionadas pelos povos indígenas, por exemplo, têm sido adotadas para as atividades de produção de sementes” (URZEDO et al., 2017b, p. 175-177). As experiências de desenvolvimento de tecnologias sociais na Rede puderam ser observadas durante entrevistas e encontros com as coletoras e os coletores, que assumiram papéis ativos como agentes do processo de inovação tecnológica, e que também ocorriam de 81

forma coletiva, participativa e interativa. As entrevistas e a participação nos dois encontros da Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX), em São Félix do Araguaia (MT), trouxeram parte das múltiplas experiências com o uso e criação de tecnologias adaptadas para o trabalho. Durante esses encontros, algumas dinâmicas envolveram, essencialmente, a apresentação de ideias e inovações criadas pelas coletoras e coletores, na maioria das vezes, para facilitar o processo de beneficiamento (limpeza e secagem) de sementes consideradas mais difíceis de se trabalhar (Figuras 17 e 18). Os participantes puderam experimentar as técnicas apresentadas, fazer perguntas e discutir novas técnicas. Ao microfone, D. Cleuza explicou aos ouvintes do evento que os frutos de sucupira (Pterodon pubescens (Benth.) Benth.) são extremamente difíceis de quebrar para a retirada da semente. Por isso, ela criou o seu próprio método (Figura 17). “Há muito tempo a gente vem sempre experimentando de um jeito, experimentando de outro. Primeiro, eu tentei cortar ela com aquele tesourão de poda, mas não deu certo. Aí eu consegui colocar o fruto de quina em um toco e bater com o martelo na outra quina. Então o fruto foi abrindo e não quebrou nenhuma semente. É uma tecnologia nova: eu uso martelo e pau [ironiza, rindo]”. Segundo a coletora, a sucupira também apresenta muitas sementes ‘chochas’ (secas, sem miolo, não fecundadas), fato que a torna ainda mais difícil de trabalhar. “Eu descobri que se a gente coloca a sucupira na água, os frutos com sementes chochas boiam e então é só ir com a mão e tirar eles. Os que ficam no fundo, levo pra secar de novo”. Outra invenção de D. Cleuza também facilitou ainda mais a coleta daquelas sementes localizadas em árvores muito altas: “Eu tenho uma tela verde, tipo um ‘sombrite’, que emendei com dois panos bem grandes, e agora a gente leva e deixa cair a semente em cima e sacode a copa da árvore, em vez de ter que subir pra catar”.

Figura 17. Em casa, D. Cleuza demonstra a técnica de quebrar a casca da semente de sucupira. À esquerda, em um encontro, demonstra outra técnica utilizando uma peneira. Fotos: Autora. 82

Figura 18. Técnica para limpar sementes de carvoeiro, apresentada pelo coletor Vilmar, demonstrando o uso do cortador de grama de fio de nylon. Makawá Ikpeng observa o resultado das sementes limpas. Fotos: Autora.

Para as coletas, a jovem Milene afirmou usar ferramentas simples como peneira, lona, vassoura, rastelo, corda, vara de bambu e podão, enfatizando que “cada semente exige um tipo de ferramenta e tem que ter uma experiência já adquirida, uma certa técnica. Não é qualquer um que consegue peneirar uma semente. Parece simples, mas não é”. D. Vera, mãe de Milene, exemplificou outras tecnologias que ajudam a beneficiar as sementes mais difíceis, como a do tamboril (Enterolobium contortisiliquum (Vell.) Morong). “Essa semente tem a casca muito dura, então a gente coloca na betoneira, põe algumas pedras lá dentro, mói tudo e depois lava. As pedras tiram todinha a casca, mas mesmo assim não é fácil. Para limpar bem na betoneira tem que deixar apodrecer a casca do fruto, porque a semente não apodrece, mas a casca do fruto sim”. Para o processo de limpeza das sementes de jatobá-da-mata (Hymenaea courbaril L.) e jatobá-do-cerrado (Hymenaea stigonocarpa Mart. ex Hayne) D. Vera também tem uma técnica diferente (Figura 19): “Agora eu quebro o fruto na mão, um por um, que é pra poder aproveitar a farinha. Mas quando tem que quebrar muito e se eu tô com muita pressa, eu passo o carro por cima pra quebrar a casca; depois separo tudo, ponho no tambor e ‘soco’ [com pilão]. Isso tira praticamente toda a ‘massa’ dele e depois deixo secar debaixo do sol da manhã”.

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Figura 19. D. Vera (esquerda) e Milene (direita) selecionam sementes de jatobá que deixam secando ao sol da manhã. Para quebrarem a casca de sementes mais duras, utilizam o pilão como um dos artefatos que auxiliam no processo. Foto: Autora.

Dona Rosineide Caetano, 46 anos, também coletora de Nova Xavantina (MT) e amiga de D. Vera, explicou que no início do trabalho de coleta ela pedia auxílio aos colegas para que a orientassem sobre as técnicas mais eficientes de beneficiamento. “Eu tinha mais dificuldade de limpar o carvoeiro e o urucum e a Vera veio aqui e me explicou o jeito certo de limpar. No caso do barbatimão [Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville] a gente já quebrou muito a cabeça e eu tinha até desistido, aí meu marido deu a ideia de colocar na frente do ventilador. As casquinhas voaram todas e ficou só a semente. Foi muito mais fácil. E antes era tão difícil. O murici [Byrsonima spp.] eu também aprendi que precisa ficar ao ar livre pra não apodrecer”. D. Rosineide e o marido, Sr. Normando, forram o chão com uma lona e coletam as sementes de ipê [Handroanthus spp. e Tabebuia aurea] com auxílio de um rolo de pintura. “Foi invenção do meu marido. Ele tava trabalhando num lugar, viu o pessoal pintando a casa e falou: ‘vou comprar esse negócio pra semente’. Aí funciona assim: a gente pega uma vara e prende um rolo de pintura na ponta pra puxar o galho e o fruto, depois prende na árvore, sacode [a copa], e as sementes que estão prontas caem em cima da lona. Mas tem outras que mesmo assim não tem jeito, você tem que esperar cair no chão”. Dona Roberizan, da mesma cidade de D. Vera e D. Rosineide, se diz satisfeita por ter aprendido “muitas coisas novas nos encontros da Rede”, como a máquina de cortar baru (Diptery alata Vogel) e o cortador de grama com fio de nylon que utilizado para cortar os frutos de sementes aladas. De acordo ela, “a primeira técnica pra processar o carvoeiro [Tachigali 84

vulgaris L.G.Silva & H.C.Lima] que ensinaram pra gente era cortar fruto por fruto com uma tesoura. Aí no ano de 2012 nós não limpamos nenhum desses, era muito difícil. Depois de cortar com a tesoura, tinha que passar na peneira, e só de ficar esfregando, doía muito a mão. Aí depois vieram essas novas tecnologias, e agora limpamos um quilo rapidão”. O carvoeiro é uma das sementes mais caras da Rede e custa em média R$ 200 o quilo. “Agora a gente consegue limpar com o cortador de grama com fio de nylon. É uma coisa nova que a gente aprendeu. E o jatobá eu limpo no tanquinho de lavar roupa ou no tanque normal”. No caso das mulheres indígenas do TIX, a maioria utiliza ferramentas e tecnologias acessíveis nas aldeias. Tais técnicas e tecnologias estão, muitas vezes, relacionadas com as experiências e a cultura de cada povo, mas artefatos não-indígenas também são comumente usados. A esteira de fibra de buriti, ganchos de madeira (hastes flexíveis que servem para puxar os galhos) e o facão são alguns dos artefatos utilizados para o manejo das sementes nativas (SÁ, 2017). As coletoras Xavante do movimento Pi’õ Romnhá Ma’ubu’mrõiwa (Em português, literalmente “Mulheres Coletoras de Sementes”), da Terra Indígena Marãiwatsédé, receberam o primeiro lugar na categoria de qualidade de sementes durante uma menção honrosa no último encontro. O prêmio foi uma roçadeira elétrica, muito usada (e desejada) por coletoras e coletores não-indígenas, e também alguns indígenas, para limpar sementes de carvoeiro e outras sementes denominadas ortodoxas (que toleram a secagem a baixos níveis de umidade e baixas temperaturas durante o armazenamento; Roberts, 1973). Mesmo havendo gerador elétrico em Marãiwatsédé, as Xavante decidiram trocar a roçadeira por um kit de peneiras e lonas, o que levanta a hipótese de que, muito provavelmente, essas indígenas se sentem mais identificadas com os artefatos mais próximos da realidade cultural delas. As Yarang, do povo Ikpeng do TIX, ficaram com o segundo lugar e, além do troféu, também receberam uma roçadeira elétrica. Elas, ao contrário das Xavante, não quiserem trocar o prêmio. Como enfatizamos no item 2.3, “assim como as necessidades econômicas desses povos os levam a produzir excedentes para o mercado, também agravam as suas demandas por conhecimentos e técnicas que os ajudem a manter a disponibilidade de recursos naturais para as suas futuras gerações” (RICARDO, 2004). Nesse caso, cada povo responde e aceita (ou não) de modo diferente a introdução dos artefatos tecnológicos criados por não-indígenas, e tal fato depende tanto de fatores culturais, quanto logísticos e organizacionais, e até mesmo de disponibilidade de energia elétrica, entre outros. Isso, provavelmente, representará em um futuro próximo uma interferência cultural para a qual ainda não temos, nesta pesquisa, elementos suficientes para avaliar o impacto (positivo ou negativo) nas futuras gerações. 85

A partir de discursos e ações de algumas das mulheres Xavante durante os encontros foi possível notar certo desinteresse em aderir às tecnologias mecanizadas dos não-indígenas. Todavia, entre outros povos, como os Ikpeng e Kawaiweté, registramos algumas falas que pudemos interpretar como uma vontade de adesão à algumas tecnologias convencionais para o trabalho. Esse fato pode ser justificado, principalmente, pelo aumento da demanda e do trabalho envolvendo a coleta das sementes, como afirmou uma delas: “A gente continua fazendo a coisa manual mesmo, e por um lado é bom pra manter a nossa cultura, mas conforme o aumento do trabalho e a demanda, a gente vai precisando de outros equipamentos pra ajudar”. Sobre as mulheres indígenas e suas particularidades, aprofundamos essas e outras questões no Capítulo 4, voltado especialmente a elas. Carvalho (2016) observou também que o reuso ou ressignificação de equipamentos ou objetos são soluções diferentes fora do seu contexto original, capazes de produzir um impacto positivo nas pessoas. De acordo com o referido autor, a ressignificação é também uma apropriação e a possibilidade de consumir novamente, permitindo liberdade para adaptar ou usar de maneira totalmente improvisada, inventiva, ou de acordo com uma solução particular, sem se limitar a ideias pré-estabelecidas. Nesse caso, ao permitirem a ressignificação de objetos e equipamentos, as coletoras da RSX seguem um apontamento feito por Krippendorff (2000), congregando os valores intangíveis das ações de que as pessoas não reagem apenas às qualidades físicas dos objetos e coisas, mas principalmente ao que significam para elas. Um elemento importante a ser considerado nas relações das coletoras e coletores de sementes e o uso de artefatos tecnológicos diz respeito àqueles inventados ou adaptados por elas/eles. As novas criações são, muitas vezes, compartilhadas entre os grupos e, se exitosas, servem não apenas para tornar o trabalho mais eficiente, mas também como uma troca de experiências e tentativas. Observamos que isso tem o potencial de levar a atividade para um espaço de caráter ainda mais comunitário. Entretanto, durante os encontros foram também observados discursos, de um dos apoiadores da Rede, que defendia a propriedade intelectual de cada indivíduo e de cada invenção, sugerindo o patenteamento de algumas delas. Julgamos esse fato contraditório aos princípios da Rede e potencialmente nocivo, visto que vai totalmente contra os princípios da Tecnologia Social e da Economia Solidária sobre propriedade comum. Ainda assim, foi interessante observar como a questão da eficiência, conceito tão profundamente arraigado com um dos princípios de tecnologias convencionais (TAIT; DAGNINO, 2011), acaba, de uma certa forma, por perpassar o trabalho de todas as coletoras, independente da renda, povo ou localização geográfica. Não obstante, no caso das coletoras entrevistadas, a eficiência não é usada no trabalho de forma a permanecer acima do bem-estar 86

social e da preservação ambiental. Isso ocorre, em grande parte, porque o trabalho das coletoras é feito na maior parte das vezes em grupo (com a família, amigos e conhecidos). Essa forma de trabalho não apenas otimiza o tempo, mas ajuda também a estimular a coletividade e a solidariedade, promovendo ações de trocas de sementes, diálogos (mas também discussões), além de ajudar a manter a qualidade do trabalho nos processos de limpeza, secagem e armazenamento. Mesmo que algumas etapas sejam feitas de individualmente, visto que as coletoras evitam a perda de sementes a partir de um olhar que precisa ser criterioso e cuidadoso, e realizar a limpeza e secagem de forma cautelosa, para não haver muitas perdas – processo que é feito, em grande parte, de forma individual - as coletoras são capazes de obter resultados positivos aos principais beneficiados, que vão desde elas próprias, até seus entes queridos, amigas/os, as florestas e todos nós que, no fim, dependemos desse trabalho.

2.8 Considerações do capítulo

Os conceitos trabalhados pela Economia Solidária (ES) e pela Tecnologia Social (TS) conversam entre si nas interações das coletoras e coletores da Rede, visto que ambas as teorias colocam as relações de trabalho como uma questão central, mas com críticas fundamentais aos modelos capitalistas (TAIT; DAGNINO, 2011). Os autores reforçam que, no Brasil, a TS além de ser compartilhada e descentralizada, preocupa-se com as problemáticas das questões socioambientais, adaptando-se aos sistemas locais e às realidades culturais de cada grupo social. Por isso, concordamos que as tecnologias podem ser tanto incentivadoras da ampliação de comunidades e de uma lógica de cooperação, como fracassarem nesse quesito e se voltarem para noções mais individualistas e menos preocupadas no ser humano (KRIPPENDORFF, 2000). Dessa forma, ao passo que as tecnologias afetam e são afetadas por diversos valores sociais e culturais, e “se a construção de artefatos e de tecnologias é a construção simultânea da sociedade, então a equidade e a justiça tornam-se centrais às decisões que as envolvem” (SILVEIRINHA, 2011, p. 80). Essa é uma concepção corroborada também pelas análises feministas em relação à economia e à divisão sexual do trabalho (FREITAS; SILVEIRA, 2007; KERGOAT, 2009), cujos conceitos serão reforçados ao longo do capítulo 3. Além disso, é fato que a realidade da vida rural também tem sofrido inúmeras alterações ao longo dos anos com a chegada da “modernidade”. Brandemburg (2010) afirma que as condições de vida no campo acabaram se integrando às lógicas capitalistas, aumentando o consumo de produtos industrializados e a produção de subsistência voltou-se também ao 87

mercado: houve a ocorrência de um processo de substituição de muitos artefatos tradicionais para industriais, entre outros exemplos, que colaboraram para uma espécie de “coexistência” entre as duas formas de vida e, ao mesmo tempo, também para um processo de precarização. Assim, no caso das coletoras rurais, ao se inserirem nessa lógica de trabalho economicamente social, adaptando e criando novas tecnologias para um uso humano e ambientalmente sustentável, elas representam uma alteração desse paradigma convencional. Isso vale também para os outros grupos de mulheres analisados: indígenas e urbanas. Dessa forma, podemos inferir que o desenvolvimento de uma tecnologia social, aliada ao processo de inovação e a uma economia humanizada, envolveria uma verdadeira “construção coletiva de conhecimentos e incorporação de valores, interesses e saberes dos excluídos” (DAGNINO, 2010, p. 7). Os “excluídos” podem ser as próprias mulheres coletoras – sejam elas indígenas, rurais ou urbanas – principalmente devido às poucas oportunidades de renda e de participação em posições de liderança, produção e controle, que aparecem ao longo da vida delas, além da própria localização geográfica, na “periferia da Amazônia” (PARET, 2012). Também observamos que a partir da RSX elas têm uma chance singular de participar do processo de criação e incorporação de tecnologias próprias que auxiliam no trabalho com as sementes. Sem a oportunidade oferecida pelo trabalho de coleta de sementes, é possível que muitas delas, principalmente as não-indígenas, estivessem inseridas apenas em empregos ou subempregos tradicionais e provavelmente precarizados, que não as envolvesse no interesse em cuidar da natureza, e voltado apenas ao mercado capitalista do lucro a qualquer custo. Entendemos, no entanto, que para que uma mudança estrutural em nível econômico e tecnológico seja possível, é necessário um grande nível de cooperação e entendimento da aprendizagem coletiva e de compreensão de ideias, problemáticas e necessidades individuais (MENEZES, 2015). Nesse caso, os espaços coletivos construídos pela RSX, os materiais de divulgação e a troca de experiências, de técnicas e tecnologias, demonstram que é possível a criação de um tipo de ciência e uma tecnologia acessíveis a todos e que tomam a natureza como parte intrínseca delas, e não algo a ser explorado e tomado como propriedade individual. Essas interações contribuem para a construção de um espírito de cooperação, que é uma das bases essenciais para o fortalecimento de uma tecnologia social aplicada a uma economia solidária. Fica claro que a Rede de Sementes do Xingu se organiza a partir de um sistema que busca por soluções para resolver um problema de ordem socioambiental e não simplesmente técnica, levando em conta a realidade de cada grupo coletor. As relações socioeconômicas e ambientais promovidas pela RSX são fundamentais para garantir a perpetuação de suas 88

atividades, mas está claro que ainda há problemas e muito o que fazer, principalmente para garantir que o acesso ao conhecimento tradicional, às inovações e às práticas criadas/adaptadas pelas coletoras e coletores, seja respeitado de acordo com os usos, costumes, tradições e a até mesmo legislação nacional.

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CAPÍTULO 3:

LUGAR DE MULHER É NA COLETA DE SEMENTES: A SUSTENTABILIDADE DA VIDA A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA ECOFEMINISTA E DA ECONOMIA DO CUIDADO

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, introduzimos as principais contribuições dos campos da economia feminista e do ecofeminismo, propondo caminhos e diálogos entre os conceitos e também analisando a aplicabilidade de ambos no contexto das coletoras da Rede de Sementes do Xingu, a partir de reflexões suscitadas pelas práticas e discursos das próprias mulheres. Neste espaço priorizamos autoras feministas das ciências humanas e sociais (FEDERICI, 2004; MERCHANT, 1989; OROZCO, 2014; PICCHIO, 2012; PLUMWOOD, 1993), com ênfase também nas pensadoras do chamado Sul Global (CARRASCO, 2003, 2014; FARIA, 2012; GEBARA, 1997; HERRERO, 2014; MORENO, 2012; PULEO, 2011; SHIVA, 2003, 2004, 2008; SVAMPA, 2019; TAIT, 2015). A partir dessas práxis, trabalhamos de forma integrada com uma visão crítica e ampla que reúne gênero, natureza, conhecimento local e tradicional, reconhecendo diferentes práticas e saberes de grupos de mulheres em contato com a natureza. Autoras estadunidenses da epistemologia feminista, como Sandra Harding (1991) e Donna Haraway (1995), também foram fundamentais ao longo do capítulo para a construção de uma abordagem crítica que levou em conta os diversos “pontos de vista”, a partir de uma perspectiva feminista, de conhecimentos situados e da maneira como esses saberes são construídos e reforçados socialmente, ao longo do tempo. Outros caminhos conceituais que exploraremos foram desenvolvidos por autores latino- americanos, como a argentina Maristella Svampa (2016), o equatoriano Alberto Acosta (2016a e b) e o uruguaio Eduardo Gudynas (2016), dando continuidade a uma crítica aos modelos de desenvolvimento primários-exportadores e às injustiças históricas na América Latina. As coletoras também fortalecem o ato de coletar como um modo alternativo de extrativismo não- predatório, que se contrapõe ao modelo neoextrativista que vem provocando amplos impactos socioambientais em nosso continente. Essas contribuições retomam o tema das violências e dos horizontes históricos do colonialismo na América Latina, a partir de uma perspectiva ambientalista de matriz comunitária e até feminista, articulando-se em torno do campo teórico da “descolonialidade”, da “ecologia de saberes”, do chamado “bem viver” e do pós- extrativismo (DE SOUSA SANTOS, 2010; ACOSTA, 2016; SVAMPA, 2016, 2019; TAIT; GITAHY, 2017). 90

O uso do termo “natureza” em vez de “meio ambiente”, também é uma escolha que seguiremos. Entendemos que essa palavra é mais rica em conotações literárias, filosóficas, artísticas e emocionais, enquanto que “meio ambiente” pode se alinhar à percepção do meio natural apenas como um local de recursos, passível de ser explorado (PULEO, 2011). Mesmo assim, o termo “ambiente” também deverá ser usado ao longo da pesquisa, por julgarmos ter uma conotação mais ampla, assim como “natureza”. Também propomos uma forma de pensar e atuar que dialoga especialmente com propostas de alternativa ao modelo de desenvolvimento e de mercantilização da vida, a partir de críticas a respeito do atual sistema econômico, que exclui e subjuga mulheres, desvalorizando diversos tipos de trabalho, principalmente os considerados “femininos” (SILVEIRA, 2007). Consideramos um novo paradigma ético que leve em conta a importância de valorização de uma “economia do cuidado com a natureza”, bem como uma “economia do conhecimento da natureza” (ABRAMOVAY, 2018), ressaltando o papel central das mulheres coletoras, sua autonomia e o desenvolvimento de conhecimentos que perpassam valores ecofeministas, a partir de uma ética de sustentabilidade da vida.

3.1 A natureza em perigo: percepções sobre desmatamento e mudanças climáticas

Durante as aulas de Ecologia, a coletora Milene (graduanda em Ciência Biológicas) aprendeu que está cada vez mais difícil para o planeta conseguir escapar de um colapso ecológico. A jovem argumenta que todo ecossistema tem uma capacidade de suporte e, até certo ponto, sustenta os organismos que dele dependem. “O problema é que essa capacidade já se excedeu faz tempo e pra reverter isso tem que ter primeiro uma mudança do próprio ser humano, pra daí querer mudar a natureza. Porque talvez a natureza nem consiga mais se regenerar sozinha. Tá tudo muito difícil para ela: falta chuva, os animais e as plantas estão morrendo e o solo está todo degradado”. Além das aulas na universidade, Milene participa de um grupo de jovens da ARSX, formado por 14 membros de aldeias, assentamentos e cidades, com idades entre 14 e 28 anos. Eles se reúnem em encontros e oficinas promovidos pela Rede, onde compartilham experiências e histórias. O resultado rendeu um livro intitulado “O que será de nossas sementes? Pesquisa intercultural sobre as mudanças climáticas no Xingu-Araguaia” (URZEDO et al., 2017a), em que os jovens relatam sobre os impactos do desmatamento, da falta de chuvas e do calor intenso, principalmente nas espécies de árvores coletadas e seus polinizadores. Com essa experiência, a coletora reafirmou o que já tinha conhecimento: “Vi que é muito importante, mais do que eu já sentia, preservar o meio ambiente”. 91

Oremê Ikpeng, elo institucional da Rede e um dos coordenadores das coletoras Yarang, é mais um desses jovens integrantes do grupo, além de ser um dos autores do livro. Segundo Oremê, a natureza nos envia diversos sinais e é preciso saber interpretá-los. “Por exemplo, se uma coletora olha pro céu e vê uma espécie de pássaro que só voa naquela época, então é sinal de que o rio tá baixando. Se aparece uma borboleta no caminho, também é sinal de que o rio tá baixo. E quando vê um monte de gafanhotos voando, é porque vai começar a época das chuvas”. Na realidade xinguana da qual ele faz parte, no entanto, os sinais antes percebidos com bastante clareza, atualmente têm se tornado imprevisíveis para os povos do TIX. “Nós sentimos e vemos mais essa mudança e quem é agricultor indígena também. Mês de setembro é época de plantio, mas agora a chuva tá chegando só no fim de outubro, novembro, e os plantios vão queimando com o sol forte”. Oremê também explica que, com a falta de chuvas, as plantas têm encontrado mecanismos de adaptação para se autorregularem e produzirem menos frutos, garantindo a própria sobrevivência. “As plantas também começam a se adaptar: pra se salvar, elas têm que sacrificar os filhos que a fruta queria ter...”. A produção de sementes coletadas pela Rede também tem sofrido com os eventos extremos de seca. De acordo com Oremê, a mamoninha, ou Mengkwa, na língua ikpeng (Mabea fistulifera Mart. - Euphorbiaceae) e a mutamba, ou Yapïta em ikpeng (Guazuma ulmifolia Lam. - Malavaceae), são as espécies ofertadas pela Rede que dependem muito de água e que, consequentemente, sofrem mais com os impactos climáticos e ambientais. “A mutamba, que todo ano produz fruto, faz dois anos seguidos que não está mais produzindo...”. A percepção sobre as mudanças climáticas foi observada não apenas entre jovens da Rede, mas também entre algumas coletoras indígenas mais velhas entrevistadas, como na avaliação da indígena ikpeng Ayaneko Txikão11, de 46 anos, residente da aldeia Arayó e membro do Movimento das Mulheres Yarang (MMY). Segundo ela, as altas temperaturas que têm ocorrido nos últimos anos são um problema para a coleta. “Quando o sol muda, o clima também muda pra semente, e o sol fica muito quente. Porque antes de amadurecer, a semente cai morta...”. Ayaneko lembra que várias espécies de árvores estão morrendo com maior frequência. “Faz tempo que isso acontece. Cai tudo: folha, galho, fruta; quebra tudo, porque não tem água pra ela...”. Entre 2015-2016, durante o fenômeno climático El Niño, um dos mais fortes desde o início dos registros, o regime escasso de chuvas também afetou a produção de

11 Txikão (ou Chicão/Tchicão) é o nome designado aos Ikpeng por um outro grupo "hostil", com os quais entraram em contato há décadas (SOCIOAMBIENTAL, 2014), mas alguns indígenas mais velhos, como é o caso de Ayaneko, possuem em seu Registro Geral (RG) de identidade o nome "Txikão", e preferem ser chamados dessa forma. Já o termo Ikpeng é uma autodenominação desse grupo e possui diversas versões sobre sua origem, sendo que a versão que escutamos foi a de que ikpeng é a palavra para se referir a uma vespa "brava". 92

alimentos em sua aldeia. “Agora já tem mandioca, banana, mas na época quase não tinha comida. Tinha que pegar o galão de 200L de água, levar até a roça pra regar a mandioca”. Há aproximadamente 400 km de distância do TIX, no assentamento Banco da Terra, Dona Valdivina também sente os impactos e teme que as consequências das mudanças no clima possam afetar de forma explícita a vida na Terra. Residente há mais de oito anos naquele assentamento, a coletora, que também é produtora de leite e mel, percebeu que os períodos de seca têm sido mais prolongados e intensos. “Sempre dava enchente aqui perto. Era tanta água que tinha que cuidar. Quando eu via que ia encher, tirava todo o gado e as abelhinhas e levava pra um lugar seco. Mas o rio não tá mais assim, já deu de passar três anos sem encher. Igual agora [mês de março], era pro rio estar cheio e não tá. E se falta chuva, é sinal que alguma coisa deu errado”. Duas matrizes de coleta de D. Valdivina já morreram e ela acredita que a seca é o principal fator. “Algumas plantas no quintal têm muita dificuldade na época da seca. Mesmo cuidando, a gente vê que tá muito difícil, porque elas queimam demais com o sol...”. A coletora também tem percebido que a produção de flores e frutos de espécies cujas sementes são coletadas para a Rede tem sido menor nos últimos anos. “O caju tá diminuindo bastante, o angelim também. Quando chove menos, a florada fica pouca, diminui bastante. Eles secam antes de ficar bom, porque sentem o sol queimando”. Segundo Dona Rosineide Caetano, de Nova Xavantina, as queimadas também podem ser tanto decorrentes das mudanças no clima, quanto da falta de consciência das pessoas. “O pessoal queima e desmata pra pasto. Ano retrasado deu uma tristeza, porque a alguns quilômetros daqui queimou tudo o que tinha numa reserva; deu vontade até de chorar. A gente que fica aqui quase morre de tossir, mas e o habitat dos bichos, como é que fica? Dentro da cidade o pessoal também põe muito fogo nas folhas pra limpar o quintal”. As queimadas normalmente são intensificadas em determinadas épocas do ano, principalmente durante os períodos de seca prolongada, entre os meses de agosto a outubro. A maior parte dos incêndios na Amazônia ocorre ao longo da região do chamado “arco do desmatamento” - onde atua a RSX -, que segue a zona de transição ecológica entre os biomas Amazônia e Cerrado, sendo que o Cerrado, por ser um tipo de savana e naturalmente mais seco do que a floresta, passou a se adaptar melhor aos incêndios, cada vez mais frequentes (DE NEGREIROS et al., 1996). A redução do desmatamento no território brasileiro entre os anos de 2004 a 2012, somada à presença de extensos territórios indígenas, reservas extrativistas e a ampliação de áreas protegidas, contribuíram imensamente para a mitigação das mudanças climáticas; mas, após essa data, o crescimento populacional na região e a falta de fiscalização e de políticas 93

públicas adequadas para proteger os ecossistemas preservados, fizeram com que o desmatamento aumentasse novamente, como lembra Abramovay (2018): A esmagadora maioria do desmatamento é hoje praticada na ilegalidade e se apoia em métodos que desrespeitam as normas básicas de convivência numa sociedade democrática. Desde 2012, o Estado do Mato Grosso desmata mais de 1.000 quilômetros quadrados por ano. Como mostra o acompanhamento do Instituto Centro de Vida, a partir de informações da Secretaria do Meio Ambiente do Estado, apenas 10% do desmatamento foi realizado de maneira legal entre janeiro e setembro de 2017. O resultado é um pouco melhor que o de 2016, quando não mais que 5% do desmatamento era apoiado em autorizações oficiais, segundo manda a legislação. O IMAZON estima que, de todo o desmatamento na Amazônia, não chega a 20% o total do que foi legalmente autorizado. (ABRAMOVAY, p. 20, 2018).

O problema é que, na maioria das vezes, o desmatamento está fortemente ligado às queimadas, como apontado por Garcia (2019), ao mencionar que as observações de cientistas que atuam na região teriam registrado que as chamas seguem o rastro do desmatamento e que, quanto maior a derrubada das florestas, maiores os focos de calor detectados pelos satélites. Mais recentemente, a repercussão internacional dos incêndios sem precedentes que assolam a maior floresta tropical do planeta, incluindo a região de transição Amazônia-Cerrado, trouxe à tona manifestações populares e reuniões geopolíticas nacionais e internacionais para discutir a urgência em combater o problema, que é principalmente provocado pela ação humana: a prática é realizada principalmente por grileiros, produtores rurais e/ou posseiros, que ateiam fogo em áreas de floresta abrindo espaço para plantio e pasto (ROMAN, 2019). Observamos, durante as conversas, um padrão de respostas em comum quanto às perguntas relacionadas à percepção sobre o desmatamento (se continuava ou estava diminuindo) e às mudanças climáticas. A maior parte das entrevistadas afirmou, por exemplo, que o clima atual mudou em comparação aos anos anteriores, sendo que as respostas geralmente pendiam para o fato de que o calor e a seca estão mais intensos e frequentes. Quanto ao desmatamento, apenas uma das coletoras, residente da zona urbana, se mostrou mais otimista e manteve uma opinião de que o fenômeno está “um pouco mais controlado” nos últimos tempos. Outro coletor homem, e companheiro de uma delas, também afirmou que não acreditava que as temperaturas estavam mais elevadas nos últimos anos. Já o principal fator apontado pelas entrevistadas sobre a permanência (e até aumento) do desmatamento foi a “falta de conscientização” das pessoas sobre a importância de preservação da natureza.

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3.2 A crise socioecológica e os caminhos ecofeministas

A lógica econômica convencional, que funciona desconsiderando ou mesmo desacreditando os limites ecológicos, se definindo falsamente como algo autônomo e até “natural”, merece ser deslegitimada, visto que a acumulação de capital e o desmantelamento de comunidades locais por forças mercadológicas e de Estado têm criado pressão sobre territórios e bens comuns, destruindo ecossistemas inteiros e corroborando para a forte criminalização dessas populações (BOSCH et al., 2003). Os processos econômicos com alto impacto sociombiental mantêm antigas estruturas coloniais de venda de matérias-primas ou commodities e também estruturas sociais de concentração de terra, expulsão de territórios, violência material e até mesmo simbólica (SVAMPA, 2019). Ao se referir a essas práticas predatórias, ainda em curso em nosso continente e relacionadas à agroindústria, a referida autora sublinha que nossas sociedades têm sido sociedades “exportadoras da natureza”. Assim como Milene aprendeu que a capacidade de regeneração da natureza está cada vez menor, o acelerado processo de extinção de espécies induzido pela ação humana, em combinação com o esgotamento de recursos naturais e a intensificação das mudanças climáticas, demonstram claramente que tal limite já pode ter sido ultrapassado (MASLIN, 2019). Em conjunto, a humanidade também tem presenciado o aprofundando das desigualdades (sociais, raciais, de gênero, econômicas e políticas), além do alargamento da pobreza no mundo; esse momento é definido por algumas vertentes feministas como uma crise civilizatória, gerada pelo acirramento do chamado conflito “capital/vida” (HERRERO, 2014; OROZCO, 2014, MARIMON; TAIT, 2019). A situação se agravou nas últimas décadas na América Latina, incluindo o Brasil, quando esses países se tornaram altamente dependentes de commodities agrícolas e da dinâmica do chamado neoextrativismo (SVAMPA, 2019). A história ocidental demonstra que o pensamento de dominação do racionalismo europeu, muitas vezes vinculado à filosofia mecanicista, que coloca o “homem” (sexo masculino) ou a “ciência” como detentores do poder e da racionalidade, para exercerem o domínio sobre a natureza, as mulheres e outros povos subjugados, têm contribuído para o acelerado processo de degradação socioambiental (MERCHANT, 1989). Essa herança positivista e patriarcal se replica em interpretações e métodos que se configuram em o que atualmente conhecemos como “modelo reducionista de ciência” (SHIVA, 2003). Segundo a autora, é a partir desse modelo que se perpassam as ideias de especismo/antropocentrismo (a noção da espécie humana como centro de tudo e as outras espécies, como animais e plantas, tendo apenas um valor de objetificação); reducionismo genético (explicação do funcionamento 95

de todos os organismos biológicos a partir dos genes como algo “imutável”); e, finalmente, de reducionismo cultural, caracterizado pela desvalorização dos conhecimentos tradicionais, locais e outros sistemas que não se enquadram na racionalidade dominante. Nesse contexto, a própria vida e os ecossistemas são interpretados e reconfigurados pela força de um sentido único dado à cultura, à ética, à produção/reprodução da vida e à natureza como um “meio” que serve aos desejos e necessidades do ser humano. A crítica feminista às dicotomias hierarquizantes e produtoras de desigualdades chama atenção para o fato de que as sociedades ocidentais são praticamente as únicas que estabelecem essas rupturas radicais entre cultura e natureza, pois concebem o ser humano como oposto e superior à natureza, além de promover formas específicas de desigualdades associadas à distinção entre sexo e gênero, com o “masculino” tendo maior valor que o “feminino” (MERCHANT, 1989). Da mesma maneira, os trabalhos reprodutivo e produtivo passaram a ser entendidos separadamente, sendo que o primeiro é visto de maneira inferior e desvalorizada em comparação ao segundo. Val Plumwood (1993) lembra que essa lógica de pensamento levou a uma redução da realidade, que é complexa e não-linear, a pares excludentes, contribuindo para a “naturalização da dominação” dos homens sobre as mulheres e a natureza. Historicamente, essa noção perpassou as propostas de desenvolvimento econômico modernas e legitimou a exploração/dominação de civilizações inteiras nos processos coloniais, que têm persistido em acordos e políticas atuais em nome de um “progresso econômico” a qualquer custo (ACOSTA, 2016a, b). Outras consequências são observadas se levarmos em conta o aprofundamento de formas de produção e reprodução hegemônicas insustentáveis, que validam ações de expropriação, tanto do corpo feminino quanto da natureza (SHIVA, 2004). A economia e a dimensão produtiva de bens, trabalhos e trocas, também são interpretadas a partir de uma falsa ideia de ruptura entre razão e emoção, produção e reprodução, sendo que determinadas características e atividades, separadas por “masculinas” e “femininas”, definem valores distintos (CARRASCO, 2014). A autora ressalta que as atividades produtivas, relacionadas a uma “racionalidade objetiva”, bem como a possibilidade de quantificação e mercantilização, são classificadas como masculinas e mais valorizadas, enquanto que as atividades associadas a uma lógica do afeto, da emoção e do cuidado, são identificadas como femininas e consideradas inferiores. Essas considerações possuem consequências concretas na trajetória coletiva e pessoal de homens e mulheres, respaldando um processo de divisão sexual do trabalho e inserem distintas valorações entre atividades e trabalhos que se materializam em diferentes níveis de reconhecimento social e remuneração (MARIMON; TAIT, 2019). 96

Como uma forma de pensar novos caminhos e soluções ao atual modelo capitalista- patriarcal, o pensamento feminista, tanto ecológico quanto econômico, vem contribuindo na elaboração de outros entendimentos da relação natureza-sociedade (MIES, 1998). A necessidade de uma transformação social, econômica e ética, também é colocada pelos feminismos comunitários e de base indígena que se fortalecem na América Latina. Outras chaves interpretativas propõem alternativas ao desenvolvimento e transformações nas relações entre seres humanos e humanos-natureza (TAIT; GITAHY, 2019). Há uma necessidade de se colocar a “sustentabilidade da vida” (CARRASCO, 2003; OROZCO, 2014) como pilar ético e centro de nossa sociedade e do sistema produtivo/reprodutivo. Essas duas vertentes têm contribuído para encontrar estratégias e saídas dessa “crise civilizatória” (MARIMON; TAIT, 2019). Apesar da unanimidade do movimento feminista em reconhecer a crise ambiental, o ecofeminismo precisa ser entendido de forma plural, pois abarca uma diversidade de ideias e de atores, que fazem parte dos mais variados processos político-sociais (PULEO, 2011). Segundo a autora, que o ecofeminismo não propõe o resgate a um modo de vida totalmente rural ou de um passado idealizado, muito menos o combate “com unhas e dentes” da ciência e da tecnologia; é, acima de tudo, uma reunião de propostas em busca de mudanças. Exemplos podem ser notados nos movimentos indígenas latino-americanos em prol da preservação de suas terras, em organizações de mulheres da agricultura familiar, grupos de defesa da segurança alimentar, e até mesmo na Rede de Sementes do Xingu, como mostraremos adiante. Para que possamos compreender as contribuições ecofeministas e da economia feminista, devemos ter em mente a construção de ideias que provoquem a transformação do atual modelo patriarcal de produção, reprodução e consumo, e que apontem para formas de desenvolvimento sustentáveis, equitativas e justas, mostrando-se um grande desafio teórico e prático (FARIA; MORENO, 2014; PULEO, 2011). As autoras enfatizam que tais críticas se baseiam nas diversas opressões patriarcais e ao reconhecimento das mulheres como sujeitos ativos da luta ecológica e feminista, tanto nas tomadas de decisão, quanto na busca pela conquista por emancipação e por direitos humanos e não-humanos. Existem alguns entendimentos de que o ecofeminismo reforçaria o estereótipo da mulher como defensora e salvadora da natureza e, de fato, há correntes feministas que se alinham a essas teorias. Em nosso entendimento, essa visão de “feminilização da natureza”, reforçada muitas vezes em expressões como “mãe-natureza”, “mãe-terra”, e que inserem a mulher como um ser “naturalmente feminino”, é duplamente prejudicial. Herrero (2014) considera a necessidade de uma crítica não-essencialista, que compreenda os comportamentos, 97

crenças e ações que dividem mulheres homens como construções sociais e tarefas socialmente atribuídas, e não características “intrínsecas” aos gêneros feminino ou masculino. Puleo (2012) mostra que essa percepção essencialista remete à uma noção vitoriana de “anjos do lar” que, guardadas as devidas proporções, permanece até hoje, e que também pode ser reduzida à visão atual de “anjos do ecossistema/natureza”, como se as mulheres fossem as únicas responsáveis pelos cuidados ambientais. A autora alerta para evitarmos esses “deveres naturais”, frutos também de um reducionismo biológico, porque precisamos considerar o fato de que nem toda mulher se preocupa com a causa ambiental, e que emoções e sentimentos como a sensibilidade, o amor, o carinho e a empatia, considerados socialmente como qualidades essencialmente femininas, são atributos que muitas de nós não possuem.

3.3 Mulheres e natureza: caminhos para o pensamento feminista ecológico

O ecofeminismo surgiu como movimento social nos anos 70, com o objetivo de estabelecer uma relação direta e profunda entre a exploração e dominação da natureza com a opressão das mulheres pelo patriarcado, relacionando questões de gênero, natureza e sociedade (MELLOR, 2000 apud TAIT, 2015). De acordo com a autora, esse encontro não significa que “mulher” e “natureza” apresentam uma relação inerente ou mais profunda definida pelo sexo, e sim que existem relações de ética, cuidado e empatia sendo constantemente produzidas dentro de matrizes culturais e sociais. O termo foi cunhado pela primeira vez pela escritora francesa Françoise d’Eaubonne em seu livro “Le Feminisme ou la Mort” (Feminismo ou Morte) e posteriormente popularizou-se ao redor do mundo não só por teóricas, mas a partir de ações de grupos e movimentos. Uma forma fácil de definir o ecofeminismo pode ser, simplesmente, como “o encontro entre feminismo e ecologia”. O ecofeminismo parte do princípio de que todos os seres humanos são parte da natureza, em uma relação de inter/ecodependência, na qual a natureza também deve ser valorizada e considerada como portadora de direitos (HERRERO, 2014). No contexto das coletoras, encontramos exemplos de mulheres que também concordam com a visão ecofeminista que interpreta a natureza de uma maneira não-simétrica e também de ecodependência, como é o caso de D. Vera, de Nova Xavantina, que reflete sobre o assunto ao ser questionada: “Se a gente usa a natureza, então a gente precisa cuidar dela, e você não pode machucar as árvores. Querendo ou não, eu sei que vivo da natureza e preciso dela pra viver”. Segundo ela, para realizar o trabalho de coleta, também é preciso uma conexão mais íntima e complexa com o assunto: “Eu acho que não adianta simplesmente ter vontade de coletar e 98

gostar de trabalhar; pra mim tem que ter um contato de alma mesmo”. Para Ayaneko, coletora do Movimento das Mulheres Yarang, o trabalho como coletora propõem outros significados além de geração de renda, porque permite que ela e as outras yarang reforcem o contato mais inerente que têm com a natureza. “A gente ama tudo isso, porque a gente vive só na natureza. É a natureza que ajuda você a ficar forte, porque se a natureza morrer, a árvore morre, a água do rio seca, o peixe do rio também morre e a gente morre também”. Ao longo desses anos na Rede, a jovem Milene, coletora urbana de Nova Xavantina, passou a enxergar a natureza com um novo olhar. “Na correria do dia-a-dia, a gente não para pra ver as coisas simples da vida, como uma florzinha aberta, um fruto bonito, ou a valorizar um polinizador, tipo um morcego, que tem gente que só pensa em matar. Mas quando você sabe que você depende da natureza, começa a olhar de um jeito diferente pra ela. Os meus ideais, meus sonhos, tudo mudou, porque assim como a natureza se desenvolve em estágios, a gente também começa a viver por partes, sem querer tudo de uma vez”. O sistema patriarcal, capitalista e antropocêntrico promove e amplia, nas palavras de Vandana Shiva, formas de um “mau desenvolvimento” e da privatização da vida, pelos quais a “crise civilizatória” é perpetuada, e que é fonte da violência e opressão tanto da natureza quanto de mulheres (SHIVA, 2007). Algumas coletoras também detêm um olhar crítico sobre o conceito de “mau desenvolvimento” em relação à natureza. Eliane é natural do interior de Santa Catarina, uma região dominada pela produção agrícola em grande escala e concorda com essa visão. “Meu irmão mora quase dentro da soja. Ele é caminhoneiro e puxa grão, e eu tenho certeza que ele tem uma visão diferente de nós sobre a semente, porque ele chega pra mim e pergunta ‘O que que vai fazer com tanta semente?’, e eu explico, só que ele não consegue entender a importância. Você olha pra cidade, com soja por todo lado, e é tudo muito triste, porque muda totalmente o lugar”. Muitas vezes, isso é conflituoso para as coletoras, pois grande parte dos municípios onde os núcleos coletores atuam, fazem parte de um modelo desenvolvimentista de agronegócio com pastagens extensivas e monoculturas de grande escala. Dialogando com esse contexto, Ivone Gebara (1997) afirma que a postura ecofeminista aparece numa perspectiva político-crítica, relacionada com uma história complexas de lutas antirracistas, antissexistas e antielitistas, pois são as mulheres negras, indígenas, pobres e do Sul, as primeiras vítimas dos danos ao meio ambiente, por estarem tradicionalmente em contato direto com as tarefas do lar. As mulheres também são mais vulneráveis às mudanças climáticas, à escassez de água e aos desastres naturais porque, em muitos países, representam a maior força de trabalho agrícola, além de serem responsáveis pela alimentação e economia do lar, aos cuidados da família e tenderem a ter menores oportunidades de renda (GEBARA, 1997). 99

Para muito além de vítimas, nosso entendimento é o mesmo compartilhado por outras autoras (PULEO, 2011; HERRERO, 2014, TAIT 2015, SILIPRANDI, 2015), o de que as mulheres podem ser também grandes protagonistas na luta ecológica, o que contribui para o caráter de resistência do movimento e da militância em defesa do meio ambiente). No caso das mulheres coletoras, o Movimento das Mulheres Yarang, pode ser considerado como um movimento de caráter militante, como lembrou Makawá Ikpeng, traduzida pelo sobrinho Oremê: “A gente é ativista e defende a natureza, fala que não pode queimar, tacar fogo em qualquer lugar ou derrubar árvore, só o necessário pra nossa agricultura”. O método de monoculturas intensivas também é contestado pela coletora Makawá, segundo a tradução. “Quando vejo a cidade, enxergo uns desertos enormes de plantio de uma coisa só. Pra nós isso é uma coisa absurda, a gente repudia esse ato de ficar desmatando enormes áreas de mata só pra plantar soja e sem se preocupar com o futuro...”. Essa crítica vai de encontro ao pensamento de Shiva (2003), que condena o modelo “bioimperialista”, entendido como uma fonte de escassez e perpetuamento da pobreza, ao passo que propõe que o verdadeiro desenvolvimento só poderá ser ecológica e socialmente sustentável. Todas as coletoras entrevistadas concordaram com o fato de que o trabalho de coleta pode ajudar a resolver os problemas do desmatamento e da mudança no clima, ainda que a pergunta, da maneira com que foi colocada, possa ter induzido a uma resposta positiva. No entanto, a coletora Roberizan, de Nova Xavantina, colocou uma ressalva quanto a essa questão: “Eu acho meio complicado, porque ao mesmo tempo que você tenta plantar e resolver o problema, tem o outro desmatando o que já tava pronto, né?”. Apesar dessa opinião, a maior parte das coletoras acredita que o trabalho pode ajudar a estimular outras pessoas a participarem, além de conscientizar outras para a preservação da natureza. Durante uma das rodas de conversa realizadas no último encontro da Rede, em julho de 2019, Roberizan afirmou que, no início do trabalho na Rede, o marido dela, Vilmar, não queria trabalhar com plantio, apenas manter o pasto que tinha em um assentamento próximo da cidade. Ela conseguiu convencê-lo a plantar algumas árvores de jatobá-da-mata (Hymenaea courbaril) no local e, desde então, acabaram transformando o pasto em uma floresta. “Agora ele é o primeiro a plantar. Esses dias eu estava tentando achar um local pra fazer minha agrofloresta e vi que foi tudo plantado ao redor. Até falei pra ele, ‘mas como é que tu encheu tudo assim e eu nem percebi?’. Agora lá tem tanto pé de baru, um pertinho do outro, de pequi, de jatobá... foi muito difícil achar um espacinho pra mim”, brincou. Uma de nossas hipóteses iniciais era de que o conhecimento ecológico e a consciência ambiental iriam variar de forma mais evidente conforme os diferentes grupos (indígenas, rurais 100

e urbanas) e realidades individuais das coletoras entrevistadas. Entretanto, observamos que as mulheres coletoras demonstraram, de maneira geral, ter entendimentos similares sobre a natureza e a importância de preservação da sociobiodiversidade. A participação efetiva e o engajamento na Rede, bem como os conhecimentos adquiridos ao longo da vida e do contato mais próximo que todas têm com a natureza, podem ter sido essenciais para a formação de uma consciência ecológica coletiva em torno de um bem comum.

3.4 A esfera econômica ampliada: produção/reprodução da vida

A divisão desigual de trabalhos entre homens e mulheres, bem como as diversas relações assimétricas de gênero, podem ser explicadas por meio de um longo histórico de dominação e opressão, no qual o patriarcado e o capitalismo estão profundamente presentes, além de estreitamento inter-relacionados (MIES, 1998). Uma das questões centrais do feminismo como vertente econômica se vale da crítica a respeito da divisão sexual do trabalho e como essa divisão, intrinsecamente ligada a um capitalismo patriarcal, tem sido essencialmente determinada histórica e culturalmente, tornando-se a base de sustentação para a opressão contra as mulheres (FREITAS; SILVEIRA, 2007; KERGOAT, 2009). Segundo as autoras, a opressão ocorre quando há uma hierarquização e separação das tarefas sociais baseadas no sexo - desde o âmbito doméstico até o profissional -, nas quais os homens estão sempre no topo, e as mulheres abaixo, em uma situação de profunda submissão/opressão. Em diálogo com os conceitos postulados, a economia feminista, como um campo de conhecimento, tem contribuído para a ampliação do debate sobre uma economia que não seja centrada em interesses mercadológicos/hierárquicos do sistema “capitalista-patriarcal” e que objetive a geração de condições de igualdade de gênero (FARIA; MORENO, 2012). Apesar de se basear em perspectivas plurais e heterogêneas, tanto na academia quanto fora dela, os estudos econômicos feministas buscam analisar as experiências de mulheres e suas condições sociais por meio de um ponto de vista feminista, ao ressignificar e ampliar o conceito de trabalho – entendido aqui como trabalho informal e/ou doméstico – além de inserir a esfera reprodutiva como fator decisivo à sustentabilidade da vida humana (GRECCO et al., 2018). Essa vertente epistemológica feminista considera, portanto, que a economia em si não é e nem pode ser redutível aos mercados, visto que o próprio conceito tradicional de economia tal como conhecemos precisa ser entendido a partir de ações e mecanismos de manutenção da vida, seja por dentro de esferas monetizadas ou não (CARRASCO, 2014). Assim, ao valorizar a produção capitalista sem dar os devidos créditos à “produção da vida” – ou trabalho 101

reprodutivo, que considera desde as tarefas domésticos, até as tarefas de cuidado psicológico – é o mesmo que colaborar para uma forma de exclusão social e de gênero, que faz questão de “esquecer” que metade da população mundial se encarrega em satisfazer a maior parte das necessidades humanas em condições de precariedade e desvalorização (HERRERO, 2014). Os processos de reprodução, ou produção da vida, englobam qualidades e funções entendidas tradicionalmente como femininas. Tarefas domésticas como cozinhar, lavar a louça e passar roupa, sejam por mães ou empregadas domésticas, até ocupações relacionadas aos cuidados com a saúde humana (cuidadoras de idosos, enfermeiras e mulheres que cuidam de entes familiares ou amigos sem cobrar pelo trabalho...), além do próprio bem-estar subjetivo - que englobam expressões como o carinho, a criatividade, as relações afetivas e amorosas, o cuidado com a natureza e o bem-estar animal, etc. (PICCHIO, 2012). Nesta perspectiva, a economia feminista entra como uma crítica à invisibilização desse tipo de trabalho e da participação econômica das mulheres, principalmente quando se refere ao trabalho não- remunerado ou ao trabalho de baixa remuneração. Neste caso, é preciso voltar o olhar crítico a uma economia hegemônica que, ao mesmo tempo que é baseada e reproduzida nas desigualdades entre homens e mulheres, também rejeita o próprio rótulo de trabalho para essas atividades que não visam ao lucro e que não estão propriamente inseridas no mercado de trabalho (OROZCO, 2014). Ao longo dos últimos anos, as mulheres têm se inserido cada vez mais no mercado de trabalho e contribuído para alterar a lógica implícita do modelo tradicional “fordista” de “homem-provedor e mulher dona-de-casa”, implementado em meados do século XX (CARRASCO, 2003). Mesmo assim, a autora ressalta que até hoje os sistemas sociais e as estruturas permanecem praticamente iguais, e cita como exemplo a criação dos filhos, inserindo as seguintes perguntas: como é possível que as férias das crianças tenham duração de três meses e a dos pais no máximo um mês (isso quando têm a possibilidade de férias remuneradas)? E quanto ao horário escolar que não coincide com o trabalho? Com essas indagações, notamos que os processos de reprodução humana continuam invisíveis, mesmo com a função básica dos lares como centros de gestão, organização e cuidado da vida permanecendo inalterada. As desigualdades econômicas de gênero são uma realidade evidente no contexto brasileiro. No país, as mulheres representam a maioria da população, mas também estão inseridas nos postos de trabalho menos valorizados e, mesmo com o aumento da participação feminina no mercado nas últimas décadas, continuam recebendo cerca de ¾ do que os homens recebem de salário, sendo que as mulheres negras são as que mais exercem ocupação por tempo parcial, com 31,3% do total (IBGE, 2018). Na realidade rural, a concentração de terras 102

geralmente fica nas mãos dos homens, que detêm 94,5% do total das áreas e têm a posse de aproximadamente 87% dos estabelecimentos rurais (OXFAM BRASIL, 2016). Picchio (2012) toma como base o Relatório de Desenvolvimento Humano realizado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) para explicar que a quantidade de trabalho reprodutivo e não-remunerado é maior do que o trabalho produtivo e remunerado feito por mulheres e homens. A participação ainda minoritária dos homens nos cuidados do lar, o que contribui para a manutenção deles no mercado de trabalho, enquanto sobrecarrega as mulheres, que acabam tendo de lidar com duas cargas diferentes de trabalho: (...) a partir desta perspectiva, se vê com clareza que a mulher que faz o trabalho de reprodução não estará em condições, por sua vez, de lidar com o mercado de trabalho formal. (...) Neste sentido, para que as políticas de igualdade de oportunidades sejam efetivas, elas teriam que promover uma mudança nas relações e nas regras fundamentais que estruturam o mercado de trabalho, em termos de horários, lugares, salários, estresse e segurança. Isso significa uma mudança na própria estrutura do sistema capitalista (PICCHIO, 2012, p. 20).

A economia feminista ressalta a relação de interdependência entre espaço público e privado, entre a produção e a reprodução, a geração de trabalho e renda no “mercado capitalista” e os trabalhos de cuidado, visto que há uma necessidade não só de valorizar o trabalho realizado majoritariamente por mulheres devido a fatores culturais e históricos do capitalismo-patriarcado, mas também de inserir os homens como sujeitos ativos e integrantes desse processo, que deveria ser feito de forma igualitária (FARIA; MORENO, 2012). Carrasco (2003) afirma que, se antes o apagamento e/ou subrepresentação das mulheres nos espaços de decisões formais e informais se dava em razão de uma lógica ideológica, fundada em preceitos patriarcais, hoje a motivação tem caráter econômico: o que permanece oculto não é o trabalho doméstico (que também insere-se na lógica do trabalho reprodutivo), mas a incapacidade de relacioná-lo à produção capitalista. De maneira geral, a participação das mulheres na esfera doméstica, segundo a referida autora, ocorre de forma precoce, apenas cessando as atividades quando as condições de saúde já não permitirem mais de forma alguma; já a participação doméstica masculina é minoritária e bastante linear, sendo que o “Homo economicus” dedica o tempo dele ao mercado de trabalho formal e não é estimulado a se preocupar com o bem-comum, se engajando em atividades mais individualistas. Esse desequilíbrio entre os gêneros, ainda que funcional a esse sistema “anti-mulheres”, já apresenta indícios de insustentabilidade frente à realidade atual (MIES, 1998). Orozco (2014) chama atenção para o crescente fenômeno da “crise dos cuidados”, tomando a situação na Espanha para explicar que essa crise revela-se como um momento de transição ao se colocar em xeque os tradicionais modelos desiguais, que têm implicações de gênero, de divisão de 103

tarefas de cuidado e sustentabilidade da vida. Isso gera mudanças superficiais, mas, ainda assim, pode ser uma oportunidade para pensarmos novos modelos de reorganização e redistribuição do trabalho de cuidados (MARIMON; TAIT, 2019) Tendo em vista a diversidade de sujeitos/mulheres desta pesquisa e as inúmeras especificidades da realidade brasileira rural, indígena e urbana, inserir uma perspectiva sobre economia feminista/ecofeminista para analisar as questões no âmbito das mulheres coletoras mostrou-se um enorme desafio. Como forma de contribuirmos para essa discussão e nos colocarmos também como críticas, analisamos algumas respostas sob uma perspectiva feminista. Uma das primeiras percepções das coletoras que nos chamou a atenção foi o fato de julgarem que o processo de trabalho com as sementes é “mais bem feito” pelas mulheres do que pelos homens. A coletora Eliane, do PDS Bordolândia, acredita que “...a mulher tem mais jeito. Tudo que ela quer fazer, ela faz bem feito, bem limpinho. Tudo que a gente quer cuidar, quer cuidar com carinho. Então por isso que eu acho que é mais fácil pra uma mulher limpar uma semente do que um homem”. Em relação à coletora Sônia, do mesmo assentamento de Eliane, é o marido quem faz um trabalho mais cuidadoso na limpeza das sementes, segundo ela. Ao contrário do que Eliane diz, Sônia afirma: “Aqui em casa não é assim, porque aqui quem é detalhista é ele. (...) No fim, tem homem que é cuidadoso e tem mulher que é relaxada até demais”. Nosso entendimento vai de encontro com a última afirmação da coletora Sônia, visto que as teorias feministas revisitadas até aqui já provaram que esse entendimento de que as mulheres são “naturalmente mais delicadas” faz parte de uma construção social e de um projeto de dominação. Por exigir maior cuidado, delicadeza e atenção, entender essa atividade dessa maneira também pode ser um problema para a inserção de outros homens coletores no processo de limpeza de sementes, que podem, inclusive, acabar deixando a parte mais trabalhosa justamente para as mulheres. Foi interessante observar também, que ao longo das entrevistas, todas as entrevistadas responderam que a frase “lugar de mulher é em casa, na cozinha, lavando e passando...”, está datada e deve ser desconsiderada, com exceção de uma coletora idosa. É interessante notarmos que essa mesma idosa, que afirmou concordar com a frase, é a responsável por cuidar diariamente do marido doente e acamado e que, até então, ele a impedia de sair mais longe para coletar sementes, por ciúmes. Hoje, por não ter forças físicas e por ser totalmente dependente dos cuidados da esposa, o marido não pode mais impedi-la de sair de casa, fato que a coletora enxerga como uma irônica liberdade que adquiriu, por conta da triste situação do companheiro. Em contradição com a maior parte das respostas sobre a frase “lugar de mulher”, nós percebemos, durante as entrevistas, que as práticas diárias de algumas delas eram, por si só, 104

contrárias a esse entendimento. Nos deparamos, por exemplo, com cenas em que as mulheres eram as únicas que estavam, naquele momento, realizando tarefas do lar, como lavar as roupas na máquina de lavar ou no tanquinho; lavar e secar a louça (Figura 20); preparar o almoço; cuidar das crianças e ficar de olho nos filhos pequenos enquanto brincavam próximos a nós... Uma delas, inclusive, até solicitou para que a filha mais velha, uma adolescente, fizesse um café e buscasse água para nos servir, enquanto o filho mais novo, um menino de aproximadamente sete anos, brincava de carrinho na terra, próximo à mãe. Além dos cuidados com as sementes, a coletora Eliane é quem realiza todo o cuidado do lar e dos dois filhos pequenos, enquanto o marido sai para trabalhar fora. Ao ser questionada se ela possui algum outro trabalho além da Rede, Eliane responde: “O meu maior trabalho é aqui dentro de casa; quem cuida de tudo aqui sou eu”. Desse modo, é importante levarmos em conta o fato de que a realidade das mulheres coletoras, tanto rurais, quanto urbanas e indígenas, está envolta, em sua maioria, em trabalhos não-remunerados e de cuidados, dos quais grande parte delas são as maiores responsáveis. Esse peso que recai sobre as coletoras está intimamente relacionado ao processo de divisão sexual do trabalho, principalmente se falarmos das mulheres rurais e urbanas. Assim, quando comparadas aos homens, as horas em que essas mulheres se dedicam aos trabalhos domésticos/de cuidados não permitem que elas disponham de tempo para exercer outras atividades – como de lazer, por exemplo -, muito menos investirem em direitos básicos, como a própria educação e maior participação social (SCHOTTZ et al., 2015). Ao longo da pesquisa, também tivemos a oportunidade de ouvir a fala de coletores homens. Conversamos informalmente com alguns deles e ainda entrevistamos dois companheiros de duas coletoras urbanas, que também trabalham junto às esposas na coleta de sementes. Os dois relatos apresentaram algumas semelhanças que merecem destaque. Ambos afirmaram, por exemplo, que não consideravam que realizavam o papel de “homem da casa” e que o dinheiro arrecadado, tanto com a venda das sementes quanto de outros trabalhos remunerados, era controlado igualmente pelo casal. Além disso, no caso deles, as esposas eram as que detinham a maior renda econômica do lar, pois eram as únicas com empregos formais e com carteira assinada. Mesmo assim, quando questionados sobre o serviço da casa, os homens afirmaram que “ajudavam” as mulheres, mas a maior parte das tarefas domésticas, como limpar a casa, cozinhar e os cuidados dos filhos, é designada para as mulheres.

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Figura 20. D. Conceição lava a louça e prepara o almoço para ela, a neta e o marido. Foto: Autora.

Discursos semelhantes relacionados a economia do cuidado foram observados também entre coletoras rurais e indígenas. No caso das indígenas, por exemplo, são elas que ficam encarregadas de preparar a alimentação das crianças antes de saírem para coletar sementes, também acompanhadas dos filhos e netos, dos quais precisam tomar conta enquanto estão trabalhando na floresta. Além de se destacarem pela maior carga de trabalho na coleta, também participam das atividades da roça e cozinham. Em relação às coletoras do TIX, aos homens fica encarregado o trabalho de abrirem caminho na floresta ou indicarem as melhores matrizes. Algumas críticas a posturas machistas foram feitas durante uma das falas da coletora Rosinha* [nome fictício para preservar a identidade], que afirma já ter sofrido violência verbal do marido por ele não aceitar o trabalho dela na Rede. “No início ele ficava nervoso, me interrogando, querendo saber porque é que eu estava me envolvendo nisso, dizendo que isso não leva a nada, que não dá dinheiro. Mas eu disse que o trabalho é meu, que eu vou continuar e ponto”. Para a coletora, que entende o comportamento do marido como uma atitude sexista, machismo é “o homem que bate em mulher, que tem preconceito com mulher que está numa posição que ele acha que não deve estar; é a mulher querer ser independente ou até dirigir um carro e não poder; é o homem que acha que tudo ele pode e a mulher não”. Ao ingressar na Rede, aos 15 anos de idade, Milene, de Nova Xavantina, lembra que as pessoas chegavam a duvidar da capacidade dela, tanto como coletora, quanto como pessoa responsável pela Casa de Sementes. Ela acredita que tal preconceito ocorreu pelo fato de ser jovem e mulher. “Na Casa de Sementes, por exemplo, tem que pegar muito peso, aí as pessoas pensam que sou incapaz. Não que seja fácil, e que eu consiga pegar muito peso, mas eu vi 106

muito isso também pra coletar sementes, porque às vezes pensam que, por ser mulher, não vai conseguir coletar toda semente que tem na lista. Mas no final a gente prova que dá conta, sim”. Milene também observa olhares preconceituosos quando está vestida para trabalhar na coleta de sementes. O vestuário contempla botina, calça, camisa velha de manga comprida e um pano ou chapéu na cabeça para se proteger do sol (Figura 21). “Você anda na rua e sente os olhares das pessoas te olhando de cima a baixo. Não são todos que entendem, e aí pensam ‘nossa, que mulher desleixada, ela não se cuida’. Mas eu não sou desleixada, eu só gosto do meu trabalho”. Em um dos discursos de Roberizan, a coletora de Nova Xavantina corrobora parte da teoria da economia feminista que mostra como a carga de trabalho para as mulheres é maior do que para os homens. “Eu faço serviço de homem e de mulher. E acho que se eu faço, as outras mulheres também fazem. D. Vera [coletora de Nova Xavantina] também faz tudo, porque ela não tem marido, então faz desde a limpeza da casa, até o trabalho com as sementes. E nós ainda tomamos conta da casa, do marido, do filho, trabalhamos fora. Tem que dar conta de tudo”.

Figura 21. D. Vera, de “uniforme”, sobe em árvores para coletar sementes. Foto: Autora.

3.5 A sustentabilidade da vida, o cuidado com a natureza e a co-responsabilidade

São comuns discursos que vão de encontro com os ideais propostos pela chamada economia do cuidado com a natureza, ou ainda “economia do conhecimento da natureza” (ABRAMOVAY, 2018), entre as coletoras. D. Valdivina (Figura 22), por exemplo, descreveu em sua fala a maneira com que essa lógica perpassa todo o processo de coleta e processamento das sementes: “Eu tento fazer como eles ensinam na oficina [treinamentos promovidos pela Rede de Sementes do Xingu] e cuidar direitinho. Eu não chego lá numa área, na árvore, e penso 107

que quero dinheiro pra depois arrancar a semente de lá. Não, eu vou lá dizer pra uma mãe que vou levar os filhinhos dela pra cuidar em outro lugar que tá precisando. Porque eu acho que o que move muito é o amor e o respeito pela natureza, por tudo”. A partir desse olhar amoroso, D. Valdivina também acredita que as áreas onde ela coleta são mais preservadas e dá outro exemplo de cuidados que têm com as matrizes: “Quando eu percebo que elas estão meio ‘sentidas’ eu levo água e cuido delas e elas agradecem. Cuido também dessa mirindiba linda perto do rio. Eu chamo ela de centenária”. D. Valdivina foi destacada pelas coletoras e coletores de Nova Xavantina como a que realiza o trabalho de maior qualidade quando a questão é a limpeza e qualidade das sementes. A economia feminista e o ecofeminismo, ao contribuírem para pensarmos soluções relacionadas à crise da sociobiodiversidade, questionam o reducionismo e tendências biocidas das teorias econômicas ortodoxas que desconsideram a manutenção do planeta (SHIVA, 2003, MARIMON; TAIT, 2019). Existe uma tendência crescente de ambas as vertentes em colocarem a sustentabilidade da vida como pilar central para garantir as condições de vida das futuras gerações. O trabalho das mulheres da Rede de Sementes do Xingu corrobora com as contribuições feministas e também comprova a falsa ideia de ruptura entre as atividades produtivas e reprodutivas. Ao mesmo tempo em que o trabalho de coleta agrega renda e detém influência nas decisões econômicas do lar, também carrega um valor subjetivo de cuidado da natureza. As mulheres coletoras de sementes da ARSX atuam abrindo caminhos para a sustentabilidade e a igualdade de gênero em suas práticas concretas, principalmente quando tomam a frente das decisões do trabalho e quando provam que são capazes de realizar um trabalho tão bem feito, ou até melhor, quanto qualquer homem (o que, mesmo assim, não excluiria a responsabilidade deles de realizarem uma parte importante do trabalho), além de demonstrarem uma sincera e profunda preocupação pela natureza, e as questões ambientais/climáticas, como visto nos tópicos anteriores.

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Figura 22. D. Valdivina ao lado de uma de suas matrizes de sementes. Foto: Autora.

Também tem sido observado por alguns estudos realizados no âmbito da Rede que onde as mulheres atuam como protagonistas na produção, a renda tende a ser revertida para a família (ISA, 2017), o que demonstra um senso maior de coletividade e de cuidados com o próximo, fator que não é tão observado no sexo oposto. Mesmo assim, durante as conversas, também percebermos que os homens coletores reconhecem a importância das mulheres, não apenas no trabalho de coleta (muitas vezes eles destacam as mulheres como sendo as “mais produtivas”, que realizam trabalhos de “melhor qualidade”, etc.), mas também na manutenção do lar a partir da geração de renda. É claro que, se ampliarmos o escopo de análise para os homens em geral, sabemos que tal percepção não é compartilhada por todos. Se nós tivéssemos focado em outro ângulo da pesquisa e entrevistado uma maior quantidade de homens, nossa hipótese é de que, certamente haveria opiniões até mais próximas da lógica capitalista-patriarcal, que não enxergariam a relevância e o peso dos trabalhos de mulheres. Dada a limitação de tempo, tal hipótese não pôde ser comprovada. Nossa pesquisa também observou que a oportunidade de exercer atividades fora do espaço doméstico e em prol de uma causa socioambiental, tem colaborado para o aumento da autoestima dessas mulheres, que sentem que estão realizando um trabalho não apenas em benefício próprio, mas para o bem comum. As atividades de cuidados, tanto com os territórios e a “terra comum”, são colocadas como questões centrais, como centro político-econômico, e de responsabilidade de todas e todos, a partir de uma alteração de paradigmas e com a inserção dos mais diversos atores (FARIA, MORENO, 2012; HERRERO, 2014). É importante frisar 109

que não temos objetivo de mostrar que as mulheres se tornem as “salvadoras do planeta”, pois entendemos que tanto homens quanto mulheres precisam se perceber como “fazedores da cultura” e integrantes de uma natureza ameaçada e que precisa da união e cuidados de ambos para que seja salva, ou que ao menos os problemas sejam minimizados (PULEO, 2011). A visão construtivista afirma que a relação profunda das mulheres com a natureza não está relacionada com características biológicas intrínsecas ao sexo feminino, mas com uma construção social a partir dos papéis de gênero, da divisão social e sexual do trabalho, da distribuição do poder e da propriedade (HERRERO, 2014). E é exatamente dessa visão que nós compartilhamos aqui nesta pesquisa ao exemplificar discursos de mulheres coletoras. A partir das discussões anteriores e de maneira ampla, consideraremos o conceito de sustentabilidade da vida (humana e não-humana) como um conjunto de processos produtivos e reprodutivos e modos de organização social articulados por princípios éticos e políticos de relações harmônicas não exploratórias, entre natureza e humanidade, bem como entre mulheres e homens, e distintos grupos sociais (MARIMON; TAIT, 2019). As mulheres entrevistadas, por exemplo, mostraram em suas práticas uma preocupação direta com essa sustentabilidade e a importância das mulheres com seus saberes e sensibilidade frente à natureza.

3.6 Um outro olhar sobre o extrativismo e o futuro do planeta

Desde o início do século XXI, a América Latina vem acompanhando a ascensão e decadência de governos progressistas. Nesse tempo, fortaleceram-se correntes de pensamento aliadas a práticas coletivas populares de resistência territorial “para além do desenvolvimento”, especialmente o “Buen Vivir” (Bem Viver) e o “pós-extrativismo”, que promovem uma revisão sobre o passado colonialista, enfatizando a colonialidade persistente e seus aspectos sociais de desigualdade e discriminação (ACOSTA, 2016b). Nesse caso, de acordo com o referido autor, o Bem Viver critica a adoção de estilos de desenvolvimento insustentáveis (mesmo em governos progressistas) de características neoextrativistas, presentes tanto em setores clássicos como de mineração e hidrocarbonetos, como em práticas agroindustriais, na gestão de recursos hídricos e na exploração da biodiversidade. O crescimento dessa corrente de pensamento acompanha os conflitos em torno dos crescentes impactos sociais e ambientais de grandes empreendimentos e tensões sociais, notadamente de grupos atingidos mais diretamente, como indígenas e rurais (MARIMON; TAIT, 2019) É preciso esclarecer que a rejeição aos estilos de desenvolvimento extrativistas tem 110

origem em uma definição de um tipo de extrativismo hegemônico, especialmente predatório, de megaempreendimentos (SVAMPA, 2016). Entretanto, há métodos de extração de recursos naturais extrativistas e de baixo impacto sobre a natureza, que são empreendidos por comunidades locais, como é o caso da coleta de sementes, que se encarados dessa forma, mostra-se como uma alternativa a esses modelos hegemônicos. Assim, a crítica ao neoextrativismo prevê tanto a sua superação, entendida como um “pós-extrativismo”, quanto a existência de momentos de transição. Para Gudynas (2016) uma primeira fase de uma transição ao pós-extrativismo seria sair urgentemente do extrativismo tal como o conhecemos, que desconsidera os limites ecológicos, e passar para um “extrativismo sensato”, que respeita e cumpre de maneira ética as leis e normas sociais e da natureza; e, por fim, seguir em direção ao “extrativismo indispensável”, em que apenas os empreendimentos essenciais à manutenção da qualidade de vida e às necessidades individuais e coletivas permanecerão. No caso das coletoras e coletores da Rede de Sementes do Xingu, verificamos que suas atividades podem ser enquadradas em uma categoria intermediária entre o extrativismo sensato e o indispensável. Em relação ao neoextrativismo e ao agronegócio explorador claramente presentes na região de atuação da Rede de Sementes do Xingu (além do agronegócio, existem em regiões como Nova Xavantina, por exemplo, mineradoras mecanizadas de extração de ouro) podemos afirmar que as mulheres coletoras, à sua maneira, têm captado os reais impactos dos modelos do novo paradigma tecnológico, visto que tais práticas estão diretamente ligadas ao que autoras ecofeministas chamam de “masculinização do território” (HERRERO, 2014; PULEO, 2011). Além das coletoras, alternativas coletivas contra a expansão desenfreada do agronegócio podem ser notadas ao longo de toda a América Latina: São vozes pessoais e ao mesmo tempo coletivas, cuja escuta atenta nos situa em diferentes níveis de pensamento e ação, pois atrás da denúncia e testemunho é possível ver a luta concreta e corporificada das mulheres nos territórios, mas também a dessacralização do mito do desenvolvimento e a construção de uma relação diferente com a natureza. Não poucas vezes vai surgindo a reivindicação de uma voz livre, honesta, uma voz própria, que questiona o patriarcado em todas as suas dimensões e busca recolocar o cuidado em um lugar central e liberador, associado de modo indiscutível a nossa condição humana. Em um mundo cada vez mais mercantilizado, onde a totalidade de nossos bens comuns naturais estão cada vez mais submetidos a pressão do capitalismo neoliberal, a ética do cuidado vem a ser uma pedra fundamental para repensar as relações de gênero, assim como as relações com a natureza (SVAMPA, 2019, p. 118, tradução livre nossa, apud MARIMON; TAIT, 2019).

Feministas comunitárias, como a indígena maya-xinka Lorena Cabnal (2010), falam sobre a cosmovisão e a reciprocidade entre corpo e natureza, complementaridade entre homens e mulheres, a comunidade entre todas e todos, incluindo natureza, dentro de uma cosmovisão mais ampla de bem viver. Esse tipo de feminismo tem atuado na resistência aos projetos 111

neoextrativistas. Outras questões colocadas são: 1) a complementaridade entre todos os entes do mundo; 2) um pensamento que mantém dualidade sem ser dicotômico; 3) um feminismo que parte da comunidade, da solidariedade, do comum e não do indivíduo; 4) a união “território-corpo-terra”, ou “corpos-territórios”; 5) a relação fundamental entre o pensar-sentir- agir; 6) que o modo de vida contemporâneo e ancestral se complementam e que o futuro depende da manutenção dos saberes ancestrais (TAIT; GITAHY, 2019). Na opinião de grande parte das coletoras, se caso as práticas predatórias como as neoextrativistas não cessarem e o desmatamento e as mudanças climáticas continuarem se intensificando, as expectativas quanto ao futuro do planeta são pessimistas. Para Roberizan, o futuro é incerto. “Tem horas que a gente pensa que parece que vai pegar fogo de tanto calor que faz. Mas eu não sei ao certo o que vai ser daqui pra frente. Sei que temos que fazer alguma coisa. Se a gente quer um futuro melhor, nós não podemos ficar de braços cruzados. Agora o que vai acontecer, só Deus sabe. Não dá pra falar”. De acordo com Milene, “As pessoas que têm poder político e econômico, em vez de se preocuparem, estão tocando mais terror. Eu creio que o futuro do nosso planeta está condenado a um triste fim. Por mais que o nosso trabalho seja pra restaurar a floresta, ainda é um pequeno grupo de pessoas que faz isso. Mas eu sei da importância do nosso trabalho, e creio que se não tivesse sendo feito, seria pior ainda”. Na América Latina como um todo, coletivos de mulheres indígenas vêm desenvolvendo práticas a partir de vivências comunitárias e políticas de ativismo populares. Essas contribuições também podem se inserir no denominado feminismo comunitário - que encaixa- se no contexto dos feminismos pós-coloniais e descoloniais - e ressaltam que o corpo das mulheres não pode ser pensado fora de sua relação com os territórios, a terra e a natureza, e que não existe possibilidade de manter os bens comuns sem as comunidades ou essas sem o respeito à autonomia de homens e mulheres, (TAIT et al., 2019; TAIT; GITAHY, 2019). Exemplos como de coletivos que empregam elementos dessa visão foram observamos também durante os encontros da Rede de Sementes do Xingu, a exemplo do Movimento das Mulheres Yarang. Esse não é um grupo autodenominado feminista (aliás, as entrevistadas nunca tinham ouvido falar do termo feminismo, quando perguntadas em português), mas o fato de elas entenderem a si mesmas como mulheres ativistas e na linha de frente em defesa da natureza, além de serem críticas às práticas do atual sistema capitalista, são fortes indicativos de que suas ações têm efeitos práticos que vão de acordo com os pensamentos feministas indígenas/comunitários. Como um todo, as coletoras da RSX, em suas ações e discursos, apresentam semelhanças com o modo de resistência territorial e agrícola descrito por Svampa (2019). Elas têm protagonizado formas de resistência coletiva e mostrado a sua capacidade de 112

unir forças em direção a um novo tipo de extrativismo, sustentável e não predatório, que agrega laços familiares e comunitários, promove um protagonismo feminino singular, gera renda e colabora para um processo de emancipação econômica das mulheres contempladas na Rede.

3.7 O Bem Viver nas práticas das mulheres coletoras de sementes

No sentido de construção de alternativas ao desenvolvimento que sejam concebidas a partir de territórios latino-americanos (chamados também de Abya Yala), algumas ideias têm se agrupado em torno do Bem Viver, que não leva em conta apenas a conservação da natureza, mas os impactos diversificados na vida cotidiana de comunidades e território (GUDYNAS, 2016; ACOSTA 2016a). O Bem Viver “pode ser caracterizado de forma muito breve e esquemática, pela crítica a ideologia do progresso, ao crescimento econômico e intensa apropriação da natureza (...) defende que se assegure uma qualidade de vida que transcende a dimensão material, individual e antropocêntrica” (GUDYNAS, 2016, p. 182). Uma das maiores contribuições do conceito está na construção de pontes entre conhecimentos ancestrais e modernos, assumindo que a construção de saberes é um processo social (ACOSTA, 2016a). Assim como nessa corrente de pensamento, ao longo de toda nossa pesquisa documental e de campo, percebemos que as coletoras se articulam a partir de uma lógica de ruptura com o modelo econômico “ortodoxo”, ao colocar elementos da sustentabilidade, da diversidade cultural, identidade e da solidariedade acima de alguns interesses individualistas, como geração de produtos, mercantilização e lucro, como pudemos observar em discursos e ações durante encontros, bem como na própria dinâmica de funcionamento da Rede. Nota-se o comprometimento com um tipo de economia denominada “economia solidária” ou “de base comunitária”, que não se configuram segundo lógicas liberais que têm a livre competitividade e a maximização de lucros como caminhos. Ao adotar um pensamento associado ao Bem Viver (bem como à economia solidária e feminista), a RSX atua com princípios como: 1) fortalecimento comunitário, 2) geração de relações harmônicas com a natureza, 3) divisão de rendimentos e trabalhos, 4) auxílio mútuo por laços de solidariedade e respeito à diversidade e 5) gestão compartilhada e autogestão, entre outros. Esses princípios foram trabalhados por autores como Acosta (2016a) e Singer (2002) no âmbito das propostas em torno ao Bem Viver e a Economia Solidária. Na realidade de trabalho das coletoras, a lógica do cuidado com a natureza também perpassa as gerações mais novas das famílias, como podemos observar nesta fala de D. Valdivina sobre a neta: “Ela é bem pequenininha e chegou no mercado pedindo pra mãe dela 113

que queria dar um presente pra mim. Ela pegou um pacotinho de sementes de alface, pediu pra embrulhar pra presente e me trouxe. Às vezes eu vou coletar pertinho do rio, ela vai comigo e fala: ‘vó, essa semente aqui você colhe? E essa aqui é linda. Vó, vamos levar?’, e ajuda a coletar a semente”. Além disso, D. Valdivina acredita no potencial do trabalho dela: “Se refloresta, então melhora a condição do ar, do oxigênio da Terra e ajuda a recuperar a água dos rios”. A coletora também entende que é parte da natureza e, por isso, precisa zelar por ela. “Pra mim, o meio ambiente é tudo de bom. É as árvores, as flores, os pássaros, as criações de animais que a gente cuida. Eu faço parte e tudo que eu quero pros meus netos, minhas filhas e pros que virão, é um mundo melhor. Quero que tudo tenha mais qualidade de vida”. Dona Cleuza, do assentamento Macife, afirma que existe um sentimento de frustração quando, mesmo com tanto trabalho, ainda há desmatamento descontrolado. Isso não a impede, todavia, de insistir no trabalho. “O que ainda dá muita alegria é que a gente ainda vê as sementes sendo plantadas. E eu acho que isso é muito importante”. Segundo ela, o ideal é que houvesse um maior número de pessoas engajadas. “É pouco, na realidade eu sei que é bem pouquinho, mas se tivesse mais gente com essa consciência, a gente estaria numa situação bem melhor”. Dona Vera, de Nova Xavantina, confia que o seu trabalho tem um grande potencial de ajudar o planeta. “Eu tô colhendo aquela semente que vai me ajudar e também ajudar o planeta inteiro. Essa árvore que eu tenho aqui na porta, uma semente caiu ali, nasceu, eu não cortei, e agora ela dá uma sombra fresquinha. Isso dá aquela alegria no coração da gente, sabe? Se não tivesse ela, a casa aqui seria quente. E acho que na mata é a mesma coisa. Quando você planta e volta pro mesmo lugar, você já vê que tem sombra e sabe que você contribuiu para aquilo ali, e isso é muito bom”. Já D. Odete, a coletora mais idosa e também residente do Macife, faz um alerta para quem decidir desrespeitar o trabalho dela. “Outro dia uma neta minha falou ‘se a vovó morrer e alguém inventar de derrubar aquele mato ali, ela levanta da terra e vem’. E é isso mesmo. Então se cuida, se na minha falta inventarem de desmatar perto das nascentes e mexer na reserva, vai ser um pau pra quebrar!”, acrescenta, aos risos. A recuperação de áreas degradadas, promovida pelas ações da RSX, representa pouco mais de 1% do total desmatado na região Xingu-Araguaia. Se encarada por um olhar pessimista e tendo em vista o atual cenário político brasileiro e internacional, essa porcentagem pode parecer insignificante e desanimadora aos olhos de quem vive e até mesmo para as próprias coletoras, que admitem que é preciso haver ações mais radicais de combate ao desmatamento. Todavia, nossa pesquisa tem indicado que uma transformação radical também pode ocorrer partindo de ações, em princípio, localizadas. É por isso que, quando introduzimos a lógica do Bem Viver, nós percebemos a importância das estratégias político-sociais rumo a mudanças 114

que partem de níveis locais e regionais, para que haja transformações a nível global (ACOSTA, 2016a). Afinal, se toda ordem social é criada por nós, o caos que tanto criticamos também é obra nossa, e se fomos capazes disso, também podemos sair dele (TORO; WERNECK, 2018).

3.8 Considerações do capítulo

É inegável que as práticas ecofeministas perpassam todo o processo de trabalho das coletoras. A Rede é um exemplo de uma iniciativa de sucesso que tem englobado o protagonismo de mulheres indígenas e não-indígenas na resistência contra as ações de desmatamento que assolam a região e na busca por uma maior autonomia econômica e social, demonstrando que também é possível tomar a frente nos processos de liderança. As sementes, elementos centrais do seu trabalho, podem ser também consideradas como importantes e fundamentais símbolos de resistência. Representam não só o ato de recuperar áreas degradadas, mas também são uma forma de explicitar a diversidade de conhecimentos e o fortalecimento das relações de cooperação e de organização social e democráticas (TAIT, 2015). Nas entrevistas e em suas práticas, as mulheres demonstraram clareza no entendimento de que, ao destruir a diversidade socioecológica, a degradação ambiental torna-se inevitável. Se não houver uma alteração na lógica atual da economia, dificilmente a bio e sociodiversidades poderão ser mantidas na região, no estado e no país, pois como aponta Shiva (2003), a sustentabilidade e a diversidade cultural são elementos intrinsecamente conectados. As coletoras também mostram afinidades com as propostas vinculadas ao Bem Viver e ao feminismo comunitário - de valorização e potencialização do entrecruzamento entre conhecimentos para a geração de novos saberes e de políticas de desenvolvimento com características próprias, adaptadas às suas necessidades e territórios. Aprender com as teorias feministas e com práticas como as das coletoras da Rede de Sementes do Xingu contribuiu para ampliar a nossa visão de mundo, mas não podemos parar por aí. Sabemos que não é possível avançar apenas com algumas ações locais ou políticas de preservação isoladas. A mudança tem que ser profunda, como apontam o ecofeminismo, a economia feminista e a prática coletiva do Bem Viver. É urgente uma maior pressão social para limitar políticas que favoreçam grandes empreendimentos e regimes de “mercantilização territorial”, que expulsam a população local e desconsideram seu direito de existência indissociável aos territórios, assim como os direitos de existências da própria natureza. As mulheres coletoras já começaram o seu trabalho rumo a novos sentidos e práticas para construção de novas relações entre natureza-sociedade. Elas contribuem com sua própria 115

existência, mostrando a possibilidade de que a relação entre discurso político, práticas cotidianas, lógica do cuidado e concepções éticas parecem ser aspectos mais interessantes na constituição de uma epistemologia engajada e realmente forjada no mundo da vida, e por suas relações de interdependência e sustentabilidade (MARIMON; TAIT, 2019). Como explicitado na introdução, a semente simboliza a geração e nascimento de uma vida e, consequentemente, a capacidade de sustentabilidade dela, que depende não apenas de si mesma, mas de diversos outros fatores externos, tanto naturais quanto sociais. Se fizermos uma analogia, as mulheres coletoras podem também ser entendidas como sementes que brotaram e que agora, rumo à luz do Sol, estão em busca da sustentabilidade de suas vidas e da de outros seres. Além disso, como dito anteriormente, por mais que tenhamos resgatado conceitos e teorias de feministas do Sul, tem sido um grande desafio abrir espaço para um diálogo sobre as especificidades do Brasil e de cada grupo estudado (indígenas, rurais e urbanas). Desta forma, esperamos que esse capítulo tenha servido como uma contribuição para ampliarmos o leque de discussões teóricas a respeito de uma economia feminista e um ecofeminismo centrados em uma perspectiva singular. Ao demonstrarmos, por exemplo, que o trabalho de coleta não é uma tarefa fácil e que é preciso ser conciliado com diversas outras funções dadas como “femininas”, temos aqui um grande desafio de alterarmos as perspectivas presentes fora e dentro da própria Rede de Sementes do Xingu. Em relação ao ecofeminismo, queremos deixar a possibilidade de projetarmos soluções que não apenas coloquem as coletoras como vítimas das mudanças climáticas e ambientais, ou como protagonistas de uma luta ecológica, mas também de refletir sobre os papeis de homens e tomadoras/es de decisão dentro dessas ações. Afinal, uma transformação tão radical como essa não pode simplesmente pesar apenas para um lado da história. As coletoras agem em direção a uma alteração de paradigmas, mas nunca sozinhas. É necessário o trabalho incansável e solidário entre mulheres e homens de muitos territórios para gerar mudanças em nosso atual paradigma de produção-reprodução da vida e noções de desenvolvimento, semeando novos caminhos que possam frutificar na sustentabilidade da vida.

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CAPÍTULO 4:

MULHERES INDÍGENAS COLETORAS DE SEMENTES: UM RECORTE DOS

POVOS IKPENG, WAUJA E XAVANTE

INTRODUÇÃO

Diferentemente do “mito do bom selvagem”, o qual enxerga as sociedade indígenas como povos isolados que vivem em completa harmonia com a natureza e como ecólogos natos da conservação (FERNANDEZ, 2011), nesta pesquisa entendemos que a ecodependência, no caso dos povos originários, também pode ocorrer das mais variadas formas, desde necessidades ecológicas até econômicas e/ou culturais. Segundo Silvia Federici (2004), a colonização das Américas ainda no século XVI, processo motivado principalmente pela exploração de recursos naturais, levou à uma verdadeira dizimação (ou, como algumas autoras e autores preferem, “holocausto americano”) de aproximadamente 95% da população de povos originários nas Américas – incluindo-se o Brasil, transformando profundamente a realidade desses povos. É inegável o fato de que os processos capitalistas industriais globais, responsáveis por perdas irreparáveis na sociobiodiversidade e o aumento das desigualdades sociais e da pobreza, não são fruto de ações de comunidades indígenas, e sim de um longo processo com raízes racistas e colonialista. Além de uma contextualização histórica, apesar de nossa pesquisa não ter caráter estritamente antropológico, procuramos, para a realização das entrevistas, entender uma parte do que é comumente concebido por não-indígenas como uma “consciência ecológica” dos povos indígenas: concepções cosmológicas que constituem o ser humano como apenas mais um ator no mundo, o que pode, entre outros, contribuir para um maior equilíbrio e manutenção da natureza. As cosmologias indígenas - ou seja, as “teorias de mundos” e as distintas maneiras dos povos de se relacionarem com a natureza - os mais variados modos de vida de homens e mulheres coletoras indígenas de diferentes povos, que podem se inter-relacionar ou se distanciar, visto que a complexidade das teorias indígenas não nos permite generalizar sobre como cada um deles concebe a natureza e o “cosmos” (DA SILVA, 1994). Além disso, o antropólogo Viveiros de Castro (1996), ao trabalhar em torno da concepção de “perspectivismo ameríndio”, sugere uma imbricação muito clara entre natureza e cultura que, ao contrário da lógica racional dominante, engloba tanto humanos quanto animais, espíritos e plantas, 117

inserindo a condição de humanidade, e não o homem enquanto espécie, como um referencial comum que perpassa todo o universo. Por mais que nem toda/o indígena tenha necessário interesse na preservação ambiental ou perceba as mudanças climáticas como uma urgência ecológica, é inegável o fato de que as terras indígenas, principalmente as localizadas na região amazônica, são exemplos de preservação e conservação da biodiversidade e servem de alerta contra o avanço do desmatamento e das mudanças climáticas (IPAM, 2015). Um levantamento realizado pelo Instituto Socioambiental, por exemplo, demonstrou que 33% dos focos de incêndios florestais até agosto de 2019 ocorreram em terras indígenas (TI) e unidades de conservação, sendo que a TI Marãiwatsédé, um dos núcleos coletores e lar do grupo de mulheres coletoras Pi’õ Rómnha Ma’Ubumrõi’wa, foi classificada como a quinta terra indígena mais afetada pelas queimadas, também aparecendo em quarto lugar dentre as mais desmatadas (ROMAN, 2019). As coletoras e coletores indígenas da RSX estão, de modo geral, localizados em quatro terras indígenas demarcadas e regularizadas (após o decreto de homologação, foram registradas em Cartório em nome da União), que se caracterizam, segundo a legislação federal, como “tradicionalmente ocupadas”12: Marãiwatsédé (165.241 hectares), Terra Indígena do Xingu (2.642.003 ha), Panará (499.740 ha) e Pimentel Barbosa (328.966 ha), sendo que o Território Indígena do Xingu (TIX), a maior de todas, perpassa 10 municípios e abriga 16 povos (FUNAI, 2019). O núcleo de coleta do TIX é o maior e abrange nove aldeias e quatro povos, sendo elas Ikpeng (aldeias Moygu e Arayo), Kawaiwete (Ilha Grande, Kwaruja, Tuiararé e Samaúma), Wauja (Piyulaga e Piyulewene) e Yudjá (Tuba Tuba) (URZEDO et al., 2017b). O trabalho de coleta de sementes do TIX é planejado conforme o dia-a-dia das famílias e normalmente são os homens que ficam encarregados de encontrar as melhores matrizes e locais para a realização da tarefa, já que são eles os responsáveis pelas atividades tradicionais de caça, pesca, derrubada da roça e viagens para outras aldeias (SÁ, 2017). O referido autor observou ainda que os homens repassam essas informações às coletoras, que ficam atentas à época de maturação dos frutos e nos ciclos da natureza, além de assumirem a “linha de frente” e serem encarregadas da maior parte do trabalho. Vale ressaltar, no entanto, que a prática de coleta de sementes florestais na região do Xingu, como observado ao longo das entrevistas, é

12 Segundo consta no artigo nº. 231, da Constituição Federal brasileira de 1988, os parágrafos 1 e 2 demonstram que, “§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições; § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.

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realizada desde muito antes da implantação da RSX, em 2007. Além disso, alguns indígenas, principalmente aqueles que não participam da Rede ou aqueles que relutaram em participação no início, têm a opinião de que, se o problema do desmatamento, dos incêndios florestais e das mudanças climáticas foi causado por pessoas não-indígenas (fazendeiros, posseiros, grileiros, madeireiros, entre outros), então não é responsabilidade das populações indígenas - as mais diretamente afetadas - de reflorestar as áreas degradadas, e sim dos principais causadores (URZEDO et al., 2017b). Ao longo deste capítulo, expomos percepções e discursos de mulheres coletoras indígenas e também de um jovem indígena membro do grupo de jovens da Rede. Duas das entrevistadas, Makawá e Ayaneko, são mulheres mais velhas, em torno de 40 anos, e fazem parte do Movimento das Mulheres Yarang (MMY), do povo Ikpeng. O jovem, Oremê Ikpeng, é também técnico institucional da Rede de Sementes do Xingu e elo das Yarang. A outra entrevistada foi Meixula, de 24 anos, do povo Wauja (anteriormente conhecido como Waurá). Todas as entrevistadas indígenas e o entrevistado residem no Território Indígena do Xingu. No caso das mulheres do MMY, analisaremos o conceito de “movimento social” em sua abordagem mais ampla, tomando como referência críticas e abordagens do teórico italiano Alberto Melucci (1996). Para uma abordagem mais geral a respeito dos conhecimentos indígenas, entendidos aqui também como saberes localizados, utilizamos a teoria de Boaventura de Sousa Santos (2010) sobre “ecologia de saberes”, não descartando a possibilidade de diálogo entre os conhecimentos tradicionais e científicos. A partir de pesquisas documentais, que incluíram laudos antropológicos e trabalhos escritos pelos próprios povos, contextualizamos alguns pontos da história dos Ikpeng e dos Wauja. Relatamos também parte da trajetória das mulheres coletoras da TI Marãiwatsédé, em especial do grupo Pi’õ Rómnha Ma’Ubumrõi’wa, com ênfase na participação e importância das mulheres Xavante na manutenção da Rede que tem, inclusive, uma mulher cacique como uma das coletoras. Realizamos algumas tentativas de contato e aproximação com o grupo, mas por uma série de questões logísticas, ficamos impossibilitadas de entrevistá-las. Portanto, para a realização do tópico que se refere a essas coletoras Xavante da TI Marãiwatsédé, as informações foram retiradas de pesquisas documentais. Por fim, ressaltamos que todas as entrevistas foram realizadas em português, visto que não possuímos domínio das outras línguas faladas. No entanto, reconhecemos que, pelo fato de a língua materna das entrevistadas e do entrevistado ser ikpeng ou wauja, e pelo fato de em um dos casos ter havido uma tradução, levamos em conta a possibilidade de interpretações errôneas/enviesadas, tanto por parte das perguntas, quanto por parte das respostas. Desta forma, 119

as entrevistas serviram como uma base para compreendermos parte do pensamento e percepção dos sujeitos entrevistados, mas não podem ser interpretadas como uma verdade absoluta.

4.1 Possíveis diálogos entre o conhecimento científico e o local/indígena

Para contribuir com o pensamento feminista, Sandra Harding (1991) e Donna Haraway (1995) propuseram uma abordagem crítica que leve em conta os diversos “pontos de vista” de mulheres ou de grupos particulares de mulheres, que se inserem em conhecimentos situados. Para a teoria do ponto de vista feminista (standpoint feminism), o conhecimento é um produto social, onde as pessoas compartilham certos tipos de conhecimentos e experiências, principalmente devido a obrigações, deveres e oportunidades criadas, e eles estão sempre direcionados a certos momentos históricos, geográficos e culturais. Mesmo assim, há um entendimento de que o conhecimento de cada pessoa é algo individual, por isso, as autoras defendem que isso é produzido tanto individualmente quanto por meio de experiências coletivas: ou seja, o conhecimento é localizado (HARDING, 1991). Assentimos com a posição de Keller (1992) quando a autora afirma que a divisão social do mundo entre duas partes - masculino e feminino - é particularmente prejudicial às mulheres no sentido de excluí-las do domínio público, do poder de decisões, do conhecimento e também da ciência, visto que essa alegação das diferenças também tem servido para argumentar que mulheres são inferiores. Para esta análise e um possível diálogo entre conhecimento indígena e científico, também levamos em conta que o conceito de “ecologia de saberes”, que tem o objetivo de promover diálogo entre os diversos tipos de conhecimento e nos auxilia na busca por uma luta socioambiental justa, oferecendo uma base para reconhecermos a diversidade epistemológica dos saberes e a pluralidade de vozes e ideias que se conectam e se inter-relacionam de forma autônoma e heterogênea (DE SOUSA SANTOS, 2010). O autor lembra que, por mais que os métodos científicos dominantes tenham corroborado para um verdadeiro “epistemicídio” de saberes tradicionais e locais, excluindo aqueles conhecimentos que considerava como inferiores (e hoje sabemos o quão importantes são, ainda mais para a luta pela preservação da natureza), também podem servir de instrumento contra a dominação do capitalismo, do patriarcado e do colonialismo, valoriza os diversos tipos de saberes. A variedade de sementes coletadas também demonstra como a produtividade biológica de uma floresta (ou cerrado e outros tipos de vegetações) se baseia ecologicamente na diversidade. Enquanto que as monoculturas propagam a cultura exclusiva de um único produto, a biodiversidade, considerada a base da estabilidade ecológica (CAVALCANTI, 2010), é um 120

dos atores principais da Rede. Nada mais justo, portanto, que valorizarmos a diversidade de saberes de pessoas que dependem diretamente dessa biodiversidade, como é o caso das mulheres indígenas. Para que se mantenha a diversidade e a variabilidade genética das árvores e para que elas possam crescer de forma regular e saudável, ao contrário do que se vê nas monoculturas (MATOS, 2014), é necessário que a coleta seja feita em diferentes matrizes de cada espécie, distantes uma da outra (PENEIRO et al., 2006). Esse conhecimento ecológico foi observado durante os discursos de algumas indígenas, como Makawá Ikpeng, que explicou em língua Ikpeng e foi traduzida por Oremê: “A ciência de vocês diz que tem que ter variedade [genética] e pra nós isso também é verdade: se ficar só coletando de uma árvore, ela pode sentir falta [das sementes] e pode morrer, porque a gente tá pegando os filhos dela. Precisa pegar um pouco dessa árvore e um pouco daquela outra, pra deixar a natureza equilibrada e as árvores continuarem tendo seus filhos. Então a gente anda muito longe pra ter mais variedade”. É fato que muitas vezes a ciência ocidental enxerga o conhecimento local como “inferior” ou mesmo “ingênuo”, portanto, nossa proposta é também valorizar esse saber tradicional, reconhecendo que as culturas locais podem ser ótimas fontes de entendimento sobre o trabalho com as sementes em diferentes sentidos (NAZAREA, 2016). A afirmação de Makawá comprova o fato de que os saberes indígenas podem estar mais conectados com a ciência moderna do que muitas/os de nós imaginávamos, mesmo que uma possível primeira reação de cientistas seria simplesmente ignorar tais conhecimentos. Podemos estar frente a frente com o desafio de ressignificar a ciência hegemônica ao valorizarmos devidamente os conhecimentos ecológicos ancestrais, - alguns datados em milhares de anos e que foram historicamente relegados pela literatura científica/acadêmica ocidental -, e que podem inclusive descentralizar os humanos como os “grandes senhores” da natureza, auxiliando na direção de práticas de cooperação entre humanos e não-humanos (DE LA BELLACASA, 2015). Percebemos ainda que, a partir de uma consciência indígena, é mais fácil notarmos elementos que corroboram com os valores repassados pela ideia de sustentabilidade da vida, ainda que feitas as devidas ressalvas sobre o “mito do bom selvagem”.

4.2 Mulheres indígenas: bruxas, vítimas ou protagonistas de sua própria história?

Em outro aspecto histórico, é necessário que façamos uma breve contextualização quanto às mulheres indígenas de modo geral, desde a colonização até os papéis indígenas femininos exercidos e conquistados em tempos passados e atuais. A partir do século XVI, o 121

processo de dominação colonial e os discursos misóginos europeus, corroborados por uma visão cristã-colonialista em torno das sociedades indígenas sul-americanas, inseriram essas mulheres do “Novo Mundo” como pessoas extremamente promíscuas, seres bestiais e “adoradoras do diabo”; fatos que reforçaram, durante séculos, uma justificativa para a escravização e exploração de corpos e mentes ameríndias, inclusive para perseguir mulheres indígenas como “bruxas malignas” (FEDERICI, 2004, p. 416). A autora lembra que antes da Conquista, as mulheres americanas tinham suas próprias organizações, suas esferas de atividade reconhecidas socialmente e, ainda que não fossem iguais aos homens, eram consideradas complementares a eles quanto a sua contribuição na família e na sociedade. No caso mais específico do Brasil, além dos mesmos estereótipos de outras sociedades ameríndias, as mulheres tupinambás eram representadas pelos primeiros colonizadores cristãos como “velhas canibais” e “reservatórios de lascívia’”, tendo sido os homens indígenas poupados desse estigma; a percepção de uma humanidade “degradada” incidiu, portanto, com muito mais força sobre o sexo feminino (LASMAR, 1999). Esse tipo de pensamento reforçou não apenas o descrédito étnico que as mulheres indígenas já sofriam, mas também “a tradição europeia de inferiorização do gênero [sic] feminino” (JULIO, 2015, p. 1). Já no século XIX, os pontos de vista etnocêntricos permaneceram sobre as colônias, mas dessa vez como estratégias políticas mais profundas de “catequização” e “integração” dos povos indígenas. No Brasil de 1823, o estadista José Bonifácio de Andrada e Silva (1763- 1838), durante a Assembleia Geral Constituinte, apresentou o projeto de lei “Apontamentos para a civilização dos índios bravos do Império do Brasil”, em que propunha transformar os indígenas em cidadãos e patriotas para que, dessa forma, fosse possível alcançar uma identidade nacional homogeneizada, com desenvolvimento econômico e construção de um Estado nacional moderno e “civilizado”; ou seja, o ideal mais próximo do homem branco europeu (DOLHNIKOFF, 1998). Em contrapartida, José Bonifácio também se destacou contraditoriamente por ser o primeiro a propor um projeto florestal de conservação e reflorestamento de áreas desmatadas, podendo ser encarado até mesmo como um precursor do primeiro Código Florestal brasileiro (VICTOR et al., 2005). Não cabe a nós, no entanto, ilustrar as mulheres indígenas como meras vítimas, muito menos como sujeitos passivos, dependentes e submissos, frutos da colonização. Durante o processo de aldeamento e colônias indígenas, por exemplo, Julio (2015) demonstra que as mulheres de capitanias do ainda pouco explorado Brasil Central participavam ativamente como intérpretes, sendo que algumas delas, inclusive, conseguiam atingir papéis de destaque e influência até mesmo no espaço político, como foi o caso da indígena Xavante “D. Potência”, 122

que durante a década de 1840 gerenciou, junto com o capitão-mor, um dos aldeamentos da região (CASTELNAU, 1949 apud JULIO, 2015). Além disso, como lembra Silvia Federici (2004), a luta das mulheres, o vínculo e contato intenso com a terra, os diversos tipos de religiões e a natureza em si, se mostraram elementos primordiais para uma resistência anticolonialista e anticapitalista que perdura até os dias atuais. Atualmente, as mulheres indígenas, não só no Brasil, mas por toda a América Latina, têm desempenhado papel determinante na luta pela preservação e conservação da natureza e por justiça ambiental, exercendo posições de protagonismo e liderança em movimentos sociais e políticos. Essa crescente participação sociopolítica tem oferecido maior visibilidade e contribuído para gerar, inclusive, maior pressão sobre governos e lideranças políticas, para que os organismos nacionais e internacionais ouçam as demandas indígenas e tomem atitudes concretas (CEPAL, 2013). No caso das mulheres coletoras da RSX, esse protagonismo também tem sido observado e é discutido ao longo do capítulo. Além disso, para que fosse possível uma análise mais profunda, levamos em conta reflexões tanto étnicas quanto de gênero, a partir de uma abordagem mais crítica e interseccional. A relação direta com a natureza e a emergente preocupação com as mudanças climáticas foram questões tratadas diretamente.

4.3 Ikpeng: história e mudanças ambientais

Os Ikpeng estão localizados na região do Médio Xingu, distantes cerca de 450 km de Canarana-MT, cidade que também abriga a sede da RSX e um dos núcleos coletores, além de ser considerada a “porta de entrada” do TIX (COOPER, 2010). Denominado por eles mesmos como um povo guerreiro, os Ikpeng costumavam ser nômades no passado e eram tradicionalmente inimigos dos Wauja, antes de serem exilados no até então conhecido Parque Indígena do Xingu, em 1967, devido à pressão desenvolvimentista que vinha assolando a região amazônica (MAGALHÃES, 2011). De início, os Ikpeng ocuparam um território às margens do rio Roro Walu (em português, rio Jatobá), a noroeste do estado de Mato Grosso, no atual município de Paranatinga, fora dos limites do Xingu, e considerado pelos Ikpeng como um otxit karakem (bom lugar) (TXICÃO, 2018). O autor afirma que, entretanto, os irmãos Villas- Bôas, com sua política de boa vizinhança, convenceram a população de aproximadamente 56 indivíduos - cada vez mais reduzida por causa de guerras e doenças - a se fixar dentro do TIX, que já era ocupado por seus inimigos de guerra, como os Wauja, os Mehinako e os Matipu. Esse processo de transferência levou à perda de um vasto território, que carregava um forte valor identitário para os Ikpeng, etambém a outras consequências negativas para a 123

identidade cultural desse povo, como à inexistência de elementos e recursos da natureza antes encontrados em abundância na região do rio Roro Walu, e que eram normalmente utilizados para a alimentação, visto que o solo do Roro Walu é mais propício para a plantação de mandioca e a fabricação de ferramentas para caça e pesca, na construção de casas e canoas, nos rituais de cura e outras utilidades (SCHMIDT; IKPENG, 2006). Os referidos autores observaram ainda que, após a transferência para o TIX, os Ikpeng continuaram realizando expedições até o Roro Walu em busca de plantas de importância primordial para reforçar a identidade desse povo, visto que até mesmo o nome ikpeng vem de uma espécie de vespa “brava” que não ocorre na região do rio Xingu e cujo ritual de iniciação dos adolescentes, em que os pajés queimavam as larvas das vespas em seus corpos, deixou de existir. Atualmente, residem no TIX mais de 500 pessoas falantes do idioma ikpeng, da família linguística karib, distribuídas em quatro aldeias, sendo que duas (Moygu e a Arayó) participam da Rede de Sementes do Xingu (MAGALHÃES, 2011). A aldeia Moygu é a que detém o maior número de coletoras, e o Polo Pavuru, onde está a Casa de Sementes, é geograficamente posicionado entre as duas aldeias, segundo contou o jovem Oremê Ikpeng, técnico da rede e coordenador das Yarang. De tradição agrícola e orientado pelos sinais da natureza, o povo Ikpeng tem percebido que as mudanças climáticas estão não só alterando a época de plantio, mas obrigando o povo a adaptar novas práticas de cultivo dos principais alimentos consumidos por eles, como mandioca, milho e batata doce, além de frutas exóticas como melancia e mamão. Em seu projeto para conclusão do curso técnico em Agroecologia, Oremê Ikpeng narra sobre o tempo, na percepção ikpeng, e sobre as mudanças que vêm ocorrido no clima para a agricultura local: Segundo anciões Ikpeng o tempo é subdivido pelos sinais da natureza em duas épocas: tempo da chuva e tempo da seca. As divisões são: Iromumtowon - quando se inicia o período da seca e estão relacionados aos meses de março, abril, maio, junho, julho e agosto; Ewïawïranpe/Ekpitanpe – quando se inicia o período da chuva que vai de setembro a março (...). Atualmente, as mudanças no clima estão prejudicando o plantio, principalmente do milho. Muitas vezes a chuva está chegando atrasada, só no final do mês de outubro e não mais no início de setembro. Antes das mudanças do clima, o plantio era feito no mês de setembro e início do mês de outubro. Atualmente as ferramentas utilizadas pelos Ikpeng durante o plantio são facão e enxadão para fazer a cova, antigamente se usava o calcanhar direito. Nos dias atuais estão sendo plantadas variedades de milhos. Muitas vezes o plantio é feito fora de época, devido às mudanças no clima, e consequentemente a colheita também é feita fora da época (IKPENG, 2017, p. 8 e 74).

O crescente número de incêndios florestais induzidos pela ação humana e o uso irracional do fogo, diretamente relacionados com as mudanças climáticas, também são motivos de preocupação dos Ikpeng, que têm presenciado a modificação e a devastação do ambiente natural, principalmente no que tange ao fornecimento de recursos para a construção de malocas, normalmente feitas a partir da extração de madeira de raegï (pindaíba ou Xylopia sp.), yerong 124

(canelão ou Myrcia sp.), entre outras espécies (TXICÃO, 2018). Os Ikpeng costumam utilizar a técnica de “queimada de roças”, geralmente entre agosto e setembro de cada ano, mas mostram-se cada vez mais cautelosos sobre os métodos mais seguros a serem realizados como, por exemplo, a escolha de um horário adequado e o acompanhamento individual das roças, evitando o alastramento do fogo para a floresta (IKPENG, 2017).

4.4 As mulheres Yarang, a natureza e o trabalho de coleta segundo a cultura Ikpeng

As alterações climáticas e adaptações dos modos de vida dos Ikpeng fizeram com que esse povo buscasse novas alternativas de subsistência e também reformulasse a própria identidade cultural. De acordo com o relato de Oremê Ikpeng, o Movimento das Mulheres Yarang (MMY), que reúne atualmente 75 coletoras, é um fenômeno recente na história dos Ikpeng, que não tinham a tradição de movimentos com lideranças femininas, muito menos de cacique mulher, algo que também já é visto nas aldeias Ikpeng. “Antes era só coisa de homem, porque os Ikpeng eram um povo muito guerreiro e gostava de atacar outras aldeias, então os homens ficavam como líderes, porque a qualquer momento podiam ser atacados”. Segundo Oremê, dentre as principais espécies de sementes coletadas pelas mulheres do MMY destacamos o jatobá-da-mata (katepo), caju (orot), mamoninha (yaru), macaúba (powowilï) e a lobeira-da-mata (patku). Oremê salienta que os nomes das árvores e das sementes são diferentes para o povo Ikpeng: por exemplo, a palmeira macaúba é chamada de powo e as sementes dessa palmeira são chamadas de powowilï. As mulheres se organizam sob a coordenação de três coletoras experientes; dois jovens ficam encarregados da gestão administrativa, e elas ainda contam com o apoio dos maridos, que contribuem com o mapeamento das matrizes das sementes, e dos professores homens das aldeias, que atuam como conselheiros (SÁ, 2017). Em grupos de aproximadamente dez mulheres, usando ferramentas básicas como facões, peneiras e cestas (motopa, na língua ikpeng), e geralmente acompanhadas dos filhos e netos menores ou até mesmo de pelo menos um homem, elas se dirigem para as áreas onde realizam as coletas. O caminho é longo e precisam acordar bem cedo, a partir das 5h da manhã. Nesse horário, as mulheres são encarregadas de preparar a alimentação das crianças e, depois, tomam o caminho, para chegar na floresta às 6h e retornar apenas à tarde, em torno das 14h. Segundo Ayaneko Ikpeng, membro do MMYA, “A gente anda mais ou menos uma hora e meia pra chegar na mata. Tem que levar mingau, água, beiju, tudo na sacola. Mas tem dia que a gente sai duas vezes. Sai bem cedo e volta pra casa de tarde, descansa, e se tem muita semente pra coletar, sai de novo. 125

Também tem vez que volta pra casa, dorme, e no outro dia vai. Fica três, quatro dias direto andando no mato”. Após a coleta, as sementes passam por um processo de limpeza (Alïngketketpot), secagem (Yumne noptowo) e armazenamento (Yay wilï eurï). Em seguida, o elo organiza as sementes antes de enviá-las (Yay wilï antowo) para o escritório da Associação Rede de Sementes do Xingu em Canarana-MT. Oremê afirma que a ideia de se formar um movimento a partir de lideranças femininas surgiu com as mudanças ocorridas ao longo do tempo no TIX, com o desmatamento em curso, o aumento da ocorrência de incêndios florestais e a alteração climática cada vez mais perceptível, que também prolongou os regimes de seca e afetou a qualidade da água e da pesca no rio Xingu, do qual todo o povo depende. Oremê explica como foi formado o grupo: “Elas mesmas se organizaram e escolheram um nome. São quatro lideranças, duas da Moygu e duas da Arayó e cada uma mobiliza sua aldeia. Tem reuniões que são feitas por aldeia e quando é uma coisa que realmente precisa tomar decisões maiores, então juntam as aldeias e fazem uma reunião só. Isso depende da pauta e dos assuntos que precisam ser discutidos”. Segundo a coletora Makawá Ikpeng, uma das líderes do MMY, a floresta é responsável por regular a temperatura, oferecendo sombra e ar fresco. Além disso, o trabalho das coletoras Yarang não apenas auxilia para que as árvores “permaneçam em pé”, mas oferece maior diversidade, mais opções de alimentos e materiais. Makawá lembra que, mesmo que os maridos e companheiros ajudem no processo, o fato de as mulheres realizarem todo o trabalho de coleta e manejo das sementes fez com que elas adquirissem uma identidade, visto que ela e as outras coletoras também se identificam como verdadeiras sementes. Somente em um ano, as mulheres Yarang entregaram cerca de 300 kg de sementes, sendo consideradas um dos grupos coletores mais produtivos e habilidosos da Rede (YAMAOKA, 2017). Para o jovem Oremê, há mais mulheres exercendo essa função, pois elas são “mais habilidosas no trabalho com as sementes e têm mais tempo pra isso”, já que “o homem Ikpeng não gosta muito de detalhes e quer fazer algo que não deixa ele preso numa rotina, então cuida de buscar alimento, peixe e de cuidar da agricultura, da construção de casa e de ser o homem da casa”. Em contrapartida, na visão da coletora Ayaneko Ikpeng, as mulheres trabalham mais, pois além da coleta de sementes, elas também participam dos plantios de roça e ainda são encarregadas de diversas tarefas, como preparar a alimentação da família, dos afazeres domésticos e dos cuidados com as crianças que, apesar de os homens também tomarem partido, a maior parte é sempre atribuída às mulheres. Ayaneko lembra ainda que os homens da aldeia onde ela reside conquistaram espaço em trabalhos formais em que as mulheres ainda estão 126

impossibilitadas. Segundo ela, “Homem trabalha de professor, de agente de saúde, e a mulher não, ela fica mais em casa”. É interessante como, a partir dessas duas visões antagônicas, de Oremê e Ayaneko, há a possibilidade de inserirmos uma reflexão sobre a crítica da economia feminista e do ecofeminismo em relação à visão de homens sobre as mulheres e vice-versa. Neste caso, há semelhanças sobre a percepção não-indígena em relação à divisão sexual do trabalho. É válido ressaltar, contudo, que nós sabemos da importância em tomarmos cuidado para não “ocidentalizarmos” essa visão. Por isso, visto que não temos a bagagem teórico-metodológica necessária para analisarmos a fundo esses elementos e discursos, decidimos por não nos aprofundarmos nesta questão, mas julgamos importante levantarmos a reflexão. No cotidiano do trabalho de coleta, Ayaneko explica que as mulheres, ao saírem em grupo em direção à floresta, costumam cantar músicas para as formigas yarang e para as sementes. “A gente tem que cantar pra yarang não ficar triste, e a gente tem que cantar a música da semente da yarang, pra semente ficar bem alegre. A gente canta pra ir, na hora de coletar, e canta na hora de limpar”. Ayaneko também relata que cada semente tem um dono, uma espécie de “espírito guardião” e, por isso, as mulheres coletoras que ainda estão na fase de amamentação são aconselhadas a ficar em casa, para não correr o risco de adoecimento ou mesmo morte do bebê. “Também é por isso que quando vai coletar tem que levar comida e tem que comer, senão o espírito vai ficar com fome”. Além disso, mulheres grávidas, até o quarto mês de gestação, só podem participar da etapa de coleta e não das etapas de secagem (yumne noptowo, em língua ikpeng) e limpeza (alïngketketpot, na mesma língua) das sementes, principalmente quando se diz respeito à árvore cumaru (Dipteryx odorata). “Ela pode catar semente, mas não pode quebrar nem limpar, senão o bebê morre”. A coletora afirma também que as árvores podem ser tanto femininas quanto masculinas. “A árvore homem não dá fruto, é a mulher que dá o fruto. Cada árvore tem o casal, feminino e masculino. Exemplo: no mamão a mulher dá o fruto e o homem, só dá a flor”. Pagliaro e Azevedo (2008) observaram que na cultura Ikpeng os cuidados e atenção com as mulheres que recentemente deram à luz e que estão amamentando são rigorosos e os cuidados com a maternidade envolvem grande parte do grupo familiar direto. Sobre os espíritos, é interessante notar que, na cultura Ikpeng, eles estão normalmente associados a animais (formigas, carunchos, vespas ou lagartas, por exemplo) e não às plantas em si, sendo que um dos espíritos donos da árvore é o pironko (lagarta), segundo Oremê. Na perspectiva cultural Ikpeng, o jovem Oremê afirma que apenas o pajé é capaz de visualizar a forma personificada dos espíritos (ou outras formas - animalescas, por exemplo - que eles também podem assumir) e interagir com 127

ela, orientando as pessoas “comuns” da aldeia sobre a possibilidade, ou não, de alterar as árvores. Ao tratar do perspectivismo ameríndio, Viveiros de Castro (1996, p. 117) lembra que a espiritualização das plantas pode ter caráter secundário ou ser até mesmo ser derivada da espiritualização dos animais e afirma que: “o animal é o protótipo extra-humano do Outro, mantendo uma relação privilegiada com outras figuras prototípicas da alteridade, como os afins”, entretanto para as culturas da Amazônia Ocidental, especialmente para as que usam alucinógenos, a personificação das plantas pode ser tão importante quanto a dos animais. As coletoras yarang, mesmo as mais jovens, normalmente ingressam no trabalho de coleta de sementes com um conhecimento já estabelecido, principalmente no que tange às propriedades e usos das plantas. Tais saberes, segundo o que apuramos, são adquiridos a partir de orientações de pessoas da família que são passadas de geração em geração. Makawá, atualmente com 46 anos, aprendeu com a mãe e os avós sobre a fenologia e seus fenômenos e os espíritos que regem a natureza. No dia-a-dia de coleta, as yarang costumam discutir sobre quais são os melhores frutos e sementes disponíveis em determinadas árvores e a respeito dos nomes das espécies das plantas. Como afirma a coletora Makawá, traduzida por Oremê: “Todas as coletoras têm essa ciência. Então a gente tá sempre conversando, pra ficar todo mundo organizado”. É possível observar, a partir dos relatos apresentados, que a tradição dos Ikpeng do Médio Xingu não se mostrou um empecilho para a realização do trabalho das coletoras. Pelo contrário, a coleta, justamente por ser considerada uma tarefa mais feminina, serviu perfeitamente para as mulheres Ikpeng. Além disso, a autorização e apoio dos homens para a consolidação do movimento Yarang pode ter sido fundamental para a organização das mulheres e também para que chegassem ao status de se autodeclararem “ativistas” da natureza. No entanto, é preciso levar em conta que o nome “Movimento das Mulheres Yarang” foi tomado pelas próprias coletoras e o próprio termo “movimento” pode ser analisado por um viés mais amplo e social, como uma nova forma de “ação coletiva” do que as tradicionalmente reconhecidas pelos estudos das ciências sociais. Melucci (1996), por exemplo, considera os movimentos sociais não apenas como ações coletivas e uma construção social heterogênea, mas como se fossem “profetas desencantados”, ao passo que apresentam a possibilidade de demonstrar que, ao mesmo tempo em que são um resultado de uma crise, também são um sinal de profundas transformações na lógica dos processos que regem as sociedades atuais: Os movimentos contemporâneos são profetas do presente. O que eles possuem não é a força do aparato, mas o poder da palavra. Eles anunciam o início da mudança; não é, contudo, uma mudança no futuro distante, mas uma mudança que já se faz presente. Eles forçam o poder a sair e dão-lhe uma forma e um 128

rosto. Eles falam uma língua que parece ser inteiramente só deles, mas dizem algo que transcende sua particularidade e que fala para todos nós (MELUCCI, 1996, p. 1).

Movimentos como o MMY podem ser explicados a partir de uma crise que, neste caso das coletoras, tem a ver com questões ecológicas, econômicas e socioculturais, atingindo patamares globais. Essa crise, diretamente ligada à expansão do desenvolvimento (ESCOBAR, 1995) a partir da intensificação da agropecuária mecanizada e da degradação das florestas, resultou na perda de habitats das populações tradicionais, forçando povos indígenas a aderirem ao mercado para atender às necessidades de subsistência (SANTOS et al., 1997). Como destacado anteriormente, grande parte dos povos indígenas do Brasil vive atualmente em situação de extrema pobreza, com falta de saneamento básico e de acesso à educação, desemprego em grande escala, problemas como alcoolismo e depressão, e tendo o artesanato como principal fonte de renda (PAIVA; HEINEN, 2017). Assim, ao comporem o quadro de coletoras da RSX, as Yarang encontram não só uma alternativa econômica para fugir dessas situações, mas proporcionam ferramentas de luta contra o sistema atual em que vivem os povos. A mobilização em torno da recuperação de florestas pode ser interpretada como uma reação a essa crise, mas também como uma demanda por legitimação, já que está sendo promovida por um grupo social cada vez mais excluído da participação em decisões de interesse público e que podem afetar diretamente seus modos de vida, também quando levamos em conta o atual cenário político brasileiro. Além disso, as coletoras Ikpeng do MMY foram capazes de unir os saberes tradicionais e suas cosmologias indígenas, à necessidade de complementação da renda econômica e interdependência com a natureza (vide Capítulo 3). Dessa forma, alteraram a realidade sociocultural em que vivem, reafirmando e até mesmo recriando uma nova identidade coletiva que precisa ser considerada como algo fluido e passível de sempre se alterar para novas realidades, além da garantia de maior espaço e respeito dentro e fora da sociedade Ikpeng.

4.5 Wauja: história e ingresso na Rede de Sementes do Xingu

Também conhecidos pelo nome de Waurá ou Uará, os Wauja, como preferem ser chamados atualmente, habitam as regiões do Médio e Alto Xingu no Território Indígena do Xingu (TIX); são falantes do idioma de mesmo nome, da família linguística Aruwak, e integram uma população de pouco mais de 400 habitantes (DAI-AMTB, 2010). Ao contrário dos Ikpeng, os Wauja podem ser considerados como “‘legítimos habitantes’ da região do Alto Xingu”, isso porque residem naquela localidade desde antes da divisão do território tal como conhecemos hoje e desde antes de ser denominada de “Alto Xingu” (WAURA, 2018, p. 8). 129

A sociedade alto-xinguana une-se por meio de diversos elementos: tanto geograficamente - visto que os principais rios são Curisevo, Kuluene, Ronuro e Batovi -, quanto do ponto de vista ecológico e sócio-político, compartilhando diversos traços culturais e linguísticos semelhantes, como o padrão de aldeamento, economia, cosmologia, troncos linguísticos, valores e rituais (FRANCHETTO, 1995). O referido autor observa ainda que a região também concentra uma diversidade de idiomas: os povos são multilíngues e dividem-se entre falantes dos troncos Tupi e Aruwak e da família Karib, além da língua isolada Trurnai. O etnólogo alemão Karl von den Steinen e sua equipe [mais informações, consulte o Capítulo 1] realizaram o primeiro registro documentado em livro dos Wauja em 1884, ao passar pela jusante do rio Tamitatoala (rebatizado por von den Steinen como Batovi), um dos rios formadores da Bacia do Xingu (FAUSTO, 2004). Segundo o autor, a região era ocupada também pelo povo Kustenau, de mesmo grupo linguístico, mas que, assim como outros povos xinguanos do século XVII, tiveram sua população quase totalmente dizimada por doenças levadas pelos expedicionários e que, mais tarde, provavelmente pela proximidade cultural, acabaram sendo incorporados aos Wauja. Após a delimitação do Território Indígena do Xingu, ainda nos anos 60, a região de Kamukwaká e Sagihengu, - locais sagrados para os Wauja e cobertos por inscrições rupestres - tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e reconhecido como patrimônio arqueológico (IPHAN, 2003), ficou de fora dos limites das terras oficiais xinguanas. Naquele lugar se localiza a gruta Kamukwaká, que era utilizada para o ritual de furação de orelha; mas mesmo depois de anos de luta por reconhecimento do território, a gruta ainda está localizada dentro de uma propriedade rural, inacessível aos Wauja, como afirma Fausto (2005): Kamukwaká e Sagihengu (local do primeiro Kwarup, situado às margens do rio Culuene), demarcavam o limite meridional do complexo alto-xinguano, constituindo a fronteira sul com os povos Macro-Jê [tronco linguístico]. No final do século XIX, quando das viagens de Steinen, a região de Kamukwaká era ocupada pelos Bakairi Ocidentais (ou Bakairi Xinguanos), em estreita relação com os Kustenau e os Wauja, ambos de língua Arawak (cf. Fausto, 2004). Até algumas décadas atrás, estes últimos costumavam ir ao abrigo rochoso pelo rio, mas a ocupação das margens do Batovi por fazendas fez com que abandonassem essa prática (FAUSTO, 2005, p. 40).

Tradicionalmente agricultores e caçadores, os Wauja normalmente reservam as roças para a plantação de mandioca, banana, milho, batata, cana-de-açúcar, mamão, entre outras, sendo que as fontes de proteínas são obtidas por meio da pesca e da caça de animais silvestres, como os pássaros jacu, jacutinga, jau, pombo-da-mata, tucano e papagaio, e os mamíferos, como quati, paca, macaco e anta (SÁ, 2017). Com mais de mil anos de existência documentada, os Wauja, além de se destacarem na arte da cerâmica, ornamentada com traços 130

zoomorfos/animalescos, têm, assim como os Ikpeng, tradição bélica, na qual utilizam remédios para se fortificarem e reafirmarem a identidade de lutadores, como explica Waura (2018): O remédio tradicional do povo Wauja surgiu através dos peixes que se chamam Uluwi e Kunapu. Num primeiro momento procuraram e encontraram um remédio para passar no corpo e assim tornarem-se grandes lutadores. Com eles o Sol (Kamo) aprendeu o remédio de luta, quando realizou o Kwarup. Os peixes e os animais que iniciaram a primeira regra de luta. Os campeões dos peixes são Kunapu, Uluwi, Wapu, Ulako e Walama, e os campeões dos outros animais são onça pintada, onça preta, gambá, tatu- canastra. Eles que deram origem ao conhecimento dos remédios, às regras, às rezas, a como se preparam as ervas e como respeitá-las. Os lutadores utilizam osso de onça, unha de tatu-canastra e rabo de sucuri no período da preparação. Por isso as pessoas tiram gordura de sucuri, muçum e peixe-elétrico para passar nos seus braços, com isso melhorando suas habilidades de luta. Assim surgiu a história dos lutadores e a origem da erva medicinal do povo Wauja (WAURA, 2018, p. 11-12).

Com a preocupação crescente no aumento de desmatamentos e queimadas descontroladas na região do TIX nos últimos anos, as e os Wauja iniciaram os trabalhos na Rede de Sementes do Xingu em 2011 e atualmente as coletoras e coletores estão divididas/os entre os grupos Kuyuwi (jacu, na língua wauja) e Warawara (periquito), criados com o intuito de fortalecer a comunidade de coletores, sendo que cada um deles faz parte das aldeias Piyulaga e Piyulewene, respectivamente. Apesar de divididos em grupos, as e os Wauja não estão organizados em movimentos tão delimitados como as Yarang. A elo e coletora Meixula Wauja (Figura 23), 24 anos, residente da Piyulewene, afirma, em português e sem tradução, que a sua aldeia iniciou os trabalhos um ano depois, em 2012. No início, apenas ela e a família trabalhavam na coleta de sementes para a Rede. A jovem explica que participou de um curso de capacitação de pesagem de sementes realizado por técnicos do Instituto Socioambiental (ISA), junto com os dois irmãos e uma prima, antes de iniciar os trabalhos. Um tempo depois, o grupo foi contemplado com equipamentos de coleta que facilitaram muito o trabalho dos Warawara. De acordo com o relato de Meixula, no início muitos não queriam participar, pois não achavam correto vender sementes para fazendeiros, visto que esses tinham sido os grandes responsáveis pelo desmatamento. Com a consolidação da Rede ao longo do tempo e a confiança gerada entre o povo, essa mentalidade mudou e o argumento, ainda que fizesse sentido, foi alterado. Isso porque, segundo Meixula, muitos acabaram percebendo a importância de unir forças em prol de um bem comum, a natureza, e que precisariam da ajuda de não-indígenas para isso. Mesmo assim, ainda há uma resistência por parte de outros povos indígenas que não aderiram à Rede, e a nossa hipótese é de que, possivelmente, as razões sejam semelhantes. Meixula afirma também que chegou a pensar em desistir do trabalho e do cargo de elo, por causa de críticas que até hoje recebe de alguns membros da família sobre o modo com que realizava a coleta de sementes: “Falaram que não faço bem semente, e estão me criticando, mas 131

não ligo mais pra isso...”. Esse fato evidencia a presença de conflitos e desmistifica uma possível visão romantizada sobre a Rede, de que não haveria embates desse gênero entre os próprios povos indígenas. Além disso, críticas como essas podem se mostrar prejudiciais tanto para a formação pessoal/individual de coletoras jovens como Meixula, quanto para o trabalho coletivo. Entre as principais espécies de sementes coletadas pelos Wauja estão a mamoninha (yalã), breu (uluta), murici-da-mata (matalawatokuma), carvoeiro (walapá), landi (kautojo) e jatobá-da-mata (uwai). Após coletadas, o processo de beneficiamento (awojopai, awojó) dos Wauja para a maior parte das sementes segue da seguinte maneira: as sementes são deixadas do lado de fora das casas para a secagem (uluhotakonajopenei) ao sol até às 10h da manhã e, após esse período, as sementes são armazenadas (awajatakoná ata otai) dentro das casas, onde permanecem até que o transporte (itsa) seja feito até a aldeia onde está localizada a Casa de Sementes - construída em 2015 para melhorar a pré-armazenagem das sementes e o trabalho dos Wauja - onde as sementes ficarão armazenadas até a venda (WAURA, 2017). O trajeto até a Casa de Sementes é realizado de barco, em um percurso de quase cinco horas. Ao contrário do que acontece com os Ikpeng, todos os homens Wauja que estão na Rede ajudam no processo de coleta, mas não participam da etapa de beneficiamento. De acordo com Meixula, “o homem não limpa semente, só vai com você na mata coletar e na volta ele não vai ajudar você. Tem atividade dele pra fazer. O homem vai pescar, vai limpar a roça dele”. Mais uma vez, temos um exemplo em que a etapa de limpeza é uma tarefa essencialmente realizada pelas mulheres, fato observado em todos os grupos analisados e em grande parte dos discursos das entrevistadas. Ao ser questionada sobre o que considera ser a “natureza”, Meixula observa que é “tipo uma casa pra nós. No rio tem peixe, no mato tem bicho. É onde a gente mora”. A resposta é semelhante a outra fornecida por Makawá Ikpeng a respeito dos rios do Xingu. Ambas enfatizam uma relação de interdependência, mas também de subsistência, afirmando que são os lugares onde esses povos tiram grande parte de seu sustento alimentar e, além disso, usufruem do espaço para atividades de pesca, banho e lavar roupas. A respeito dos espíritos da floresta, ao contrário dos Ikpeng, Meixula afirma que não há um guardião das sementes nas árvores, mas existem, sim, espíritos na floresta. Eles podem ser divididos entre femininos e masculinos e normalmente oferecem alguns sinais: “Tem um que a gente chama de mulher da mata. Ela grita à noite. Ela tá contando que o seu pai ou sua mãe vai morrer. É um sinal ruim”. Durante os dois encontros da Rede, em 2018 e 2019, chamou nossa atenção a expressiva presença tanto de homens quanto de mulheres jovens Wauja, todos entre 20-30 anos de idade. 132

No último evento, os Wauja apresentaram uma dança típica e permitiram aos presentes também participarem da demonstração. Em nossa percepção, havia um perceptível interesse das/os Wauja em ampliarem suas relações, tanto com indígenas quanto não-indígenas, pois elas/es sempre se mostraram muito prestativas/os e atenciosas/os durante as aproximações e conversas. Aparentemente, as/os Wauja estão aumentando sua participação na RSX, tanto no trabalho de coleta, quanto nas oficinas, encontros e outros eventos promovidos. Isso demonstra um potencial de crescimento da influência da rede na vida e cotidiano dessas pessoas, tornando- se mais uma forma de renda da qual poderão unir e/ou complementar com atividades tradicionais, como a cestaria e a cerâmica, essenciais também para o fortalecimento e preservação da identidade cultural. Além disso, como mencionado no capítulo 3, as mulheres Wauja, incluindo Meixula, levam os filhos e crianças até as florestas para ajudarem nas coletas. Tal ação pode ter um efeito positivo na influência do trabalho, na transmissão de conhecimentos e na preocupação com a natureza, para que tais saberes se perpetuem nas próximas gerações.

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Figura 23. Autora e Meixula Wauja durante Encontro Nacional da ARSX.

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4.6 Xavante: a TI Marãwaitsédé e o grupo Pi’õ Rómnha Ma’Ubumrõi’wa

Naturais do que hoje conhecemos como Mato Grosso, a história do povo Xavante é uma longa trajetória e está marcada pelos mesmos processos migratórios que assolaram o TIX, em que constantes mudanças de território se fizeram presente, principalmente nos anos 40 com a intensificação do processo de colonização e o estabelecimento de não-indígenas na região da Serra do Roncador, na Amazônia Legal, antes intensamente ocupado pelo povo Xavante (DA SILVA, 1998). Com uma história milenar, os registros a partir do século XVIII, demonstram que as e os Xavante ocupavam naquela época a porção leste do rio Araguaia e, sendo distribuídos ao longo do estado de Mato Grosso em uma população de 19259 pessoas, com a língua principal falada pertencente à família Jê e ao tronco linguístico Macro-Jê (IBGE, 2010a). Autodenominados A’uwe (gente), o povo Xavante, está diretamente associado ao Bioma Cerrado, no qual formavam vilarejos próximos a florestas de galeria13 (SANTOS et al., 1997). Historicamente considerado como um povo semi-nômade, os referidos autores enfatizam que tal tradição foi alterada com a imigração não-indígena o que acabou, consequentemente, forçando-os a permanecerem em um só local, alterando seus modos de vida. Outros traços culturais, como a própria união e o espírito comunitário do povo também acabaram modificados; a partilha de objetos relacionados às festividades, além do compartilhamento das caças, se perderam em alguns casos, visto que o contato com o não- indígena e a migração “voluntária” de muitos Xavante das aldeias para as cidades, fizeram com que ações individualistas se tornassem mais comuns entre os costumes e modos de vida desse povo (TSIRUI’À, 2011). Entretanto, o autor ressalta que o povo Xavante ainda luta por manter a sua identidade, com destaque para a manutenção da língua materna e das crenças. Na organização social dos Xavante, os homens são encarregados de manter a sociedade e garantir a sua continuidade, e é por intermédio das mulheres que a sociedade é renovada, sendo que elas são associadas a um poder criativo (SILVA, 2014). A autora observa ainda que a praça central de uma aldeia Xavante é considerada como espaço público e masculino e a casa é de domínio feminino, sendo ambos os espaços apreciados pelo povo Xavante como locais sagrados e de igual importância para as dinâmicas sociais e ritualísticas. A partir da década de 1970, as/os Xavante ficaram conhecidas/os pelo público em geral ao estamparem constantemente os noticiários em razão dos processos de luta e reivindicação

13 Tipo de floresta que acompanha os rios de pequeno porte e córregos, cujas copas das árvores formam corredores fechados (galerias) sobre o curso de água (RIBEIRO; WALTER, 2008). 134

pela demarcação de suas terras, disputando principalmente com empresas agropecuárias e posseiros, resultado da política desenvolvimentista que, naquela época, ainda estava em pleno vapor na região (DA SILVA, 1986). Atualmente, o povo Xavante ocupa nove terras indígenas: Areões, Chão Preto, Marãiwatsédé, Marechal Rondon, Parabubure, Pimentel Barbosa, Sangradouro, São Marcos e Ubawawe (GOMIDE, 2011). As TIs Marãiwatsédé e Pimentel Barbosa fazem parte dos núcleos coletores da Associação Rede de Sementes do Xingu. A Terra Indígena Marãiwatsédé (“mato fechado” ou “mata perigosa”, em xavante) se encontra na área de transição entre os biomas Amazônia e Cerrado, no município de Bom Jesus do Araguaia, entre as bacias do Xingu e Araguaia (MOTORYN, 2016). A TI vive uma história peculiar de luta e sobrevivência desde que seu povo foi removido pela Força Aérea Brasileira em 1966 e transferido para a Missão Salesiana Dom Bosco, distante cerca de 600 km do território original, para que logo depois a TI fosse vendida ao maior latifúndio do Brasil na época, o grupo Suiá Missu (empresa italiana Agip Petroli) - cuja extensão da fazenda chegou a ter cerca de 800 mil hectares - e a terra acabou ocupada por posseiros (FANZERES; SANTINI, 2012). Após décadas de reivindicação, os autores afirmam que, em dezembro de 2012, os Xavante finalmente reconquistaram seu direito à ocupação da Marãiwatsédé, foram transferidos de volta para a terra, e os invasores, expulsos. Durante todos esses anos de disputas para que os Xavante pudessem recuperar o território por completo, a TI Marãiwatsédé acabou se tornando uma das terras indígenas mais desmatadas da Amazônia Legal (MOTORYN, 2016). Atualmente, a Marãiwatsédé abriga um expressivo grupo de coletores da RSX. A iniciativa de criação do grupo das mulheres Yarang, do povo Ikpeng do Médio Xingu, serviu de exemplo para a criação do grupo Pi’õ Rómnha Ma’Ubumrõi’wa (literalmente, “Mulheres coletoras de sementes”, em xavante), formado por 90 mulheres Xavante, e cujas coletas também são utilizadas em projetos de reflorestamento na própria Terra Indígena (ISA, 2017). A atividade de coleta sempre foi uma atividade predominante, porém não exclusiva, das mulheres Xavante (FLOWERS, 2014). As mulheres do grupo Pi’õ Rómnha Ma’Ubumrõi’wa coletam sementes de várias espécies florestais, com destaque para o jatobá- da-mata (a’õ, na língua xavante), jatobá-do-cerrado (a'õi'õire), mamoninha (ihöiwa’ une), urucum (bâ), tucum (ariwede), pequi (abare), caju (rãtsurãi’re), baru (rã pó) e carvoeiro (watéi) que também são utilizadas para a alimentação ou rituais da comunidade (VERA, 2018). Os Xavante distinguem os tipos de vegetação e a paisagem e denominam de mata (marã), cerrado (amhu’ u), campo cerrado (tehudu), capoeira/murundum (tsa’ idi), nascente de rio (itsipti), margem de córrego (padzaihö) e brejo (tsadarã); já os períodos climáticos são 135

denominados de tempo de seca (rob’ro’o) e tempo de chuva (tãi’ a), com distinção para o início das chuvas (tã na’ rada) (MAYBURY-LEWIS, 1974). As mulheres realizam a Abahi, que é a coleta intensiva de um dia, na terra indígena e no entorno, que normalmente acontece nos meses de junho, julho, agosto e setembro, no período seco, quando a maioria das sementes está no estágio fenológico de dispersão (VERA, 2018). Infelizmente, como afirmado na introdução deste capítulo, condições temporais e logísticas e, possivelmente, até mesmo culturais, nos impediram que realizássemos maior aproximação com esse grupo de mulheres coletoras. Ainda assim, é possível fazermos algumas análises fato de a TI Marãiwatsédé ser também um exemplo de sociobiodiversidade e de, ao mesmo tempo, ainda sofrer com os impactos humanos, proporciona um grande desafio ao grupo de coletoras que, por que seja expressivo em quantidade, necessita de um apoio coletivo para que haja, ao menos, uma mitigação dos impactos que as atividades humanas ao longo dos anos causaram para a região. Contudo, julgamos que o trabalho das coletoras Xavante tem sido relevante para o contexto em que estão presentes, pois as atividades que exercem não são apenas importantes para gerar e manter a renda individual/familiar, mas também servem de exemplo a outras mulheres e homens de aldeias próximas. Além disso, fomos capazes de observar certo protagonismo e expressiva participação das “Mulheres coletoras de sementes” nos eventos. Além disso, estavam sempre apenas entre mulheres (com no mínimo cinco membros), não sendo observado a presença de homens Xavante durante os eventos em que participamos. Durante cerimônias de entregas de prêmios, as Xavante também se destacaram, recebendo inclusive o primeiro lugar entre os grupos que melhor souberam trabalhar com as sementes. Iremos detalhar no próximo capítulo sobre esse acontecimento. Outro elemento que nos chamou atenção foi que, no grupo Pi’õ Rómnha Ma’Ubumrõi’wa, a líder é uma cacica, fato incomum entre a sociedade xavante e que evidencia uma possível mudança comportamental e cultural bastante evidente, visto que os Xavante são essencialmente patriarcais e sua hierarquia normalmente é dividida entre caciques homens. Consideramos isso um provável sinal positivo para a cultura Xavante, mas também para o futuro das mulheres Xavante como coletoras de sementes, além de um estímulo a mais para outras indígenas participarem do trabalho.

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4.7 Considerações do capítulo

Para que fosse possível analisarmos mais profundamente a situação das indígenas como um todo, levamos em conta questões tanto étnicas quanto de gênero, a partir de uma abordagem tanto crítica quanto interseccional. Ao considerarmos também o conceito de bem viver de Acosta (2016) (vide capítulo 3), as percepções, prioridades e necessidades das mulheres coletoras indígenas, bem como a situação delas dentro das comunidades, procuramos que esta pesquisa se tornasse mais um instrumento de auxílio em busca de maior autonomia e visibilidade, principalmente no que concerne à participação social e política. Consideramos também a participação de povos originários em assuntos de interesse público e que afetem diretamente seus modos de vida uma questão democrática indispensável, sendo a consulta prévia um direito legítimo e fundamental, assegurando a participação de mulheres e homens não-indígenas nas tomadas de decisão (PERUZZO, 2016). Observamos ainda que os mitos e cosmologias indígenas moldam e estão profundamente relacionados ao cotidiano de coleta de sementes. A relação de ecodependência e a preocupação com questões ambientais também é evidente nos grupos indígenas que fazem parte da RSX e pode ser valiosa para a preservação da natureza. No caso das Ikpeng, algumas restrições colocadas pelas tradições também podem impactar, positiva e/ou negativamente, algumas coletoras, mas não é nosso papel chegar a conclusões desse tipo. O fato é que todas as mulheres indígenas com as quais tivemos a oportunidade de interagir demonstraram profunda conexão com a coleta e processamento das sementes e nas relações com a natureza, bem como preocupação com os impactos antrópicos e as possibilidades atuais e futuras para a sobrevivência de seu povo e sua cultura. Em relação aos eventos da RSX, vale ressaltar que alguns elementos nos chamaram atenção. Por exemplo: Durante os encontros em que estávamos presentes, algumas mulheres indígenas participavam ativamente das discussões e chegavam, até mesmo, a discursarem na língua materna ao microfone, mesmo aquelas que sabiam falar português - provavelmente por uma questão linguística de maior conexão com a língua materna. Algumas delas chegavam a discursar por vários minutos. Suas falas, contudo, eram traduzidas por homens indígenas do mesmo povo, mas eram feitas, muitas vezes, de forma extremamente resumida e, portanto, não era dada a devida atenção que julgávamos necessária para essas mulheres. Entendemos esses fatos como um problema dentro da dinâmica RSX, que poderia ser resolvido caso houvesse um maior diálogo entre membros/diretores da rede sobre a importância de se traduzir as falas de mulheres indígenas de maneira mais íntegra. Além disso, o próprio fato de os encontros serem 137

realizados, em sua maioria, em português, serviu de entrave para muitas dessas mulheres que têm dificuldade com esse idioma, fato que iremos discutir melhor no capítulo 5. Mesmo assim, é evidente que a Rede de Sementes do Xingu não teria a mesma dinâmica e talvez até o próprio funcionamento da rede não seria possível sem a participação cada vez mais relevante das mulheres coletoras indígenas para auxiliarem nesse trabalho de coleta de sementes. Entretanto, há uma troca mútua, pois as mulheres indígenas também se beneficiam diretamente nessa relação com a RSX, conquistando espaços e também apoio financeiro com as atividades na Rede. Não é apenas a presença delas, contudo, que conta: as coletoras indígenas estão influenciando profundamente na dinâmica familiar, principalmente quando adquirem status dentro das comunidades pelo trabalho de coleta, provocando mudanças estruturais ao ganharem posições de liderança, ao participarem dos espaços e eventos da Rede e até mesmo da mídia hegemônica14.

14 Em 16 de junho de 2019, as indígenas do Movimento Yarang foram destaque em uma reportagem do programa Globo Rural, da Rede Globo: https://globoplay.globo.com/v/7696763/ 138

CAPÍTULO 5:

AS MULHERES COLETORAS E A COMUNICAÇÃO

INTRODUÇÃO

Para o capítulo final desta pesquisa, entendemos que não é possível realizar uma análise social detalhada sobre o protagonismo das mulheres coletoras da Rede de Sementes do Xingu (RSX) sem passarmos pelo campo da comunicação e dos estudos comunicacionais. Nosso objetivo foi evidenciar as diversas expressões comunicacionais a partir do recorte pré- estabelecido: urbanas, indígenas e rurais. Dessa forma, ampliamos o escopo de análise e a discussão sobre a comunicação como um patamar que perpassa todo o cotidiano das mulheres coletoras e suas interações sociais. No caso das indígenas, esse recorte foi mais estrito, visto as restrições de acesso ao Território Indígena do Xingu e o contato esporádico que mantive com elas no decorrer dos encontros da RSX. Além de um processo de transmissão de informações ou partilha de pensamentos, a comunicação pode ser analisada também por meio dos campos da sociologia e da linguagem, e não apenas como um estudo sobre comunicação midiática, escolha que fizemos ao longo do capítulo. Mesmo assim, a partir de uma perspectiva epistêmica e interdisciplinar, discutiremos também sobre os diversos canais tecnológicos e meios de comunicação por meio dos quais essa comunicação que propomos se expressa no âmbito das coletoras. Para auxiliarem no campo teórico, conceituaremos a comunicação dentro de um campo sociológico, muitas vezes de autoras e autores consideradas/os “clássicos”, mas também outros que abordam a comunicação de maneira mais interdisciplinar (BORDENAVE, 1988 e 1997; CANCLINI, 2015; FREIRE, 2013; GOMES; MAIA, 2008; MCQUAIL, 2003; HABERMAS, 1987; SILIPRANDI, 2002; PERUZZO, 2004, 2017; RODRIGUES, 2016; WOLTMANN, 2017; WOLTON, 1999.). De forma mais prática, situaremos as coletoras em uma discussão que envolve nossa pesquisa de campo durante encontros, oficinas e reuniões com a RSX, em termos de divulgação do trabalho e compartilhamento de experiências, apontando desafios e discursos que permitem considerarmos a comunicação como uma prática democrática indispensável no dia-a-dia de trabalho dessas mulheres. A divulgação científica também será abordada durante um desses tópicos, provando a tese de que práticas dentro da RSX também podem se encaixar dentro desse conceito (ALBAGLI, 1996; ANGOTTI; AUTH, 2001). 139

Com análises críticas e comparações entre as coletoras urbanas, indígenas e rurais, analisamos também, entre outros aspectos, as dimensões dos processos de inclusão ou exclusão digital e de que forma isso afeta (positiva ou negativamente) a vida dessas mulheres (SORJ, 2003; VIEIRO; SILVEIRA, 2011), além de introduzirmos uma discussão sobre as coletoras. Também levaremos em conta questões de gênero, principalmente no caso das rurais, visto que as disparidades nesse campo, historicamente, podem ser ainda mais explícitas (SILIPRANDI, 2002; WOLTMANN, 2017). Neste espaço, observamos e analisamos também as percepções e opiniões dessas mulheres a respeito da comunicação com outros grupos e núcleos coletores durante os encontros da RSX. Abordaremos alguns exemplos de problemas ou falhas de comunicação que ocorrem dentro da esfera do trabalho de coleta e possíveis soluções dessa dinâmica. Além disso, evidenciamos o papel de “comunicadoras” das mulheres e de transmissoras de conhecimentos, pois elas perpetuam grande parte do conhecimento construído durante o trabalho, preparando as gerações futuras para darem continuidade às ações por elas lideradas no presente.

5.1 Conceituando a comunicação

Entendemos que a comunicação é essencialmente permeada por dinâmicas sociais e comunitárias e na qual qualquer sujeito, inserido em uma lógica democrática, pode ser tanto emissor quanto receptor de uma informação - ou seja, um sujeito de voz ativa (PERUZZO, 2004). A relação humana é algo intersubjetivo e a comunicação é um fenômeno gerado por meio dessa interação, a partir de símbolos linguísticos e da tradição cultural (HABERMAS, 1987). Assim, é com base nessa intersubjetividade, designada por meio de um mundo histórico e cultural, que ocorrem as relações comunicacionais entre sujeitos que pensam, falam e agem de acordo com as interações humanas (FREIRE, 2013). Em termos um tanto mais “pragmáticos”, podemos entender que a comunicação está envolta em uma articulação de diversos processos históricos, sociais e culturais, e que ela só acontece porque é desencadeada por um encontro entre pessoas (RODRIGUES, 2016). Tal “reunião”, segundo o autor, pode ocorrer tanto no mesmo ambiente físico, quanto em um outro criado pelas chamadas “mídias”, e onde é preciso haver reconhecimento e identificação comunicacional entre as partes envolvidas, além de atenção e foco. Na percepção de Berlo (1970), o autor caracteriza o processo de comunicação como algo dinâmico, sem começo, meio ou fim, em que seus “ingredientes” agem uns sobre os 140

outros, sendo influenciados mutuamente. Sendo assim, não basta apenas utilizar um canal, transmitir e certificar-se da emissão, pois a mensagem comunicativa envolve o processo de significação e não é apenas a forma, mas também o conteúdo, que assegurará o bom entendimento (CAMPOS, 2006). Em termos comunicacionais mais técnicos, mas que nos ajudam a introduzir a temática de maneira ilustrativa, McQuail (2003) assinala diferentes níveis de organização social nos quais a comunicação ocorre, dividindo-o em intra e interpessoal, intra e intergrupal, institucional/organizacional e alargada a toda a sociedade:

Nos níveis intragrupal (por exemplo, a família) e interpessoal, a atenção tem incidido sobre as formas de conversação e os padrões de interação, influência, filiação (graus de ligação) e controle informativo. Ao nível intrapessoal, a investigação sobre a comunicação concentra-se nos processos de informação (por exemplo atenção, percepção, compreensão, memória e aprendizagem), no estabelecimento de sentido e nos seus possíveis efeitos (por exemplo, no conhecimento, opinião, identidade pessoal e atitudes) (MCQUAIL, 2003, p. 11).

Para Wolton (1999), a comunicação pode ter dois significados: um normativo e um funcional. O autor explica que a comunicação normativa pressupõe a existência de regras, códigos e símbolos e mesmo que não possa ser entendida simplesmente como algo “natural” ou intrínseco ao ser humano, carrega um enfoque total no diálogo ou na “compreensão mútua” entre as partes que se comunicam; já a funcional pode ser diretamente determinada pela economia e tudo que está ligada a ela, como questões financeiras, administrativas, em busca de uma maior “eficácia” na comunicação, modelo que pode ser observado – não sem as devidas críticas - nas sociedades contemporâneas atuais. Para além de conceitos técnicos, interessa-nos também mostrar a comunicação como um meio onde ocorrem relações sociais de interdependência que têm a capacidade de promover diálogos e encontros participativos, momentos dos quais as coletoras da Rede de Sementes do Xingu também acabam sendo beneficiadas dentro de seus “microespaços” sociais (encontros, reuniões, dia-a-dia de trabalho, discussões em grupos de WhatsApp...), e são justamente esses espaços que permitem tais interações (BORDENAVE, 1997, p. 16). Por ser um canal que está intimamente ligado a todos os processos da vida, o referido autor afirma que a comunicação não pode ser dissociada desses momentos. E é exatamente esse o raciocínio que iremos seguir ao longo do capítulo para situarmos as coletoras no âmbito da comunicação. A prática da comunicação, empregada no contexto da RSX, também está diretamente relacionada com um modelo de comunicação pública. Gomes e Maia (2008), ao emprestarem a teoria habermasiana de Öffentlichkeit, ou “esfera pública”, compreendem que esse termo, juntamente com a comunicação pública, se materializam dentro de um espaço de formulação de ideias, problematizações, sugestões e outras opiniões de interesse comum, que são formadas 141

em público e podem influenciar em diversas esferas da sociedade, como a política, por exemplo. Nesse sentido, além dos meios de comunicação que são citados pelos autores dentro da lógica de influenciadores da esfera pública, a Rede também se mostra um espaço onde tais interações podem ocorrer pública e democraticamente e onde sujeitos também podem ser portadores de opiniões públicas, como mostraremos adiante. Precisamos, no entanto, compreender que as coletoras da RSX também estão ambientadas em um contexto de transformações socioculturais de países latino-americanos ocorridas nos últimos anos. Essas mudanças foram geradas tanto pelas novas tecnologias quanto pelo aumento populacional, alterando e ressignificando tradições culturais, comunidades antes mais isoladas e menos permeáveis, suas populações indígenas antes isoladas, e foram renovadas “por uma constante interação do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação” (CANCLINI, 2015, p. 285). No caso das coletoras indígenas, por exemplo, essas mudanças foram mais evidentemente observadas ao longo do capítulo. De modo geral, as mulheres coletoras da RSX estão introduzidas em um processo de interação social no qual a comunicação está sempre presente, seja no âmbito do trabalho de coleta, no celular ou em casa com a família. Perceberemos, contudo, diferenças entre os modos comunicacionais de urbanas, indígenas e rurais, principalmente no que tange o acesso e usos dos meios digitais, o que também enriquece a discussão sobre os processos de exclusão/inclusão digital (SORJ, 2003; VIEIRO; SILVEIRA, 2011) e como esse fenômeno de desigualdade afeta fortemente e, principalmente, as mulheres. Para que possamos discutir o mais detalhadamente possível nos próximos tópicos, é preciso que tenhamos em mente os cinco fatores que caracterizam essas dimensões de exclusão digital, como explica Sorj (2003): 1) a existência de infraestruturas físicas de transmissão; 2) a disponibilidade de equipamento/ conexão de acesso (computador, modem, linha de acesso); 3) treinamento no uso dos instrumentos do computador e da Internet; 4) capacitação intelectual e inserção social do usuário, produto da profissão, do nível educacional e intelectual e de sua rede social, que determina o aproveitamento efetivo da informação e das necessidades de comunicação pela internet; 5) a produção e uso de conteúdos específicos adequados às necessidades dos diversos segmentos. Enquanto os primeiros dois critérios se referem a dimensões passivas do acesso à Internet, as três últimas definem o potencial de apropriação ativa (SORJ, 2003, p. 63).

Concordamos com as afirmações de Castells (2002) quando se refere aos processos, operações e funções sociais que, segundo ele, atualmente estariam todos conectados digitalmente e organizados em redes tecnológicas, já enraizadas em nossa vida cotidiana. Além disso, o conceito de “rede”, também serve para ampliarmos a discussão sobre as dinâmicas comunicacionais das coletoras, cujos trabalhos também acabam inseridos dentro da “Era da Informação”, conceito criado desde o início do século, e que vem modificando, por meios 142

tecnológicos, as nossas dinâmicas culturais de uma maneira nunca antes vista na história humana (CASTELLS, 2003). Entendemos também que os processos de participação coletiva são estabelecidos por meio da ação comunicativa (HABERMAS, 1987), nos quais a mobilização social está presente. Definido por Toro e Werneck (2018), esse tipo de mobilização acontece quando um grupo de pessoas, uma comunidade ou uma sociedade age em prol de um objetivo comum, buscando resultados decididos por todos. Para que todos esses elementos se entrelacem, Menezes (2015) ressalta a importância de as pessoas trabalharem em cooperação e por meio de processos que levem em conta dinâmicas de aprendizagem em conjunto, por meio da transmissão de conhecimentos e de compreensão de ideias e necessidades individuais. Segundo ela, a comunicação, seja por meios tecnológicos ou não, é imprescindível aos processos relativos a questões ambientais e na mobilização de atores para o diálogo, estratégias, geração e divulgação de conhecimento, além da participação nas instâncias de controle social. A seguir, aprofundaremos todos esses conceitos citados ao longo dos tópicos.

5.2 Multiplicidade da divulgação e dos processos comunicacionais: do encontro presencial às novas mídias Neste tópico, analisamos de forma sucinta a participação das mulheres em encontros, oficinas, reuniões e também na produção de conteúdo de divulgação do trabalho. Ademais, também notamos a maneira com que a comunicação científica perpassa reuniões, oficinas e encontros da Rede, visto que existe uma parceria entre a RSX e instituições universitárias, a exemplo da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso). Além disso, ainda que em menor quantidade, membros da Rede também já participaram de congressos acadêmicos, nos quais dividiram algumas experiências de trabalho. Além de um site oficial, a Rede de Sementes do Xingu conta com páginas próprias em redes sociais como Facebook, Instagram (Figura 24) e Twitter, que juntos contabilizam quase 10 mil seguidores até então15. O Instituto Socioambiental (ISA) é a ONG encarregada de realizar a maior parte da divulgação da Rede. Por meio de um canal no Youtube o ISA divulga documentários, vídeos relacionados aos encontros, entrevistas com coletores/membros da Rede e outros tipos de materiais audiovisuais de interesse dos membros da RSX. Alguns desses vídeos são, inclusive, produzidos e dirigidos por indígenas, como é o caso do o documentário

15 Acessado em: 24 de abril de 2020. 143

“Yarang Mamin: Movimento das mulheres Yarang”, de 2019, que relatou o cotidiano dessas mulheres, e foi dirigido por um dos Ikpeng de uma das aldeias do TIX.

Figura 24. Páginas oficiais da Rede de Sementes do Xingu no Instagram e Facebook, respectivamente.

A Rede também apresenta uma série de materiais impressos, como livros, cartilhas e calendários, alguns para uso interno dos coletores e diretores - com informações sobre o trabalho -, outros para divulgação ao público em geral. Tais materiais também são, em grande parte, elaborados pela equipe de técnicos e parceiros do ISA, que conta também com uma editora própria. Além disso, o trabalho da Rede já foi tema de diversas publicações em veículos jornalísticos, como reportagens televisivas, em revistas, jornais e portais de notícia. D. Odete é uma das coletoras que faz questão de participar de praticamente todos os projetos de divulgação da Rede (Figura 25). Segundo ela, durante um dos documentários, a própria filha se emocionou ao ver a mãe na tela. “Minha filha acessou [o documentário - no computador ou celular], e tem dia que ela até chora”. Para D. Odete, a experiência de participar da divulgação tem sido boa, pois possibilita a ela que visualize de perto os resultados de seu trabalho: “Na fazenda de São Roque, a gente viu [no documentário] a mata crescida com a semente que a gente vendeu, dando já sementeira na beira do rio, e o senhor naquele entusiasmo. E quando a gente apresenta o calendário [com fotos dos coletores], o pessoal fica, ‘oh, o fulano ali, olha eu ali’”. Na opinião de D. Conceição, do mesmo assentamento, os materiais impressos que ela recebe da equipe da RSX, como folhetos e calendários, vêm apresentados em uma linguagem acessível e fácil de entender (Figura 26). Em um dos calendários, inclusive, há uma foto dela estampada no mês de setembro (Figura 25). Conceição está peneirando sementes à beira do córrego de sua propriedade – uma nascente que, segundo suas palavras, está cada vez mais seca. 144

O calendário é um dos materiais que auxilia as coletoras a planejarem de maneira eficiente o trabalho. Com ele em mãos, elas são capazes de observar as fases de reprodução das espécies e definir as épocas de coleta, anotando diversas informações, tais como: os meses de floração e frutificação; a quantidade de tempo que levou para a floração das espécies e maturação dos frutos; a quantidade de quilos de sementes entregues, etc. Esse controle se mostra extremamente importante, visto que sem um planejamento mais rigoroso e bem elaborado, pode não haver garantia de uma boa quantidade e qualidade de sementes coletadas.

Figura 25. Calendários de coleta de D. Odete (fotos à esquerda) e de D. Conceição, à direita, e suas respectivas fotos estampadas nos meses de julho e setembro de 2018. Créditos: Autora.

Figura 26. Alguns dos materiais impressos, pertencentes à D. Odete, e disponibilizados às coletoras e coletores da Rede de Sementes do Xingu: livros, cartilhas, calendários e blocos de anotação. Créditos: Autora.

Em relação aos eventos ocorridos dentro do âmbito da RSX, relatos de professores da UNEMAT (Campus de Nova Xavantina) e de coletoras urbanas como a Milene e a mãe dela, D. Vera, nos auxiliaram para obtermos informações sobre a primeira “oficina de coletores 145

especialistas”, ministrada em Nova Xavantina, em junho de 2016, com 35 participantes (Figura 27). Foram quatro dias de uma oficina de caráter introdutório, com aulas teóricas e práticas em que as coletoras e coletores apontavam as espécies que consideravam mais difíceis para identificar nas matrizes, aprendiam a tirar as melhores fotos (que poderiam ser enviadas para os grupos de WhatsApp para que os técnicos e parceiros pudessem ajudar na identificação) e a elaborar exsicatas botânicas (processo de prensar e secar amostras de plantas). Foi exatamente naquela ocasião em que as coletoras e coletores apresentaram o primeiro problema: as sementes de embaúba por eles coletadas não estavam germinando nas iniciativas de plantio pelo sistema de muvuca. Como relatamos no capítulo 2, um tempo depois, a coletora Milene (e aluna da UNEMAT, curso de Ciências Biológicas), juntamente com as equipes dos laboratórios de Sementes e de Ecologia Vegetal, descobriria que as sementes estavam sendo coletadas antes do amadurecimento.

Figura 27. Coletores e coletoras durante uma aula prática da “Oficina de coletores especialistas” realizada no Campus da UNEMAT, em Nova Xavantina-MT. Foto: Milene Alves.

Entre os dias 26 e 29 de julho de 2017, Milene divulgou os resultados de sua pesquisa durante o “encontrão” que comemorou os 10 anos da Rede, realizado no Polo Diauarum, na TIX e reuniu aproximadamente 300 pessoas, sendo grande parte delas os próprios povos indígenas do Xingu (BENSUAN, 2017). Na ocasião, as e os participantes reuniam-se embaixo de uma enorme mangueira (Figura 28) e passaram o dia conversando, trocando informações e divulgando trabalhos que tinham como objetivo ampliar a eficiência das atividades dos coletores e das coletoras. Além dessas atividades, também foram realizadas apresentações culturais e uma feira de troca de sementes. Naquele mesmo encontro, representantes de povos indígenas coletores, como os Ikpeng, por exemplo, fizeram pronunciamentos, enfatizando a importância da preservação da biodiversidade e demonstrando a preocupação com o avanço do desmatamento, 146

principalmente nas nascentes do Rio Xingu, que na época já contam com aproximadamente 200 mil hectares desmatados/degradados (HARARI, 2017).

Figura 28. Encontro da Rede de Sementes do Xingu realizado no Pólo Diauarum (Território Indígena do Xingu) e participantes reunidos sob a copa de uma mangueira. Foto: Milene Alves.

De modo geral, os “encontrões” da Rede, que acontecem anualmente, seguem esse mesmo padrão, com palestras, oficinas, dinâmicas, brincadeiras, danças e feiras. O primeiro encontro do qual participamos foi em 2018, em São Félix do Araguaia (MT) (Figura 29). Na ocasião, estávamos apenas como ouvintes e encaramos como uma etapa de pré-campo, visto que ainda não havia a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) para a realização da etapa de campo. Aproveitamos para conversar com as pessoas, anotar contatos de telefone/celular de algumas delas e nos familiarizarmos com o ambiente (Figura 30). Em um segundo momento, em 2019, também em São Félix do Araguaia e com todos os documentos aprovados e necessários do CEP, participamos ativamente como pesquisadoras. Durante a programação daquele evento, com duração de três dias, as diretoras e os diretores da Rede de Sementes do Xingu nos encaixaram em um horário para que pudéssemos apresentar nosso projeto de pesquisa, que foi aceito de forma unânime, com perguntas feitas pela plateia e que foram respondidas na mesma ocasião. Naquela mesma oportunidade, também observamos e ouvimos falas de lideranças indígenas durante as dinâmicas do evento, muitas delas com duras críticas às atuais políticas ambientais do governo federal. As falas de mulheres indígenas foram realizadas, em sua maioria, na língua materna e traduzidas para o português por um homem do povo indígena do qual estava sendo representado. A participação de indígenas em termos de divulgação de conhecimentos se destaca em alguns encontros, onde coletoras e coletores de diversos povos trocam experiências sobre técnicas e tecnologias que utilizam para a coleta de sementes (tema abordado no capítulo 2). 147

Figura 29. À esquerda, coletora Milene apresenta aos participantes do encontro anual os resultados de suas pesquisas sobre qualidade das sementes. À direita, demonstra uma técnica. Fotos: Autora.

Figura 30. Interação com os coletores durante o encontro anual da Rede de Sementes do Xingu, em São Félix do Araguaia-MT, em junho de 2018. À direita, a autora e Oremê Ikpeng.

Durante esses encontros anuais dos quais participa, principalmente devido à função de elo que exerce, Eliane ainda se sente menos à vontade para expressar suas habilidades comunicacionais. “Eu não sou tão tímida que nem eu era, mas eu também gosto muito de escutar antes de falar. Nesses encontros, a gente não gosta de falar, porque eu também tô começando agora, né. Às vezes tem coisa que eu escuto muito, porque aprendo muito assim. Mas quando eu vou nos encontros, eu volto e chamo todo mundo pra explicar como foi lá e tirar as dúvidas”. Eliane relata também sobre a primeira reunião da Rede que participou em Brasília, em que parceiros como o ISA estavam presentes e foram discutidas questões de financiamento de 148

um projeto. “Isso foi quando eu não conversava nada, era toda travada e eu pensava que quem tinha um estudo a mais não gostava dos mais simples. Aí lá eu fiquei observando o pessoal que ia financiar o projeto e eles davam mais atenção pra mulher analfabeta quilombola, que tava contando a história dela, do que pra um outro que tava engravatado; logo cortavam ele. E eu vi que a gente acha que não sabe nada, mas sabe muita coisa, só que tem medo de falar. Isso pra mim foi um aprendizado e tanto, porque não podemos achar que, só porque a gente mora na roça, que a gente é pior que alguém da cidade que é estudado”. Assim como apresentamos no capítulo 2, em seus primeiros anos como coletora, a jovem Milene encarou uma grande experiência de comunicação em um evento ocorrido em São Paulo, quando ela palestrou pela primeira vez, para centenas de pessoas, e em nome das coletoras e coletores da RSX. Além disso, ainda em 2016, Milene foi chamada para ir ao Rio de Janeiro participar do “Amazônia Live”, um projeto do festival de música Rock in Rio, que garantiria o plantio de um milhão de árvores. “Eu fui convidada pra dar uma palavra representando as coletoras. Cheguei com a minha calça jeans de R$ 10 que comprei no bazar, camiseta da rede e uma sandalinha. E eu vi aquele povo todo chique, garçom passando, e ninguém nem aí pra mim. O máximo que podiam pensar ‘o que essa menina esquisita tá fazendo aqui?’. Chegaram a dizer, ‘será que ela vai conseguir falar em público?’. Mas eu fui lá na frente, muito nervosa, pedi pra que Deus me acalmasse, respirei fundo e consegui. Falei de tudo, da experiência, do trabalho, do grupo de jovens...”. Essas e outras experiências dentro da Rede, segundo ela, mudaram seu comportamento. “Eu amadureci mais. Vejo que mudou a comunicação com outras pessoas e mudou a minha relação com as pessoas dentro do meu grupo. Hoje eu sinto que eles me respeitam mais do que quando eu era mais nova, principalmente depois dessas viagens”. Essas experiências adquiridas por Milene, principalmente no que diz respeito às palestras em espaços públicos nos fazem refletir não apenas no conceito habermasiano anteriormente analisado de “esfera pública”; mas também podemos pensar como um processo de emancipação do qual mulheres como ela passam a vivenciar por meio do trabalho na Rede e que, em nosso entendimento, não é apenas um processo econômico, mas é também uma capacidade de adquirir uma autonomia pessoal e coletiva, que perpassa também o campo da comunicação. Milene transformou-se em uma espécie de “porta-voz” da RSX e orgulha-se dessa conquista. Talvez, sem a oportunidade de ingresso na rede, a coletora não teria tanta chance de se destacar publicamente e poderia ficar, possivelmente, relegada ao espaço privado (vide capítulos 2 e 3). No caso das coletoras rurais, uma ponderação válida é que, diferente da prática de extensão agrícola, até hoje amplamente presente no meio rural, a comunicação rural é mais rica 149

em diálogos (BORDENAVE, 1988). Para ampliarmos mais a ótica sobre o assunto das ações da RSX, Freire (2013) nos convida a olhar com mais criticidade para os impactos das práticas mais usuais de extensão rural. Segundo o autor, ações extensionistas tendem, a partir de um olhar vertical, hierárquico e de superioridade por parte do técnico, a objetificar os pequenos produtores rurais e assentados, negando-os como sujeitos ativos e participativos de transformação. Assim, por mais que a Rede de Sementes do Xingu promova cursos e oficinas ligadas à prática de assistência técnica (juntamente com os parceiros) e não propriamente ações de extensão rural, julgamos necessário pontuarmos sobre a importância de práticas dialógicas entre os técnicos e coletores, a partir do raciocínio de Paulo Freire, seja durante ou após cursos/oficinas/encontros. Entendemos que tanto as ações de extensão quanto de comunicação deveriam ir de encontro a valores participativos, de planejamento e de cidadania, que privilegiem os conhecimentos populares e científicos, respeitando as diferenças de gênero e culturais (SILIPRANDI, 2002). Ainda que a RSX não esteja enquadrada em práticas de extensão rural e esteja associada mais profundamente ao setor ambiental e de sementes florestais, essas são visões que também dialogam com alguns princípios dela e reiteramos a importância de serem postas integralmente em prática. De maneira geral, os encontros, palestras, oficinas e reuniões ofertados e organizados dentro da lógica da RSX - tanto para dentro, quanto para além dos grupos coletores – também podem ser um exemplo de comunicação pública, visto que dizem respeito às influências que tais interações exercem na chamada “esfera pública”. Seguindo esse raciocínio, a RSX também pode ser considerada no âmbito da comunicação popular/comunitária. Peruzzo (2017), ao estudar as ideias de Paulo Freire aplicadas à comunicação, afirma que, ao contrário da comunicação das mídias tradicionais, a popular/comunitária se aproxima muito mais de uma prática dialógica e, por mais que também esteja inserida em mídias como internet, rádio e TV, é um tipo de comunicação localizada em um contexto socioeconômico e político específico, muitas vezes inferiorizado. Assim, a RSX se insere em processos discursivos nos quais as coletoras e coletores, seja por meio de encontros, reuniões ou materiais de divulgação, também têm a oportunidade de se expressarem política e socialmente em torno de um ideal comum (Figura 31).

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Figura 31. Exemplo de dinâmica (roda de conversa) que ocorre durante os encontros. Foto: Autora.

Além disso, por mais que a Rede de Sementes do Xingu não se enquadra exatamente dentro de uma proposta de divulgação/comunicação científica/ambiental, observamos que tais ações promovidas por ela têm elementos muito semelhantes aos processos de comunicação da ciência, principalmente quando se leva em conta as oficinas e cursos realizados em parceria com instituições de ensino, ainda que ocorram em âmbito mais restrito e a um público específico – no caso, as coletoras. Mesmo assim, são nesses momentos em que coletoras e cientistas podem “trocar figurinhas”, apesar de ainda julgarmos que esses processos precisariam ser menos hierarquizados e mais horizontais, visto que os cientistas ainda exercem um papel de professores (detentores do conhecimento), e os coletores, de alunos/ouvintes. Materiais como livros ou documentários audiovisuais também podem se enquadrar nessa categoria de divulgação científica, visto que são muitas vezes embasados no conhecimento científico, com discussões, por exemplo, a respeito das mudanças climáticas e outras questões socioambientais. Podemos categorizar o tipo de divulgação científica praticada na Rede em três objetivos: educacional, cívico e de mobilização social. Para Albagli (1996), o primeiro (educacional), visa ampliar o conhecimento do público leigo sobre determinados fenômenos científicos (no caso da RSX, com especial ênfase para a botânica e ecologia); o segundo (cívico) tem o papel de desenvolver uma opinião pública sobre a ciência e tecnologia para conscientizar as cidadãs e cidadãos a respeito dessas questões; já o terceiro (mobilização social) objetiva a ação e participação popular e coletiva nos processos de decisão e na implementação de políticas públicas. Além de cursos e oficinas educativas, observamos em discursos durante 151

os eventos que há uma conscientização geral, tanto por parte de falas de coletoras quanto de parceiros, acerca das problemáticas do desenvolvimento científico-tecnológico e maneiras de se driblar isso. A prática de coleta já, em si, uma alternativa ao pensamento desenvolvimentista. Assim, para além de pensar a comunicação como uma ferramenta de disseminação de informações científicas/ambientais para o público leigo, é preciso também encarar a comunicação praticada na RSX como um espaço propenso a interlocuções entre cientistas e não-cientistas (DA SILVA, 2006), o que ocorre, muitas vezes, durante encontros, onde coletoras e coletores apresentam suas ideias, criações, inovações e adaptações tecnológicas, ensinando práticas que também podem ser consideradas como científicas, legítimas e relevantes (vide capítulo 2). Também percebemos que o senso democrático e dialógico das coletoras e dos coletores também permeia reuniões, encontros, assembleias e oficinas, onde têm vez e voz nas iniciativas de colaboração e tomadas de decisão. Compreendemos que a comunicação da RSX tem a capacidade de romper barreiras e dialogar com as outras esferas da sociedade. Por mais que, em alguns momentos, o trabalho seja desafiante, pouco viável em termos econômicos e/ou logísticos ou até mesmo questionado/criticado em termos de eficácia ou na própria dinâmica, é fato que, ao expandirem as diversas práticas de comunicação, há maiores possibilidades de que o trabalho seja legitimado pela sociedade como um todo. Isso ocorre porque, ao divulgar o trabalho para além de encontros e oficinas - que são muitas vezes restritos aos membros e parceiros - a Rede tem a chance de abraçar uma oportunidade de ampliar o trabalho para pessoas que, até então, nunca tinham ouvido falar desse tipo de iniciativa econômica de base comunitária. Dessa forma, percebemos que aumentam as chances de se propagar a ideia e, assim, influenciar outros grupos e pessoas a adotarem ações semelhantes, o que pode ser um sinal positivo para o futuro da sociobiodiversidade e da própria ciência, que poderia também ampliar o seu escopo de conhecimento ao valorizar saberes populares e ancestrais. Além disso, as mulheres, quando participam ativamente de materiais de divulgação e de espaços públicos demonstram que também são protagonistas e vozes ativas dessa história, o que proporciona possibilidades de maior engajamento do trabalho, além de maior autoestima e senso de cidadania.

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5.3 Os elos e a comunicação

Segundo o dicionário Michaelis, a palavra “elo”, um substantivo masculino, pode ser “cada um dos anéis de uma cadeia” ou uma “união entre pessoas ou coisas; conexão, ligação” (TREVISAN, 2015). Em termos comunicacionais, a elo, ou o elo, desempenha, ao menos um papel fundamental na articulação, gestão e comunicação dos núcleos coletores, sendo também uma ou um integrante do grupo/núcleo coletor (URZEDO et al., 2016). De acordo com os autores, as funções e responsabilidades podem ser destacadas em: acompanhamento sistemático de pedidos e entregas de sementes; responsabilidade de repassar acontecimentos, dúvidas, decisões e notícias apresentadas durante reuniões/encontros; comunicação sobre possíveis perdas de sementes - algo que pode acontecer com frequência caso os coletores não estejam capacitados corretamente para a função; articulação e o relacionamento do grupo pelo qual é responsável, por meio de reuniões e encontros com os integrantes; participação em encontros, oficinas ou cursos da RSX; e procura por apoio de parceiros - caso julgue necessária a realização de cursos/oficinas técnicas de capacitação. Os elos também precisam acompanhar os mesmos critérios de trabalho estabelecidos para as coletoras e coletores, descritos no capítulo 1, que dizem respeito a certas responsabilidades e compromissos na função de coleta. Tanto comprometimento, entretanto, vêm com uma recompensa pela carga de trabalho que acumulam: os elos recebem bonificações financeiras em relação às coletas realizadas por seu grupo, algo que gira entorno de 5%. Por meio de afirmações concedidas durantes as entrevistas, notamos também que o trabalho do elo, em alguns casos, não é devidamente valorizado pelos núcleos ou grupos coletores, o que pode gerar um sentimento de frustração em algumas mulheres coletoras que exercem tal função. Para Milene, que já foi elo e, até a realização desta pesquisa, guarda a Casa de Sementes - local onde são armazenadas as sementes coletadas – afirma que a importância dos elos é inquestionável. “Eles facilitam 70% do trabalho da rede. Porque o tempo de eu fazer todo aquele processo com banco de dados, ficar ligando pra um, pra outro, ele faz isso. O elo faz a distribuição de dinheiro e ele vai na casa do coletor. O principal, a ‘chave’ da rede que é a qualidade da semente, passa primeiro por ele e depois pra mim [Casa de Sementes]. Ele vai na casa do coletor ver como tá coletando e beneficiando, se não tá deixando semente passar da hora de coletar ou se tá coletando adiantado demais. Tudo isso é o elo que faz”. Para isso, é essencial que os elos desempenhem com competência todas as funções estabelecidas, mediando uma boa comunicação entre os grupos. É o que pensa a D. Cleuza, coletora do P.A. Macife, que também é elo. “Eu acho que é muito importante, justamente na 153

comunicação. Porque nem todo mundo pode ir lá [em reuniões e encontros], então se o elo vai, ele participa. Mesmo no meu caso, eu não consigo juntar as pessoas, mas eu tento passar o que foi falado”. Apesar de toda a importância, a maior dificuldade, segundo ela, é reunir as pessoas. “Seria bom se eu conseguisse juntar todo esse povo, mas eu não consigo não”. No caso do grupo de coletores do qual Roberizan participa, em Nova Xavantina, é o marido dela quem fica responsável pela função de elo. Para ela, é primordial que os elos mantenham contato direto com a rede e estejam a par dos acontecimentos. “É muito importante o elo, porque ele fica em contato com a Bruna [uma das diretoras da Rede até então]. Não é que ele manda nas pessoas, mas tem responsabilidade maior de correr atrás. E se o elo não tá funcionando, você não sabe das coisas, não participa, e o elo é uma pessoa que passa a informação de tudo que tá acontecendo. É bom ter ele funcionando”. Apesar de termos identificado alguns problemas relativos à comunicação e afirmações sobre o encargo de maiores responsabilidades relacionadas à função de elo, não detectamos nenhum relato negativo nem sobre o cargo em si, nem sobre os atuais elos em questão. As coletoras foram unânimes em afirmar a notoriedade dos elos para o funcionamento e dinâmica da ARSX. Mesmo assim, percebemos que, em diversos casos, são apenas os elos que recebem os materiais informativos mais completos sobre a coleta e o processamento das sementes. Além disso, os elos têm maior peso e responsabilidade quanto às participações em encontros e oficinas, isso porque ficam responsáveis por repassarem informações. Tal fato pode dificultar o entendimento do grupo/núcleo coletor sobre certas dinâmicas relacionadas ao trabalho, visto que as mensagens podem não ser claras ou não repassadas adequadamente para todos do grupo. A pesquisa indica que a RSX poderia adotar medidas mais contundentes sobre a transmissão de informações e a comunicação adotadas pelos elos, de modo a aperfeiçoar a relação entre as coletoras e os coletores. Entendemos que a diretoria também precisa estar a par dos acontecimentos de cada núcleo/grupo, mantendo uma relação estreita e transparente com o elo, o que nem sempre acontece de forma íntegra. Dessa forma, cremos que fortalecer o vínculo entre o elo, o grupo e a diretoria, pode ser determinante para a instauração de um núcleo de coletas mais sólido e estruturado. Como diria D. Odete: “O elo é tipo uma chave, uma linha telefônica. Se não tem um elo responsável, aí a gente fica meio no espaço”. Como vimos, não é uma função para amadoras, e isso não significa que as mulheres que escolhem ser elo não têm outras funções, até mesmo fora da rede. Como explicitado nos capítulos anteriores, grande parte dessas mulheres têm diversas responsabilidades que também dizem respeito, por exemplo, a uma divisão sexual de tarefas, onde são elas quem ficam com a maior carga de trabalho reprodutivo. Os cuidados com o lar e dos filhos, como no caso da 154

Eliane, e até mesmo as responsabilidades acadêmicas da faculdade somadas às atividades domésticas, como no caso de Milene, são questões que exigem tempo e dedicação. Ainda assim, as mulheres elo demonstraram um apreço pela função e afirmaram conseguir conciliar o trabalho de coleta e os cuidados com os filhos e o lar com esse “cargo” extra. Não podemos medir, entretanto, o peso que todas essas responsabilidades podem ter no fim das contas.

5.4 Coletoras urbanas e as novas tecnologias de informação e comunicação

A cidade de Nova Xavantina, onde residem quatro coletoras entrevistadas nesse estudo, é coberta pelas quatro principais operadoras de celular do país: Claro, Oi, Vivo e Tim. No entanto, no fim de 2013 a única torre de telefonia móvel da cidade sofreu uma queda durante uma tempestade, atingindo casas e veículos, mas sem ferir ninguém (ARAÚJO, 2013). Desde a queda da torre, o serviço de telefonia móvel de terceira geração (3G) se tornou precário no município. Atualmente, para terem acesso à internet de forma eficiente, os moradores da cidade necessitam de uma conexão com um provedor (via cabo ou Wi-Fi). Mesmo com esse problema, que até hoje não foi solucionado, a maioria das coletoras de Nova Xavantina tem celular próprio com WhatsApp e internet Wi-Fi em suas casas, mas grande parte não dispõe de um computador (desktop) ou notebook. É interessante observar o fato de que a cidade, apesar de estar bastante afastada dos grandes centros (650 km de Cuiabá- MT e 550 km de Goiânia-GO), é contemplada por serviços de internet por fibra ótica, que proporcionam maior velocidade de conexão, se comparados aos serviços de internet via rádio. As coletoras também participam de grupos de mídia social formados por coletoras/es, alguns que abarcam a maior parte dos núcleos de coleta e outros mais locais, facilitando a interação. Se comparada à realidade das mulheres rurais, as coletoras urbanas são mais privilegiadas nesse quesito e têm acesso facilitado às tecnologias da informação/comunicação. Milene Alves, a coletora de 19 anos, ao ser indagada sobre o meio que mais utiliza para se comunicar com as coletoras, responde: “Antes era o celular [ligação, SMS], hoje é o WhatsApp e celular”. É interessante analisarmos essa resposta sob uma perspectiva histórica- geracional, ainda mais vinda de uma jovem de uma geração de “nativos digitais”, visto que o conceito se aplica diretamente a pessoas que nasceram a partir dos anos 80 (PALFREY; GASSE, 2011). Milene, portanto, acompanha mais emersamente a mudança “tecnocultural” e o desenvolvimento das tecnologias digitais dos últimos anos (ALMEIDA, 2016), se comparada, por exemplo, à mãe dela, a coletora Vera. Contudo, ela só começou a ter um real acesso à internet por volta dos 14 anos, mesma idade em que iniciou os trabalhos na Rede e 155

participou de uma oficina sobre a qualidade de sementes na UFSCAR, em São Paulo. Quando regressou, usando um computador usado que tinha acabado de ser adquirido pelo avô, Milene pesquisou sobre a Rede na internet e descobriu sua foto no Google Imagens. “Eu chamei minha mãe e falei: ‘mãe, olha isso aqui!’. A gente tava no Google! A internet para mim era algo ainda muito distante. Então quando eu me vi, pensei ‘Uau, sou famosa!’ [risos]. E falei pra minha mãe: ‘O trem é sério mesmo. Vamos seguindo isso aí, vamos ter dedicação que vai dar certo’”. Segundo Milene, as informações que ela e as coletoras e coletores trocam por WhatsApp ou ligação de voz dizem respeito a assuntos informacionais, como: “data de reunião, se o pagamento das sementes já tá na conta; quando preciso que alguém me faz tal coisa até tal dia; quando vou receber sementes, quando preciso de ajuda para fazer tal coisa”. Ela afirma também que praticamente todos os núcleos de coleta têm um grupo de WhatsApp para troca de informações, e Nova Xavantina não é a exceção. Quando surgem dúvidas relacionadas à identificação de sementes, por exemplo, as coletoras e os coletores também podem enviar fotos para esclarecer perguntas a respeito de cada espécie, acessando o grupo denominado de “Coletores Especialistas”, o qual conta com a participação de parceiros da RSX, como professores universitários e técnicos do ISA (Instituto Socioambiental). Além disso, há o “grupão”, onde estão reunidos coletores, elos, diretores, pesquisadores e outros membros parceiros inseridos no trabalho. Naturalmente, levando em conta a maior disponibilidade de sinal de internet, os maiores beneficiados desses grupos são os moradores de áreas urbanas. Nos últimos 30 anos, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) proporcionaram uma mudança radical no modo de vida de todas as pessoas e, com o advento da internet, esta tem desempenhado um papel primordial na sociedade e na economia (VIEIRO; SILVEIRA, 2011) e as coletoras urbanas não são uma exceção. Se o processo de formação de redes pode ser considerado, como um todo, uma prática milenar na história da humanidade, onde pessoas estão interconectadas, então as redes de informação ofereceriam, por meio da internet, meios de organização e comunicação potencialmente descentralizadores, democráticos e flexíveis, permitindo maior adaptabilidade na execução de tarefas (CASTELLS, 2003). No entanto, por mais que haja certas políticas sociais relevantes no campo da inclusão digital desde o início do século, sabemos que ainda há um longo caminho a trilhar se quisermos superar as desigualdades tecnológicas e o acesso universal e fácil à informação, visto que as respostas políticas, econômicas e governamentais ainda não se mostraram suficientes para a plena democratização do acesso e uso das novas tecnologias (CGI, 2017). A renda econômica de cada uma das famílias de coletoras é um fator determinante para o acesso às tecnologias. Em nossa pesquisa de campo, por exemplo, notamos que algumas delas 156

até possuem um celular único para toda a família, em que o uso de aplicativos e redes sociais como WhatsApp e Facebook é compartilhado com companheiros e filhos. Ou seja, quando nós precisávamos nos comunicar por meio de mensagens via WhatsApp com determinada coletora, muitas vezes era o filho quem respondia e dava o recado a ela. Essa é uma das formas que algumas dessas famílias de baixa renda encontram para economizar dinheiro e, ao mesmo tempo, manterem-se conectadas. Além disso, por mais que nesta pesquisa não tenhamos nos aprofundado propriamente em análises qualitativas e cognitivas a respeito da inclusão digital no caso das coletoras, reconhecemos a importância de não restringirmos o olhar apenas a questões quantitativas de ter ou não acesso à internet, e levarmos em conta as profundas desigualdades históricas, pessoais e regionais de renda que essas mulheres ainda enfrentam (MATTOS et al., 2009). Outra ponderação necessária e ainda menos otimista diz respeito à gama de desinformação presente na esfera da internet com a disseminação acentuada de notícias falsas. Por mais que não tenhamos nos aprofundado dentro desse tema, tal fluxo de informações falsas pode se mostrar potencialmente permissivo para a formação social, política e cidadã dessas mulheres, que, na grande maioria, ainda estão começando a se familiarizar com as ferramentas informacionais e seus diversos usos. Mesmo assim, não detectamos em suas falas quaisquer ideias anticientíficas, como a negação das mudanças climáticas, por exemplo - pelo contrário, como demonstrado em outros capítulos -, ou mesmo antidemocráticas, haja vista que essas são ideias amplamente propagadas dentro desse sistema informacional online e que já começam a ter reflexos políticos e sociais preocupantes em um contexto geral (EVANGELISTA, 2019). É fato que a internet tem alterado e moldado o modo com que nos comunicamos e as coletoras urbanas, independentemente da classe social - e por mais que ainda haja grandes obstáculos -, estão cada vez mais inseridas nessa lógica, ao contrário das rurais e indígenas, que analisaremos adiante. Além de as coletoras terem, em certa medida, maior acesso às novas tecnologias informacionais/comunicacionais do que as da zona rural, Nova Xavantina também proporciona uma razoável diversidade de lojas e planos de telefonia móvel e provedores de internet por fibra ótica, com preços variados. De maneira geral, as coletoras urbanas já estão, portanto, mais inseridas nesses meios tecnológicos se comparadas aos outros grupos analisados [indígenas e rurais]. Tais meios auxiliam expressivamente na troca de informações essenciais para o andamento do trabalho e oferecem maior aproximação entre os grupos e núcleos coletores - mesmo que uns estejam localizados a quilômetros de distância de outros. Além disso, os grupos de WhatsApp criados especificamente para o trabalho de coleta mostram-se ferramentas promissoras para a divulgação de conhecimentos e de inovações 157

tecnológicas que dizem respeito às sementes. Entretanto, verificamos que no grupo de “Coletores Especialistas”, criado para facilitar a toca de informações sobre as plantas coletadas, algumas questões ainda podem dificultar a comunicação e/ou troca de informações, como: perguntas ou respostas elaboradas de forma confusa e não-esclarecedoras; fotos de espécies de plantas tiradas em baixa resolução e/ou desfocadas; pouca participação de grande parte dos membros; o compartilhamento de informações desnecessárias e que não fazem parte do foco do grupo, e até possíveis conflitos ocasionados por “falhas” de comunicação/desentendimentos entre as coletoras e coletores. Contudo, mesmo com a queda da torre em Nova Xavantina, que até então proporcionava um sinal de maior qualidade e englobava também áreas periférica da cidade, e com todos os problemas que analisamos, a comunicação das coletoras urbanas está evidentemente inserida em um contexto de maior inclusão digital, ainda que a renda delas não seja, muitas vezes, suficiente para pagarem planos de internet ou outras opções oferecidas.

5.5 Coletoras rurais e as novas tecnologias de informação e comunicação

Devido aos meios de desenvolvimento e articulação social próprios do mundo no campo, a comunicação rural tem suas especificidades, como conceitua Bordenave (1988, p.7), ao afirmar que esse tipo de comunicação caracteriza-se por um “conjunto de fluxos de informação, diálogo e influência recíproca existentes entre os componentes do setor rural e entre eles e os demais setores da nação afetados pelo funcionamento da agricultura ou interessados no melhoramento da vida rural”. Por isso, a realidade do meio rural também deve ser entendida de forma diferente da realidade urbana. Infelizmente, ainda que tenha havido mudanças expressivas nas últimas décadas na realidade brasileira, o meio rural ainda está historicamente relacionado a um processo de precarização do acesso às terras, da distância consideravelmente grande dos centros urbanos e, consequentemente, do acesso limitado a meios de comunicação e locomoção; até pouco tempo atrás, inclusive, o rádio era o único meio de informação “oficial” dessas comunidades (BRANDEMBURG, 2010). Mesmo assim, profundas transformações têm ocorrido na configuração dos modos de vida do campo, e a estrutura tradicional de família-produção-trabalho vem se modificando ao passo que acompanha essas mudanças tecnológicas/informacionais, o que faz com que o tradicional e o moderno sejam ressignificados por essas comunidades (WANDERLEY, 1997). No caso das coletoras rurais, notamos que a tradicional agricultura de subsistência deu lugar a práticas mais “direcionadas”, visto que observamos, durante a pesquisa de campo, que nem tudo o que elas consomem e utilizam em casa é produzido dentro da propriedade. É o caso da 158

tradicional banha de porco, antes amplamente produzida e utilizada em refeições no meio rural e que agora, com o acesso a mercados e mercearias locais, foi substituída pelo óleo de soja em algumas das residências que visitamos. A produção do sabão caseiro também foi trocada pela facilidade de compra de detergentes líquidos. Grãos, verduras e frutas também são, em grande medida, adquiridos na cidade. Além disso, o rádio também continua sendo um forte meio de informação - apesar de não haver rádios comunitárias ou práticas similares nas regiões analisadas -, mas o acesso a outros meios tecnológicos como a internet permanece extremamente precário, assim como a locomoção, como analisaremos ao longo deste tópico. Em relação aos meios digitais, houve um avanço significativo do acesso à internet nas áreas rurais brasileiras, que passou de 34% em 2017, para 44% em 2018, relacionado com o aprimoramento da infraestrutura de conexão e com a ampliação da conexão móvel no interior do país (CGI, 2019). Entretanto, por mais que as configurações da realidade rural tenham se alterado significativamente nas últimas décadas com a chegada das TICs, e atenuado as fronteiras entre o urbano e o rural, a exclusão digital - ou seja, a falta de acesso à internet e outras tecnologias comunicacionais -, ainda é uma realidade (VIEIRO; SILVEIRA, 2011), como vimos entre as coletoras rurais entrevistadas. Em nossa pesquisa de campo, observamos uma clara falta de acesso a tecnologias como internet e redes de telefonia móvel em dois dos três assentamentos que visitamos. Ao chegarmos nas cidades de Bom Jesus do Araguaia (MT) e Nova Serra Dourada (MT), por exemplo, onde estão localizados os assentamentos Macife e Bordolândia, respectivamente (Figura 32), percebemos que não havia nem sinal de rede em nossos celulares. A única operadora de celular com cobertura na cidade é a Oi e, mesmo assim, as tecnologias 3G e 4G ainda não estão disponíveis na região. A cidade de Bom Jesus do Araguaia também possui apenas duas avenidas asfaltadas. Os assentamentos, por conseguinte, são acessados apenas por meio de estradas de terra, fato que faz com que, em épocas de chuva – que costumam durar meses –, a locomoção fique parcial ou totalmente comprometida. A extensão geográfica desses assentamentos também é um fator que pode impressionar os “novatos” (a autora inclusa), pois as terras são tão grandes que é possível facilmente se perder ali dentro se alguém entrar sem conhecer a região. Felizmente, havia pessoas preparadas que nos acompanharam e orientaram sobre os caminhos e as residências de cada coletora. Outro fator interessante que observamos, e que merece um parêntese, é o fato de que algumas coletoras diziam sempre que “iam para a rua” quando se referiam ao ato de se deslocarem até a cidade mais próxima (no caso, Bom Jesus do Araguaia ou Serra Nova Dourada). Nesse caso, a expressão “rua” se refere a uma configuração regular, sistematizada e quadrangular de residências, lotes, quadras e bairros no espaço urbano, 159

diferindo substancialmente do espaço rural, onde os lotes apresentam configurações que se ajustam à paisagem (presença ou não de corpos d’água e florestas) e cada morador costuma apresentar uma dinâmica própria de uso da terra, construção e organização espacial.

Figura 32. Cidade de Bom Jesus do Araguaia, onde está localizado o assentamento Macife. Semelhante à configuração dos assentamentos, a maior parte das ruas do município não possui asfalto. Foto: Autora.

Quando nos deslocamos para os assentamentos, principalmente no caso do P.A. Macife, percebemos que a situação é ainda mais limitada. Os moradores, muitas vezes, precisam depender do chamado “telefone celular rural”, que nada mais é do que um aparelho, designado para áreas rurais, onde o sinal é fraco. A aparência é muito semelhante à de um telefone fixo, mas há uma entrada para chip de celular juntamente com um cabo. Nele é possível executar funções básicas de um celular, como enviar e receber mensagens via SMS, acesso à internet e realização de chamadas telefônicas. A instalação é feita com uma antena que é fixada em cima do telhado da residência e que deverá captar o sinal da torre principal. É por isso que é preciso que a região já tenha, em funcionamento, uma maior cobertura de celular; isso porque, caso o sinal de celular esteja há dezenas de quilômetros de distância, as chances de o telefone celular rural funcionarem diminuem drasticamente. Mesmo com certa facilidade proporcionada por esse sistema, há diversas limitações, como o fato de a antena ser suscetível a descargas elétricas ocasionadas por raios, o que pode deixar os moradores sem acesso ao telefone durante dias. Dona Odete, moradora do assentamento Macife (ver mapa da Figura 6), é uma das coletoras que utiliza essa tecnologia de comunicação. Antes de irmos até a residência dessa coletora, resolvemos ligar para o número que ela havia nos informado. Mesmo após várias 160

tentativas, não conseguimos contato e decidimos, portanto, seguir direto até a sua casa, utilizando um dos “meios” mais antigos e eficientes de comunicação: a boca. Ao chegarmos na residência de D. Odete, fomos recebidas com sorrisos e um efusivo convite para ficarmos para o almoço, que foi aceito. Durante a conversa animada, de mais de duas horas de duração, a coletora afirmou que a antena do telefone celular rural não estava funcionando naquele momento e, por isso, havia ficado sem sinal. Apesar disso, a casa de D. Odete está em local quase estratégico em termos de comunicação: em um morro, em um dos locais mais altos do assentamento, o que facilita a captura de sinal. Segundo D. Odete, quando o assunto é o trabalho de coleta de sementes, o principal meio de comunicação utilizado é o “boca a boca” (reuniões, conversas informais) e o celular rural, visto que quase “todo mundo [do assentamento] tem” essas duas “tecnologias”. Ao ser questionada sobre quais os assuntos mais tratados durante as conversas, D. Odete responde “[A gente] fala sobre quanto que vai ter que entregar, o potencial [da semente]; qual dia que vai ter reunião, quando que vai pegar semente; quando tem uma semente madurando e pergunta: ‘e aí, o que vocês já conseguiram?’, porque acontece de ter semente que passa surpresa na gente: quando acha que vai madurar no mês que entra, quando vê, esse mês ela já tá caindo...”. Já na casa de D. Cleuza, também do Macife (Figura 33), não há internet, apenas o celular rural. “Eu tenho um celular que tem Zap [WhatsApp] e tudo, mas aqui não pega. Só quando eu tô na rua que pega”. A rua a qual ela se refere, neste caso, é a cidade de Bom Jesus do Araguaia. Já no assentamento Bordolândia, o celular acaba sendo um dos meios de comunicação mais eficientes. Por estar localizado mais próximo da cidade – no caso, Serra Nova Dourada – o sinal de celular consegue chegar até a residência, sem a necessidade do uso de um telefone celular rural, como no P.A. Macife. Bordolândia também é um dos núcleos coletores que iniciou os trabalhos de coleta mais recentemente na Rede de Sementes do Xingu, em meados de 2015, sendo também um grupo pequeno e majoritariamente formado por mulheres. Segundo a elo e moradora do assentamento Bordolândia, Eliane Riggi, 35 anos, as principais dúvidas que os coletores têm quanto ao trabalho de coleta são tiradas com ela por meio do celular. “Quando alguém tá com dúvida, já me liga. Porque é bom que aqui todo mundo já tem celular”. Os encontros semanais na igreja também acabam sendo um canal eficiente. “A maioria [das coletoras] participa da igreja [católica], então todo fim de semana a gente se encontra lá. E a vizinha ali que não participa, quando é pra falar com ela, eu ligo”. No caso da coletora Sônia, de 47 anos e do mesmo assentamento, o celular também é o meio de comunicação que ela mais utiliza. Ela afirma que adquiriu, recentemente, um smartphone com suporte para aplicativos como o WhatsApp, tecnologia da qual ela ainda está 161

se adaptando, com a ajuda da filha. “Agora eu tô aprendendo a mexer nele. A minha menina tá me ensinando tudo”. Assim como Sônia, Valdivina, coletora do assentamento Banco da Terra (localizado no município de Nova Xavantina, distante 12 km daquela cidade), também está em processo de familiarização com as ferramentas digitais. “Tô começando. Ganhei um celular agora, presente de Natal da minha princesa [filha] e tô aprendendo a trabalhar com internet, com rede social”. D. Valdivina também participa dos grupos de coletoras e coletores de Nova Xavantina, mas, segundo ela, apenas como ouvinte, por conta de limitações tecnológicas. “Se alguém posta uma coisa, eu só olho. É que eu não sei postar nada ainda. Só faço é ler mesmo”. Contudo, não são todas as coletoras que dispõem de um smartphone. A própria Eliane e outras com quem conversamos têm celulares com tecnologias bem mais simples, que apenas mandam e recebem ligação e enviam mensagens de texto via SMS. A realidade das mulheres rurais quanto ao acesso às novas tecnologias refuta parte de um imaginário de grupos privilegiados que têm a tendência de perceber a sociedade brasileira como “totalmente” integrada e conectada a redes digitais/cibernéticas, esquecendo-se de parte relevante dela. O acesso limitado ou inexistente a esses meios mostra-se um desafio quanto ao trabalho de coleta e de comunicação entre os grupos locais, regionais ou instâncias como a diretoria da Rede de Sementes do Xingu. Consequentemente, a falta de acesso aos meios digitais pode expandir as desigualdades sociais, impedindo que um grupo tão expressivo de pessoas se capacite intelectual e cognitivamente, o que também inviabiliza a formação de pessoas como cidadãs dignas de oportunidades e de uma boa qualidade de vida (SORJ, 2003). Afinal, segundo Bordenave (1988), é também a partir de canais formais e informais, dentro do sistema rural, que as novas tecnologias têm a chance de se disseminar, bem como o surgimento de movimentos e cooperativas rurais, a articulação (ou passividade e desinteresse) frente às questões ambientais e outras esferas participativas da comunidade rural. É necessário, no entanto, enxergarmos o papel das mulheres rurais dentro do cenário da comunicação e do acesso à informação. O primeiro passo é levar em conta o fato de que as desigualdades de gênero se veem solidamente expressas dentro desses meios. Isso ocorre desde as ações de extensão rural e assistência técnica que são, historicamente, protagonizadas por homens à frente dos processos ativos de decisão, enquanto deixam as mulheres relegadas ao espaço doméstico, e com pouca voz sobre a aquisição e manipulação das novas tecnologias (ALMEIDA; HENRIQUES, 2019). Siliprandi (2002) lembra que, quando as mulheres tinham a chance de interagirem e protagonizarem grupos e ações, eram sempre direcionadas a atividades e temas socialmente considerados como “femininos”, como grupos de mães e senhoras, o que contribuía também para o acentuamento da divisão sexual do trabalho “que, na 162

prática, negligenciava o papel produtivo que as mulheres sempre desempenharam na agricultura” (SILIPRANDI, 2002, p. 41,). A Rede de Sementes do Xingu, como uma associação predominantemente feminina, pode ser uma grande contribuidora para a alteração dessa realidade sexista, ainda predominante nesses espaços.

Figura 33. Vista do assentamento Macife, em Bom Jesus do Araguaia. Foto: Autora.

Precisamos também reconhecer a suma importância que o tema da inclusão digital tem como um meio de oferecer oportunidades únicas em termos de políticas públicas, cidadania e liberdade de informação, especialmente às mulheres rurais e, por extensão, às coletoras. Como explicitam Vieiro e Silveira (2011), ao se reduzir ou mesmo eliminar as distâncias geográficas, abrem-se novos caminhos e oportunidades ao acesso universal às TICs, que já se configuram em uma nova realidade em diversas localidades rurais do país. Mesmo assim, seria preciso antes solucionar os problemas relativos às questões de infraestrutura (custos e mão-de-obra técnica, por exemplo), a incentivos e ações que contribuíssem para a alfabetização digital das comunidades rurais para, assim, se familiarizarem com a internet e os meios digitais. Esses incentivos também valeriam para possíveis implementações de políticas que levassem em consideração um viés de gênero para essa inclusão. Todavia, isso não significa, necessariamente, que essas mulheres tenham estruturas organizacionais de trabalho ruins, menos eficientes ou menos democráticas. Seja na igreja, por meio do telefone celular (rural ou não) ou na “boa e velha” conversa “cara-a-cara”, comunicar- se é um ato indispensável para o trabalho de coleta e para o dia-a-dia dessas mulheres da comunidade rural. Concluímos com isso que, por mais que o processo de exclusão digital ainda seja forte nessas localidades, as coletoras não deixam de dialogarem e interagirem entre si por 163

meios comunicacionais. Mesmo que haja conflitos e críticas, as coletoras, além de proverem de poucos recursos em termos de tecnologia comunicacional, criam meios específicos de se expressar verbal, gestual ou textualmente que não estão totalmente baseados ou submissos às novas tecnologias. Mais adiante, nos próximos tópicos, analisaremos alguns conflitos e possíveis soluções em torno da comunicação no âmbito das atividades de coleta.

5.6 Coletoras indígenas e as novas tecnologias de informação e comunicação

Verificamos que algumas coletoras indígenas, mais especificamente as/os jovens, também apresentam habilidade de interação com ferramentas digitais e plataformas de mídia social. Por exemplo, a coletora Meixula Wauja, 24 anos, do povo Wauja da aldeia Piyulewene do Alto Xingu, usa Facebook, Instagram e WhatsApp por meio de uma internet via rádio na aldeia – de baixa velocidade de conexão se comparada à internet banda larga – ou quando está na cidade mais próxima (município de Feliz Natal), conectando-se com outras aldeias inseridas no Território Indígena do Xingu e também com o mundo exterior. Nós mesmas mantivemos contato e recebemos mensagens e fotos enviadas por Meixula pelo WhatsApp. Durante o período da pesquisa, também recebemos convites de amizade no Facebook e Instagram de alguns dos povos que mantivemos contato durante os encontros da RSX. Essas ferramentas acabam auxiliando na comunicação entre as coletoras indígenas e, mesmo aquelas que não sabem lidar com elas costumam ter um interlocutor – geralmente do sexo masculino, conforme observamos - que fica incumbido dessa missão, como é o caso de Oremê Ikpeng, 25 anos, que administra a página do Facebook do Movimento das Mulheres Yarang. Atualmente, várias aldeias do TIX possuem televisão (via satélite) e internet e usam os smartphones para divulgar e ajudar a preservar sua língua e cultura (MATSUURA, 2019). Entretanto, tal como observado pelo referido autor, essa conexão e o fácil acesso ao mundo não-indígena vem trazendo profundas mudanças no cotidiano das aldeias do TIX, muitas vezes impactando a rotina dos jovens e até a execução de festas e rituais tradicionais. Ao chegar às aldeias por meio de políticas e ações tanto governamentais quanto não- governamentais, a internet tem possibilidade não só uma interação dentro das comunidades indígenas, mas também o favorecimento e a consolidação de movimentos e organizações indígenas (FERREIRA, 2013). Mesmo assim, ainda que os povos indígenas já tenham começado a se organizar politicamente desde a década de 1970, o processo de inclusão digital nas aldeias foi implementado somente nos últimos anos, e ainda de forma restrita, visto que os povos indígenas brasileiros são, historicamente, desconsiderados e não-priorizados dentro de 164

programas de políticas públicas e social, o que agrava ainda mais o fenômeno da exclusão digital, da desigualdade e da discriminação desses povos (PINTO, 2011). No caso dos Ikpeng do TIX, no início da implementação de políticas de inclusão digital, a internet havia chegado nas aldeias apenas para a equipe médica que prestava assistência de saúde no local por meio da Funasa (Fundação Nacional da Saúde). Mais tarde, a conexão seria ampliada para a escola – mas ainda com um trabalho restrito de capacitação do uso e com diversas dificuldades técnicas que permanecem até hoje (KLEIN; RENESSE, 2018). Mesmo com tantos entraves, podemos resgatar alguns exemplos em que essa inclusão digital se expressa, por meio de páginas e sites na web desenvolvidos pelos próprios povos, sendo alguns deles também membros de grupos coletores da RSX. No âmbito de coletores do TIX, por exemplo, há o site do povo Ikpeng (ikpeng.org), lançado em julho de 2011 pela Associação Indígena Moygu Comunidade Ikpeng (AIMCI), que reúne textos sobre o povo, contos, ilustrações e mitos ikpeng e ainda informações sobre o Movimento das Mulheres Yarang; além disso, há também o site da plataforma Xingu + (xingumais.org.br), que consiste em uma rede formada por aldeias, associações e outros parceiros que atuam dentro do TIX, onde reúne notícias e informações sobre os povos e sua “economia da floresta”. Outros endereços eletrônicos fora do âmbito de coletores indígenas e do TIX, também servem de exemplo para mostrar a atuação indígena na internet, como é o caso do site jovensindigenas.org.br, desenvolvido por jovens Guarani-Kaiowá, Ñandeva e Aruak-Terena de Mato Grosso do Sul; e do site indiosonline.net, gerido por diversos povos do Norte e Nordeste do Brasil e que abarca uma série de artigos sobre meio ambiente, política, atuação indígena e sustentabilidade. Os povos indígenas também demonstram que podem ir além de um uso comum da internet. No audiovisual, estão à frente ou atrás das câmeras, produzindo documentários ou filmes, muitas vezes relacionados às temáticas das aldeias, o que proporciona a chance de um recorte ainda mais fiel sobre a realidade em que vivem. Os Kuikuro, do Alto Xingu (que não fazem parte da RSX), criaram em 2010 o chamado “Coletivo Kuikuro de Cinema”. O grupo mantinha um blog (coletivokuikurodecinema.blogspot.com) com informações sobre o coletivo e seus membros, além de disponibilizarem vídeos de autoria própria e materiais audiovisuais para a compra. O blog está até hoje ainda no ar, mas está desatualizado desde 2012. Independente se são ou não coletoras/es indígenas da Rede de Sementes do Xingu, percebemos que há uma articulação dos próprios povos indígenas, que se mobilizam dentro de organizações e associações, e mesmo com poucos recursos, demandam maior participação e consolidação em um mundo cada vez mais digital e conectado via redes. Essa articulação se 165

expressa de várias maneiras: em forma de denúncia de perda de direitos essenciais frente às questões socioambientais; como uma oportunidade de manter viva a memória de um determinado povo ou de vários povos; ou, pura e simplesmente, como uma forma de exercer a liberdade de expressão individual prevista em uma democracia.

5.7 Processos de empoderamento, transmissão de conhecimentos e lugares discursivos

Em uma das questões elaboradas por nós, junto com outras a respeito da comunicação no trabalho de coleta, as mulheres coletoras foram convidadas, durante as entrevistas, a estabelecerem notas de 0 a 5 em relação aos vínculos e relações que estabeleciam com as coletoras mulheres e os coletores homens. Chegamos à conclusão de que essa pergunta se transfigurou um tanto quanto cartesiana e talvez não tenha sido capaz de transmitir o que gostaríamos de entender. Além disso, algumas das mulheres se sentiram confusas quanto ao conceito de nota e, portanto, não funcionou muito bem para todas. Entretanto, serviu como base para compreendermos um pouco sobre as dinâmicas de interação e possíveis conflitos ou diálogos estabelecidos entre elas e eles. A questão serviu também para que as coletoras pudessem sugerir mudanças na comunicação, tanto entre o grupo, quanto entre as outras instâncias da Rede. Em geral, percebemos que as avaliações foram positivas para a relação geral entre os grupos e também para com homens e mulheres. Algumas respostas individuais e alguns conflitos comunicacionais chamaram nossa atenção, e iremos discutir neste capítulo. Roberizan, de Nova Xavantina, foi uma das coletoras que afirmou ter uma relação melhor e mais direta com os coletores homens do grupo. “Eu acho que minha relação com os homens é melhor... isso é machismo [risos]? Não tenho nada contra as mulheres não, mas parece que eu participo e converso mais com os homens; acho que é porque eu vou com meu marido. Onde ele vai eu vou, aí a relação é maior”. Contudo, ela se diz ser uma pessoa tímida, e prefere até mesmo realizar as coletas sozinha ou junto ao marido, até mesmo para que o hábito case com o horário de trabalho [ela é funcionária pública da Prefeitura Municipal]. Além disso, sobre os vínculos que estabelece com as outras coletoras mulheres, Roberizan afirma: “A maioria das coletoras não tem um horário igual o meu, de entrar e de sair, elas são livres; e eu não sou livre pra ir no horário que elas vão, então eu coleto mais só e com o meu marido”. D. Valdivina, do assentamento Banco da Terra, explica que o grupo de coletoras e coletores do qual ela faz parte é composto por seis pessoas, mas que pouco conversam entre si. “A gente se comunica de vez em quando, mas todo mundo tá sempre numa correria, não conversa muito não. Quando tem a reunião em Nova Xavantina, aí reúne todo o grupo e a gente 166

conversa”. Ela também é uma das coletoras que prefere realizar as coletas sozinha, porque os horários dela não coincidem com os das outras. Quando questionada se ela se considera uma pessoa tímida, D. Valdivina responde: “Eu era mais. De primeira eu não saía pra nada. Aí depois que comecei a trabalhar na Rede, eu já converso, já saio um pouco. Melhorou muito a comunicação, a convivência com as pessoas”. Segundo ela, o que contribuiu para diminuir sua timidez foram as reuniões e eventos dos quais ela participou. “Primeira vez que eu fui numa reunião da Rede, aqui com o grupo de Xavantina, nossa, eu suava frio. Eu cheguei na porta e pensei de voltar. Pensei 'não vou'. Eu não conseguia ficar em local que tivesse muita gente. Mas aí conversei com o grupo, fui aumentando, aumentando, fui em mais dois encontros, tinha muita gente e já foi mais tranquilo”. Depois disso, D. Valdivina afirmou que conheceu muita gente e fez amizades. Durante um dos encontros, inclusive, ela chegou a receber um presente. “Eu ganhei uma lembrancinha de uma professora do Rio de Janeiro. Ganhei essa garrafa d'água [com uma floresta estampada com uma pintura de ipês roxo, amarelo, buritis, etc.] e eu tenho essa matriz, bem parecida, aqui no meu quintal”. Divulgar o trabalho da Rede, tanto para a família quanto para amigos, é algo que D. Cleuza faz constantemente. De acordo a coletora, ela transmite seus conhecimentos sobre a atividade de coleta para netos e filhas, e fala sobre a Rede para os amigos e parentes que residem em outras cidades ou estados. “Eu também tenho falado muito da Rede pra quem não conhece. A pessoa pergunta, ‘Ah, como é que funciona isso?’, e eu falo o que eu sei”. Os parentes de D. Cleuza de São Paulo, inclusive, nunca tinham ouvido falar de um trabalho como o dela. “Minha irmã falou ‘ah eu nunca ouvi falar disso, porque aqui pra cá não tem’. E todo mundo fica encantado, porque pra quem nunca fez esse trabalho acha que é uma coisa de outro mundo. Aí tem que ensinar, falar da importância que é preservar e plantar”. A coletora, que tem ascendência Xavante, também costuma falar com indígenas de uma aldeia Xavante, que não estão inseridos no trabalho de coleta. “Eu falo pra eles: ‘gente, vocês têm tanta terra que foi totalmente desmatada. Planta tudo que encontrar, ao redor da casa, no quintal, pra não precisar ir longe’. Quando eu tô lá na aldeia, eu sempre falo isso pra eles”. Em relação à transmissão de conhecimentos, a coletora Roberizan, de Nova Xavantina, explica que ensina o filho, desde pequeno (hoje com 12 anos), sobre preservação ambiental e cuidados com a natureza. “Se vai comer o baru, eu falo: não pode comer inteiro, porque é uma vida. Então ele já sabe que a gente come o baru que quebra, o inteiro não, porque tem a semente ali dentro. A gente fala que não pode jogar fora, que tem que levar pro sítio e lá vai nascer uma árvore. Desde cedo vai passando isso, da importância das plantas e de cuidar. Às vezes vai andando e fala ‘filho, pisa aí não, você pisou numa plantinha’”. 167

No caso das mulheres indígenas, notamos que o processo de participação na Rede, desde o início, ocorre de forma coletiva. Ayaneko Ikpeng, membro do Movimento das Mulheres Yarang, nos relatou que, inicialmente, houve uma grande reunião em uma das aldeias ikpeng em que todos se organizaram coletivamente para discutir sobre o ingresso no trabalho. Dessa forma, as tomadas de decisão sobre os trabalhos de coletas foram feitas não apenas no âmbito individual e familiar, mas também envolveram outras aldeias daquele mesmo povo. Ayaneko é uma das que participou ativamente do “encontrão” da RSX de 2019 em que estávamos presentes. Ela discursou em sua língua materna sobre questões políticas envolvendo a atual presidência e como suas políticas têm sido perniciosas para os povos indígenas e o meio ambiente. Enquanto falava, Oremê Ikpeng, o jovem coordenador das Yarang, traduzia. De modo semelhante, Eliane, que antes de ingressar na Rede se considerava uma mulher muito tímida e introvertida, diz que hoje está mais confiante para compartilhar suas ideias. “A Claudinha [ex-diretora da Rede] me disse: ‘A Eliane não falava nada, agora fala e conversa mais que o Fernando [marido de Eliane]’ [risos]”. Isso corrobora com a ideia de que a Rede pode ser um espaço propício para mudanças de comportamentos e para possíveis transformações individuais/coletivas. Por meio da formação e articulação de grupos, elos e outras figuras responsáveis pelos trabalhos de coleta, as mulheres da Rede podem estimular, entre si, o agir comunicativo (HABERMAS, 1987) e a integração delas mesmas, antes relegadas ao espaço do lar (SILIPRANDI, 2002), ao espaço público.

5.8 Problemas e possíveis soluções na dinâmica comunicacional da Rede

Além de coletora, Sônia, do assentamento Bordolândia, também é engajada na organização de cursos de capacitação do Senai, que são gratuitos e voltados para o público rural. Para ela, tais cursos têm servido mais para ela aprender sobre a coleta e processamento de sementes do que as próprias oficinas e cursos promovidos pela Rede de Sementes. Segundo Sônia, esses últimos não chegam até o assentamento de maneira efetiva. A falta de oficinas e cursos para o meio rural se mostrou uma reclamação geral das coletoras rurais, que sentem falta de uma maior aproximação da Rede nesse quesito. Normalmente, as oficinas costumam ocorrer em cidades muitas vezes distantes dos núcleos rurais, o que inviabiliza a participação da maior parte dessas mulheres do campo, gerando dúvidas e frustrações quanto ao trabalho de coleta. “Porque se for pra ensinar pra uma pessoa só [normalmente são os elos que participam de oficinas], pra depois vir passar pra gente, a pessoa nunca ensina a mesma coisa. Não funciona desse jeito”, pontua Sônia. 168

Para D. Odete, ainda há muito o que melhorar em termos de comunicação dentro do seu grupo de coletoras e coletores, que é composto por 10 pessoas. À época, ela nos relatou sobre um grave conflito que ocorreu em seu grupo e que culminou na suspensão de uma coletora. Segundo D. Odete, o fato gerou um clima de instabilidade, tensão e desconfiança dentro do grupo e acredita que, por conta desse incidente, o seu grupo não recebeu nenhum prêmio ou menção durante o encontro de 2019 da Rede de Sementes do Xingu16, além de ter gerado instabilidade na relação com a diretoria. D. Odete acredita que aprimorar a comunicação é um passo primordial para o entendimento e união do grupo, não só para voltarem a manter o mesmo vínculo e entrosamento de antes, mas também para retomarem a visibilidade dos encontros de anos anteriores que estavam acostumados. “Eu acho que tinha que ter mais diálogo. Tem que melhorar mais a comunicação, ...visitar e reunir mais uns aos outros.”. Há também outra visão que denuncia a pouca ou nenhuma presença de crianças e jovens em um determinado núcleo de coleta no assentamento Macife. Para D. Conceição, os jovens não estão muito inseridos no trabalho porque acham pouco lucrativo e muito cansativo. “Eu acho que deveria ter jovens no grupo, porque a gente vai ficando velho e não consegue mais muita coisa”. A coletora relata ainda que tentou passar os conhecimentos para os netos e para a filha, mas não deu certo, pois acharam o trabalho cansativo e pouco lucrativo. Mesmo assim, ela acredita na importância da ação para conscientizar sobre a natureza. “Eles têm que aprender que de tudo na vida a gente tem que fazer. Tem que estudar, mas tem que aprender também com a natureza e o que ela faz pra nós”. Apesar de haver um grupo de jovens dentro da Rede, do qual Oremê e Milene fazem parte, concordamos com D. Conceição sobre o fato de que poderia haver alguma iniciativa mais contundente – talvez unindo ferramentas tecnológicas com divulgação científica e ambiental – que atraísse crianças e jovens para a atividade. Para algumas coletoras, os encontros, que podem durar até quatro dias, também acabam sendo cansativos e entediantes, o que pode limitar a participação delas. Esse fato também foi observado por nós, que, ao final do encontro, estávamos cansadas devido ao excesso de informações. Além disso, os encontros seguem um padrão de palestras em PowerPoint, em que técnicos, parceiros do ISA ou de universidades, utilizam linguagens demasiadamente acadêmicas e/ou pouco acessíveis. “Tem muita gente que vai comigo [aos encontros] e não entende nada, porque é muito número. Teve aquele papel que a gente assinou pra ver onde vai

16 Anualmente, os grupos mais bem-avaliados em termos de qualidade, organização, inovação, entre outras categorias definidas ao longo dos anos, recebem a premiação denominada de “menção honrosa” durante os encontros da Rede de Sementes do Xingu. Os vencedores podem ganhar desde troféus até “kits” de coleta e beneficiamento de sementes. Naquele ano, o P.A. Macife, que costumava se destacar entre os premiados, não recebeu nenhuma menção. 169

ser o próximo encontro, e pedi pra ser dois dias só, pra fazer a assembleia num mês e o encontrão noutro. Porque a gente fica muito tempo sentado, dá sono, e tem muita coisa que passa”, afirmou uma das coletoras. Notamos que a linguagem dos encontros também é muitas vezes extremamente técnica e maçante, principalmente quando ocorrem palestras de parceiros, o que pode prejudicar ainda mais o entendimento das e dos participantes. Em relação às coletoras indígenas, além de toda a questão logística que enfrentam para participarem de eventos, reuniões e oficinas, percebemos durante entrevistas e em encontros uma maior dificuldade de comunicação e de se expressarem em português. Tal fato pode se revelar frustrante para algumas delas, principalmente para as coletoras indígenas que também são elo, como é o caso de Meixula, que além de participar dos três dias, ainda precisa repassar as informações para os outros membros do grupo coletor que não participaram dos encontros e oficinas. Ela afirma que “ainda tá muito difícil falar português e traduzir tudo” e isso faz com que o conteúdo não seja absorvido da maneira correta, nem por ela, nem pelos outros. Além disso, como explicitado no capítulo 4, pensamos que é preciso encontrar soluções para que as mulheres indígenas que decidirem se expressar nesses encontros por meio da língua materna, tenham suas falas devidamente traduzidas em português (e não de maneira breve, como geralmente ocorre), para que possam ser entendidas de forma mais clara. A comunicação pode também vir acompanhada de diversos problemas e conflitos. Como forma de reduzir tais desavenças, entendemos que é extremamente importante que os diretores e técnicos da Rede, além das/dos elos dos grupos, estejam sempre a par das situações e devidamente presentes para buscar a resolução de possíveis impasses; oferecendo a devida atenção aos problemas; mediando de forma racional e compreensível a comunicação e criando mecanismos para atender, principalmente, às mulheres coletoras rurais e indígenas, visto que elas têm acesso a menos recursos tecnológicos e diversos entraves comunicacionais/linguísticos, do que se comparadas à grande parte das coletoras urbanas, o que pode dificultar o processo de comunicação, participação e transmissão de conhecimentos entre a Rede como um todo.

5.9 Considerações do capítulo

Levando em conta que a coleta de sementes é um trabalho coletivo e comunitário, essencialmente feito por um grupo de pessoas, a comunicação enquanto linguagem e “agir comunicativo” torna-se um instrumento essencial e sempre presente dentro dessas dinâmicas. 170

Sem a comunicação, o funcionamento da Rede de Sementes do Xingu tal qual conhecemos hoje, definitivamente, não seria possível. Isso se torna ainda mais evidente se incluirmos as ideias de cooperação, presentes no trabalho da Rede, como interligadas às possíveis noções iniciais da internet - como um meio que pode ser cooperativo, com acesso, muitas vezes, livre à informação e “propício mais à inovação do que à competição e os direitos à propriedade” (CASTELLS, 2003, p. 15). Ainda que essa não seja, em termos gerais, a realidade da qual vivenciamos atualmente com a internet, esse potencial apresentado serve de paralelo às práticas na Rede, que não necessariamente são sempre cooperativas e democráticas, mas que demonstram elementos nos quais a cooperação e a coletividade são realmente possíveis. Em relação às práticas de divulgação científica que observamos dentro da RSX, é importante haver ações que promovam a ciência e a tecnologia (C&T) que não sejam apenas associadas ao desenvolvimento e progresso tecnológicos, mas que levem em conta as emergências e problemáticas socioambientais, resgatando a participação comunitária, rumo a uma “ciência cidadã” e participativa (ANGOTTI; AUTH, 2001). Além disso, o processo de divulgação científica também deve levar em conta as práticas e saberes locais e ancestrais, funcionando a partir de uma interlocução participativa, horizontal e não-hierárquica. Tomando como base este estudo, podemos inferir que o ideal seria que todas as mulheres coletoras (urbanas, rurais ou indígenas) tivessem a oportunidade de usufruir de tecnologias comunicacionais da forma mais cidadã e democrática possível, porque cremos que esse acesso deveria ser encarado como um direito humano fundamental. No caso das indígenas, se houvessem políticas de inclusão digital eficientes para essas populações, a internet também poderia se mostrar uma ferramenta extremamente imprescindível para a fiscalização dos territórios e a preservação de suas terras. Seguindo a definição de Castells (2003) a respeito do conceito de “rede”, como sendo um conjunto ou sistema de nós interligados, podemos afirmar que a esfera pública é o que conecta tais redes, que funcionam como canais de comunicação (GOMES; MAIA, 2008). A Rede de Sementes do Xingu, se comparada a um “sistema de nós interligados”, também pode estar inserida como um exemplo de “rede de comunicação” dentro de uma lógica na qual os mais diversos atores interagem, opinam, discutem e tomam decisões, às vezes questionadas por uns, outras vezes acatadas por unanimidade. Desta maneira, a RSX também se consolida como um potencial aglutinador de diversas ações comunicativas eficientes e transformadoras.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como um modelo de base comunitária, a Rede de Sementes do Xingu é uma associação complexa e que deve ser entendida a partir de um conjunto de realidades diversas que dizem respeito a cada grupo coletor e/ou povo indígena; seja por meio de técnicas próprias de coleta, por questões de gênero, geográficas e socioeconômicas ou até mesmo geracionais. Mesmo assim, por mais diferentes que possam parecer, essas pessoas apresentam semelhanças fundamentais para que as dinâmicas da Rede sejam mantidas e eventualmente alteradas, dependendo de como fluírem. As mulheres coletoras, nesse sentido, desempenham papeis fundamentais de protagonismo e de ação, muito mais do que de meras vítimas de um sistema perverso. A partir de inovações e adaptações técnicas, de um trabalho de coleta minucioso e cuidadoso, de papeis centrais como os de elo, e até servindo de porta-vozes para a RSX, elas se certificam, mesmo que muitas vezes implicitamente, de que essa estrutura de rede continue funcionando e seja valorizada. Dessa forma, os resultados positivos desse trabalho podem seguir ocorrendo e, consequentemente, colher bons frutos - em todos os sentidos do termo. Compreendemos que os conceitos de tecnologia social e economia solidária são elementos centrais para analisarmos as dinâmicas da RSX e as interações das coletoras. Levamos em conta, de maneira crítica, as relações econômicas e de trabalho como um todo, buscando alternativas aos modelos capitalistas. Quando falamos da importância de uma tecnologia social que esteja alinhada à uma economia solidária/humanizada, por exemplo, também estamos falando de ações de mulheres coletoras que, dentro de uma lógica de trabalho, contribuem coletiva e individualmente para uma construção comunitária de valores e conhecimentos diversos. Ao adaptarem novas tecnologias, as mulheres, independente dos recortes analisados (indígenas, rurais e urbanas), auxiliam na criação e elaboração de soluções ambiental e humanamente sustentáveis, abrindo também caminhos para discussões sobre a valorização de trabalhos feitos por mulheres e a equidade em todos os sentidos. A invenção de novas técnicas de coleta e processamento de sementes e a adaptação de tecnologias a partir da experimentação e de métodos empíricos também demonstram que a ciência, em seu sentido mais amplo, está presente no cotidiano de trabalho das coletoras. O fato de que muitas dessas mulheres já detinham conhecimento sobre plantas e elementos da natureza, adquiridos ao longo da vida com as experiências familiares, é uma confirmação de que as coletoras têm sido fundamentais no processo de produção e transmissão de 172

conhecimentos situados, que precisam ser legitimados e valorizados pelo potencial de contribuírem com os problemas que assolam a natureza e a humanidade. Essas mulheres dão voz e visibilidade aos seus conhecimentos, o que contribui também para alterar suas relações sociais, ressignificando parte da a realidade em que estão inseridas. Ao longo da pesquisa demonstramos que o ofício da coleta não é uma tarefa fácil e que, no caso das mulheres coletoras, independente se são indígenas, rurais ou urbanas, elas precisam ter em mente que outras funções extremamente imprescindíveis, e muitas vezes consideradas como exclusivamente femininas, também precisam continuar. Durante a coleta, normalmente são designados às mulheres os trabalhos mais minuciosos de limpeza e secagem de sementes e, aos homens, muitas vezes as tarefas consideradas mais “brutas” ou arriscadas de subirem em árvores e abrirem caminho nas florestas. A partir disso, construímos nosso pensamento em torno da economia feminista, em que foi necessário utilizarmos um olhar crítico sobre os trabalhos de cuidados (a coleta, inclusive, pode ser considerada um deles), os processos histórico-sociais de divisão sexual do trabalho e à sustentabilidade da vida. Isso representou um enorme desafio teórico-prático de nos posicionarmos também como críticas e de, inclusive, contribuirmos para alterar perspectivas e quebrar alguns estereótipos presentes dentro e fora do trabalho da RSX, oferecendo exemplos diversos de mulheres coletoras. Além disso, a diversidade de mulheres e as incontáveis especificidades de cada realidade encontrada mostrou-se desafiante para inserirmos uma perspectiva feminista/ecofeminista que encaixasse a todas. Ainda assim, reconhecemos que o trabalho das coletoras e suas perspectivas de vida nos oferece uma oportunidade de nos entendermos como seres inter/ecodependentes, com um longo caminho a trilhar em termos de igualdade de gênero e justiça social, econômica e ambiental. É por isso que não podemos negar que as práticas ecofeministas perpassam todo o processo de trabalho dessas mulheres, visto que elas também demonstraram ter adquirido, ao longo da vida e com o trabalho, um olhar cada vez mais crítico às mudanças ambientais e preocupado com o futuro do planeta. As ações de desmatamento, permeadas por profundos impactos socioambientais na configuração regional, de transição entre dois biomas importantes (Amazônia e Cerrado), servem de alerta para que ocorra uma mudança urgente de paradigmas, e as mulheres coletoras percebem-se como parte integrante dessa mudança. Nesta perspectiva, poderíamos inferir que as atividades de cuidados entre humanos e com os territórios e a “terra comum” são constantemente colocadas como uma responsabilidade de todas e todos. A sustentabilidade da vida, portanto, se solidifica como pilar central para garantir as condições de vida das futuras gerações e muitos conhecimentos indígenas mostram-se cada vez mais preocupados com essas questões, contribuindo, a partir 173

desse pensamento, para enfrentar os desafios já existentes da crise ecológica global (PULEO, 2012). Em relação às mulheres indígenas, pudemos perceber, mesmo que superficialmente, de que maneira alguns dos diversos mitos e cosmologias indígenas moldam e estão profundamente relacionados ao cotidiano de coleta de sementes, a partir do recorte pré-estabelecido dos povos analisados no âmbito da Rede. Nesse grupo, a ecodependência já se faz presente de maneira até mais clara para os povos, do que se comparado aos outros grupos estudados, e o fato de terem uma economia altamente dependente da natureza já é, por si só, um motivo para estarem na RSX. Ainda assim, julgamos importante não inserirmos nenhuma visão essencialista ou romantizada sobre as mulheres indígenas, pois também precisamos encarar as diversas percepções, prioridades e necessidades de cada uma delas. Levamos em conta os profundos impactos que os contatos de não-indígenas, desde os últimos séculos até aqui, têm causado nos povos analisados - com aumento no número de mortes, pobreza, perda de territórios e outras questões. A coleta de sementes, nesse sentido, pode ser entendida uma forma de resistência dessas mulheres que, dividas em grupos e movimentos majoritariamente femininos, também partem em busca de reinterpretarem as próprias dinâmicas e modos de vida, e lutam contra um verdadeiro processo de etnocídio, ainda em curso. A partir da comunicação, compreendemos que o trabalho de coleta carrega a oportunidade de mobilizar famílias e comunidades, não apenas proporcionando maior possibilidade de emancipação econômica, mas também de forma a transformar a realidade em que vivem de maneira profunda: promovendo a mobilização e participação social, fomentando a criação de políticas públicas eficientes, além de influenciar democraticamente nas relações dinâmicas entre ciência, tecnologia e sociedade. Se aderirmos ao pensamento de Paulo Freire quanto às transformações provocadas por uma verdadeira comunicação libertadora e que mobiliza atores, podemos concluir que o processo comunicacional produzido pelas coletoras se mostra, enquanto prática dialógica e cultural, um caminho efetivo para a democratização dos conhecimentos, os quais são construídos a partir de intensas relações entre pessoas e o mundo a sua volta; afinal, “o mundo humano é um mundo de comunicação” (FREIRE, 2013, p. 57). O trabalho de coleta de sementes é, sobretudo, um trabalho familiar e solidário. Ligado à comunicação, o processo transmissão de conhecimentos relacionado às sementes torna-se algo quase “natural” dentro da dinâmica da família, amigas ou colegas, independente se são coletoras urbanas, rurais ou indígenas (ainda que no caso das indígenas, alguns grupos de trabalho são majoritariamente femininos). Não é incomum observarmos núcleos familiares onde mãe, pai e filhos estão todos inseridos nesse cotidiano, com uma organização dividida 174

entre as tarefas de coleta, assim como também observamos vizinhas/os e amigas/os que realizam o mesmo trabalho. Concordamos com Paulo Freire (2013) quando o autor afirma que o conhecimento não pode ser considerado como algo que é adquirido de forma passiva, pois exige que a pessoa seja suficientemente curiosa para descobrir o mundo a sua volta. Assim, mesmo que tenhamos observado relatos sobre as crianças que se interessam, em princípio, pelo trabalho de coleta por conta do retorno material, sabemos que o conhecimento adquirido pelas sementes só é possível se o olhar curioso delas também passar a enxergar um outro lado: a importância da preservação ambiental e o futuro do planeta. A Rede de Sementes do Xingu é, nesse sentido, um espaço que pode tanto agregar, produzir e transmitir conhecimentos, quanto mobilizar pessoas em torno de um ideal comum. Por mais que haja problemas e desafios a serem superados no trabalho comunitário realizado pelas coletoras e nas dinâmicas participativas, achamos fundamental que práticas como essa sirvam de exemplo. Isso perpassa também na importância da valorização e divulgação não só do conhecimento científico, mas também dos saberes populares. As mulheres agem como verdadeiras comunicadoras e mobilizadoras sociais. Elas não apenas consomem e utilizam diversos meios e ferramentas comunicacionais/tecnológicas, mas também têm na comunicação um pilar imprescindível para manterem essa estrutura em rede. A partir de um verdadeiro processo de emancipação e autonomia, a pesquisa indica que a participação das coletoras em eventos da Rede e outros espaços públicos, seja como ouvintes ou como porta-vozes, é um caminho que julgamos ser primordial para que a cidadania plena seja atingida. A transmissão de conhecimentos é o resultado desse trabalho. Isso se torna claro, visto que o ato de transmitir e absorver conhecimentos está diretamente ligado ao senso coletivo e dialógico, que é “a base facilitadora da conscientização sobre a própria existência e realidade local, além de abrir caminhos para a construção de processos organizativos, comunicativos, comunitários e a criação de sistemas de informação” (PERUZZO, 2017, p. 3). Esses processos não ocorrem naturalmente, mas sim por meio do que chamamos aqui de “mobilização social”. Segundo Toro e Werneck (2018), a mobilização social é um ato de cidadania, de cooperação e também de comunicação, embasado em uma ética democrática onde a participação é uma escolha e, portanto, um ato libertador: “as pessoas são chamadas, convocadas, mas participar ou não é uma decisão de cada um. Essa decisão depende essencialmente das pessoas se verem ou não como responsáveis e como capazes de provocar e construir mudanças” (TORO; WERNECK, 2018, p. 6). Em diálogo com esses apontamentos, a jovem Milene afirma que gostaria de passar os conhecimentos sobre o seu trabalho e sobre a importância da preservação ambiental para o seu 175

futuro filho. Ela já está treinando com os sobrinhos que ajudam na coleta. “Eu quero muito passar pro próximo. Porque se parar só na gente, então não tem futuro pra Rede. Eu considero isso importante, porque isso é que nem o rio: ele tem que correr até chegar no oceano e se tornar algo maior. Se eu faço uma barreira nele, então acabou o fluxo de água. O rio precisa ser contínuo pra se tornar algo maior, e como que eu deixo o rio assim? Passando pras próximas gerações. Desse jeito ele se torna o oceano”.

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196

ANEXOS

ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA COLETORAS DA REDE DE SEMENTES DO XINGU

COLETORAS NÃO-INDÍGENAS

QUESTÕES GERAIS Nome: Idade:

Município e estado de nascimento:

Município de moradia:

Estado Civil:

Nº de filhos:

Escolaridade:

Mês e ano de início na Rede:

Papel/cargo na Rede (coletor, elo, gestor, etc.):

Possui outro trabalho além da Rede? Qual?

Renda familiar:

Renda com as sementes:

SOBRE O TRABALHO

1 - Conte-me em detalhes a sua trajetória na Rede de Sementes do Xingu. Como você/a senhora ficou sabendo do projeto? Quem lhe convidou? Por que decidiu participar?

2 - Como está sendo a experiência na RSX atualmente?

3 - O que a RSX significa para você em termos de trabalho?

4 - O que melhorou na sua vida após começar a trabalhar na Rede? O que piorou?

5 - De qual forma você/a senhora se organiza com os outros coletores? Você/a senhora faz as coletas e o processamento das sementes sozinha ou conta com a ajuda de outras pessoas? Quem ajuda? 197

Sozinha ( )

Outros Quem:

6 - Conte-me um pouco sobre algumas dificuldades que enfrenta neste trabalho.

7 - Você/a senhora já tinha algum conhecimento sobre plantas nativas e suas sementes? Com que aprendeu? Tinha conhecimento: SIM ( ) NÃO ( ) Aprendeu com:

8 - O que aprendeu de novo na Rede com relação a esse trabalho de identificação, coleta e processamento de sementes?

9 - Quais os tipos de técnicas e ferramentas que você/a senhora utiliza para coletar, limpar e beneficiar as sementes?

10 – Você/a senhora inventou ou melhorou alguma técnica para coletar e/ou processar as sementes? Conte um pouco sobre isso.

11 - Quais são as principais sementes coletadas por você/pela senhora? Qual delas é a mais trabalhosa e por quê?

ESPÉCIES DIFICULDADES

12 - Você/a senhora aproveita a casca, a polpa ou a farinha que fica ao redor de algumas sementes para gerar uma renda extra? Quanto ganha com isso? Explique. PARTES APROVEITADAS – FINALIDADE RENDIMENTO – R$

13 - Qual é o destino das sementes coletadas por você/pela senhora? Todas vão para a Rede ou você/a senhora troca ou comercializa com produtores ou outras pessoas?

14 - Como é a sua relação de trabalho com os outros coletores? Que tipo de informações vocês trocam?

15 - Como se dá a sua relação de trabalho com o pessoal da Rede, do ISA e outras instituições que participam do projeto?

16 - Qual é a distância (km) que você/a senhora normalmente percorre para acessar as matrizes?

Quantos km percorre, em média, em um dia normal de trabalho:

Qual foi a maior distância (km) já percorrida para coletar sementes?:

198

17 - Quais são as maiores dificuldades para a coleta das sementes?

18 - Quais são as maiores dificuldades para o manejo e processamento das sementes?

19 - Você/a senhora está satisfeita com o preço médio de venda das sementes? O que precisa melhorar?

20 - O dinheiro arrecadado com a venda das sementes é usado para qual fim?

21 - Você/a senhora sabe exatamente como funciona o sistema de comercialização feito pela Rede? Isso interessa para você/a senhora ou prefere deixar isso por conta do pessoal da Rede? Gostaria de saber como funciona e sugerir mudanças?

22 – O que você/a senhora gostaria de sugerir para a Rede para melhorar a troca de informações e o comércio das sementes? (Se elas se sentirem constrangidas em dizer, podemos exemplificar – melhorar a comunicação Rede x Coletor, produzir mais material didático (ex: cartilhas) sobre a identificação, coleta e processamento de sementes, melhorar os preços das sementes, etc.)

23 - Você/a senhora acha que o trabalho da Rede tem um caráter de produção comunitária ou individual? Você/a senhora prefere fazer esse trabalho de maneira comunitária ou prefere que seja algo mais individual?

24 - O que você/a senhora sabe sobre o método da Muvuca? Considera bom ou ruim? Sabe como funciona? Conhece os resultados?

RELAÇÃO TRABALHO/MEIO AMBIENTE

1 - Você/a senhora considera a atividade que realiza na RSX boa para o meio ambiente e para as pessoas? Por quê?

2 - Qual o seu entendimento (da senhora) sobre a importância de se preservar o meio ambiente?

3 - Você/a senhora conhece sobre o método de restauração florestal usando a semeadura direta de sementes? O que acha desse método?

4 – As plantas das quais você/a senhora coleta sementes estão apresentando mudanças nos períodos ou na quantidade de produção de frutos? Desde quando começou a observar essas mudanças:

Quais as espécies que apresentaram as maiores mudanças e quais mudanças foram essas?

5 - A senhora/você acha que o desmatamento na região está controlado ou ainda continua? Por que?

6 - Você/a senhora acha que o clima da nossa região mudou? Desde quando? O que aconteceu?

199

7 – Você/a senhora acha que o seu trabalho de coletora pode ajudar a resolver os problemas de desmatamento e clima? Como?

8 - Qual a sua opinião sobre o futuro do nosso planeta para as próximas gerações com relação ao meio ambiente?

TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTOS

1 - Você/a senhora está passando seus conhecimentos sobre as sementes para seus filhos e netos? 1a - Considera isso importante? Por quê? 1b - Como passa esse conhecimento?

2 - Dentro do seu núcleo de trabalho, como se dá a relação das crianças com as sementes? Elas se interessam? Participam, interagem, se divertem?

3 - Conte-me um pouco as suas experiências nas oficinas, cursos, encontros ou palestras da Rede em que participou. O que aprendeu e o que mudou depois disso?

4 - Chegou a participar de algum trabalho de divulgação do projeto (por exemplo, participando de palestras, congressos, vídeos, documentários, livros e outros materiais da rede)? Se sim, conte um pouco a experiência.

5 - Há algo que você gostaria de sugerir para ser feito e melhorar a transmissão de conhecimentos para os membros da Rede e fora dela?

COMUNICAÇÃO

1 - Qual meio de comunicação você mais utiliza no seu dia-dia? ( ) Celular ( ) Telefone fixo Internet: ( ) E-mail ( ) Facebook ( ) WhatsApp ( ) Outro: ______

2 - Qual meio de comunicação você mais utiliza para se comunicar com outros coletores? ( ) Celular ( ) Telefone fixo Internet: ( ) E-mail ( ) Facebook ( ) WhatsApp ( ) Outro: ______

3 - Que tipo de informações vocês trocam?

4 - O que você/a senhora pensa sobre os grupos e movimentos organizados dentro da Rede (Ex: Mulheres Yarang)? Por que são ou não são importantes? Gostaria de fazer parte de um?

5 - Você/a senhora considera importante a participação e colaboração dos jovens? De que forma eles auxiliam no trabalho?

6 - No geral, como você/a senhora classificaria sua relação com as outras coletoras e coletores? Em uma escala de 0 a 5, sendo 5 a maior nota Com as mulheres coletoras: Com os homens coletores: 200

7 - A sua relação com as outras mulheres coletoras é melhor ou pior do que com os homens? Por quê?

8 - Você/a senhora se considera tímida ou extrovertida? Tem algum apelido dentro da Rede?

9 - Qual a importância dos elos para a comunicação dentro da Rede? Acha que eles realizam bem o trabalho? Em qual ponto podem melhorar?

QUESTÕES DE GÊNERO

1 - Você/a senhora já sofreu algum preconceito por ser mulher durante o seu trabalho na Rede de Sementes?

2 - Como você avalia o trabalho feito com as sementes por homens e mulheres? a. ( ) As mulheres trabalham melhor que os homens b. ( ) Os homens trabalham melhor que as mulheres c. ( ) Não há diferença Por quê (ler a resposta)?

3 - Na sua opinião, quais as diferenças nas técnicas de trabalho das mulheres com as sementes do trabalho dos homens?

4 - Alguns dizem que o lugar das mulheres é em casa, lavando, cozinhando e cuidando dos filhos. Você/a senhora concorda com isso? Por quê?

5 - Você/a senhora usa roupas velhas, botinas e sobe em árvores para coletar as sementes? Já foi criticada por isso? Tem vergonha de ser vista assim?

6 - Você/a senhora já sofreu algum tipo de violência enquanto estava trabalhando com as sementes?

7 - Você/a senhora acha que tanto os homens quanto as mulheres são tratados de forma igual dentro da Rede? Por quê?

8 - Você/a senhora já ouviu falar sobre feminismo? O que a você/a senhora acha que é o feminismo? Se considera uma feminista?

Para mulheres com companheiros:

1 - Você/a senhora trabalha junto com o seu companheiro ou marido na coleta e processamento das sementes? ( ) Sim ( ) Não

2 - O dinheiro arrecadado com a venda das sementes ou outros produtos das sementes é controlado e guardado por você ou por seu companheiro/marido? Se for controlado pelo companheiro/marido, ele permite você gastar onde quiser?

201

3 - Se ele não trabalha com você/a senhora, qual a opinião do seu companheiro/marido sobre o seu trabalho com as sementes? Ele aprova ou desaprova? Por quê?

ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA COLETORAS INDÍGENAS DA REDE DE SEMENTES DO XINGU

Nome: Idade:

Local de nascimento:

Local de moradia:

Mês/ano de início na Rede:

Papel/cargo na Rede (coletor, elo, gestor, etc.):

HISTÓRIA DA ALDEIA DENTRO DA REDE

Me conta um pouco sobre o que você sabe da história do seu povo (inserir aqui a etnia) da aldeia (inserir aldeia) dentro da Rede de Sementes do Xingu. Por que a aldeia resolveu participar?

TRABALHO NA RSX

1 - Me fale sobre a sua história dentro da Rede de Sementes do Xingu (RSX). Gostaria de saber como você ficou sabendo da Rede, por que decidiu participar, se alguém te convidou a participar… [Só para esclarecer, nos casos em que tiverem perguntas simultâneas, eu as farei separadamente, respeitando o tempo de resposta da entrevistada]

2 - E hoje em dia, como está sendo pra você a experiência na RSX?

3 - Como você se organiza com as outras coletoras no trabalho de coleta das sementes? Vocês vão em grupo? As crianças também participam?

4 - Aqui na sua aldeia, os homens também participam do trabalho de coleta? Sim ( ) Não ( ) Se sim, como eles ajudam? Quais são as tarefas deles?

6 - Fale sobre algumas dificuldades que enfrenta neste trabalho.

7 - Você já conhecia todas as plantas nativas que fazem parte da Rede de Sementes? Se sim, com quem aprendeu?

202

8 - E o que aprendeu de novo sobre as sementes depois que entrou na Rede? Por exemplo, na hora de coletar, de limpar?

9 - Quais os tipos de técnicas e ferramentas que você usa para coletar, limpar, secar as sementes? Por exemplo, você usa esteira, peneira, podão…?

10 - Você aprendeu alguma técnica com os coletores que não são indígenas que você resolveu colocar em prática no seu trabalho com as sementes?

11 - Você criou alguma técnica?

12 - Você ensinou alguma técnica diferente para o seu grupo de coletores? Ou ensinou alguma técnica para algum coletor que não é indígena?

13 - Como vocês armazenam as sementes pra evitar os insetos e larvas? Vocês colocam as sementes dentro de caixas de papelão, de madeira….?

14 - Como vocês pesam as sementes? Por exemplo, vocês usam cestas pra saber o peso ideal que precisam entregar à Rede?

15 - Quais são as principais sementes coletadas por você/pela senhora? Qual delas é a mais trabalhosa e por quê?

ESPÉCIES DIFICULDADES

16 - Para onde vão as sementes coletadas por vocês? Além da Rede, vocês usam também para fazer artesanato, para trocar entre vocês...?

17 - Você sabe como funciona o sistema de organização da Rede de Sementes? Por exemplo, você sabe pra onde vão as sementes que você coleta, quem compra, quem armazena as sementes na Casa de Sementes...?

18 - Você já ouviu falar sobre o método da “muvuca”? Se sim, o que acha sobre ele?

MEIO AMBIENTE E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

19 - Você considera a atividade que realizam na RSX boa ou ruim para o meio ambiente e para as pessoas? ( ) Boa ( ) Ruim Por quê?

20 - O que é a natureza para você e para o seu povo?

21 - E você percebeu alguma mudança da natureza e na sua aldeia [e/ou do Território Indígena do Xingu, caso more lá] ao longo dos anos? 203

( ) Sim ( ) Não Se sim, quais?

22 - (Caso não tenha citado) Você acha que o clima também mudou? Desde quando? O que está diferente?

22 - (Caso não tenha citado) E sobre as sementes que vocês coletam, você percebeu alguma mudança na hora de nascerem as frutas, na qualidade ou quantidade das sementes? ( ) Sim ( ) Não Se sim, quais espécies de plantas que mais sofreram com as mudanças?

23 - O que você pensa sobre o que acontece na sua aldeia [e/ou do Território Indígena do Xingu, caso more lá]?

COMUNICAÇÃO

24 - Você já participou de algum evento da Rede de Sementes? Sim ( ) Não ( )

Caso sim: O que você achou do evento? Teve algo de que você mais gostou? Teve algo de que não gostou? O que poderia melhorar e ser diferente? (Por exemplo: Excesso de PowerPoint, palestras com estatísticas e dados demais… poucas experiências práticas, poucos diálogos, etc)

Foi difícil para você conseguir participar do evento? Foi você quem decidiu ir ou foi algum líder da aldeia quem te autorizou?

25 - Você acha que nos eventos, os diretores e outros membros da Rede dão atenção aos interesses das mulheres coletoras indígenas? Por exemplo, se vocês falam pra eles sobre algum problema ou algo que deve melhorar no trabalho, eles ouvem as indígenas e buscam arrumar o problema?

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PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Título da Pesquisa: As semeadoras de florestas: os processos de comunicação das mulheres coletoras da Rede de Sementes do Xingu Pesquisador: ALESSANDRA SCHWANTES MARIMON Área Temática: Estudos com populações indígenas; Versão: 3 CAAE: 95430518.4.0000.8142 Instituição Proponente: Instituto de Estudos da Linguagem Patrocinador Principal: Financiamento Próprio

DADOS DO PARECER

Número do Parecer: 3.154.065

Apresentação do Projeto: INTRODUÇÃO:

Criado em 1961, o Parque Indígena do Xingu ocupa quase 3 milhões de hectares e em Mato Grosso está situado entre os dois maiores biomas brasileiros, a Amazônia e o Cerrado. Concentra-se, portanto, em uma zona de tensão ecológica, inserida no chamado “arco do desmatamento” (NEPSTAD et al., 1999). O Parque é hoje uma referência mundial de diversidade sociocultural e ambiental da Amazônia, ocupado por mais de 6 mil indígenas de 16 etnias (ISA, 2011). Além disso, representa a resistência dos povos xinguanos contra as tradicionais políticas pautadas no desenvolvimento econômico não sustentável (SANCHES, 2015). Para reforçar a identidade, esses povos preferem chamar suas terras de Território Indígena do Xingu (TIX) (VILLAS-BÔAS, 2017).A expedição Roncador-Xingu, da Fundação Brasil Central, planejada para povoar e desenvolver o interior do Brasil, estabeleceu nos anos 40 o primeiro contato definitivo com os povos indígenas do Xingu (VILLAS BÔAS; VILLAS BÔAS, 1994). Na década de 70, com a construção de rodovias, a região das cabeceiras do Rio Xingu virou alvo de projetos de colonização voltados à migração de colonos do sul do país, gerando o surgimento de cidades, desmatamento e a degradação de rios (ISA, 2011). Até o ano de 2007, mais de cinco milhões de hectares foram desmatados nas cabeceiras para dar lugar à pecuária, ao cultivo da soja e à exploração de madeira, que correspondem às principais atividades econômicas da Bacia (VELASQUEZ et al., 2010). As

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Continuação do Parecer: 3.154.065 consequências da política de ocupação refletem-se gravemente no equilíbrio ecológico e na preservação de espécies e comunidades tradicionais. No documentário Para onde foram as andorinhas? (ISA, 2015), os povos xinguanos relatam que não conseguem mais interpretar os sinais da Natureza, relacionando o fato com a perda da biodiversidade na região do entorno do TIX, que chamam de “o abraço da morte” (RICARDO, 2000). Nesse contexto, o ISA (Instituto Socioambiental), em parceria com instituições públicas e privadas, lançou em 2004 a campanha ‘Y Ikatu Xingu (“Salve a água boa do Xingu”, em língua kamayurá), para recuperar e proteger as matas ciliares e nascentes do rio (SANCHES, 2015). A partir desse trabalho, em 2007, a Rede de Sementes do Xingu (RSX) nasceu da necessidade de desenvolver tecnologias de recuperação das áreas degradadas que pudessem ser adotadas pelos produtores rurais e que aliassem redução de custos, ganho ecológico e adaptação aos sistemas de produção (URZEDO, 2014; URZEDO et al., 2017). De acordo com os referidos autores, foi criado um caminho para a semeadura direta, troca e comercialização de sementes de espécies nativas, transformando-se em fonte geradora de renda e uma maneira de valorizar as florestas. Em 11 anos, a RSX já conta com mais de 500 coletores, entre ribeirinhos, chacareiros urbanos, agricultores familiares e indígenas (RSX, 2017), distribuídos em 16 municípios das bacias do Rio Xingu e do Rio Araguaia, nos estados de Mato Grosso e Pará, unidos em prol de conhecimentos locais, da conservação da biodiversidade, da qualidade de vida familiar e do fortalecimento das relações sociais (URZEDO et al., 2017). A criação da RSX foi pautada no conceito da “ética do cuidado”, em que a luta contra injustiças e a favor do desenvolvimento sustentável passa pela conquista de cada um em protagonizar sua emancipação (BOFF, 2005). O bem- estar é o resultado desse processo de construção no qual os êxitos supõem o crescimento pessoal, o fortalecimento das identidades comunitárias, de seus vínculos e da capacidade de responder aos desafios da inovação e do contato com diferentes grupos sociais (ABRAMOVAY, 2012). As mulheres merecem especial atenção, já que detêm um papel primordial no funcionamento da RSX, e são o público-alvo nessa proposta de pesquisa. Em algumas comunidades, por exemplo, elas compõem a totalidade dos coletores participando tanto das etapas de planejamento quanto da liderança (URZEDO et al., 2017). Ações como a da rede detêm um papel particularmente importante na vida das mulheres coletoras, já que são poucas as alternativas de geração de renda disponíveis para quem vive em áreas consideradas remotas (BERCHEL; SCHRECKENBERG, 2007). Além disso, tem sido observado que, onde as mulheres atuam como protagonistas na produção, a renda tende a ser revertida para a família (ISA, 2017). A busca por essa autonomia pode ser justificada a partir da lógica de dominação masculina explicitada por Bordieu (2002), afirmando que, historicamente, são impostas às mulheres tarefas e papeis

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Continuação do Parecer: 3.154.065 considerados inferiores, excluindo-as dos assuntos públicos e mais especialmente dos econômicos e, além disso, restringindo-as aos cuidados domésticos e à reprodução biológica e social da descendência. Sendo assim, as mulheres coletoras contribuem para reverter essa lógica patriarcal. Para que as participações coletivas das mulheres coletoras de sementes ocorram efetivamente é necessário um procedimento de mobilização social. Definido por Toro e Werneck (1996), o processo acontece quando um grupo de pessoas, uma comunidade ou uma sociedade age em prol de um objetivo comum, buscando resultados decididos por todos. Para isso, Menezes (2015) lembra que é preciso um nível de cooperação e entendimento da aprendizagem coletiva e de compreensão de ideias e necessidades individuais. Deste modo, essa proposta pretende analisar de que forma os processos de Comunicação, Mobilização Social, Educação Ambiental e Educomunicação se entrelaçam nas vidas das mulheres coletoras da RSX, utilizando como base teorias e conceitos próprios das Ciências Sociais e da Comunicação. Berlo (1970) caracteriza o processo de Comunicação como algo dinâmico, sem começo, meio ou fim, em que seus “ingredientes” agem uns sobre os outros, sendo influenciados mutuamente. Sendo assim, não basta apenas utilizar um canal, transmitir e certificar-se da emissão, pois a mensagem comunicativa envolve o processo de significação e não é apenas a forma, mas também o conteúdo, que assegurará o bom entendimento (CAMPOS, 2006). McQuail (2003), por conseguinte, assinala diferentes níveis de organização social nos quais a comunicação ocorre, dividindo -os em intra e interpessoal, intra e intergrupal, institucional/organizacional e alargado a toda a sociedade. A Educomunicação é, portanto, entendida como um processo de intervenção social, pautada num esforço de se ampliar as relações de comunicação entre todos os envolvidos (SOARES, 2000). Por fim, a Comunicação e a Educação Ambiental são imprescindíveis nos processos educativos relativos a questões ambientais e na mobilização de atores para o diálogo, estratégias, geração e divulgação de conhecimento, além da participação nas instâncias de controle social (MENEZES, 2015). Tais conceitos revelam-se como uma possibilidade de entender as relações comunicacionais entre as mulheres coletoras e os diferentes atores da RSX num contexto socioambiental. O papel das mulheres coletoras pode parecer pequeno diante da dimensão de ecossistemas destruídos e de comunidades negligenciadas pelos poderes socioeconômicos, mas Marcuse (1983) explica que a insistência em restaurar a Terra como meio ambiente humano é hoje uma questão de sobrevivência. Ainda de acordo com o referido autor, a importância da luta por um meio ambiente que assegure uma vida mais feliz pode fortalecer as raízes do desejo instintivo de libertação de cada um. Esse estudo tem ainda o potencial de dar voz, visibilidade e empoderamento às mulheres envolvidas, além de servir como instrumento para o

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Continuação do Parecer: 3.154.065 compartilhamento e difusão de saberes. Finalmente, essa proposta representa para a pesquisadora responsável um enorme desafio profissional e pessoal, pois, parafraseando Campos (2006), “ser um jornalista comprometido com o meio ambiente é aceitar o desafio de mudar o mundo, nada menos”. Afinal, se toda ordem social é criada por nós, o caos que tanto criticamos também foi obra nossa, e se fomos capazes disso, nós também podemos sair dele (TORO; WERNECK, 1996).

HIPÓTESE:

Levando em conta que nossa pesquisa não será experimental, elaboramos uma hipótese geral. Assim, nossa hipótese é de que as coletoras da Rede de Sementes do Xingu apresentam uma expressiva e representativa atuação na Rede, protagonizando todas as etapas de coleta e processamento das sementes, bem como a gestão da maior parte dos processos. Entretanto, apesar desse papel importante, as mulheres apresentam baixa visibilidade como participantes dos processos finais, permitindo muitas vezes aos homens a liderança nas ações que envolvem a comercialização das sementes, a divulgação de resultados e o acesso à mídia. Também hipotetizamos que as mulheres possuem um sistema eficiente na produção e divulgação dos conhecimentos entre elas e sua prole, bem como nas relações sociais de cooperação, porém esse protagonismo também não desponta de maneira evidente, visto serem elas mais reservadas para acessar os meios de comunicação atualmente disponíveis.

METODOLOGIA:

Um dos métodos que servirá de base para a pesquisa, levando em conta os fenômenos que permeiam a Comunicação, será o chamado Estudo de Caso, de caráter exploratório e descritivo. Ele é escolhido, nas palavras de Yin (2010), quando as questões “como” e “porquê” são inseridas, quando o investigador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco está nos fenômenos contemporâneos dentro do contexto da vida. Também utilizaremos o estudo de campo por meio da observação direta ou participante, que é alcançada considerando três estratégias: acesso aos dados, evocação de comportamento, identificação psicológica com as pessoas a serem estudadas, conexão de conceitos com indicadores e formulação de hipóteses (SCHWARTZ; SCHWARTZ, 1955). A partir disso, ao utilizarmos uma abordagem qualitativa, associada à observação direta em campo e à pesquisa documental, adotaremos o método de entrevista semiestruturada em profundidade (Anexos), que é justificada pela necessidade de se obter uma

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Continuação do Parecer: 3.154.065 visão aprofundada, buscando respostas nas experiências subjetivas das fontes, por meio de roteiro semiestruturado e formulário de perguntas que permitam a liberdade de inclusão de novas questões, caso haja necessidade (DUARTE, 2005). Em princípio, pretendemos ouvir 30 coletoras da Rede de Sementes do Xingu residentes na região Xingu-Araguaia, bem como representantes de ONGs, instituições públicas e privadas, associações e coletores homens. Dentre as coletoras que pretendemos entrevistar, incluem-se as populações indígenas, cujas potenciais entrevistados fazem parte das etnias Kawaiwete, Wauja, Matipu, Yudja e Ikpeng (localizados dentro do Território Indígena do Xingu), além das etnias Panará e Xavante, localizadas fora do TIX. No entanto, a pesquisa não prevê a entrada da pesquisadora em Terra Indígena (TI). As entrevistas propostas deverão ser realizadas durante encontros e reuniões da Rede de Sementes em municípios fora de TI. Organizaremos as respostas em categorias e subcategorias, buscando compreender as características, estruturas ou modelos que estão por trás das informações disponibilizadas (BARDIN, 2011). A partir da aplicação dos métodos especificados, pretendemos realizar uma pesquisa documental, que permitirá entender com clareza os temas relacionados à Comunicação das mulheres coletoras do TIX. Além disso, esperamos que a observação direta, a partir do acompanhamento de reuniões, oficinas e/ou da rotina de trabalho, entre outros, contribua para uma maior conexão e vínculo com os atores, o que possibilitará uma melhor comunicação entre as partes envolvidas, evitando-se assim, possíveis ruídos comunicacionais que possam comprometer o trabalho. A proposta está sendo encaminhada ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), tendo em vista a necessidade de defender os interesses e direitos dos sujeitos participantes e para contribuir com o desenvolvimento da pesquisa dentro dos padrões éticos preestabelecidos. A proposta já foi apresentada ao Conselho e aos Diretores da Rede de Sementes do Xingu e apresentada em plenária durante o XV Encontro da Rede de Sementes do Xingu, entre os dias 22 e 24 de junho em São Félix do Araguaia-MT. A proposta foi aprovada pelos membros e a autorização de coleta de dados foi assinada pelos diretores da RSX. Por fim, de acordo com as especificações do capítulo III, artigo 5º da resolução 510/2016, o processo de comunicação do consentimento poderá ser realizado tanto por meio da expressão oral quanto pela escrita, levando em conta a heterogeneidade dos sujeitos da pesquisa e das necessidades individuais, culturais, sociais e econômicas dos participantes.

Metodologia de Análise de Dados:

Em princípio, pretendemos ouvir 30 coletoras da Rede de Sementes do Xingu residentes na região

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Xingu-Araguaia, bem como representantes de ONGs, instituições públicas e privadas, associações e coletores homens. Organizaremos as respostas em categorias e subcategorias, buscando compreender as características, estruturas ou modelos que estão por trás das informações disponibilizadas (BARDIN, 2011). Após a transcrição dos áudios e análise dos questionários semiestruturados, os dados serão processados e tabulados. Separaremos os dados em categorias. Respostas mais descritivas serão analisadas caso a caso e compiladas de modo a abordar uma percepção e visão geral dos entrevistados.

CRITÉRIO DE INCLUSÃO

Adultos, homens e mulheres maiores de 18 anos coletores da Rede de Sementes do Xingu Indígenas coletores da Rede de Sementes do Xingu maiores de 18 anos

CRITÉRIO DE EXCLUSÃO:

Qualquer pessoa que se recusar a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Objetivo da Pesquisa: OBJETIVO PRIMÁRIO

Traçar um perfil do universo de atuação das mulheres coletoras da Rede de Sementes do Xingu, por meio do entendimento dos diversos processos de participação, mobilização e gestão entre elas e os demais atores envolvidos. Além disso, analisar as ferramentas e estratégias da Comunicação na produção e difusão dos conhecimentos, bem como nas relações sociais de cooperação, trabalho, gênero e conflitos.

OBJETIVO SECUNDÁRIO:

- Contextualizar o histórico, o perfil e as ações da Rede de Sementes do Xingu; - Elaborar um panorama sobre o papel e as relações participativas e colaborativas das mulheres na RSX;- Caracterizar e comparar a percepção ambiental e das mudanças climáticas entre as coletoras;- Identificar e descrever as relações dessas mulheres com os diferentes atores sociais que compõem a RSX (ONGs, universidades, Comissão Pastoral da Terra, mídia, etc.);- Comparar os métodos e

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Continuação do Parecer: 3.154.065 técnicas de trabalho entre mulheres, analisando os efeitos, inovações, comunicação, conhecimentos tradicionais, custos e impactos;- Analisar os processos de Comunicação, Educomunicação e Comunicação Ambiental entre as mulheres e demais atores na difusão de conhecimentos de tecnologias adaptadas e ferramentas de divulgação e na transformação socioambiental e mobilização social; - Entender e contextualizar a formação, o funcionamento e a importância dos movimentos e associações de mulheres coletoras da RSX;- Mapear e compreender de que modo a informação científica é acessada pelas coletoras.

Avaliação dos Riscos e Benefícios: Riscos: A execução das etapas do projeto não trará riscos previsíveis à saúde ou à segurança dos (as) entrevistados (as). Os horários das visitas para a conversa/entrevista se adequarão a rotina dos sujeitos e as ações serão executadas de modo que interfiram, o mínimo possível, no cotidiano das pessoas. Os (As) participantes terão apenas um eventual prejuízo do tempo gasto com a conversa/entrevista e algum provável desconforto físico por permanecerem sentados (as) por algum tempo. Visando minimizar esse impacto, algumas pausas serão realizadas durante as entrevistas, de modo que o (a) entrevistado (a) se sinta à vontade para caminhar, beber água ou realizar qualquer atividade que julgar pertinente.

Benefícios:

A pesquisa não prevê a geração de benefícios financeiros ou de renda para as pesquisadoras e/ou para os (as) entrevistados (as). Os ganhos dos envolvidos serão na forma de ampliação do conhecimento, o qual será utilizado unicamente para fins educativos e de divulgação, podendo contribuir direta ou indiretamente na adoção de políticas públicas adequadas e para a melhoria das relações sociais e econômicas entre os (as) coletores (as) da RSX. Apesar das mulheres serem maioria na coleta de sementes da RSX, ainda não há nenhum estudo que aborde as relações sociais e culturais delas, muito menos partindo do âmbito dos processos de Comunicação, Comunicação Ambiental e Educomunicação. Assim, essa pesquisa contribuirá para inseri-las como protagonistas dos processos históricos, sociais e comunicacionais dos quais elas participam.

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: Este protocolo se refere ao Projeto de Pesquisa “As semeadoras de florestas: os processos de comunicação das mulheres coletoras da Rede de Sementes do Xingu” cujo pesquisador responsável é ALESSANDRA SCHWANTES MARIMON com a colaboração da pesquisadora

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Continuação do Parecer: 3.154.065 participante Márcia Maria Tait Lima A pesquisa foi enquadrada na Área Temática Especial – Estudos com populações indígenas / Grande área 6 – Ciências Sociais e Aplicadas e Grande área 7 Ciências Humanas e embasará a pesquisa de mestrado do pesquisador. A Instituição Proponente é o Instituto de Estudos da Linguagem. Segundo as Informações Básicas do Projeto, a pesquisa será desenvolvida com recursos financiamento próprio. O cronograma apresentado contempla a coleta de dados até 01/10/2019. Serão abordados ao todo 30 participantes. Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: Foram analisados os seguintes documentos de apresentação obrigatória: 1 – Folha de Rosto Para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos: devidamente apresentada e assinada. 2 – Projeto de Pesquisa: devidamente apresentado.

3 – Orçamento financeiro – de acordo com o pesquisador a pesquisa será realizada com recursos financiamento próprio. 4 – Cronograma – com termino em 01/10/2019 (coleta de dados).

5 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido: devidamente apresentado.

6 – Currículo do pesquisador principal e demais colaboradores: foram devidamente apresentados.

Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: Após a apreciação ética pelo CEP-CHS e pela Conep, considera-se que protocolo de pesquisa não apresenta óbices éticos. Considerações Finais a critério do CEP: - Cabe enfatizar que, segundo a Resolução CNS 510/16, Art.28 Inciso IV, o pesquisador é responsável por “(…) manter os dados da pesquisa em arquivo, físico ou digital, sob sua guarda e responsabilidade, por um período mínimo de 5 (cinco) anos após o término da pesquisa.

- O participante da pesquisa tem a liberdade de recusar-se a participar ou de retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado (quando aplicável).

- Eventuais modificações ou emendas ao protocolo devem ser apresentadas ao CEP de forma clara

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Continuação do Parecer: 3.154.065 e sucinta, identificando a parte do protocolo a ser modificada e suas justificativas e aguardando a aprovação do CEP para continuidade da pesquisa.

- Relatórios parciais e final devem ser apresentados ao CEP, inicialmente seis meses após a data deste parecer de aprovação e ao término do estudo.

Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados: Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situação Informações Básicas PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_P 15/02/2019 Aceito do Projeto ROJETO_1158005.pdf 15:46:48 TCLE / Termos de Termo_de_Consentimento_Livre_Esclar 15/02/2019 ALESSANDRA Aceito Assentimento / ecido.docx 15:45:00 SCHWANTES Justificativa de MARIMON Ausência Brochura Pesquisa Projeto_As_semeadoras_de_florestas_ 16/10/2018 ALESSANDRA Aceito CEP.docx 14:43:21 SCHWANTES MARIMON Projeto Detalhado / Projeto_As_semeadoras_de_florestas_ 11/10/2018 ALESSANDRA Aceito Brochura CEP.pdf 14:40:53 SCHWANTES Investigador MARIMON Folha de Rosto Folha_de_Rosto.pdf 11/10/2018 ALESSANDRA Aceito 14:34:56 SCHWANTES MARIMON Outros Termo_de_Autorizacao_Imagem.pdf 11/10/2018 ALESSANDRA Aceito 14:32:30 SCHWANTES MARIMON Outros Carta_Resposta_CEP.pdf 11/10/2018 ALESSANDRA Aceito 14:30:52 SCHWANTES MARIMON Outros Carteirinha_Identidade_Marcia_Tait.pdf 04/08/2018 ALESSANDRA Aceito 15:12:21 SCHWANTES MARIMON Outros Carteirinha_Estudante_Alessandra_Pes 04/08/2018 ALESSANDRA Aceito quisadora_Responsavel.pdf 15:11:38 SCHWANTES MARIMON Outros Curriculo_Lattes_Alessandra_Schwante 04/08/2018 ALESSANDRA Aceito s_Marimon.pdf 08:44:55 SCHWANTES MARIMON Declaração de Autorizacao_para_Coleta_de_Dados.pdf 04/08/2018 ALESSANDRA Aceito Instituição e 08:43:05 SCHWANTES Infraestrutura MARIMON Outros Curriculo_Lattes_Marcia_Maria_Tait_L 02/08/2018 ALESSANDRA Aceito

Endereço: Av. Betrand Russell, 801, 2º Piso, Bloco C, Sala 5, Campinas-SP, Brasil. Bairro: Cidade Universitária "Zeferino Vaz" CEP: 13.083-865 UF: SP Município: CAMPINAS Telefone: (19)3521-6836 E-mail: [email protected]

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UNICAMP - PRÓ-REITORIA DE PESQUISA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS -

Continuação do Parecer: 3.154.065

Outros ima.pdf 17:25:57 SCHWANTES Aceito MARIMON

Situação do Parecer: Aprovado Necessita Apreciação da CONEP: Não

CAMPINAS, 19 de Fevereiro de 2019

Assinado por: Sandra Fernandes Leite (Coordenador(a))

Endereço: Av. Betrand Russell, 801, 2º Piso, Bloco C, Sala 5, Campinas-SP, Brasil. Bairro: Cidade Universitária "Zeferino Vaz" CEP: 13.083-865 UF: SP Município: CAMPINAS Telefone: (19)3521-6836 E-mail: [email protected]

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