TENOTÃ-MÕ

Alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu Organizador A. Oswaldo Sevá Filho Paulo Jares Paulo

No dia em que o engenheiro Muniz compôs a mesa diretora dos trabalhos no ginásio coberto de Altamira, vários índios vieram se manifestar ali mesmo em frente à mesa, alguns falando em sua língua ao microfone e sendo traduzidos. Tu-Ira, prima de Paiakan, se aproximou gritando em língua kaiapó gesticulando forte com o seu terçado (tipo de facão com lâmina bem larga, muito usado na mata e na roça). Mirou o engenheiro, seu rosto redondo de maçãs salientes, traços de algum antepassado indígena, e pressionou uma e outra bochecha do homem com a lâmina do terçado, para espanto geral. Um gesto inaugurador. Situação que merece uma palavra-chave dos índios Araweté da Terra Ipixuna, no médio Xingu, recolhida pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro:· “Tenotã - Mõ significa “o que segue à frente, o que começa”. Essa palavra designa o termo inicial de uma série: o primogênito de um grupo de irmãos, o pai em relação ao filho, o homem que encabeça uma fila indiana na mata, a família que primeiro sai da aldeia para uma excursão na estação chuvosa. O líder araweté é assim o que começa, não o que comanda; é o que segue na frente, não o que fica no meio. Toda e qualquer empresa coletiva supõe um Tenotã-mõ. Nada começa se não houver alguém em particular que comece. Mas entre o começar do Tenotã-mõ, já em si algo relutante, e o prosseguir dos demais, sempre é posto um intervalo, vago mas essencial: a ação inauguradora é respondida como se fosse um pólo de contágio, não uma autorização” (trecho extraído de seu livro “Araweté o povo do Ipixuna” CEDI- Centro Ecumênico de Documentação e Informação (ISA), S.P., 1992, pág.67) TENOTÃ - MÕ

2005 Oswaldo Sevá

TENOTÃ - MÕ Ficha Técnica organização A. Oswaldo Sevá Filho edição Glenn Switkes projeto gráfico Irmãs de Criação produção gráfica Irmãs de Criação Danilo Henrique Carvalho fotos capa Andreas Missbach Beto Ricardo, ISA tiragem 1000 exemplares

1ª edição • 2005

www.irn.org [email protected] (11) 3822.4157 realização Sumário

APRESENTAÇÃO ...... 07 CAPÍTULO 5 ...... 114 Resumos técnicos e históricos das tentativas de Análise do projeto Belo Monte e de sua rede barramento do rio Xingu de transmissão associada frente às políticas Glenn Switkes e Oswaldo Sevá energéticas do Brasil Andre Saraiva de Paula MENSAGEM DE ABERTURA ...... 09 Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu 5.1. A eletricidade gerada em Tucuruí: para onde? para quê? ...... 135 RESUMO EXECUTIVO...... 13 Rubens Milagre Araújo, Andre Saraiva de Paula e Glenn Switkes e Oswaldo Sevá Oswaldo Sevá 5.2. Dados de vazão do rio Xingu durante o período PARTE I – OS XINGUANOS E O DIREITO 1931-1999; estimativas da potência, sob a hipótese CAPÍTULO 1 ...... 29 de aproveitamento hidrelétrico integral ...... 145 Povos indígenas, as cidades, e os beiradeiros do Oswaldo Sevá rio Xingu que a empresa de eletricidade insiste CAPÍTULO 6 ...... 150 em barrar Especialistas e militantes: um estudo a respeito Oswaldo Sevá da gênese do pensamento energético no atual governo (2002-2005) Informes das lideranças em Altamira, Pará Diana Antonaz 1.1. O assédio da Eletronorte sobre o povo e as entidades na região de Altamira ...... 55 Antonia Melo PARTE III – NATUREZA: AVALIAÇÃO PRÉVIA DO PREJUÍZO 1.2. A Terra do Meio e os projetos de CAPÍTULO 7 ...... 175 hidrelétricas no Xingu ...... 58 Evolução histórica da avaliação do impacto Tarcisio Feitosa da Silva ambiental e social no Brasil: sugestões para o complexo hidrelétrico do Xingu CAPÍTULO 2 ...... 63 Robert Goodland Uma abordagem jurídica das idas e vindas dos projetos de hidrelétricas no Xingu 7.1. A lógica da Volta Grande adulterada: Raul Silva Telles do Valle conseqüências prováveis afetando moradores urbanos, rurais e ribeirinhos em Altamira e CAPÍTULO 3 ...... 74 municípios vizinhos; efeitos possíveis para os Xingu, barragens e nações indígenas arquipélagos, pedrais, cachoeiras, Felício Pontes Jr e Jane Felipe Beltrão e na “ria” do baixo Xingu...... 192 Oswaldo Sevá 3.1. As pressões da Eletronorte sobre os autores do EIA trecho extraído de Louis Forline e Eneida Assis ...... 91 7.2. Informe sobre a “Vazão ecológica” determinada para a Volta Grande do rio Xingu ...... 199 PARTE II – ELETRICIDADE PARA QUEM? Ivan Fumeaux ÀS CUSTAS DE QUEM? CAPÍTULO 8 ...... 204 CAPÍTULO 4 ...... 95 Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como Grandezas e misérias da energia e da mineração fontes de gases do efeito estufa: Belo Monte no Pará (Kararaô) e Babaquara (Altamira) Lúcio Flávio Pinto Philip M. Fearnside PARTE IV – O ANTI-EXEMPLO ALI PERTO, CAPÍTULO 13 ...... 296 O POVO AMEAÇADO E CONFUNDIDO Contra-ataque! Choque da Comissão Mundial de Barragens estimula a indústria de grandes CAPÍTULO 9 ...... 245 barragens à ação Política e sociedade na construção de efeitos Patrick McCully das grandes barragens: o caso Tucuruí Sônia Barbosa Magalhães 13.1. Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões...... 301 CAPÍTULO 10 ...... 255 Comissão Mundial de Barragens Índios e barragens: a complexidade étnica e territorial na região do Médio Xingu ANEXOS Antonio Carlos Magalhães Manifestos e cartas abertas das entidades da região paraense do rio Xingu (2001 e 2002) ...... 317 CAPÍTULO 11 ...... 266 Dias de incertezas: O povo de Altamira diante Glossário ...... 335 do engodo do projeto hidrelétrico Belo Monte Reinaldo Corrêa Costa Endereços de contato de grupos trabalhando em defesa do Xingu ...... 341 PARTE V – OUTRO FUTURO: NÃO BARRAR RIOS NEM GENTE, QUE VALEM E VALERÃO POR SI Resumos biográficos dos autores ...... 343

CAPÍTULO 12 ...... 281 Conhecimento crítico das mega – hidrelétricas: para avaliar de outro modo alterações naturais, transformações sociais e a destruição dos monumentos fluviais Oswaldo Sevá Apresentação: Resumos técnicos e históricos das tentativas de barramento do rio Xingu

Glenn Switkes e Oswaldo Sevá

Este é um livro feito de capítulos e notas técnicas inéditas, e de alguns trechos extraídos de trabalhos já publicados, que foram assinados por 20 pessoas que acompanham de perto o problema dos projetos hidrelétricos no rio Xingu e na região amazônica. É uma obra de militantes de entidades, de jornalistas, e de pesquisadores de várias áreas acadêmicas, participantes de um Painel de especialistas e de entidades por nós organizado. Esperamos que seja uma ferramenta fundamental para ampliar e aprofundar o debate sobre a proposta da construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu. Nosso livro é para atualizar um embate de mais de vinte anos. Nosso compromisso é com as pessoas que vivem e viverão no vale do Xingu, especialmente os que estão ameaçados por esses projetos. Estes milhares de moradores urbanos e rurais, os ribeirinhos, beiradeiros 07 de todo tipo, as muitas aldeias indígenas e seus muitos descendentes, desaldeiados, soltos pelo mundo, misturados com os demais brasileiros, quase todos vão sendo cercados em seu pedaço amazônico. Cercados lá onde já viviam há muito, e lá aonde chegaram há mais tempo, nessas glebas que transforma- ram em roças e pomares, em seus recantos cheios de riquezas cobiçadas pelos predadores que a especu- lação move, que o desgoverno acomoda. São levas de gentes e gerações que se entrecruzam, os xinguanos antigos como os vários grupos Kaiapó, os Parakanã, os Araweté e os Juruna, também os seringueiros do curto segundo ciclo da borracha (nos anos 1930, 1940), e xinguanos recentes como os colonos e fazendeiros dos travessões da Transamazôni- ca, os pobres e os peões, os comerciantes e artesãos que já estavam e os que vêm chegando a Altamira, a São Félix do Xingu e tantas cidadezinhas e vilarejos. Todos vão tendo agora que conviver, que se aliar com - ou explorar - os demais pobres errantes que vão à frente da expansão, essa infantaria que vai garimpando ouro, estanho e pedras, serrando árvore, abrindo estrada, fazendo pasto, quase todos trabalhando pros donos, tentando sobreviver, e muitos ainda conse- guindo enviar um pouco de renda pros seus que ficaram, pros que deles dependem. Nesse meio de mundo, chamado de Terra do Meio, um Brasil fervilhante e conflituoso, onde sempre cabe cometer mais uma pilhagem – ou então criar grandes oportunidades nesta imensa continuidade fragmentada por seus enclaves e por eixos conectados aos circuitos internacionais, pontilhada de pistas de pouso, tracejada de rotas fluviais, um conjunto bem distinto daquela Amazônia distante, paradisíaca, despovoada ou com tão pouca gente, que tudo se manteria em equilíbrio na natureza intocada. Esse livro trata sim, de um dilema real, um drama nacional, uma encruzilhada para a humanidade: Para onde vai essa Amazônia ainda brasileira, mas nem tanto? Que chances terão esses povos? Que possibilida- des terão essas matas, esses igapós, igarapés e grandes rios, e todos os seus bichos? Nosso compromisso também é com a busca interminável e acidentada da verdade mais objetiva dentro da desinformação crescente promovida pelos próprios projetistas e interessados em tais projetos. Tive- mos que lidar quase sempre com a verdade parcial segmentada e com a manobra viciada que forja gran- de parte da informação empresarial e governamental; tivemos que lidar com as versões explícitas e as implícitas, as razões assumidas e as finalidades escondidas, as declarações retumbantes e as vazias. Tenta- mos separar os dados corretos dos incorretos, discernir algo de razoável em meio ao sem propósito e surreal, à mistificação que tais mega-projetos desencadeiam. Reconhecemos também como predecessor deste livro, o volume “As Hidre- létricas do Xingu e os Povos Indígenas”, publicado em 1988 pela Comissão Pró-Índio de São Paulo. Vários autores dos textos nesta publicação participa- ram na tentativa histórica para elucidar a problemática das propostas para hidrelétricas no Xingu naquela época. 08 Passados dezessete anos, a idéia de barrar o Xingu, duas vezes derrotada, tenta se concretizar ainda uma vez. Não estamos nos opondo frontalmente a nada, mas fazemos questão de poder pensar de modo distinto. Com parcos recursos e muita disposição, nos empenhamos para destacar e tornar públi- cas as avaliações distintas das oficiais e as outras visões do vale do rio Xingu e de sua gente. Agradecemos o apoio do professor Célio Bermann no começo dos trabalhos para este livro, a firmeza e a humanidade da pessoal da FVPP: Antônia Melo, Marta Sueli Silva, Antonia Martins “Toinha”, e também Juraci Galvino Moreira, Luziane do Socorro Costa Reis e Abimael Maranhão Palhano, os pilotos Ruck e Sabá, a dona Miriam Xipaia, seu Miguelzinho, e o padre Paulo Machado. Também devemos destacar pelos trabalhos nos mapas, agradecemos a colaboração do equipe de Geo- processamento do Instituto Socioambiental: Alicia Rolla, Edna Amorim dos Santos, Fernando Paternost, Cícero Cardoso Augusto e Rosimeire Rurico Sacó, e apoio do foto arquivista Claudio Aparecido Tavares do ISA. Também devemos destacar o apoio do Sérgio Schlesinger da FASE e o Programa Brasil Sustentável e Democrático, e Lúcia Andrade da Comissão Pró-Índio de São Paulo. Reconhecemos a contribuição valorosa do Dr. Marcelo Cicogna e o professor Dr. Secundino Soares Fi- lho, da FEEC Unicamp. Para o seu patrocínio, agradecemos a Fundação Conservation, Food, and Health, a Fundação Ford, a Fundação C. S. Mott, a Fundação Overbrook, e a Sigrid Rausing Trust. Mensagem de Abertura

Dom Erwin Kräutler - Bispo do Xingu

Ao ver, com profunda gratidão, concluído este trabalho, vem-me, de repente, a lembrança do Xingu dos anos 60, época em que aqui cheguei. Jamais se apagam em minha memória as primeiras impressões que tive destas plagas. Estão gravadas, de modo indelével, em meu coração. Vindo da Europa fiquei extasiado con- templando um dos mais espetaculares espaços que Deus criou. Será um último resto do paraíso perdido? Este rio caudaloso com suas águas verdes-esmeralda, ora calmas e misteriosas, ora indômitas e violentas, este vale com suas selvas exuberantes, igarapés e igapós, várzeas e imensos campos naturais mudaria a minha vida e dará um rumo todo especial à minha vocação missionária. Encontrei neste mundo verde um povo que ainda estava convivendo pacificamente com a natureza e hauriu seu vigor dos divinos mananciais da Amazônia. Mas já naquele tempo pairou algo como uma Espada de Dámocles em cima da família xinguara. 09 As ameaças de expulsão do paraíso e de destruição do lar (em grego: “oikos”) já se anunciavam num horizonte cada vez mais sombrio, carregado de presságios de um futuro tempestuoso e sacrílego. O dia 9 de outubro de 1970 é uma data histórica para o Xingu. Em Altamira já há meses se comentava que “finalmente o progresso vai chegar”. Os comerciantes vibraram com os “rios de dinheiro” que iriam inundar a cidadezinha até então esquecida do mundo e isolado no meio da mata. Para os habitantes da capital Belém o Xingu era sinônimo de terra de “índios selvagens e ferozes”, de região infestada pela malária e outras doenças tropicais. Agora, tudo isso mudaria. Nesse dia de intenso calor chegou a Altamira o Presidente da República, o General Emílio Garrastazu Medici. Já dias antes aterrissaram possantes aviões Hércules na pista de pouso de piçarra para admiração ou espanto da população local só acostuma- da a ver hidraviões amerissarem nas águas do Xingu ou algum DC-3 da FAB fazer uma escala em Altamira. O Jornal de São Paulo descreve a visita presidencial:

“O general Medici presidiu ontem no município de Altamira, no Estado do Pará, a solenidade de implantação, em plena selva, do marco inicial da construção da grande rodovia Transamazônica, que cortará toda a Amazônia, no sentido Leste-Oeste, numa extensão de mais de 3.000 quilômetros e interligará esta região com o Nordeste. O presidente emocionado assistiu à derrubada de uma arvore de 50 metros de altura, no traçado da futura rodovia, e descerrou a placa comemorativa (...) incrus- tada no tronco de uma grande castanheira com cerca de dois metros de diâmetro, na qual estava inscrito: ‘Nestas margens do Xingu, em plena selva amazônica, o Sr. Presidente da República dá inicio à construção da Transamazônica, numa arrancada histórica para a conquista deste gigantesco mundo verde’”. Foi a época do “Integrar para não entregar”. Não entendi e jamais entenderei como o presidente podia ficar “emocionado” ao ver uma majestosa castanheira cair morta. Não entendi as palmas delirantes da comitiva desvairada diante do estrondo produzido pelo tombo desta árvore, a rainha da selva. Aplauso para quem e em razão de que? A placa fala da “conquista deste gigantesco mundo verde”. A implantação do marco pelo presidente não passa de um ato cruel, bárbaro, irracional, macabro. O que significa “conquistar”? É “derrubar”, “abater”, “degolar”, “matar”, “assassinar”? Um emocionado presidente inau- gura a destruição da selva milenar! Por incrível que pareça, derrubar e queimar a floresta é doravante sinônimo de desenvolvimento e progresso. Altamira tornou-se famosa de um dia para o outro e o Xingu um novo Eldorado. A propaganda governa- mental incentivou milhares e milhares de famílias a abandonarem o nordeste das secas periódicas e o sudeste, centro e sul com “pouca terra disponível” e rumarem para a Amazônia onde vastas terras esta- vam aguardando sua chegada e garantindo melhores condições de vida do que nos estados de origem. Reportagens sobre o sucesso da empreitada governamental se multiplicaram e tiraram as dúvidas de quem ainda ficou reticente. Nada, porém, se falou dos povos que habitavam as terras que a Transamazônica cortou de leste a oeste. Aliás o Presidente Medici já não quis saber deles. Simplesmente os ignorou, chamando a região de “terra sem homens” a ser povoada por “homens sem terra”. Na cabeça do general não existiam índios no trecho, por- que não podiam existir e se, porventura, existissem, sua existência teria que ser ignorada. A nova rodovia passou a 3 quilômetros da aldeia dos Arara no igarapé Penetecaua. Os índios fugiram com medo do chumbo das espingardas. Foram perseguidos até por cachorros. A brusca e forçada convivência com os “brancos” trouxe a morte à aldeia. Sucumbiram fatalmente a surtos de gripe, tuberculose, malária, até de conjuntivite. O mundo lá fora nada soube desta desgraça que desabou sobre um povo e continuava a aplaudir a “conquis- ta deste gigantesco mundo verde”. A que preço? O pior estava ainda por acontecer. Jamais me esqueço do dia em que pelas ruas de Altamira corria a notícia de que, finalmente, os “terríveis Araras” haviam sido dominados. Como prova de que o “contato” com os Arara tinha sido “amistoso” e um sucesso total, trouxe- ram uns representantes daquele povo, até então vivendo livre na selva xinguara. Nus, tremendo de medo em cima de uma carroça, como se fossem algumas raras espécies zoológicas, foram expostos à curiosidade popu- lar na rua principal da cidade. O que na realidade aconteceu no coração e na alma do povo Ugorogmo, quem será capaz de descrever? Os poucos sobreviventes continuam apavorados, na insegurança, como “es- trangeiros em sua própria terra”. A demarcação de sua área é sempre de novo protelada. A rodovia Transamazônica foi inaugurada. Mais uma vez o presidente da República vem a Altamira. Mais uma vez se descerra uma placa de bronze, desta vez incrustada num feio paredão de cimento que se ergue do descampado. A paisagem está mudada. A selva sucumbiu. As palavras continuam bombásticas: “Retornando, depois de vinte meses, às paragens históricas do Rio Xingu, onde assistiu ao início da 10 construção desta imensa via de integração Nacional, o Presidente Emílio Garrastazu Medici entregou hoje ao tráfego, o primeiro grande segmento da TRANSAMAZÔNICA, entre o Tocantins e o Tapajós, traduzindo a determinação do povo brasileiro de construir um grande e vigoroso País. Altamira, 27 de setembro de 1972”. A “Integração Nacional”, o que realmente é? “Integrar”, pelo que se vê, é, de um lado, agredir violenta- mente a obra da criação sem nenhum plano que visasse um desenvolvimento sustentável para região, e de outro, impulsionar a migração interna para resolver problemas fundiários nas regiões centro, sudeste e sul do País. Através do desterro de milhares de famílias para a Transamazônica pretendeu-se fazer uma “reforma agrária” naquelas regiões sem mexer com os proprietários de grandes extensões de terra pro- dutivas e improdutivas. Deportando para a Amazônia o excedente de agricultores, os “sem terra”, todos eles potenciais invasores de fazendas, evitar-se-á problemas nos estados de origem dos desterrados e se garante o sossego e a paz para o latifúndio. Mas, embutido no Projeto de Integração Nacional já se encontrava outro plano. As rodovias que sangra- vam as florestas cortavam também os grandes rios amazônicos, exatamente nas proximidades das princi- pais quedas d’água, prevendo a médio prazo a possibilidade de construir barragens para geração de energia. A Rodovia Transamazônica foi inaugurada em setembro de 1972. Já em 1975, a Eletronorte contratou a firma CNEC (Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores) para pesquisar e indicar o local exato de uma futura hidrelétrica. Em 1979 o CNEC terminou os estudos e declarou a viabilidade de construção de cinco hidrelétricas no Xingu e uma no rio Iriri, escolhendo inclusive os nomes para as mesmas, todos eles indígenas: Kararaô, Babaquara, Ipixuna, Kokraimoro, Jarina e Iriri. Por que nomes indígenas, já que a existência dos povos indígenas deve ser ignorada? Os Juruna, Xipaia-Curuaia, Kayapó, Arara, Assurini, Araweté e Parakanã não contam. Sem dúvida se achará uma “solução” para eles, mesmo que esta se transforme em “solução final”, a famigerada “Endlösung” que o nazismo encontrou para os judeus. Os nomes indígenas para as hidrelétricas projetadas seriam assim um “in memoriam” para estes povos que, junto com as famílias de seringueiros, pescadores e ribeirinhos, “cediam” suas terras ances- trais para o progresso e desenvolvimento da região. Muitos de nossos conterrâneos sonharam novamente com rios de dinheiro que inundariam nossas cidades. À população local negou-se as informações neces- sárias para avaliar o projeto. A transparência no fornecimento de dados não fazia parte da estratégia dos órgãos governamentais. Assim a Igreja do Xingu tomou a iniciativa de denunciar as ameaças que pairavam sobre a região do Xingu e seus povos. Digo “povos”, no plural, pois é esta a realidade do Xingu. Colocamos em pauta nas reuniões das comunidades a verdadeira história da hidrelétrica projetada. Elaboramos cartilhas com dados obtidos algumas vezes até de forma “ilícita” (pelo menos do ponto de vista dos órgãos governa- mentais). Os trabalhadores locais traziam informações que ouviam nos acampamentos dos engenheiros. Pessoas que tinham acesso a informações, no-las passavam de forma secreta com medo de retaliação. Colaboramos com a Comissão Pró-ìndio de São Paulo e passamos a buscar ajuda com especialistas liga- dos a Universidades Brasileiras e do exterior. Confesso que nem imaginávamos poder contar com um apoio todo especial. A expressão “apoio à nossa causa” nem é apropriada neste caso, pois os índios Kayapó do Alto Xingu, assumiram a “sua” causa que também é nossa, a defesa de “sua” terra e de “seus” direitos que são a terra e os direitos dos demais povos do Xingu. Soube das intenções dos Kayapó apenas algumas semanas antes de acontecer aquilo que eles mes- mos denominaram de I Encontro das Nações Indígenas do Xingu, marcado para fevereiro de 1989. Algu- mas lideranças Kayapó vieram a Altamira e me convidaram para uma reunião. Comunicaram-me sem ro- deios que estavam decididos de vir a Altamira para um grande encontro e marcaram a data. Dei-lhes a entender que um encontro deste porte exigia uma intensa preparação e o tempo para isso era muito pouco. Pedi, por isso, que adiassem o evento por alguns meses. Não havia jeito de convencer os líderes Kayapó. Sem meias palavras me disseram: “O encontro está marcado! Queremos que nos ceda a Bethânia! Só isso!” A Bethânia, o Centro de Formação da Prelazia do Xingu, há oito quilômetros de Altamira, tornou- se de 20 a 25 de fevereiro de 1989 a aldeia principal dos Kayapó. O evento que reunia em torno de 600 índios, pintados para guerra, teve enorme repercussão em todo o Brasil e no exterior. A foto que retratou a cena em que a índia Tuíra esfregou um facão na cara de José Antônio Muniz Lopes, então diretor de engenharia da Eletronorte, percorreu o mundo, tornando-se símbolo e uma espécie de logotipo da hostili- dade total dos índios em relação às projetadas barragens. Enquanto os Kayapó estavam reunidos na Bethânia as comunidades de Altamira se organizaram num ato público no bairro de Brasília. Levantaram sua voz 11 contra os órgãos do governo que operam na surdina e excluem deliberadamente a sociedade civil da dis- cussão de projetos que afetam a população e o meio-ambiente. A vitória estava do lado dos índios e de todos que se opuseram à concretização do megaprojeto. Kararaô foi arquivado! Aparentemente! A alegria durou pouco. No fim da década de 90 o projeto ressurgiu, se bem que sob outro nome e com roupagem nova. A Eletronorte e demais órgãos governamentais aprenderam dos “erros” da década de 80 e trocaram o modo de agir. Um grupo de especialistas fora contratado que passou a analisar as forças políticas na região. Foram feitas pesquisas sobre os nossos movimentos sociais, as ONGs, os sindicatos, os povos indígenas, tudo no intuito de mapear possíveis focos de resistência ao projeto agora denominado de UHE Belo Monte. O nome “Kararaô”, o grito de guerra, foi substituído pelo bucólico “Belo Monte” para que o povo do Xingu não lembrasse mais o facão da Tuíra e os rostos pintados de urucum dos Kayapó contrários à hidrelétrica. A estratégia mudou por completo. Nossas lideranças foram continuamente convidadas para reuniões com grupos de técnicos das empresas do governo que, é óbvio, usaram de todos os meios para mostrar o lado positivo do empreendimento. Outro alvo foram os jovens. Patrocinando festas e promovendo excur- sões à região da UHE Tucuruí procurava-se conquistá-los para idéia de que a hidrelétrica será um bem enorme para a região. Com volumosos presentes o governo aliciou descaradamente as comunidades indígenas. De antemão evitavam-se reuniões com grandes grupos para impedir que a sociedade se orga- nizasse e discutisse abertamente os prós e contras do projeto. Políticos estaduais e municipais de pouca cultura e muita fanfarrice encheram a boca proclamando a UHE Belo Monte a salvação do oeste do Pará e pregando que o Brasil necessita deste impulso energético para evitar o colapso de sua economia. Mas, Deus seja louvado, um grupo de especialistas, professores e pesquisadores de renome, apoiados por instituições e ONGs e a Igreja do Xingu organizaram este livro que, sem dúvida, desmistifica todo o discurso bombástico do Governo Brasileiro e das empresas interessadas na barragem do Xingu. No- vamente a espada afiada de Dámocles paira sobre o Xingu e seus povos, pendurada num fio muito delgado, podendo cair a qualquer momento. Mas a lenda contada pelo escritor romano Horácio em uma de suas odas não termina em tragédia. O fio tênue resistiu e a espada não se desprendeu. É esta a nossa esperança! Que a sensatez vença a insanidade e o Xingu continue lindo e pujante, também para as futuras gerações! Agradeço, de coração, ao Professor Oswaldo Sevá da UNICAMP e ao Jornalista Glenn Switkes da IRN pelo trabalho incansável na organização desta obra e a todas as pessoas que participaram deste projeto em defesa do Xingu e de seus povos. Altamira, 30 de novembro de 2004.

12 Resumo Executivo

Glenn Switkes e Oswaldo Sevá

1 . Resumo do projeto de aproveitamento hidrelétrico integral do rio Xingu Uma obsessão da engenharia mundial é esta “idéia fixa” de barrar todos os rios, aproveitando-se quedas d’água existentes, ou construindo-as em rocha, terra e em concreto armado, para instalar grupos turbo - geradores e produzir energia elétrica. Estas entidades geográficas, hidro - geológicas e biológicas, os rios, a um só tempo são vazões vivas de água se deslocando pelo planeta, e são meios bio-químicos da vida estável de cada local, e da vida dos animais migratórios. Numa visão mutilante da realidade, rios e suas terras ribeirinhas passam a ser olha- dos apenas através de uma calculadora, como se existissem apenas para serem bloqueados por um pare- dão e para terem a sua energia em parte aproveitada. 13 Deste ponto de vista, o Xingu é “um bom potencial”, como eles gostam de dizer. Só que...muita aten- ção, pois uma de suas características mais importantes, que os indígenas e os beiradeiros conhecem, é que é exageradamente variável o seu fluxo de água, ao longo dos meses, em intervalos de semanas, e até, de dias! É rio que enche rápido e muito, proporcionalmente à área em que capta a sua água. Na média da bacia, a vazão de água drenada para o rio principal pode estar acima de 17 litros de água por segundo, proveniente das chuvas regulares caindo em cada km2 de terreno nessa bacia. Nas bacias dos rios Ara- guaia e Tocantins, este indicador fica entre 14 e 16 l/s por km2, na bacia do Paraná, em 11 l/s por km2, e na do São Francisco, que atravessa uma extensa zona semi - árida, a coleta de água pelo rio principal fica na média de 5 l/s por km2! Comparando-se os números de vazão d água dos rios: o mais volumoso, o Amazonas já teve registros, em Óbidos, antes de receber o Tapajós e o Xingu, de mais de 200 mil m3/segundo. O Xingu não é dos maiores afluentes do Amazonas, mesmo assim, o patamar dos seus números indica o dobro da vazão nas cheias no rio São Francisco (de 11 a 12 mil m3/s no trecho das usinas de Paulo Afonso) e um patamar bem acima do que as do rio Paraná em Itaipu (cheias de 20 a 22 mil m3/s). Mas o Xingu é rio que seca rápido e que pode permanecer muito tempo bem baixo, quatro meses, digamos. Vejamos, por exemplo, os valores medidos lá na cidade de Altamira, Pará, no trecho quase final do rio Xingu, com sua vazão praticamente toda formada: • as médias mensais baixas ficam abaixo de 1.000 metros cúbicos de água por segundo • os valores mínimos são entre 450 a 500 m3/s em Setembro e Outubro • as médias mensais altas são acima de 25 mil m3/ segundo • “picos” de cheia registrados ou extrapolados acima de 30 mil m3/ segundo

Pois bem, conhecidas as vazões, para chegarmos à potência mecânica própria do rio, e que poderia ser aproveitada, a equação dependerá precisamente dos desníveis verticais, das alturas das quedas d’água. Segundo o documento “Estudos de Inventário hidrelétrico da Bacia hidrográfica do Rio Xingu”, elaborado pela empresa de consultoria CNEC – Camargo Corrêa, em 1980, a “melhor” alternativa de aproveitamento integral da bacia do Xingu (alternativa A dos estudos feitos) seria: • entre a altitude próxima dos 281 metros, no norte de Mato Grosso, próximo da rodovia BR 080, prova- velmente localizada na Terra Indígena Kapoto-Jarina e/ou na faixa Norte do Parque Indígena do Xin- gu – e - a altitude próxima dos 6 metros, num ponto rio abaixo da vila de Belo Monte do Pontal e, pela margem esquerda, perto da foz do igarapé Santo Antonio, rio acima de Vitória do Xingu, no Pará: • fazer cinco barramentos no rio Xingu (eixos Jarina, Kokraimoro, Ipixuna, Babaquara e Kararaô) e um barramento no rio Iriri, seu afluente esquerdo, o maior deles (eixo Cachoeira Seca).

As represas destas seis usinas hipotéticas alagariam ilhas e terras florestadas, muitas ainda virgens, confor- me aquele estudo de inventário mencionado, somariam quase 20 mil km quadrados, o equivalente a quase metade das áreas já inundadas por represas de todos os tipos no país, até hoje. Nestes 2 milhões de hectares, uma boa parte são glebas ribeirinhas incluídas em várias Terras Indígenas já homologadas, algumas delimitadas mas invadidas, outras ainda não homologadas. Somente a represa de Babaquara, podendo atingir um alagamento de mais de 6.500 km2, seria a primeira mais extensa no país e a segunda no Mundo. A maior represa é a de Akosombo, no rio Volta em seu trecho baixo-médio, um “lago” de mais de 8 mil km2, dividindo ao meio o pobre e conflituoso Ghana, na África Ocidental. A mais extensa represa brasileira é a de Sobradinho, rio São Francisco, na Bahia, com 4.200 km2 na cota máxima; a segunda maior é a de Tucuruí, no rio Tocantins, Pará com 2.800 km2 (SP-MS). Mas a repercussão conjunta dessas obras iria muito além de terras alagadas. As conseqüências de tipo destrutivo e conflitivo deverão crescer muito por causa dos impactos: • das estradas inteiramente novas a abrir, e de outras existentes a ampliar, 14 • das faixas das Linhas de Transmissão; • das áreas alagadas e das áreas usadas para acesso às obras e para a abertura de novas linhas.

Basta conferir no mapa temático preparado pelo laboratório de geo processamento do ISA, em anexo a esse resumo executivo, para comprovar as numerosas interferências e superposições desses impactos em territórios que têm atualmente destinações as mais variadas, e que aparecem na cartografia como um mosaico bem complicado, composto por: a) extensas glebas de terras da União, as chamadas “terras devolutas”; e de modo similar, glebas arreca- dadas pelo INCRA e ou pelo Instituto Estadual de Terras, o ITERPA e que vêm sendo licitadas, leiloa- das para particulares, griladas e invadidas; b) áreas protegidas como as Reservas Biológicas, e as áreas delimitadas para manejo como as Flonas, as Florestas nacionais, c) perímetros e acessos reconhecidos como reserva de garimpo, ou na prática transformadas em inva- sões garimpeiras, d) além de áreas imensas cobrindo um grande número de autorizações para prospectar o subsolo, outor- gas para pesquisa e para lavra de minérios valiosos

Haveria também profundas conseqüências fundiárias e sócio-econômicas, por causa da perda de superfí- cies de terra, de ilhas, das riquezas das matas e de áreas cultivadas e com fruteiras, e também por causa da modificação territorial que obriga a retraçar estradas, caminhos, pontos de embarque e desembarque fluvial. Haveria a perda de benfeitorias e serviços existentes nas posses de grupos nativos ou de grupos migrantes de décadas atrás, nos assentamentos antigos e novos do Incra, em fazendas de colonizadores privados, e em latifúndios, que podem conter ainda extensões ou fragmentos de mata. Mostramos no capitulo 1, de autoria do professor Oswaldo Sevá, algumas das características locais de cada trecho do Vale do Xingu ameaçado de sofrer as conseqüências de cada uma das seis obras previstas. Registramos os focos de conflito que caracterizam a ocupação recente, pelos brasileiros não índios e pelas atividades econômicas de relevância nacional e internacional (como o soja, o gado, a madeira de lei, o ouro) nessa região onde antes só residiam os índios. A primeira proposta para represar o rio Xingu despertou uma forte oposição dos povos indígenas e um amplo grupo de ambientalistas e movimentos sociais. As movimentações das lideranças indígenas, incluindo viagens internacionais e audiências com ONGs e Bancos multilaterais, culminando no “Encontro dos Povos Indígenas em Altamira” em fevereiro de 1989, tiveram grande repercussão, enterrando por um tempo o projeto Kararaô, a primeira etapa do plano da Eletronorte para o aproveitamento hidrelétrico do rio Xingu.

2. A segunda tentativa frustrada de barrar o rio Xingu Até 1999, a empresa foi, em geral discretamente, intensificando a implantação do projeto: fez modifica- ções geográficas e técnicas relevantes no projeto, rebatizou-o pela 2ª vez, agora seria o CHBM - Comple- xo Hidrelétrico de Belo Monte, somente com as obras da 1ª usina na Volta Grande. Passou a chamar de Usina ou Aproveitamento Altamira a anterior usina Babaquara, mas desmentia que iria faze-la, insistindo que Belo Monte tinha viabilidade mesmo que fosse um barramento “isolado” no rio Xingu. Por volta de 1999, a Eletronorte, derrotada dez anos antes, parecia se recompor. Tornara-se um ente político regional em Altamira, na Transamazônica, o quê está devidamente registrado nos depoimentos e informes apresentados nesse livro pelas lideranças locais Antonia Melo e Tarcísio Feitosa da Silva. Mas, havia o desgaste provocado pelos sucessivos erros na condução dos problemas e das providências necessárias em Tucuruí, sua obra exemplar e anti-exemplar. Ao longo destas duas décadas, muito se escreveu e muito se falou sobre a usina de Tucuruí e os problemas no entorno de sua represa com 2.400 km2, e rio abaixo da barragem. Os desdobramentos sociais do investimento hidrelétrico vão ganhando amplitude e abrangência, seja porque novos fatos não cessam de surgir, como a chamada etapa II, com mais uma Casa de força e com a sobre-elevação do nível da represa e o aumento de mais 400 km2 na área alagada; seja porque o movimento social - como no mito grego de Sísifo – recria a atualidade em cada conjuntura. A antropóloga Sonia Magalhães explica, em seu capitulo desse livro, com base em uma longa vivência de pesquisa in loco, como a dinâmica social e a vida política do país e da região determinam a 15 dimensão dos efeitos sociais das grandes barragens. Existem várias referências feitas em 2001, 2002, repetidas em 2004 pela presidência da Eletronorte sobre a próxima hidrelétrica a ser construída – agora chamada Altamira.1 O próprio Ministério de Minas e Energia, nas suas apresentações sobre os planos de expansão do setor elétrico na região amazônica, mostra a usina Altamira, junto com Belo Monte (ver mapa abaixo). E, no orçamento federal do ano de 2004, R$ 2 milhões foram destinados aos estudos de viabilidade da Babaquara, para ficar prontos até o ano de 2007.2 A finalidade da obra em si continuava obscura, fugidia, sobretudo porque eram intensas as críticas no caso da usina de Tucuruí, por causa também do prejuízo que o país estava tendo com os contratos de preços obtidos pelas industrias de alumínio que se instalaram em Belém e em São Luis. Em 2001, a partir de fevereiro e março de um verão pouco chuvoso, ficou claro que o sistema Sudeste - Centro Oeste e o sistema Nordeste de eletricidade tinham pouca reserva de água em muitas das maiores represas existentes na bacia do Paraná e do São Francisco. Uma crise de oferta de eletricidade se insta- lou, dadas as insuficiências no sistema de transmissão inter-regional. Foi quando os barrageiros reapresentaram Belo Monte como “a salvação do país”, e por isto, rei- vindicavam que os “empecilhos” fossem removidos e que as obras como estas pu- dessem iniciar o quanto antes! Tais jogos de esconder a finalidade, de cri- ar racionalidades após os fatos consuma- dos, de embaralhar ou camuflar alternati- vas, foram analisados com detalhe nos ca- pítulos desse livro assinados pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto, que detalhou os desen- Fonte: Ministério de Minas e Energia, 2002. Integração Energética na contros dos números econômicos – finan- Amazônia, no site http://www.caf.com/attach/8/default/ ceiros e expôs sem retoques as grandezas e PalestraIIRSA-19-11-02-ENERGIA-BR.pdf em 10/11/04 misérias desse “Pará exportador de minérios e de energia”, e pela engenheira e antropóloga Diana Antonaz, que entrevistou figuras proeminentes da intelectualidade “elétrica” e “petrolífera”, analisando quais os discursos e as lógicas daqueles que hoje ocupam posições centrais no setor de energia do governo. Cons- tatou, aliás, que a idéia de desenvolvimento defendida por estes técnicos volta-se para uma população abstrata, uma massa sem identidades e culturas, em vez de considerar as necessidades concretas de pesso- as de carne e osso. Em fins de 2000 a Eletronorte firmou contrato com uma fundação chamada Fadesp, ligada à Universida- de Federal do Pará, através da qual foram formadas equipes de pesquisadores para elaboração do Estudo de Impacto Ambiental. As condições desse contrato e a tentativa de obter a licença ambiental apenas no âmbito paraense, da Secretaria estadual de Tecnologia e Meio Ambiente, motivaram a iniciativa em 2001, do Ministério Público Federal em Belém, de peticionar uma Ação Civil Pública, e um dos pontos fortes de questionamento era a obrigatoriedade de consultar os indígenas das Terras Indígenas que fossem afetadas, e obter autorização do Congresso Nacional (artigo 231 da Constituição Federal). A Eletronorte tentou contornar esta exigência quando redesenhou o projeto Belo Monte, colocando o barramento principal nas Ilhas Pimental e da Serra, uns 50 km rio acima da posição anterior , abaixo da primeira grande cachoeira, Jericoá. E restringiu a condição de afetadas pelas obras apenas as terras que fosse alagadas. Assim, geograficamente, a área da T.I. Paquissamba, dos índios Juruna, deixaria de ficar submersa para ficar no trecho “seco” da Volta Grande, onde as vazões seriam sempre bem inferiores às médias historicamente observadas. Quanto aos indígenas da região que seriam atingidos, são muitos mais do que os 50 e poucos Juruna residentes na T.I. Paquissamba. Alguns dos autores desse livro puderam comprovar que alguns milhares de beiradeiros mantêm contato cotidiano com Altamira, mesmo residindo 50 km ou mais rio abaixo ou rio acima da cidade. Publicamos no livro, como um anexo, os dados cadastrais coletados pelo CIMI - 16 Conselho Indigenista Missionário, que apontam mais de 400 moradores indígenas das etnias Xipaia, Kuruaia, Arara, Juruna e Kaiapó morando no trecho das barrancas do rio Xingu que seriam afetadas pela represa e nos trechos que ficariam na parte seca, rio abaixo da Ilha Pimental. A própria Eletronorte reconheceu há muitos anos, e depois passou a negar, quando escolheu a alterna- tiva chamada Kararaô em 1988, que uma das alternativas em estudo (Kararaô III/Koatinema II) muito similar à atual Belo Monte traria “impactos indiretos de maiores proporções, devido à interrupção do fluxo d´água no trecho da Volta Grande, o que interfere nos ecossistemas aquáticos e marginais e nas populações ribeiri- nhas e indígenas ali estabelecidas...” e admitiu uma população indígena na Volta Grande de “344 indivídu- os afetados diretamente” (Usina Hidrelétrica Kararaô, Efeitos e Programas Ambientais: Síntese, Eletronorte/ CNEC, Outubro 1988). Tais fatos e as várias versões sobre quem e quantos seriam atingidos, bem como o seu atual modo de vida, foram pesquisados e relatados pelo antropólogo Antonio Carlos Magalhães, e pelo geógrafo Reinaldo Costa, em outros dois capítulos do nosso livro. A decisão judicial decorrente dessa Ação Civil Pública foi a de embargar o EIA e o processo de licencia- mento, decisão tomada em primeira instância em Belém, ainda em 2001, e mantida até a última instân- cia, em Brasília. Era a segunda derrota do projeto Belo Monte, em fins de 2002. Tais tópicos foram devidamente detalhados e ponderados ao longo desse livro, no capítulo assinado pelo advogado Raul Silva Telles do Valle, do setor jurídico do ISA – Instituto SocioAmbiental de SP., e no capítu- lo assinado pelo Procurador Federal em Belém, Felício Pontes Jr e pela a antropóloga Jane Beltrão, da Universidade Federal do Pará.

3. Simulação das potências hidráulicas do rio Xingu, se as usinas funcionassem desde 1931 Metodologia: A simulação aqui usada foi feita usando-se o modelo Hydrolab (Cicogna e Soares Fo., 2003, FEEC, Unicamp) que foi alimentado pela base de dados do SIPOT - Sistema de Informações do Potencial Hidrelétrico, da Eletrobrás), que informa os valores numéricos da vazão d’água do rio Xingu em Altamira, mensurados in loco ou extrapolados, desde o ano de 1931 até o ano de 1996. Destacamos o subperíodo de 1949 a 1956, por ser considerado o de melhor pluviosidade, do ponto de vista da geração hidrelétrica nos rios brasileiros do hemisfério Sul. Não se trata portanto de afirmar quanto da sua potência instalada, tais usinas poderiam no futuro acionar, e sim, trata-se de deduzir como elas teriam funcionado no passa- do, se existissem nesses pontos desses rios que apresentaram essas vazões. Neste item apenas resumimos os números das simulações feitas para três tipos de situações hipotéticas.

A) BELO MONTE COMO APROVEITAMENTO ÚNICO NA BACIA DO XINGU: se apenas uma usina hipoté- tica, Belo Monte funcionou abastecendo a rede básica nacional entre 1931 e 1996 A potência máxima assegurada teria sido 1.356 MW (ou seja: se naquele período, durante alguns dias a demanda ultrapassou 1.356 MW, a vazão turbinável pela usina não assegurou mais do que esta potência, e a demanda teria que ser atendida por outra central na mesma rede)

B) BELO MONTE COM BABAQUARA (ALTAMIRA) REGULARIZANDO O RIO XINGU: se apenas duas usi- nas hipotéticas, Belo Monte e Babaquara funcionaram conjuntamente entre 1931 e 1996 A potência máxima assegurada nas duas usinas teria sido 7.950 MW

Fazendo-se a repartição desta potência entre as duas usinas, supondo o aproveitamento total da água nas duas usinas (sem vertimento turbinável), teríamos: 31% da potência total seria fornecida pela usina Babaquara 3.078 MW 69% da potência total seria fornecida pela usina Belo Monte 4.872 MW Para comparação: era previsto como potência instalada nas duas usinas 17.772 MW 17 Sendo Belo Monte, na versão mais recente, com uma Casa de Força complementar, ou então 12.090 MW na versão anunciada em outubro de 2003, com metade de potência na Casa de Força principal de Belo Monte. A conclusão evidente é que somente com as duas usinas hipotéticas, Belo Monte e Babaquara funcionan- do, é que a situação operacional e econômica melhorou e passou a ser aceitável, pois para uma potência instalada de 12.090 MW, a máxima assegurada foi de quase 8.000 MW.

C) REPRESAMENTO INTEGRAL DO RIO XINGU E IRIRI: se as seis hipotéticas usinas funcionaram con- juntamente no período 1931-1996 (Jarina, Kokraimoro, Ipixuna, Iriri + Babaquara e Belo Monte) A potência máxima assegurada nas seis usinas teria sido 12.806 MW Para comparação, eis os números das potências previstas para serem instaladas, conforme a diretriz de “Apro- veitamento hidrelétrico integral” do rio Xingu, (IHX, CNEC, Eletronorte, 1980) e registradas no SIPOT: 1. Eixo Jarina 620 MW 2. Kokraimoro 1.490 MW 3. Ipixuna 1.900 MW 4. Iriri 770 MW 5. Babaquara 6.590 MW 6. Belo Monte* 11.000 MW ou então: * na versão reduzida anunciada em outubro de 2003 5.500 MW total da potência prevista para instalar 22.370 MW ou, total incluindo Belo Monte versão reduzida 16.870 MW 4. Resumo das dimensões do projeto da usina Belo Monte versão 2004 A potência total prevista na 2ª versão do projeto, que vigorou desde 1998 até meados de 2003, era de 11.182 Megawatts, dos quais 182 MW numa Casa de Força complementar, situada no paredão principal da Ilha Pimental, e 11.000 MW na Casa de Força principal (Belo Monte); esta é a mesma potência prevista na versão anterior do projeto, Kararaô, de 1988, mas é maior do que a potência de 8.400 MW indicada no Inventário Hidrelétrico do Xingu (CNEC, Eletronorte, 1980). A amplitude das variações da vazão do rio Xingu é muito grande, e as duas “meias” represas previstas teriam pequena capacidade de armazenamento de água. Esta Casa de Força principal trabalharia com a capacidade máxima ou próxima dela durante três meses por ano no máximo; e muitas vezes, nem isto. Somente nos meses de Março, Abril e Maio, o rio Xingu costuma ter uma vazão média mensal superior ao engolimento máximo das turbinas de 13.900 m3/s. O Estudo de Viabilidade entregue à Agência ANEEL aponta uma “energia firme” da ordem de 4.700 MW médios (correspondendo a 42 % da potência nominal prevista, um índice perto dos índices comuns a outras usinas no país), como que sugerindo ao leitor que a usina geraria pelo menos nesta faixa de potência, sempre, mesmo nos meses mais críticos do ano. Os cálculos que pude- mos fazer indicam que esta “energia firme” somente teria alguma chance de ser mantida, se fosse de fato construída a outra represa rio acima, chamada antes de Usina Babaquara, rebatizada Usina Altamira, com um grande reservatório de acumulação, e prevista para alagar uma área de mais de 6 mil km2.. A instalação de dez grupos turbo-geradores (TGs) com 550 MW cada, numa primeira etapa, totalizando 5.500 MW, ou de quatorze TGs, totalizando 7.700 MW não resolve o problema decorrente da amplitude das vazões do rio. Embora, com uma potência menor, a usina possa funcionar “perto da capacidade máxima” por um período de tempo maior a cada ano; por exemplo, instalando-se dez TGs, a vazão d’água turbinada cairia para a faixa de 6.950 m3/s, o quê seria em geral factível por um período de até seis meses, de Janeiro a Junho, se considerarmos as vazões mensais médias já registradas no passado. 18 As superfícies totais ocupadas pela água represada e pelos canais seriam da ordem de 440 km2 a 590 km2, uma quarta parte dessa área estaria na represa dos quatro igarapés, criada em terra firme e três quartos dessa área ficariam na calha do Xingu; no projeto anterior, a área chegava a 1100 km2 . O volume d´água armazenado seria da ordem de 3,8 bilhões de m3 de água, com uma profundidade média das duas represas e do sistema de canais entre 6 e 8 metros. (v. quadro 2.3-1 do Estudo de Viabilidade). Pela concepção adotada para a obra, não seria obtida alguma regularização da vazão do rio. A “corrente- za” do Xingu estaria sendo conduzida por três canais principais e alagados rasos, até uma barragem alta (em relação à cota onde ficam as máquinas geradoras e o canal de fuga) mas com pouca profundidade e pouco volume acumulado. As máquinas turbo-geradoras engoliriam a vazão que estiver chegando com o rio Xingu na primeira represa; no jargão da engenharia elétrica, a usina trabalharia na modalidade “a fio d’água”. Na hipótese de realizar a obra em duas grandes etapas, cortando a potência inicialmente insta- lada pela metade, foi dito que seria construído apenas um canal de adução, retificando um dos dois igarapés, de Maria e Gaioso, e que seria construída a metade da Casa de Força principal. Construir o projeto em duas fases não diminuirá os impactos ambientais ou sociais daquele conjunto de obras; de todo modo os três grandes paredões de rocha e concreto teriam que ser feitos: 1) na Ilha Pimental, a barragem do vertedouro principal , trancando o rio para forçar o desvio da Volta Grande e abrigando a casa de força auxiliar de 182 MW; 2) a barragem do vertedouro complementar abaixo da Cachoeira Jericoá, na margem esquerda do Xingu; 3) o paredão final da segunda represa onde ficaria o prédio da Casa de Força principal, onde hoje passa a rodovia Transamazônica, entre a balsa de Belo Monte do Pontal e Altamira, e o canal de fuga das águas turbinadas até a margem esquerda do Xingu, próximo do igarapé Santo Antonio.

5. Rotas possíveis para a eletricidade de Belo Monte e a (ir)racionalidade elétrica A destinação da eletricidade que seria gerada não está clara nem compromissada, até fins de 2004. Pela lógica, são apenas duas possibilidades: 1. atender o consumo de outras regiões e/ou 2. atender a região Norte; e aí os fluxos de energia podem se bifurcar em 19 • para atender os mercados convencionais urbanos e rurais da região e / ou • para atender os consumidores eletrointensivos aí já instalados e/ou • atender os eletrointensivos que venham a se instalar. Os argumentos e as promessas de atender o Centro Sul e o Nordeste com a eletricidade proveniente de Belo Monte são freqüentes no EIA embargado, no estudo de viabilidade apresentado à Aneel, e no discurso de muitas autoridades econômicas e do setor elétrico, nos governos anteriores e no atual. Para fornecer na base do sistema, somente com a geração adicional de Belo Monte, é difícil que se justifique, impossível, talvez. Em nossa simulação do passado, a usina teria fornecido nas ultimas sete décadas, um patamar mínimo de 1300 MW nos meses secos mais favoráveis de todo o período. Mas, nos meses com mais água e nos anos mais favoráveis, esta usina poderia também despachar exce- dentes sasonais para o Nordeste ou para o Centro Sul, mas isto dependeria de como estivesse despachan- do a usina de Tucuruí e da capacidade operacional de transmissão das atuais interligações Norte Sul I e II. Quanto à eventual complementaridade entre a sasonalidade do Xingu em Belo Monte e a sasonalidade dos rios onde ficam as usinas no Sudeste e no Nordeste, trata-se de logro técnico, pois poderia haveria uma defasagem de apenas 40 dias ou 50, entre o pico da cheia , por exemplo, na bacia do Paraná, em final de janeiro, inicio de fevereiro , e na bacia do Xingu, em Março ou Abril. As obras de transmissão para ligar esta energia desde o Xingu até a Linha tronco Norte Sul seriam bastante caras e acrescentariam 60% a 70% ao custo de geração; somente o custo desta transmissão era estimado, em 2001, na faixa de 12 dólares/Megawatt x hora. No capitulo desse livro preparado pelo engenheiro eletricista André Saraiva de Paula são ressaltadas as imprecisões, da ordem de bilhões de dólares, conforme as fontes de informação, quanto ao montante de investimento na construção do siste- ma de transmissão associado à usina Belo Monte. A empresa pode até baratear, na aparência, estes custos, já que ao longo dos anos, vêm sendo incorpora- das nos Planos Decenais da Expansão da Transmissão algumas obras que visam ao reforço da ligação Norte-Sul e à sua integração com o hipotético sistema de transmissão vindo da Volta Grande do Xingu. Mas a manobra é fictícia pois objetivamente são montantes já gastos para a mesma finalidade futura. Os mercados locais convencionais, as maiores cidades dos Estados do Pará, do Maranhão e do Tocantins estão abastecidos, sem qualquer razão para crise ou déficit, e mesmo que avance a carga requisitada pela eletrificação rural, o fato é que são modestos nestes Estados o tamanho populacional e a dimensão eco- nômica. Comunidades na área rural e isoladas na mata, nas beiras dos rios têm mais chances de serem atendidas por eletricidade obtida por meio de placas foto-voltaicas, micro-hidrelétricas, e de moto-gera- dores queimando óleo diesel, e eventualemnte óleo vegetal. Já os grandes clientes (indústrias metalúrgicas e a mineradora CVRD) estão por enquanto garantidos com o acréscimo de geração na etapa II da usina de Tucuruí, quase pronta, e com os contratos (assinados pela 1ª vez em 1984) recentemente refeitos ou substituídos. A outra única opção, que explique a decisão de construir e instalar uma usina desse porte nesse local -– além do intercâmbio regional - é a eletricidade adicional a ser despachada por Belo Monte servindo para viabilizar novas ou futuras ampliações das atividades de mineração e metalurgia na região. Por exemplo, mais um ou dois mil Megawatts garantidos seriam um bom reforço na transmissão para Vila do Conde, PA e para Ponta da Madeira, São Luis, MA, onde ficam as fundições de alumínio; ou então para uso em Açailândia, MA (ferro-gusas ou ferro-ligas) ou na Serra Norte, PA, na ampliação das minas de ferro e de manganês e nas novas instalações de concentração e de fundição de cobre da CVRD, inauguradas em 2004 pelo Presidente Lula e o Diretor Presidente da CVRD, Roger Agnelli. De quebra, eventualmente os guseiros e fundições elétricas de ferro-ligas podem se ampliar, e podem também ser construídas novas instalações na região, além da sempre falada hipotética usina siderúrgica maranhense. A empresa norteamericana Alcoa está avaliando a implantação de uma mina de bauxita e refinaria de alumina em Juriti Velho, na região de Santarém, PA, e já manifestou seu interesse em ser sócia do mega-projeto Belo Monte. 20 Esta “opção” pelo uso da eletricidade futura do Xingu no suprimento da mineração e da metalurgia aparece oficialmente como uma dentre outras alternativas, sempre de modo diluído numa cesta de opções...mas está presente de forma mais nítida nos mapas das LTs publicados entre 1999 e 2002. Só que, para os empreendedores e para o próprio governo federal, não ficaria bem esta “repetição de Tucuruí”: poucos querem assumir que esta eletricidade de alto custo e de grande impacto seria exclusiva- mente ou principalmente para a viabilizar a mineração e a metalurgia de exportação.

6. Resumo das conseqüências locais das obras hipotéticas da usina Belo Monte Os territórios que seriam mobilizados por este conjunto de obras civis, e mais os que seriam afetados diretamente pela inundação e pela mudança radical das condições locais, incluem 1) um grande setor terrestre da Volta Grande entre o rio e rodovia Transmazônica, no trecho dos assen- tamentos do Incra e das fazendas entre Altamira e a balsa em Belo Monte do Pontal, mais as terras ribeirinhas e barrancas do rio Xingu ao longo de duzentos km, em dois trechos totalmente distintos: 2) no primeiro trecho com oitenta a noventa km de extensão, barrancas, terras ribeirinhas e ilhas seriam cobertos de água pelo menos até a cota 97 metros, (em alguns documentos é mencionada a cota 98m) formando a represa “da calha do rio”. Seriam alagados os terrenos perto dos vários igarapés desembo- cando no rio Xingu, e, na cidade de Altamira, seriam afetadas as áreas baixas que ladeiam os igarapés Ambé, Altamira e Panelas. (detalhes a seguir) 3) e no segundo trecho, mais cento e dez km ao longo da Volta Grande até o local previsto para o canal de fuga, onde a água turbinada na usina re-encontra o rio Xingu, o leito natural desse rio ficará sempre com uma vazão bem menor do que as mínimas históricas. (mais detalhes adiante) Mais de 2 mil famílias desta periferia urbana seriam obrigados a se mudar, além das 800 famílias na zona rural e 400 famílias ribeirinhas. No total, seriam 3.200 famílias, aproximadamente 16.000 pessoas, a .grande maioria das quais tem pouquíssima informação precisas sobre o projeto e as conseqüências que teria a expulsão de suas casas e de suas terras. Na versão fabricada pela Eletronorte, são todos miseráveis, morando muito mal, sem serviços públicos mínimos, e ficarão bem melhor após serem indenizados ou nos novos assentamentos que a empresa generosamente lhes oferece. O artigo do Robert Goodland, apresenta um padrão internacional de análise dos impactos das grandes barragens e reconhecimento dos direitos dos atingidos por barragens que poderia indicar procedimen- tos mais adequados para o planejamento de grandes obras no futuro. O uso de avaliação estratégica ambiental possibilitaria a avaliação comparativa dos impactos e benefícios de várias opções de projetos de desenvolvimento regional. O reconhecimento do direito de consentimento anterior e informado (Prior Informed Consent) é talvez a única maneira conhecida de garantir que os atingidos por projetos do setor elétrico possam ser sujeitos participantes e ativos na determinação do seu próprio futuro. Resumindo-se os efeitos hipotéticos da represa de Belo Monte em Altamira: Pode-se deduzir das cartografias que a área construída de Altamira ficaria entrecortada pelos remansos dos igarapés, que estariam represados ao longo de alguns km correnteza acima de sua foz na margem esquerda do Xingu. Igarapé Ambé. Seriam alagados os terrenos e fornos dos oleiros e a área do balneário São Francisco, ao lado da ponte do acesso rodoviário que liga a cidade à Transamazônica. Várias residências de um lado e outro desta ligação viária teriam que ser retiradas, ou teriam seu terreno diminuído; talvez a própria pista teria que ser elevada e uma nova ponte construída. Na boca do igarapé no Xingu, também haveria remanejamentos a fazer, e talvez a serraria e a cerâmica antigas sejam atingidas; o bairro dos pescadores e carroceiros talvez ficassem cercados de água do igarapé e do rio. Igarapé Altamira. Seriam alagadas as margens atuais, onde ficam as palafitas, na altura do cruzamento com a rua Comandante Castilho, e todo o espraiamento do igarapé no bairro Brasília, interrompendo 21 ruas, e em alguns casos, tendo que elevar as pistas, as pontes de travessia e as pinguelas que o povo usa todo dia. A conferir, casa por casa, como ficaria o bairro chamado São Sebastião, onde residem os índios xipaia e arara, além de moradores não índios. Igarapé Panelas. Seriam alagados os terrenos e fornos dos oleiros, e talvez a água atingisse trechos da estrada que liga com o Aeroporto, e a ponte. A verificar como ficariam as duas serrarias que ainda funci- onam por ali. Uma perda importante seria a Praia do Pajé, com o seu sitio arqueológico, indicando presença antiga de indígenas por ali. Calçadão da Beira–Rio. A água represada bateria no muro de arrimo da avenida João Pessoa, uns dois metros abaixo da calçada, a conferir. Remanejamento total de todas as moradias ribeirinhas desde o BIS até o Xingu Clube, e modificação radical dos “portos” dos batelões e voadeiras, por exemplo, na rampa do “Seis” onde há varias casas que ficariam abaixo da cota 97 metros. A avaliar como ficariam alguns tubulões que despejam águas pluviais (e talvez esgotos clandestinos) no muro de arrimo, com as bocas de saída uns três metros abaixo da calçada. A paisagem da ilha Arapujá bem em frente da cidade ficaria mutilada, a ilha quase toda submersa, so- mente as arvores mais altas aparecendo. Efeitos prováveis nas imediações da cidade: As atuais praias desapareceriam ou ficariam com a largura bem reduzida; a maior parte das ilhas ficaria bem reduzida, com a água batendo quase sempre nas árvores. Também mudaria, claro, o modo de operação da balsa que liga a margem esquerda (entre a cidade e o aeroporto) com a margem direita (rodovia “Trans-Assurini”). E os pontos atuais de retirada de areia e de seixos do fundo do rio seriam abandonados, e outros seriam abertos. Conseqüências na parte fluvial da Volta Grande do Xingu: Os arquipélagos sucessivos, desde rio acima de Altamira até a altura das Ilhas Pimental e da Serra, uma faixa de uns 80 km de comprimento por 8 , 10, 20 km de largura, ficariam totalmente cobertos. Senão, quase isto, ficando para fora, até que morram de uma vez, as copas de árvores mais altas, castanheiras, sumaúmas. Os igarapés Gaioso e da Maria seriam rasgados por máquinas, com largura de até 500 metros, com o fundo concretado, e suas barrancas acrescentadas de diques altos; seriam os tais canais de derivação do fluxo d água represado em direção à represa dos “cinco igarapés”. Os pequenos afluentes dos igarapés de Gaioso e de Maria seriam contidos do “lado de fora” dos diques, e formariam alagadiços intermináveis no Inverno e barreiros esquisitos no verão, problema aliás já pressentidos pelos moradores das comunida- des rurais nos travessões 27 e 45. Toda a faixa dos dois igarapés e dos morrinhos que dividem suas bacias fluviais, seria atravessada pela maior estrada de serviço da obra (barragem Pimental e um grande alojamento), e também seria atravessada por linhas de transmissão de eletricidade em tensão de 69 kV para suprir o canteiro de obra; e quando começas- se a operar, atravessariam ali as faixas das linhas de 230 kV vindo da Casa de Força complementar. A maior parte da vazão que chega e passa pela represa acima da Ilha Pimental, seria desviada pelos canais de derivação para a represa e só seria devolvida ao rio Xingu depois de turbinada na casa de força prin- cipal em Santo Antonio do Belo Monte. A descida encachoeirada da Volta Grande tem uns 150 km de comprimento; grosso modo, a primeira terça parte ficará sob a água da represa; nos dois terços finais, a calha do rio será a mesma, mas a vazão será sempre menor do que as menores vazões históricas observadas no rio a cada mês. As vazões liberadas pelo operador da usina para jusante, em 2/3 da Volta Grande serão sempre menores que os “piores meses” em termos de vazão. Supondo-se que o operador seria a Eletronorte e que ela cumprissse daqui a tantos anos a sua promessa atual, os números tirados do EIA apontam a situação seguinte: • no Inverno amazônico, as mínimas mensais mais baixas foram em Março, com 9.561 m3/segundo e em Abril, 9.817 m3/s, e conforme o EIA, seriam liberados um mínimo de 15,7 % e 20, 4 % destas vazões; respectivamente - 1.500 m3/ s em Março e 2.000 m3/ s em Abril 22 •em pleno Verão, as mínimas mensais do rio Xingu ali foram de 908 m3/s em Agosto - e a liberação seria de apenas 250 m3/s, uns 27%; e 477 m3/s em Setembro - quando a liberação seria de apenas 225 m3/s. Em Outubro, a mais baixa das mínimas mensais, com 444 m3/s, a liberação no vertedouro do Pimental seria de apenas 200 m3/s. Ou seja, nos dois meses do verão com o rio sempre mais seco, seriam liberadas a jusante do Pimental, vazões equivalentes a 45 % - 47 % das vazões mínimas históricas destes dois meses. Simplesmente nunca naquele trecho o rio teve tais vazões, nem poderia ter, a não ser durante uma catástrofe climática! A navegação que é bem difícil no Verão, ficaria impossível. A calha do rio, larga com vários km de ilhas e pedras ficaria praticamente no seco com poças de água, quentes durante o dia, como em geral a água nos trechos mais rasos é quente no Verão, e mornas duran- te boa parte da noite. Como ficarão os peixes, retidos nas poças, sem chance de circular, de nadar contra a correnteza? E os carizinhos dourados que todos querem vender para o exportador, sumirão? O mosquito da pedra todos temem que prolifere ainda mais, faz sentido, ele sempre aumenta no verão. Moluscos há muitos nos bancos de areia, podem dominar ou desaparecer? E os pássaros que os comem? E as cobras e quelônios que estão sempre por ali? E as abelhas que ficam na florada dos arbustinhos das restingas? Se houver o barramento , com o ex- rio ficando bem mais seco, isto facilitaria para os garimpeiros, pois a lâmina d água sempre seria menor do que hoje, os mergulhadores poderiam ficar mais no raso, ou até, desnecessários, pois em muitos trechos, o fundo do rio estará quase sempre à mostra... Podem até procurar ouro com menos dificuldade e menos custo, só que também eles precisam de água para beber e lavar seu cascalho e sua bateia. Suas dragas precisam de rio navegável para se deslocar de um ponto a outro de garimpagem. As pilhas de seus rejeitos, que já afloram atualmente ficarão como pirâmi- des eternas ao longo do leito antigo do rio. Para os que moram nas barrancas e mesmo para dentro, mas próximos do rio, haveria um transtorno grande, aumento de despesas e dos problemas com a captação de água. Talvez algum colapso ocorra em várias casas e comunidades que usam água de poço. Isto porque o lençol freático no verão fica em geral no nível de 6 a 8 metros abaixo do solo, contando-se a partir das barrancas altas do rio, onde ficam as casas. Se o rio estiver barrado com a vazão bem mais baixa que o usual, estes lençóis podem baixar metros e metros, e alguns podem secar de vez. Na confluência do rio Bacajá com o Xingu, o encontro das vazões dos dois rios produz atualmente algo tipicamente amazônico: no verão, o rio Bacajá vindo com pouca água pela margem direita, escorre len- tamente para dentro do Xingu também com pouca água; no inverno, o Xingu pode vir com tanta força que ao invés do Bacajá despejar a sua água ali naquele ponto, o Xingu é que invade o afluente e formará uma barreira hidrodinâmica, uma espécie de freio, que o povo e os engenheiros chamam de remanso. Este remanso poderia nunca mais existir, se de fato forem liberadas no Xingu as tais vazões ínfimas. O Bacajá chegaria com a sua vazão usual, e escorreria direto no Xingu, sem qualquer resistência ou amor- tecimento; no trecho final do Bacajá, durante o Inverno, haveria no lugar do remanso que atualmente se forma, uma correnteza mais veloz e um aumento na erosão das barrancas. Todas as grandes cachoeiras, a começar pela Jericoá, secariam muito, ficariam com quase uma quarta parte de água que deveriam ter, p.ex. em Agosto, ou menos da metade do que deveriam ter, p.ex. em Outubro. Aumentariam muito as extensões de praias e ilhas de areia. A vegetação de restinga e alguns manguezais na parte baixa tendem a morrer, pois podem ficar uma ou mais estações sem ser afogadas pela água que as fertiliza. Ou, porque suas raízes ficariam distantes dos lençóis subterrâneos da região da cachoeira, que tenderiam a baixar, em relação aos níveis de hoje. Rio Xingu abaixo da praia da Jericoá, começam a desaguar pela margem esquerda, os quatro igarapés que nascem lá perto dos lotes da Transamazônica e dos travessões 45 e 55, e que vêm até aqui na zona das cachoeiras: o Paquiçamba, depois o Ticaruca, o Cajueiro, e o igarapé Cobal. Estes quatro igarapés foram escolhidos para compor uma parte do projeto Belo Monte - a “represa em terra firme”, que serviria para encurtar o trajeto das águas até o desnível final em Santo Antonio do 23 Belo Monte. Como as barragens que formariam a tal represa são verdadeiros diques, elas não teriam vertedouros nem comportas. Conclusão: dali para baixo, cada igarapé represado ficaria completamente seco no início do trecho, talvez se torne intermitente no Verão, e, apenas na época mais chuvosa, poderia reconstituir uma pequena parte de sua vazão usual. Nas margens destes igarapés pode haver um rebaixamento dos lençois, ou – ao contrário, pode minar água acumulada kms acima, na represa.

7. Resumo das conseqüências ambientais e alguns riscos dos projetos Belo Monte e Baba- quara no âmbito regional e planetário O sistema hídrico represa de hidrelétrica é, em cada local, inédito, algo que nunca houve antes; a represa se sobrepõe ao ecossistema fluvial anterior. Os habitats existentes são destruídos, inteiramente ou em parte, e outros habitats serão criados na represa e nos novos relevos e interfaces por ela definidos. Se e quando for feita a 1a. obra, seriam mais de 400 km2, ou 40 mil hectares cobertos por duas “meias” represas ligadas por meio de canais; se for feita a segunda seriam mais de 6.000 km2 ou 600 mil hectares. Nesses novos sistemas ocorrerão: Mecanismos certeiros, mas com diferentes resultados em cada represa: • estratificações de temperaturas e luz por camadas, conforme se aprofunda na massa d’água, quanto mais fundo mais frio e mais escuro; • afogamento e putrefação da vegetação, do húmus e dos resíduos orgânicos do solo anterior - no fundo da represa, com a emissão conseqüente de ácidos orgânicos voláteis ou gasosos, de hidrocarbonetos, de gases carbônicos, e às vezes de sulfetos voláteis ou gasosos; • formação e decadência lenta dos “paliteiros” de árvores moribundas nas áreas onde antes havia árvo- res, mais a formação e putrefação lenta dos falsos brejos que se formam nas margens mais rasas e remansos da represa; • acúmulo de sedimentos trazidos pelo rio e afluentes da represa e retenção de uma parte desses sedi- mentos pelas plantas aquáticas; • evaporação da lâmina d’ água, evaporação nos vertedouros construídos e no turbilhão dos canais de fuga da usina; evapotranspiração das plantas aquáticas; • seleção forçada das espécies da microfauna, dos bichinhos que vivem nos sedimentos e dos peixes, crustáceos, moluscos e batráquios que sobrevivem no lago; • bloqueio ou dificuldades nas rotas migratórias de espécies aquáticas; novos pontos de parada em rotas migratórias de aves e de animais peri - aquáticos; proliferação de insetos dos tipos de águas paradas (nos remansos) e dos tipos de águas revoltas (nos vertedouros da barragem). Em cada novo ecossistema, as populações destas espécies poderão se reproduzir enquanto as condições biogéoquímicas não se alterarem muito, enquanto não houver descontinuidades grandes na cadeia alimen- tar, na oxigenação da água do rio. Poderão se reproduzir enquanto estiverem dentro de um rio e de uma represa com condições hidrodinâmicas e bioquímicas suportáveis, dentro de extremos delimitados (p.ex. de renovação e velocidade ou estagnação da água, de sua acidez e temperatura, da concentração de íons metáli- cos e ou de compostos orgânicos tóxicos) por parte das espécies que ali vivem, e das que por ali passam. As represas sempre ficam sujeitas às possibilidades de degradação provocadas por eventos e atividades na bacia de montante, nos rios e igarapés que as formam, e nas terras em toda a sua orla: os mais comuns são o aumento da sedimentação por causa de erosão e do acúmulo de esgotos e de efluentes industriais não – tratados; contaminação decorrente do uso de agro-químicos; fermentação do material orgânico exce- dente com consumo de uma parte do oxigênio dissolvido na água. Como a atividade agrícola e agropecuária vêm se intensificando na área drenada pelos mesmos igarapés que hipoteticamente desembocariam nas represas, haverá sempre o risco de acúmulo de excesso de nutrientes (nitratos, fosfatos) e de amônia dissolvidos na água e nos sedimentos. Como os esgotos da cidade de Altamira também podem se acumular em trechos da represa, deve-se contar com a ocorrência de proliferação de algas e de plânctons de determinadas espécies, por exemplo, de cianobactérias e de 24 outras que provocam intoxicações nos peixes e nos humanos. O processo é conhecido como eutrofização do corpo d’água, e potencializa vários dos efeitos já descritos. As árvores deixadas em pé nos reservatórios – formando a paisagem chamada de paliteiros – vão se

decompondo e sua parte exposta acima da água emite gás carbônico (CO2). No fundo dos reservatórios

não há oxigênio, e a decomposição produz o gás metano (CH4). Nos primeiros anos o metano vem da decomposição das camadas de folhas da floresta, do húmus, e de uma parte do carbono do solo; o gás continua sendo produzido em anos posteriores pela decomposição de plantas herbáceas que crescem, a cada ano, nas áreas expostas temporariamente, na vazante, ou seja, quando o nível d’água desce. A água que passa pelas turbinas vem de níveis mais profundos nos reserva- tórios, onde o metano é mais concentrado. O artigo do pesquisador Philip Fearnside analisa minuciosamente esse processo de emissão de gases carbônicos, que contribuem para o aumento do efeito estufa no nível global, considerando a hipótese de construção das duas usinas, Belo Monte e Babaquara. Uma parte do gás metano produzido no enorme reservatório de Babaquara seria liberada na própria represa e na barragem (vertedouros e turbinas) e outra parte seria repassada a jusante para a represa Belo Monte, fazendo aumentar as suas emissões próprias. O conjunto formado por Belo Monte e Babaquara teria um saldo negativo, em termos de emissões de gases de efeito estufa, quando comparado com uma usina termoelétrica à gás natural durante pelo me- nos 41 anos após o enchimento da primeira represa. Além disto, aumentando a formação, dentro da água das represas, de ácidos orgânicos (acético, fórmico) e eventualmente de sulfetos, haveria a acidificação progressiva da água, com conseqüências comprova- das para a saúde animal e humana, e também para as instalações da usina. Os prejuízos decorrentes da corrosão acelerada de todas as partes metálicas dos equipamentos em contato com a água, já foram comprovados pela mesma Eletronorte na usina de Balbina, Amazonas, e pela Celpa, na usina de Curuá- Una, próximo de Santarém, PA. Com a acidez, haverá uma maior solubilização de íons de metais pesados existentes na própria terra em contato com rio (leito e barrancas, rochas e lajes), e dos compostos trazidos pelos sedimentos e pela correnteza, ou eventualmente resíduos de atividades econômicas como o uso de mercúrio no garimpo; ocorrerá o processo de bio-metilação de metais pesados e em seguida, o processo de bio–acumulação desses metais, ao longo da cadeia alimentar, aa contaminação atingindo, com taxas de concentração exponenciais, os animais aquáticos e peri-aquáticos (síndrome de Minamata). Grandes estruturas e represas também costumam provocar eventos sísmicos, ou tremores de terra; e no caso das duas represas Belo Monte e Babaquara, que se formariam sobre leito rochoso cristalino, com fraturas naturais e cavernas, aumenta também o risco de extravazamento da água acumulada para terre- nos localizados em bacias vizinhas – que usualmente ocorre também (chamado de percolação) através dos paredões das barragens e dos diques laterais dessas represas, trinta deles na represa Belo Monte e muitos mais, com dezenas de km de comprimento na represa Babaquara. Enfim, trata-se da destruição de um dos monumentos fluviais do País e do Mundo, a Volta Grande do rio Xingu, algo para o quê é impossível de se estabelecer compensações, ou mesmo mitigações. Isto é o que está sintetizado, na forma de uma teoria geral sobre estas mega-hidrelétricas, no ultimo capítulo do livro, de autoria do professor Oswaldo Sevá.

8. A terceira tentativa dos barrageiros e dos “eletrointensivos”, desde 2003. Durante os anos 1990 e no começo da década atual, a polarização política e partidária que se formou em Altamira e no Pará a propósito desse mega-projeto, indicava quase sempre os parlamentares e candidatos dos partidos então considerados de esquerda, o PT, PCdoB, PSB, como sendo opositores do Belo Monte, e- por simetria, eram a favor da obra os partidários locais e regionais dos governos estaduais do PMDB (J. Barbalho) e depois do PSDB(A . Gabriel e S. Jatene), alinhados, neste caso, com o governo federal na era Cardoso-Maciel. Em 2001 e 2002, todos que acompanhavam o caso tinham a sensação de que uma vitória do candidato Lula poderia sepultar o projeto Belo Monte e os demais que eram mantidos na berlinda exatamente pelos políticos e militantes da antiga oposição. 25 Mas não! Uma das razões é que, durante os primeiros meses do novo governo, em 2003, o senador José Sarney, aliado do governo Lula, convencia a cúpula federal da importância e oportunidade do projeto Belo Monte. No início de 2004, mostrou que ainda comandava o seu feudo na máquina federal, provo- cando a troca de presidente da Eletrobrás, que é a empresa acionista principal da Eletronorte e das outras geradoras estatais Furnas e Chesf. Os “novos” dirigentes marcam o retorno do engenheiro Muniz e de sua equipe à frente do projeto de barrar o Xingu. Mas agora, tiveram que se contorcer para diminuir o tamanho do investimento previsto, reconhecendo que a empresa não tem como bancar sozinha, e que precisa atrair investidores para se associarem ao seu projeto Belo Monte, e além disso, parecem ter convencido a presidência do banco estatal BNDES, mesmo sem a devida análise técnico-econômica, de assegurar uma parte do financiamento. A “saída” agora apontada como natural é a formação de um consórcio de grupos poderosos, capazes de alavancar o financiamento aqui e no exterior, e depois, contratar a compra de alguns pacotes de eletrici- dade de bom tamanho: as três geradoras estatais, mais as empreiteiras, lideradas pela Camargo Correa, as fabricantes de equipamento pesado como a ABB, a Voith-Siemens, e as indústrias grandes consumidoras de eletricidade, lideradas pelas mineradoras e metalúrgicas Alcoa, CVRD, e a australiana BHPBilliton. A Eletronorte portanto, será provavelmente uma sócia menor desse denominado Consórcio Brasil, e pro- vavelmente restará a ela a função de fazer o serviço político local, dobrar os resistentes, neutralizar os descontentes, fomentar os apoiadores. E talvez venha a administrar a sua insistente “inserção regional”, repartindo os “royalties” futuros por meio de uma “special purpose company”, tudo dentro de seu delírio de poder regional, de se tornar um Estado dentro do Estado do Pará. A novidade agora é algo bem mais estratégico: todos podemos ter a certeza de quem vai operar – não será a Eletronorte sozinha nem a principal sócia – e de quem vai usar a eletricidade dessa obra, se acaso um dia ela chegar a ser feita – não será o “resto do país”, nem o Nordeste à beira da crise, muito menos a malha elétrica Centro Oeste Sudeste, e sim as indústrias eletrointensivas que já comandam esse mesmo espetáculo na Amazônia paraense e maranhense e pelo mundo afora há um século. Notas

1 Em 2001: o então Presidente da Ele- não falo dessas usinas porque quero escondê- para aprimorar esses estudos. Ora, você ima- tronorte, José Muniz Lopes, em entre- las. Apenas elas não estavam na ordem do gina que pedaço de Brasil poderemos ter se, vista com a jornal O Liberal (Belo Mon- dia. Como brasileiro, com compromissos his- em seqüência às obras de Belo Monte, pu- te entusiasma a Eletronorte por Sônia tóricos com a região, não poderia deixar de déssemos dar início logo às obras de Marabá, Zaghetto, 15/07/2001), afirmou “Nós colocar para apreciação das entidades su- mais na frente às obras de Altamira e de- tínhamos, no planejamento do setor elétrico periores a necessidade que nós avancemos pois Itaituba”. para o intervalo 2010/2020, três novas usi- os estudos relacionados a essas usinas. Elas nas: a de Marabá, a de Altamira (antiga foram analisadas num primeiro momento, 2 http://www.planobrasil.gov.br/ Babaquara) e a usina de Itaituba (São Luís mas não tiveram seus estudos aprofunda- arquivos_down/relatorio_avaliacao. do Tapajós).Alguns jornalistas dizem que dos. O que estou pedindo agora é autorização pdf em 01.04.05

26 Paulo Jares

PARTE I Os Xinguanos e o Direito Capítulo 1

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeiros do rio Xingu que a empresa de eletricidade insiste em barrar Oswaldo Sevá

Tenotã Mõ, a ação inauguradora da mulher Kaiapó Tu-Ira contra o engenheiro Muniz (Primeiro resumo histórico, até 1989)

Xingu é o nome de um ente mítico no Brasil. Já o governo federal que decretasse, na década de era para muitos povos indígenas que viviam nas 1960, a demarcação de um conjunto de terras in- margens do grande rio e de seus afluentes há sé- dígenas, o PIX - Parque Indígena do Xingu, no 29 culos, talvez mais de mil anos. quadrante nordeste do território de Mato Gros- so, hoje com cerca de 25 mil km2 de extensão. Na Para nós não-índios, tornou-se mito nas últimas mesma época, outro sertanista lendário, Chico décadas: nome de um pedaço da Amazônia, nome Meirelles tentava proteger os grupos indígenas de um dos afluentes da margem direita do Ama- do baixo Xingu e Iriri, da região que hoje é cor- zonas, que os escolares decoram na aula de Geo- tada pela Transamazônica. Povos que se acaba- grafia do Brasil:...Javari... Juruá... Purus... Madeira... vam nas guerras entre si, contra os brancos, num Tapajós... Xingu! enredo de tocaiais e massacres, vinganças e reta- É também uma associação de idéias imediata com liações sem fim. índios que ainda “vivem como índios”. Nas décadas seguintes, além dos povos do PIX, tam- Xingu, o rio que nasce e cresce no Mato Grosso e bém os Kaiapó, os Xavante, e outros povos e gru- depois cruza o Pará, e os índios xinguanos estão pos moradores na bacia fluvial do Xingu e em áre- no horário nobre. Na noite da 1ª sexta feira de as próximas, na bacia do Araguaia, tornaram-se co- setembro de 2003, o programa de reportagens da nhecidos e reconhecidos nas andanças dos caci- maior emissora de TV edita o “Kuarup” dos ques pelos gabinetes e pelos plenários das Câma- Kamayurá e dos , e de seus convidados. ras, Assembléias e Congressos. Falaram com mi- Pudemos ver seus homens e mulheres com pou- nistros e presidentes, puseram cocares de penas ca roupa e muita pintura, em suas cerimônias, lindas na cabeça de alguns deles, especiais para as suas lutas; pudemos vê-los trabalhando sua roça fotos. e sua farinha, banhando no riozão e nos igarapés. Nos anos 1980, um desses militantes era o cacique Vimos os velhos sábios fumando na pajelança, os Xavante Mário Juruna, eleito deputado federal caciques puxando cantos para reavivar o espírito pelo partido PDT com a benção do então gover- de seu padrinho branco, Orlando Villas Boas, fa- nador Leonel Brizola (RJ), com seu gravadorzinho lecido um ano antes. Em uma epopéia do nosso de pilha, gravando, por desconfiança e garantia, tempo, os irmãos Villas-Boas, Leonardo, Cláudio todas suas conversas com os brancos. e Orlando, indigenistas respeitados e abnegados, funcionários do antigo SPI – Serviço de Proteção Dentro dos limites das terras indígenas (T.I.) já ao Índio (posteriormente absorvido pela FUNAI demarcadas e homologadas, que supostamente - Fundação Nacional do Índio) obtiveram do estariam protegidas, muitos grupos indígenas têm, ainda hoje, que enfrentar palmo a palmo, hectare palafitas e em bairros da cidade; se houvesse uma por hectare, os invasores, garimpeiros, madeirei- represa no nível projetado para Belo Monte, nas ros, grandes grileiros, e até...brasileiros miseráveis cotas 97 a 98 metros, os três igarapés principais da abrindo roças e montando barracos nas barrancas área urbana seriam represados por vários km, ul- e nas capoeiras. trapassando inclusive a faixa da rodovia Transama- zônica, que contorna a cidade pelo lado Norte e Ou então, como já se vê em vários casos, caciques São Félix do Xingu: prevista para ser inteiramente se põem (ou são postos?) a negociar acordos e com- coberta por uma das seis represas projetadas, pensações, pelo uso das riquezas localizadas perto Ipixuna, que atingiria também terras ao longo do de suas aldeias, no interior de suas terras legaliza- rio Fresco, inclusive a T. I. Caiapó; e na faixa da das; alguns em uma tribo podem se envolver com rodovia ligando com Cumaru e Redenção. alguns madeireiros e garimpeiros. Isto é suficien- te para, depois, explodir alguma violência de um No final da década de 1970, técnicos da empresa ou de outro lado. Por decisão da FUNAI (Funda- de consultoria CNEC, de SP haviam calculado o ção Nacional do Índio, subordinada ao Ministério chamado “potencial hidráulico” do rio Xingu. da Justiça) ou, então, por iniciativa deles mesmos, Governantes da época e tecnocratas das empresas abriram pistas de pouso, compraram motores de de eletricidade repetiam o número estrondoso: as popa, camionetes. Fizeram também parcerias com hidrelétricas somariam mais de 22 milhões de as celebridades, as igrejas, as ONGs, receberam kilowatts, num tempo em que a potência total ins- muitos pesquisadores e repórteres. talada no país mal passava dos 50 milhões de kW.

Difundiu-se nos Beira rio, Altamira Aí começa a entrar anos 1980 uma forte Oswaldo Sevá na história a Eletro- imagem dos “índios norte, que havia do Xingu” freqüen- sido criada pelos tando as pequenas e militares do gover- 30 médias cidades do no federal, em 1973 Mato Grosso e do por recomendação

rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ Pará, viajando longe estrangeira, para fa- para as capitais cilitar os esquemas Cuiabá e Belém, e das grandes emprei- para a capital fede- teiras e dos grandes ral Brasília. Suas li- consumidores de deranças e comitivas eletricidade. Consi- freqüentaram a toda deravam então um hora a sede da desfecho único, ób-

esa de eletricidade insiste em bar FUNAI, pediam au- vio: as obras seriam diência em várias outras instâncias de governo, feitas, e a Eletronorte seria a proprietária das usi- marcaram presença na ocasião das votações na nas. Os tecnocratas se justificavam afirmando que Assembléia Constituinte Federal, durante o ano esta eletricidade seria usada para atender o siste- de 1988. ma nacional.

Foi então, nessa mesma época, que o governo fe- Incrível que a mesma ladainha continue sendo re- deral anunciou sua disposição de construir cinco petida hoje, sem qualquer razão que se possa crer! os do rio Xingu que a empr hidrelétricas de grande porte no rio Xingu e uma em seu maior afluente o rio Iriri. Todas elas iriam Alguns fatos vêm desmentindo as frases retumban- interferir bastante com as terras ribeirinhas, as tes da Eletronorte: ilhas, as matas e igapós, os rios e igarapés; e amea- 1) a usina de Tucuruí no rio Tocantins havia sido çariam a existência e o futuro dos povos indígenas anunciada como a salvação, diante da má qualida- que ali moram, a grande maioria dentro das T.I. de da energia elétrica em Belém e na região Nor- no norte de Mato Grosso e no centro do Pará. deste; mas quando foi inaugurada em 1984, a prin- Ameaçariam também, ao mesmo tempo, dezenas cipal destinação da eletricidade era o suprimento de milhares de moradores das duas maiores cida- garantido, 24 horas por dia, e a baixo custo, dos des de todo o vale xinguano: processos de mineração e de beneficiamento de Altamira: em cuja região também moram centenas minério na Serra dos Carajás e dos processos de Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir de índios fora das aldeias, nas barrancas do rio, nas fundição de ferro - ligas em Tucuruí, (Camargo Corrêa Metais, em associação com o grupo euro- O evento teve duração de vários dias, e foi promo- peu Brown Boveri) e de fundição de alumínio em vido e organizado pelas entidades dos índios e por Barcarena ao sul de Belém, (Albrás, associação do pesquisadores, liderados pela Comissão Pró-Índio grupo CVRD, a “Vale” com metalúrgicas japone- de São Paulo, que havia editado também o primei- sas) e outra similar na Ponta da Madeira, Ilha de ro e importantíssimo livro sobre o assunto, com o São Luís (Alumar, associação da Alcoa, outras apoio da Prelazia do Xingu e de seu bispo, dom metalúrgicas, o grupo Camargo Corrêa). Erwin Krautler.3 2) antes mesmo de Tucuruí operar, já estava Com grande destaque nas imagens e nas notícias, energizada a Linha de Transmissão Nordeste – pudemos conhecer as lideranças indígenas regio- Norte, que saia da usina de Boa Esperança (rio nais e suas falas às vezes suaves, às vezes raivosas, Parnaíba, PI-MA) até São Luís, passando por Pre- sempre firmes, sérias: os caciques caiapós Kube-I sidente Dutra, no centro do Maranhão...com a e Paulo Paiakan, e o cacique Megaron, hoje chefe energia elétrica proveniente da Chesf! do posto da Funai na complicada região da rodo- via BR 163, norte de MT e sul do Pará. 3) somente no final da década de 1990, esta LT Norte – Nordeste foi interligada com a malha elé- E mais o Ailton Krenak, da entidade UNI - União trica Centro – Oeste e Sudeste do sistema interliga- das Nações Indígenas, o Davi Kopenawa, dos do nacional (por meio das LTs Norte-Sul I e II, en- Ianomami de Roraima, os irmãos Terena, o coro- tre Imperatriz e Açailândia/MA - e – Serra da Mesa/ nel Tutu Pombo, e o famoso cacique Raoni, que GO e Brasília/DF. então fazia parcerias musicais com o can- No final dos 1980, Raoni Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA tor inglês Sting; e quando foram anun- também algumas li- ciadas e logo questi- deranças dos índios onadas as obras do dos Andes e da Amé- Xingu, estávamos rica do Norte. Ali es- 31 sob o governo José

tavam os índios com rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ Sarney (1985-89)1. bordunas e tacapes Um dos apadrinha- por eles fabricados e dos do presidente se enfeitados, sendo fil- tornará um persona- mados e entrevista- gem central no ro- dos como sujeitos teiro das barragens históricos desta ba- projetadas no Xin- gu, o engenheiro cia fluvial: José Antonio Muniz - os temidos Kaiapó

esa de eletricidade insiste em bar Lopes, também ma- das Terras Indíge- ranhense, e que era diretor de engenharia e nessa nas Kararaô, perto de Altamira e da T.I. Kaiapó condição foi representar sua empresa uma mani- perto de São Felix do Xingu, seu ramo Xicrin festação pública única, numa pequena cidade no que fica pelas terras dos rios Bacajá e Cateté, seu meio da floresta. ramo Mekragnoti que fica no sul do Pará, na O “Encontro dos Povos Indígenas em Altamira” teve Terra do Baú, e mais os Juruna da TI Paquiçam- ba, ali mesmo na Volta Grande - mais os Asurini grande repercussão no exterior e no Brasil, me- os do rio Xingu que a empr receu uma reportagem longa e fiel, um da Terra Koatinemo, os Araweté do Igarapé documentário produzido e exibido pela TV Cul- Ipixuna, seus vizinhos Parakanã (que vieram tura poucos meses após. O programa integrou a contrariados da beira do Tocantins, por causa série Repórter Especial, e foi feito pelo jornalis- de Tucuruí), mais os Xipaia e Curuaia do rio ta Delfino Araújo que lhe deu o título adequa- Curuá no oeste do Pará, e na margem esquerda do: “Kararaô, um grito de guerra”. As palavras es- do rio Iriri, os Arara que haviam sido trazidos colhidas pela empresa para batizar suas barra- da faixa ao Norte da Transamazônica. gens projetadas no rio Xingu são nomes indíge- Todos direta e indiretamente ameaçados pelas nas, e nesse caso, Kararaô, o nome da primeira obras previstas. obra projetada pela Eletronorte, ali na Volta Grande do Xingu, seria um grito de guerra na lín- No dia em que o engenheiro Muniz compôs a gua kaiapó2. mesa diretora dos trabalhos no ginásio coberto Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir de Altamira, vários índios vieram se manifestar ali No sentido da largura, o vale do Xingu fica apro- mesmo em frente à mesa, alguns falando em sua ximadamente entre os meridianos 52 graus e 55 língua ao microfone e sendo traduzidos. Tu-Ira, graus Oeste. Começa em uma generosa bacia de prima de Paiakan, se aproximou gesticulando for- nascentes de numerosos rios, em forma de uma te com o seu terçado (tipo de facão com lâmina pêra no Norte de MT. Entrando no Pará, a largura bem larga, muito usado na mata e na roça, gritan- das terras banhadas pelos rios da bacia do Xingu do em língua kaiapó). Mirou o engenheiro, seu se amplia bastante incorporando a Oeste as terras rosto redondo de maçãs salientes, traços de algum do rio Iriri, seu maior afluente. antepassado indígena, e pressionou uma e outra O sentido geral da descida das águas do Xingu e bochecha do homem com a lâmina do terçado, do Iriri é para o Norte, dos altos cerrados dos para espanto geral. Um gesto inaugurador.4 chapadões e de suas grotas florestadas do Planalto Situação que merece uma palavra-chave dos índi- Central, até a calha baixa do Amazonas, exatamen- os Araweté da Terra Ipixuna, no médio Xingu, re- te como fazem os seus grandes rios vizinhos e qua- colhida pelo antropólogo Eduardo Viveiros de se paralelos, os rios Araguaia e o Tocantins, do lado Castro5:· Leste, e o rio Tapajós, do lado Oeste. O Xingu é repleto de meandros, com algumas “esquinas” bem “Tenotã Mõ significa “o que segue à frente, o que começa”. angulosas, corredeiras quase retas cavadas em fa- Essa palavra designa o termo inicial de uma série: o lhas rochosas de bom tamanho, todo coalhado de primogênito de um grupo de irmãos, o pai em relação ao ilhas pedregosas e às vezes, de ilhas com morros, o filho, o homem que encabeça uma fila indiana na mata, Xingu faz várias voltas bem amplas, e até uma Vol- a família que primeiro sai da aldeia para uma excursão ta Grande. na estação chuvosa. O líder araweté é assim o que come- Uma alça de mais de duzentos km de comprimen- ça, não o que comanda; é o que segue na frente, não o to, fazendo quase 360 graus, com a cidade de que fica no meio. Altamira, PA bem na primeira esquina do rio. Um 32 Toda e qualquer empresa coletiva supõe um Tenotã mõ. grafismo forte, vai virando símbolo regional, nas fotos aéreas e de satélite, é um ponto de interro-

rarNada I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ começa se não houver alguém em particular que comece. Mas entre o começar do Tenotã mõ, já em si algo gação um tanto deitado; na geologia, pode-se ima- relutante, e o prosseguir dos demais, sempre é posto um ginar o degrau cristalino da planície amazônica intervalo, vago mas essencial: a ação inauguradora é sendo contornado, lavado e enfim rasgado pelas respondida como se fosse um pólo de contágio, não uma corredeiras de águas verde-escuras e luminosas autorização”. (pág.67) do Xingu. O rio Xingu só pode ser navegado, a partir do rio Geografia da expansão violenta: rastros do Amazonas, ao longo de uns trezentos km, entran- 6 do pela foz, passando pela cidade de Senador José

esa de eletricidade insiste em bar conflito nas terras ricas da bacia do Xingu. Porfírio, antiga Souzel, até o porto de Vitória do Xin- Dentre os grandes afluentes do Amazonas, apenas gu. Rio acima logo adiante, interrompe-se o per- dois rios, o Tapajós e o Xingu nascem e correm curso fluvial por causa do extenso lajeado rocho- inteiramente em território brasileiro. O rio Xingu so, o degrau que contorna todo flanco Sul da ca- se forma a uns duzentos km a Nordeste da capital lha amazônica aflorando no trecho encachoeira- Cuiabá, na altura do paralelo 15 graus Sul; e dali do da Volta Grande, num desnível de quase 100 sua bacia se estende na direção Norte, entra no metros, da cidade de Altamira até ali.

os do rio Xingu que a empr Pará pela fronteira Sul e segue até um pouco além do paralelo 2 graus Sul, perto das cidades de Porto Nos trechos médios do rio, navega-se por percur- sos descontínuos, e com dificuldades nos meses de Moz e Gurupá. Ali num mundo de águas emen- ali chamados de Verão, Julho a Outubro. Apenas dadas, praias e ilhas, o Xingu começa a desembo- duas cidades se estabeleceram na beira – rio no car no rio Amazonas, no início do estuário amazô- médio vale: Altamira, onde se reinicia a possibili- nico aberto para o Atlântico equatorial.7 dade de navegação acima da Volta Grande, pelo Dali para o Leste, uma vasta planície de lagos cha- Xingu e pelo Iriri, seu maior afluente; e a antiga mados baías, são ligados, pelos furos, canais natu- Bocca do Rio, atual São Félix do Xingu, mais ao Sul, rais, com as águas dos rios Anapu e Pacajá, por na foz do rio Fresco, afluente direito do Xingu. detrás da ilha de Marajó, entre Portel e Breves, e com Ambas foram recentemente revitalizadas, estabe- as águas do rio Tocantins, que desemboca do ou- lecendo ligações rodoviárias e aéreas com outras Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir tro lado de Marajó, na região de Cametá. cidades do Pará e do país. 33

rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ

esa de eletricidade insiste em bar

os do rio Xingu que a empr

Altamira, mesmo pequena para os padrões do Su- extensos municípios do país, maior do que al- deste, é o maior centro urbano em todas as mar- guns Estados e países (com mais de 100 mil km2, gens do Xingu e também no traçado da rodovia equivalente a quase metade da área do Estado Transamazônica, a BR 230, neste longo trecho de São Paulo). Antes ligada à economia extrati- entre Marabá e Itaituba, e também um dos mais vista tradicional, borracha, castanha, pesca, a Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir cidade se tornou importante na década de 1970, A combinação de todas as áreas na bacia do Xingu durante a época da abertura da rodovia e do esta- nas quais a cobertura vegetal original de mata e belecimento dos colonos assentados pelo Incra e de cerrados foi arrasada ou está sendo bem adul- por empresas de colonização e cooperativas agrí- terada, é visível, de forma destacada numa ima- colas vindas do Sul e do Sudeste do país. Nesta gem fotografada pelos satélites ou num mosaico mesma época eclodem os surtos de garimpagem de imagens vistas a partir dos aviões. de ouro e as frentes de extração de madeiras de lei, algumas perduram até hoje, outras novas fren- O arranjo cartográfico peculiar que resultou pode tes surgem, parecendo inexoráveis, pois “ainda se ser sucintamente interpretado do seguinte modo: acha” ouro e muita madeira valiosa. Ao longo da • estratégias territoriais resultam das decisões de famosa rodovia Transamazônica, Altamira é sinô- Estado e de alguns agentes econômicos, incluin- nimo de “Rua”; o povo vai para “a Rua”, quando do-se as levas de garimpeiros, posseiros e traba- vai aos bancos, lojas, hospitais, nas sedes das re- lhadores volantes, que vão junto nestes surtos de partições estaduais e federais, e para as aulas nas ocupação pioneira das áreas antes habitada por faculdades (um campus da universidade federal indígenas e por ribeirinhos, e das áreas antes ra- UFPA, outro da estadual, UEPA). refeitas ou intocadas; E assim, a cidade vai polarizando a vida da região, • esta expansão geo-econômica se dá a partir da incluindo os portos fluviais das cidades de Vitória metade Norte das bacias do Tocantins e do Ara- do Xingu e de Senador Porfírio; umas três dezenas guaia, já ocupada, e pressiona para o Oeste, en- de agrovilas e vilarejos, mais algumas cidades pró- grossando as faixas alteradas que aparecem nas ximas que cresceram rapidamente, como Anapu e fotos como “espinhas de peixe” na Transamazô- Pacajá, ao longo da Transamazônica (sentido nica e nos seus “travessões”, típicos do trecho Marabá), e no sentido inverso, Brasil Novo, paraense Marabá - Altamira – Itaituba; Medicilândia, Uruará, se formos pela rodovia no • as duas rodovias de ligação do vale do Xingu com 34 rumo de Rurópolis, Itaituba e Santarém, que é ver- o Sul são corredores que abraçam o formato Nor- dadeira capital do Oeste paraense, e ponto de li- te-Sul desse vale; são grandes extensões contínu-

rargação I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ fluvial permanente e de grande porte entre as de terras alteradas, com faixas de dezenas de Belém e Manaus pelo rio Amazonas. km de cada lado das rodovias, começando pela Em São Félix do Xingu, o antigo isolamento, mes- que liga Marabá a Barra do Garças, a rodovia PA mo estando à beira do grande rio num trecho na- 150 continuada pela BR 158; vegável, foi rompido com a proximidade do proje- • esta banda oriental do vale do Xingu está, nas to mineral da província de Carajás, com o garim- fotos de satélite, visivelmente mais alterada que po intenso, disseminado, o movimento dos peque- a banda ocidental; vê-se uma concentração de nos aviões, e, com a primeira etapa da abertura de muitos focos de queimada, grandes áreas de pas- um terceiro eixo transversal ao vale do Xingu, a

esa de eletricidade insiste em bar tagens; e uma cunha aberta sobre o trecho mé- rodovia PA 279, que por sua vez, precipitou mais dio do vale; e sabe-se que isto corresponde às outras frentes madeireiras. Ao longo desta estra- levas de brasileiros justamente entrando pelo da, duzentos e cinqüenta km no meio da selva, a único trecho em que as terras indígenas não são partir de Xinguara, surgiram várias vilas e a cida- emendadas; de-serraria de Tucumã. • isto se explica: mesmo existindo ali próximo duas Por aí o vale do médio Xingu ficou bem mais próxi- Flonas - Florestas nacionais e uma Rebio - Reser-

os do rio Xingu que a empr mo dos surtos econômicos da mineração e dos gran- va Biológica, ficaram no mapa alguns “corredo- des garimpos nos municípios de Carajás (CVRD, res” não protegidos, o maior deles, contornan- mina Serra Norte), e das cidades de Parauapebas, e do de um lado e de outro a TI dos Xicrin do mais ao Sul, Xinguara e Redenção. Todas estas cidades Cateté, ligando São Félix do Xingu e a bacia do rio têm aeroportos movimentados, e são servidas pela Fresco, com uma parte já ocupada a Leste, nas rodovia estadual PA 150, eixo de ocupação recente bacias dos rios Itacaiúnas e Parauapebas, afluen- do Leste paraense. Incluem-se nesta porção geo-eco- te esquerdo do Tocantins; nômica as terras e cidades na margem esquerda do rio Araguaia (Conceição do Araguaia e São Geraldo do • na parte ocidental do vale do Xingu, onde passa Araguaia), região também famosa por ter sido um a rodovia que liga Cuiabá a Santarém (BR 163), a foco de movimentos camponeses desde os anos 1950, sua faixa de terras alteradas é um pouco menor e onde atuou uma guerrilha que foi destroçada pe- que as faixas das demais rodovias apenas no lado Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir las Forças Armadas no início dos anos 1970. sul paraense; pois no trecho mato-grossense, as Menino Kayapó, Gesellschaft für Ökologische Forschung, Pabst/Wilczek

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grandes extensões demonstram as etapas da al- e articulador político durante os anos negros da rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ teração, nem sempre tão planejada nesta seqüên- ditadura brasileira. cia exata, mas sempre comprovada: explorações Foi nestes tempos que começou, a partir do famo- de garimpos e de madeiras de lei, a abertura das so Posto Gil, em Diamantino, MT, a ser rasgada no estradas de madeira, depois as derrubadas e quei- cerrado e na selva a famosa Cuiabá a Santarém. madas, depois as pistas de pouso, as pastagens, enfim as grandes plantações de soja; Um jornalista especializado em política ambiental definiu o projeto de asfaltamento destes 760 km como • no norte de MT, no entorno do Parque Indíge- o “enigma ambiental de Lula”, informando que em 10 na do Xingu e da TI Capoto – Jarina, fecha-se o de julho de 2003, foi criado um consórcio integrado esa de eletricidade insiste em bar cerco: nas fotos, as manchas das áreas alteradas por empresários da Zona Franca de Manaus, para vão se adensando a partir da “pinça” formada quem o asfaltamento e a construção de instalações pelas duas rodovias BR 158 e BR 163, e a superfí- intermodais próximo de Santarém encurtariam as cie da terra mexida, com sinais da intervenção linhas fluviais de cargas e carretas, do percurso atual humana e de máquinas, vai se avizinhando dos Manaus a Belém, para um percurso bem mais curto, limites dos territórios demarcados e homologa- Manaus a Santarém; diminuiriam também as distânci- dos, como se fossem estrangular os perímetros as terrestres totais entre Manaus e algumas das maio- os do rio Xingu que a empr justapostos das TIs. res cidades do Centro Oeste e do Sudeste. O consór- Vendo agora o mapa regional numa escala nacio- cio teria sido estimulado pelo governador Blairo nal, constatamos que entre Guarantã, ultima cida- Maggi, (MT, eleito em 2002 pelo PPS), considerado 8 de mato-grossense na rodovia BR 163, saindo de o maior produtor “individual” de soja do país. Cuiabá - e as proximidades de Itaituba e Rurópolis, Este projeto foi mantido sob protestos de muitas no Oeste paraense, fica o maior trecho ainda não pessoas e entidades na Amazônia e até no exteri- asfaltado deste eixo terrestre brasileiro. or, sendo um item destacado do Plano Plurianual de investimentos 2004-2007, o PPA conduzido pelo Eixo de “penetração”, portanto um imperativo governo Lula – Alencar no 1º semestre de 2003. geopolítico, conforme concebido há quase meio século pelos estrategistas militares como o gene- O Ministério do Interior pretende utilizar recursos ral Golbery do Couto e Silva, intelectual palaciano do Fundo Constitucional do Norte, um sucedâneo Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir Festival do Kuarup, o ritual mais conhecido dos povos do Parque Indígena do Xingu, aldeia dos Yaualapiti. Marcello Casal Jr./ABr

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rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ

do Finam gerido pela Sudam, para financiar a resistem e ainda se impõem diante da fragmenta- nova rodovia Cuiabá a Santarém, que custaria 175 ção e dos rastros ocre-amarelo-magenta–roxa que milhões de dólares, algo na faixa de meio bilhão se destacam nas imagens da Amazônia vista do alto.10 de reais! As Terras Indígenas dos Kaiapó Se pensarmos na preservação e na boa utilização (Mekragnoti e Baú) e dos Panará ficam perto, a do rio, nada está resolvido nem assegurado com a pouca distância e às vezes encostadas no eixo da homologação e a defesa dessas terras, pois elas não rodovia a ser asfaltada! incluem exatamente as nascentes e os altos rios de esa de eletricidade insiste em bar As disputas econômicas, fundiárias e étnicas que todos os formadores do Xingu. As terras homolo- são um fio condutor da história do país, apenas gadas - e especialmente o PIX - estão como uma começaram ao longo da porção paraense da 163, faixa em torno da calha central do rio Xingu, em mas podem durar décadas essas brigas armadas na seu trecho médio, que é onde está repercutindo o disputa pelas glebas, pelo mogno, pelos minérios, processo de degradação significativa da cobertura pelo acesso à água! A quem pertencem? Na práti- vegetal, da água e da biodiversidade. ca, parece que ficarão nas mãos dos mais violen- os do rio Xingu que a empr tos. Na letra da lei, contudo, quase 40% das terras Mas o processo que ali repercute de fato se inicia são dos índios e seus descendentes: “Do ponto de rio acima, nas terras dos não – índios, no avanço vista político, a importância dos índios na região do dos madeireiros, nas fazendas, nos pastos, nos ga- Xingu é inquestionável. Sua expressão na área da bacia rimpos que vão pipocando em seu entorno. do rio, que vai do Mato Grosso ao Pará, é muito grande. São 27 etnias distribuídas por 26 terras indígenas, que Este é, em resumo, o Xingu dos índios e o Xingu correspondem a 38,5% da área da bacia.” 9 dos não – índios: Terras ricas, muitas em estado virgem, madeiras valiosas, a bacia fluvial de um Mesmo que dentro das T.I. a degradação seja pou- rio monumental, onde se pretende construir seis ca, as invasões e o fogo prosseguem sempre aqui e grandes hidrelétricas. acolá; mas de fato, estes perímetros “com os índi- os dentro” estão se transformando em santuários. Adiante veremos as regiões em que iria “se hospe- Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir Na epiderme da Terra, são manchas verdes que dar” cada uma dessas usinas projetadas nos anos 1980 pelos barrageiros da Eletronorte, do escritó- Pimentel Barbosa (parte desta TI fica na bacia do rio CNEC e da empreiteira Camargo Correa, para rio das Mortes, parte da bacia do Araguaia). no final retomarmos o resumo histórico das tenta- A ocupação não-índia das terras das cabeceiras tivas de implantação de tais projetos. provocam efeitos cada vez mais no interior do PIX. Os desmatamentos não poupam as matas ciliares O começo do rio Xingu, em Mato Grosso. dos rios e às vezes nem as grotas e nascentes, a O Parque Indígena e a TI Capoto–Jarina exposição de terra nua, o uso de tratores, tudo isto seriam afetados pelo primeiro barramento repercute no assoreamento dos rios, na perda de profundidade e mudanças de praias e bancos de - Jarina - projetado no Sul do Pará. areia, na mudança até de turbidez e coloração das Comecemos a percorrer o rio como ele mesmo o águas, tornando mais difícil a pesca com flecha, faz, pelo começo, pela parte alta. atividade fundamental nas aldeias. Conforme a entrevista de André Villas Boas, relatada no volu- Lá onde o rio ainda é pequeno, não dá para fazer me Povos Indígenas do Brasil, 1996 – 2000, ISA: grandes barragens; mais abaixo, lá onde o rio co- meça a ficar maior, é dos índios há muito tempo. “Em 1998, as queimadas em fazendas pecuárias localizadas a nor- deste do Parque ameaçaram atingi-lo, o que provocou a mobilização A cento e poucos km a nordeste de Cuiabá, capi- dos órgãos públicos responsáveis. Também nesta época o avanço das tal de MT, fica a cidade de Nova Brasilândia e dali madeireiras instaladas a Oeste do PIX começou a chegar perto dos o espigão do Planalto central se divide em dois; a limites físicos definidos pela demarcação. Assim os índios do PIX quase 1000 metros de altitude, vai se abrir o vale estão diante de sinais concretos de perigo, mais graves do que as dos formadores do Xingu, os rios Culuene, primeiras invasões e pescadores e caçadores, ainda na década de Curisevo, Batovi, Ranuro, todos escorrendo rápi- 1980. Entre os moradores do PIX, fortaleceu-se a percepção de que do na direção Norte e Nordeste. está a caminho um incômodo “abraço”: o parque vem sendo cercado pelo processo de ocupação no seu entorno e já se evidencia como uma As cidades próximas do início do Xingu são “ilha” de florestas na região do Xingu.” (p.631) Paranatinga, perto do divisor entre os formado- Ao Norte do PIX, fica a única cidade encostada 37 res do Culuene e os formadores do rio Teles Pi- nos seus limites, São José do Xingu. Ali, o perímetro res, bacia do rio Tapajós, e mais para o Leste, indígena é limitado por um ângulo quase reto, rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ Canarana, na bacia do rio Tanguro, afluente di- contido pelo traçado da rodovia BR 080/MT 32211, reito do Culuene. Formando um triângulo com já quê, do lado de lá também existiam aldeias. O estas duas cidades, mais para o Sul, fica Campiná- povo dessas aldeias nos anos 1960 e 70 havia rejei- polis, do lado de lá do divisor de águas entre o tado a proposta de se mudar para dentro do PIX, Culuene e o rio das Mortes (bacia do rio Ara- conseguiu também a demarcação de outra TI, bem guaia). No centro desta região, forma-se o rio menor é verdade, mas ainda protegendo as duas propriamente dito, o Xingu, e ali moram indíge- bandas do rio Xingu; é a terra chamada de Capo- nas há centenas, talvez mais de mil anos. A partir to – Jarina, onde em 1997 moravam 577 Kaiapó

esa de eletricidade insiste em bar dos anos 1960, um processo de demarcação e ho- do grupo Metuktire.12 mologação concluído apenas em 1991, garantiu uma área de 26 mil km quadrados, uma faixa de O trecho médio alto do Xingu em território mato- grossense atravessa o PIX inteiro e toda a TI Capo- 50 km ou mais em cada margem do rio para den- to- Jarina, e certamente sofreria bastante com os tro: Parque Indígena do Xingu, o PIX. efeitos do barramento do rio logo abaixo, no sul do A população no interior do Parque deve estar per- Pará, num eixo denominado Jarina. No mínimo, to de 4.000 habitantes; os dados dos pesquisado- porque ficaria afetada a navegação mesmo a de os do rio Xingu que a empr res da Unifesp (Escola Paulista de Medicina) em pequeno porte, porque prejudicaria a circulação 1999 indicavam 3705 indígenas de 15 povos, mais dos peixes; seria bloqueada a piracema no rio prin- de 700 Kaiabi, mais de 300 , outros tantos cipal e nos afluentes, e, além disso, a população das e Kamayurá, mais de 200 , e tam- espécies típicas das corredeiras diminuiria. bém de Waurá, Suiá, Yawalapiti. Rios e igarapés de nome Jarina13 e Jarinal há mui- Nos sertões, entre as cidades e tantas fazendas, na tos pela mata, um deles é o afluente esquerdo do mesma bacia do rio Xingu, moram milhares de Xingu, rio Jarina cuja bacia, de porte médio, fica Xavante: 376 na Terra Indígena (TI) Marechal no norte de MT, desde a altura da BR –080 até a Rondon (nascentes do Curisevo); 3.354 na TI divisa MT – PA. Escolheram o nome deste rio para Parabubure, a Oeste de Campinápolis, e uma parte a usina projetada em outro rio, o Xingu, e que dos 1.667 xavantes a Leste de Canarana, na TI seria localizada em outro Estado, o Pará. Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir Perfil longitudinal rio Xingu, no Pará, com seis barragens projetadas

Fonte: Dados do Inventário Hidrelétrico do Xingu, CNEC/Eletronorte, 1980 adaptado por O. Sevá, 2003.

na margem direita do Xingu, e todas estas ter- Jarina ras estão dentro da TI Menkragnoti. Usina hidrelétrica inventariada 38 620 MW 14 Capacidade instalada 600 MW depois Mais para o Sul, a represa poderia entrar também

rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ pela vizinha TI Capoto – Jarina; e era previsto a 8 Turbo geradores (TG ) de 77,5 MW each,3/s com represa avançar por 60 km nesta terra indígena, capacidade total de turbinar até 3120 m até perto do vilarejo de Piara-Açu, município de Coordenadas 9 graus 2m Sul, São José do Xingu, MT, e da BR 080. Efeitos de inun- 52 graus 4 m Oeste, a 1.234 km da foz. dação ou de represamento chegariam assim à foz ojetada: 23 m Altura média da queda pr e ao baixo vale do rio Jarina e também às aldeias 2 Suiá, Kaiapó e Panará próximas da margem esquer- áreas estimadas 1.168 km Reservatório: 2 da do Xingu.15 Até que sejam divulgadas cartogra- (na cota mínima 273 m) a 1.900 km fias mais rigorosas e em escala pequena, com (na cota máxima 281 m) esa de eletricidade insiste em bar altimetria detalhada, podemos supor que esta re- os cúbicos Volume: 9.000 hectômetr presa avançaria para o Sul do paralelo 10 graus 3 (cota 281 m) (cota 273 m) a 21.400 hm 30m, e assim iria submergir ou diminuir o degrau da cachoeira von Martius. Uma grande usina neste trecho vai desarranjar O barramento previsto da usina Jarina seria no tre- bastante a vida dos indígenas na área, já marcada cho do rio Xingu ao entrar no sul do Pará. O rio pelos problemas nas relações com os madeireiros os do rio Xingu que a empr Xingu neste ponto já está bem formado, e suas e os garimpeiros, além dos fazendeiros com seu vazões extremas variam entre mais de 9.000 m3/s fogo e sua terra nua, suas aplicações de “venenos”. e menos de 400 m3/s. O canal de fuga estaria, na Deve ser hoje mais numerosa a população desta média operacional, na cota 256,8 metros, e logo a imensa TI: mais do que os 657 kaiapó grupo seguir rio abaixo, estaria o remanso da represa Menkragnoti e outros ainda isolados que ali mo- seguinte (Kokraimoro). ravam há quase dez anos.16 Ao que tudo indica, seriam represados, da bar- Suas terras homologadas começam ainda no nor- ragem para cima: a foz e o baixo vale do Ribei- te de MT, incluem um bom trecho da divisa esta- rão da Paz, toda a calha e as baixadas do Xingu dual MT/PA, e se prolongam quase 300 km pela até a fronteira Sul do Pará, entrando pelo norte margem esquerda do Xingu até a sub bacia do alto de MT. As águas quase paradas entrariam talvez Iriri, totalizando quase 50 mil km2, nos municípi- Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir pela foz e um bom trecho do Rio da Liberdade, os de Altamira e de São Felix do Xingu. avançando rio acima, na margem direita cobrindo o UHE inventariada Kokraimor terras e afogando rios da TI Kaiapó, na esquerda os 17 da TI Menkragnoti, e mais ao Sul ainda, poderia 1.900 MW , depois 1.490 MW Capacidade instalada: atingir até as terras identificadas, mas não demarcadas dos Kaiapó grupo Kuben Kran Ken, que 10 turbo-geradores (TGs) com 3capacidade/s para turbinar 4.020 m eram 82 pessoas em 1998. Coordenadas: 7 graus 26m 30s Sul, 52 graus 40m 30s Oeste, a 1.009 km da foz Ipixuna ojetada: 42,9 m UHE inventariada Altura média da queda pr Capacidade instalada: 2.300 MW áreas estimadas nas cotas mínima 20 Reservatório: 2 depois 1.904 MW e máxima 940 km (na cota 245 m) 2 (cota 257 m) (16 TG de 119 MW cada com a 1.770 km 3/s) 3 capacidade de turbinar 5744 m Volume: 12.450 hm (cota 245 m) 3 a 28.500 hm (cota 257 m) Coordenadas: 5 graus 39m 30s Sul; 52 graus 40m 30s Oeste, a 710 km da foz do Xingu ojetada: 38,3 m Altura média da queda pr 2.020 km2 O segundo barramento, Kokraimoro, outra Reservatório: áreas estimadas usurpação de nomes e terras kaiapó a 3.270 km2 (na cota máxima 208 m) 3 A região a ser afetada por essa hipotética grande Volume: 25 km (cota 195 m) 3 usina ficaria rio acima, não muito distante da ci- até 60 km na cota 208 m dade de São Félix do Xingu. O rio Xingu neste pon- to ainda se parece com o da barragem prevista Ja- A terceira barragem - Ipixuna: mais Paraka- rina: uma vazão extrema na seca, menor do que nã atingidos? a cidade de São Felix do Xingu 400 m3/s (mensal) e, na cheia, o valor extremo 39 desaparecida? mensal pode passar de 10.600 m3/s.

rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ O rio neste trecho está bem mais encorpado, ten- Os engenheiros do CNEC e da Eletronorte colo- do recebido o acréscimo de vazão de um grande caram o barramento previsto praticamente em afluente, o rio Fresco. A vazão mínima mensal ain- cima do Posto Indígena Kokraimoro.18 A aldeia que da fica abaixo dos 500 m3/s e a máxima já ultra- em 1980, o próprio CNEC dizia ter 120 pessoas, passa 18.000 m3/s. ficaria a 500 metros a jusante do eixo traçado, na pratica, seria destruída e o seu local ocupado pelo Mais uma confusão com nomes de projetos de usi- canteiro de obras, pelas pilhas de material, e pelo nas: Ipixuna é um nome comum na Amazônia, em tráfego de peões, veículos pesados, etc. especial no Pará, mas, por ali, é o nome do princi- pal igarapé nas terras dos Araweté, uma T.I. que esa de eletricidade insiste em bar A represa encobriria a Cachoeira da Pedra Seca, tam- fica na banda direita do Xingu, no trecho antes da bém afogaria os afluentes rios Preto, Pereira e José foz do Iriri. A obra batizada pelos engenheiros Bispo, terras ribeirinhas dentro da TI Kaiapó, onde brancos como Ipixuna ficaria longe dali, bem aci- em 1998 moravam 2866 Kaiapó de vários grupos,19 ma da foz do Ipixuna no Xingu, num arquipélago inclusive os Kokraimoro cujo nome e cuja identida- fluvial que é o ponto de encontro desta terra dos de foi usurpada pelas empresas ao nomear o eixo Araweté com outra terra indígena apenas delimi-

inventariado, - mais os grupos A Ukre, os Gorotire os do rio Xingu que a empr tada, mas não homologada, chamada Apyterewa, no rio Fresco, que também seriam afetados pela onde moravam, em 1999, 240 Parakanã (remanes- represa da terceira usina inventariada, Ipixuna, mais centes e parentes daqueles quase 500 Parakanã que os Kaiapó Kikretum, os Moikarakô. foram atingidos pelas obras de Tucuruí nos anos Na mesma TI Kaiapó que vai até perto da rodovia 1980, e que foram remanejados para o lado Sul da PA 279 e da cidade de Tucumã, com extensão de faixa da rodovia Transamazônica). mais de 30 mil km2 moram ou perambulam mui- A barragem ficaria num trecho de corredeiras e tos garimpeiros não índios, e foi estabelecida uma lajes cortando o Xingu (rio abaixo da cidade de Reserva Garimpeira, a Cumaru, em área distante São Félix, até as Cachoeiras da Pedra Preta e de qualquer represa projetada no Xingu. Piranhaquara), e suas águas represadas se prolon- A hipotética represa Kokraimoro se estenderia para gariam pelo afluente rio Fresco, formando uma

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir o Sul, com uma grande barriga virada para o Oeste, represa com extensão de quase 3.300 km2 (seria uma represa maior do que Tucuruí, que ficou com Anfrisio foram abertos às custas da difícil navega- mais de 2.800 km2). ção rio acima pelo Xingu e pelo Iriri, numa área sempre visitada e roçada pelos índios Xipaia, A terra indígena dos Parakanã chamada Apyterewa, Curuaia e pelos Kaiapó que eram temidos por to- não está ainda homologada, e sim sob a mira de dos. Os resultados foram muitos mortos e feridos madeireiros e de garimpeiros; talvez esses índios não de ambos os lados. 23 Isto tudo na “época dos ameri- tivessem sua terra alagada, mas ficariam cercados canos”, quando se tentava implementar o projeto por estradas de acesso ao canteiro de obras; o Fordlândia no Tapajós, e quando atuava na igarapé Bom Jardim, que garante o acesso a aldeia, intermediação do látex a empresa Rubber partindo da margem direita do Xingu, ficaria ao Development Company, RDC, em várias áreas ex- lado do canteiro de obras e logo abaixo do pare- trativistas do Pará. dão, o que teria reflexos em sua hidrologia. A re- presa Ipixuna alagaria o igarapé do Pombal, as lo- A principal cachoeira do rio, não muito alta, com calidades de São Sebastião, São Francisco, e Triun- poucos metros de desnível, porém de difícil trans- fo; e provocaria algo desconhecido, inaceitável: posição, fica logo abaixo da foz do Riozinho, e se chama Cachoeira Seca. O nome talvez se explique “Inundaria a cidade de São Félix do Xingu, um por causa das vazões mínimas do Iriri, que são bem loteamento de propriedade do Instituto de Terras do Pará, baixas para um rio amazônico bem comprido, pois ITERPA, localizado junto a esta cidade, e uma série de ficam na faixa de 60 m3/s. Mas as vazões máximas 21 povoados ribeirinhos.” vão a mais de 9.500 m3/s. Diante deste desafio em termos de tamanho da UHE inventariada Iriri amplitude das vazões (a máxima mais de cento e 900 MW depois cinqüenta vezes a mínima), os engenheiros que Capacidade instalada , criaram este inventário hidrelétrico da bacia deci- , potência firme 380 MW 770 MW diram projetar o seguinte: barrar a própria Cacho- 40 7 TGs de 110 MW cada, com capacidade eira Seca com um degrau de 29 metros e uma área 3/s de turbinar 3.070 m inundada imensa, e com uma oscilação também

rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ Coordenadas: 4 graus 44m 30s Sul, 54 graus grande (de mais de 10 metros) entre os níveis 36 m 30 s Oeste, a 320 km de sua foz no operacionais máximo e mínimo. Na hipótese de Xingu, a 406 km fluviais de Altamira existir um dia, essa represa seria uma espécie de ojetada: 29 m “banheira” que, durante alguns meses, ficaria no Altura média da queda pr 2 seco mais da metade de sua área, que seria alagada 1710 km Reservatório: áreas estimadas 2 na estação chuvosa seguinte. ) a 4.060 km (na cota mínima 195,7 m 22 (na cota máxima 206 m) A segunda TI dos índios Arara, com 57 moradores em 1999, se chama Cachoeira Seca do Iriri, bem

esa de eletricidade insiste em bar perto de onde provavelmente os engenheiros de- No Iriri, o passado de guerras de índios e serin- cidiram assinalar o ponto de barramento num tre- gueiros; no futuro, a segunda maior área inunda- cho logo abaixo da grande esquina do rio Iriri, da da bacia do Xingu ? que faz 90 graus para o rumo Nordeste, e onde desemboca o afluente Riozinho do Anfrisio. Este rio Iriri é bem peculiar, uma espécie de irmão As águas ficariam represadas desde a Cachoeira Seca, menor do Xingu, também nasce no MT, perto da entrando pelo Riozinho, e se estendendo rio Iriri

os do rio Xingu que a empr divisa com o Pará, na região do entroncamento da acima até a foz do rio Curuá, e rio acima também BR 163 com a BR 080, perto de Guarantã do Norte um trecho, nesse que é o maior afluente do Iriri, e Pontes de Lacerda e depois vai seguindo no rumo afogando as localidades de Entre Rios, Cajueiro, Norte, às vezes até inclinando para Noroeste. Rece- Bonfim e pelo menos duas aldeias Xipaia - Curuaia, be o seu maior afluente Curuá e praticamente se uma na TI Curuá, delimitada, mas ainda não homo- dirigia para desembocar no Amazonas, quando o logada, onde moravam 91 pessoas em 1999, outra mesmo escudo rochoso da Volta Grande do Xingu na TI Xipaia, que estava em fase de identificação no obrigou-o a dobrar à direita, quase 90 graus, seguin- ano de 2000, com 67 pessoas. 24 do para Nordeste e indo desaguar na margem es- querda do Xingu. Nesta “esquina”, recebe o famo- Na falta de cartografia mais detalhada, deduzi- so Riozinho do Anfrisio, nome de um seringalista mos se acaso tal obra venha de fato a ser concre- importante de Altamira. Como alguns outros aven- tizada, a represa subiria com dois braços, pelos

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir tureiros também o fizeram, os seringais do coronel rios Iriri e Curuá até a altura do paralelo 6 graus Sul. Pode-se supor que a represa não chegaria a Xingu e seu irmão Iriri, construindo seis obras atingir diretamente a Flona Altamira nem a TI enormes - seria obtida num trecho a partir da vizinha, chamada Baú, onde viviam em 1994, 128 confluência do Iriri, daí para baixo. Isto, prova- Kaiapó grupo Mekragnoti. velmente por duas razões: primeira, o acréscimo de vazão do Xingu pela contribuição do Iriri deve Ali se forma um dos grandes conflitos fundiários e ser, no período em que o rio enche, de Dezem- étnicos - sociais, na região ao Sul da cidade de Novo bro a Maio, da ordem de 40% da sua vazão antes Progresso, justamente onde esta TI fica próxima da de receber o afluente; segunda, o desnível da Floresta Nacional de Altamira, e do eixo da rodo- correnteza inicialmente pequeno, abaixo desta via Cuiabá a Santarém.25 confluência, passa por Altamira, e se acelera abai- Não longe desta confusão, milhares de km qua- xo da cidade, onde o rio faz uma manobra “radi- drados de glebas públicas antigas, de algum modo cal”, vinha no rumo Nordeste, se vira para o Sul, passaram estão sendo tomadas por grandes emprei- se retorce de novo e termina rumando para o teiras, p.ex., a CR Almeida, do Paraná, e por gru- Norte, é a Volta Grande. pos madeireiros poderosos de São Félix do Xingu e de Altamira. O resultado hipotético desta represa Eis o atrativo (!) para os calculistas do setor elétri- Iriri, calculada em alguma prancheta há mais de co: uma queda natural em várias etapas, ao longo vinte anos, é que o rio Curuá também ficaria, como de uns 400 km de rio, com desnível natural de uns o seu irmão maior, Iriri, metade represado. Para cem metros, e que seria, ampliada para uma queda quem mora rio acima, isto influiria bastante na artificial de 150 metros, em duas etapas, por meio de pesca. De todo modo, como nas demais represas dois paredões: hipotéticas aqui mencionadas, exigiria dos mora- o 1º paredão vencendo um desnível natural de 90 dores uma convivência hoje desconhecida, com a metros (Usina Kararaô, depois Belo Monte); proximidade de uma nova massa d’água muito extensa, cuja área superficial e cujas profundida- o 2º paredão mais acima, e neste caso, seria um des- des seriam bem variáveis ao longo do ano, e con- nível completamente criado, de 60 metros (eixo e 41 forme o modo de operação da projetada usina. usina Babaquara, hoje chamada usina Altamira)26.

rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ As vazões mínimas estimadas para o rio Xingu no trecho da ilha Babaquara, a partir das medições em Altamira, seriam menores que 800 m3/segun- Usina projetada: Babaquara, do e as máximas seriam maiores de 32.000 m3/ depois chamada “Altamira” segundo. Como a altura da barragem é exagerada 6.300 MW, Capacidade instalada para um trecho de rio praticamente em uma pla- depois 6.588 MW nície com ondulações e colinas, o resultado é que 18 TGs de 366 MW cada, com capacidade o armazenamento de água bate recordes em ter- 3/ segundo 3 de turbinar 12.096 m mos de engenharia: 47 km na baixa (cota 142 m), esa de eletricidade insiste em bar para 143,5 km3 na alta (cota 165 m); ao quê Coordenadas estimadas: paralelo 3 graus 30 min ojetada: 61 metros corresponderia certamente uma trágica coleção de Altura média da queda pr recordes também de destruição ambiental. Reservatório: áreas estimadas nas cotas mínima 2 (na cota 142 m) e máxima da água 2560 km Babaquara seria, sozinho, o terceiro maior pro- a 6.140 km2 (na cota 165 m) jeto em toda a bacia amazônica e no país em ter- 3 na baixa (cota 142 m), para mos de capacidade instalada (os dois maiores Volume: 47 km os do rio Xingu que a empr 3 projetos para os rios brasileiros eram os da usi- 143,5 km na alta (cota 165 m) na Kararaô prevista para 11.000 MW e da usina Itaituba, no Tapajós, com 13.000 MW). A repre- O maior reservatório e a mais cara de todas usi- sa da famosa usina hipotética Babaquara seria a nas, Babaquara, fechando a foz do Iriri no Xingu, mais extensa do país e a segunda mais extensa alagando trechos de várias Terras Indígenas e uma no Mundo.27 Floresta Nacional Com a cota máxima da represa projetada em 165 A Eletronorte devidamente instruída pelo relató- metros de altitude, o paredão de quase 10 km rio de inventário hidrelétrico feito em 1980 pelo barrando o rio e a planície, seria construído num CNEC – Camargo Correa, anunciava, em 1988, ponto a pouco mais de dez km rio acima da ci- que 70% da potência total prevista - ou seja - 70% dade de Altamira, no meio de um longo trecho

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir da eletricidade que se poderia arrancar do rio em que o rio chega se espraiando por entre um extenso arquipélago com ilhas de aluvião e E tudo isto resultou nos números recordes de Ba- entrecortado de pedrais, que seria alagado daí baquara: seria o maior alagamento do país, e ao até a foz do Iriri. mesmo tempo, teria um índice de custo muito ele- vado, estimado então em 916 dólares por kilowatt Ali a represa abriria dois longos e amplos braços, instalado (custo sem os juros após a construção e um prosseguindo pelo Xingu para o Sul, e outro sem investimento em transmissão), portanto, um pelo Iriri para Oeste. No ramo Sul, as águas re- investimento de 6 bilhões de dólares. presadas entrariam pelo igarapé Ipiaçava no in- terior da TI Terra Indígena Koatinemo, onde vi- Entretanto, as razões explicadas sempre com vem os Assurini, 91 deles em 1999. A represa ala- aquele jargão técnico de engenharia ou de eco- garia também terras ribeirinhas na TI dos Araweté nomia, às vezes não passam pela lógica elemen- do Ipixuna, com 269 moradores no ano de 2000, tar da dinâmica dos fatos físicos, nem resistem a a água cobrindo sua aldeia e entrando pelo qualquer comentário fundamento sobre as incer- igarapé Ipixuna. A represa iria pelo Xingu aci- tezas sempre presentes, nem sempre sabidas...e ma, até a foz do rio Pardo, ao sul do paralelo 5 sobre a maior ou menor confiabilidade das má- graus, perto da terceira barragem prevista quinas e dos humanos. (Ipixuna, a montante). Para o leigo, se 70 % do aproveitamento estari- A hipotética mega–represa amazônica teria tam- am nestas duas obras, nesta Volta Grande transfi- bém um outro braço de mesma dimensão para gurada em dois imensos paredões, uma grande Oeste, subindo pelo rio Iriri desde sua foz, ala- represa e outra enorme, seria correta fazê-las an- gando terras da TI Kararaô (28 pessoas deste gru- tes das demais. Errado, pois em muitas regiões, po cf Funai Altamira, em 1998) na margem di- começou-se pela usina “mais alta”, e em seguida, reita, e atingindo terras ribeirinhas na margem as outras que foram sendo feitas rio abaixo, tive- esquerda do Iriri nas duas TI Arara, (num total ram melhor aproveitamento, cada uma delas, e também em sua produção conjunta de energia, e 42 de 200 moradores), provavelmente inundando totalmente ou inviabilizando três aldeias, e indo sob condições operacionais previstas e concatenadas para tanto. raraté I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ perto do meridiano 56 graus, na Cachoeira Seca, onde seria o paredão da quarta usina pre- Errado também, elas só representam 70 % do to- vista, Iriri. tal inventariado, se todas as outras cinco barragens Como tudo neste aproveitamento integral do Xin- estiverem feitas, as usinas funcionando, pois são gu decorre justamente da idéia fixa de obter a as represas rio acima que controlam em parte o máxima potência, escolheram elevar o “paredão” fluxo de água que enche as duas represas mais para que a represa de Babaquara ficasse na cota baixas (Babaquara e Belo Monte) para que pos- 166 metros – que seria a melhor opção para re- sam de fato turbinar a plena carga. gularizar a vazão dos dois grandes rios, e para au- esa de eletricidade insiste em bar Agora, as duas represas são obras distintas, podem mentar, na usina seguinte, rio abaixo, seja Kararaô ser feitas em qualquer ordem. Pela lógica parcial seja Belo Monte, o aproveitamento da potência do retorno do investimento, se faria primeiro a hidráulica e da eletricidade fornecida ao longo mais barata (Kararaô ou Belo Monte), e, com a do ano. renda desta se poderia fazer a segunda, mais cara. Quando a Eletronorte anunciou os seus projetos Errado de novo, pois a usina debaixo só geraria em 1988, dando grande destaque às duas maiores energia de forma rentável ao longo do tempo se os do rio Xingu que a empr usinas, Kararaô e Babaquara, já se sabia que os existir a represa de cima, (Babaquara), com gran- custos de investimentos de Babaquara eram mui- de volume d’água acumulado, prevista e instruída to grandes, e uma das razões era exatamente a para operar visando a regularização das vazões que necessidade de se construir 48 km de barragens, chegariam na represa rio abaixo. pois além dos paredões principais, muitos diques O quebra-cabeça se presta a muita confusão e laterais seriam exigidos para conter o extravaza- desinformação. Pelo menos para este nosso livro, mento para as bacias fluviais vizinhas. fique certo que não acreditamos nunca que “ape- Com tantos paredões, a movimentação de concre- nas uma” destas duas usinas será feita. Quem o afir- to e de enrocamento terra-rocha exigiria um volu- ma, está deliberadamente escondendo a lógica me de 170 milhões de m3, enquanto a barragem econômica baseada na contingência hidrológica brasileira de maior volume de paredões constru- do rio...ou então, é porque acreditou no que disse Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir ídos, a de Tucuruí, significou 70 milhões de m3. o “lobby” atual do projeto Belo Monte. trecho encachoeirado, Vitória do Xingu, e o primei- ro porto no trecho acima das cachoeiras, a vila de ojetada: Kararaô, depois Belo Monte UHE pr Altamira. 8.400 MW, depois Capacidade instalada: , 11.000 MW, depois 11.181 MW Em um recanto da margem esquerda, cercada de depois 5.681 MW morros e platôs baixos, em frente a uma das gran- 897 km2 des ilhas do Xingu, a Arapujá, a cidade fica no pri- Reservatório: áreas estimadas 2 na cota 96 meiro “cotovelo” onde o traçado do rio que vinha na cota 90 m, a 1225 km depois da alteração descendo no rumo quase Nordeste quebra para o (projeto inicial Kararaô), 470 km2 Leste e depois para o Sul, como se estivesse voltan- da configuração feita em 1997: 3 do em direção às suas nascentes. Rio abaixo um Volume: 3,8 bilhões de m longo trecho de ilhas aluvionais, depois morros e rochedos no meio e na barranca do rio, a largura aumenta e a profundidade diminui, começam os Belo Monte, ex-Kararaô: Kaiapó em guerra, Juru- pedrais intermináveis, e vão se preparando as que- na ameaçados, e os desaldeiados das. Uma esquina abrupta e um novo rumo da ca- lha do rio, para o Nordeste, o piso é de lajes ro- Nos anos de 1915 a 20, quando um estudioso pio- chosas que cruzam quase toda a largura do rio; é neiro, o antropólogo austríaco Curt Nimuendaju um trecho com grandes ilhas algumas também ro- estabeleceu contato com os grupos indígenas chosas, próximo da Terra Indígena Paquiçamba, Xipaia do baixo e médio Xingu, ele desenhou em abaixo da foz do rio Bacajá; descendo mais vêm as um mapa o seu percurso, a região entorno, e o grandes cachoeiras, a primeira delas a Cachoeira grande meandro do rio (que ainda não se chama- do Jericoá, altura relativamente pequena, 12 a 15 va “Volta Grande” ) em cujo trecho final, onde o metros, mas uma largura extraordinária, mais de fluxo da correnteza aponta novamente para o 5 km. É apenas a primeira de uma série de cinco Norte, ele escreveu “ Salto Itamaracá”.28 Assinalou ou seis. Talvez o Salto Itamaracá assinalado por as únicas localidades urbanas da época, na conflu- 43 Nimuendaju seja um outro nome para alguma das ência do Xingu com o Amazonas: Porto de Moz, rio duas últimas cachoeiras, chamadas agora a Assas- rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ acima, na margem direita do trecho bem largo, a sina e a da Baleia. vila Souzel (hoje seria a cidade de Senador José Porfírio, nome de outro dos coronéis mandantes E ali, após a ultima correnteza mortal, formou-se de tudo no baixo Xingu); o último porto antes do um poção, dizem, descomunal. Lá onde começa a

Cachoeira Jericoá volta grande do Xingu O, Sewá out 2003

esa de eletricidade insiste em bar

os do rio Xingu que a empr

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir “ria” do Xingu: a água já fica abaixo da cota 10 cálculos apontaram uma potência de 8.400 MW metros de altitude, o rio se prepara para escorrer a instalar. Depois, engenheiros e financistas mais lentamente até confluir, mas tem dezenas de dimensionaram a capacidade total em 11.000 MW. metros de profundidade. Esta potência exigiria uma vazão de 14.000 m3/s, que em geral só é atingida durante 3 a 4 meses Foi este desnível de oitenta e cinco a noventa metros entre Altamira e o final da Volta Grande, do ano. abaixo de Belo Monte do Pontal, que despertou o A represa que seria formada com o barramento ímpeto dos engenheiros calculistas, tratava-se, sem Kararaô, (que foi então escolhido bem em cima dúvida, de um belo potencial hidráulico. do trecho encachoeirado abaixo da 1ª grande ca- Todos ali sabem, e os instrumentos também me- choeira, a Jericoá) ocuparia quando cheia até uns 2 dem e acusam, uma respeitável diferença entre seu 1200 km , afetando bastante toda a faixa ribeiri- volume de água em Outubro (bem pequeno para nha no lado de dentro da Volta Grande, a mar- o tamanho do rio, dos arquipélagos e corredeiras, gem esquerda do Xingu, desde os igarapés de que ficam algumas secas) - e em Março, Abril, quan- Maria e Gaioso, abaixo de Altamira - até a aldeia do o nível do Xingu sobe vários metros, a água se Paquiçamba e daí em diante até se completar a esparrama, entra pelos igarapés, o rio fica cauda- volta do rio. loso no canal central e torrencial, violento nos Na margem direita, a represa projetada avançaria boqueirões das lajes e nos estreitos formados por dezenas de km adentro pelos rios afluentes, inclu- morrotes das ilhas e das margens. indo o maior deles, o Bacajá. Pelas duas margens, Imaginando que o Xingu fosse barrado e, de al- a água ficaria represada em toda a calha do Xin- guma forma fosse obtida uma queda com esta al- gu, transbordadas, segurando os igarapés lá em tura, (a represa na cota 97 ou 98 metros, e a saí- cima bem antes de suas barras atuais, inclusive na da da água turbinada, no baixo Xingu, na cota 6 área urbana de Altamira, onde teriam que ser re- a 10 metros), turbinando a vazão portentosa de movidos os pontões, palafitas e passarelas que fi- 44 mais de 10 mil m3/segundo (um pouco acima das cam abaixo ou próximo da cota máxima, anuncia- médias anuais das vazões mensais), os primeiros da como 98 metros, às vezes 97 metros.

rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ

Usina Hidrelétrica de Tucuruí Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

esa de eletricidade insiste em bar

os do rio Xingu que a empr

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir Esta lâmina d’água, que nas beiradas seria bem primeiro projeto de usina, em 1988, estimava a po- rasa, quase um manguezal, um pantanal, se esten- pulação indígena da região da Volta Grande em deria ainda muitos km e muitas ilhas e praias rio 100 pessoas incluindo as que estão dentro da terra acima até bem perto do paredão seguinte, a usina Paquiçamba, e as que vivem ali perto em ilhas e na projetada Babaquara. margem direita do Xingu, e alguns grupos que se urbanizaram, morando na Vila São Sebastião, bair- Após a primeira derrota dos seus projetos, em 1989, ro Recreio, em Altamira, junto com grupos de ín- a Eletronorte continuou trabalhando em cima de dios Xipaia e Curuaia.29 sua “cria” predileta, o mega-projeto Belo Monte. Reapresentou-o em 1997 com uma modificação no O CIMI – Conselho Indigenista Missionário, de arranjo: deslocou o eixo do principal paredão para Altamira registra, em 2003, um total de quase 400 um trecho mais alto, na Ilha do Pimental, e alte- pessoas, agrupadas em dezenas de famílias Xipaia, rou bastante os canais de ligação da represa com a Curuaia, Caiapó, e em um aldeamento de índios Casa de Força que continuaria sendo lá em baixo, Arara do Pará, um povo que se espalha nas duas na margem esquerda, entre as localidades de Belo beiras do Xingu e nas ilhas da Volta Grande, espe- Monte do Pontal e de Vitória do Xingu. cialmente nas localidades Ilha da Fazenda e Maias, - os quais seriam certamente atingidos pela forma- As mudança feitas pelos engenheiros subtraiu de ção daquela represa do primeiro projeto, pois os fato, mais de 700 km2 da área inicial a ser inunda- seus locais atuais seriam alagados mesmo, ou fica- da, e ao invés de quase afogar os Juruna, deixaria riam à beira do futuro “lago”. Ou então, poderi- a aldeia no trecho do rio abaixo do paredão da am ser prejudicados também pela interrupção de barragem Pimental. No trecho fluvial que ficaria acessos e percursos, por causa da proximidade com por muitos meses bastante baixo, por causa da canteiros de obras, vias de acesso e com a monta- retenção da água na represa e do seu desvio pe- gem de torres e linhas de transmissão, e pelo ala- los canais. A mesma mudança “de represa” não gamento de igarapés. altera a potência prevista para instalar na casa de 45 força principal, vai além, e cria uma usina secun- Mesmo mudando o nome da usina para Belo Mon-

dária com mais 181 MW, pela qual seria turbina- te e mudando o eixo do barramento para a Ilha rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ da, mesmo nos meses secos, uma “vazão ecológi- Pimental, muitos ainda seriam atingidos pela mu- ca”, fixada e fiscalizada, naturalmente, pela pró- dança do regime do rio Xingu e dos afluentes que pria Eletronorte. ali desembocam, exatamente no trecho que fica- ria mais tempo mais seco, abaixo do vertedouro Dentre os que mais seriam atingidos pelo projeto principal ali previsto; e isto teria repercussões após Belo Monte, estão os índios Jurunas que, em 1988, a lendária Cachoeira Itamaracá, no final das eram 35 pessoas na aldeia Paquiçamba, na mar- corredeiras, no “poção” defronte à vila de Belo Mon- gem esquerda do Xingu, naquele trecho de arqui- te do Pontal.

pélagos, furos e paranás, corredeiras e pedrais. Na esa de eletricidade insiste em bar versão remodelada, esta T.I. se tornaria uma ilha Uma outra TI importante na região, chamada Trin- original, cercada pela água da represa no lado cheira - Bacajá, onde moravam 382 pessoas dos Norte e, do outro, por um trecho de rio com a grupos Xicrin, Kararaô, Parakanã, Araweté e vazão bastante diminuída em todas as épocas do Asurini do Xingu, estava muito ameaçada pois o ano, quase seco de uma vez no verão amazônico. represamento do rio Bacajá avançaria até uma das aldeias, a da Trincheira.30 Por isto, o engenheiro Esta aldeia Juruna, onde mora o único grupo de Muniz, já como presidente da Eletronorte, podia

os do rio Xingu que a empr índios reconhecido pela Eletronorte, pode vir a declarar no início de 2000: ser transformada em uma “vitrine” para os visitan- tes; bastaria que prevalecesse a mesma orientação “Na primeira versão do projeto, se o lago ficasse com 1,2 que teve a Eletronorte com os Waimiri - Atroari mil km2, isto praticamente significaria a morte do rio desalojados e depois re-assentados na represa de Bacajá, um afluente do Xingu. Com a redefinição do Balbina, rio Uatumã, AM, e com os Parakanã, idem projeto, a Eletronorte garante que o Bacajá, para alívio por causa da represa de Tucuruí. dos ambientalistas, não será comprometido”31 Mas haveria também os demais, que saíram de suas O que também não é a previsão correta: com o aldeias, ou cujos pais o fizeram, e que estão redesenho da represa, o Bacajá passaria a desaguar desaldeiados, e são beiradeiros do Xingu na Volta no trecho em que o Xingu teria de 15% a menos Grande. A antropóloga Lúcia Andrade, da CPI-SP, de 50% de sua vazão natural, e portanto, o seu tre-

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir que os conheceu na época em que se anunciou o cho final poderia sofrer mudanças drásticas na dinâmica fluvial (p.ex. escoando mais rápido, direita (Belo Monte do Pontal) e a margem esquer- erodindo mais as barrancas, não preenchendo la- da (Santo Antonio do Belo Monte).32 goas e várzeas marginais). Não vivíamos mais, formalmente, numa ditadura militar. Já havíamos saído às ruas, numerosos e por O histórico continua: até a segunda derrota da Ele- várias vezes; em 1988, uma nova Constituição ha- tronorte (1989-2002) via sido costurada sob a maestria do deputado Ulysses Guimarães (PMDB), e em Outubro de 1989 Uma das miragens tecnocráticas dos anos 1980: votaríamos, após um jejum de 29 anos, para presi- duas mega-hidrelétricas Kararaô e Babaquara, dente da República! Na Constituição foram ins- previstas para instalar mais de 17 milhões de kW, critos artigos específicos a respeito do meio ambi- duas grandes represas somando mais de sete mil ente (artigo 225) e dos povos indígenas (artigo km quadrados de alagamento, centenas de km 231), comentados em seguida. de barrancas de grandes rios alagados na “forquilha” formada pela confluência do rio Iriri Não fique a impressão de que nada foi feito pela no Xingu, dali até o final da Volta Grande. Após empresa e pelo “lobby” barrageiro desde a pri- iniciado e tornado irreversível o grande e longo meira derrota, até o seu primeiro ressurgimen- canteiro de obras de Tucuruí, esta nova miragem to, em 1998-99, na campanha eleitoral de 1998 tornou-se o carro-chefe da investida dos e nos primeiros meses do segundo mandato Car- barrageiros na Amazônia: barrado o Tocantins, que doso-Maciel. seja agora o Xingu! A empresa gastou muitas homens-Hora de traba- Este “complexo hidrelétrico de Altamira” (o lho técnico, teve despesas de todo tipo, salários, codinome prestigiando a cidade beira –rio que contratos e subcontratos, acampamentos e missões ficaria praticamente espremida entre a represa territoriais variadas, além de certa dose de gastos de Kararaô e o paredão de quase 70 metros de em publicidade, propaganda e relações públicas 46 Babaquara), foi o primeiro “projetão” da empre- na região, em Belém, em SP e outras capitais, e no sa Eletronorte a ser fortemente questionado por exterior. Conforme pudemos deduzir da leitura do rarvários I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ agentes sociais e políticos, dentro e fora da documento técnico relevante mais recente33, a região e do país. A primeira derrota dos projetos empresa veio detalhando bastante o chamado “pro- de usinas hidrelétricas no rio Xingu não foi ex- jeto de engenharia básica”, sempre com base nos plicitamente assumida pela empresa nem pelo go- delineamentos do documento mais antigo de to- verno federal. dos, o Inventário Hidrelétrico do Xingu, uma en- Essa atitude: ser derrotado e nem mesmo comenda da Eletronorte, feita pelo escritório reconhecer...fazia muito sentido no ambiente po- CNEC, da Camargo Correa, SP, em 1980. lítico em que viveu o país na década de 1980. Se Até 1999, a empresa foi, às vezes discretamente, esa de eletricidade insiste em bar antes foram feitos, sem qualquer limitação ou cons- intensificando a implantação do projeto: fez mo- trangimento inicial, projetos igualmente danosos dificações geográficas e técnicas relevantes no pro- e insensatos – Tucuruí, no Pará, Balbina, no Ama- jeto, rebatizou-o pela 2ª vez, agora seria o Com- zonas, Samuel em Rondônia – se foram conduzi- plexo Hidrelétrico de Belo Monte (CHBM), so- dos pela mesma empresa Eletronorte e pelas mes- mente com as obras da 1ª usina na Volta Grande. mas grandes empreiteiras (Camargo Correa, E aumentou um pouco a confusão das denomina- Andrade Gutierrez, CBPO e outras) - em 1988, 89 ções: passou a chamar de Usina ou Aproveitamen- os do rio Xingu que a empr já não seria tão evidente! O primeiro sinal de que to Altamira a anterior usina Babaquara. a Eletronorte recebera um golpe - e não apenas Contudo, não havia elaborado nem contratado um engenheiro havia tido as bochechas apertadas a elaboração de um Estudo prévio de Impacto por um facão - foi a mudança de nome, um tipo Ambiental, portanto, nem tinha como cumprir de manobra que a empresa ainda faria outras ve- o que era exigido desde fins de 1988, pelo artigo zes, confundindo a opinião pública e atrapalhan- 225 da Constituição Federal: atividades potencial- do a formação das bases de informações e de da- mente poluidoras e degradantes do meio ambi- dos técnicos. ente devem obter suas licenças ambientais e para O projeto Kararaô se chamaria agora Belo Monte, tanto devem apresentar aos organismos registrando assim, singelamente o nome de duas licenciadores os respectivos Estudos Prévios de vilas da rodovia Transamazônica, onde se toma o Impacto Ambiental. E, quanto ao artigo 231 da

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir ferry-boat para transpor o rio Xingu, entre a margem C. F., que exigia que as minerações e as obras de hidrelétricas em Terras Indígenas fossem auto- fortes na movimentação em Altamira em 1989 ti- rizadas pelos próprios índios ameaçados pelas nha como lema “Linhão sim, barragem não!” obras e pelo Congresso Nacional - a Eletronorte Como acontece em toda empresa de eletricidade, tentou contorná-lo quando redesenhou o pro- foi a partir da derrota de 1989, que os dirigentes e jeto Belo Monte, colocando o barramento prin- gerentes da Eletronorte passaram a fazer política cipal nas Ilhas Pimental e da Serra, uns 50 km nos municípios, a interferir bastante; mandaram rio acima da posição anterior, abaixo da grande seus assessores e contratados percorrer a área, se cachoeira, Jericoá. hospedar nos hotéis, alugar barcos e aviões. Em Geograficamente, a área da T.I. Paquissamba, dos meados dos anos 1990, decidiram marcar presen- índios Juruna, deixaria de ficar submersa para fi- ça, começaram a promover excursões para os es- car no trecho “seco” da Volta Grande, onde as va- colares, professores, pescadores, índios, em roma- zões seriam sempre bem inferiores às médias his- ria de visitação à usina e ao “lago” de Tucuruí. toricamente observadas. Organizavam reuniões com vereadores e prefei- Assim a empresa pode, até hoje, esgrimir o argu- tos e os estimulavam com promessas de royalties mento de que “não há Terras Indígenas atingidas” que engordariam os orçamentos das prefeituras, pelas obras de Belo Monte.34 Quanto aos indíge- e de oportunidades de negócios e serviços para nas da região que seriam atingidos, muitos mais quando os canteiros de obra se instalassem. Agin- do que os 40 ou 50 Juruna que a Eletronorte reco- do em várias frentes, a empresa e seus contratados nhece como residentes na T.I. Paquissamba e diz intensificam o mapeamento das lideranças locais, não estarem ameaçados pelas obras, a empresa para em seguida passar a assediar algumas delas mesmo sabia, graças aos estudos do CNEC no fi- em prol de um cooptação, de uma mudança de nal dos anos 1970, dessas populações de postura pública, passando das posições divergen- beiradeiros em toda a Volta Grande. Após essa tes ou contrárias à obra para uma posição de ne- manobra de re-localização do eixo do barramento gociação, de apoio, e talvez até de “parceria” com 47 e do “by-pass” geográfico na única T.I. homologa- os empreendedores! Por volta de 1998, 1999, a da daquele trecho de rio, a empresa passou a ten- Eletronorte, derrotada dez anos antes, se recom- rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ tar descaracterizar os demais índios ou seus des- punha, tornava-se um ente político regional em cendentes que por ali estivessem desgarrados de Altamira, nesta região da Transamazônica.37 suas aldeias, inclusive os moradores da área urba- na de Altamira.35 Mas, havia o desgaste provocado pelos sucessivos erros na condução dos problemas e das providên- Fomos informados repetidas vezes a respeito de cias necessárias em Tucuruí, sua obra exemplar e milhares de beiradeiros que mantêm contatos co- anti-exemplar. Pouco podia diante da corrosão da tidianos, de interesse familiar, previdenciário e de sua imagem empresarial, pela disseminação de tan- atendimento de saúde, educacional e comercial tos problemas ambientais e sociais ali provocados,

esa de eletricidade insiste em bar com Altamira, mesmo residindo 50 km ou mais rio e não resolvidos, pendentes, ano após ano, alguns baixo ou rio acima da cidade. Sabemos ainda que, até hoje.38 no trecho que seria afetado pela represa de Belo Monte ou pela parte seca do rio abaixo da Ilha No segundo semestre de 2000 a Eletronorte fir- Pimental, quase 400 moradores indígenas das mou convênio de quase 4 milhões de reais com a etnias Xipaia, Curuaia, Arara, Juruna e Kaiapó fo- Fadesp, fundação ligada à Universidade Federal ram recentemente cadastrados pelos técnicos lo- do Pará, através da qual foram contratados pes- cais do CIMI - Conselho Indigenista Missionário.36 quisadores para elaboração do Estudo de Impac- os do rio Xingu que a empr to Ambiental.39 As condições desse convênio e a O fato é que o lobby barrageiro na Amazônia se tentativa de obter a licença ambiental apenas no manteve numa corda bamba neste longo período: âmbito paraense, da Secretaria estadual de obteve novos trunfos, sim, mas carrega passivos Tecnologia e Meio Ambiente, motivaram a aber- mais pesados do que antes. A Eletronorte esten- tura de uma Ação Civil Pública. A decisão judicial, deu sua linha de 230 mil volts desde Tucuruí até uma liminar embargando o EIA, suspendendo o as cidades de Novo Repartimento, Anapu, Altamira, processo de licenciamento, foi tomada pelo juiz Medicilândia, Uruará e Rurópolis, ao longo de cen- Rubens Rollo de Oliveira, da Justiça Federal em tenas de km da Transamazônica, e dali dois circui- Belém, em maio de 2001. tos de 138 kV para Itaituba e para Santarém, com isto atendendo uma das principais demandas da No mês de agosto, um evento traumático para o região. Vale lembrar que uma das correntes mais movimento popular e para as entidades regionais Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir que reagrupam assentados, pequenos fazendeiros, internet para uso dos “excluídos digitais”; enquan- comunidades rurais: o assassinato de seu líder to no calçadão em frente, erigeu um quiosque, Ademir Federici, o Dema. Mesmo que tenha sido onde instalou uma maquete grande, vários metros por encomenda de madeireiros por ele denuncia- quadrados, do seu projeto alagando boa parte da dos, e não por encomenda do “lobby” barrageiro, Volta Grande...que era, certamente, para o povo o fato conhecido é que Dema criticava os projetos ir se acostumando àquela futura paisagem. de barragens e incluía este ponto na sua luta polí- Noutro prédio em rua mais comercial, próxima tica, em seus discursos. de prédios públicos, instalou a sede de um “Con- Em Novembro, após ser confirmada a decisão ju- sórcio Belo Monte”, formado pelos prefeitos dos dicial pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, municípios de uma região fictícia definida como em Brasília, a mesma liminar foi mantida na ulti- “de influência” da mega-obra, os quais teriam di- ma instância no Supremo Tribunal Federal. reito, no futuro aos “royalties” que a lei obriga as hidrelétricas a pagar às prefeituras que tiveram Era a segunda derrota do projeto Belo Monte, em terras ocupadas pelas obras e pela represa. fins de 2002.40 É toda uma construção ideológica e institucional A finalidade da obra em si continuava obscura, que vai avançando, se enredando nas forças locais fugidia, sobretudo porque eram intensas as críti- e fazendo links com as forças “de fora”; até na pre- cas em cima da usina de Tucuruí, por causa tam- visão meteorológica numa TV aberta estadual apa- bém do prejuízo que o país estava tendo com os rece a temperatura e a chuva na localidade Belo contratos de preços obtidos pelas industrias de alu- Monte, omitidas algumas cidades importantes do mínio que se instalaram em Belém e em São Luís. Pará. Algo que nos faz recordar o percurso feito Ficava sempre mal definida, nos informes oficiais nas ultimas décadas para se tentar criar uma re- e nos discursos de palanque, a destinação da ele- gião “do Carajás”, cujo núcleo seria o império projeto Belo Monte, territorial da CVRD englobando também as áreas 48 tricidade prometida pelo com previsão de instalar 11.182 Megawatts na versão que industriais e portuárias ao Sul de Belém e na Ilha

rarvigorou I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ entre 1998 e outubro de 2003. de São Luís. Conforme o veredicto do antropólo- go Alfredo Wagner B. Almeida em seu mapeamen- Em 2001, a partir de fevereiro e março de um Ve- to dos conflitos em toda a região: rão pouco chuvoso, ficou claro que o sistema Su- deste - Centro Oeste e o sistema Nordeste de ele- “O ‘espaço’ na versão dos planejadores corresponde ao des- tricidade passavam por uma crise de oferta de ele- conhecimento e ao descaso das realidades localizadas. Deste prisma, a região é inteiramente naturalizada pelo pensamento tricidade, em parte relacionada com uma crise de tecnocrático, endossando a arbitrariedade da delimitação. A oferta “de água para turbinar nas usinas existen- única identidade que lhe corresponde é aquela forjada nos tes na bacia do Paraná e do São Francisco” e em suportes técnicos às iniciativas empresariais mencionadas. parte relacionada com insuficiências no sistema de Não há quem se auto-defina como vivendo, morando, traba-

esa de eletricidade insiste em bar transmissão inter-regional. Foi quando os lhando ou de passagem por esta região inventada nos gabi- netes definidores de estratégias empresariais. O sentimento barrageiros reapresentaram Belo Monte como “a de pertencer a ela só surge forte na solicitação de incentivos salvação do país”, e por isto, reivindicavam que os fiscais e creditícios. A denominação ‘Carajás’ por conseguin- “empecilhos” fossem removidos e que as obras te torna-se recorrente na razão social de hotéis, agropecuárias, como estas pudessem iniciar o quanto antes!41 42 madeireiras, estabelecimentos comerciais e projetos incentivados”.(p.28/29) Localmente, a Eletronorte tentava contornar a se-

os do rio Xingu que a empr gunda derrota pondo em campo mais gente. Des- ta vez, contratou um núcleo de pesquisa da Uni- Atualizando: de 2002 a 2004, a terceira tentativa versidade de Brasília, o Centro de Desenvolvimento dos barrageiros e dos “eletrointensivos”, e as ra- Sustentável, para ir a campo com a missão de aper- zões da discordância e do repúdio ao barramento feiçoar os mecanismos de “inserção regional” do do Xingu seu mega-projeto. Na prática porém prosseguiu o Desde as eleições de 1998, a polarização política na cerco, o assédio às lideranças e à opinião pública. região de Altamira, e no Pará colocava os partidári- A empresa adquiriu ou alugou prédios em Altami- os do projeto megalômano da Eletronorte junto ra, em pontos nobres da avenida Beira Rio, lugar com o governo do Pará (na época, Almir Gabriel, mais freqüentado da cidade nas noites e finais de do PSDB) e com o grupo do PFL que tomou conta semana. Num deles construiu um tipo centro cul- do Ministério das Minas e Energia no governo Car-

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir tural, com micro-computadores e ligações de doso-Maciel - e do outro lado, os “contrários ao Belo Monte”: lideranças indígenas, entidades de extrati- fez com o seu Carajás - um Estado dentro do Esta- vistas, de trabalhadores e de moradores de assenta- do do Pará. mentos rurais, algumas delas ligadas à Igreja Cató- A novidade nesta terceira tentativa não é tanto que lica através da CPT e de outras ações pastorais, ou- os políticos do Partido dos Trabalhadores estejam tras com a presença forte ou dominante de militan- se tornando favoráveis aos projetos no rio Xingu e tes dos Partido dos Trabalhadores, outras ligadas também aos anunciados para o rio Madeira, em aos movimentos de atingidos de barragens de ou- Rondônia. A novidade agora é algo bem mais es- tros regiões, à Contag e à CUT. tratégico, pois podemos ter mais certeza de quem Por um momento, durante o ano de 2002, os iria operar a usina – não seria a Eletronorte sozi- paraenses e os que de longe acompanham o caso nha, nem majoritária - e de quem vai usar a eletri- tiveram a sensação de que uma vitória do candida- cidade dessa obra, se acaso um dia ela chegar a ser to Lula em 2002 poderia sepultar o projeto Belo feita – não será o “resto do país”, nem o Nordeste Monte e os demais, de vez. Seria um alívio para à beira da crise, muito menos a malha elétrica tanta gente, que pudessem cuidar dos projetos que Centro Oeste Sudeste. E sim as indústrias eletro- lhes interessam de perto, no dia a dia, viver, pre- intensivas que já comandam esse mesmo espetá- servar, produzir, e não ser infernizado por esse culo pelo mundo afora há um século. 43 meteoro caído sobre suas cabeças. Mas não! As razões da primeira discordância continuam de Uma das razões é que, vinte anos depois, o agora pé, desde 1988, 89, quando o antropólogo Darrell senador Sarney e aliado do governo Lula, parece Posey levou os caciques Kube I e Paiakan a New ter persuadido a cúpula federal da importância e York para audiência junto ao Banco Mundial e às da excelente oportunidade do projeto Belo Mon- ONGs, e desde quando o mundo viu Tu Ira com te. No mínimo, mostrou que ainda comandava o seu terçado nas bochechas do engenheiro Muniz.47 seu feudo, tendo recentemente conduzido a troca Os conflitos provocados pelas empresas de eletri- de presidente da empresa “holding” Eletrobrás, cidade ao anunciar obras que alagam ou afetam que é a acionista principal da Eletronorte.44 diretamente Terras Indígenas vão pipocando, 49 muito além da região amazônica, por exemplo nas Todavia, esses “novos” dirigentes já tiveram que re- bacias dos rios Paraná, Tibagi e Iguaçu e em obras rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ conhecer que o rio não fornecerá a potência ne- na Argentina. cessária para a instalação dos 11.000 MW, e que a Eletronorte não tendrá como bancar sozinha o in- Problemas que foram assim apontados em uma vestimento, que precisam ser atraídos investidores compilação de pesquisas recentes pelos antropó- 48 para se associar, além de uma parte do financia- logos Silvio Coelho dos Santos e Aneliese Nacke : mento ser assegurada pelo banco estatal BNDES.45 “Como visto, o envolvimento tardio de antropólogos e ou- De tal modo que a saída agora apontada como tros especialistas não conduziu às reorientações necessárias natural é a formação de um consórcio de grupos nos procedimentos que as empresas vinham tendo para com poderosos, capazes de alavancar o financiamento: aos indígenas. A atuação do órgão de assistência, a Funai, esa de eletricidade insiste em bar sintonizada com os interesses das empresas do setor elétrico, as empreiteiras Camargo Correa e Andrade Guti- nos casos em questão, dificilmente poderia ter sido pior. Isso errez, as fabricantes de equipamento pesado permitiu a apropriação das terras indígenas; a protelação do Alstom, Asea Brown Boveri, General Eletric e Voith processo de regularização dessas terras; a colaboração, sem Siemens, e grupos capazes de contratar a compra crítica, na transferência compulsória das populações afeta- de alguns pacotes de eletricidade de bom tama- das; a negligência na adequada negociação das compensa- nho, como as empresas mineradoras e ções pelos prejuízos; e, finalmente, a subordinação explícita

do órgão às empresas do setor elétrico. As iniciativas visando os do rio Xingu que a empr metalúrgicas como a Alcoa, a CVRD, a australiana ao reparo destas situações decorreram fundamentalmente de BhpBilliton. pressões internas e externas, sempre tardias, e tendo efeitos limitados.(...)Especificamente para as populações indígenas, O atual governo delineou também a participação todas as experiências vivenciadas em relação à implantação acionária das ainda poderosas estatais Furnas e de projetos hidrelétricos foram desastrosas. As iniciativas de Chesf - a Eletronorte seria uma sócia menor desse mitigação dos prejuízos sempre foram parciais e de feitos Consórcio Brasil 46. Pelo visto, restará a ela continu- limitados, tendo as empresas do setor elétrico dificuldades ar a fazer o serviço político local, de dobrar os re- em realmente compreender as reais dimensões da questão. sistentes, de embolsar os descontentes, e de fomen- Mais recentemente, com o processo de privatização do setor elétrico, novas ameaças emergiram, especialmente devido à tar os apoiadores. Talvez viesse a administrar a sua crônica falta de compromisso das empresas privadas com a “inserção regional”, por meio de uma “special purpose defesa dos interesses das minorias indígenas. Essa é a maior company”, tudo dentro de seu delírio de poder re- razão para que as terras indígenas fiquem efetivamente li-

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir gional, de sua obsessão em se tornar - como a “Vale” vres e fora do alcance dos projetos hidrelétricos.”. O fato de tais projetos no Xingu representarem das queimadas anuais, vinte mil km quadrados, ou mais uma frente de ameaças à Amazônia poderia mais, a cada ano incluindo-se na conta as queima- questionar os seus anunciadores e defensores, mas das nas matas de terra firme e na transição para os não! A Amazônia como reserva de biodiversidade, cerrados do Planalto central. de biomassa e de vida aquática vai cedendo espa- Aumentou também o desmatamento conforme ço e vitalidade para a Amazônia supridora de me- se ampliaram as áreas mineradas e garimpadas, tal e de eletricidade contida em metais e minérios as aberturas das estradas e de uma longa ferrovia para o mundo rico da Europa, EUA, Japão e ago- construída para o escoamento da produção mi- ra, também para a China. neral, a abertura de pistas de pouso e das faixas Não resta mais dúvida também de que o Pará vai para a passagem de Linhas de Transmissão de ele- se transformando num enclave como os que exis- tricidade para essas atividades. E, com a forma- tem na Austrália, no Chile, na África do Sul, gran- ção de mais represas artificiais, vai aumentar bas- des supridores da industria pesada mundial. O tante e durante prazos longos, trinta anos, ou historiador Pere Petit, ao correlacionar as elites mais, a emissão de gases carbônicos e ácidos or- políticas com os novos negócios dos recursos mi- gânicos típicos da putrefação da massa orgânica nerais e hidrelétricos: no fundo das represas50. “Há relações econômicas entre algumas regiões com o merca- A atitude dos barrageiros que escolheram desde do internacional que, num determinado momento histórico 1980 o rio Xingu como seu alvo, vai se tornando um podem ser de maior importância que as estabelecidas com tanto esquizofrênica, cada vez mais dissociada da re- outras regiões ou estados do mesmo país – em decorrência da expansão espacialmente desigual do sistema capitalista; veja- alidade. Só o que lhes interessa no momento é: se por exemplo, a Amazônia brasileira durante o ciclo da bor- “vencer a resistência de organizações ambientais e das co- racha, e o atual `ciclo do minério´ no estado do Pará”.49 munidades locais do Pará, para poder levar adiante a cons- trução da hidrelétrica” 51 A imagem da Amazônia brasileira como “pulmão” 50 do planeta não se justifica tecnicamente, pois a Mas para isto, para levar adiante, eles têm que tor- região já contribui razoavelmente para aumentar nar atrativo e irreversível o seu negócio. Ou então,

raros I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ gases que acentuam o efeito estufa, por causa quem sabe? Estaria agora o governo se adaptando

Pedra gravada com inscrições, Volta Grande do Xingu. Oswaldo Sevá

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Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir às exigências de alguma entidade financeira, a qual empresas muito poderosas. Na essência, uma guer- - já tendo avaliado os dados disponíveis, a maioria ra de desiguais: aventureiros e empresas, livres para deles já vencidos, trazidos de 1980 ou de 1988 para agir, acobertados em seus desmandos, muito bem hoje, - poderia ter concluído que a obra é muito representados na máquina pública em todas esfe- cara e que o retorno é pouco garantido. Por isto, os ras e instâncias de poder...enquanto o povo e os lobbistas insistem em atrair mais parceiros privados, índios só contam praticamente com eles mesmos, por isto avisam que ficará mais barato, pois será fei- uns poucos abnegados que os ajudam, e partes da to apenas um canal de adução, e que serão encomen- máquina pública, raras, que conseguem cumprir dadas “somente” dez das enormes máquinas de 550 sua função. Defendemos e brigamos pela única MW cada, além é claro, de divulgar uma obscura saída honrosa, não criminosa diante da responsa- diminuição do sistema de transmissão. 52 bilidade pela história humana e do planeta, que é O quê de fato temos pela frente, são projetos dis- * interromper a idéia de barrar o Xingu e demais tintos, que competem ou até conflitam entre si. rios na Amazônia. São visões e propostas de distintos grupos de inte- Sob a ditadura e diante do poderio dos cartéis in- resse e de distintas classes sociais para o mesmo ternacionais, não pudemos evitar que na Amazô- espaço territorial, são demandas de utilizações nia paraense fosse instalado um reduto da indús- distintas para os mesmos bens coletivos, e para os tria eletrointensiva mundial. mesmos recursos públicos. No Vale do Xingu as- sim revisto, lá mesmo onde se pretende promo- Que possamos então limitar este avanço, e no fu- ver novas e grandes alterações, vive-se em um tipo turo, revertê-lo! de guerra social, eclodindo em todos os conflitos Que a Eletronorte, destinada a ser uma sócia me- o direito aos recursos naturais, e em vários deles, nor, e o Consórcio Brasil, ainda um fantasma do pro- atuando também causa de fundo étnico, bastan- vável operador da usina, possam desistir. Tenham te acirrado. A Natureza e as pessoas – as que ali que desistir desse projeto Belo Monte. se reproduzem há muito tempo e as recém chega- 51 das - estão à mercê de ações nefastas e de ameaças Os índios é que decidirão! Os beiradeiros e os seguidas, investidas de aventureiros impunes e de moradores de Altamira e São Felix também! rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ

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os do rio Xingu que a empr

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir Notas

1 Sarney era então um político mara- 5 CASTRO, E. V. de “Araweté o povo gem esquerda do Xingu; o perímetro nhense, ex-presidente da ARENA, o do Ipixuna” CEDI-Centro Ecumênico da Flona envolve a TI dos Kararaô que partido oficial da ditadura, governou de Documentação e Informação (ISA), ocupa o bico do triângulo; na margem o país pelo fato de ter sido o vice – pre- S.P.,1992 oposta do rio Iriri, ficam as TIs Arara, e sidente do político mineiro Tancredo a chamada Cachoeira Seca do Iriri, tudo 6 Devido à grande extensão de terras isto rio acima de Altamira. Neves, eleito indiretamente em 1984, e locais aqui descritos e ao grande nú- e falecido antes de sua posse. É bastan- mero de cidades, rios, áreas protegidas, 11 A estrada é uma longa transversal te comentado que o clã político Sarney e estradas federais (as BRs) e estadu- ainda em terra, mas que liga tempora- fez da Eletronorte um dos seus feudos ais (siglas PA e MT) que mencionamos, riamente os dois corredores rodoviári- dentro da máquina federal, e sistema- favor consultar durante a leitura as car- os cada vez mais movimentados, a BR ticamente indica seus diretores; do tografias inseridas no capitulo, elabo- 158, entre o Sudeste do Pará e o Leste mesmo modo teria feito na empresa de radas pelo Laboratório de GeoProces- do MT, e a BR 163, a famosa Cuiabá eletricidade estadual Cemar e na samento do Instituto Sócio Ambiental, Santarém. CVRD, enquanto foram estatais. SP, chefiado por Alicia Rollo. Imagens 12 “Povos Indígenas do Brasil”, ISA, SP, 2 Quando a empresa escolheu os no- similares e cartas temáticas podem ser 2000, página 488-489 mes de seus projetos, Kararaô já era a consultadas no sitio www.sociambiental.org 13 Jarina é a palmeira mais baixa da denominação oficial de uma Terra In- e na página www.fem.unicamp.br/~seva Amazônia, sua folhagem começa se dígena a Sudoeste de Altamira, perten- 7 52 Para destacar as referências mais co- abrir quase ao rés do chão, os caixos cente a um grupo Kaiapó, localizada nhecidas, que são os nomes das cidades, ficam baixos, e os coquinhos têm uma no triângulo formado pela foz do rio rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ foram escritos em italico em todo o texto. semente muito dura, que após o poli- Iriri no rio Xingu... T.I. que não seria Adiante, foram negritados os números mento da casca, fica branca leitosa. Por diretamente atingida pela hipotética de população em algumas Terras Indí- isto, a semente de jarina é conhecida represa que usurpou o seu nome e sim genas, nomes de usinas e projetos hi- como “marfim vegetal”, cada vez mais pela outra represa projetada, denomi- drelétricos e algumas de suas dimensões utilizada no artesanato e adereços in- nada Babaquara. físicas, como as superfícies alagadas e dígenas e não – indígenas em vários as cotas de alagamento das represas. 3 SANTOS e ANDRADE, orgs: “As hi- locais da Amazônia. 8 drelétricas do Xingu e os povos indí- Carlos Tautz, artigo publicado no 14 cf entrevista do presidente da Ele- genas”, Comissão Pro Índio de S.P. número 99 de “O Pasquim21”, de tronorte, à Gazeta Mercantil de 15 de 1988. Posteriormente foi publicada 14.02.2004. Informa que no mesmo fevereiro de 2000, citada em Povos In- uma versão desse livro em língua in- consórcio do asfaltamento, estão tam- dígenas do Brasil, ISA, SP, 2000, Box

esa de eletricidade insiste em bar glesa, pela Cultural Survival, Boston, bém os agenciadores de soja, que utili- página 236 zariam a rodovia asfaltada no sentido MA. Dentre os estudiosos que colabo- 15 raram com capítulos naquele livro, três inverso, para exportar via Santarém, SANTOS e ANDRADE, orgs: “As hi- deles colaboram, dezesseis anos depois, mais as empresas rodo-fluviais (de drelétricas do Xingu e os povos indíge- nesse livro: os antropólogos Sônia Ma- logística industrial e comercial) e as nas”, Comissão Pro Índio de S.P. 1988 galhães, Antonio Carlos Magalhães e empreiteiras de construção. Além de p.191 conforme dados do Inventário hi- o engenheiro Oswaldo Sevá. um “brinde” extra que foi anunciado, drelétrico do Xingu, CNEC, 1980 a associação de capitais com a estatal 16 cf Tanaka, 1994, in “Povos Indígenas 4 O que se passou desde então, é o Petrobrás, não se sabe bem ao certo do Brasil”, ISA, SP, 2000, página 488 assunto desse capítulo: o vale do Xin- com qual função. os do rio Xingu que a empr gu e muitas terras de sua bacia fluvial, 17 cf entrevista do presidente da Ele- 9 vão sendo ocupados de modo confli- “Povos Indígenas do Brasil”, ISA, SP, tronorte, à Gazeta Mercantil de 15 de fe- tivo. Todas as seis obras projetadas 2000, página 635. vereiro de 2000, citada em “Povos In- pela Eletronorte atingiriam Terras In- 10 Outros perímetros institucionais dígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000, Box dígenas desde o norte de MT até na além das TIs parecem estar ajudando a página 236 Volta Grande do Xingu, por causa do conter o alastramento da devastação, as 18 cf pgs 191-2 e mapa temático da pg alagamento, e da proximidade ou do Florestas Nacionais, duas em todo o vale 193, SANTOS e ANDRADE, orgs: “As cruzamento com a abertura de estra- do Xingu: uma chamada Flona de Alta- hidrelétricas do Xingu e os povos indí- das de serviço e com a passagem das mira, mas que fica a centenas de km de genas”, Comissão Pro Índio de S.P. 1988 faixas de linhas de transmissão previs- distância desta cidade, lá na banda es- 19 cf dados da Fundação Nacional de Saú- tas. Visto esse panorama, ao final do querda do rio Curuá, e à direita de de, Funasa, 1998, citados em “Povos In- capitulo faremos o segundo resumo quem vai pela BR 163, no trecho de dígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000, pg 488 histórico, até a segunda derrota dos Novo Progresso a Itaituba; outra é a projetos de barramento, e atualizare- Flona do Xingu, que acompanha a mar- 20 cf entrevista do presidente da Ele- mos esta batalha até o segundo semes- gem direita do baixo rio Iriri, e atraves- tronorte, à Gazeta Mercantil de 15 de

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir tre de 2004. sa o triângulo da foz do Iriri até a mar- fevereiro de 2000, citada em “Povos Indígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000, SEVA em 2003 e MAGALHÃES em 2004, Belo Monte não alagará áreas indíge- Box página 236 autores desse livro; o resumo do levanta- nas. Antônio Coimbra, funcionário da 21 SANTOS e ANDRADE, orgs: “As hi- mento cadastral das famílias feitas pelo Eletronorte e professor do Departa- drelétricas do Xingu e os povos indí- CIMI é apresentado mais na frente mento de Engenharia da UnB, decla- genas”, Comissão Pro Índio de S.P. 30 De toda forma, a TI Trincheira – rou que os grupos indígenas da região 1988, p.191 Bacajá seria indiretamente atingida não serão afetados, tendo em vista que “nem índios mais são”. Ele mostrou 22 Esta represa seria, quando cheia, um por outras obras do mesmo elenco con- cebido pelo CNEC e pela Eletronorte: fotos de indígenas desaldeados – que pouco menor que a represa brasileira em sua opinião não são índios – mo- mais extensa, a de Sobradinho, no tre- 1) aí passariam as estradas de acesso ao canteiro da usina Ipixuna, agravan- rando em casas sobre palafitas - apa- cho médio do rio São Francisco, com rentemente indesejáveis como mode- 2 do-se os problemas já havidos quanto 4.200 km . (Apenas quando fica cheia, lo de moradia por não terem “sequer o quê é cada vez mais raro atualmen- ao controle do acesso dos garimpeiros e das prospecções de interesse da um vaso sanitário” – e revelou sua in- te). Na época de formação deste “lago”, dignação com as condições de vida da em meados dos anos 1970, foram de- CVRD, já que a TI fica bem próxima das reservas minerais da Serra Norte; população local. Partidário da menta- salojados quase 100 mil moradores, in- lidade “eletronórtica”, Coimbra acre- cluindo quatro cidades baianas antigas! 2) o setor Noroeste da TI Trincheira na divisa com a TI Koatinemo, ficaria dita que as compensações previstas 23 Fatos inusitados e ricas versões so- quase encostado no braço do igarapé para os atingidos serão muitíssimo mais bre as várias guerras movidas pelos ín- Ipiaçava, que seria represado pela re- benéficas do que a situação atual em dios contra os seringueiros e seringa- presa de Babaquara. que se encontram. listas, e sobre algumas chacinas de ín- 31 36 Tais fatos e os desencontros das vá- dios promovidas pelos brancos, na épo- entrevista do presidente da Eletro- norte, à Gazeta Mercantil de 15 de fe- rias versões - sobre quem, quantos e ca do famoso sertanista Chico como seriam atingidos - foram pesqui- Meirelles, são recompilados por um vereiro de 2000, citada em “Povos In- dígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000, Box sados e relatados pelo antropólogo dos filhos do “coronel” Anfrisio Nunes Antonio Carlos Magalhães, e pelo em obra recentemente publicada em página 236 32 geógrafo Reinaldo Costa, em outros Belém: NUNES, André Costa. “A Bata- Sem o saber, a empresa está reavi- dois capítulos do nosso livro. lha do riozinho do Anfrisio. Uma his- vando uma memória não tão longín- 37 tória de índios, seringueiros, e outros qua do povo nordestino: Belo Monte Em nossa pesquisa de campo em brasileiros”. Halley Gráfica e Editora, foi também o nome anterior do vilarejo Altamira, ouvimos depoimentos de vá- Belém, 2003. no sertão baiano, onde o líder popu- rias pessoas confirmando este tipo de ação política por parte da empresa es- 24 Conforme dados da Funai, Gerencia lar Antonio Conselheiro construiu a tatal. Nesse livro, tais fatos são retoma- de Altamira, em “Povos Indígenas do sua próspera cidade de excluídos e re- 53 dos nos informes elaborados pelas li- Brasil”, ISA, SP, 2000, página 489 sistentes da sociedade latifundiária de então, a famosa Canudos, arrasada no deranças da região Antonia Melo e 25 rar I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ O conflito de tornou assunto da começo do século XX pelo exército Tarcísio Feitosa da Silva e nas declara- mídia nacional em 2003; por exemplo, republicano. ções públicas e cartas de princípios uma reportagem de capa na edição de 33 anexadas ao final. domingo do Estado de São Paulo, 14 O Estudo de Viabilidade do projeto 38 Analisado pela antropóloga Sonia de setembro de 2003 Belo Monte (apresentado pela Eletro- Magalhães em nosso livro, com rique- 26 norte à agencia reguladora ANEEL em Não utilizaremos a nomenclatura fevereiro de 2002, num pacote de oito za de detalhes e recapitulando desde a Altamira para esta usina, pois foi uma CDs), demonstra que a empresa aper- década de 1970. alteração praticamente de imagem fei- feiçoou os métodos de captura e análi- 39 Um relato interessante, surpreenden- ta pela Eletronorte e querendo home- se cartográfica, altimétrica e hidroló- nagear a parte da cidade de Altamira te até, das condições em que trabalha- gica, os parâmetros técnicos, desenhos ram os pesquisadores contratados foi que apóia o projeto. A meu ver, dar ao e plantas, ampliou o preenchimento projeto o nome da cidade mais impor- publicado no exterior, em um periódi- esa de eletricidade insiste em bar das planilhas de cálculos de estruturas, co especializado, do qual há um excerto tante próxima ao projeto é aumentar de materiais, e o planejamento da a confusão, principalmente depois de na íntegra nesse livro: FORLINE, Louis logística da hipotética obra, e os res- e ASSIS, Eneida “Dams and social tantas mudanças de nomes e de “com- pectivos orçamentos. plexos”, desde 1988. movements in Brazil: quiet victories on 34 the Xingu” Practicing Anthropology, vol. 27 Tais tópicos foram devidamente de- A primeira represa em termos de talhados e ponderados ao longo desse 26 no. 3 Summer 2004 pp 21-25 área alagada é a represa da usina livro, no capítulo assinado pelo advo- 2 40 Assim foi noticiado em Belém: O Akosombo, no Ghana, com 8 mil km , gado Raul Silva Telles do Valle, do se- e que deslocou mais de 100 mil pesso- presidente do Supremo Tribunal Fede- tor jurídico do ISA – Instituto Socio- os do rio Xingu que a empr as, com potencia de 700 Megawatts, ral (STF), Marco Aurélio Mello, man- Ambiental, SP, e no capítulo assinado teve ontem a liminar que paralisou os cuja eletricidade supre uma fundição pelo Procurador Federal Felício Pon- de alumínio, de capital europeu e ame- estudos de impacto ambiental da usi- tes Jr e a antropóloga Jane Beltrão, de na hidrelétrica de Belo Monte, no rio ricano, localizada no litoral Atlântico Belém, Pará. da África Ocidental. Xingu.(...) Marco Aurélio manteve a 35 28 No site do ISA –Instituto Socio Am- decisão mesmo tendo o procurador- conforme desenho cartográfico da biental, matéria assinada por Ticiana geral da República, Geraldo Brindeiro, época, reproduzido em SANTOS, AN- Imbroisi, comentava em 03 de setem- dado dois pareceres a favor da suspen- DRADE, 1988, p.138 bro de 2001 uma intervenção pública são da liminar. Também de nada adi- 29 SANTOS, ANDRADE, 1988, pg 147. desse tipo militante do “lobby” barra- antou a deliberação da Comissão de Esta população de índios e descenden- geiro, feita na capital federal: Durante Constituição e Justiça da Câmara dos tes de índios desaldeiados constava já palestra comemorativa da Semana da Deputados, que, em resposta à consul- no estudo de Kararaô, feito para a Ele- Engenharia Civil, realizada em 28/08, ta feita pelo deputado federal Anivaldo tronorte em 1978; foi verificada quase no auditório da Faculdade de Vale (PSDB-PA), registrou que não ha- trinta anos depois nas duas observações Tecnologia da Universidade de Brasília via necessidade de autorização do Con-

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir de campo feitas por COISTA, em 2002, (UnB), foi explicado porque a UHE de gresso Nacional para a realização de estudos de impacto ambiental visando Salmeron. (...) A ministra não quis co- do total original, com o objetivo de à futura construção do Complexo Hi- mentar eventuais efeitos negativos de reduzir o impacto ambiental da obra. drelétrico Belo Monte. Matéria: ingerência política na substituição de Mas as fabricantes de equipamentos Mantida liminar que suspende Belo Pinguelli. “Nosso governo não é lutam para que ela venha a ser cons- Monte - O Liberal-Belém, 06/11/2002 ‘unipartidário’ e, por isso, a composi- truída com os 11 mil MW originais... ção da base do sistema político é crucial Para garantir a viabilidade das obras, 41 Aliás, o mesmo tipo de pressão foi para as relações do Executivo e do o ministro do Planejamento, Guido feito, na mesma ocasião, pelo “lobby” Legislativo. Então, é absolutamente Mantega, tem mantido uma agenda das termelétricas (movidas pela quei- fundamental considerar critérios de de reuniões com representantes da ma de gás natural, de resíduos de pe- governabilidade, que se compõem com Associação Brasileira da Infra-estrutu- tróleo e de carvão mineral). As empre- sustentação política e capacitação ra e indúsria de Base (Abdib) entida- sas e suas engrenagens pela mídia vêm gerencial e técnica”, declarou a minis- de que engloba praticamente todas as insistindo em apressar a emissão das tra. Rondeau foi indicado pelo presi- empresas ligadas à cadeia elétrica no autorizações da ANEEL, as licenças dente do Senado, José Sarney (PMDB), país, lideradas pelas fabricantes de ambientais, e em antecipar os resulta- aliado de primeira hora do governo equipamentos. No setor elétrico, o dos ( sempre favoráveis...) dos pedidos Lula, e que teve participação importan- ‘Consórcio Brasil’ já foi apelidado de de financiamento. te na aprovação das reformas previden- ‘Consórcio Abdib’.” 42 Tais jogos de esconder a finalidade, ciária e tributária. 47 Ver a respeito o ensaio por nós ela- de criar racionalidades após os fatos 45 Conforme matéria assinada por borado e publicado no ano seguinte a consumados, de embaralhar ou camu- Claudia Costa, revista Brasil Energia, ou- esses eventos: SEVA Fo., A . Oswaldo flar alternativas, foram analisados com tubro de 2004 ... “na lista de vantagens “Ecologia ou Política no Xingu?” vol. detalhe em alguns outros capítulos (dessa nova concepção anunciada) está 4 série Documentos / Instituto de Es- desse livro assinados pelo jornalista a redução do tamanho da obra - o que tudos Avançados/USP, Ciências Ambi- Lúcio Flávio Pinto, pelo engenheiro poderá atrair mais parceiros privados, entais, São Paulo, junho 1990. eletricista André Saraiva de Paula, e pois haverá queda nos custos do em- pela engenheira e antropóloga Diana 48 SANTOS, Silvio Coelho dos e NACKE, preendimento” - Título da matéria: “O Antonaz, que entrevistou figuras proe- Aneliese (orgs) “Hidrelétricas e povos projeto reformulado de Belo Monte. minentes das intelectualidades “elétri- indígenas” Letras Contemporâneas Ofi- A megausina de 11 mil MW terá sua ca” e “petrolífera”, analisando como se cina Editorial, Florianópolis, 2003. Tre- construção em duas etapas, uma delas formou o pensamento dominante atu- chos extraídos das páginas 13 e 17. garantida, com 5,6 mil MW. A potên- al sobre a energia e a sociedade no país, cia complementar virá quando o siste- 49 PETIT, Pere “Chão de promessas: e sobre a função do Estado. ma precisar de energia.” elites políticas e transformações econô- 43 Conforme matéria “Kararaô vem aí: 54 46 Conforme matéria “Governo costu- micas no estado do Pará pós-64”, edi- projeto tem a simpatia dos principais ra associação na hidrelétrica da Belo tora Paka-Tatu, Belém, 2003. pg.34. ver

rarcandidatos I - Capítulo 1 - Parte Tenotã-Mõ às eleições presidenciais” as- Monte” assinada por Leila Coimbra e também a crítica feita sobre esse “des- sinada por Carlos Tautz, revista Ecolo- Christiane Martinez, revista Valor Eco- tino” do Pará, pelo jornalista Lúcio Flá- gia e Desenvolvimento, 10 de junho de nômico, 01 setembro de 2003, “Via Ele- vio Pinto em nosso livro. 2002, “A construção da megahidrelé- trobrás e suas subsidiárias Furnas, Ele- 50 é o que está discutido e quantificado trica no rio Xingu, no Pará, consegue tronorte e Chesf, o governo negocia no capítulo do cientista Phillip Fearn- a simpatia dos adversários Fernando sociedade com um consórcio privado, side em nosso livro. Henrique Cardoso, Lula e Garotinho. que ainda está sendo formatado mas Deve começar a sair do papel antes do 51 Extraído de artigo da revista Brasil que já reúne as fabricantes de equi- final do mandato do próximo presiden- Energia, outubro 2004; este periódico pamentos Alstom, ABB, General te da República.” empresarial usualmente repercute os Electric e Voith Siemens e as constru- “lobbies” em favor dos negócios e pro- 44 Conf. Agência Estado, despacho de toras Camargo Corrêa e Andrade Gu- jetos do setor elétrico e do setor petró- esa de eletricidade insiste em bar Kelly Lima, de 27 de abril de 2004: A tierrez... No caso de Belo Monte - leo e gás. ministra de Minas e Energia, Dilma cujos estudos ambientais e de viabili- Rousseff, confirmou ontem a indicação dade econômica estão em fase mais 52 O quê talvez possa significar o lan- do atual presidente da Eletronorte, adiantada - costura-se uma fatia de çamento de uma ou duas LTs por ali Silas Rondeau, para substituir Luiz 49% para as estatais Furnas, Chesf e mesmo, por exemplo, para abastecer Pinguelli Rosa na presidência da Ele- Eletronorte, enquanto o consórcio alguma nova mineração ou indústria trobrás. (...) Na semana passada, privado ficaria com 51%. Segundo um no Baixo Amazonas, entre Santarém e Pinguelli convocou entrevista coletiva especialista do setor... as duas obras Macapá, ou então - para reforçar os cir- para anunciar que estava deixando o serão suficientes para ocupar todo o cuitos de Tucuruí, abastecendo novos

os do rio Xingu que a empr cargo para que o governo acomode os parque industrial nacional de fabrica- empreendimentos na Serra dos Carajás partidos aliados. Dilma informou que, ção de equipamentos para geração e também na região de Paragominas, para o lugar de Rondeau na Eletronor- por quase dez anos...Há um estudo na onde já funciona um novo corredor de te, será nomeado o atual diretor de Eletronorte que prevê a redução da exportação de bauxita pela margem Planejamento da Eletrobrás, Roberto capacidade de Belo Monte para 60% direita do rio Tocantins.

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeir Informes das Lideranças em Altamira, Pará 1.1. O assédio da Eletronorte sobre o povo e as entidades na região de Altamira

Antônia Melo Em nome do MDTX- Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (conjunto de 113 entidades).

Em fevereiro de 1989 as nações indígenas lidera- chamada Belo Monte. No final do ano 2000 e no das pelos Kaiapó mobilizaram–se contra o nefasto decorrer dos anos 2001 e 2002 a Eletronorte, com empreendimento de construção de seis usinas hi- escritório já instalado em Altamira e conhecedora 55 drelétricas no rio Xingu. Realizaram em Altamira do potencial da organização que tem o povo da re- o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu com gião, intensificou os seus métodos de aliciamento apoio de organizações ambientalistas do Brasil e da população local e das instituições. Foram assedi- do mundo, e de organizações populares locais e ados os prefeitos e os vereadores dos municípios regionais, da Prelazia do Xingu, do CIMI - Conse- onde seriam localizadas as obras (Altamira e Vitó- lho Indigenista Missionário, dos Sindicatos de Tra- ria do Xingu, e os municípios vizinhos, Anapú, Bra- balhadores Rurais, de movimentos sociais como sil Novo, Senador José Porfírio e Uruará) criaram Movimento Pela Sobrevivência da Transamazôni- o Consórcio intermunicipal Belo Monte junto com ca e Xingu (que hoje se chama MDTX - Movimen- os prefeitos da região, com sede em Altamira, e ins- to Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e talaram um espaço Cultural na orla do cais. Xingu),– a CRACOHX -Comissão Regional dos Atingidos pelo Complexo Hidrelétrico do Xingu, Fizeram contato, propondo barganhas e compen- e mais a Fundação Chico Mendes. Participaram sações para as entidades de classe, as organizações do evento pesquisadores do museu Emilio Goeldi, populares, as comunidades indígenas, e os dirigen- ambientalistas como Camilo Viana, o deputado tes de órgãos públicos, com o claro objetivo de Fernando Gabeira, a atriz Lucélia Santos, e notá- romper com qualquer ação de resistência ao pro- veis internacionais como Sting e Anita Roddick, jeto de barragens no rio Xingu. entre outros. A Eletronorte articulou o apoio do comércio lo- Os povos indígenas deram o grito de guerra. A cal, através da ACIAPA - Associação Comercial índia Kaiapó Tuíra, num gesto de indignação pôs Agropastoril de Altamira, da AMEALT - Associa- o seu facão afiado no rosto do então diretor de ção dos Micro-empresários de Altamira, e do CDL- Engenharia e Obras da Eletronorte, José Antonio Clube de Dirigentes Lojistas, do Sindicato Patro- Muniz Lopes, desafiando a mentira e prepotência nal dos Produtores Rurais, e da AMUT - Associa- do poderio econômico. Foi então dado um basta ção dos Municípios da Transamazônica, e também no tal projeto faraônico. o apoio dos Vereadores da Região, principalmen- te os ligados ao PSDB e PMDB. Os então prefeitos Após dez anos da primeira grande investida, a esta- Domingos Juvenil - Altamira (PMDB), Anselmo tal Eletronorte e seus apoiadores voltaram à cena Hoffman - Vitória do Xingu (PT), Gerson Cam- para tentar construir a mesma usina Kararaô, agora pos - Porto de Moz, (PSDB), Mário Lobo - Uruará (PSDB), João Escarpario - Placas (PSDB), e Anto- Desde aquela época, para desenvolver suas ações nio Lorezoni - Brasil Novo congregaram-se no cha- autoritárias a direção da Eletronorte fazia propa- mado Consórcio intermunicipal Belo Monte, que ganda enganosa na grande mídia e nos meios de foi articulado pelo ex-presidente da Eletronorte comunicação local, com promessas de muitos José Antonio Muniz Lopes e outros políticos do empregos; abusando do poder, entrando sem au- grupo Sarney. torização dos proprietários nas suas terras demar- cando os piques da obra, e cortando plantações O MDTX - Movimento pelo Desenvolvimento da de vários agricultores da Volta Grande como ocor- Transamazônica e Xingu, articulador e mobiliza- reu no travessão do km 27. dor do movimento social da região, tinha como principal líder naquela época o Ademir Alfeu A Eletronorte patrocinou desde festas escolares, Federicci , conhecido como Dema. Morador da material e jogos de futebol, camisetas, até o trans- cidade de Medicilândia, o sindicalista e ex-verea- porte para levar e trazer estudantes para visitar a dor do Partido dos Trabalhadores era uma lide- maquete da hidrelétrica, miniatura de uma obra rança regional considerada insubstituível, e que que se apresentava como uma obra perfeita, po- representava a esperança de vitória de um novo rém enfeitada de inverdades. Os visitantes tinham modelo de desenvolvimento, mais humano e em que escutar funcionários treinados para repetir harmonia com a natureza. Seu papel era o de fo- explicações ensaiadas sobre as belezas do projeto, mentar as discussões sobre os principais proble- e assinar um livro especialmente aberto para co- mas regionais e o de defender a proposta popular lher assinaturas dos visitantes. de um novo modelo de desenvolvimento para a A reação dos que freqüentavam era diversificada: região com a consolidação da agricultura familiar uns achavam maravilhas, outros ficavam calados e questionando os investimentos feitos com apoio com dúvidas, outros questionavam e não tinham da Sudam na região. Dema também fez denuncias enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 1.1. enotã-Mõ - Parte respostas. Os da Eletronorte estavam sempre pre- às autoridades competentes sobre a invasão de sentes nas manifestações das pessoas contrárias à 56 madeireiros e do roubo de mogno em terras indí- obra, filmando tudo nos encontros, nos seminári- genas, e participava com outras lideranças regio- os, palestras promovidas por nossas entidades. nais num vigoroso movimento social contra as bar-

egião ...ragens T no Xingu, contrapondo-se ao atropelo e ao Por exemplo, no primeiro Encontro dos agriculto- autoritarismo da Eletronorte, que tentava empur- res do Km 27 em 2002, com a presença de visitantes rar goela abaixo tal projeto. Foi Coordenador Ge- aliados das entidades e de representante do Minis- ral do MDTX e vinha desempenhando com deter- tério Público Federal, - a direção da Eletronorte minação as ações de resistência e mobilização so- pagou pessoas e moto-táxis para ir até lá vestindo a cial contra o projeto Belo Monte. Em 2001, junta- camiseta da empresa com a frase “Queremos Belo mente com outras lideranças, assinou um docu- Monte”, e mandou distribuir bebida alcoólica. mento de apoio à ação da Polícia Federal na inves- Tais pessoas foram usadas, induzidas para tumultu- tigação dos envolvidos no caso Sudam. ar o evento, mas não conseguiram pois a posição e organização dos agricultores era firme. A tentativa

onorte sobre o povo e as entidades na r onorte sobre Dema foi assassinado em sua casa, na noite de 25 de agosto de 2001, quando se aproximava de seus ide- da Eletronorte de tumultuar o evento deixou mais ais. Hoje duas pessoas estão presas, acusadas do cri- claro ainda, claro para os agricultores, essa prática me, mas ainda falta chegar aos possíveis mandantes. autoritária e truculenta que a empresa usa para con- seguir implantar seus projetos.

O assédio da Eletr Entre todas as honrarias póstumas que se possa dedicar ao companheiro Dema - ainda é muito Além das ações locais de cunho assistencialista, a pouco pela bravura destemivel da doação da sua empresa usou outras estratégias, como a de levar vida, pela justiça social, pelo povo da Transamazô- grupos de lideranças à Tucuruí bancando todas as nica e do Xingu, - uma das homenagens foi a cria- despesas, com o melhor conforto possível para vi- ção do FUNDO DEMA constituído com os recur- sitar as obras da barragem. No caso da comitiva sos da venda de um grande lote de Mogno apre- dos presidentes de Associações de Bairro, a em- endido pelo governo federal, e que foi doado pelo presa gravou uma fita de vídeo de modo tendenci- IBAMA, órgão do Ministério do Meio Ambiente, e oso, direcionado, com entrevistas de varias pesso- pelo Ministério Público Federal, às entidades FVPP as de Tucuruí falando maravilhas da Eletronorte e - Fundação Viver Produzir e Preservar, de Altamira dos benefícios que receberam com a barragem. e FASE (Federação dos Órgãos Assistenciais e Edu- Em Altamira esta fita, dentre outras era usada para Informes das Lideranças em Altamira, Pará - cacionais, escritório de Belém, PA). as reuniões que a Direção da Eletronorte fazia com as pessoas dos bairros no seu auditório, sempre colocando previsão de gastos com Belo Monte no com transporte à disposição para ir buscar os cida- Plano Pluri-anual de investimentos. Aí o governo dãos e levar de volta aos bairros. Por várias vezes, foi contra a decisão da sociedade expressa nos estudantes e professores das escolas de ensino fóruns do PPA realizados em 2003. médio e dos campus universitários de Altamira O governo atual fortaleceu os grandes projetos de (UFPA e UEPA) foram levados a Tucuruí, haven- barragens nos rios da Amazônia Brasileira, refor- do pessoas que participaram das caravanas que fi- çando a velha degradante política energética pen- caram indignadas com a conduta dos representan- sada pelo capital internacional, favorecendo o tes da Eletronorte, pois a visita era esquematizada lobby de empresas como Albrás/Alunorte, a Vale somente nos lugares e com as pessoas determina- do Rio Doce, e a Alcoa, que se beneficiaram de das pela empresa, sendo interditado entrevistar energia subsidiada pelo governo durante mais de outras pessoas para ouvir outras versões. 20 anos. A Eletronorte distribuía também informativos ofi- Estas empresas há décadas se apossam de nossas ciais usando as entrevistas de lideranças, muitas riquezas contribuindo isto sim, para o aumento da vezes de forma distorcida, a exemplo da entrevista degradação ambiental, da pobreza e da miséria da dada pelo Prof. Domingos à assessoria de impren- maioria da população do Pará, que ainda tem que sa da Eletronorte por ocasião de sua visita em pagar a energia mais cara do País. Tucurui. Quando perguntado o que representava Tucuruí para Altamira, êle respondeu que os er- E o que é pior - tudo em nome do desenvolvimen- ros de Tucurui eram um espelho para Altamira. to e crescimento econômico do País. No jornal da Eletronorte o Professor teria falado No decorrer dos anos 2003 e 2004 persiste a vonta- falou que Tucurui era um espelho para Altamira de do governo em construir Belo Monte, pressio- como se estivesse elogiando o projeto. nado pelas empresas metalúrgicas internacionais, I - Capítulo 1.1. enotã-Mõ - Parte Quem ousasse questionar ou se opor ao proje- enquanto as organizações da sociedade civil, as não to, era tratado como inimigo, pois era “contra o governamentais e outras instituições vêm trabalhan- 57 desenvolvimento”. do e pressionando para que também o governo in- vista em fontes de energia renováveis1, para um novo

Na caminhada das lutas das organizações sociais egião ... T modelo energético do Brasil com justiça social. de oposição frente ao projeto Belo Monte e à polí- tica energética brasileira, as eleições do 2002 for- Para tanto é necessário e urgente que a sociedade taleciam a esperança de mudança com Lula presi- acorde da inércia, que parta para a mobilização, dente do Brasil. Mas foram os arranjos do governo para que sejam ouvidas as vozes nos campos e nas no Ministério de Minas e Energia, por exemplo, ruas das cidades.

1 Nota dos editores: A maioria dos cluem as grandes hidrelétricas dentro para a Conferência de Bonn, Alemanha, movimentos representados no Fórum da categoria energia nacional renovável. sobre energias renováveis, em meados o povo e as entidades na r onorte sobre nacional das entidades ambientais Ao contrário do governo brasileiro que de 2004, com a missão de impor as FBOMS e alguns pesquisadores não in- despachou sua ministra Dilma Roussef mega-usinas como “renováveis”.

O assédio da Eletr

Informes das Lideranças em Altamira, Pará - Informes das Lideranças em Altamira, Pará 1.2. A Terra do Meio e as hidrelétricas do Xingu

Organizado por Tarcísio Feitosa da Silva Secretário Executivo da Comissão Pastoral da Terra – Prelazia do Xingu Texto Coletivo que acumula as discussões do Movimento Social do Xingu e da Transamazônica quanto a possível construção dos primeiros barramentos do rio Xingu — a Uhe Belo Monte (ex. Uhe Kararaô).

O Governo Federal nas duas últimas décadas vem pecuarização e substituição da vegetação nativa por anunciando a possibilidade de barrar os rios Xin- grandes e extensivas plantações de grãos que já 58 gu e Iriri para obter geração de energia elétrica. iniciou em suas cabeceiras, processo relacionado Os empreendimentos anunciados contem barra- intimamente a exploração ilegal de madeira de lei mentos colocados estrategicamente no entorno da (cedro, jatobá, maçaranduba, muiracatiara, ange- última área preservada no oeste do Pará localiza- lim vermelho e pedra entre outras). das entre os Rios Xingu, Iriri e Curuá, (na área A Terra do Meio é hoje a última região intocada no geográfica dos municípios de Altamira e São Felix Estado do Pará, e é circundada por um conjunto do Xingu) conhecida como Terra do Meio. de terras indígenas e florestas nacionais, fator que O que devemos apresentar aqui será um apanha- impediu até agora o processo desenfreado, rápido, do das discussões junto a instituições da socieda- violento e espontâneo de ocupação humana movi- de civil, pastorais da Igreja Católica e Metodista dos pela força econômica do gado verde e dos grãos entre outras, movimentos sociais da região de Al- como motor principal na soja que vem chegando tamira e da Transamazônica que apresentam uma pouco a pouco no interior da Terra do Meio. série de razões para não construção de tais hidro- A Terra do Meio é parte da bacia do Rio Xingu. elétricas, que se construída poderão criar danos Com um total de 511.891 km2 (quinhentos e onze sociais, culturais, ambientais e econômicos mil oitocentos e noventa e um quilômetros qua- irreparáveis na região. drados) a Bacia do Xingu fica localizada no inter- Nestes últimos anos, milhares de famílias vieram à fluvio dos rios Tapajós e Tocantins/Araguaia, pas- procura de emprego e terra motivados pela gran- sando pelos territórios dos estados do Mato Gros- de crise que o Brasil vem passando nas últimas so e Pará. décadas e que atingi o centro - sul, estamos viven- Na bacia do Rio Xingu, temos hoje 40% da área da do na região agora o novo boom que é da ocupa- bacia protegida por terras indígenas chegando ao ção desenfreada de terra/floresta para produção total de 198.887,29 km2 além de duas florestas nacio- de gado e grãos. O Xingu que passou na década nais somando 9.549,56 km2, sendo um dos maiores de 40 e 50 pelo boom Borracha/Seringa, na déca- corredores de florestas conservados na Amazônia. da de 70 pela implantação da Transamazônica, na década de 80 pela mineração/garimpo (de Para contextualizar historicamente a região, lem- cassiterita, estanho e ouro), e entre a década de bremos que em 16 de junho de 1970 o Plano de 80 e 90 à exploração desenfreada do mogno Integração Nacional criado através do Decreto Lei (Swietenia macrophylla - ouro verde da Amazônia), nº 1.106 pelo então Presidente Médici, deu por a Bacia do Xingu agora enfrenta o processo de prioridade a abertura das rodovias Santarém- Cuiabá (BR-163) e a Transamazônica (BR-230) que narcotráfico, como se dá na região conhecida abriu no meio da floresta fulcros para ocupação como sul do Pará, onde volumosas quantias de humana e como decorrência grandes áreas de flo- capital transitam livremente, inclusive entre ban- restas foram substituídas por lavoura de subsistência cos estatais e privados da região, ou do próprio e logo depois por pastos extensivos e agora pela financiamento público quando emprestam dinhei- presença da soja. Com a grande quantidade de ro sem analisar criteriosamente os documentos madeira disponível na floresta e com o aparado de fundiários das propriedades e acabam financian- fiscalização do Estado incapaz ou inexistente as ár- do a destruição de terras/florestas públicas. vores de lei tipo mogno e cedro foram as primeiras Com os espaços ao longo das estradas já ocupados a serem retiradas da floresta. e com um grande bolsão de terras/florestas As estradas abertas na década de 70 com sentido desprotegidas entre os rios Xingu, Iriri e Curuá, leste – oeste e norte - sul foram colocadas exata- foi para lá que seguiram nos últimos anos os gran- mente no meio da floresta para cruzar com os gran- des grileiros que já convertem de forma rápida des rios amazônicos nos locais onde poderiam rea- grande áreas de floresta em pastos. lizar possíveis aproveitamentos hidroelétricos. As A força de trabalho humano usada nessas regiões estradas também servem de suporte para instala- não poderia ser outra, senão, o trabalho semi - es- ção de grandes e extensas redes de distribuição de cravo e mesmo o trabalho escravo. Seres humanos energia direcionadas às grandes consumidoras de escravizados, enganados com promessas de bons energia levada até os complexos das empresas de alu- salários são jogados no interior da floresta, onde mínio: Albrás (CVRD, Nippon Amazon Aluminum são colocados em baixo de lonas plásticas, como Company), Alunorte (CVRD, NAAC, Norsk sua sede de trabalho aonde até a água vem de ca- Hydro) e Alumar (Alcoa, BhpBilliton e Alcan). cimbas abertas ao relento, sem nenhuma condi-

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 1.2. enotã-Mõ - Parte

Os anunciados empreendimentos envolvendo ca- ção de higiene. T pital público e privado destinado as mega-obras Os trabalhadores são obrigados a cumprir contra- de infra-estrutura como o asfaltamento das rodo- 59 tos de derrubada de floresta ou de retirada de vias Transamazônica e Santarém-Cuiaba, constru- madeira por troca de alimentos. E no fim do tra- ção da Hidrelétrica de Belo Monte (ex-Uhe balho não recebem nada. Se reclamarem ou ten- Kararaô, parte do Complexo Hidroelétrico do rio tarem empreender fuga, são acionados no interi- Xingu), e Programa de Eletrificação Rural colo- or da floresta e nas vilas próximas, milícias arma- cou a região no novo alvo do setor especulativo de das e treinadas em perseguição. O clima de terror elétricas do Xingu terras e na implantação de grandes propriedades. e medo encontra-se estabelecido na região conhe- O primeiro setor a se estabelecer na região foi o cida como Terra do Meio. setor madeireiro, agraciado com a energia elétri- ca disponível através da linha de Tucuruí que en- Muitos capangas, bem armados e com um sistema controu aqui o ninho próprio para se reproduzir de comunicação que passa pelo rádio de escuta da

de forma veloz. Entretanto ainda não tevem sua freqüência da polícia indo até telefones celulares erra do Meio e as hidr energia disponibilizada as unidades rurais de pro- via satélite, protegem as imensas áreas griladas. A dução familiar localizadas no interior dos traves- autoridade por parte do crime organizado nessa sões e nos assentamentos ao longo do rio Xingu, região é tamanha, que juizes são expulsos de suas Ituna e Bacajaí. comarcas, promotores não permanecem por mui- to tempo em suas jurisdições e policiais prestam Nas bacias do Tocantins/Araguaia e do Tapajós a serviços às milícias armadas. exploração ilegal/criminosa de madeira, a pecua- rização violenta, e a chegada dos mega-plantadores A União quando anuncia que realizará operações de grãos, especificamente a soja, colocou o Estado no Estado do Pará nessa região é preciso ter a cons- do Pará como refém e em alguns casos subjugou o ciência do atraso de no mínimo 10 anos. Pois já próprio Estado ao poder paralelo. Quando ao Es- atuou a máfia do minério, a máfia do mogno e tado era a força econômica da soja e da pecuária agora atua a máfia da grilagem de terra.

ou quando apresentada sua força armada contra Informes das Lideranças em Altamira, Pará - A T Trecho do Relatório do Grupo de Assessoria In- lideranças comunitárias/sindicais, populações tra- ternacional (IAG) do Programa Piloto para a Pro- dicionais e contra trabalhadores teve ai a perda de teção das Florestas Tropicais do Brasil para da XXI vidas humanas e da floresta. Reunião O Plano BR-163 Sustentável no quadro das Em muitos casos a ação ilegal/criminosa mantém um políticas governamentais para Amazônia, Brasília, 26 íntimo financiamento do braço/banco financeiro do de julho a 6 de agosto de 2004: “As missões de campo apontaram para uma situação grave, Nos estudos preliminares foi a recomendação da com acirramento do conflito social, aumento da grilagem criação de um mosaico de unidades de conserva- de terras e postura agressiva dos atores que promovem a ção dentre elas Reservas Extrativistas, Parque Na- ampliação das fronteiras locais. Há uma defasagem entre o cional, Florestas Nacionais e Áreas de Proteção lento ritmo das ações do Estado e a aceleração das dinâmi- cas de ocupação. A falta de confiança na capacidade de atu- Ambiental. Tais medidas garantiriam antes de tudo ação do Estado gera freqüentemente um clima de desobedi- a proteção da Bacia do Xingu que hoje conta com ência civil aberta e declarada em relação ao Estado de Direi- 40% de sua área geográfica reservada à territórios to. Foi observado um aumento das invasões de unidades de indígenas e a duas florestas nacionais. conservação e das terras indígenas.” O mosaico também servirá para impedir as gran- A ocupação desenfreada de terras/florestas públi- des derrubadas de floresta que vem ocorrendo na cas que ocorreu na região do sul do Pará foi ali- região principalmente na região da Estrada da mentada pelas condições dadas dos grandes proje- Canopus e suas vicinais. Com a criação do mosaico tos ali implementados como aberturas de estradas, a Bacia do Xingu seria integralmente protegida, Ferro Carajás e a Uhe Tucurui. A Uhe Belo Monte com a característica econômica do uso de suas flo- (ex-Uhe Kararaô) se construída, será o grande restas na forma sustentável baseado nas unidades impulsionador da destruição das florestas na Terra de produção familiar ou comunitária que realizam do Meio dando suporte para ocupação de 7.678.048 um impacto mínimo a floresta e ao meio ambiente. hectares (sete milhões, seiscentos e setenta e oito mil e quarenta e oito), sem proteção e tendo ape- Para atingir tais objetivos será necessário desen- nas 1,7% de floresta alterada em 2002 segundo o volver ações de combate ao desmatamento, traba- Laboratório de Geo-processamento do Instituto lho escravo, grilagem de terras públicas e a explo- Socioambiental. Ali estará o novo palco do arco de ração ilegal de madeira. Se faz ainda necessário desmatamento como ocorreu ao sul do Pará. levantamento da população e do seu uso sobre áre-

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 1.2. enotã-Mõ - Parte T as de floresta, e ações organizativas (encontros, reu- A possível construção da Uhe Belo Monte, será não niões e assembléias) para formação política e soci- 60 só um grande lago, mas vai trazer para a região al das famílias e das comunidades buscando os di- milhares de famílias em busca de terra “livres” na reitos básicos e o planejamento coletivo da gestão região e se deslocarão automaticamente para as territorial. regiões ao sul da Transamazônica. Daí encontra- ram as áreas já griladas e com proteção armada Gerar uma aliança entre as famílias de extrativis- através das milícias como ocorre hoje. tas/ribeirinhos, pescadores e comunidades indí- elétricas do Xingu genas hoje ameaçadas será fundamental para ga- O movimento social e pastorais sociais da região rantir a Terra do Meio protegida dos grupos orga- formando um total de 114 entidades que integram nizados de destruidores da floresta que chegam o Movimento Pelo Desenvolvimento da Transama- em busca do lucro baseado na pecuária extensiva zônica e Xingu apresentaram ao Governo Brasilei- e plantação de grão em grandes áreas. ro a proposta de re-ordenamento fundiário para erra do Meio e as hidr impedir o avanço do desmatamento na região. Esta Uma dessas áreas no qual temos a promessa do proposta teve no resultado a “Formulação de uma Governo Federal é a Resex Riozinho do Anfrísio Proposta Técnica para Implantação de um Mosaico de que conta 736.941,41 ha (Setecentos e trinta e seis Unidades de Conservação no Médio Xingu” tal estudo mil e novecentos e quarenta e um hectares e qua- foi conduzido pelo Instituto Sócioambiental e finan- renta e um centiares), condicionará proteção in- ciado pelo Programa de Ações Estratégicas para a tegral de um dos principais e mais conservados Amazônia Brasileira – PRODEAM (OEA/SUDAM). afluentes da Bacia do Rio Xingu — o Riozinho do Anfrísio(nota ed.: no 9 de novembro de 2004, Presidente Os Estudos Preliminares e Formulação de uma Pro- Lula decretou a criação da reservas extrativistas Riozinho posta Técnica para Implantação de um Mosaico do Anfrísio (736.000 hectares) no município de Altami- de Unidades de Conservação no Médio Xingu vem ra e Verde para Sempre (1,28 milhão de hectares) no sendo deixado abandonado nas gavetas dos município Porto de Moz.). gestores ambientais. Tal estudo serviria de base Informes das Lideranças em Altamira, Pará - A T para um novo modelo econômico de desenvolvi- Além disso teremos a formação de corredor de áre- mento regional, que garantiria os serviços ambi- as verdes composto por Unidades de Conservação entais das florestas, o uso racional das comunida- (Floresta Nacional de Altamira e Resex do Riozinho des e famílias de extrativista com manejo florestal do Anfrísio) e Terras Indígenas (Cachoeira Seca/ de produtos madeireiros e não madeireiros. Sen- Iriri, Xipaya, Curuaya e Baú), localizadas entre o do um novo impulsionador econômico na região. Rio Iriri e a BR 163. Tal corredor poderá segurar o avanço do desmatamento sobre este restante de flo- cia do asfaltamento da BR 163 já pressionam as resta e impedir o seu avanço sobre a região conhe- famílias a se retirarem de suas localidades. As ame- cida como Terra do Meio. aças não cessam ou de forma velada ou mesmo direta colocando placas dentro dos castanhais Se criada a Resex Riozinho do Anfrísio o Estado proibindo a entrada das famílias, queimando ca- Brasileiro estará a garantir aos homens, mulheres, sas como aconteceu agora dia 29 de junho na lo- jovens e crianças (ribeirinhos, extrativistas e pes- calidade Praia Grande. São inúmeras as intimida- cadores) daquela localidade a continuidade de ções e ameaças contra as famílias que lá moram. uma vida harmônica na convivência com a flores- ta. Além de proporcionar a essas famílias que lá Dessa região do Riozinho pelo menos temos notí- habitam desde da época áurea da borracha a so- cias que chegam; agora imaginem as áreas mais brevivência em suas áreas de uso - coletivo. Ainda distantes no Iriri e no Curuá onde nem notícias estaremos também perpetuando condições de dias chegam por causa da distancia. Sabemos sim das melhores às gerações futuras. ameaças e do trabalho escravo. Não houve uma só derrubada naquela região em que não se usou tra- Com apenas o anuncio da abertura dos estudos balho escravo ou forçado. Algo habitual já que não para criação da Resex as famílias que de lá saíram há punição exemplar para tal crime. nas décadas de 80 e 90 por falta de escola, posto de saúde, também pela insegurança fundiária e vi- Tais situações só tendem ao agravamento, se não eram morar na periferia da cidade de Altamira já houver um ordenamento territorial, baseado na demonstram o desejo retornar à região trazendo utilização sustentável dos recursos naturais no coração esperança de dias melhores. Há espe- renováveis e na gestão dos não renováveis (ex. dos rança nas famílias de tempos melhores onde po- recursos hídricos). derão finalmente processar e comercializar os re- É necessário levar em consideração a existência de

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 1.2. enotã-Mõ - Parte

cursos florestais (andiroba, copaíba, castanha, T comunidades, famílias de pescadores, ribeirinhos madeira, peixe e etc) existentes em grande quan- e extrativistas e povos indígenas que necessitam tidade naquela região. 61 de uma proteção especial por parte do Governo Hoje tal região é palco da presença de pistoleiros, Federal, assim como também a imediata proteção grileiros e compradores de terra que por influên- de seus territórios que inclui hoje a demarcação e

Extração ilegal de madeira, Terra do Meio,

elétricas do Xingu Greenpeace/Beltra

erra do Meio e as hidr

Informes das Lideranças em Altamira, Pará - A T homologação da Terra Indígena Xipaya e da Ter- recursos florestais, sendo levados em consideração ra Indígena Curuaya, e da des-intrusão da Terra pelo mercado local, regional, nacional e interna- Indígena Cachoeira Seca/Iriri. A TI Cachoeira cional pode ser a saída da sobrevivência responsá- Seca/Iriri, por omissão do Governo Brasileiro e vel e sustentável da floresta. seu órgão indigenista, durante os últimos 12 anos Não é necessário dizer a catástrofe que seria a cons- foi ocupada por famílias de pequenos agricultores trução da Uhe Belo Monte (ex-Uhe Kararaô) para desavisados que ali era terra indígena. Em 1996 a região da Bacia do Xingu — só aumentará o qua- era uma média de 400 famílias; hoje estamos com dro de destruição que cerca ou que se encontra aproximadamente 1.500 gerando um conflito so- dentro da Terra do Meio. Infelizmente hoje parte cial que só favorece a exploração ilegal de madei- do Movimento Social e grupos de empresários vem ra e grilagem do território indígena. Este povo in- comungando na região com um processo arrisca- dígena (os Araras do Pará – autodenominados do de barganha “toma lá, dá cá” junto ao Governo Wogorogma) é um dos mais frágeis povos do Bra- Federal, entendo de será possível a convivência de sil por causa do seu pouco tempo de contato com dois modelos de desenvolvimento na Amazônia — a sociedade nacional. um que mantém a floresta e usa seus recursos em Garantir a integridade física, social, cultural e eco- forma racional e sustentável e outro que substitui nômica das comunidades indígenas, ribeirinhas, a floresta por extensas áreas de capim e soja, e ex- dos pescadores, de pequenos extrativistas que pos- pulsa comunidades tradicionais, indígenas e famí- suem modos próprios e mecanismos de uso dos lias de agricultores de suas terras.

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 1.2. enotã-Mõ - Parte

T 62 Fundo Dema O Ibama doou seis mil toras de mogno apreendidas na região de Altamira, sul do Pará, cujo valor bruto foi estimado em cerca de sete milhões e meio de reais, e o valor líquido em cerca de três milhões e quinhentos mil reais, para que a FASE (Federação de Órgãos de Assistência

elétricas do Xingu Social) criasse um fundo permanente de financiamento de projetos de proteção ambiental, manejo florestal comunitário e ações de desenvolvimento e inclusão social, com seus parceiros na região. A doação qualificada do mogno apreendido golpeou a exploração ilegal e selou uma aliança inédita entre o governo federal, o Ministério Público, as ONGs e o movimento social da região em favor do desenvolvimento sustentável e erra do Meio e as hidr democrático da Amazônia. , Preservar/ O Fundo Dema, criado a partir desta (Fundação proposta, éViver organizado, Produzir e administrado em parceria com FVPP pela FASE ransamazônica e Xingu). Movimento pelo Desenvolvimento da T

Informes das Lideranças em Altamira, Pará - A T Capítulo 2

Uma abordagem jurídica das idas e vindas dos projetos de hidrelétricas no Xingu Raul Silva Telles do Valle

Introdução O presente artigo analisa, desde o ponto de vista Tentar entender o histórico do processo de con- jurídico, a imbricada história do CHE Belo Mon- cepção, elaboração e aprovação administrativa da te, com o objetivo de mostrar as inúmeras incon- 63 Usina Hidrelétrica de Kararaô, hoje denominada gruências, contradições e ilegalidades que até hoje oficialmente de Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, vigem em torno do projeto. não é tarefa fácil e tampouco indicada para os não iniciados. Os dados oficiais, os relatos históricos, Os passos do processo de “licenciamento as inúmeras manifestações de autoridades e órgãos de projetos de geração de energia” e sua de governo, as fofocas que correm soltas por en- relação com o licenciamento ambiental tre os grupos políticos, todos são contraditórios e incompletos, o que transforma a resposta a uma Para se planejar e construir uma usina hidrelétri- simples pergunta - “afinal, qual é o projeto do CHE ca no Brasil é necessário percorrer um longo pro- Belo Monte?” - em um angustiante desafio de mon- cesso administrativo de autorizações e registros. tagem de peças de um quebra-cabeça cuja forma Em nosso sistema jurídico, os potenciais hidrelé- final ninguém conhece. tricos – “matéria-prima” para a produção de ener- gia elétrica – sempre foram considerados uma ri- Filho pródigo dos projetos megalômanos de infra- queza estratégica para o desenvolvimento nacio- estrutura do governo militar, o projeto de implan- nal e por isso estão arrolados dentre os bens da tação do CHE Belo Monte traz consigo muitas das União (art.20, VIII da Constituição Federal de características dessa época, como a falta de trans- 1988), tal qual as riquezas minerais do subsolo parência nas informações oficiais, decorrente de (art.20, IX), de forma que qualquer pessoa que sua classificação como “empreendimento estraté- queria explorar algum desses potenciais deve se gico” para o desenvolvimento nacional, e a desor- dem – irregular em muitos casos – nos processos sujeitar a um processo administrativo de concessão de de aprovação junto aos órgãos de governo. Tam- uso de bem público, mediante o qual o legítimo titu- bém não poderia ser diferente para uma obra que lar desses bens – a União – concede a um particu- foi inicialmente planejada em 1975, por uma lar - ou mesmo a uma empresa pública, que faz consultoria técnica contratada pela Eletrobrás, e parte da Administração Pública indireta, e por- que, desde então, já teve de suportar mais de 15 tanto tem personalidade jurídica própria e distin- presidentes diferentes da estatal, 13 diferentes ta do ente público que a criou – o direito de ex- ministros de minas e energia e não se sabe quantas plorar com exclusividade um bem que é de domí- trocas de equipe técnica. nio público. Principais normas referentes ao licenciamento ambiental no Brasil

1)Decreto 24.643, de 10/07/1934 – Código de águas

2)Lei 6.938, de 31/08/1981 - Política Nacional do Meio Ambiente valiação de Impacto 3)Resolução CONAMA 01/1986 – Dispõe diretrizes sobre a A Ambiental 4)Resolução CONAMA 06/1987 – Dispõe sobre o licenciamento ambiental do setor elétrico 5)Lei 7.804/89 – Altera a Lei 6.938/81, tratando de competências do licenciamento ambiental em seu art. 10. 6)Decreto 99.274, de 07/06/1990 – Regulamenta a Lei 6.938/81, tratando do licenciamento 6)Resolução CONAMA 237/97 – Define e dispõe sobre o licenciamento ambiental, o Estudo de Impacto Ambiental e dá outras providências. 7)Resolução Aneel 393/98 – Informações gerais sobre o inventário 8)Resolução Aneel 395/98 – Dispõe sobre estudos de viabilidade 9)Resolução Aneel 398/01 – Dispõe sobre o inventário hidrelétrico, tratando até mesmo dos critérios de escolha do melhor inventário apresentado.

Há uma farta legislação que, pelo menos desde a que o primeiro passo a ser dado para se planejar o década de 30, regulamenta os procedimentos ne- aproveitamento de potenciais hidrelétricos com 2 enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 2 enotã-Mõ - Parte capacidade de geração superior a 30.000 Kw , é a T cessários para se obter a autorização para construir e explorar centrais de geração de hidreletricidade. elaboração de um estudo de inventário hidrelétrico. 64 Embora essa legislação tenha sido bastante modifi- Este, segundo sua definição legal, é a “etapa de cada ao longo das décadas, o pressuposto que sem- estudos de engenharia em que se define o poten- pre a permeou é o de que cabe ao Estado garantir o cial hidrelétrico de uma bacia hidrográfica, medi- “aproveitamento ótimo” do potencial hidrelétrico ante o estudo de divisão de quedas e a definição brasileiro, seja como agente planejador ou prévia do aproveitamento ótimo” (art.1º Resolu- fiscalizador das atividades dos agentes de mercado. ção ANEEL nº 393/98). Portanto, antes de se ini- ciar a elaboração de um projeto de engenharia O aproveitamento ótimo, sob a ótica da legislação mais detalhado para um determinado barramen- energética e da grande maioria dos técnicos do to, é necessário que o Poder Público tenha defini- setor de produção de energia elétrica, significa

ojetos de hidrelétricas no Xingu ojetos de hidrelétricas do quantos aproveitamentos existirão naquele de- explorar ao máximo todo o potencial hidrelétrico terminado rio e qual a concepção geral – localiza- de nossos rios, o que demanda um planejamento ção, tamanho de lago, tamanho da queda d´água prévio que evite que o aproveitamento de um de- – de cada um deles. terminado potencial hidrelétrico – que, em termos reais, é um desnível de altura em determinado tre- Percebe-se, portanto, que os estudos de viabilida- cho de rio – venha a prejudicar outros aproveita- de são de fundamental importância para o plane- mentos no mesmo corpo d’água ou, porventura, jamento da expansão do setor elétrico e têm uma na mesma bacia hidrográfica1. Os órgãos públicos enorme relevância socioambiental, na medida em encarregados de planejar a expansão do sistema que é a partir de suas conclusões que serão defini- de geração de energia elétrica no Brasil sempre das quantas barragens um mesmo rio terá, qual pensaram as usinas hidrelétricas, tomadas indivi- será a área alagada, e, portanto, é nessa etapa que dualmente, como partes de um conjunto maior, são definidos os elementos que mais tarde impli- que seria o aproveitamento hidrelétrico do rio, o carão em impactos sobre a qualidade da água,

Uma abordagem jurídica das idas e vindas dos pr Uma abordagem qual é composto por um conjunto de obras que, fauna aquática e terrestre, vegetação e população embora possam ser construídas por pessoas dife- afetada. Por essa razão, esse estudo, durante sua elaboração, deveria avaliar os impactos ambientais rentes e em épocas distintas, obedecem a uma decorrentes das diversas alternativas, de forma a mesma concepção, a um mesmo projeto cuidado- gerar o menor impacto possível e garantir o uso samente planejado para aumentar a sinergia en- múltiplo das águas. Isso, no entanto, quase nunca tre as diversas partes do conjunto. ocorreu, pois apenas muito recentemente, a par- Para se concretizar esse objetivo, a legislação exige tir da década de 90, em função da organização da ojetos hidrelétricos no Brasil: Principais normas referentes a licitações e ao licenciamento de pr 12) Decreto Federal nº 2003, de 10/09/1996 – Dispõe, 1)Decreto-Lei Federal nº 185, de 23/02/1967 – Esta- em seu art 3º, sobre o programa de licitações após belece normas para contratação de obras e paraviços re- a a aprovação de estudos de inventário. visão de preços em contratos de obras ou ser 13) Lei 9.427, de 26/12/1996 – Cria a Agência Nacio- cargo do Governo Federal. nal de Energia Elétrica. 2)Decreto-Lei nº 200, de 25/02/1967 – Dispõe sobre viços e alienações. 14) Lei 9.433, de 08/01/1997 – Institui a Política Na- licitações para compras, obras, ser cional de Recursos Hídricos, regulando a outorga 3)Portaria DNAEE n º 99 de 1979 (D.O. 17/09/1979) do uso de recursos hídricos. – Dispõe sobre normas para apresentação de proje- 15) Lei Federal 9.648, de 27/05/1998 – Altera a lei tos de exploração de recurso hídricos. 8.666/93 (lei das licitações) 4)03/1983 – Eletrobrás publica “Instruções para estu- 16) Resolução Aneel nº 393, de 04/12/1998 – Estabe- dos de viabilidade de aproveitamentos hidrelétricos” lece procedimentos gerais para o inventário hidre- 5)06/1984 – Eletrobrás publica “Manual de inventá- létrico. rio de bacias hidrográficas” 17) Resolução Aneel nº 395, de 04/12/1998 – Dispõe 4)Portaria DNAEE nº125, de 21/08/1984 – Dispõe so- sobre o registro e aprovação dos estudos de viabili- bre procedimentos de aproveitamento hidrelétrico. dade de hidrelétricas. 5)Decreto-Lei nº 2.300 de 21/02/1986 – Dispõe sobre 18) Instrução normativa do Ministério do Meio Ambi- licitações e contratos da Administração Federal. ente (MMA) nº 4, de 21/06/2000 – Dispõe sobre a outorga de direito de uso de recursos hídricos em 6)Portaria DNAEE nº 43, de 04/03/1988 – Aprova o inventário realizado na bacia do rio Xingu, nos esta- corpos d´água da União. dos de Mato Grosso e Pará. 19) Resolução Aneel nº 398, de 21/09/2001 – Dispõe sobre o inventário 7) Lei Federal nº 8.666 de 21/06/1993 – Institui normas para licitações e contratos da Administração Pública. 20) Resolução Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) nº1, de 04/03/2002 - Cria GT

8)Lei Federal nº 8.833 de 08/06/1994 – Altera a lei I - Capítulo 2 enotã-Mõ - Parte 8.666/93 para estudar plano de viabilização para implanta- T ção de Belo Monte. 9)Portaria DNAEE nº 769, de 25/11/1994 – Constitui 65 um Grupo de Trabalho (GT) para avaliar a propos- 21) Resolução CNPE nº2, de 06/08/2002 - Prorroga ta apresentada pela Eletronorte sobre a nova confi- até o dia 30/11/2002 a apresentação. dos resulta- guração da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. dos do GT da resolução anterior 10)Lei Federal 8.987, de 13/02/1995 – Dispõe sobre 22) Resolução CNPE nº18, de 17/12/2002 - Determi- o regime de concessão e permissão da prestação na a continuidade das providências para o desen- de serviços públicos volvimento e a viabilização do Complexo Hidrelé- - trico Belo Monte. 11) Lei Federal 9.074, de 07/07/1995 – Estabelece nor mas para a outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos.

ojetos de hidrelétricas no Xingu ojetos de hidrelétricas sociedade civil brasileira, que passou a denunciar empreendimentos. Por isso, a marca dos estudos os impactos das grandes barragens, a dimensão de viabilidade elaborados até hoje, principalmen- ambiental passou a ter algum peso no planejamen- te aqueles anteriores à década de 90, é a absoluta to do setor elétrico. ausência ou irrelevância da dimensão ambiental ou social em sua concepção. O interessante é que, inobstante a importância estratégica dos estudos de inventário, até a edição A etapa seguinte à elaboração dos estudos de in- da lei que regulamenta o novo modelo elétrico ventário é a dos estudos de viabilidade. Não há uma brasileiro (Lei Federal nº 10.847, de 15 de março definição legal do que seja propriamente esse es- de 2004) e cria a Empresa de Pesquisa Energética tudo, mas ele é, basicamente, um aprofundamento – EPE, a responsabilidade pela condução dos es- dos trabalhos de engenharia focado para um de- tudos de viabilidade era delegada a particulares. terminado barramento, já previamente definido no

Isso fez com que quase todos os estudos, elabora- inventário aprovado pelo órgão competente (hoje jurídica das idas e vindas dos pr Uma abordagem dos por aqueles que têm como interesse precípuo ANEEL), onde o interessado procura avaliar, basica- produzir energia para venda ou uso industrial, tra- mente, a viabilidade econômica do empreendimento, tassem dos rios como meras matérias-primas para identificando as condicionantes físicas para sua a produção de sua mercadoria – energia elétrica – implantação (estrutura geológica do local de sem se preocupar seriamente com a garantia de implantação, disponibilidade de material para usos múltiplos e tampouco com a dimensão construção, dentre outros), detalhando suas carac- socioambiental envolvida na implantação desses terísticas estruturais (tipo de barragem, material utilizado, tamanho do lago, localização das casas daquela bacia hidrográfica e, portanto, fica determi- de força, dentre outros) e prevendo com mais pre- nado quantos barramentos haverão e, mais, como cisão quanto será demandado de tempo e recur- eles deverão operar para criar uma sinergia e sos, financeiros e tecnológicos, para a construção potencializar a produção de energia em cada usina. da usina hidrelétrica. É, portanto, um documento Por mais absurdo que pareça, até hoje o processo de natureza eminentemente técnico-econômica, de Avaliação de Impacto Ambiental – AIA3 sempre cujo objetivo principal é sinalizar aos possíveis in- foi – e continua sendo, embora existam tímidos vestidores a rentabilidade do negócio. passos do atual governo4 para modificar essa lógi- O estudo de viabilidade deve ser aprovado pela ca – centrado no estudo de viabilidade, ou mesmo ANEEL (art.3º, Resolução ANEEL nº395/98), que no projeto básico, que é um aprofundamento o analisará sob diversos aspectos, dentre os quais, daquele, e não no inventário hidrelétrico. Isso sig- teoricamente, o ambiental. Ocorre que a dimen- nifica que a avaliação será sempre sobre as conse- são ambiental nunca foi seriamente levada em con- quências, se tornando na verdade uma mera men- sideração pelos técnicos da ANEEL, que sempre suração de impactos, pois as causas jamais serão enxergou essa exigência legal (art.12, Resolução questionadas e avaliadas, e mais, não poderão ser ANEEL nº395/98) de uma forma burocrática, de- alteradas, uma vez que o inventário já está aprova- legando aos órgãos de controle ambiental essa ta- do e a concepção das barragens já é apresentada refa, e exigindo do interessado em aprovar o estu- como um fato. Isso contraria a própria concepção do apenas que tenha dado início ao processo de da AIA, que é muito mais do que um mero proce- licenciamento ambiental junto ao órgão compe- dimento que identifica medidas mitigadoras para tente. Portanto, esses estudos sempre foram apro- um projeto pronto, sendo na verdade um processo vados e, muitas vezes, colocados “à venda” em pro- no qual a própria proposta colocada inicialmente pode cessos licitatórios, sem mesmo se saber sobre a via- ser completamente alterada, modificada, transforma-

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 2 enotã-Mõ - Parte T bilidade ambiental do empreendimento a ser even- da, ou, eventualmente, rejeitada. tualmente construído, já que nem a licença prévia 66 Como fica evidente, o diálogo entre ambos siste- ambiental era exigida como condição para a reali- mas – de aprovação “energética” e de avaliação zação do leilão de venda dos estudos e para a assi- ambiental – é absolutamente esquizofrênico, e o natura dos contratos de concessão. arranjo jurídico que o sustenta traz como conse- De qualquer forma, deve ficar claro que o estudo qüência alguns paradoxos. Se, no processo de ava- de viabilidade está profundamente atrelado ao in- liação de impacto ambiental, chega-se à conclu- ventário hidrelétrico da bacia hidrográfica, pois é são que aquela determinada usina é ambiental- um detalhamento deste. Isso significa que, embo- mente inviável da forma como está planejada, a ra a estrutura física do empreendimento seja rele- única opção que resta é negar a licença para cons-

ojetos de hidrelétricas no Xingu ojetos de hidrelétricas vante para determinar seus impactos ambientais, trução, pois não há como alterar sua concepção, não é na fase dos estudos de viabilidade que se já que esta foi prevista num projeto maior, que está poderá “adequar ambientalmente” o empreendi- fora de questão e que só faz sentido se concretiza- mento, pois aí sua do tal como planeja- concepção já está do. Por outro lado, Indígenas aplaudem a aprovação das garantias definida, e o máxi- dos direitos indígenas na Constituinte, 1988, se a licença ambien- mo que se poderá Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA tal é negada para fazer é amenizar al- uma das usinas pro- guns poucos impac- jetadas, e ela não tos com soluções de pode ser implanta- engenharia. O mo- da, então todo o es- mento crucial para tudo de inventário determinar os im- fica prejudicado,

Uma abordagem jurídica das idas e vindas dos pr Uma abordagem pactos de uma de- pois a partição de terminada hidrelé- quedas foi planeja- trica é na definição da para se obter o da partição de quedas aproveitamento óti- do rio, que é quando mo, e sem aquela se define o aproveita- determinada barra- mento ótimo do po- gem não só ele não tencial hidrelétrico será alcançado mas, caso já se soubesse de antemão que uma barragem quadrados, incluindo aí o território de 12 povos naquele local não seria possível, poderia ter se op- indígenas, e transformar o rio Xingu em uma série tado por um outro arranjo que dispensasse aquela de grandes lagos, alterando completamente sua barragem e incrementasse a potência das demais, dinâmica e desestruturando inexoravelmente to- chegando mais próximo de um hipotético apro- das as cadeias ecológicas que dele dependem. Ou veitamento ótimo. Ademais, como muitas vezes as seja, a concretização do previsto no inventário hi- barragens no mesmo rio funcionam em série, com drelétrico do rio Xingu significaria uma verdadei- uma regularizando a vazão ou estocando água para ra catástrofe ambiental, social e cultural, pois des- aquela que está a jusante, impedir a implantação truiria o rio e afetaria significativamente a vida de de uma pode inviabilizar todo o sistema, o que é todos os povos indígenas que vivem em seu entor- menos preocupante quando isso ocorre já na pri- no. Foi por essa razão que ocorreu, já na década meira a ser implantada, mas muito mais sério quan- de 80, organizações sociais, Igreja, povos indíge- do algumas já foram implantadas na expectativa nas e lideranças políticas se reuniram no famoso de que as outras o serão também. Nesses casos, a Encontro de Altamira e iniciaram o movimento pressão sobre o processo de licenciamento ambi- para impedir a implementação desse projeto, de- ental é enorme, e os órgãos ambientais ficam pra- nunciando perante o público os impactos inaceitá- ticamente atados a uma única opção, a de aprovar veis que poderiam ser causados. o empreendimento, contrariando assim o dispos- Em função da reação da sociedade perante a amea- to na Resolução CONAMA 01/86, que determina ça representada pelo conjunto de represas no rio que deverá ser sempre avaliada a opção de não Xingu, a Eletrobrás e sua subsidiária, a Eletronor- implantação (art.5º, I). te, “colocaram na geladeira” o inventário aprova- Toda essa digressão foi necessária para poder explicar do, por não haver como defendê-lo publicamente, o status atual do licenciamento do CHE Belo Monte diante do absurdo e da ilegalidade de suas conse-

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 2 enotã-Mõ - Parte e, mais, demonstrar suas inúmeras incongruências. qüências. Quando, já na segunda metade da déca- T da de 90, voltaram a falar publicamente do projeto 67 de construção de usinas no rio Xingu, o foco pas- O licenciamento de Belo Monte e as demais sou a ser exclusivamente a implantação da UHE usinas hidrelétricas do rio Xingu Kararaô, rebatizada de CHE Belo Monte. Portanto, Como explicitado em outros capítulos dessa obra, “desapareceram” com as demais usinas e passaram o projeto da UHE Kararaô é fruto de um desses a alegar que elas não seriam mais construídas, em estudos de inventário elaborados durante a déca- função de seus impactos socioambientais, o que vem da de 70, com pouca ou nenhuma preocupação sendo reafirmado até hoje. de ordem socioambiental. Esse estudo, elaborado O Conselho Nacional de Política Energética – pelo Consórcio Nacional de Engenheiros Consul- CNPE, colegiado vinculado ao Ministério de Mi- no Xingu ojetos de hidrelétricas tores (CNEC) e contratado pela Eletrobrás, defi- nas e Energia – MME que tem como função auxi- niu que o rio Xingu deveria ter, para se obter o liar no planejamento da expansão do sistema bra- famigerado aproveitamento ótimo, um conjunto sileiro de geração de energia elétrica, criou em de seis barragens (Jarina, Kokraimoro, Ipixuna, 2002, em função da crise de energia pela qual pas- Iriri, Babaquara e Kararaô). Essa foi a partição de sou o país, um grupo de trabalho para “viabilizar a quedas definida no estudo como a mais apta a implantação de Belo Monte” (Resolução CNPE nº obter o máximo de energia gerada, e este foi o 01, de 04 de março de 2002). Esse GT apresentou, estudo oficialmente apresentado em 1980 ao en- em dezembro do mesmo ano, um relatório final, tão Departamento Nacional de Águas e Energia no qual conclui pela viabilidade e necessidade de Elétrica – DNAEE, antecessor da ANEEL enquan- implantação do empreendimento, considerando to órgão de gestão do setor elétrico, que foi apro- “apenas a existência do CHE Belo Monte no rio var o estudo apenas oito anos depois. Xingu, de tal forma que não é imputado ao mes-

O fato é que, oficialmente, existe apenas um in- mo qualquer benefício de regularização a mon- jurídica das idas e vindas dos pr Uma abordagem ventário hidrelétrico do rio Xingu apresentado e tante, apesar dos estudos inventário hidrelétrico aprovado, e esse aponta a construção de seis usi- do rio Xingu, realizados na década 70, terem iden- nas, que por sua vez trabalhariam em série para tificados quatro aproveitamentos hidrelétricos a poder contornar o obstáculo natural representado montante”. Portanto, o governo federal vem aca- pela grande variação de vazão do rio nas diferen- tando oficialmente a idéia de que Belo Monte se- tes estações do ano . Essas seis usinas, se construí- ria um empreendimento isolado, que existiria in- das, irão inundar uma área de 18 mil quilômetros dependentemente das demais usinas do Xingu, o esse estratégico da e o reconhecimento do inter RESOLUÇÃO Nº 2, DE 17 DE SETEMBRO DE 2001 Dispõee sobr dá outras providências. Usina Hidrelétrica Belo Monte,

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA - CNPE, no uso das atribuições que lhe confere o art. 2º da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, o art. 2º, § 3º, inciso III, do Decreto nº 3.520, de 21 de junho de 2000, e tendo em vista as deliberações aprovadas na 3a Reunião Ordinária do Conselho, realizada no dia 1º de agosto de 2001, resolve: Art. 1º Reconhecer o interesse estratégico da Usina Hidrelétrica Belo Monte, a ser construída em trecho do rio Xingu, no Estado do Pará, no planejamento de expansão da hidreletricidade até o ano de 2010, e propor que seja autorizada a continuidade dos estudos de viabilidade econômico-financeira, projeto básico, licenciamento ambiental, e a realização de estudos referentes a: I - participação de capital privado na modelagem financeira do empreendimento, preferencialmente na condição de controlador; II - forma de integração da usina ao sistema interligado, considerando os aspectos energéticos, comerciais e do sistema elétrico; III - impactos de sua operação no parque gerador nacional; IV - confiabilidade da rede básica face ao sistema de transmissão associado;e V - impactos financeiros da execução da obra no Orçamento da União. vatório a ser formado Art. 2º Recomendar que os estudos de impacto ambiental e do uso múltiplo das águas do reser , da com a construção da UHE Belo Monte sejam realizados com a participação dos Ministérios de Minas e Energia, do Meio Ambiente, do Planejamento, Orçamento e Gestão, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Agência Nacional de Energia Elétrica e da Agência Nacional de Águas, compreendendo nesse estudo a avaliação do potencial do empreendimento na promoção do desenvolvimento econômico e social na Região.

Parágrafo único. A Centrais ElétricasTE, Brasileiras deverá iniciar S.A. os- ELETROBRÁS, estudos, conforme por estabelecidointermédio dano Centraiscaput e emElétricas conjunto do Norte do Brasil S.A. - ELETRONOR com o Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos - CCPE e o Comitê Técnico de

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 2 enotã-Mõ - Parte T Planejamento do Suprimento de Energia Elétrica do CNPE. 68 Art. 3º Os estudos de que trata o art. 2º desta Resolução deverão ser apresentados à Secretaria-Executiva do CNPE, até 17 de dezembro de 2001, para possibilitar manifestação do Conselho quanto à construção da UHE BeloMonte. Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. JOSÉ JORGE DE VASCONCELOS LIMA Ministro das Minas e Energia

que se reflete não apenas em alguns – poucos – cerca de 8.400 MW de potência máxima. Esse estu- documentos oficiais, mas no discurso da maior do, no entanto, jamais chegou a ser aprovado pelo parte das autoridades. DNAEE, pois cerca de três anos e meio depois, em ojetos de hidrelétricas no Xingu ojetos de hidrelétricas 1993, técnicos do DNAEE e da Eletrobrás firmaram Ocorre que, embora a concepção da partição de entendimento no sentido de ser necessária uma re- quedas tenha sido profundamente modificada, nun- visão dos estudos até então procedidos, com vistas à ca foi apresentado um novo estudo de inventário e sua “viabilização sócio-política”5. o aprovado nunca foi cancelado. Isso significa que, para todos os fins legais, o projeto para o rio Xingu Em 25 de novembro de 1994, o DNAEE criou um é de construção de seis barragens, e Belo Monte é grupo de trabalho (Portaria nº 769) composto por apenas uma delas, devendo, portanto, ser analisa- técnicos da Eletronorte, da Eletrobrás e do pró- da em função do conjunto, e não isoladamente. prio DNAEE, que tinha como objetivo: • reavaliar energeticamente a configuração Mas essa não é apenas uma conclusão “formal”, estabelecida nos estudos viabilidade, com fins de derivada de um preciosismo jurídico que analisa confirmar a atratividade do empreendimento; o processo apenas quanto a seus atos oficiais. En- • atualizar os estudos ambientais, hidrológicos e tender Belo Monte como uma peça de um que- de orçamento;

Uma abordagem jurídica das idas e vindas dos pr Uma abordagem bra-cabeça maior é uma conclusão lógica derivada • analisar e propor ações para viabilização sócio- da análise de sua concepção estrutural. política do empreendimento. O primeiro estudo de viabilidade da UHE Belo Mon- Desse GT surgiu a idéia de se alterar o projeto de te, baseado no estudo de inventário hidrelétrico engenharia, de forma diminuir o tamanho do re- aprovado em 1988, foi entregue ao DNAEE em 11 servatório e assim minimizar os impactos ambien- de outubro de 1989, e previa a formação de um lago tais de qualidade da água no rio Bacajá, eliminar a de 1225 km2 na cota 96 m, para uma geração de interferência do reservatório com a área indígena Paquiçamba e diminuir a área de inundação do re- viável economicamente independente de outros servatório, minimizando os custos com relocações6. aproveitamentos”, razão pela qual “não estão sendo Acreditava-se, portanto, que estaria afastada gran- considerados nos seus estudos sócio-ambientais os de parte dos problemas apontados pelos opositores impactos sinérgicos com eventuais futuros aprovei- do projeto, sem perda de energia, ou melhor, com tamentos hidrelétricos na bacia”6, há sérias razões um aparente ganho energético, que saltaria de 8.400 para se duvidar da credibilidade dessas afirmações. MW para 11.181 MW de potência máxima. Conforme demonstram os dados expostos na nota Essa proposta foi encaminhada à Eletrobrás que, técnica do Capítulo 5, obtidos a partir de uma si- em outubro de 1999, solicitou ao Ministério de Mi- mulação da geração de eletricidade de Belo Mon- nas e Energia autorização para dar prosseguimen- te em sua atual concepção, ou seja, operando a fio to aos estudos que validariam a alternativa propos- d’água e sem outras barragens a montante para ta, incluindo neles, os estudos de mercado e do sis- regularizar a vazão do rio Xingu, Belo Monte con- tema de transmissão associado. No mesmo mês, a seguiria operar em sua carga máxima, produzin- autorização foi concedida, e um novo estudo de vi- do 11.182 MW de energia, durante, no máximo, abilidade foi iniciado, já a partir do novo projeto apenas três meses do ano. Isso significa que, du- de engenharia, que transformaria a UHE Belo Mon- rante nove meses do ano, ou seja, durante 75% do te em uma usina praticamente a fio d´água, ou seja, tempo, a usina ficaria com turbinas uma capacida- sem reservatório de acumulação, como já explica- de de produção ociosa, em função de não haver do no capítulo 1. Esse estudo de viabilidade foi con- água suficiente para girá-las. cluído em fevereiro de 2002, e logo em seguida Mas isso não é o mais espantoso. Pelas simulações apresentado à ANEEL, que até 21/07/2004 classi- feitas para o período de 1931 a 1996, a potência ficava-o como “em análise”, ou seja, sem um resul- assegurada máxima teria sido de 1.356 MW, ou seja, tado quanto a sua aprovação ou não.

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 2 enotã-Mõ - Parte

seria garantido, durante o ano inteiro, uma po- T Ocorre que esse novo estudo foi feito sem ter havi- tência que corresponde a cerca de 1/10 do núme- do qualquer modificação no inventário hidrelétri- ro que vem sendo alardeado (11.182 MW) como 69 co aprovado em 1988, o que contraria a regulamen- o grande trunfo para a construção da obra e apre- tação legal sobre a questão. Todo estudo de viabili- sentado oficialmente como a energia que seria efe- dade deve estar baseado em um inventário aprova- tivamente gerada. Esse dado, que não vem sendo do, e, portanto, deve seguir o que está nele estipu- divulgado pelo Ministério de Minas e Energia ou lado. O inventário do rio Xingu oficialmente apre- pela Eletronorte, e que não consta nem mesmo sentado prevê a construção de seis barragens, cada dos estudos de viabilidade entregues, nos quais se uma com uma determinada concepção estrutural fala na produção de 4.700 MW “médios”, é de suma já definida para poder aproveitar o máximo do po- importância para avaliar a validade desses estudos, tencial hidrelétrico, e nele nada consta sobre esse pois levanta sérias dúvidas quanto à viabilidade no Xingu ojetos de hidrelétricas “novo arranjo” para Belo Monte. Para que um novo econômica do empreendimento. estudo de viabilidade fosse elaborado, seria neces- sário, antes, rever o inventário aprovado, apresen- Segundo os dados apresentados no relatório do tando um novo estudo que contemplasse as novas CNPE para analisar a viabilidade da implantação propostas tanto para o CHE Belo Monte quanto de Belo Monte, os custos do empreendimento, para as demais barragens originalmente previstas. compreendendo tanto a estrutura de geração Um estudo de viabilidade sem um inventário que o quanto de distribuição, girariam em torno de US$ sustente é, juridicamente, viciado. 5,25 bilhões, o que, considerando a potência má- xima a ser gerada (11.182 MW) e custos de investi- Sem um novo inventário elaborado e aprovado, não mento de menos de 400 dólares por kw/instalado há como afirmar que não se pretende construir - valor extraído do inventário realizado há mais de outras barragens ao longo do rio Xingu, pois essa vinte anos - faria com que a usina produzisse ener- afirmação não só contraria a única informação ofi- gia a 12,4 US$/MWh, custo considerado baixo para jurídica das idas e vindas dos pr Uma abordagem cial disponível, mas também vai de encontro a to- o setor elétrico. Porém, como visto, esse valor de das as informações técnicas até agora levantadas. potência máxima seria atingido durante apenas Como já demonstrado em outros capítulos dessa dois ou três meses do ano, sendo que no restante obra, embora tenha sido apresentado um novo es- do ano a energia gerada seria muito inferior, o que tudo de viabilidade que contemple Belo Monte significa que os custos apresentados tanto nos es- como uma usina a fio d´água, sem modulação de tudos de viabilidade, quanto no relatório do CNPE ponta, e neste se afirme que “o CHE Belo Monte é estão subavaliados. O que isso significa? Significa que verbas do erá- sua capacidade máxima de produção atenta contra rio público serão investidas em um projeto cujo os princípios básicos da boa gestão administrativa. aproveitamento econômico é mais do que duvido- Em primeiro lugar, fere o princípio constitucional so, e que trará, mesmo com sua reformulação es- da razoabilidade e proporcionalidade, pois serão dispen- trutural, graves impactos ambientais. Segundo o sados muitos recursos para poucos resultados, ou “modelo institucional financeiro” proposto pelo melhor, para poucos benefícios econômicos e mui- CNPE, “a estruturação do projeto, vislumbrada na tos prejuízos socioambientais. Em segundo lugar, condição da participação majoritária da iniciativa fere o princípio constitucional da economicidade privada, no que se refere à redução dos riscos re- (art.70, parágrafo único, Constituição Federal), que lativos aos aspectos ambientais e de inserção regi- significa saber se foi “obtida a melhor proposta para onal, sugere a presença da Eletrobrás, assumindo a efetuação da despesa pública (...) e se ela fez-se a coordenação dessas atividades”. Vê-se, portanto, com modicidade, dentro da equação custo-benefí- que haverá pesados investimentos de uma empre- cio”8. sa pública para ancorar o grupo de investidores e garantir a captação de recursos no mercado finan- Mas o mais grave é que o documento oficialmente ceiro com os menores riscos possíveis aos parcei- apresentado, que vem servindo de base para todos ros privados, pois “a reconhecida capacidade de os debates públicos acerca do empreendimento, e mobilização de recursos da Eletrobrás, inclusive que subsidiará futuramente a elaboração do EIA/ 9 por meio do lançamento de papéis no país e no Rima para o processo de licenciamento , apresenta mercado internacional, seria um fator mitigador dados que estão sendo tecnicamente contestados, do risco de financing para o empreendimento”7. e que demonstram que o verdadeiro projeto não é esse que vem sendo vendido ao público. Por tudo Surgem, portanto, duas questões de alta relevância que já foi exposto, o CHE Belo Monte claramente política e jurídica: se está demonstrado que Belo não se sustenta técnica e economicamente sozinho,

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 2 enotã-Mõ - Parte T Monte não gerará, durante grande parte do ano, a pois necessitará, num futuro breve, da construção 70 energia que seus proselitistas afirmam, embora sua de pelo menos mais uma barragem a montante, para estrutura física permaneça a mesma, implicando regularizar a vazão do rio e melhorar seu aproveita- praticamente nos mesmos custos econômicos e mento energético. Essa é uma realidade que, em- ambientais, tem essa obra realmente viabilidade bora a Eletronorte venha tentando escamotear, não econômica e ambiental? Como é possível investir tem como ser negada, o que leva até mesmo docu- uma quantia muito considerável de recursos públi- mentos oficiais a ter de deadmiti-la, mesmo que cos em um empreendimento que não só causará indiretamente. Esse é o caso do relatório produzi- grandes impactos ambientais e sociais mas, desde o do pelo CNPE, que diz textualmente: “na hipótese ponto de vista essencialmente financeiro, não trará de ser implantado qualquer empreendimento hi- o retorno que vem sendo por todos esperado? drelétrico com reservatório de regularização a mon-

ojetos de hidrelétricas no Xingu ojetos de hidrelétricas Uma coisa é avaliar a obra diante da perspectiva de tante de Belo Monte, poderá ser aumentado o conteúdo que ela gerará os 11.182 MW de energia firme du- energético desse Complexo, a ser definido com a revisão rante o ano inteiro, que essa energia será distribuí- dos estudos de inventário do rio Xingu, a montan- da de forma socialmente justa e voltada ao desen- te de Altamira”. O mesmo é repetido no Estudo de volvimento regional, não sendo vendida com pre- Viabilidade entregue à ANEEL, onde, após afirmar ços subsidiados a grandes exportadoras de alumí- que o estudo energético “considera apenas a exis- nio ou aço. Nesse caso, embora sua viabilidade tência do CHE Belo Monte no rio Xingu”, faz a se- socioeconômica e ambiental possa ainda ser ques- guinte observação: “frisa-se, porém, que a implantação tionada, há mais fatores positivos a serem coloca- de qualquer empreendimento hidrelétrico com reservatório dos na balança. Outra coisa é avaliar uma obra que de regularização a montante de Belo Monte aumentará o gerará apenas 1.356 MW de energia firme durante conteúdo energético dessa usina”. todo o ano, mas com os mesmos custos econômi- Como se vê, o projeto de aproveitamento hidrelé-

Uma abordagem jurídica das idas e vindas dos pr Uma abordagem cos e ambientais. Devemos, enquanto sociedade, trico do rio Xingu é, e sempre foi, o de construção aceitar tantos impactos para gerar essa quantidade de uma série de barragens. Uma vez construído de energia? Devemos aceitar que volumosos recur- Belo Monte, e diante dos vários bilhões de dólares sos públicos, escassos para tantas áreas, sejam inves- investidos, logo aparecerão críticos afirmando o tidos em um empreendimento cujo retorno econô- absurdo de existir uma obra desse tamanho que mico e social é profundamente questionável? trabalhe com pouco mais de 10% de sua capacida- Aplicar recursos públicos dessa monta numa usina de. Não demorará para que essas mesmas pessoas que muito possivelmente operará muito abaixo de passem a defender a construção de pelo menos mais uma barragem a montante, quando não todo históricos ou culturais, que possam ser signifi- o complexo de hidrelétricas previsto desde a dé- cativamente afetados por qualquer alteração cada de 70. Afirmarão que essa é uma medida de ambiental (art.2,3). bom senso, pois não se pode investir tanto dinhei- Portanto, ao negligenciar do público em geral da- ro em uma usina e deixá-la ociosa, e já que ela está dos cruciais para a análise custo-benefício do em- construída então deve-se viabilizar sua operação a preendimento, o Governo Federal não vem cum- contento. Isso significará a retomada integral do prindo com seu dever de informar adequadamen- estudo de inventário original, com todos os impac- te os cidadãos. tos socioambientais disso decorrentes. Mas o que ocorrerá se todo o complexo hidrelétrico Mas por que, há vários anos, as sucessivas ges- do rio Xingu for realmente implementado? Uma área tões da Eletronorte e do Ministério de Minas e de, no mínimo, 8.800 km2 seria completamente Energia vêm negando essa realidade? Por que não alagada, e o rio Xingu seria completamente altera- admitem que o projeto continua sendo o mesmo do, pois não seria mais um rio corrente, mas um con- de sempre, apenas dividido em etapas imaginári- junto de lagos. Nenhuma Terra Indígena do sul do as? Por que elas sabem que a construção do com- Pará e norte do Mato Grosso ficaria ilesa, pois ou plexo de usinas trará impactos ambientais, sociais, teriam áreas alagadas e utilizadas para a construção culturais e econômicos tão negativos que não teri- das barragens, ou, mais grave ainda, teriam sua caça am como defendê-la publicamente, pois elas não e pesca radicalmente afetados, uma vez que o Xingu seriam aceitáveis hoje, como já não foram no pas- e seus afluentes também o seriam. Ademais, as re- sado. Por essa razão vêm omitindo informações presas afetariam uma área de extrema importância relevantes, ferindo, portanto, o direito à informa- para a conservação da biodiversidade, conhecida ge- ção da sociedade brasileira. nericamente como Terra do Meio, que hoje tem 98%

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 2 enotã-Mõ - Parte

O direito à informação, tutelado constitucionalmen- de sua área com vegetação natural e que, por servir T te, é um dos elementos centrais do Estado democrá- como um grande corredor ecológico entre Terras tico de Direito. É com base em uma informação atu- Indígenas e Unidades de Conservação situadas en- 71 alizada, completa e compreensível que a sociedade tre o sul do Pará/norte do Mato Grosso e o norte do civil poderá, por um lado, saber quais as questões Pará, foi definida como de alta prioridade para a cri- que mais lhe interessam e que merecem sua inter- ação de Unidades de Conservação pelo Ministério venção, e por outro, decidir com segurança sobre de Meio Ambiente10. os temas postos em discussão. Por essa razão, a Lei Infelizmente, até o momento os estudos de impacto Federal nº 10.650/03, determina aos órgãos e enti- ambiental já elaborados para Belo Monte, cuja lega- dades da Administração Pública, direta ou indireta, lidade ainda está sendo judicialmente questionada, o fornecimento de todas as informações ambientais nunca trataram dos efeitos sinérgicos do complexo que estejam sob sua guarda e que versem sobre “po- no Xingu ojetos de hidrelétricas de hidrelétricas na bacia do rio Xingu, cuidando de líticas, planos e programas potencialmente causa- Belo Monte como se fosse uma obra isolada, sem dores de impacto ambiental” (art.2º, II). relação com as demais barragens projetadas para o No caso sob análise, se está claramente omitindo in- mesmo rio. No momento11 não há nenhum proces- formação ambiental. Segundo a Convenção de so de licenciamento ambiental oficialmente em cur- Aarhus, que trata sobre o direito à participação na so, pois o que havia sido iniciado junto ao IBAMA foi gestão ambiental e que é hoje tida como referência arquivado. Mas poucas são as esperanças de que ele, internacional sobre o assunto, informação ambiental quando for retomado, cumpra com o estipulado na é toda e qualquer informação que disponha sobre: Resolução CONAMA 01/86 e realize a avaliação de a) o estado dos recursos naturais e bens ambien- impacto ambiental tendo como referência a bacia tais, como o ar, água, biodiversidade etc.; hidrográfica na qual está inserida a obra, e, assim, b) atividades, públicas ou privadas, políticas, pla- faça uma avaliação do conjunto de barragens.

nos, programas, leis ou qualquer outro fator fí- Está claro que o Brasil não aceita mais esse tipo de jurídica das idas e vindas dos pr Uma abordagem sico, biológico ou social que possam afetar de “desenvolvimento”, que destrói tudo o que toca. maneira significativa a qualidade ambiental; Nossa Constituição Federal estabelece que a ordem c) análises econômicas e avaliações de custo-benefício que econômica deve ter por fim assegurar a todos exis- tenham sido ou venham a ser fundamento para qual- tência digna, e deve se basear no respeito ao meio quer tipo de decisão concernente a questões ambientais; ambiente ecologicamente equilibrado (art.170). d) o estado da saúde e bem estar humano, a quali- Isso significa que não há desenvolvimento com dade de vida, a situação de bens e patrimônios destruição ambiental ou desajuste social. Se o complexo hidrelétrico do Xingu for implan- de governo que deveriam implementá-lo, na me- tado, não só todo um conjunto de ecossistemas será dida em que insistem em apresentar Belo Monte irremediavelmente degradado, mas a vida de to- como uma “obra prima” da engenharia que, sozi- das as populações indígenas que deles dependem nha, responderia por parte significativa da deman- será, para sempre, alterada. As perdas ambientais, da nacional por eletricidade. culturais e sociais para o país serão irreparáveis, e Há no entanto várias evidências técnicas, políticas isso afronta os princípios básicos estipulados em e jurídicas que questionam essa afirmação e colo- nossa ordem constitucional. Isso vem sendo admi- cam em cheque a viabilidade do empreendimen- tido até mesmo pelos proponentes do projeto, que to, demonstrando que ele necessitaria da constru- afirmam no Estudo de Viabilidade que “embora ção das demais barragens previstas no Estudo de os estudos de inventário hidrelétrico do rio Xingu Inventário Hidrelétrico do rio Xingu para ser eco- realizados no final da década de 70 tivessem identi- nômica e energeticamente viável. Essas evidênci- ficado cinco aproveitamentos hidrelétricos a mon- as, no entanto, não vêm sendo expostas ao grande tante de Belo Monte, optou-se por não considerá- público, e nem vem levadas em consideração pe- los nas avaliações aqui desenvolvidas, em virtude da las autoridades competentes, que relutam em acei- necessidade de reavaliação deste inventário sob uma tar perante a sociedade uma realidade que, embo- 12 nova ótica econômica e sócio-ambiental” . Por essa ra os discursos tentem escamotear, os dados insis- razão eles hoje pregam que o estudo de inventário tem em reafirmar: Belo Monte nunca deixou de deve ser esquecido, o que, por todo o exposto, é ser Kararaô. evidentemente apenas da boca para fora, pois os dados vêm desmentir esse aparente desinteresse As consequências da construção de um complexo pelos demais aproveitamentos hidrelétricos. de barragens no rio Xingu, assim como em outros rios brasileiros, devem ser cuidadosa e aprofunda-

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 2 enotã-Mõ - Parte damente debatidas pela sociedade e pelo Gover-

T Conclusão no Federal, sob pena de estarmos, de uma forma 72 A sociedade brasileira tem o direito de ser ade- mais sutil, reeditando as famigeradas práticas do quadamente informada sobre os planos oficiais governo militar de impor à sociedade obras e pro- para utilização do rio Xingu e quais suas conseqü- jetos sem antes consulta-la quanto à sua conveni- ências socioambientais. Esse direito, no entanto, ência. E isso imaginava-se que era uma página vi- vem sendo reiteradamente afrontado pelos órgãos rada em nossa história Republicana.

etor de Licenciamento Ambiental do Ibama, Ministério do Meio Ambiente Entrevista com Nilvo Luis Silva, dir no que licencia” entrevista concedida a Cláudia Siqueira e Roberto Carlos Francellino, (fonte”O governo que planeja tem de estar integrado ao gover , junho de 2004) ojetos de hidrelétricas no Xingu ojetos de hidrelétricas Brasil Energia revista gia (MME)? Como é a relação com o Ministério de Minas e Ener Nilvo: O MME e o MMA estão fazendo um levantamento dos estudos de viabilidade das hidrelétricas que não iniciaram construção. O que estamos vendo no Brasil é isso: uma parte do governo faz concessão de hidrelétricas e outro vai avaliar a viabilidade depois, muitas vezes dizendo “não”. É preciso haver uma integração maior entre a área do governo que planeja e a que licencia. elétricas? Como está o licenciamento de hidr Nilvo: Não preocupa. O que temos é muito trabalho para garantir a expansão da geração. Primeiro, resolver alguns empreendimentos que estão embargados judicialmente. E já vínhamos trabalhando com o MME para tratar a questão dos conflitos sociais. Hoje o que preocupa são esses conflitos, e não os ambientais. O próprio setor elétrico precisa se envolver mais na questão dos conflitos antes do licenciamento. Outro desafio será o aumento da demanda com o novo modelo do setor elétrico. Estamos discutindo com os estados a melhor maneira de fazer esses licenciamentos. (...) Muitas das reclamações da indústria contêm meias-verdades. Um artigo que saiu em “O Globo” dizia que as obras estavam paralisadas por causa do Ibama. Das obras mencionadas no artigo não existia nenhuma paralisada por causa do Ibama. Havia obras embargadas judicialmente e de licenciamento estadual. ocesso? Qual seria a forma de acelerar o pr Uma abordagem jurídica das idas e vindas dos pr Uma abordagem , tendo uma preocupação Nilvo: Os estudos têm de ter mais capacidade. Em muitos casos o processo sai da esfera administrativa e vai para o Judiciário, onde leva um tempo muito grande. É preciso conduzir o licenciamento com rigor com o tempo, mas isso não pode ser a principal preocupação. Um exemplo é a negociação de indenizações. Preferíamos que elas não fossem responsabilidade do órgão de licenciamento. Não podemos, contudo, ignorá-las. Alguém teria de cuidar dessa parte, deixando para o Ibama apenas questões relativas ao meio ambiente. te, como Belo Monte e rio Madeira? e projetos de grande por Qual é a visão do Ibama sobr O Ibama não pode ser contra ou a favor desses empreendimentos. Nosso papel é justamente ser uma espécie de árbitro e dizer se ele é viável ou não. O que achamos é que os projetos devem ter mais qualidade, independente do seu porte. Notas

1 A Lei Federal nº 9074/95 define o Lei Federal nº 6938/81) que tem como 6 Idem, pp.41. aproveitamento ótimo como “todo escopo permitir ao Poder Público e à 7 Plano de Viabilização para a Implanta- potencial definido em sua concepção sociedade realizar uma análise dos pos- ção do Empreendimento Belo Monte – Rela- global pelo melhor eixo do barramen- síveis impactos ambientais advindos da tório Final”. CNPE, dezembro/2002, to, arranjo físico geral, níveis d’água implantação de um determinado empre- pp.25. operativos, reservatório e potência, in- endimento, de forma que possa pesar os 8 tegrante da alternativa escolhida para benefícios e prejuízos que ele causará, OLIVEIRA e HORVAT, 1999, pg.96. divisão de quedas de uma bacia para então avaliar a legalidade e a opor- 9 Sobre a situação jurídica do proces- hidrográfica” (art.5º, £3º). tunidade de sua implantação. so de licenciamento ambiental do CHE Belo Monte, ver Capítulo 3 2 A potência superior a 30.000 Kw é o 4 Esse artigo foi terminado em março que diferencia a Usina Hidrelétrica – de 2005, quando o Presidente da Re- 10 cf. Ministério do Meio Ambiente. UHE das mini usinas e das Pequenas pública era Luiz Inácio Lula da Silva, a Biodiversidade brasileira: avaliação e iden- Centrais Elétricas – PCE, que não se- Ministra de Meio Ambiente era Marina tificação de áreas e ações prioritárias para guem as mesmas regras e os mesmos Silva e a Ministra de Minas e Energia conservação, utilização sustentável e repar- procedimentos daquelas para sua im- era Dilma Rousseff. tição de benefícios da biodiversidade brasi-

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 2 enotã-Mõ - Parte plantação. leira. Brasília, MMA/SBF, 2002. T 5 cf. Estudos de Viabilidade do Complexo 11 Março de 2005. 3 A AIA é um dos instrumentos da Polí- Hidrelétrico de Belo Monte – Relatório Fi- 73 tica Nacional de Meio Ambiente (art.9º, nal. Fevereiro de 2002. 12 pg.136.

ojetos de hidrelétricas no Xingu ojetos de hidrelétricas

Uma abordagem jurídica das idas e vindas dos pr Uma abordagem Capítulo 3

Xingu, barragem e nações indígenas Felício Pontes Jr e Jane Felipe Beltrão

Nós, índios Juruna, da Comunidade também a floresta vai sentir muito com o Paquiçamba, nos sentimos preocupados com a problema da seca e a mudança dos cursos dos construção da Hidrelétrica de Belo Monte. rios e igarapés ... Nossos parentes Kaiapó, Porque vamos ficar sem recursos de transporte, Xypaia, Tembé, Maitapu, Arapium, Tupinambá, pois aonde vivemos vamos ser prejudicados Cara-Preta, Xicrin, Assurini, Munduruku, Suruí, porque a água do rio vai diminuir como a caça, Guarani, Amanayé, Atikum, Kuruaya ... vão vai aumentar a praga de carapanã com abaixa apoiar a Comunidade ...1 do rio, aumentando o número de malária,

74 A Ação Civil Pública Terra Indígena Paquiçamba. O cenário que se vis- A sociedade civil da região da Transamazônica e lumbra provoca espanto nos Arara “... ficamos triste do Xingu no Pará representou ao Ministério Pú- de pensar que a Volta Grande do rio Xingu está blico Federal exigindo a fiscalização do empreen- ameaçada por pessoas que não sabem o quanto a dimento denominado Usina Hidrelétrica de Belo natureza é importante para nós ...” acompanhado pela impertinente pergunta dos Kayapó, porque Monte (UHE), especialmente quanto aos seus as- “... pagar com nossas terras e nossa vida o preço pectos sócio-ambientais. Em 1999, informações do desenvolvimento da região?”4 jornalísticas2 davam conta de que a Eletronorte planejava, de novo, retomar o projeto de barra- Antevendo os inúmeros transtornos que o empre- mento do Rio Xingu. endimento pode causar às sociedades localizadas na área de influência do Xingu, caso a obra se con- A representação foi acolhida pelo Ministério Pú- firme, o Ministério Público Federal protocolou uma blico Federal, que logrou “descobrir”3 tratar-se de Ação Civil Pública em benefício de: A’Ukre, Arara, um mega-projeto. Tem por escopo a geração de Araweté, Assurini, Gorotire, Juruna (Yudjá), 11.000 MW de energia e o alagamento de uma área Kararaô, Kayapó-Kuben Kran Ken, Kayapó- de 400 km2. É, segundo técnicos do setor, o maior Mekrangnoti, Kikretum, Kokraimoro, Moikarakô, projeto de hidrelétrica genuinamente nacional. O Panará, Parakanã, Pituiaro, Pu’ro, Xikrín, Xipaia- custo total está estimado em R$ 13 bilhões, deven- Kuruaia, posto que a Eletronorte “escolheu” alo- do entrar em operação plena somente entre os jar-se em área de influência indígena, ou seja, em anos de 2012 a 2014. O projeto em face dos bene- território que historicamente tem dono e senhor. fícios anunciados, ou melhor, alardeados pela Entende-se por área de influência indígena ou ter- empreendedora poderia ter o respaldo da socie- ritório indígena a base espacial onde uma deter- dade civil, caso as conseqüências sócio-ambientais minada sociedade indígena se expressa cultural e não se avizinhassem drásticas. socialmente, retirando deste território tudo que é Segundo os prognósticos, a barragem produzirá: necessário para a sobrevivência do grupo. Área de a inundação de parte da cidade de Altamira; o influência indígena ou território indígena não deve desaparecimento das praias da região; além de ser confundido com terra indígena, ou seja, com o provocar a acentuada diminuição do volume processo político-jurídico conduzido pelo Estado d’água à jusante da barragem, onde se localiza a para regulamentar as demandas de demarcação dos territórios tradicionalmente pertencentes à vivendo nas mais diversas condições. Somam 404 uma sociedade indígena. No caso estudado, a área pessoas, números não definitivos, pois a região é de influência indígena ou o território indígena de difícil acesso.8 Os grupos foram deslocados de corresponde ao rio Xingu e seu entorno, indicada seus territórios tradicionais por conta de disputas em documentos históricos coloniais e recentes interétnicas e invasões, terminando embrenhados, como local de abrigo de sociedades indígenas “perdidos e esquecidos” pelos recantos de uma das (aldeadas ou não) de diversas etnias, falantes de regiões mais inacessíveis do Xingu, em que o rio diferentes línguas, adaptadas a áreas ribeirinhas ou sofre um desnível de mais de 50 km, emparedado de floresta, ou ainda aos pequenos fluxos dos inú- pelas serras e farto em cachoeiras e corredeiras. meros igarapés.5 As terras pertencem à União, mas Trecho não navegável que, há séculos, desafia o com usufruto das sociedades indígenas. Para uma homem. Era o tempo em que, como conta visão de conjunto do contexto do Xingu, consul- Nimuendajú: tar Quadro 1 abaixo. “existiam no Xingu, de Altamira para cima, alguns milhares de habitantes e donos de seringais, ‘coronéis’ poderosos dos Além das sociedades indígenas referidas, existem quais alguns dispunham de centenas de ‘cabras’ armados e indivíduos Arara, Juruna, Kayapó, Kuruaia, Xipaia que, na consciência do seu poder e certeza de sua imunida- que integram grupos estabelecidos na Volta Gran- de – porque, naquele tempo, havia dinheiro, ou julgava-se de do Xingu, segundo levantamento realizado pelo que houvesse, apesar de já haver começado a crise da borra- Conselho Indigenista Missionário – Regional Nor- cha –, cometiam violências e mortes comparados às quais os ataques Kayapó são brincadeiras.”9 te II (CIMI) juntamente com o Movimento de Fa- mílias Índígenas Moradoras da Cidade de Altamira Assim como há índios moradores da Volta Gran- (MFIMCA), em dezembro de 2003. Há 82 famílias, de, cerca de 1.300 indígenas moram em Altamira, que são constituídas por três e até 11 indivíduos, no “beiradão”, tanto que Arara, Kayapó, Kuruaia,

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte

T Quadro 1 Terras e Povos Indígenas no Xingu6 População Extensão 75 Terra Indígena Povo Situação Jurídica Município (n°, fonte, data)7 (ha)

Apyterewa Parakanã 271 Funai Delimitada.Port. Min. 267 de 28/05/92 declara de 980.000 Altamira Altamira: 2002 posse permanente (DOU, 29/05/92). Port. Funai S. Félix do 286 DSEI 710 de 30/08/96 cria GT p/estudos e levantamen- Xingu Altamira:2002 tos complementares na TI (DOU, 03/09/96).

Arara Arara 161 Funai/DSEI Homologada. Reg. CRI e SPU. Dec. 399 de 24/ 274.010 Altamira Altamira: 2002 12/91 homologa demarcação (DOU, 26/12/91). Medicilândia Reg. CRI Altamira (206.862 ha) Matr. 21.084, Uruará Liv. 2 ACC, fl. 255 em 15/07/92. Reg. CRI Uruará Matr. 103, Liv. 2-A fl. 103 em 06/02/96. Reg. SPU Cert. 04 de 22/06/94.

Xingu, barragem e nações indígenas Araweté/Ig. Araweté 285 Funai Homologada. Reg. CRI e SPU.Dec. do pres. F. H. 940.900 Altamira Ipixuna Altamira: 2002 Cardoso do Dia 05/01/96 homologa a demarca- S. Félix do 278 DSEI ção administrativa (DOU, 08/01/96). Reg. CRI Xingu Altamira 2002 de S. Félix do Xingu, Comarca de S. Félix do Se. José Xingu (175.126 ha) Matr. 1485, Liv. 2-H, fl. 76 Porfírio em 09/02/96. Reg. CRI de Senador José Porfírio Matr. 522, Liv. 2-C, fl. 29 em 09/02/99. Reg. CRI Altamira Matr. 22.357, Liv. 2-AAQ, fl. 220 em 04/03/96. Reg. SPU Cert. s/n. em 20/05/97.

Badjonkore Kayapó 82 GT/Funai: 98 Identificada/Aprovada/Funai.Sujeita a Contesta- 222.000 S. Félix do Kuben ção. Port. Funai 125, cria GT p/ estudos e identi- Xingu Kran Ken ficação da TI. Despacho do pres. da Funai apro- Cumaru do va estudos de identificação (DOU, 14/04/99). Norte Baú Kayapó 128 Nair Delimitada.Port. do ministro da Justiça 826 de 1.850.000 Altamira Mekrangnoti Tanaka: 94 11/12/98 declara de posse permanente dos índi- os (DOU, 14/12/98) Cachoeira Arara 64 Funai/DSEI Delimitada.Port. Min. 26 de 22/01/93 declara de 760.000 Rurópolis Seca do Iriri Altamira: 2002 posse permanente indígena (DOU, 25/01/93). Port. Altamira Funai 428 de 27/04/94 designa antropólogo p/es- Uruará tudos antropológicos conclusivos (DOU, 06/05/94) Curuá Xipaia- 120 Funai Delimitada.Port. minist. 550 de 16/11/92 decla- 19.450 Altamira Kuruaia Altamira: 2002 ra de posse permanente (DOU, 17/11/92). 115 DSEI Altamira: 2002 Quadro 1 Terras e Povos Indígenas no Xingu8 População Extensão Terra Indígena Povo Situação Jurídica Município (n°, fonte, data)9 (ha)

Kararaô Kararaô 33 Funai Homologada. Dec. s/n. de 14/04/98 homologa a 330.837 Altamira Altamira: 2002 demarcação (DOU, 15/04/98). Resolução da 32 DSEI Com. de Sindicância da Funai lista os ocupantes Altamira: 2002 de boa fé da TI p/efeito de indenização de benfeitorias (DOU, 17/11/99). Port. 1160 cria CT p/realizar pagto das benfeitorias (DOU, 23/12/99).

Kayapó Kuben Kran 2866 Funasa: 98 Homologada. Reg. CRI e SPU.Dec. 316 de 29/ 3.284.005 S. Félix do Ken 10/91 homologa ademarcação (DOU, 30/10/91). Xingu Kikretum Reg. CRI Matr. 18.807, Liv. 2-AAD, fl. 129 em Gorotire 21/12/87. Reg. SPU Cert. 3 em 27/10/87 Kokraimoro Moikarakô A’Ukre

Koatinemo Asurini do 108 Funai/DSEI Homologada. Reg. CRI.Dec. s/n de 05/01/96 ho- 387.304 Altamira Xingu Altamira: 2002 mologa a demarcação (DOU, 08/01/96). Reg. CRI em Altamira Matr. 22.341, Liv. 2-AAQ, fl. 197 em 05/02./96

Menkragnoti Kayapó 657 Nair Homologada. Reg. CRI e SPU.Dec. s/n de 19/08/ 4.914.255 AltamiraS. Mekrangnoti Tanaka: 94 93 homologa a demarcação (DOU, 20/08/83). Félix do Xingu Kayapó Reg. CRI de S. Félix do Xingu (1.432.481 ha) (isolados) Matr. 1209, Liv. 2-F, fl. 195 em 26/06/95; de Altamira (3.336.390 ha) Matr. 22.341, Liv. 2- AAQ, fl. 197 em 09/02/96; de Peixoto Azevedo (128.305 ha) Liv. 2-RG, fl. 01V em 27/09/93: de Matupá, Comarca de Peixoto Azevedo (17.078

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte T ha) Matr. 1742, Liv. 2-RG, fl. 01 em 12/12/93. Reg. SPU MT 26 em 03/05/94. Reg. SPU-PA 05 76 em 05/07/94.

Panará Panará 202 ISA: 00 Delimitada.Em demarcação Port. do Ministro 495.000 Guarantã do da Justiça n. 667 de 01/11/96 declara de posse Norte permanente indígena (DOU, 04/11/96) Funai Altamira faz contrato para demarcação física com Três Irmãos Engenharia e Planejamento Imobiliário Ltda. Valor R$ 148.925,70, vigência um ano a partir de 06/03/98 (DOU, 16/03/98) Foi republicado o mesmo contrato em 13/04/98

Paquiçamba Juruna 69 Funai Homologada. RG. CRI e SPU.Dec. 388 de 24/ 4.348 Se. José Altamira: 2002 12/91 homologa a demarcação (DOU, 26/12/ Porfírio 79 DSEI 91), Reg. CRI Matr. 103, Liv. 2 A, fl. 108 em Altamira: 2002 12/11/90. Reg. SPU Cert. 10 em 05/08/94.

Xingu, barragem e nações indígenas Pu’ro – Baixo/ Kayapó Sem informação A identificar Sem informação Altamira Rio Curuá Pu’ro (isolados)

Rio Merure Kayapó Sem informação A identificar. Sem informação Altamira Pituiaro (Verswijver, L. P: 86) (isolados)

Rio Tapirapé/ Isolados do Sem informação A identificar Sem informação Se. José Tue-re Rio Tapirapé Porfirio

Trincheira/ Asurini do 468 Funai Homologada. Reg. CRL.Dec. s/n de 03/10/96 1.650.939 Se. José Bacajá Xingu Altamira: 2002 homologa a demarcação (DOU, 04/10/96). Reg. Porfírio Araweté 450 DSEI CRI em Senador J. Porfírio Matr. 535, Liv. 2 – S. Félix do Parakanã Altamira: 2002 C, fl. 42 Reg. CRI em Altamira 22.552, Liv. 2- Xingu Kararaô AAQ, fl. 167 em 02/04/76. Reg. CRI em Pacajá Pacajá Xikrin do 1075, Liv. 2-I, fl. 142 em 04/05/98. Reg. CRI Bacajá S. Félix do Xingu, área II Matr. 1.742, Liv. 2, fl. 141 em 04/05/98. Reg. CRI S. Félix do Xingu área II, Matr. 1‘743. Liv 2-I, fl. 142 em 04/05/ 98. Resolução 85 de 11/02/00 considera de boa fé o ocupante não-índio José F. da Conceição (DOU, 14/02/00). Xipaia Xipaia- 87 Funai Em Identificação:Port. 974 de 15/10/99 cria Sem informação Altamira Kuruaia Altamira: 2002 GT para estudos de identificação da TI (DOU, 63 DISE 18/10/99) Altamira:2002 Juruna e Xipaya entre outros, constituíram associ- barragem. Isso quer dizer que dois rios serão usa- ação e tentam, a duras penas, descobrir seus “pa- dos para ligar o local de represamento ao de gera- rentes”.10 A presença de índios em Altamira é so- ção de energia. Mas, para desempenhar essa fun- bejamente conhecida pela Fundação Nacional do ção, tais rios terão que ser alargados e estendidos Índio (FUNAI), mas esquecida, ou melhor, não re- para receber concreto numa faixa de 13 km, apro- conhecida para fins de exercício de suas obriga- ximadamente. Portanto, serão dois canais de 13 ções tutelares. km cada um, com 10 m de profundidade e 50 m de largura. O local escolhido para o empreendi- Os indígenas moradores da Volta Grande junta- mento é a Volta Grande do Xingu, parte final do mente com o sem número de Curuaia, Xipaya e rio que atinge diretamente os municípios de Alta- Kayapó que vivem em Altamira são, do ponto de mira, Anapu, Senador José Porfírio no estado do vista dos impactos do empreendimento Belo Mon- Pará.12 Indiretamente, atinge os municípios de te, os mais vulneráveis e que, portanto, demandam Cumaru do Norte, Guarantã do Norte, Pacajá, maior proteção. Especialmente porque morar lon- Rurópolis e São Felix do Xingu, onde há territóri- ge de seus territórios tradicionais não foi uma “op- os indígenas, conforme referido acima. Os movi- ção”. Foi fruto de raptos, guerras interétnicas ou mentos sociais receiam, também a repercussão da deslocamento compulsório produzido pelas fren- obra, caso esta se concretize, sobre os municípios tes de expansão. Deixá-los entregues à própria sor- localizados na foz do Xingu. te fere direitos humanos fundamentais. Instada a se manifestar pelo Ministério Público, a Notícias sobre os conflitos foram registradas por Eletronorte declarou, em fevereiro de 2000, que Nimuendajú, na década de 40, em uma das mui- o projeto ainda não estava definido. Entretanto, tas viagens que fez ao Xingu. Diz o etnólogo: em março de 2001, novamente provocada por for- “[n]a ilha do Bom Jardim encontrei uma personagem inte- ça da Ação Civil Pública já proposta, a Eletronorte

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte ressante: Judith. Em 1936 atacaram os Górotire, na sua mi- informou que o Estudo de Impacto Ambiental e o T gração para o norte, uma casa um pouco abaixo de Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) es- Piranhaquara, matando a mãe de Judith e dois outros paren- 77 tes e caregando-a como prisioneira. Ela estava entre os tavam sendo providenciados através da Fundação Górotire quando estes derrotaram os Açurini. Depois de de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa quatro meses, estando os índios já outra vez a caminho do (FADESP), e que o processo de licenciamento Sul, Judith conseguiu fugir. ambiental tramitava perante a Secretária Executi- Havia então entre os Górotire um moço Yuruna [Juruna], va de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente prisioneiro de guerra como ela, de nome Utira, com o qual (SECTAM) do estado do Pará, e não junto ao Ins- ela fez amisade [sic]. Ele tinha então uns 20 anos, ela uns 16 tituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur- anos. Fugiram juntos e alcançaram a margem do Xingu na sos Naturais Renováveis (IBAMA), como quer a boca do Igarapé de Bom Jardim onde seringueiros os acolhe- legislação vigente, dadas as características da obra, ram. Judith estava longe de se conservar fiel ao seu salvador que, enfim, sempre era um ‘bicho’ [índio]. Ao índio simpá- analisadas na seqüência.

Xingu, barragem e nações indígenas tico e moço ela preferiu um mulato velhusco, seringueiro Segundo a demanda do Ministério Público Federal em Bom Jardim com quem se amasiou. Utira foi levado para Altamira onde o maquinista da usina elétrica tomou conta à Justiça, a Eletronorte contratou a Fundação de dele, iniciando-o no ofício. A última vez que o vi foi quando Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP), passou por mim nas ruas de Altamira, montado numa bici- sem licitação, para a elaboração do EIA/RIMA ao cleta e metido num fato branco.”11 preço de R$ 3.835.532,00 (três milhões oitocentos Contadas assim, histórias de raptos, alianças e de- e trinta e cinco mil e quinhentos e trinta e dois re- 13 sencontros não parecem trágicas. Mas quantos não ais). Além do que ficou constatado que o Termo foram os índios e não índios vítimas das desaven- de Referência do empreendimento, o qual deter- ças, cujos descendentes continuam embrenhados mina o conteúdo do EIA/RIMA, não contou com a nos recantos do Xingu? participação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), malgrado a área de Voltando ao Xingu de hoje, é assustador ver que a incidência direta da obra abrigar sítios arqueológi- situação das sociedades indígenas mesmo quando cos patrimônio cultural tangível e patrimônio cul- possuem seus direitos assegurados e terras regis- tural intangível constituído por costumes e tradi- tradas é frágil. Especialmente, porque o projeto ções dos povos indígenas e não indígenas na área da Eletronorte prevê a construção, além da casa onde o empreendimento deverá se estabelecer.14 O de força principal, de dois canais de adução (leste Termo de Referência, submetido e aprovado pela e oeste) para barrar o Rio Xingu, aproveitando a SECTAM, órgão estadual incompetente para tal fim, queda d’água de 90 m do local para construir a determinou a realização de quatro campanhas15 de campo para a elaboração do EIA-RIMA. Verifican- Essa disposição normativa vem sendo alvo de críti- do as datas do cronograma de execução, notou-se cas por não ser exaustiva. Com efeito, não são ape- que o término de uma das campanhas estava pre- nas os casos nela elencados que devem ser licenci- visto para novembro de 2001, sendo que a ados pelo IBAMA. Outras hipóteses, inclusive por finalização do EIA-RIMA está prevista para março determinação constitucional, prevêem a compe- de 2001. Impossível, portanto, de se completar a tência licenciatória federal, como quer Benjamim: referida campanha, ou então o estudo e o pertinente “[n]esse ponto, a Res. CONAMA 237/97 é, no mínimo, in- relatório não se pautaram por critérios científicos? completa, pois, na repartição das competências licenciatórias ambientais que fez, diz muito menos do que exige a Consti- tuição Federal. Além das hipóteses de licenciamento federal A competência, “não competente” referen- expressamente listadas no ato regulamentar do CONAMA, te ao licenciamento ambiental cabe ao IBAMA, evidentemente, licenciar projetos em que a União seja especialmente interessada, o que ocorre quando: O Projeto UHE de Belo Monte é obra que, pelas a) assim determina o ordenamento, expressando uma dimensões, causará significativa degradação do valoração direta de interesse federal; b) é de seu domínio o meio ambiente. Portanto, para que seja legítima a bem imediato potencialmente afetado, ou ainda; c) por es- tar a União obrigada a fiscalizar o bem ambiental potencial- execução do projeto torna-se necessário o Estudo mente afetável...”17 de Impacto Ambiental, bem como o pertinente Relatório (EIA/RIMA), como determinado pela No mesmo sentido se posiciona Florillo, Constituição Federal, a saber: “[v]ale frisar que essa competência material deverá ser “[t]odos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equi- verificada ainda que o ente federado não tenha exercido a librado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qua- sua atribuição legislativa. Ademais, deverá ser verificado se lidade de vida, devendo o poder público e a coletividade o bem a ser tutelado é de gerência da União (art. 20 III) ou defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. do Estado (art. 26, I), para que se possa determinar qual o ente responsável pela aplicação das sanções aplicáveis ao

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte 18 T Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao Poder caso.” Público: disposto no item IV “exigir, na forma da lei, para A definição sobre os bens da União é realizada pela 78 instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo de Constituição da República que no artigo 20 dis- impacto ambiental, a que se dará publicidade.”16 põe como bens da União: “III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terre- Portanto, a competência para o licenciamento nos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, ambiental é exercida por todos os entes da federa- sirvam de limites com outros países, ou se estendam a terri- ção, através dos órgãos integrantes do Sistema tório estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), previsto marginais e as praias fluviais; ...” (Destaque nosso) no artigo 6º da Lei 6.938/81, que diz: O sagrado Xingu dos povos indígenas nasce na “[o]s órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito região leste do estado de Mato Grosso, mais preci- Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as Fun- samente a oeste da imponente Serra do Roncador Xingu, barragem e nações indígenas dações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela pro- e ao norte da Serra Azul, onde se encontram os teção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sis- tema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) ...” rios Kuluene e Sete de Setembro, seus formado- res. Após percorrer aproximadamente 2.100 km, Na tentativa de efetivar a utilização do sistema fertilizando várias terras indígenas e não indíge- de licenciamento ambiental, o Conselho Nacio- nas, deságua no Rio Amazonas, através de uma foz nal de Meio Ambiente (CONAMA) editou a Re- de 5 km de largura ao sul da Ilha de Gurupá, no solução 237/97, que estabelece critérios para a estado do Pará.19 repartição das competências que assegura no Diante dessas constatações e tendo como lastro a artigo 4º que, legislação vigente, é impossível não admitir que o “[c]ompete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos bem afetado pela construção da UHE de Belo Mon- Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o art. te é da União. Portanto, o licenciamento ambien- 10 da Lei n.º 6.938/81, de empreendimentos e atividades tal somente poderá ser realizado pelo IBAMA, ja- com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou mais pela SECTAM, como quer a Eletronorte. Há regional a saber: I. localizadas ou desenvolvidas conjuntamen- nos autos do Processo 2001.39.00.005867-6 Justiça te no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plata- Federal,20 tomado como fonte, ofício do titular da forma continental; na zona econômica exclusiva; em terras SECTAM (fls. 139-140) a informar que o Termo indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União; II. localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais esta- de Referência do empreendimento em estudo dos; III. cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os li- obteve aprovação do órgão que dirige e do IBAMA. mites territoriais do país ou de um ou mais Estados; ...” Fato é desmentido pelo Presidente do IBAMA no supra mencionado processo. Com efeito, o IBAMA O Termo de Referência, nem foi requerido pelo pode efetivar a sua competência licenciatória de órgão ambiental competente como ordena a Lei, forma originária ou supletiva. A primeira ocorre nem tampouco foi elaborado em estreita articula- quando a licença afeta bem ou interesse da União. ção com este. Resta patente que já nasceu viciado, A supletiva se dá quando o Estado não está muni- vez que desrespeitou as orientações do Ministério do de órgão ambiental próprio – o que não é o de Meio Ambiente e os dispositivos da legislação caso – ou ainda quando há receio de que o cami- vigente. Além das vicissitudes formais identificadas nho seja ou possa ser materialmente ou formal- na fase preliminar à elaboração do Termo de Re- mente viciado. No caso sob julgamento, trata-se ferência, este, em seu bojo, apresenta algumas de competência originária do IBAMA, tendo em anomalias. Para um empreendimento do porte da vista ser o Rio Xingu bem da União, haver poten- UHE Belo Monte é imprescindível que, na sua ela- cial de energia hidráulica, além de outros aspec- boração, o Termo de Referência conte com a par- tos que serão referidos adiante. ticipação de outros agentes sociais, como comuni- dade científica, órgãos públicos, grupos sociais atin- O termo de referência, “sem referências” gidos pela obra, dentre outros. É nesse sentido a orientação do Ministério do Meio Ambiente, dos A empreendedora não cometeu equívocos, ape- Recursos Hídricos e da Amazônia Legal: nas em relação à competência para licenciar a “[c]omo detentor das informações sobre o plano, projeto obra. O Termo de Referência ou Termo de Ori- ou programa a ser licenciado, deve elaborar o Termo de Re- entação e Referência é o instrumento orientador ferência com os demais agentes sociais (...). Essa participa- para a elaboração de qualquer tipo de estudo ção propicia uma melhor compreensão das exigências ambi- ambiental (EIA/RIMA, PCA, RCA, Plano de Mo- entais e pode levar a eventuais reformulações ou adequação nitoramento, entre outros).21 O documento deve no projeto proposto, antes de submetê-lo formalmente ao anteceder à modificação do meio ambiente ao órgão de meio ambiente. Isto contribui para a redução de

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte

custos e maior agilidade no processo de licenciamento T estabelecer o conteúdo que deve ter um estudo ambiental do empreendimento.”23 ambiental de conformidade com a grandeza do 79 empreendimento.22 Ele deve ser elaborado pelo A empreendedora parece se achar auto-suficien- órgão ambiental encarregado do licenciamento te, ao mesmo tempo em que se esquiva dos pro- da obra, embora possa ser elaborado pelo pró- blemas sócio-ambientais, culturais e econômicos prio empreendedor e submetido à aprovação do que a sua atividade trará à região. Despreza os de- órgão ambiental. mais integrantes do cenário social quando das dis- cussões preliminares referentes à construção de Voltando a Belo Monte, a Eletronorte, sem qual- um empreendimento que, inevitavelmente, acar- quer preocupação ambiental, elaborou por conta retará mudanças significativas em âmbito local e própria o Termo de Referência do empreendimen- nacional. Questionada judicialmente, a Eletronor- to e o encaminhou para aprovação ao órgão ambi- te anexou ao processo Documentos que comprovam a

ental não competente, a SECTAM. Esse fato se re- Xingu, barragem e nações indígenas participação da sociedade de Altamira-PA na Elabora- vestiu de gravidade extraordinária, posto que foi ção do EIA/RIMA de UHE de Belo Monte.24 o infausto Termo de Referência que possibilitou a celebração de Convênio entre a Eletronorte e a Os documentos anexados tomam como partici- FADESP que prevê gastos na ordem de R$ 3,8 mi- pação a assistência bancária25s a palestras sobre a lhões de reais em um EIA/RIMA, cujo conteúdo “Implantação do Projeto da Hidrelétrica de Belo foi determinado por órgão incompetente. Vale Monte” realizadas em associações clubes e esco- dizer, houve gasto de dinheiro público em um es- las em alguns municípios paraenses. A Eletronor- tudo ambiental que não servirá para licenciamen- te fez fotocópias e apresentou as listas de freqüên- to algum. Considerando a má aplicação dos recur- cia aos eventos, em número de sete, que não pa- sos públicos, os integrantes do 1º Encontro dos Po- recem obedecer a uma programação e também vos Indígenas da Volta Grande do Xingu, realizado não parecem atrair um público demasiadamente em 1º.06.2001, na Aldeia Paquiçamba exigem: grande, num total de 784 pessoas, o que daria “... que o dinheiro público que será investido na construção uma média de 112 participantes por evento. Há dessa barragem seja revertido: na educação, na saúde, em eventos extremamente reduzidos com 12 partici- financiamentos na agricultura familiar, na demarcação das pantes dos quais cinco da Eletronorte e outros terras indígenas, na regularização fundiária dos lotes, na com mais de duzentos participantes (Quadro 2). melhoria das comunidades locais, no apoioà organização de comunidades tradicionais, em projetos sustentáveis de uso Qual a dimensão da participação em uma região dos rios e das florestas de acordo com nossos interesses e habitada milhares de pessoas? Como contemplar necessidades.” interesses sem discussão? No quadro, o evento em negrito parece não dizer Transamazônica e do Xingu, as Associações de Povos respeito a UHE de Belo Monte, deve ter havido Indígenas do Xingu aldeados ou moradores da ci- descuido da empreendedora. É necessário obser- dade e tantas outras entidades vem discutindo sis- var que não há um evento na sede do município tematicamente seus destinos. A Eletronorte fez de Altamira. Há, no documento apresentado, uma questão de desconhecer o fato, talvez (?) por, relação de eventos, ocorridos em Brasília, aos quais preconceituosamente, acreditar que Altamira é alguns representantes da Sociedade Civil Organi- “terra de índio”, “de arigozada” “de nordestinos”, zada, autoridades institucionais e políticos entre “de gauchada”, dada a afluência de migrantes des- outros parecem ter sido convidados pela Eletro- de os idos do século XVIII, quando os sertões eram norte a se fazerem presentes, estão listados 128 ou pareciam inacessíveis, só que seus habitantes nomes entre entidades, autoridades civis e eclesi- pensam e procuram agir para superar desentendi- ásticas, lideranças sindicais entre outras, inclusive mentos e os massacres do tipo Vitória.27 o Bispo do Xingu Dom Erwin Krautler, que enca- No que tange à participação do IPHAN é necessá- beça o documento, talvez (?) porque a Eletronor- rio considerar que o órgão deve analisar, juntamen- te acredite que insatisfeitos, os habitantes do Xin- te com os interessados, os impactos advindos da gu, possam queixar-se ao Bispo, como diz o adá- construção da UHE de Belo Monte sobre sítios gio popular e, nada resolver! arqueológicos, formações rochosas trabalhadas Engana-se a Eletronorte quando toma assistência com pinturas rupestres, patrimônio cultural e his- a eventos ou pagamento de deslocamento de lide- tórico da região não registrado nem tombado. O ranças locais como “participação”. Participação, no Xingu por ter sido um dos últimos afluentes do Xingu, se expressa a partir da luta como: direito à Amazonas a ser revelado ao colonizador, mantém informação, discussão das informações oferecidas, tesouros escondidos, alguns deles só “preservados” agregação de informações obtidas pelos morado- pela retina de seus filhos ao vislumbrar a “terra

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte T res da região, conhecimento detalhado de proje- sem males”, como reza a tradição Tupi. O inventá- 80 tos que digam respeito ao destino dos xinguenses,26 rio e a avaliação patrimonial é de suma relevância e sobretudo tomada de decisão após discussões para a formação da sociedade brasileira, paraense detalhadas. Os movimentos sociais que ao longo em particular, bem como para a manutenção de do Xingu se multiplicam, possuem tradição políti- marcadores que possam delinear políticas públi- ca. Há anos o Movimento pelo Desenvolvimento da cas e proteger o patrimônio histórico brasileiro.

Quadro 2 Eventos sobre a UHE de Belo Monte Local/ Nº de Participantes Referência Evento Município Data participantes Eletronorte no processo

1. Sem título Sem referências Sem data 110 10 Fls. 694-497

Xingu, barragem e nações indígenas 2. Situação atual dos estudos Escola Municipal Irmã 21.06.2001 25 Não Fls. 498 de viabilidade técnica, (nome ilegível) – Brasil discriminado econômica e ambiental da Novo UHE de Belo Monte

3. Sem título Usina Abraham Lincon 21.06.2001 12 05 Fls. 499 [sic] Medicilândia

4. Projeto casa Casa Familiar Rural 20.06.2001 17 07 Fls. 500 Familiar Rural – Agrovila Miguel palestrante Darcílio Gustavo Medicilândia Vronski 5. Situação atual dos estudos Clube Ritmus 19.06.2001 101 06 Fls. 501-504 de viabilidade técnica, Medicilãndia econômica e ambiental da UHE de Belo Monte

6. Situação atual dos estudos Clube SocrecaUruará 18.06.2001 239 12 Fls. 505- 512 de viabilidade técnica, econômica e ambiental da UHE de Belo Monte

7. Encontro da Eletronorte em Sem referência Porto de 26. 05. 2001 280 Sem referência Fls. 513- 520 Porto de Moz Moz

Fonte: Processo 2001.39.00.005867-6, Justiça Federal. Sobre a dimensão do patrimônio, Tympektodem “[o] Rio Xingu está entre os grandes cursos d’água do plane- Arara foi enfático em carta a Fernando Henrique ta. No seu trecho final a Eletronorte projeta uma grande hi- Cardoso, datada de 27.04.2002: drelétrica, só menor no Brasil à de Itaipu, com investimento de R$ 13 bilhões. O problema é que essa usina só vai poder “senhor presidente, nós não queremos a terra com males, gerar a plena capacidade em metade do ano. Durante dois queremos rapidamente a terra demarcada para nossa comu- ou três meses ela ficará parada ou a baixíssima produção. nidade Arara, todo mundo sabe que os índios precisam da Mesmo sabendo que não será dona da obra a Eletronorte sua terra, sem a terra ninguém vive, você tem tudo e não está anda às pressas para queimar etapas. Isto é bom ?” nem aí pra nós índios, enquanto isso nos temos mal a terra e vivemos na maior dificuldade, com medo dos madeireiros e E, adiante, explica: invasores de terra indígena e pescadores... Todos nós índios “[p]ara as 20 máquinas alcançarem sua rotação máxima de queremos viver felizes na nossa terra ninguém gosta de vio- fábrica, precisam de 14 mil metros cúbicos de água (14 mi- lência, sempre gostamos de brincar, caçar, trabalhar, andar lhões de litros) por segundo (700 m3 por cada máquina). As 28 na nossa terra.” vazões do Xingu variam entre um máximo de pouco mais de 3 No entanto, a Eletronorte ignorou/ignora pedi- 30 mil m /segundo (menos da metade do recorde de vazão do Tocantins) e um mínimo de 443 m3/s. Mas o Rio costuma dos, requerimentos, manifestações e tentativas de ter estiagens rigorosas durante 2 a 3 meses. Isso significa que diálogo. Age de forma truculenta. Em passado não durante esse período nenhuma das maravilhosas máquinas muito distante, há exemplo da intransigência da de Belo Monte poderá funcionar. Em outros três meses, o Eletronorte quando da construção da UHE de funcionamento será de 2 a 4 máquinas. Ao longo de seis meses Tucuruí, conforme relata Santos: o Xingu verte menos do que os 14 mil m3 necessários para manter a capacidade nominal da usina” “[p]rovocou o alagamento de cerca de 250.000 ha, atingindo os grupos indígenas Gavião e Parakanã.. Suas linhas de trans- Das conseqüências relatadas acima, depreende-se missão atingiram os Guajajaras. Trata-se de um típico empre- o quanto é importante tratar com seriedade o Es- endimento implantado durante a ditadura militar e voltado tudo de Impacto Ambiental, o qual revelará não para atender interesses transnacionais, interessados na pro-

29 só a viabilidade ambiental, bem como a possibili- I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte dução de eletrometalúrgicos, especialmente o alumínio.” T dade econômica do empreendimento.32 Ainda hoje, a União responde pelos desmandos 81 da década de 80, pois os processos continuam na Justiça e os Gavião Parkatêjê30 não arrefeceram no Os direitos indígenas propósito de ver seus direitos reparados. Some-se Com a promulgação da Constituição Federal de ao exemplo, o trecho de carta desesperada dos 1988, os povos indígenas obtiveram o reconheci- Juruna, residentes na Terra Indígena Paquiçam- mento de seus direitos originários sobre as terras ba, enviada ao Ministério Público Federal (em que tradicionalmente ocupam (art. 231). Em con- epígrafe) que indica tanto o conhecimento tradi- seqüência, tornou-se obrigatória a consulta aos cional de quem respeita a natureza, como a dispo- povos indígenas em casos de aproveitamento de sição de não se submeter a imposições que com- recursos hídricos ou de exploração mineral em prometam o sagrado Xingu. suas terras. A Carta Magna também reconheceu, aos índios, organização social, costumes, línguas e Xingu, barragem e nações indígenas Pelo exposto, é inegável constatar que a Eletro- tradições diversas. Em outras palavras, a lei supre- norte desconsiderou os aspectos social, cultural e ma delineou as bases políticas em que se devem ambiental, excluindo de sua atividade preliminar efetivar as relações entre os diferentes povos indí- peças fundamentais para a feitura de um Estudo genas e o Estado brasileiro. de Impacto Ambiental. Hipoteticamente, supõe- se que, pela pressa em levar a obra a termo, A Constituição da República projetou, assim, para despreparo político ou má fé, a empreendedora o campo jurídico, normas referentes ao reconhe- repete os erros ocorridos em outros locais do país. cimento da existência dos povos indígenas e defi- A literatura científica, sobre os problemas relacio- niu as condições para a sua reprodução e conti- nados aos impactos produzidos pelas hidrelétricas, nuidade física e social. Ao reconhecer os direitos é vasta, alguns especialistas inclusive já colabora- originários dos povos indígenas sobre as terras tra- ram com a empresa em outros momentos.31 dicionalmente ocupadas, a Lei Maior incorporou a tese da existência de relações jurídicas entre os Na edição de março de 2001, o periódico Agenda índios e essas terras anteriores à formação do Es- Amazônica traz matéria de capa intitulada Belo Monte tado brasileiro. – a maior Hidrelétrica a fio d’água do mundo. Nela o jornalista Lúcio Flávio Pinto aponta as contradi- Não se pode pensar que tais inovações foram con- ções do projeto, entre as quais o período de estia- seqüências da magnanimidade dos constituintes em gem, afirmando: favor dos índios. Na verdade, enquanto minorias étnicas, os povos indígenas estão protegidos por que queremos. Nós queremos é nos organizar, usu- diferentes convenções internacionais. O Brasil é sig- fruir nós mesmos da riqueza de nossas terras.”33 natário de várias delas, como a Convenção 169 da Faz-se necessário asseverar que, como diz Geertz, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o direito não se realiza somente como um conjun- referente à questão indígena, assinada em Gene- to sistemático de leis, decretos, portarias, medidas bra, revela o nítido propósito de garantir a diversi- provisórias, procedimentos formais e princípios dade étnica. abstratos. Consubstancia, também, o “... saber lo- No nível interno, as lideranças indígenas se orga- cal; local não só com respeito ao lugar, à época, à nizaram e exerceram legítimas pressões sobre os categoria e variedade de seus temas, mas também constituintes para assegurar seus direitos. A socie- com relação a sua nota característica.” (1998: 324)34 dade civil também participou desse processo de Nessa perspectiva, Belo Monte não pode ser redu- tomada de consciência sobre a nossa realidade zida a uma questão técnica. Não é possível trans- interna. O Brasil é um país pluriétnico, multicul- formar diferenças sócio-culturais concretas em tural e multissocietário e o Estado brasileiro deve banalidade. Afinal, a sensibilidade jurídica dos efetivamente estar organizado para administrar os índios e dos xingüenses que se apresenta comple- interesses dos diferentes segmentos que o integram xa dadas às múltiplas falas que implicam em supo- (artigo 216 da Constituição). Os povos indígenas, sições e histórias sobre ocorrências reais, passadas através de suas especificidades, lingüísticas, soci- e futuras, formuladas através de imagens relacio- ais e étnicas, contribuem à sua maneira para a for- nadas aos seus princípios culturais, não pode ser mação desse mosaico étnico em que consiste o país. desconhecida. Aos indígenas está se imputando a Os indígenas conhecem os desmandos e estão pesada carga de “obstruir o desenvolvimento”. Mais prontos a intervir em favor de suas sociedades, dos o que é o desenvolvimento feito às custas de vidas,

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte

T “parentes”, como informou Cláudio Mura, dirigen- de usurpação de terras? Aos índios, como aos de- te da Coordenação das Organizações Indígenas da mais moradores do território do Xingu, não se tem 82 Amazônia Brasileira (COIAB): “o governo faz pro- garantido os princípios constitucionais de ampla jeto de cima para baixo. Fica agradando [alician- defesa de direitos, na medida em que a participa- do] liderança, fazendo promessas, mas não é isso ção é cerceada.

Claudia Andujar

Xingu, barragem e nações indígenas Os impactos que as Nações Indígenas “não atendidos. Uma vez em Vitória, os índios foram levados para desejam experimentar” uma sala, e, quando estavam dormindo, as saída foram obstruídas por gente armada. O chefe do grupo, perceben- A saga dos xinguenses, viva na memória dos índi- do o que se preparava, saiu, e, ao tentar apoderar-se de uma os e esmaecida – por conveniência – na memória canoa no pôrto, foi morto a tiros. Os assassinos dizem que dos brancos, é bastante conhecida na área do êle estava armado de revolver e que atirou primeiro. Em se- Xingu, pois seguidamente seus territórios tem guida, fuzilaram também os que estavam na sala, morrendo sido invadidos pelas frentes de expansão que al- ao todo, entre homens, mulheres e crianças, 9 índios. Só es- capou um casal. – Foi isto o ‘ataque dos Kayapó a Vitória’.” cançaram a bacia do Xingu e seus afluentes. Par- (1982 [1940]: p. 227. Destaque nosso.) ticularmente, trágicas são as áreas entre o Xingu e o Tocantins compreendendo o vale do Iriri e Sem muito esforço, observa-se que intenso será do Jamanxim; e entre o Xingu e o Tapajós, palco o impacto sócio-ambiental e cultural, especial- de inúmeras tocaias e região de intensos confli- mente considerando o significado do Xingu, tos étnicos. para os habitantes da região. A construção da UHE de Belo Mon- Dois episódios rela- Manuel Juruna, te profanará o rio e tados por Nimuen- Monti Aguirre/IRN ameaçará às diver- dajú dão conta da sas populações in- guerra, no tempo dígenas residentes em que se acredita- ao longo do Rio va que “[o] bicho Xingu, em especial [índio] só amansa à etnia Juruna, da mesmo a bala.” Terra Indígena Pa- (1982[1940]: p. 222) quiçamba.

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte

Em carta a Schultz, T A experiência viven- chefe da equipe ciada, pelo contato 83 etnográfica do Servi- com os “parentes” ço de Proteção aos expulsos de Tucu- Índios (SPI), sobre a ruí,35 faz Manuel Ju- expedição armada runa antever a catás- contra os índios Pa- trofe e afirmar: rakanã, descreve a postura de Carlos Teles, chefe de polícia, à época da construção da Estrada Fer- “eu já fui duas vezes em Tucuruí e todas as vezes que chego lá o pessoal ‘tá tudo reclamando. Então tudo que o pessoal ro do Tocantins, na década de 40. Diante do fala dessa barragem, além de afetar a água que nem a mata, interventor no estado do Pará, Coronel Barata, diz não vai servir prá gente. Aí a gente não tá querendo nem o etnólogo: eu, nem meu pessoal. Ninguém tá querendo não! De jeito 36 “[d]e hoje em diante, quando avistarem os índios na estra- nenhum!” Xingu, barragem e nações indígenas da de ferro, ninguém mais deve pesquisar se estes vinham Mas Manuel não é o único a compreender os im- com intenções pacíficas ou não, mas abrir fogo contra eles, e não deveriam atirar para o ar nem para o chão mas fazer pactos, caso o projeto seja implantado. A seguir pontaria certa! Ele, Teles, ficaria como responsável por to- apresentamos depoimentos de indígenas que com- das as conseqüências [sic] ... ou se acaba com os índios ou partilham das preocupações do “parente”. estes acabam com a civilização!”(1982 [1945]: p. 244. Des- taque nosso.) Diz Adoum Arara, “[d]epois da barragem, nós não vamos viver como agora sem As declarações ouvidas por Nimuedajú motivaram a barragem. Vai desaparecer o peixe, morrer muita caça, e a sua desistência em acompanhar as operações da gente vai passar fome, não vamos ter todas as coisas que tem Fundação Brasil Central responsável pela constru- no rio e na mata. Uns vão embora porque o rio vai ficar cheio ção da Estrada de Ferro Tocantins, por antever a ou vão morrer. Vai estragar a vida de todos os índios, ribeiri- carnificina. Em relatório apresentado ao SPI sobre nhos e da natureza que é a nossa vida. Nós não queremos a os Gorotire, em abril de 1940, conta Nimuendajú: barragem de Belo Monte.”37 “[o] resto daquele bando que aparecera no Jaraucu e que A compreensão da repercussão é aterradora. Dei- por último acampou defronte a Itapinima, saira numa praia xa de existir caça, pesca e coleta. Produz a desa- do Xingu, na boca do Tucuruí. Era apenas uma dúzia de ín- gregação social pela ameaça de migração dada ao dios. Diversas embarcações que passaram encostaram e os tripulantes visitaram o acampamento sem incidentes. Depois espectro da fome. O conhecimento de Adoum não os índios apareceram em frente a Vitória pedindo que os se aprende na escola, pauta-se pelo conhecimen- transportassem à margem direita do Tucuruí, no que foram to vivenciado, é a chamada ciência do concreto, como quer Lévi-Strauss.38 O jovem Arara, da Escola Altamira, no beiradão Xingu/Iriri/Curuá e na AI Curuá. Ugorogmo Oudo Tapeda Idekekpo, é acompanhado em Desse total cerca de 344 indivíduos serão diretamente afeta- seu receio pelos seus colegas que sem serem advo- dos pela formação do reservatório. (...) A população indíge- na dessa área soma 344 pessoas, agregadas em 42 grupos fa- gados, antropólogos, biólogos ou engenheiros, miliares e em 61 famílias nucleares. Deste total, 193 perten- informam sobre o futuro: cem ao grupo Juruna, 79 pertencem ao grupo Xipaya, 06 ao “... vai acabar com tudo, além de trazer doenças e muitas Grupo Curuya, 06 ao Grupo Arara do Xingu e 02 ao grupo pragas e vai tirar a vida de muitas pessoas de índios, de bi- Kayapó”43. chos, vai acabar com o peixe, caça, aí nós vamos passar fome, Essa situação gerou, à época, grande revolta às co- vai alagar nossa terra, vai morrer muitas árvores de castanha e de outros que fazem parte da nossa natureza é dela que munidades indígenas, as quais relutaram de todas vivemos e por isso somos felizes.”39 as formas contra a construção da então UHE Kararaô, hoje denominada Belo Monte. Tal resis- Com a interrupção do curso do rio, Kuit prevê a prolifera- ção de diversas doenças que, se não forem controladas, po- tência deu ensejo à cena que correu o mundo, a dem levar a um processo de dizimação do grupo. Fala da índia Tuíra, considerada símbolo da luta contra devastação da cobertura vegetal, da morte das castanheiras. Kararaô, encostou a lâmina de seu facão no rosto Urge chamar atenção para a diferença feita pelo escriba: “... do representante da Eletronorte. vai tirar a vida de muitas pessoas de índios ...” e, em seguida, enumera: “ de bichos, ...peixe, caça ...” Diferença que nós E nem se diga que o novo projeto da UHE de Belo não precisamos fazer, pois não sofremos preconceito, mas Monte veio justamente para eliminar ou minimizar que aos índios é fundamental, afinal, como dizem os mais os impactos previstos para a UHE Kararaô, como idosos que não dominam o português: “nós não somos que tem afirmado o presidente da empreendedora. nem jabuti para viver num pedacinho de terra, nós temos pés para andar na mata, mão para trabalhar e matá caça.”40 Não é a simples diminuição da área a ser inunda- da, ou a criação de dois canais de adução, que fa- No contraponto com a sociedade nacional, ou com os Karei rão com que as águas cheguem à Volta Grande do (brancos), como dizem os Arara, a humanidade precisa ser

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte Xingu com o mesmo volume e piscosidade de an- T enfatizada, pois são tratados, ainda hoje, como bichos. Às gentes o tratamento deve ser diferenciado, mas os Karei da tes como se não houvesse interferência alguma. 84 Eletronorte parecem não entender, pois não ouvem os do- Além do mais, a obra – caso seja executada – acar- nos da terra. No Dossiê o nome da empreendedora é, algu- retará fato admitido pela Eletronorte (2002) mas vezes, trocado para “Eletromorte”, empresa que quer a “relocação de aldeia” ou “relocações de famílias” “destruição do futuro”, como afirma Sílvia Juruna. O brado de Mobu-Odo Arara é contundente, na afirmação de direi- e “reformulação de situação fundiária” dos Juru- tos, previsão de futuro e disposição para luta, na da Terra Indígena Paquiçamba e dos indígenas que moram ao longo da Volta Grande (Arara, Ju- “[v]ocês pensam que índio não é gente e que não tem valor? Mas nós somos gente e iguais a vocês brancos, temos o mes- runa, Kayapó, Kuruaia e Xipaya). mo valor que vocês. Vocês podem governar na cidade de No caso do baixo Xingu (Assurini do Xingu, vocês, mas no rio, na nossa aldeia não é vocês que gover- nam. Tente respeitar os nossos direitos e o que é nosso. Não Araweté, Parakanã, Kararaô e Xikrin do Bacajá) é queremos barragem! Não queremos Belo Monte!”41 admitida a “reformulação de via de transporte”. Xingu, barragem e nações indígenas Enquanto que, no caso dos indígenas do “beiradão”, Os depoimentos indicam a existência de um cor- em Altamira, (Arara, Juruna, Kayapó, Kuruaia e po de categorias culturais, ou códigos normativos Xipaya), está prevista a “possível relocação de fa- instituídos socialmente que definem direitos e mílias por conta do alagamento de trechos da cida- deveres entre os homens, bem como os meios de”. O “despreparo” do empreendedor é incomen- através dos quais os conflitos são dirimidos. Não surável! Arrola pessoas, famílias e sociedades indí- há como deixar de perceber as categorias de res- genas com terras homologadas, como se os papéis peito à terra, à natureza, ao rio, mas sobretudos da República fossem letra morta. Tratam indíge- 42 às gentes. nas que escorraçados de seus nichos originais mo- Na esteira da arguta compreensão dos povos indí- ram na Volta Grande e em Altamira, como se fos- genas sobre os impactos, vejamos o que dizem os sem “bichos” a quem se fará talvez (?) uma possível especialistas. concessão. Além do que os indígenas moradores da Terra Indígena Trincheira Bacajá perderão seu Os impactos, desde a infausta concepção da UHE direito de ir e vir, já que há possibilidade de cerce- Kararaô pela Eletronorte há uma década atrás, já amento da locomoção. vinham sendo delineados no chamado Livro Verde, como se constata a seguir: Os Juruna, principal sociedade indígena a ser “(...) a pesquisa efetuada em convênio com a FUNAI, sacrificada com os impactos gerados pela obra em inventariou um total de 1.014 índios localizados na Volta tela, estão localizados à jusante do possível empre- Grande do Xingu, na A I Bacajá, na Aldeia Trincheira, em endimento e dependem fundamentalmente das águas do Xingu para Luiz Xipaia, Em que pese o des- sobreviver. Eles sa- MDTX cumprimento das bem que, com o normas vigentes, o baixíssimo nível próprio Governo d’água, após o re- Federal admitiu no presamento, terão Plano 2015 que o sérias dificuldades empreendimento de tráfego, além do em discussão requer pescado não resistir o cumprimento de ao calor forte de exigências constitu- águas tão baixas. A cionais. Sobre o as- estagnação das sunto, é de suma re- águas aumentará, levância trazer à também, o número lume os estudos fei- de pragas, como tos por Becker, Nas- ocorreu em Tucu- cimento e Couto: ruí, gerando, com “[o] próprio texto do certeza, sérios riscos sanitários e a proliferação de Plano 2015 reconhece que entre as muitas interferências com doenças, como a malária, na região. as populações locais que a transmissão desses grandes blocos de energia irá ocasionar, a questão da população indígena se Quer pelo próprio reconhecimento da Eletronor- reveste de grande importância. O documento aponta para 5 te (Livro Verde), quer pelos dados científicos e co- casos onde os empreendimentos estarão sujeitos a restrições nhecimento dos povos indígenas, a construção da constitucionais. Tais empreendimentos são as Usinas Hidre- UHE de Belo Monte necessitará do aproveitamen- létricas de Belo Monte, Cachoeira Porteira, Cana Brava, Ji-

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Paraná e Serra Quebrada. Todos estes empreendimentos T to de recursos hídricos de Terras Indígenas, im- causarão interferências em áreas indígenas, razão pela qual pondo os danos irreparáveis aos povos da floresta. estão sujeitos às restrições constitucionais. A população in- 85 dígena a ser direta ou indiretamente afetada pela constru- Como forma de assegurar a característica da na- ção das hidrelétricas nestas áreas é de aproximadamente 7000 ção como plural, e não mais “singular, sem ser”, a indivíduos.”44 Constituição Federal assegura a apreciação e ava- liação dos indígenas mesmos, possibilitando-os a Desta forma, inquestionável a outorga congressual interferência em seus destinos, como determina o para a grande obra antes de qualquer estudo am- artigo 231, parágrafo 3º: biental. Com efeito, a via escolhida pela Eletronor- “[s]ão reconhecidos aos índios sua organização social, cos- te juntamente com a FADESP pode causar o des- tumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários perdício de R$ 3,8 milhões, posto que, se o Con- sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à gresso Nacional não conceder autorização, de nada União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus servirá o custoso EIA/RIMA, ferindo-se de morte

Xingu, barragem e nações indígenas bens. Parágrafo 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, o Princípio da Economicidade, artigo 70 da Consti- incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das tuição Federal. riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetiva- dos com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as co- Há ainda uma outra questão a ser considerada, munidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos impeditiva do EIA/RIMA. Trata-se da previsão do resultados da lavra, na forma da lei.”(Destaque nosso) parágrafo 6º, do artigo 231, o qual impede a ex- Esse dispositivo é apenas uma das limitações cons- ploração dos rios existentes em áreas indígenas, titucionais que o Poder Público no processo de ressalvado o relevante interesse público da União, implementação de grandes projetos deve atender. definido em lei complementar: Em Tucuruí nada foi observado e, pelo andar da “[s]ão nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse carruagem, em Belo Monte a Eletronorte pensa das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das em repetir a dose, só que de remédios amargos riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existen- chegam o quinino e a mamona, os habitantes da tes, ressalvado relevante interesse público da União, segun- área de influência do Xingu querem e precisam do o que dispuser lei complementar, não gerando a nulida- ser ouvidos. É interessante observar que o projeto de e a extinção direito a indenização ou a ações contra a pensa em assentar-se em território indígena, mas União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias deriva- das da ocupação de boa-fé.” (Destaque nosso) invertendo a ordem, a Eletronorte fala em “área de influência do CHE belo Monte”, na verdade o A lei complementar exigida pela Constituição da Re- território é “xingüense”. pública ainda não foi promulgada. Isso inviabiliza qualquer obra que tenha por objeto exploração medidas legislativas ou administrativas possam de recursos hídricos em áreas indígenas. afetá-los diretamente. Diante dessa visão, se não houver uma análise Falcão, também, compartilha desse entendimento: teleológica dos parágrafos 3º e 6º do artigo 231 da “(..)não é apenas indígena a terra onde se encontra edificada Constituição da República, estes serão conduzidos a casa, a maloca ou a taba indígena, como não é apenas indí- à inaplicabilidade no que se refere aos recursos gena a terra onde se encontra a roça do índio. Não. A posse hídricos em geral. indígena é mais ampla, e terá que obedecer aos usos, costu- mes e tradições tribais, vale dizer o órgão federal de assistên- Como se extrai do artigo 231, parágrafo 1º, da Constituição cia ao índio, para poder afirmar a posse indígena sobre de- Federal: terminado trato de terra, primeiro que tudo, terá que man- dar proceder ao levantamento destes usos, costumes e tradi- “[s]ão terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por ções tribais a fim de coletar elementos fáticos capazes de mos- eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para as trar essa posse indígena no solo, e será de posse indígena suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação toda a área que sirva ao índio ou ao grupo indígena para dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as ne- caça, para pesca, para coleta de frutos naturais, como aque- cessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, la utilizada com roças, roçados, cemitério, habitação, reali- costumes e tradições.” zação de cultos tribais etc., hábitos que são índios e que, como Para melhor elucidar a questão é válido transcrever trecho tais, terão que ser conservados para preservação da subsis- do estudo realizado por Roberto Santos45: tência do próprio grupo tribal. “[g]raças à raiz histórico-originária de sua posse, as terras A posse indígena, pois, em síntese, se exerce sobre toda a dos índios estão-lhes afetadas permanentemente (artigo 231, área necessária à realização não somente das atividades eco- parágrafo segundo), dispondo eles de um “usufruto exclusi- nomicamente úteis ao grupo tribal, como sobre aquela que vo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existen- lhe é propícia à realização dos seus cultos religiosos.”46 tes”. Com o fim jurídico de proteger a posse indígena per- manente, o Estado brasileiro estatuiu que são bens da União Urge reconhecer, por fim, que o conceito de terra

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, o que in- indígena compreende não só a terra indígena pro-

T cluiu o solo, subsolo, águas superficiais e águas subterrâne- priamente dita, como suas adjacências, por exem- 86 as. (Constituição da República/1988, artigo 20, item XI) plo: rios, igarapés, posto que indispensáveis à sobre- vivência do grupo étnico. Trata-se do instituto jurídi- A importância das sociedades indígenas co chamado Indigenato. Não se vislumbra aí apenas uma questão de direito patrimonial, mas também um A preservação de áreas e adjacências intituladas problema de sobrevivência étnico-cultural.47 como indígenas assume papel fundamental para a continuidade e perpetuação da cultura de um A UHE Belo Monte fere os direitos indígenas de povo. Desprovidos de seu habitat natural, os povos inúmeras sociedades indígenas no estado do Pará indígenas correm sério risco de extermínio pela (Quadro1). Portanto para fazer valer o Indigenato perda de vínculos históricos e sociais. e a legislação pertinente, torna-se necessário con- sultar lideranças, chefias, conselhos tribais, conse- As sociedades indígenas são reconhecidas como Xingu, barragem e nações indígenas lhos de anciãos e associações indígenas, sempre sujeitos coletivos diferenciados de outros setores observando as especificidades de cada sociedade. da coletividade brasileira com identidade étnica Aos povos interessados deverá ser dado específica e direitos históricos imprescritíveis, de- “... o direito de escolher suas próprias prioridades no que vidamente reconhecidos pela Convenção 169. Por- diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em tanto, o governo brasileiro deve assumir a respon- que afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espi- sabilidade de desenvolver-se com a participação das ritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de algu- sociedades indígenas. Toda e qualquer ação que ma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu pró- implique em mudanças deve desencadear-se atra- prio desenvolvimento econômico, social e cultural.” (Art. 7º/ vés de ação coordenada e sistemática que proteja Convenção 169) os direitos indígenas e garanta a integridade física Assim sendo, o Estado brasileiro deve zelar para e social dos indígenas, enquanto sociedades. O que sejam efetuados estudos capazes de revelar a artigo 6º da referida Convenção assegura a con- incidência social sobre o meio ambiente e a reper- sulta aos povos interessados, “... mediante proce- cussão para as sociedades indígenas. Os estudos dimentos apropriados e, particularmente, através devem ser considerados critérios fundamentais de instituições representativas, ...” sempre que para a execução ou não de Belo Monte. . Quadro 3 - Entrevista com Felício Pontes Jr Entrevista concedida a Jane Felipe Beltrão em 09.03.2004

JFB – Como foi usado o estatuto do Indigenato no caso Belo Monte? FPJr. – O indigenato foi decisivo para o sucesso posseaté o maismomento amplo das do decisões que o conceito judiciais tradicionala favor dos usadoíndios nae contra ciência a UHE Belo Monte. Trata-se de um conceito de jurídica. O Indigenato toma a área utilizada por uma sociedade indígena como necessária à vida e esta, muitas vezes, transborda os limites da terra indígena. Por isso, os tribunais por onde a ação civil pública foi julgada até agora foram unânimes em considerar que a utilização do Rio Xingu afeta diretamente os povos indígenas que ali vivem. Portanto, as normas de Direito Indígena devem ser respeitadas na implantação de um projeto que utilize as águas do Rio Xingu. Aí está, na prática, a apropriação pelo Direito do instituto do Indigenato que, originariamen- te, vem da Antropologia. É assim que o Direito alcança sua finalidade: ser apenas um instrumento e não um fim, para que se alcance o ideal de justiça. emo? ribunal Regional Federal da JFB – Quais os desdobramentos da Ação Civil Pública, após a concessão da Liminar e sua ratificação pelo Supr FPJr. – A Ação ainda não chegou ao seu final. Está em grau de recurso de apelação no T 1ª Região, em Brasília. É que, como foi julgada favoravelmente ao MPF pela Justiça Federal do Pará, a Eletronorte apelou com o objetivo de modificar a decisão. Ainda não há data para o julgamento do recurso. eitos indígenas se Belo Monte não sair da prateleira para o lixo? JFB – Como ficam os dir FPJr. – Minha maior preocupação é com a remoção de povos indígenas. Fato inevitável com a construção da obra. Sempre que o governo brasileiro teve que fazer remoção de povos indígenas as conseqüências foram catastróficas. Veja o caso dos Panará, na divisa do Pará com o Mato Grosso, quando da abertura da Rodovia 163, Santarém- Cuiabá. Boa parte da sociedade não resistiu, não se adaptou e morreu. A remoção, portanto, destrói a relação mítica do indígena com a sua terra. Ou seja, destrói a própria cultura de um povo. Destrói o próprio povo. JFB – Do ponto de vista do Ministério Público Federal, quais são os próximos passos em

enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte relação à Belo Monte? Switkes/IRN Gleen FPJr. – Nós já apresentamos contra-razões ao recurso da Eletronorte. Há esperança T ribunal de que o TRF confirme a decisão da Justiça Federal do Pará. Quando a Eletronorte recorreu da liminar em 2001, que paralisava todo o projeto, esse mesmo T 87 foi quem julgou favorável aos povos indígenas, por unanimidade, e confirmou que o projeto UHE Belo Monte não estava respeitando os direitos indígenas e as normas ambientais. Portanto, qualquer julgamento diferente agora será um contra-senso ribunal Regional Federal de Brasília. diante dos precedentes do T

Xingu, barragem e nações indígenas Referências e Bibliografias

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Xingu, barragem e nações indígenas mos de (org.). Energia na Amazônia. Vol Edna Ramos de (org.). Energia na Ama- Goeldi/Universidade Federal do Pará/ .II. Belém, Museu Paraense Emílio zônia. Vol .II. Belém, Museu Paraense Associação das Universidades Amazô- Goeldi/ Universidade Federal do Emílio Goeldi/Universidade Federal nicas, 1996 que congrega especialistas Pará/ Associação das Universidades do Pará/Associação das Universidades das mais diversas áreas, referência obri- Amazônicas, 1996: pp. 787-815. Amazônicas, 1996: pp. 689-696. gatória nos estudos sobre o setor hidre- BELTRÃO, Jane Felipe, MASTOP- létrico e seus efeitos. SANTOS, Sílvio Coelho & REIS, Maria LIMA, Luiza de Nazaré & MOREIRA, José (org.). Memória do setor elétrico na MENDES, Gilmar Ferreira. Domínio da Hélio Luiz Fonseca. De agredidos a região sul. Florianópolis, UFSC, 2002. União sobre as Terras Indígenas – O Par- indiciados, um processo de ponta cabeça: que Nacional do Xingu. Brasília: Minis- SANTOS, Sílvio Coelho & NACKE, Suruí Aikewar versus Divino Eterno – lau- tério Público Federal, 1988. Anelise (org.). Hidrelétricas e povos indí- do Antropológico. Belém, UFPA, 2003. genas. Florianópolis, letras contempo- MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, (mimeo) râneas, 2003. DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA BENJAMIM, Antônio Hermam V., “In- AMAZÔNIA LEGAL, INSTITUTO THOMPSON, E. P.. Senhores e Caça- trodução ao Direito Ambiental Brasilei- BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E dores, a origem da lei negra. Rio de ro” In Revista de Direito Ambiental. Nº 14, DOS RECURSOS NATURAIS RENO- Janeiro, Paz e Terra, 1987 e Costumes São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999. VÁVEIS. Avaliação de Impacto Ambiental: em comum. Estudos sobre cultura po- CIMI – Regional Norte II. Relação das Agentes Sociais, procedimentos e ferramen- pular tradicional. São Paulo, Cia. das famílias indígenas dispersas na confluência tas. Brasília, MMA/IBAMA, 1995. Letras, 1998. Notas

1 Carta dos Juruna, manuscrita e assi- Departamento de Antropologia do Cen- 15 Na academia, usa-se a expressão tra- nada por 46 representantes indígenas, tro de Filosofia e Ciências Humanas da balho de campo, pois este implica na encaminhada à 6º Câmara do Ministé- Universidade Federal do Pará, sob a permanência dos pesquisadores na rio Público Federal em 22.02.2001, coordenação de Jane Felipe Beltrão, área sob observação para processar cujos originais constam do Processo aprovado pelo PNOPG/CNPq. apurada coleta de dados que possa sub- 2001.39.00.005867-6/Justiça Federal. 8 Cf. CIMI – Regional Norte II. Rela- sidiar os argumentos e as conclusões a que se chega após a análise dos dados. 2 Os jornais impressos em Belém vei- ção das famílias indígenas dispersas na Campanha “soa”, confunde-se com culam desde de 1999, vez por outra, confluência da Volta Grande do Rio Xin- ações rápidas e pontuais, das quais re- informações sobre Belo Monte. Na ver- gu. Altamira, CIMI, 2003. (mimeo) sultam impressões preliminares que dade, desde fevereiro de 1989, quando 9 Cf. NIMUENDAJÚ, Curt. Textos In- precisam ser confirmadas posterior- se realizou protesto contrário à constru- digenistas. Rio de Janeiro, Loyola, 1982: mente. Infelizmente, o uso consagrou- ção da Hidrelétrica de Kararaô, hoje, de- p. 228. (Destaque do original) O texto se nos termos de referência, a pressa nominada Belo Monte. Dirigentes da Ele- de Nimuendajú é extremamente atu- impede estudos mais aprofundados. tronorte e políticos que desejam o desen- al, especialmente, ao falar dos Kayapó 16 volvimento a qualquer custo, de 1989 para e das inúmeras ações diretas que prati- Cf. Artigo 225, parágrafo 1º. (Desta- cá, têm ganho as páginas dos principais que nosso) I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte caram nos últimos anos em benefício T jornais de Belém posicionando-se sobre de seus direitos. As ações Kayapó assus- 17 Cf. BENJAMIM, Antônio Hermam o assunto. Para verificar a ocorrência, tam os brancos, talvez porque não re- V.. “Introdução ao Direito Ambiental 89 conferir: A Província do Pará, Diário do flitam sobre seus desmandos, ou até Brasileiro” In Revista de Direito Ambien- Pará e O Liberal. por refletirem. tal. Nº 14, São Paulo, Revista dos Tri- 3 bunais, 1999: p. 59. Na verdade não se trata de uma des- 10 É comum que indivíduos dos mais coberta, pois todos sabíamos que cedo variados grupos étnicos chamem uns 18 Cf. FLORILLO, Celso Antônio ou tarde os projetos referentes aos bar- aos outros de “parente” chamamento Pacheco. Curso de Direito Ambiental Bra- ramentos dos rios da Amazônia seriam que não significa laço de consangüini- sileiro, São Paulo, Saraiva, 2000: p. 102. tirados da prateleira e que a sociedade dade e/ou afinidade, parece indicar (Destaque nosso) teria que agir, sob pena de ser submeti- “nós” em contraponto aos demais. 19 Cf. Mapa detalhado na abertura da da a propostas autoritárias as quais não Usam, com freqüência, as seguintes obra. Para maiores detalhes sobre o formulou e tão pouco discutiu. expressões: “chamar os parentes”, “vi- Xingu, consultar o capítulo 2. 4 Cf. Relatório do 1º Encontro dos Povos sitar os parentes”, “reunir os parentes”, 20 Para uma completa visão do percurso Indígenas da região da Volta Grande do Rio “ouvir os parentes”, ‘igual aos paren- º. da Ação movida pelo Ministério Público Xingu realizado em 1 06.2002. Confe- tes” entre outras expressões quando se Xingu, barragem e nações indígenas sugere-se consulta á página do Supremo rir detalhes no Processo 2001.39.00. expressam em português. Tribunal Federal, posto que o processo 005867-6, Justiça Federal, já referido. 11 Cf. NIMUENDAJÚ, 1982: p. 229, já tramita há dois anos e possuí até o pre- 5 Para uma discussão sobre o assunto referido. Fato ou terno era roupa de uso sente momento cinco alentados volu- em outra área indígena, consultar: masculino feita, em geral, de linho, e mes. No Ministério Público Federal há BAPTISTA, Angela Maria & PAULA E trajada quotidianamente, em Altamira cópia do processo, devidamente auten- SILVA, Maria Fernanda Paranhos. Relató- ou Belém, pelos homens para trabalhar, ticada e disponível à consulta. rio Tenetehara-Guajajara. Brasília, Minis- até meados dos anos 60, quando a tra- 21 Cf. Ministério do Meio Ambiente, tério Público Federal, 1998: 1 (mimeo). dição foi sendo abandonada. dos Recursos Hídricos e da Amazônia 12 6 Fonte: RICARDO, Carlos Alberto Para maiores informações técnicas, Legal, Instituto Brasileiro do Meio Am- (editor). Povos Indígenas do Brasil, consultar os capítulos 2, 3 e 4 que con- biente e dos Recursos Naturais Reno- 1996-2000. São Paulo, Instituto tém os registros e detalhes pertinentes váveis. Avaliação de Impacto Ambiental: Socioambiental, 2000: pp. 488-9; Fun- ao projeto. A Eletronorte, em que pese, Agentes Sociais, procedimentos e ferramen- dação Nacional do Índio/Altamira, a liminar que suspendeu os Estudos de tas, Brasília, 1995. Impacto Ambiental, divulgou: ELE- 2002; Distrito Sanitário Especial Indí- 22 Cf. Resolução Conama Nº 001/86). gena/Altamira, 2002. TROBRÁS/ELETRONORTE. CHE Belo Monte – Estudo de Impacto Ambien- 23 Cf. MMA/IBAMA, 1995: 56, referi- 7 Os dados referentes a 2002 foram tal. Brasília, Eletrobrás/Eletronorte, do anteriormente. (Destaque nosso) coletados pela antropóloga Luiza de 2002 (Disponível em CD ROM) no 24 Nazaré Mastop-Lima e pela graduanda Cf. Fls. 469-520 do processo, anteri- qual há referências a dados oriundos ormente mencionado. Maria do Socorro Lacerda Lima em tra- do convênio com a FADESP. 25 balho de campo realizado pelo projeto 13 Aqui empregada no sentido usado Coleções etnográficas: testemunhos da Cf. Processo 2001.39.00.005867-6, Jus- por Paulo Freire. Consultar: FREIRE, história, educação e registro da diversi- tiça Federal, já referido, fls. 22-32. Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de dade na Amazônia desenvolvido no 14 Idem, fls. 150. Janeiro, Paz & Terra, 1975. 26 Expressão aqui utilizada para indi- populações indígenas, o recém lança- ocorrido em junho de 2002, anterior- car “pertença” à área de influência da do, SANTOS, Sílvio Coelho & NACKE, mente referido. (Destaque nosso) bacia do Xingu, originariamente é o Anelise (org.). Hidrelétricas e povos in- 37 Cf. depoimento de Kuit Arara no sinônimo gentílico de altamirense. dígenas. Florianópolis, letras contem- Dossiê de cartas a José Antônio Muniz Englobando índios e não índios; nati- porâneas, 2003 que reúne ensaios so- Lopes no Processo 2001.39.00.005867-6/ vos ou migrantes estabelecidos na re- bre experiências na Argentina, Brasil, Justiça Federal. (Destaque nosso) gião e que pelejam por desenvolvimen- Chile, Paraguai e Uruguai. Além da li- to sem prejuízos sociais. Evita-se o teratura específica sobre Amazônia 38 Cf. LEVI-STRAUS, Claude. O pensa- xinguano, porque na literatura antro- apresentada em MAGALHÃES, Sônia mento selvagem. Rio de Janeiro, Nacio- pológica o termo é referente dos po- Barbosa, BRITO, Rosyan Caldas & nal/USP, 1970. vos que se encontram no Parque Naci- CASTRO, Edna Ramos de (org.). Ener- 39 Cf. Depoimento de Kuit Arara, no onal do Xingu. gia na Amazônia. Vol .I e II. Belém, Dossiê de cartas a José Antônio Muniz 27 Local onde os Kayapó foram chaci- Museu Paraense Emílio Goeldi/ Uni- Lopes no Processo 2001.39.00.005867-6/ nados pelos coronéis da região, con- versidade Federal do Pará/ Associação Justiça Federal. (Destaque nosso) das Universidades Amazônicas, 1996 forme relata Curt Nimuendajú. Con- 40 que congrega especialistas das mais di- Depoimento inscrito no mesmo ferir: NIMUENDAJÚ, Curt. Textos Indi- Dossiê, antes referido, Processo genistas. Rio de Janeiro, Loyola, 1982. versas áreas, referência obrigatória nos estudos sobre o setor hidrelétrico e 2001.39.00.005867-6/Justiça Federal. Para uma compreensão romanceada, (Destaque nosso) mas igualmente trágica, do Xingu e seus efeitos. seus moradores, bem como das dispu- 32 Considerando que a Justiça acatou 41 Idem. tas, consultar: NUNES, André Costa. A o pedido de liminar, solicitado via Ação 42 Sobre o assunto, consultar: BEL- batalha do riozinho do Anfrísio: uma his- Civil Pública, deixamos de discutir a TRÃO, Jane Felipe, MASTOP-LIMA, tória de índios, seringueiros e outros brasi- licitude do contrato Eletronorte/ Luiza de Nazaré & MOREIRA, Hélio leiros. Belém, Secult/Fumbel, 2003. FADESP, posto que o deferimento do Luiz Fonseca. De agredidos a indiciados, 28 Carta que integra o Dossiê de car- pedido inicial admite os problemas. um processo de ponta cabeça: Suruí tas dos alunos da Escola Ugorogmo Oudo Para compreensão da discussão trava- Aikewara versus Divino Eterno – laudo An- Tapeda Idekekpo enviadas ao Presidente da na justiça, verificar os autos do pro- tropológico. Belém, UFPA, 2003. da República em 2002, antes referido. cesso, supra citado. (mimeo) 33 Negritos nossos. Depoimento constante do Relatório 43 Cf. Processo 2001.39.00.005867-6/Jus- º enotã-Mõ - Parte I - Capítulo 3 enotã-Mõ - Parte 29 do 1 Encontro dos Povos Indígenas da Re- T Cf. SANTOS, Sílvio Coelho. “Notas tiça Federal: fls. 84, antes referido. (Des- sobre o deslocamento compulsório de gião da Volta Grande do Rio Xingu, ocor- taque nosso) populações indígenas em conseqüên- rido em junho de 2002, anteriormen- 90 44 Cf. BECHER, Bertha, NASCIMEN- cia da implantação de hidrelétricas na te citado. (Destaque nosso) TO, José Antônio Senado & COUTO, Amazônia” In MAGALHÃES, Sônia 34 Para uma compreensão da lógica Rosa Carmina de Sena. “Padrões de Barbosa, BRITO, Rosyan Caldas & descrita por Geertz na sociedade oci- desenvolvimento, hidrelétricas e reor- CASTRO, Edna Ramos de (org.). Ener- dental, consultar: GEERTZ, Clifford. O denação do território na Amazônia” In gia na Amazônia. Vol .II. Belém, Museu saber local: novos ensaios em Antropologia MAGALHÃES, Sônia Barbosa, BRITO, Paraense Emílio Goeldi/ Universidade interpretativa. Petrópolis, 1998 e Rosyan Caldas & CASTRO, Edna Ra- Federal do Pará/ Associação das Uni- THOMPSOM, E. P.. Senhores e Caçado- mos de (org.). Energia na Amazônia. Vol versidades Amazônicas, 1996: p. 690. res, a origem da lei negra. Rio de Janeiro, .II. Belém, Museu Paraense Emílio Paz e Terra, 1987 e Costumes em comum. 30 Cf. FERRAZ, Iara. “Resposta a Tu- Goeldi/ Universidade Federal do Estudos sobre cultura popular tradicional. curuí: o caso dos Parkatêjê” In MAGA- Pará/ Associação das Universidades São Paulo, Cia. das Letras, 1998 que LHÃES, Sônia Barbosa, BRITO, Amazônicas, 1996: p. 810. (Destaque trata das questões, aqui debatidas, ten- Rosyan Caldas & CASTRO, Edna Ra- nosso) do como campo a Inglaterra.

Xingu, barragem e nações indígenas mos de (org.). Energia na Amazônia. Vol 45 Cf. SANTOS, Roberto A. O.. “Limi- .II. Belém, Museu Paraense Emílio 35 Os índios costumam se visitar por tações jurídicas do “setor elétrico”na Goeldi/ Universidade Federal do períodos longos ou breves. As visitas esfera étnica e na ambiental” In MA- Pará/ Associação das Universidades são sempre um aprendizado, especial- GALHÃES, Sônia Barbosa, BRITO, Amazônicas, 1996: pp.537-544. mente porque em lugar de lerem as Rosyan Caldas & CASTRO, Edna Ra- informações em folhetos e livros, ob- 31 Sobre o assunto consultar: REIS, mos de (org.). Energia na Amazônia. servam os fatos no terreno, vendo as Maria José & BLOEMER, Neusa Ma- Vol. I. Belém, Museu Paraense Emílio ocorrências e ouvindo depoimento dos ria Sens (org.). Hidrelétricas e populações Goeldi/Universidade Federal do Pará/ afetados, a vivência gera conhecimen- locais. Florianópolis, Cidade Futura/ Associação das Universidades Amazô- to prático experimentado intensamen- UFSC, 2001 que apresenta experiên- nicas, 1996: p. 214 cias do sul do Brasil e da Argentina; te. As narrativas das vivências, na volta 46 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Do- SANTOS, Sílvio Coelho & REIS, Ma- à aldeia, produz informações discuti- mínio da União sobre as Terras Indígenas ria José (org.). Memória do setor elétrico das nas longas conversas às soleiras das – O Parque Nacional do Xingu. Brasília: na região sul. Florianópolis, UFSC, 2002 casas quando a platéia partilha do co- Ministério Público Federal, 1988, p. 58. que discute historicamente a impor- nhecimento do andarilho. (Destaque nosso) tância da energia, os grandes e mega- 36 Depoimento inscrito à frente do Re- projetos no sul do Brasil; e especifica- latório do 1º Encontro dos Povos Indígenas 47 Sobre os desdobramentos da ques- mente sobre os impactos causados às da Região da Volta Grande do Rio Xingu, tão Belo Monte, leia o Quadro 3. 3.1. As pressões da Eletronorte sobre os autores do EIA

Eneida Assis e Louis Forline

Do artigo: “Dams and Social Movements in Brazil: Quiet Victories on the Xingu”, publicado em Practicing Anthropology 26(3):21-25

A Eletronorte delegou um estudo de impacto da A companhia mostrou os aspectos gerais do proje- Universidade Federal do Pará (UFPA) e Museu to aos políticos locais, comerciantes e elite da re- Goeldi para avaliar os impactos sociais e ambien- gião, mas não à população em geral. 91 tais da barragem proposta. A empresa alocou R$ 3,8 milhões de reais (aproximadamente U.S.$ 1,3 mi- Surpreendentemente, não foi elaborado nenhum lhão de dólares) para executar esses estudos e con- esboço de contrato formal entre Eletronorte e mem- tratou a Secretaria de Gestão de Concessões da bros individuais da equipe de avaliação. A empresa Universidade(FADESP) para administrar este con- afirmou que as disposições gerais de seu contrato trato. Os fundos representaram cerca de um quin- com a FADESP eram abrangentes e submetiam os to do orçamento anual da Universidade. Os deta- pesquisadores às estipulações estabelecidas nos ter- lhes finais do contrato foram negociados com a mos de referência do projeto. Os pesquisadores FADESP em outubro de 2000, e a Eletronorte con- apresentaram as propostas individuais que indica- vocou todos os pesquisadores para uma reunião ram os equipamentos e recursos financeiros de que onde foram apresentadas as diretrizes para os es- precisam para executar seus estudos. Esta situação tudos de impacto. A equipe de avaliação incluiu criou a impressão entre muitos pesquisadores de pesquisadores de ciências naturais e sociais, além que eles estavam trabalhando sob um contrato in- de consultores ad hoc. formal que só seria honrado se as diretrizes da em- presa fossem obedecidas. Depois que os estudos do Nós (antropólogos Eneida Assis e Louis Forline) impacto fossem iniciados, os pesquisadores teriam fomos contratados para determinar que impactos de reunir-se periodicamente com os diretores da poderiam sobrevir às comunidades indígenas da Eletronorte e apresentar relatórios do andamento. região do médio e baixo Xingu. Assis é professora Posteriormente, a Eletronorte orientou os pesqui- assistente de Antropologia na UFPA e Forline pes- sadores a apresentarem relatórios periódicos a seu quisador assistente do Museu Goeldi. Trabalhamos comitê de análise e consultores ad hoc que publica- anteriormente com grupos indígenas na região. riam os achados da pesquisa e esboçariam o relató- Forline, por exemplo, continuou um projeto ini- rio final. Por sua vez, este relatório seria apresenta- ciado em 1998 entre os índios urbanos de Altamira. do à Secretaria do Meio Ambiente do Estado do A Eletronorte descreveu resumidamente o projeto Pará (SECTAM). A Secretaria do Meio Ambiente para os pesquisadores presentes na reunião. Esses, então avaliaria a magnitude dos impactos sócio- por sua vez, deveriam explicar o projeto às comuni- ambientais que a barragem causaria e atuaria como dades locais e nas proximidades de Altamira como agência licenciadora de fato se a mesma conside- eles avaliavam os impactos potenciais da barragem. rasse o projeto viável. Numa tentativa de controlar mais a pesquisa, os fun- Os diretores da Eletronorte educadamente evitaram cionários da Eletronorte acompanharam periodi- essas questões… camente os pesquisadores em seus locais de estudo Os pesquisadores se sentiram incomodados pela para monitorar o trabalho de campo e fornecer aconselhamento a partir de sua “vasta experiência” ânsia da Eletronorte em concluir os estudos de com estudos de impacto. Depois, a empresa solici- impacto. Os termos de referência estipulavam que tou aos pesquisadores o fornecimento de seus da- os estudos do impacto deveriam ocorrer no curso dos brutos. Muitos pesquisadores recusaram-se a de um ano completo, para retratar com precisão atender a esta solicitação por razões éticas. Os pes- as características biofísicas e sociais do Xingu du- quisadores que trabalham com pessoas queriam rante as estações de chuva e de estiagem. Porém a manter o anonimato e a confidencialidade das co- empresa ignorou esta cláusula e encorajou os pes- munidades onde eles trabalhavam. Durante as reu- quisadores a concluir suas tarefas antes do tempo niões periódicas, os pesquisadores solicitaram à previsto. Os representantes da Eletronorte justifi- companhia maiores informações sobre a barragem, caram suas ações afirmando que o período de um uma vez que os detalhes do projeto ainda não ti- ano deveria incluir a pesquisa e as apresentações nham sido totalmente divulgados. Por exemplo, do relatório final. Na verdade, a empresa queria diversos pesquisadores solicitaram detalhes sobre a que os estudos de impacto fossem concluídos o possibilidade de construir um complexo de barra- mais rápido possível a fim de obter uma aprova- gens ao invés de apenas uma, conforme planejado. ção rápida de seu projeto pela SECTAM.

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As pressões da Eletronorte sobre os autores do EIA os autores sobre da Eletronorte As pressões I - Capítulo 3.1. - Parte Tenotã-Mõ Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

PARTE II Eletricidade para quem? Às custas de quem? Capítulo 4

Grandezas e misérias da energia e da mineração no Pará Lúcio Flávio Pinto

O Pará começou a primeira década do novo milê- bater num número recorde em Carajás: 70 milhões nio produzindo pouco mais de dois bilhões de de toneladas, três vezes e meia acima da capacida- dólares em minérios, destinados quase integral- de máxima de viabilidade do projeto de minera- 95 mente à exportação. Chegará ao final desta pri- ção, quando ele foi concebido. Mas em 2010 a re- meira década do século XXI com o produto mine- ceita de cobre, chegando a US$ 2 bilhões, passará ral próximo da marca de US$ 10 bilhões, vendido à frente da tradicional mercadoria da CVRD, que praticamente todo no mercado externo. Trata-se é responsável por um quarto do minério de ferro de um desempenho impressionante. Seria como que circula pelos oceanos. se o PIB mineral do Estado dobrasse a cada dois Em 2010 deverão estar funcionando cinco minas anos no decênio. Em 2010 o Pará passará à frente de cobre em Carajás, que se consolidará, então, de Minas Gerais, o maior minerador brasileiro ao como a maior província mineral do planeta. Não longo dos últimos três séculos. Mas não só isso: a só garantirá a auto-suficiência brasileira nesse mi- importância do Estado em 12 commodities se torna- nério como colocará o Brasil entre os cinco maio- rá mundial. res exportadores mundiais. O que está ocorrendo no Pará é um verdadeiro Para tanto, o investimento nos pólos de cobre de boom. O mais inusitado nessa corrida é que ela é Carajás somarão US$ 2,5 bilhões. O primeiro a ser definida por um único competidor, a Companhia ativado, o da Serra do Sossego, começou a produ- Vale do Rio Doce, que chegou à Amazônia como zir em junho, antes mesmo de ser inaugurado, no estatal e agora é uma empresa privada. O mês seguinte, pelo presidente Luiz Inácio Lula da faturamento da Vale é maior do que o do governo Silva, ao custo de US$ 430 milhões. A CVRD é dona do Estado. Sua verba de investimento, especifica- de todas as jazidas. Além de cobre, como mente, está muito além da soma dos recursos de subproduto, produzirá ouro, prata e molibdênio. capital da administração pública. Ao longo desta Voltará a ser a maior mineradora de ouro do Bra- década a CVRD deverá investir 5,5 bilhões de dó- sil, título que ocupou quando explorava a jazida lares (quase 17 bilhões de reais) no Pará, valor que do igarapé Bahia, também em Carajás, esgotada representa mais de um terço do PIB do Estado. em 10 anos de lavra. Em quatro anos, completados em 2004, a Vale exe- Carajás não produz, hoje, um grama de níquel, ou- cutará um terço desse orçamento. tro dos minérios dos quais o Brasil é carente. Mas Essa grandeza se baseia na exploração de 12 bens em 2010 a produção de níquel em Carajás será três minerais. Até agora, a maior fonte de receita é o vezes maior do que toda a produção brasileira atu- minério de ferro. A produção, neste ano, deverá al, tornando-se responsável por 15% do valor da Presidente Lula visita obras da mina do Sossego, Ricardo Stuckert/PR

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte

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produção mineral da Vale no Pará. O níquel do Es- Em 2010, o Pará, que hoje é o sétimo maior expor- tado não será falado apenas no Brasil. Como o miné- tador do Brasil e o quinto em saldo de divisas, po- rio alcança em Carajás um dos mais altos teores já derá estar gerando US$ 8 bilhões líquidos para as registrados no mundo, ele passará a interessar im- contas externas nacionais, uma contribuição que portadores espalhados por vários outros países. apenas duas ou três outras unidades da federação

gia e da mineração no Pará também poderão dar. Esse será o desempenho de dois bens minerais absolutamente novos para a CVRD. Mas a evolu- Mas enquanto representa quase 80% do valor do ção dos produtos mais tradicionais da cesta de comércio internacional paraense, a produção mine- mercadorias da empresa não será menor. Em 2007 ral tem papel pouco expressivo na formação da ri- a produção de minério de ferro alcançará 100 queza interna. A mineração entra atualmente com milhões de toneladas em Carajás, que também já 4% da receita estadual de impostos, graças às isen- é o maior produtor mundial de manganês, com ções e vantagens concedidas pela União aos expor-

Grandezas e misérias da ener 1,5 milhão de toneladas. Com a nova mina de tadores de semi-elaborados. Mesmo com a Paragominas e o surgimento da Alcoa com um quintuplicação do valor da produção na década, o projeto de mineração próprio, em Juruti, o Pará peso da mineração será de 18% da renda tributária subirá um degrau, tornando-se o segundo maior em 2010, segundo estimativa do governo do Estado. produtor mundial, abaixo apenas da Austrália. O Pará, que é o 16º em IDH (Índice de Desenvolvi- Mas poderá passar a Austrália em matéria de mento Humano), mesmo tendo o segundo maior alumina, a etapa seguinte na transformação do mi- território e a 9ª população brasileira, não avançará nério, assumindo o primeiro lugar. E estará entre muito nesse item se depender do boom mineral, que os cinco maiores produtores de alumínio, se os provoca crescimento mas não – ou só raramente, projetos anunciados – de expansão e de uma nova graças a outras variáveis, desde que elas sejam cria- indústria, a da Alcoa – forem realizados. O Pará se das – desenvolvimento. Assim, o Pará parece fada- consolidará também como o terceiro maior pro- do a ocupar seu lugar no firmamento mineral su- dutor mundial de caulim, argila utilizada no re- jeito à mesma circunstância dos países que o ante- vestimento de papéis especiais. cederam no pódio: ficar grande, sem ficar rico. Amazônia: a transferência da tecnologia para a jurisdição de uma empresa federal, as Cen- eletrointensiva trais Elétricas do Norte do Brasil, Eletronorte, que seria criada seis meses depois do primeiro choque A Amazônia saiu do marasmo de três décadas, no do petróleo. A súbita e drástica elevação do preço do qual ficou prostrada, a partir de 1910, por causa barril de petróleo pelo cartel dos produtores, a Opep, da decadência da exploração da borracha, quan- foi fundamental para o surgimento da Eletronorte, do foi chamada a participar do esforço da produ- em setembro de 1973, em pleno regime militar (en- ção para atender as forças aliadas na Segunda cabeçado então pelo general Emílio Garrastazu Guerra Mundial. Exaurida a economia de guerra, Médici, o terceiro e o mais feroz presidente do ciclo em 1946, a elite dirigente da região percebeu que de autoritarismo, que se manteria até 1985). seu horizonte dependia de um fator essencial: a disponibilidade de energia. Técnicos japoneses foram despachados de Tóquio com uma missão: estudar a viabilidade da implan- Embora abrigando a maior bacia hidrográfica do tação da indústria de alumínio no Pará. Mas em mundo, que drena 12% da água doce superficial regime de urgência: dependente em 80% do pe- existente no planeta, a Amazônia não possuía uma tróleo como fonte de energia, todo ele importa- única hidrelétrica. Sua escassa energia provinha do, o Japão estava consciente de que não podia de velhas máquinas a diesel, de funcionamento mais produzir bens industriais de alta demanda precário, sempre sujeitas à pane. Por isso mesmo, energética, sobretudo o alumínio, o mais a empresa remanescente, no Pará, do período em eletrointensivo de todos. O petróleo ficara caro que esse serviço foi realizado por concessionários demais e não havia possibilidade de encontrar su- ingleses (que, com o tempo e a pouca demanda, cedâneos em território japonês para manter cessaram os reinvestimentos), a Pará Eletric, pas- intacto seu parque industrial. As fábricas de alu- sou a ser popularmente (ou impopularmente) mínio teriam que ser fechadas no Japão e reaber-

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte conhecida como Paralítica. Ficava mais tempo pa- tas em outros lugares. Se possível, com ganhos. O T rada do que funcionando. mais promissor desses locais estava situado a 20 97 Os blecautes eram constantes, a qualidade da ener- mil quilômetros do território japonês, na foz da gia deixava muito a desejar, o consumo era violen- maior de todas as bacias hidrográficas, que, por tamente reprimido e a economia não podia cres- isso mesmo, devia poder gerar energia para suprir cer. Nenhuma industria se algum porte se instala- a maior fábrica de alumínio do mundo (o projeto ria na região com uma energia dessa qualidade. inicial previa uma produção de 600 mil toneladas Para enfrentar o grave problema, que deixava cons- de metal, metade das necessidades do Japão e cin- tantemente às escuras a maior cidade da região, co vezes a produção brasileira da época).

Belém, com quase meio milhão de habitantes, o Com adaptações e correções, o projeto japonês foi gia e da mineração no Pará governo do Pará criou uma Comissão Estadual de executado, tornando-se a mais bem-sucedida ex- Energia e, em seguida, uma empresa, a Celpa (Cen- periência de transferência industrial de todos os trais Elétricas do Pará), no início da década de 60. tempos. Todas as 46 fábricas de alumínio nipônicas A Celpa foi incumbida de criar energia farta e ba- foram fechadas e a maior (e mais rentável) delas rata para substituir as térmicas velhas, caras, de foi aberta e começou a funcionar, 20 anos atrás, a pequeno porte e ineficientes. A saída, obviamen- 50 quilômetros de Belém, garantindo o atendimen- to de 15% da demanda de metal do Japão, com

te, estava nos rios, até então completamente igno- Grandezas e misérias da ener rados como fontes de energia. Havia alguns alvos, mais de 200 mil toneladas. mas o principal se localizava na cachoeira de O principal segredo do sucesso seria dispor de uma Itaboca, no rio Tocantins, 300 quilômetros a sudo- fonte de energia abundante e barata. Quando ficou este de Belém. A regularização do rio permitiria claro que o Tocantins poderia desempenhar esse pa- instalar no local uma hidrelétrica capaz de gerar pel, a uma distância econômica da futura indústria 20 vezes mais energia do que todo o consumo da de alumínio, num ponto do estuário amazônico aces- Amazônia nessa época. Ou 1,2 mil megawatts. Nas sível por navios de grande porte, os japoneses, em pranchetas dos técnicos da Celpa que examinavam negociações intensivas mantidas entre Brasília e Tó- a viabilidade do empreendimento, era um sonho quio, fecharam um pacote completo: participariam grandioso. Ou uma utopia. tanto da fábrica quanto da hidrelétrica. Uma década depois a possibilidade de realização Para isso, o monopólio estatal da energia, exerci- desse sonho saiu do âmbito da administração estadu- do pela Eletrobrás, foi simplesmente ignorado. O al, várias vezes multiplicado de tamanho, e passou estatuto da Eletronorte admitia a possibilidade de que cotistas estrangeiros subscrevessem até um Energia e ex-presidente da Companhia Vale do Rio terço das ações da empresa. Seria a cota financei- Doce, Eliezer Batitsta, entende que a usina teria cus- ra do Japão, já que a indústria de alumínio, proje- tado muito menos e não teria obrigado o governo a tada para 600 mil toneladas (acabou dando parti- subsidiar os dois maiores consumidores individuais da com pouco mais da metade, 320 mil toneladas, de energia do país, a Albrás, em Barcarena, e a hoje elevadas para 430 mil toneladas, na perspec- Alumar, em São Luís, em valor ao redor de dois bi- tiva de chegar a 700 mil toneladas no futuro), fica- lhões de dólares (correspondente a duas fábricas ria com um terço da energia firme da usina. No inteiramente novas), se não tivesse havido corrupção final, os japoneses não precisaram gastar seu capi- na obra. Admitindo-se que o valor do subsídio tal porque o governo brasileiro assumiu todos os corresponde ao da corrupção, o desvio de dinheiro custos, inclusive de obras de interesse direto da público na obra seria do tamanho de US$ 2 bilhões. Albrás, como a vila residencial da fábrica e o por- Rombo para nenhum Maluf botar defeito. to. Mas o rompimento do monopólio estatal da A afirmativa foi feita prosaicamente à professora e energia para atender o esquema original mostrou o grau de prioridade que as autoridades de Brasília pesquisadora carioca Gisela Pires do Rio, em 17 davam à associação nipo-brasileira. de outubro de 1995, na sede da CVRD, no Rio de Janeiro, para um trabalho de doutorado. Revelei as declarações de Eliezer no meu Jornal Pessoal da Tucuruí e o “fator amazônico” 1ª quinzena de junho daquele ano. Voltei mais duas Quando começou a ser construída, em 1975, a hi- vezes ao assunto, tentando sensibilizar a socieda- drelétrica de Tucuruí, a segunda maior do Brasil de para a gravidade das palavras de um cidadão (terceira da América do Sul e sexta do mundo), com com a responsabilidade do ex-ministro, acima de 4,2 mil MW na primeira etapa (e 8,3 mil MW de qualquer suspeita ao falar do assunto. A única re-

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte potência final, quando tiver sido finalizada, em percussão foi uma representação que o então de-

T 2006), deveria custar 2,1 bilhões de dólares. Ao ser putado federal Geraldo Pastana, do PT, encami- 98 inaugurada, em 1984, seu orçamento já havia al- nhou ao presidente do Tribunal de Contas da cançado US$ 5,4 bilhões. A Comissão Mundial de União, em novembro de 1997. Barragens calcula que seu preço atualizado, até Em janeiro de 1998, apreciando a denúncia, o as- 2000, bateu em US$ 7,5 bilhões. Considerando a sessor da Secretaria de Controle Externo do TCU linha de transmissão de energia associada à usina, no Pará, Daniel Eliezer Rodrigues, propôs o arqui- o valor sobe para US$ 8,77 bilhões. Há quem esti- vamento dos autos. Segundo ele, os “graves dados” me esse custo em algo acima de US$ 10 bilhões. submetidos ao tribunal pelo deputado paraense Para a Eletronorte, porém, o número oficial é de (não-reeleito), “que, aliás, foram e são amplamen-

gia e da mineração no Pará US$ 4,7 bilhões. Ou seja: menos do que o valor te conhecidos da sociedade brasileira, escapam a que já estava apropriado em 1984, incluindo juros [sic] apuração desejada uma vez que a construção durante a construção. Mas essa conta de juros jun- dessa usina ocorreu num momento político diver- to aos agentes financeiros europeus, transferida so do atual vivido pelo país. Naquela ocasião, de para a responsabilidade da Eletrobrás, ainda não liberdade restrita, o controle externo não apresen- fechou. O passivo atualizado da Eletronorte é de tava algumas das atuais características estabelecidas 5,6 bilhões de reais. somente em 1988,

Grandezas e misérias da ener quando da promul- Qualquer que seja o Fábrica de alumínio Albrás, Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA gação da nova Carta valor de referência, Magna brasileira”. ele extrapolou todas as previsões, inclusive Já agora, “além de ser a margem de acrésci- significativa a dife- mo geralmente joga- rença política em re- da sobre as costas lar- lação a [sic] vigente à gas do chamado “fa- época dos fatos, há tor amazônico”, re- ainda todo um pro- sultante da condição cesso de privatização onerosa da Amazô- em andamento que nia de frente pionei- tem alterado profun- ra, selvagem. O ex- damente a relação ministro de Minas e das citadas entidades Hidrelétrica Tucuruí, Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte

T com o Tribunal”, argumentou o assessor. Para ele, A dúvida, que só fugazmente atormentou os buro- seria “razoável supor que se deu em outras épocas a cratas federais, diz respeito a pelo menos centenas 99 oportunidade e conveniência de apurar os fatos”, mas de milhões de dólares que podem ter sido sangra- hoje “devemos ser realistas a ponto de compreender dos do erário por superfaturamentos, desvios, irre- que dificilmente uma investigação sobre o caso há gularidades, fraudes e outros ilícitos. O contencioso tanto ocorrido, cujas possíveis provas dissiparam-se permanece ativo: nem todas as dívidas internacio- nas névoas do tempo, ocasionará no desfecho dese- nais contraídas para a construção da usina foram jado pelo ilustre parlamentar”. inteiramente pagas. Tucuruí ainda é um livro em Como compensação, o assessor esperava que vies- processo, com páginas abertas ou em branco, algu-

gia e da mineração no Pará se a ser feita “a avaliação do desempenho presen- mas envolvendo respeitáveis personagens da vida te das atuais instituições federais sob jurisdição do pública de hoje, como o deputado federal Delfim TCU que tenham relação direta com a usina de Neto, embaixador do Brasil na França quando os Tucuruí, cujas atividades possam afetar esta e fu- contratos para o financiamento de Tucuruí foram turas gerações”. Mas essa tarefa, tranqüilizava o assinados com consórcios de bancos europeus, lide- funcionário do tribunal, “já vem continuamente rados pelos franceses (um adido militar da embaixa- sendo realizada”, uma vez que “graves irregulari- da, o coronel do Exército Raimundo Saraiva, fez um misterioso relatório denunciando irregularidades na dades e ilegalidades surgem com freqüência”. Grandezas e misérias da ener negociação e definição dos contratos). Mas, por seu Como discurso moral, era consolador. Mas restrin- percurso tortuoso, a história da hidrelétrica de Tu- gir-se a ele não significaria admitir um estado de curuí serve de álibi para fraudes que continuam a impotência desestimulador, como se as conquis- ser perpetradas, aproveitando-se da dissipação das tas do regime democrático só valessem para fren- provas pelas “névoas do tempo”, conforme entendi- te e não mais para trás? Foi a atitude do Tribunal mento de muita gente, como o assessor do TCU. de Contas da União: seu então presidente, Marcos Vinícios Villaça, acatando o parecer do técnico de Convém lembrar que entre 1975 e 1984, do início Belém, determinou o arquivamento dos autos, da construção até a inauguração da usina, o dono como se a questão se referisse a um tema remoto da Construtora Camargo Corrêa, a principal do passado, que já estivesse confinado a um arqui- empreiteira da obra, ascendeu à condição de mem- vo morto. E fosse impossível recuperar a monta- bro do exclusivíssimo grupo dos bilionários mundi- nha de dinheiro que foi desviada, embora esse tipo ais, do qual faziam parte na época apenas Antônio de crime seja imprescritível. Ermírio de Moraes e Roberto Marinho. A fortuna de Camargo dobrou nesse intervalo, de US$ 500 maior usina de energia de fonte hidráulica do milhões para US$ 1 bilhão. Tucuruí deve ter contri- mundo, a Eletronorte disse que a obra sairia por buído para esse desempenho. Afinal, foi a princi- US$ 6,5 bilhões. Seriam US$ 3,7 bilhões na hidrelé- pal obra da Camargo Corrêa nesse período. Para trica propriamente dita e US$ 2,8 bilhões na linha dar uma idéia do seu significado, a Eletronorte se de transmissão, uma das maiores do mundo, com orgulha de proclamar, em seu raquítico site na três mil quilômetros de extensão, até os grandes internet, que a usina do rio Tocantins é a obra que centros consumidores, no sul do país. Já era uma acumula mais concreto (8 milhões de metros cúbi- economia alentada em relação ao valor exploratório cos) do Brasil e a maior hidrelétrica “genuinamen- que a Eletronorte manuseou até consolidar o pri- te nacional”. meiro projeto básico, de 11 bilhões de dólares. Apesar da relevância do tema e da gravidade da Em maio de 2002, o então presidente da Eletro- denúncia lançada por Eliezer Batista, só em 2001 a norte, José Antônio Muniz Lopes, anunciou um principal revista de informação do Brasil (e a quin- novo valor: Belo Monte passou a ser orçada em ta do mundo) descobriu o assunto. Veja publicou US$ 5,7 bilhões, 800 milhões de dólares a menos, então que o contrato assinado pela Camargo uma boa economia de 12%. Mas a conta ainda Corrêa, mais de um quarto de século antes, para a podia se tornar um bilhão de dólares mais leve, construção da hidrelétrica era a maior loteria que prometeu Muniz Lopes, acenando com a redução uma empreiteira já havia ganhado no Brasil. A ma- do “linhão” para US$ 1,7 bilhão. téria, publicada com algum destaque, não era exa- Assim, em questão de meses, graças ao trabalho tamente um primor de jornalismo: havia poucas dos projetistas, o custo de Belo Monte baixou de informações, algumas delas trocadas, e muitos juízos US$ 6,5 bilhões para US$ 4,7 bilhões, dos quais de valor. Os poucos fatos revelados para quem já US$ 3 bilhões na usina e US$ 1,7 bilhão na linha acompanhava a questão, porém, seriam suficientes enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte de transmissão. Corte de 30%. Impressionante.

T para exigir explicações de quem de direito. Esse valor asseguraria a Belo Monte o menor cus- 100 A revista dizia que o orçamento da usina duplica- to de kW instalado de hidreletricidade que se po- ra dos 6 bilhões de reais originais para R$ 11,5 bi- deria alcançar num empreendimento de grande lhões. Desde sua assinatura, em 1977, o contrato- porte. Algo que só tem paralelo com a usina de base havia sido aditado 29 vezes, em “pontos es- Xingó, no Nordeste, a mais recente das mega-hi- senciais”, observava a revista, permitindo à empre- drelétricas a entrar em operação no Brasil. sa ampliar os serviços e multiplicar-lhes o valor. Em projeto, pelo menos, a hidrelétrica ficou me- Para tanto, teria sido violada a antiga lei de licita- nor em 2003, não tendo mais a potência que a ções públicas, modificada em 1993. aproximaria bastante das duas maiores hidrelétri-

gia e da mineração no Pará Quando, em 1979, a Eletronorte transferiu para a cas do continente, Itaipu e Guri (no rio Orinoco, na Venezuela), no quarto lugar entre as gigantes já extinta Portobrás a responsabilidade de cons- mundiais, a serem encabeçadas em futuro próxi- truir o sistema de transposição da barragem, a obra, mo por Três Gargantas, na China, ainda em cons- mesmo desmembrada, continuou com a Camargo trução. Dos 11,5 mil megawatts que devia ter, a Corrêa. Depois de seis anos de paralisação, a cons- potência nominal de Belo Monte baixou para um trução das eclusas foi retomada pela empresa, ain- valor entre 7,5 mil e 5,5 mil MW. Naturalmente, da com o mesmo contrato. seu custo também encolheu: ao invés dos US$ 6,5

Grandezas e misérias da ener Já a duplicação da capacidade nominal da usina, bilhões da primeira revisão, seu orçamento pas- com investimento global de US$ 1,5 bilhão, tam- sou a gravitar em torno de US$ 4 bilhões (ou pou- bém está sendo feita pela Camargo Corrêa, ao abri- co mais de 12 bilhões de reais, ao câmbio do dia). go do velho e maravilhoso contrato. Tanta elastici- Sua viabilidade estaria assegurada por um único dade e tão grande facilidade para dela desfrutar barramento, o que já estava previsto para a gran- criaram escola. Uma escola risonha e franca, que de curva pela qual o Xingu segue depois de Alta- aceita qualquer tipo de lição. mira até chegar ao Amazonas, formando um dos mais interesses deltas interiores da Terra. Mas a Belo Monte: ficará em quanto? quantidade de máquinas permanecia a mesma: 20, cada uma com o dobro da potência de cada má- Quando apresentou, em 2001, o projeto consoli- quina de Tucuruí. dado para a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, que deverá deslocar Tucu- Restava uma questão: como compatibilizar essas ruí do segundo lugar e se tornar, ao final, a quarta três variações de potência com o “tamanho ótimo” que a Eletronorte havia definido para Belo Monte, Recentemente manifestaram interesse de entrar depois de longos e meticulosos estudos? Esse ta- na associação a Alcoa, que pretende implantar uma manho ótimo, produto do cruzamento de diversas planta de alumina, para produzir 800 mil tonela- variáveis, era de 11,5 mil MW. Reduzido em 40% das anuais, em Juruti, no extremo oeste do Pará, a ou à metade, como fica o nivelamento da viabilida- partir de jazidas de bauxita locais com vida útil de de da usina? 50 anos, e a Albrás, a empresa formada pela Com- panhia Vale do Rio Doce e um consórcio japonês, A ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, que conseguiu garantir seu suprimento de ener- disse, numa entrevista à imprensa, no ano passa- gia por mais 20 anos junto à Eletronorte, a partir do, que o custo de geração de cada MW pode ser de Tucuruí, mas quer ter uma boa alternativa nova. de 12 dólares. O presidente da Eletrobrás (hoje Se o pólo da Alcoa em Juriti evoluir para uma refi- demitido), Luiz Pinguelli Rosa, citou outro núme- naria de alumínio, então grande parte da potên- ro: US$ 20 (para potência instalada de US$ 300 o cia de Belo Monte estará comprometido com o MW, verdadeiramente uma pechincha, a ser devi- atendimento local de energia e não mais, como damente checada na linha de chegada). A varia- na concepção original, com a transmissão para fora ção, só aí, é de 70%. Se US$ 20/MW é o número, do Estado. isso significa um custo de geração considerável. Há, portanto, ainda muitas pendências a consoli- Embora a Eletronorte agora argumente que um dar e esclarecer. A Eletronorte, contudo, tem sido grupo de estudo, formado pelas instituições mais enfática num ponto: Belo Monte é viável sozinha, conceituadas no setor no Brasil, analisou e apro- sem qualquer outro aproveitamento hidrelétrico vou os estudos sobre Belo Monte, a viabilidade eco- a montante do rio Xingu. Mesmo assim, seu presi- nômica ainda é um item sujeito a elucidação, prin- dente seguinte (já também ex, tendo assumido re- cipalmente por se manterem variáveis pré-defini- centemente a presidência da Eletrobrás), Silas

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte das, a despeito das mudanças nos elementos de Rondeau, garantiu que, quando o licenciamento T cálculo, como a potência. A energia firme, por da obra puder ser retomado, com o fim da 101 exemplo, que era de 4,7 mil MW para uma capaci- litigância judicial com o Ministério Público Fede- dade nominal de geração de 11,5 mil, deve ter sido ral, o EIA-Rima abrangerá toda a bacia do Xingu melhorada com o encolhimento de Belo Monte. (que drena 6% do território brasileiro) e não ape- nas no local do barramento, na Volta Grande. Outra mudança importante para a viabilização da usina é no projeto de transmissão da energia. A Já os impactos ambientais e humanos serão de pro- linha foi reduzida a quase um quarto da extensão porção pequena comparativamente aos fatores do projeto original, sob a responsabilidade de atrativos e positivos da obra, segundo o prospecto quem ganhar a licitação para a concessão da hi- da Eletronorte. Redesenhada sob a administração gia e da mineração no Pará drelétrica do Xingu e do seu sistema associado de de Luiz Inácio Lula da Silva, a usina estaria pronta transmissão. Haverá duas diretrizes, quase do mes- para ser submetida ao debate público e resistir à mo tamanho (pouco acima de 400 quilômetros), controvérsia, podendo ser iniciada no prazo de 13 para Marabá e Colinas. Nesse ponto de entrega meses, a partir do momento em que a pendência deverá assumir a energia quem for distribuí-la para que sustou seu andamento na justiça, a avaliação o Sistema Integrado Nacional. O valor da nova li- de seu impacto ambiental, for resolvida. nha não foi apresentado, mas deve ter sido uma Sob a bandeira do PT, começou o terceiro momen- Grandezas e misérias da ener economia significativa, para melhorar a apresen- to da história de Belo Monte, cheia de atropelos e tação orçamentária de Belo Monte. mudanças, mas inusitadamente persistente. Na nova modelagem do projeto também deve in- fluir o retoque de uma implantação parcial e não Uma maravilha de engenharia? total. Agora se prevê que primeiramente serão Essa história foi iniciada em 1975. Enquanto a entregues 10 máquinas e, só em seguida, as 10 res- Construtora Camargo Corrêa instalava seu cantei- tantes. Outro elemento de peso é a organização ro para começar a construir Tucuruí, no rio To- empresarial do negócio, num consórcio, já batiza- cantins, a Eletronorte patrocinava os primeiros do de Consórcio Brasil, liderado pelas conhecidas levantamentos na bacia do Xingu, mais a oeste, empreiteiras do setor, Andrade Gutierrez e com área só um pouco menor. Camargo Corrêa, maiores fabricantes internacio- nais de máquinas e equipamentos elétricos, além Essa primeira etapa chegou melancolicamente ao das estatais Eletronorte, Furnas e Chesf. fim em 1989, quando, no auge de uma medição de forças entre os Pesquisas para a usina Kararaô, 1987, e da casa de máqui- grupos a favor e con- Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA nas, sem qualquer tra a usina, em Alta- obra de desvio do mira, no Pará, a ín- rio, economizando dia Tuíra ameaçou dinheiro e tempo. com um facão o en- Reduzido a 400 qui- tão coordenador (e lômetros quadrados futuro presidente, (ou 40 mil hectares), agora ex) da Eletro- correspondente à norte, Muniz Lopes. extensão das cheias Muniz tentou man- normais do rio, o re- ter-se firme diante da servatório do Xingu lâmina colocada a tem uma área quase centímetros de seu cinco vezes menor rosto, mas seus olhos do que a do lago da não escondiam o sus- hidrelétrica de Tucu- to. Tuíra no local, ruí. Mas teria um impacto ainda menor porque, Paulinho Payakan e Kube-í em Washington, ao lado além de uma aldeia indígena, o único remaneja- do etnoantropólogo (já falecido) Darrel Posey, de- mento significativo de população que ela exigiria ram o coup-de-grâce no projeto. seria a de um bairro da cidade de Altamira, a mais A reação dos índios arrematava, com seu simbolis- importante do vale. Mas esses moradores não senti- mo forte, constatação mais prosaica: era inaceitá- riam tanto a mudança por já estarem acostumados vel o projeto de um complexo aproveitamento hi- às inundações periódicas do Xingu.

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte T drelétrico, com cinco usinas, que iria inundar qua- Maravilha da engenharia? Os representantes da se 22 mil quilômetros quadrados, área equivalen- 102 Eletronorte sempre tentaram transmitir a imagem te à do Estado de Sergipe. Só as duas barragens da de Belo Monte como uma autêntica dádiva da na- Volta Grande, à altura de Altamira, provocariam o tureza, ou mesmo divina: seria possível gerar uma afogamento de 14,5 mil quilômetros quadrados, enorme quantidade de energia com o menor cus- quase cinco vezes a área do reservatório da usina to de kW instalado possível no Brasil, inundando de Tucuruí. uma área muito pequena, remanejando pouca A reanimação do corpo moribundo da hidrelétri- gente, usando uma cidade já existente como pon- ca ocorreu em grande estilo, Muniz Lopes já no to de apoio, o que dispensaria construir uma nova gia e da mineração no Pará comando total do novo projeto, na década de 90. vila no canteiro de obras, e construindo a barra- Nessa nova fase, a área inundada foi reduzida su- gem sem precisar desviar o rio. 2 cessivamente, primeiro para 1.200 km e, em se- Enquanto promovia espetáculos de relações pú- 2 guida, para 440 km , o tamanho definitivo, qual- blicas para vender a imagem de Belo Monte, cria- quer que venha a ser a motorização da barragem, va planos de desenvolvimento para o entorno do porque a usina irá operar praticamente a fio reservatório, apoiava a criação de associação dos d’água, sem reservatório. municípios afetados e realizava debates segmenta-

Grandezas e misérias da ener Essa transformação miraculosa se devia a dois fato- dos, a Eletronorte concebia um projeto para que res. O primeiro, a eliminação (ao menos no proje- a obra fosse executada e operada pela iniciativa to) da barragem reguladora de Babaquara, a mon- privada. Delegou a si própria, porém, a tarefa de tante de Kararaô (designação mudada para Belo preparar o projeto básico de engenharia e o EIA- Monte porque os índios se consideraram Rima para o licenciamento ambiental da usina. lingüisticamente ofendidos), que submergiria mais Espera investir o suficiente na fase de pré-constru- de 6 mil km2. O segundo fator derivava da adução ção para ficar com 30% do capital da empresa ven- direta de água à casa de força, através de dois ca- cedora da licitação, que será realizada pela Aneel, passando em frente essa participação quando a nais, que resultariam da retificação e concretagem construção estiver concluída – e, então, completa- de dois igarapés naturais. Essa ligação, estabelecida mente privatizada. entre um ponto anterior ao início da curva do rio e um ponto após a curva, com desnível natural de 90 Esta foi a primeira novidade de um grande proje- metros, teria a vantagem adicional de permitir ao to hidrelétrico na Amazônia, até então de integral construtor trabalhar a seco no corpo da barragem responsabilidade estatal. Na verdade, uma meia novidade: a Eletronorte definiu a viabilidade eco- A importância estratégica de Belo Monte decorria nômica do empreendimento antes mesmo de ha- das vantagens que, segundo os argumentos apre- ver aparecido quem se interessasse em ser o dono sentados pelo governo de Fernando Henrique do negócio. Tradicionalmente, a participação pre- Cardoso (mantidos pelo seu sucessor oponente), visível do poder público em tais situações seria ela- ela iria incorporar ao sistema interligado nacio- borar os termos de referência da concorrência. nal. Como as necessidades adicionais de energia Neles, definiria o que pretende da concessão ener- internas ao Pará são mínimas, Belo Monte pode- gética e com o que não concorda. O resto, ficaria ria transferir quase toda a energia gerada, permi- sob o encargo do investidor privado. Inclusive se tindo às usinas do Nordeste e do Sudeste armaze- vale à pena assumir a empreitada. Em Belo Monte nar água em seus reservatórios para funcionar a esse procedimento lógico foi invertido. plena carga no período seco do ano. Além disso, como os cálculos da Eletronorte ga- Uma obra estratégica rantem que o custo da energia na hidrelétrica do Xingu será baixo, Belo Monte permitirá ao gover- É significativo que, adotado esse modelo hetero- no postergar a implantação de empreendimentos doxo, pela primeira vez um empreendimento elé- de custos mais elevados previstos para as regiões trico foi declarado de interesse estratégico para o Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Combinando esses país. Desde 17 de setembro de 2001, Belo Monte atrativos, a nova hidrelétrica reduziria o risco de ocupa essa posição inédita, reconhecida, em reso- déficit no sistema nos próximos anos. lução assinada pelo presidente do Conselho Naci- onal de Política Energética, José Jorge de Vascon- Os técnicos da Eletronorte não economizam en- celos Lima, como estratégica “no planejamento de tusiasmo. Eles dizem que Xingó, no Nordeste, é o expansão da hidreletricidade até o ano 2010”. Se único aproveitamento energético melhor do que

dependesse do governo federal, a usina teria co- o de Belo Monte no Brasil. Queriam começar o II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte

T meçado a ser construída em 2002. logo a obra para que o primeiro dos 20 grandes geradores a serem instalados na usina pudesse co- 103 Ao reconhecer o interesse estratégico da usina, o meçar a operar em março de 2008. A cada três ou presidente do CNPE propôs que fosse autorizada quatro meses uma nova máquina entraria em fun- a continuidade de todos os estudos de viabilidade cionamento, gerando energia suficiente para aten- econômico-financeira, ambiental e de engenharia der a mais da metade da população de Belém, com do empreendimento. A Eletronorte, responsável 1,2 milhão de habitantes, nos pique de consumo por esses trabalhos, entregou os documentos ne- da capital paraense, a 10ª mais populosa do país. cessários para permitir a outra agência estatal, a Aneel, lançar a concorrência pública. Mas não o Não há dúvida que Belo Monte representa um

gia e da mineração no Pará relatório de impacto ambiental, suspenso pela jus- providencial desafogo às dificuldades de suprimen- tiça federal em atendimento a uma ação civil pú- to energético com que a parte mais antiga e mais blica proposta pela Procuradoria da República, em desenvolvida do país deverá se defrontar no hori- função de irregularidades no contrato assinado zonte do planejamento energético, que vai até com a executora dos estudos, a Fadesp, a funda- 2010, qualquer que seja o custo de produzir e le- ção de pesquisas da Universidade Federal do Pará. var essa enorme quantidade de energia por uma distância de três mil quilômetros, da fronteira O governo não ignorava que Belo Monte era uma

amazônica até os grandes centros consumidores. Grandezas e misérias da ener obra polêmica. Ao conferir-lhe um status especial, Mas e para a Amazônia? porém, indicou sua disposição de executá-la de qualquer maneira, num momento em que o ba- O projeto de inserção regional montado pela Ele- lanço energético do país dava sinais de tronorte para seu novo paquiderme de megawatts desequilíbrio (situação que poderia voltar depois é muito mais sofisticado do que o arranjo da déca- da atual fase de excedente de energia no merca- da de 80. A empresa está mais bem preparada para do, em função dos investimentos oficiais insufici- o confronto de idéias (e não só de idéias, natural- entes na infraestrutura do país). Alegou que para mente, como esses momentos de choque acabam dispensar a hidrelétrica do Xingu, seria preciso se tornando). Resta verificar outros dois compo- construir usinas térmicas a gás natural que consu- nentes da equação de Belo Monte: miriam 42 milhões de metros cúbicos por dia. Essa 1) o significado real da obra, se de fato é um apri- demanda exigiria dobrar a oferta atual de gás do moramento na abordagem ecológica, social, de país. Ou então recorrer a oito usinas nucleares engenharia e social de uma hidrelétrica construí- iguais a Angra II. da na Amazônia, e 2) o preparo dos que ainda acham que deixar para participação da Eletrobrás em até um terço do depois, reduzir o tamanho e alterar a concepção capital da empresa particular que vencer a licita- desses projetos é o melhor que se pode fazer quan- ção, passando ao mercado essas ações quando che- do a intenção é usar inteligentemente os recursos gar a fase operacional? naturais dessa vasta e complexa região. O perfil de Belo Monte só poderá ser traçado com Como o Brasil precisa acrescentar 4 mil megawatts nitidez após a elucidação desses pontos. Mas ainda a cada ano à capacidade instalada de geração para há outros. A Eletronorte já admite que a potência atender ao crescimento do consumo nacional de firme da usina será inferior ao patamar internacio- energia, não haverá quem se negue a apoiar o nal de viabilização da construção de hidrelétricas, empreendimento proposto pela Eletronorte. Des- que é de 50% da capacidade nominal de geração. de, naturalmente, que a empresa apresente suas A potência teórica de Belo Monte, com suas 20 planilhas de cálculo e se submeta a uma auditagem máquinas, é de 11 mil MW, mas a energia firme será das suas contas, que nem sempre podem ser devi- de apenas 4,7 mil MW, ou 40% do máximo que ela damente apuradas, conferidas e aprovadas. Preci- será capaz de gerar no pique de inverno. sará demonstrar que, não sendo sua conta apenas Em quatro meses do “verão” amazônico, o Xingu um efeito da variação do câmbio, a quanto monta não terá água suficiente para movimentar as gi- cada um dos itens de redução – redução ainda mais gantescas engrenagens das turbinas, que precisam notável porque obtida na fase de planejamento da de 700 mil litros de água por segundo (a deman- obra – de Belo Monte. da das 20 máquinas é de 14 milhões de litros de Mas não só em relação às contas específicas da usi- água a cada segundo). Em outros dois meses a pro- na. É necessário fazer uma checagem mais ampla dução de energia será mínima. Essa depleção, por- do projeto. Quando exibiu ao público o orçamento tanto, afeta profundamente a média.

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T consolidado, de US$ 6,5 bilhões, só recentemente modificado (mas não adequadamente explicado), Um barramento único? 104 a Eletronorte não previa um acréscimo, que só de- pois faria: a construção de uma usina térmica em Belo Monte é realmente viável sozinha ou necessita Belém, a capital do Pará, o Estado no qual a usina de outros barramentos a montante do Xingu para será construída. Essa termelétrica irá gerar 1,5 mil proporcionar rentabilidade? De início, para vencer MW (pouco menos de 15% da potência nominal da traumas e resistências do passado, a Eletronorte de- hidrelétrica), com investimento de US$ 750 milhões. clarou que Belo Monte seria a única hidrelétrica na região. Recentemente, rebatizou seu projeto para Se essa termelétrica é obra complementar da hidre- “complexo hidrelétrico”. Mas sugeriu que a adoção létrica, o orçamento geral deixaria de ser de US$

gia e da mineração no Pará desse coletivo se devia a uma modificação na enge- 4,7 bilhões. Subiria para US$ 5,45 bilhões. Esse “de- nharia do empreendimento: haverá motorização talhe”, que representa um razoável encarecimento também no vertedouro, a barragem secundária a do projeto, não foi destacado. Mas outros “porme- ser construída no início da curva fechada (ou Volta nores” também permanecem pendentes de escla- Grande) que o Xingu dá, 50 quilômetros acima do recimento. Por que instalar a usina térmica em local onde surgirá a barragem principal, asseguran- Belém, que fica mais de 700 quilômetros a leste da do dessa maneira o fluxo normal de águas enquan- futura barragem? Seria para abastecer os consumi- to se constrói, a seco, a casa de máquinas, rio abai-

Grandezas e misérias da ener dores próximos, dos quais os principais seriam a xo. Por que motorizar essa barragem menor se ela população da capital paraense e a fábrica de alumí- vai acrescentar apenas 100 MW ao complexo (ou nio da Albrás, a maior do continente? Ou seria para 1% de sua capacidade nominal)? assegurar a energização da linha durante quase Não será esse um claro indicador de que Belo Mon- metade do ano, quando nenhum megawatt estará te seguirá o mesmo rumo de Tucuruí também nes- saindo de Belo Monte por falta de água suficiente te aspecto? A Eletronorte elevou a cota operacional no Xingu para permitir à usina produzir energia? da barragem do nível de 72 metros, que era o máxi- Além dessas dúvidas, há uma outra questão: quem mo normal, para o nível (maximo maximorum) de construir Belo Monte terá que assumir a respon- 74 metros. Esse aumento de dois metros na área do sabilidade pela térmica de Belém? O financiamen- lago (que já ocupa 2.875 km2, tendo começado a to para essa obra será negociado como um pacote operar com 2.430 km2, corrigidos em relação à área fechado, nas mesmas condições? Será seguido o original do projeto, que era de 2.116 km2) repre- esquema previsto pela Eletronorte, de privatização sentará menos de 3% de adição à potência nomi- da obra, mas com financiamento oficial e com nal da usina do Tocantins, ao custo de 30 milhões de reais só para o pagamento da indenização das no inverno chega a bater em 30 milhões de litros benfeitorias dos lavradores que novamente preci- de água por segundo, no verão fica aquém da de- sarão ser remanejados da beira do lago. manda das enormes máquinas da usina, de até 600 mil litros cúbicos por segundo. No pique da estia- O dado maior, porém, não é esse: é ver passar pelo gem, todas as 20 turbinas teriam que ficar paradas vertedouro da barragem tanta água não turbinada por falta de água. Por isso, a energia firme da usina no inverno (a vazão do rio podendo chegar até a 60 se manteria abaixo do nível de viabilidade. milhões de litros de água por segundo. enquanto as necessidades da usina – e assim mesmo apenas no A Eletronorte tem desprezado esse questionamen- momento em que estiver completamente duplicada, to alegando que no período em que não estiver dentro de três anos – serão de pouco mais de 11 gerando, Belo Monte receberá, através de sua ex- milhões de litros por segundo) e no verão a escassez tensa linha, energia de outras bacias brasileiras em de água deixar a maioria das máquinas paradas. Dos condições de transferir-lhe energia, graças à ple- 8,3 mil MW máximos, Tucuruí ficará com 3,3 MW na integração do sistema nacional, controlado pelo médios ao final da duplicação em curso. ONS (Operador Nacional do Sistema). No entan- to, mesmo sem suspender ou reduzir o ritmo do Assim, outras barragens terão que ser construídas projeto, o governo Lula criou uma nova fonte de Xingu acima para elevar a potência firme de Belo atenções ao desviar seu interesse para o rio Madei- Monte, como certamente acontecerá em relação ra, em Rondônia. Está em andamento o estudo de a Tucuruí. No Tocantins, a barragem que já está viabilidade econômica para a construção, a partir engatilhada para cumprir essa função, de suple- de 2005, de duas hidrelétricas no Alto Madeira, mentar o reservatório de Tucuruí, impossibilitado entre Porto Velho e Abunã. Quando estiverem definitivamente de crescer, será a de Marabá. No concluídas, em 2012, segundo os dados disponí- Xingu, será a barragem de Babaquara. veis, as usinas terão absorvido 14 bilhões de reais

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte A área de inundação sai do âmbito dos singelos (R$ 10 bilhões na geração e R$ 4 bilhões no siste- T 400 quilômetros quadrados de Belo Monte e vai ma de transmissão), com capacidade instalada de 105 para seis mil quilômetros quadrados de Babaqua- 7,3 milhões de quilowatts, na soma apenas 15% ra, mais do dobro do lago de Tucuruí. E se na es- menor do que a hidrelétrica de Tucuruí. teira de Babaquara vierem os outros aproveitamen- O projeto do Madeira vem sendo conduzido há tos inventariados pela Eletronorte no Xingu, o nú- quase três anos por uma equipe de técnicos de mero vai parar em 14 mil km2 (para uma expecta- Furnas (subsidiária da Eletrobrás) e da Construto- tiva de produção de energia de 16 mil MW, mais ra Norberto Odebrecht, com a assessoria da Pro- do que Itaipu). A questão ecológica e os impactos jetos e Consultorias de Engenharia Ltda. As son-

humanos dos represamentos deixam de ser ques- dagens visam não só ampliar a capacidade de pro- gia e da mineração no Pará tões acessórias para serem itens essenciais na agen- dução energética nacional como também da de discussões sobre o que pretende a Eletro- incrementar a navegação ao longo de quase todos norte fazer no Xingu. os 4.200 quilômetros do rio Madeira, regularizan- do o trecho entre a capital de Rondônia e Abunã, na fronteira com a Bolívia. Uma nova fonte de atenções Imaginava-se que, com a chegada de Lula ao po- O estudo de engenharia concluiu pela viabilidade da construção de duas usinas hidrelétricas, de San- der, essas questões continuariam a ser examina- Grandezas e misérias da ener das e aprofundadas. Ao que parece, porém, foi to Antônio e Jirau, com potencial 7.362.000 incorporada a imagem criada pela Eletronorte nos quilowatts de energia. Também apontou para a oitos anos de FHC, de que Belo Monte é a hidrelé- possibilidade de serem abertas saídas fluviais para trica dos sonhos de qualquer barragista, a “jóia da Manaus, Porto Velho e Cuiabá, permitindo ainda a coroa” energética, como agora também acredita a integração energética e econômica entre Brasil, ministra Dilma Rousseff, antes cética a respeito. Bolívia e Peru. Plenamente navegável na fronteira, o Madeira será interligado aos seus principais aflu- Mas se definhou, na retórica oficial, o monstrengo entes, o Mamoré e o Guaporé, criando uma saída impactante do passado, ainda restam dois aspec- da navegação para o Oceano Atlântico. O Brasil, tos polêmicos do projeto. assim, no século seguinte, estaria cumprindo o com- Além de conquistar o suspeito título de a maior hi- promisso que começou a saldar no século XX e drelétrica a fio d’água já construída pelo homem, Belo deixou inconcluso com a legendária ferrovia Ma- Monte pode ficar – inteira ou parcialmente – parali- deira-Mamoré (onde cada dormente assentado sada durante metade do ano. A vazão do Xingu, que corresponderia a uma morte). Os estudos do consórcio asseguram que o empre- sobretudo os que oferecem ao Brasil saída para endimento teria efeito imediato sobre Mato Gros- o Pacífico. so, que produz três milhões de toneladas de soja, No Madeira o modelo de construção estabelece o atualmente escoadas por rodovias até os portos de controle do empreendimento por Furnas, que, as- embarque para exportação. Com a navegabilidade sim, rompe a jurisdição da Eletronorte e, por en- do Madeira, essa produção seguiria por via fluvial, quanto, se sobrepõe à subsidiária da Eletrobrás para com frete inferior ao praticado hoje. A produção a Amazônia. Esse deslocamento parece ter sido re- interna de grãos poderia alcançar 25 milhões de alizado para que o grupo do então presidente da toneladas em Rondônia e Mato Grosso, utilizando Eletrobrás pudesse assumir o controle do projeto. sete milhões de hectares de áreas agricultáveis nos dois Estados, que não são cultivadas devido ao alto Para levar adiante a construção da obra, a partici- custo do transporte. Com a hidrovia, o frete ficaria pação estatal no empreendimento deve ser maior mais barato 15 dólares por tonelada. do que o previsto anteriormente, deixando Furnas à frente do consórcio de empresas que participa- As obras teriam pequeno impacto ecológico por- riam do projeto. Ele não seria apenas de geração que os reservatórios das hidrelétricas correspon- de energia, mas de desenvolvimento regional. Os deriam a 40% da área que o próprio Madeira ala- trabalhos preliminares têm incluído a construção ga às suas margens durante o período de chuvas de eclusas para o Madeira, ao contrário do proce- mais intensas. No curso do rio a ocupação huma- dimento da Eletronorte, que prevê a transposição na não é densa, o que atenuaria os efeitos sociais. do rio, mas transfere a responsabilidade para ou- Quanto ao desmatamento, a quantificação ficará tra instituição. para o período de elaboração do EIA-Rima (Es- tudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impac- to Ambiental), que será executado em seguida à Pará: o crescimento como rabo de cavalo

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T definição da viabilidade econômica. Com a construção da hidrelétrica de Tucuruí em seu 106 território, o Pará, que era quase zero em matéria de O consórcio liderado por Furnas justifica ainda a energia, se tornou o quinto maior produtor e o ter- necessidade do complexo pelo baixo desenvolvi- ceiro maior exportador de energia do país, respon- mento atual da região de influência, necessitada de sável por 8% da capacidade instalada de geração de investimentos em infra-estrutura para estimular a todo o Brasil. Com os grandes projetos de minera- economia. A área apresenta solos de baixa fertilida- ção, associados ao subsídio energético, o Estado as- de, não dispõe de programas de incentivo para a sumiu, em meados dos anos 90, o lugar de 5º maior pesca comercial e a sua base econômica é constitu- exportador brasileiro e o segundo em saldo de divi- ída por microempresas. Com a súbita ampliação da

gia e da mineração no Pará sas (superávit médio de dois bilhões de dólares ao oferta de energia e o desembaraço da navegação ano na conta do comércio exterior). Nos últimos no rio Madeira, a capacidade da região de atrair anos, porém, apesar da expansão dos empreendi- capitais seria incrementada notavelmente. mentos produtivos de grande porte, o Pará caiu de Os indícios são de que Brasília prefere retomar 5º para 9º maior exportador e de 2º para o 6º lugar no Madeira o ciclo dos grandes aproveitamentos em saldo de divisas. hidrelétricos, dando O Pará tem o segun- início à execução de Estrada de ferro Carajás passa por cima de comunidades pobres, Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA do maior território

Grandezas e misérias da ener Belo Monte um ou do Brasil, é o nono dois anos depois. Estado em popula- Não parece que a ção, o 12º em PIB usina do Xingu vá (Produto Interno ser arquivada. Mas Bruto), o 16º em de- pode perder em pri- senvolvimento hu- oridade para os pro- mano (o IDH) e o jetos de Rondônia 19º em desenvolvi- que se enquadrari- mento juvenil (o am na diplomacia IDJ). Essa série de in- continental de Lula, dicadores segue uma voltada para uma linha decrescente: união entre os paí- da mensuração ma- ses sul-americanos, terial e quantitativa para a avaliação humana e social, da grandeza bru- Maranhão em 17º. Abaixo do Pará, ficaram o Ama- ta ao seu valor qualitativo. Essa reta descendente zonas (20º), Roraima (23º) e o Acre (25º). Espíri- revela que o Pará não está tirando proveito de sua to Santo, um Estado que guarda várias semelhan- riqueza. Ou seja: está desperdiçando seu potenci- ças com o Pará (sobretudo em função da atuação al de enriquecimento e pondo a perder sua voca- da Companhia Vale do Rio Doce), é o 11º. ção de grandeza. O trem do progresso está pas- A dedução lógica da queda que acontece quando sando pela estação Pará e os paraenses não estão se aproximam os valores brutos dos dados qualita- embarcando nele. Do trem, os paraenses ficam ape- tivos é que no Pará não está havendo um bom uso nas com o apito. E um retrato na parede. do espaço físico. O Estado tem dilapidado o seu patrimônio natural, não fazendo com que ele ren- Por que os paraenses não estão embarcan- da suficiente para que todos se beneficiem. Deve do no trem da história? estar ocorrendo uma brutal concentração da ren- da. Mais forte do que esse fenômeno, porém, é a Porque está havendo um descompasso entre o som drenagem de receita (materializada ou em poten- da história e sua captação pela sociedade: quando cial) para o exterior. Segundo a Fundação IBGE, o som chega à estação, o trem já passou, deixando os ricos (com renda de mais de R$ 12 mil) não o passageiro na mão. Os paraenses vivem num chegam a somar sete mil pessoas no Pará, um Es- universo e sua história em outro. Tomam por rea- tado com quase sete milhões de habitantes. lidade o que é miragem e se deixam levar pela se- dução do canto de sereia. Foram atacados pelo pior A grandeza do Pará é evidente a partir de sua pró- tipo de cegueira: a que existe sem que dela se tome pria dimensão física, de 1,2 milhão de quilôme- consciência. O dia parece estar claro e brilhante. tros quadrados. Essa grandeza se confirma concre- Mas nem dia há. ta e especificamente quando são identificadas as

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riquezas existentes no vasto espaço territorial T Se a realidade já é desanimadora para os que es- paraense, entre as quais a célebre biodiversidade tão com maturidade suficiente para encará-la, as amazônica, o caudal de energia hídrica (e de água 107 perspectivas são bem piores para os que só agora como um todo), a diversidade e amplitude de mi- vão entrar ou estão entrando no jogo. Eles deviam nérios no subsolo e as manchas de terra fértil. ter esperanças, mas não as têm. Os jovens estão vivendo pior do que os adultos no Pará. O balanço do uso desses recursos é espantosamen- te deficitário. Quem se aventurar em cobrir o Pará O Brasil tornou-se o primeiro país do mundo a se com imagens de satélite descobrirá, chocado, que tornar laboratório para o mais novo índice da alguns municípios não têm mais floresta nativa, em Unesco (a organização da ONU dedicada à edu- outros o remanescente de mata está bem abaixo cação e à cultura). Inspirado no IDH, o IDJ foi gia e da mineração no Pará de 20% (limite legal para o desmatamento) e que criado para medir especificamente a qualidade de diversas áreas de proteção obrigatória, como as vida dos jovens de 14 a 24 anos. O índice conside- margens dos cursos d’água, estão sem sua cober- ra a quantidade de matrículas de jovens nos ensi- tura vegetal ciliar (sinal de que a erosão vai nos fundamental, médio e superior, mas também sedimentar rios ou fazê-los desaparecer). Não sur- avalia se os alunos estão cursando a série adequa- preende que o monitoramento do ano passado da à sua idade. coloque o Estado no segundo lugar do desmata-

O IDJ considera parcialmente três índices (saúde, mento e São Félix do Xingu na negra liderança Grandezas e misérias da ener educação e renda) e cruza seis indicadores ofici- dos municípios devastadores (ou devastados). ais: taxa de analfabetismo, escolarização adequa- Só há esperança para o futuro se o uso do espaço da, qualidade do ensino, mortes por doença, mor- for ordenado e a anarquia reinante ceder à organi- tes por causas violentas e renda familiar per cápita. zação territorial. A receita para esse diagnóstico é O índice será calculado a cada dois anos, conta- o zoneamento ecológico-econômico. O primeiro dos a partir de 2003, que marcou a sua estréia. O relatório do zoneamento foi produzido há quase nível superior do IDJ é 1. 15 anos por uma equipe que acabou se dispersan- Santa Catarina, o Estado brasileiro com melhor do, reunida na época no Idesp (Instituto de De- desenvolvimento juvenil, ficou em 0,673, um va- senvolvimento Econômico e Social do Pará), pri- lor baixo se comparado às médias do primeiro meiro órgão do gênero criado em todo país, extin- mundo. O Estado da Amazônia Legal melhor co- to por um ato de força do então governador Almir locado foi Mato Grosso, em 10º lugar. Tocantins Gabriel, do PSDB, exatamente quando completa- ficou em 13º, Amapá em 14º, Rondônia em 15º e o va 36 anos de existência. Sem consultar ninguém e nem permitir qualquer reação ao seu ato, o gover- claramente especulativas e selvagens, impor nor- nador fulminou o Idesp com um decreto, em fun- mas de exploração e uso dos recursos naturais, ção do crime de ter produzido estatísticas que ha- apoiar as atividades inteligentes (ditas sustentá- viam sido usadas pelos adversários de Almir na sua veis), orientar os investidores, defender a socie- campanha pela reeleição, em 1998. As estatísticas, dade, favorecer os desiguais. sobre desemprego, que mostraram o descumpri- O poder público só poderá agir dessa maneira se mento das promessas do governador, eram verda- controlar os meios técnicos e científicos, se sou- deiras. O médico paraense foi reeleito. ber como fazer e o significado do que está fazen- Agora a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio do. A sociedade só se credenciará como beneficiá- Ambiente do Estado está apresentando um novo ria da trama se dispuser de informações para fazer zoneamento, centrado numa compilação cartográ- as cobranças e mediar as decisões. Em ambos os fica. O mapa produzido é interessante e pode se casos o que se requer é informação, conhecimen- tornar numa ferramenta mais útil do que o volu- to, saber. O que caracteriza, porém, tanto a políti- me 1 do zoneamento, homiziado em algum arqui- ca pública quanto a posição da sociedade é a ma- vo. Mas quem, como e para quê vai executá-lo, ain- nipulação dos dados, o poder que alguns têm de da não se sabe muito bem. O atual zoneamento mistificar e embromar. não foi precedido de debates e consultas. Saiu do forno burocrático como um tijolo quente. Decorativa é a própria participação da opinião pública nessas histórias. A sociedade é levada de Se houvesse um índice de saúde ambiental (ou, um lado para outro pelas vagas de propaganda e melhor dizendo, de sanidade ecológica institucio- pelo noticiário da imprensa chapa branca. Acre- nal), o Pará estaria dividindo o último lugar com dita então que o que lhe estão dizendo é verdadei- Rondônia. Ambos se empenham para deixar de ser ro. Mas quando chega um órgão técnico compe-

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte amazônicos. Rondônia, cinco vezes menor do que

T tente para verificar os resultados, o que apura con- o Pará, está bem próximo dessa meta absurda. Suas trasta com o quadro cor de rosa da cultura oficial. 108 lideranças já se mobilizam para que o Estado deixe O IDJ da Unesco confirma essa esquizofrenia. Mais de fazer parte da Amazônia Legal, passando a inte- uma vez, é o Pará crescendo, sim, mas como rabo grar o Centro-Oeste, numa obtusa renúncia ao que de cavalo: para baixo. têm de mais valioso: serem parte da Amazônia. A área de desmatamento seria invertida: deixaria de ser de 20%, como se exige na região, e passaria para Como explicar esse paradoxo? 80% dos imóveis rurais, o padrão brasileiro. No Pará Simples, ainda que trágico: é o destino fatal para a situação ainda não chegou a esse extremo de pa- quem não agrega valor ao que produz. Os produ-

gia e da mineração no Pará ranóia, mas só a área desmatada no Estado já equi- tos paraenses valem cada vez menos, se não em va- vale ao tamanho de Rondônia. lores absolutos, ao menos em termos relativos. O Sintomaticamente, desde 1991 Rondônia, numa volume de receita cresce e impressiona porque as iniciativa pioneira, tem seu zoneamento ecológi- quantidades dos produtos são cada vez maiores. co-econômico. Mato Grosso, o Estado mais O ponto de viabilidade de Carajás batia em 20 mi- desmatado da Amazônia em termos absolutos, a lhões de toneladas de minério de ferro. Neste ano seguiu. E agora o Pará, o segundo em qualquer a mina estará chegando em 70 milhões de tonela- critério (valores absoluto e relativo), quer

Grandezas e misérias da ener das. Deverá alcançar, ao final da década, 85 milhões acompanhá-los. O zoneamento seria para purgar de toneladas. A lavra de bauxita do Trombetas era a culpa ou um hábeas corpus remissivo? de bom tamanho em 6 milhões de toneladas. Em Não basta passar a régua e esticar o compasso sobre 2004 chegará aos píncaros de 16,3 milhões de tone- a imagem digital do Estado para racionalizar sua ladas, quando começará uma nova frente para mais ocupação, tapando os canais de drenagem de ri- 4,5 milhões (e, logo em seguida, 9 milhões de tone- queza e desperdício de oportunidades. É preciso ladas) em outro local, na mina de Paragominas. que a aplicação dos estudos siga diretrizes claras e A Alunorte, empresa de alumina gêmea da Albrás, eficientes para mudar a direção patológica do pro- foi concebida para 1,1 milhão de toneladas de cesso econômico no Estado, cada vez mais intenso alumina. Já está em 2,4 milhões e irá para 4,2 mi- e distorcido. Deixamos de ser um risco de enclave lhões, no topo mundial, em 2006. Até 2010 pode- para estarmos a nos consolidar como uma colônia. rá chegar a 7 milhões (outros 7 milhões poderão A ação pública deve se orientar para conter as ser alcançados, no mesmo local, pela ABC Refina- frentes econômicas, fazer reverter as investidas ria, empreendimento sino-brasileiro anunciado pela CVRD logo depois da vi- Mina de manganês, Serra dos Carajás, exportador de alumínio, cuja sita de Lula à China). Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA tarifa não amortiza o investi- mento, quase um terço da A Albrás foi projetada para ser energia produzida pelas turbi- uma fábrica de 320 mil tonela- nas da hidrelétrica vai para das de lingotes de alumínio, outros Estados, onde é trans- mas cortou a fita nacional em formada em bens de maior 432 mil toneladas e já vai pas- valor agregado. No Estado pro- sar de meio milhão com a ex- dutor ficam apenas os royalties, pansão da Alunorte. Três fábri- quase uma gorjeta. O Estado cas de caulim reunidas farão do consumidor não paga o ICMS, Pará nesta década o 3º maior cobrado apenas (com alíquota produtor mundial dessa argila. de 17%) nas operações inter- As cinco minas possíveis em nas do gerador da energia. Carajás nos colocarão num lu- gar parecido no mercado mun- A maior consumidora individu- dial de cobre. As perspectivas al de energia do Brasil também para o níquel são parecidas. está no Pará. É a Albrás, que divide essa posição com a vizi- Tudo pode crescer, ao menos nha Alumar, instalada em São não falta energia para isso. Luís do Maranhão. As duas res- Mas essa grandeza não se tra- pondem por 3% do consumo duzirá em desenvolvimento se energético nacional. Em 1984 o modelo econômico do extrativismo mineral for receberam do governo uma tarifa subsidiada, que

mantido. Ou pior: ampliado. Não só com desper- II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte custava 200 milhões de dólares ao ano, o dinheiro T dício de energia, vendida abaixo do preço de re- muneração, como com a transferência da indus- necessário para cobrir a diferença entre o custo da 109 trialização da matéria prima e do insumo básico geração e o valor da tarifa privilegiada. para além-mar. No prazo de validade do contrato, de 20 anos, a Além da bacia Tocantins/Araguaia, que pode re- conta do subsídio foi parar em US$ 5 bilhões. Só ceber mais duas grandes usinas ainda em territó- do lado da Albrás, o valor corresponde a 10 anos rio paraense (ela abrange ainda Tocantins, Goiás de receita de ICMS, a principal fonte de tributos e Mato Grosso), o Pará dispõe de outras duas baci- do Estado onde a empresa está instalada, verba as hidrográficas na margem esquerda do Amazo- com a qual o governo cobre sua folha de pessoal, nas, a do Xingu e a do Tapajós, já inventariadas com mais de 100 mil servidores públicos. gia e da mineração no Pará para aproveitamento hidrelétrico. Se a Eletronor- Há quase 20 anos a Albrás exporta alumínio bru- te pudesse impor sua vontade, no final desta déca- to, principalmente para o Japão, sócio da Compa- da o Pará já estaria gerando mais de um quarto da nhia Vale do Rio Doce no empreendimento, que energia brasileira. tem direito a metade da produção. Com o subsí- Nem com números tão impressionantes, entretan- dio energético, a empresa poderia construir uma to, a sina de subdesenvolvimento crescente estaria outra fábrica, inteiramente nova. O único investi- mento que fez no período foi ampliar a capacida- abolida na terra do deputado federal Jader Grandezas e misérias da ener Barbalho, a personalidade mais (tristemente) co- de da planta de alumínio bruto. A verticalização, nhecida do Estado. A expansão do parque hidre- feita por um grupo argentino instalado no mesmo létrico continuará seguindo a diretriz da exporta- distrito industrial, tem significado simbólico. O ção. A usina de Belo Monte, por exemplo, vai trans- efeito multiplicador desse que é o maior pólo ferir para fora do Estado, através do sul do país ou aluminífero do continente, com investimento de para o exterior, na forma de bens eletrointensivos, quase US$ 2,5 bilhões, continua a ocorrer na sede toda a energia que produzir, sejam 11 mil ou 5 mil do país importador. O Japão, a mais de 20 mil qui- MW. A agregação de valor com o maior beneficia- lômetros de distância. mento, do produto continuará a ser feita no porto de destino das matérias primas. Da riqueza e pobreza A situação vai repetir, em versão agravada, o es- Não surpreende que sendo o único Estado da fe- quema de uso de Tucuruí. Abandada a energia deração a abrigar o ciclo completo do alumínio, (mais de um terço do total) subsidiada do pólo desde a mineração de bauxita até a fundição do metal, o Pará continue em reta descendente no tamanho das tradicionais regiões hegemônicas do ranking nacional. Pelo IDH (Índice de Desenvolvi- país. O Sudeste caiu de 58,83% do PIB (Produto mento Humano), está numa posição melancólica Interno Bruto) nacional para 58,25% entre 1990 para a grandeza do seu estoque de recursos natu- e 1999, enquanto a contração no Sul foi de 18,21% rais: 17º lugar. Principalmente porque não conse- para 17,75%. gue reter uma parcela expressiva da energia que Aproveitando-se dessa transferência cosmética, o brota dos seus caudalosos rios. Enquanto a curva Centro-Oeste pulou de 5,16% para 6,44% e o Nor- da quantidade de energia exportada evoluir com deste, de 12,86% para 13,11%. O Norte ficou ór- mais desenvoltura do que a da produção, signifi- fão nessa corrida pela riqueza: baixou de 4,94% cará que o Estado caminha para a consolidação do PIB brasileiro para 4,45%, distanciando-se ain- de província energética nacional. Um título que da mais dos seus acompanhantes nas posições in- não rima com desenvolvimento. feriores da desequilibrada federação brasileira. Nesse contexto, não deveria ser considerada como Como as mais refinadas estatísticas da Fundação prova de insensibilidade ao drama brasileiro da ener- IBGE não deixam dúvida, Mato Grosso e Amazo- gia, três anos atrás, a relutância dos paraenses em nas foram os Estados mais favorecidos pela peque- aderir ao programa de racionamento criado pelo na desconcentração do poder econômico brasilei- governo federal para enfrentar o “apagão” de 2001. ro na região Centro-Sul, sobretudo em São Paulo, Dos 4,2 milhões de kW que então constituíam a po- o Amazonas na vertente industrial e o Mato Gros- tência máxima de Tucuruí, o Pará ficava apenas com so como o braço agropecuário que se alimenta da 15%, distribuídos numa proporção africana com 4 migração de capital no campo. milhões de consumidores, que representavam 60% da população do Estado. Uma proporção escanda- Mas enquanto Mato Grosso conseguiu arrastar con- losa dela, 40%, ainda dependia de usinas térmicas a sigo o Centro-Oeste, a região de melhor desempe-

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte T óleo diesel, uma despesa que correspondia a toda a nho no período, o Amazonas, pela própria lógica 110 folha de pessoal da Eletronorte. da Zona Franca de Manaus, não conseguiu esprai- ar suficientemente os efeitos inibidores dos Todos os dias, no período de cheia do rio, a hidre- enclaves exportadores, cravados sobretudo em ter- létrica de Tucuruí remete 1.300 megawatts de ener- ritório paraense, o segundo Estado minerador do gia para o Nordeste e o Sudeste, o equivalente a 3% Brasil, o sétimo maior exportador e o segundo em da demanda nacional e a um terço de tudo o que a saldo de divisas. Nem mesmo foi capaz de se es- usina é capaz de gerar no pique do inverno, quan- tender ao restante do seu território, o mais exten- do seu reservatório está à plena carga. Não transfe- so de todos os Estados brasileiros, com 1,5 milhão re mais energia simplesmente porque as duas linhas de quilômetros quadrados (quase 20% do Brasil). gia e da mineração no Pará disponíveis estão com sua capacidade esgotada. Manaus, com 1,5 milhão de habitantes, concentra No auge da enchente, Tucuruí joga água fora por- metade da população e mais de 90% do PIB esta- que opera seu reservatório na capacidade máxi- dual. O interior do Amazonas se transformou num ma de armazenamento. As 17 turbinas atualmen- deserto, demográfico e econômico. te em operação precisam de 8,5 milhões de litros O resultado é que Norte e Nordeste estão se dis- de água por segundo para render, cada uma, na tanciando das outras regiões como o locus do sub- média, em torno de 370 MW. Ao reservatório está desenvolvimento estruturado e da fronteira colo-

Grandezas e misérias da ener chega, nesse período, uma descarga do Tocantins nial, o Norte mais acentuadamente ainda. Há mai- superior a 30 milhões de litros por segundo. Al- or massa bruta de riqueza gerada pela atividade cançando o limite de 53 trilhões de litros do lago, econômica, em função de pesados investimentos que se espraia por 2.875 quilômetros quadrados, de capital destinados a projetos de exportação. é preciso abrir as comportas do vertedouro. A usi- Mas, além de sua repartição ser concentrada, sua na, com todo o seu sistema, alcança o clímax. Mes- má aplicação, orientada para atender a necessida- mo assim, o Pará foi obrigado a racionar para que de dos enclaves (especialmente dos intensos flu- outras regiões recebessem o máximo possível da xos migratórios que provoca), acarreta indicado- energia de Tucuruí. res sociais desastrosos. Diante dessa realidade, não é de surpreender que, Três dos principais são os piores do país. Enquan- ao longo da década de 90, a Amazônia tenha sido to a mortalidade infantil no Brasil caiu de 44,3 em a única região periférica brasileira que teve uma cada mil nascidos vivos em 1990 para 34,6 em 1999 redução na sua participação na riqueza nacional, (9,7 pontos percentuais), a redução na Amazônia deixando de se beneficiar da pequena redução de foi de 40,7 para 34,1 (ou 7,6 pontos percentuais). Praticamente não houve melhoria nos serviços de beneficiar a sua população. Um modelo perverso água, esgoto e lixo nos domicílios urbanos: o índi- e excludente. O paraíso dos colonizadores, o in- ce na região passou de 13,1% para 13,6%, enquan- ferno dos colonizados. E o purgatório da elite que to a evolução no país foi de 53,8% para 62,3%. medeia essa relação. Quanto ao analfabetismo funcional, todas as regi- É evidente, porém, que a causa desse desequilíbrio ões o reduziram em proporção maior do que o não está propriamente no que o governo tem fei- Norte, mesmo o Nordeste (quase 9 pontos to de errado, mas no que não fez de certo. Ou da percentuais contra menos de 5 da Amazônia), que combinação de ter endossado um modelo econô- tem ainda o maior valor absoluto na modalidade mico voltado para o crescimento do bolo de rique- (nada olímpica). zas, mas não para sua partilha, e fazer de conta Por causa desse modelo exportador e concentra- que esse resultado está de acordo com as melho- dor, o mais prejudicado na Amazônia é justamente res expectativas locais. A voz do governo passou a o Estado com maior potencialidade, o Pará, com ser a voz do dono. No caso, dono do grande proje- área de mais de 1,2 milhão de quilômetros quadra- to, do enclave, da visão colonial. dos e seis milhões de habitantes. Em 1994, o Pará É o modelo geral adotado para a Amazônia, com tinha o terceiro melhor PIB (Produto Interno Bru- a exclusão parcial apenas do Amazonas, um teme- to) per cápita da Amazônia, superado apenas pelo rário ensaio de industrialização a título precário, Amazonas e o Amapá. O PIB per cápita regional, que apresenta desempenho muito melhor no de 1.574 reais, era, então, apenas ligeiramente su- momento, mas cujo caráter de transitoriedade perior ao do Estado, de R$ 1.509. Em 1995, o Pará pode vir a ser fatal. desceu um degrau, para o 4º lugar, trocando posi- ção com Rondônia, que subiu para o 3º piso. O Es- Os paraenses vesgos podem continuar a fazer fes- tado manteve essa condição em 1996. ta para alguns números brutos, que são capazes

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte de proporcionar belas manipulações em publici- T No ano seguinte, porém, caiu mais, para o 5º lu- dade oficial. Pelo critério de participação bruta na gar, superado desta vez pelo Acre. De 1997 até 1999 111 riqueza nacional, colocado em 13º lugar, o Pará é o Pará estacionou como o quinto PIB per cápita o líder regional, um degrau acima da metade na amazônico, à frente apenas de Roraima e do To- escada federativa, que tem 27 patamares. cantins, mas a renda de cada paraense, de R$ 2.705, se distanciou da média da região, de R$ 3.380, prin- Mas para entender realmente o que isso significa, cipalmente porque mais do que duplicou no perí- é bom sempre lembrar que, demograficamente odo o que coube a cada amazonense, R$ 5.577. falando, o Pará é o 9º Estado brasileiro, com o dobro da população do Amazonas. Quando se Em 1999, segundo os dados do IBGE, o Pará ocu-

relativiza a riqueza pelos habitantes, o Estado cai gia e da mineração no Pará pava apenas a 20ª posição (em 27 possíveis) entre da 13ª para a 20ª posição, já aí fazendo parte do os PIB/per capita do país. Em termos de valor bru- terceiro Brasil, o mais pobre. O Amazonas, que to do Produto Interno, o Estado era o 13% da fe- está em 14º lugar no PIB total, sobe para 8º pelo deração, participando com 1,71% do PIB nacio- critério de PIB per capita. O Mato Grosso, de 15º nal. Era uma posição superior à registrada em vai para 11º. Rondônia, que está em 22º por volu- 1985, de 1,52%, mas naquele ano o Pará estava na me, salta para 12ª posição em termos relativos. 12ª posição, tendo sido superado por Goiás. Sem- pre é bom não esquecer que a população paraense Todos os demais Estados amazônicos, exceto To-

Grandezas e misérias da ener é a 9ª maior do Brasil. cantins (com ligeira queda, de 24º para 25º) têm, nesse particular, que é o mais importante, com- Bem interpretadas, as estatísticas do IBGE referen- portamento melhor: Amapá (25º e 14º lugares), tes ao Pará só lhe dão algum motivo para come- Acre (26º e 18º) e Roraima (27º e 22º). moração quando a situação é vista apenas interna- mente e por uma ótica meramente quantitativa. Isto quer dizer o seguinte: não é só o trem de Feitas as comparações e correlações, constata-se Carajás que está levando o rico minério para além- que, se de fato o Pará cresceu entre 1985 e 1999, mar, deixando no lugar apenas seu apito e o bura- cresceu menos do que os demais Estados. Perdeu co na terra: é também o comboio da federação peso relativo no período, não apenas no conjunto que está se distanciando, deixando o Estado ama- nacional, mas no âmbito regional mesmo. zônico mais promissor para trás. Cheio de propa- ganda e vazio de realidade. Os números mostram que, se for mantido a forma atual de crescimento, a massa da riqueza gerada A propaganda enche os olhos, mas não chega ao no Estado continuará a se incrementar, mas sem estômago – e muito menos ao cérebro. Desligado de sua história, induzido a se desinteressar pelos encontrar um denominador comum para o temas decisivos que são decididos no cotidiano, o impasse em que foram colocadas. Pará parece ser apenas um passivo espectador dos Em 20 anos desfrutando de tarifa favorecida, a acontecimentos. Exemplar dessa abulia foi a omis- Albrás recebeu um subsídio do tamanho do pró- são da opinião pública local diante do capítulo prio investimento da fábrica, que custou 1,6 bilhão mais recente da história do uso de Tucuruí: o final de dólares. Esse valor é conseqüência do custo de da vigência do contrato de 20 anos que garantiu o geração (mais as amortizações do investimento) suprimento de energia à Albrás. da usina de Tucuruí. Não saindo dos cofres da in- A empresa não conseguiu simplesmente a renova- dústria de alumínio, foi bancado pelo erário, à base ção desse contrato, o que seria um escândalo naci- de dinheiro do contribuinte, através de vários me- onal: ela queria pagar um valor entre 12 dólares e canismos de compensação e transferência que im- 9 dólares por megawatt/hora, o referencial maior pediram a Eletronorte de quebrar e atrapalharam sendo o que já vinha pagando e o menor um ajus- as contas do setor elétrico público, comandado te às tarifas que outras plantas de alumínio estari- pela Eletrobrás. am recebendo em outras partes do mundo. A Ele- A Albrás argumentou que, hoje, os US$ 12 por trobrás, controladora da Eletronorte, porém, que- MWh já não são tão atrativos como em 1984, o que ria que a Albrás passasse a pagar US$ 20 por MWh, não deixa de ter algum fundo de verdade, embora igual à tarifa praticada pela Alumar, a outra planta a Alumar, formada pelo consórcio Billiton/Alcoa, de alumínio favorecida pelos benefícios do Pro- sempre tenha pagado mais (US$ 20) sem deixar grama Grande Carajás, instituído pelo governo de ser viável e competitiva (e ainda antecipando a militar em 1982, com os mesmos favores fiscais e duplicação da linha de transmissão de energia para tributários, ou quase (por começar primeiro, a um encontro de contas futuro com a Eletronorte, Albrás levou mais).

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 4 enotã-Mõ - Parte

T o que a Albrás não fez). Sem acordo, a empresa anunciou que iria buscar O subsídio às duas reduções multinacionais de 112 energia através de leilão no Mercado Atacadista alumínio não teria sido necessário se o orçamen- de Energia. Na véspera do dia marcado para o lei- to de Tucuruí não tivesse explodido. Do lão, alegando “motivos técnicos”, a Albrás o can- celou, marcando nova data para uns dias depois. parâmetro inicial, de US$ 2,1 bilhões, ele foi pa- rar em US$ 4,7 bilhões nas contas lipoaspiradas O leilão seria para garantir 750 MW médios de ener- da Eletronorte, em US$ 7,5 bilhões no cálculo da gia para a Albrás entre junho e dezembro, permi- Comissão Mundial de Barragens e em mais de tindo-lhe fechar o exercício de 2004 sem maiores US$ 10 bilhões nas estimativas de quem foi atrás atropelos, enquanto se prepararia para definir uma das pontas dos nós financeiros, até hoje não to-

gia e da mineração no Pará nova fonte de suprimento estável e de longo prazo. talmente desatados. A demanda de energia da Albrás equivale ao con- sumo individual das duas maiores cidades da Ama- Por que esse estouro? Por corrupção, como disse zônia, Belém e Manaus, com 1,2 milhão e 1,5 mi- Eliezer Batista, numa declaração cuja gravidade teve lhão de habitantes, respectivamente. Sem a garan- uma relação inversamente proporcional à atenção tia de uma fonte segura, a competitividade da em- da grande imprensa nacional. Nem o atormentado presa no mercado internacional desaparece. “fator amazônico” explica o crescimento exponencial dos custos de Tucuruí. Só a sucessão Grandezas e misérias da ener de polêmicos e obscuros acontecimentos, que se su- Uma disputa de cartas marcadas cederam ao longo da obra, do acompanhamento Na verdade, essa era uma disputa de cartas dos custos diretos aos contratos de financiamento. marcadas. Apesar do mercado livre de energia, só A questão atual é: o Brasil pode – e deve – ser res- havia um fornecedor seguro, a curto e médio pra- sarcido pelo que gastou em Tucuruí através da re- zo, para a Albrás: a Eletronorte. Para a estatal, por muneração do serviço de energia ou deve praticar outro lado, a fábrica de alumínio de Barcarena re- tarifas de mercado a partir de agora, jogando sobre presenta o consumo constante de um terço da os imensos costados da viúva mais essa conta sem energia firme da hidrelétrica de Tucuruí, que res- fim, esquecendo a amortização da “energia velha”? ponde por 80% de tudo o que a Eletronorte gera em toda a Amazônia. É por isso que enquanto era A solução para o aparente impasse, a do leilão, anunciado o leilão e medidas mais duras ecoavam acabou sendo inovador. Como se mostrou simples- do lado do governo, as partes mantinham intensa mente inviável a renovação do contrato anterior, negociação de bastidores. Acabarão tendo que pela impossibilidade de as partes chegarem um valor entre a tarifa Alumínio, Fábrica Alumar, São Luís, milhões – até os for- anterior, tremenda- Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA necedores da dupli- mente baixa, e a ta- cação da hidrelétri- rifa necessária para ca de Tucuruí. que a Eletronorte A segunda etapa da pudesse amortizar usina, partindo de seus débitos, a 4,2 mil MW (com 12 Albrás partiu o Mer- máquinas instaladas cado Atacadista de na casa de força), já Energia. está em 5,7 mil MW Todas as empresas de potência instala- geradoras de ener- da, devendo, ao fi- gia podiam, em tese, nal da duplicação, participar do leilão, em 2006, com 23 mas já se sabia de máquinas, atingir antemão que apenas sua plena capacida- a Eletronorte concorreria para valer. O teto estabe- de nominal, de 8,3 mil MW. Tucuruí se consolida- lecido pela Albrás para os lances era de R$ 53 o rá então como a terceira maior hidrelétrica da MWh. A Cesp, de São Paulo, que pretendia dispu- América do Sul e a sexta do mundo. tar, fez seus cálculos e concluiu que só a despesa As seis primeiras parcelas adiantadas do contrato de transmissão de energia até a fábrica, em vão permitir à Eletronorte manter em dia o Barcarena, abocanharia um terço desse valor. Ime- cronograma da duplicação. A Albrás será benefi- diatamente pulou fora.

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ciada por essa iniciativa. Em 2006, mesmo com a T O lance vencedor foi justamente o máximo admi- conclusão da energização de Tucuruí, a fábrica de tido pela Albrás. Até o dia 31 de maio, quando o alumínio (com o consumo de 800 MW médios) 113 contrato assinado em 1984 chegou ao fim, a Albrás absorverá mais de 20% da energia firme da hidre- pagou quase R$ 34 (ou US$ 12) por MWh de ener- létrica, aquela realmente disponível o ano inteiro. gia recebida da Eletronorte. Em relação a esse va- Dificilmente qualquer outra planta industrial con- lor, portanto, o ganho é de mais de 50%. Mas a corrente no mundo disporá de uma fonte de su- Alumar, instalada em São Luís do Maranhão, que primento de longo prazo tão segura (e, em fun- pagava quase o dobro da Albrás, no novo contrato ção disso, barata) quanto a da Albrás. Os R$ 53 ainda terá uma tarifa um pouco mais alta do que acertados se mostram, assim, como um preço alta- sua concorrente do Pará, embora a diferença te- mente recompensador para a empresa. gia e da mineração no Pará nha se reduzido bastante, não só em relação aos valores em si (agora o MWh da Alumar ficará em Também para a Eletronorte, mas apenas em ter- torno de R$ 60), como porque o consumo da mos operacionais. A estatal, com a renovação do Albrás cresceu mais do que o da Alumar. Mas será contrato com as duas indústrias mais eletrointen- uma espécie de compensação para o consórcio sivas do país, deixará de acumular todos os anos Alcoa/Billiton pelas duas décadas anteriores de os R$ 400 milhões de prejuízo que as tarifas subsi- menor benefício. diadas anteriores lhe impunham. Mas ainda terá

um grande desafio diante de si: como acertar as Grandezas e misérias da ener Aparentemente, portanto, a solução foi boa para contas com o passivo acumulado de R$ 5,6 bilhões? todos. Mas nem tanto. A Albrás decidiu adiantar Para que pudessem contribuir com um efeito re- 1,2 bilhão de dólares, adiantamento contratual a trospectivo, Albrás e Alumar teriam que pagar R$ ser quitado em seis parcelas, por causa da situação 70 por MW. A diferença, a Eletronorte vai ter que financeira delicada da Eletronorte. A empresa acu- buscar no mercado dos consumidores não favore- mulou R$ 5,6 bilhões de dívidas (sendo R$ 3,7 bi- cidos. Ou seja: no seu, no meu, no nosso bolso. lhões em função do subsídio, segundo suas pró- prias contas), que a levaram a atrasar – em R$ 100 E assim caminha a história da energia na Amazônia. Capítulo 5

Análise do projeto Belo Monte e de sua rede de transmissão associada frente às políticas energéticas do Brasil Andre Saraiva de Paula

Considerações Iniciais Numa avaliação de um sistema de transmissão, O debate sobre a construção do Complexo Hidre- além dos aspectos técnicos, é primordial se avaliar 114 létrico de Belo Monte (CHE Belo Monte) sempre as questões econômicas, principalmente as relati- ganhou contornos polêmicos desde a concepção vas ao financiamento e aos custos de construção. do projeto em função do impacto ambiental que Estas informações, como sobre todo o projeto Belo este pode causar. Monte, são altamente contraditórias, com diver- sas versões, o quê há três décadas vem confundido Em conformidade com os objetivos deste livro, este a sociedade, divulgando dados, estatísticas e estu- capítulo busca propiciar aos leitores um “outro dos de veracidade duvidosa. Isto segundo a ótica modo” de analisar e de refletir sobre os mega - pro- do governo e de empresas privadas, tem o intuito jetos de hidrelétricas, em especial o CHE Belo Mon- de levar a sociedade a aceitar um projeto que pa- te. As discussões sobre a viabilidade ou não do CHE rece “natural” para o desenvolvimento do país. Belo Monte vão além das questões ambientais que envolvem as obras das barragens. Noutros capítu- Felizmente, nesses anos de luta contra o faraônico los, especialistas abordaram questões sociais de po- projeto, além do crescimento dos custos com as pulações indígenas e ribeirinhas e de impacto am- obras do mesmo, também aumentou o número de biental. Neste, se analisará a rede de transmissão cidadãos informados e não dispostos a legitimar associada ao CHE Belo Monte demonstrando para aquilo que tem se divulgado como tão “natural.” onde e para quem pode ser destinada a energia a Este trabalho inicia traduzindo o complexo voca- ser produzida nesse conjunto de usinas e as impre- bulário técnico, oficial e empresarial utilizado, na cisões dos valores de investimentos divulgados (er- maioria das vezes, para evitar questionamentos ros na casa de bilhões de dólares). sobre polêmicas dos projetos e, quiçá, até mesmo Aproveita-se, ainda, para indicar aos leitores as utilizado propositalmente para confundir os cida- contradições existentes na política energética do dãos mais humildes. Nesta seção são resumidas as Brasil quando se trata da expansão do parque ge- principais características dos agentes de um siste- rador com mega - projetos hidrelétricos versus a ma de energia elétrica. Espera-se, assim, facilitar a expansão da matriz energética utilizando gás na- compreensão do funcionamento de sistemas elé- tural, por meio da expansão do escoamento de gás tricos por aqueles que o desconhecem. Ainda nela, nas regiões produtoras litorâneas do Norte são apresentadas as características da operação Fluminense e do Nordeste e do pólo de Urucu, energética de sistemas predominantemente hidre- no Amazonas e da importação através do gasodu- létricos, como é o caso do sistema elétrico brasilei- to Bolívia-Brasil (GasBol). ro. O regime hidrológico do rio Xingu no local projetado para o CHE Belo Monte é comparado Na seção 7 são apresentados as características bá- com os regimes de outros rios, em destaque o rio sicas do sistema de transmissão associado ao pro- Caroni, onde se situa a usina hidrelétrica de Guri, jeto CHE Belo Monte ressaltando a preferência na Venezuela. pelas linhas de transmissão de 765 kV. Na segunda seção, o crescimento da demanda e Na seção 8 demonstra-se que o estado do Pará, se do parque de geração do sistema elétrico brasilei- construído o projeto CHE Belo Monte, será tra- ro são analisados considerando as conseqüências tado mais uma vez como uma província da política de Restruturação do Setor Elétrico Bra- energética pois, todos os estudos de alternativas sileiro (RESEB). Tal reforma, iniciada em 1993, de sistemas de transmissão associados ao projeto resultou na crise de racionamento em 2001. Tam- indicam que a energia produzida será enviada bém são tratadas a política de incentivos à instala- para a região sudeste. ção de usinas termelétricas e a construção do ga- Nesse caso, vale a pena adiantar que os montantes soduto Brasil-Bolívia. Compara-se a quantidade de de investimento divulgados para as obras do sistema energia que poderá ser adicionada ao parque ge- de transmissão associado ao projeto CHE Belo Mon- rador brasileiros por usinas termelétricas previs- te, divulgados oficialmente, diferem bastante confor- tas no Plano Prioritário de Termelétricas (PPT)1 e pelo projeto CHE Belo Monte. Frente a atual polí- me a época e, principalmente, conforme a fonte de tica energética, o projeto de expansão de Linhas informação do governo federal e da Eletrobrás. de Transmissão de eletricidade desde Altamira até E, na última seção do artigo, comenta-se a questão Manaus, mostra-se discrepante e competitivo à ambiental que envolve a construção das linhas de expansão do gasoduto de Urucu (trecho Coari – transmissão, na maioria das vezes omitida ou Manaus, um investimento da Petrobrás, cuja Li- relegada a segundo plano no debate sobre as hi- cença Ambiental foi concedida pelo governo esta- drelétricas, já que o foco ambiental é sempre o

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte dual em 2004) e que também visa à geração de alagamento das terras pela formação das represas. T energia elétrica na capital . 115 O mercado de energia elétrica da região norte é 1. Introdução estudado na seção 3. Nesta são apresentados os 1.1. Características e principais agentes do Sistema Elé- dispositivos legais que definem os chamados “sub- trico Brasileiro mercados” do Sistema Interligado Nacional (SIN). Discute-se, também, a criação da Eletronorte e a O objetivo básico de um sistema de energia elétrica construção da usina hidrelétrica de Tucuruí para é fornecer energia às várias cargas existentes em lo- atender os interesses de indústrias eletro-intensi- calidades distintas. A área de abrangência dos servi- vas de se instalarem na região norte do país medi- ços de um sistema é denominada de área de serviço ante os incentivos oferecidos pelo governo fede- ou área de cobertura (atuação). Quando adequada- ral em meados de 1973 com o II Plano Nacional mente projetado e operado, um sistema de energia de Desenvolvimento (II PND). elétrica deve atender aos seguintes requisitos: • Fornecer energia com custos mínimos, tanto eco- Na quarta seção, são analisados a formação da in- nômicos quanto ecológicos. terligação Norte/Nordeste e os problemas ocorri- dos com a transferência de energia entre os siste- •Não ser um fator de impedimento/restrição ao cres- mas de transmissão da Chesf e da Eletronorte. Com cimento econômico e social da área de cobertura. base no mapa da região operativa para o horizon- • Fornecer energia a todos os locais pertencentes te de 2005, verifica-se que não há previsão de ex- à área de cobertura (centros de carga) dentro pansão da transmissão para a região norte. dos padrões de qualidade (por exemplo, os defi- rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente Problemas que ocorreram com o início da opera- nidos pela Resolução ANEEL No 505 de 26/11/ ção da interligação Norte/Sul são descritos na se- 2001 – disposições relativas à conformidade dos ção 5. Nessa também é ressaltado que a interliga- níveis de tensão de energia elétrica em regime ção Norte/Sul II já se encontra em construção e, permanente – e a Resolução ANEEL No 24 de que os estudos das alternativas de sistemas de trans- 27/01/2000 - disposições relativas à continuida- missão associados ao projeto CHE Belo Monte pre- de da distribuição de energia elétrica às unida- vêem a interligação Norte/Sul III. des consumidoras) dentre outras. Na sexta seção são analisadas as previsões de cresci- O sistema elétrico brasileiro é predominantemen- mento da região norte frente à previsão de expan- te hidráulico e, dispõe de significativo potencial

Análise do projeto Belo Monte e de sua são da geração de energia elétrica para a região. para sua expansão. O potencial hidrelétrico das bacias hidrográficas mais (usinas hidrelétricas) e transportar a energia para próximas dos principais centros de carga das regiões os centros de carga (consumidores). Um conjun- sudeste e nordeste está praticamente esgotado em to de linhas de transmissão conectando usinas hi- função das crescentes necessidades de energia. drelétricas isoladas (concessionárias de geração) a centros de carga (concessionárias de distribui- A hidraulicidade2 da maioria das bacias hidrográ- ção) foi constituído. Na figura 1 são apresentadas ficas brasileiras caracteriza-se pela existência de as competência de cada um dos agentes de um sis- seqüência de anos secos consecutivos, onde as va- tema de energia elétrica. Conforme se interliga- zões naturais apresentam-se inferiores à média. vam conjuntos de linhas de transmissão isolados e Como conseqüência, desde o seu início, os siste- pertencentes a uma mesma empresa, formava-se mas elétricos brasileiros foram concebidos com uma rede de transmissão (concessionárias de trans- aproveitamentos hidrelétricos baseados em reser- missão) [2], [3] e [4]. A interligação entre dois vatórios com capacidade de regularização pluri- sistemas é baseada na possibilidade de se transfe- anual (grandes barragens com imensos lagos). rir energia de um sistema para outro. Este inter- Deste modo, através do armazenamento da água câmbio pode ser motivado principalmente por em reservatórios nos anos de afluências favorá- questões econômicas (custo de geração menor no veis, garante-se a produção de energia de forma outro sistema) ou técnicas (aproveitamento do contínua independentemente de períodos secos período chuvoso em um sistema enquanto o ou- ou chuvosos [1]. tro encontra-se no período de estiagem). No Brasil, a localização das fontes primárias conven- cionais de energia: potenciais hidráulicos e; reservas 1.2. O Sistema Interligado Nacional (SIN) e suas ca- de gás natural; geralmente, não coincidem com a racterísticas de operação localização dos centros de carga (consumidores). A interligação entre as redes de transmissão das

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte T diferentes empresas gerou o Sistema Interligado No passado, os agentes responsáveis pelas políti- Nacional (SIN) conforme figura 2. 116 cas energéticas do Brasil optaram em construir as unidades geradores próximas as fontes primárias A Interligação das regiões Sul e Sudeste ocorreu em outubro 1982 com o início em operação das Figura 1 – Principais Agentes Integrantes do Mercado de usinas hidrelétricas de Salto Santigo e Foz do Areia. Energia Elétrica Brasileiro e suas Áreas de Competência. Ambas localizadas no rio Iguaçu. Na época a região Sul passou a ter excedente de geração e, interliga- ram-se as duas regiões como forma de se transferir tal excedente da região Sul para a Sudeste. A cone- xão física entre os sistemas ocorreu através da cons- trução de linhas de transmissão associadas à usina hidrelétrica de Itaipu em ±600 kV (corrente contí- nua) entre Ivaiporã(PR)-Tijuco Preto(SP) e, dos trechos em 500 kV (corrente alternada) entre Ivaiporã, Salto Santiago, Foz do Areia(PR) e os sis- temas de SC e do RS . Cf. [5] e [6]. A interligação entre as regiões Norte e Nordeste efetivou-se em outubro de 1981 por meio da linha de transmissão de 500 kV que passou a levar ener-

rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente gia do sistema Chesf até Vila do Conde, perto de Belém, para alimentar a ALBRÁS nos seus primei- ros anos de fabricação de alumínio, uma vez que a usina hidrelétrica de Tucuruí I não havia entran- do em operação. Posteriormente, quando entra- ram em operação as primeiras máquinas (gerado- res) desta usina em meados de 1984, o excedente da energia não absorvido na região Norte passou a ser transferido para a região Nordeste [5] e [6]. Até 1998, o Sistema Elétrico Brasileiro era consti-

Análise do projeto Belo Monte e de sua tuído de 2 sub-sistemas de transmissão: o Norte/ Nordeste; e, o Sul/ Figura 2 – Mapa da Interligação Norte-Sul e Submercados do SIN anos secos. Esta capaci- Sudeste/Centro- Fonte: site do ONS em 30/10/2003. dade de transferência Oeste. Com a entra- pode se estender por quatro ou cinco anos, da em funciona- servindo como uma pou- mento da Interliga- pança de energia. ção Norte-Sul, linha de transmissão em Outra grande vantagem 500 kV de 1.020 km, da poupança proporci- onada pelos reservatóri- custo total em torno os é permitir que pro- de US$ 738 milhões blemas conjunturais se- e capacidade de jam resolvidos sem atro- transmissão de 1.000 pelos. Por exemplo, é MW, formou-se o possível manejar os re- Sistema Interligado servatórios para absorver Nacional. Este re- um aumento inespera- do da demanda ou um presenta 98% do atraso na entrada de al- consumo de energia guma unidade de gera- elétrica do país [7] ção. Entretanto, é fun- conforme figura 2. damental que a energia retirada dos reservatóri- Como a operação os seja reposta posterior- do Sistema Interli- mente por outros mei- gado Brasileiro obedece à predominância de ge- os, em outros locais do mesmo sistema, sob pena de com- ração hidráulica, é importante relembrar que se prometer a capacidade futura de suprimento”.

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte deve ter a precaução para se armazenar energia A decisão em se estabelecer interligação entre sis- (água) nos reservatórios das usinas hidrelétricas. temas de energia elétrica, na maioria das vezes, é 117 Isto permite a produção (geração) de energia motivada por ganhos energéticos expressivos. Tais para atendimento dos consumidores (mercado) ganhos são obtidos através da circulação de flu- nos períodos em que há poucas chuvas, isto é, xos de energia (intercâmbio de energia) entre hidrologicamente desfavoráveis (estiagens /se- regiões que apresentam características sazonais cas). Ressalta-se, contudo, que estes períodos não (período chuvoso) diferentes. ocorrem freqüentemente, conforme pode ser verificado no histórico brasileiro. Em [9] relata-se que nos estudos de planejamento Em [8] afirma-se que que culminaram com a definição das característi- cas técnicas da interligação Norte-Sul previu–se a “o atendimento confiável da demanda é viabilizado pela exis- complementaridade hidrológica3 entre as bacias tência de estoques reguladores, que são os reservatórios do sistema. Devido à grande capacidade de armazenamento dos rios São Francisco/Tocantins e Iguaçu/Uru- dos mesmos (armazenamento de água), é possível armaze- guai. Esta complementaridade propiciaria reflexos nar a energia excedente em anos molhados e transferi-la para que poderiam ser significativos em situações

Figura 3 - Regime Hidrológico observado Figura 4 – Comparação dos regimes hidrológicos do rio de 1968 a 2000 no rio Xingu. Xingu, do Tocantins na usina hidrelétrica de Tucuruí e Fonte: [10] em 30/10/2003. do rio Caroni na usina hidrelétrica de Guri Fonte: [10] em 30/10/2003.

rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente T

Análise do projeto Belo Monte e de sua hidrológicas desfavoráveis (períodos de secas pro- Figura 5 – Evolução dos Níveis dos Reservatórios longadas), especialmente com a redução da gera- da Região Sudeste. Fonte: trabalho sobre o Racionamento de Energia Elétrica ção de energia elétrica por usinas termelétricas decretado em 2001 de 15 de março de 2002. (cuja eletricidade tem custo maior do que nas usi- nas hidrelétricas). As figuras 3 e 4 ilustram essa complementaridade. Contudo, até agora, a com- plementaridade do projeto Belo Monte divulgada é apenas em relação a hidrelétrica de Guri, na Venezuela.

Tal complementaridade baseia-se no fato de que UHE Guri está localizada no hemisfério norte e o projeto Belo Monte no hemisfério sul, implican- do em regimes de chuva distintos. Entretanto, este benefício só seria viável caso existisse um sistema de transmissão interligando o sistema brasileiro ao venezuelano. Esse sistema de transmissão não exis- Por outro lado, a capacidade de geração instalada te e, nos estudos do CHE Belo Monte não há pre- no país, no final de 1992, era de 49.692 MW. Ao visão de construí-lo. Não há também estudos eco- final de 2000, esta capacidade estava em 65.757 nômicos indicando o quanto de investimento se- MW. No período de 8 anos, o parque gerador teve ria necessário para se interligar os sistemas brasi- uma evolução de 32,3% [13]. leiro e venezuelano. A existência desse desajuste estrutural entre ofer- ta e demanda foi ocultado da sociedade brasileira

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte T 2.As rotas de expansão do sistema interli- por alguns anos devido a capacidade de armaze- 118 gado nacional namento dos reservatórios brasileiros, conforme Em 1992/1993 iniciou-se a Restruturação do Se- mencionado na seção anterior. Em [8] relata-se tor Elétrico Brasileiro (RESEB). Argumentava-se que esta foi uma das principais causas da crise de racionamento em 2001. Na figura 5 é demonstra- que a redução na capacidade de investimentos das do o esvaziamento dos níveis dos reservatórios da estatais do setor elétrico eram necessárias pois, do região sudeste. contrário, ocorreriam cortes de verbas nos setores de saúde, educação entre outras. Contudo, em 2.1. O Programa Prioritário de Termelétricas (PPT) e [11], ressalta-se “que os investimentos na área so- o GasBol cial não foram significativos, comparados aos gas- A existência de deficiências ou de incertezas no tos do governo com o sistema financeiro, princi- RESEB resultou em investimentos privados em palmente, o cumprimento de metas da política menor volume que o planejado no parque de gera- monetária e do FMI.” ção brasileiro. Para incentivar a expansão deste, em 2000, através do Decreto Nº 3.371 de 24/02/2000, Os estudos de planejamento decenal de meados o governo federal instituiu o Programa Prioritário de 1993, relativos à evolução da demanda de Termelétricas (PPT), que criava uma série de energética, indicavam a necessidade de aumento incentivos à implantação de usinas térmicas no país da geração para fazer frente ao crescimento do [15]. Na figura 6 são indicadas as possíveis localiza- consumo [12]. ções das usinas termelétricas propostas no PPT.

rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente Sob este aspecto, esperava-se que com o novo mo- Tal decisão é oposta àquela que havia sido to- delo houvesse uma grande atração de investimen- mada em 1965 durante reunião do Conselho de to privado para o setor elétrico e a capacidade de Segurança Nacional, quando o Marechal Artur da geração do país fosse retomada uma vez que o Costa e Silva, ministro da Guerra, e o General governo brasileiro não realizaria os investimentos Ernesto Geisel, secretário do Conselho induziram à contento. o presidente Castelo Branco a adotar a opção A carga própria de energia registrada em 1992 foi prioritária pelo programa hidrelétrico (construir de 242.755 GWh, enquanto que, em 2000, esta usinas hidrelétricas próximas as fontes primárias e carga subiu para 360.225 GWh. Ou seja, em 8 anos transportar a energia até os centros de carga) [16]. o Brasil apresentou uma elevação no seu consu- Desde aquela época, a opção de importação de gás

Análise do projeto Belo Monte e de sua mo de energia elétrica de 48,4%. da Bolívia era considerada de alto risco, devido à Figura 6 – Mapa dos Gasodutos existentes no Brasil e da Termelétricas propostas pelo PPT.

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte

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possíveis cenários de instabilidade política na Bo- lívia que, poderiam vir a comprometer o forneci- Tabela 1 – Quadro comparativo das mento de gás natural ao Brasil através do gasodu- políticas energéticas do MME to. Recentemente, em 2003, a política boliviana entre 1994 e 2000. de exportação de seu gás natural esteve no centro Política Energética do Ministério da revolta popular que levou à fuga do presidente das Minas e Energia boliviano Sanchez de Losada. Área: Energia Elétrica Com a adoção do Programa Prioritário de Terme- Eletrobrás/Furnas/Eletronorte létricas em 2000, o Brasil escolheu a opção de se Construir a Interligação Norte-Sul visando ganhos construírem unidades geradoras próximas aos cen- energéticos com a operação otimizada de reservatórios

rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente T tros de cargas e transportar o combustível até estas. de usinas hidrelétricas Incentivo: Programa Hidrelétricas O gasoduto Brasil-Bolívia, proposto em 5/11/1965 Investimento: US$ 738 milhões no Conselho de Segurança Nacional pelo então Início da Operação: Dezembro de 1998 ministro do planejamento, Roberto Campos, ca- paz de transportar gás natural de Santa Cruz a São Área: Gás Natural Petrobrás/GasPetro Paulo, voltou a ser a escolha de ampliação da ma- Construir o gasoduto Brasil-Bolívia para ampliação triz energética brasileira [17] e [18]. da matriz energética brasileira Incentivo: Programa Prioritário de Termelétricas Inaugurado em 11/02/1999 em Corumbá-MS pelo Investimento: US$ 2 bilhões presidente Fernando Henrique, com 3.150 km e Início da Operação: Fevereiro de 1999 Análise do projeto Belo Monte e de sua custo total em torno de US$ 2 bilhões, o gasoduto atravessa os Estados de MS, SP, PR, SC e RS (135 Figura 7 – Previsão de Crescimento do Parque Gerador municípios brasileiros). O contrato de fornecimen- Brasileiro considerando apenas o acréscimo das to de gás natural com a Bolívia é de 20 anos, com usinas térmicas da GasPetro e do CHE Belo Monte. possibilidade renovação. Na tabela 1 são comparados os investimentos rea- lizados com a construção do gasoduto Brasil-Bolí- via e com interligação Norte/Sul. Ambos motiva- dos pelo crescimento da demanda energética na região sudeste.

2.2. O Projeto Belo Monte num Cenário de Expansão da Capacidade de Geração Em 6/2/2002, o então presidente Fernando Henrique ao avaliar os seus sete anos de gover- no, anunciou que entre 1995 e 2001 foram inves- motorização em 2008 e previsão de término em tidos R$ 23 bilhões (US$ 9,5 bilhões na cotação 2013. Em usinas hidrelétricas, os geradores não da época) no sistema elétrico brasileiro. Este in- entram em operação todos de uma só vez. Por vestimento propiciou o acréscimo de 17.400 MW exemplo, na usina hidrelétrica de Itaipu (capaci- ao SIN. Ressaltou, ainda, que nos anos de 2002 e dade de geração similar a do CHE Belo Monte), a 2003 seriam adicionados 9.000 MW e 11.000 MW primeira unidade geradora de um total de 18 uni- respectivamente [19]. dades geradoras entrou em operação em 5 maio Conforme já mencionado, em 2001 o parque de de 1984. As demais foram sendo instaladas ao rit-

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte T geração brasileiro era de 65.757 MW. A partir dos mo de duas a três por ano. A 18ª entrou em opera- ção somente em 9 de abril de 1991. A capacidade 120 valores anunciados em 6/2/2002, demonstra-se na tabela 2 a evolução do parque de geração até o instalada da usina hidrelétrica de Itaipu é de 12.600 final de 2003. MW e a do CHE Belo Monte é prevista em torno de 11.100 MW (com 20 unidades geradoras). Na mesma coletiva, o presidente anunciou a reto- mada do projeto Belo Monte com capacidade de Logo, a capacidade máxima de 11.000 MW do CHE 11.100 MW para entrar em funcionamento entre Belo Monte só estaria disponível para o SIN a par- 5 a 6 anos do lançamento do edital da obra que tir de 2013, isso se nenhum atraso ocorresse. ocorreria em 2002. Contudo, evidencia-se que, no Contudo, a GasPetro já havia anunciado em 1999, governo do presidente Luís Inácio, ainda não há conforme [21], que até 2006, a geração térmica a previsão, pelo menos até o momento, para lança- partir do gás natural fornecido pelo gasoduto Bra- mento deste edital. sil-Bolívia, ampliaria a capacidade de geração do Em [20] relata-se que os estudos referentes aos sis- SIN em 11.000 MW [22]. temas de transmissão associados ao CHE Belo Caso se considere que a partir de 2001 (parque de Monte consideraram a previsão do início da geração de 65.757 MW) os dois únicos acréscimos de geração no SIN possíveis serão o CHE Belo Tabela 2 – Quadro Comparativo da Monte e as usinas térmicas anunciadas pela Capacidade de Geração do SIN entre GasPetro, ter-se-ia uma projeção de crescimento 2001 e projeção para o final de 2003. do parque gerador brasileiro conforme a figura 7.

rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente Evolução da Capacidade instalada no Parque de Geração Brasileiro 2.3. Investimentos e projetos em gás e eletricida- de na Região Amazônica Ano Cap. de Geração Cap. de Geração A política de construção de gasodutos não se res- Adicionada MW Total MW tringe as regiões sul e sudeste do país. Até 2005, a 2001 65.757 Petrobrás espera iniciar a construção dos gasodutos Urucu-Porto Velho e Coari-Manaus. Estes dois em- 2002 9.000 74.757 preendimentos estão avaliados em US$ 600 milhões 2003 11.000 85.757 e dependem da liberação da licença ambiental. O gasoduto Urucu-Porto Velho deverá ter 550 km de

Análise do projeto Belo Monte e de sua Total disponível ao final de 2003 85.757 extensão e capacidade para transportar 2,5 milhões 3 de m por dia. O cus- Figura 8 – Mapa de localização dos Gasodutos planejados para a indígenas Kataxixi e to estimado desta região amazônica (gasodutos Urucu-Porto Velho e Coari-Manaus). Jacareúba. Esse tra- obra é de US$ 300 Fonte: Petrobras jeto, segundo os milhões. Esse gaso- consultores ameri- duto levaria gás para canos, deixará os ín- a usina termelétrica dios vulneráveis a da El Paso4 na capi- doenças e a outras tal de Rondônia, ga- pressões da civiliza- rantindo a produ- ção. Como outro ção de 64 MW de exemplo do impac- energia. O gasoduto to negativo, o AFIS Coari-Manaus – cita que, no municí- uma extensão para pio de Coari, “após a o Gasoduto Urucu- chegada da Petrobrás, Coari, já existente - registrou-se o aumento deverá custar US$ da prostituição, tráfico 280 milhões e ter extensão de 420 quilômetros. de drogas e doenças sexualmente transmissíveis, como a Transportará 10,5 milhões de m3 por dia. Atual- Aids”. Os consultores da AFIS ainda afirmam que mente, um gasoduto de 285 km liga Urucu a Coari a relação custo/benefício do projeto não justifica- – contudo este está inativo devido à falta do tre- ria a construção do gasoduto. cho Coari-Manaus. Com esse gasoduto, as quatro O projeto “Gás Natural de Urucu para Geração termelétricas existentes em Manaus - e que têm Termelétrica” visa garantir o fornecimento de ener- capacidade de 400 MW - trocariam a queima do gia elétrica aos Estados do Amazonas (através do

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte

óleo diesel pelo queima do gás natural. T trecho de gasoduto Coari a Manaus), de Rondô- Conforme a divulgado pelo jornal Gazeta Mercan- nia e do Acre, através do gasoduto que liga Urucu 121 til Norte de 09/03/2001 [47], o gasoduto Urucu- a Porto Velho e da linha de transmissão de 230 kV Porto Velho está entre os sete investimentos em entre Porto Velho e Rio Branco, já construída. Em infra-estrutura, na América Latina, que apresen- todos os casos, a Petrobrás é parte interessada. Ob- tam maior risco sócio-político-ambiental para po- jetiva substituir nas usinas térmicas já existentes a tenciais investidores. A avaliação foi feita pelo queima do óleo diesel pelo gás natural, e também Amazon Financial Information Service (AFIS). A ampliar o número de usinas térmicas a gás nas duas AFIS é um serviço norte-americano de informa- capitais estaduais. ções financeiras com sede em Washington. A Diante disto, é primordial alertar os leitores sobre Petrobrás avalia que a afirmação divulgada não tem a permanência, daqui em diante, de um conflito sustentação. O AFIS é responsável pelo site no planejamento energético brasileiro entre polí- www.redlisted.com que subsidia potenciais investido- ticas energéticas: termelétricas e gasodutos de um res sobre os fatores de risco dos projetos submeti- lado – e usinas hidrelétricas e linhas de transmis- dos às bolsas de valores. são, de outro. Se o governo brasileiro não é capaz O gasoduto é classificado no relatório do AFIS de realizar os investimentos à contento em pelo como altamente impactante para o meio ambien- menos uma das políticas energéticas, quem dirá te da Amazônia e para os habitantes das áreas por em duas simultaneamente. onde passará. A Petrobrás amplamente já divulgou ter investido,

Esse mesmo relatório ainda afirma que o gasodu- nos últimos anos, cerca de R$ 888 milhões em rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente to Urucu-Porto Velho “poderá comprometer a reputa- Urucu. Tais investimentos foram destinados para as ção das empresas e/ou organizações envolvidas com o obras de ampliação da capacidade de produção de projeto junto às instituições financeiras públicas e priva- óleo, de 30 mil para 50 mil barris por dia, e de gás das internacionais”. O traçado do gasoduto com natural, dos atuais 2 milhões para 6 milhões de aproximadamente 550 quilômetros de extensão metros cúbicos diários. Uma parte também foi apli- corta, no Estado do Amazonas, uma rota de alta cada no poliduto que liga a Província Petrolífera prioridade para a conservação da biodiversidade: de Urucu ao Terminal do Solimões próximo a Coari. a Reserva Biológica de Abufari na bacia do médio O Projeto Gás Natural de Urucu para Geração rio Purus. Termelétrica é gerenciado pela Gaspetro, subsidi- O gasoduto também passará próximo às reservas ária da Petrobrás para gás natural. Segundo essa Análise do projeto Belo Monte e de sua subsidiária, para a construção dos gasodutos mais importantes. Logo, os submercados devem Coari-Manaus e Urucu - Porto Velho seriam ne- ser identificados através das restrições estrutu- cessários investimentos da ordem de R$ 500 mi- rais de transmissão, isto é, pelo limites físicos, lhões. Ainda estão previstos mais investimentos técnicos da capacidade de transferência de ener- da ordem de R$ 1 bilhão na adaptação das usinas gia entre regiões, chamados “intercâmbios”. termelétricas existentes e na construção de no- Os submercados foram instituídos pelo Decreto vas usinas. Tem-se então um total de R$ 2,4 bi- No. 2.655 de 3/7/1998. Conforme estabelece a lhões em investimentos. Resolução ANEEL No. 290/2000 de 3/8/2000, há No que tange a quantidade de energia a ser gera- quatro submercados até 2005 no Brasil: Sul, Su- da, de acordo com a Petrobrás, os volumes de gás deste, Centro-Oeste, e Norte - Nordeste. Para cada natural existentes permitirão a instalação de mais submercado há um preço da energia. 500 MW em Manaus e em Porto Velho, de mais 330 MW. Como a atual geração de Porto Velho Os submercados brasileiros apresentam seus poten- está em torno de 100 MW, verifica-se que a exis- ciais hidráulicos explorados em níveis bastante dife- tência de uma considerável geração excedente rentes. Tem-se os submercados Sudeste e Nordeste possibilitará a ampliação do parque industrial e bastante explorados, enquanto os submercados Nor- permitirá exportar energia para o interior de te e Sul com grandes potenciais a serem explorados. Rondônia e para a cidade de Rio Branco e alguns Enquanto todas as outras regiões do país já deti- municípios do Acre. Estes projetos de expansão nham um mercado de energia constituído antes de gasodutos e usinas termelétricas na região de 1950, o da região norte passou a existir somen- amazônica já concorrem com o anunciado proje- te a partir de novembro de 1975 com a inaugura- to de usinas hidrelétricas de grande porte no Rio ção da primeira usina hidrelétrica da região, a usi- Madeira, existente há muitos anos e recentemente na hidrelétrica de Coaracy Nunes.

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte

T relançado pelo governo federal e pelo grupo Odebrecht (ver Capítulo 4, de L.F. Pinto, neste Também em 1975, iniciaram-se as obras da usina 122 livro). É mais um foco de conflito na cúpula fe- hidrelétrica de Tucuruí. Esta iniciou sua operação deral brasileira, entre políticas energéticas distin- em meados de 1984. tas envolvendo as duas maiores empresas estatais Todavia, a partir de outubro de 1981, conforme brasileiras, Petrobrás e Eletrobrás. [5][6], em face dos atrasos nas obras na usina hi- drelétrica de Tucuruí I, a entrada em operação da 3. O Submercado Da Região Norte interligação N/NE foi um modo de atender emergencialmente a ALBRÁS uma vez o governo Na seção anterior, contextualizou-se a proposta do brasileiro já havia se comprometido com esta no empreendimento de Belo Monte em relação há II PND5. programas/políticas nacionais em andamento, em especial, os projetos relacionados à utilização do Com a entrada em operação da interligação N/ gás natural para gerar energia elétrica. Nesta, será NE o excedente de energia produzido pela Chesf abordada as vantagens e desvantagens de Belo era repassado ao sistema de transmissão da Eletro- Monte para o submercado da Região Norte. norte através da linha de 500 kV localizada entre a usina hidrelétrica de Sobradinho e a subestação Pela figura 2, nota-se que o submercado da Região de Presidente Dutra. Norte é formado pelos Estados do Pará, Maranhão, Tocantins. Os estados do Amazonas, Acre, Na época, conforme [3], a explicação oficial para Roraima, Amapá e Rondônia são considerados Sis- a antecipação das obras desta interligação foi

rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente temas Isolados. divulgada como sendo o meio de se evitar a conti- nuação de blecautes e racionamentos que ocorri- 3.1. A Definição de Submercado e as dimensões do sis- am no estado do Pará entre 1979 e 1980. tema elétrico na Região Norte Em sistemas com restrições de transmissão, o 3.2. As Políticas Energéticas Brasileiras e Os Grandes preço da energia pode ser calculado por dife- Consumidores Industriais Eletro-Intensivos da Região rentes fórmulas. No Brasil, optou-se pelo mode- Norte lo de “precificação” ou estabelecimento de clas- No passado, a política adotada pelo governo fede- ses de preços e contratos, por submercados. A ral foi de incentivar a instalação de indústrias idéia é simplificar a representação da rede de eletro-intensivas em São Luís (Consórcio ALU-

Análise do projeto Belo Monte e de sua transmissão preservando apenas as interligações MAR) e na área do Projeto Carajás. Conforme [3], a usina hidrelétrica era indispen- Aluminium Co. (NAAC), detém os outros 49%. sável para o suprimento de energia destes proje- Já a produção de alumínio na Alumar é de 54% tos. Outros estudos evidenciavam a importância da Alcoa e 46% da BHP Billiton. Ambas as em- de tais projetos para a região [23]. presas produziram, no ano de 2002, 776,1 mil to- neladas de alumínio. “A aplicação da transformação hidrelétrica ao suprimento de eletricidade necessário a processos eletroquímicos, situa Conforme [24], praticamente toda essa produção a economicidade como referência principal. Nessa aplicação, de alumínio foi destinada ao exterior. Ela corres- estão considerados a taxa de consumo de energia elétrica, a finalidade industrial, a eficiência operacional, o transporte pondeu a 88% das 881,4 mil toneladas de alumí- e o manuseio da matéria-prima. nio exportas em 2002. Ao preço médio de US$ 1.364 por tonelada do alumínio em 2002, Albrás e Para a indústria eletroquímica em causa, as classes seletivas são: Alumar exportaram em torno de US$ 1,058 bilhão, ou 1,7% do total das exportações brasileiras. Em a) Aquelas indústrias que não podem ser transferidas de local e que, independentes dos meios e do custo da energia, de- [24] também se afirma que cálculos da Eletronor- vem ser mantidas em razão da sua importância estratégica. te apontaram que, os 20 anos de venda de energia São elas: as de refino de cobre, de zinco, de metais raros, da a preços mais baratos para as suas duas indústrias eletrosiderurgia e, também, as de materiais radioativos. de alumínio, corresponderam a subsídios da or- b)Aquelas indústrias que, existentes (ou que estão em adian- dem de pelo menos US$ 2 bilhões. tado estágio construtivo), muito dependem do condiciona- mento com que se realiza o suprimento da energia elétrica Em [25] afirma-se que as duas indústrias de alu- para uma continuada ação empresarial ou para uma expan- mínio respondem por 3% do consumo energéti- são. São elas: as de alumínio, de ligas de aço, de álcalis, de co nacional e, que a tarifa subsidiada para as duas, carbo-cloro, de ácido sulfúrico, de soda cáustica, etc.” desde 1984, custa 200 milhões de dólares ao ano Em [6] relata-se que, em setembro de 1974, após pois, corresponde ao dinheiro necessário para

cobrir a diferença entre o custo da geração e o II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte a divulgação do II PND, a implantação de indús- T pagamento da tarifa. No prazo de validade do con- trias altamente intensivas em energia elétrica apon- trato, de 20 anos, a conta do subsídio, irá parar 123 tava para a ocupação da Amazônia. Neste ano, a em US$ 5 bilhões. Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD) e um consórcio de 32 empresas japonesas formaram a Conforme [26], o então presidente da Eletronor- joint-venture Alumínio Brasileiro (Albrás) com o te, José Antônio Muniz Lopes, afirmou no dia 29 objetivo de implantar, em Vila do Conde, no Pará, de outubro de 2001 que não seria mais mantida a a maior fábrica de alumínio do mundo. Nas nego- tarifa subsidiada oferecida à fábrica de alumínio ciações com os empresários japoneses, as autori- da Albrás: dades brasileiras asseguraram o suprimento de “...Sob hipótese nenhuma, é possível manter a tarifa de energia elétrica para o projeto com tarifas subsidi- energia a 12 dólares por megawatt/hora, ...É a tarifa adas. A fábrica da Albrás e a exploração do miné- mais barata do país.” rio de ferro da serra dos Carajás, também no Pará, ocuparam lugar de destaque entre os empreendi- É importante ressaltar que este contrato de subsí- mentos prioritários do II PND voltados para a dio por 20 anos entre a Albrás e a Eletronorte ter- integração econômica da Amazônia e o fortaleci- mina em 2004. Em [24] evidencia-se o fato das mento da capacidade exportadora do país. Os dois indústrias de alumínio já estarem negociando jun- projetos sinalizaram o enorme aumento da deman- to ao governo federal e à Eletronorte a manuten- da de energia elétrica naquela região, justifican- ção do subsídio. do, em ampla medida, a missão confiada à Eletro- Até o momento, todas as nossas pesquisas têm in- norte de promover o aproveitamento hidrelétrico dicado que a geração do CHE Belo Monte está rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente de Tucuruí no rio Tocantins. voltada para suprir as regiões sudeste e nordeste Em [24] relata-se que a Albrás, localizada em do Brasil. Logo, poder-se-ia descartar as críticas Barcarena (PA), paga pelo megawatt-hora (MWh) que afirmam que a construção do CHE Belo Mon- US$ 12, enquanto a Alumar, de São Luiz (MA), te, a exemplo do que ocorreu com a construção desembolsa US$ 22. O custo de produção do MWh da usina hidrelétrica de Tucuruí, objetiva o aten- pela usina de Tucuruí, da Eletronorte, chega a dimento da expansão de grandes consumidores US$ 72. Neste também esclarece-se que a Albrás eletro-intensivos já instalados ou que se instala- é uma associação na qual a Companhia Vale do rão na região norte. Rio Doce (CVRD) tem 51% das ações e o consór- Contudo, em [27] relata-se que uma da alternati-

Análise do projeto Belo Monte e de sua cio com 32 empresas japonesas, o Nippon Amazon vas de sistemas de transmissão associados ao CHE Belo Monte prevê a construção de linhas de trans- ram um blecaute de todo o estado do Maranhão missão ao nível de 500 kV passando pelo estado do em julho de 1986. Noutro estudo, em [29], des- Mato Grosso. Como a Companhia do Vale do Rio creve-se o esquema de controle de emergência que Doce está realizando investimentos para extração teve de ser adotado para se evitar a perda que de minérios de cobre no sul do estado do Pará, pró- sincronismo entre as usinas hidrelétricas da Ele- ximo à fronteira com o estado do Mato Grosso, pode tronorte e Chesf associadas a oscilações do desem- ser que as críticas mencionadas sejam realmente penho da carga da ALUMAR. Um novo critério procedentes pois, os custos das obras serão ratea- para cálculo dos limites de intercâmbio na interli- dos entre todo o povo brasileiro e os benefícios do gação Norte-Nordeste e o impacto na recomposi- CHE Belo Monte, ao exemplo do que já ocorre com ção do sistema de transmissão após grandes per- a usina hidrelétrica de Tucuruí, propiciarão lucros turbações é apresentado em 1995 [30] com base apenas para empresas multinacionais. nos relatórios [31], [32] e [33].

4. Os intercâmbios entre a Chesf e a Eletronorte 4.1. Expansão do Sistema de Transmissão da Região O sistema de transmissão Norte-Nordeste é forma- Norte do pelas redes de transmissão de duas empresas regionais: Chesf e Eletronorte que são as respon- As obras de Tucuruí II já estão em andamento. Ao sáveis pelo suprimento de energia nas regiões término, a capacidade desta usina hidrelétrica será Nordeste e Norte respectivamente. de aproximadamente 8.200 MW. O sistema de transmissão para transportar esta energia também Essas duas regiões são interligadas por um circui- já se encontra em construção. to simples (uma única linha de transmissão) de 500 kV com 1.800 km entre a usina hidrelétrica de Para o horizonte de 2005 não há previsão de ex-

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte Tucuruí e as usinas hidrelétricas de Paulo Afonso pansão da transmissão no sentido de atender po-

T e Sobradinho conforme figura 9. pulações da região norte. Os reforços programa- 124 dos entre a UHE de Tucuruí e as subestações Em [28] são relatados os problemas de estabilida- Marabá e Açalândia objetivam aumentar a capaci- de dinâmica com a carga da ALUMAR que causa- dade de transferência de energia do estado do Pará para a região nordeste. Ver mais detalhes na nota Figura 9 – Sistema de Transmissão Norte-Nordeste técnica de SEVÁ, PAULA e ARAÙJO, item 5.1. em meados de 1986. deste livro, após esse capítulo. Fonte: artigo técnico[28] Na subestação de Marabá, por exemplo, há a pre- visão de instalação de um segundo banco de autotransformadores para atender a futuros pro- jetos de eletrointensivos até o ano de 2007. O projeto Carajás, que é alimentado por uma li- nha de transmissão de 230kV está operando com uma carga 60 MW, contudo tem uma capacidade por volta de 200 MW. Para atender outro projeto, o de Sossego, na região da cidade de Canaã dos Carajás, inaugurado em 2004, para a extração e a concentração do minério de Cobre pela CVRD6, foi construída uma linha de transmissão de 230kV

rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente de 70km interligando a subestação de Paraupebas a subestação Marabá.

5. Os problemas e precauções com a ope- ração da interligação Norte-Sul Tomada a decisão de construção da Interligação Norte-Sul, justificada pelo benefício representado pelo ganho energético de ordem de 600 MW médi- os, aceleraram-se os processos de planejamento de Análise do projeto Belo Monte e de sua forma a viabilizar, em tempo recorde a realização de estudos elétricos de todas as etapas envolvidas Figura 10 – O Sistema Interligado Nacional planejado para no projeto relacionados ao comissionamento o horizonte de 2007 sem incluir o CHE Belo Monte e seu operativo da interligação conforme [34]. respectivo sistema de transmissão associado. Fonte: relatório técnico [38]). O início da operação da Interligação Norte-Sul re- presentou uma mudança significativa para o de- sempenho do Sistema Interligado Nacional (ver figura 2). Em [35] relata-se que para o atendimento míni- mo de premissas operativas determinadas pelo ONS em seu manual de operação [36], exigiu a observância de um limite no intercâmbio máximo. Conforme [37], “a interligação Norte-Sul, inclu- indo a extensão da área Brasília até a área Paranaíba, foi dimensionada para suportar limi- tes de transmissão da ordem de 1000 MW em am- bos os sentidos no trecho Imperatriz-Serra da Mesa. 6. As previsões de crescimento da deman- Nem definida uma estratégia operativa para a In- terligação Norte-Sul I, já se encontra em constru- da na Região Norte ção a Norte-Sul II. É evidente que para esta segunda Nesta seção, avalia-se o crescimento da carga de interligação entrar em operação, serão necessári- energia e de demanda para a região Norte para os os novos estudos elétricos e, novos esquemas de anos de 2007 e 2012 com base na versão prelimi-

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte proteção contra grandes perturbações. nar do sumário executivo do Plano Decenal de T Expansão 2003-2012 de dezembro de 2002 elabo- O CHE Belo Monte exige o funcionamento em ple- rado pelo Comitê Coordenador do Planejamento 125 na operação das Interligações Norte-Sul I e II e, tam- da Expansão dos Sistemas Elétricos (CCPE) [39]. bém, de uma terceira interligação já prevista para o horizonte do SIN em 2007 segundo a figura 10. Pela Tabela 3 verifica-se que as previsões para a

Tabela 3 – Projeção de Crescimento da Carga pelo CCPE no Plano Decenal 2003-2012. Brasil Requisitos dos Sistemas-Carga Atendida pelas Concessionárias. - Projeção de Referência(1) 2001 2002 ∆% 2007 ∆% 2012 ∆% Carga de Energia (MW médios) Norte Isolado (2) 1.217 1.005 -14,4 1.400 6,9 1.928 6,6 Norte Interligado (3) 2.415 2.581 6,9 3.776 7,9 5.314 7,1 Nordeste (3) 5.309 5.578 5,1 7.504 6,1 9.544 4,9 Sudeste/Centro-Oeste 23.524 24.668 4,9 31.446 5,0 39.796 4,8 Sul 6.514 6.689 2,7 8.734 5,5 11.099 4,9 Carga de Demanda (MWh/h) rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente Norte Isolado (2) 1.814 1.503 -18,4 2.067 6,6 2.807 6,3 Norte Interligado (3) 3.045 3.084 1,3 4.391 7,3 6.180 7,1 Nordeste (3) 8.187 7.440 -9,1 10.143 6,4 12.879 4,9 Sudeste/Centro-Oeste 39.736 32.110 -19,2 42.783 5,9 54.071 4,8 Sul 9.464 9.556 1,0 12.658 5,8 16.086 4,9

Obs.: (1) as taxas de crescimento são médias geométricas anuais do período. (2) sistemas da região Norte não interligados ao Sistema Interligado Nacional. (3) o consumo do Estado do Maranhão está considerado ao Sistema Norte, ao qual está eletricamente interligado.

Análise do projeto Belo Monte e de sua Fonte: Relatório do CCPE [25] demanda na Região Norte em meados de 2012 É correta a afirmação em [25] que “a energia só é apresentam valores totais inferiores a capacidade desenvolvimento quando fomenta processos eco- instalada final que a UHE de Tucuruí oferecerá nômicos no mesmo lugar, criando efeito ao final das obras da etapa Tucuruí II. A parcela multiplicador na atividade produtiva interna” (no da região Norte abrangida pelo Sistema Interliga- próprio estado). Conforme [25], “por força dos do Nacional apresenta uma projeção de Carga para planos federais, o Pará tem sido obrigado a passar 2007 de 3.776 MW e, em 2012, de 5.314 MW. Am- em frente energia bruta, no máximo ligeiramente bos são bem inferiores aos 8.200 MW que a usina transformada. Quase um terço da energia produ- hidrelétrica de Tucuruí irá oferecer. zida pelas turbinas de Tucuruí vai para outros Es- tados, onde é transformada em bens de maior va- lor agregado.” Isto é, infelizmente, o estado do Pará 6.1. Desenvolvimento Regional e Expansão da Gera- tem sido tratado como uma província energética. ção na Região Norte

No artigo [25] questiona-se muito bem o bordão: 7. Características técnicas do sistema de trans- “energia é desenvolvimento.” Segundo este traba- lho, há mais de uma década, o estado do Pará é o missão Aassociado ao Projeto Belo Monte quinto maior produtor e o terceiro maior expor- Em [40] são apresentados os estudos prelimina- tador de energia do país devido à usina hidrelétri- res para escolha da rede de transmissão associada ca de Tucuruí. Esta é responsável por 8% da capa- ao projeto CHE Belo Monte. cidade instalada de geração em todo o Brasil. As alternativas de transmissão associadas ao CHE Contudo, no estado do Pará, embora a CELPA7 Belo Monte analisadas, segundo [20] foram: esteja presente em todos os municípios do estado • Corrente Alternada em 500 kV; (total de 143), apenas 67,3% da população do es- • Corrente Alternada em 765 kV;

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte

T tado é atendida por ela conforme [41]. • Corrente Contínua em ±600 kV; 126 Segundo [20][27][38][39][40] a expansão do • Corrente Alternada em 500 kV passando pelo parque hidrelétrico na região norte continuará estado do Mato Grosso; seguindo a diretriz da exportação. Seja exportan- • Corrente Alternada mista em 500 kV/765 kV. do energia para as outras regiões do país (sudeste Por [39] e [40] verificou-se que a opção pelos qua- e nordeste), seja exportando energia através do tro circuitos de 765 kV foi a opção escolhida. alumínio ou do cobre fabricados com tarifas elé- tricas subsidiadas. No relatório do CCPE [39] são apresentadas duas tabelas distintas. Uma denominada de Sistema de Dos estudos de alternativas para os sistemas de Conexão (Tabela 4) e outra de Reforços da Rede transmissão associados ao projeto CHE Belo Mon- Básica (Tabela 5). te, [20] e [27], pode-se inferir que todos os 11.000 MW serão transferidos para o sudeste e nordeste Pelas tabelas acima se verifica que a confirmação do país. Uma quantidade equivalente a quase 20% pela opção de corrente alternada em 765 kV, se- da atual produção energética brasileira. gundo o relatório do CCPE,

Tabela 4 – Empreendimentos Necessárias para o Sistema de Conexão de CHE Belo Monte. rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente Sistema de Conexão Linhas de Transmissão kV km Data Circuito Belo Monte - Marabá 765 407 Mar 2010 1 Belo Monte - Marabá 765 407 Set 2010 2 Belo Monte - Marabá 765 407 Dez 2012 3 Marabá - Colinas 765 345 Mar 2010 1 Marabá - Colinas 765 345 Set 2010 2 Marabá - Colinas 765 345 Dez 2012 3

Análise do projeto Belo Monte e de sua Fonte: Relatório do CCPE Tabela 5 - Empreendimentos Necessárias para o Reforço da Rede Básica (SIN). Reforços da Rede Básica Linhas de Transmissão kV km Data Circuito Colinas - Gurupi 765 430 Mar 2010 1 Gurupi - Rianópolis 765 410 Mar 2010 1 Rianópolis - Emborcação 765 425 Mar 2010 1 Emborcação - Poços 765 450 Mar 2010 1 Poços - Itajubá 500 95 Mar 2010 2 Itajubá - Cachoeira Paulista 500 100 Mar 2010 2 Colinas - Gurupi 765 430 Set 2010 2 Gurupi - Rianópolis 765 410 Set 2010 2 Rianópolis - Emborcação 765 425 Set 2010 2 Emborcação - Araraquara 765 410 Set 2010 1 Araraquara - Campinas 500 172 Set 2010 2 Emborcação - Poços 765 450 Set 2010 2 Emborcação - Bom Despacho 765 375 Dez 2011 1 Bom Despacho - Neves 500 132 Dez 2011 2 Bom Despacho - SGPará 500 36 Dez 2011 2

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte

T SGPará - Ouro Preto 500 120 Dez 2011 2 Colinas - Gurupi 765 430 Set 2012 3 127 Gurupi - Rianópolis 765 410 Set 2012 3 Rianópolis - Emborcação 765 425 Set 2012 3 Fonte: Relatório do CCPE os “estudos realizados permitiram identificar que as alterna- Foram analisadas as localizações e subestações exis- tivas de transmissão mais recomendáveis eram aquelas com tentes que poderiam ser pontos de conexão entre maior acoplamento ao restante da rede, principalmente com o SIN e o sistema de transmissão associado ao CHE a malha em 500 kV das Interligações Norte – Sul (Sudeste), Norte - Nordeste e de integração de usinas ao longo dos rios Belo Monte. As subestações e locais cogitados para Tocantins e Araguaia. Dentre as alternativas identificadas que se realizar a conexão foram: Tucuruí, Marabá, Im- atenderiam a esta premissa, a de conexão à subestação Coli- peratriz, Açalândia, Colinas, Miracema, Gurupi e nas, em corrente alternada, com quatro circuitos em 765 kV, Estreito. foi então considerada a mais indicada. Como parte desses estudos, foi realizada uma avaliação preliminar dos reforços Conforme [20] o projeto de CHE Belo Monte possui na Rede Básica das regiões Sudeste e Nordeste, com a defini- uma “característica peculiar de poder gerar cerca de ção de novos empreendimentos.” 11.000 MW durante o período chuvoso do rio Xin- Tanto em [39] como em [27] constatou-se que há gu, cerca de cinco meses do ano, e de apenas 1.000 ganhos (redução das perdas e possibilidade de MW durante o período seco.” Neste, ressalta-se, ain- maior intercâmbio com a região nordeste), caso da, que no período seco deve ser evitado o desliga- rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente ocorresse conexões entre o sistema de transmissão mento das linhas de transmissão associadas ao CHE associado ao projeto CHE Belo Monte e a interliga- Belo Monte como meio de se evitar vandalismos e ção Norte/Sul. furtos de equipamentos das mesmas e das subestações. Tal fato implica na instalação de equipamentos adici- Segundo [27], com base em estudos energéticos, onais pois, as linhas irão operar em vazio. Do perío- a região nordeste é um mercado importante, ain- do chuvoso para o seco o intercâmbio é reduzido em da totalmente dependente da hidrologia do rio São 90% (de 11.000 MW para 1.000 MW). Francisco e deve sempre ser considerada a alter- nativa de exportação de energia do sistema Norte É importante ressaltar também que, independen- ou do sistema Centro-Oeste para complementar o te da escolha do tipo de sistema de transmissão

Análise do projeto Belo Monte e de sua suprimento da Chesf. associado ao projeto, (se corrente alternada ou corrente contínua), a construção dessas linhas de 9. A imprecisão do valor a ser investido no transmissão implicará na importação de equipa- sistema de transmissão associado ao pro- mentos para transmissão em corrente contínua ou jeto CHE Belo Monte para a compensação de reativos caso se escolha a Uma avaliação econômica deve levar em conside- opção de corrente alternada. Tal fato deve ser le- vado em consideração pois, os custos das obras de ração a metodologia utilizada para calcular o in- construção de um sistema de transmissão deste vestimento necessário e, também, uma aferição dos porte são da ordem de bilhões. Logo, a importa- valores numéricos obtidos. ção de equipamentos pode afetar desfavoravelmen- O enfoque neste trabalho se aterá ao valor final te a balança comercial brasileira. pois, do contrário, se escreveria um outro capítulo Ademais, é importante evidenciar que algumas das apenas para se analisar a metodologia de avaliação obras associadas ao projeto CHE Belo Monte já econômica empregada na definição do valor líqui- estão sendo realizadas ou já foram licitadas (caso do calculado para o projeto CHE Belo Monte. Con- da LT Norte –Sul III, e de reforços em subestações). tudo, analisar somente o valor final do investimen- Não é correto entretanto deixar de computar tais to necessário ao sistema de transmissão associado investimentos na divulgação dos montantes das ao projeto, numa situação de excesso de informa- obras associadas sistema de transmissão do proje- ções divergentes, já é uma tarefa árdua. to CHE Belo Monte. O intervalo de valores divulgados pelos órgãos ofi- ciais oscila de US$ 2 bilhões a US$ 6 bilhões con- 8. O destino da energia hipotética de Belo forme [25][27][39][42][43][44][45][46]. Embo- ra a cotação do dólar utilizada em [27] seja otimis- Monte ta (US$ 1 = R$ 2,38), os valores divulgados mostra- Em [38], apêndice 6 do relatório final dos Estu- ram-se mais realistas ainda conforme tabela 6.

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte

T dos de Viabilidade do projeto CHE Belo Monte, considera-se que os principais centros de cargas Em [42] relata-se que toda a obra do projeto CHE 128 do país, entre 2008 e 2013, ainda, estarão nas regi- Belo Monte, construção das barragens e das li- ões Sudeste/Sul e Nordeste. nhas de transmissão, requer investimentos de US$ 6,5 bilhões. Nos relatórios de estudos de viabilidade, [38] e [40], justifica-se a construção da complexo hidrelétrico No dia 30/10/2001, conforme [26] e [43], o en- como forma de atender aos crescimentos das de- tão presidente da Eletronorte, José Antônio Muniz mandas das regiões Sul/Sudeste e Nordeste. Tal fato Lopes, anunciou que os investimentos necessários é ratificado pelo trabalho que estudou as alternati- para se construir o sistema de transmissão seriam vas de transmissão associadas ao projeto [20]: da ordem de US$ 2 bilhões. “Os estudos consideraram a representação de toda Para [45], os recursos destinados para a rede de a malha das regiões Norte/Nordeste e Sudeste/ transmissão também são de US$ 2 bilhões. Centro-Oeste para o horizonte de 2013 e para os Já em [25], divulgou-se a quantia de US$ 2,8 bilhões. anos intermediários de 2008 e 2010. Levou-se em Segundo [44], as obras da rede de transmissão do CHE conta o Plano Indicativo da Eletrobrás para a ex- Belo Monte seriam da ordem de US$ 2,7 bilhões. pansão da transmissão e geração das regiões em análise. O cenário estudado é o Norte Exportador, Em [46] Relata-se que o então presidente da Ele- ou seja, a região norte, incluindo o projeto CHE trobrás, Cláudio Ávila, anunciou que o custo total Belo Monte, as usinas de Tucurui I e II e as usinas de Belo Monte era US$ 7 bilhões. Desse total, US$ do Médio Tocantins e Araguaia, injetando o máxi- 3 bilhões seriam gastos na parte de geração e US$

rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente mo de potência para as regiões Sudeste/Centro- 4 bilhões na transmissão. Na época, ainda não es- Oeste e Nordeste.” tava decidido se todos os trechos de transmissão seriam incluídos na mesma licitação. Do total de Aliás, é importante ressaltar novamente que nada US$ 4 bilhões, US$ 2 bilhões seriam para as linhas impede que se escolha a opção de um sistema de de transmissão de energia que partem do CHE transmissão associado ao CHE Belo Monte atra- Belo Monte até a subestação Colinas, no estado vessando o estado do Mato Grosso. Neste caso, do Tocantins. Os outros US$ 2 bilhões seriam ne- muito provavelmente, a energia seria utilizada para cessários para a construção do trecho de ligação atender a expansão da indústria do cobre e do ní- com as regiões Nordeste e Sudeste da país. quel no estado do Pará (região de São Felix do Xingu) numa rota que se ligaria com o exterma Pela segunda coluna da tabela 6, constata-se que

Análise do projeto Belo Monte e de sua Leste da fronteira MT/Pará. para [27], os valores de investimentos estão entre Tabela 6 – Análise Econômica das Alternativas dos Sistemas de Transmissão Associados ao projeto CHE Belo Monte. (Fonte: artigo técnico [27]). Custos das Alternativas de Transmissão Ano Inicial - 2008 US$ 1,00 = RS$ 2,38 Juros Durante a Construção Linhas - 20% Taxa de Desconto - 11% Subestações - 20% CME - 36 US$/MWh Alternativas VPL VPL+Jur+Per % US$/MWh USUS$/kh Nº Configuração 3-2-1 Milhões US$ 1 CA 500kV 3.738,38 5.004,76 126 19,55 455,0 2 CA 750kV 3.731,79 4.809,83 121 19,59 437,3 3CC 600kV 3.251,88 4.388,28 110 17,63 398,9 4 CA 500kV - Rota MT 4.206,64 5.598,45 141 21,74 509,0 5 CA 750kV e CA 500kV 3.885,00 4.949,63 124 20,08 450,0 6CC 600kV e CA 500kV 4.845,44 8.293,10 158 25,52 572,1 72 CC 600kV - SE e 1 CA 500kV - NE 3.350,21 4.379,27 110 17,65 398,1 8 CA 500kV CSP 3.398,78 4.597,23 116 17,92 417,9 9CA 750kV CSP 3.040,32 3.980,06 100 16,18 361,8

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T 10 CA 750kV DESACOP 4.076,98 5.320,19 134 21,64 483,7 Configuração 4-3-1 129 CA 500kV 4.266,91 5.445,26 137 20,97 495,0 CA 750kV 3.622,67 4.531,95 114 18,26 412,0 CA 500kV - Rota MT 4.671,88 6.050,73 152 23,19 550,1 CA 750kV CSP 3.206,92 4.033,06 101 16,22 366,6 CA 500kV MT CSP 4.331,71 5.642,76 142 21,66 513,0 Obs.: Valor presente total referido a abril de 2008 CSP - Compensação Série Passiva

4 e 6 bilhões de dólares apenas para o sistema de Elertronorte, uma falsa impressão de que houve transmissão. uma redução/economia nos custos com transmis- são do projeto Como já mencionado na seção 7 deste estudo (ver tabelas 4 e 5), e, em [39], as obras referente à rede É evidente que os responsáveis por obras que en- de transmissão do projeto CHE Belo Monte foram volvem grandezas de investimentos de bilhões de divididas em dois tipos: sistemas de conexão; e, dólares devem elaborar e apresentar projetos mui- reforços da Rede Básica. Consequentemente, deve- to bem detalhados. Qualquer erro no destino dos se ter sempre o cuidado nas análises econômicas recursos dos sistemas de transmissão poderiam

rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente dos investimentos anunciados para o sistema de resultar em perdas de milhões de dólares que po- transmissão. É importante verificar se o valor di- deriam estar sendo aplicados em outros setores da vulgado engloba os dois tipos de obras pois, supor vida nacional, saúde, educação, programas sociais. que os reforços na Rede Básica seriam realizados independentemente da construção do CHE Belo Monte implica em valores de investimentos me- 10. O Projeto CHE Belo Monte e o Plano nores. Os investimentos com reforços da Rede Plurianual de Investimentos 2004-2007 Básica são descontados do total dos investimentos As ações na área de infra-estrutura, para a região necessários ao sistema de transmissão associados Amazônia, previstas no PPA 2004-2007 (Plano Plu- ao projeto CHE Belo Monte. Cria-se, então, como rianual) demonstra o empenho do atual gover-

Análise do projeto Belo Monte e de sua já se verificou outras vezes com a empresa no em, mesmo diante de inúmeras contradições presentes na construção do projeto CHE Belo projeto, quando certamente estariam sendo me- Monte, manter este mega-projeto vivo. Indepen- lhor aproveitadas noutros projetos de maior inte- dentemente dos inúmeros alertas de grupos am- resse da sociedade. bientais e, principalmente, daqueles que fiscali- zam a aplicação das verbas públicas e combatem o super faturamento de obras. 11. Conclusões Como mencionado várias vezes ao longo desse es- O Plano Plurianual elaborado pelo Governo Fe- tudo, os aproveitamentos hidrelétricos das regiões deral é composto por Programas. Estes são consti- sudeste e nordeste já foram quase totalmente ex- tuídos por ações. Três grandes objetivos nortearam plorados. As previsões de crescimento na deman- a construção do último Plano: (a) inclusão social da por energia nestas regiões só poderá ser aten- e redução das desigualdades sociais; (b) crescimen- dido a partir da transferência de energia de ou- to com geração de renda e emprego, ambiental- tras regiões do país, ou então, de outros países. mente sustentável e redutor das desigualdades re- gionais e (c) promoção e expansão da cidadania e No intuito de atender o crescimento do submer- fortalecimento da democracia. cado de energia da região sudeste, o governo fe- deral adotou, a partir de 1995, duas políticas Os valores das ações presentes na seleção abaixo energéticas: construção do gasoduto Brasil-Bolívia; referem-se ao quadriênio 2004-2007 e representam e, construção da interligação Norte-Sul. uma previsão de gastos que devem ser confirma- dos na Lei de Diretrizes Orçamentárias de cada A primeira tinha como objetivo a importação de ano. Também é importante notar que algumas gás natural da Bolívia. Dessa forma, se produziria obras têm o custo total superior ou inferior ao energia elétrica em usinas termelétricas próximas apresentado neste PPA. Isto acontece nos casos em aos principais centros de carga da região sudeste.

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte que a obra já foi iniciada ou será finalizada em um Evitar-se-ia, assim, os gastos com a construção de

T período fora da vigência deste plano plurianual, linhas de transmissão. 130 como é o caso da construção do projeto CHE Belo A segunda opção visava atender à demanda da re- Monte. As ações do Plano Plurianual são divididas gião sudeste através do intercâmbio dos exceden- em dois grupos: Orçamento da União, onde estão tes de energia da região norte para a sudeste. Con- as ações que contarão com investimento direto do tudo, a transferência de energia a grandes distân- Governo Federal; e Investimentos em parcerias, cias resultou em procedimentos especiais na ope- para aquelas a serem realizadas com participação, ração do Sistema Interligado Nacional que limita- parcial ou total, do capital privado. ram o intercâmbio a 1.000 MW. Conforme [48], volume 6 do PPA 2004-2007, relati- Das 49 usinas previstas no Plano Prioritário de Ter- vo ao grupo do Orçamento da União, no programa melétricas (PPT), menos de dez usinas foram insta- 0297 (Energia na Região Norte), Ação 1907 (Estu- ladas e, a maioria delas, com capacidade parcial. do de Viabilidade de Implantação da Usina Hidre- Além disso, estas usinas térmicas enfrentam gran- létrica de Belo Monte -PA), previu R$ 8.100.000 para des litígios contratuais com a sócia Petrobrás e com à Eletronorte (órgão 32000; unidade 32224 – clas- as distribuidoras regionais de eletricidade quando sificação adotada pelo governo federal). operam apenas com as turbinas a gás. Ou seja, sem Pelo PPA, verifica-se que apenas 79% do estudo o ciclo combinado previsto no projeto original e, de viabilidade já foi executado. Se, em 2004, os portanto, com menor eficiência, maior custo estudos de viabilidade ainda não se encerram, um operacional e maior taxa de poluição. Alguns dos leitor mais atento se perguntará qual o percentual obstáculos para a implantação deste programa PPT

rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente estudado na época das tentativas anteriores de foram as incertezas quanto ao preço do gás natural construção do projeto CHE Belo Monte. importado da Bolívia (este é cotado em dólar), quanto aos tipos de contratos e preços de venda de Em face dos três grandes objetivos que nortearam eletricidade, e em alguns casos, principalmente no este Plano, em especial o segundo, indicado pela estado de São Paulo, dificuldades na obtenção das letra (b) - crescimento com geração de renda e licenças ambientais, e situações de questionamen- emprego, ambientalmente sustentável e redutor to ou rejeição do projeto no município previsto. das desigualdades regionais – pelo já apresentado até aqui, verifica-se que em nada o projeto CHE O racionamento de eletricidade em meados de Belo Monte atende a este objetivo. Estranhamente, 2001, causado principalmente pelo esvaziamen- não se obteve dos órgãos oficiais uma explicação to de importantes reservatórios da região sudes-

Análise do projeto Belo Monte e de sua forte de porquê ainda se destinam verbas a este te, foi agravado também pela inexistência de uma capacidade térmica que pudesse complementar brasileira, a Petrobrás. Esta já está investindo sig- a oferta, e pela impossibilidade de se transferir nificativamente na construção de gasodutos no grandes fluxos de energia entre as regiões. intuito de atender à demanda das usinas termelétricas próximas às principais capitais da Aliás, a suposta complementaridade hidrológica região. Demonstra-se assim um princípio de con- que existe entre as bacias dos rios São Francisco/ tradição, no âmbito de um planejamento energé- Tocantins e Iguaçu/Uruguai, argumento utiliza- tico que deveria ser coerente em âmbito nacional. do para a construção das interligações Norte-Sul I Embora tanto a Petrobrás quanto a Eletrobrás se- e II, e, agora, do projeto Belo Monte, seria melhor jam empresas públicas ligadas ao mesmo ministé- avaliada se fossem comparados os regimes hidro- rio, Ministério das Minas e Energia, tudo indica lógicos do rio Xingu e do rio Paraná onde fica usi- que as empresas adotam políticas de investimen- na hidrelétrica de Itaipu. Dessa forma se estaria tos independentes e concorrentes. comparando capacidades instaladas próximas, 11.100 MW e 12.600 MW, respectivamente. Não se A imprecisão e segredos que estão sendo manti- estaria analisando a complementaridade com usi- dos desde a concepção inicial do projeto em mea- na hidrelétrica de outro país que nem tem possi- dos de 1980 versam sobre pontos cruciais do pro- bilidade de se interligar com grande capacidade jeto: quantidade de energia que será produzida de transporte, com o sistema elétrico brasileiro a pelo CHE Belo Monte ao longo do ano (definição curto ou médio prazo (sistema brasileiro e distinta de capacidade instalada); o valor real a ser venezuelano). investido no sistema de transmissão; e, o destino da energia a ser produzida no CHE Belo Monte. Não havia até meados de 2004, nenhum projeto técnico consistente para expandir o sistema de A usina hidrelétrica de Tucuruí, concebida sob o transmissão brasileiro de forma a integrar uma regime militar, resultou em subsídios da ordem de

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usina como Belo Monte, nem um palnejamento US$ 2 bilhões para as indústrias de alumínio. T de operação que compensasse os meses em que Atualmente, no estágio que a democracia brasilei- Belo Monte não despachasse 11 mil megawatts, 131 ra alcançou, cabe um amplo debate junto à socie- nem metade disto, para o Sistema Interligado Na- dade para a escolha da política energética a ser ado- cional. Não faria sentido decidir por investimen- tada no país e a quem ela beneficiará. A forma de tos bilionários numa usina que produziria gran- se financiar obras da ordem de bilhões de dólares des fluxos de energia elétrica durante poucos me- e, também, de se conceder subsídios relacionados ses do ano. É importante evidenciar que, confor- à energia elétrica devem ser objeto de debates com me já mencionado, o projeto CHE Belo Monte a sociedade. Embora nossas pesquisas tenham in- possui uma característica peculiar que permite dicado que, até meados de 2004, o destino mais gerar com potência de cerca de 11.000 MW ape- provável para a energia do projeto CHE Belo nas durante o período chuvoso do rio Xingu (cer- Monte seria a região sudeste, começa a se tornar ca de cinco meses do ano). No período seco ele provável também um outro destino prioritário: irá terá potência na faixa de 1.000 MW (v. nota atender a expansão de indústrias eletro-intensi- técnica no item 5.2 deste livro a seguir). Essa ca- vas na região norte do país, o projeto Sossego e racterística peculiar implica também num investi- outros da CVRD para extração de cobre e ouro, mento muitíssimo peculiar pois, serão aplicados o projeto de níquel da empresa canadense aproximadamente US$ 4 bilhões num sistema de Conoco, ambos próximos de São Felix do Xingu, transmissão com 4 circuitos de linhas de transmis- a ampliação do processamento de bauxita e de são (considerando a opção de CA 765 kV). Cada fundição de alumínio, na região de Paragominas um dos circuitos terá ± 2.000 km. Tudo isso para e na região de Santarém. rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente transportar energia na capacidade máxima apenas durante 5 meses do ano. Manter em sigilo informações sobre o destino dos recursos que serão aplicados no projeto CHE No período de seca, quando se produzirá 1.000 Belo Monte e, também, sobre o destino da sua MW, para se transferir energia para a região su- eletricidade, sob a alegação de segredo comer- deste, pode-se utilizar, por exemplo, ou as cial ou de segurança nacional, não é mais acei- interligações Norte-Sul I ou II.(ver detalhes nota tável no atual contexto político que o Brasil vive. técnica do item 5.2. deste livro ) O nível de maturidade que a sociedade brasilei- Essa expansão da malha de transmissão na região ra alcançou permite a ela escolher a melhor for- amazônica é, além disto, estrategicamente concor- ma de se aplicar um montante tão grande quan- rente com os interesses da maior empresa estatal to os US$ 7 bilhões previstos. Análise do projeto Belo Monte e de sua Em princípio, se forem recursos federais, estes aplicar seu dinheiro. Como então “garantir lucros” poderiam ser aplicados nos setores de educação, para os investidores por meio de hidrelétricas pro- saúde e em projetos da área social. Tendo em vista duzindo em sua capacidade máxima apenas du- que o governo brasileiro não tem capacidade para rante o período mais chuvoso no rio Xingu (cerca realizar investimentos deste porte, certamente será de cinco meses do ano)? necessário obter empréstimos, financiamentos, Antes de se lançar qualquer edital de licitação para que podem resultar no aumento das dívida exter- a construção do projeto CHE Belo Monte, o fato na, interna, ou de ambas. que insistimos nesse capitulo, é que as muitas dú- É provável que a iniciativa privada venha a partici- vidas sobre o projeto ainda devem ser respondi- par na composição do investimento necessário das, principalmente sabendo-se que seriam obras, para a construção do projeto CHE Belo Monte. equipamentos e mercados da ordem de bilhões Entretanto, nenhum investidor faz caridade ao de dólares.

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rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente

Análise do projeto Belo Monte e de sua Notas

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Comi- afluências no período observado e as ção do Sistema após Grandes Pertur- tê Coordenador do Planejamento da afluências correspondentes a um mes- bações. XIII SNPTEE - GAT 02. Expansão dos Sistemas Elétricos – mo período no ano médio. O termo Florianópolis, 1995. CCPE. afluências corresponde aos volumes de [31] Relatório Técnico. Intercâmbios [40] Estudo de Viabilidade da Inser- água que passam numa dada seção (no Máximos na Interligação N/NE – Pe- ção do Complexo Hidrelétrico de caso, parte do rio), durante um perío- ríodo 1992/2006. RT GCPS-CTST- Belo Monte: Análise dos Sistemas Re- do de tempo determinado. (Glossário GTEI 036.92. ceptores das Regiões Sudeste/Centro- de Termos Energéticos Produzido pela [32] Relatório Técnico. Investigação Oeste e Norte/Nordeste. Rio de Janei- Coordenação Geral de Informações do Desempenho dos Sistemas Norte e ro, 26/Abril/2002. Revisado em 08/ Energéticas Secretaria de Energia do Oeste da Chesf período 1998/2000. MAI/2002. 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Jornal do Brasil de 1/ investiu na instalação de algumas blemas, Soluções e Perspectivas para 11/2001. termelétricas no Brasil. a Operação Elétrica Integrada Nacio- 5 [44] Pinto, L.F. UHE Belo Monte: A II Plano Nacional de Desenvolvimen- nal. XV SNPTEE. – GAT 14. Foz do to proposto no governo do presidente Iguaçu, 1999. maior a fio d’água do mundo. Agenda

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5 enotã-Mõ - Parte Gal. Ernesto Geisel elaborado entre

T Amazônica No. 19, Ano II. Março de o [35] Santos, M.G.; Ordacgi, J.M. F ; 2002. maio e agosto de 1974, este plano eco- Martins, S. B.; Gebien, H., Fo; Martins, nômico buscou ajustar o funcionamen- 134 C.G.; Alves, S.R.M.; Martins, A.C.B.; [45] Cucolo, E. Edital de hidrelétrica to da economia do país ao choque pro- Silva, I.J., Fo; Lima, R.C. Investigação de Belo Monte deve sair em agosto. vocado pela crise do petróleo. de Perda de Sincronismo entre os Sis- Folha on Line. Brasília/DF. 4/3/2002. 6 CVRD – Companhia Vale do Rio temas Interligados Norte-Sul devido a [46] Marques, G. CNPE estudará via- Doce. Empresa criada pelo governo Impacto Severo de Geração no Siste- bilidade de Belo Monte. Jornal Estado brasileiro nos anos 1940 a para explo- ma Interligado Sul-Sudeste: Identifica- de São Paulo de 5/3/2002. ração do minério na região do Quadri- ção do Problema e Propostas de Solu- [47] Gazeta Mercantil Norte de látero Ferrifero de MG, incluindo o ção através de Esquemas Especiais de 09/03/2001 Belém – PA http:// vale do médio e alto Rio Doce. Proteção. XV SNPTEE. – GAT 15. Foz www.investnews.net Privatizada em 1997, encontra-se sob do Iguaçu, 1999. [48] Diário Oficial da União de 19 de o controle de grupos econômicos es- [36] Gomes, P.; Viotti, F.A.; Santos, janeiro de 2004. Suplemento. Pág. 17 trangeiros e tornou-se a maior expor- M.G.; Ordacgi, J.M., Fo; Ferreira, S.T.; e 147. ISSN - 1676-2339 tadora mundial de fero e um grande Alves, S.R.M.; Massaud, A.G.; Duarte, produtor de alumínio. [49] Relatório de Pesquisas de Campo A.C.R. Experiência na Aplicação de 7 Proteção Para Perda de Sincronismo nos Sistemas Elétricos do Pará (Belém, CELPA - Centrais Elétricas do Pará no SIN. XVII SNPTEE, GAT 12. Uber- Tucuruí, Marabá) e do Maranhão (Im- S.A. Foi criada em 1962 com o obje- lândia, 19 a 24 de outubro de 2003 peratriz ) no Período de 26.09.2003 a tivo de eletrificar o Estado do Pará. 19.10.2003 financiada pelo IRN - Em 1969 associou à empresa [37] Gama, C.; Rodrigues, V. Colapso International Rivers Network. FORLUZ (Força e Luz do Pará S.A.), de Tensão: Uma Abordagem sob originando uma única concessioná- Enfoque Dinâmico e uma Proposta de ria de energia para atender o estado. Solução usando Compensação Série NOTAS Conforme mencionado, a partir de Controlada. XVI SNPTEE – GAT 021. 1 Conjunto de projetos de construção 1981, ela passou a contar com ener- Campinas, 2001. de usinas térmicas que, em sua maio- gia do Sistema Interligado Norte-

rede de transmissãoassociada às políticas do Brasil energéticas frente [38] Complexo Hidrelétrico de Belo ria, previam a queima de gás natural. Nordeste. Em 1998, foi adquirida Monte. Estudos de Viabilidade. Rela- O Plano Prioritário de Termelétricas pelo Grupo REDE num leilão reali- tório Final. Apêndice 6: Sistema e (PPT) foi lançado em 2000 pelo então zado no dia 9 de julho de 1998.

Análise do projeto Belo Monte e de sua 5.1. A eletricidade gerada em Tucuruí: para onde? para quê?

Rubens Milagre Araújo e Andre Saraiva de Paula Editada por Oswaldo Sevá

Uma das maneiras de começar a esclarecer as O ideal, para uma comprovação rigorosa destas destinações finais da energia elétrica produzida destinações, seria analisar os valores agregados ao numa central ou num conjunto de centrais elétri- longo de cada período mensal e de cada período 135 cas é acompanhar o formato (geográfico, sobre o anual dos fluxos transportados em cada trecho do relevo) da sua rede de transmissão de eletricidade sistema. Em seguida, fazer um tratamento estatísti- e captar a sua dimensão elétrica, a saber: co completo, devidamente associado a um conhe- tensão (vulgarmente denominado de “voltagem”), cimento rigoroso da geografia das L.T.s, dos modos a qual, na maior parte dos casos, fica em patama- de operação das hidrelétricas e, principalmente, dos res de 138 mil a 500 mil Volts e valores de cargas demandados pelos principais con- sumidores de eletricidade da região. Portanto, uma capacidade de transmissão das LTs (linhas de trans- tarefa para ser feita por técnicos da própria máqui- missão), em geral na faixa de dezenas e de cente- na estatal, por exemplo, em uma agência como a nas de milhares de kilowatts (Megawatts); algumas Aneel, por uma Auditoria do TCU ou do Congres- LTs podem despachar mais de 1.000 MW em cada so Nacional. Uma tarefa impossível de ser feita no circuito. contexto do Painel do qual resultou esse livro. Quem É fundamental nesta rota de estudo compilar tam- sabe, a nova empresa estatal, EPE – Empresa de bém a seqüência histórica das datas de entrada em Pesquisas Energéticas, realize tais estudos. operação das LTs e das SEs (subestações) nos dife- Dentro do possível, apresenta-se o funcionamento do rentes trechos e regiões. É o que procuramos sin- sistema elétrico em questão e as suas ordens de gran- tetizar a seguir: durante a pesquisa de Mestrado deza, por meio de uma fotografia instantânea dos de um dos autores, foram feitos levantamentos e despachos de carga no sistema Eletronorte centrado registros de dados em campo, nas principais em Tucuruí, e, também, em todos os segmentos da subestações da interligação entre os sistemas Nor- interligação Norte, Nordeste e Centro-Oeste. te – Nordeste e Centro-Oeste, e também na cen- tral de Tucuruí e no centro operacional da Eletro- Para isso, foi montado um quadro sinótico, aqui norte em Belém1. reproduzido em duas partes seguidas: Demandas atendidas pelas linhas de transmissão provenien- Uma lista de eventos marcantes foi resumida no tes da usina de Tucuruí no dia 06/11/03. Regis- Box a seguir, o qual deve ser lido em conjunto com tramos ali o quantitativo oficial dos fluxos desde a a cartografia anexa, montada sobre a base de um Subestação Tucuruí (Pará) até a Subestação Im- mapa temático editado pela Eletrobrás em 2000, e peratriz (Maranhão), e os fluxos representativos retrabalhado no Laboratório de Geo - Processa- das conexões do sistema Norte com os sistemas mento do ISA, em São Paulo. Centro-Oeste e Nordeste. ocantins e as suas ligações com Entenda a geografia do sistema elétrico na baciao-Oeste: do T egiões Nordeste e Centr Belém, São Luis e as r te, três sistemas regionais de geração e transmissão de eletricidade (Nor Desde 1999, estão interligados os : Nordeste, e Centro-Oeste/Sudeste) 1) um que cobre os Estados do Sudeste, do Sul e parte do Centro-Oeste, cujas principais empresas geradoras são a estatal federal Furnas, a binacional Itaipu, e as estaduais Cemig em MG e Copel no PR; 2) outro que cobre os Estados do Nordeste da Bahia ao Piauí, com praticamente uma única empresa geradora e transmissora, a empresa federal CHESF; ocantins, atendido principalmente pela 3) outro que cobre o Maranhão e parte dos estados do Pará e do T Ts) de alta voltagem, operadas pela estatal ucuruí e por suas linhas de transmissão (L eletricidade gerada em T federal Eletronorte. Ts: Eis uma cronologia resumida indicando as cidades e regiões por onde passam as L

Até o ano de 2003, os dois sistemas regionais (o do CO - SE - Sul e o do NE), funcionaram desconectados entre si. Ressalta-se, entretanto, que desde 1999 já estavam ambos ligados ao sistema Norte. A primeira interligação regional de grande porte foi feita entre 1981Tucuruí e 1983., da Eletronorte,Conectava o quesistema estava do emNordeste obras noao Pará.da nova rede de transmissão associada à usina hidrelétrica de Ts para expandir a rede da CHESF em direçãoesidente ao MaranhãoDutra(MA) .e Da ao SEPará. Realizaram vultosos investimentos em L olts fazia o trecho Sobradinho (BA) – Boa Esperança(PI/MA) - Pr Uma LT de 500 mil V São Luís (onde, na época, estavam sendo construídos o T se bifurca para a capital Presidente Dutra, essa L complexo de fabricação de alumínio Alumar e a ferrovia e terminal de exportação de minério de ferro) e ucuruí (PA). para Imperatriz (MA), Marabá e T

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5.1. enotã-Mõ - Parte

T olts para abastecer as instalações do projeto foi feita a primeira derivação em 69 mil V Tucuruí , fez-se uma derivação em A partir de Marabá olts; da subestação de 136 Carajás, que em 1986 foi re-capacitada para 230 mil V 230 mil Volts para uso da fundição de ferro-silício da CCM - Camargo Correa Metais, defronte à cidade. Ts e esses importantes clientes do tipo eletro-intensivos estavam Até o final de 1984, todo este novo trecho de L sendo abastecidos com eletricidade vinda do rio São Francisco, através da hidrelétrica de Sobradinho. ucuruí essa situação Enquanto isso, Belém e cidades próximas eram abastecidos por termelétricas, e não havia uma rede regional. Somente com a entrada em operação da primeira máquina geradora da hidrelétrica de T se alterou. olts entre

Entre 1985 e 1988, são construídos e entram em operação um segundo circuito em 500 mil V esidente Dutra (de onde a Eletronorte passou a despachar uma parte da eletricidade no Tucuru í e São Luís via Pr ambém é construído o primeiro circuito de , para a área de atuação da CHESF). T , onde se localiza o ucuruí: para onde? para quê? sentido inverso ao anterior (ao lado de Barcarena Tucuru í a Vila do Conde olts para a região igual tensão, 500 mil volts interligando passou a ser complexo de fabricação de alumínio Albrás). Deste se constrói umaucuruí, derivação a capital em 230 paraense mil V de Belém, e com isto quase dez anos depois do início das obras de T elétrica, abastecida finalmente pela hidr entrou em funcionamento em 2002. Tucuru í para Vila do Conde O segundo circuito de

A interligação entre o sistema Norte e o sistemaolts, Centro-Oeste podendo transmitir– Sudeste nosomente sentido se Imperatrizconcretizou a Brasíliaem 1999 ou quando no

A eletricidade gerada em T foi energizado o primeiro circuito de 500 mil V sentido inverso. É importante ressaltar que essa interligação via Serra da Mesa também coincidiu com a entrada em . operação da usina (Furnas e grupo VBC) que tambémImperatriz se denomina – Serra da Serra Mesa- da Brasília Mesa. É prevista para o segundo semestre de 2004 a operação do segundo circuito Itaituba na beira do rio Estas conexões N-NE e de ambas com o CO tomou no mapa forma de um “Y” bem aberto, ou de um “T” meio até Uruguaiana, RS. penso, de todo modo é algo de porte continental, que une fisicamenteSão Luisa cidade e Belém de no extremo Leste; e cujo eixo vertical vai de Tap ajós até João Pessoa

O pivô das ligações fica no Sul do Maranhão, na, e região um segundo de Imperatriz previsto e parta vem sendooperar reforçado, no final de com 2004. um primeiro circuito Marabá –Presidente Dutra via Açailândia T de 500 vore, ganhando um novo ramo CO – NE, com a entrada em operação da L O “Y” vai virando uma ár nador Mangabeira, no Recôncavo Baiano. kV saindo de Serra da Mesa (GO) para Gover Sistema Elétrico Brasileiro Linhas Existentes na Região Centro-Oeste, Pará e Amapá

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5.1. enotã-Mõ - Parte

T 137

ucuruí: para onde? para quê?

A eletricidade gerada em T

Fonte: Mapa do Sistema Interligado Brasileiro. Eletrobrás - Diretoria de Engenharia, 2000. Modificado por Oswaldo Sevá. Mapa Elaborado pelo Laboratório de Geoprocessamento do Instituto Socioambiental. Dezembro, 2004 Demandas atendidas pelas linhas de transmissão provenientes da usina de Tucuruí no dia 06/11/03. Fluxos desde a Subestação Tucuruí (Pará) até a Subestação Imperatriz (Maranhão).

02 circuitos de 500kV: da UHE-Tucuruí à SE-Vila do Conde *Linha de 500kV – UHE Tucuruí com destino à SE - Vila do Conde, circuito1 ...... 646 MW *Linha de 500kV – UHE Tucuruí com destino à SE - Vila do Conde, circuito2 ...... 756 MW Total 1402 MW *Linha de 230kV – SE - Vila do Conde à SE - Albrás1 (fundição alumínio) ...... 402 MW *Linha de 230kV – SE - Vila do Conde à SE - Albrás2 ...... 419 MW Total 821 MW desse total, 671MW consumidos pela Albrás e 150MW consumidos pela Alunorte (fabricação de alumina); consumido pela Rede Celpa, na região metropolitana da cidade de Belém-PA ...... 581 MW

*derivação da SE Tucuruí para localidades do Estado do Pará circuito de 230kV chamado Tramo Oeste, ao longo da rodovia transamazônica * SE- Altamira, 230/69kV ...... 10 MW * SE- Transamazônica, 230/34,5kV ...... 3,2 MW * SE- Ruropólis 230/138/13,8kV ...... 0,6 MW * SE -Itaituba 138/69kV ...... 9 MW * SE -Tapajós 138/13,8kV ...... 10 MW Total 32,2 MW

1 circuito de 230kV: da UHE Tucuruí à SE CCM (fundição de ferro silício) Total 61 MW

03 circuitos de 500kV: da UHE Tucuruí à SE-Marabá * Linha de 500kV - UHE Tucuruí com destino à SE-Marabá, circuito1 ...... 550 MW * Linha de 500kV - UHE Tucuruí com destino à SE-Marabá, circuito2 ...... 620 MW

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5.1. enotã-Mõ - Parte T * Linha de 500kV - UHE Tucuruí com destino à SE-Marabá, circuito2 ...... 607 MW 138 Total 1777 MW * Derivações a partir da Subestação Marabá para localidades do Estado do Pará: * 1 circuito de 230kV - SE Marabá com destino à SE-Paraupebas -CVDR - Projeto Carajás ...... 74 MW * 1 circuito de 230kV - SE Marabá com destino à SE-Rede Celpa (região de Marabá)...... 78 MW * 1 circuito de 69kV - SE Marabá p/ as cidades de Rondon e Jacundá - Rede Celpa ...... 16 MW Total = 168 MW O fluxo principal 1777 - 168=1609MW seguia para São Luiz e os sistemas Nordeste e Centro-Oeste.

05 circuitos de 500kV: da SE-Marabá à SE-Imperatriz (2), da SE-Marabá à SE-Açailândia (1), da SE-Colinas-SE à SE Imperatriz(1), e interligação das SE-Imperatriz e -SE-Açailândia(1)

ucuruí: para onde? para quê? * Linha de 500kV – SE Marabá com destino à SE-Imperatriz, circuito1 ...... 570 MW * Linha de 500kV – SE Marabá com destino à SE-Imperatriz, circuito2 ...... 621 MW * Linha de 500kV - SE Marabá com destino à SE-Açailândia, circuito1 ...... 418 MW * Linha de 500kV - SE Colinas(N-S-I) com destino à SE-Imperatriz, circuito1(chegando)...... 350 MW * Linha de 500kV - SE Imperatriz com destino à SE-Açailândia, circuito1=...... 76 MW Total intercambiado 1337MW (via Imperatriz) 494MW (via Açailândia) * derivação para localidades do Estado do Maranhão * Linha de 230kV - SE Imperatriz com destino à SE-Porto Franco= ...... 128 MW

A eletricidade gerada em T

Obs: Os dados foram obtidos durante as pesquisas em campo, nos locais mencionados, e através de contatos com o Centro de Operação do Sistema - Belém- COS (Eletronorte). Dados instantâneos, das 13:00 horas do dia 06/11/03 (quinta-feira)

Na usina de Tucuruí, com todos os doze grupos tur- Os dois primeiros desses TGs foram colocados em bo geradores (TGs) da etapa I, cada um com 330 condições operacionais em abril e maio de 2003, MW, a potência total instalada atingiu 3.960 MW. e previa-se a entrada de mais quatro TGs durante Essa capacidade permaneceu inalterada até o iní- o ano de 2004. cio de 2003, quando foi completada a parte civil da Talvez sejam esses os TGs “inaugurados” em fins etapa II da usina: um novo corpo de barragem, com de novembro de 2004 pela comitiva do presidente a sobre elevação da crista e o aumento da cota de Lula, da ministra Dilma Roussef e de todo o corpo operação em mais 2 metros. Depois veio a instala- dirigente da Eletronorte e da Eletrobrás. É impor- ção de grupos TG mais potentes, de 375 MW cada. tante ressaltar que naquele início de primavera, o Demandas atendidas pelas linhas de transmissão provenientes da usina de Tucuruí no dia 06/11/03. Fluxos entre a Subestação Imperatriz (Maranhão) e as conexões Norte-Centro-Oeste, e Norte-Nordeste

03 circuitos de 500kV: SE-Imperatriz à SE-Presidente Dutra (2), SE-Açailândia à SE-P. Dutra(1) * linha de 500kV - SE - Imperatriz com destino à SE - Presidente Dutra,circuito1 ...... 648 MW * linha de 500kV - SE - Imperatriz com destino à SE - Presidente Dutra, circuito2 ...... 689 MW * linha de 500kV - SE -Açailândia com destino à SE-Presidente Dutra, circuito1 ...... 494 MW Total 1831 MW

05 circuitos de 500kV: da SE - Presidente Dutra à SE - São Luís (2), da SE-Presidente Dutra à SE- Teresina (2), da SE Presidente Dutra à SE - Boa Esperança(1) *linha de 500kV - SE-Presidente Dutra à SE - São Luís, circuito1 ...... 491 MW *linha de 500kV - SE-Presidente Dutra à SE - São Luís, circuito2 ...... 416 MW Total 907 MW

* 2 circuitos de 230kV saindo da SE São Luís para a SE da Alumar (fabricação de alumina e fundição de alumínio) ...... 640 MW obs: carga revendida pela CEMAR, na cidade de São Luís equivale a: 907-640= ...... 267 MW

Intercâmbio entre os sistemas Eletronorte e Chesf * linha de 500kV - SE-Presidente Dutra com destino à SE-Teresina, circuito1 ...... 364 MW * linha de 500kV - SE-Presidente Dutra com destino à SE-Teresina, circuito2 ...... 372 MW Total 736 MW

* linha de 500kV - SE-Presidente Dutra com destino à SE - Boa Esperança ...... 188MW Total Despachado para o Sistema Nordeste foi de: 736 + 188 = ...... 924 MW

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5.1. enotã-Mõ - Parte

T nível do rio Tocantins ainda não havia subido o no Maranhão 139 suficiente, isto é, estava quase a 10 metros abaixo • 640 MW Alumar da cota operacional, portanto os TG não tiveram • 1.102,2MW (33,7%) despachados para as con- água suficiente para turbinar. Assim, esses novos cessionárias nos Estados do Pará, Maranhão e TGs nem puderam gerar no dia da sua “inaugura- Tocantins ção”, e nem por algumas semanas após. • 574MW (17, 5%) despachados para o sistema Quando forem instaladas as onze máquinas de Chesf, que atende a região Nordeste. 375 MW, a segunda etapa atingirá 4.125 MW e a

potência total de Tucuruí I + II ultrapassará os A eletricidade gerada em Tucuruí depende, é cla- ucuruí: para onde? para quê? 8.000 MW. ro, da vazão do rio Tocantins que chega à represa. Consultando os dados históricos, vimos que no pe- Na tentativa de quantificar as ordens de grandeza ríodo entre 1999 e 2002, esta vazão situou-se entre dos vários fluxos de eletricidade despachados a 20 e 30 mil m3/s no pico da cheia do rio, isto é, em partir da usina de Tucuruí, a pesquisa de Araújo, março. Nos meses de menor vazão - setembro e 2003 mencionada, elaborou também um resumo outubro - situou-se na faixa entre 2 e 3 mil m3/s. de uma fotografia instantânea do sistema com os da- dos do dia 06 de novembro de 2003: Os operadores informaram que em períodos com A eletricidade gerada em T vazão mais “favorável” afluindo na represa, a contri- Estava instalada uma potência total de 4.710 MW buição elétrica para o sistema Nordeste em geral é e a potência operacional efetivamente aproveita- maior; ademais, se a represa estiver cheia, Tucuruí tam- da do rio Tocantins era de 3.272,2 MW em Tucu- bém pode contribuir para os sistemas Centro-Oeste – ruí (70 % da capacidade). Deste total : Sudeste. Em ambos os casos, se isto for necessário. • 1.596 MW (48,8%) asseguravam a demanda Para comparação, foram registrados alguns desem- dos principais clientes eletro-intensivos penhos em condições hidrológicas distintas: no Pará a) No início de 2002, o Tocantins teve vazões com- • 671 MW para Albrás paráveis às suas médias históricas: no “inverno” • 150 MW Alunorte, manteve-se durante três meses na faixa de 20 a 25.000 m3/s; a usina de Tucuruí pode enviar • 74 MW Carajás 1.000 MW médios para os dois sistemas Nordes- • 61 MW CCM te e Centro-Oeste . b) No final de 2002, em condições bem críticas, a acrescentados nessa nota técnica algumas notícias potência efetivamente em operação caiu para recentes, sobre o aumento recente da capacidade menos de 2.500 MW em outubro, e menos de instalada em Tucuruí, sobre planos de investimen- 1. 900 MW em dezembro to em novas atividades minerais e metalúrgicas no Pará e no projeto da hidrelétrica de Belo Monte. c) No dia 13/11/02 (quarta feira) às 17:00horas, para Deliberadamente cotejamos esses informes com a uma capacidade instalada de 3.960 MW a potên- declaração solene de um poderoso ministro de Es- cia em Tucuruí estava na casa de 2.375,5 MW (60 tado vinte e dois anos antes, em 1982. Essas trans- % da capacidade) nesse caso, o suprimento dos crições selecionadas resumem a lógica que até hoje eletro-intensivos se manteve naquele patamar de prevalece nesse sistema elétrico regional e nessa 1.600 MW, portanto, os eletro-intensivos usavam região geo - econômica. 67% da potência disponível na usina. d) No dia 11/12/02 (quarta feira) as 08:00 h, a Subestação Tucuruí e Tramo Oeste (LT Tucuruí – potência era de 1.586 MW (40% da capacida- Altamira - Rurópolis) de); com o reservatório chegando na cota 54,11 As subestações de Tucuruí alimentam todas as li- m, próxima da cota mínima de operação para nhas de saída de eletricidade gerada na mega-usi- as máquinas de Tucuruí I, de 52 m. Dizem os na, a saber, as LTs de 500 kV que abastecem os prin- operadores que a causa foi o atraso das chuvas cipais centros de carga: Vila do Conde e a capital na bacia do Tocantins e do Itacaiúnas; na reali- Belém, a ilha de São Luís, via Marabá, Imperatriz/ dade esta potência só era suficiente para garan- Açailândia e Presidente Dutra. tir o suprimento dos eletro-intensivos e não aten- dia a carga própria do sistema Norte; o sistema Desse trecho pode haver intercâmbio com o siste- Centro-Oeste-Sudeste teve que “socorrer” com ma Chesf (Nordeste) e com o sistema Furnas (Cen-

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T 600 MW médios, em dezembro, e atender par- tro-Oeste Sudeste); e desde 1999, funciona tam- te da carga própria do sistema Norte. bém uma SE em 230 kV, prevista para uma carga 140 4 Esse modo de funcionamento dos três sistemas total de 450 MVA , despachando no sentido da intercambiando eletricidade, e um podendo “so- Transamazônica, até a região do Baixo Tapajós. correr” o outro, somente foi possível porque em Em outubro de 2003 foi verificado que a carga era 1999 completou-se a obra civil, montagem e foi de 35 MW para uma capacidade operacional de energizada a Interligação chamada “Norte/Sul-I” 200 MW no trecho de 230 kV, até Rurópolis, e ca- de 500 kV, entre as subestações de Imperatriz - MA pacidades de 100 MW nos trechos em 138 kV dali e Samambaia-II - DF2. Esta linha de transmissão da para Itaituba e para Santarém. Eletronorte tem capacidade máxima de transmis-

ucuruí: para onde? para quê? são de 1.300 MW. No estudo de viabilidade do projeto Belo Monte, entregue à Aneel em 2002, ficou definida uma nova Atualmente a capacidade de transmissão foi eleva- linha de transmissão em 230 kV, a partir da Casa da para 2.500 MW, isto se funcionarem simultane- de Força complementar do complexo hidrelétri- amente, a plena carga, aquele primeiro circuito e co (no paredão do vertedouro da Ilha Pimental, um segundo circuito (Interligação “Norte/Sul-II”, com 182 MW previstos) e ligando à Subestação 500 kV), que entrou em operação em meados de Altamira. Esta carga plena está muito longe da 2004, após licitação feita pela Aneel, ganha por A eletricidade gerada em T demanda atual e de qualquer demanda provável um consórcio privado. nos próximos anos, pois os principais núcleos ur- No levantamento feito pelo engenheiro eletricista banos já estão na rede, e a eletrificação rural avan- Rubens Araújo, seguindo os quesitos formulados ça pouco e já incluiu vários trechos mais densa- por André Saraiva (também engenheiro eletricis- mente ocupados. A única possibilidade lógica de ta, co-autor dessa nota técnica e de um capitulo transmitir 450 MW ou mesmo 200 MW para esta desse livro), foram identificadas algumas condições região seria ligar a região de Óbidos, e a de Juruti típicas de operação das subestações e das LTs, e Velho, a Sudoeste, na rota para Parintins (AM), registrados parâmetros essenciais para o seu en- onde se noticia atualmente um projeto de mine- tendimento, tais como a capacidade de transpor- ração de bauxita, matéria prima do alumínio. te de energia elétrica3; e como os principais usos Outro projeto que veio sendo desenhado nos últi- de eletricidade em cada área de atendimento. mos anos pela Eletronorte prevê a partir de Tucu- Além disso, para melhor comprovar e ilustrar ob- ruí ou a partir da usina hipotética Belo Monte, uma servações coletadas junto aos operadores, foram nova LT de 500 kV ligando com Santarém e com Manaus ou com a usina de Balbina.5 Uma LT com A capacidade operacional da subestação Marabá comprimento de 1400 km, boa parte em plena para o atendimento regional é de 300 MVA, e du- selva e em terrenos de várzea fluvial! rante a pesquisa de Araújo em outubro de 2003, foi comentada a previsão a curto prazo, da entra- da em funcionamento de um 2º banco de Transmissão Tucuruí - Vila do Conde e daí a Belém autotransformador. Na ocasião a potência ativa era Antes da entrada em operação do 2° circuito que de 142 MW, e a reativa era de 24 MVA (de tipo interliga a subestação Tucuruí à subestação Vila indutivo); deste total, cerca de 80 MW destinava- do Conde, no mês de outubro de 2002, a linha se à rede de transmissão da CELPA, incluindo a pioneira de 500kV trabalhava sempre carregada, demanda das cinco siderúrgicas (“guseiros”) ins- transportando uma carga quase constante de 1.300 taladas no entorno da cidade de Marabá. E tam- MW. Desse total, cerca de 850 MW (demanda de bém uma parte cuja tensão era rebaixada para 138 pico) eram destinados com prioridade para os dois kV e que abastecia o Sudeste do Estado, as cidades principais consumidores eletro-intensivos (a fun- de Redenção, Tucumã e São Felix do Xingu. dição Albrás, 750 MW e a fábrica de alumina Alunorte, 100 MW). A partir da energização do 2° A outra parte da carga dessa subestação, 62 MW, circuito, a capacidade de transmissão chegou na destinava-se a atender as atividades de mineração, faixa de 3.000 MW. beneficiamento, transporte de minérios na Serra dos Carajás, da empresa CVRD (Companhia Vale A Albrás utiliza a eletricidade depois de retificar a do Rio Doce) e da cidade Serra Norte; esse con- corrente (recebe em corrente alternada e passa junto era alimentado por uma LT de 230 kV, com para corrente contínua), abaixa a voltagem e ele- capacidade da ordem de 200 MW. va a intensidade de corrente elétrica acima da fai- Outro trecho dessa LT de 230 kV, com 70 km de xa de 100 mil ampères, que atuará nas cubas

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5.1. enotã-Mõ - Parte

comprimento foi construído recentemente até T eletrolíticas para fundir o metal. Para os operado- perto da cidade de Canaã dos Carajás, para aten- res consultados a prioridade era clara: não desli- der especialmente às instalações de mineração e 141 gar a Albrás; e falavam também de um 3o. circuito concentração de cobre (mina Sossego), inaugura- a ser construído. das em meados de 2004.6 Em Outubro de 2003, a demanda de Belém ficava Em outubro de 2004, foi leiloado em SP um con- na faixa de 450 a 500 MW, atendida por LTs de trato de fornecimento de eletricidade, da ordem 230 kV, três circuitos passando pelas Subestações de meio bilhão de dólares, por 16 anos a partir de Guamá, Utinga e Santa Maria. julho de 2007, no município paraense de Ourilândia do Norte, próximo de Tucumã e de

Subestação Marabá e o suprimento de eletricida- São Félix do Xingu, onde está se instalando a em- ucuruí: para onde? para quê? de para os projetos na “região” dos Carajás presa canadense Inco, quase monopolista do ní- A subestação Marabá é do tipo “sentido único”, quel, com o nome de fantasia de Onça Puma.Cada ou seja, quando Tucuruí está gerando, a SE está linha de produção de concentrado metálico de recebendo, derivando para uso na região e redes- níquel terá uma demanda de 90 MW, e o forneci- pachando para Imperatriz ou Açailândia. O úni- mento médio anual será de 1,6 GWh. Toda essa co período lembrado pelos operadores, em que configuração somente se viabilizaria com a mon- houve uma inversão de fluxo, com a eletricidade tagem de uma nova LT, em 230 kV, com 400 km a A eletricidade gerada em T vindo do Nordeste para o Norte, foi entre 1981 e partir de Marabá – o que também já estaria resol- 7 1984. Até que Tucuruí ficasse pronta e começasse vido com a Aneel naquela época. a gerar, a região foi abastecida pela Chesf. Em ou- tras ocasiões assim anormais, quando corre uma Imperatriz / Açailândia e Presidente Dutra, os pane total e o sistema “é derrubado”, por exem- “pivôs” da interligação elétrica nacional plo, por perda de sincronismo (como houve em A interligação de Marabá, no Pará, com Presidente novembro de 1998 e novamente em novembro de Dutra no sul do Maranhão se fez inicialmente pas- 2004). No momento de retomar a geração em sando por Imperatriz e depois também por Tucuruí, precisou ser invertido o fluxo, vindo de Açailândia, cidade vizinha, e enfim foi feito um pe- Imperatriz via Marabá, a eletricidade necessária queno trecho de LT interligando as duas cidades, para energizar a subestação da usina e rebaixan- de modo que as subestações possam operar plena- do a tensão para 13,8 kV, energizar os excitadores mente direcionando despachos em qualquer senti- do geradores elétricos. do: do Centro-Oeste para São Luís e o Nordeste, e ou para o Norte - e no sentido inverso, do Norte e interligação nacional de energia elétrica; já entrou ou do Nordeste para o Centro-Oeste. em operação uma LT de 500 kV ligando Serra da Mesa ao Recôncavo baiano e há outra LT em pro- O terceiro circuito ligando Marabá a Imperatriz e jeto ligando Colinas, TO com Sobradinho, BA. Açailândia em 500 kV entrou em operação em Ambas essas LTs permitiriam aos despachantes de 2003, e era previsto um 4º circuito para entrar em energia do sistema Centro-Oeste tanto “socorrer” operação em 2004. Regionalmente apenas uma o sistema Chesf via Sobradinho como “aliviar” a derivação abastecia a própria cidade de Impera- interligação via Presidente Dutra caso aumentasse triz e uma LT de 230 kV até a cidade de Porto Fran- muito a demanda em São Luís. co (MA), nas proximidades de onde passa a ferro- via Norte-Sul e onde se prevê a construção da usi- na do hidrelétrica do Estreito. O consumo crescente de eletricidade industrial em Em Imperatriz e Açailândia fica uma das pontas São Luis das LTs chamadas Norte – Sul, a primeira delas a A eletricidade que chega atualmente na ilha de Eletronorte opera desde 1999, e a segunda, de uma São Luís pelas duas LTs de 500 kV vem desde o empresa italiana que venceu a licitação da Aneel, pivô já comentado, a subestação de Presidente desde 2004. Nesse trajeto principal até as Dutra, onde a Eletronorte intercambia com a Subestações de Furnas em Taguatinga, D.F., parte Chesf, através da usina de Boa Esperança; a mai- da eletricidade pode ser descarregada em or parte desse fluxo vai para as instalações indus- Miracema, para a cidade de Palmas e outras do triais da Alumar e da CVRD, além de abastecer a Estado do Tocantins, mas também se faz a ligação capital do estado. Uma subestação de 230 kV foi para receber a eletricidade despachada pela usina feita para ligar com o Leste do Estado, permitin- do Lajeado no rio Tocantins, operada pelo con- do transportar até 100 MVA até Peritoró e dali até a capital vizinha Teresina, usualmente enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5.1. enotã-Mõ - Parte sórcio Investco (grupo Rede, EDP e outros). T abastecida pela Chesf. 142 Na LT-I, a interface entre a Eletronorte e Furnas é feita em Gurupi, no sul do Tocantins; ambas pas- Em São Luís, a Alumar prevendo investir em um sam no Norte de Goiás, nas subestações que são novo módulo de cubas eletrolíticas para fundir mais abastecidas pelas usinas de Serra da Mesa e 60 mil toneladas anuais de alumínio, elevou a de- Canabrava, ambas próximas da cidade de Minaçu, manda contratada de 680 MW para 820 Megawatts GO. A outra ponta de ambas as LTs fica em um (para comparação, o despacho para a Alumar esta- dos pivôs do sistema Centro-Oeste, a subestação de va em 640 MW em novembro de 2003).8 Taguatinga, DF. Uma outra hipótese para aumento do consumo Do mesmo “pivô” de Imperatriz e Açailândia, industrial de eletricidade e aumento da demanda

ucuruí: para onde? para quê? saem as duas LTs de 500 kV ligando com a nas LTs que abastecem a ilha de São Luís seria a subestação de Presidente Dutra, no sul do Mara- concretização de alguma etapa de um outro pro- nhão; um terceiro circuito era previsto operar no jeto que resiste há quase 3 décadas sem se concre- início de 2004. Aí se reside também um dos pon- tizar e foi recentemente ressuscitado: a usina ou tos de confusão a respeito dos intercâmbios de as usinas siderúrgicas de grande porte que se loca- eletricidade. A energia que chega em Presidente lizariam na ilha já bastante ocupada por ativida- Dutra, vinda de Tucuruí ou do Centro-Oeste é des industriais e de infra-estrutura de exportação,

A eletricidade gerada em T em geral mencionada como “eletricidade para o além de uma enorme população residente e um Nordeste”, incluindo-se indevidamente o próprio turismo significativo. mercado de eletricidade do Maranhão, com a ci- O projeto mais provável em fins de 2004 é o da dade de São Luis, a Alumar e a CVRD num estra- recente sociedade capitalista celebrada entre a nho Nordeste. Na tabela no início dessa nota téc- CVRD, a chinesa Baosteel e a européia Arcelor, nica, vê-se que, do total de 1831 MW, um total de para fabricar e exportar - parece que com exclusi- 907 MW são enviados para São Luís e a Cemar; vidade para a China - algo como 3,7 milhões de enquanto a eletricidade direcionada realmente toneladas de aço por ano.9 Mas os números sem- para a abastecer a área abastecida pelo sistema pre mirabolantes falam em várias usinas que che- Chesf, direcionada para o Piauí, via Boa Esperan- gariam a fundir 24 milhões de toneladas anuais, ça e via Teresina totalizava 924 MW. quando a produção total brasileira hoje (soman- Outras ligações vão se concretizando e retirando do as cinco grandes: Usiminas, CSTubarão, Cosipa, dessas cidades Imperatriz e Açailândia, e Presidente CSN e Açominas, mais dezenas de outras) é da Dutra a função até aqui exclusiva de completar esta ordem de 34 milhões de toneladas. Quando foi elaborado nos anos 1970, anos negros “Eu gostaria de dizer inicialmente que Tucuruí é fundamen- da ditadura militar, o primeiro projeto Ferro tal para o Projeto Carajás e Carajás é o único projeto desen- Carajás tinha um escopo menos megalômano do volvido pelo governo Figueiredo. Ele tem a prioridade nú- mero um em termos de investimento neste governo... satis- apresentado hoje. Era apenas um corredor de ex- faz as necessidades mais fundamentais da economia brasilei- portação de minério. Logo entrou em ação a re- ra. Então é preciso que o Pará entenda esse fato: Carajás vai localização de indústrias eletro-intensivas em es- revolucionar o Meio norte brasileiro(...) cala mundial, e a eletricidade de Tucuruí ajudou enormemente as decisões de investimento de gran- Com Tucuruí nós induzimos os nossos parceiros a acredita- rem efetivamente na execução do projeto Carajás. Nós estamos de porte por parte das indústrias japonesas do con- construindo Tucuruí, e já construímos duas linhas de suporte sórcio NAAC, da americana Alcoa, da européia para o fornecimento de energia para Carajás, (obs OS: de Boa Billiton, todas associadas às empresas brasileiras Esperança PI/MA a São Luís e a Marabá), antes mesmo de Camargo Corrêa e Companhia Vale do Rio Doce, terminar Tucuruí e a construção de suas linhas de energia . que na época era uma empresa de capital majori- É preciso que distingamos o seguinte: não faltará energia tário estatal, com ações em bolsa e debêntures no para tocar Carajás” 10 mercado internacional. Vinte e dois anos depois, a mesma história parece O projeto específico “Ferro Carajás” tornou-se o se confirmar, as multinacionais decidiram agora abrangente “PGC = Projeto Grande Carajás”, uma ampliar ainda mais seus investimentos na área, e a combinação de mineração, metalurgia de ferro, eletricidade de Tucuruí talvez não seja o bastante manganês, cobre e níquel, exportação de miné- para o seu apetite eletro-intensivo já constatado: rio, de concentrado metálico, e de ferro - ligas, e “Segundo o presidente da multinacional (Alcoa) na América até de celulose, madeira de lei e carne bovina. Latina, Josmar Verillo, além do investimento de US$ 1,4 bi- Para tanto, a eletricidade tinha que estar plenamen- lhão anunciado para os próximos 4 anos, a empresa está em início de conversação com o governo para a construção de

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5.1. enotã-Mõ - Parte te assegurada, e era isto que os ditadores militares e uma nova usina de alumínio no País, que exigiria recursos de T seus planejadores garantiam. Com a palavra o en- US$ 3,2 bilhões. ‘Nosso interesse em Belo Monte está associa- tão ministro Delfim Netto, em 1982: do a essa nova fábrica’.” (O Liberal, Belém, 15.06.2004) 143

ucuruí: para onde? para quê?

A eletricidade gerada em T Notas

1 ARAÚJO, Rubens Milagre. Uma re- km e custo de US$ 600 milhões. “Estas na primeira fase e outros US$ 300 milhões trospectiva da expansão do sistema elétrico linhas devem ir a leilão em 2005. Com elas, na ampliação[...] na bacia do rio Tocantins, com estudo de Acre e Rondônia entrarão no sistema inter- 8 caso na região de Lajeado – Palmas – Por- ligado nacional, reduzindo em cerca de Conforme matéria jornalística to Nacional, (TO), 1996-2003. Disserta- 70% a CCC (Conta de Consumo de Com- publicada antecipando um novo con- ção de Mestrado. Planejamento de Sis- bustíveis, cobrada sobre o uso de combustí- trato entre a metalúrgica Alumar e a temas Energéticos, FEM/UNICAMP. veis fósseis para geração de energia), dos Eletronorte: “O contrato, ainda não Campinas, 2003. US$ 3,3 bilhões por ano atuais para US$ anunciado oficialmente, garantirá até 1,2 bilhão”. 2024 receita de US$ 4 bilhões à Eletro- 2 Segundo o jornal Gazeta Mercantil norte, subsidiária da Eletrobrás[...] “A 6 (Katia Ogawa) de 17/12/2002, “Duran- Informe da Agência de Desenvolvimen- Alcoa deverá anunciar na próxima se- te o racionamento de energia, entre junho to Tietê Paraná, Seção: Energia, mana investimentos de US$ 130 mi- de 2001 e fevereiro deste ano, a Eletronorte, 12.07.2004: Eletrointensivos absorverão lhões na expansão da usina de alumí- e principalmente Tucuruí chegou a expor- energia de Tucuruí. O aumento do consu- nio primário, que deverá ampliar a tar 1.000 MW médios para o Sudeste/Cen- mo de energia pelas empresas eletrointensi- produção em 60 mil toneladas – cujo tro-Oeste e Nordeste. Hoje o sentido é inver- vas, que estão investindo no Norte do país, principal destino é o mercado exter- so. O submercado Sudeste/Centro-Oeste en- vai impulsionar o mercado da Eletronorte, no. No contrato de energia com a Ele- viou 600 MW médios para o Norte este mês” principalmente após a conclusão das obras tronorte já está incluído a demanda de (EFEI Energy News Ano4 N.302 - Edi- de expansão de Tucuruí, prevista para o 140 MW para essa expansão[...] Jun-

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5.1. enotã-Mõ - Parte T ção 021205, dezembro de 2002). final de 2006[..] .Até 2010, a expectativa tas, as unidades de fundição do metal da Eletronorte é de que esse crescimento fi- 3 em termos leigos essa capacidade de da Alcoa e BHP Billiton estão hoje ap- que em torno de 8% ao ano[...] Outros po- 144 transporte da carga elétrica poderia ser tas a fabricar 380 mil toneladas, com tenciais clientes da Eletronorte na região são associada ao “calibre” da linha de trans- consumo de 680 MW. Com a expansão, cinco projetos de mineração de cobre e um missão; ou seja, sendo fica a sua volta- vão passar a pelo menos 440 mil tone- de níquel, todos da CVRD, que devem estar gem de transmissão (500 mil ou 230 ladas em 2006". Gazeta Mercantil em plena atividade até 2010, completando mil volts, nesse sistema regional), a (Christiano Martinez e Ivo Ribeiro), o Complexo de Cobre de Carajás. Esses no- capacidade é tanto maior quanto mai- 25.05.2004 vos investimentos também são eletro - inten- or a corrente elétrica ou amperagem 9 sivos e poderão utilizar energia de Tucuruí.. maiores detalhes no Jornal Pessoal, suportada pelos cabos. publicação quinzenal de Lucio Flávio 7 Conforme despacho de 26.10.2004, 4 conforme mapa editado no “jornal” PINTO, em Belém do Pará. Numero da Gazeta Mercantil, Caderno A - Pág. da Eletronorte, Corrente Continua, do 1º 33, ano XVIII, 1ª quinzena de novem- 7, assinado por Raymundo de Olivei- semestre de 1998 bro end: [email protected] ucuruí: para onde? para quê? ra: “O teor de níquel contido no minério 5 Conforme noticiado no Jornal do Co- nessa mina do sul do Pará é de 2,15%, 10 DELFIM NETTO, Antonio “Rumo mércio, RJ, 25.06.2004, o presidente da um dos maiores índices entre as jazidas co- ao Norte: a abertura de uma nova eta- Eletrobrás, Silas Rondeau anunciou nhecidas do minério. A expectativa da pa de desenvolvimento” entrevista que este ano serão concluídos os estu- mineradora canadense é que a produção concedida pelo ministro Delfim Netto dos de impacto ambiental para a cons- anual fique em torno de 44 mil toneladas aos jornalistas do grupo ~O Liberal, trução de duas linhas de transmissão: de níquel e que a vida útil da reserva do sul Belem, Para, 1982. in PETIT, Pere a primeira, de Tucuruí a Manaus, terá do Pará seja de 45 anos com duas linhas “Chão de promessas: elites políticas e trans- 1,4 mil quilômetros (km) e exigirá in- de produção ou o dobro com uma só linha. formações econômicas no Estado do Pará

A eletricidade gerada em T vestimentos de US$ 1 bilhão; a segun- Os investimentos na unidade da Canico no pós-64”, editora Paka-Tatu, Belém, da, de Jauru a Vilhena (RO), terá 500 Pará estão estimados em US$ 560 milhões 2003. pág.265 5.2. Dados de vazão do rio Xingu durante o período 1931- 1999; estimativas da potência, sob a hipótese de aproveitamento hidrelétrico integral

Nota elaborada por Oswaldo Sevá, com dados do Estudo de Viabilidade de Belo Monte (2002) e de Cicogna (2003)

1. De quê depende a potência de uma usina? 2. O desnível vertical dos rios Xingu e Iriri. Depende de quanto o rio naquele trecho pode O rio Xingu foi inventariado no seu trecho médio, “oferecer”, ou “disponibilizar”, se aquela vazão * que começa na altitude próxima de 280 metros, 145 d água e se aquele desnível de terreno forem ainda no Norte de Mato Grosso, a uns 1500 km de aproveitados para gerar energia hidrelétrica. sua foz, perto das localidades urbanas de São José Para chegarmos aos números desta potência pró- do Xingu, de Piara-açu, da rodovia BR 080 e do pria do rio naquele local determinado, usamos Parque Indígena do Xingu (PIX); e a fórmula *que termina no Pará, após a Volta Grande, na al- titude entre 2 e 8 metros, no último trecho do bai- Potência = Vazão de água turbinada x Desnível xo Xingu, a sua “ria” de onde sua vazão escorre vertical x coeficiente técnico para a margem direita do rio Amazonas, cuja foz ainda fica a uns 300 km dali rio abaixo. Portanto, Obs: Este coeficiente é especifico de cada obra e um trecho de rio com desnível natural aproxima- de cada tipo de máquinas instaladas, e temos de do de 270 a 280 metros. adotar um patamar adequado e unidades físicas corretas para poder fazer estimativas numéricas: Conforme o critério de maximização da potência a ser obtida, os engenheiros decidiram demarcar cin- • um índice de rendimento total de 85% (ou seja, co barramentos no rio Xingu, e um no seu afluente com 15 % de perdas, incluindo perda de carga rio Iriri, já mencionados nos capítulos 1 e 2. Os no trajeto da adução da água, e perdas nas con- desníveis verticais, em cada usina, foram versões de energia realizadas pela turbina e pelo dimensionados entre 23 metros de altura, no eixo gerador) Jarina, até os 88,7 metros (modificada para 90 2 •a aceleração da gravidade 9,8 m /s; e a densida- metros), no eixo Belo Monte. Apenas neste último 3 de da água 1,0 ton/m , caso, há um desnível natural que pode ser aprovei- •o coeficiente valeria 8, 33 (9, 8 x 0,85) tado, algo como quase 100 metros de desnível em 200 km de percurso do rio. Nos outros cinco casos, há uma queda baixa (como a da Cachoeira Seca do A fórmula fica então: P = 8,33 Q x h Iriri) ou então, são desníveis muito longos, de de- zenas de km, com corredeiras e pequenos degraus. Se tivermos o número da vazão Q em m3/segundo, o número do desnível vertical h em metros, obtere- Estas condições não são bem propícias ao aprovei- mos uma potência P expressa em kilowatts tamento hidrelétrico, e isto leva os projetistas a adotar a “queda artificial”, ou seja : cravar funda- •Uns 500 km abaixo, no eixo Ipixuna, abaixo da ções na rocha do piso do rio e do subsolo, e erigir cidade de São Felix, o rio Xingu já tendo recebi- paredões de rochas e concreto, de grande porte, do o afluente rio Fresco, suas vazões mensais mí- ligando uma margem do rio à outra, com alturas nimas aumentam para perto de 500 m3/s, e as de 40 a 45 metros (eixos Kokraimoro e Ipixuna) e máximas ultrapassam 18.000 m3/s. de mais de 60 metros (eixo Babaquara). • Enquanto isto no rio Iriri, a vazão média mensal mínima pode ficar abaixo de 60 m3/s; no Inver- 3 3. As séries históricas dos dados de vazão no, a média máxima ficar acima de 9.000 m /s, valores estimados naquela “esquina” do Riozinho d’água. do Anfrísio e da Cachoeira Seca, locais próximos Obs. Os cálculos feitos pelos engenheiros das em- da cidade de Rurópolis. presas de projetos - como os que o CNEC fez para o Xingu (IHX – 1980) se basearam numa série histórica de vazões de água em diferentes pontos 4. Vazões do rio Xingu no Inverno e no do rio. Tratava- se de um conjunto de dados de Verão, na Volta Grande, antes da obra vazão de água do rio Xingu, medidas desde o ano de 1968 (por meio de instrumentos de medição (conforme dados compilados do EIA fig 3.3.1.2. e do Estudo de descarga ou de régua de nível d’água), em pon- de Viabilidade tab2, item 8.1.5.) tos escolhidos próximos das cidades de Altamira e Após se juntarem as vazões d água dos dois rios, o de São Félix do Xingu, e nas vilas de Belo Hori- Xingu e o Iriri, no trecho que passa pelos eixos zonte e de Santo Antonio de Belo Monte, além de Babaquara e Belo Monte, os números de vazão do comunidades na beira do afluente Iriri (Laranjei- Xingu chegam perto da vazão total do rio, pois ra e Pedra do Ó) e do afluente Bacajá, com pon- dali até a foz, apenas mais um afluente volumoso

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5.2. enotã-Mõ - Parte T tos na Fazenda Cipaúba e a Aldeia Bacajá. Com vai desaguar no Xingu, o rio Bacajá. Este é o tre- 146 base em comparações de chuva e vazão com ou- cho fluvial de maior “potencial inventariado”: des- tros rios, foram extrapoladas as vazões mensais de a confluência do rio Iriri no rio Xingu [que neste mesmos pontos, para o intervalo de 37 anos seria represada pela barragem Babaquara, locali- antes, de 1967 recuando até 1931. zada uns 10 km. rio acima da cidade de Altamira, Em certas condições, é possível ter registros diári- com a água na cota 166 ou 165 metros] - até o final os, médias mensais e médias anuais nestes pontos, da Volta Grande [onde o rio seria represado com e por extrapolação, estimar as vazões exatamente a água na cota 96 (Kararaô) – ou 97 (Belo Monte)]. naqueles trechos onde se decidiu aproveitar a ener- As vazões médias anuais em Altamira têm a seguinte gia do rio, denominados “eixos de barramento”, distribuição durante o período de dados medidos onde se prevê a fixação das futuras barragens. Es- e extrapolados, do ano 1931 ao ano 2000: tes dados são agrupados para fins de estudo hidro- • durante 69 anos, num único ano a vazão média lógico, em séries de números da vazão d’água, nos anual foi acima de 12.000 m3/s; seis “eixos” inventariados, cinco no Xingu e um no afluente Iriri. • noutros sete anos bem chuvosos, as vazões fo- ram de 10.000 a 12.000 m3/s; Os números que utilizamos representam a vazão • vinte e sete anos com vazões entre 8 e 10.000 m3/s; média mensal nestes pontos do rio Xingu, ao longo 3 de 816 intervalos de tempo de um mês cada, co- • vinte e oito anos com vazões entre 6 e 8.000 m /s; e brindo 68 anos, de 1931 a 1999, e constam oficial- • seis anos com vazões anuais médias abaixo de mente das bases de dados da Eletrobrás (já que a 6.000 m3/s sua empresa Eletronorte foi inicialmente a “deten- Com base no histograma destas vazões anuais (fig tora” destes eixos). São indicadores de potencial 6.2.5.-15 do EIA) poderíamos então atribuir ao rio hidrelétrico, incluídos naqueles montantes que são Xingu, em Altamira, num período de quase 70 volta e meia divulgados, de 200 e tantos mil MW. anos, * 8.000 m3 d’água/segundo, como uma “mé- *No trecho das duas primeiras usinas projetadas, dia das vazões médias anuais”. Este número não no norte de MT e sul do Pará, as vazões mensais tem o menor significado físico, já que, por defini- mínimas do rio Xingu podem cair a menos de ção, a vazão d’água de um rio é algo definitiva- 400 m3/segundo, e as máximas podem passar de mente variável ao longo dos dias, dos meses, e dos Dados de vazão do rio Xingu durante o período 1931- 1999; estimativas da potência, sob a hipótese ... 9.000 m3/s, no eixo Jarina, e chegar quase a anos. Mas, serviria para dar uma primeira idéia da 11.000 m3/s, no eixo Kokraimoro. escala da potência do rio neste trecho; num único degrau de 88,7 metros, e com esta vazão média, a • no final de Julho, as vazões mensais médias caem potência possível seria: abaixo de 2.000 m3/s P (88,7m) = 8,33 x 88,7 m x 8.000 m3/ s = 5.889.680 Isto tudo foi mensurado ou extrapolado neste pe- kW, quase 5.900 MW queno intervalo de tempo de quase 70 anos passa- dos; esta dinâmica de chuvas e vazões pode conti- E, se fosse um degrau duplo, somando-se as que- nuar valendo em curto prazo, e em linhas gerais, das dos dois projetos valeria enquanto não houvesse nenhuma catástro- (Belo Monte, com 88,7 m e Babaquara com 61 m), fe climática...nem ocorresse a construção das bar- a potência possível seria ragens projetadas. P (149,7 m)= 8,33 x 149,7 m x 8.000m3/s= 9.976.008 kW, quase 10.000 MW 5. Vazões do Xingu no Inverno e no Verão, na Volta Grande, depois da obra. Quando analisamos, no mesmo trecho de Altamira e no mesmo período de 1931 a 2000, as séries de A concepção desta usina Kararaô/Belo Monte vazões mensais médias, vemos que os números mu- sempre foi a mesma desde o inventário de 1980: dam muito, e ficam mais próximos da realidade barrar o Xingu antes dele completar o seu desní- do funcionamento do rio Xingu: vel de 90 metros e derivar a vazão d’água pela margem esquerda, encurtando a Volta Grande e • as médias máximas de Fevereiro a Maio ficam entre 25.000 e 30.000 m3/s turbinando a vazão numa casa de força paralela ao rio (e não transversal, como é usual em mega– • as médias máximas no Verão, de Agosto a Outu- projetos hidrelétricos). A primeira modificação bro entre 1.500 e 2.300 m3/s notável do projeto Belo Monte, quando foi re– • as médias mínimas no Inverno ficam entre 5.600

apresentado no final dos anos 1990, foi o desloca- II - Capítulo 5.2. enotã-Mõ - Parte

3 T e 9.800 m /s mento do eixo de barramento: 3 • as mínimas no Verão: 444 m /s em Outubro, e •o Xingu não seria mais barrado num ponto cha- 147 3 477 m /s em Setembro mado Bela Vista ou Juruá (abaixo da Cachoeira Jericoá e perto da foz do igarapé Paquiçamba), e Com base em tais séries de números, os hidrólogos sim num ponto situado quase 50 km rio acima. Esta definem alguns padrões para o hidrograma de um barragem com quinze metros de altura, com vári- rio. Por exemplo, um ano hidrológico caracterís- os prédios articulados entre si, ligaria as duas mar- tico tipo úmido, para o rio Xingu, foi o período gens do rio com a ilha Pimental e a ilha da Serra. outubro 1977 a setembro 1978. Ao longo dos me- ses, os números de vazões mensais médias no ano Nesta modificação, diminuiu-se o porte da repre- típico úmido: sa principal (a da “calha do rio”) em volume de • terminam o período do verão no patamar de água e em superfície; apesar disto, aumentaram 1.500 m3/s; as áreas alagadas em terra firme, longe da calha ª • ainda em Dezembro, ultrapassam os 5.000 m3/ s; do rio, no interior do grande meandro, na 2 re- presa, a represa “dos cinco igarapés”. As águas • antes do fim de Janeiro, passam de 15.000 m3/s; represadas seriam conduzidas ao mesmo ponto • no “repiquete” das cheias, no mês de Março, mais do projeto inicial, que era - e é - a Casa de Força de 25.000 m3/s; principal, que seria construída por entre os mor- • começam a diminuir em Abril, e em Julho, caem ros da margem esquerda do baixo Xingu - uma 3 abaixo de 5.000 m / s. vez que não se alterou a posição da usina, nem sua localização, nem o desnível. Vejamos: O flu- E, um ano hidrológico característico tipo seco, p.ex. foi o período outubro 1998 a setembro 1999, xo de água contido na parte alta da Volta Gran- ª durante o qual as vazões mensais médias: de, na 1 represa, a represa “da calha do rio”, da- ria um “by – pass”, como se pegasse um atalho no • ficam, no final do Verão (outubro) meandro pelo seu lado de dentro, na margem entre 500 e 1.000 m3/s; esquerda, e iria sendo escoado através de canais • somente em Janeiro as médias mensais ultrapas- e represas menores. Este fluxo seria enfim 3 sam os 5.000 m /s; turbinado lá onde o rio já desceu até a planície •mesmo com o “repiquete” de Março, ficam en- final do Xingu, o nível d’água no canal de fuga tre 12 e 14.000 m3/s até Maio; ficando entre as cotas 2 e 9 metros, mais comumente Dados de vazão do rio Xingu durante o período 1931- 1999; estimativas da potência, sob a hipótese ... •em Junho, já caíram para menos de 5.000 m3/s entre 4 e 6 metros de altitude. Se, num certo intervalo de tempo, ficarem fecha- A potência máxima assegurada nas duas usinas teria das as comportas dos dois vertedouros (o princi- sido 7.950 MW pal na 1ª represa, no paredão projetado sobre a Fazendo-se a repartição desta potência entre as Ilha Pimental, e o complementar na metade da 2ª duas usinas, supondo o aproveitamento total da represa, no paredão previsto para o sitio Bela Vis- água nas duas usinas (sem vertimento turbinável), ta/Paquiçamba) e Se a Casa de Força complemen- teríamos: tar não estiver turbinando – o rio Xingu secaria completamente ao longo de dezenas de km, da Ilha 31% da potência total seria fornecida pela usina Pimental até a foz do rio Bacajá, na margem direi- Babaquara - 3.078 MW ta. Para não deixar o rio seco neste trecho monu- 69% da potência total seria fornecida pela usina mental que os projetistas denominam “estirão de Belo Monte - 4.872 MW jusante”, é prometido no EIA, que a cada mês se- Para comparação: era previsto como potência insta- ria liberada uma vazão mínima pré - determinada, lada nas duas usinas - 17.772 MW e esta série de vazões “administradas” foi batizada como “vazões ecológicas”. Para se ter uma idéia da Sendo Belo Monte, na versão mais recente, com desproporção entre o quê é hoje o rio neste trecho, uma Casa de Força complementar, e o quê faria com o rio a Eletronorte, se fosse a ou então - 12.090 MW na versão anunciada em operadora da usina, basta analisar os dados dos outubro de 2003, com metade de potência na Casa meses mais típicos das duas estações do ano: de Força principal de Belo Monte. A vazão mínima a ser liberada abaixo do paredão da A conclusão evidente é que somente com as duas ilha Pimental seria, durante o Verão, usinas hipotéticas, Belo Monte e Babaquara funci- • 47% da média mensal mínima do mês de Setem- onando, é que a situação operacional e econômi-

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5.2. enotã-Mõ - Parte 3 3 T bro (225 m /s para 477 m /s) ca melhorou e passou a ser aceitável, pois para uma potência instalada de 12.090 MW, a máxima asse- 148 • 27,5 % da mínima em Agosto (250 m3/s para gurada foi de quase 8.000 MW. 908 m3/s) e uma proporção entre estes dois va- lores, nos outros meses. Durante o Inverno, a vazão dita ecológica ficaria entre c) Represamento integral do rio Xingu e Iriri: se as seis hipotéticas usinas funcionaram conjuntamen- • 15,7% (em Março, 1.500 m3/s para 9.561 m3/s) te no período 1931-1996 (Jarina, Kokraimoro, e 20, 4 % (em Abril, 2.000 m3/s para 9.817 m3/s) Ipixuna, Iriri + Babaquara e Belo Monte) das vazões mensais mínimas. Nos demais meses, ficaria numa proporção intermediária. A potência máxima assegurada nas seis usinas teria sido - 12.806 MW 6. Simulação das potências hidráulicas do Para comparação, eis os números das potências pre- rio Xingu, se as usinas funcionassem desde vistas para serem instaladas, conforme a diretriz de 19311 “Aproveitamento hidrelétrico integral” do rio Xin- a) Belo Monte como aproveitamento único na Bacia gu, (IHX, CNEC, Eletronorte, 1980) e registradas do Xingu: se apenas uma usina hipotética, Belo no SIPOT: Monte funcionou abastecendo a rede básica naci- 1. Eixo Jarina 620 MW onal entre 1931 e 1996 2. Kokraimoro 1.490 MW A potência máxima assegurada teria sido 1.356 MW 3. Ipixuna 1.900 MW 4. Iriri 770 MW (ou seja: se naquele período, durante alguns dias a demanda ultrapassou 1.356 MW, a vazão turbi- 5. Babaquara 6.590 MW nável pela usina não assegurou mais do que esta 6. Belo Monte* 11.000 MW potência, e a demanda teria que ser atendida por ou então: * na versão reduzida anunciada em ou- outra central na mesma rede) tubro de 2003 5.500 MW total da potência b) Belo Monte com Babaquara (Altamira) regulari- prevista para instalar 22.370 MW zando o rio Xingu: se apenas duas usinas hipotéti- Dados de vazão do rio Xingu durante o período 1931- 1999; estimativas da potência, sob a hipótese ... cas, Belo Monte e Babaquara funcionaram conjun- ou, total incluindo Belo Monte versão reduzida tamente entre 1931 e 1996 16.870 MW De qualquer modo, nesse tipo de simulação “do Na versão reduzida do projeto, (a versão anuncia- passado”, não se faz nenhuma previsão do futuro. da pela ministra Dilma Rousseff em outubro de Fica apenas a certeza de que tudo sempre depen- 2003) com 10 TGs de 550 MW, ao invés de 20 TGs de de haver - ou não - água para turbinar. - a vazão d’água turbinada cairia para a faixa de 6.950 m3/s, o quê seria em geral factível durante O projeto original da Casa de Força previa 20 gru- seis meses, de Janeiro a Junho, se considerarmos pos Turbo - Geradores de 550 MW cada; e nas oca- as vazões mensais médias. siões em que todos funcionassem, as turbinas teri- am engolido uma vazão de 13.900 m3/s; note-se que Agora, se considerarmos as vazões mensais mínimas, somente nos meses de Março, Abril e Maio, o rio em geral somente durante dois meses (Março e Abril) Xingu costuma ter uma vazão média mensal supe- haveria fluxo de água suficiente para gerar na capa- rior a este engolimento máximo das turbinas. cidade máxima desta usina (versão reduzida).

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 5.2. enotã-Mõ - Parte

T 149

Nota Metodológica

A simulação aqui usada foi feita usan- em todas elas sendo pré-definida uma omitir que todo o sistema Xingu deve do-se o modelo Hydrolab (Cicogna e meta de geração hidrelétrica total para ser construído para se dispor de tal Soares Fo., 2003, FEEC, Unicamp) que uma ou mais usinas. Excluímos do re- energia em Belo Monte.” (p.193) sumo aqui apresentado os valores ob- foi alimentado pela base de dados do “Nesse estudo (simulação Xingu tidos para o sub-período de 1949 a SIPOT - Sistema de Informações do Po- BMonte) determinou-se a energia fir- 1956, por ser considerado, nos rios bra- tencial Hidrelétrico, da Eletrobrás, sis- me de Belo Monte operando isolada- tema esse que informa os valores nu- sileiros do hemisfério Sul, o período pluri-anual de pior pluviosidade (pior mente no rio Xingu. Devido à grande méricos da vazão d’água do rio Xingu variabilidade das vazões naturais do em Altamira, mensurados in loco ou do ponto de vista da geração hidrelé- trica). Se este período for considera- posto de Belo Monte, somada à perda extrapolados, desde o ano de 1931 até de regularização (que seria) feita pe- o ano de 1996. Não se trata portanto, do, a resposta isolada da usina Belo Monte a uma meta pré-fixada de gera- los grandes reservatórios de montan- no caso dos projetos no Xingu, de afir- ção seria ainda mais deficiente, não te, encontra-se um valor de apenas mar quanto da sua potência instalada, ultrapassando 1200 MW. Conforme o 1.172 MW médios para a energia fir- tais usinas poderiam no futuro acionar, pesquisador CICOGNA, da FEEC, me.” (p.195) e sim, trata-se de deduzir como elas teri- Unicamp: am funcionado no passado, se existissem Ver CICOGNA, Marcelo A . “Sistema de nesses pontos desses rios que apresen- “O problema se apresenta no fato de suporte à decisão para Planejamento e Pro- taram essas vazões. que a operação coordenada do conjun- gramação de Operação de Sistemas de ener- to de usinas no rio Xingu operando gia elétrica” Tese de Doutorado, Facul-

Neste item apenas resumimos os nú- segundo regras paralelas, determina a dade de Engenharia Elétrica e de Com- Dados de vazão do rio Xingu durante o período 1931- 1999; estimativas da potência, sob a hipótese ... meros obtidos nas simulações feitas energia firme de 4.700 MW médios em putação, Universidade Estadual de para três tipos de situações hipotéticas, belo Monte. Não se deve portanto, Campinas, SP, dezembro de 2003. Capítulo 6

Especialistas e militantes: um estudo a respeito da gênese do pensamento energético no atual governo (2002-2005) Diana Antonaz

O objetivo deste capítulo é o de procurar com- Procura-se dar conta, igualmente, das razões que preender como se consolida uma forma de pen- levam os técnicos a priorizar os rios da Amazônia 150 samento que reproduz as lógicas subjacentes à em seus projetos de hidroeletricidade, apesar dos política energética brasileira e, como se insere aí, erros e das conseqüências de experiências anteri- a proposta de construção de hidrelétricas nos rios ores como Tucuruí e Balbina, explicitando, para Xingu e Madeira. Nesse texto procurarei mostrar isso, os argumentos que invocam a fim de afirmar as trajetórias de alguns dos produtores dessas que a experiência dramática desses dois casos não políticas e das instituições onde suas idéias são se reproduzirá. produzidas e legitimadas. Em seguida, serão ana- lisadas as questões evocadas por estes especialis- As instituições do planejamento energético tas que desempenham (ou desempenharam) pa- 2 péis centrais no atual governo para, então, ilus- e seus personagens trar e comentar suas distintas visões a respeito da Vários dirigentes de primeiro e segundo escalão, política energética1. e alguns dos principais consultores do atual gover- no federal na área de energia vieram das institui- Essa análise permite perceber que, apesar da ções universitárias, são professores na pós-gradua- normatização emanada pelo Ministério de Minas ção na área de Energia, na UFRJ – Universidade e Energia, os especialistas não aderem a um pen- Federal do Rio de Janeiro e na USP – Universida- samento único, sendo que as diferentes corren- de de São Paulo3. Outros são engenheiros das tes continuam competindo no sentido de fazer empresas estatais de eletricidade e da Petrobrás, e prevalecer sua posição e sua visão de mundo. Es- alguns já faziam carreira no funcionalismo públi- sas tendências se consolidam, uma vez que o con- co. São especialistas reconhecidos dentro e fora junto de postulados que fundamentam as políti- de suas instituições, sendo que sua atuação políti- cas energéticas não resulta da criação de especia- ca se concentra em intervenções no âmbito das listas individuais, mas de elaborações coletivas políticas energéticas. É o que mencionarei com construídas ao longo do tempo no interior de ins- maior detalhe a seguir. tituições que se comunicam e se inserem, inclusi- ve, no debate de temáticas extra-nacionais. Con- a) na COPPE/ UFRJ forme será visto, as diferentes visões são A COPPE (Coordenação dos Programas de Pós- polissêmicas e os critérios técnicos, invocados pe- graduação de Engenharia) reúne, desde os anos los especialistas como justificativa das opções fei- 1970, os cursos de pós-graduação nas várias moda- tas, constituem, na realidade, apenas minuta par- lidades de Engenharia, e ocupa vários blocos do te dessas visões. Centro de Tecnologia da UFRJ, na Ilha do Fundão, em quadra vizinha aos centros de pesquisa da Os pós-graduandos são em sua maioria engenhei- Eletrobrás (CEPEL) e da Petrobrás (CENPES). ros ou economistas, mas também foram selecio- A Área Interdisciplinar de Energia da COPPE nados geógrafos, arquitetos, biólogos, sociólogos, foi criada em 1978, por iniciativa conjunta dos advogados. Alguns destes - que podemos chamar programas de Física, Engenharia de Sistemas, de segunda geração - se doutoraram no exterior, Engenharia de Produção e Engenharia Nucle- principalmente na França e nos Estados Unidos. ar, sendo que a primeira turma da pós-gradua- La Rovere, Adilson de Oliveira e Otávio Mielnik e ção ingressou no ano seguinte. O programa se Tolmasquim concluíram seus doutorados no autonomiza ao longo da década de 80, e a partir CIRED (Centre International de Recherche sur de 1992 passa a se denominar Programa de Pla- l’Environnement et le Développement), um cen- nejamento Energético (PPE). Na realidade, o tro de pesquisas vinculado à École des Hautes rótulo “planejamento energético” já era, na épo- Études em Sciences Sociales, de Paris, produzin- ca de sua adoção pelo Programa, expressão de do suas teses sob a orientação de Ignacy Sachs.5. uso corrente entre pesquisadores, uma vez que sua origem data da crise do petróleo dos anos Com isso, verifica-se que, desde o início, o Programa 70. Na realidade, o programa da COPPE coloca- de Planejamento Energético se liga ao pensamen- va-se, à época de sua fundação, como uma espé- to internacional, conta com equipe multidiscipli- cie de extensão de outros institutos de planeja- nar e procura pensar energia de forma integrada, mento energético que vinham sendo criados no envolvendo as diferentes formas de sua produção. mundo todo, com o patrocínio da Comunidade Planejamento energético consistiria, portanto, na Européia. A hidroeletricidade e a geração de discussão das formas mais adequadas de produção, energia nuclear passam a ocupar o centro dos distribuição e consumo de energia, de acordo com debates enquanto formas da geração. São esses, determinado projeto de desenvolvimento, consi- também, os temas predominantes nas investiga- derando-se uma multiplicidade de fatores: recursos II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte ções e teses do programa. Em época mais recen- naturais de onde extrair a energia, preço, rendi- te, o consumo de energia, assim como outras mento, agressões ao meio ambiente, eficiência no 151 formas de geração, têm sido objeto de pesquisa, uso final. O planejamento energético se preocu- inclusive as chamadas alternativas. pa, portanto, com as modalidades de obtenção e uso de energia, incluindo-se os combustíveis (petróleo, No entanto, a expressão “planejamento energéti- carvão mineral e vegetal, gás, álcool, resíduos) e a co” não implica apenas a discussão da forma de eletricidade (de origem hidráulica, térmica, nucle- no (2002-2005) T energia a ser utilizada prioritariamente, mas re- ar, fotovoltaica, eólica). mete à idéia de escassez - de um bem limitado – e que, portanto, necessita ser adequadamente admi- Essa percepção múltipla fez com que alguns parti- nistrado. A percepção da “escassez”, e sua perma- cipantes do programa procurassem agregar discus-

nente reprodução, subentende uma série de ou- sões centrais e emergentes travadas em outras or- gético no atual gover tras questões freqüentemente não explicitadas, ou ganizações. Desta forma, em 1988 promovem um seja, as variadas concepções de demanda e consu- seminário6 para o qual convidam antropólogos do mo, que, por sua vez, implicam diferentes cons- Museu Nacional, que na época estudavam “os efei- truções de “desenvolvimento”, categoria chave que tos sociais dos grandes projetos hidrelétricos”7. No inclui diferentes visões sócio-econômicas e políti- debate daquele momento, contrapunha-se a ener- co-ideológicas. Além disso, conforme veremos, a gia hidrelétrica e a energia nuclear. tematização desta categoria é central para a com- Outro seminário importante teve como tema cen- preensão da ação dos diferentes agentes na elabo- tral a Amazônia8. Desse seminário participaram ração das políticas energéticas. além dos pesquisadores da COPPE, técnicos de

espeito da gênese do pensamento ener Os fundadores do programa constituíam uma empresas do setor elétrico do norte, pesquisado- equipe multidisciplinar: dentre eles, os professo- res do Museu Goeldi, da Universidade Federal do res Luiz Pinguelli Rosa4 vindo da área de Física Pará (UFPA) e do Instituto de Desenvolvimento nuclear, João Batista de Araújo, da Engenharia de do Pará (IDESP). Esse seminário foi realizado no Sistemas, e os economistas Adilson de Oliveira e momento em que os efeitos sociais perversos de Otávio Mielnik; posteriormente entraram outros Tucuruí vinham à tona e, além disto, construíam- profissionais da mesma especialidade, como se novas hidrelétricas na Amazônia em Balbina Emílio Lèbre La Rovere e Maurício Tiomno (Amazonas), em Samuel (Rondônia) e eram anun- Tolmasquim, além de professores de outras áreas, ciados os projetos nos rios Xingu e Trombetas. Por

como geógrafos e sociólogos. isto, considero indispensável pensar o projeto Belo Especialistas e militantes: um estudo a r 11 Monte e os demais Comício do Movimento dos Atingidos por Barragens, realizado em Brasília, José Goldemberg , no Xingu, temas Roosewelt Pinheiro/ABr físico, ex-reitor da centrais do presente USP, que ocupou livro, dentro de uma cargos no executivo lógica mais ampla. estadual (presidente das empresas esta- Nas entrevistas reali- duais de eletricida- zadas e nas publica- de e de gás, no go- ções da COPPE/ verno Montoro, PPE percebe-se cla- 1983-86) e federal ramente a existência (Ministro da Educa- de diferentes per- ção e depois, do cepções e projetos Meio Ambiente, no para a sociedade. governo Collor, Dentre as figuras 1991-2). Aposentou- centrais na consti- se como professor, e tuição do pensa- continua atuando mento, destaca-se na área de Energia, como representante brasilei- Luiz Pinguelli Rosa, constituinte do que podemos ro na World Comission on Dams, ocupando atual- chamar de primeira geração, que tem sua origem mente a Secretaria Estadual de Meio Ambiente na física nuclear e em cuja trajetória destaca-se o (governo Alckmin); David Zylberstajn, ex-genro do seu papel crítico em relação ao programa nuclear ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foi brasileiro, em particular, ao projeto das usinas secretário estadual de Energia (primeiro governo nucleares em Angra dos Reis, RJ. 9 enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte Covas, 1996-2000) e posteriormente presidente da ANP – Agência Nacional do Petróleo; Ildo Sauer, 152 b) No Instituto de Eletrotécnica e Energia, e na especialista em nuclear, e que se firmou como o USP idealizador, em São Paulo, das propostas energéticas do PT; e Célio Bermann, assessor, des- Outros participantes centrais na elaboração da de o início, do Movimento dos Atingidos por Bar- proposta de planejamento energético para o go- ragens, e recentemente, consultor do Programa

no (2002-2005)verno T Lula eram vinculados ao Programa Interu- Brasil Sustentável e Democrático, conduzido em nidades de Pós-graduação em Energia da USP – cooperação internacional pela importante ONG Universidade de São Paulo, que é constituído por sediada no RJ, a FASE. Pode-se assim dizer que no professores do Instituto de Eletrotécnica e Ener- PPE/COPPE convivem várias correntes, enquan- gia (onde fica sediado curso de pós-graduação), to que nos departamentos de energia da USP for-

gético no atual gover da Escola Politécnica, da Faculdade de Economia, maram-se dois blocos políticos nítidos. Administração e Ciências Contábeis e do Institu- to de Física. Conforme o site oficial, o PIPGE / USP se caracteriza também pela diversidade de c) A investidura de especialistas militantes em fun- interesses, “um esforço interdisciplinar no sentido de ções de dirigentes da política energética nacional formar profissionais voltados às questões vinculadas à Engenheiros, físicos e economistas das instituições disponibilidade de energia, seus usos e impactos sobre a acima apresentadas aparecem como os principais sociedade, e sobre o meio ambiente”(www.energia.usp.br, elaboradores da política energética do governo, 2004).10 desde quando, nos anos anteriores à eleição de Enquanto que na UFRJ apareciam mais claramen- 2002, enquanto participantes do Instituto Cidada-

espeito da gênese do pensamento ener te as filiações intelectuais, a circulação nacional- nia, elaboraram a proposta setorial de energia para internacional, a formação de grupos distintos, a o Partido dos Trabalhadores. Além dos professo- res Luiz Pinguelli Rosa, Maurício Tolmasquim, Ildo importância das gerações, as articulações de pes- Sauer, participaram do grupo de trabalho os pro- quisa envolvendo projetos que mobilizam grandes fessores Célio Bermann e Carlos Vainer, o enge- quantidades de recursos, financiados por empre- nheiro da empresa Furnas, Roberto D’Araujo, e a sas públicas e por órgãos internacionais; no PIPGE- atual ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff. USP, pelo menos à primeira vista, destacam-se mais figuras intelectuais individuais, que tem ocupado Apresentando inicialmente uma proposta coesa, historicamente posições de mando nos governos muito rapidamente começaram a aflorar diferen-

Especialistas e militantes: um estudo a r estadual e federal, dentre as quais: o seu criador, ças, sejam resultantes de processos anteriores de pertencimento, se- Professor Luiz Pinguelli Rosa, para o sistema brasi- jam por efeito das Antônio Cruz/ABr leiro. Trabalhou du- novas alianças e con- rante 26 anos em veniências políticas. Furnas, a maior em- Nesse sentido, pare- presa pública volta- ce-me relevante de- da para a geração e talhar mais precisa- transmissão de ener- mente quem são as gia elétrica. Aposen- pessoas hoje formal- ta-se no momento mente responsáveis em que começam a pela política energé- correr ameaças de tica, a partir de suas privatização da em- trajetórias e das ins- presa, passando a tituições de origem. dedicar-se à criação e liderança do Insti- O engenheiro civil tuto ILUMINA, de Ildo Sauer coorde- onde se afasta a fim nava a pós-graduação em Energia da USP em 2002, de integrar os quadros dirigentes da Eletrobrás no quando liderou a formulação do programa de governo Lula, em 2003. Energia do candidato José Genoíno ao governo de SP; foi em seguida designado para a Diretoria O professor Luiz Pinguelli Rosa, já menciona- de Gás e Energia da Petrobrás. Havia cursado o do, foi por várias vezes Diretor da COPPE/UFRJ, mestrado em engenharia nuclear e planejamento é oficial reformado da Marinha, e havia se for- energético na UFRJ (1985) e concluiu o doutora- mado em Física e concluído seu doutorado na II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte do no Massachusetts Institute of Technology em PUC na área de Física Nuclear. A discussão da 1991, com uma tese sobre o desenvolvimento de questão nuclear na época da construção das usi- 153 metodologia para geração de combustível nucle- nas de Angra I e II lhe propiciou notoriedade ar. Ao regressar ao Brasil, trabalhou para o Minis- no Rio de Janeiro. tério da Marinha no desenvolvimento do circuito Nos anos noventa, seu campo de pesquisa se am- primário do reator nuclear e em 1992 ingressou

plia para as questões ambientais, sendo um dos pi- no (2002-2005) T na USP como professor do IEE. oneiros do estudo da emissão de gases de represas O arquiteto Célio Bermann, com mestrado em de hidrelétricas que produzem efeito estufa e um Planejamento Urbano e Regional no IPPUR/ dos primeiros a apresentar críticas bem fundamen- UFRJ, havia concluído em 1991 seu doutorado na tadas do programa de privatização do setor elétri- Unicamp pesquisando aspectos estratégicos dos

co. Nas eleições de 2002, era cotado para Ministro gético no atual gover investimentos em hidrelétricas no Brasil, especial- no governo Lula, mas acabou sendo designado pre- mente as relações entre tais investimentos e as sidente da Eletrobrás, cargo que exerceu até abril demandas das empresas grandes consumidoras de 2004, quando foi exonerado para acomodar in- (chamadas de eletro-intensivas) que aqui vieram teresses de alianças partidárias, voltando para a se localizar. Entrou como professor no IEE/USP UFRJ. Em junho, as divergências até então enco- em 1992, e desde as eleições de 1994, colaborou bertas foram explicitadas em entrevista concedida na elaboração dos Programas de energia do PT; pelo físico à Folha de São Paulo, e novamente rea- em meados de 2003, foi convidado para assessorar firmadas em palestra na reunião da SBPC (Socie- o secretário executivo Mauricio Tolmasquim, no dade Brasileira para o Progresso da Ciência) em

MME, especificamente nas relações com a área am- Cuiabá. Sua crítica principal diz respeito à falta de espeito da gênese do pensamento ener biental e com os atingidos de barragens, perma- autonomia e de investimentos da Eletrobrás, que necendo por apenas um ano na função. deveria estar à frente do setor, em vez de aguardar investimentos de setores privados. O engenheiro Roberto d’Araújo, um dos entrevis- tados, é quem explicita com maior clareza como Logo depois de haver sido destituído da presidên- deveria funcionar o sistema elétrico interligado. cia da Eletrobrás, o professor Pinguelli estava sen- Sua proposta tem relação direta com a trajetória do mencionado para ocupar a presidência da de engenheiro eletricista, formado na PUC-RJ, com Empresa de Pesquisas Energéticas (conforme pós-graduação no Canadá, país, segundo ele, cuja www.setorialnews.com.br, 18.07.2004), cuja criação foi 12 matriz de predominância hidrelétrica serve de guia prevista pela lei 10.847/2004 . Especialistas e militantes: um estudo a r O professor Maurício Tolmasquim foi designado energia elétrica. Alguns deles se aliaram aos profes- no governo Lula para o importante cargo de se- sores da UFRJ já mencionados e a outros persona- cretário-executivo do Ministério de Minas e Ener- gens relevantes da vida pública brasileira, como gia. Tendo dupla formação em engenharia e eco- Herbert de Souza, o Betinho13, e Alexandre Barbo- nomia, trabalhou na agência financeira federal sa Lima Sobrinho14. Destes partiu a sugestão de cri- FINEP, realizou seu mestrado na COPPE e douto- ação de uma entidade como o ILUMINA, segundo rado na EHESS, já mencionada, percorrendo tra- um dos nossos entrevistados. Naquele momento de jetória similar à do professor Emílio La Rovere, privatização das empresas do setor elétrico, seria um um dos nossos entrevistados. Ingressou no Progra- espaço de debates que contasse com a contribui- ma de Planejamento energético da COPPE como ção de técnicos – com grande peso dos engenhei- professor em 1994, tendo publicado vários estu- ros eletricistas de Furnas que, insatisfeitos com a dos a respeito da “matriz energética brasileira”. política da empresa, passaram a pedir sua aposen- 15 A economista Dilma Rousseff seria a “mais políti- tadoria . Alguns desses engenheiros recém-aposen- ca” entre essas figuras destacadas do setor energé- tados passaram a dedicar seu tempo a instituições tico do governo Lula. Já havia sido secretária da profissionais que exercem também papel político fazenda de Porto Alegre (1986–1988), e no gover- de grande influência na vida do país16. no estadual gaúcho, foi presidente da Fundação Neste ambiente, em 1996, foi criado o ILUMINA, de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul uma entidade civil, que surge com uma proposta (1991–1993), Secretária de Energia, Minas e Co- de democratização da política energética, e logo municações (1993-1994 e 1999-2002). Antiga mili- se destaca por posições contra a privatização do tante de movimentos contra a ditadura, foi filiada setor, ou por uma privatização que traga menores ao Partido Democrático Trabalhista, migrando pos- prejuízos para o Estado e a população brasileira. teriormente para o Partido dos Trabalhadores.

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte Discussões importantes foram travadas na impren- sa e no âmbito do Congresso Nacional sobre as 154 d) nas empresas estatais de eletricidade e no Insti- tarifas de energia elétrica, o valor do patrimônio tuto ILUMINA das empresas e sobre a ampliação do acesso à ener- gia elétrica. Alguns técnicos e dirigentes de empresas do setor elétrico, com destaque a Eletrobrás e seu centro Um dos entrevistados relata que, na época do raci-

no (2002-2005)de T pesquisas o CEPEL (Centro de Pesquisas de onamento, o “pessoal descobriu o ILUMINA” e que, Energia Elétrica) desempenham igualmente papel naquele momento, a página da instituição na importante na produção de um pensamento con- internet chegou a ter 1.500 acessos por dia, fato esse solidado referente ao planejamento energético – que confere à organização igualmente uma certa preocupação que nasceu em instâncias da Eletro- notoriedade enquanto órgão de utilidade pública. brás que congregavam no passado técnicos de to-

gético no atual gover das as regiões, como a Comissão Central de Plane- Logo no início de sua administração na Eletrobrás, jamento Setorial e o Grupo Coordenador da Ope- o presidente Pinguelli, auxiliado pelos engenhei- ração Interligada. ros vindos do ILUMINA, Roberto d’Araújo e José Drummond Saraiva, criou no âmbito da Eletrobrás Cabe ainda ressaltar que, no Rio de Janeiro, ou- o grupo de estudos Gênese (Grupo de estudos para tras instituições foram fundamentais na geração e a nova estruturação do setor elétrico), com o ob- manutenção de discussões a respeito do papel das jetivo de trabalhar articuladamente com o Minis- empresas estatais e da atuação dos técnicos volta- tério de Minas e Energia no diagnóstico e propo- dos para o interesse público, ou melhor dizendo, sição de subsídios para mudanças de modelo e incentivaram a politização dos engenheiros e téc- medidas emergenciais. espeito da gênese do pensamento ener nicos. Trata-se das associações de engenheiros e empregados das estatais/empresas públicas e do A saída de Pinguelli da presidência da Eletrobrás Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de um ano e meio depois de nomeado poderia sugerir Janeiro, que funcionou, durante anos, como um uma inflexão na política energética, no entanto seus grande guarda-chuva para essas associações. auxiliares Roberto d’Araújo e José Drummond Sa- raiva lá permanecem; mantendo-se igualmente o A maioria dos técnicos de Furnas, Eletrobrás e de contrato de assessoria com Carlos Vainer, professor outras organizações do setor vivenciou a perda de do IPPUR/UFRJ e assessor do MAB. perspectivas dentro das empresas onde trabalhava, resultante do que via como destruição da capacida- O sucessor de Pinguelli na Eletrobrás, Silas 17 Especialistas e militantes: um estudo a r de técnica e de planejamento do setor público de Rondeau Cavalcante Silva , engenheiro eletricista com especialização em administração de empresas, quantidades elevadas de energia, usualmente ge- é quadro de carreira do setor elétrico. Atuou du- rada por termelétricas da empresa, que alimentam rante mais de quinze anos na CEMAR (Companhia suas refinarias e plataformas de produção. Mas a de Eletricidade do Maranhão), participou do con- sua participação em projetos de usinas selho de administração de diversas empresas elé- termelétricas e na discussão do planejamento da tricas, foi presidente da Manaus Energia (AM) e energia elétrica é recente e, no interior da empre- da Boa Vista Energia (RR); e entre 1995 e 2000 sa, sujeita a críticas. Neste quadro, segundo repor- ocupou cargos na direção da Eletronorte. Confor- tam integrantes da Diretoria de Gás e Energia, o me foi noticiado pela imprensa à época de sua no- órgão a que pertencem é visto como corpo estra- meação, a ascensão ao cargo resultou de acordo nho pelos técnicos e dirigentes voltados para a entre o governo e o PMDB, com o objetivo de gran- produção de petróleo. Embora, no projeto do ga- jear o apoio deste partido que, em troca, obteria soduto Bolívia-Brasil já estivesse prevista, desde alguns cargos-chave. A presidência da Eletrobrás 1996, a “ancoragem” de várias usinas termelétricas foi preenchida por indicação do ex-presidente da para viabilizar o consumo do gás importado, a pri- República e senador José Sarney, do PMDB do meira incursão da empresa no setor se tornou Amapá, cujo grupo político é dominante no Mara- pública quando esta é instada a tornar-se parceira nhão, tendo igualmente grande influência em toda de capitais estrangeiros no Programa Prioritário a região Norte.18 Rondeau conhece os problemas de Termelétricas (PPT, lançado no ano 2000 pelo da região e certamente é pessoa que integra o pen- então ministro Rodolfo Tourinho). samento Eletronorte a favor da construção de hi- Esse programa garantia aos empresários dispostos drelétricas na Amazônia, como forma de desenvol- a investir na construção de termelétricas, o preço 19 vimento local . subsidiado de gás natural nacional, a manutenção

Em relação ao caso em análise, a Eletronorte, em- do câmbio para o gás importado, e a compra pela II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte presa estatal criada em 197320, tem, através de seus Eletrobrás de toda a energia produzida por essas administradores e técnicos, desempenhado papel usinas, isso, mesmo quando as hidrelétricas esti- 155 relevante tanto em articulações políticas locais e vessem operando sem problemas. Poucas usinas nacionais, sempre no sentido de promover a cons- das 49 termelétricas projetadas foram construídas, trução de barragens na região – para o que fazem e várias têm a Petrobrás como sócia importante coro outros órgãos locais como o CREA- PA – quan- (p.ex. as usinas Três Lagoas, MS, Canoas, RS, Ibiri- to nas relações com as populações locais, freqüen- té, MG, e outras na Bahia, no Ceará, no RJ). no (2002-2005) T temente personalizadas. Cita-se a exemplo disto, Com a crise de oferta de eletricidade em 2001, a o caso do ex-presidente da empresa José Antônio Presidência da República criara uma instância iné- Muniz Lopes, cuja imagem, associada à da índia dita no país: a Câmara de Gestão da Crise de Ener- Tuíra roçando com o facão o seu rosto, foi gia comandada pelo então ministro-chefe da Casa

gético no atual gover divulgada internacionalmente em 1989, quando, Civil, Pedro Parente, - a qual por sua vez elaborou na qualidade de diretor de planejamento e enge- iniciativas que se tornaram Medidas Provisórias bas- nharia, representava a empresa no Encontro dos tante controvertidas, dentre as quais um “encargo Povos Indígenas para discutir os projetos das usi- de capacidade emergencial” que onera até hoje as nas de Kararaô (atual Belo Monte) e Babaquara. contas mensais de eletricidade. O professor Ildo Se o resultado imediato do encontro representou Sauer da USP tornou-se o principal crítico destas a impossibilidade política de implantação do pro- medidas, tendo sofrido represálias jurídicas da par- jeto na época, Muniz Lopes, após trabalhar um te do então governo federal. No início do governo período na CHESF, volta para a Eletronorte na Lula, a nova Diretoria de Gás e Energia da Petrobrás posição de presidente da estatal em 1996, dedi- foi preenchida exatamente pelo professor Sauer. espeito da gênese do pensamento ener cando desde então todos os seus esforços na viabilização das usinas hidrelétricas no Xingu. A Ildo Sauer e sua equipe estariam entendendo os consecução do projeto de Belo Monte transfor- investimentos em gás e energia elétrica como for- mou-se, para ele, a partir do evento de 1989, em mas estratégicas de preparar a empresa para o fu- uma questão pessoal.21 turo. Conforme conversa mantida com um dos integrantes dessa diretoria, eles se sentem um tan- to “outsiders”, uma vez que os quadros e técnicos e) na PETROBRÁS da empresa costumam reagir contra os que são “de Para concretizar sua atividade-fim de extrair pe- fora”. Também, segundo o meu interlocutor, não

tróleo e de fabricar derivados, a Petrobrás utiliza vêem com bons olhos a expansão da produção e Especialistas e militantes: um estudo a r do consumo de gás natural, meta que se afastaria Embora os técnicos no governo se apresentem do objetivo histórico da empresa: a produção de como constituindo um bloco, não são poucas as derivados no país e a autonomia em relação à im- diferenças de percepção sobre como deve funcio- portação de petróleo e de derivados. nar o setor elétrico no Brasil. Essas diferentes vi- sões variam em função de uma multiplicidade de Alocar recursos para projetos na área do gás e da fatores - trajetórias (acadêmica e política), inser- eletricidade seria visto então como um desvio de ções institucionais, capitais sociais, relações perso- recursos destinados ao petróleo, como, por exem- nalizadas – que contribuem para a produção de plo, o investimento na construção de gasodutos diversas avaliações das ordens técnica, econômica na Amazônia e a participação na implantação de e ideológica. Apesar das diferentes abordagens, os usina térmica em Manaus, ações essas que gera- temas discutidos pouco variam: desenvolvimento, ram resistências no interior da empresa. democratização do acesso à energia elétrica, po- der de controle sobre o sistema, bem como outras Idealizações e a práticas destas decorrentes: formação de demanda e con- Observa-se que o setor de produção de energia sumo, “apagão”, relação público x privado, custos. elétrica se destaca pela sua organização, construí- Por uma questão de método, antes de debater as da ao longo do tempo, tanto em grupos de estudo posições que giram em torno desses temas, pare- e trabalho no interior das empresas públicas, quan- ce-me oportuno mostrar como esses diferentes per- to em diversas instituições associativas de engenha- sonagens pensam o que denominam “sistema elé- ria ou de interesse público como o ILUMINA. É a trico brasileiro”. Apresentarei aqui uma síntese bas- existência dessas instituições na longa duração que tante esquemática, no entanto, informações deta- tem permitido que a constituição de correntes de lhadas a esse respeito podem ser encontradas no pensamento, por vezes opostas e que podemos

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte livro SAUER, PINGUELLI et.al., 2003 e nas diver- entender como diferentes posições num mesmo sas entrevistas ou matérias assinada que circulam campo (espaço social de disputa pela posição do- 156 na internet. minante), que se expressam com freqüência atra- vés dos mesmos temas, assuntos e categorias – ou Segundo Roberto d’Araújo, dirigente da Eletrobrás, seja, há uma linguagem comum aos personagens o Brasil desfruta de uma característica única no que ocupam diferentes posições no campo. mundo: possui um monopólio natural de energia,

no (2002-2005) T

Presidente Lula visita obras da duplicação da Tucuruí, Ricardo Stuckert/PR

gético no atual gover

espeito da gênese do pensamento ener

Especialistas e militantes: um estudo a r constituído pela importante e variada rede hidro- O autor ressalta, ainda, a necessidade de resgatar lógica, tendo portanto a possibilidade de formar o caráter público e essencial do serviço (op. cit., reservatórios amplos e produzir grandes quantida- 2003, p. 99 – 100), chamando a atenção para a des de energia22. “volatilidade” do sistema hidrelétrico brasileiro, com grande variabilidade de regime dos cursos Além disto, de acordo com o técnico, extensa ma- d’água, o que implica fornecimento pouco está- lha de linhas de transmissão de alta voltagem já vel de eletricidade. Por esse motivo, ele também funciona em grande parte do território brasileiro, prevê um sistema interligado nacional, mas onde sendo que a execução dos projetos de construção possam coexistir diferentes formas de geração de de usinas nos rios Xingu e Madeira permitiria “fe- eletricidade. char” completamente esse Sistema Interligado, aten- dendo com ele a todos os Estados. Desta forma, O especialista entrevistado na Diretoria de Energia por exemplo, Amazonas e Rondônia, cuja eletrici- e Gás da Petrobrás desce do patamar do ideal para dade é majoritariamente de origem térmica, pas- algumas questões mais concretas. Considera que as sariam a ser supridos por energia elétrica térmicas são caras e não competitivas com as hidre- transferida de outras regiões, uma energia gerada létricas, em virtude do custo dos combustíveis, além por um conjunto de grandes centrais, uma eletri- dos graves problemas de poluição que venham a cidade mais estável segundo o entrevistado 23. Na causar. No entanto, prevê, que se houver investimen- sua opinião, resultariam benefícios para o desen- tos e interesse político na expansão do gás, as tér- volvimento local. micas a gás poderiam ser uma solução complemen- tar interessante. Investimentos na prospecção de gás Coloca, ainda, que para baratear os custos, esse em Urucu (Amazonas) e na Bacia de Santos pode- sistema deveria ser controlado por uma única riam fazer cair o preço do combustível, atualmente empresa. Reconhece que, no passado, foram co- importando em grande parte da Bolívia e pago em

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte metidos grandes erros, como em Itaparica e Tucu- dólares. Naturalmente essa não aparece como uma ruí, mas que, com o sistema interligado funcionan- solução de curto prazo. Coloca-se a favor da capta- 157 do, seria possível operar com grandes potências ção de recursos e do incentivo a investimentos in- instaladas em usinas com reservatórios menores, ternacionais, da oferta de energia estável, em gran- transferindo imediatamente para outras regiões a de quantidade e barata. energia gerada pelas turbinas, ao invés de armaze- Vejamos algumas variações desses pontos de vista nar grandes quantidades de água. As usinas térmi- no (2002-2005) T cas e nucleares não seriam para o engenheiro uma aparentemente coesos. O Professor La Rovere, da boa solução em virtude de seu alto custo e da po- UFRJ, por mim entrevistado, diz que o futuro do luição decorrente das primeiras. Conforme as pu- sistema elétrico dependerá muito de questões po- blicações citadas ao final, essa parece ser de forma líticas e de como o mercado irá reagir. Considera que a capacidade de investimento do Estado está

geral, a mesma opinião do professor Pinguelli e gético no atual gover de outros aqui mencionados. extremamente limitada e que haveria necessida- de, portanto, de se contar com o aporte financei- Em sua proposta de “planejamento da expansão”, ro privado para os grandes trabalhos de infra-es- o professor Sauer e seus colaboradores, em seu li- trutura, assim como aconteceu em outras partes vro, preconizam a formação de um comitê coor- do mundo. Em princípio, vê a possibilidade de denador24, o qual seria constituído a partir do mu- utilizar diferentes formas de geração, mas acredi- nicípio, passando pelas concessionárias, indo até ta que o sistema resultante dependa do mercado. o nível nacional. O comitê atuaria considerando Relata o entrevistado que há diferenças de visão as expectativas energéticas e as diferentes possibi- no programa de planejamento energético, ou “gru- lidades, e realizaria os estudos que possibilitassem

po” da COPPE: por exemplo, por um lado, o pro- espeito da gênese do pensamento ener “o ordenamento dos projetos de geração hidrelé- fessor Pinguelli, vê como indispensável o controle trica, termelétrica ou alternativos, como blocos de único pelo Estado, e por outro, alguns de seus co-geração, conservação e de linhas de transmis- antigos alunos como Danilo Dias, Adriano Pires são”. Além disso, SAUER prevê que o plano de Rodrigues e Rafael Schechtman, teriam uma visão expansão seja submetido à “contestabilidade públi- mais aderente à “dos mercados” e estariam criti- ca, para que atores como empresas, universidades, movi- cando publicamente a nova proposta do Ministé- mentos ambientais, e outros interessados em oferecer al- rio de Minas e Energia para o setor elétrico, dos ternativas tenham ainda oportunidade de se manifestar quais o professor Maurício Tolmasquim é um dos sobre a precisão da previsão de demanda ou se restam principais articuladores. Relembrou que outra di-

possibilidades não consideradas”(op. cit, 2003, p.98). mensão importante, a questão do meio ambiente Especialistas e militantes: um estudo a r 27 é considerada atualmente Maurício Tolmasquim, Secretário Executivo MME, pelos jornais , a Ministra como o grande “guarda-chu- Antônio Cruz/ABr Dilma Rousseff participou em va” acadêmico do programa Bonn, na Alemanha, da Con- de pós-graduação, e tratada ferência Internacional de Ener- como um tema transversal a gias Renováveis, enquanto re- todas as políticas energéticas. presentante do Brasil e tam- bém porta-voz do restante da O professor Tolmasquim se América Latina e do Caribe. mostra igualmente partidário das hidrelétricas25 e sua preo- Pretendia-se naquele fórum cupação, em artigo publicado firmar um compromisso inter- em 2001, volta-se para a viabi- nacional a favor das “energias lidade dos investimentos, uma limpas”. Estava em jogo o vez que a especificidade do sis- direcionamento de financia- tema elétrico apresenta riscos, mentos do Banco Mundial e ou seja, dependendo da de- do Banco Interamericano de manda e oferta de energia, os Desenvolvimento para “no- preços podem variar muito, vos” modos de geração elétri- penalizando em uma situação ca. Na reunião, houve debates os consumidores, na outra os acirrados, e disputas em torno investidores. Ao concluir, afir- da definição do que seriam ma que “se é dessa maneira que energias renováveis. os investimentos ocorrerão no fu- turo, os consumidores estariam, Por um lado, colocava-se a po- enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte indiscutivelmente, melhor sob o antigo regime das empre- sição que incluía como renováveis as hidrelétricas sas estatais brasileiras, as quais tinham a obrigação de de menor porte (menos de 10 MW e reservatórios 158 2 servir aos consumidores, e não aos acionistas de um ou- de até 3 milhões de m ), as fontes eólicas, solar e de tro continente”. biomassa. Por outro a posição dos governos do Bra- sil, da China e de alguns países da África (que ain- Durante a fase de elaboração das leis 10.847 e da contam com potencial hidráulico não utilizado) 10.848, o professor na condição de secretário-exe- insistia na inclusão de toda e qualquer hidroelétri-

no (2002-2005) T cutivo do MME, apresentou um sistema de remu- ca sob a legenda de “energias renováveis”. neração das concessionárias vinculado ao prazo de contrato que pode ser assim traduzido: mais curto A segunda posição acabou prevalecendo, apesar o prazo, maior a possibilidade de lucro mas tam- dos protestos e críticas de representantes de vári- bém maior seria o risco, e quanto mais longo, as organizações não governamentais que defendi- gético no atual gover maior segurança, com taxas de lucro menores. am a apresentação e ampliação de programas de 28 Além da empresa de planejamento e pesquisa já incentivo às fontes não convencionais . Embora mencionada, EPE, foram também criados em 2004, reconhecendo a Ministra que “não se podem ig- a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, norar” os danos ambientais e sociais causados por um órgão centralizado e sujeito a um marco grandes hidrelétricas, acrescenta que podem ser regulatório26 e, pelo decreto no. 5.175, mais um mitigados na execução dos projetos, o que a leva a novo órgão, o Comitê de Monitoramento do Se- concluir que: “Como se vê, o Brasil busca explorar to- tor Elétrico, “com o objetivo de avaliar permanentemente dos os seus recursos naturais de forma sustentável e a continuidade e a segurança do suprimento energético priorizando a eficiência energética”. E, a justificativa para a continuidade da construção de grandes hi- em todo o território nacional”. espeito da gênese do pensamento ener drelétricas estaria, segundo a Ministra nos “milhões de brasileiros que ainda vivem à luz de velas”. Conferência de Bonn, 2004: um exercício O que ocorreu na Conferência pode ser configu- de prestidigitação em torno das “energias rado como um caso de violência simbólica – a renováveis” manipulação de conjuntos lógicos ou associações Dentre alguns eventos recentes que permitem iden- de idéias - aqueles que tem direito à palavra privi- tificar com maior clareza as atuais tendências legiada manipulam os conjuntos, a fim de defen- hegemônicas do setor elétrico (quem ocupa e qual der os interesses que representam, no caso, obter é a posição dominante), vale destacar o seguinte: em o financiamento de bancos internacionais para a

Especialistas e militantes: um estudo a r junho passado, conforme amplamente anunciado construção de grandes usinas hidrelétricas. No entanto, a existência Dilma Rousseff, Ministra de Minas e Energia, energético, do pon- de uma agenda am- Wilson Dias, ABr to de vista dos atu- biental de ampla ais dirigentes do aceitação internaci- Ministério das Mi- onal impõe aos ban- nas e Energia, in- cos políticas que de- clui elementos e in- mandem, dos finan- teresses que lhe são ciados, a adesão a externos. Nessa li- uma agenda ambi- nha, no Encontro entalista. Compre- de Negócios e ende-se então a ope- Energia, Tolmas- ração realizada pela quin reafirma que ministra. Se, no iní- as pendências no li- cio da conferência, cenciamento deve- havia consenso em rão ser rapidamen- torno dos efeitos so- te resolvidas30 e ciais e ambientais mostrou entusias- negativos causados pelas grandes hidrelétricas, as- mo no que chamou de “nova onda de investi- sociando as grandes usinas à energia renovável, mentos do setor”, a começar em breve. estas passam a integrar outro pólo de associações de pensamento. Produz-se, então, através desse des- Como os especialistas constroem a equa- locamento, um conjunto de novas associações ló- ção: desenvolvimento = energia elétrica gicas, cujos efeitos não são necessariamente pla- nejados, mas podem vir a ampliar-se em função Nos diferentes textos consultados e entrevistas re- II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte alizadas, a motivação ou justificativa de base para de diferentes fatores (imprensa, reorientação de 159 políticas energéticas, elaboração de literatura téc- expandir a geração de energia é o “desenvolvimen- nica, por exemplo): Hidrelétricas = energia renovável to”. Esta categoria mostra-se extremamente pro- = energia limpa = desenvolvimento sustentável. blemática, tanto em virtude dos múltiplos signifi- cados que lhes são atribuídos, quanto pela gene- Acontecimentos que sucederam a Conferência ralidade que lhe é conferida. Pretendo dizer, com são bastante esclarecedores dos significados da isso, que os objetivos invocados em nome do de- no (2002-2005) T orientação adotada pelo governo no evento. Logo senvolvimento pouco tem a ver com as necessida- após o Congresso de Bonn, a Ministra Roussef des das pessoas de carne e osso, tanto localmente, reclamou da falta de celeridade no licenciamen- quanto extra-localmente. to ambiental de 21 das 54 usinas licitadas pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) Pode ser também interessante traçar um paralelo gético no atual gover entre 1999 e 200229. A esse mesmo respeito, em entre os grandes projetos dos anos 70 e a atual uma reunião em São Paulo, o Secretário proposta de eletrificação acelerada, que propicia- Tolmasquim declarou que não há no momento ria a expansão do parque industrial voltado para a possibilidade de um novo “apagão”, desde que exportação, sem que tenha sido explicitada a in- transcorra normalmente a construção de novas tenção clara de investir em programas específicos usinas num total de 5 mil Megawatts. que visem a obtenção de melhores condições de vida para as populações locais. Por outro lado, o diretor de projetos da Eletro- Conforme discursos dos técnicos, a própria implan- brás, Aloísio Vasconcelos, em participação no

tação das hidrelétricas teria o efeito indutor de espeito da gênese do pensamento ener “Fórum continuado de energia” no Clube de En- mudar as realidades locais, que, de modo geral, a genharia do Rio de Janeiro, declarou que o país seu ver, se caracterizam por atraso e miséria. Deve- não corre o menor risco de “apagão”, pelo menos se considerar que alguns dos entrevistados man- até 2008. Com base na “realidade do sistema elé- têm relações com dirigentes do MAB (Movimento trico brasileiro”, afirmou que o país possui atual- dos Atingidos por Barragens), inclusive compro- mente 5 mil MW de reservas sem demanda e ain- missos de campanha; no entanto, uma coisa é a da 3,3 mil MW de capacidade a instalar no âmbito relação política com diretores do movimento, que do PROINFA. estão investidos de legitimidade, e outra bem dife- Esse tipo de divergência mostra, conforme será rente é a relação dos técnicos com as populações

detalhado mais adiante, que o planejamento locais e seus problemas concretos. Especialistas e militantes: um estudo a r Vivemos hoje um outro momento histórico e políti- demonstram preocupação porque o consumo co, quando existem instituições democráticas funci- residencial ainda não voltou aos níveis anteriores onando - como, por exemplo, o Ministério Público, à “fase do apagão” e a demanda continua baixa que tem desempenhado um papel de grande rele- em relação à quantidade de energia que as em- vância – numa sociedade livre para se organizar, presas dispõem para ofertar e vender. entidades de defesa dos direitos dos cidadãos, e um Grande número de pessoas aprendeu não apenas governo pelo menos em princípio mais disposto ao como poupar energia numa situação de crise, mas diálogo do que qualquer outro anteriormente. também, como pagar contas mais baixas e liberar No entanto, toda a preocupação visível nos pro- recursos para outros tipos de consumo. nunciamentos dos representantes do governo com o licenciamento de mais de meia centena de pro- O dissenso em torno dos eletro-intensivos jetos de usinas mostra que suas “reclamações” se aproximam das do setor privado, e, pelo menos O segundo tipo de “desenvolvimento” segue a cha- por enquanto, o poder público não tem demons- mada lógica do mercado ou seja trazer investimen- trado a intenção de manter um compromisso cla- tos de qualquer espécie para o país, seja na fase de ro e específico em relação àqueles que sofreriam construção das UHEs, seja posteriormente, o que perturbações decorrentes das obras. implica atrair recursos através de oferta de ener- gia elétrica abundante, estável e barata. O que está Cabe a esse respeito lembrar a literatura voltada em jogo, aí, são as fábricas eletro-intensivas33, que para os efeitos sociais das grandes hidrelétricas, constituem o verdadeiro divisor de águas entre produzida no final dos anos 80, em particular, pela as duas posições. Ou como expressou um dos equipe do Museu Nacional, coordenada pela pro- entrevistados: fessora Lygia Sigaud, que analisa a complexidade “Essa questão de exportação dos eletro-intensivos sempre foi uma si- enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte e especificidade de cada caso mostrando a partir tuação controversa. Se você abre mão, tem efeitos na própria econo- de material empírico, que em diferentes situações mia do país. A própria Albrás e Alcan34 trouxeram muito dinheiro. 160 concretas, os efeitos esperados podem ser modifi- Se não se permitisse aquilo lá, esses recursos não entrariam. Eles cados em vários graus e modos.31 colocaram dinheiro muito alto, tanto é que eles estão participando de todas as licitações de hidroelétricas na região.” Nas entrevistas realizadas e no material analisado detectei dois tipos distintos de concepções de de- O especialista entrevistado expressa ainda a neces- sidade de existência de energia abundante e bara- no (2002-2005)senvolvimento T que, no atual governo, estarão per- manentemente em contraposição e disputa pela ta, de forma a que possa servir de atrativo para 35 hegemonia, podendo resultar em posicionamentos investimentos estrangeiros no país. que pendem ora para um lado ora para outro. Outro dos entrevistados, partidário do “primeiro Um dos tipos preconizados prevê um desenvolvi- tipo” de desenvolvimento aqui mencionado, ex- gético no atual gover mento voltado para a população, para a elevação pôs a divergência: “O Brasil está se tornando uma da renda e produção de bens para o consumo in- espécie de exportador de recursos naturais e recebendo terno. A avaliação dos especialistas, que se agre- muito pouco por isso”. De fato, Bermann (2004) não apenas confirma isso, como quantifica a relação gam em torno dessa posição, apontam o baixo produção para o mercado interno/exportações consumo domiciliar32 como sinal de pobreza, sen- e traduz a produção exportada em um equivalen- do que o desenvolvimento seria medido pelo au- te de energia elétrica exportada. Em valores do mento do consumo, e em particular pelo aumen- ano de 2000, o setor alumínio exportou 71,4% to de consumo de energia elétrica. Dessa forma, da sua produção equivalendo a 14,2 milhões de consideram que mesmo o “desenvolvimento eco- MWh, o de ferro-ligas 51,5% equivalendo a 3,3 nômico voltado para o social” requer a contínua espeito da gênese do pensamento ener milhões de MWh, o de siderurgia 34,5% da tone- expansão do sistema elétrico. lagem de aço produzida, equivalendo a 5,3 mi- A esse respeito, parece-me oportuno observar que lhões de MWh. Vale sublinhar, que somando ape- os comportamentos de consumo das pessoas podem nas a fração exportada destes três processos in- variar intensamente e que os resultados não são ime- dustriais chega-se a quase 8% de todo o consumo diatamente previsíveis: alguns, por exemplo, podem nacional de eletricidade. deslocar recursos de um produto para outro, outros Os dois tipos de desenvolvimento implicam propos- induzidos a adotar novos padrões de consumo. tas bem diferentes de planejamento energético: no O caso atual do consumo residencial de energia primeiro, o investimento em novas usinas poderia

Especialistas e militantes: um estudo a r elétrica ilustra bem esse caso: setores do governo ser bastante modesto enquanto que o investimento principal seria feito em linhas de transmissão, Quanto ao PROINFA, este tem por objetivo a di- subestações e distribuição, na melhoria de eficiência versificação da “matriz energética” brasileira. É dos usos finais de eletricidade e visaria principalmen- voltado para a “busca de soluções de cunho regio- te a universalização do consumo e ramos da produ- nal” e inclui pequenas centrais hidrelétricas, ener- ção econômica que não sejam eletro-intensivos. gia solar, energia eólica e projetos promissores de uso de biomassa (utilização de resíduos agro-in- A segunda tendência prevê investimentos maciços dustriais, bagaço, serragem, para produção de ele- na construção de grandes e médias usinas, enquan- to que os custos de transmissão e distribuição seri- tricidade, e utilização de óleos vegetais como com- am relativamente baixos, uma vez que as linhas de bustíveis complementares do óleo diesel). transmissão seriam dirigidas para os principais O resultado da concorrência pública para o for- pontos de consumo, incluindo-se aí fábricas eletro- necimento de eletricidade obtida a partir de tais intensivas cuja localização pode ser decidida de fontes de energia acaba de sair e é a primeira vez modo que as linhas de transmissão sejam mais cur- que o governo inclui as chamadas energias alter- tas e de uso exclusivo. nativas na matriz energética, embora a Eletrobrás tivesse tradição de pesquisa acumulada com essas Os programas de eletrificação popular áreas. Os números do programa são também ex- pressivos: 3.300 MW com início previsto para 2006 Com o intuito de melhor contextualizar a questão (contra 5.000 MW a serem gerados por 51 novas energética mais geral, importa entender o significa- grandes UHEs). Apesar do importante aporte de do de dois programas que vêm sendo conduzidos energia que esses programas podem trazer, os es- sob a coordenação da Eletrobrás: o “Luz para to- pecialistas do setor não consideram as contribui- dos” e o PROINFA. O primeiro quantificado na ções dessas fontes como relevantes para o sistema. incorporação, até 2008, de 12 milhões de pessoas a serem atendidas, parece constituir-se em passo Com relação a isso, d’Araújo deixa bem claro que II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte fundamental em direção à universalização do aten- “nem ventoinha, nem pequena central hidrelétrica, nem 161 dimento. Foi inaugurado ainda na gestão Pinguelli painel solar vão resolver o problema”. Na realidade, - pode-se dizer, simbolicamente em 2003, na loca- esses especialistas são unânimes em afirmar que lidade de Nazaré, no Município de Novo Santo An- os programas defendidos por ecologistas não po- tônio, no Piauí. dem impulsionar nem o desenvolvimento, como

Na opinião de Juhas e d’Araújo há problemas gra- eles o percebem, nem melhoria de renda da po- no (2002-2005) T ves subjacentes à proposta de universalização, a pulação. É oportuno lembrar, por outro lado, que começar pelo rendimento insuficiente e irregular existem financiamentos internacionais crescentes das famílias, ou seja, boa parte dos possíveis bene- para a instalação de equipamentos voltados para ficiados pelo programa não tem como pagar regu- as “energias renováveis”. 36 larmente as contas de luz . Pode-se considerar tam- Os defensores dos dois tipos de propostas de de- gético no atual gover bém que o programa tem como efeito um aumen- senvolvimento aqui descritas têm, no entanto algu- to geral de consumo, o que é da conveniência tan- mas crenças em comum: a) a necessidade de inves- to do conjunto de empresas interessadas na cons- tir maciçamente no aumento de oferta de energia; 37 trução de usinas , quando das distribuidoras lo- b) os efeitos ambientais e sociais podem ser “miti- cais de energia. gados” – quer dizer, não evitados, e representam o Conforme Juhas, a universalização tem sido obje- custo a ser pago pelo desenvolvimento. Conforme to de conflito, particularmente, em algumas áreas expressou Roberto d’Araújo: “Energia é gasto, estra- da Amazônia. De um lado estaria a Eletronorte, ga a natureza, tem sempre uma sujeirinha...; as energias

cujos dirigentes defendem a construção de barra- alternativas são caras, não estáveis e não reúnem condi- espeito da gênese do pensamento ener gens, mas consideram necessário que as comuni- ções para resolver os problemas energéticos do país”. dades locais recebam também energia. Por outro estaria o mercado (e também o MME) que não O tamanho do consumo: entre o fantasma compartilha desse ponto de vista, uma vez que as distâncias e o meio ambiente particular da Ama- do “apagão” e a crise de sobra de energia zônia são fatores de elevação de custos de infra- Fica claro nas reflexões feitas até aqui que previ- estrutura. Aparentemente o mercado nacional de sões de consumo de eletricidade estão relaciona- eletricidade, incluindo produtores de eletro-inten- das a representações de diferentes tipos de “de- sivos localizados no sudeste, parece não estar dis- senvolvimento”. Essas projeções são portanto me-

posto a arriscar esse tipo de investimento. ras abstrações que não levam em consideração, Especialistas e militantes: um estudo a r conforme se procurou mostrar, uma série de fato- As representações de “monopólio natural” res de origem histórica, social, e de padrões de na interseção entre o público e o privado comportamento. Com relação a isso, o professor Alguns dos especialistas que ocupam hoje posições La Rovere estabeleceu durante a entrevista uma importantes no setor elétrico são pessoas que em diferença nítida entre o papel dos cientistas soci- anos recentes se opuseram à privatização do setor. ais e o dos especialistas do setor energético. Hoje nenhum dos entrevistados pensa na possibi- A seu ver, o papel das ciências sociais é o de le- lidade de reverter o processo. No entanto, todos vantar questões, “fazer críticas”39; planejamento são muito críticos em relação à fragmentação do é um pouco uma interface: a engenharia só pen- setor elétrico, isto é, consideram o fracionamento sa no técnico, a economia só vê o lado econômi- do sistema – a separação da geração da transmis- co. O mais difícil é o compromisso de encontrar são licitando cada uma para grupos de empresas – soluções, comparando vantagens e desvantagens um grave erro que implicará em sua desfiguração, nas diferentes alternativas. “O grande problema é dificuldades de operação, falta de segurança e ele- esse: você não consegue fazer omelete sem quebrar al- vação dos custos como conseqüência da separação gum ovo”. do “monopólio natural”. Para controlar e coorde- nar o sistema, torna-se necessário, então, promo- Com o fim do monopólio estatal, onde todos e ver a criação de uma série de órgãos, com direto- qualquer um podem intervir, contanto que se res, superintendente, sede, que geram custos a atenham a algumas regras, passaram a ocupar serem embutidos na tarifa de energia elétrica. um espaço central os interesses dos agentes en- volvidos os quais competem entre si, e podem SAUER et al. (2003, p. 140) advertem contra os até inchar as avaliações técnicas de necessida- problemas e prejuízos que podem ser criados por des futuras do país em termos de energia. Tra- um sistema de “estado mínimo” baseado na

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte balha-se hoje com um agravante, que é a impo- hegemonia do mercado e preconizam que apenas sição de se criar demanda para garantir os lu- um sistema que se caracteriza por absoluta trans- 162 cros das várias empresas atuantes no setor, e ao parência, acesso e envolvimento dos usuários pode mesmo tempo, engrossar o fluxo de caixa para cumprir os objetivos de “universalização do aces- o governo. so e controle de qualidade de preços e tarifas”. Invoca-se, então a possibilidade próxima de “novo CARVALHO (SAUER et al., op. cit, p. 255), na

no (2002-2005)apagão”, T de forma a gerar focos de pressão e a discussão a respeito de público e privado, subli- obter a aprovação mais simples ou mais rápida nha que “os reservatórios hidrelétricos requerem gran- de financiamentos e de licenças para projetos. des investimentos a fundo perdido, em programas de re- Essa estratégia, de tentar manter a sociedade sob gularização de bacias hidrográficas, abastecimento de ameaça, é bastante conhecida, e muito antiga, e água potável, controle de enchentes, construção de 38 gético no atual gover pode ser muito eficaz , no nosso caso, avança ain- hidrovias, proteção da flora ribeirinha e da fauna da mais, deslocando a responsabilidade do apagão ictiológica, irrigação, etc. Embora indispensáveis para o sempre possível, sempre esperado para os ocu- desenvolvimento econômico equilibrado e para o bem-es- pantes das instâncias que têm se preocupado com tar da sociedade, esses investimentos são incompatíveis os problemas das populações e do meio ambien- com os propósitos de empreendedores privados”. Acres- te, como o Ministério Público e o Ministério do centa que a energia elétrica não é uma commodity, Meio Ambiente. mas um serviço público, e nesse sentido considera que as empresas privadas administram mal os ser- Enquanto isto, a realidade comporta outros fa- viços públicos de eletricidade. Em um país onde a tos, bem distintos. Algumas preocupações recen- hidreletricidade predomina, o planejamento inte- tes não são apenas relativas à escassez. Muito espeito da gênese do pensamento ener grado e operação centralizada são necessários, menos divulgada, desponta desde 2002, discreta- imprescindíveis. mente, a crise de sobra de energia para a qual também é necessário encontrar soluções (SAUER, Outras críticas voltadas para a forma como foi fei- op. cit. p.150-154). Na realidade, não são apenas ta a privatização do setor elétrico se referem a as visões a respeito do tipo de desenvolvimento inexistência de cláusulas referentes a passivos am- que compõem diferentes projeções de demanda bientais e sociais nos editais de privatização, como e consumo, mas intervém igualmente o interesse foi o caso de outras vendas de empresas públicas dos grandes agentes econômicos, que por vezes, ou estatais. Cita-se, a título de exemplo, o edital contribuem para modificar completamente o de privatização da Companhia Siderúrgica Nacio-

Especialistas e militantes: um estudo a r quadro de previsões. nal, localizada em Volta Redonda, RJ. As cláusulas ambientais obrigaram a empresa a propor uma e o próprio governo falam sempre em harmoni- agenda para minimizar os problemas de poluição, zar esses elementos. O entrevistado entretanto, que resultaram em cobranças importantes por considera inviável produzir essa “harmonização” parte da Prefeitura, da agencia estadual ambien- de forma mais abrangente. tal a FEEMA e de setores organizados da cidade, e Nas demais entrevistas, com a exceção da do pro- que levaram os novos proprietários a arcar com o fessor Carlos Vainer, “o social” aparece sempre passivo ambiental já bem grande, afetando inclu- de forma bastante difusa e abstrata, sem que se sive o principal rio do estado, o Paraíba do Sul. possa entender exatamente do que ou de quem Nas entrevistas foi relembrado o caso da usina Ser- se trata. É algo que ora se expressa vagamente ra da Mesa, no rio Tocantins, Goiás, operada por inserido no meio ambiente, outras vezes externo um consórcio constituído entre a estatal Furnas á natureza, externo às próprias atividades do se- Centrais Elétricas e um grande grupo privado tor elétrico. (Votorantim, Bradesco e Camargo Correa). Quan- Igualmente na bibliografia técnica consultada, “o do eclodiram os chamados “problemas sociais” da social” aparece como algo indefinido, excetuan- obra, Furnas convocou seu sócio para tomarem do-se notadamente o relatório assinado por LA em conjunto as providências e arcarem com os ROVERE e MENDES, a respeito dos impactos da custos. Sem qualquer dispositivo legal que o obri- hidrelétrica de Tucuruí, financiado pela Comissão gasse, o grupo privado recusou-se a desembolsar qualquer valor a título de compensação, deixan- Mundial de Barragens. O documento faz uma ava- do todo o ônus, inclusive do desgaste político, liação do projeto da Eletronorte voltado para as- para a estatal. sistência aos índios Parakanã e comenta brevemen- te a situação dos povos Asurini e Gavião, todos Enfatizaram também a falta de um controle esta- “impactados” pela obra de Tucuruí. Sob a legenda tal único que organize e articule os projetos, que de “efeitos sociais e econômicos” desfilam temas e II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte decida a respeito da renovação dos subsídios para recortes tais como: “transformações sociais e espaci- os eletro-intensivos, que discuta a questão das ais”, “dinâmica demográfica e infra-estrutura urbana”, 163 empresas industriais auto-produtoras. Neste caso, “relocamentos e assentamentos”; “transformações na es- a autorização de construir e operar uma usina trutura produtiva”, “impactos sociais sobre a saúde” e implica em uso de uma propriedade coletiva (o “movimentos sociais”. O relatório é construído a par- rio) para fins particulares; enquanto que, para os tir da lógica de catalogar e fazer tipologias de “im-

no (2002-2005) T geradores de energia elétrica, o aumento de pactos”. Além disso, as populações locais são trata- potencia nas mãos dos auto-produtores é sempre das de forma indiferenciada, exceto por três clas- um risco de ver diminuir o seu mercado. sificações abrangentes: populações a montante, a Além disso, no caso específico da Amazônia, se- jusante e das ilhas, sem menção de origem, cultu- gundo o professor Vainer, existem 86 projetos de ras, modos de vida.

gético no atual gover usinas, mas não foi pensado um projeto conjunto Nas entrevistas, todos são unânimes quanto à ne- para a Amazônia, nem mesmo algum estudo que cessidade de ampliar o sistema elétrico brasileiro mostre como esses projetos se articulam. Outra e as usinas hidrelétricas são vistas como solução crítica importante se refere ao estrangulamento preferencial, embora Juhas e La Rovere conside- financeiro das empresas públicas, que foram rem outras soluções igualmente viáveis, dependen- constrangidas pelos acordos com o FMI a enqua- do do custo. drar seus investimentos como “despesas” na con- tabilidade do superávit primário, e tiveram finan- De modo geral, a longo prazo as hidrelétricas seri- ciamento de bancos estatais suspensos ou bastan- am a opção mais barata, porque uma vez feito o investimento inicial, o custo de manutenção é te cortados, e assim não tendo recursos para inves- espeito da gênese do pensamento ener tir, competem em desigualdade de condições com “muito baixo”, diferentemente das térmicas que o setor privado. consomem combustíveis. Além disso, as usinas tér- micas a carvão e óleo são extremamente poluentes e as nucleares podem apresentar problemas de O “social” e o “meio ambiente” segurança e a tecnologia tem que ser adquirida Os especialistas do setor elétrico enfatizam ter uma do exterior. Dentre as grandes gerações, nesse visão ampla de meio ambiente, que envolve “o so- meio intelectual e governamental, considera-se que cial”, o econômico e o ecológico. Na acepção de somente as usinas térmicas a gás se apresentariam La Rovere, o professor Ignacy Sachs (seu a médio prazo como interessantes, contanto que

orientador e do secretário Tolmasquim, em Paris) o país faça investimentos nessa direção. Especialistas e militantes: um estudo a r D’Araújo afirma que atualmente é possível cons- * desenvolver estudos de impacto social, viabilidade téc- truir hidrelétricas causando o mínimo de danos, nico-econômica e sócio-ambiental para os empreendimen- trabalhando com reservatórios menores. Além dis- tos de energia elétrica e de fontes renováveis merecem so, considera que a experiência passada e os erros atenção, uma vez que indicam o afrouxamento das cometidos em usinas como Tucuruí e Itaparica exigências legais de licenciamento ambiental em serviram de lição, e que hoje existem tecnologias vigor, e além disto, uma facilitação inédita para os que permitam construir usinas evitando grandes empreendedores. problemas locais. Há uma percepção, também, de que índios, caboclos, ribeirinhos e outros mora- A mão direita e a mão esquerda do governo dores do interior vivem muito mal e que certamen- te viverão melhor depois da implantação do pro- Pelo que vem sendo discutido até agora, na acepção jeto, e, ainda mais, com a assistência a ser propici- dos especialistas, a construção de UHEs no Xingu ada pelos empreendedores. e Madeira representaria a solução adequada para garantir energia abundante e barata com o fecha- Os grupos de pessoas que vivem em relação direta mento do elo do sistema interligado. Consideram com a natureza, e dela retiram seu sustento, não que é possível trabalhar com áreas inundadas me- são vistas pelo pessoal das empresas do setor como nores do que no passado; acham que em Belo Mon- sociedades particulares como alguma organização, te, com o sistema de canais adotados, poderão ser nem como detentoras de culturas importantes. evitadas as conseqüências a jusante da barragem. Conforme mostrado acima, os especialistas, mes- Essa seria a solução preferencial, no entanto, caso mo os de melhor estirpe são tomados por ímpeto os custos “sociais” se tornem impeditivos por cau- civilizatório e acreditam honestamente estar levan- sa da ação dos movimentos locais, aí então outras do “desenvolvimento” a comunidades atrasadas. possibilidades podem ser avaliadas. Em momento algum refletem, embora sendo go- enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte verno, que saúde, educação, estradas e outros di- Os especialistas confiam na possibilidade de nego- ciação com a população local e ressaltam que os mai- 164 reitos deveriam ser garantidos pelo estado em qualquer circunstância. Quando a construção da ores problemas têm sido criados por ecologistas ra- barragem está em jogo, as obrigações não cum- dicais. A implantação de usinas hidrelétricas é vista pridas pelo estado se transformam em objeto de também como uma forma de “ocupação da Amazô- barganha, sendo que a contra-partida é a inter- nia”, e até mesmo teria como resultado o de ajudar a controlar a ação dos muitos estrangeiros que lá atuam. no (2002-2005)venção T sem limites delineados na vida dos mora- dores da região. Esse raciocínio remete mais uma vez aos “grandes projetos” que ocupavam os vazios amazônicos, como Esse raciocínio, no entanto parece encontrar limi- se as antigas populações não existissem. tações no tipo e na “quantidade” de “medidas mitigadoras” exigíveis, e ainda, nas dimensões da Deve-se lembrar também que o projeto de Belo

gético no atual gover população atingida37. Assim, diante de elevadas Monte é de interesse direto da Alcoa (Alumar) e exigências sociais, a opção pela hidrelétrica pode da Vale do Rio Doce (Albrás), os dois grandes pro- deixar de ser a mais barata. Outro ponto qualifica- dutores de eletro-intensivos da região, cujos con- do como obstáculo pelos entrevistados é a atua- tratos de fornecimento de energia a preços subsi- ção do Ministério Público, que segundo os especi- diados terminaram e foram renovados em 2004. alistas, não seria muito sensível às necessidades de Essas empresas pretendem continuar a ampliar sua desenvolvimento do país e das populações locais, produção e por isto já se propuseram a investir na e que estaria paralisando muitas obras. construção de usinas no rio Tocantins, no Xingu e em outros rios amazônicos À primeira vista, os grupos de pressão e o próprio O MME parece favorável a esses investimentos. A espeito da gênese do pensamento ener governo estão montando um tipo de estrangula- mento, um modo de driblar o crescimento desses julgar pelo que relatou Juhas em sua entrevista, os conflitos e a sua repercussão “nos negócios”. A nova representantes dessas grandes empresas falaram empresa EPE parece que faria trabalhos do tipo explicitamente em reunião no Ministério a respei- que já é realizado em universidades, centros de to do seu interesse de construir a usina naquele pesquisa e em empresas de consultoria. Pelo me- local, e lançaram a ameaça conhecida: caso o pro- nos dois dos objetivos desta empresa EPE: jeto não seja aprovado, construirão uma usina tér- * Obter a licença prévia ambiental e declaração de dispo- mica, ou então, importarão energia da Venezuela. nibilidade hídrica necessárias às licitações, envolvendo E os representantes de governo presentes pareci- empreendimentos de geração hidrelétrica e de transmis- am preferir que o investimento seja destinado a

Especialistas e militantes: um estudo a r são de energia elétrica, selecionados pela EPE e Belo Monte. Os senões colocados, chamados de “entraves”, referem-se sempre aos movimentos so- É de se notar, também, que apesar da exonera- ciais locais, à atuação do Ministério Público, e às ção de Pinguelli da Eletrobrás, outros quadros im- licenças que o IBAMA demora em conceder. portantes como Roberto d’Araújo e José Drummond permanecem, e esse programa soci- Em conclusão, verifica-se que no interior do go- al assessorado por Carlos Vainer continua a ser verno há disputas pela hegemonia de concepções aplicado. e de posições. O que se pode observar é que até o momento a “lógica do mercado” parece ser domi- Não há dúvida de que os melhores quadros do nante. No entanto, constata-se, também, a governo são firmes defensores da hidroeletrici- efetivação de algumas práticas que até então só dade, mesmo que contraponham algumas limita- haviam ficado no discurso. ções, e parece que a maioria deles é favorável a barrar os rios da Amazônia e a construir a usina Apesar de todas as implicações aqui colocadas, pro- de Belo Monte, embora, conforme aqui analisa- gramas como o PROINFA e LUZ PARA TODOS do, as formas de fazê-lo podem ser substancial- estão sendo postos em prática. Também devem ser mente diferentes. citados os planos de desenvolvimento local que vem sendo implantados dentro do Programa de Mas, como acontece com freqüência, a expectati- Recuperação e Desenvolvimento Econômico e va deles e das próprias empresas sobre como as Social de Comunidades Atingidas pelas Barragens, populações, suas organizações e o poder local vão no caso específico de Itá e Machadinho, na divisa reagir pode delinear a resposta real no futuro. Vista RS/SC. Esse programa vem sendo conduzido com de hoje, a resposta pode ser qualquer uma dentro a participação dos interessados, que há mais de de um continuum de possibilidades, sendo que sua vinte anos lutam politicamente primeiro contra as definição pode depender intensamente da reação barragens e depois pela defesa de seus direitos dos atingidos em potencial e do apoio de organi- econômicos e sociais. zações nacionais e internacionais. II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte 165

no (2002-2005) T

gético no atual gover

espeito da gênese do pensamento ener

Especialistas e militantes: um estudo a r Referências bibliográficas

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no (2002-2005) T MME – Ministério de Minas e Energia Eletrobrás”, (Lygia Sigaud) in Relatório http://tools.folha.com.br do Primeiro Ano de atividades do sub-proje- www.abraceel.com.br MP – Medida Provisória to “Avaliação de aspectos sociais da produ- www.canalenergia.com.br MT – Mato Grosso ção de energia elétrica, Rio de Janeiro, 1989. www.eletrobras.gov.br MW – Megawatt MIELNIK Otávio , NEVES, C.C” Carac- www.estadao.com.br/ext/belomonte MWh – Megawatt-hora terísticas da estrutura de produção de www.ilumina.org.br ONU – Organização das Nações Únicas

gético no atual gover energia elétrica no Brasil” (Luiz Pinguelli Rosa, Lygia Sigaud, Otávio www.inovacaotecnologica.com.br PIPGE – Programa Interunidades de Mielnik) Impactos dos grandes projetos hi- www.mme.gov.br Pós-Graduação em Energia (USP) drelétricos e nucleares. Rio de Janeiro, AIE/ www.ptb.com.br PMDB – Partido do Movimento Demo- COPPE; Editora Marco Zero, 1988. www.redeambiente.org.br crático Brasileiro ROSA, Luiz Pinguelli, D’ARAÚJO, www.setorialnews.com.br PPE – Programa de Planejamento Roberto Pereira et al. “A nova Energético (UFRJ/COPPE) estruturação do setor elétrico Brasilei- SIGLAS E ABREVIATURAS PROINFA – Programa de Incentivo às ro” (Sauer, Rosa et al.) A reconstrução do Fontes Alternativas de Energia Elétrica setor elétrico brasileiro, Campo Grande, AM – Amazonas PT – Partido dos Trabalhadores UFMS; São Paulo, Paz e Terra, 2003. ANEEL – Agência Nacional de Ener- PUC – Pontifícia Unidade Católica SANTOS, Leynard Ayer O.; ANDRA- gia Elétrica RJ – Rio de Janeiro espeito da gênese do pensamento ener DE, Lúcia, M.M. de (org.) As hidrelétri- ANP - Agência Nacional do Petróleo RO – Rondônia cas do Xingu e os povos indígenas CEMAR – Companhia de Eletricidade SAUER, Ildo Luís et al. “Um novo mo- do Maranhão RR – Roraima delo para o setor elétrico brasileiro” CENPES – Centro de Pesquisas da SBPC – Sociedade Brasileira para o (Sauer, Rosa et al.) A reconstrução do se- Petrobrás Progresso da Ciência tor elétrico brasileiro, Campo Grande, UFPA – Universidade Federal do Pará UFMS; São Paulo, Paz e Terra, 2003. CEPEL – Centro de Pesquisas de Ener- gia Elétrica UFRJ – Universidade Federal do Rio SIGAUD, Lygia “Efeitos sociais dos gran- de Janeiro des projetos hidrelétricos” (Luiz CIRED – Centre International de Re- UHE – Usina Hidroelétrica Pinguelli Rosa, Lygia Sigaud, Otávio cherche sur l’Environnement et le Mielnik) Impactos dos grandes projetos hi- Développement UNIFEI – Universidade Federal de drelétricos e nucleares. Rio de Janeiro, AIE/ CONAB – Companhia Brasileira de Engenharia de Itajubá

Especialistas e militantes: um estudo a r COPPE; Editora Marco Zero, 1988. Abastecimento USP – Universidade de São Paulo Notas

1 Com o intuito de realizar esta análise conduzidos pela Casa Civil da Presi- 13 Ex-exilado, sociólogo, fundador do foram colhidas informações impressas dência da República. Também é da IBASE e incentivador de grande núme- e eletrônicas sobre algumas instituições COPPE o secretario executivo do Mi- ro de movimentos pela justiça social. centrais na construção do pensamento nistério das Minas e Energia, o pro- 14 Governador de Pernambuco no pe- energético, foram entrevistadas pesso- fessor Maurício Tolmasquim. ríodo 1948-51, era jornalista e escritor. as que ocupavam cargos de direção na 5 Este professor, polonês de origem, Foi, durante sucessivos mandatos, pre- Eletrobrás e na Petrobrás, mais um pro- foi, nos anos setenta, um dos sidente da Associação Brasileira de fessor do programa de Pós–Graduação propositores da expressão “eco-desen- Imprensa e desempenhou importante em Planejamento Energético da volvimento”, transformada em “desen- papel na promoção de campanhas na- COPPE/UFRJ (instituição da qual saí- volvimento sustentável” no Relatório cionalistas e no processo de democra- ram alguns quadros para o atual gover- da Comissão de Bruntland (1987). Foi tização após a ditadura militar. no), e um professor do IPPUR – Insti- adotada oficialmente na Conferência 15 tuto de Pesquisa e Planejamento urba- Os engenheiros eletricistas, median- da ONU de 1992, no Rio de Janeiro, te comprovação de exercício da ativida- no e Regional também da UFRJ, e que sobre meio ambiente e desenvolvimen- há vários anos é assessor do MAB (Mo- de perigosa, têm direito a aposentado- to. Atualmente aposentado, presta ser- ria especial após 25 anos de trabalho. vimento de Atingidos por Barragens), viços ao SEBRAE, no Brasil, como con- 16 e vem prestando assessoria à presidên- sultor de projetos de desenvolvimento Como o Clube de Engenharia, o Sin- cia da Eletrobrás em programas de com- sustentável. dicato dos Engenheiros e o CREA do pensação voltados para as “populações Rio de Janeiro. II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte 6 Ver a esse respeito a publicação atingidas” por barragens A autora agra- 17 Dados constantes da página da Ele- dece Roberto Pereira d’Araújo (Eletro- ROSA, Luiz, P.; SIGAUD, Lygia; MIELNIK, O. (orgs.), 1988. trobrás www.eletrobras.gov.br em 167 brás), José Luiz Juhas (Petrobrás) e os 23.07.04 professores Emílio Lèbre La Rovere 7 Lygia Sigaud, Ana Luiza Martins Cos- 18 (COPPE/UFRJ) e Carlos Vainer ta, Ana Maria Daou, Lygia Dabul, Ma- O atual presidente da Eletronorte, (IPURR) pelas entrevistas concedidas e ria José Silveira, Miriam Nutti, Odaci Roberto Salmeron, ex-diretor de admi- as preciosas informações fornecidas, Coradini. nistração da Eletrobrás, é quadro polí- que se constituíram em importante co- 8 tico do Partido Trabalhista Brasileiro. ROSA, Luiz, P. RODRIGUES, no (2002-2005) T laboração. Apesar de mencioná-los, o Ocupou, na década de 90, a presidên- Manoel, G. FREITAS, Marcos Aurélio, cia da Companhia Brasileira de Abas- teor do presente texto é de minha in- V. de F. (1990) teira responsabilidade. tecimento (CONAB) e da Empresa 9 A diferença de pensamento e de pro- Brasileira de Correios e Telégrafos. 2 Como a pesquisa foi realizada no Rio postas políticas de pessoas centrais no 19 de Janeiro, será dada maior ênfase às A esse respeito, consultar a página setor elétrico do governo federal, como da Eletronorte na internet e a apresen- instituições sediadas nesta cidade, que os professores Pinguelli e Tolmasquim, abriga as maiores empresas públicas do tação do projeto da hidrelétrica de gético no atual gover já havia sido constituída dentro da pró- Belo Monte. país. A participação de técnicos de ou- pria COPPE e pode ser entendida den- 20 tros estados será apenas indicada, tro da lógica do “campo intelectual” No mesmo ano foram inauguradas a quando necessário, o que não implica (BOURDIEU,P.1989) . Assim, clivagens Itaipu Binacional, a Nuclebrás e o CEPEL. a intenção de reduzir a importância de resultam de fatores como filiação inte- 21 Cf. www.estadao.com.br/ext/ sua participação na construção de um lectual, pertencimento a diferentes belomonte “pensamento energético”. gerações, além de disputas em torno 22 Considera que o único país que pos- 3 da posição dominante. No governo anterior, o Departamen- sui, com relação à rede hidrológica, to Nacional de Política Energética do 10 Atua nas seguintes linhas de pesqui- alguma semelhança com o Brasil é o Ministério das Min as e Energia foi di- sa: planejamento integrado de recur- Canadá. rigido pelo professor Sergio Bajay, que sos energéticos; análise econômica e 23 (nota dos organizadores) No retra- havia sido o criador da área de Plane- institucional de sistemas energéticos;

to geográfico atual das LT – Linhas de espeito da gênese do pensamento ener jamento Energético na Unicamp – fontes renováveis e não convencionais; Transmissão de eletricidade, o sistema Universidade Estadual de Campinas. energia, sociedade e meio ambiente; norte se liga com o sistema centro oes- Na Agência Nacional ANP, havia tam- redes elétricas, equipamento e quali- te – sudeste e com o sistema nordeste bém dois diretores vindos da área aca- dade de energia. através de poucas linhas de 500 mil volts dêmica, David Zylberztajn da USP e o 12 A finalidade da EPE, conforme pre- com capacidade de transportar até dois professor Luiz Augusto Horta Noguei- vista em lei, é a de “prestar serviços na mil Megawatts. E entre Mato Grosso e ra, da Escola Federal de Engenharia de área de estudos e pesquisas destinadas Rondônia, a ligação poderia se concre- Itajubá, hoje UNIFEI. a subsidiar o planejamento do setor tizar a curto prazo, com uma linha de 4 O professor Pinguelli foi nomeado energético, tais como energia elétrica, 230 mil volts, de pequena capacidade presidente da Eletrobrás no início do petróleo e gás natural e seus derivados, de transporte, entre Cuiabá ou Sinop governo Lula. Em meados de 2004, carvão mineral, fontes energéticas (MT) – e Vilhena (RO). Assim, as hipo- deixou o cargo, em virtude de aco- renováveis e eficiência energética den- téticas interligações de novas usinas no

modações de interesses partidáriaos tre outras”. Xingu com Manaus – ou com o Sudeste Especialistas e militantes: um estudo a r - e no Madeira com o Centro Oeste, 29 Jornal do Brasil, 11.07.2004, p. A 20, 35 cf., também TOLMASQUIM e dependem de construir linhas inteira- Economia e negócios. “Eletrobrás nega SZKLO, 2000, no qual é feito um prog- mente novas com tensão de 500 mil volts risco de apagão. Diretor de estatal di- nóstico de demanda futura de energia ou mais, com capacidade de transporte verge de ministra, que apontou amea- elétrica, incluindo previsão de amplia- de vários milhares de Megawatts, e se ça de racionamento de energia”. ção do parque de eletro-intensivos. estendendo por sobre a sela e o cerra- 30 “As licenças estão sendo estudadas 36 A esse respeito consultar também do por dois mil, três mil quilômetros, em conjunto com o Ministério do Meio SAUER et al.,2003, p. 123-136. demandando investimentos da ordem Ambiente e o Ibama e procuramos re- de cinco a dez bilhões de dólares. 37 MIELNIK e NEVES (1988) dão solve-las o mais rápido possível. Para nome ao grande número de interessa- 24 Parece que a Empresa de Pesquisa as ações que correm no Ministério Pú- dos nas construções de barragens: em- Energética inspira-se, em alguns aspec- blico, estamos tentando prestar escla- presas voltadas para estudos e projetos; tos, na proposta de SAUER. recimentos necessários para a libera- empresas de construção civil, fabrican- 25 TOLMASQUIM, M. e THOMAS, F., ção das obras”. (Convém considerar tes de equipamentos elétricos pesados, Folha de São Paulo, 18 de julho de que Tolmasquim é especialista em Pla- montagem de equipamentos. Esse qua- 2001. nejamento Energético e Meio Ambien- dro hoje, com a liberalização do setor, te, o que confere legitimidade à sua 26 é bastante mais complexo. www.canalenergia.com.br, Roberto palavra diante do Ministério Público). Gonzáles, Entrevistas Maurício 38 Sem querer polemizar, podemos 31 Tolmasquim do MME: Pela integrida- Na direção dessa preocupação, cf. dizer de forma simplificada, que o ob- de do modelo, 23.03.2004, capturado Santos, L. & Andrade, L. (orgs.), 1988, jetivo dos antropólogos é o de dar em 25.07.2004. Em dezembro de 2004, em particular, além do capítulo de au- conta da realidade social concreta, a câmara realizou o seu primeiro lei- toria da própria Lygia Sigaud, os de considerando especialmente os agen- lão de grandes “blocos” de eletricida- Sonia Magalhães (9), Antonio Carlos tes envolvidos. Magalhães (10), Reinaldo Costa (11) de futura. 39 e Oswaldo Sevá (12), e também o in- Cf. THOMPSON, E. (2002) mostra 27 Aqui refiro-me aos artigos publicados forme de Patrick McCully ao final, en- o processo de produção na Inglaterra em “O Estado de São Paulo” em tre outras produções da época. do século XVIII dos “motins da fome”. 04.06.2004: “Ministra Rousseff confirma 32 Ele expõe como foi criado o hábito de apoio a hidrelétricas e recebe duras crí- Segundo d’Araújo, a média de con- consumo do pão branco de trigo que ticas de organizações ambientalistas” sumo dos domicílios é 130 kw/mês, passou a substituir os pães integrais (capturado na página www. sendo que o consumo de mais da me- habitualmente consumidos pelos cam-

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte redeambiente.org.br em 23.07.2004) “O tade dos domicílios está abaixo de poneses. Os motins ocorreram em fun- Globo”em 19.07.2004 sob o título “A 100kw/mês. ção dos preços altos que alcançava o 168 opção pelas hidrelétricas” (capturado na 33 Os principais setores industriais pão branco e da especulação dos co- página www.abraceel.com.br em 23/07/ eletro-intensivos são: alumínio, ferro- merciantes com o produto e da “escas- 2004) e ligas, siderurgia, celulose e papel. sez” criada artificialmente. 28 Um exemplo citado é o brasileiro 34 Fábricas de alumínio localizadas em 40 Categoria inventada pelo MAB e PROINFA, Programa de Incentivo às Barcarena (Pará) e São Luiz ( Mara- que inclui todas as pessoas que serão Fontes Alternativas de Energia Elétri- nhão), que compraram energia de afetadas pela instalação da usina e não

no (2002-2005) T ca, incluídas as pequenas centrais hi- Tucuruí durante vinte anos a preços apenas aqueles que venham a ser drelétricas, as usinas de co-geração a subsidiados. Ver o capitulo anterior relocados por ocasião do enchimento bagaço e residuos de madeira, as tur- desse livro, de autoria de Lucio Flávio da represa, o que pode incluir pessoas binas eólicas. Pinto. a muitos quilômetros de distância.

gético no atual gover

espeito da gênese do pensamento ener

Especialistas e militantes: um estudo a r enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte

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no (2002-2005) T

Elaborado por Oswaldo Sevá e Aline Rick Fonte: Diagramas topológicos dos aproveitamentos hidrelétricos, [CCPE Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos sistemas elétricos e

GTIB Grupo de trabalho de informações básicas para o desenvolvimento da oferta] DOMINGUES, CATHARINO (coordenadores), Eletronorte gético no atual gover e Eletrobrás, 2003 (considera todos os empreendimentos aprovados pela Agência Nacional de Energia Elétrica até junho de 2003; posições relativas de todos os locais de aproveitamento armazenados no SIPOT - Sistema de Informações do Potencial Hidrelétrico brasileiro).

(I inclui as que estavam em fase de estudo metros)no baixo rio Branco entre os rios 15 - I - Turuna (rio Turuna, afluente direito de viabilidade e em fase de projeto básico) Mucajaí e Anauá do Trombetas alto) (E inclui as que estavam “em obras” em 2003) 8 - I - Bem – Querer 16 - I - Ananaí (rio Cachorro, afluente di- reito do Trombetas baixo) Margem esquerda do rio Amazonas Folha B1 05 bacias margem esquerda Amazonas 17 - I - Carona (rio Mapuera, afluente direi- Folha B1 –02 dos Diagramas Topológicos (AM e PA) to do Trombetas baixo)

espeito da gênese do pensamento ener Bacia do rio Negro Bacia do rio Uatumã, AM no rio Trombetas: 1- E - S Gabriel da Cachoeira, rio Miuá mar- 9 - E - Pitinga – autoprodutor (mineração 18 - I - Ponta da Ilha (alto rio, NA montan- gem esquerda rio Negro (PCH, Base mili- Paranapanema, NA montante 117 metros) te 218 metros) tar, NA montante 105 metros) 10 - I - Fumaça 19 - I - Treze Quedas (alto rio, acima rio Bacia do rio Branco 11 - E - Balbina Eletronorte Manaus Ener- Turuna) 2 - I - Paredão rio Mucajai, margem direita gia (NA jusante 28 metros) 20 - I - Manuel José rio Branco (NA montante 123 metros) no 21 - I - Maniva rio Jatapu, AM 22 - I - Cajá (acima da foz do rio Cachorro) rio Cotingo, afluente esquerdo rio Branco/ 12 - E - Alto Jatapu (em Roraima, NA mon- 23 - Cachoeira Porteira I/II, NA jusante 12 Surumu tante 115 metros) metros, acima da foz do Erepecuru 3 - I - Gavião (NA montante 767 metros) 13 - I - Katuema 4 - I - Santo Antônio 1 (fases1e2) 14 - I - Onça no rio Erepecuru, afluente esquerdo do bai- 5 - I - Bacurau xo Trombetas 6 - I - Tiporem Bacia do Trombetas, PA 24 - I - Paciência alto rio, NA montante 370

7 - I - Santo Antônio 2 (NA Jusante 150 Em afluentes direitos do rio Trombetas: metros Especialistas e militantes: um estudo a r 25 - I - Armazém 56 - I - Candeias 6 95 - I - Travessão 26 - I - Mel 57 - I - Candeias 7 96 - I - Parecis 27 - I - Carapanã, NA jusante 97 metros 58 - I - Candeias 8 97 - I - Cachoeirão 59 - I - Candeias 9 98 - I - Rondon rio Maecuru, afluente esquerdo do rio Ama- 60 - I - Candeias 10 (NA jusante 55 metros) 99 - I - Telegráfica (NA jusante 271 m, aci- zonas próximo a Monte Alegre, PA (extraí- 61 - E - Madeireira Urupá (autoprodutor, ma da foz do rio Juína, afluente esquerdo do da Folha B1-06, Xingu) rio Preto, afluente direito Candeias entre do Juruena) 28 - I - Aparai (NA montante 130 metros, inventários 7 e 8) médio Maecuru) na bacia do rio Juína, afluente esquerdo do no rio Madeira Bacia do rio Jari (PA – Amapá) , entre Abunã e Porto Velho Juruena 29 - I - Senador Manuel Flexa (NA montan- 62 - I - Jirau (NA montante 90 metros) no rio Formiga, afluente direito do baixo Juína te 152 metros, no rio Iratapuru, afluente 63 - I - Santo Antônio (NA montante 53 100 - I - Divisa (NA montante 446 metros) esquerdo baixo Jari) metros) 101 - I - Nordeste 102 - I - Ilhotas 30 - I - Santo Antonio do Jari (baixo rio, NA na bacia do Ji-Paraná (RO) 103 - I - Campos de Júlio jusante 0,5 metros) folha B1- 03 C 104 - I - Formiga (NA jusante 340 metros) Subtotal margem esquerda Amazonas no rio Pimenta Bueno, abaixo do afluente rio 04 usinas existentes e 26 inventariadas Sem Nome no rio Camararé, afluente esquerdo do 64 - I - Cascata (NA montante 265 metros) Juruena, abaixo do Juína Margem direita do Amazonas 65 - I - Ipiranga 105 - I - Doze de Outubro (rio Doze de Ou- Obs. importante: nas bacias dos rios Japurá 66 - I - Mu3 tubro, afluente esquerdo do alto Camararé) (AM-Peru), Juruá e Purus (AM e AC) ne- 67 - I - Mu2 na bacia do rio Papagaio, afluente direito nhum aproveitamento hidrelétrico foi 68 - I - Urubu (acima da foz do Chupinguara) do Juruena inventariado (vários estão “individualiza- 69 - I - São Paulo 106 - E - Fazenda Paraíso (NA montante 502 dos” na Folha B1 01) 70 - I - Primavera (NA jusante 183 metros) 71 - E - Rutmann (alto Chupinguara, aflu- metros, rio Buriti, afluente esquerdo mé- Bacia do rio Madeira ente direito do Ji Paraná) dio Papagaio) folhas B1- 03 A , B e C na bacia do rio Comemoração, afluente di- no rio Sacre afluente direito médio do na bacia do Guaporé reito do Ji-Paraná Papagaio folha B1- 03 A 72 - E - Cachoeira Ávila (NA montante 400 107 - I - SCR5 (alto rio, NA montante 450 31 - E - Guaporé (alto rio Guaporé, MT, aci- metros,no alto rio Ávila, afluente esquerdo metros) ma do afluente rio Branco, NA montante do Comemoração) 108 - I - SCR4 480 metros) em afluentes direitos do 73 - I - Apertadinho (NA montante 445 metros) 109 - I - SCR3 Guaporé em MT e em Rondônia 74 - I - Foz do Ávila 110 - I - Salto Belo SCR2 enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte 32 - I - Salto Gorgão (alto rio Galera afluen- 75 - I - Corgão Baixo 111 - I - Sacre 1(NA jusante 314 metros) te rio Novo, NA montante 529 metros) 76 - I - Rondon II 77 - I - Rondon I (NA jusante 191 metros) rio Juruena médio(MT) 170 33 - E - Comodoro (rio Prata, afluente do folha B1 04 A rio Piolho) autoprodutor bacia do Cabixi no rio Machadinho, afluente esquerdo do Ji- na bacia do rio do Sangue, afluente direito 34 - E - Cabixi I (rio Cabixi alto, lado Paranã (abaixo do Jaru) do médio Juruena Rondônia, NA montante 480 metros) 78 - E - Mineração Oriente Novo (auto pro- 112 - I - Jararaca (NA montante 410 metros) autoprodutor dutor, no rio Paciencia afluente esquerdo 113 - I - Inxú 35 - I - Cabixi II (rio Lambari, afluente es- alto Machadinho) 114 - I - Baruito querdo do Cabixi lado MT) 79 - I - Machadinho (médio rio) 115 - I - Paiaguá no (2002-2005)36 T - I - Vermelho (alto rio Vermelho, aflu- 80 - I - Cachoeira São José 116 - I - Parecis ente direito Cabixi, RO) 117 - I - Roncador 37 - E - Castaman (no rio Enganado, aflu- no rio Ji-Paraná 118 - I - Kabiora ente esquerdo do Escondido, afluente di- 81 - I - Ji-Paraná (abaixo da foz do Jaru) 119 - I - Cinta larga (NA jusante 210 metros, reito do Guaporé, acima de Corumbiara, 82 - I - Tabajara (abaixo do Machadinho, NA próximo da foz no Juruena) NA montante 470 metros ) jusante 51 metros) 38 - E - Eletrossol (rio Colorado, afluente no rio Cravari, afluente esquerdo do baixo direito Guaporé , abaixo do rio Verde) ba- na bacia do rio Aripuanã (MT e AM) rio do Sangue gético no atual gover cia do rio Branco folha B1 03 B 120 - I - Cedro (NA montante 365 metros) rio Saldanha afluente esquerdo do Branco 83 - E - Juína (alto rio, entre a foz do rio 121 - I - Mogno 39 - I - Saldanha Vinte e Um e o rio do Sul 122 - I - Bocaiúva 40 - E - Monte Belo 84 - I - Dardanelos (NA montante 210 123 - I - Faveiro (NA jusante 245 metros) metros, abaixo da foz do rio Capitari, MT) no rio Branco 85 - E - Aripuanã (acima da foz do rio Na- no rio Sucuruvina, afluente direito do rio do 41 - E - Cassol (auto produtor) alto rio tal, MT) Sangue 42 - E - Alta Floresta 86 - I - Apuí (no rio Juma afluente direito 124 - I - Diauarum (NA montante 480 metros) 43 - I - Ponte da vicinal do Aripuanã, NA jusante 85 metros, perto 125 - I - Bacuri 44 - I - Cachoeira Casemiro da foz no rio Madeira, AM) 126 - I - Matrinchã 45 - I - Cachoeiras Cachimbo 127 - E - Ponte de Pedra (NA montante 377 46 - I - Cachoeira Catolito Subtotal bacia do rio Madeira metros) – 15 usinas existentes e 40 inventariadas. 128 - I - Andorinha no rio Jaci Paranã 129 - I - Garça (NA jusante 283 metros)

espeito da gênese do pensamento ener 47 - I - Cachoeira União (alto rio) Bacias do rio Tapajós (MT, AM, PA) Bacia do rio Arinos, afluente direito do bacia do Jamari e Candeias Bacia do rio Juruena alto e médio (MT) Juruena rio Jamari folha B1 04 no rio Buritizal, afluente esquerdo do rio 48 - I - Cachoeira Santa Cruz (médio rio, Claro, afluente esquerdo do alto Arinos NA montante 117 metros) no rio Juruena 130 - I - Buritizal I (NA montante 337 metros) 49 - I - Monte Cristo 87 - I - Santa Lúcia I e II (NA montante 477 131 - I - Buritizal II 50 - E - Samuel (baixo Jamari, Eletronorte, metros, alto Juruena, cota NA montante 477 132 - I - Buritizal III NA jusante 55 metros) metros) 133 - I - Lagoa Rasa (NA montante 420 88 - I - Cristalina metros, no rio Lagoa Rasa, afluente esquer- rio Candeias 89 - I - Juruena do do Buritizal) 51 - I - Candeias 1(NA montante 160 metros) 90 - I - Cidezal 52 - I - Candeias2 91 - I - Jesuíta no rio dos Peixes, afluente direito do médio 53 - I - Candeias 3 92 - I - Sapezal Arinos 54 - I - Cachoeira Formosa 93 - I - Segredo 134 - I - Salto Caiabis

Especialistas e militantes: um estudo a r 55 - I - Candeias 5 94 - I - Ilha Comprida 135 - I - Juara na bacia do Teles Pires (MT) e Tapajós 163 - I - Belo Monte (NA montante 96 190 - I - Tupiratins (acima da foz do M Alves (MT, PA) metros jusante 5 metros) Pequeno) folha B1 04 B 191 - I - Estreito (abaixo da foz do rio Fari- 136 - I - Magessi (alto rio Teles Pires, abaixo Sub total da bacia do Xingu: nha) foz Caiapó, próximo da cidade de Paranatinga) 01 usina existente e 11 inventariadas 192 - I - Serra Quebrada 193 - I - Marabá (abaixo da confluência do no rio Verde, afluente esquerdo do Teles Subtotal das bacias da margem direita do Araguaia, acima da foz do Itacaiúnas) Pires Amazonas, do Madeira ao Xingu: 194 - E - Tucuruí (NA montante 72 metros 137 - I - Ilha Pequena (NA montante 371 metros) 22 usinas existentes e etapa I 74 etapa II, jusante 8 metros, Ele- 138 - I - Canoa Quebrada 111 onze inventariadas tronorte) 139 - I - Foz do Cedro bacia do rio Paranã, principal afluente di- no rio Braço Norte do Teles Pires, afluente Total nos rios da bacia amazônica brasileira: reito do Tocantins, Estados de Goiás e To- direito, divisa MT e PA) 26 usinas existentes e cantins 140 - I - Braço Norte IV (NA montante 344 137 usinas inventariadas folha B2 01 A metros, Serra do Cachimbo) na bacia do rio Corrente, afluente direito do 141 - I - Braço Norte III Bacias do Tocantins e Araguaia Paranã alto, Goiás 142 - E - Braço norte II ( NA montante 226 Alto rio Tocantins, em Goiás e sul do TO 195 - E - Mambaí metros) Folhas B2 01 196 - I - Mambaí 2 (NA montante 711 143 - E - JKO no Rio Maranhão 164 - I - Piquete (NA montante 685 metros) metros) no rio Nhandu (afluente direito Teles Pires, 165 - I - Sal 197 - I - Vidal junto do Braço norte) 166 - I - Palma (abaixo da foz do Arraial 198 - I - Vermelho 144 - Nhandu (NA montante 296 metros) velho) 199 - I - Alvorada (NA jusante 490 metros) 167 - I - Maranhão 200 - I - Santa Edwiges II (rio Buriti, afluen- no ribeirão Rochedo, afluente direito do Teles 168 - I - Porteiras 2 (NA jusante 475 metros, te direito do rio Corrente, NA 695 metros Pires, abaixo do Nhandu, divisa MT e PA abaixo da foz do rio Angicos e acima da foz 201 - I - Santa Edwiges III (rio Buriti, NA 145 - I - Rochedo (NA montante 260 metros) do rio das Almas) 530 metros) no rio dos Apiacás, afluente esquerdo do 202 - I - Santa Edwiges II (rio Piracanjuba, baixo Teles Pires, MT no rio Arraial velho, afluente direito do alto afluente direito do Buriti (NA 678 metros) 146 - E - Apiacás (NA montante 147 metros) Maranhão na bacia do rio São Domingos, afluente di- 169 - I - Cocal (NA montante 685 metros) no rio Itapacurá, afluente direito baixo reito do Paranã, Goiás 170 - I - Mucungo no rio Angico, afluente 203 - E - São Domingos (NA Montante 661 Tapajós, PA esquerdo do rio Maranhão 147 - I - Itapacurá 2 (NA montante 44 metros) metros) 171 - I - Fazenda Santa Maria (médio rio) 204 - I - São Domingos II 148 - I - Itapacurá 1 (NA jusante 7 metros) II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte 205 - I - São Domingos III (baixo rio, NA subtotal bacia do rio Tapajós no rio das Almas jusante 415 metros) 05 usinas existentes e 58 inventariadas 172 - I - Jaraguá (NA montante 660 metros) 206 - I - Galheiros I (rio Gaziteiros, afluen- 171 173 - E - São Patrício (acima da foz do rio te direito do São Domingos médio) no rio Curuá - Una, margem direita do Ama- Uru) 207 - I - Manso IV (NA montante 650 zonas, rio abaixo de Santarém 174 - I - Ceres metros, alto rio Manso, afluente direito do folha B1 – 06 175 - I - Buriti Queimado (NA jusante 467 São Domingos baixo) 149 - I - Foz do Aru (alto rio, próximo da metros) 208 - I - Manso III Transamazônica) 209 - I - Manso II

150 - I - Moju (no rio Moju, afluente esquer- no rio Uru alto, afluente esquerdo do rio 210 - I - Manso I (NA jusante 460 metros) no (2002-2005) T do do Curuá - Una, próximo BR 163) das Almas 151 - E - Curuá Una 1 (NA jusante 45 metros, 176 - I - Volta do Deserto no rio das Almas, afluente esquerdo do alto baixo rio, Celpa) (Inventariada Curuá Una 2) Paranã no rio do Peixe alto, afluente direito do rio 211 - I - Araras (NA montante 960 metros) Na Bacia do Xingu (MT e PA) das Almas 212 - I - Rio Azul folha B1 – 06 177 - I - Mutum (NA montante 640 metros) 213 - I - Santa Mônica (NA jusante 450 No formador do Xingu rio Culuene, MT 178 - I - Jenipapo metros)na calha do rio Paranã

gético no atual gover 152 - E - Culuene (alto rio, próximo 214 - I - Foz do Bezerra (abaixo da foz do Paranatinga) no rio Bagagem, afluente direito do Mara- rio das Almas, acima da foz do rio Bezerra, 153 - I - Paranatinga I(NA montante 449 nhão, acima do Tocantinzinho) no Paranã médio NA 412 metros) metros, abaixo da foz do rio Couto Maga- 179 - I - Moquém (NA montante 540 metros) 215 - I - São Domingos (NA jusante 287 lhães no Culuene) metros) 154 - I - Paranatinga II (NA jusante 334 metros, no rio Tocantinzinho 216 - I - Paranã (NA jusante 263 metros - acima da foz do rio Sete de Setembro 180 - I - Buritiznho, alto Ribeirão Cachoei- *** comparar com o nível de jusante de São rinha, afluente esquerdo doTocantinznho, Salvador no Tocantins Na bacia do afluente esquerdo rio Iriri, PA NA montante 916 metros) 155 - I - Salto Buriti (NA montante 437, alto 181 - I - Vãozinho (Ribeirão Cachoeirinha, na bacia do rio Palma, afluente direito do rio Curuá, afluente esquerdo do Iriri) NA jusante 709 metros) Paranã, Estado do Tocantins e divisa com 156 - I - Salto Curuá (NA jusante 254 metros, 182 - I - Mirador (médio Tocantinzinho, Goiás médio rio Curuá) abaixo da foz do rio dos Couros) 217 - E - Mosquito (rio Mosquito, afluente 157 - I - Três de Maio (NA montante 424 183 - I - Colinas (baixo Tocantinzinho, NA esquerdo do Palma alto, divisa Goiás)

metros, igarapé Três de Maio, afluente es- espeito da gênese do pensamento ener jusante 464 metros) 218 - E - Taguatinga (rio Abreu, afluente querdo do Curuá médio) direito do Palma alto) 158 - I - Iriri (NA montante 206 jusante 172 na calha do rio Tocantins 219 - E - Ponte Alta de Bom Jesus (NA 673 metros, Cachoeira Seca) 184 - E - Serra da Mesa (NA montante 460, metros, rio São José, afluente direito do rio No rio Xingu, Pará jusante 333 metros, VBC e Furnas) Conceição, afluente direito do alto Palma 159 - I - Jarina (NA montante 281 jusante 185 - E - Canabrava (NA jusante 287 metros, no Ribeirão do Inferno, afluente esquerdo 257 metros, abaixo da foz do rio da Paz) Tractebel, EDP?) do Palmeiras, afluente direito do Palma, em 160 - I - Kokraimoro (NA montante 257 ju- 186 - I - São Salvador (NA jusante 263 Tocantins sante 208 metros, acima de São Felix do metros) 220 - I - Silvania (NA montante 462 metros) Xingu) 187 - I - Peixe Angical ( acima da foz do rio 221 - I - Cachoeira 161 - I - Ipixuna (NA montante 208 jusante Santa Tereza, folha B2 02 ) 222 - I - Piacurum (NA jusante 369 metros) 165 metros, abaixo da foz o igarapé do 188 - I - Ipueiras no rio Palmeiras, afluente direito do baixo Pontal) 189 - E - Lajeado nova (Luis E Magalhães, Palma 162 - I - Babaquara (NA montante 165 ju- NA montante 212, jusante 177 metros, 223 - I - Água Limpa (alto Palmeiras, NA sante 96 metros) Rede, Investco) montante 538 metros) Especialistas e militantes: um estudo a r 224 - I - Areia 249 - I - Couto Magalhães (NA montante 283 - I - Santa Isabel (NA montante 125 , 225 - I - Doido 647 metros) jusante 98 metros) 225 - E - Diacal 250 - I - Araguainha 227 - I - Porto Franco 251 - E - Torixoréu, rio Diamantino, afluen- Subtotal bacias dos rios Tocantins e Araguaia 228 - I - Boa Sorte te esquerdo Araguaia 19 usinas existentes e101 inventariadas 229 - I - Riacho Preto 252 - I - Diamantino (no Araguaia, NA 230 - I - Lagoa Grande (NA jusante 343 jusante 410 metros) Bacias litorâneas do Amapá metros) 253 - I - Torixoréu (NA jusante 302 metros) no rio Oiapoque 284 - I - Roque Pennafort (NA montante 98 Afluentes direitos do rio Tocantins, estados no rio das Garças, afluente esquerdo médio metros, rio Cricou afluente direito alto do Tocantins e do Maranhão Araguaia, Mato Grosso Oiapoque) Folha B2 02 254 - E - Alto Garças (no rio das Onças, aflu- 285 - I - Salto Cafesoca (baixo Oiapque) Rio Lajeado, afluente, acima da foz do Sono ente esquerdo do rio das Garças) no rio Cassiporé 231 - E - Lajeado velha (NA jusante 255 286 - I - Sapucaia (NA montante 62 metros) no rio Batovi, afluente esquerdo do médio metros) 287 - I - Tracuá rio das Garças 288 - I - Cachoeira Grande Bacia do rio do Sono 255 - I - Sucuri (NA montante 587 metros) 289 - I - Varador (NA jusante 12 metros, per- Nos rios formadores 256 - I - Batovi to da foz) 232 - I - Jalapão (alto rio Novo, afluente es- 257 - I - Pratinha 290 - I - Franconim (NA montante 62 querdo rio do Sono, NA montante 360 258 - I - Graças (NA jusante 336 metros) metros, afluente esquerdo Cassiporé baixo) metros) Bacia do rio Caiapó (Goiás) 233 - I - Cachoeira da Velha (rio Novo, NA 259 - I - Caiapó 1 (NA montante 550 metros) no rio Calçoene jusante 271) 260 - I - Caiapó 2 291 - I - Paredão (NA montante 37 metros) 234 - I - Soninho (alto rio Soninho, NA mon- 261 - I - Caiapó 3 292 - I - Travessão(afluente esquerdo Carnot tante 350 metros) 262 - I - Caiapó 4 (NA jusante 450 metros), Grande) 235 - I - Arara (alto rio Soninho, NA jusante acima do rio Bonito 293 - I - Carnot 217 metros) 263 - I - Caiapó 5 294 - I - Trapiche (NA jusante 6 metros) 264 - I - Caiapó 6 no rio do Sono no rio Amapá Grande 236 - I - Brejão 265 - I - Mosquitão(NA jusante 355 metros) 266 - I - Caiapó 8 295 - I - Cel. Arlindo Correa (NA jusante 4 237 - I - Novo acordo metros) 238 - I - Rio Sono (abaixo da foz do Balsas, 267 - I - Caiapó 9 NA jusante 179 metros) 268 - I - Caiapó 10 (NA jusante 300 metros) no rio Tartarugal no rio Bonito, afluente esquerdo do Caiapó 296 - I - Cachoeira Duas Irmãs( NA mon- no rio Balsas Mineiro, afluente esquerdo do tante 19 metros)

enotã-Mõ - Parte II - Capítulo 6 enotã-Mõ - Parte 269 - I - Bonito 1 (NA montante 570 metros) rio do Sono médio 297 - I - Cachoeira Grande 239 - E - Isamu Ikeda (NA jusante 249 270 - I - Bonito 2 271 - I - Bonito 3 (NA jusante 450 metros) 298 - I - Champion (NA montante 11 metros, Celtins) metros, Rio Tartarugalzinho) 172 240 - I - Perdida 1 (NA montante 230 272 - I - Piranhas (no alto rio Piranhas, aflu- metros, rio Perdida, afluente direito baixo ente esquerdo do baixo Caiapó, NA mon- tante 532 metros) na bacia do rio Araguari rio do sono) 299 - I - Porto da Serra (NA montante 100 241 - I - Perdida 2 (NA jusante 178 metros, na bacia do rio das Mortes, afluente esquer- metros) perto da foz ) do médio Araguaia 300 - I - Água Branca (rio Amapari, afluen- 242 - E - Itapecuruzinho (afluente direito 271 - E - Primavera (alto rio das Mortes) te direito) do rio Manuel Alves Grande, NA montante no (2002-2005) T 272 - I - Água Limpa (NA montante 467 301 - I - Bambu I (NA jusante 58 metros) 201 metros, Maranhão) metros) 302 - I - Cachoeira Caldeirão I (NA jusante 273 - I - Toricoejo 42 metros) no rio Farinha, Maranhão 274 - I - Foz do Noidore (NA jusante 257 303 - E - Coaracy Nunes (Paredão, NA ju- 243 - I - Cachoeira da Usina NA montante metros) sante 21 metros) 250 metros 275 - E - Salto Belo (NA 401 metros, afluen- 304 - I - Ferreira Gomes (NA jusante 3 244 - I - Cachoeira da Ilha te esquerdo do rio das Mortes, abaixo do metros, próximo da foz) 245 - I - Porão(perto da foz, NA jusante 156 Sangradouro Grande e acima do Pindaíba)

gético no atual gover metros) 276 - E - Água Suja (rio Itaquerê afluente Subtotal Amapá: 1 existente e 16 inventariadas no rio Itacaiunas, afluente esquerdo Tocan- esquerdo) tins, após a confluência do Araguaia, no 277 - I - Nova Xavantina (NA 388 metros, rio Pará. Pindaíba, afluente direito do rio das Mortes) Total geral na Bacia Amazônica Brasileira + Bacia Litorânea do Amapá + Bacia Tocan- 246 - I - Itacaiúnas 1 – I – NA montante 230 em afluentes do baixo rio Araguaia tins e Araguaia: 46 usinas existentes e 258 metros) 280 - I - Corujão (rio Lontra, afluente direi- inventariadas 247 - I - Itacaiúnas 2 (NA jusante 88 metros) to do Araguaia, TO) Bacia do rio Araguaia, Mato Grosso, Goiás, 281 - I - Lajes (NA montante 215 metros, rio Tocantins e Pará) Corda, afluente direito do Araguaia, TO) folha B2 03 na calha do rio Araguaia no alto rio Araguaia 282 - I - Araguanã (NA montante 150 248 - E - Alto Araguaia 1 (divisa GO-MT) metros, próximo foz do Lontra)

espeito da gênese do pensamento ener

Especialistas e militantes: um estudo a r Glenn Switkes/IRN

PARTE III Natureza: avaliação prévia do prejuízo Capítulo 7

Evolução histórica da avaliação do impacto ambiental e social no Brasil: sugestões para o complexo hidrelétrico do Xingu Robert Goodland

Resumo na prática, impedindo o proponente de usar o am- Este capítulo descreve a evolução histórica da ava- biente natural como cobaia. Muitos setores têm so- liação ambiental e social conforme aplicada nos lucionado casos legais de pessoas ou grupos que po- 175 projetos hidrelétricos brasileiros, e sugere um dem ter sido afetados negativamente por impactos método moderno em três etapas a ser aplicado na sociais ou ambientais; uma área que ainda não foi Avaliação do Impacto Ambiental para o Comple- solucionada é o caso do dano anterior às comuni- xo Hidrelétrico do Xingu. As três etapas são: apren- dades indígenas. Este é um problema contencioso der com a experiência de projetos hidrelétricos em muitos projetos hidrelétricos e encontra-se em similares no Brasil e em qualquer outra parte. Em observação minuciosa, como no caso do Complexo segundo e terceiro lugares, aplicar duas ferramen- Hidrelétrico do Xingu proposto. tas de avaliação moderna e relacionada: a Avalia- Para que o Brasil possa adotar um método com- ção Ambiental Estratégica e o Consentimento Pré- pleto e prudente para sua avaliação do impacto vio Informado. ambiental para projetos de grandes barragens, é essencial aprender com projetos internacionais Introdução anteriores similares. Uma série de diretrizes e re- comendações em pronta disponibilidade de uso A evolução histórica do movimento ambiental in- na construção de barragens para projetos hidrelé- cluiu uma internalização gradual dos custos que tricos é o relatório da Comissão Mundial sobre anteriormente eram externalizados através de toda Barragens (2000), que fornece uma base confiável a sociedade. As Nações Unidas e outras agências para a avaliação moderna do impacto ambiental e prescrevem que o criador de quaisquer impactos social dos projetos de grandes barragens, bem se- sociais e ambientais, de outra forma conhecidos melhantes a Belo Monte. como proponentes do projeto, devem ser respon- sáveis pela prevenção ou minimização de tais im- Além dessas recomendações, há dois métodos mo- pactos. Para isto, dois princípios fundamentais de- dernos e proativos de avaliação que devem ser usa- vem ser seguidos – o princípio “Poluidor Paga” e o dos. O primeiro é a Avaliação Ambiental Estratégi- “Princípio Precaucionário”, que reserva a obriga- ca, que examina minuciosamente planos, normas ção de prova ao proponente do projeto. Se uma e programas mesmo antes de um projeto específi- empresa pretender fazer emissão de uma subs- co ser identificado. O segundo método de avalia- tância no ambiente natural, ela suportará o ônus ção moderna é o uso do Consentimento Prévio In- de executar antecipadamente a devida diligência formado, através do qual os que provavelmente para garantir a segurança de tal procedimento – devem ser impactados por um projeto proposto são solicitados a consentir, uma vez que esses projetos Pesquisei ambientalmente a área de Sobradinho, da não mais podem contar com a coerção que era tão CHESF (1973), Salto Santiago, da Eletrosul (1974), comum na era militar. Essas pessoas que provavel- Foz do Areia, da COPEL (1975) e Tucuruí, da Ele- mente serão impactadas por um projeto proposto tronorte (1978) (V. Bibliografia). têm de ser convencidas de que seus benefícios e Tucuruí foi uma das primeiras barragens constru- compensação irão garantir que elas estarão de ime- ídas na floresta tropical do Brasil; assim, havia pou- diato em melhor situação com o projeto. cos precedentes para ajudar a orientar o projeto. Depois que projetei e ministrei o primeiro curso A Gênese do trabalho ambiental no Brasil de graduação do Brasil em ecologia tropical apli- cada no Instituto Nacional de Pesquisas da Ama- Comecei a trabalhar em problemas ambientais no zônia (INPA) em Manaus em meados dos anos 70, Brasil em 1969 enquanto pesquisava os ecossiste- mas do cerrado/savana para minha tese de douto- a Eletronorte me contratou para fazer um relató- rado na Universidade de São Paulo. Era uma épo- rio de cunho ambiental de 10 dias para lhes possi- ca política interessante. A linha dura da Presidên- bilitar iniciar uma avaliação total. Como a cons- cia Médici de 1969 a 1974 estimulou a autocracia trução de Tucuruí tinha começado pra valer em militar/tecnocrata e o “milagre econômico”. Mui- 1976, era muito tarde para implementar medidas tos chefes de agências eram militares, e a socieda- mais preventivas. Apesar de tudo, entreguei à Ele- de civil estava reprimida; as ONGs quase não exis- tronorte uma análise detalhada de 168 páginas em tiam; o ativismo era raro e em 1964, os sindicatos janeiro de 1978, que foi submetido ao exame mi- de classe foram banidos. O primeiro e especial- nucioso da Comissão Mundial de Barragens duas 1 mente o segundo choque de petróleo na década décadas após ter sido escrito . Além de entregar de 1970 duplicaram o custo das importações de meu relatório, conectei a Eletronorte com o INPA, petróleo no Brasil, desestabilizaram a economia e um começo naquela época, e tentei persuadir o aceleraram a construção de projetos hidrelétricos. relutante diretor do INPA, Herbert Schubart, a 176 fazer uma avaliação ambiental em Tucuruí medi- Não foi antes de o Patrono da Fundação Brasileira ante contrato com a Eletronorte. Até 1978, diver- ...de III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ Conservação da Natureza (FBCN), almirante sos anos após o início da construção, a Eletronor- José Belart, ficar profundamente preocupado com te ainda não tinha calculado quantas famílias seri- a poluição da baía de Guanabara, no Rio, que as am desalojadas pelo reservatório de Tucuruí. Mi- preocupações com o meio ambiente foram ga- nha primeira estimativa de 15.000 pessoas a serem nhando respeito. A Igreja Católica ajudou muito, desalojadas tornou-se extremamente conservado- estimulada fortemente pelo Segundo Concílio ra uma vez que mais de 40.000 pessoas foram real- Ecumênico do Vaticano, de Sua Santidade o Papa mente afetadas. Compensações injustas intensifi- João XXIII, a partir de 1962. A exemplo da Reu- caram as tensões sociais já existentes, que conti- nião de Cúpula de Estocolmo de 1972 sobre Meio nuam até hoje. Ambiente, o governo federal criou sua primeira unidade ambiental dentro do Ministério do Inte- O reservatório Brokopondo, do Suriname, com rior, habilmente conduzida pelo Dr. Paulo Noguei- 1.500 km2, enchido em 1964, era o exemplo mais ra Neto. Apesar da permanente carência recursos próximo do que aprender. A despeito das lições da unidade, Dr. Nogueira Neto, com a ajuda de aprendidas do projeto Suriname, seus problemas leais patrocinadores, conseguiu explorar o movi- repetiram-se décadas depois em Tucuruí e Balbina. mento de conservação, e ao mesmo tempo reani- Outra barragem tropical que merecia estudo era mou ações para controle da poluição. a Petit Saut, na Guiana Francesa. A Electricité de France considera Petit Saut como “ambientalmen- Nos anos 80, os bispos locais ajudaram na criação te exemplar”. Ela abastece a estação de lançamen- de uma série de movimentos sociais, incluindo a tos de foguetes de Kourou. A área de floresta

valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo Comissão Regional de Pessoas Atingidas por Bar- intacta inundada (370 km2) é importante para uma ragens (CRAB). A força do “Movimento dos Atin- produção modesta (116 MW). Como nenhuma gidos por Barragens” (MAB) de hoje confirma até árvore foi retirada deste reservatório arborizado que ponto as pessoas cruelmente expulsas por pro- raso (um média de 15 m de profundidade), a água jetos hidrelétricos foram penalizadas. não é de boa qualidade e a geração de gases de O primeiro projeto hidrelétrico em que trabalhei estufa deve ser volumosa. Como o reservatório, que

Evolução Histórica da A foi a barragem de São Simão de 1.710 MW da passou a gerar em 1994, estava localizado logo abai- CEMIG, em 1971. Depois, comecei o trabalho xo das minas de ouro, há acúmulo de mercúrio ambiental para Itaipu e para Itumbiara, de FURNAS. nos peixes. Quando eu era um dos professores do INPA em (minorias étnicas vulneráveis) – foi adotada pelo Manaus, minha análise do impacto ambiental da Banco Mundial em 1982 (Goodland, 1981). Essa Rodovia Transamazônica foi publicada em São norma foi aplicada pela primeira vez no projeto Paulo sob o título “A Selva Amazônica: Inferno Verde de Minério de Ferro de Carajás da CVRD e no pro- ou Deserto Vermelho?” (1975), embora todas as par- jeto ferroviário no ano seguinte. Extraordinaria- tes relativas aos impactos sobre os povos indígenas mente, alguns anos depois o Banco Mundial esta- tenham sido censuradas e todo o estudo tenha va financiando a metade de todas as demarcações recebido críticas da Academia Brasileira. ameríndias com a FUNAI segundo essa norma. Maritta Koch-Weser, Sandy Davis e eu, da Divisão Concluí a maior parte desses breves estudos ambi- Ambiental Latino-Americana do Banco Mundial entais como consultor “once-off”. Todo este traba- fomos encorajados por este progresso rápido a lho ambiental precedeu o estabelecimento de quais- implementar esta nova política de Direitos Huma- quer regras e regulamentos relativos a precauções nos. Foi gratificante o CONAMA ter determinado ambientais dos hidroprojetos brasileiros. Embora os EIA’s em 1986, o que foi confirmado na Consti- as análises ambientais dos hidroprojetos tenham tuição de 1988. EIA foi determinada nos Estados sido bem-sucedidas, na medida em que obtiveram Unidos em 1970, e para os projetos do Banco financiamentos do Banco Mundial, Banco Inter- Mundial em 1989. Americano de Desenvolvimento e de outras fontes, Em 1972, concluí um reconhecimento ambiental e alguns impactos tenham sido reduzidos, muitas para a Comissão Mista Técnica Paraguaia-Brasileira das medidas preventivas que recomendei não fo- e a International Engineering Co., de San Francis- ram totalmente implementadas. A ecologia aplica- co. Poucas semanas depois, quando um local espe- da e a avaliação do impacto ambiental e social rara- cífico foi acordado, o mesmo foi denominado Itaipu. mente eram reconhecidas no Brasil, e nenhuma A 13.329 MW, Itaipu continua a ser a maior hidrelé- empresa hidrelétrica individual tinha um quadro trica do mundo. A um custo original estimado de de profissionais da área ambiental na época. 3,6 bilhões de dólares, o projeto inflou para um custo 177 Estimulado pelos problemas do Projeto Polonoro- de 21 bilhões de dólares desde que começou a ge- este e da construção da rodovia BR 364, a primei- rar em 1991. O custo total é de 25 bilhões de dóla- ... III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ ra norma que escrevi – sobre os povos indígenas res. Quando o Diretor Geral Paraguaio de Itaipu,

Desmatamento Projeto Polonoroeste, Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo

Evolução Histórica da A engenheiro Enzo Tucunaré, 1976) no Pará, e Debernardi viu mi- Glenn Switkes, IRN Coaracy Nunes (40 nha coleção de cara- MW; 1975) no cóis transmissores de Amapá, aumentada doenças, Biomphala- para 67 MW em ria tenagophila, ele fi- 1999. Eram reserva- cou preocupado tórios pequenos, com o fato de jamais com 78 e 23 km2, res- ter ouvido falar de es- pectivamente, e fo- quistossomose antes ram projetados para no Paraguai (c.f., De- fornecer eletricida- bernardi 1996). Em de às cidades isola- 1992, fui convidado das da região. Embo- a retornar ao proje- ra elas tenham cria- to pela Itaipu do impactos locais, Binacional à medida não houve maiores que eles se preparavam para uma visita de campo problemas; isto levou a um falso senso de seguran- pelos delegados das Nações Unidas que participa- ça. As águas corrosivas acidificadas pela vegetação vam da Rio Environmental Summit em junho de não removida destruíram a tubulação e as turbinas 1992. Foi gratificante aprender durante minha visi- de aço. ta que a muitas de minhas recomendações de 1972 Durante a “Década da Crise” dos anos 80, o Brasil com relação ao controle da malária e da esquistos- solicitou ao Banco Mundial um apoio financeiro somose, “offsets” da biodiversidade florestal e a fun- maciço, que se transformou no “Power Sector dação de um museu de História Natural e Arqueo- Loan” de 1984. O primeiro empréstimo do setor logia foram implementadas. Embora as cachoeiras 178 (500 milhões de dólares) à Eletrobrás foi aprova- mais volumosas do Brasil, as Sete Quedas, tenham do sob a condição de que fosse elaborado um pla- ...sido III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ perdidas, a Ciudad Real de Guayrá, dos Jesuí- no mestre ambiental e social a nível setorial que tas, fundada no Brasil em 1556, foi parcialmente sal- atendesse as exigências do Banco Mundial, e que va. A remoção da biomassa do reservatório pré-re- seria totalmente orçamentado, provido de quadro presamento foi bem sucedida, embora a maior par- de pessoal e implementado. Era o começo do “EA te do perímetro do reservatório tenha sido destina- Setorial” no Brasil (ver abaixo), mas ainda preci- da para a agricultura. A passagem de peixes estava sava ser totalmente internalizado. funcionando bem para a valiosa espécie de peixes migratórios Silurid Dourada (Brachyplatyostoma As hidrelétricas de Tucuruí, Balbina e Samuel são flavicans) (Borghetti e outros, 1993, 1994). Contu- valiosas experiências de aprendizado, como mos- do, o caso dos povos indígenas foi conduzido para traram a Fearnside, Tundisi e outras. O Fearnside ficar fora da então divisão ambiental substancial, faz o diagnóstico das hidrelétricas de Balbina, Tu- habilmente chefiada por José Borghetti, e foi trata- curuí, Cotingo e Jatapu (op. cit. & 1999, 2001). do pela divisão jurídica de Itaipu. Como foi ressalta- Fearnside (1989, 1990abc) também mostrou que do por Silvio Coelho dos Santos e Aneliese Näcke o reservatório de Balbina era substancialmente (2003), o caso dos povos indígenas continua o me- maior que a estimativa original da Eletronorte. nos satisfatório dos casos ligados à hidrelétricas. Samuel, o reservatório de 560 km2 enchido em 1988, inundou a floresta tropical e teve um tempo de retenção de água superior a três meses. Os pro- Primeira Prioridade: Aprender com a blemas ambientais do Brasil com as hidrelétricas História valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo são bem descritos por Müller (1996). Os cinco projetos hidrelétricos existentes na Ama- Em fevereiro de 1988, dois chefes Kayapós, zônia oferecem uma valiosa oportunidade para Paulinho Paiakan e Kuben-I, viajaram a Washing- aprender e comparar com outros projetos inter- ton com o antropólogo Darrell Posey (1947-2001) nacionais, sobretudo para garantir a prevenção de para compartilhar sua experiência da controvér- custos desnecessários. sia das barragens do Xingu com o Banco Mundial

Evolução Histórica da A Na ocasião do primeiro empréstimo do setor ao e com o Congresso dos Estados Unidos. Na época Banco Mundial em 1984, as duas únicas barragens eu era chefe da Divisão Ambiental e Social Latino- na região amazônica eram a Curua-Una (42 MW; Americana do Banco Mundial, e estava lutando para mostrar aos Kayapó enfrentam Polícia em protesto contra as hidrelétricas, •A controvérsia da meus colegas que a Gesellschaft für Ökologische Forschung, Pabst/Wilczek hidrelétrica de Bal- usina de energia bina (ver Box) suge- atômica Angra II riu que as capacida- (apoiando assim o des ambientais da Ministro do Meio Eletronorte eram Ambiente José Lut- inadequadas. zenberger), o proje- • As peças centrais to da hidrelétrica do Plano Mestre Ele- de Balbina e as duas trobrás / Eletronorte barragens planeja- — Babaquara e das no Xingu eram Kararaô – teriam pro- imprudentes e devi- vocado os mais graves am ser excluídos do impactos de quais- Empréstimo do Se- quer projetos de hi- tor de Energia. A drelétricas no Brasil. maioria dos funcionários que assistiu à apresen- tação dos Kayapós ficou horrorizada com os fatos •O então recém-proposto barragem Ji-Paraná te- apresentados. ria inundado 100.000 hectares da Reserva Indí- gena de Lourdes e uma área de terras da união Todos os três foram presos na volta ao Brasil em (Schwade 1990). março de 1988. Os Kayapós foram obrigados a sub- meter-se a testes psicológicos e a não usar roupas •A Eletrobrás não conseguiu persuadir suas sub- Kayapó no tribunal, mas, ao invés disso, respeitá- sidiárias a proteger as famílias deslocadas pelos veis roupas do Faroeste. A Suprema Corte de Ape- reservatórios. lações negou provimento de casos contra os três •Houve diversos protestos em 1984, um por 40 dias, 179 em fevereiro de 1989. antes de a Eletronorte concordar em melhorar

... III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ Posey continuou a ajudar o chefe Kayapó, Paiakan, os reassentamentos. O general João Baptista Fi- a organizar o Encontro de Altamira em fevereiro gueiredo, Presidente do Brasil (1979-1984), tam- de 1989. A fotografia da prima do Paiakan, Tuíra bém prometeu ajudar quando inaugurou Tucu- (Tu-Ira) quase fazendo a barba do engenheiro- ruí em 1984. Embora isso tenha ocorrido através chefe da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, da formação de uma Comissão Interministerial em Altamira, em 21 de fevereiro de 1989 com um (1985), diversas reassentamentos foram construí- facão afiado, dramatizou a controvérsia em torno das em áreas que logo depois foram inundadas das barragens propostas do Xingu. Mais tarde, pelo reservatório. Depois de encher o reservató- rio, cerca de 1.500 famílias continuam sem habi- Muniz Lopes tornou-se presidente da Eletronor- tação (Sonia Magalhães 1990, 1994, 1996). te. A oposição às barragens do Xingu unificou e fortaleceu a comunidade indígena. Em outubro de 1987, persuadimos a Eletrosul a concordar com a comissão regional de pessoas afe- O segundo empréstimo do setor de energia ao tadas por barragens (CRAB) a não inundar as vi- Banco Mundial de 350 milhões de dólares, pro- gramado para 1987, não foi aprovado por diversas las dos locais das hidrelétricas de Itá e Machadinho, razões. Certamente a Eletrobrás não conseguiu no Rio Grande do Sul antes de concordar com um rebaixar as hidrelétricas inaceitáveis, nem conse- plano de reassentamento aceitável. guiu promover projetos hidrelétricos mais social e Em 1989, depois que o reservatório de Itaparica, ambientalmente benignos, como prescrevia o pro- da CHESF, desalojou mais de 7.000 famílias, os pro- jeto de seu Plano Mestre. O setor hidrelétrico teve blemas sociais se tornaram tão graves que o Banco valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo diversos problemas graves que não foram solucio- Mundial financiou o reassentamento das comuni- nados, conforme acordado no empréstimo de dades, embora anteriormente tivesse declinado de 1984. Por exemplo: financiar o próprio projeto da hidrelétrica. Os re- •A Eletrobrás não conseguiu criar internamente assentamentos de Itaparica foram discutidos no Pa- uma capacidade ambiental e social efetiva, como inel de Inspeção do Banco Mundial em 1997, mas

Evolução Histórica da A legalmente prometera fazer no primeiro emprés- ainda continuam inadequados apesar dos 7 mi- timo do setor pelo Banco Mundial (1984), ape- lhões de dólares investidos nos reparos pela CHESF sar de abrir uma unidade ambiental em 1987-8. somente em 2004. TE: A CONTROVÉRSIA DE BALBINA ELETROBRÁS/ELETRONOR chimento provocou impactos irreversíveis, especialmen- Balbina foi projetada para fornecer energia à cidade iso- te nas comunidades ribeirinhas a jusante. Antes da inun- lada de Manaus, mas o local selecionado era dação, nenhuma floresta foi desmatada e a água corroeu as máquinas de aço, que tiveram de ser substituídas a um inapropriado, pois os impactos 2provaram para uma ser modesta intensos. pro- O vasto reservatório de 2.928 km custo adicional. Anos após o início da construção na dé- , fizeram sua relação “florestas dução de 150 a 180 MW cada de 1970, quando financeiramente estimulada pelo perdidas a geração” uma das piores do mundo. A um Banco Mundial, a Eletronorte contratou a FUNAI (1987 custo estimado de 383 milhões de dólares, o custo dova- e 1990) para tentar limitar os danos provocados às co- projeto agora excede 800 milhões de dólares. O reser munidades indígenas. A Associação deva MinasIndígena de Estanho e atirou tório continua lento, com tempo de retenção de água de de Paranapanema danificou a Reser aproximadamente um ano (Fearnside 1995, 1997). Além dejetos radiativos dentro da área. Balbina inundou boa aimiri-Atroari. Desde então, e a um cus- disso, a demanda por eletricidade em Manaus cresceu parte das terras W numa velocidade bem mais rápida do que foi previsto; to adicional substancial, foram tratados algunsaimiri-Atroari dos im- assim, Balbina tornou-se apenas um modesto fornecedor pactos do projeto Balbina sobre o W de eletricidade quando a demanda superou a casa dos (Marewa 1987, Baines, 1988, 1991, 1993, 1994a, b, 600MW, levando ao racionamento e posteriormente a Schwade 1990b), bem como sobre os peixes, tartarugas graves apagões. A Eletronorte colocou o coronel Willy e os peixe-boi. O projeto Balbina prejudicou a reputa- Pereira como encarregado de minimizar os impactos am- ção da indústria hidrelétrica, e ajudou a criar oposição bientais e sociais, mas sem um quadro de pessoal profis- internacional contra os projetos de hidrelétricas (McCully sional para lhe prestar assistência. Portanto, pouca ou 1996, Khagram 2004). nenhuma precaução foi integrada em Balbina. Interrom- per o fluxo do rio durante o período prolongado de en-

Desde então, o Banco Mundial não apoiou ne- grade nacional ao preço mais baixo, externalizan- nhum projeto hidrelétrico no Brasil. Em 1999, o do estos custos. Ministro da Energia rejeitou os 500 milhões de dó- Outra experiência de aprendizado, que é essenci- lares propostos pelo Banco Mundial em apoio à al antes de investir em nova capacidade de gera- transmissão, eficiência e fortalecimento da capa- 180 ção, é acessar a rentabilidade da geração existen- cidade (Gall 2002). De fato, a maioria dos proje-

... III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ te. Particularmente, até que ponto a energia de tos de grandes barragens criam danos tão graves Tucuruí beneficiou os cidadãos de Belém, a popu- que hoje são menos promovidos como “desenvol- lação do Pará e a Nação como um todo? A geração vimento” (Usher 1997, McCully 1996, Khagram de empregos devia ser um dos critérios mais influ- 2004, Switkes 2001, Scudder 2005). O Banco Mun- entes dos projetos de desenvolvimento, mas Tucu- dial, contudo, investe no Banco Nacional de De- ruí criou apenas 2.000 empregos. O Brasil pode senvolvimento do Brasil (BNDES), que pode “on- querer reavaliar sua política industrial (Mello, lend” para Belo Monte. Este elo entre o Banco 2002) com relação ao saldo entre o processamen- Mundial e Belo Monte permite que o Banco Mun- to primário para exportação (p.ex., dois milhões dial intervenha em casos de orientação para aju- de toneladas de lingotes de alumínio / ano) por dar a impedir que o Brasil entre em colapso outra um lado, ou captando agregação de valor pelo pro- vez. Os empréstimos através do Banco Inter-Ame- cessamento doméstico e aumentando a geração de ricano de Desenvolvimento para grandes barra- empregos por outro lado. A proporção de empre- gens exacerbou os problemas brasileiros e contri- gos criados por unidade de energia é mais impor- buiu para sua crise de energia e o racionamento tante do que os lingotes produzidos por unidade que resultou (Switkes 2001). de energia. Como maior devedor do mundo em desenvolvi- mento, o Brasil paga mais agora em serviço da dí- vida do que durante a crise da dívida dos anos 80. Segunda Prioridade: Classificação da SEA A Eletronorte intensificou sua dívida socialmente e Custo Mínimo valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo danosa. A avaliação ambiental e social de Belo A classificação de custo mínimo começa com a Monte (Eletronorte 2001? s/d) confirma que con- anuência de objetivos e necessidades. Que quanti- tinua externalização por Eletronorte dos custos dade de energia é necessária naquelas datas e qual sociais e ambientais (cf: Forline e Assis, 2004). Isto a seqüência de menor custo para atender aquelas é parte do motivo pelo qual a indústria de barra- necessidades? A rega prudente é cuidar das op- gens tem resistência quanto à internalização dos ções de custo mínimo (incluindo em especial os

Evolução Histórica da A custos sociais e ambientais, e em todas as probabi- custos sociais e ambientais) antes das opções de lidades, a licitação vencedora de Belo Monte rece- custos mais altos. Esta “Análise de custo mínimo” berá a oferta proposta para vender eletricidade à é uma ferramenta padrão, amplamente aceita por Hidrelétrica Balbina, 1987 Aguirre/Switkes, AMAZÔNIA

181 economistas e engenheiros, que deve ser aplicada reativa; SEA é proativa. Assim, SEA é “EA acima e no seqüenciamento de Belo Monte com as alter- antes do EA convencional a nível de projeto”. ... III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ nativas mais viáveis. A melhor forma significa in- 2. SEA concentra-se em três principais classes de vestir nas medidas (econômicas, sociais e ambien- trabalho: tais) de custo mais baixo, antes de investir nos pro- jetos de custo mais alto. As diversas partes da res- (a) Normas – legislação, e outras regras que re- posta precisam ser classificadas e seqüenciadas na gem as ações; ordem de impactos e custos sociais e ambientais. (b) Planos e estratégias, incluindo planos regionais, O seqüenciamento de custos mínimos ambientais planos para bacias hidrográficos e planos setoriais e sociais hoje é denominado Avaliação Ambiental (p. ex., códigos novos ou revisados sobre água, mi- Estratégica (SEA). neração ou hidrocarbonetos, uma nova estratégia A SEA seqüência as alternativas a fim de rebaixar de redução da pobreza, ou orçamentos anuais) os planos menos viáveis e promover os melhores (c) Programas – ou conjuntos de projetos coor- planos. Todas as alternativas de menor impacto denados, ao invés dos próprios projetos individu- devem ser esgotadas antes de absorver uma alter- ais específicos, em parte porque os projetos espe- nativa mais arriscada e de maior impacto. SEA é cíficos são identificados na conclusão da Avalia- um critério efetivo para selecionar projetos de ção Ambiental Estratégica (SEA). menor impacto e para interromper ou adiar pro- 3. SEA é programada desde o início, “a montan- jetos de impactos inaceitavelmente altos. te”, assim que for decidido um esboço de norma,

Os principais elementos da definição internacio- plano ou programa, e bem antes de os projetos valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo nalmente aceita da SEA (Goodland 2004b, 2005) individuais terem sido identificados. A SEA come- incluem: ça assim que a obra começa em um setor. 1. SEA é definida como a avaliação ambiental e 4. SEA é projetada para identificar, prever, rela- social de planos, programas e políticas. SEA é um tar, prevenir, compensar, intensificar ou de outra processo — proativo, ex ante, formal, sistemático e forma minimizar as implicações sociais, ambien-

Evolução Histórica da A de rotina. É flexível e feito sob medida para a tare- tais e de saúde da norma, plano ou programa. Em fa. Todas as SEAs levam a um documento – embo- particular, a SEA é eficiente na prevenção de er- ra não seja uma formalidade “once-off”. EA é ros dispendiosos e danosos. SEA x Avaliação Ambiental ’) minucioso, a Avaliação Ambiental Estratégica (SEA) foi 4 A avaliação ambiental e social (doravante denominada ‘EA criada para avaliar as opções antes de um projeto ser iden- enfatiza um projeto específico uma vez definido (uma ro- tificado. Integrada, a avaliação participativa é determina- dovia específica, por exemplo). Uma das principais lutas da no Brasil pela Lei Federal PNRH 9433/97, e promovi- nos últimos trinta anos foi começar o processo EA assim da pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA/SQA 2002). que o projeto foi identificado. Embora ainda existam mui- O Plano Decenal de Expansão dos Sistemas Elétricos, da tas EA’s post hoc acrescentadas no final de um projeto con- Eletrobrás, inicialmente produzido em 1990 é um bom cluído, mesmo após a construção, para justificar as deci- começo para a SEA, porque visa seqüência, ou classifica as sões já tomadas, a maioria das EAs hoje começa imediata- facilidades da próxima geração e as linhas de transmissão mente depois que um projeto é identificado. Este é um caso com base na demando do projeto, custo e impactos raro, mas ainda no Brasil. Sevá (2004) mostra que aos 18 ambientais. Após o Plano Decenal 2000/2009 da Eletro-- anos desde a lei de Avaliação Nacional do Meio Ambiente brás, ele foi assumido pelo Ministério das Minas e Ener (CONAMA), de 1986, a avaliação do meio ambiente ainda gia. A avaliação estratégica foi projetada para a bacia ocantins/Araguaia, mas ainda não foi em- não é iniciada antes da tomada de importantes decisões. hidrográfica do T preendida (ANA, Março de 2003). Em junho de 2004, a Contudo, vemos agora que é difícil para a EA a nível de Eletrobrás (e a CEPEL) anunciaram uma “Metodologia projeto recomendar uma ferrovia ao invés da rodovia pro- para Avaliação Ambiental Estratégica Setorial” a ser apli- posta, por exemplo, ou recomendar uma usina a gás ao in- cada no setor elétrico, brevemente disponível. Chegou a vés da usina a carvão proposta. Principalmente com a 3fina-, de hora da SEA. lidade de submeter essas decisões mais importantes maior ordem ou estratégicas a exame ambiental e social

5. SEA é uma ferramenta de tomada de decisão concordar com a classificação de todas as alternati- projetada para promover melhores projetos, adi- vas. O consentimento é ganho quando os depositá- ar projetos questionáveis e ajudar a cancelar os rios concordam com as prioridades. A exclusão trans- 182 piores projetos em um programa. SEA seleciona parente de uma alternativa é uma parte importante entre as alternativas, e as melhores SEAs classifi- da SEA e do FPIC. A anuência com relação à classi-

... III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ carão alternativas em uma ou mais ordens de qua- ficação desejável encoraja o consentimento. lidade (por exemplo, mais sustentável contra a menos sustentável (Veja Box “Sustentabilidade”), menos impactos sociais negativos contra a maio- Terceira Prioridade: Reassentamentos e res impactos sociais). SEA inclui “EA Regional”, Livre Consentimento Prévio Informado bem como “EA Cumulativo”.2 Assim, SEA evita a “O que deve ser combatido são as decisões autoritárias necessidade de EAs a nível de projeto “Análises tomadas sem a participação pública”. Luiz Pinguelli de Alternativas”. Rosa, 1990, Presidente da Eletrobrás 2003-2004. 6. SEA é totalmente transparente e participativo, As duas maiores precauções necessárias aqui são, em conforme determinado pela Convenção Århus das primeiro lugar, para com as comunidades indíge- Nações Unidas, por exemplo. O consentimento nas, e em segundo lugar o desalojamento de pesso- prévio totalmente informado (FPIC) é a meta (ver as em geral, incluindo Reassentamento Involuntário. abaixo). O reassentamento involuntário deve tornar-se 7. SEA posteriormente muda de fase para EA con- consensual (através do FPIC. Ver abaixo), e melho- vencional de projetos individuais. EA a nível de rando os benefícios para as pessoas atingidas. projeto é reativo na medida em que toma um pro- O reassentamento das pessoas desalojadas é uma jeto proposto e avalia as implicações ambientais. valiosa oportunidade para desenvolvimento. O EAs que obedecem seguir a SEA serão mais rápi- reassentamento tem de ser consensual; coerção valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo das e custarão menos, uma vez que somente os não tem mais lugar no processo de desenvolvi- melhores projetos foram absorvidos, e a Análise mento econômico. A Política Nacional de Recur- de Alternativas será desnecessária. sos Hídricos do Brasil de 1997 e a Constituição 8. Finalmente: SEA é estreitamente ligada ao Livre de 1988 determinam que as pessoas afetadas de- Consentimento Prévio Informado (Free Prior vem ter parte nos benefícios do projeto, como o Informed Consent, ou FPIC: ver abaixo). Consenti- recebimento de uma fração bem pequena (por

Evolução Histórica da A mento prévio significa que todos os interessados têm exemplo, 1%) das vendas de eletricidade perpe- de tratar todas as alternativas para o projeto pro- tuamente. O proponente do projeto deve retifi- posto, concordar com uma metodologia e depois car qualquer dano social anterior que possa ter criado antes da permissão para iniciar um novo Um projeto tende a falhar se houver oposição sig- projeto. Se o proponente não remediar o dano nificativa de base ampla, e os projetos de desen- anterior, é improvável evitar a repetição do dano volvimento que dependem do deslocamento no futuro. As multas são para estimular as em- involuntário de massa, tais como reservatórios em presas a evitar tais danos e acelerar a retificação terras de população densa, devem ser reprojetados. imediata. Alternativamente, o FPIC pode ser obtido garan- tindo-se benefícios às comunidades impactadas A restituição e as compensações por danos anteri- através de seguros, seguros-desempenho ou fun- ores são cada vez mais mencionados (Baron, dos fiduciários caucionados. c.1989, WCD 2000). Empresas esclarecidas anun- ciam seguros-desempenho ou outro tipo de segu- FPIC ajuda mais os pobres do que os ricos, que ros para garantir qualidade aceitável. usualmente não são coagidos a aceitar ações po- tencialmente danosas, uma vez que tendem a ter A principal ferramenta ou metodologia para esti- mais poder e voz. Os pobres tendem a aceitar tra- mular o consentimento é o Livre Consentimento balhos mais arriscados e condições inseguras de Prévio Informado (Free Prior Informed Consent - trabalho, e podem fornecer o consentimento de FPIC). FPIC é um processo para melhorar o de- forma mais imediata do que os ricos, estritamente 5 senvolvimento. FPIC significa que as comunida- devido à necessidade. Portanto, o FPIC é uma con- des atingidas têm de concordar com um projeto dição necessária mas insuficiente para permitir um antes de executar o mesmo. Esta postura tem sido projeto de desenvolvimento. reforçada gradativamente desde a década de 1980, com a primeira aceitação internacional de que o Ouvir as pessoas que usualmente eram prejudica- desalojamento de pessoas não deve ser executado das pelo desenvolvimento é um processo relativa- se as comunidades potencialmente atingidas con- mente novo. Nas décadas de 1950 e 1960, as pes- siderar inaceitável. Todo desalojamento deve ser soas na iminência de serem prejudicadas por um tão atraente a ponto de ser inteiramente voluntá- projeto poderiam ser informadas com antecedên- 183 rio. “Aceitação geral” seria a regra. Os desalojados cia, mas raramente ajudadas. Freqüentemente era se tornariam beneficiários do projeto. dito que “não se pode fazer um omelete sem que- ... III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ brar os ovos”. Com a disseminação da democra- Embora não seja perfeito, o FPIC é um grande cia, e o Partido dos Trabalhadores de Lula na lide- aprimoramento do uso da força no desenvolvimen- rança do País, a opinião das pessoas tinha de ser to ou imposição de condições involuntárias sobre reconhecida. FPIC foi claramente operacionaliza- as pessoas impactadas. FPIC fornece às comunida- do por Mehta e Stankovitch (2000). Bass e outros des potencialmente impactadas informações sobre (2004) fornecem estudos de casos detalhados o projeto proposto e estimula seu consentimento. mostrando como o PIC foi abordado no caso de Começa com a provisão de detalhes sobre a natu- mineração. A autorização legal para o PIC é des- reza de uma ação proposta, e os riscos, benefícios crita por MacKay (2004). e alternativas para a ação proposta. FPIC pode ser um processo para proteger os consumidores for- Principais características principais do FPIC: (1) é necendo informações relevantes para que eles dado livremente, (2) é totalmente informado, (3) possam fazer escolhas conscientes. é obtido antes da permissão para um proponente proceder com o projeto, e (4) é consensual. FPIC é uma ferramenta para dar aos agentes de 1. “Dado livremente” significa que as pessoas po- desenvolvimento uma “licença social” para operar. tencialmente afetadas devem oferecer seu con- O processo FPIC é um importante meio de asse- sentimento livremente. O consentimento deve ser gurar que as comunidades potencialmente afeta- totalmente voluntário. Em outras palavras, as pes- das tenham todas as informações necessárias à sua

soas não devem ser forçadas ou induzidas a con- valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo disposição para negociar em igualdade de condi- sentir . ções com os proponentes do projeto. A negocia- ção equilibrada demanda educação dos participan- 2. “Totalmente informadas” significa que as pesso- tes (governos, proponentes, comunidades atingi- as afetadas conhecem e entendem bem os seus pró- das) com relação a seus direitos e responsabilida- prios direitos, bem como a implicação do projeto des. Governo e proponente devem ser legislados proposto, como acontece com os proponentes, de

Evolução Histórica da A para tentar o FPIC. A negociação entre as partes modo que ambos os lados possam negociar com assimétricas usualmente exige advogados, igualdade de informações. Isto significa duas cate- facilitadores e assistência técnica. gorias de informações. Primeiro o lado vulnerável imediatamente para o critério de compreensão de “totalmente informado”. Terminologia - 1. Consulta: Os participantes têm as mesmas infor Não é possível obter o FPIC se as pessoas envolvidas mações sobre o projeto proposto, bem como os pro- jamais tiverem visto um exemplo do projeto pro- ponentes. As opiniões dos participantes foram ativa- posto. Não é bom pedir opinião das pessoas sobre mente solicitadas e consideradas pelos proponentes. Os participantes totalmente informados tomaram uma mina de ouro se eles não sabem o que é uma parte em todo o processo de tomada de decisão. mina de ouro. Igualmente, mesmo se as pessoas ti- 2. Participação: A participação é o processo através verem visto uma rodovia no país, não é legítimo do qual os participantes influenciam e compartilham pedir que elas imaginem uma estrada algumas or- controle sobre a colocação de prioridades, elabora- dens de grandeza maior que a estrada que elas co- ção de normas, alocação de recursos e acesso aos bens e serviços públicos. A participação não poderá ser nhecem, e fazer perguntas sobre aquela rodovia significativa se não incluir a possibilidade de rejeitar imaginada. Formular perguntas sobre um projeto a proposta, em outras palavras, dizer “não”. de infra-estrutura que eles nunca viram significa 3. Consentimento: Este termo abrange a participa- pedir que eles exercitem sua imaginação. Se uma ção significativa. Consentimento significa que as co- pessoa é questionada sobre a aceitabilidade de um munidades participantes totalmente informadas acei- tam o projeto proposto, inclusive os impactos previs- reservatório – “como o reservatório da fazenda que tos, com a condição de que, conforme antecipada- você conhece bem, só que milhares de vezes mai- mente acordado de forma ampla, os impactos sejam or” – a imaginação não dará uma base adequada minimizados, as pessoas afetadas sejam incluídas no fluxo de benefício e outras formas de compensação para uma resposta válida. sejam garantidas. No caso de Ontário, Canadá, o governo achou impossível obter o consentimento totalmente in- formado sobre sua proposta para localizar novas e mais fraco dos dois lados deve entender quais são usinas de energia nuclear. O governo, portanto, os seus direitos, usualmente seus direitos territoriais financiou uma experiência de aprendizado que históricos – seus direitos às terras onde vivem há 184 permitiria que as pessoas potencialmente afetadas diversas gerações, e seus direitos de acesso aos re-

... III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ pudessem entender as perguntas que no futuro cursos naturais dos quais elas dependem, como lhes seriam formuladas. Este “Financiamento do pesca nos rios próximos. Os indígenas têm o direi- Interventor” agora é lugar-comum. O financiamen- to de determinar o curso e o ritmo de seu próprio to do interventor aumenta a capacidade das co- desenvolvimento, direito de autodeterminação. As munidades afetadas de projetar estudos, formular ações facilitadoras do processo do FPIC usualmen- as perguntas certas e assimilar os resultados — tudo te são promovidas de forma mais satisfatória por antes de decidir sobre o FPIC. agentes neutros (Colchester e outros, 2003). No caso das barragens, as pessoas vão até a próxi- A segunda categoria de informação diz respeito à ma barragem similar de modo que possam enten- natureza do projeto que está sendo contemplado der com é um reservatório e possam passar alguns pelo proponente. As pessoas afetadas devem en- dias conversando detalhadamente com pessoas que tender os danos e riscos potenciais que podem lhes anteriormente foram impactadas por uma barra- acarretar se aceitarem o projeto. Cenas de “piores gem relativamente antiga. Explicar com que um casos” e possíveis desastres precisam ser entendi- projeto será parecido não é fácil. Embora os mo- das. Por exemplo, na experiência de muitos povos delos de escala, vídeos, mapas, diagramas, fotos indígenas, pode estar além de sua imaginação que etc., possam ajudar, provavelmente não são sufici- um rio possa morrer, evaporar. Contudo, a indús- entes. As pessoas afetadas, ou seus representantes, tria pode facilmente matar um rio. Não é fácil para precisam visitar projetos similares e conversar com muitos indígenas imaginarem a possível morte de pessoas que originalmente passaram por impac- um rio, a esterilização de uma área do oceano ou

valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo tos similares. “Totalmente informado” é o signifi- a remoção irreversível de uma região de floresta. cado de igualdade de negociação. Muitas empre- Até os danos de um incêndio florestal raro e de- sas exigem a formação de relacionamentos recí- vastador, dentro da memória viva ou na história procos antes de iniciar legitimamente as negocia- verbal, não são irreversíveis. O renascimento res- ções. A falta de compreensão de todas as informa- taura muitas necessidades de recursos após alguns ções significa que a falta de informação das pesso- cinco ou dez anos. Mostrar um desenho animado Evolução Histórica da A as está sendo explorada pelo proponente. ou um vídeo de um projeto ou acidente similar em qualquer parte não pode ser presumido como 3. “Prévio” significa que o consentimento deve ser suficiente para levar as pessoas afetadas a passar obtido antes da permissão ser concedida para que proponente dê continuidade ao projeto proposto representantes, e às vezes por sucessivos dias jun- que afetará as comunidades. Isto quer dizer, bem tos, até obter um consenso. antes de uma agência de financiamento conside- O ponto essencial do PIC é que as comunidades rar o pedido de financiamento do projeto. O afetadas devem entender que serão beneficiadas consentimento é melhor obtido como parte do do projeto proposto, e que esses benefícios espe- processo EA/SA. Os impactos são previstos em cíficos excederam em muito qualquer simulação conjunto e sua minimização também é projetada de “pior-caso” sobre impactos não previstos. As co- em conjunto. Como Sevá conclui em seu estudo munidades afetadas devem estar convencidas de de EPIA (2003), o consentimento deve ser obtido que existem mecanismos efetivos para garantir seus antes de o projeto poder ser feito em detalhes. benefícios, a compensação será justa e a reabilita- 4. “Consentimento” significa a anuência voluntá- ção garantirá que as comunidades estarão clara- ria harmoniosa com as medidas projetadas para mente melhores com o projeto. Além disso, as tornar o projeto proposto aceitável para as comu- pessoas afetadas devem entender que elas estarão nidades potencialmente afetadas. O FPIC não de- totalmente envolvidas na monitoração legalmen- manda consenso absoluto; basta uma maioria sig- te executável a fim de garantir o cumprimento do nificativa. Uma maioria de 51% é suficiente em que quer que elas estejam consentindo. eleições democráticas, o que pode ser usado como O FPIC essencialmente é transmitido na negocia- guia para a definição de “maioria significativa”. ção, que só pode funcionar quando as duas partes Há diversos mecanismos para obter o FPIC, em- em negociação possuem as mesmas informações e bora eles possam ser chamados por diferentes ter- não têm um desequilíbrio de forças. A negociação mos. Plebiscitos (votos diretos por assunto indivi- pode ser muito difícil para o parceiro mais fraco, dual), consultas populares (voto sobre uma pro- em parte porque a “arena” muda a cada ano, o posta ou endosso posterior de um acordo obtido preço do produto exigido pelo proponente pode por líderes ou por um corpo legislativo) por exem- flutuar e as regras e leis que regem o desenvolvi- plo, são usados quando necessário. Se houver mento e os direitos humanos mudam com o pas- 185 oposição substancial ao projeto proposto, o FPIC

sar dos aos. ... III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ torna-se menos possível de obter. Embora não existam regras difíceis e rápidas sobre um acordo As pessoas potencialmente atingidas se organizam de fracionamento, o ponto é usualmente menos para compreender seus direitos e os riscos poten- importante do que parece. A maioria das empre- ciais da proposta, e têm de ser capazes de negoci- sas relevantes discute problemas importantes em ar um acordo de “Impactos e Benefícios”. Em ou- conjunto, como uma comunidade, com líderes e tras palavras, as comunidades afetadas precisam

Que é sustentabilidade? capital natural e o capital artificial, isto é, criado pelo ho- , 2004 De acordo com: Goodland & Daly mem, são amplamente complementos, e aquele capital. na- tural está se tornando cada vez mais o fator limitador 1. Renováveis: Sustentabilidade de recursos renováveis sig- nifica a manutenção do capital natural, ou fontes não 4. Controle da Produção: A produção ou rendimento não esgotáveis e capacidades das bacias. A meta da escala sus- pode ser controlada sem que as restrições sejam colocadas tentável da economia humana em relação a seu ecossiste- nos produtos (p. ex., poluição, emissões de GHG), bem ma circunvizinho, exigirá um limite social ou coletivo so- como sobre os insumos (p.ex., combustível fóssil). Freqüen- bre a produção total (fluxo de matérias-primas e energia temente, é possível uma maior eficiência no uso de matéri- as-primas (por um fator de 4 ou mesmo 10). Como existemvas das fontes do ecossistema - minas, poços, florestas, terras vão, poços de petróleo e reser férteis, áreas de pesca], através das economia, e de volta às poucas minas de car bacias do ecossistema [depressões, atmosfera, mar] para hídricas na floresta em relação aos números de tubos de

manter-se dentro das capacidades de absorção e regene- aspiração, geradores de eletricidade e chaminés, seria efici- valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo ração das fontes e bacias do meio ambiente. ente para controlar o esgotamento de combustível fóssil (p.ex., imposto de indústria extrativa na boca da mina ou 2. Não renováveis: A quase sustentabilidade serafiana dos cabeça do poço, ao invés de controlar milhões de usuários. recursos não renováveis implica o esgotamento dos mes- A grande vantagem é que se o influxo de matérias-primas mos numa proporção igual ao desenvolvimento dos subs- do meio ambiente para a economia for limitado, os produ- titutos sustentáveis (El Serafy 2002). tos, poluição e GHG serão automaticamente limitados.vatóri- Se 3. Sustentabilidade Fraca x Forte: Manter intacta a soma do as fontes ambientais forem controladas (p.ex.,vadas. reser capital natural e artificial é sustentabilidade fraca, dentro os “sujos”), as bacias ambientais serão conser Evolução Histórica da A da suposição de que são amplamente substitutos. Manter o capital natural intacto, sustentabilidade forte, supõe que o estar aptas a equilibrar os riscos e custos potenci- e está sendo substituída por investimentos dire- ais de um lado, com o que está sendo oferecido tos no setor social: educação, saúde, nutrição, pelo proponente ou exigido pela comunidade do geração de empregos e desenvolvimento condu- outro lado. Os sindicatos trabalhistas às vezes tem zido pela comunidade. um papel na delegação de poderes aos pobres para ·A transição do paternalismo, autocracia e melhorar a relação benefício/impacto. elitismo para democracia e política com origem Há poucos precedentes para a “melhor prática” no povo reduz o risco de corrupção, injustiça so- para fundamentar as negociações. Algumas comu- cial e má administração da economia bruta. nidades locais impactadas não recebem royalties. ·A coerção ou uso da força contra pessoas relu- Uma comunidade poderia receber 20% de royalties, tantes, como na reassentamento involuntário, in- mas isto poderia depois ser deduzido do que o valida a teoria econômica e torna-se inaceitável governo central previamente alocou para aquela no desenvolvimento econômico. comunidade, fazendo o benefício cair para zero. Algumas comunidades impactadas tentam 100% ·A tendência de internalizar os custos exter- de royalties para recursos extraídos de suas terras. nos (p.ex., impactos sobre as pessoas, especi- No caso do oleoduto de Chad-Cameroon, 5% de almente o vulnerável e sobre o meio ambien- royalties foram alocados para a região produtora te) é intensificado à medida que a democra- de petróleo. Se os termos escritos e detalhados do cia é restaurada. processo de negociação forem amplamente acei- ·A internalização eleva os custos dos projetos com táveis para as pessoas potencialmente afetadas, o graves impactos (como brandes barragens), e re- FPIC foi atingido. O consentimento é ganho quan- duz os custos dos projetos de baixo impacto, do há aceitação pública demonstrável do contrato como energia renovável (conservação, eficiên- negociado de forma transparente. cia, eólica, solar, biomassa), às vezes com gás Se as comunidades bem informadas e potencial- natural como um combustível de ligação para 186 mente afetadas rejeitarem um projeto proposto, uso mais completo dos renováveis.

...mas III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ o projeto continuar acima de suas objeções, a ·A avaliação ambiental estratégica garante que os democracia e as liberdades terão sido questiona- projetos com impactos aceitáveis são acelerados, das. O uso do despejo e do desalojamento forçado enquanto os projetos com impactos não aceitá- devido à falta de consentimento implica autocra- veis são cancelados. cia, e não democracia. Isto não pode ser interpre- tado como uma licença social para operar. O FPIC ·O Prévio Consentimento Informado, conforme equilibra o interesse nacional com os direitos co- estimulado pelas Nações Unidas, CMB e EIR, munitários. Claramente, não deve ser do interesse deve ser tentado por quaisquer grandes projetos nacional se uma mina extraordinariamente lucra- em todos os setores em nossos dias. tiva, por exemplo, for mantida como refém por ·O atendimento às recomendações da Comissão uma família ausente com uma casa sobre o filão. Mundial de Barragens melhora bastante a O FPIC não delega poder de veto a uma família aceitabilidade dos projetos propostos. individual. Mas o FPIC protege os pobres de modo que eles não venham a sofrer muito com os im- pactos do desenvolvimento. Agradecimentos Calorosos agradecimentos pela iniciativa exem- Conclusões plar de Marcus Colchester, Roberto Cavalcanti de Albuquerque, Ted Scudder, Salah El Serafy, · As estatísticas sugerem que a era dos grandes Patrick McCully, Glenn Switkes e Oswaldo Sevá. hidroprojetos “de cima para baixo” e planejados

valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo Cordiais agradecimentos a meus ex-parceiros do centralmente pode ter chegado ao fim. Banco Mundial nesta saga: Maritta Koch-Weser, ·A economia tipo “trickle down” ou fluxo descen- Herman Daly, Sandy Davis, Mike Cernea e Marc dente está perdendo rapidamente credibilidade Dourojeanni.

Evolução Histórica da A Referências citadas e fontes adicionais de informação

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... III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ riozinho do Anfrisio: seringueiros, Sevá Filho, A. O. 2004. Desfiguração Treccani, G. D. 2001. Violência e indios, e outros brasileiros. do licenciamento ambiental de gran- grilagem: instrumentos de aquisição da Pontes Jr., F. & Beltrão, J. F. 2004. Xingu, des investimentos. São Paulo, propriedade da terra no Pará. Belém, barragen e nações indígenas. Belém do ANPPAS 20 p. ITERPA e UFPA, Centro de Ciências Jurídicas. Pará, Univ. Federal do Pará: 28 p. Sevá Filho, A. O. 2002. Mega-projeto Ramos, A. R. 1998. Indigenism: Ethnic hidrelétrico no Rio Xingu. Sobrevive Tundisi, J.G., Santos, M.A., & Menezes, politics in Brazil. Madison, Univ. a insanidade eletrocrática que pariu C.F.S. 2000? (n.d.). Tucurui reservoir Wisconsin Press 326 p. Itaipu e Tucurui? Campinas SP., and hydroelectric plant: Management experience brief. 20 p. Reis, M. J. & Bloemer, N. M. S. (org.) UNICAMP: 32 p. 2001. Hidrelétricas e populações locais. Silva, M. das G. da. 1997. Planejamen- Usher, A. D. (ed.) 1997. Dams as aid: A Florianópolis Cidade Futura, Editora to territorial, deslocamento compulsó- political economy of Nordic development da UFSC 198 p. rio e conflito sócio-ambiental: mosqui- thinking. London, Routledge 200 p. Rovere, E. L. La. 1993. O processo de to e pistolagem na barragem de Tucu- Vainer, C. B. 1993. População, meio am- avaliação de impactos ambientais e a ruí. (Dissertação de Mestrado). Rio de biente e conflito social na construção de geração hidrelétrica no Brasil. em Janeiro: IPPUR/UFRJ. hidrelétricas. em Martine, G. (Org). Po- Marin, R. A., Hoyos, J. L. P. e Bardalez, Singer, P. 1997/2004. Social exclusion pulação, meio ambiente e desenvolvi- J. I. (org.). Hidrelétricas: conhecimen- in Brazil. Geneva, UN ILO mento: verdades e contradições. São Paulo, Editôra UNICAMP: 207 p. to e dimensão ambiental. Belém do Sigaud, L. 1998. Crença, descrença e Pará, UFPA/NUMA/NAEA: 174 p. interesses: por uma sociologia das Verissimo, A., Cochrane, M., Souza. C. and Rylands, A. B. & Luiz Paulo de São Pau- condutas face ao deslocamento com- Salomão, R. 2002. Priority areas for estab- lo, 1998. Conservação da biodiversida- pulsório. em Energia na Amazônia. lishing national forests in the Brazilian de na Amazônia Brasileira: uma análi- Magalhães, S., Britto, R. C. & Castro, Amazon. Conservation Ecology 6(1). se do sistema de Unidades de Conser- E. (Org.). Energia na Amazônia. World Commission on Dams, 2000. valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo vação. Rio de Janeiro, Fundação Brasi- Belém do Pará. MPEG/UFPA/ Dams and development: a new frame- leira para o Desenvolvimento Susten- UNAMAZ: 2 vols. work for decision-making. London, tável. 63 p. Sigaud, L. 1990. Social implications of Earthscan Publications 402 p. Santos, G. M. & Merona, B. 1996. Im- the electric sector policy (97-104) em Wright, A. & Wolford, W. 2003. To in- pactos imediatos da usina hidreletrica Santos, L.A. de O. & Andrade, L.M.M. herit the earth: the Landless Movement de Tucurui sobre as comunidades de de, (eds.) Hydroelectric dams on and the struggle for a new Brazil. Oak- peixe e a pesca. em Britto, R. de C. et al. Brazil’s Xingu river and Indigenous land CA., Food First Books 368 p.

Evolução Histórica da A Notas

1 COPPE 2000, Fearnside 1999, 2001, para soja significa mais florestas para 3 O FPIC foi adotado por diversas agên- Hebette 1996, Tundisi 2000. cortar ilegalmente. A estimativa de cias das Nações Unidas (p.ex., UN ILO), 2 (a) A Rodovia Cuiabá-Santarém aumento da produção de soja em 25 e Tratados Internacionais das Nações (BR 163), de 784 km, está programa- milhões de toneladas/ano de Guapo- Unidas (p.ex., Convenção de Rotterdam da para ser pavimentada em breve ré (Complexo Hidrelétrica - Hidro- (após 10 anos de testes). O IFC do Banco (por 175 milhões de dólares) e sua viário do rio Madeira significa que Mundial usa o FPIC e foi determinado 2 EIA está sendo preparada a partir de mais 80.000 km de florestas serão pelo Banco Interamericano de Desenvol- 2004. Esta rodovia é destinada prin- perdidos; incompatível com o zone- vimento desde 1978 (MacKay 2004). A cipalmente para soja do Mato Gros- amento oficial de Rondônia, mas fi- Comissão Mundial de Barragens o deter- so a Santarém. O terminal da Cargill nanciado (duas vezes) pelo Grupo do mina para as comunidades indígenas, e a significa que 500.000 ha de floresta Banco Mundial. (b) Claramente, as Análise da Indústria Extrativa indepen- entre Santarém e Belterra à margem linhas de transmissão necessárias dente do Grupo do Banco Mundial do FLONA Tapajós terão de ser para Belo Monte têm de ser uma par- (2003) o transformou em prioridade su- destruídos. Melhorar uma rodovia te importante da SEA. perior (Goodland 2003)

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... III - Capítulo 7 - Parte Tenotã-Mõ

valiação do Impacto Ambiental e Social no Brasil: Sugestões para o Complexo

Evolução Histórica da A 7. 1. A lógica da Volta Grande adulterada: conseqüências prováveis afetando moradores urbanos, rurais e ribeirinhos em Altamira e municípios vizinhos; efeitos possíveis para os arquipélagos, pedrais, cachoeiras, e na “ria” do baixo Xingu.

Oswaldo Sevá

O patamar máximo da tragédia no Xingu seria o Grande se fosse um dia construída tal obra? Con- resultado conjunto das seis obras previstas : quase forme já vimos no resumo executivo desse livro, a 192 20.000 km quadrados no perímetro das represas, idéia dos engenheiros para aproveitar o desnível de e outro tanto ou mais do que isto, de terreno quase 90 metros de altura do rio Xingu entre o iní- desmatado e rasgado, aterrado, para passar linhas cio da Volta Grande (no trecho rio acima de Alta- de transmissão, estradas de serviço, e para retirar mira) e o seu final ( no trecho da balsa da Transa- material de construção das obras. mazônica em Belo Monte do Pontal ) sempre foi fazer uma derivação do fluxo de água pela margem Isoladamente cada projeto teria a sua destruição, e esquerda do rio, para “ encurtar a Volta”, desde o a mais extensa de todas seria a de Babaquara: um primeiro projeto Kararaô, no final dos anos 1980. paredão de 60 metros poucos km rio acima de Alta- mira, e atrás dele um “lago” que quando estiver O trecho chamado de Volta Grande do rio Xingu, cheio ocupará mais de 6.000 km2 de superfície, e é algo tão peculiar, que talvez seja único na Amazô- que poderá o seu nível d’água oscilando em mais nia, nestas dimensões. O formato do rio indica isto: de 20 metros de altura, cobrindo e descobrindo mais o Xingu vem lá de MT, descendo sempre do Planal- de 3 mil km2 de antigas matas, igapós e ilhas. to Central e seus patamares, num rumo geral para o Norte, para desembocar no rio Amazonas. Ao O projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte de chegar em Altamira seu rumo está um pouco incli- fato poderia ter a menor “área alagada” dentre os nado para a direita, no sentido Nordeste, e aí o rio seis projetos, mas vai colidir com a integridade de dobra quase 90 graus como se tivesse sido “obriga- um monumento fluvial que tem o mesmo porte do” pela geo - morfologia do planeta, pelo seu rele- que da ilha e do pantanal do Bananal, no rio Ara- vo neste trecho. Como se o rio tivesse que se desviar guaia ou que as corredeiras de São Gabriel, no rio do escudo cristalino do Planalto Central Brasileiro, Negro, e que talvez seja ainda mais monumental até encontrar passagens para atravessar esta beira- do que as corredeiras da Itaboca no Tocantins, já da rochosa, esse degrau mais baixo deste extenso perdidas sob a represa de Tucuruí. Planalto brasileiro, onde ele chega o mais perto A Volta Grande do Xingu, os arquipélagos fluviais, possível da margem direita do rio Amazonas. os pedrais, as Cachoeiras do Jericoá até a da Baleia Os últimos testemunhos, os mais baixos, desta bei- formam um dos maiores monumentos fluviais do rada norte do Planalto Central estão ali nas serrotas país ainda não destruídos e pouco mexidos. perto de Altamira, em seus morros redondos e al- O que o projeto da Eletronorte pretende fazer com guns chanfrados, retos em cima. Principalmente a Volta Grande? Ou, o quê resultaria para a Volta nestas costas altas, como se fossem falésias sobre o litoral...caindo so- Igarapé Altamira, ao lado da ponte do bre a calha do rio, Glenn Switkes/IRN acesso rodoviário no trecho mais pró- que liga a cidade à ximo de Vitória do Transamazônica. Xingu. Talvez várias residên- cias de um lado e Uma destas falésias outro desta ligação panorâmicas foi ba- viária teriam que ser tizada pelo povo, de retiradas; talvez a Belo Monte do própria pista teria Pontal, na margem que ser elevada e direita, onde passa a uma nova ponte rodovia Transama- construída. Na boca zônica, vindo de do igarapé no Xin- Repartimento e gu, também haveria Anapu. Nome já in- remanejamentos a corporado na cultu- fazer, e talvez a serra- ra popular e no imaginário brasileiro, e nordesti- ria e a cerâmica antigas sejam atingidas no especialmente, pois Belo Monte foi também a cidadela organizada pelo líder messiânico Anto- Igarapé Altamira . Seriam alagadas as margens atu- nio Conselheiro no Norte da Bahia, uma agro-vila ais, onde ficam as palafitas, na altura do cruzamento em pleno semi-árido, devastada pelas forças repu- com a rua Comandante Castilho, e todo o espraia- blicanas na terceira tentativa. mento do igarapé no bairro Brasília, interrompen- do ruas, e em alguns casos, tendo que elevar as pis- Pois bem, vejamos os desníveis e as distâncias per- tas, pontes de travessia e as pinguelas que o povo usa corridas pela vazão do rio: em Altamira a cota todo dia. A conferir casa por casa como ficaria o bair- 193 média é 93 metros de altitude ; ao virar para o Sudes- ro chamado São Sebastião, onde residem os índios te e o Sul, o rio começa a descer; uns 40 km rio xipaia e arara, além de moradores não índios. abaixo, na ilha Pimental, prevista para o barramen- to principal da represa da Eletronorte, a cota caiu Igarapé Panelas. Seriam alagados os terrenos e uns dez metros, e fica perto dos 83 metros. fornos dos oleiros, e talvez a água atingisse trechos da estrada que liga com o Aeroporto, e a ponte. A verificar como ficariam as duas serrarias que ain- Conseqüências prováveis para a área urba- da funcionam por ali. es urbanos, rurais e ... III - Capítulo 7.1. - Parte Tenotã-Mõ na de Altamira Calçadão da Beira – Rio. A água represada bateria Como a represa formada estaria, segundo a Ele- no muro de arrimo da avenida João Pessoa, uns tronorte na cota 97 metros ( no primeiro projeto dois metros abaixo da calçada, a conferir. Rema- Kararaô, a cota máxima era 96 metros ), conclui- nejamento total de todas as moradias ribeirinhas se que uma parte da beirada do rio em Altamira desde o BIS até a praia do pajé, e modificação ra- ficaria quase sempre coberta de água. dical dos “portos” dos batelões e voadeiras, por ováveis afetando morador São necessários para qualquer interessado, mo- exemplo, na rampa do “Seis” onde há varias casas rador ou estudioso, mapas corretos, e plantas que ficariam abaixo da cota 97 metros. A avaliar baixas de localização em escalas grandes , 1: como ficariam alguns tubulões que despejam águas pluviais (e talvez esgotos clandestinos) no muro 25.000 ou 1: 10.000, com a indicação das altitu- de arrimo, com as bocas de saída uns três metros des de metro em metro. abaixo da calçada. Isto para que se possa esclarecer, de uma vez por Imediações da cidade. As atuais praias desapare- todas – como ficariam as áreas ribeirinhas e os ceriam ou ficariam com a largura bem reduzida; a baixões, caso se formasse a represa e ela atingis- maior parte das ilhas ficaria bem reduzida, com a se durante uma parte dos meses, esta cota 97 água batendo quase sempre nas árvores. Também metros. A previsão mais lógica neste caso é que mudaria, claro, o modo de operação da balsa que os três igarapés da cidade se tornariam braços liga a margem esquerda ( entre a cidade e o aero- da represa: porto ) com a margem direita ( rodovia “Trans - Igarapé Ambé . Seriam alagados os terrenos e for- asurini” ). E os pontos atuais de retirada de areia e Grande adulterada: conseqüências pr A lógica da Volta nos dos oleiros e a área do balneário São Francisco, de seixos do fundo do rio seriam modificados. Conseqüências prováveis para o monu- ficou longos meses no quiosque da Eletronorte no mento fluvial dos arquipélagos, pedrais e calçadão de Altamira. Por exemplo, na margem es- cachoeiras, no trecho represado - e - no querda do Xingu rio abaixo de Altamira deságuam trecho “seco”. dois igarapés bem conhecidos, o de Gaioso e o de Maria, que percorrem a área dos travessões 18 e 27 Continuemos a imaginar o futuro hipotético des- da Transamazônica, cada um com fazendonas de te trecho onde o rio viraria represa. gente importante e centenas de lotes de colonos No trecho abaixo de Altamira até a ilha Pimental do Incra com 20, 30 anos no local. ( onde ficaria o maior paredão de todas as obras No projeto original, a metade final de cada igarapé previstas. abrigando o vertedouro principal e uma se tornaria um braço de represa e a metade mais casa de força complementar, com potência previs- alta continuaria onde está hoje, com algum efeito ta de 182 MW), há alguns trechos importantes de remanso nas proximidades da represa. Com a desmatados nas margens do rio, especialmente na modificação, estes igarapés seriam rasgados por margem direita e subindo pelos morros próximos; máquinas até 500 metros de largura, teriam seu na beirada ficam as casas, as fruteiras, as roças, e fundo concretado, e suas barrancas acrescentadas mais para dentro os pastos. de diques altos, para se tornarem canais de deriva- Existe, claro, o conjunto de sinais de degradação ção do fluxo d água represado em direção à repre- ambiental e de uso do solo, a região não é virgem sa dos “cinco igarapés”. nem desabitada; entretanto, a maioria das deze- Os pequenos afluentes dos igarapés de Gaioso e nas de ilhas, as barrancas na terra firme e nas bo- de Maria seriam contidos do “lado de fora” dos cas dos igarapés, estão ainda hoje cobertas de mata diques, e formariam, alagadiços intermináveis no densa, exceto os setores onde afloram muitas lajes Inverno e barreiros esquisitos no verão. e rochedos, e as ilhotas e praias com alguma vege- tação de restinga, no verão. Toda a faixa dos dois igarapés e dos morrinhos que 194 dividem suas bacias fluviais, seria atravessada pela Na hipótese de ser feita a represa “da calha do rio”, maior estrada de serviço da obra do paredão acima da Ilha Pimental, os arquipélagos sucessivos, Pimental e de um grande alojamento, e também desde rio acima de Altamira até aqui, uma faixa de seria atravessada por linhas de transmissão de ele- uns 80 km de comprimento por 8, 10, 20 km de lar- tricidade em 69 kV para suprir o canteiro de obra; gura, ficariam totalmente cobertos. Senão, quase isto, e quando começasse a operar, linhas de 230 kV ficando para fora, até que morram de uma vez, as vindo da Casa de Força complementar.

es urbanos, rurais e ...copas III - Capítulo 7.1. - Parte Tenotã-Mõ de árvores mais altas, castanheiras e sumaúmas. Na maquete da Eletronorte exposta aos visitantes Algo grandioso, as numerosas ilhas florestadas e em Altamira durante o ano de 2002, nada disto as grandes extensões de rocha são visíveis desde aparece de modo minimamente realista! os satélites (principalmente no trecho Sul-Norte Abaixo do grande paredão da Ilha Pimental e da da Volta Grande, entre a foz do Bacajá e o poção Ilha da Serra, exatamente é onde o rio começaria da travessia da balsa), aparecendo as lajes fratura- virar um ex - rio, bem mais seco que o rio original. das em blocos retos, angulosos. Sabemos que, vis- ováveis afetando morador Logo adiante, no inicio do trecho fluvial a jusante tas de perto, nas fendas mais profundas, os canais da barragem principal, ficam as comunidades da são rebojos de água verde escura. Ilha da Fazenda e do garimpo da Ressaca, e o rio O riozão ali tem alguns km de largura, e chega a está nos 80 metros. É um longo trecho de rio amea- perder seu formato de rio, vai se espalhando como çado, que os tecnocratas no EIA chamam de um grande alagadiço sobre os pedrais, entremea- “estirão de jusante” (ou seja, a jusante, rio abaixo dos com praias e bancos de areia dourados na luz da barragem da Ilha Pimental). do dia. Difícil imaginarmos como ficaria esse mun- Já que a maior parte da vazão que chega e passa do equatorial exuberante sepultado sob a água da pela represa acima da Ilha Pimental, seria desviada represa e apodrecendo. pelos canais de derivação para a represa “dos cinco Isto talvez possa ser compreendido de forma apro- igarapés”, e só seria devolvida ao rio Tocantins de- ximada por meio de uma imagem re– trabalhada pois de turbinada na casa de força chamada de Belo a partir das fotos destes lugares, que transmitisse Monte – aquele malfadado “estirão” correria o ris- uma ante-visão realista ou hiper– realista. Uma co de ficar totalmente seco, e para afastar este ris- A lógica da Volta Grande adulterada: conseqüências pr A lógica da Volta imagem totalmente distinta daquela visão ilusória co, os empreendedores prometem (no EIA) libe- e mentirosa da represa, aquela maquete plástica que rar a cada mês uma vazão de água mínima. O arbítrio e o crime dos tais “vazões ecológicas” Até aqui, já bastaria para caracterizar uma violen- estão resumidos nos seguintes fatos: ta adulteração e um crime: nunca naquele trecho o rio teve tais vazões, nem poderia ter, a não ser •a descida encachoeirada da Volta Grande tem uns numa catástrofe climática... Conscientes destes fa- 150 km de comprimento; grosso modo, a primei- tos qualitativos e numéricos, os tecnocratas batizam ra terça parte ficará sob a água da represa; nos tais vazões de “ecológicas” ! Acho que cometem um dois terços finais, a calha do rio será a mesma, tipo particular de crime contra a inteligência, e tal- mas a vazão será sempre menor do que as meno- vez até algum crime previsto no Código Civil: res vazões históricas observadas no rio a cada mês; usurpação de nome ou de marca (porque chamar • de fato, nestes 2/3 da Volta Grande, da ilha Pi- de “ecológica” esta vazão d’água descarregada a mental até o canal de fuga da água turbinada jusante?)...divulgação pública de informação falsa em Santo Antonio do Belo Monte, a principal (chamar de ecológico algo que esconde justamente vazão do rio será sempre aquela que o operador a destruição dos habitats naturais). da usina liberar para o tal “estirão de jusante”; Pois bem, navegamos neste trecho do rio Xingu •o proponente do EIA, interessado no licencia- por uns quarenta km, em outubro (2003) que em mento truncado junto à Sectam/PA, foi a Ele- geral é o mês de rio “mais baixo”, ou, “com menos tronorte mas, poderia não ser ela o operador fu- água”. Segundo o pessoal de lá, ainda não era o turo desta usina e portanto não seria ela a deci- “final do verão”; a vazão estava talvez na média da dir os critérios de manobra destas comportas do primeira semana do mês, entre 600 e 800 m3/ s. prédio da Ilha Pimental; Dos povoados da Ilha da Fazenda e Ressaca até a foz • mesmo assim, a empresa promete no EIA libe- do rio Bacajá, em quase 30 km, o nível do rio cai pou- rar vazões de água da ordem de 200 até 2.000 cos metros. Neste trecho o desastre seria total, a nave- m3/ segundo em termos de médias mensais. gação que é bem difícil no Verão, ficaria impossível, a calha do rio, larga com vários km de ilhas e pedras Vejamos: a simples comparação destes números ficaria praticamente no seco com poças de água, que 195 com as séries observadas de vazões mensais míni- seriam quentes durante o dia, como em geral a água mas – no período 1931- 2000 já mostra que as va- nos trechos mais rasos é quente no Verão, e poderia zões liberadas pelo operador da usina para jusan- ficar morna durante boa parte da noite. te, em 2/3 da Volta Grande serão sempre meno- res que os “piores meses” em termos de vazão: Com o rio sempre “no Verão”, quando vier o Ve- rão mesmo, seria muito pior, uma situação inédita •em números tirados do EIA: no Inverno, as mí- para todos os seres vivos: como ficarão os peixes, nimas mensais mais baixas foram em Março, com es urbanos, rurais e ... III - Capítulo 7.1. - Parte Tenotã-Mõ retidos nas poças, sem chance de circular, de na- 9.561 metros cúbicos por segundo, e em Abril, dar contra a correnteza? E os carizinhos dourados 9.817 m3/s, e conforme o EIA, seriam liberados que todos querem vender para o exportador, su- pelo menos 15,7% e 20,4% destas vazões; respec- mirão? O mosquito da pedra todos temem que tivamente, 1.500 m3/s em Março e 2.000 m3/s prolifere ainda mais, faz sentido, ele sempre au- em Abril menta no verão. Moluscos há muitos nos bancos

• pior ainda, em pleno Verão, as mínimas mensais de areia, podem dominar ou desaparecer? ováveis afetando morador do rio Xingu ali foram de 908 m3/s em Agosto - E os pássaros que os comem? E as cobras e e a liberação seria de apenas 250 m3/s, uns 27%; quelônios que estão sempre por ali? E as abelhas e 477 m3/s em Setembro - quando a liberação que ficam na florada dos arbustinhos das restingas? seria de apenas 225 m3/s. Em Outubro, a mais baixa das mínimas mensais, com 444 m3/s e a De tudo que pude observar “in loco”, talvez , se liberação no vertedouro do Pimental seria de houver o barramento , o ex- rio no seco, facilitaria apenas 200 m3/s para os garimpeiros, pois a lâmina d’água sempre seria menor do que hoje, os mergulhadores pode- • ou seja, nos dois meses do verão com o rio sem- riam ficar mais no raso, ou até, desnecessários, pois pre mais seco, seriam liberadas a jusante do Pi- em muitos trechos, o fundo do rio estará quase mental, vazões equivalentes a 45% - 47% das va- sempre à mostra. Podem até procurar ouro com zões mínimas destes dois meses. menos dificuldade e menos custo, só que também Nem mesmo equivalente à metade das vazões mí- eles precisam de água para beber e lavar seu cas- nimas, a toda poderosa empresa concede aos 100 calho, sua bateia; e, suas dragas precisam de rio km de rio e às centenas de familias ribeirinhas que navegável para se deslocar de um ponto a outro Grande adulterada: conseqüências pr A lógica da Volta ali vivem. de garimpagem. As pilhas de seus rejeitos, que já afloram atualmente ficarão como pirâmides ao Bem perto desse ponto, outra curva apertada, uns longo do leito antigo do rio. 45 graus, o rio volta para o rumo Norte, abre vári- os furos, cada um equivale a um rio de porte mé- Para os que moram nas barrancas e mesmo para dio. Mais 20 km rio abaixo, a água vai se espalhan- dentro, mas próximos do rio, haveria um transtor- do pelos pedrais, e as corredeiras vão se concen- no grande, aumento de despesas com a captação de água, e talvez algum colapso em várias das ca- trando em poucos pontos, começa a preparação ª sas e comunidades que usam água de poço. Isto da 1 grande cachoeira, cuja parte represada rio porque o lençol freático no verão fica em geral no acima está na cota 67 metros de altitude. nível de 6 a 8 metros abaixo do solo, contando-se A Jericoá é definida por um morro de mais de 50 a partir das barrancas altas do rio, onde ficam as metros de topo, em cada margem, e algumas ilhas casas. Se o rio estiver barrado com a vazão bem morrotes entre eles, estimo que tenha uns 5 a 6 km mais baixa que o usual, estes lençóis podem bai- de largura, com um desnível total de uns 13 metros. xar metros e metros, e alguns podem secar de vez. Conforme os diagramas do perfil do rio (EIA) , a Neste panorama, a chegada na calha do riozão, praia de baixo da Cachoeira Jericoá fica na cota das vazões de descarga vindas de alguns igarapés 54 metros. como o Ituni, o Itata, o Pacajaí, não muda muito este tipo de estiagem inédita. Rio abaixo, há mais três ou quatro, a confirmar, ca- choeiras como esta. Todas secariam muito, ficari- Na confluência do rio Bacajá com o Xingu, o en- am com quase uma quarta parte de água que deve- contro das vazões dos dois rios produz atualmente riam ter, p.ex. em Agosto, ou menos da metade do algo tipicamente amazônico: no verão, o rio Bacajá que deveriam ter, p.ex. em Outubro. Aumentariam vindo com pouca água pela margem direita, es- muito as extensões de praias e ilhas de areia. A ve- corre lentamente para dentro do Xingu também com pouca água; no inverno, o Xingu pode vir com getação de restinga e alguns manguezais na parte tanta força que ao invés do Bacajá despejar a sua baixa tendem a morrer, pois podem ficar uma ou 196 água ali naquele ponto, o Xingu é que invade o mais estações sem ser afogadas pela água que as fer- afluente e formará uma barreira hidrodinâmica, tiliza. Ou, porque suas raízes ficariam distantes dos uma espécie de freio, que o povo e os engenhei- lençóis subterrâneos da região da cachoeira, que ros chamam de remanso. tenderiam a baixar, em relação aos níveis de hoje. No rio Bacajá, este fenômeno de remanso se pro- A diminuição do volume e do ímpeto da corrente- longa por dezenas de km rio adentro, passando za nos canais principais por onde a água verte, nas

es urbanos, rurais e ...pelos III - Capítulo 7.1. - Parte Tenotã-Mõ primeiros grandes meandros( Fazenda São fendas do pedral, talvez facilite um pouco a nave- João e Pedra do Indio ), mas talvez não altere o gação de barcos menores e voadeiras. comportamento do rio mais acima, na Fazenda E, novamente, talvez facilite para os garimpeiros... Cipaúba e bem mais acima, na Aldeia Urubu. que há milênios buscam como secar os poços que De toda forma, este remanso poderia nunca mais recebem e guardam os sedimentos do rio, no meio existir, se de fato forem liberadas no Xingu as tais dos quais pode estar o ouro. vazões infimas, por exemplo, 15 a 20 % da vazão ováveis afetando morador Rio Xingu abaixo da praia da Jericoá, começam a normal no inverno. desaguar pela mar- O Bacajá chegaria Dragas nas margens do rio Xingu, gem esquerda, os com a sua vazão usu- O. Sevá, out 2003. quatro igarapés que al, e escorreria dire- nascem lá perto dos to no Xingu, sem lotes da Transamazô- qualquer resistência nica e dos travessões ou amortecimento; 45 e 55, e que vêm no trecho final do até aqui na zona das Bacajá, durante o cachoeiras: o Paqui- Inverno, haveria no çamba, depois o Ti- lugar do remanso caruca, o Cajueiro, e que atualmente se o igarapé Cobal. forma, uma corren- teza mais veloz e um Estes quatro igara- A lógica da Volta Grande adulterada: conseqüências pr A lógica da Volta aumento na erosão pés foram escolhidos das barrancas. para compor uma parte do projeto Belo Monte: a “represa em terra Transmazônica, mas se as barrancas forem muito firme”, que serviria para encurtar o trajeto das águas inclinadas, as dificuldades de acesso e saída dos até o desnível final em Santo Antonio do Belo Mon- veículos nas margens, hoje comuns no Verão, se- te, seria basicamente formada a partir de cinco ou- rão ainda maiores nesta época, e poderão ocorrer tras represas menores, cada uma num igarapé. Re- também no Inverno. Por causa da retenção de se- presas formadas exatamente nestes quatro igarapés dimentos orgânicos e dos compostos minerais e depois da Volta, no igarapé Santo Antonio. mais pesados no fundo da represa, lá no início da Volta Grande, o poço do final das cachoeiras rece- Como as barragens que formariam tais represas são berá menos matéria orgânica, o quê influenciará verdadeiros diques, não teriam vertedouros nem com- negativamente a vida aquática e a agricultura em portas. Conclusão, dali para baixo, cada igarapé todo o trecho rio abaixo. represado ficaria completamente seco no início do trecho, talvez se torne intermitente no Verão, e, apenas na época mais chuvosa, poderia reconstituir Efeitos possíveis na “ria” do baixo Xingu uma pequena parte de sua vazão usual. até a foz no Amazonas. Assim, a vazão do Xingu nem pode aumentar al- Nesta “esquina fluvial”, terminam os 150 km da guns m3/ s, que cada igarapé destes poderia acres- Volta Grande desde Altamira. O rumo do rio no centar. Uma coisa puxa a outra, nas margens des- mapa da Amazônia brasileira vira para o Noroeste tes igarapés pode haver um rebaixamento dos len- quase Norte, e aí começa de fato, o baixo Xingu; çóis, ou – ao contrário, pode minar água acumula- simbolicamente, digamos que nesta esquina fica a da kms acima, na represa. travessia da balsa da Transamazônica. De toda forma, a contribuição de cada igarapé Começa então um tipo fluvial muito especial, que ao rio Xingu, que usualmente pode ser de pou- caracteriza justamente toda a calha central do Ama- cos m3/ segundo, dezenas talvez, no Inverno, será zonas e Solimões, e a imensa planície sedimentar que acompanha esta calha, desde a ilha de Marajó, zero no Verão, ou uma proporção muito reduzi- 197 da da contribuição atual no Verão, que também e até os confins do Peru, Equador e Colômbia. é muito baixa. É a ria do Xingu, similar às rias do Tapajós e do rio Negro, por exemplo: o afluente do Amazonas vem No trecho encachoeirado abaixo da Jericoá, (praia com um grande volume de água, e declividade bem na cota 54 metros ), a calha pedregosa do rio vai se baixa, quase zero, após o ultimo degrau do escu- estreitando entre as “serras” e os “rochedos”; em 35 do cristalino (caso do Xingu e do Tapajós) ou do km de percurso, ele despenca. As últimas quedas escudo guianense, caso do rio Negro. somam 50 metros; não as conheci mas dizem que es urbanos, rurais e ... III - Capítulo 7.1. - Parte Tenotã-Mõ são gargantas cavadas nas fendas das lajes rochosas: Como o volume d’água do Amazonas sempre foi a Baleia, a Assassina, a Itamaracá, talvez outras...e maior, o efeito de remanso segurou os sedimentos são tantas que cada segmento, cada trecho enca- e foi construindo quase uma restinga entre os rios; choeirado, deve ter pelo menos um nome. é como se o Xingu, caísse primeiro numa “banheirona”. E, desta banheirona a água fosse Antes das últimas gargantas rochosas, a vazão do rio lentamente escoando para o rio principal.

se concentra em dois grandes fluxos, que terminam ováveis afetando morador sua queda encachoeirada no grande poço, que fica Neste trecho do baixo Xingu, a “ria” tem mais de alguns kms rio acima da vila de Belo Monte do Pontal. 200 km de comprimento, e poderia ser inteiramen- O nível d’ água do poção fica entre 4 e 10 metros de te afetada pelo funcionamento da usina de Belo altitude, e dizem ter 80 metros de profundidade! Monte, mesmo dando-se um desconto pelo fato dela ser uma represa “a fio d´água”, com pouca acumu- Seria alterado o funcionamento do poção e de suas lação de água. O trecho seco do rio, com vazão bem ramificações que entram pela banda Leste do rio, diminuída se prolongaria bem adiante da balsa. do lado oposto à Volta Grande, até perto da Tran- samazônica, em terras do município de Anapu e Na margem esquerda ficam o Porto da Petrobrás, perto da vila de Belo Monte do Pontal. O nível do o vilarejo Santo Antonio do Belo Monte, a foz dos poção estaria sempre mais baixo do que o atual, igarapés Sto Antonio e Gloria, que seriam em todas as estações, simplesmente porque a va- destruídas, e os igarapés represados caso a obra se zão seria sempre menor do que a atual, em alguns concretizasse. casos, como já vimos, chegando a ser menos de E neste ponto, o canal de fuga da usina traria de

20% da atual ( no trecho antes da foz do Bacajá). Grande adulterada: conseqüências pr A lógica da Volta volta ao Xingu a sua parte majoritária da vazão que Não conheço o trecho exato onde cruza a balsa da havia sido derivada, encurtando a Volta Grande (esta vazão devolvida pelo canal de fuga seria sem- água do Xingu se junta enfim ao rio principal, e aí pre mais de 50 % da vazão do rio, exceto quando também poderá haver uma ação de remanso so- a vazão natural ultrapasse os 28 mil m3/s, o quê bre o Xingu, se este estiver com vazões mais redu- não é muito freqüente). zidas do que o habitual. Registremos as possibilidades lógicas: uma adulte- Talvez as obras de Belo Monte, com pouca acu- ração importante pode ocorrer mesmo nesta de- mulação de água, não tenham a capacidade de volução da vazão ao rio: como a vazão devolvida é provocar repercussões lá embaixo, no final do rio, maior do que a que chega pelo rio, vindo do tre- em sua foz, mas com a também hipotética repre- cho encachoeirado, poderia haver um efeito de sa de Babaquara, a de maior área e volume do rebojo no encontro das águas, bem peculiar, com país - se chegar a ser cometida - aí sim haveria algum tipo de contra- corrente rio acima, o que certamente influencia sobre a dinâmica da foz, seria uma anormalidade completa! Mas, pode não sobre o rio Jauruçu, sobre as correntes e alturas acontecer nada disto e acontecer outra coisa... dos igarapés e furos que ligam a planície final do Xingu com este trecho da ria, e sobre as ilhas, A partir deste trecho então, a ria vai se alargar bancos de areia e praias. muito. Depois da cidade de Vitória do Xingu, que fica na boca do igarapé Pucuruí, a largura do rio E o quê fazer diante da ameaça de tantas adultera- pode passar dos 10 km de margem a outra, em ções em um único trecho de rio e suas terras fir- Senador José Porfírio e lá no final da ria, em Por- mes de um lado e de outro da barranca, e nos seus to de Moz. Dali até Gurupá, já no rio Amazonas, a igarapés e rios afluentes?

“As Mulheres de Ressaca (vila), (Ilha da )Fazenda, Paratizão, São Lázaro, Ilha Itaboca, Santa Luzia e São Pedro além dos três povo- 198 CASTRO, Edna, RODRIGUEZ, Gracielaeito Humano Fundamental Altamira na defesa da água como Dir ados originários do garimpo, conhecidos por Galo, Itatá e , Instituto Eqüit, Comitê de Rio Xingu- Amazônia – Brasil” Japão.” Mulheres da Alianza Social Continental, RJ, 2004. “Porém são as cidades de Altamira, Vitória do Xingu e Sena- “Foram apontados 14 (povoados) que seriam os mais vul- dor José Porfírio as regiões consideradas pela empresa Ele- neráveis aos impactos das barragens, nos estudos prelimi- tronorte como sujeitas aos maiores impactos. Em outras áre- nares realizados pela Universidade Federal do Pará (LIRIO as, beirando o rio, perto da área urbana de Altamira, e em e SÁ:2001): Agrovila Leonardo da Vinci, Comunidades Sa- seus igarapés Altamira, Ambé e Panelas , estão previstas várias

es urbanos, rurais e ... III - Capítulo 7.1. - Parte Tenotã-Mõ grado coração, São José, Boa esperança, São Francisco de obras, entre os quais a vila residencial (dos engenheiros) do Assis, Vila Rica (no mapa aparece como Vila Nova), Santa- empreendimento. Terezinha, São Raimundo Nonato, Bom Jardim e Bom jar dim II ou Goianos, Santo Antonio,erra Santa Preta.”. Luzia, São Fran- Na percepção da sociedade civil, que valoriza dimensões da cisco das Chagas-Deus é Amor e T vida em geral não consideradas na visão técnica e burocrá- tica das empresas, a abrangência dos impactos será muito “Em Altamira e perto da foz do Itatá, encontram-se mais maior do que a admitida pela empresa Eletronorte.” três localidades e doze núcleos sujeitos aerde, impactos: Ituna, Paritizinho, Palhal de cima e de baixo, Cana V

ováveis afetando morador

A lógica da Volta Grande adulterada: conseqüências pr A lógica da Volta 7.2. Informe sobre a “Vazão ecológica” determinada para a Volta Grande do rio Xingu

Ivan Fumeaux

Introdução desenvolvidos nos últimos 20 anos em mais de 25 O presente informe tem como objetivo apresen- paises com a construção de uma considerável ex- tar uma opinião técnica sobre o hidrograma pro- periência ao respeito. 199 posta no Estudo de Impacto Ambiental e outras Um fluxo ambiental, independente da metodologia notas técnicas do projeto como “vazão ecológica”, utilizada na sua determinação constitui um regime com objetivo mitigar o impacto ambiental na de- destinado a manter um fluxo mínimo para garantir as nominada Volta Grande do rio Xingu. O projeto é condições ambientais originais com seus benefícios soci- baseado no desvio de grandes volumes de água da ais e econômicos. Por isso é preciso considerar todos Volta Grande do Xingu, através de canais de os aspectos que conformam um rio e sua bacia de adução, que encurtam a caída até a casa de força drenagem, não apenas hidráulicos, hidrológicos, principal localizada no sitio Belo Monte onde se- econômicos, ambientais, e bióticos em forma iso- ria turbinada para a geração de energia elétrica. lada ou com relações parciais entre alguns dos as- pectos mencionados. Este trabalho parte da definição do conceito de “Flu- xo ambiental”, elemento chave para a maior com- Se seja um conceito fácil de compreender, colocar preensão das implicâncias sócio-ambientais da ma- na prática pode ser complexo, sendo que requere nipulação dos recursos hídricos, e algumas das a integração de diversas disciplinas, como enge- metodologias de cálculo vigentes. Posteriormente nharia, ecologia, hidrologia, legislação, e os de- descreve os aspectos fundamentais dos Estudos do mais. Também precisa a participação e negocia- projeto Belo Monte, que deram como resultado o ção de todos os atores interessados. Alcançar um hidrograma da “vazão remanescente” para a Volta acordo significa garantir a sobrevivência do ecos- Grande. Continua com as observações sobre a sistema, e lograr um equilíbrio ótimo entre os dis- metodologia utilizada para a determinação, em fun- tintos usos da água. ção do conceito do fluxo ambiental, finalizando com Os novos projetos, como aquele analisado no pre- correspondentes conclusões e recomendações. sente informe, apresentam uma oportunidade de considerar os fluxos ambientais dentro do quadro Fluxo ambiental das estratégias de operação, permitindo chegar a estabelecê-los com a flexibilidade necessária para 1. Definição: adaptá-se a futuras modificações, variações Este conceito é relativamente novo para o sector estacionais e/ou câmbios climáticos, tendo em con- de aproveitamento de recursos hídricos. Vários dos ta a larga vida útil destas obras (50-100 anos). Tam- métodos utilizados para sua determinação têm sido bém se nota a necessidade de manter um fluxo ambiental adequado durante o processo da cons- rio como hidrólogos, geólogos, biólogos, entre trução e na fase do enchimento do reservatório. Não outros, que devem levantar considerações sobre menos importante é a necessidade de ter, durante as necessidades de fluxo ambiental, na base de os primeiros anos de operação, um plano de ampla informação e visitas ao sítio em diversas monitoreo e manejo do regime fluvial previamente épocas para conhecer as características dos dis- determinado por alguma das metodologias utiliza- tintos estados de funcionamento do rio. As reco- das, para diminuir as incertezas na predição da res- mendações devem ser o resultado também de posta do rio a este fluxo ambiental. debates e oficinas inclusive com a participação de representantes das comunidades atingidas. Dentro desta problemática, é interessante analisar o ciclo do projeto da obra, como um dos caminhos a • Métodos holísticos: Requere a disponibilidade de considerar para quando e como introduzir um flu- ampla e detalhada informação e conhecimento xo ambiental na seleção, desenvolvimento, e admi- sobre o rio para poder determinar o melhor pos- nistração do aproveitamento. A seguinte figura sível das entre as características do mesmo e as mostra uma representação genérica deste ciclo. Há necessidades de fluxo para os principais grupos a relação com o ciclo de vida do aproveitamento, bióticos (vegetação, peixes, invertebrados), com sendo que sua vida útil inclui a possibilidade de atu- o qual se “construa” o fluxo ambiental em acor- alizações, expansões, e até o desmantelamento na do com as necessidades ambientais, por exem- sua saída de serviço, dependendo em como os fato- plo com uma variação mensal. res físicos, econômicos, e sociais afetam a bacia ri- beirinha ao largo do tempo. Métodos interativos Esta segunda categoria, mais complexa do que a Metodologías de quantificação anterior, se enfoque nas relações existentes entre

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 7.2. enotã-Mõ - Parte Existem diversos métodos para a determinação T o fluxo do rio e os seus distintos componentes, não destes fluxos ambientais, desde os métodos pura- restringindo o resultado a um único valor de regi- 200 mente estatísticos, até o uso de modelos detalha- me, consistente com os outros usos da água. Estes dos do sistema determinado, cada um com as suas métodos se classificam em duas categorias, deno- vantagens e desvantagens em função das informa- minadas Simulação do Habitat e Métodos ções disponíveis, objetivos desejados, e prazos de Holísticos. Os mais conhecidos são a IFIM tempo. Sinteticamente, se dividem em duas cate- (Instream Flow Incremental Methodology) e a gorias principais: prescritivas e interativas. DRIFT (Downstream Response to Imposed Flow Transformations). O interessante destes métodos

olta Grande do rio Xingu Métodos prescritivos é que o resultado consiste num conjunto de op- ções-alternativas ou cenários, dependo no méto- Estes métodos usualmente se aplicam para deter- do utilizado, que são descritos e quantificados para minar um valor único de fluxo, ou um regime de permitir a toma de decisões pertinentes para ad- fluxo, pelo qual se aplica especialmente quando os ministrar e gerenciar o recurso: objetivos são claros e pontuais e as chances de con- flito com outros usos da água são baixas, e/ou falta •O regime do fluxo modificado. informação suficiente. Dividem-se em 4 categorias: •A condição resultante do rio ou as espécies, de- pendendo no requisito. • Índices hidrológicos: são métodos principalmente de gabinete baseados no recorde histórico do rio, •Os impactos para os usuários ribeirinhos. volumes e alturas hidrométricas por exemplo, •Os custos diretos e os benefícios. resultando como “output” um valor recomendá- Cabe destacar em quanto a sua complexidade, que vel. Pouca ou nenhuma atenção se põe na natu- o método DRIFT inclusive considera os custos so- reza do rio ou na sua biota. Breve Informe sobre a “Vazão ecológica” para a V a “Vazão Informe sobre Breve ciais dos ribeirinhos águas abaixo (consideradas • Características hidráulicas: Utiliza as relações en- como população de baixo risco) como conseqü- tre os valores de descarga do rio e alguns dos ência dos câmbios provocados pela manipulação parâmetros físicos do mesmo como a profundi- do regime do rio. dade, declive e perímetro molhado para calcu- lar um valor de fluxo recomendado. É melhor que o anterior a pesar de considerar apenas os Vazão Remanescente para a Volta Grande aspectos físicos do rio. Dentro do espectro dos trabalhos elaborados no • Painel de especialistas: Consiste na utilização duma desenvolvimento do projeto Belo Monte, foi feito equipe de especialistas nos diversos aspectos do um “Estudo de Vazão Remanescente para a Volta Grande do rio Xingu”, determinando um perdidas econômicas ocasionadas pela não utili- hidrograma de fluxos destinados como defluentes zação de estas vazões na geração de energia em para a Volta Grande, e qualificado de “ecológico”. respeito da alternativa “Ciclo 1”. Ele simula as variações anuais do ciclo hidrológi- Para este último se estudaram as perdas de ener- co do rio Xingu, com o objetivo de minimizar o gia firme em função da aplicação de cada alterna- impacto causado pelo desvio da maior parte dos tiva mediante um modelo de simulação energéti- seus fluxos naturais, destinados para a geração de ca chamado MSUI. Considerou-se um valor de energia elétrica e “dando a oportunidade do USD$ 34/MWh, 50 anos de vida útil da usina, uma surgimento de um novo ecossistema” em acordo configuração de 20 turbinas de 550 MW cada uma com o próprio estudo. e uma energia firme de 4996 MW médios, chegan- Os critérios básicos que foram considerados para do aos seguintes valores de perdas: estabelecer esta “vazão remanescente” foram as • “350 m3/s” = 5,6% -> USD$ 636.000.000,00 seguintes: • “Ciclo 1” = 10,4% -> USD$ 1.190.000.000,00 •Minimizar o impacto ambiental. • “Ciclo 2” = 6,7% -> USD$ 800.000.000,00 • Possibilitar o “surgimento de um novo ecossiste- ma”, mantendo o comportamento das descargas A primeira alternativa foi considerada a mais con- do rio em condições semelhantes ao ciclo hidro- veniente do ponto de vista econômico, aliás foi lógico natural. selecionada a correspondente a “Ciclo 2” pelas vantagens descritas anteriormente. •Otimizar a relação entre geração de ener- gia e os impactos ambientais causados pelo empreendimento. Observações sobre o Estudo de Vazão re- Analisaram-se três alternativas manescente

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 7.2. enotã-Mõ - Parte Um objetivo é tratar de simular apenas o compor- T • Alternativa 350 m3/s: fundamentada na norma N° tamento “natural” (a forma) de um ciclo hidroló- 201 02 da antiga DNAEE de agosto de 1984 que esta- gico, neste caso do rio Xingu, e outro muito dis- belece no seu item 3.7 um valor de “vazão rema- tinto é atender as necessidades mínimas do ecos- nescente” não inferior ao 80% da mínima me- sistema dependente no rio para conservá-lo nas dia mensal da série histórica com extensão de suas condições originais, quer dizer considerar um pelo menos 10 anos. Para o rio Xingu se obser- fluxo ambiental. vou em 08/1968 um fluxo de 444 m3/s, e apli- cando a metodologia citada chegou ao valor de Contando com a informação do projeto, concei- 3 350 m /s. Esta norma foi revogada pela resolu- tos e definições anteriormente detalhadas, pode- olta Grande do rio Xingu ção da ANEEL No/ 394 de 04/12/1998, em acor- mos fazer as seguintes observações sobre o do com o estudo. hidrograma proposta como vazão remanescente: • Alternativas “Ciclo 1” e “Ciclo 2”: as duas alternati- • Comportamento da hidrograma anual proposta: se vas se estabeleceram em função da hipóteses do afirma que respeita a “forma” que apresentam que as variações naturais do rio devem preserva- outros rios na região, quando que deve ser das para beneficiar o ecossistema porque são pre- prioritário é manter o próprio rio Xingu. cisas para sua subsistência e manutenção. A al- • Vazões médios mensais: se observa que os valores de- ternativa “Ciclo 1” resultou na otimização da sé- terminados estão muito inferiores aos que corres- rie original de vazões, considerando a capacida- pondem a um “ano seco” do rio (Out98/Set99). de variável de “engolimento” das turbinas. Em • Aspectos ambientais: se mencionam como fatores na quanto à “Ciclo 2”, consiste numa melhoria da determinação da vazão, aliás não aparece claramen- série anterior para melhor representar as varia- te sua relação nem sua influência na definição dos

Breve Informe sobre a “Vazão ecológica” para a V a “Vazão Informe sobre Breve ções do ciclo hidrológico natural do rio. valores estabelecidos no hidrograma proposta. Finalmente, depois de analisar os aspectos Legais, • Fluxo defluente: Não há certeza de como vão adminis- Hidrológicos-ambientais e de Geração de Energía, trar os fluxos maiores aos do hidrograma proposto, foi selecionado a denominada “Ciclo 2” com o cri- como se encontram em épocas de crescidas. tério econômico-ecológico aparentemente • Metodologia utilizada: a priori, o desenho deste satisfatório para os aspectos mencionados, respei- defluente foi feito através de métodos hidrológi- tando as variações naturais do ciclo hidrológico ao cos baseados no record histórico de vazões mais largo do ano, supostamente “possibilitando a ma- que aspectos ambientais, semelhante num pro- nutenção de um ecossistema local” e com menores cesso prescritivo. Conclusões vai reduzir ou impedir o aproveitamento do tre- Pelo exposto nos pontos anteriores se conclui que cho como recurso de pesca, navegação, e demais para a população da zona afetada. é altamente arriscada a implementação deste hidrograma defluente devido principalmente aos Por último deve-se considerar os aspectos legais vi- escassos valores assinados como mínimos e a in- gentes hoje no Brasil, como a Lei Nacional N° 9433 certeza ao respeito da forma de administração de que institui a Política Nacional de Gerenciamento vazões maiores que os mínimos estabelecidos. de Recursos Hídricos. Entre seus fundamentos, se define a água como um bem de Domínio Público, Estes aspectos são longes de cumprir os requisitos limitado e com valor econômico, de propósitos múl- para a determinação de fluxo ambiental, e a pró- tiplos, mas assinando prioridade ao uso humano e pria sobrevivência do ecossistema original ficaria animal em situações de escassez do recurso. Além em perigo. Isso poderia trazer conseqüências hi- disso, se expressa que a gestão dos recursos hídricos drológicas, tanto para as águas no superfície, tanto deve ser descentralizada e contar com participação nos aqüíferos na zona perto da beira do rio, sendo do Poder Público, os usuários e as comunidades, que diminuiria a vazão de recarga do aqüífero; aos que estabeleceria o contexto para a determinação ambientes e a biota em geral; e sociais, sendo que de um fluxo ambiental.

Vazões características rio Xingu (m3/seg) Mês Defluente Q pro Q seco Q med Q hum Out 200 1121 715 1125 1325 Nov 250 1891 1378 1959 2209

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 7.2. enotã-Mõ - Parte T Dez 325 3766 3643 3590 3915 202 Jan 500 7790 6867 7353 15641 Fev 1000 12876 7992 15047 16047 Mar 1500 18123 13361 15973 17473 Abr 2000 19942 12416 22744 24744 Mai 1300 15959 11274 16711 18011 Jun 550 7216 5594 6114 6664

olta Grande do rio Xingu Jul 300 2903 2225 2865 3165 Ago 250 1559 1100 1598 1848 Set 225 1068 778 1172 1397

Defluente: “vazão remanescente” para a Volta Grande Q pro: Vazões promedios estatísticos série 1931-2000 Q med: Valores ano medio (Out 96/Set97) Q seco: Valores ano seco (Out 98/Set99) Q hum: Valores ano úmido (Out 77/Set78)

Rio Xingu: gráfico comparativo das vazões

Breve Informe sobre a “Vazão ecológica” para a V a “Vazão Informe sobre Breve Referências

ELETRONORTE: “Dimensionamento ELETRONORTE: COMPLEXO HI- THE WORLD BANK: “Water Re- dos parâmetros energéticos do Com- DRELÉTRICO BELO MONTE: “EIA- sources and Environment” - Technical plexo Hidrelétrico Belo Monte” – 2001. Relatório Final “ – Tomos I e II - Feve- Note C.1 – March/2003. ELETRONORTE: “Estudo de vazão re- reiro/2002. manescente para a Volta Grande do IUCN – THE WORLD CONSERVA- Xingu” – Agosto/2001. TION UNION: “Flow – The essentials of environmental flows” – 2003.

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 7.2. enotã-Mõ - Parte

T 203

olta Grande do rio Xingu

Breve Informe sobre a “Vazão ecológica” para a V a “Vazão Informe sobre Breve Capítulo 8

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito estufa: Belo Monte (Kararaô) e Altamira (Babaquara) Philip M. Fearnside

Resumo estratificação por temperatura que isola a água do Calcular as emissões de gases de efeito estufa de fundo do reservatório, rica em metano, da camada 204 barragens hidrelétricas é importante no processo de superficial que está em contato com o ar. Quando a tomada de decisão em investimentos públicos nas água do fundo emerge das turbinas e dos vertedou- várias opções para geração e conservação de ener- ros, grande parte da sua carga de metano dissolvi- gia elétrica. A proposta da hidrelétrica de Belo Mon- do é liberado para a atmosfera. O gás carbônico te (antigamente Kararaô) e sua contrapartida rio oriundo da decomposição da parte superior das acima, a hidrelétrica de Altamira (mais conhecida árvores da floresta inundada, que fica acima d’água, por seu nome anterior: Babaquara), está no centro representa outra fonte significativa de emissão de das controvérsias sobre como deveriam ser calcula- gás de efeito estufa nos primeiros anos depois da das as emissões de gases de efeito estufa de represas. formação de um reservatório. A hidrelétrica de Belo Monte por si só teria uma Belo Monte e Babaquara representam um desafio área de reservatório pequena (440 km2) e capacida- ao ainda principiante sistema brasileiro de avalia- de instalada grande (11.181,3 MW), mas a represa ção de impacto ambiental e licenciamento de obras. de Babaquara que regularizaria a vazão do rio Xin- O procedimento atual considera cada projeto de gu (aumentando assim a geração de energia de Belo infra-estrutura isoladamente, em lugar de avaliar a Monte) inundaria uma vasta área (6.140 km2). gama completa de impactos que o conjunto como Está previsto que, em cada ano, o nível d’água em um todo provocaria. Neste caso, as características Babaquara vai variar em 23 m, expondo assim repe- excepcionalmente favoráveis da primeira barragem tidamente uma área de 3.580 km2 (a zona de deple- (Belo Monte) são altamente enganadoras como cionamento) a uma vegetação herbácea, de fácil indicações das conseqüências ambientais de uma decomposição, que cresceria rapidamente. Esta ve- decisão para construir aquela obra. Os impactos getação se decomporia a cada ano no fundo do re- principais serão provocados pelos reservatórios servatório quando o nível d’água sobe, produzindo muito maiores rio acima, começando pelo de Ba- metano. O metano oriundo da vegetação da zona baquara e, possivelmente, outras quatro represas de deplecionamento representa uma fonte perma- planejadas na bacia do Xingu, que inundariam gran- nente deste gás de efeito estufa, diferente do gran- des áreas de floresta tropical e terra indígena, além de pulso de emissão oriunda da decomposição dos de emitir gases de efeito estufa. estoques iniciais de carbono no solo e nas folhas e liteira (serapilheira ou foliço) da floresta original. A presente análise indica que o complexo Belo As turbinas e vertedouros puxam água de níveis Monte/Babaquara não teria um saldo positivo, abaixo do termoclino, isto é, da barreira de em termos de emissões de gases de efeito estufa, comparado ao gás natural, até 41 anos após o en- é difícil de se encontrar. Apesar da variação sazonal chimento da primeira represa. Isto, na forma de alta no fluxo d’água, que diminui o potencial de cálculo mais favorável para hidrelétricas, com zero energia que o local (por si só) pode oferece, a ques- de desconto para os impactos no aquecimento tão principal levantada pela hidrelétrica de Belo global, essencialmente como se o impacto pesa- Monte é mais profunda que os impactos diretos no do nos primeiros anos fosse um empréstimo sem local do reservatório: é o sistema pelo qual as deci- juros. A aplicação de qualquer taxa de desconto sões sobre construção de barragens acontecem. Em acima de 1,5% ao ano resulta no complexo não um Brasil ideal, Belo Monte poderia produzir, pelo ter um saldo positivo, comparado ao gás natural, menos em grande parte, os benefícios que seus pro- até o final do horizonte de tempo de 50 anos usa- motores retratam. Mas no Brasil real de hoje, em do no Brasil em avaliações de projetos propostos lugar disso, a obra levaria a impactos sociais e ambi- de energia. O impacto sobre o aquecimento glo- entais desastrosos em troca do pouco benefício para bal de represas é uma indicação da necessidade a população brasileira. A existência de Belo Monte de o País reavaliar as suas políticas atuais, que forneceria a justificativa técnica para a construção alocam grandes quantias de energia da rede na- de represas rio acima que inundariam vastas áreas cional para uma indústria subsidiada de exporta- de terra indígena, praticamente todas sob floresta ção de alumínio. tropical, em troca de subsidiar os lucros de compa- nhias de alumínio multinacionais que empregam pouca mão-de-obra no Brasil (veja outros capítulos I. O Rio Xingu e as Barragens mais Con- neste volume). troversas da Amazônia A hidrelétrica de Belo Monte propriamente dita é A proposta da hidrelétrica de Belo Monte, no rio apenas a “ponta do iceberg” do impacto do proje- Xingu (um afluente do rio Amazonas no Estado do to. O impacto principal vem da cadeia de represas

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

Pará), é o foco de intensa controvérsia devido à T rio acima, presumindo que o embalo político co- magnitude e à natureza dos seus impactos. A hidre- meçado pela Belo Monte aniquilasse o sistema de létrica de Belo Monte ficou conhecida pela ameaça 205 licenciamento ambiental, ainda frágil, do Brasil. que representa aos povos indígenas por facilitar uma Este é o quadro provável da situação para a maio- série de represas planejadas rio acima em áreas in- ria dos observadores não ligados à indústria hidre- dígenas. O impacto de Belo Monte sobre o efeito létrica. Das represas rio acima, o reservatório de estufa provém das represas rio acima, projetadas Babaquara, com duas vezes a área inundada da para aumentar substancialmente a produção elé- barragem de Balbina, seria o primeiro a ser cria- trica de Belo Monte e para regularizar a vazão do do. Autoridades do setor elétrico se esforçam para rio Xingu, altamente sazonal. O reservatório de Belo separar o projeto Belo Monte propriamente dito Monte é pequeno relativamente à capacidade de do seu impacto principal, que é o de incentivar as suas duas casas de força, mas os cinco reservatórios megabarragens planejadas a montante. rio acima seriam grandes, até mesmo pelos padrões amazônicos. O maior desses reservatórios é a represa Embora estudos iniciais, completados em 1989, de Babaquara, recentemente renomeada de “Alta- tenham analisado o projeto para Belo Monte com mira”, num esforço aparentemente com o propósi- inclusão dos benefícios da regularização da vazão to de escapar do ônus da crítica que os planos para por represas rio acima, a dificuldade em obter uma Babaquara atraíram ao longo das últimas duas dé- aprovação rápida logo ficou patente às autorida- cadas (o inventário inicial para a obra começou em des do setor elétrico. A exigência de um estudo de outubro de 1975). impacto ambiental (EIA) no Brasil entrou em vi- gor em janeiro de 1986, e a constituição federal “Barrageiros” ou construtores de barragens repre- de outubro de 1988 estipulou a exigência de apro- sentam uma subcultura distinta na sociedade brasi- vação pelo Congresso Nacional para projetos que leira (veja Fearnside, 1989, 1990). A barragem de inundam áreas indígenas. Um estudo novo foi ela- Belo Monte tem um lugar especial na cultura dos borado, então, para Belo Monte sem a presunção barrageiros. Um dos engenheiros envolvidos no da regularização da vazão por represas a montan- planejamento da barragem explicou a natureza es- te. O estudo revisado (atual) afirma: pecial da obra assim: “Deus só faz um lugar como “O estudo energético em questão considera apenas a exis- Belo Monte de vez em quando. Este lugar foi feito tência do Complexo Hidrelétrico Belo Monte no rio Xingu, para uma barragem”. Com 87,5 m de queda e uma

o que acarreta que o mesmo não aufira qualquer benefício planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas 3 vazão média de 7.851 m /segundo (média no perí- de regularização a montante. Embora os estudos de inventá- odo de 1931 a 2000), outro local como Belo Monte rio hidrelétrico do rio Xingu realizados no final da década de 70 tivessem identificado 5 aproveitamentos hidrelétricos é operada, sem nenhuma justificativa, com um ní- a montante de Belo Monte, optou-se por não considerá-los vel máximo operacional de 51 m. nas avaliações aqui desenvolvidas, em virtude da necessida- de de reavaliação deste inventário sob uma nova ótica eco- O segundo exemplo é a expansão em 4.000 W da nômica e sócio-ambiental. Frisa-se, porém, que a implanta- capacidade instalada em Tucuruí (i.e., Tucuruí-II). ção de qualquer empreendimento hidrelétrico com reserva- Um estudo de impacto ambiental estava sendo ela- tório de regularização a montante de Belo Monte aumenta- rá o conteúdo energético dessa usina”. (Brasil, ELETRONOR- borado para o projeto de Tucuruí-II, já que a cons- TE. s/d [C. 2002]a, p. 6-82). tituição brasileira de 1988 exige um EIA para qual- quer hidrelétrica com 10 MW ou mais de capaci- Em outras palavras, embora uma decisão política dade instalada. Porém, o EIA foi truncado quan- tenha sido tomada para restringir a análise oficial do a ELETRONORTE começou a construir o pro- somente à Belo Monte como uma conveniência jeto sem um estudo ambiental em 1998 (veja necessária para obter a aprovação do projeto, as Fearnside, 2001). O raciocínio era que a obra não vantagens técnicas de construir também as repre- teria nenhum impacto ambiental porque o nível sas rio acima (especialmente Babaquara) perma- máximo operacional normal da água no reserva- necem as mesmas. Na realidade, nem a ELETRO- tório permaneceria inalterado em 72 m sobre o NORTE nem qualquer outra autoridade governa- nível médio do mar (Indriunas, 1998). No entan- mental prometeram deixar de construir essas bar- to, enquanto a construção estava em andamento, ragens, mas apenas adiar uma decisão sobre elas. a decisão foi mudada discretamente para elevar o Este é o ponto crucial do problema. nível d’água até 74 m, como era o plano original. Todo mundo já ouviu o provérbio do “camelo- A represa está sendo operada neste nível desde na-barraca”: um beduíno acampado no deserto 2002, também sem justificativa. pode ser tentado a deixar o seu camelo pôr a ca- Essa estratégia também é percebida para Belo

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte beça dentro da barraca, à noite, para se proteger T Monte. O estudo de viabilidade admite que de uma tempestade de areia. Mas ao acordar na 206 manhã seguinte, com certeza o homem encon- “...os serviços de infra-estrutura (acessos, canteiros, sistema de transmissão, vila residencial, alojamentos) terão início tão trará o camelo de corpo inteiro dentro da barra- logo a sua licença de instalação seja aprovada, o que deve ca. Esta é exatamente a situação com Belo Mon- ocorrer separadamente da aprovação da licença para as obras te: uma vez que a Belo Monte comece, nós, pro- civis principais, no decorrer do denominado ano “zero”de vavelmente, vamos acordar e encontrar Babaqua- obra.” (Brasil, ELETRONORTE, 2002, Tomo II, p. 8-155). ra já instalada. Isto significa que o estudo ambiental e o processo O enredo do “camelo-na-barraca” já aconteceu com de licenciamento para a barragem de Belo Monte projetos da ELETRONORTE em pelo menos duas são vistos como uma mera formalidade burocráti- ocasiões paralelas. A primeira ocorreu durante o ca para legalizar uma decisão que já foi tomada. enchimento do reservatório de Balbina. Em setem- Se o licenciamento ambiental fosse visto como uma bro de 1987, menos de um mês antes do começo contribuição essencial à própria decisão sobre se do enchimento do reservatório, a ELETRONOR- o projeto deveria ou não ir adiante, então não ha- TE emitiu um “esclarecimento público” declaran- veria razão para começar o trabalho de infra-es- do que o reservatório seria enchido somente até a trutura complementar enquanto o projeto princi- cota de 46 m sobre o nível médio do mar (abaixo pal (a barragem) continua sob consideração. do nível originalmente planejado de 50 m). Uma série de estudos ambientais seria realizada duran- Estes exemplos são indicações pouco favoráveis te vários anos para monitorar a qualidade da água para o futuro do Xingu. Eles sugerem que, embo- antes de tomar uma decisão separada sobre o en- ra as autoridades possam dizer agora o que bem chimento do reservatório até a cota de 50 m (Bra- quiserem sobre planos para Belo Monte operar sil, ELETRONORTE, 1987a). Porém, quando o ní- com uma única barragem, quando, no decorrer vel d’água alcançou a cota de 46 m, o processo de do tempo chegar a hora para começar o trabalho enchimento não parou durante um único segun- na segunda barragem (Babaquara), é provável que do para os estudos ambientais planejados, e o en- a obra vá adiante de qualquer maneira. Isto signi- chimento continuou sem interrupção até a cota fica que os impactos de represas a montante de- de 50 m e até mesmo além deste nível (veja vem ser considerados, e, se estes impactos forem Fearnside, 1989, 1990). Na realidade, o plano em julgados inaceitáveis, então qualquer decisão para vigor durante todo o processo de encher a represa construir Belo Monte deve ser acompanhada de

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas indicava enchimento direto até o nível de 50 m um mecanismo confiável para garantir que as bar- (Brasil, ELETRONORTE, 1987b). Hoje a represa ragens rio acima não serão construídas. Se a Belo Monte é realmente economicamente viável emissão de gases de efeito estufa. Na presente aná- sem Babaquara, como afirma a ELETRONORTE, isto lise, serão apresentadas estimativas preliminares não diminuiria o perigo da história se desdobrar para as emissões de Belo Monte e de Babaquara. para produzir os desastres ambientais e sociais im- Se as outras quatro barragens planejadas forem plícitos no esquema de Babaquara. Isto porque, construídas, elas teriam impactos adicionais a se- depois da conclusão de Belo Monte, o processo rem considerados. de tomada de decisão sobre a construção de Baba- quara seria dominado por argumentos de que a Babaquara seria altamente lucrativa como meio de II. Hidrelétricas e Emissões de Gases de aumentar o potencial elétrico de Belo Monte. Efeito Estufa A Belo Monte está no centro das controvérsias em Porém, a Belo Monte poderia conduzir a um re- curso sobre a magnitude do impacto no aquecimen- sultado diferente. Antes de se decidir sobre a cons- to global das represas hidrelétricas e sobre a manei- trução de Belo Monte, o sistema de tomada de ra apropriada deste impacto ser quantificado e con- decisão sobre barragens hidrelétricas deve ser siderado no processo de tomada de decisão. Quan- mudado radicalmente. Devem ser enfrentadas as do os primeiros cálculos de emissão de gases de efei- perguntas básicas sobre o que é feito com a ener- to estufa das represas existentes na Amazônia brasi- gia, assim como também a questão de quanta ener- leira indicaram impacto significativo (Fearnside, gia realmente é necessária. O governo brasileiro 1995a), esta conclusão foi atacada, apresentando deveria deixar de encorajar a expansão de indús- trias intensivas de energia. Além disso, estas indús- um caso hipotético que correspondeu à Belo Mon- trias, especialmente a de alumínio, deveriam ser te, com uma densidade energética de mais de 10 2 fortemente penalizadas, cobrando-as pelo dano Watts de capacidade instalada por m de área de ambiental que o uso intensivo de energia implica. superfície de reservatório (Rosa et al., 1996). Além

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte Ademais, o governo brasileiro precisa desenvolver de a metodologia adotada provocar cálculos hipo- T téticos que subestimem o impacto sobre emissão uma base institucional confiável, por meio da qual 207 um compromisso possa ser feito para não se cons- de gases de efeito estufa, o problema principal é truir nenhuma das barragens planejadas a mon- omitir as emissões da hidrelétrica de Babaquara, 2 tante de Belo Monte. Devido à série de preceden- com 6.140 km rio acima de Belo Monte (Fearnside, tes na história recente de construção de barragens 1996a). Este problema básico permanece hoje, no Brasil, onde o resultado oposto aconteceu, uma mesmo depois de muitos avanços em estimativas de estrutura institucional requereria alguns testes re- emissões de gases de efeito estufa. ais antes de ganhar credibilidade adequada para A área relativamente pequena da hidrelétrica de controlar um caso como Belo Monte, onde as ten- Belo Monte, sozinha, indica que as emissões de tações para voltar atrás em qualquer promessa gases de efeito estufa da superfície do reservató- desse tipo são extraordinariamente poderosas. rio serão modestas, e quando estas emissões são Esperar a evolução das instituições ambientais para divididas pelos 11,181 MW de capacidade instala- poder lidar com a Belo Monte não implica a per- da da barragem, o impacto parece ser baixo em da do seu potencial futuro: se nenhuma barragem comparação aos benefícios. Esta é a razão de se for construída no local de Belo Monte nos próxi- usar a “densidade energética” (Watts de capacida- mas anos, a opção de se construir uma barragem de instalada por metro quadrado de área d’água) lá ainda permanecerá aberta. como a medida do impacto de uma represa sobre Também são necessárias mudanças para conter o o aquecimento global. Apresentando a Belo Mon- papel das empresas de construção em influenciar te como uma represa ideal sob uma perspectiva as prioridades de desenvolvimento no favorecimen- de aquecimento global, Luis Pinguelli Rosa e co- to de grandes obras de infra-estrutura. A grande laboradores (1996) calcularam esta relação como atratividade que a Belo Monte tem para a comuni- excedendo ligeiramente 10 W/m2, baseado na área dade de barrageiros, poderia servir, potencialmen- do reservatório originalmente planejada de 1.225 te, como um bom motivo para induzir todas estas km2 (o índice seria de 25 W/m2 sob as mesmas reformulações. Porém, os perigos são múltiplos, e hipóteses, quando considerada a área atualmente o risco de dar impulso à construção da Babaquara planejada de 440 km2). paira como uma espada pendurada em cima de Os regulamentos do Mecanismo de Desenvolvi- todas as discussões de Belo Monte. mento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto atu-

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas Entre os muitos impactos das represas a montante almente permitem crédito de carbono para gran- que devem ser avaliados, um é o papel delas na des represas sem restrições, más foi proposto pelo conselho executivo Árvores aprodrecendo no reservatório da hidrelétrica Tucuruí, aumentar a produ- do MDL, reunindo Miguel Chikaoka ção de Belo Monte. em Buenos Aires É esta flutuação no em dezembro de nível d’água que faz 2004, que estes cré- das represas rio aci- ditos sejam restritos ma fontes potencial- a barragens com mente grandes de densidades gases de efeito estu- energéticas de pelo fa, especialmente a menos 10 W/m2 de de Babaquara. É es- área de reservatório perada uma variação (UN-FCCC, 2004, p. no nível d’água do 4), coincidente- reservatório de Ba- mente a marca baquara de 23 m ao alcançada para Belo longo do curso de Monte segundo o cada ano (Brasil,

calculo de Rosa et al. (1996). A possibilidade de ELETRONORTE, s/d.[C. 1989]). Para fins de com- reivindicar crédito de carbono para Belo Monte paração, o nível d’água no reservatório de Itaipu foi levantada em várias ocasiões tanto por funcio- varia em apenas 30-40 cm. Cada vez que o nível nários do governo brasileiro como do Banco d’água em Babaquara atingisse seu nível mínimo Mundial. Uma densidade energética tão alta operacional normal, seria exposto um vasto lama- 2 quanto 10 W/m2 para Belo Monte requer que esta çal de 3.580 km (aproximadamente o tamanho do barragem seja considerada independente da re- reservatório de Balbina inteiro!). Vegetação herbá-

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte T presa de Babaquara que regularizaria a vazão em cea, de fácil decomposição, cresceria rapidamente nesta zona, conhecida como a zona de “deplecio- 208 Belo Monte, armazenando água rio acima. A con- figuração atual para as duas barragens juntas, com namento”, ou de “drawdown”. Quando o nível 11.000 + 181,3 + 6.274 = 17.455 MW de capacida- d’água subisse subseqüentemente, conseqüente- de instalada, e 440 + 6.140 = 6.580 milhões de m2 mente a biomassa se decomporia no fundo do re- de área de reservatório é de 2,65 W/m2 de reser- servatório, produzindo metano. vatório. Isto não é muito melhor que a densida- Reservatórios são estratificados de modo térmico, de energética de Tucuruí-I (1,86 W/m2), e muito com uma faixa (termoclino) tipicamente localiza- inferior ao número mágico de 10 W/m2. da de 2 a 3 m de profundidade. A temperatura da No caso de Belo Monte, duas razões fazem com que água diminui abruptamente abaixo do termocli- este índice seja altamente enganador como medi- no, e a água presa debaixo desta camada não se da do impacto do projeto sobre o efeito estufa. Pri- mistura com a água da superfície. Esta água funda meiro, as emissões de superfície (que são proporci- (o hipolimnion) logo se torna anóxica, e a vegeta- onais à área do reservatório) representam apenas ção herbácea da zona de deplecionamento que se uma parte do impacto de aquecimento global de decompõe sob estas condições produz metano (CH ) em lugar de gás carbônico (CO ). Uma to- projetos hidrelétricos: as quantidades de metano 4 2 nelada de CH provoca 21 vezes mais impacto so- liberadas pela passagem da água pelas turbinas (e 4 bre o efeito estufa que uma tonelada de CO , se vertedouros) dependem muito dos volumes de água 2 utilizamos o fator de conversão (potencial de aque- que atravessam estas estruturas. O volume deste flu- cimento global, ou GWP) adotado pelo Protocolo xo pode ser grande, até mesmo quando a área do de Kyoto (Schimel et al., 1996), ou 23 vezes mais reservatório é pequena, como em Belo Monte. A se o valor mais recente calculado pelo Painel In- segunda razão é que o maior impacto do projeto tergovernmental sobre Mudança do Clima (IPCC) global é das represas rio acima. Para cumprir o pa- for utilizado (Ramaswamy et al., 2001, pág. 388). pel de armazenamento e liberação da água para Por tonelada (megagrama = Mg) de carbono libe- abastecer Belo Monte durante a estação seca, as rado em cada forma, CH tem 7,6 vezes mais im- represas a montante devem ser manejadas com a 4 pacto, considerando o GWP de 21. maior oscilação possível nos seus níveis d’água. Afi- nal de contas, se estas barragens fossem usadas “a Não se acredita que a madeira nas árvores sub- fio d’água” (i.e., sem oscilações do nível d’água no mersas seja uma fonte significativa de carbono

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas reservatório) o resultado não seria nada melhor que para a produção de metano porque o tecido ve- o rio sem a vazão regulada, do ponto de vista de getal lignificado (madeira) decompõe-se a uma taxa extraordinariamente lenta sob condições da decomposição da parte acima d’água das ár- anaeróbicas. Árvores ainda são utilizáveis como vores da floresta original deixada em pé no re- madeira mesmo depois de permanecerem várias servatório. Porém, a provisão ininterrupta de décadas submersas, como é mostrado pela expe- biomassa herbácea da zona de deplecionamen- riência em Tucuruí onde, 20 anos depois do en- to, e de macrófitas, garante um certo nível de chimento em 1984, a represa ainda é cena de dis- emissão permanente. A vasta zona de deplecio- putas entre vários pretendentes interessados na namento de Babaquara assegura que esta fonte exploração do estoque de madeira subaquática. será significativa. Em contrapartida, a vegetação herbácea verde de- compõe-se rapidamente, liberando assim seu es- III. Características das Barragens de Belo toque de carbono na forma de gases, alguns dos quais são liberados para a atmosfera. Monte e Babaquara A) Belo Monte O recrescimento da vegetação na zona de deple- A configuração do reservatório de Belo Monte é cionamento do reservatório, a cada ano, remove altamente incomum, e os cálculos de gases de efei- gás carbônico da atmosfera pela fotossíntese, e to estufa deveriam ser desenvolvidos especifica- reemite o carbono na forma de metano quando mente para estas características. O reservatório é a vegetação é inundada. O reservatório age, en- dividido em duas partes independentes. O “Reser- tão, como uma verdadeira fábrica de metano, vatório da Calha do Rio Xingu” ocupa o curso do convertendo continuamente o CO2 em CH4. A rio Xingu acima da barragem principal, localiza- fonte de carbono da inundação anual da zona da em Sítio Pimental (Figura 1). O vertedouro de deplecionamento é permanente, diferente do principal tira água deste reservatório, assim como carbono da liteira fina, folhas e carbono instável uma pequena “casa de força complementar” (181,3 (lábil) orgânico do solo da floresta original. Es- MW de capacidade instalada) que, em períodos III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T tes estoques de carbono se decompõem durante de alta vazão, fará uso de parte da água que não os primeiros anos depois do enchimento do re- pode ser usada pela casa de força principal. Quan- 209 servatório. Tapetes de macrófitas (plantas aquá- tidade maior da água será desviada a partir da la- ticas), outra fonte de biomassa facilmente decom- teral do Reservatório da Calha, por meio de ca- posta, diminu- nais de adução, em a níveis re- Figura 1. Reservatório de Babaquara (Altamira) e até o Reservató- Reservatórios de Belo Monte (da Calha e dos Canais). duzidos quan- Fontes: Babaquara: Brasil, ELETRONORTE, s/d[C. 1988]; rio dos Canais, do a fertilidade Belo Monte: Brasil, ELETRONORTE, s/d[C. 2002]a. ao término do da água alcan- qual se encon- çar um equilí- tram as toma- brio mais baixo das d’água para depois de esgo- as turbinas na tar o pulso ini- casa de força cial de nutrien- principal tes que segue o (11.000 MW). enchimento do O Reservatório reservatório. dos Canais tam- Emissões de re- bém dispõe de presas hidrelé- pequeno verte- tricas são mui- douro para ca- to mais altas sos de emer- durante os pri- gência. São meiros anos, apresentadas as características tanto de CH4 gerado pela dos reservatóri- decomposição os na Tabela 1. subaquática da Para abastecer biomassa her- as turbinas da bácea do reser- principal casa

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas vatório e do de força, com

CO2 oriundo capacidade de Tabela 1: Características Técnicas das Represas de Belo Monte (Kararaô) e Babaquara (Altamira) Belo Monte (Kararaô) Total Babaquara Reservatório Reservatório Belo (Altamira) Item Unidades da Calha dos canais Monte Nota Área do reservatório no nível máximo km2 333 107 440 6.140 operacional normal Área do reservatório no nível mínimo km2 333 102 438 2.560 operacional normal Área de deplecionamento km2 0553.580 Variação do nível d’água m 0 1 23 Volume no nível máximo operacional Bilhão de m3 2,07 1,89 3,96 143,5 normal Volume no nível mínimo operacional Bilhão de m3 2,07 1,79 3,86 47,16 normal Volume de armazenamento vivo Bilhão de m3 0 0,11 0,11 96,34 Profundidade média m 6.2 17,7 9.0 23,4 Tempo de residência média dias 3.1 2,8 5.8 211,6 (a) Comprimento do reservatório km 60 87 147 564 Comprimento do perímetro da margem km 361 268 629 2.413 (b)

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T Número de turbinas Número 7 20 27 18 210 Produção de máximo por turbina MW 25,9 550 — 348,6 Capacidade instalada MW 181,3 11.000 11.181,3 6.274 Consumo de água por turbina m3/s 253 695 — 672 Consumo de água total m3/s 1.771 13.900 15.671 12.096 Vazão média m3/s 7.851 7.851 (c) Elevações Nível máximo operacional normal m sobre o mar 97 97 — 165 Nível mínimo operacional normal m sobre o mar 97 96 — 142 (d) Nivel do vertedouro m sobre o mar 76 79,52 — 145 (e) Nível do canal de adução m sobre o mar — 84 — — Eixo da entrada das turbinas m sobre o mar 80 65 — 116,5

Outros parâmetros Área de drenagem km2 447.719 Evaporação anual mm 1.575 Precipitação anual mm 1.891

Localização Latitude 03o 26’ S 3o 7’ 35” S 3o 18’ 0” S Longitude 51o 56’ O 51o 46’ 30” O 52o 12’ 30” O

Notas (a) Presume que toda a água é usada pela casa de força principal em Belo Monte. (b) Presume-se que Babaquara tem a mesma a relação entre o perímetro da margem e o comprimento que em Belo Monte. (c) Vazão é a média para 1931-2000 calculada no EIA para Belo Monte. Um vazão “sintético” mais alto de 8.041 m3/s foi Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas calculado por Maceira & Damázio (s/d) para Babaquara. turbinar 13.900 m3/segundo, água entrando nos da área de reservatório, aproximadamente, se en- canais fluiria numa velocidade média de 7,5 km/ contra na bacia do rio Xingu abaixo da confluên- hora num canal de 13 m de profundidade, levan- cia dos dois rios, outros 27% na bacia do Xingu do aproximadamente 2,3 horas para percorrer os acima do ponto de confluência e 26% na bacia do 17 km do Reservatório da Calha até o Reservató- rio Iriri. A vazão média (1976-1995) do rio Iriri é rio dos Canais. Isto será semelhante a um rio, ao de 2.667 m3/segundo (Brasil, ANEEL, 2001), en- invés de um reservatório. O Reservatório dos Ca- quanto a vazão no local da barragem de Babaqua- nais, pelo qual a água levará, em média, 1,6 dias ra (i.e., abaixo da confluência) é de 8.041 m3/se- para passar, é de uma forma talvez sem igual na gundo (Maceira & Damázio, s/d). Presumindo que história de construção de barragens. Em vez do a porção do reservatório abaixo da confluência (a habitual vale inundado, onde a água flui pelo re- porção mais próxima à represa) é três vezes mais servatório que segue a topografia descendente funda, então, em média, com os outros dois seg- natural de um rio e seus afluentes, a água no Re- mentos, o tempo de residência no reservatório de servatório dos Canais estará fluindo por uma série Babaquara da água que desce o rio Xingu é de de vales perpendiculares à direção normal de flu- 164 dias e de 293 dias para a água que desce do rio xo d’água. A água passará entre cinco bacias dife- Iriri. Embora o tempo de residência seja muito rentes, na medida em que atravessa os cursos dos longo em ambos os casos, tempo bastante para igarapés que terão sido inundados, passando por acumular uma grande carga de metano, o tempo gargalos rasos quando a água cruza cada um dos para a parte no Iriri quase alcança o do tempo de antigos interfluvios. Cada uma destas passagens, residência de 355 dias da notória represa de Bal- algumas das quais serão em canais escavados como bina! A tremenda diferença entre Babaquara e parte do projeto de construção, oferecerá a opor- Belo Monte, com oscilações verticais em níveis tunidade para quebrar qualquer termoclino que d’água que variam desde zero no Reservatório dos

possa ter-se formado nos fundos de vale. É possí- III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

Canais de Belo Monte até 23 m em Babaquara, T vel que só água da superfície, relativamente bem indica que um modelo explícito dos estoques de oxigenada e de baixo teor de metano, fará a passa- carbono e da sua decomposição é necessário, em 211 gem por estes gargalos, deixando camadas relati- lugar de uma extrapolação simples de medidas de vamente permanentes de água rica em metano no concentrações de CH4 e emissões em outras repre- fundo de cada vale. Portanto, o Reservatório dos sas. O modelo desenvolvido para este propósito é Canais, de 60 km de comprimento, é uma cadeia descrito nas seções seguintes. de cinco reservatórios, cada um com um diferen- te tempo de reposição, sistema associado de “bra- ços mortos” e potencial para estratificação. Quan- IV. Fontes de Carbono e Caminhos de Li- do a água alcançar o trecho final antes das toma- beração de Gases de Efeito Estufa das d’água das turbinas, permanecerá lá apenas A.) Metano durante um tempo curto. O metano produzido por decomposição subaquá- tica pode ser liberado de vários modos. Uma é a B.) Babaquara ebulição e a difusão pela superfície do reservató- rio. Ebulição permite que o CH atravesse a bar- Em contraste com o volume pequeno do reserva- 4 tório e tempo curto de reposição dos dois reserva- reira do termoclino, e é altamente dependente da tórios de Belo Monte, o reservatório de Babaqua- profundidade da água em cada ponto no reserva- tório, com emissões de bolhas muito maiores a pro- ra tem várias características que o fazem excepcio- fundidades mais rasas. A difusão é importante no nalmente nocivo como fonte de metano. Uma é a primeiro ano, mas não depois disso; isto porque sua área enorme, do tamanho de Tucuruí e Balbi- as populações bacterianas na água de superfície na juntos. Outra é a área de deplecionamento ex- (epilimnion) aumentam, resultando que qualquer traordinariamente grande que será alternadamen- metano que se difunde por esta camada é oxida- te inundada e exposta: 3.580 km2 (Brasil, ELETRO- do para CO antes de alcançar a superfície NORTE, s/d. [C. 1989]). 2 (Dumestre et al., 1999; Galy-Lacaux et al., 1997). O reservatório de Babaquara é dividido em dois As emissões de superfície também são mais altas braços, um dos quais terá um tempo de reposição nos primeiros anos depois do enchimento porque muito lento. O reservatório inundará os vales dos o estoque de carbono nas folhas e liteira de foliça rios Xingu e Iriri. Medidas grosseiras das áreas do da floresta original e na fração instável do carbono

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas reservatório (a partir de um mapa no Brasil, ELE- de solo está sendo liberado do fundo do reservató- TRONORTE, s/d. [C. 1988]) indicam que 27% rio na forma de metano. Estes estoques de carbono iniciais diminuirão na medida em que eles são pro- A quantidade de água é o volume do reservatório gressivamente exauridos e, nos anos posteriores, ao final do mês, mais os influxos durante o mês e o carbono somente estará disponível de fontes o mês anterior. A quantidade de carbono que se renováveis, tais como as macrófitas e o decompõe anaerobicamente (calculada de acor- recrescimento na zona de deplecionamento (as- do com as suposições dadas acima) relacionada à

sim como também o carbono do solo que entra concentração de CH4 aos 30 m de profundidade é no reservatório oriundo de erosão rio acima). mostrada na Figura 2. Os dados de concentração são de Petit Saut (Galy-Lacaux et al., 1999), com a Estão faltando estudos para quantificar o papel re- exceção do ponto extremo no lado esquerdo, com lativo de diferentes fontes de carbono. No caso do 6 mg CH /litro aos 30 m de profundidade, que é reservatório de Petit Saut, na Guiana francesa, Galy- 4 de Tucuruí (J.G. Tundisi, citado por Rosa et al., Lacaux et al. (1999) acreditam que o carbono do 1997, pág. 43). A faixa de valores para a quantida- solo é a fonte principal nos primeiros anos. O esto- de de carbono que se decompõe anaerobicamen- que de carbono instável do solo é relativamente te é dividido em três segmentos para o cálculo da grande, comparado aos outros estoques de carbo- concentração de CH aos 30 m de profundidade no facilmente degradado. O presente cálculo usa o 4 (equações 1-3). estoque de carbono instável (hidrossolúvel) do solo de 54 Mg C/ha medido nos 60 cm superficiais de Para decomposição anaeróbica = 684,4 Mg C/bi- um Ultisolo amazônico típico (Trumbore et al., 1990, lhão de m3 de água: pág. 411). Suposições relativas à taxa de decompo- Y = 0,00877 X (eq. 1) sição dos estoques produzem um total teórico para Para decomposição anaeróbica entre 684,5 e o carbono liberado na água na forma de CH . Con- 4 15.000 Mg C/bilhão de m3 de água: siderando o efeito de diluição pelos influxos de água para o reservatório, a quantidade de carbono que Y = 0,000978 X + 6 (eq. 2)

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T se decompõe anaerobicamente por bilhão de Para decomposição anaeróbica > 15.000 Mg C/ 212 metros cúbicos de água pode ser calculada. Esta bilhão de m3 de água: quantidade foi calculada para dois reservatórios Y = 20 (eq. 3) existentes em áreas de floresta tropical (Petit Saut Onde: X = decomposição anaeróbica (Mg C/bi- e Tucuruí) e relacionado à concentração de CH4 na água a uma profundidade padronizada (30 m) lhão de m3 de água) nos mesmos reservatórios. Y = concentração de CH4 aos 30 m de profundi- dade (mg/litro) A quantidade de carbono que se decompõe anae- robicamente é a soma das porções que se decom- A razão entre a concentração de metano a dife- põe de folhas originais e liteira de foliça, carbono rentes profundidades e a concentração aos 30 instável do solo, macrófitas não encalhadas e ve- metros depende da idade do reservatório, já que getação inundada na zona de deplecionamento. esta razão muda com o passar do tempo à medida

3 Figura 2 - Concentração de Ch4 aos 30 m de profundidade versus Mg C/bilhão de m de água

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas que as populações bacterianas nas águas de super- Belo Monte podem ser calculadas. A calibração da fície fiquem mais capazes de degradar o metano liberação de carbono calculada por decomposição para gás carbônico. Dados do reservatório de Sa- anaerobica aos dados existentes sobre concentra- muel quando isto tinha cinco meses de idade (J.G. ção de CH4 em reservatórios semelhantes é impor- Tundisi, citado por Rosa et al., 1997, pág. 43) são tante para reduzir qualquer possível viés oriundo usados para representar reservatórios até 12 me- das presunções relativas à magnitude das taxas de ses depois do enchimento; dados de Petit Saut decomposição dos vários estoques subaquáticos de (Galy-Lacaux et al., 1999) são usados para repre- carbono. A água que entra em um reservatório a sentar reservatórios do 13º até o 36º mês, e dados partir de igarapés e do fluxo normal do rio, como a de Tucuruí coletados 44 meses depois do enchi- água que entra em Babaquara, não contém pratica- mento (J.G. Tundisi, citado por Rosa et al., 1997, mente nada de CH4, como foi mostrado pelas me- pág. 43) são usados para representar reservatórios didas em Petit Saut (Galy-Lacaux et al., 1997). No depois do 36º mês. As razões são calculadas usan- caso de Belo Monte, no entanto, a água que entra do as equações na Tabela 2. diretamente de Babaquara conterá quantidades apreciáveis de CH . As emissões de ebulição e de difusão podem ser re- 4 lacionadas à concentração de CH4 a uma profundi- Presume-se que o manejo d’água em Babaquara dade padronizada de 30 m. A Tabela 3 apresenta siga uma lógica baseada em prover a quantidade equações para estas emissões para água com pro- máxima possível de água anualmente a Belo Mon- fundidades diferentes. Estas razões resultaram das te, dentro das limitações colocadas pelo ciclo sa- medidas em Petit Saut (Galy-Lacaux et al., 1999). A zonal de vazões do rio, o máximo que pode ser concentração de CH prevista aos 30 m de profun- 4 usado pelas turbinas em Babaquara, e o volume didade é estreitamente relacionada às emissões de de armazenamento vivo do reservatório. Isto re- ebulição observadas em cada faixa de profundida-

sulta na esperada subida e descida anual do nível III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte de nos dados de Petit Saut (0-3 m, 4-6 m e 7-8 m) d’água. Durante cada mês ao longo de um perío- T (Figura 3a, b e c). As emissões de difusão em Petit do de 50 anos um cálculo é feito da área de zona 213 Saut, independente da profundidade, também são de deplecionamento que permanece exposta du- estreitamente relacionadas à concentração de CH 4 rante um mês, dois meses, e assim sucessivamente prognosticada aos 30 m (Figura 3d). até um ano, e uma categoria separada que é Usando os dados derivados acima, as concentrações mantida para área de deplecionamento exposta durante mais de um ano. A área que é submersa de CH4 em Babaquara e nos dois reservatórios de

Tabela 2: Razão das concentrações de CH4 em diferentes profundidades para a concentração aos 30 m de profundidade Gama Idade Idade Idade de profundidade (m) = 12 meses(a) 12,1-36 meses(b) > 36 meses (c) 0 – 0,9 0,33 0 0 1 – 1,9 0,50 0 0 2 – 4,9 0,75 0 0 5 – 9,9 0,83 0 0,34 10 – 14,9 0,67 0 0,63 15 – 19,9 0,75 0,33 0,71 20 – 24,9 0,83 0,50 0,79 25 – 29,9 0,92 0,83 0,89 30 – 30,0 1,00 1,00 1,00 ≥ 31 (d) (d) (d)

(a) Dados do reservatório de Samuel, 5 meses depois de encher (J.G. Tundisi, citado por Rosa et al., 1997, pág. 43). (b) Dados de Petit Saut (Galy-Lacaux et al., 1999). (c) Dados de Tucurui 44 meses depois de encher (J.G. Tundisi, citado por Rosa et al., 1997, pág. 43).

(D) Y = 1 + (0,0165 (X - 30)) onde: planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas

Y = Razão entre a concentração de CH4 e a concentração aos 30 m de profundidade X = Profundidade debaixo da superfície (m) Figura 3a. Emissões de ebuliação para 0-3 m de profundidade

Figura 3b. Emissões de ebuliação para 4-6 m de profundidade

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T 214

Figura 3c. Emissões de ebuliação para 7-8 m de profundidade

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas Figura 3d. Emissões de difusão

Tabela 3: Emissões ebulição e de difusão de concentração de CH4 aos 30 m de profundidade(a) Gama de concentração

Caminho Gama de de CH4 aos 30 m de

de emissão profundidade (m) profundidade (mg/litro) Declive Intercepte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T Ebulição 0-3 m 0-9,2 47,572 -54,214 9,3-1,6 64,979 -216,344 215 ≥ 17,7 23,562 516,453 Ebulição 4-6 m 0-9,2 31,284 -77,499 9,3-17,6 35,738 -118,989 ≥ 17,7 12,959 284,049 Ebulição 7-8 m 0-4.5 0 0 4,6-9,2 2,468 43,680 9,3-17,6 11,139 -37,087 ≥ 17,7 4,039 88,535 Difusão Todas as profundidades 0-9,2 11,909 -35,860 9,3-17,6 17,917 -91,822 ≥ 17,7 1,895 191,656

2 (a) Y = m X + b ; onde: Y = Emissão de CH4 (mg/m /dia) ; X = Concentração de CH4 aos 30 m de profundidade (mg/litro) e m = Declive b = Intercepte em cada classe de idade é calculada durante cada para cobrir uma parte significativa de um reserva- mês. Isto permite um cálculo da quantia de tório novo, como acontecido em Brokopondo, no biomassa herbácea que é inundada, baseado em Suriname (Paiva, 1977), Curuá-Una, no Pará (Junk suposições relativas à taxa de crescimento da ve- et al., 1981), Tucuruí, no Pará (de Lima, 2002), getação na zona de deplecionamento. A categoria Balbina, no Amazonas (Walker et al., 1999), e Sa- para vegetação com mais de um ano de idade con- muel, em Rondônia (Fearnside, s/d-a). Imagens tém biomassa menos macia, já que o crescimento do satélite LANDSAT indicam que as macrófitas depois do primeiro ano é, em grande parte, em Tucuruí cobriram 40% da superfície do reser- alocado à produção de madeira, em lugar de teci- vatório dois anos depois do enchimento, diminu- dos mais macios (a biomassa de folhas da floresta indo subseqüentemente a 10% depois de uma é usada para esta categoria). década (de Lima et al., 2002). Baseado em moni- toramento em Samuel e Tucuruí, Ivan Tavares de Macrófitas são uma fonte importante de biomassa Lima (2002) desenvolveu uma equação (eq. 4)

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas macia, facilmente decomposta. As populações des- para descrever a evolução da cobertura de macró- tas plantas aquáticas aumentam com exuberância fitas, que é usada na presente análise: Y = 0,2 X - 0,5 (eq. 4) Presume-se que a biomassa de macrófitas é de 11,1 Mg/ha de peso seco durante os primeiros seis anos, onde: baseado em um tapete de Eicchornia mensurado X = anos desde o enchimento em Lago Mirití, um lago de várzea perto de Y = a fração do reservatório coberta por ma- Manacapuru, Amazonas (P.M. Fearnside, dados crófitas. não publicados). Para comparação, em lagos de várzea, espécies de Oryza tiveram 9-10 Mg/ha de As macrófitas morrem a uma determinada taxa no peso seco, enquanto Pasalum teve 10-20 Mg/ha reservatório e a biomassa morta afunda. Em lagos (T.R. Fisher, D. Engle & R. Doyle, dados inéditos de várzea, a mortalidade das macrófitas resulta em citados por Melack & Forsberg, 2001, pág. 248). uma reposição da biomassa 2-3 vezes por ano Em outra medida em lagos de várzea (onde a dis- (Melack & Forsberg, 2001, pág. 248). O ponto cen- ponibilidade nutrientes é maior como nas repre- tral desta faixa (4,8 meses) implica que 14,4% da sas no Xingu), nove medidas de macrófitas biomassa de macrófita morrem em cada mês. Esta enraizadas na várzea depois de aproximadamente taxa foi adotada para mortalidade de macrófita nos três meses de crescimento resultaram em uma reservatórios. Além desta mortalidade, é encalha- média de 5,7 Mg/ha de biomassa seca (DP=1,7, da uma parte da biomassa de macrófita quando o variação=3,2-8,7) (Junk & Piedade, 1997, pág. 170). nível da água desce. Porque os ventos prevalecen- O valor presumido de 11,1 Mg/ha nas represas do tes (que sopram de leste para oeste) empurrem as Xingu está na faixa para biomassa de macrófitas macrófitas flutuantes contra apenas uma margem, flutuantes e submersas em outras partes do mun- uma parte do tapete de plantas flutuantes necessa- do. Por exemplo, as macrófitas submersas em Lago riamente é posicionada onde será encalhada sem- Biwa, no Japão tem 7-10 Mg/ha de biomassa seca pre que o nível d’água desce. As quantidades en- (Ikusima, 1980, pág. 856). volvidas são impressionantes, como é evidente em

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T Depois que a transição para Salvina acontece, a Tucuruí (veja Fearnside, 2001). Porque as macrófi- biomassa por hectare de macrófitas é mais baixa. O tas concentram-se ao longo de apenas uma margem 216 valor de biomassa usado no cálculo é de 1,5 Mg/ha do reservatório, somente a metade da zona de de- de peso seco que é a biomassa de tapetes de Salvinia plecionamento é considerada na computação das auriculata (Junk & Piedade, 1997, pág. 169). áreas de macrófitas encalhadas. Quando encalha- das, as macrófitas morrem e decompõem-se O metano da água que é presa debaixo do termo- aerobicamente. No entanto, se o nível d’água sobe clino será exportado dos reservatórios na água pu- novamente antes do processo de decomposição ser xada pelas turbinas e pelo vertedouro. Esta é uma completado, o estoque de carbono remanescente característica de represas hidrelétricas, completa- em macrófitas encalhadas é acrescentada ao esto- mente diferente dos corpos d’água naturais, tais que de carbono subaquático que pode produzir como lagos de várzea, que são fontes globalmente metano. Aqui se presume que, se uma área estiver significativas de CH4 apenas com emissões de su- exposta durante apenas um mês, então a metade perfície. Abrir as entradas para as turbinas e para o das macrófitas encalhadas ainda estará presente vertedouro é como tirar a tampa do ralo em uma quando estas áreas forem reinundadas. banheira: a água é tirada do fundo, ou pelo menos da porção mais funda (hipolimnion) do reservató- A cobertura de macrófitas em reservatórios amazô- rio. Debaixo do termoclino a concentração de CH nicos sofre uma sucessão regular de espécies, come- 4 aumenta à medida que se desce na coluna d’água. çando com Eicchornia e terminando com Salvinia, Uma observação importante de Petit Saut é que, como aconteceu em Curuá-Una (Vieira, 1982) e dentro de um mesmo reservatório, a concentração Balbina (Walker et al., 1999). Eicchornia e outras es- de CH , em qualquer determinado ponto é apro- pécies que predominam nos primeiros anos têm sig- 4 ximadamente constante a qualquer dada profun- nificativamente mais biomassa por hectare que didade abaixo da superfície, independente da pro- Salvinia. Em Balbina a substituição de macrófitas de fundidade até o fundo do local em questão (Galy- biomassa alta por Salvina aconteceu entre o sétimo Lacaux et al., 1997). A presente análise calcula para e o oitavo ano depois do enchimento (Walker et al., cada mês a profundidade abaixo da superfície do 1999, pág. 252). Nos presentes cálculos presume-se vertedouro e das entradas da turbina, para então que a troca para Salvinia acontece sete anos depois calcular a concentração de CH correspondente na de enchimento do reservatório para as represas do 4 água liberada por estas estruturas. Xingu. Macrófitas flutuantes como Eicchornia e

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas Salvinia são muito comuns em reservatórios, mas À medida que se desce pela coluna d’água, a pres- algumas espécies enraizadas também ocorrem. são aumenta e a temperatura diminui. Ambos efeitos agem para aumentar a concentração de quando a água emergir posteriormente das turbi-

CH4 a profundidades maiores. Pela Lei de Henry, nas de Belo Monte. a solubilidade de um gás é diretamente propor- cional à pressão, enquanto o Princípio de Le Chatelier reza que a solubilidade de um gás é in- B) Gás carbônico versamente proporcional à temperatura. Embo- Diferente do metano, o gás carbônico é tirado da ra ambos os efeitos sejam importantes, o efeito atmosfera pela fotossíntese quando as plantas cres- da pressão predomina (Fearnside, 2004). A pres- cem. Portanto, o CO2 liberado pela decomposição são é quase cinco atmosferas aos 48 m de profun- de biomassa herbácea que cresce no reservatório didade da entrada das turbinas no nível e na sua zona de deplecionamento não pode ser operacional normal em Babaquara. Quando a contado como um impacto no aquecimento glo-

água emergir das turbinas, a pressão cai imedia- bal, já que este CO2 está sendo apenas reciclado, tamente para uma atmosfera. São liberados ga- repetidamente, entre a biomassa e a atmosfera. A ses dissolvidos quando a pressão cair, da mesma biomassa nas árvores da floresta que foram mor- maneira que bolhas de CO2 emergem imediata- tas quando o reservatório foi criado é uma ques- mente quando se abre uma garrafa de Coca Cola. tão diferente, e o CO2 que elas liberam constitui A queda de pressão quando uma garrafa de Coca um impacto líquido sobre o efeito estufa. Somen- Cola é aberta é muito menor que a queda de pres- te a porção acima d’água desta biomassa se decom- são quando a água emerge das turbinas de uma põe a uma taxa apreciável. hidrelétrica, a liberação de gases é ainda mais A biomassa de madeira acima d’água é modelada rápida na hidrelétrica. A facilidade com que cada em algum detalhe, baseado no que é conhecido a gás sai da solução é determinada pelo constante partir da experiência em Balbina (que foi enchido da Lei de Henry do gás. Essa constante é mais ao longo do período 1987-1989). Os troncos das alta para CH do que para CO , fazendo com que, III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte 4 2 árvores se partem no ponto atingido pelo nível alto T também por esta razão, o metano seja liberado da água, deixando tocos projetando fora da água mais prontamente que as bolhas de gás carbônico 217 de uma garrafa de Coca Cola. Em Petit Saut, por quando o nível decai. Até oito anos depois de ser exemplo, a água que entrava nas turbinas em 1995 inundadas, aproximadamente 50% das árvores de e ≥ 25 cm de diâmetro e 90% das árvores de < 25 cm apresentava uma razão de CO2 para CH4 de 9:1, mas no ar na nuvem imediatamente abaixo da de diâmetro tinham-se partidos (Walker et al., barragem, a relação era de 1:1, significando as- 1999). Além disso, os galhos continuamente caem sim que, proporcionalmente, muito mais meta- das árvores em pé. Aproximadamente 40% das no dissolvido é liberado (Galy-Lacaux et al., 1997). árvores de terra firme flutuam em água (veja Fe- arnside, 1997a). As árvores que se afundam per-

A fração do CH4 dissolvido que é liberado no trans- manecem onde elas estão, seja na zona permanen- curso da água pelo vertedouro e pelas turbinas de- temente inundada ou nas áreas mais rasas que es- penderá da configuração destas estruturas. No caso tão periodicamente expostas na zona de deplecio- do vertedouro em Babaquara, a queda de 48 m namento. Os troncos que flutuam são empurra- depois de emergir das comportas (Tabela 1) deve- dos pelo vento e pelas ondas até a margem e serão ria garantir uma liberação praticamente comple- expostas à decomposição aeróbia na zona de de- ta. No caso das turbinas, porém, alguma parte do plecionamento quando o nível d’água descer. São conteúdo de CH provavelmente será repassada 4 calculados os estoques e as taxas de decomposição para o reservatório de Belo Monte, imediatamente para cada categoria. A decomposição aeróbica a jusante de Babaquara. O reservatório de Belo contribui para a emissão de CO2 da biomassa aci- Monte é planejado para chegar até o pé da barra- ma da água. Parâmetros para a dinâmica e decom- gem de Babaquara, fazendo com que seja injetada posição aeróbica da biomassa acima d’água são a água que emerge das turbinas de Babaquara di- apresentados na Tabela 4. retamente no reservatório de Belo Monte, em lu- gar de fluir em um trecho de rio normal antes de As emissões de biomassa acima d’água considera- entrar no reservatório. Como a água puxada do das aqui são conservadoras por duas razões. Uma fundo da coluna d’água do reservatório de Baba- é que elas estão baseadas na vazão média do rio quara estará a baixa temperatura, provavelmente em cada mês e na suposição de que o manejo da afundará imediatamente no hipolimnion uma vez água respeite o limite do nível mínimo normal que entra diretamente no reservatório de Belo previsto para o reservatório. Nenhuma considera-

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas

Monte. Seu conteúdo de CH4 seria, então, parcial- ção foi feita quanto à possibilidade de que o nível mente preservado, e estaria sujeito a liberação da água poderia ser abaixado além deste nível Tabela 4: Parâmetros para a emissão gases da biomassa acima da água no reservatório de Babaquara Parâmetro Valor Unidades Fonte Fração acima do solo 0,759 Fearnside 1997b, pág. 337 Profundidade médio de zona de água de superfície 1 metro Suposição, baseado em deterioração de madeira comercial, Taxa de decomposição de folhas na zona sazonalmente inundada -0,5 Fração/ano Suposição. Taxa de decomposição acima d’água (0-4 anos) -0,1680 Fração/ano Presumido mesmo como floresta derrubada (Fearnside, 1996b, pág, 611) Taxa de decomposição acima d’água (5-7 anos) -0,1841 Fração/ano Presumido mesmo como floresta derrubada (Fearnside, 1996b, pág, 611) Taxa de decomposição acima d’água (8-10 anos) -0,0848 Fração/ano Presumido mesmo como floresta derrubada (Fearnside, 1996b, pág. 611) Taxa de decomposição acima d’água (>10 anos) -0,0987 Fração/ano Presumido mesmo como floresta derrubada (Fearnside, 1996b, pág, 611) Conteúdo de carbono de madeira 0,50 Fearnside et al., 1993 Biomassa total médio de floresta a Babaquara 244 Mg/ha Revilla Cardenas (1988) para biomassa acima do solo; Fração acima do solo como acima.

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T Profundidade de água médio ao nível mínimo 18,4 metros A 142 m sobre o mar operacional normal 218 Profundidade de água médio ao nível 23,4 metros A 165 m sobre o mar operacional normal Biomassa inicial presente: folhas 4,1 Mg/ha Calculado de biomassa total e de Fearnside (1995a, pág. 12), 13.77 De Revilla-Cardenas, 1988, pp. 75 & 77 Biomassa inicial presente: madeira acima d’água 138,8 Mg/ha Calculado de biomassa total e de Fearnside (1995a, pág. 12), Biomassa inicial presente: debaixo do solo 58,8 Mg/ha Calculado de biomassa total e de Fearnside (1995a, pág. 12),

Liberação de metano por térmitas em floresta 0,687 kg CH4/ha/ano Martius et al,, 1996, pág. 527

Liberação de metano por térmitas em biomassa 0,0023 Mg CH4 Martius et al., 1993 acima d’água por Mg C se deteriorado por térmitas Por cento de decomposição mediado por térmitas 4,23 % Martius et al. 1996, pág. 527 para acima do nível d’água máximo operacional normal biomassa derrubada Por cento de decomposição mediado por térmitas 0 % Baseado em Walker et al., 1999. abaixo da linha d’água do nível máximo operacional normal Área total do reservatório ao nível 6.140 km2 operacional normal Área do leito fluvial 136 km2 Revilla-Cardenas, 1988, pág. 87 Área desmatada antes de inundar 0 km2 (zona de inundação permanente) Área total de floresta inundada 6.004 km2 Calculado por diferença Área de floresta original na zona de 2.424 km2 Área da zona, menos o leito fluvial inundação permanente e a área previamente desmatada

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas Área de floresta original de zona 3.580 km2 Calculado por diferença de área de de deplecionamento floresta de total Tabela 4: Parâmetros para a emissão gases da biomassa acima da água no reservatório de Babaquara (cont.) Parâmetro Valor Unidades Fonte Taxa de quebra de troncos na altura da linha 0,063 Fração do Baseado em Walker et al., 1999, d’água para árvores > 25 cm DAP estoque pág. 245 original/ano Taxa de troncos que quebram na linha 0,113 Fração do Baseado em Walker et al., 1999, de água para árvores < 25 cm DAP estoque pág. 245 original/ano Taxa de queda de galhos (e presumida queda 0,094 Fração do Baseado em Walker et al., 1999, de troncos acima do primeiro galho) estoque pág. 245 original/ano Por cento da biomassa acima do solo de madeira 30,2 % Fearnside, 1995a, pág. 12 baseado em viva em galhos e tronco acima do primeiro galho Klinge & Rodrigues, 1973 Por cento da biomassa de madeira 69,8 % Fearnside, 1995a, pág. 12 baseado em acima do solo em troncos Klinge & Rodrigues, 1973 Por cento de biomassa de tronco > 25 cm DAP 66,0 % Calculado abaixo 10-25 cm DAP como por cento de biomassa 22 % Brown & Lugo, 1992, de fuste total em árvores vivos > 10 cm DAP 0-10 cm DAP como por cento de biomassa 12 % Jordan & Uhl, 1978, vivo total acima do solo

Bole como por cento de Biomassa de sobre-chão 57,47 % Baseado em fator de expansão de biomassa III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T ao vivo total em árvores ao vivo > 10 cm DAP de 1,74 para bole biomassa > 190 Mg/ha em árvores ao vivo > 10 cm DAP (Brown 219 e Lugo, 1992). Biomassa viva acima do solo < 10 cm DAP 22,2 Mg/ha Calculado a partir de informações acima Galhos como porcentagem de biomassa de fuste viva 51,4 % Baseado em Brown & Lugo, 1992 Biomassa de filial 55,9 Mg/ha Calculado a partir de informações acima Biomassa acima do solo de floresta 185,3 Mg/ha Calculado de total e fração acima do solo Sobre-chão Biomassa de madeira ao vivo 155,5 Mg/ha Total-folhas-morto Sobre-chão Biomassa de madeira morto 25,6 Mg/ha Klinge, 1973, pág. 179 Biomassa de bole ao vivo 108,6 Mg/ha Aporcionamento baseado em Brown & Lugo, 1992 Biomassa de fuste vivo 10-25 cm DAP 23,9 Mg/ha Aporcionamento baseado em Brown & Lugo, 1992 Biomassa de fuste vivo < 10 cm DAP 13,0 Mg/ha Jordan & Uhl,1978 Biomassa de fuste vivo 0-25 cm DAP 36,9 Mg/ha Somado de acima Biomassa de fuste vivo > 25 cm DAP 71,7 Mg/ha Partioning baseado em Brown & Lugo, 1992 Biomassa de fuste vivo: acima da linha d’água 96,4 Mg/ha Distribuição vertical interpolou de Klinge & Rodrigues, 1973, Biomassa de fuste vivo: 0-25 cm DAP: 32,8 Mg/ha Distribuição vertical interpolou de acima da linha d’água Klinge & Rodrigues, 1973, Biomassa de fuste vivo: > 25 cm DAP: 63,6 Mg/ha Distribuição vertical interpolou de acima da linha d’água Klinge & Rodrigues, 1973, Fração das árvores que flutuam 0,4 Fração Richard Bruce, comunicação pessoal, 1993; veja Fearnside, 1997a, pág., 61 Fração de filiais originais em árvores 0,094 Fração Calculado de Walker et al., 1999. restantes que caem por ano

Fração médio de área de drawdown de ano expôs 0,5Fração Estimativa aproximada baseado no nivel planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas do reservatório em 2000 em Balbina. mínimo em anos extremamente secos, como em Esta declaração de Karolyn Wolf (porta-voz da eventos de El Niño. A outra suposição conservado- USNHA) ilustra bem a veemência com que se re- ra é que a biomassa na zona de deplecionamento sistiu a este assunto (veja IRN, 2002). A Hydro- nunca se queima. Queimar é um evento ocasional, Québec foi mais longe ao afirmar que as emissões mas afeta quantidades significativas de biomassa grandes de ecossistemas de várzea nas áreas inun- quando isso acontecer. Durante a seca do El Niño dadas por represas hidrelétricas poderiam fazer de 1997-1998, os reservatórios de Balbina e de Sa- com que o impacto líquido destes projetos fosse muel atingiram cotas muito inferiores aos níveis de um “assunto de soma zero” (Gagnon, 2002). Infe- operação oficialmente tidos como “mínimos”, e áre- lizmente, um exame destes argumentos indica o as grandes das zonas de deplecionamento expandi- contrário, apontando para uma emissão líquida das se queimaram. Embora seja provável que tais substancial das represas hidrelétricas. Babaquara emissões às vezes acontecerão em Babaquara, elas ilustra bem isto, e vale a pena examinar este caso não foram considerados nesta análise. em algum detalhe. Outra fonte de emissões é de árvores perto da mar- As áreas dos ecossistemas naturalmente inundados gem do reservatório, mortas quando o lençol e não inundados são apresentadas na Tabela 5. Os d’água sobe e alcança as suas raízes. Em Balbina, tipos de floresta sazonalmente inundados são con- uma faixa de árvores mortas é evidente ao redor siderados como pertencendo à “área inundada”. da margem do reservatório (Walker et al., 1999). No entanto, isto pode representar uma superesti- Porque o formato do contorno da margem é ex- mativa da extensão verdadeira “área inundada”, tremamente tortuoso e inclui as margens das mui- sendo que imagens de radar do Satélite de Recur- tas ilhas criadas pelo reservatório, esta faixa de sos da Terra Japonês (JERS) indicam que pratica- mortalidade da floresta afeta uma área significati- mente nada da área do reservatório planejado tem va. As árvores mortas se decompõem, liberando inundação abaixo da cobertura da floresta (veja

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte T Melack & Hess, 2004). No entanto, deveria ser lem- CO2, e, ao longo de um período de décadas, uma 220 floresta secundária se desenvolve (com uma absor- brado que lagos temporários ao longo dos rios ção de carbono). A presente análise presume que Xingu e Iriri existem: mapas analisados por de a mortalidade é de 90% na faixa até 50 m além da Miranda et al. (1988, pág. 88) indicam de 28 a 52 margem do reservatório e de 70% na faixa entre lagos na área a ser inundada por Babaquara, de- 50 a 100 m dessa margem. A decomposição segue pendendo do mapa usado na análise. o mesmo curso que em áreas derrubadas para agri- Os parâmetros para emissões de metano pela flo- cultura, e presume-se que a floresta secundária resta não inundada (floresta de terra firme) são cresça à mesma taxa que as capoeiras em pousios apresentados na Tabela 6. Estes indicam um efei- de agricultura itinerante (Fearnside, 2000). to mínimo sobre o metano, com a perda de um sumidouro pequeno no solo quando inundado.

V. Emissões de Ecossistema de Pre-represa Emissões de óxido nitroso (N2O) em solo As emissões dos ecossistemas presentes antes das florestado não inundado são pequenas: 0,0087 Mg represas serem construídas devem ser deduzidas de gás/ha/ano (Verchot et al., 1999, pág. 37), ou 0,74 Mg/ha/ano de carbono CO -equivalente, das emissões das represas para se ter uma avalia- 2 ção justa do impacto líquido do desenvolvimento considerando o potencial de aquecimento global hidrelétrico. A idéia de que as florestas inundadas de 310 (Schimel et al., 1996, pág. 121). Cálculos pelos reservatórios têm emissões naturais grandes de óxido nitroso para floresta não inundada e para de gases de efeito estufa foi um dos principais com- áreas inundadas são apresentados na Tabela 7. Os ponentes do ataque que a indústria hidrelétrica cálculos incluem o efeito da formação de poças montou contra estudos que indicam emissões al- temporárias em áreas de terra firme durante even- tas das represas hidrelétricas. Quando os primei- tos periódicos de chuva pesada (Tabela 7). ros estudos indicaram que a hidrelétrica de Balbi- Para áreas inundadas, é feita a suposição de que na emitiu mais do que seria liberado produzindo cada ponto inundado é submerso durante dois a mesma quantidade de eletricidade a partir de meses, em média, por ano. Claro que algumas par- combustíveis fósseis (Fearnside, 1995a), a Associa- tes da área ficariam submersas mais tempo e algu- ção Nacional de Hidrelétricas dos EUA (USNHA) mas durante períodos mais curtos, dependendo reagiu com a declaração: da altitude de cada ponto. O valor usado para emis- 2

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas “É uma asneira e é muito exagero ... O metano é produzido sões por hectare (103,8 mg CH4/m /dia, DP=74,1, bastante substancialmente na floresta tropical e ninguém variação=7-230) é a média de cinco estudos em flo- sugere cortar a floresta tropical.” resta de várzea de água branca revisada por Tabela 5: Área e Biomassa de vegetação ao Belo Monte e Babaquara(a) BABAQUARA BELO MONTE Tipo de vegetação Área Por Biomassa Área Por Biomassa (km2) cento acima do (km2) cento acima do solo(b) solo(b) (Mg/ha (Mg/ha peso seco) peso seco) Vegetação não inundada Floresta aberta de terra firme 3.565,3 58,0 175,2 [floresta aberta mista (FA) + floresta aberta submontana (FS)] Floresta aberta de terra firme 205,7 46,7 125,27 sobre revelo acidentado Floresta aberta de terra firme 11,9 2,7 201,9 sobre revelo ondulado Floresta secundária latifoliada 10,9 0,2 20,0 (c) 11,0 2,5 20,0 Vegetação inundada Floresta densa ciliar 2.421,9 39,3 201,2 191,5 43,6 121,2 estacionalmente inundável ou Floresta Densa Ciliar (FC) Floresta Aberta ciliar 5,6 0,1 60,0 estacionalmente submersa

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

(Formações pioneiras T aluviais campestres) 221 Nenhuma vegetação (canal de rio) Áreas sem cobertura vegetal 136,3 2,4 0,0 20,0 4,5 0,0 Totais Total de vegetação não inundada 3.576,3 58,2 228,5 51,9 Total de vegetação inundada 2.427,5 39,4 191,5 43,6 Vegetação total 6.003,7 97,6 185,3 420,0 95,5 122,8 Reservatório total 6.140,0 100,0 440,0 100,0 (a) Dados de Revilla Cardenas (1987, p.55; 1988, p.87), com áreas ajustadas em proporção à estimativa de área de reservatório atual (6.140 km2 para Babaqura; 440 km2 para Belo Monte). (b) Valores incluem Biomassa morto (liteira e madeira morta), cipós, e o tapete de raizes. (c) Valor para biomassa de floresta secundária acima do solo é aquele usado por Revilla Cardenas (1988) para Babaquara, baseado em dados de Tucuruí.

Wassmann e Martius (1997). Um valor semelhan- lugar de por dia inundado). Presumindo as mes- 2 te de 112 mg CH4/m /dia (n=68, DP=261) foi en- mas taxas de emissão como as medidas nos estu- contrado durante inundações em florestas de água dos de várzea de água branca (o Xingu é conside- preta (igapós) ao longo do rio Jaú, um afluente rado um rio de água clara, mais semelhante à água do rio Negro. Nas florestas de igapó na bacia do branca do que água preta), a emissão anual seria rio Jaú estudadas por Rosenqvest et al. (2002, pág. equivalente a apenas 0,043 milhões de toneladas

1323) a taxa de emissão de metano das áreas inun- de carbono equivalente a carbono de CO2 em Ba- dadas é muito mais alta durante o período curto baquara em uma base diária, ou 0,248 milhões de quando o nível d’água estiver caindo do que du- toneladas de carbono CO2-equivalente se este re- rante o resto do tempo que a área está debaixo sultado for multiplicado por três para aproximar d’água. Isto tenderia a fazer a emissão anual um o efeito da estação de enchente mais curta (2 me- pouco independente do período de tempo que as ses contra 6 meses). Os ajustes resultantes para o áreas são inundadas, e torna o resultado relativa- efeito dos ecossistemas pré-represa são muito pe- mente robusto quando extrapolado para outras quenos, como será mostrado mais adiante quan-

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas bacias hidrográficas na Amazônia se expressado do serão calculadas as emissões líquidas para as em termos de emissão por ciclo de inundação (em duas represas. Tabela 6: Fluxo evitado de metano da perda de floresta em Babaquara Item Valor Unidades Fonte

ABSORÇÃO PELO SOLO EM FLORESTA NÃO INUNDADA

CH4 anual médio suprem com gás absorção -3,8 kg CH4/ha/ano Potter et al.. (1996) de 22 estudos de não inundada arborize terra Área total de floresta inundada por reservatório 6.004 km2 Baseado em 6.140 área de reservatório de km2 e stream bed de Revilla Cardenas, 1988, p.87, Área de floresta ribeirinha inundada 2.427 km2 Revilla Cardenas, 1988, pág. 87 por reservatório Área de floresta de firme de terra inundada 3.576 km2 Calculado por diferença por reservatório Fração de ano que floresta ribeirinha 0.17 Fração presumido ser 2 meses, em média inundou naturalmente

Absorção por ha por ano em floresta ribeirinha -3,17 kg CH4/ha/ano Proporcional cronometrar não inundada

Absorção por ano em floresta ribeirinha -768,70 Mg CH4/ano Absorção por ha área de X de floresta ribeirinha

Absorção por ano em floresta -1.358,98 Mg CH4/ano Absorção por ha área de X de floresta de de firme de terra firme de terra

Absorção total por ano -2.127,68 Mg CH4/ano Some através de tipo de floresta

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T

Potencial de efeito estufa (GWP) de CH4 21 Mg CO2 Schimel et al., 1996 222 suprem com gás equivalente/

Mg gás de CH4

CO2 carbono equivalente/ano -0,012 Milhões de Calculado de emissão de CH4, GWP,

Mg CO2 - peso atômico de C (12) e peso molecular

C/ano de CO2 (44) equivalente

EMISSÃO ATRAVÉS DE TÉRMITAS DE FLORESTA

Emissão/ha/ano 0,5 kg CH4/ha/ano Fearnside, 1996b, Equivalentes de Ha-ano de floresta 0,6 Milhões de Calculado a partir de informações acima equivalents de ha-ano

Emissão/ano 317,0 Mg CH4/ano Calculado a partir de informações acima

CO2 carbono equivalente/ano 0,0018 Milhões de Calculado como acima

Mg CO2 - C/ano equivalente

EMISSÕES DE INUNDAÇÃO NATURAL DE FLORESTA INUNDADA PRE-REPRESA

2 Emissão de metano de floresta inundada 103,8mg CH4/m /dia. Media de cinco estudos em floresta em durante inundação natural várzea de água branca(Wassmann & Martius, 1997, pág. 140) Dias inundados por ano 59,4 Suposição de dias, como acima.

2 Emissão anual por km 6,2 Mg CH4/ Calculado a partir de informações acima ano/km2.

Emissão natural anual através de floresta inundada 14.961 Mg CH4/ano. Calculado a partir de informações acima

CO2 carbono equivalente/ano 0,086 Milhões de Calculado a partir de informações acima Mg CO

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas 2 C/ano equivalente Tabela 6: Fluxo evitado de metano da perda de floresta em Babaquara (cont.) Item Valor Unidades Fonte

Emissão anual anual ajustou para 44.883 Mg CH4/ano Considerando emissão por ciclo comprimento de ciclo (2 vs de meses 6 meses) CO2 carbono equivalente/ano 0,257 Milhões de Calculado de acima

Mg CO2- C/ano equivalente

EMISSÕES DE EVENTOS PERIÓDICOS DE FORMAÇÃO DE POÇAS EM FLORESTA DE TERRA FIRME Formação de poças em florestas de terra firme 1.801 km2-dias/ano. Calculado de área, 5% que inundam por evento (baseado em Mori & Becker, 1991) e presumiu freqüência de 5-ano e duração de 30 dias

2 Emissão quando inundado ou com 103,8mg CH4/m /dia. Presumido ser o mesmo que a floresta de formação de poças várzea (como acima).

Emissão natural anual através de 187,0 Mg CH4/ano. Calculado a partir de informações acima formação de poças

CO2 carbono equivalente/ano 0,001 Milhões de Calculado a partir de informações acima.

Mg CO2 - C/ano equivalente

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte TOTAIS T Emissão total de metano 43.259 Mg CH /ano Calculado a partir de informações acima, 4 223 incluindo ajuste de comprimento do ciclo.

CO2 carbono equivalente/ano 0,248 Milhões de Calculado a partir de informações acima.

Mg CO2 - C/ano equivalente.

Tabela 7: Emissão evitada de óxido nitroso de perda de floresta em Babaquara Item Valor Unidades Fonte EMISSÕES DE FLORESTA NÃO INUNDADA

Emissão anual média de N2O do solo em 8,7 kg N2O/ha/ano Verchot et al., 1999, pág. 37 florestas não inundadas Área total de floresta inundada por reservatório 6.004 km2 Baseado em 6.140 área de reservatório de km2 e leito fluvial de Revilla Cardenas, 1988, p.87, Área de floresta inundada submersa 2.427 km2 Revilla Cardenas, 1988, pág. 87 pelo reservatório Área de floresta de terra firme inundada 3.576 km2 Calculado por diferença por reservatório Fração do ano que floresta inundada é 0,17 Fração Assumido 2 meses média acesa submersa naturalmente

Emissão por ha por ano em floresta inundada 7,23 kg N2O/ha/ano Proporcional ao tempo não inundado

Emissão por ano em floresta ribeirinha 1.755,6 Mg N2O/ano Emissão por ha X área de floresta inundada

Emissão por ano em floresta de firme de terra 3.103,7 Mg N2O/ano Emissão por ha X área de floresta de

terra firme planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas

Emissão total por ano 4.859,3 Mg N2O/ano Some através de tipo de floresta Tabela 7: Emissão evitada de óxido nitroso de perda de floresta em Babaquara (cont.) Item Valor Unidades Fonte

Potencial de efeito estufa (GWP) de N2O 310 Mg CO2 Schimel et al., 1996 suprem com gás equivalente /

Mg gás de N2O

CO2 carbono equivalente/ano 0,411 Milhões Calculado de área e por-hectare emissão, de Mg CO2 - peso atômico de C (12) e peso C/ano molecular de CO2 (44) equivalente EMISSÕES DE INUNDAÇÃO Inundação de floresta inundada 404,6 km2-dias/ano Calculado de área e assumiu 6 meses de inundação em médio Emissão de formação de poças em florestas 1.801,1 km2-dias/ano Calculado de área, 5% que inundam por de terra firme evento (baseado em Mori & Becker, 1991) e presumiu freqüência de 5 anos e uma duração de 30 dias

2 Emissão quando inundada 7,6 kg de N2O/ 7.6 mg N2O/m /dia( médias dos km2-dia reservatórios de Tucuruí e Samuel: de Lima et al., 2002)

2 2 Emissão de inundação de floresta inundada 3,1 Mg N2O/ano Inundando (km /dia) X emissão/km /dia 2 Emissão de formação de poças em 13,7 Mg N2O/ano Formação de poças (km -dias) X

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte 2 T florestas de terra firme Emissão/km /dia Emissão total de inundação 16,8 Mg N O/ano Soma de emissões de inundação. 224 2

CO2 carbono equivalente/ano 0,001 Milhões de Calculado de GWP como acima. Mg CO2 - C/ano equivalente EMISSÃO TOTAL

Emissão total de perda de floresta 4.876,0 Mg N2O/ano Soma de floresta de não inundada, formação de poças e emissões inundando CO2 carbono equivalente ano 0,412 Milhões de Calculado de GWP como acima. Mg CO2 - C/ano equivalente

VI. Emissões de Construção excepcionalmente modesta no uso de cimento por- Represas, obviamente, requerem muito mais mate- que o local permite que a barragem principal (Si- riais, como aço e cimento, do que instalações equi- tio Pimentel) seja construída em um local que é valentes movidas a combustível fóssil, como as usi- mais alto em elevação que a casa de força principal nas termoelétricas a gás que estão sendo construí- (o Sítio Belo Monte). A barragem principal tem uma altura máxima de apenas 35 m (Brasil, ELETRO- das atualmente em São Paulo e em outras cidades NORTE, 2002, Tomo I, pág. 6-33), enquanto a casa no Centro-Sul brasileiro. São calculadas as quanti- de força principal aproveita uma queda de referên- dades de aço usadas na construção de Belo Monte cia de 87,5 m (Brasil, ELETRONORTE, 2002, Tomo na Tabela 8. Para Babaquara, supõe-se que a quanti- I, pág. 3-52). A maioria dos projetos hidrelétricos, dade de aço usada em equipamento eletromecânico como Babaquara ou Tucuruí, tem a casa de força é proporcional à capacidade instalada, enquanto localizada ao pé da própria barragem, e portanto presume-se que a quantidade de aço em concreto só gera energia de uma queda que corresponde à armado é proporcional ao volume de concreto. As altura da barragem menos uma margem pequena quantidades são calculadas em proporção às quan- para borda livre ao topo. Tucuruí, que é até agora a tidades usadas em Belo Monte (Tabela 8). “campeã” de todas obras públicas brasileiras em ter-

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas A quantidade de cimento usada em cada barra- mos de uso de cimento, usou três vezes mais cimen- gem é determinada na Tabela 9. A Belo Monte é to do que a quantidade prevista para Belo Monte (Pinto, 2002, pág. 39). A Babaquara usaria 2,6 ve- A Belo Monte exige uma quantidade bastante gran- zes mais cimento por MW de capacidade instalada de de escavação por causa da necessidade para ca- do que a Belo Monte (Tabela 9). var o canal de adução que conecta o Reservatório É esperado que a quantidade de diesel usada para da Calha ao Reservatório dos Canais, e várias esca- Belo Monte seja 400 X 103 Mg (Brasil, ELETRO- vações menores são projetadas nos gargalos den- NORTE, 2002, Tomo II, pág. 8-145). Isto inclui um tro do Reservatório dos Canais. A quantidade es- ajuste das unidades (como informado no estudo perada de escavação para estes canais aumentou de viabilidade) para trazer os valores dentro da substancialmente entre a versão do estudo da via- faixa geral de uso de combustível em outras barra- bilidade de 1989 e a de 2002 porque foram desco- gens (por exemplo, Dones & Gantner, 1996 calcu- bertos erros na cartografia topográfica da área laram um uso médio de 12 kg diesel/TJ para bar- (Brasil, ELETRONORTE, 2002, Tomo I, pág. 8-22). ragens na Suíça). O estudo de viabilidade contém Para Babaquara presume-se que o uso de diesel várias inconsistências internas nas unidades, que será proporcional à quantidade de escavação pla- presumivelmente resultaram de erros tipográficos. nejada naquela represa, (da Cruz, 1996, pág. 18).

Tabela 8: Aço usado na construção de Belo Monte e Babaquara Item Peso Número Massa Totais por (kN) total categoria (Mg) (Mg) Belo Monte(A) Equipamento elétrico e mecânico

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte Turbinas-casa de força principal 20.000 20 40.816 T Condutos forçados 14.150 20 28.878 225 Comportas da tomada d’água 1.400 20 2.857 Peças fixas das comportas 260 20 531 Comportas ensecadeiras da tomada d’água principal 1.080 20 2.204 Peças fixas das comportas ensecadeiras 157 20 320 Pórtico rolante da tomada d’água 1.700 1 173 Grades da tomada d’água 410 8 335 Viga pescador das grades 60 1 6 Máquinas limpa grades 260 2 53 Comportas ensecadeiras dos tubos de sucção 940 2 192 Peças fixas-comportas ensecadeiras 110 2 22 Pórtico dos tubos de sucção 550 1 56 Pontes rolantes da casa de força 4.800 2 980 Ponte rolante auxiliar (Galeria do SF6) 180 1 18 Comportas-vertedouro principal 2.300 17 3.990 Peças fixas - comportas do vertedouro principal 52 17 90 Comportas-ensecadeiras de montante 2.380 2 486 Peças fixas-comportas ensecadeiras de montante 159 7 114 Comportas ensecadeiras de jusante 1.228 2 251 Peças fixas de comportas ensecadeiras de jusante 191 2 39 Pórtico rolante de montante (& Tomada d’água complementar) 520 1 53 Pórtico rolante de jusante (& casa de força complementar) 800 1 82 Turbinas-casa de força complementar 3.000 7 2.143 Comportas emergência (jusante) 715 7 511

Comportas ensecadeiras tomada d’água complementar 952 4 389 planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas Peças fixas-comportas ensecadeiras tomada d’água complementar 78 4 32 Tabela 8: Aço usado na construção de Belo Monte e Babaquara (cont.) Item Peso Número Massa Totais por (kN) total categoria (Mg) (Mg) Belo Monte(A) Pórtico rolante -tomada d’água complementar 520 1 53 Grades da tomada d’água complementar 305 4 124 Peças fixas-grades da tomada d’água complementar 68 4 28 Máquinas limpa grades-tomada dágua complementar 260 1 27 Comportas ensecadeiras dos tubos de sucção-complementar 603 2 123 Peças fixas-comportas ensecadeiras dos tubos de sucção-complementar 42 2 9 Pórtico rolante dos tubos de sucção-complementar 800 1 82 Pontes rolantes da casa de força complementar 440 2 90 Comportas do vertedouro complementar 3.050 4 1.245 Peças fixas-comportas do vertedouro complementar 61 4 25 Comportas ensecadeiras de montante - complementar 2.976 1 304 Peças fixas-comportas ensecadeiras de montante - complementar 242 1 25 Pórtico rolante-vertedouro complementar 580 1 59 Peças fixas-pórtico rolante vertedouro complementar 120 1 12 Geradores-casa de força principal 27.200 20 55.510

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte T Geradores-casa de força complementar 1.770 7 1.264 226 Sub-total 144.598 Vergulhão de concreto armado Armadura de concreto - casa de força 80.715 Armadura de concreto - túnel de desvio 850 Armadura de concreto - transições e muros de concreto 7.348 Armadura de concreto -Vertedouros de superfície 9.836 Armadura de concreto -Tomada d’água e adutoras 63.442 Armadura de concreto -Canal de adução 16.472 Armadura de concreto -Canal e/ou túnel de fuga 72 Sub-total 178.735 Total de aço em Belo Monte 323.333 Babaquara Cálculo de volume concreto como sendo proporcional ao de Belo Monte Equipamento elétrico e mecânico (b) Capacidade instalada em Belo Monte 11.181,3 MW Capacidade instalada em Babaquara 6.274 MW Aço elétrico e mecânico em Belo Monte 144.598 Mg Aço elétrico e mecânico proporcional em Babaquara 81.136 Mg Vergulhão de concreto armado Volume concreto em Belo Monte 4.355.480 m3 Volume concreto em Babaquara 5.410.000 m3 Armadura de concreto em Belo Monte 178.735 Mg Peso proporcional de armadura de concreto em Babaquara 222.009 Mg Aço total em Babaquara 303.146 Mg (a) Fonte de dados: Brasil, ELETRONORTE, 2002.

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas (b) Além dos itens listados, faltam informações no estudo de viabilidade sobre o peso dos seguintes: elevadoras de subestações: principal (1), complementar (1), elevadores de transformadores: principal (22), complementar (5) (c) Babaquara solidificam de da Cruz, 1996, pág., 18. Tabela 9: Cimento usado para construção de Belo Monte e Babaquara Cimento (Mg)(a) Nota Belo Monte Casa da força 215.664 Túnel de desvio 1.780 Transições e muros de concreto 42.882 Vertedouros de superfície 48.049 Tomada d’água e adutoras 183.951 Canal de adução 356.160 Canal e/ou túnel de fuga 180 Total 848.666 Babaquara Cálculo de cimento de volume concreto Volume concreto em Babaquara 5.410.000 m3 (b) Conteúdo de cimento médio de concreto 225 kg/m3 (c) Uso de cimento calculado em Babaquara 1.217.250 Mg (a) Fonte de dados: Brasil, ELETRONORTE, 2002. (b) da Cruz, 1996, pág. 18 (c) Conteúdo médio de cimento de 52 barragens suiças: 225 kg/m3 (Dones & Gantner, 1996)

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T As estimativas de materiais para construção de re- O presente cálculo segue os planos para enchimento 227 presas e linhas de transmissão são apresentadas na do reservatório indicados no estudo de viabilidade. Tabela 10. Os totais resultantes (0,98 milhões de Mg O Reservatório dos Canais será enchido primeiro C para a Belo Monte e 0,78 milhões de Mg C para até um nível de 91 m sobre o nível médio do mar. Babaquara) são muito pequenos comparado às emis- Isto será feito depois que a primeira enchente pas- sões posteriores dos reservatórios. Não foram sar pelo vertedouro (Brasil, ELETRONORTE, 2002, deduzidas destes totais as emissões da construção das pág. 8-171). Presume-se que isto aconteça no mês termoelétricas a gás equivalentes. A emissão de cons- de julho. A casa de força complementar será usada, trução de instalações de gás natural é mínima: uma então, a este nível reduzido do reservatório duran- análise de ciclo de vida de usinas a gás de ciclo com- te um ano antes da casa de força principal estar binada em Manitoba, Canadá indica emissões de CO2 pronta para uso, como planejado no Plano Decenal de construção de apenas 0,18 Mg equivalente/GWh de ELETROBRÁS (Brasil, MME-CCPESE, 2002). O (McCulloch & Vadgama, 2003, pág. 11). cenário de referência do Plano Decenal estima o começo de operação da casa de força complemen- VII. Emissões Calculadas da Belo Monte e tar para fevereiro de 2011 e da casa de força prin- Babaquara cipal para março de 2012. O cálculo das emissões de gases de efeito estufa Os resultados de um cálculo de 50 anos das fontes requer um cenário realista para o cronograma do de carbono em formas facilmente degradadas para enchimento e da instalação das turbinas em Belo cada reservatório são apresentados na Figura 4. É Monte e Babaquara, e para as políticas de manejo evidente que todas as fontes são muito mais altas de água nas duas represas. Aqui se presume que nos primeiros anos do que nos anos posteriores. Babaquara será enchida sete anos após Belo Mon- Os estoques de carbono instável do solo, biomassa te (i.e., que Belo Monte opera usando a vazão não de madeira acima d’água e árvores mortas ao lon- regularizada do rio antes deste tempo). Este go da margem diminuem, reduzindo assim as emis- cronograma corresponde ao cenário menos-otimis- sões destas fontes. As macrófitas diminuem, mas ta no plano original (veja Sevá, 1990). As turbinas não desaparecem, provendo assim uma fonte em em ambas as represas serão instaladas a uma taxa longo prazo que, nos anos posteriores, é de maior de uma a cada três meses, ritmo (talvez otimista) importância relativa, embora de menor em termos

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas previsto no estudo de viabilidade (Brasil, ELETRO- absolutos. O recrescimento da vegetação na zona NORTE, 2002, Tomo II, pág. 8-171). de deplecionamento representa uma fonte estável Tabela 10: Emissões de gás de efeito estufa de represa e construção de transmissão-linha Item Unidades Emissão por unidade Referência Nota

CO2 - equivalente C (kg) Aço Mg 600,0 (a) (b) Cimento kg 0,207 (a) (c) Diesel milhões de kg 863.280 (d) Eletricidade TWh 139.903.200 (g) Substituto-total de represa Construção de linha de transmissão km-MW instalado 1,9 (i) Total de projeto Item Número de Emissão (milhões Referência Nota

unidades MG CO2 equivalente C) Belo Monte Aço 323.333 0,194 (c) (a) Cimento 848.666,000 0,176 (e) (a) Diesel 135,1 0,117 (f) Eletricidade 3,15 0,441 (h) Substituto-total de represa 0,928

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte Construção de linha

T de transmissão 29.596.901 0,055 (j) (a) 228 Total de projeto 0,983 Item Número de Emissão (milhões Referência Nota

unidades MG CO2 equivalente C) Babaquara Aço 303.146 0,182 (c) (a) Cimento 1.217.250.000 0,252 (e) (a) Diesel 76.8 0,066 (f) Eletricidade 1.79 0,251 (h) Substituto-total de represa 0,751 Construção de linha de transmissão 17.046.458 0,032 (j) Total de projeto 0,783 (a) Van Vate, 1995.

(b) Usa GWPs de 100 anos de IPCC 1994: CO2=1, CH4=24.5, N2O=320 (Albritton et al., 1995). (c) Tabela 8.

(d) Usa GWPs de 100 anos de IPCC 1995 [Kyoto Protocol valores]: CO2=1, CH4=21, N2O=310 (Schimel et al., 1996). (e) Tabela 9. (f) Uso de diesel en Babaquara considerado proporcional à escavação planejada. (g) Baseado em substituição de gás de ciclo combinado em São Paulo (veja texto). (h) Uso de eletricidade na construção baseado em 280 kWh de electricidade por TJ (Dones & Gantner, 1996). Emissões de eletricidade consideram o baseline de geração de gás natural no São Paulo (veja texto). (i) Média em Québec, Canadá (Peisajovich et al., 1996). (j) A linha de transmissão de Belo Monte até a rede do centro-sul brasileiro vai para três destinos com uma distância má de 2647 km: Cachoeira Paulista-SP (2.662 km), Campinas-SP (2.599 km) e Ouro Preto-MG (2.680 km) (Brasil, MME-CCPESE, 2002). Babaquara tem 70 km adicionais de linha.

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas Figura 4a. Babaquara: Carbono decomposto anaerobicamente

Figura 4b. Belo Monte Reservatório de calha: Carbono decomposto anaerobicamente

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T 229

Figura. 4c. Belo Monte Reservatório dos canais: Carbono decomposto anaerobicamente

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas Figura 5a. Babaquara: concentração calculada de Ch4 aos 30 m de profundidade

Figura 5b. Belo Monte Reservatório da calha: concentração calculada de Ch4 aos 30 m de profundidade

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

T 230

Figura 5c. Belo Monte Reservatório dos canais: concentração calculada de Ch4 aos 30 m de profundidade

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas em longo prazo de carbono de fácil degradação VIII. Incertezas Fundamentais que aumenta em importância relativa a medida que Um cálculo como o do presente estudo para o com- as outras fontes declinem. plexo Belo Monte/Babaquara envolve muita incer- São mostradas as concentrações de metano calcu- teza. Não obstante, o cálculo precisa ser feito, e as ladas a uma profundidade padronizada de 30 m melhores informações disponíveis devem ser usa- para cada reservatório na Figura 5. Estas concen- das para cada um dos parâmetros requeridos pelo trações calculadas seguem a tendência geral de modelo. Na medida em que pesquisas nesta área oscilação sazonal e declínio assintótico observada procedem, estimativas melhores para estes em valores medidos em Petit Saut (Galy-Lacaux et parâmetros se tornarão disponíveis, e o modelo po- al., 1999, pág. 508). As oscilações são muito gran- derá interpretar rapidamente estas informações em des em Babaquara depois que as diferentes fontes termos do resultado delas sobre as emissões de ga- de carbono da vegetação de deplecionamento di- ses de efeito estufa. minuíssem em importância (Figura 5a). São man- Embora um conjunto completo de testes de tidos os picos grandes em concentração de meta- sensitividade não tenha sido administrado ainda, o no em Babaquara, seguido por uma diminuição comportamento do modelo fornece várias indica- das concentrações durante o resto de cada ano. ções sobre quais parâmetros são os mais importan- Os picos altos são mantidos porque o carbono vem tes. Nos primeiros anos depois de encher o reserva- da inundação de vegetação de deplecionamento tório, emissões são dominadas pelo CO liberado quando a água sobe. Os picos de concentração re- 2 pela decomposição da biomassa situada acima da sultam em emissões significativas porque estes pe- água. Estas emissões, embora sujeitas à incerteza, ríodos correspondem a períodos de fluxo alto de são fundadas nos melhores dados disponíveis sobre turbina para maximizar produção de energia. decomposição em áreas desmatadas. Embora sejam

valiosas medidas específicas de árvores em reserva- III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte As emissões por diferentes caminhos para o com- T plexo Belo Monte/Babaquara como um todo são tórios, uma mudança radical no resultado não é es- mostradas na Figura 6. Biomassa acima d’água e perada. As presunções sobre mortalidade da flores- 231 mortalidade de árvores na margem diminuem até ta a diferentes distâncias da margem são apenas su- níveis insignificantes ao longo do período de 50 posições, mas neste caso a quantidade de carbono anos, mas a grande magnitude das emissões de envolvido é insuficiente para fazer qualquer dife- biomassa acima d’água nos primeiros anos dá para rença significativa no resultado global. esta fonte um lugar significativo na média de 50 Os anos iniciais também incluem uma emissão sig- anos. Cinqüenta anos geralmente são o período nificativa da liberação de metano pelo transcurso de tempo adotado pela indústria hidrelétrica em da água pelas turbinas. Para a porcentagem do me- discussões da “vida útil” de represas, e cálculos são tano dissolvido que é liberado no cenário de baixas feitos freqüentemente, financeiro e ambiental, emissões adota-se os valores derivados de medidas neste horizonte de tempo, como nos regulamen- em Petit Saut (Galy-Lacaux et al., 1997, 1999). Por tos aplicáveis em estudos de viabilidade para re- causa de diferenças entre Petit Saut e as represas presas no Brasil (Brasil, ELETROBRÁS & DNAEE, brasileiras, a faixa usada é muito larga (21-89,9%) 1997). As represas amazônicas existentes, particu- (Veja a discussão em Fearnside, 2002a). As estima- larmente Tucuruí, Balbina e Samuel, eram relati- tivas de emissões aqui apresentadas são os pontos vamente jovens em 1990, o ano padrão mundial médios entre os extremos dos resultados produzi- de referência para os inventários dos gases de efeito dos para a porcentagem emitida junto às turbinas. estufa, designados pela Convenção Quadro das Na- Acredita-se que este valor médio seja conservador. ções Unidas sobre Mudanças do Clima e o ano usado para vários cálculos anteriores de emissões Deve ser lembrado que, quando Belo Monte e Ba- de gases de efeito estufa (Fearnside, 1995a, 1997b, baquara entrarem em operação, haverá uma certa 2002a, s/d-a,b). As emissões em 1990 eram então compensação entre as duas represas que reduz o efei- bastante altas, e a indústria hidrelétrica freqüen- to global da incerteza relativo à porcentagem de temente tem contestado que estas estimativas dão metano dissolvido que é liberado junto às turbinas. um quadro negativo demais ao papel de hidrelé- Quando for usada uma baixa estimativa para este tricas no efeito estufa (por exemplo, IHA, s/d [C. parâmetro, a emissão em Babaquara fica reduzida,

2002]). Os cálculos atuais mostram que, mesmo mas o CH4 não liberado é repassado para a Belo Mon- ao longo de um horizonte de tempo de 50 anos, o te, onde por conseguinte aumentam as emissões por

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas impacto sobre o aquecimento global de uma re- outros caminhos (emissões de superfície e emissões presa como Babaquara é significativo. no canal de adução e nos gargalos). Figura 6. Belo Monte + Babaquara emissões de reservatório.

As fontes de carbono para emissões de CH4 nos pri- acumularam, em média, 5,67 Mg/ha de peso seco meiros anos são dominadas por liberação de carbo- (DP=1,74, variação=3,4-8,7). O valor proporcional no instável do solo (Figura 4). Embora faltem me- para um ano de crescimento linear seria 22,7 Mg/ didas desta liberação para qualquer reservatório, a ha, ou mais que o dobro do valor presumido para

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte evolução dos valores para emissão aos valores para a zona de deplecionamento de Babaquara. Uma

T

concentração de CH4 aos 30 m de profundidade, medida da biomassa acima do solo de gramíneas 232 usando valores observados nesta faixa nos primei- até 1,6 meses após a exposição de terras de várzea ros anos, especialmente em Petit Saut, resulta em no Lago Mirití indica uma taxa de acúmulo de

uma trajetória realística de concentrações de CH4 e matéria seca equivalente a 15,2 Mg/ha/ano (P.M. de emissões desta fonte. Fearnside, dados não publicados). A fertilidade do solo nas zonas de sedimentação de várzea é maior Mais importantes são as incertezas relativas à emis- do que em zona de deplecionamento de um reser- são de CH depois que o pico inicial passe. Muito 4 vatório, mas uma suposição da ordem de metade menos dados de reservatórios amazônicos mais ve- da taxa de crescimento da várzea parece segura. lhos estão disponíveis para calibrar esta parte da Não obstante, este é um ponto importante de in- análise. O declínio em áreas de macrófita reduz a certeza no cálculo. importância da incerteza relativa a esta fonte para as emissões em longo prazo. O que predomina para Taxas de decomposição também são importantes, o complexo como um todo é a biomassa da zona e medidas sob condições anaeróbicas em reserva- de deplecionamento em Babaquara. Isto resulta tórios não são disponíveis. Acredita-se que a de-

em picos sazonais grandes na concentração de CH4 composição da vegetação herbácea na várzea ofe- no reservatório de Babaquara (Figura 5a). Uma rece um paralelo adequado. Em medidas sob con- parte deste metano é repassada para os dois reser- dições inundadas em várzea de água branca, a de- vatórios de Belo Monte (Figura 5b e 5c). A taxa de composição de três espécies (Furch & Junk, 1997, crescimento da vegetação na zona de depleciona- pág. 192; Junk & Furch, 1991) e uma experiência mento é, então, crítica, e nenhuma medida atual em um tanque de 700 litros com uma quarta espé- disto existe. A suposição feita é de que este cresci- cie (Furch & Junk, 1992, 1997, pág. 195) indica- mento acontece linearmente, acumulando 10 Mg ram a fração de peso seco perdida depois de um de matéria seca em um ano. O valor usado para o mês de submersão, em média, de 0,66 (DP = 0,19 conteúdo de carbono desta e das outras formas de variação = 0,425-0,9). O valor mais baixo (0,425) é biomassa macia é de 45%. A taxa de crescimento da espécie medida na experiência no tanque, onde presumida é extremamente conservadora, quan- a anoxiada água foi constatada depois de aproxi- do comparada às taxas de crescimento anuais me- madamente um dia. Se as medidas sob condições didas de plantas herbáceas para o período de três naturais incluíssem alguma decomposição aeróbia, meses de exposição em áreas de várzea ao longo a taxa média para condições totalmente anóxicas

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas do rio Amazonas perto de Manaus: em 9 medidas poderia ser um pouco abaixo da média para as qua- por Junk & Piedade (1997, pág. 170) estas plantas tro espécies usadas aqui. As taxas de decomposição aeróbica para macrófitas na idade muito avançada de 36 anos, o reservatório encalhadas determinam o quanto dessa biomassa de Três Marias emite metano por ebulição em quan- ainda esteja presente se o nível d’água fosse subir tidades que excedem em muito as emissões de su- novamente antes da decomposição ser completa. perfície de todos os outros reservatórios brasileiros Uma medida de morta em Lago Mirití até 1,6 mês que foram estudados, inclusive Tucuruí, Samuel e após o encalhamento indica uma perda de 31,4% Balbina (Rosa et al., 2002, pág. 72). do peso seco por mês (P.M. Fearnside, dados não Uma fonte adicional de incerteza é o destino da publicados). O número de observações é mínimo carga dissolvida de CH quando a água atravessa os (três parcelas de 1 m2). 4 17 km do canal de adução de Belo Monte e pelos O manejo da água em Babaquara também é im- quatro conjuntos de gargalos que separam as pe- portante para determinar a quantidade de emis- quenas bacias hidrográficas inundadas que com- são da zona de deplecionamento. Quanto mais põem o Reservatório dos Canais. Parte do metano tempo o reservatório seja mantido a um nível bai- é emitida, parte é oxidada, e o resto é passado para xo, mais vegetação cresce na zona de depleciona- o Reservatório dos Canais. Os parâmetros usados mento. A liberação subseqüente de CH4 quando a para isto estão baseados na suposição de que o ca- zona de deplecionamento for inundada mais que nal (largura na superfície de aproximadamente 526 compensa para o efeito na direção oposta que os m, com um fluxo em plena capacidade de 13.900 baixos níveis d’água têm na redução da profundi- m3/segundo) é semelhante ao trecho do rio dade até a entrada da turbina em Babaquara, e, Sinnamary, na Guiana Francesa, abaixo da barra- portanto, na concentração de CH4 na água que gem de Petit Saut (onde a largura média do rio é passa pelas turbinas. As presunções para uso d’água 200 m e a vazão média é apenas 267 m3/segundo). utilizadas no cálculo resultam em três meses de Galy-Lacaux et al. (1997) calcularam concentrações níveis baixos de água, quatro meses de níveis altos de metano e fluxos ao longo de 40 km de rio abai-

enotã-Mõ - Parte III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte e cinco meses de níveis intermediários. xo da barragem de Petit Saut e calcularam as quan- T tidades emitidas e oxidadas no rio. Os resultados A magnitude dos picos sazonais altos de CH depen- 233 4 deles indicam que, para o CH dissolvido que entra de da relação entre a quantidade de carbono que 4 do rio oriundo da represa, são liberados 18,7% e degrada e o estoque (e concentração) de CH quan- 4 são oxidados 81,3% (média de medidas em três do estas variáveis estavam em níveis altos nos primei- datas, com a porcentagem liberada variando de 14 ros anos em Petit Saut (i.e., dados de Galy-Lacaux et a 24%). Praticamente toda a liberação e oxidação al., 1997, 1999). A natureza da fonte de carbono em acontecem dentro nos primeiros 30 quilômetros. Petit Saut durante este tempo era diferente (acredi- No rio Sinnamary, depois de uma extensão inicial ta-se ter sido principalmente carbono do solo). A de 4 km onde um processo de mistura acontece, a verdadeira quantidade de carbono degradada anae- concentração de CH na água e o fluxo da superfí- robicamente em Petit Saut durante este tempo é des- 4 cie diminuem linearmente, chegando a zero a 30 conhecida, e o escalamento que empresta confian- km abaixo da barragem (i.e., ao longo de uma ex- ça aos resultados durante os anos iniciais depois de tensão de rio de 26 km). Considerando o estoque a reservatório encher, quando as fontes de carbono cada ponto ao longo do rio, pode-se calcular que, eram do mesmo tipo, não dá tanta confiança a estes nos primeiros 17 km de rio, são liberados 15,3% do resultados para os anos posteriores. Quantificar a re- CH e são oxidados 66,5%. No cálculo para Belo lação entre a produção de CH e a quantidade de 4 4 Monte presume-se que estas porcentagens se apli- decomposição de biomassa macia (como as macró- cam ao canal de adução, e que o metano restante é fitas e especialmente a vegetação da zona de deple- repassado para o Reservatório dos Canais. cionamento) deveria ser uma prioridade para pes- quisa. No entanto, o resultado geral, isto é, que a Estimativas para emissão nos gargalos foram deriva- vegetação da zona de deplecionamento produz um das a partir de informações sobre o comprimento pulso grande e renovável de CH4 dissolvido em re- deles e as porcentagens de emissão e oxidação que servatórios, não há dúvida. Um caso relevante é a aconteceram ao longo de uma extensão de rio de experiência na hidrelétrica de Três Marias, no Esta- mesmo comprimento abaixo da barragem de Petit do de Minas Gerais, onde uma flutuação vertical de Saut. Baseado em um mapa do reservatório (Brasil, 9 m no nível da água resultou na exposição e inun- ELETRONORTE, s/d [C. 2002]b), o primeiro com- dação periódica de uma zona de deplecionamento partimento é conectado ao segundo por três passa- grande, com um pico grande subseqüente de emis- gens com comprimento médio de 1,6 km, o segun-

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas sões de metano pela superfície do lago (Bodhan do e terceiro compartimento estão conectados por Matvienko, comunicação pessoal, 2000). Até mesmo duas passagens com comprimento médio de 1,7 km, o terço e quarto compartimentos estão conectados impactos de gases de efeito estufa, com emissões por duas passagens com comprimento médio de 1,3 concentradas nos primeiros anos da vida de uma km, e os quarto e quinto compartimentos estão co- represa, é uma das diferenças principais entre re- nectados por uma passagem larga (embora presas hidrelétricas e geradoras a combustíveis indubitavelmente rasa na divisa entre as bacias) que fósseis em termos de efeito estufa (Fearnside, pode ser considerada como uma passagem de 0 km 1997b). Dando maior peso aos impactos em curto de comprimento. Supõe-se que as porcentagens de prazo aumenta o impacto das hidrelétricas em re- metano dissolvido liberadas e oxidadas nestes gar- lação as de combustíveis fósseis. galos sejam proporcionais às porcentagens de libe- O carbono deslocado de combustível fóssil pode ração e oxidação que aconteceram ao longo deste ser calculado baseado na suposição de que a alter- mesmo comprimento de rio abaixo da barragem de nativa é geração a partir de gás natural. Esta é uma Petit Saut (baseado nos dados de Galy-Lacaux et al., suposição mais razoável do que o petróleo como 1997). A incerteza neste caso é muito maior do que referência, já que a expansão atual da capacidade no caso dos valores para estas porcentagens calcula- geradora em São Paulo e em outras partes da rede das para o canal de adução porque os gargalos cur- elétrica no Centro-Sul do Brasil está vindo de usi- tos estão dentro da extensão inicial do rio onde um nas termoelétricas movidas a gás e abastecidas pelo processo mistura estava acontecendo. As porcenta- novo gasoduto Bolívia-Brasil. O gasoduto já existe gens usadas (que são todas muito baixas) também e não é considerado como parte das emissões de presumem que o processo pára ao término do gar- construção das usinas termoelétricas a gás. galo, em lugar de continuar ao longo de alguma dis- tância no próximo compartimento do reservatório. Deslocamento de combustível fóssil é mostrado na O resultado líquido é que os gargalos, considerados Figura 7 em uma base anual. O complexo começa em conjunto, só emitem 2,1% do metano, enquan- a ganhar terreno em compensar pelas suas emis-

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T to são oxidados 9,2% e 88,7% são transmitidos até o sões depois do ano 15. O equilíbrio com emissões final do reservatório. de gases de efeito estufa em uma base cumulativa 234 é mostrado na Figura 8. O complexo somente terá Assim como no caso das turbinas de Babaquara, um saldo positivo em termos de seu impacto no há alguma compensação no sistema para incerte- aquecimento global 41 anos depois do enchimen- za nas porcentagens liberadas no canal de adução to da primeira represa. e nos gargalos. Se forem superestimadas as emis- sões do canal de adução e/ou dos gargalos, então São apresentadas médias em longo prazo de emis- a emissão nas turbinas da casa de força principal sões líquidas de gases de efeito estufa na Tabela 11 de Belo Monte serão subestimada. Observa-se que para horizontes de tempo diferentes. Emissões es- isto só se aplica aos valores para a porcentagem tão separadas naquelas consideradas sob a rubrica emitida, não aos valores usados para a porcenta- de represas hidrelétricas nos inventários nacionais gem de oxidação nestes canais: qualquer erro para que estão sendo preparados pelos países sob a Con- cima ou para baixo na porcentagem oxidada não venção de Clima (UN-FCCC), e os outros fluxos que seria compensado por uma mudança na direção também são parte do impacto e benefício líquido oposta nas emissões das turbinas. da represa, incluindo emissões evitadas. Quanto mais longo é o horizonte de tempo, mais baixo é o Em resumo, incertezas múltiplas existem no cál- impacto médio. Durante os primeiros dez anos o culo atual. Pesquisa futura, especialmente se for impacto líquido é 4,0 vezes o da alternativa de com- direcionada aos parâmetros para os quais o mode- bustível fóssil. Depois de vinte anos o impacto líqui- lo indica que o sistema é mais sensível, ajudará a do ainda é 2,5 vezes maior que o do combustível reduzir estas incertezas. No entanto, o presente fóssil, enquanto para o horizonte de tempo com- cálculo representa a melhor informação atualmen- pleto de 50 anos o projeto repaga a sua dívida de te disponível. Estes resultados fornecem um com- aquecimento global (presumindo que é sem juros, ponente necessário para a atual discussão dos im- isto é, calculada com desconto zero), com a média pactos potenciais destas represas. de impacto total em longo prazo sendo 70% a da alternativa de combustível fóssil. IX. Comparação com Combustíveis Fósseis A.) Comparações sem descontar B.) O efeito do tempo As emissões anuais de gases de efeito estufa diminu- O papel do tempo é uma parte essencial no debate

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas em com tempo, mas ainda se estabilizam num nível sobre represas hidrelétricas e na questão do efeito com impacto significativo. A evolução temporal dos estufa em geral. A maioria das decisões, tais como Tabela 11: Médias a longo prazo de emissão líquida de gases de efeito estufa para o complexo Belo Monte/Babaquara Emissões de todas as fontes

(milhões de Mg C CO2-equivalente /ano) Anos 1-10 Anos 1-20 Anos 1-50 média de 10 anos média de 20 anos média de 50 anos Emissões de inventário Emissões de superfície 1,0 0,8 0,4 Turbinas 2,6 3,8 2,8 Vertedouro 1,6 1,0 0,6 Canal de adução 0,2 0,4 0,3 Gargalos 0,01 0,01 0,01 Emissões de inventário totais 5,3 6,0 4,1 Outros fluxos Substituição de fóssil-combustível -3,7 -3,9 -4,1 Fluxos de ecossistema pre-represa -0,3 -0,5 -0,6 Biomassa acima d’água 9,6 7,2 3,8 Decomposição no perímetro da margem 0,07 0,04 0,01 Outros fluxos totais 5,9 0,1 -5,5 Impacto total 11,2 6,1 -1,4 Impacto total como múltiplo da emissão de referência de combustível fóssil 4,0 2,5 0,7

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T uma decisão para construir uma hidrelétrica, é ba- FENCH, incluiria todas estas emissões. Porém, as seada em cálculos financeiros de custo/benefício emissões de construção são uma parte relativamen- 235 que dão um valor explícito ao tempo, aplicando te pequena do impacto total. São mostradas as uma taxa de desconto a todos os custos e benefíci- emissões líquidas anuais descontadas a taxas de até os futuros. A taxa de desconto é essencialmente o 3% na Figura 9. Se apenas o equilíbrio instantâ- oposto de uma taxa de juros, como por exemplo, neo é considerado, o complexo substitui por mais o retorno que um investidor poderia ganhar em carbono equivalente do que emite começando no uma caderneta de poupança em um banco. Com ano 16, independente da taxa de desconto. De- uma poupança, quanto mais tempo se espera, mai- pois disso o complexo começa a pagar a sua dívida or a quantia monetária na conta, já que o saldo é ambiental referente às grandes emissões líquidas multiplicado por uma porcentagem fixa ao térmi- dos primeiros 15 anos. no de cada período de tempo e os juros resultan- tes são acrescentados ao saldo para o próximo pe- As emissões cumulativas descontadas chegam a um ríodo. Com uma taxa de desconto, o valor atribu- pico no ano 15, mas não alcançam o ponto de ter ído a quantidades futuras diminui, em lugar de um saldo positivo até pelo menos 41 anos depois aumentar, por uma porcentagem fixa em cada pe- que o primeiro reservatório esteja cheio (Figura 10). ríodo de tempo. Se um projeto como uma barra- Aplicar uma taxa de desconto alonga substancial- gem hidrelétrica produz grandes impactos nos pri- mente o tempo necessário para alcançar este ponto. meiros anos, como o tremendo pico de emissões O efeito de taxas de desconto anuais diferentes é de gás de efeito estufa mostrado aqui, enquanto mostrado na Figura 11. Com desconto zero, o im- os benefícios pela substituição de combustível fós- pacto líquido médio representa um ganho anual sil somente se acumulam em longo prazo, então de 1,4 milhões de Mg C (a média de 50 anos na qualquer taxa de desconto positiva pesará contra Tabela 11), mas o impacto relativo atribuído à a opção hidrelétrica (Fearnside, 1997b). opção hidrelétrica aumenta muito quando o valor A evolução temporal das emissões de gases de efei- tempo é considerado. No caso do complexo Belo to estufa aumenta mais o impacto da represa quan- Monte/Babaquara, qualquer taxa de desconto do são contadas as emissões do cimento, aço e com- anual superior a 1,5% resulta ao projeto um im- bustível fóssil usados na construção da obra. As pacto maior sobre o efeito estufa do que a alterna- emissões de construção da barragem vêm anos tiva de combustível fóssil. São mostradas taxas de

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas antes de qualquer geração de eletricidade. Uma desconto de até 12%. Embora este autor não de- análise de “cadeia completa de energia”, ou fenda o uso de taxas de desconto tão altas como Figura 7. Emissões anuais e substituição de combustível fóssil.

Figura 8. Impacto líquido cumulativo de Belo Monte + Babaquara

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Figura 9. Emissões líquidas anuais descontadas. Em uma base anual, o complexo começa a reembolsar suas emissões iniciais depois do ano 15, independente de taxa de desconto.

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas Figura 10. Emissões cumulativas descontadas. Descontando estende o tempo precisado para o complexo para conseguir um saldo positivo em termos de seu impacto acumulado.

Figura 11. Efeito de taxa de desconto em emissões líquidas anuais médias ao longo de um horizonte de tempo de 50 anos. Se for usado uma taxa de desconto anual de 1,5% ou mais, o complexo tem um impacto maior sobre o efeito estufa do que a alternativa de combustível fóssil.

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estas (Fearnside, 2002b,c), um contingente impor- aumento conseqüente da temperatura, então re- tante nos debates sobre a contabilidade de carbo- presenta um ganho das vidas humanas e outras no (por exemplo, o Instituto Florestal Europeu) perdas que teriam acontecido caso contrário ao defende o uso das mesmas taxas de desconto para longo do período do adiamento. Isto dá para o carbono como para dinheiro, e as análises finan- tempo um valor que é independente de qualquer ceiras para Belo Monte usam uma taxa de descon- perspectiva “egoísta” da geração atual. Apesar dos to de 12% para dinheiro (Brasil, ELETRONOR- benefícios de dar valor ao tempo para favorecer TE, 2002, Tomo I, pág. 6-84). decisões que adiam o efeito estufa, chegar a um Em termos de efeito estufa, uma série de argumen- acordo político sobre os pesos apropriados para o tos fornece uma razão para dar um valor ao tem- tempo é extremamente difícil. O curso de menor po nos cálculos sobre emissões de gases de efeito resistência nas primeiras rodadas de negociações estufa (Fearnside, 1995b, 1997b, 2002b,c; Fearnsi- sobre o Protocolo de Kyoto foi de usar um hori- de et al., 2000). O efeito estufa não é um evento zonte de tempo de 100 anos, sem descontar ao pontual, como uma erupção vulcânica, já que uma longo deste período, como o padrão para compa- mudança de temperatura seria essencialmente per- rações entre os diferentes gases de efeito estufa manente, aumentando as probabilidades de secas (i.e., o potencial de aquecimento global de 21 ado-

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas e de outros impactos ambientais. Qualquer adia- tado para metano). Se formulações alternativas são mento nas emissões de gases de efeito estufa , e do usadas que dão um peso ao tempo, o impacto do complexo Belo Monte/Babaquara aumentaria, e, X. Conclusões mais importante ainda, aumentaria o impacto de O complexo hidrelétrica Belo Monte/Babaqua- hidrelétricas comparadas a outras possíveis opções ra teria um impacto significativo sobre o efeito para provisão de energia. estufa, embora a quantidade grande de energia O debate sobre provisão de energia e substituição produzida compensaria eventualmente as emis- de combustível fóssil precisa ir além de cálculos sões iniciais altas. As hipóteses usadas aqui indi- simples de combustível queimado por kWh gera- cam que 41 anos seriam necessários para o com- do. No caso de grandes represas amazônicas, não plexo chegar a ter um saldo positivo em termos é necessariamente verdade que, ao deixar de cons- de impacto sobre o aquecimento global no cál- truir uma barragem, uma quantidade equivalente culo mais favorável a hidrelétricas, sem aplicação de combustível fóssil seria queimada no seu lugar. de nenhuma taxa de desconto. Apesar de incer- Isto porque pouco da energia gerada é usada para teza alta sobre vários parâmetros fundamentais, propósitos essenciais que seriam de difícil redu- a conclusão geral parece ser robusto. Isto é, que ção, tais como no consumo residencial e indústri- o complexo teria impacto significativo, e que o as que atendem o mercado doméstico. Ao invés nível de impacto a longo prazo, embora muito disso, uma porcentagem significativa e crescente mais baixo do que nos primeiros anos, seria man- da energia da rede nacional brasileira é destinada tido em níveis apreciáveis. para indústrias eletrointensivas, tais como as que A presente análise inclui várias suposições conser- fabricam o alumínio. O Brasil exporta grandes vadoras relativo às porcentagens de metano emiti- quantidades de alumínio barato, e altamente sub- das por caminhos diferentes. Valores mais altos sidiado (especialmente para o Japão). para estes parâmetros estenderiam ainda mais o O alumínio que o Brasil exporta é beneficiado usan- tempo necessário para o complexo ter um saldo

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T do eletricidade de hidrelétricas que são construídas positivo em termos de aquecimento global. com o dinheiro dos contribuintes e consumidores O impacto atribuído a represas é altamente de- 238 residenciais brasileiros. Se menos hidrelétricas fos- pendente de qualquer valor dado à evolução tem- sem construídas, o resultado provável seria diminuir poral das emissões: qualquer taxa de desconto ou o subsídio financeiro e ambiental dado ao Mundo outro mecanismo de preferência temporal apli- como um todo, em lugar de continuar suprindo cado aumentaria mais o impacto calculado para energia a uma indústria de exportação de alumínio com base no aumento de geração de energia a par- hidrelétricas em comparação com geração com tir de combustíveis fósseis. Companhias de alumí- combustíveis fósseis. O valor de 41 anos para uma nio que atendem o mercado internacional (distinto emissão de gases de efeito estufa desta magnitu- do consumo doméstico brasileiro) teriam que se re- de é até mesmo significativo a zero desconto. O mover para outro país ou, no final das contas, teri- complexo Belo Monte/Babaquara não terá um am que produzir menos alumínio e explorar outros saldo positivo até o final do horizonte de tempo materiais de menor impacto. O preço do alumínio de 50 anos com taxas de desconto anuais superi- subiria para refletir o verdadeiro custo ambiental ores de 1,5%. desta indústria muito esbanjadora, e o consumo glo- Os casos de Belo Monte e das outras barragens do bal diminuiria a um nível mais baixo. Acrescentar Xingu ilustram a necessidade absoluta de se con- mais uma usina hidrelétrica à rede nacional apenas siderar as interligações entre projetos diferentes posterga ligeiramente o dia quando o Brasil e o de infra-estrutura e incluir estas considerações Mundo enfrentarão esta transformação fundamen- como uma condição prévia para construir ou au- tal. Um dia a contabilidade destes custos ambientais torizar quaisquer dos projetos. Adiar a análise dos será feita e considerada antes de tomar decisões, tais projetos mais controversos não é uma solução. como transações para ampliar as indústrias eletro- intensivas no Brasil. A recente onda em transações industriais com a China, após uma visita presidenci- Agradecimentos al àquele país em 2004, fornece um exemplo alta- O Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí- mente pertinente. Quando são feitos acordos que fico e Tecnológico (CNPq AI 470765/01-1) e o demandam grandes quantidades adicionais de ele- Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia tricidade, então os estudos de impacto ambiental e (INPA PPI 1-3620) contribuíram com apoio finan- o processo de licenciamento para as várias barragens ceiro. Agradeço a Neusa Hamada, Reinaldo Bar-

Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas planejadas tendem a se tornar meros enfeites deco- bosa, Paulo M.L.A. Graça, Glenn Switkes e a rativos para uma série de obras predeterminadas. Jadihér Assis de Oliveira pelos comentários. Referências

LEGENDAS DAS FIGURAS Figura 10. Emissões cumulativas des- do Norte do Brasil S.A. (ELETRONOR- Figura 3a. Ebuliação e emissões de di- contadas. Descontando estende o tem- TE), Brasília, DF, Brasil. 8 vols. po precisado para o complexo para fusão contra concentração de metano. Brasil, ELETRONORTE. nd. [C. 1988]. conseguir um saldo positivo em termos Dados de emissões são de Petit Saut The Altamira Hydroelectric Complex. de seu impacto acumulado. (Galy-Lacaux et al., 1999). Centrais Elétricas do Norte do Brasil Figura 3b. Ebuliação e emissões de di- Figura 11. Efeito de taxa de desconto S.A. (ELETRONORTE), Brasília, DF, fusão contra concentração de metano. em emissões líquidas anuais médias ao Brasil. 16 p. longo de um horizonte de tempo de Dados de emissões são de Petit Saut Brasil, ELETRONORTE. nd. [C. 1989]. 50 anos. Se for usado uma taxa de des- (Galy-Lacaux et al., 1999). Altamira.txt. Centrais Elétricas do Nor- conto anual de 1,5% ou mais, o com- te do Brasil S.A. (ELETRONORTE), Figura 3c. Ebuliação e emissões de di- plexo tem um impacto maior sobre o Brasília, DF, Brasil. 6 p. (disponível de: fusão contra concentração de metano. efeito estufa do que a alternativa de Faculdade de Engenharia Mecânica, Dados de emissões são de Petit Saut combustível fóssil. (Galy-Lacaux et al., 1999). Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP, Campinas, SP, Brasil). Figura 3d. Emissões de difusão para BIBLIOGRAFIA Brasil, ELETRONORTE. s/d[C. III - Capítulo 8 enotã-Mõ - Parte

todas as profundidades. Dados de emis- T sões são de Petit Saut (Galy-Lacaux et Albritton, D.L., R.G. Derwent, I.S.A. 2002]a. Complexo Hidrelétrico Belo Mon- al., 1999). Isaksen, M. Lal & D.J. Wuebbles. 1995. te: Estudo de Impacto Ambiental- E I A. Versão preliminar. Centrais Elétricas do 239 Figura 4a. Fontes de carbono decom- Trace gas radiative forcing indices. p. 205-231. Em: J.T. Houghton, L.G. Norte do Brasil S.A. (ELETRONOR- posto anaerobicamente: Babaquara TE), Brasília, DF, Brasil. 6 vols. (Altamira) reservatório; Meira Filho, J. Bruce, Hoesung Lee, B.A. Callander, E. Haites, N. Harris & Brasil, ELETRONORTE. s/d[C. Figura 4b. Fontes de carbono decom- K. Maskell (eds.), Climate Change 1994: 2002]b. CHE Belo Monte – Estudos de posto anaerobicamente: Belo Monte Radiative Forcing of Climate Change and Viabilidade. Localização geral de Reservatório da Calha; an Evaluation of the IPCC IS92 Emission obras, infraestrutura, acessos e rede de Figura. 4c. Fontes de carbono decom- Scenarios. Cambridge University Press, distribuição de energia. Ilustração 232, posto anaerobicamente: Belo Monte Cambridge, Reino Unido. 339 p. BEL-V 10-100-0024 R-0. Map scale: Reservatório dos Canais. Brasil, ANEEL. 2001. Descargas médi- 1:200,000. Centrais Elétricas do Norte Figura 5a. Metano calculado a 30 m de as de longo período: Bacia do Amazo- do Brasil S.A. (ELETRONORTE), profundidade: Reservatório de Baba- nas-Rios Tapajós/Amazonas/Iriri/Xin- Brasília, DF, Brasil. quara (Altamira); gu. http://www.aneel.gov.br/cgrh/atlas/ Brasil, MME-CCPESE. 2002. Plano subbac/sub18_f.jpg. Figura 5b. Metano calculado a 30 m de Decenal de Expansão 2003-2012: Sumá- profundidade: Belo Monte Reservató- Brasil, ELETROBRÁS & DNAEE. 1997. rio Executivo. Ministério das Minas e rio da Calha; Instruções para Estudos de Viabilidade de Energia, Comité Coordinador do Pla- nejamento da Expansão dos Sistemas Figura 5c. Metano calculado a 30 m de Aproveitamentos Hidrelétricos. Centrais Elétricas do Brasil (ELETROBRÁS) & Elétricas (MME-CCPESE), Brasília, DF, profundidade: Belo Monte Reservató- Brasil. 75 p. rio dos canais. Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica (DNAEE), Brasília, Brown, S. & A.E. Lugo. 1992. Figura 6. Emissões por caminho para o DF, Brasil. Aboveground biomass estimates for complexo Belo Monte/Babaquara tropical moist forests of the Brazilian Brasil, ELETRONORTE. 1987a. Escla- (Altamira). O complexo começa a re- Amazon. Interciencia 17(1): 8-18. embolsar sua dívida de emissões de gás recimento Público: Usina Hidrelétrica de efeito estufa após o 15º ano depois Balbina. Modulo 1, Setembro 1987. da Cruz, P.T. 1996. 100 Barragens Brasi- de encher o primeiro reservatório. Centrais Elétricas do Norte do Brasil leiras: Casos Históricos, Materiais de Cons- S.A. (ELETRONORTE), Brasília, DF, trução, Projeto. Oficina de Texto, São Figura 8. Impacto de aquecimento Brasil. 4 p. Paulo, SP, Brasil. 648 p. globallíquido cumulativo do comple- xo Belo Monte/Babaquara (Altamira) Brasil, ELETRONORTE, 1987b. UHE de Lima, I.B.T. 2002. Emissão de metano (sem descontar). O complexo só con- Balbina: Enchimento do Reservatório, Con- em reservatórios hidrelétricos amazônicos segue um saldo positívo depois de 41 siderações Gerais. BAL-39-2735-RE. Cen- através de leis de potência. Ph.D. thesis in anos. trais Elétricas do Norte do Brasil S.A. nuclear energy, Centro de Energia (ELETRONORTE), Brasília, DF, Bra- Nuclear na Agricultura (CENA), Uni- Figura 9. Emissões líquidas anuais des- sil. 12 p. + anexos. versidade de São Paulo, Piracicaba, São contadas. Em uma base anual, o com- Paulo, SP, Brasil. 108 p. plexo começa a reembolsar suas emis- Brasil, ELETRONORTE. 2002. Comple- planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... 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Hidrelétricas planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito Estufa: Belo Monte (Kararaô) e ... Hidrelétricas Sônia Magalhães

PARTE IV O anti-exemplo ali perto, o povo ameaçado e confundido Capítulo 9

Política e sociedade na construção de efeitos das grandes barragens: o caso Tucuruí Sônia Barbosa Magalhães

No período compreendido entre 30 de outubro e reivindicada: qual a área inundada e quando seria 01 de novembro de 1984, foi realizado o primeiro recebido o lote para trabalhar e a casa para morar. Encontro Tucuruí, que contou, oficialmente, com Naqueles dias, que se sucediam a um período que 245 a promoção da Ordem dos Advogados do Brasil se iniciara com a desocupação da área para forma- (OAB - Seção Pará), da Sociedade de Defesa dos ção do lago, em setembro de 1984, centenas de Direitos Humanos (SDDH/Pará) e da Confedera- famílias encontravam-se acampadas na parte final da ção Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG). Foram convidados para participar das mesas realizadas representantes de instituições de pesquisa – Museu Paraense Emílio Goeldi e Uni- versidade Federal do Pará; representantes do gover- no federal em diversas instâncias afetas à questão – Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Grupo Exe- cutivo de Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT) e Superintendência de Combate à Malária (SUCAM); representantes de diversos órgãos do governo esta- dual – Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Pará (IDESP), Instituto de Ter- ras do Pará (ITERPA), Secretaria de Planejamento (SEPLAN), além de representantes municipais, como o prefeito de Tucuruí e vereadores. E, representan- tes da ELETRONORTE – de Tucuruí e de Brasília. Com a presença de cerca de mil pessoas deslocadas compulsoriamente com a construção da Barragem, sobretudo de camponeses (homens, mulheres e crianças), o Encontro tinha como objetivo princi- pal publicizar a situação vivenciada, que se caracteri- zava pela insegurança advinda do próprio desloca- mento compulsório, particularmente agudizada na- quele momento de enchimento do lago; e pela au- sência de informações sobre o processo de transfe- rência que havia sido iniciado. Principal informação Rua Santo Antônio, à época, uma rua secundária tiveram o propósito de chamar atenção para a par- que ligava a sede do município à vila operária do ticular situação que ali se verificou e que ainda acampamento: em barraquinhas cobertas por lonas perdura. Como se fora em cascata, os efeitos so- e plásticos de cores diversas, um amontoado de pes- ciais da construção da barragem vão ganhando soas – homens, mulheres, crianças, jovens, idosos – amplitude e abrangência, seja porque novos fa- permanecia há mais de trinta dias, em sua maioria tos não cessam de surgir seja porque o movimen- à espera de uma resposta da empresa sobre a situa- to social repõe - como em Sísifo – esta atualida- ção de sua transferência. de. De tal modo que, hoje não se pode falar em Barragens na Amazônia sem se recuperar esta Passaram-se 20 anos1. Muitos encontros, acampa- memória – Tucuruí se interpõe como exemplo e mentos, reivindicações, negociações... Em 17 de contraponto, sobretudo no contexto atual de ge- junho de 2004, o clima era de tensão. No acampa- ração de hidreletricidade no país. Com uma ma- mento montado, desta feita no interior da área da triz que enfatiza a opção hidrelétrica, está previsto ELETRONORTE, em diagonal ao escritório da para a Amazônia o papel de província hidro-ener- diretoria, dezenas de famílias impacientavam-se gética, a partir da qual serão gerados mais de 80% com mais uma reunião adiada, sem que houvesse do total de geração previsto para o país até 2020. uma resposta definitiva e conciliadora sobre as Neste total, está claro, inclui-se o barramento do reivindicações que, agora, diziam respeito aos ex- rio Xingu tratado neste livro. Mas, apenas para a 2 propriados da primeira e da segunda etapa. Desde Bacia dos rios Araguaia e Tocantins estão previs- abril de 2004, em um período por eles contabili- tas cerca de 14 grandes hidrelétricas, para as 3 zado em exatos 56 dias , dezenas de barracas abri- quais estima-se que serão “atingidas” cerca de 75 gavam centenas de pessoas, que têm se revezado mil pessoas. com a expectativa de resolver uma situação que consideram pendente há 20 anos. Pendência é a pa- Mas, por que Tucuruí continua a despertar inte- lavra que os expropriados utilizam para remarcar a resse? Por que continua atual? – Pode-se afirmar 246 situação que eles vivenciam, por sua vez, atribuída que a atualidade de Tucuruí deriva da força do à dívida social contraída – e não paga - pela ELE- movimento social e do movimento sindical local e TRONORTE. Para os expropriados da primeira eta- nacional e a partir desta atualidade, podem ser ucuruípa, IV - Capítulo 9 - Parte Tenotã-Mõ as pendências vem se prolongando e, por vezes, levantados dois pontos fundamentais: se metamorfoseando, desde 1984. E, todas dizem 1- A dimensão dos efeitos sociais das grandes bar- respeito, direta ou indiretamente, ao modo como ragens é também resultado do modo como os a ELETRONORTE tratou as populações a serem atores sociais os vivenciam e os representam.

ragens: o caso T 4 transferidas e seus territórios . Logo, as dinâmicas social e política determinam Ao longo destas duas décadas, muito se escreveu e a abrangência dos efeitos; muito se falou sobre Tucuruí, isto é, Tucuruí jamais 2- Os efeitos sociais são também resultado das lei- perdeu a atualidade e os parágrafos precedentes turas e interpretações equivocadas (do ponto de

Fac-símile do folder do Encontro Tucuruí, outubro de 1984

ução de efeitos das grandes bar

Política e sociedade na constr vista político e técnico) da realidade, que infor- guardam estreita correlação com o caso Tucuruí e, mam o planejamento e as ações que daí derivam. especialmente, com os efeitos que os representantes do movimento social empenharam-se em destacar: Vejamos estas assertivas, analisando, no segundo ponto, especificamente, o procedimento da ELE- a) “os efeitos negativos não são adequadamente avaliados ou TRONORTE em relação à cota de inundação na sequer considerados. A gama desses impactos é conside- rável - sobre a vida, a subsistência e a saúde das comunida- chamada segunda etapa de Tucuruí. des afetadas que dependem do ambiente ribeirinho;

b) milhões de pessoas que vivem a jusante de barragens - A atualidade de Tucuruí e o movimento particularmente aquelas que dependem das funções na- social turais das planícies aluviais e da pesca – também sofreram graves prejuízos em seus meios de subsistência e a produ- A atualidade de Tucuruí deriva da força do movi- tividade futura dos recursos foi colocada em risco; mento social, em níveis local, regional, nacional e internacional e do movimento sindical local e re- c) Muitas pessoas deslocadas não foram reconhecidas (ou gional. São os movimentos social e sindical que cadastradas) como tal e, portanto, não foram reassenta- têm sustentado e reproduzido para a sociedade os das nem indenizadas; problemas ocasionados pela construção da barra- d) Nos casos em que houve indenização, esta quase sempre gem e, cada vez mais, chamando a atenção para a mostrou-se inadequada; e nos casos em que as pessoas des- eventual replicabilidade destes efeitos em outras locadas foram devidamente cadastradas, muitas não fo- situações similares. O maior exemplo desta ram incluídas nos programas de reassentamento. assertiva é a inclusão do “Caso Tucuruí” no estudo e) Aquelas que foram reassentadas raramente tiveram seus realizado pela Comissão Internacional de Barra- meios de subsistência restaurados, pois os programas de gens5. E, especialmente, o esforço dos represen- reassentamento em geral concentram-se na mudança físi- tantes dos expropriados para fazer prevalecer a sua ca, excluindo a recuperação econômica e social dos des- versão no relatório final desta Comissão. Esforço locados. que mais concretamente se manifestou na criação f) Quanto maior a magnitude do deslocamento, menor a 247 de um “comitê”, além do Grupo Consultivo res- probabilidade de que os meios de subsistência das popu- ponsável pela elaboração do estudo, inicialmente lações afetadas possam ser restaurados.

ucuruí IV - Capítulo 9 - Parte Tenotã-Mõ previsto. Este comitê, formado por representan- g) Mesmo nos anos 90, em muitos casos os impactos sobre os tes do Movimento Nacional de Atingidos por Bar- meios de subsistência a jusante não foram adequadamen- ragens, do Movimento de Expropriados de Tucu- te avaliados ou considerados no planejamento e projeto ruí, de um representante da ELETRONORTE e de grandes barragens” (cf. Comissão Mundial de Barra- gens, 2000:20). de um pesquisador, foi criado apenas em Tucuruí, ragens: o caso T por pressão do movimento social, com o objetivo Poderiam ser citados vários outros trechos. No específico de acompanhar/avaliar os relatórios entanto, o que é importante reter é que as chama- parciais elaborados pelo grupo consultivo e suge- das pendências de Tucuruí são repostas ano-a-ano, rir modificações e encaminhamentos necessários, dia a dia pelos movimentos social e sindical. E es- cf. CMB, 15 e 16/01/2000. tas pendências, na atualidade, dizem respeito a três Para quem conhece a história de Tucuruí, são evi- situações diferenciadas: a primeira diz respeito aos dentemente perceptíveis as “lições” incorporadas expropriados da primeira etapa, espacialmente locali- ao Relatório Final, cuja formulação tem origem zados a montante; a segunda aos expropriados da

ução de efeitos das grandes bar nas reivindicações construídas no âmbito do mo- segunda etapa, localizados na área alagada em de- vimento social local. Por exemplo: corrência do alteamento da cota, também a mon- “Em diversas barragens existentes, é possível otimizar seus tante da barragem; e, por fim, aos atingidos de ju- benefícios, resolver questões sociais pendentes e intensificar as sante - desde a primeira etapa. medidas de mitigação e restauração ambiental (...) um es- forço especial deve ser empreendido para resolver as questões Na área de montante, as principais reivindicações sociais pendentes (CMB, 2000:30, grifos meus). atuais referentes à primeira etapa e que estão na raiz dos mais recentes acampamentos realizados

“No passado, os aspectos sociais e ambientais, e também aque- Política e sociedade na constr em janeiro e em abril de 2004, são: les envolvendo governo e cumprimento de preceitos, foram desvalorizados no processo decisório”, (CMB, 2000:38). ·complementação do lote rural, com base no módulo agrário da região, em vigor na ocasião No relatório geral, que diz respeito ao estudo como do deslocamento; um todo, contemplando a análise de oito casos em todo o mundo, foram identificadas sete situações ou · pagamento de itens hoje reconhecidos como ações reconhecidas como desestruturadoras, que indenizáveis e que não foram incluídos na planilha de 1980, como cobertura florística e área municípios a jusante da barragem foram excluí- de vazante; dos das chamadas ações de “mitigação de efeitos”, salvo ações pontuais referentes à qualidade da · pagamento do “tempo parado”, isto é o interva- água, por sua vez decorrentes de amplo processo lo de tempo entre o anúncio da indenização e a de mobilização social e política. transferência; Até 2002, somente os municípios de Tucuruí, Breu · e, revisão de processos de indenização e seus res- Branco, Novo Repartimento, Jacundá, Itupiranga pectivos pagamentos, inclusive gastos com des- e Rondon do Pará eram reconhecidos pela empre- locamento não ressarcidos pela empresa. sa como “área atingida” pela construção da barra- Em carta dirigida ao “negociador”6 da empresa, gem7. Isto é, os municípios que tiveram território em 31 de janeiro de 2004, no âmbito do acampa- alagado. Somente em 2003, a ELETRONORTE ad- mento de janeiro de 2004, a Comissão de repre- mitiu oficialmente como “área atingida” da Usina sentantes ressalta a continuidade que se verifica Hidrelétrica de Tucuruí, os seguintes municípios entre 1984 e 2004, isto é, ao longo dos vinte anos: situados a jusante: Baião, Mocajuba, Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajuru e Cametá. E, em diagnóstico Hoje 31/01/2004, às 00:30 horas a comissão reuniu em As- realizado, constata para esta área, dentre outros, os sembléia os atingidos que estão no pátio da ELETRONOR- seguintes processos, cf. ELETRONORTE, 2003: TE, com a finalidade de apresentar e relatar o que foi discu- tido na reunião de ontem (...) os expropriados não arreda- • alto índice de emigração, com registro de decrés- rão os pés do pátio da empresa enquanto não tiverem os seus cimo absoluto de população nos municípios de pedidos atendidos e receberem os referidos pagamentos. Limoeiro do Ajuru e de Baião(pg. 21/24); O fato da ELETRONORTE ter recusado fornecer-lhes ou • forte êxodo rural (pg.24); doar-lhes alimentação não os farão recuar de seus propósi- tos, uma vez que é sabido pela empresa que este movimento • estagnação econômica, com redução das ativida- dura mais de 20 anos, sempre superaram este tipo de barrei- des agropecuárias (pg.25); 248 ra, e passar fome virou rotina para todos, o que não é novi- dade (grifos meus). • declínio da produtividade média da agricultura (pg.32) Em relação aos municípios atingidos à jusante, é ucuruítambém IV - Capítulo 9 - Parte Tenotã-Mõ exemplar o redimensionamento dos efei- • diminuição do PIB em termos absolutos em to- tos, a partir da atuação do movimento social. dos os municípios, especialmente nos dois mu- nicípios mais importantes da microrregião – Historicamente, a ELETRONORTE, e todo o cha- Cametá e Igarapé- mado setor elétrico ragens: o caso T Miri (pg.25/27) brasileiro, trabalha Ilustração 1 – Área atingida pela UHE Tucuruí (segundo Eletronorte) - 1984 e 2004 com o conceito de Estes processos, vale área atingida como dizer, são reconheci- igual a área alagada. dos como tal 20 anos Uma variante deste após o discurso li- conceito é a chama- bertador que cercou da área de entorno, a implantação da hi- no caso, equivalente drelétrica no início ução de efeitos das grandes bar à área de entorno do dos anos 80 do sécu- lago. Segue-se como lo passado, cf. MA- máxima que o ‘efei- GALHÃES, 1992. to social’ é produzi- do sobre a área Mais recentemente, alagada e não sobre isto é, em 2004, como o novo território – resultado da nova ou sobre o novo con- conjuntura política e

Política e sociedade na constr texto social e ambi- da situação desenca- ental - que surge deada com a implan- como decorrência tação da segunda eta- da própria interven- pa, foram acrescidos ção. Com base na- 1984 à “área atingida” mais quele conceito, por 2004 06 municípios, totali- exemplo, todos os zando 16 municípios, cf. assinalados no mapa acima: Abaetetuba; Baião; E, somente em 1998, foi concedida pela Secreta- Barcarena; Breu Branco; Cametá; Goianésia do ria de Ciência Tecnologia e Meio Ambiente do Es- Pará; Igarapé-Miri; Itupiranga; Jacundá; Limoeiro tado do Pará (SECTAM) a Licença de Operação do Ajuru; Mocajuba; Moju; Nova Ipixuna; Novo (LO) da primeira etapa. Nesta mesma data foi con- Repartimento; Oeiras do Pará; e Tucuruí; ou 17 cedida também a Licença de Instalação da segun- municípios, se incluirmos Rondon do Pará. Estes da etapa. Estas licenças, de caráter provisório, fo- municípios estão inseridos em micro e ram depois sendo provisoriamente renovadas, até mesorregiões diferentes – Sudeste e Nordeste se tornarem permanentes, em 2003, mediante o Paraenses e Região Metropolitana de Belém - e atendimento de algumas recomendações ou exi- apresentam características e dinâmicas sociais e gências feitas por aquela Secretaria. históricas próprias. Uma das principais conseqüências da não realiza- Este novo recorte redefine e alarga a área atingida ção do RIMA foi a ausência de publicização e de pela UHE de Tucuruí, de certo modo incorporan- discussão dos efeitos da segunda etapa. Pode-se do antigas reivindicações especialmente capitane- depreender, inclusive, pelos estudos até agora apre- adas pela Colônia de Pescadores e pelo Sindicato sentados, que prevalece uma visão compartimen- dos Trabalhadores Rurais de Cametá. Por outro tada dos efeitos, não havendo um plano de ação lado, incorpora demandas surgidas em um novo coordenado e concatenado para atender a esta contexto e a partir de outras dinâmicas, especial- segunda fase. mente decorrentes da atuação/associação de um Até 1999, de fato, a documentação apresentada grupo de prefeitos e vereadores daqueles municí- pela ELETRONORTE consistia basicamente no pios e de uma aparente inflexão na postura da seguinte conjunto de textos: Projeto Básico – 1996; empresa em direção a um contato e/ou negocia- Licenciamento – Relatório Preliminar, abril de ção mais estreita com os prefeitos locais, não fican- 1997; Programa de Macrófitas Aquáticas – novem- do claro ainda o lugar da interlocução do movi- bro de 1998; Programa de Limnologia – Qualida- mento social nesta nova dinâmica. De todo modo, de da Água – novembro de 1988; Programa de 249 tratam-se de gestões e negociações muito recentes, Estoque Pesqueiro – novembro de 1998; Plano de cujo processo ainda não pode ser analisado e cujas Ações Ambientais – março de 1999. conseqüências ainda não podem ser previstas. ucuruí IV - Capítulo 9 - Parte Tenotã-Mõ De todo modo, cabe remarcar a decalagem de tem- po (três anos) e de enfoque entre o Projeto Bási- A segunda etapa de Tucuruí co, o Licenciamento e o chamado Plano de Ações É chamada segunda etapa de Tucuruí, a segunda

Ambientais. O projeto básico é marcado pela cha- ragens: o caso T fase de instalação de turbinas para duplicação de mada “visão holística” do ambiente e nele afirma- sua capacidade de geração de aproximadamente se haver uma preocupação em “equacionar” as 4 mil para 8.370 MW. Oficialmente, foi iniciada questões ambientais em Tucuruí. Por uma espécie em 1998; o projeto básico data de 1996 e o primei- de surpresa positiva, vê-se ali referência às gran- ro Plano de Ações Ambientais data de 1999. Des- des mudanças sofridas na região, à estrutura necessário dizer que os efeitos sociais são tratados fundiária – às migrações, às pressões sobre empre- nos chamados planos ambientais. Já foram insta- go, às pressões sobre ocupação da terra; às migra- ladas 03 novas turbinas e a conclusão total desta ções temporárias de agricultores e pescadores, etc. etapa está prevista para 2006/2007. Não obstante, há um gap entre o projeto básico e ução de efeitos das grandes bar A segunda etapa de Tucuruí é marcada pelo au- o plano ambiental de 1999, fazendo até supor que mento da cota de inundação e pela ausência de foram realizados por equipes diferentes e/ou com estudos ambientais. Fazendo prevalecer o princí- propósitos diferentes. O Plano de 97, por sua vez, pio da anterioridade da obra à Resolução do copia literalmente os trechos do Projeto Básico que CONAMA 001-86 que tornou obrigatória a reali- dizem respeito ao meio-ambiente. A partir de 98 e no Plano de 99 encontra-se uma outra forma de zação do RIMA8, a ELETRONORTE está realizan- tratar a questão. A chamada “visão holística” que do a segunda etapa de Tucuruí sem os estudos de existe como intenção no Projeto Básico desapare- Política e sociedade na constr impacto previstos em lei para obras iniciadas pós- ce e faz ressurgir a compartimentalização da reali- 1986. Inicialmente, parece ter corroborado para a dade, a autonomização do ambiente, enfim, a vi- prevalência daquele princípio a afirmação de que são estática da realidade. Re-editando a visão e as não haveria aumento da cota. práticas de 1979/1980, não há mais sociedade a A rigor, somente em abril de 1997 a ELETRO- ser considerada. O sujeito das ações são as macró- NORTE demandou o Licenciamento de Tucuruí. fitas aquáticas, a madeira submersa, etc. As observações acima têm o propósito de ape- pescadores já conseguem aproveitar a vazante ar- nas chamar a atenção para essa especial habili- tificial e o nível máximo das águas? E já conse- dade do planejamento e dos planejadores da guem distinguir o comportamento da fauna aqu- ELETRONORTE em elipsar as sociedades e suas ática, sobretudo dos peixes do lago? Como fica a demandas. Embora sob o fogo cruzado do movi- vida cotidiana, marcada pelo local onde as casas mento social, a ELETRONORTE não o reconhe- estão construídas, por uma distância conhecida ce ou, no máximo, minimiza-o e passa à segun- para o abastecimento d’água, etc? No limite, a da etapa ... questão do deplecionamento diz respeito direta- mente ao conhecimento acumulado. Populações que tiveram todo o seu conhecimento arquiva- A Segunda Etapa – A cota 74 do, em menos de duas décadas depois defrontam- Historicamente, a ELETRONORTE apresenta “di- se novamente com alterações importantes no am- ficuldades” em lidar com a cota de inundação. Na biente em que vivem, resultando, por conseguin- primeira etapa de Tucuruí, o decreto de desapro- te, em novas conseqüências econômicas e soci- priação da área por utilidade pública contempla- ais, cuja abrangência e limites não parecem ter va uma área bem superior, cujo perímetro era esti- sido suficientemente considerados. mado em 5.200 km, atingindo ao que se presumia Até 1999, pois, afirmava-se que não haveria “qual- ser a cota 76. Em seguida, seja pela indefinição, quer acréscimo no corpo d´água do reservatório seja pelas chamadas dificuldades de restituição a montante”. Previa-se, no máximo, uma inunda- aerofotogramétrica, seja pelas características da ção de 50 hectares que correspondia a uma pe- área marcada pela abundância de pequenos rios e quena ampliação circundante às margens do pró- cursos d´água, o lago previsto para 2.430 km2, aca- prio lago. bou atingindo a 2.875 km2, significando um au- mento no espelho d’água de 18,3% e, conseqüen- Uma versão oficial apresentada pela ELETRO- temente, a inundação de áreas destinadas ao reas- NORTE para a decisão do aumento da cota, com- 250 sentamento, que se traduziu em uma segunda bina a crise energética de 2001 com as injunções transferência - às pressas, não prevista. políticas. Diz textualmente, que:

ucuruíNo IV - Capítulo 9 - Parte Tenotã-Mõ Projeto Básico da segunda etapa, lê-se: “em decorrência da crise energética por que passa o Brasil e da necessidade de implementação de soluções a curto, “Para a 2ª. etapa não será necessária nenhuma inundação médio e longo prazo para equacionamento e solução do incremental, ficando o reservatório com as mesmas caracte- problema, o Governo Federal editou a Medida Provisória rísticas físicas atuais, com exceção do deplecionamento máximo nº 2.147, de 15 de maio de 2001, criando e instalando a

ragens: o caso T que passará a ser de 10,0 – entre a cota 72 e 62,00” (Projeto Câmara de Gestão da Crise de Energia – GCE com o objeti- Básico, pg.10-3, grifos meus). vo de propor e implementar medidas de natureza emergencial para compatibilizar a demanda e a oferta de Parêntesis. Antes de prosseguir com a mudança energia elétrica, de forma a evitar interrupções intempesti- de cota, algumas indagações, ainda que breves, vas ou imprevistas do suprimento de energia elétrica (...) fazem-se necessárias, sobretudo porque permane- uma vez editada essa MP, e em sua decorrência, os prefeitos cerão atuais mesmo havendo o aumento da cota. do entorno do reservatório da UHE Tucuruí, apoiados por parlamentares federais do Pará, solicitaram ao Ministro das Por exemplo, poder- Minas e Energia que se-ia perguntar o mandasse estudar a ele- Acampamento atingidos Tucuruí,

ução de efeitos das grandes bar que pode significar Sônia Magalhães vação da cota normal de este depleciona- operação da UHE Tucu- mento, se conside- ruí de 72,00m para 74,00m em troca de um rarmos as ilhas, e as Programa de Inserção margens do lago, Regional que trouxesse ocupadas, inclusive benefícios para os refe- com loteamentos ridos municípios”, cf. criados pela própria ELETRONORTE, 2003.

Política e sociedade na constr ELETRONORTE? No mesmo ano de Como vai ficar o co- 2001, o aumento da nhecimento dura- cota foi autorizado mente apreendido pela Agência Nacio- nestes 15/20 anos, a nal de Energia Elé- partir do qual seja os trica (Aneel), argu- agricultores seja os mentado o aumento Tabela 1 – Áreas Inundadas - Cota 74 – Usina Hidrelétrica de Tucuruí – 2ª etapa Áreas Inundadas (ha) Intervalo de Cotas (m) Terra Firme Ilhas Total 72-73 5.312,46 2.583,11 7.895,57 73-74 6.203,68 2.320,37 8.524,05 TOTAL 11.516,14 4.903,48 16.419,62 Fonte: ELETRONORTE, 2002 da capacidade geradora da usina em 110 megawatts como é o caso dos pescadores artesanais do Baixo (MW) firmes. Tocantins, quanto dos deslocamentos ocupacionais ensejados pelo surgimento mesmo destas novas No entanto, desde 2000 a ELETRONORTE ha- condições de produção. via informado o aumento da cota à SECTAM. E mais: em dezembro de 2001, informou, no âm- A ocupação destas ilhas, motivou, em abril de 2002, bito das solicitações feitas por aquela SECRETA- depois de um longo processo de mobilização ini- RIA, que a área a ser inundada havia sido esti- ciado em 1994, a criação, através da LEI nº 6.451, mada em 370 km2. de três Unidades de Conservação da Natureza, as- sim intituladas: Área de Proteção Ambiental do Em 2002, a ELETRONORTE apresentou novos Lago de Tucuruí - APA LAGO DE TUCURUÍ; Re- dados, informando que a área a ser inundada ha- via sido super –dimensionada e que de fato seriam serva de Desenvolvimento Sustentável de inundados 164 km2, discriminadas conforme a ta- ALCOBAÇA - RDS ALCOBAÇA e a Reserva de bela abaixo. Desenvolvimento Sustentável do Pucuruí-Ararão - RDS PUCURUÍ-ARARÃO. A correlação entre es- 251 Nos documentos até agora apresentados, de fato, tas unidades e o aumento da cota ainda não foi não há um tratamento minucioso do comporta- colocada em pauta. mento do lago, no que diz respeito às suas conse- ucuruí IV - Capítulo 9 - Parte Tenotã-Mõ qüências para as populações locais, tanto de ju- Nesta segunda fase, algumas alterações no com- sante quanto de montante. A partir de alguns da- portamento da empresa, relativas ao processo de dos, entretanto, pode-se inferir a abrangência do indenização, notadamente no que diz respeito à alagamento previsto: Planilha de Cálculo, contou com a participação

ragens: o caso T • aproximadamente 4.000 famílias terão suas ter- efetiva de diversas organizações locais, de tal ras total ou parcialmente inundadas; modo que os valores não têm sido objeto de ques- tionamentos. Não obstante, ainda restam em fre- • cinco municípios terão novamente áreas qüente disputa: as áreas efetivamente alteradas, alagadas: Tucuruí, Novo Repartimento, Breu uma vez que permanece, por parte da empresa, a Branco, Jacundá, Nova Ipixuna e Itupiranga equivalência entre alagado e atingido; e, o lento • em levantamento preliminar, haviam sido processo de pagamento. Em novembro de 2003, identificadas 3.548 propriedades parcial ou to- ficou consignado em “Ata da Reunião entre ELE-

talmente alagadas, sendo a maioria dos municí- TRONORTE e Comissão do Alteamento da Cota ução de efeitos das grandes bar pios de Novo Repartimento e Tucuruí; 72 para 74 metros do lago da UHE Tucuruí”, al- •metade da área a ser inundada apresenta vege- gumas destas questões: tação nativa, sendo caracterizada como floresta (...) o Diretor informou que dinheiro não era problema, mas ombrófila densa; nenhum processo foi pago e os atingidos têm cobrado das • desaparecimento de 337 ilhas e surgimento de lideranças (...) outras 283; (...) Há falta de comunicação entre a ELETRONORTE e a 9 • proliferação de macrófitas aquáticas . liderança dos atingidos, tendo sido dois líderes impedidos de

Política e sociedade na constr entrar no prédio do alteamento por motivo de segurança (...) No que diz respeito às ilhas, cabe lembrar que a formação do lago motivou o surgimento de mais (...) representante pede esclarecimento se o pagamen- de hum mil e quinhentas ilhas que, desde o final to será efetuado de uma única vez ou em parcelas, pois dos anos 80, vêm sendo ocupadas, tanto em razão as pessoas já firmaram compromissos com base nesses pagamentos de processos migratórios decorrentes dos efeitos ambientais sobre a base produtiva tradicional, (...) pergunta acerca do pagamento do lucro cessante (...) A guisa de conclusão No caso de Tucuruí, desde 1983/1984, as popula- O que se pode observar é que os efeitos sociais da se- ções locais vivenciaram e/ou compartilharam de gunda etapa de Tucuruí ainda estão socialmente em três situações de deslocamento compulsório: construção. A interconexão entre primeira e segunda 1. a formação do lago em 1983/1984; etapa, bem como o alagamento ainda não efetivado 2. a inundação de determinados locais com o erro talvez estejam contribuindo para um relativo da área de inundação; distanciamento dos processos e dinâmicas que certa- mente serão desencadeados. Por seu turno, foi mais 3. a transferência provocada pela praga de mos- uma vez como fato consumado que a mudança de cota quitos. se impôs. Foi através de espaços abertos na legislação que se subtraiu à sociedade e especialmente às popula- Evidentemente, estas situações não necessariamen- ções atingidas a oportunidade de acercar-se dos pro- te foram vivenciadas por uma só pessoa. Mas a ex- cessos e das transformações que lhes serão impostas. periência social do tríplice deslocamento, esta sim, é uma experiência que se imortaliza na memória Ancorado em sua própria experiência, e no espaço social do grupo, através de um processo de recons- aberto na arena política, é que os representantes do trução que é individual, mas que sofre as determi- movimento social local têm tentado reduzir os efei- nações da experiência vivida coletivamente. tos que incidem sobre as suas vidas e o seu futuro. No atual momento, consideram vitória a planilha de Assim, pode-se pensar que as vicissitudes da histó- cálculo que baseia as indenizações e continuam a ria de Tucuruí colocam um ponto de interrogação tentar impor um novo conceito de atingido e ultra- sobre a possibilidade de lidar com situações simila- passar o desgaste cotidiano dos atrasos, mudanças res, sem que se imponham as determinações soci- de prazos, redefinição de áreas e cronogramas, e etc. ais e políticas aportadas por esta mesma história.

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ragens: o caso T

ução de efeitos das grandes bar

Política e sociedade na constr Referências Documentais

COMISSÃO MUNDIAL DE BARRA- ______.UHE Tucuruí. MANESCHY, M.C. (orgs.). No mar, nos GENS. Dams And Development. A New Etapa Final – unidades 13 a 23. Plano de rios e na fronteira. Faces do campesinato Framework. The Report Of The World Ações Ambientais, março de 1999. no Pará. Belém:Edufpa, 2002, p.235- Commission On Dams. Earthscan ______. Resposta às 274. Publications Ltd, London and Sterling, Condicionantes da Licença de Operação, Ibidem. Expropriação e Mobilização: VA, November 2000. nº 234/2002 referente à elevação da cota a dupla face da relação entre os Gran- COMISSÃO MUNDIAL DE BARRA- do reservatório da UHE Tucuruí, 2002. des Projetos e a População Campone- GENS. Barragens e Desenvolvimento: MAGALHAES, S.B. “Lições de Tucuruí sa. In: Jean Hébette (Org.). O cerco está Um Novo Modelo para Tomada de para a construção de Grandes Barra- se fechando. 1ª. ed., Petrópolis/ Decisões. Um Sumário.O Relatório da gens na Amazônia”, Belém:Vozes, 1991, p. 176-198. Comissão Mundial de Barragens, no- vembro de 2000. Comunicação apresentada no Encon- Ibidem.Tucuruí, uma analise da visão tro “Os movimentos populares, as ins- do Estado sobre o Campesinato. Bole- ______. Relatório da tituições de ensino e pesquisa e o de- tim do Museu Paraense Emílio Goeldi/An- Reunião preparatória para a 2ª Reunião senvolvimento regional na área de Tu- tropologia, vol.8 (1), julho de 1992. de Trabalho do Grupo Consultivo, Tu- curuí”, promovido pela Eletronorte, curuí, 15 e 16 de janeiro de 2000, mimeo. MAGALHAES, S.B, BRITTO, R., CAS- Museu Paraense Emílio Goeldi e Cen- TRO, E. Energia na Amazônia - avaliação e ELETRONORTE. Plano de Desenvol- tro Universitário do Pará – Cesupa, 10 perspectivas sócio-ambientais, MPEG/UFPA/ 253 vimento Sustentável da Microrregião a a 12 de abril de 2003, mimeo UNAMAZ Eds., Belém, 1996, 2 vol. jusante da UHE Tucuruí, março de Ibidem. Produzindo Interpretações: TADEI, W. P. “O Gênero Mansonia 2003. “O encontro Tucuruí como ritual”, paper

(díptera:culicidae) e a proliferação de ucuruí IV - Capítulo 9 - Parte Tenotã-Mõ ______. Termo de apresentado ao Programa de Pós-Gra- mosquitos na Usina Hidrelétrica de Solução de Obrigação Indenizatória, duação em Ciências Sociais/UFPA, Tucuruí. In: MAGALHAES, S.B, 2003. Doutorado, 2003, 16 p. BRITTO, R., CASTRO, E. Energia na ______. Licencia- Ibidem. Tempo e trajetórias: reflexões Amazônia - avaliação e perspectivas sócio- mento – Relatório preliminar. Unida- sobre representações camponesas. In: ambientais, MPEG/UFPA/UNAMAZ des 01 a 23, abril de 1997. HÉBETTE, J, MAGALHÃES, S. B., Eds., Belém, 1996, 2 vol. ragens: o caso T

ução de efeitos das grandes bar

Política e sociedade na constr Notas

1 A Usina Hidrelétrica de Tucuruí foi barragem. Esta designação, inicialmen- pelo movimento social e não será tra- construída pelas Centrais Elétricas do te atribuída pela ELETRONORTE, foi tado neste texto. Norte do Brasil (ELETRONORTE), no metamorfoseada em categoria identi- 8 Prevaleceu, no caso da segunda eta- período compreendido entre 1975 e tária, cf. MAGALHÃES (1991). pa de Tucuruí, a Resolução de 06 de 1984, com uma previsão de potência 3 Este Acampamento tem sido marca- setembro de 1987 (art.12§5º): “Para o instalada de 4.000 MW nesta que é con- do por períodos de forte tensão, como empreendimento que entrou em ope- siderada a primeira etapa de constru- por exemplo no dia 10 de junho de ração anteriormente a 01 de fevereiro ção. O lago formado possui uma área 2004, ocasião em que foi transferido e de aproximadamente 2.875 kms qua- de 1986, sua regularização se dará pela instalado dentro do pátio da prefeitura drados, com 170 kms de extensão. Para obtenção da LO sem a necessidade de da vila residencial da ELETRONORTE. a formação deste lago foi inundada apresentação de RIMA, mas com a con- grande parte dos territórios dos muni- 4 Ver a propósito da visão da ELETRO- cessionária encaminhando ao(s) cípios de Tucuruí, Jacundá e Itupiran- NORTE sobre as populações desloca- órgão(s) estadual (ais) a descrição ge- ga; e, uma pequena parcela do muni- das e seus territórios MAGALHÃES ral do empreendimento; a descrição do cípio de Rondon do Pará. Foram inun- 1992. impacto ambiental provocado e as dados uma sede municipal - Jacundá - 5 medidas de proteção adotadas ou em A Comissão Mundial de Barragens vias de adoção”. e dezenas de povoados, estimando-se foi criada em 1998 para analisar os efei- em aproximadamente cinco mil o nú- 9 tos e os conflitos dos projetos de repre- As macrófitas aquáticas foram respon- mero de famílias camponesas transfe- 254 sas e propor uma nova solução. Em no- sáveis, logo após o enchimento do lago, ridas compulsoriamente pela ELE- vembro de 2000, a CMB publicou o seu por uma intensa proliferação de mos- TRONORTE. O represamento parcial relatório final. quitos em diversas áreas da borda do das águas teve início em 1979, realizan- ucuruí IV - Capítulo 9 - Parte Tenotã-Mõ 6 lago. Entre 1988 e 1990, período consi- do-se o enchimento total do lago cin- Em outubro de 2003, a ELETRO- derado mais crítico, as famílias que ha- co anos depois, entre junho de 1984 e NORTE indicou um negociador ofici- viam sido assentadas nestas áreas tive- março de 1985. al para tratar com os expropriados da ram que ser novamente deslocadas. Em primeira e da segunda etapa. 2 Expropriado é a identificação assu- 1986, a área ocupada pelas macrófitas mida por todos os deslocados com- 7 Cabe advertir que o caso de no reservatório de Tucuruí foi estima-

ragens: o caso T pulsoriamente com a construção da Rondon do Pará jamais foi abordado da em 860 km˝. Ver TADEI, 1996.

ução de efeitos das grandes bar

Política e sociedade na constr Capítulo 10

Índios e barragens: a complexidade étnica e territorial na região do Médio Xingu Antonio Carlos Magalhães

A proposta de construção de barragens junto à Ba- discussão de forma muito mais ampla, alertando cia Hidrográfica do Rio Xingu é bastante antiga e, para os perigos que tais barramentos poderiam cau- se quisermos tomar algum período mais recente sar a esses povos e à população regional, apontan- 255 para os seus levantamentos e estudos, já se poderia do, inclusive, para alternativas outras que não ape- contar cerca de 25 anos. Ou seja, em 1980 um gru- nas aquela proveniente da hidroenergia em gran- po de antropólogos fôra então contatado pelo des barragens. Aqui, em tese, já não se tinha mais o CNEC, com o aval da Associação Brasileira de An- aproveitamento integral do Rio Xingu, mas sim um tropologia/ABA, para analisar preliminarmente conjunto de cinco barramentos – Babaquara, possíveis conseqüências junto aos povos indígenas Cararaô, Juruá, Ipixuna e Iriri, e vários diques; dei- com a construção de barramentos nessa região. Pre- xava de ter lugar a barragem Kokraimoro junto à via-se, pois, conforme o contido no documento “Es- Terra Indígena Kayapó, mais ao sul. De todo modo, tudos de Inventário Hidrelétrico da Bacia atingir-se-ia a nove povos indígenas - Juruna, Asurini Hidrográfica do Rio Xingu” (CNEC, 1980), o apro- do Xingu, Araweté, Parakanã-Apyterewa, Kararaô, veitamento integral dessa Bacia Hidrográfica – era Arara, Xipaya, Kuruaya e Xikrin do Bacajá, além estimada a construção da cinco hidrelétricas no Rio daqueles que se mantêm até hoje sem contato com Xingu e uma no Rio Iriri o que alcançaria a aproxi- a sociedade mais ampla. Em 1996, Magalhães, S. et madamente 40 povos indígenas. Tal previsão desve- alii publicam em dois volumes Energia na Amazô- lava que tais barragens atingiriam desde os índios nia, produto de um seminário internacional, ocor- Juruna da terra indígena Paquisamba, os mais pró- rido em 1994, em Belém, por iniciativa do Museu ximos a Altamira, a cidade de São Félix do Xingu, e Paraense Emílio Goeldi e da Universidade Federal o próprio Parque Indígena do Xingu, no estado do do Pará. Esta é uma obra de referência para todos Mato Grosso. No ano seguinte, Aspellin & Santos os que analisam a implantação de grandes proje- [1981] trazem a público “Indian Areas Threatened tos, principalmente aqueles voltados à produção de by Hydroeletric Projects in Brazil”, no qual elabo- energia, suas alternativas e as conseqüências soci- ram uma análise mais detalhada sobre hidrelétri- ais, ambientais e econômicas que acarretam. cas e povos indígenas, abordando todo o território Agora, e pouco mais de quinze anos depois, volta- nacional, incluindo as variáveis concernentes ao se à discussão sobre a possível construção da bar- Complexo Hidrelétrico do Xingu. ragem Kararaô, sob a nova denominação de Belo Em 1988, a Comissão Pró-Índio/SP publica – As Monte, cujo EIA-RIMA foi iniciado em 2000 e, ao Hidrelétricas do Xingu e os Povos Indígenas, leitura obri- que se tem notícia, seus resultados ainda não fo- gatória para a análise sobre a construção de barra- ram tornados públicos. Ainda que reformulada gens e suas implicações sociais. Retomava, pois, essa quanto às propostas iniciais, Belo Monte traz à cena as mesmas preocupações anteriores, inclusive, em os índios, famílias ou agrupamentos indígenas que razão dos mesmos erros já cometidos. Isto é, não se encontram em aldeias (Juruna do Paquisamba e houve e não tem havido até aqui qualquer discus- Arara do Maia); às margens do Rio Xingu (particu- são ampla e transparente acerca da construção de larmente na Volta Grande); na cidade de Altamira e empreendimento de tal envergadura quer com os na rodovia Ernesto Acioly, que liga esta cidade a Vitó- povos indígenas, quer com a população regional. ria do Xingu. Tal recorte está baseado na proposta A bem da verdade, no ano de 2001, por iniciativa mais atual da Eletronorte para a construção da Hi- da FASE e da Prelazia do Xingu, foi realizado em drelétrica de Belo Monte, cujas consequências mais Altamira, no Instituto Maria Mathias, um encon- imediatas incidem sobre a Volta Grande do Xingu e tro com a Eletronorte, no qual se fez presente o a própria sede do município de Altamira. No tocante seu então presidente. No entanto, tal encontro se aos demais povos indígenas é necessária uma análise revelou pouco produtivo visto que não se obteve mais detalhada, que não será feita aqui. maiores informações sobre os encaminhamentos Cabe advertir, todavia, que a relação entre a questão a respeito da construção da Barragem de Belo indígena e as barragens nesta região não pode ser Monte e de suas implicações junto à sociedade regional, índios incluídos. pensada apenas a partir de Belo Monte, seja porque já foram aventadas outras possibilidades de aprovei- No texto que se segue tem-se como ponto central a tamento hidrelétrico no Rio Xingu, seja porque não complexidade étnica e territorial desta região e privi- se pode pensar este empreendimento de forma isola- legia a situação dos povos indígenas Juruna do Paqui- da, sem considerar o complexo de geração de ener- samba e Arara do Maia; e dos índios moradores em gia hidrelétrica, a construção de eclusas e demais obras Altamira e seu entorno, incluindo a Volta Grande do daí derivadas. Xingu. Assim, o texto está estruturado do seguinte modo: na primeira parte, Povos Indígenas na Região

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 10 enotã-Mõ - Parte T do Médio Xingu, é feita uma apresentação geral da 1– Povos Indígenas na Região do Médio 256 situação territorial dos índios cujas terras estão reco- Xingu nhecidas ou pleiteadas. Na segunda parte, intitulada O Estado do Pará possui um total aproximado de Povos Indígenas na Região de Altamira, são tratados 40 povos indígenas que somam cerca de 28.500

Índios Arawetê Eduardo V. de Castro/ISA

ritorial na região do Médio Xingu ritorial na região

Índios e barragens: a complexidade étnica e ter pessoas, cf. dados de 2000, sendo que 8.450 índios três dos quatro macro-troncos lingüísticos existen- se encontram em terras indígenas localizadas na re- tes no Brasil – Tupi, Jê e Karib; não existindo ape- gião de Altamira. Nesta região, que engloba além nas falantes de língua Aruak. Tal fato torna essa re- do curso médio do Rio Xingu, os Rios Iriri, Curuá e gião, que se insere no que Galvão [1979 (1959)] Bacajá e seus tributários, encontram-se 13 etnias dis- denominou de “área cultural Tocantins-Xingu”, ex- tribuídas em 17 terras indígenas – Arara (terras in- cepcionalmente representativa da diversidade lin- dígenas Arara e Cachoeira Seca), Arara do Maia güística e cultural dos indígenas na Amazônia bra- (terra indígena Arara do Maia), Araweté (terra in- sileira e especialmente no estado do Pará. Assim, dígena Araweté), Asurini do Xingu (terra indígena pertencentes ao tronco lingüístico tupi são encon- Koatinemo), Juruna do Paquisamba (terra indíge- trados os povos indígenas - Asurini do Xingu, na Paquisamba), Juruna (terra indígena Boa Vis- Araweté, Juruna, Kuruaya, Parakanã e Xipaya2. De ta), Kararaô (terra indígena Kararaô), Kayapó (ter- língua jê, tem-se os Kayapó, os Xikrin do Bacajá e ras indígenas: Kayapó, Mekrãgnoti, Badjonkore e os Kararaô, os dois primeiros bastante populosos. Baú), Kuruaya (terra indígena Kuruaya), Panará De língua karib, os Arara que, por sua vez, estão (terra indígena Panará), Parakanã (terra indígena distribuídos em dois grupos distintos: aqueles con- Apyterewa), Xikrin do Bacajá (terra indígena Trin- tatados pela FUNAI em meados dos anos oitenta cheira-Bacajá), e Xipaya (terra indígena Xipaya). do século passado, residentes nas Terras Indígenas Os índios aldeados somam aproximadamente 1815 Arara e Cachoeira Seca, e aqueles que entraram em pessoas, de acordo com levantamento do Distrito contato com a população regional em fins do sécu- Sanitário Indígena/DSEI/FUNASA de Altamira, à lo XIX e princípios do século XX, conhecidos hoje exceção dos Arara do Maia e dos Juruna de Boa como Arara do Maia. Vista, não reconhecidos, até o presente, como índi- É importante ressaltar que a situação territorial é os pela FUNAI e incluídos no bojo da população 1 bastante diferenciada. Do total das terras indíge-

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 10 enotã-Mõ - Parte

regional pela FUNASA . T nas existentes nesta região, nove delas, cerca de A região do médio Xingu notabiliza-se por se cons- 53%, ainda não foram demarcadas, sendo que duas 257 tituir no que pode ser considerado uma grande pro- sequer foram reconhecidas pela FUNAI e duas víncia multiétnica, reunindo povos pertencentes a outras ainda aguardam os trâmites do processo

Tabela 1: Povos e Terras Indígenas na região do Médio Xingu Povo Indígena Aldeias Terra Indígena Situação Jurídica População Juruna* 01 Paquisamba homologada 70 Juruna** 01 Boa Vista a identificar 58 Arara* 01 Laranjal homologada 186

ritorial na região do Médio Xingu ritorial na região 01 Cachoeira Seca a demarcar 72 Arara do Maia*** 01 Arara do Maia em identificação 84 Araweté* 01 Araweté homologada 312 Asurini do Xingu* 01 Koatinemo homologada 118 Kararaô* 01 Kararaô homologada 39 Kayapó**** ? Baú delimitada 6.300 ? Mekrãgnoti homologada ? Kayapó homologada ? Badjonkore delimitada Kuruaya* 01 Kuruaya delimitada 113

Índios e barragens: a complexidade étnica e ter Panará**** 01 Panará delimitada 202 Parakanã-Apyterewa* 02 Apyterewa delimitada 325 Xipaya* 01 Xipaya identificada 59 Xikrin* 02 Trincheira-Bacajá homologada 471 01 Tukum Lote INCRA 41 População Total – 8.450 *Fonte DSEI/Altamira (2004); **Fonte, (i.p. 2004); ***Fonte, CIMI/Altamira (2003); ****Fonte, ISA, (2000) demarcatório (v. tabela abaixo). Ou seja, tomados Mapa 1 - Terras Indígenas na Região do Médio Xingu os procedimentos necessários para o reconhecimen- Fonte: Instituto Sócio-Ambiental to e a identificação das terras indígenas para a sua demarcação, os trabalhos emperram sempre no processo demarcatório e na sua conseqüente homologação. Não há novidade nisso! Ademais, há grupos indígenas não reconhecidos pela FUNAI como os Juruna de Boa Vista (km 17) e os Arara do Maia; e terras indígenas que, embora demarcadas, jamais satisfizeram às necessidades de sua popula- ção – é o caso dos Juruna do Paquisamba, que soli- citaram à FUNAI a ampliação de seu território. No presente, o processo de reordenamento na ocupação do espaço tende a ser fortemente acen- tuado seja com a pavimentação da Transamazôni- ca, seja com a construção anunciada da Usina Hi- drelétrica de Belo Monte, seja com projetos gover- namentais voltados para o aproveitamento econô- mico do que ficou conhecido como Terra do Meio, isto é, a porção de terras situada entre os Rios Xin- gu, Iriri, Curuá, Riosinho do Anfrísio3, com cerca de 8 milhões de ha. Esta porção territorial tem sido alvo da extração ilegal de madeira (leia-se mogno,

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 10 enotã-Mõ - Parte T principalmente), além de ações de grilagem de de forma desordenada e à margem do controle do Estado. Este é o caso dos Araweté (1977), dos 258 terras, pecuária e garimpos de ouro. As estradas Transamazônica e Cuiabá-Santarém (Br-163), Arara (entre 1981/83), dos Parakanã-Apyterewa como também a estrada aberta pela Mineração (entre 1983/84), dos Asurini do Xingu (1970), dos Canópus, entre os Rios Iriri e Fresco, constituem- Kayapó (década de 60), etc. se em grandes eixos para ocupações diversas des- Por outro lado, as relações interétnicas, além de sas terras, configurando um contexto de ameaça à diferenciadas estão, no mais das vezes, sendo pos- integridade físico-cultural e ambiental das socie- tas de forma desordenada, viabilizada pelas neces- dades indígenas e de seus territórios. sidades advindas do próprio contato, principal- Além dos índios aldeados, encontram-se nas sedes mente pela imposição da exploração madeireira e municipais, como Altamira, Vitória do Xingu e de garimpos, que atende a interesses diversos da- ritorial na região do Médio Xingu ritorial na região Senador José Porfírio, grupos ou famílias consti- queles dos povos indígenas. Está claro que tais ati- tuídos por alianças matrimoniais interétnicas ou vidades se voltam para a geração de renda entre não, acerca dos quais as informações existentes são os indígenas, muitas vezes beneficiando apenas ainda preliminares e não sistemáticas. Há também algumas lideranças e suas famílias, alimentando grupos indígenas isolados, que se encontram em assim um longo processo de exploração dos índi- três áreas: na Terra do Meio, entre os Rios Iriri e os e de seus territórios. Xingu e a Transamazônica; entre os Rios Iriri e De certo modo, as atividades econômicas estabe- Curuá e daí até a Br-163, e na Bacia do Rio Bacajá4. lecidas no âmbito das relações interétnicas estão Como se pode observar, além da diversidade lin- conjugadas às estações de chuva e seca da região güística e cultural existente entre esses povos, ve- amazônica. Assim, no caso de Altamira, durante a rificam-se também diferenças importantes no que estação chuvosa é comum que os índios se mante- diz respeito ao tempo de relacionamento com seg- nham mais imersos em suas terras, ocupados na Índios e barragens: a complexidade étnica e ter mentos da sociedade regional – o tempo e a for- coleta da castanha do pará, a qual, em geral, é co- ma de contato sendo definitivos para a caracteri- mercializada junto à agência inglesa de cosméti- zação e a construção das relações interétnicas. Ob- cos Body Shop, que mantem um escritório nesta serva-se que se há índios contatados há mais de cidade. No período do verão, porém, as atividades duzentos anos, caso dos Xipaya, Kuruaya, Juruna, se distribuem de acordo com outros interesses, por exemplo, há outros de contato mais recente, especialmente de madeireiros e garimpeiros. A ex- efetivado no âmbito dos processos de transforma- ploração de madeira e de garimpo é realizada pelos ção decorrentes da ocupação da região, realizada interessados, em acordos, muitas vezes, estabelecidos diretamente com os Porto de chegada aos Juruna do Paquisamba Altamira. Uma das índios. Neste caso, Antonio Carlos Magalhães, janeiro 2004 atividades mais em mencione-se, a títu- uso no momento é a lo meramente ilus- pesca de peixe orna- trativo, o Garimpo mental, principal- do Madalena, em mente a do cari, um terras Kuruaya, des- teleósteo da família dos coberto em 1978 loricarídeos, no Rio por um grupo de ga- Xingu, mas também rimpeiros que paga- no Iriri e no Curuá, va um percentual a onde ribeirinhos de João Lima e Maria modo geral, índios das Chagas Lopes incluídos, nela to- Kuruaya. mam parte. O traba- lho em sítios ou fa- A partir de 1982, instala-se na região a empresa de zendas próximas, ou, passar uns tempos em Altami- nome Espeng Minérios e Minerais que abre um ra trabalhando numa atividade qualquer se consti- campo de pouso junto ao garimpo e vende a área tui também numa alternativa para a obtenção de me- à Brasinor. Esta passa a operar a extração de ouro lhor sustento. Em outras palavras, a questão da gera- no local até 1985, ocasião em que, após sérias inti- ção de renda entre esses índios é particularmente midações e conflitos entre a Brasinor e os Kuruaya, importante se tomarmos em conta a vulnerabilidade morreu Noá Kuruaya, velha liderança desses índi- em que eles se colocam frente à sociedade regional os, possivelmente em razão de uma pancada rece- e à dependência que daí deriva. Isto significa reco- bida no tórax de um funcionário da Brasinor, como

nhecer que as alterações territoriais incidem sobre IV - Capítulo 10 enotã-Mõ - Parte afirma a Sra. Maria Santarém, matriarca dos uma gama de relações inter e intraétnicas no âmbito T Kuruaya. A partir de 1995/96, uma empresa de de um espaço social extremamente frágil. Portanto, 259 capital canadense denominada Anaconda passa é preciso estar claro que as mudanças sócio-ambien- atuar na região, retirando-se em julho de 1998, tais que venham a existir sejam no sentido de viabili- após desentendimentos com os Kuruaya, por atra- zar contextos sociais, econômicos e ambientais posi- sos no pagamento de seus salários. tivos que possibilitem uma melhor adequação quer Deste modo, e após trabalharem anos a fio na ex- no controle do território, quer na geração de renda ploração do garimpo para essas empresas e sofre- entre os índios. rem processos os mais diversos de espoliação e agres- sões físicas, estes índios resolveram, recentemente, 2 – Povos Indígenas na Região de Altamira tomar conta da extração de ouro. No entanto, tal

ritorial na região do Médio Xingu ritorial na região fato tem provocado alterações nas relações Por Região de Altamira, denomino todo o espaço intraétnicas, que merecem ser melhor analisadas, territorial hoje ocupado por índios, que engloba e, nas relações interétnicas, visto a crescente pre- a sede do próprio município, o Rio Xingu entre sença de não-índios quer enquanto exploradores esta cidade e a Volta Grande; e a rodovia Ernesto de garimpo, pagando um percentual aos Kuruaya, Acioly. Cabe observar que, embora se saiba da exis- quer trabalhando para os índios. É o caso também tência de famílias indígenas no trecho do Rio Xin- de alguns Xipaya que, sem uma fonte de renda além gu abaixo de Altamira, ainda não se tem dados su- daquela proveniente da comercialização da casta- ficientes para análise. nha-do-pará e de alguns poucos produtos do roça- do acabam, em determinadas situações, por se ve- 2.1. Juruna do Paquisamba rem forçados a trabalhar no garimpo do Madalena, Os Juruna residem à margem esquerda do Rio Xin- em relação subordinada aos Kuruaya. Assim, a ex- gu, junto à Volta Grande, na Terra Indígena Paqui- ploração do garimpo pelos próprios índios não Índios e barragens: a complexidade étnica e ter samba, entre os Igarapés Mangueira e Paraíso, mu- pode ser considerada auspiciosa – teoricamente in- nicípio de Vitória do Xingu. A situação fundiária verte-se o processo de domínio, mas permanece o dessa terra indígena ainda gera inquietações junto processo invasivo da terra indígena, colocando em aos Juruna. Com os trabalhos de demarcação risco os próprios índios. efetuados em meados da década de oitenta do sé- Uma outra fonte de renda é proveniente da pes- culo XX, a área prevista inicialmente em 6.000ha., ca, estando esta restrita praticamente aos Juruna acabou por ser demarcada e homologada em apro- do Paquisamba, face a uma maior proximidade de ximadamente 4.350 ha. No ano de 2000, os Juruna solicitaram à FUNAI Santa e Vanda, mulheres líderes da aldeia Paquisamba secular dos Juruna a revisão demarcató- Antonio Carlos Magalhães, janeiro 2004 naquela região. ria e a conseqüente Distante cerca de ampliação do territó- três horas de Alta- rio, visto que pontos mira, em voadeira importantes no pro- com motor de cesso de ocupação 40Hp, os Juruna do histórica foram dei- Paquisamba têm na xados além dos limi- pesca um dos pon- tes territoriais. Um tos altos de sua so- dos pontos reclama- brevivência já que dos com maior ênfa- comercializam o se pelos Juruna situa- pescado em Altami- se na área do entor- ra ou junto aos no da Cachoeira do beiradeiros do Xin- Paquisamba, local gu, além da pesca do cari já referida. De resto, este contido no simbólico religioso desses índios. O sítio do Senhor Miguel, marido de Dona Miriam retiram da agricultura com a plantação de man- Xipaya, próximo da referida Cachoeira é bastante dioca, macaxeira, milho, arroz, feijão, batata, etc. rico quanto aos informes materiais a que se refe- a maior parte de sua dieta alimentar. A caça é bas- rem os Juruna – trata–se de um sítio arqueológico a tante reduzida e se resume a paca, cutia, tatu; ra- céu aberto se assim se pode dizer. Praticamente toda ramente se obtém caças de grande porte como a extensão do terreno que margeia o Xingu está anta, veado mateiro ou porco-do-mato. Tal como a caça, a coleta também é tida como fonte suple-

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 10 enotã-Mõ - Parte

T coberto com fragmentos cerâmicos, muito pro- vavelmente de origem juruna. As gravuras rupes- mentar na alimentação. Muitos deles ora traba- 260 tres contidas nas rochas que formam a Cachoeira lham temporariamente em fazendas próximas, do Paquisamba também informam da presença ora se empregam em Altamira. Com uma popu- lação flutuante que pode alcançar a 100 indiví- duos, os Juruna somam um total de 70 pessoas Seu Miguel em seu sítio Antonio Carlos Magalhães, janeiro 2004 que residem efetivamente no Paquisamba, das quais 39 pertencem ao sexo masculino. Manoel Juruna é a liderança para as relações interétnicas e as moradias estão localizadas às margens do Xingu e de seu tributário, o Igarapé Seco.

ritorial na região do Médio Xingu ritorial na região Deve-se salientar que, embora o CIMI/Altamira mantivesse até há pouco tempo uma escola na ter- ra Paquisamba, a sua atuação estava limitada às pri- meiras séries do ensino fundamental. Alguns jo- vens, no entanto, deslocam-se para Altamira, resi- dindo em casa de parentes, para completar esta fase escolar, e, às vezes, realizar o curso médio.

Cerâmica com pinturas encontrada no sítio de Seu Miguel O contato desses índios com a população regional Antonio Carlos Magalhães, janeiro 2004 data desde o século XVIII. Anteriormente, por vol- ta da primeira metade de 1600, já tinham sido lo- calizados por regionais junto à foz do Xingu. Estes Juruna são descendentes dos que residiam ao final Índios e barragens: a complexidade étnica e ter do século XIX, na Ilha Muratá, na Volta Grande do Xingu, entre as cachoeiras do Juruquá e Paqui- samba. Fortunato, a única liderança Juruna falan- te na própria língua, informa que a ilha de Muratá foi habitada por sua família até os anos vinte do século passado, cuja liderança estava a cargo de Muratú, quando se deslocaram para as proximida- des do Igarapé Dibandá, local onde os contatos com os regionais foram Mapa 2 - Terra Indígena Paquisamba e Volta Grande do Xingu em meados do sécu- mais constantes. To- Fonte: Dados coletados em campo por Antonio Carlos Magalhães e lo XIX, cobrindo o davia, desde o final Tarcisio Feitosa, com shape file elaborado pelo IPAM. divisor de águas en- do século XIX, com tre as bacias do Xin- o ciclo da borracha gu e do Amazonas, e também com a mais especificamen- caça ao gato do mato te desde as margens para o comércio do direita dos cursos couro, atividade esta médio dos Rios em muito realizada Tapajós e Amazonas na região amazônica até o curso médio até meados dos anos do Xingu e especial- sessenta quando foi mente junto à sua proibida por lei fe- confluência com o deral, esse grupo Iriri. teve uma maior dis- Na viagem de persão ao longo das Coudreau, ao final margens do Xingu e do século XIX, já se os Juruna passaram tinha informações de a ter um convívio grupos Arara mais re- mais acentuado com ceptivos ao contato e os regionais. de outros que se mantinham isolados. Este viajante informa também que esses índios, ou melhor, parte

É importante frisar que a terra indígena Paquisamba IV - Capítulo 10 enotã-Mõ - Parte será atingida em qualquer das opções que se adote deles mantinha convívios amistosos com os Pena, em- T para a construção de barragens no Rio Xingu. Em bora estes falassem a língua tupi. De outro modo, 261 outras palavras, o povo Juruna poderá ter grande par- Coudreau assinala a suposição encontrada junto a te de seu território inundado com a formação do re- seus informantes de que parte dos Arara habitaria servatório, ou, poderá vê-lo secar a tal ponto que difi- nos cursos médio e alto do Rio Curuá, possivelmen- cultará suas locomoções quer nas proximidades, quer te mantendo contatos amigáveis ou não com negros em seus deslocamentos a Altamira. ali localizados em mocambos. Como se pode observar no mapa acima, as locali- O nome Maia, hoje incorporado a esses Arara, dades situadas próximas à Terra Indígena Paqui- deve-se ao seringalista que residia numa ilha pró- samba são todas elas constituídas por indígenas em xima à área que habitam e com quem mantinham casamentos inter e intra-étnicos entre Juruna, Ara- relações amistosas. A área por eles pleiteada está do Médio Xingu ritorial na região ra, Kuruaya e Xipaya, ou, com regionais. situada à margem direita do Rio Xingu, defronte às terras Juruna do Paquisamba, no município de 2.2. Arara do Maia Senador José Porfírio. Atendendo à solicitação fei- ta por eles, a FUNAI está em processo uma coleta Os dados sobre os Arara do Maia ainda são por de- de dados que, por suposto, deve reconhecer este mais incipientes. O único levantamento existente território enquanto terra indígena Arara do Maia. foi realizado pelo CIMI/Altamira e está afeto quase exclusivamente à sua população. É provável que se- Mulheres da aldeia Arara do Maia jam eles descendentes dos Arara-Pariri, sub-grupo Antonio Carlos Magalhães, janeiro 2004 Arara, com quem os Parakanã, de acordo com Ni- muendajú [1963], entraram em conflito e expulsa- ram da margem esquerda do Rio Iruaná, tributário do Rio Pacajá, às proximidades de Portel, em 1910. Índios e barragens: a complexidade étnica e ter Nimuendajú, em seu conhecido mapa Etno-Histó- rico assinala a presença Arara entre a margem es- querda do Pacajá e a margem direita do Rio Anapú, no período de 1910 a 1932. Teixeira Pinto [1997], referindo-se aos Arara contatados em meados da década de oitenta do século XX, menciona uma área de ocupação espacial Arara bastante extensa, Estes Arara estão distribuídos em quatro núcleos Missão Tavaquara. Em razão do período pombalino, residenciais – Maia propriamente dito, Pedro a partir de 1755, os jesuítas foram expulsos do Brasil Ferraz, Bacajá, e Vista Alegre que abrigam dezesseis e com isso interrompida a atividade da missão. Pou- famílias, perfazendo um total de 84 pessoas, de co menos de um século depois, o Pe. Torquato de acordo com CIMI/Altamira, e lideradas por Le- Souza retoma, por pouco tempo, os trabalhos missi- ôncio Arara que nasceu na Praia do Dunga e seus onários, refundando a missão agora sob o nome de avós residiam na ilha Sucuriju, junto ao Rio Bacajá, Imperatriz. Todavia, os índios “descidos” que se en- sendo a avó Juruna e o avô Arara. contravam em Altamira ou em suas proximidades passam a prestar serviços à população regional como Em razão de relações interétnicas freqüentes des- mateiros, seringueiros, castanheiros, pilotos de bar- de o século XIX, inclusive mantendo casamentos co, serviços domésticos, etc. com regionais e outros índios, como os Juruna, os Xipaya e também com os Xikrin do Trincheira, Coudreau [o.c.], por sua vez, informa que duran- grande parte da cultura desse Arara se perdeu, ou te a sua viagem à região do Xingu, encontrou Al- permanece imersa no esquecimento temporário tamira então um vilarejo em formação, constituí- de alguns. Hoje, Ananun é o único falante da lín- do de apenas três casas na margem esquerda do gua Arara no grupo do Maia e atualmente está Xingu, servindo de posto de coleta da seringa e da casado com uma índia Asurini do Xingu, residin- castanha. A própria missão jesuíta, instalada na foz do na terra indígena Koatinemo. do Igarapé Itaquari já se encontrava extinta, pela segunda vez, e dela sobravam apenas alguns vestí- gios como a exploração de salsaparrilha junto ao 2. 3. Índios na Cidade de Altamira e em seu entorno Igarapé Panelas. Por esse período, embora as no- Neste tópico estão incluídos os índios moradores tícias sobre povos indígenas não contatados sem- em Altamira e aqueles localizados às margens do pre estivessem presentes, é fato também que um

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 10 enotã-Mõ - Parte T Xingu, notadamente junto à Volta Grande. Tenha- contingente significativo de índios apresentava 262 se claro, porém, que a população indígena não contato bastante próximo com os regionais, como aldeada não se limita exclusivamente a este espaço é o caso dos Pena que já estavam dispersos, con- – cidade e Volta Grande. Ao contrário, toda a Bacia centrando-se uma parte na ilha denominada Ilha do Xingu, incluindo-se aí, como já mencionado, os dos Pena e o restante em perambulação pelo Rios Bacajá, Iriri e Curuá é historicamente espaço vilarejo que se formava, ou, se unindo a outras indígena. Portanto, os dados quantitativos aqui apre- etnias. Como visto, parte dos Arara do Pará, cujos sentados ainda são inconclusivos, até mesmo por- descendentes estão hoje no Maia, também já se quê há índios que têm dificuldade em assumir a encontravam em contato com os regionais, ou, sua identidade indígena, em razão do próprio pro- faziam alianças matrimoniais com os Juruna, Pena, cesso histórico, que, desde os “descimentos” tem e os próprios Xipaya, ao passo que outros ritorial na região do Médio Xingu ritorial na região provocado a negação da vida aldeã, como também perambulavam entre o Xingu, o Iriri e o Amazo- em razão do preconceito de que são alvos ainda nas. Depreende-se, deste modo, que desde mea- hoje. Deste modo, estimar a população indígena dos do século XVIII a população regional do mé- existente na região de Altamira ou na região do Mé- dio Xingu esteve sempre envolvida quer com os dio do Xingu e de seus principais tributários exige índios que já residiam ou visitavam com certa cons- mais do que a tradicional estatística aplicada às ter- tância o pequeno entreposto de Altamira que se ras e às populações indígenas aldeadas. formava com o ciclo da borracha, ou, também com negros escravos estabelecidos em mocambos5. Historicamente, este município, criado a 6 de No- vembro de 1911, através da Lei Estadual nº 1.234, Na própria cidade de Altamira, às proximidades do tem suas origens vinculadas às missões jesuítas que antigo aeroporto, do campus da UFPa., e da pró- objetivavam a catequese dos povos indígenas, na pri- pria FUNAI, está localizado o que se convencionou meira metade do século XVIII. Os primeiros regis- denominar de “aldeinha”, ou seja, um conjunto de Índios e barragens: a complexidade étnica e ter tros históricos foram feitos pelo jesuíta alemão Ro- casas habitadas por índios Xipaya e Kuruaya, em que de Hunderfund, incumbido pela Companhia sua maioria, sendo que alguns deles ainda falam a de Jesus de trabalhar nos “descimentos” dos índios língua materna. Algumas dessas pessoas, não neces- de suas aldeias – inaugurando um longo processo sariamente residindo na “aldeinha”, mas também de relações interétnicas que persiste até hoje. Índi- em outros bairros de Altamira, são mencionadas os das etnias Pena, Takonhyapé, Juruna, Xipaya, como aquelas que melhor falam a própria língua e Kuruaya, Arara foram sendo atraídos pela atividade se recordam de certos costumes tradicionais, caso missioneira, a partir de 1752, com a fundação da de Quirinapani, hoje possivelmente com cerca de 100 anos, de Paiá, de Maria Xipaya ou Maria do Nãi Xingu, onde constatou a permanência de 82 fa- (referência ao marido), ambas com mais de 70 anos mílias, totalizando 408 pessoas, conforme tabela e falantes Xipaya e Kuruaya, respectivamente, de abaixo. Neste levantamento, não há registro es- Paulinho Kuruaya, dentre outros. pecífico sobre a localidade Vila do Galo, ou, como é mais conhecido Garimpo do Galo. Na verdade, Tal como em épocas passadas, os índios que residem trata-se de um garimpo em transição para ativi- em Altamira e em seu entorno não tem, em sua mai- dades agrícolas, constituído pelas famílias que se oria, uma ocupação definida. Mantêm seus roçados formaram na região, em seus casamentos de subsistência às margens de rio e igarapés em lotes 6 próprios ou de familiares, ou nas aldeias Tukamâ interétnicos com regionais . Conforme informa- (Xipaya), Cajueiro (Kuruaya), Paquisamba (Juruna), ções obtidas no local, há neste garimpo, cerca de e comercializam o pouco que conseguem como ex- 60 pessoas, e uma população flutuante ainda bas- cedente. Muitos deles trabalham como piloto de bar- tante alta, que tem na Vila da Fazenda um de seus cos, empregam-se em trabalhos domésticos em Alta- pontos de articulação sócio-econômica. mira, outros trabalham na Cooperativa da Body Shop, Do ponto de vista sócio-antropológico é importan- outros são funcionários ou aposentados da FUNAI e te remarcar que a partir de 2000, esses índios ini- do Funrural, etc. Alguns, porém, conseguiram se for- ciaram um movimento no sentido de resgatar a(s) mar e cursar faculdade e são professores em escolas própria(s) cultura(s), reafirmar a identidade in- municipais ou estaduais. Há ainda jovens que estão dígena e obter formas alternativas de geração de em Altamira para estudar e ali permanecem, em ge- renda que possibilitem melhorias em sua qualida- ral em casa de parentes. de de vida. No âmbito deste movimento, foi inici- Na verdade, e como acima referido, há necessida- almente criada a Associação dos Índios Morado- de de que seja realizado um levantamento mais res em Altamira/AIMA, a qual, num levantamen- to preliminar ainda em processo, afirma residir em

detalhado acerca da situação indígena específica de IV - Capítulo 10 enotã-Mõ - Parte Altamira e seu entorno. Os dados aqui apresenta- Altamira entre 1500 e 2000 índios. Além da AIMA, T dos carecem de análise mais acurada e tem o pro- entre os anos de 2000 e 2002, foram também cria- 263 pósito de apenas pontuar a diversidade de situações, das associações específicas para os povos indíge- podendo-se remarcar que dezenas de famílias cons- nas aldeados, tais como – a Associação Indígena tituídas exclusivamente por indígenas, ou, estabe- Arikafú, para os índios Xipaya, a Associação do lecidas em alianças matrimoniais interétnicas, regi- Povo Indígena Juruna do Xingu/APIJUX, referen- onais incluídos, residem às margens do Xingu, do te aos Juruna de Boa Vista, a Associação da Comu- Bacajá, do Iriri, do Curuá. Assim, podem ser deli- nidade Juruna do Paquisamba/ACOJUPA, a Asso- mitados, em princípio, três espaços específicos: sede ciação de Resistência Indígena Arara do Maia/ municipal de Altamira e arredores, Volta Grande ARIAM, e, está em formação a Associação Indíge- do Xingu, e terra indígena Tavaquara. na Kuraê, referente aos índios Kuruaya.

ritorial na região do Médio Xingu ritorial na região O CIMI/Altamira realizou um levantamento tam- Na tabela abaixo7, apresenta-se o resultado preli- bém preliminar junto à população ribeirinha, minar da população indígena na Volta Grande do mais propriamente na região da Volta Grande do Xingu, a partir de dados levantados pelo CIMI8.

Tabela 2: População Indígena – Volta Grande do Xingu Local Famílias Moradores Beira do Xingu 14 75 Comunidade Oca 03 13 Comunidade Ig. Itatá 03 13 Comunidade São Pedro, Ig. Arroz Cru, Km. 27 da Transamazônica 09 51

Índios e barragens: a complexidade étnica e ter Povo Indígena Arara do Maia 16 84 Ilha da Fazenda 34 159 Ressaca e Arredores 03 13 Garimpo do Galo 10(?) 60 População Total – 468 Obs.: extraindo-se a população referente ao Povo Indígena Arara do Maia, já computada na tabela 1, tem-se um total de 384 pessoas. 2.3.1. Terra Indígena Tavaquara caça é bastante reduzida e a praticam em pontas de mata às proximidades da estrada, resumindo- É este o nome pelo qual os índios nomeiam uma área de aproximadamente 800 ha (2km X 4km), se àquelas de pequeno porte – paca, cutia, tatu – onde se inclui a praia do Pajé, um balneário du- as de grande porte são raras. Hoje, esses Juruna rante o verão amazônico, situada junto aos atuais demonstram grande interesse na piscicultura, pro- bairros São Sebastião e Independente I, à margem curando aproveitar um remanso que naturalmen- esquerda da rodovia que interliga Altamira ao ae- te se forma nas águas xinguanas junto ao lote. São roporto. Na verdade, estes dois bairros somados liderados por Maria Cândida Juruna que preside ao Independente II, situado à margem direita dessa a Associação do Povo Indígena Juruna do Xingu/ rodovia, têm grande parte da sua população for- APIJUX. A sua mãe, Francisca Lemos Juruna, era mada por indígenas de diversas etnias - além dos a matriarca do grupo até seu falecimento em 2002. Xipaya, Kuruaya, Juruna, há famílias Kayapó, A mãe de Francisca Juruna, Clotilde Juruna, per- Munduruku, Canela, etc.; pode-se dizer, sem qual- tencia ao grupo liderado por Aramacu Juruna, pai quer dúvida, que se trata de uma aldeia urbana. de Arikati Juruna, mãe de Clotilde. Aramacu e seu grupo residiam próximo a ilha de Muratá. Expul- Adalberto da Prússia [1977], que esteve no Brasil sos daquela região pelos Xikrin do Bacajá, o gru- em 1842, também assinala a presença indígena, po de Aramacu começou a vagar entre os Rios Xin- principalmente da etnia Juruna, neste local de gu e Iriri, tendo início a saga desses Juruna. Clotil- Tavaquara, onde, como referido, foi erguida a sede de acabou casando com Tiago de Souza, pai de da missão jesuíta Tavaquara. Não raro, ao se esca- Francisca, que nasceu no alto curso do Rio Cateté, var o local, são encontrados panelas e cacos de tributário do Iriri, no início do século XX. Em fuga cerâmica – uma serraria ali existente o fez há pou- constante dos Xikrin e de seringueiros, uma parte co tempo, encontrando fragmentos de uma pane- subiu o Xingu e, de acordo com Maria Cândida,

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 10 enotã-Mõ - Parte la que se encontra na loja da FUNAI em Altamira.

T hoje se encontra no Parque Indígena do Xingu. Tal fato desvela a necessidade premente da reali- 264 zação de estudos arquelógicos no local. Anos mais tarde, Francisca casou-se com Plácido Machado, seringueiro vindo do Maranhão, como Desde 2000, a Associação dos Índios Moradores soldado da borracha. Estabeleceu o seu próprio de Altamira/AIMA tem como um de seus objeti- barracão próximo ao Iriri, por volta de 1932 e com vos o resgate desta área. Reconhecida como terra ele trabalharam vários índios. Com a crise da bor- indígena (a exemplo das Praia do Indio e Praia do racha, abandonou o local e se deslocou para Alta- Mangue, em Jacareacanga; Terra Indígena mira, no início dos anos cinqüenta. Neste período Guarani, em Guarulhos/SP), a proposição é criar adquiriu um lote de 1.500 ha., local em que hoje o Centro de Vivência Cultural Indígena/CVCI que vivem. No entanto, com a morte de Plácido gran- possibilitará além da criação de oficinas diversas de parte das terras foi vendida e hoje vivem no

ritorial na região do Médio Xingu ritorial na região (confecção de artesanato, resgate da memória cul- lote de 50ha. tural, sede das associações indígenas, etc.) também a criação de um centro educacional, reconhecido pela Secretaria Municipal de Educação, evitando- Conclusões se assim o constrangimento e o desconforto do A história da implantação de grandes projetos na preconceito de que são alvos os alunos do ensino Amazônia, qualquer seja ele, hidrelétricas, estra- médio, nas escolas regulares. das, hidrovias, etc. tem mostrado que a transfor- mação espacial não se limita apenas ao espaço físi- 2.4.Juruna da Terra Indígena Boa Vista co, mas incidem diretamente sobre as relações so- ciais historicamente construídas. Vale dizer, que Além dos Juruna do Paquisamba, um outro peque- apenas a notícia do empreendimento já é no grupo dessa etnia, constituído por 58 pessoas, sinalizador de tais transformações. se formou ao longo dos anos através de casamen- Índios e barragens: a complexidade étnica e ter tos com regionais. Residem num lote de 50 ha., No caso dos Povos Indígenas, impõe-se conside- no município de Vitória do Xingu, às margens de rar que está-se tratando do espaço herdado, histo- Rodovia Ernesto Acioly que liga este município a ricamente produzido no conjunto das relações Altamira, na terra indígena denominada Boa Vis- sociais, ambientais e econômicas, sendo o enten- ta, ainda não reconhecida pela FUNAI. Praticam dimento destas relações fundamentais para se pen- a agricultura com o plantio de mandioca, sar a sustentabilidade destas sociedades. Qualquer macaxeira, arroz, milho, melancia, mamão, que seja o espaço a ser “projetado”, conforme sali- jerimun, etc., e criam algumas cabeças de gado; a entam Soja [1980] e Sacks [1986], não há preterição possível das relações interétnicas e intra- que radiografe o momento atual. É necessário étnicas assim como dos diversos processos sociais considerar a virtualidade dos processos que a his- desencadeados a partir delas. A região do médio tória e o atual momento político vivido pelos pró- Xingu destaca-se pela sua importante diversidade prios povos indígenas podem desencadear. Isto cultural e pela potencialidade de resgate cultural significa dizer que o simbólico ato de Tuíra, no e identitária que a sua história enseja. evento de 1989, pode ser re-editado não como Qualquer análise sobre as conseqüências de um metáfora, mas como uma ocasião de constituição empreendimento da envergadura de Belo Monte e reconhecimento de sujeitos políticos, cultural- não pode se restringir a uma perspectiva estática mente distintos.

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 10 enotã-Mõ - Parte

T 265

ritorial na região do Médio Xingu ritorial na região

Notas

1 Note-se que não estão computados Riosinho do Anfrísio, o que poderá açougue em Altamira. Jane Xipaya, outra os índios Kayapó residentes nas Terras beneficiar a população regional ali filha de Judith reside na Ilha da Fazenda. Indígenas Kayapó, Mekrãgnoti, existente; para maiores detalhes, v. ar- 7 Assinale-se aqui que somados estes tigo de Tarcisio Feitosa, neste volume. Badjonkore e Baú, como também os índios à população indígena aldeada Panará – estimados em cerca de 6.300 4 Ao que se supõe são pequenos gru- ter-se-á cerca de 4.332 índios na região pessoas, para os Kayapó e em 202 para pos de índios Kayapó; no entanto, al- de Altamira. os Panará, cf. ISA (2000:12); estes ín- guns índios Kuruaya informaram, em Índios e barragens: a complexidade étnica e ter 8 As informações sobre a população da dios são atendidos por outro Distrito 1998, terem visto vestígios de índios Vila do Galo estão apenas estimadas em Sanitário Indígena. outros, não contatados, às proximida- informações coletadas no local, quan- 2 des da aldeia Cajueiro, (i.p. 1998). Se se quiser ser mais rigoroso, ter-se- do, em janeiro de 2004, realizamos, em 5 ia para os povos de língua tupi: Kuruaya, Em Vitória do Xingu e Gurupá, exis- companhia de Tarcisio Feitosa, uma família munduruku; Xipaya e Juruna, tem grupos de negros reunidos em ter- breve viagem à Volta Grande do Xin- família juruna; Parakanã, Araweté, ras quilombolas. gu, aos Juruna do Paquisamba e aos Asurini do Xingu, família tupi-guarani, 6 Caso de Jair Alves Filho e de sua irmã Arara do Maia; pode-se, então, confir- cf. Rodrigues, A. (1964:99ss.). Jeane, filhos de Judith Xipaya que foi ca- mar a necessidade de se prosseguir o 3 Recentemente, foi criada a RESEX sada com “Nêgo Né”, proprietário de um levantamento até aqui realizado Capítulo 11

Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do projeto hidrelétrico Belo Monte Reinaldo Corrêa Costa

266 “Lembramos ainda, Senhor Presidente, que nosso povo e Nesse sentido é muito bom lembrar que, em diversos casos, todo este patrimônio arqueológico está sob freqüente amea- empresas interessadas, depois de produzirem seus projetos ça de ter estas terras inundadas pelos reservatórios da UHE técnicos, encomendaram o estudo de previsão de impactos de Belo Monte, que faz parte do projeto das hidrelétricas no totalmente a favor de sua aprovação. Em alguns casos, de modo rio Xingu”. antiético e criminoso, selecionaram os eventuais argumentos Carta de Manuel Juruna (líder da aldeia Paquiçamba) ao de uma equipe formada por pesquisadores de diferentes áre- presidente da Funai. (setembro de 2000). as do conhecimento, compondo o ‘relatório final’ ao seu modo e favorecimento. Fato que esvaziou a seriedade dos EIA-Ri- Está na agenda propagandística a falácia dos ditos mas, legalmente exigidos para respaldar projetos de grande projetos desenvolvimentistas para o Brasil. A mai- porte”. oria envolta em discussões acaloradas e controver- Um autoritarismo latente da ELETROBRÁS, que sas, sendo que muitos atiçam os interesses dinhei- por meio de sua filial regional, vem tentando há ristas de empreiteiras (nacionais e estrangeiras), e décadas fazer um outro enclave territorial de im- políticos apedeutas. Ao defenderem seus interes- pactos negativos na Amazônia, em especial na ba- ses particulares e eleitoreiros aparecem os mais fan- cia do Xingu, com base no poder do terror de Es- tásticos argumentos desintegrados e obtusos da re- tado, pois a ELETRONORTE é uma estatal, e usa alidade do espaço total da obra vitimado pelos pro- recursos públicos para propagandear o empreen- jetos, tais argumentos são uma panóplia publicitá- dimento com antigas e aliciadoras promessas de ria que tem como objetivo confundir o entendi- progresso e desenvolvimento com base apenas na mento da mídia responsável e impelir os governan- produção de energia elétrica, os alvos são os pre- tes sérios e responsáveis ao equívoco, levando-se feitos e vereadores dos municípios atingidos, com em consideração que raramente os governantes as já tradicionais promessas de apoiar em infra- têm inteligência, intelecto e competência técnico- estrutura, e isso usando recursos públicos inclusi- científica para arbitrar/decidir em uma avaliação ve ao buscar apoio de madeireiras, latifundiários, decente dos impactos (negativos e positivos) das ávidos por lucros rápidos. obras em questão. Neste ponto vale citar as pala- vras de Ab’Sáber (2004: 24). O susto do racionamento de energia em 2001 e o temor do “apagão” fazem da propaganda da esta- “Nos últimos 20 anos, os governos que se sucederam têm sido pressionados a iniciar a implantação de velhas ou novas idéias tal uma tática de terror, pois se criou um clima de e projetos não respaldados por corretos e honestos estudos de crise energética que só será resolvida com a cons- previsão de impactos, elaborados por equipes independentes. trução das hidroelétricas no Xingu e, quem for contra esse empreendimento é taxado de atrasa- cursos fluviais.No caso em questão acrescenta-se do, anti-progresso entre outras coisas. Ante a idéia ainda que “o maior problema é o das terras indí- de “apagão” grupos que lucrarão de diversas for- genas, que ultrapassa o aspecto social e envolve o mas com a obra, que dizem que é para o desen- cultural e ético” (ROSA: 1989: 2). Tratando-se de volvimento nacional, sendo que eles se sentem e barragens de hidroelétricas, “a regra geral é o se julgam o nacional e constroem uma falsa efeito desastroso e destruidor”.(ROSA: 1989: 8). dicotomia entre os pró e anti-progresso nacional, E não é um plano de marketing que acabará ou dizem que recurso sem uso é prejuízo para a so- reduzirá as dores e os sofrimentos causados pe- ciedade nacional, principalmente na geopolítica los atingidos. de mercados. Ideologizam um forte apelo emo- cional para as classes médias dos centros urba- nos despreparados de capacidade de questiona- Protagonistas Sociais: um conflito mento. Alguns pagarão a conta do “apagão” soci- Para entendermos o que significa para os grupos al e ético que não provocaram. socais a ação de um enclave territorial, temos que cruzar as informações disponíveis com a realida- A novidade é que agora se tem um “Plano de In- de da situação social da região central do Estado serção Regional” da obra de Belo Monte (http:// do Pará, polarizada pela cidade de Altamira. www.belomonte.gov.br/menu.html, em 10-10-04), que nada mais é do capacitar empreendedores para As informações fazem-se necessárias ainda que o atividades de mercado após o fim da obra, portan- foco central das análises seja uma expressão de to a lógica é de mercado e não social. As hidroelé- humanidade sofrida do interior brasileiro. Para a tricas na Amazônia brasileira não são empreendi- área em questão estou denominando de eixo mentos modelo de desenvolvimento na Amazônia, Xingu-Transamazônica. Nas margens do rio Xingu veja o exemplo de Tucuruí (PA). é que os primeiros contingentes humanos chega-

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 11 enotã-Mõ - Parte ram e se estabeleceram, os paleo-índios, depois os T As hidroelétricas na Amazônia são enclaves índios e posteriormente os ribeirinhos. territoriais do capitalismo que geram caos social e 267 danos ao meio ambiente e que só aumentam a de- O momento em que houve a situação de contato, sigualdade entre ricos e pobres e alimentam a con- prejudicial aos índios, e de subordinação dos ribeiri- centração de terras nas mãos de poucos e expul- nhos aos donos de terras em uma estrutura agrária sam índios e camponeses de suas terras ancestrais exploradora baseada nas drogas do sertão (andiroba, e tradicionais e geram favelas com aqueles ex-ope- copaíba, castanha-do-pará, entre outras) e posterior- rários que ficaram desempregados após a conclu- mente na borracha/látex. Na década de 70 do sécu- são da obra. lo XX, com as políticas públicas territoriais do gover-

No quadro da geopolítica mundial a água doce no ditatorial, foi construída a rodovia BR-230, a Tran- Belo Monte ojeto hidrelétrico tem um papel crescente como recurso hídrico, samazônica, que trouxe em seu projeto a coloniza- principalmente na lógica dos mercados, quando é ção oficial, para evitar uma reforma agrária, e na si- encarada como commodities, o que é um ponto tuação de fronteira traz consigo também os latifun- logístico daquele que detêm grandes bacias hidro- diários. A cada cinco quilômetros, mais ou menos, gráficas, como o Brasil, portanto, barramentos uma estrada (ramal) de penetração, conhecida lo- devem ser pensados com muito cuidado, princi- calmente devido ao caráter ortogonal por Travessão, palmente se forem de interesses privados. onde houve os assentamentos de colonos, de gru- pos, geralmente de camponeses sem terras de quase Faz-se necessário salientar que, infelizmente, as todos os pontos do País. hidroelétricas afetam uma área de grande impor- tância, a beira dos rios, o vale dos rios, isso pode O projeto de colonização foi melhor estruturado parecer uma tautologia, mas ao aprofundarmos ao oeste de Altamira, onde se encontram terras o assunto com a devida seriedade, veremos que mais propicias para os cultivos de mercado, do lado são nessas linhas (as margens dos rios) que é onde leste dessa cidade, e com solos não tão férteis para vivem as pessoas, onde se estabelecem vilas e ci- o mercado, houve uma ocupação nos mesmos dades como Altamira (rio Xingu), Belém (baía moldes do projeto oficial e que depois foi do Guajará), São Paulo (entre rios Pinheiros e gerenciado pelo governo, do outro lado do Xingu Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do pr Tietê), Paris (rio Sena), Londres (rio Tamisa), na área conhecida como assentamento Assuriní, Nova York (rio Hudson), entre outras aglomera- houve ocupação, porém sem o posterior gerencia- ções humanas dos tamanhos mais variados, que mento dos órgãos do governo, pois não estavam estão e nasceram às margens de seus respectivos na faixa da Transamazônica. Dos moradores mais antigos do rio Xingu e dos Belo Monte, é uma questão trans-municipal, pois novos moradores que chegaram com a Transama- ainda envolve o município de Senador José Porfírio, zônica, configurou-se o que denomino de eixo que é descontínuo territorialmente. Pettená (1980) Xingu-Transamazônica. Um exemplo de duas for- menciona sete hidroelétricas para o Xingu mas de territorialidade, uma ribeirinha e outra (Gorotire, Kaiapó, Carajás, Babaquara IA, Babaqua- interfluvial. Nesse processo, a cidade de Altamira ra III, Juruá e Kararaô) e duas para o Iriri (Iriri e consolida-se como o centro urbano referência para Carajari). qualquer grupo social. A polaridade de Altamira Há que se diferenciar entre Política Pública e Po- aprofunda-se com os incrementos de serviços ur- lítica Governamental, sendo que está pode conter banos instalados. àquela ou ser apenas direcionada para vantagens Uma diletante pseudoquestão, em que alguns téc- e privilégios para determinados grupos sociais e/ nicos, políticos, acadêmicos caíram, e a respeito do ou setores da força produtiva instalados no País. A projeto CHX (Complexo Hidrelétrico do Xingu), política governamental não pode ser analisada sim- se este complexo não afetava todo o Xingu, esque- plesmente pelo vetor temporal do antes e do de- cem qual é a escala da bacia hidrográfica, esque- pois, no máximo até o início das obras. O durante cem dos afluentes como o Bacajá, o Bacajaí, o Itatá, e o depois são questões que não podem ser anteci- o Ituna e o Paquiçamba, entre outros, tão impor- padas, pois poderão ocorrer embargos judiciais, tantes quanto o próprio rio principal. Isto significa greves, falta de financiamentos, desvios de verbas que em cada afluente, independentemente de sua e outros motivos de paralisação, muito comuns no ordem de grandeza (1º, 2º, 3º...) existem grupos Brasil, principalmente os dois últimos e isso não é indígenas, ribeirinhos, vilas e povoados, sendo que factível de adivinhação. A previsão de impactos sim, o adensamento populacional é maior no eixo essa é de caráter metodológico, é uma arte/ciên- Xingu-Transamazônica, donde estão incluídas as ci- cia que poderá ser usada para a compreensão/pre-

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 11 enotã-Mõ - Parte T dades de Altamira e de Vitória do Xingu, onde está visão de processos e nisso inclui o estudos de casos 268

Protesto Altamira 2002, MDTX

ojeto hidrelétrico Belo Monte ojeto hidrelétrico

Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do pr históricos em semelhantes condições, esse cotejo interface, por situarem-se entre os dois.” (Eletro- com situações do passado é necessário e obrigató- norte, p.36). Como atores internos o “Cenários rio para a profundidade do caso em sua peculiari- ...” diz: 1- Comunidades Indígenas, 2- Grandes dade local, linear, areolar governamental, ideoló- Proprietários Rurais, 3- Pequenos e Médios Pro- gica entre outras, e ainda que os planos sejam para prietários, 4- MDTX (Movimento pelo Desenvol- a bacia do Xingu é na Volta Grande que dever-se- vimento da Transamazônica Xingu), 5- Empresá- ão fincar os direcionamentos básicos das análises, rios urbanos e 6- Trabalhadores Rurais. Como pois é nela que estão os planos mais avançados e atores de interface: 1- Movimentos Religiosos, 2- onde se concentra a maior parte do conjunto soci- Madeireiros, 3- Militares e 4- Organizações ambi- al da bacia do Xingu. entalistas e indigenistas. Como atores externos: O momento é marcado fundamentalmente pela 1- Comunidade científica, 2- Organismos desinformação, sejam verídicas ou como “corti- financiadores internacionais, 3- Empreiteiras, sen- na de fumaça” para camuflar uma situação as mais do que neste último temos: “Contraventores, vá- diversas. No escala da Eletronorte, Eletromorte rios grupos de interesse atuam na chamada eco- nomia da contravenção, compreendendo o tráfi- para os atingidos por barragens, há um laconismo co de drogas e o contrabando, incluindo a bio- tácito de ampla ideologia do desenvolvimento, pirataria.” (p.37). O curioso - ou ato falho deste com base no poder da propaganda via rádio, documento - é que a própria Eletronorte não é outdoors, apoio às festas carnavalescas, entre ou- identificada em nenhum grupo de atores, muito tras. Nos bastidores sabe-se que há um embora esteja próxima dos grandes proprietári- envolvimento de advogados, políticos, empresá- os rurais, dos empresários urbanos, dos madei- rios, mas, claramente não se tem informações con- reiros, dos organismos financiadores internacio- cretas a respeito dessas reuniões que não são e nais, das empreiteiras.

deveriam ser tornadas públicas, pois envolve a IV - Capítulo 11 enotã-Mõ - Parte

T vida de diversas pessoas, o que comprova o cará- Esse movimento pró-hidroelétrica é polarizado ter de política governamental para um enclave pela ACIAPA (Associação Comercial Industrial 269 territorial do capitalismo. Agrícola e Pecuária de Altamira). A Eletronorte trabalha com empenho para divulgar um fantásti- A propaganda enfatizando o tão desejado desen- co Plano de Inserção Regional programado para volvimento social como o CHX, tem boa aceitação o período de construção da obra e após o término em alguns grupos, o histórico da área contribui da obra com o intuito de inserir o entorno ao para isso, pois no período da Fronteira, com a che- enclave do CHBM, e não o contrário, como seria gada da Transamazônica e dos projetos oficiais, o o mais sensato, incluir o projeto à realidade dos discurso era o mesmo e o progresso não veio, alia- grupos sociais envolvidos. se isso ao fato do boato e asfaltar a BR-230. Em Belo Monte ojeto hidrelétrico região carente e com a sensação de isolamento e Para aqueles que serão, esperemos que não, viti- atraso o apelo oficial é bem recebido nos setores mados pela política governamental formadora do mais variados, porém desprovidos de massa críti- enclave do CHX (e a palavra na ‘complexo’ cabe ca, que acreditam que com os royalties (uma espé- para várias dimensões) existe um vetor de cie de compensação por danos ambientais, como aglutinação, de re-existência social à referida po- se isso fosse possível) e o aumento na população lítica que é o MDTX (Movimento de Defesa da local haverá um incremento significativo no comér- Transamazônica e Xingu), que polariza diversas cio com aumento de fluxo de capital, isso ocorre- organizações sociais como sindicatos de trabalha- rá, mas não na escala de economicidade dos co- dores rurais, associações de pequenos produto- merciantes altamirenses. Esquecem que com as res, entre outros. empreiteiras virão de fora, com o apoio do Estado Um dos focos de resistência é a descrença no CHX, e com força muito maior, os grandes grupos co- isso é enfatizado pelo histórico da Eletronorte, pelo merciais que poderão levar à falência o comércio seu passado de desconsiderar nos seus projetos as local, causando um dano à estrutura social. populações regionais, vide os exemplos de Balbi- No “Cenários Sócio-Econômicos da Região Pola- na (AM), Samuel (RO) e principalmente de Tu- rizada pela Futura UHE Belo Monte e Sistema de curuí (PA) de onde veio à energia elétrica, via tra- Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do pr Transmissão Tramo-Oeste”, são apresentados os mo-oeste, não para as populações da Transamazô- “principais atores sociais identificados na região, nica e oeste do Pará e sim para possibilitar a for- distinguindo três grupos: os atores internos à re- mação do canteiro de obras do Complexo Hidre- gião, os atores externos à região, e os atores de létrico Belo Monte. Durante o período de estudos de viabilidade a ainda que a bacia do rio Xingu seja o alvo de pla- Eletronorte fez incursões em lotes, sem pedir au- nos e projetos de barragens, pois se na área com torização dos proprietários, em lotes de campo- maior concentração humana passar a hidrelétri- neses dos travessões, abrindo picadas no meio da ca, que dirá de áreas com menor concentração? O mata, marcando árvores, colocando placas com conjunto da Geração Xingu (Xingu, Iriri e Bacajá), números, causando um temor nos moradores que assim como os setores oeste e leste do EXT, tam- não sabem como proceder ante essa invasão de bém serão afetados pelo CHX. propriedade. Essa arrogância da Eletronorte em Nesse conjunto de situações, acrescenta-se que um atuar sem democracia e transparência em seus grupo de Altamira recebeu verbas para financia- atos faz com que alguns com um pouco dos seus mento de projetos ditos agropecuários, pela sofridos proventos comprem terras no municí- SUDAM, e desviou o dinheiro para fins pessoais e pio vizinho de Anapu, como garantia de que se alheios ao plano oficial, tal desvio foi amplamente perderam suas terras terão onde se refugiar e con- noticiado pela imprensa e este grupo, segundo al- tinuar a vida, acontece que está ocorrendo um guns, tem em seu corpo alguns dos que são a favor aumento no preço das terras que era baixo e com do CHX para “esquentar” transações comerciais e a procura está subindo. Isto pelo temor de fica- facilitar a lavagem de dinheiro. rem sem uma justa indenização e perderem suas lavouras, o espaço pelos mais variados caminhos Na atual situação um dos elementos que alimen- torna-se mercadoria. ta a tensão é o boato, categoria social e política que só encontra campo fértil onde não infor- Outra questão é uma falsa problemática da ideo- mação suficiente e/ou não existe consciência logia da Eletronorte, é que aqueles que estão na social crítica. Volta Grande do Xingu, do ponto da barragem até o ponto onde está a casa de máquinas (turbi- Entre os diferentes grupos sociais temos que ana-

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 11 enotã-Mõ - Parte T nas) em Belo Monte, como ribeirinhos e índios, lisar em que nível o diálogo acontece. Como fala- 270 não serão afetados pelo CHX. A questão dos im- mos de relações de poder, não podemos aceitar pactos não deve ser pensada em termos diretos que a conversa seja como se fossem em igual força ou indiretos, pois esse raciocínio leva ao equívo- índios e camponeses com a Eletronorte, esta é de co de pensar em o que significa cada um, por uma força hercúlea (política, financeira, jurídica, exemplo, a área Paquiçamba é de impacto direto entre outros atributos) se comparada com os dois ou indireto conforme o atual projeto? Aqueles primeiros, pois é uma estatal barrageira. que terão que deixar suas casas são de impactos Os outros dois são grupos que historicamente são diretos ou indiretos, se no próprio projeto existe des-assistidos, abandonados e atacados pelos im- um remanejamento? É preferível por questões

ojeto hidrelétrico Belo Monte ojeto hidrelétrico pulsos de desigualdade social no Brasil, são frágeis metodológicas de análise pensar em escalas de ante um poder secularmente consolidado. Portan- impactos, sempre fazendo um cruzamento entre to, tem-se que ter outros mediadores no processo os impactos sociais e naturais, pois estes grupos do diálogo, não só com instituições do Estado não são dissociados da natureza em seus modos como a FUNAI, deve-se acrescentar outros, inclu- de vida. sive não-estatais Dessa forma quanto Morador da Volta Grande, como o MDTX, que mais pessoas e gru- Monti Aguirre/IRN é uma importante pos sociais diferenci- fração da sociedade ados existem em civil organizada. A uma área, mais com- própria aceitação de plicadores sociais e trabalhos indepen- naturais aparecem. dentes deve ser colo- Assim o eixo Xingu- cada na pauta de dis- Transamazônica cussão do processo (EXT) por ser a área decisório e a Eletro- de maior concentra- norte não deve e Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do pr ção humana em di- não pode ser a úni- ferentes escalas soci- ca organizadora dos ais e terrestres deve fóruns de discussão, ser o principal foco este espaço deve ser das pré-ocupações, aberto também para as universidades, o ministério público, o MDTX economia que está mundializada, os impactos ge- entre outros. rados nas hidroelétricas aumentarão o máximo de áreas desmatadas e com as hidroelétricas cresce a Deve-se lembrar que na realidade brasileira não emissão de gases de efeito estufa com impacto são somente índios e camponeses e os espaços her- mundial, e quem sabe alguma retaliação por da- dados da natureza que serão afetados, haverá mas- nos ambientais por alguma grande potência eco- sas de imigrantes que não conseguirão emprego, nômico-militar, “a maioria da liberação de CO haverá grilagem de terras para especulação o que 2 acontece na primeira década depois de completar já está acontecendo nos arredores de Altamira e a barragem” (FEARNSIDE: 57: 2003). de alguns travessões próximos desta cidade. A situação não pode ser adivinhada, porém, com O EXT é territorializado por diferentes grupos uso da previsão de impactos algo pode ser feito; o sociais, notadamente em quatro grandes compo- tristemente clássico exemplo de Tucuruí ainda é sições: os camponeses da Transamazônica, campo- neses ribeirinhos, os índios e o conjunto peri-ur- válido, e com base nele sabemos o que não deve bano da Ilha da Fazenda, onde se tem uma ser feito, exemplo disso, em uma cidade que não corrutela dos garimpos, conhecida como Ressaca, tem tratamento do lixo urbano, como será o pro- pela sua posição à margem direita do Xingu em cedimento com um acréscimo populacional de no um ponto em que o rio fez uma espécie de baía/ mínimo 20 mil pessoas produtoras de lixo e de angra, que localmente é denominada de ressaca. águas servidas? Qual o destino desse lixo e do material de descarte da construção? Será o Xingu e seus igarapés? Atingidos No Relatório de Impacto Ambiental do complexo No conjunto dos atingidos pelo CHX como os cam- hidrelétrico de Belo Monte em suas Conclusões poneses (dos travessões da Transamazônica e ri-

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 11 enotã-Mõ - Parte beirinhos), índios (Juruna , Arara, Xipaia ...), os (p.65) está um pouco da insegurança e incerteza T habitantes do vilarejo Ilha da Fazenda/Ressaca e do projeto. 271 garimpeiros, além dos habitantes da cidade de Al- “Ainda há questionamentos sobre os benefícios econômicos tamira, a relação existente entre esses diferentes e sociais que sua construção trará para a região dos municí- grupos, opósitos um ao outro ou não, a luta por pios da Volta Grande do Xingu, sabendo-se que impactos territorialidade é continua e, com o boato/inse- ambientais negativos certamente ocorrerão. Dependendo das gurança provocado pela Eletronorte, poderá agra- medidas corretivas e complementares a serem tomadas, o em- var as condições desses grupos principalmente com preendimento poderá criar ou não oportunidades ao desen- volvimento local. O Complexo poderá ser uma excelente o contato com os funcionários/operários do oportunidade para ativar a economia local e ao mesmo tem- CHBM, aproximadamente 20 mil, em vários pon- po promover a melhoria de qualidade de vida, ou poderá tos do eixo Xingu-Transamazônica . O contato é trazer apenas crescimento econômico para alguns setores, Belo Monte ojeto hidrelétrico permeado com a chegada de contingentes de pes- mas aumentando os conflitos sociais e ambientais”. soas que não conseguirão emprego nas obras e Prevalecem as incertezas sobre o badalado proje- aumentarão os problemas sociais como prostitui- to para a área mais povoada do vale, o que será ção, crescimento da violência (roubos, assassina- então para áreas menos povoadas o enclave abso- tos ...) e crescimento de mendicância nas prová- luto e a concentração dos proventos econômicos veis corrutelas que se formarão. e políticos por uma minoria? No processo de construção da rodovia Trans- No livreto da Eletronorte intitulado Complexo Assurini, da Ilha da Fazenda/Ressaca atravessan- Hidrelétrico Belo Monte e sua Inserção Regional do o assentamento homônimo, até as margens do (sem informações bibliográficas) no tópico “Os Xingu, onde se tem a balsa que leva a Altamira, impactos diretos”, diz o seguinte: terá a tendência para aumentar o desmatamento linear, acompanhando a estrada e posteriormente “O levantamento preliminar da população diretamente atin- com travessões, fazendo as “espinhas de peixe”, gida pelo reservatório, que precisará ser remanejada, indica como na Transamazônica, e uma especulação aproximadamente duas mil famílias na área urbana de fundiária, luta pela terra, transtornos sociais, isso Altamira, 813 na área rural de Vitória do Xingu e 400 famíli-

as ribeirinhas”. Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do pr em uma área onde a Questão Agrária não está re- solvida. Tanto na Assurini quanto nos trechos que Isso significaria que mais de 16.000 pessoas den- serão alagados, qual será o processo de desmata- tro da área de inundação estarão atingidas. Esta mento? No machado/moto-serra? Na queimada? cifra parece ser uma revisão de dados no EIA da Tordon ? Esse é um exemplo de que não é só a FADESP: Quadro 1- População rural e ribeirinha estimada para remanejamento Condição em relação ao CHE Localidade/núcleo Domicílios População Belo Monte (1) estimada Área rural 356 1547 São Raimundo Nonato 58 241 Santo Antônio 25 116 Santa Luzia 54 237 São Francisco de Chagas 31 161 Sagrado Coração de Jesus 13 67 Total ou parcialmente inundadas São José 15 66 Boa Esperança 20 88 São Francisco de Assis 63 259 Vila Rica 21 68 Bom Jardim 20 87 Terra Preta 36 158 Área ribeirinha 61 307 Paratizinho 9 32 Paratizão 14 66 São Lázaro 7 43

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 11 enotã-Mõ - Parte T Palhal de Cima 8 58 272 Palhal de Baixo 5 26 Ilha Taboca 7 31 Santa Luzia 11 51 total (1) 417 1854 Isoladas Área rural 417 246 Santa Terezinha 39 167 Bom Jardim II ( Goianos) 17 79 total (2) 56 246

ojeto hidrelétrico Belo Monte ojeto hidrelétrico TOTAL GERAL (1 +2) 473 2100 (1) Estimativa UFPA, para 2001 Fonte: EIA, versão preliminar, Eletronorte

Quadro 2 – Estimativa da população residente no entorno dos alagadiços de Altamira. Área Urbana de Altamira Unidades Habitacionais População Estimativa Igarapé Ambê 905 4 735 Igarapé Altamira 648 3 389 Igarapé Panelas 8 38 Sub-Total 1 561 8 162 Fonte: EIA, versão preliminar, Eletronorte

Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do pr Camponeses O campesinato tem toda a sua produção escoada, Para os camponeses dos travessões da BR-230, no via travessões até a Transamazônica e segue rumo EXT, todos serão afetados em diferentes escalas preferencial para Altamira. Nos lotes, onde já exis- de impactos. Desde aqueles que terão, quiçá isso tem vínculos, inclusive de parentesco e compadrio, não aconteça, que terão de sair de seus lotes, até e de conhecimento com os espaços herdados da aqueles que ficarão cerceados, enclausurados pela natureza territorializados em cada unidade barragem e pelos canais que desviarão a água até territorial familiar. Vale ressaltar que há um assen- Belo Monte. tamento do INCRA no travessão 27, próximo ao igarapé Paquiçamba que foi oficializado há apro- Algumas a serem pensadas em diferentes escalas de ximadamente 2 anos, e tem-se uma questão, nem profundidades de tempo futuro e de atualidade; chegaram e terão de sair ? Poderá haver uma frag- 1) Os que terão de sair, irão para qual lugar? Este mentação social, enfraquecimento político do gru- novo lugar será conseguido como? Será discu- po, pois desarticular-se-ão as escolas, os postos de tido com os expulsos o novo lugar de cada um? saúde, o centro comunitário, as relações sociais Como será a documentação oficial do no lote? entre outras. Terão apoio para as novas roças ou começarão A ideologia do CHX provavelmente criará, no do zero? Terão mínimo, duas pseu- condições natu- Morador da Volta Grande, docategorias, uma rais próximas ao Monti Aguirre/IRN dos que não serão do atual lote? afetados pela obra, Qual será o crité- aqueles que ficarão rio de indeniza- cerceados/cercados ção? Será consi- e os que serão afeta-

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 11 enotã-Mõ - Parte derado o traba- dos pela mesma, os T lho territorializa- que serão remaneja- 273 do no lote em for- dos e (re)assentados ma de plantações, em outro lugar, pro- as mais diversas, vavelmente imposto cercas, casa, cur- pelo responsável ofi- ral, poços, etc.? O cial, sem uma devi- que será feito da- da discussão prévia quilo que foi plan- com os expulsos. tado? E se forma-

rem ilhas nos pon- Tanto os que sairão Belo Monte ojeto hidrelétrico tos mais altos do relevo, como aconteceu em Tu- quanto os que ficarão são faces da mesma moeda, curuí, quem será o proprietário delas? ou melhor, da mesma situação de receptáculo de impactos do enclave CHX, pela alteração das ba- 2) Para aqueles que ficarão, cercados pelo enclave, ses física e social da reprodução do modo de vida. como será continuidade de seus modos de vida? Como escoarão a produção, pois com a obra transporte/circulação será intermodal, do lote Ribeirinhos ao rio (terrestre), atravessar o rio (fluvial), pela Outro tipo de campesinato é o dos ribeirinhos, que Trans-Assurini até o rio (terrestre), depois atra- constituíram suas vidas historicamente ao longo vessar o Xingu até Altamira (fluvial), mais o da Volta Grande do Xingu, em contatos transporte do porto até o comprador; isso en- interétnicos com os índios e tornaram-se carecerá o valor dos produtos fragilizando-os beiradeiros, aqueles que se formaram ao longo do na relação mercadoria-dinheiro-mercadoria (M- período colonial até hoje. D-M), existente no circuito econômico comer- A maior parte dos ribeirinhos da Volta Grande do cial a que fazem parte. Terão apoio governa- Xingu mora no trecho em que segundo os planos mental ou não para a continuidade da repro- oficias ficará com as “águas baixas”. Para aqueles dução social da vida? Como ficará a questão dos que têm como base do modo de vida a sazonalida- Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do pr pequenos cursos d’água e das águas subterrâ- de fluvial, entre outras, isso é um golpe duríssimo, neas? Vale lembrar que nessa área existe uma pois a dinâmica do rio (enchente-vazante) é que- considerável cultura de cacau como divisa eco- brada, o que desestruturaria toda a relação de tra- nômica para o Estado do Pará. balho relacionada ao rio, principalmente a pesca. Como ficará a repro- Morador da Volta Grande, elas e nas diáclases dução social desse Monti Aguirre/IRN formam-se poças grupo sem a pesca d’água parada de que é a base das re- várias dimensões lações comerciais de que são propícias mercado, que em originalmente a re- sua circulação ficará produção do local- alterado. Se atual- mente denomina- mente o peixe é le- do carapanã-da-pe- vado via fluvial para dra, o que irá acon- Altamira, após a tecer sem o perío- conclusão da obra do de cheia do rio? será modificado Uma explosão re- para fluvial, terres- produtiva de inse- tre, fluvial, encare- tos inviabilizando a cendo o produtor ocupação humana, ribeirinho que tam- como aconteceu no bém vende, farinha, frutas mandioca e necessita rio Tocantins ? de gelo para armazenar o peixe. Nesse caso, a re- produção social deste é afetada pelo estrangula- Na área a montante da barragem a questão é in- mento da circulação, pois entre os produtos e o versa, como ficará a vida de ribeirinhos com o rio mercado existem os caminhos de função além do sempre com águas altas?, e gerando um aumento mero escoamento de produção, que não é só eco- em cadeia do nível d’água nos igarapés afluentes, e com as cheias vindouras, alguns desses igarapés

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 11 enotã-Mõ - Parte nômico, é social e político. T poderão estragar roças, e algumas de suas margens Com o nível das águas baixo por longo tempo, uma são ocupadas por populações carentes que já so- 274 das tendências é haver uma superexploração do frem transtornos com as enchentes. O que irá acon- acari (hypancistrus zebra, peixe ornamental de gran- tecer com o nível d’água alto para esses grupos de de procura), que em um primeiro momento po- favelados? Em pequenos vales afogados com pou- derá ocorrer um aumento de captura, e posterior- ca ou nenhuma circulação de água poderá ocor- mente um esgotamento da reprodução, cada vez rer a proliferação de mosquitos e um odor desa- em menor número ante a quantidade capturada gradável oriundo do processo de decomposição anteriormente sem qualquer preocupação com os de vegetais, e isso poderá tornar a ocupação estoques para reprodução. Pode haver um empo- inviável nessas favelas/baixadas de Altamira, prin-

ojeto hidrelétrico Belo Monte ojeto hidrelétrico brecimento/endividamento dos chamados cipalmente com o lixo acumulado nos córregos, “carizeiros”, e uma diminuição progressiva do re- aumentando o já alto nível de doenças nas áreas ferido peixe, principalmente se na cadeia alimen- carentes e sem saneamento básico. tar dois rios ocorrer alterações significativas entre presas e predadores, isto agravará a situação social de rendimentos, com uma progressiva formação Povos Indígenas de um grupo de miseráveis de beira rio, ou mu- Outro grande grupo social são os índios da Volta danças para as favelas de Altamira busca de em- Grande, agrupados em uma área oficialmente re- prego, inclusive no próprio canteiro de obras. A conhecida, a Área Indígena Paquiçamba. São ín- situação de miséria pode agravar o problema de dios Juruna, que estão na margem esquerda do alcoolismo entre os carizeiros. Muitos esses pesca- Xingu e do outro lado, na comunidade Maia, exis- dores são índios ou ribeirinhos. te um grupo de índios Arara, em terras não reco- Para aqueles que terão de sair da beira, estes vão nhecidas oficialmente e estes não aparecem nos para qual lugar? Para longe dos rios?, terão e se comentários da Eletronorte, mais a jusante há uma adaptar, à força, aos pequenos e estreitos córregos, família inter-étnica de um não-índio e uma Xipaia, grotas ou cursos d’água, causando um estranha- predomina nos filhos a identidade cultural da mãe.

Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do pr mento e cerceamento do modo de vida de ribeiri- Estes grupos, cada um com sua especificidade (in- nho para agricultor, como aconteceu em Tucuruí? terna e externa ao grupo), estão na área que fi- Quais serão as bases para o (re) assentamento? cará de águas baixas. O modo de vida tem em Para os que ficarem, vale lembrar que o leito do sua base, assim como os ribeirinhos, na policul- Xingu é repleto de rochas que nos espaços entre tura associada à pesca. Sendo que fazem coleta de castanha-do-pará e andiroba, e vendem em Al- ficar mais caro, dificultando as relações de com- tamira. São considerados como não afetados pelo pra e venda tanto na Ilha da Fazenda quanto na CHBM, nos planos oficiais. Mas sem sazonalidade Ressaca, sem que aumente a capacidade de com- dos rios, como ficarão, a mercê da sorte? Como pra dos moradores. navegarão em trechos sempre secos e encachoei- Para aqueles que tem balsas garimpeiras o proces- rados? A questão do transporte é fundamental, e so poderá se tornar mais fácil para a cata do ouro, isto ficará alterado, assim como para os ribeirinhos, porém, com um aumento significativo da polui- encarecendo os produtos no mercado altamirense, que dificilmente pagarão mais alto, podendo cau- ção do rio com o leito menor e com baixa veloci- sar um empobrecimento maior por aqueles que dade das corredeiras, as dragas provocarão um ficarão cerceados pelo complexo. maior estrago erosivo no leito do rio e as condi- ções para o assoreamento de trechos fluviais tra- Com o projeto consolidado esses ficarão prejudi- rão conseqüências funestas para aqueles que tra- cialmente isolados em suas terras que não poderá balham na atividade garimpeira. Com rio em seu ser capaz de garantir a reprodução do modo de leito normal (tanto inverno quanto no verão) a vida devido ao quase isolamento pela dificuldade poluição hídrica oriunda da garimpagem, como de circulação de qualquer natureza. Isto inclui as- revolver o fundo do rio e do descarte do mercú- sistência médica e escolar principalmente, e de fis- rio, se dilui, se espalha mais, com o nível interrom- calização contra ataques de especuladores de ter- pido a poluição se concentrará ocasionando do- ras. Poderá, ainda ocorrer uma vigilância em suas enças e, após algum aumento do nível das águas, áreas pelos órgãos do CHX para fiscalizar se estão por chuvas ou por liberação da barragem, aquele concentrados em suas áreas para evitar o contato material poluente em grande concentração se es- com os “muros” do canal. Haverá uma zona tam- palhará agravando a situação. pão, para evitar contatos diretos com o “muro”?

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 11 enotã-Mõ - Parte

T O modo de vida desses grupos tem a prática de O Enclave Territorial circulação na mata, para coleta de sementes, fo- 275 lhas e de caça. Os excessos de fiscalização no lago Ainda que o CHX seja fábrica de energia, com re- de Tucuruí causa transtornos aos moradores que torno social duvidoso, o básico é a distribuição são vigiados em suas práticas agrícolas e inquiri- dessa energia e não a produção de contingentes dos a não consumir domesticamente carne de caça, sociais inteiros na escuridão ou o aumento do con- enquanto algum proprietário paga uma taxa ao sumo de querosene para as lamparinas. Em um IBAMA para poder desmatar em nome de um “pro- paralelismo com a situação da fome, não é o au- jeto” agropecuário! mento da produção de alimentos que tem que ser feito, e sim uma maior distribuição da condição para adquirir alimentos, para os grupos menos Belo Monte ojeto hidrelétrico Vilas e Povoados: o peri-urbano aquinhoados econômica e politicamente. O grupo peri-urbano conhecido localizado na Ilha da Fazenda, onde se tem alguns pontos de servi- Cria-se no processo de exclusão social dos meios ços públicos como escolas, postos de saúde, posto de sobrevivência o empobrecimento e a miserabi- telefônico, botecos e, do outro lado uma corrutela lidade, típico da lógica de mercado, forma-se um conhecida como Ressaca. Esses dois pontos vizi- exército de dependentes das esmolas sociais, do nhos estão sob efeitos da des-informação, pois na assistencialismo de políticos interesseiros, entre vila Ressaca, a maior parte das atividades sócio-eco- outras coisas, a base da mais-valia da produção nômicas ligadas ao garimpo. Este dois pontos es- energética no País, exclui-se do consumo de ener- tão localizados a jusante do barramento, ficando gia elétrica grupos sociais brasileiros em prol da naquilo que a propaganda chama de área de águas produção de mercadorias consumidas pelo mer- baixas. O baixar das águas por longo tempo, em cado (nacional e internacional), onde na lógica trechos com rochas no leito do rio, aliado a um econômica do capital o que interessa na produ- conjunto humano sem condições sanitárias dignas, ção de espaços, é a territorialização dos enclaves poderá ocasionar uma epidemia de doenças trans- como meio de produção.

mitidas por insetos, e aumento de doenças Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do pr De acordo com o projeto para Belo Monte o ter- provocadas por falta de sazonalidade do rio, que ceiro ano do empreendimento é o que concentra- infelizmente, recebe algum lixo desse conjunto. rá o maior número de trabalhadores nos dez anos Para a escala de economicidade, os preços dos pro- de obra, concentrando aproximadamente 18.000 dutos poderão ser alterados para venda e deverá mil trabalhadores (o EIA prevê a migração de 90.000 pessoas à região em busca de trabalho – a viais) aliado à eutrofização (poluição por excesso população atual de Altamira e Vitória de Xingu de nutrientes que causa o crescimento excessivo foi 66.194 no ano 2000). de algas, grande consumo de oxigênio e diminu- indo a intensidade de luz nos estratos fluviais pre- judicando os peixes, e isso afeta diretamente os Questões ribeirinhos sejam índios ou não, e ainda existe a Duas questões sociais, entre tantas outras, serão poluição atmosférica com as emissões de CO2 que agravadas com o processo de construção do CHX, extrapolam os limites do Brasil pela circulação uma é a Questão Agrária para todos os envolvidos geral dos ventos, e outro problema surge, a Ama- na área do EXT, como a aquisição/formação de zônia é um sumidouro ou emissor de gases áreas para (re)assentamentos, como por exemplo, carbônicos com as hidroelétricas? o perímetro de construção da Trans-Assurini, como já foi mencionado. A outra é a Questão Urbana O rio Xingu, em especial a Volta Grande, está sen- que só com os boatos da construção do CHX, já do visado desde a década de 70 do século passado fez aumentar o número de favelados em Altamira, e, infelizmente, continuará sendo enquanto a Ele- quem sabe o que irá acontecer quando o processo tronorte tiver uma mentalidade barrageira, esta construtivo iniciar, pois atualidade a cidade não estatal tem em seus planos para o grande norte tem um plano diretor efetivo para o inchaço urba- brasileiro de produzir energia elétrica a repetição no, o que será durante o processo em curso? O de sua história de construção de barragens, um mesmo vale para Vitória do Xingu. Os exemplos monolitismo obtuso que comprovadamente agra- do passado mostram que ao instalar um canteiro va problemas sociais, econômicos e ecológicos. de obras desse porte o poder dos prefeitos se en- Trata-se de um desafio moral e ético para o Brasil, fraquece aumentando a força política dos admi- criar/produzir gerar energia elétrica com projetos

enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 11 enotã-Mõ - Parte nistradores do empreendimento conforme os in-

T e tecnologias que agridem menos as pessoas e que teresses da empreiteira e do órgão estatal, sejam direcionadas, principalmente para a melhoria 276 fragilizando os grupos populares. dos modos de vida dos grupos sociais atingidos. Uma intrigante questão relacionada ao etnoconhe- O projeto de hidroelétricas no Xingu da Eletro- cimento surge, nos estudos de identificação de norte, no mínimo - pela peculiaridade da histó- plantas, animais e de solos, para um país como o ria social da região – precisa de uma reforma agrá- Brasil que pouco conhece o potencial de sua na- ria regional, com bases sólidas para prevenir dos tureza, como serão esses trabalhos?, Só os técni- trágicos exemplos do passado da estatal e tentar cos/acadêmicos irão fazer as coletas e identifica- saldar a dívida social de obras, que aumentaram ções? Será só coletar, identificar e pronto? E se al- a pobreza e facilitaram a concentração de terras ojeto hidrelétrico Belo Monte ojeto hidrelétrico guma planta ou animal for apenas catalogado/ ao longo do entorno da obra, acrescido ao aban- identificado sem saber qual o seu uso seja como dono dos ex-funcionários e dos imigrantes que alimento ou como princípio ativo fitoterápico? não conseguiram empregos propagandeados pela Portanto o conhecimento científico não pode abrir estatal. A impressão que fica é que existe uma es- mão do etnoconhecimento de índios e campone- tratégia de marketing direcionado para os órgãos ses para combater não só a bio-pirataria como a de fiscalização como Comitê Mundial de Barra- etno-pirataria (pirataria do etnoconhecimento), gens a incorporação da Eletronorte em fazer uma pois determinado vegetal ou animal pode ficar divulgação parcial do projeto e dizer que se pre- extinto com os impactos da hidroelétrica, e nesse ocupa com as populações atingidas, vale lembrar caso o País perde um bem incomensurável, social, que a população não é homogênea, é diferencia- econômico e eticamente importante. da em classes. Acrescenta-se a isso os estudos de poluição, como Se a esperança existe, infelizmente o medo tam- o assoreamento dos rios (controle das margens flu- bém se faz presente.

Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do pr Bibliografia

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enotã-Mõ - Parte IV - Capítulo 11 enotã-Mõ - Parte

T 277

ojeto hidrelétrico Belo Monte ojeto hidrelétrico

Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do engodo do pr Pedro Martinelli/ISAPedro

PARTE V Outro Futuro: não barrar rios nem gente, que valem e valerão por si Capítulo 12

Conhecimento crítico das mega – hidrelétricas: para avaliar de outro modo alterações naturais, transformações sociais e a destruição dos monumentos fluviais1 Oswaldo Sevá

Preliminares: que destaca as situações críticas, de crises que sem- O viés aqui assumido é empregar um glossário mais pre eclodem em tais processos de decisão e de amplo e mais preciso do que o jargão oficial e em- implementação de mega-obras. Por isto, vem sen- 281 presarial do meio “barrageiro”; chegamos a evitar do um conhecimento falsamente assimilado a opi- expressões muito utilizadas nas etapas de licencia- niões, e apto a ser desqualificado e fustigado na mento ambiental dos projetos. Com isto, a inten- mídia, nos eventos públicos onde se debate tais pro- ção é fortalecer a acuidade, a lógica, e a própria es- jetos, e também no meio acadêmico. Os quais, mídia e academia, infelizmente quase sempre valorizam tratégia das argumentações questionadoras sobre os o pior conhecimento sobre as hidrelétricas: aquele mega - projetos de engenharia. Pensando no mote que as toma como fontes do orgulho da razão hu- “da hora”, nas lutas que estão hoje na pauta do au- mana, e que considera suas conseqüências quase tor e de tanta gente mais, o texto ajuda a repudiar a sempre como benignas. implantação de obras nos rios ainda não barrados, dentre eles os mais ameaçados, o Araguaia e o Xingu, casos que são mencionados ao final do artigo. Nos estudos de hidrelétricas: problemas Do quê estamos falando afinal? De mega-hidrelé- sérios, bem mais que “impactos” tricas, destas ou quaisquer outras que, se forem Além dos problemas específicos de Geologia e de licenciadas pelas agencias ambientais, se forem Hidrologia, de Engenharia civil, Mecânica e Elétri- viabilizada em termos políticos e financeiros, tra- ca destas grandes obras, (que costumam ser obje- rão alterações de grande porte e transformações radicais. tos de numerosos relatórios, estatísticas, pareceres, Falamos de um conhecimento acumulado e valio- notas técnicas, memoriais, laudos, alguns deles apre- so de tantos participantes e estudiosos destes pro- sentados em seminários, workshops, congressos, blemas típicos das mega – usinas hidrelétricas, de exposições, etc), fazem-se também pesquisas sobre sua realidade objetiva, e de seus enredos históri- os problemas ambientais e sociais nas áreas das usi- co, humano e político. Conhecimento que vem nas hidrelétricas. Durante os últimos vinte anos sendo pouco utilizado, posto de lado, deliberada- nessa atividade de pesquisa, encontramos vários mente omitido, durante os procedimentos atual- desses estudos que merecem ser comentados2 mente adotados no Brasil, nas etapas de inventá- Comecemos pelos antecedentes: os próprios coman- rio, de licitação, de projeto, de viabilidade técnico dantes “barrageiros”, o pessoal técnico e os dirigen- - econômica e de licenciamento ambiental. tes das grandes empreiteiras e dos grandes fabri- É claramente um conhecimento crítico, que faz a cantes de equipamentos para usinas hidrelétricas, crítica das concepções adotadas por empresas e go- demonstram preocupações e patrocinam e estimu- vernos, e das disposições dos agentes envolvidos, e lam o intercâmbio de uma parte das informações.3 Na mesma época, meados do século XX, criou-se O Brasil se tornou um dos expoentes da hidrele- uma espécie de sindicato patronal de empresas tricidade mundial nos anos 1980, quando foram “barrageiras”, a ICOLD, International Commission on inauguradas algumas mega - obras cujas conse- Large Dams. Começaram a se multiplicar as confe- qüências logo atraíram uma romaria de estudiosos, e rências internacionais técnicas e científicas, das cujas belezas são admiradas por grupos de turistas quais participavam vários grupos de pesquisa atu- em geral desavisados.6 Dentre as complicações mais ando em obras, ou usinas já prontas, consideradas freqüentes estão as conseqüências desastrosas por “problemáticas”, tanto em países da Europa e da ocasião de manobras de fechamento de compor- América do Norte, como também na América do tas, no enchimento da represa, e nas paradas e Sul, na África e na Ásia. partidas de turbo - geradores; por exemplo, um Não só os gerentes do setor elétrico e os acadêmi- rio enorme seco por dezenas de km, o Tocantins cos, mas também jornalistas, escritores e cineastas em 1998, quando fecharam as comportas da usina punham as hidrelétricas na berlinda, elogiando ou de Serra da Mesa, GO; no Lajeado, TO três anos criticando. As epopéias e os dramas das obras tor- depois, uma mortandade de peixes jamais vista a naram-se matéria prima de documentários de épo- jusante da barragem, e a principal praia da repre- ca e de filmes nos EUA4 e também no Brasil.5 sa interditada por motivos sanitários. Pouco conhe- cida, pois na época, 1988, foi abafada pela empre- Pelo mundo afora, nos grandes e pequenos rios, sa CHESF, houve uma verdadeira mortandade muitas hidrelétricas passaram para a condição de humana: 88 pessoas faleceram com diarréias agu- antiexemplos, ou mesmo, de obras malditas : das, dentre as 2.392 pessoas intoxicadas, residen- tes na beira da represa recém-formada de Itaparica, QUADRO SINÓTICO 1 que alagou municípios da Bahia e de Pernambuco, Algumas das hidrelétricas consideradas como 7 antiexemplos por causa de problemas ambientais ali sepultando a cidade de Petrolândia.

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T graves ou de acidentes catastróficos No Brasil, nos anos 1980, os primeiros agrupamen- , no rio Nilo, no Norte da África, * a obra de Assuan tos de moradores rurais duramente atingidos por 282 atingindo partes milenares do Egito e do Sudão, de- sestruturando o povo Nimba, nativo, quase isolado, e obras de hidrelétricas foram incentivados por pa- provocando até mudanças negativas na agricultura de dres católicos, às vezes os bispos, mais os pastores vazante e na fertilidade pesqueira do delta do Nilo; luteranos, e agentes de entidades ligadas às religi- * a de Kariba, entre as atuais Zâmbia e o Zimbabwe, ões, como a CPT; tiveram a presença ativa de sin- (Cone Sul da África) no rio Zambèze, feita na época dicalistas militantes das entidades filiadas à confe- em que as duas Rodésias eram possessões britânicas,- para abastecer instalações de mineração e de metalur deração nacional CONTAG e ao DNTR Departa- gia do cobre e do cromo, registrou grandes prejuízos- mento Nacional de Trabalhadores Rurais da en- para os agricultores e criadores das margens, um sur tão recente CUT. Desde 1989, começou a ser for- to rápido de pesca e depois um declínio longo;

o modo alterações naturais, ... mada uma federação nacional de “atingidos” [aí * a de Akosombo, no rio Volta, feita para fornecer ele- tricidade quase exclusivamente para uma fundição de compreendidos os moradores, sitiantes, posseiros alumínio no litoral atlântico do Ghana, na África Oci- e trabalhadores rurais e volantes das áreas já atin- dental, dividiu o país e vários tribos em duas metades, gidas e dos locais ameaçados pelas conseqüências de levando à desorganização agrícola e colapso do abas- projetos anunciados de hidrelétricas], hoje conhe- tecimento alimentar durante muito anos depois do en- chimento da represa; cido como MAB – Movimento dos Atingidos por , nos EUA, que fez o * a obra fracassada de Teton Dam Barragens. chão tremer durante as etapas de construção, e mes-

elétricas: para avaliar de outr mo assim, se insistiu em terminar a obra; a barragem Nos anos 1990, formou-se uma Comissão Mundial colapsou e se destruiu durante o enchimento, com sobre as Barragens, a WCD - World Comission on Dams, uma enxurrada de detritos e rochas arrasando fazen- que começou a aglutinar as muitas informações acu- das e moradias rio abaixo; muladas em vários países, sobre os problemas de Vajont, nas montanhas da * a tragédia da represa de tais obras. 8Temos aqui uma amostra de um razoá- Itália, atingida por avalanche provocada por terremo- to, e extravasando sobre a crista, destruindo tudo rio vel acervo histórico e científico, onde se registra um abaixo, incluindo vilarejos e matando seus habitantes; acúmulo de eventos marcantes; é a análise deste , igualmente atingi- * a tragédia da represa de Yungay acervo e destes eventos que permite qualificarmos da por ondas formadas por avalanches despregadas as maiores probabilidades de ocorrência de proble- da neve eterna da Cordillera Blanca, Andes Peruanos, mas, mesmo em obras que ainda não existem, que e que destruíram essa barragem, e junto, uma cidade

Conhecimento crítico das mega – hidr próxima com 50 mil moradores, muitas pontes, e uma ainda são projetos. Portanto o interesse deste co- outra barragem, tudo pelo caminho até na planície nhecimento histórico e desta memória social não é costeira do Oceano Pacífico, de cujo subsolo um ma- meramente acadêmico, nem serve somente para fins remoto iniciara todo o mecanismo de destruição. de militância; e sim, contém muito de advertência quanto aos erros e O “paliteiro” das árvores morrendo na represa de Samuel, (aprox. 650 km2) operacional, tem es- aos acertos. Pois no rio Jamari, afluente direito do rio Madeira, em Rondônia. treitas correlações Usina da Eletronorte, com 215 Megawatts instalados. bem, apesar disto, Oswaldo Sevá com o ambiente lo- este conhecimento e cal e regional, é esta memória são em bom registrarmos e geral ignorados pe- enfatizarmos que los projetistas e pro- estamos retomando ponentes de tais algo que é um dos obras, pela agência principais focos do ANEEL (que deveria conhecimento hu- regular o melhor mano, desde sem- possível não só os ne- pre e em todos os gócios da eletricida- lugares: a Natureza, de, mas os recursos suas variações, e o que fluviais e as relações podemos ou não fazer envolvidos por esta com ela. forma tão particular de energia); conhe- Por isto, propomos cimento e memória recuar um pouco desprezados ou, até na flecha do tempo mesmo combatidos da História, ampliar doutrinariamente e depois concentrar pelos elaboradores o foco geográfico da análise, e relem- dos tais EIAs e pelos V - Capítulo 12 enotã-Mõ - Parte

T aprovadores das li- brar conceitos mar- cenças, nos órgãos cantes na constru- 283 de governo federal e ção das ciências. Ao estadual. acompanhar de for- ma minuciosa os Os cidadãos prejudi- movimentos do cados e os patrimô- mundo físico, as nios naturais e construídos que serão destruídos matérias e a sua movimentação no tempo e no pelas obras, são vistos nos estudos e pareceres des- espaço, e as várias fases de um corpo ou de siste- ta gente guiada pela razão hidrelétrica cega, como ma que evolui, e ao tentar nomear as variáveis e “interferências” em suas obras; o fato de existirem colocar em equações as variações observadas – o modo alterações naturais, ... pessoas a serem respeitadas e patrimônios a serem os cientistas definiram duas possibilidades de defendidos é para eles um “entrave”. Quase todos observação sistemática de algo que passa e de algo eles, dentro e fora das empresas e dos governos, se que se desloca: 1) ou se está parado num ponto especializam em emitir pseudo contra - argumen- e vai se registrando as variações de tudo que passa tos, respostinhas fáceis9. Creio ser mais salutar que, naquela seção ou naquele volume observado, diante de um mega – projeto, que é logicamente destrutivo, não fiquemos inutilmente fazendo e como se fosse um olho mecânico de um hipó- dromo, ou, como fazem os olhos de um juiz de relendo check - lists dos impactos, que às vezes se elétricas: para avaliar de outr parecem mais com um necrológio do quê vai mor- voleibol sobre a rede – ou então 2 ) monta-se so- rer e desaparecer daquele trecho do mundo. En- bre um corpo que se desloca e vai se medindo caremos de frente, isto sim, o fato de que uma tudo o que acontece ao longo do trajeto, como é o pon- mega- obra provoca uma alteração de grande porte na to de vista do cavaleiro na pista; ou, como seria Natureza e uma transformação radical na sociedade. É filmado por uma câmara acoplada à bola de vô- o que veremos a seguir. lei.10 Posteriormente, outro grande físico, Heisenberg, demonstrou a existência lógica das incertezas, pois o fato de mensurar altera o quê Alteração. Quando a natureza se torna ou- está sendo mensurado, e estabeleceu um raciocí- tra coisa nio fundamental: haverá sempre, para cada de- Conhecimento crítico das mega – hidr Para iniciar o estudo sério de algo tão complicado grau que se avance no rigor de uma medida, um como uma grande obra de engenharia que, ao ser novo acréscimo de incerteza quanto ao compor- construída, e depois ao longo de sua fase tamento real do sistema que está sendo medido. Pois bem, adotamos aqui a expressão Dinâmica Radicalismo. Quando a sociedade se trans- Natural para designar: uma série de ciclos dos ele- forma radicalmente mentos químicos, dos compostos que se deslo- Nas mega-obras, não somente se obriga a Nature- cam de um meio a outro, como o ciclo das águas za, uma sua parte, um subconjunto que seja, a ser e o ciclos biogeoquímicos – trajetórias de cada de outro modo, a ser outra coisa, mas a sociedade elemento, composto, de suas moléculas e mate- que ali vive...Tornar-se-á outra! riais que passam do meio físico para os seres vi- vos e que se re-combinam ou se decompõem, e Poderíamos usar aqui a expressão Dinâmica So- que podem ser chamados genericamente de Ci- cial, incluindo em nosso estudo os deslocamen- clos Vitais; e – ao mesmo tempo – as sucessões dos tos e as permanências, numa dada região, de de- estados geofísicos, dentro ou fora da crosta terres- terminados grupos sociais, e os processos históri- tre, dentro ou fora das massas de água, nas cos que se desenrolaram em um determinado interfaces, nesta ou naquela camada da atmosfe- território. Para se ter uma noção de conjunto e ra, em estado sólido, líquido, gasoso, etc; e as das tendências, devíamos pensar na Dinâmica sucessões dos estados termodinâmicos, aumentando Social no âmbito dos países e dos Estados nacio- ou diminuindo os fluxos de massa e de energia, nais, e, já que estamos no Brasil, pensar nesta di- de forma mais ou menos organizada, com maior nâmica dentro dos Estados de uma federação e ou menor capacidade de ainda realizar trabalho, entre eles. 11 esquentando ou esfriando. . E justamente esta No caso das grandes obras de engenharia que se Dinâmica (se não ela toda, certamente muitas de concretizam, estamos tratando de transformações suas partes, trechos do planeta, regiões e locais, radicais desta dinâmica social. Enquanto os chama- alguns ciclos determinados), que está sendo sim- dos recursos [o solo, as terras, as águas, os minéri- plesmente alterada, no sentido estrito da pala- os, a vegetação, o patrimônio genético e biológico

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 12 enotã-Mõ - Parte T vra, está se tornando uma outra coisa, “alter”. das plantas e dos animais] se encontram numa 284 Como vivemos sob a implacável incerteza, esta dada situação, existem n rotas de possibilidades de alteração ocorre mesmo que não esteja sendo evolução futura. Quando chegam os mega – pro- medida, e que não possa ser medida em todos os jetos, são reduzidas as possibilidades a uma só, ou, seus aspectos. a um uso tão dominante que os demais usos ficam como “sobras”, magras compensações diante da QUADRO SINÓTICO 2 prepotência da atividade. Fatos, mecanismos e ações que desencadeiam ou induzem alterações São faces da mesma atitude radical: o rio, entida- da Dinâmica Natural de física, biológica, vital, de muitas serventias, é Os episódios telúricos agudos, como os terremotos e visto pelos fanáticos da eletricidade apenas como o modo alterações naturais, ... erupções vulcânicas, os ciclones e tufões, os grandes uma jazida de Megawatts; a sociedade local não incêndios de origem natural, as longas secas e as chu- vas excepcionais, mais: passa de uma “interferência”, quando não empe- *a coleta, caça e pesca excessivas, o extermínio de cilho, diante do projeto onipotente. espécies, dos seus nichos, e/ou Claro que as sociedades sofrem transformações *a introdução e a disseminação de vetores patológi- mesmo que não se implantem mega - projetos, pois cos e de espécies exóticas ao local, e/ou transformações sociais têm n causas distintas. Se *retirada da cobertura vegetal e sua substituição por terra nua, áreas construídas, monoculturas, e/ou houver um ou mais mega-projetos em jogo, o radi-

elétricas: para avaliar de outr *feridas, cirurgias e destruições no território e nas calismo de novo se mostra, pois as transformações interfaces terra – água, e/ou decorrentes dos projetos e das obras se concatenam e se * retiradas e bombeamentos excessivos de água, e/ impõem como razão principal ou até única, sobre ou as demais transformações da mesma sociedade. * canalizações, dragagens e aterros de áreas Quais causas e quais processos de transformação inundáveis, desvios de rios, e/ou radical poderíamos identificar no desenrolar dos * transposições de água entre bacias, barramento de investimentos de grande porte, por exemplo, nos rios, criação de represas e de “lagos”...mais: projetos de mega - hidrelétricas? *introdução de compostos químicos em concentra- ções muito superiores às naturais e/ou com teores • São engrenagens formidáveis de acumulação de bem acima dos teores suportáveis pelas formas vivas Conhecimento crítico das mega – hidr capital e de mobilização de força de trabalho, expostas à contaminação, de dimensões relevantes em comparação com a *introdução de compostos fabricados não encontra- dos na natureza, inclusive os de alta radiatividade. própria economia nacional; algumas se tornam rapidamente e permanecem durante alguns anos os principais focos concentrados de comércio e serão afogados até qual cota de altitude. A acumu- de emprego no país. lação de capital em poucas mãos se instrumenta por meio de negociações entre partes desiguais; • Criam -ou sobrepõem aos núcleos urbanos pre- os que acabam sendo prejudicados são muitos.Mas cedentes - suas próprias cidadelas operárias, com são individualmente fracos, envolvidos a contra - sua segmentação visivelmente autoritária, deli- gosto em transações forçadas; pessoas, famílias e beradamente injusta, desde os alojamentos de até cidades inteiras sendo objetos de logro, de trai- solteiros dentro dos canteiros, e os cortiços e pen- ção, de ameaças. sões improvisadas nos “beiradões”, cidades livres do outro lado do rio ou do alambrado, até os Informação privilegiada, desigualdade notável nas ne- confortáveis hotéis de trânsito, e os clubes e sa- gociações, poder de fogo, estas são marcas de um pro- lões exclusivos para os executivos e os engenhei- cesso conhecido como acumulação primitiva, com ros; lá dentro, tudo carregado de regras de com- os métodos típicos da expropriação de bens materi- portamento, bem policiado, com numerosos in- ais e simbólicos das pessoas e das comunidades.12 formantes circulando; lá fora, a selva sem lei, os A cada canteiro de obras, a cada usina pronta, in- agenciadores e oportunistas fazendo o que que- troduz-se para “sempre” novas noções e novos va- rem com os milhares de desempregados, expul- lores da mercantilização total das terras, sos da terra, peões itinerantes tentando obter benfeitorias, patrimônios, e por fim, a mercantili- alguma migalha. zação da própria força de trabalho e de muitas Portanto, as mega - obras são campos de ação dos inte- relações sociais; sempre bem diferenciada, de um resses de classes e de grupos sociais, cenário de disputas modo promissor e lucrativo para alguns e de ou- de oportunidades de lucros e de exercício de po- tro modo, corrosivo e desestabilizador para os de- der em âmbito extra-local e extra-nacional, por cau- mais. O investimento em si, o avanço de capital

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 12 enotã-Mõ - Parte sa da cadeia financeira e produtiva da obra e nas nas contratações e nas compras cria novas oportu- T suas duas pontas – a de fornecimento durante a nidades de negócios assanhando as contas feitas 285 construção e a de despacho de eletricidade depois nos gabinetes das direções financeiras e industri- de pronta e operacional, ou seja, na etapa de reali- ais. Descontadas as partes polpudas de pagamen- zação da mercadoria a ser produzida. Dentre tais tos feitos para grandes fornecedores de equipa- competições e coligações entre interesses distintos, mentos pesados e materiais especiais, ainda have- chama especialmente a atenção uma série de dis- rá um bom fluxo de dinheiro novo para os negóci- putas sobre o próprio projeto, onde será feito, se os locais. A circulação local de uma grande parte pode ser alhures ou não? Quem contratará servi- desta massa salarial alimenta quase tudo no entor- ços? Quem será empregado? Quais as cotas (altitu- no, de farmácias e botecos a prostíbulos e lotéricas, des) e locais atingidos? E sobre as indenizações e e ainda vai sobrar uma parte para as remessas que

o modo alterações naturais, ... preços de aquisição de glebas de terra e de fazem os dali para suas famílias de origem, lá lon- benfeitorias, sobre o licenciamento, sobre as com- ge, e outra parte para os pequenos investimentos pensações. Uma transformação radical, já vivida em que peões ou engenheiros do canteiro ou comer- outros locais e em outros tempos da história, é ex- ciantes da cidade próxima possam fazer alhures, pressa por uma seqüência que podemos chamar de numa fazendola, ou numa casa na capital. Dentro um surto de acumulação capitalista, um tipo de espas- do alambrado, para dentro das guaritas, a nova mo, rápido e intenso – vários anos nas obras meno- lógica é o assalariamento de grandes contingentes. Em

res, uma ou duas décadas nas maiores. elétricas: para avaliar de outr poucos anos, temos já os ingredientes básicos de Os surtos econômicos e as várias “famílias” de obras uma sociedade organizada a partir das empresas capi- similares, primeiro ferrovias, estaleiros e portos, talistas e entorno delas. canais, pontes, túneis, depois as barragens, os gran- Qualquer que fosse a sociedade que ali vivia antes des eixos de transporte e de comunicação, as mega disto virou o quê virou. Visto depois de pronto, pare- – fábricas, refinarias, montadoras de veículos vão ce um fatalismo: assim foi porque tinha que ser. Quan- demarcando os ciclos de acumulação ao longo dos do analisamos um conjunto de obras, num certo quase três séculos que está durando este sistema período da história do país, feitas ao mesmo tempo político e econômico. em diversas regiões, fica a certeza de que elas vêm

Uma boa parte destes surtos e ciclos é baseada em junto com métodos de conquista política e de colonização Conhecimento crítico das mega – hidr informação privilegiada: p.ex. alguns sabem antes cultural por parte de grupos e de valores externos, dos demais qual a posição do eixo do barramento “de fora”, visando à ampliação de sua hegemonia naquele ponto preciso do rio, quais os terrenos sobre as sociedades existentes na região.13 O “buracão” principal do canteiro de obras da Casa de Máquinas e paredão de concreto da barragem de Itaparica, no rio São Francisco, PE/BA(foto de 1985). Usina inaugurada em 1988, capacidade máxima 2.500 Megawatts. Oswaldo Sevá

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 12 enotã-Mõ - Parte

T 286

Entenda-se: vieram para mandar e viver do jeito que prático, social, que define a vida de tanta gente, vai estão acostumados e gostam! Só não podem é ad- seguindo o sentido das correlações de força, que, miti - lo abertamente. Em cada grande obra destas, de qualquer modo, vão sendo violentamente modi- joga-se uma partida decisiva na rodada dos emba- ficadas, dado o poderio dos quê “vem de fora”. Os tes políticos fundamentais: a missão que os empre- objetivos desses novos patrões vão também sendo endedores fantasiam como fonte de emprego e adaptados para a fase posterior, o “day after”, quan- única via de progresso, não veio para libertar nem do a obra acabar e a mega – usina funcionar. Se o o modo alterações naturais, ... para consertar dramas antigos, veio para constran- objetivo é de longo prazo; quem vem para mandar, ger, intimidar, e sempre que possível disciplinar. Em vem por um longo tempo. geral resultará um rebaixamento dos direitos das pessoas ali na região da obra, em comparação com os direitos efetivos, embora sempre fustigados, das Outro olhar, outra linguagem. pessoas que estão em lugares mais antigos, com um É disto que se trata quando avaliamos e debatemos maior histórico de lutas anteriores, mais conectados com seriedade um mega - projeto de engenharia:

elétricas: para avaliar de outr ao mundo moderno. Os mega - projetos são feitos se for feita a obra prevista, a Natureza será outra; pro- de eventos politizados, pois se misturam com a políti- por a obra, apoiá - la, é um ato político; se implantada ca convencional partidária, dos cargos da máquina a obra, a sociedade sofrerá transformações radicais. estatal e com a política interna das empresas; são É disto que não tratam os tais estudos de “inserção também eventos “mediatizados”, com grande ênfa- regional” e de “avaliação de impactos”, porque não se na assessoria de comunicação, e nas réplicas às podem tratar. Pois criam seu próprio linguajar de críticas mais comuns. Pode ser até que tenham objeti- aparência neutra e ponderada, cuja função justa- vos políticos elaborados previamente em grupos fecha- mente é a de negar o ato político, a de ocultar a dos, e obviamente não declarados nem assumidos. alteração da Natureza e a transformação radical Mesmo que empreendedores e governos não tenham da sociedade.

Conhecimento crítico das mega – hidr tais objetivos políticos antes de ser lançado o projeto, eles vão sendo construídos durante, no redemoinho Por isto, o conhecimento crítico exige que se reajus- dos grandes canteiros de obra no calor da luta te o enquadramento, a nitidez e a luz dos estudos em várias frentes, nas brechas da lei. O resultado prévios e posteriores a cada obra: o quê é novo? De tudo que decorre e que pode decorrer, o quê é destacamos os fatos, os eventos, as situações, os conhecido? Precisamos isto sim, saber com bastan- dramas, a história do mundo real e de seus simbo- te minúcia e com a devida aderência à realidade: lismos, o quê aconteceu, acontece e pode acontecer...e os o quê se passa e o quê pode se passar com um sis- agrupamos de maneira não convencional, mas que tema hídrico inédito? quais as conseqüências, as consideramos mais apropriada para uma análise rupturas, os riscos e a degradação? o quê forma, cientifica, técnica e política dos problemas das em cada local, este conjunto de processos que cha- mega – hidrelétricas16 mamos de alteração? como algo que existe e fun- ciona de uma certa maneira, vira outra coisa? Lembranças da destruição monumental nos Nossa proposta começa por agrupar os eventos e maiores rios brasileiros problemas das mega – hidrelétricas, separando São belas palavras que sempre acompanham as bem as conseqüências intrínsecas de cada obra (uma obras de engenharia, p.ex. o setor empresarial se barragem obviamente é feita para barrar o rio e formar uma represa; quem a faz tentará acumular autodenomina “construção civil”. Sabe-se bem que o fluxo que chega, e tentará regular o fluxo do rio o canteiro de obras é uma sociedade militarizada daí para baixo) - dos riscos de eventos hidrológicos e que muitas atividades são uma verdadeira opera- e geológicos que podem acontecer em muitas ção de guerra. Alguns se enquadram como “cons- obras, e que já aconteceram em várias delas. trução pesada;” pelo menos, admitem o peso. E também procurando - se qualificar as várias O quê resulta destas obras é mais do que uma nova descontinuidades, inclusive as rupturas marcantes na construção, na realidade é um novo relevo naquele organização territorial e sócio econômica anteri- trecho do planeta: um ou mais paredões, prédios or, identificando-se as inflexões e mudanças até na de concreto, uma represa. O quê existia antes, 14 nestes milhares de km quadrados de terreno V - Capítulo 12 enotã-Mõ - Parte

estruturação demográfica e étnica de uma região. T E ainda, buscando-se avaliar ao longo dos anos, as submerso pela represa foi destruído; a empresa repercussões da operação das turbinas e das compor- deveria se chamar empresa de destruição civil? ou 287 tas, na dinâmica do reservatório e na dinâmica do seria militar? rio abaixo da barragem. Retomemos aqueles mé- Foram destruídos diretamente pela escavação e todos essenciais de observação da dinâmica natu- detonação de rochas, ou ficaram sepultados sob ral, busquemos identificar a mudança do que se aterros e muros, ou sob a água da represa nume- vê passando diante dos olhos, - onde era um vale, rosos e valiosos trechos dos rios, barrancas, mar- agora uma represa...e identificar a mudança do que gens, corredeiras e saltos, praias, várzeas e até ver- se vê acompanhando os fluxos, que antes se deslo- tentes dos morros e serras próximas. cavam por causa de fatores naturais e agora são em parte gerenciados. Patrimônios, casas, vilas, cidades foram destruídas, o modo alterações naturais, ... junto com várias paisagens monumentais dos mai- A cada caso, temos algo novo, único: a dinâmica ores rios deste país. Mas, diriam os otimistas: ain- de um sistema hídrico inédito naquele local, pois a da há muita coisa ainda não destruída! Vejamos: represa fica sobreposto ao eco-sistema fluvial alguns locais atraentes nos rios de menor porte, anterior; habitats foram destruídos e outros fo- mas acessíveis, mobilizam levas e levas de turistas ram reconstruídos; a nova entidade geográfica que se deslumbram e fazem suas fotos no Salto de fica sob algum grau de controle humano, em- Itiquira, em Formosa, GO, num formador do presarial, que tenta gerenciar os acúmulos de elétricas: para avaliar de outr Paranã e Tocantins, no Véu da Noiva do rio água e as vazões liberadas por meio das turbinas Coxipozinho, MT, afluente do Cuiabá, formador e dos vertedouros. do Pantanal, e também no Caracol da Serra Gaú- Neste mesmo sistema surgem e evoluem proces- cha, na alta bacia do rio Caí, afluente do Guaíba, e sos de degradação que são claramente importados nos lindos canyons da Serra Geral no extremo Sul de outras áreas, ou seja, que decorrem de ativida- de Santa Catarina, os Aparados da Serra. Mas, olhan- des e de eventos acontecidos na chamada “bacia do bem, os poções lá embaixo vão se enchendo de de montante ou de captação” daquela represa, em areia e a água pode não estar limpa, por causa de todo o terreno drenado pelas águas que vão dar cidades, da agricultura e do próprio turismo rio

naquela represa, - a qual resulta ser uma “vítima” acima. Vejamos então os grandes rios brasileiros, Conhecimento crítico das mega – hidr de problemas ambientais passados e em curso que sublinhando alguns pontos de maior beleza e de afetaram os terrenos e rios que ficam na região usufruto pela população, os que sobraram e os que acima do barramento. 15 Por enquanto, apenas ficaram sob a água das represas: Bacia do Paraná (MG, SP, GO, MS, MT, PR, SC, moravam umas cinqüenta mil pessoas, brasileiros e RS; Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia). paraguaios, mais as aldeias de sobreviventes da na- A segunda maior bacia fluvial do continente é a que ção Guarani, os Mbyá e os Nandeva, que foram des- tem mais rios barrados, a maioria na parte monta- locados compulsoriamente em 1982, para um local nhosa brasileira (Mantiqueira e os degraus do Pla- difícil, com água ruim, erosões e pragas, e só tive- nalto Central), uma pequena parte nas vertentes ram sua reivindicação atendida de uma nova terra andinas, na Bolívia e na Argentina, e as duas maiores boa para a aldeia, em 1997.18 obras já no último degrau antes da planície platense Bacia do rio Iguaçu, PR, SC; Argentina. (Itaipu e Yaciretá-Apipe). O rio Grande e seus forma- Este rio não está intacto e suas variações de vazão não dores estavam na cobiça dos capitalistas da eletricida- se comportam mais como as variações naturais de al- de desde o começo da era da eletricidade: além de guns séculos atrás, quando obedeciam estritamente vazões tropicais de bom calibre para turbinar, a bacia às mudanças sazonais de clima e de chuvas caindo do alto rio Grande dispunha de desníveis de bom sobre uma bacia quase toda florestada. Ainda prosse- tamanho para os projetistas. As nascentes dos seus guem os surtos de intenso desmatamento e de ocu- formadores acima de 2.000 metros na parte mineira pação agrícola; as águas do Iguaçu recebem a carga do maciço de Itatiaia/Agulhas Negras, formam vales da poluição metropolitana de Curitiba e da intensa suspensos amplos, em patamares entre as cotas 1.500 mineração de areia, argila e rocha calcária em suas e 600 metros, e que se fecham em boqueirões rocho- cabeceiras; a cem km dali, na região de São Mateus sos, por onde o rio se aperta e cai em degraus e saltos. do Sul, o rio sofre os efeitos da exploração mineral Daí se explicam as razões técnicas das grandes obras em larga escala, e do processamento do xisto feitas no rio Grande em meados do século, as usinas betuminoso nas instalações da Petrosix. Rio abaixo de Camargos, na região das cidades históricas São João foram construídas cinco grandes hidrelétricas – del Rey e Tiradentes, que hospeda também um pólo batizadas, exceto uma, com os nomes dos saltos e uma

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 12 enotã-Mõ - Parte

T minero – metalúrgico, e de Furnas, perto das cidades garganta que foram sepultados: Salto Grande do Iguaçu de Passos e Formiga. Dali até que o rio Paraná se for- (Usina Foz do Areia), Segredo, Salto Santiago, Salto Osório, 288 me, na altitude de 250 metros, na pontinha do Salto Caxias). Suas potências somadas chegam a seis Triangulo Mineiro, são algumas centenas de metros mil Megawatts; suas comportas e reservatórios são ope- de desnível do segundo maior rio da América do Sul, rados pela estatal paranaense Copel e pelo grupo eu- e de seus principais afluentes - o quê certamente in- ropeu Suez / Tractebel, que adquiriu o segmento gera- fluenciou muito o seu destino de ser hoje o maior rio ção da estatal Eletrosul. A água turbinada cinco vezes, barrado do mesmo continente.17 com a vazão engrossada diluindo a poluição e o bar- Lembremos dos casos mais conhecidos: a usina de ro da erosão, chega enfim nas famosas Cataratas do Furnas é um símbolo do espírito progressista dos rio Iguaçu, um pólo turístico fortíssimo, cenário dos

o modo alterações naturais, ... governos JK (em MG e depois na Presidência, nos mais filmados e fotografados em todo o mundo. anos 1950) e abriu o caminho para as mega - obras Rio São Francisco ( MG, BA, PE, AL, SE ). rio abaixo. Nos anos 70 e 80, desapareceram as ma- Dentre as paisagens fluviais monumentais que já ravilhas da “dupla volta grande” do rio Grande, in- foram um dia mexidas, mas hoje estão protegidas cluindo o arquipélago e a Cachoeira do Marimbondo (SP- de alguma forma, ainda se pode admirar rarida- MG). Na mesma época, ali por perto, foi sepultado des como a Casca d ‘Anta, uma fenda de 200 metros pela represa o canal de São Simão onde o rio na muralha rochosa da Serra da Canastra, MG, por Paranaíba já formado caía dentro dele mesmo, em

elétricas: para avaliar de outr onde despenca o rio São Francisco. uma longa fenda longitudinal (fronteira GO-MG). Mais acima se acabou a Cachoeira Dourada. Nesse mesmo rio, dali para baixo, até a sua foz, está quase tudo mexido e sob intervenção técnica: Mais abaixo, com o Paranazão já formado, muitos no Salto de Pirapora, alguns pequenos diques fo- tiveram, até o verão 1982 - 83, a chance de ver, ou- ram feitos para os banhistas, mas a vazão fica total- vir e sentir a grandeza do maior monumento deste mente dependente da grande represa da usina de rio – as Sete Quedas de Guaíra, PR-MS, por onde des- Três Marias, MG. pencavam na cheia mais de vinte mil m3 de água / segundo. As Sete Quedas foram riscadas do mundo Mais perto do final do Velho Chico, os antigos pelo efeito da insanidade da aliança entre ditado- saltos do Sobradinho (BA) e de Itaparica (BA – PE)

Conhecimento crítico das mega – hidr res militares, financistas e empreiteiros, que engen- estão submersos por represas (a de Sobradinho é a drou a Usina de Itaipu. As Sete Quedas estão sub- mais extensa do país, com 420.000 hectares); as mersas dentro da represa formada, que pode ter fantásticas cataratas e gargantas de Paulo Afonso estão mais de 3.500 km2 de área, ou 350 mil hectares, onde bastante modificadas pela moderna engenharia. Salto casca d’Anta rio São Francisco, Fernando Farias Sevá

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T 289 A usininha pioneira da Pedra (Delmiro Gouveia (AL, extensos; no “pico” das cheias de março de 2004, as por volta de 1905) tirava uma pequena derivação cidades ribeirinhas até Propriá, Porto Real e Pene- do rio antes das quedas e turbinava a água numa do ficaram sob a ameaça de grande enchente, por casas de força incrustada no penhasco. Quarenta causa da abertura das comportas dos vertedouros anos depois, fizeram um longo dique na margem da barragem de Xingó. pernambucana, e cavaram túneis e grutas com gran- des salões dentro das rochas da outra margem, para Nas bacias do Tocantins e Araguaia (GO, MT, TO, as máquinas de Paulo Afonso I, II e III; mesmo assim, PA, MA).

o modo alterações naturais, ... uma parte da vazão do rio ainda despencava livre- No rio Araguaia, além do maior “point” de pesca mente nas beiradas de uma garganta de quase 100 fluvial do país, na linha de cidades ribeirinhas de metros de altura. No final dos anos 1970, barraram Torixoréu até Aruanã (GO), ainda pode se des- acima das cataratas para fazer a usina de Moxotó (BA frutar o quê restou dos imensos banhados onde e PE), que poucos anos após, apresentou proble- fica a Ilha do Bananal, entre os Estados do Tocan- mas sérios de infiltrações e deformações nas estru- tins e do Mato Grosso. O rio Tocantins, já foi bar- turas de concreto e nos prédios da casa de máqui- rado em seu começo, na base da Chapada dos

nas. Sua represa foi acrescida de um canal que con- Veadeiros e da Serra de Santana, pelas obras de elétricas: para avaliar de outr torna a cidade baiana de Paulo Afonso, transfor- Serra da Mesa e Cana Brava; na obra do Lajeado, foi mando-a em uma ilha artificial; na bacia final do sepultada a principal corredeira do médio rio e o canal, outros túneis e tubos no paredão, para a sala ponto de veraneio mais freqüentado do Estado, a de máquinas da usina PA IV (BA). Nos anos 1990, praia da Graciosa, perto de Palmas e de Miracema. foi barrado, pela obra de Xingó (SE/ AL) o próprio “canyon” do baixo São Francisco, o maior brasileiro, es- No Pará, com a formação da represa da hidrelétri- cavado no planalto rochoso por dezenas de km, com ca da Eletronorte, já não se vê nem se ouve mais o vazões de mais de dez mil m3/ segundo no pico das rio Tocantins roncando ao longo de cem km de cheias. A agricultura de arroz alagado que havia arquipélagos, boqueirões, lajes rochosas e cavernas escondendo diamantes e metais preciosos, antes, nos dois lados da foz, em Alagoas e Sergipe, Conhecimento crítico das mega – hidr ficou prejudicada com a regulação elétrica da va- corredeiras e cachoeiras, entre Itupiranga e Tucuruí. zão do rio no último trecho, pois a planície fica tam- Foi justamente ao longo da margem direita deste bém sujeita a influencias de marés e de banhados trecho não navegável que os franceses fizeram no início do século XX, Praia da Graciosa rio Tocantins, 60 metros, poucos uma ferrovia conec- cedido pela empresa Investco km rio acima da ci- tando o transporte dade de Altamira, e fluvial desde Belém atrás dele um até Tucuruí com o “lago” que, quando transporte fluvial de estiver cheio, ocu- Marabá rio acima, pará mais de 6.000 pelo médio Araguaia km2 de superfície. e pelo médio Tocan- O projeto da usina tins. Perderam-se o hidrelétrica de Belo monumento fluvial, Monte, antes Kararaô a ferrovia, lotes do Incra, estradas poderia ter a menor vicinais, pomares, área alagada dentre benfeitorias, terras os seis (os números boas... e o país ainda variam de 430 a 1100- 2 leva um grande pre- km ), mas iria colidir juízo econômico vin- com a integridade de te anos depois.19 um monumento flu- vial de porte similar às corredeiras e degraus do Rio Rios amazônicos. São centenas de locais deslum- Negro em São Gabriel da Cachoeira, e que talvez brantes e monumentais, além das milhares de prai- seja tão monumental quanto as corredeiras da Itaboca as, saltinhos e pocinhos que o povo freqüenta, não no Tocantins, já perdidas. A Volta Grande do Xingu, temos como conhecer o quê se passa, nem como

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 12 enotã-Mõ - Parte os arquipélagos fluviais, os pedrais, as cinco Cacho-

T repertoriar. A julgar pelas reportagens da mídia e eiras, do Jericoá até a da Baleia, formam um dos 290 pelos próprios estudos de “inventario hidrelétrico” maiores monumentos fluviais do país ainda não que se fazem, sabemos que alguns monumentos flu- destruídos e pouco mexidos. viais dentre os mais intactos, menos mexidos e fre- qüentados, incluem a confluência do Teles Pires e do A análise mais pormenorizada dos problemas pro- Juruena formando o Tapajós, no triângulo das divi- váveis destes projetos daria razões de sobra para sas MT-PA-AM, e mais ao Norte, incluem no rio Ne- propor o cancelamento de Belo Monte e demais gro, o trecho encachoeirado de São Gabriel e o arquipéla- projetos no rio Xingu. Seu resultado é certeiro: go das Anavilhanas, no Estado do Amazonas. Mais mais uma vez, na história dos nossos rios, seria a para o Oeste, o “book” dos monumentos incluiria a adulteração de mais um notável monumento flu- seqüência de trechos rochosos e encachoeirados no vial; na história do povo ribeirinho, seria a trans-

o modo alterações naturais, ... rio Madeira, em Rondônia, acima de Porto Velho e formação radical de tudo o quê havia em uma so- abaixo de Guajará – Mirim, a Cachoeira Santo Anto- ciedade mercantil centrada num canteiro de obras nio e o boqueirão do Jirau, justamente ali onde os in- tipo militarizado, tocado por consórcio de mega- gleses trouxeram peões do mundo todo para fazer empreiteiras, e depois restará apenas uma mega- a ferrovia que transpunha o trecho não navegável, empresa de eletricidade (a hipotética operadora de modo a assegurar o transporte entre a Bolívia, da usina, da qual a Eletronorte seria apenas uma os Territórios do Guaporé e do Acre, e, pelo rio sócia menor) com um patrimônio fundiário e um elétricas: para avaliar de outr Madeira, até Manaus e Belém. poder político jamais vistos. Uma sociedade coman- O vale do rio Xingu. Apesar de sua grande dis- dada com mais força e, de mais longe ainda do tância dos maiores centros, e do acesso terrestre que os velhos oligarcas de Belém. até hoje bastante difícil, este vale está na mira das Existe a lei, tudo bem, e por isto devemos nos ba- investidas barrageiras desde os anos 1980, quan- sear nos preceitos da Constituição e das leis: o rio do o escritório CNEC, ligado à mega-empreiteira é um bem público, usar as águas depende de ou- Camargo Corrêa, elaborou sob encomenda da torga; se houver Terra Indígena afetada, depende Eletronorte, o seu “Inventário hidrelétrico”, que de autorização expressa dos índios e do Congres- adota o critério exclusivista de “aproveitamento so Nacional; fazer usina depende de licença ambi- hidrelétrico integral” de um rio.20

Conhecimento crítico das mega – hidr ental; desapropriar terras e benfeitorias depende Isoladamente cada projeto teria a sua cota de des- de competências legais e deve seguir padrões eco- truição; a mais extensa de todas seria a do projeto nômicos aceitáveis e rituais jurídicos...e assim por chamado Babaquara ou Altamira: um paredão de diante. Mas, ao lado do discurso legal, e às vezes, com maior peso, existe também a formação dos uma mega - adulteração, algo muito grande que valores e das opiniões. Para termos algum juízo viraria outra coisa, também muito grande, com- de valor sobre tal projeto, não é preciso nem adi- parável a uma destruição final, que não tem re- anta seguir a lei; tampouco adiantaria esperar algo torno nem medida mitigatória, nem compensa- de fato esclarecedor e participativo, em um pro- ção. Qual a compensação pelas Sete Quedas de cesso de licenciamento ambiental como são hoje Guairá, o maior desnível de todo o rio Paraná, tais processos. submersas pela represa de Itaipu? E, pelo desa- Neste assunto dos monumentos fluviais, não se tra- parecimento do Canal de São Simão no rio ta de estudar impactos, nem haveria qualquer efei- Paranaíba, MG - GO)? E da Cachoeira do Marim- to positivo do fato físico - territorial em si. Seria bondo no rio Grande?

. QUADRO SINÓTICO 3 elétricas epercussões da operação de hidr upturas sócio-econômicas, e r Conseqüências, riscos, r elétricas. C. As rupturas sócio – econômicas: Concentração das grandes de obras pes- A . As conseqüências intrínsecas das obras de hidr Rupturas na ocupação do solo Glebas e faixas abertas, arrasadas e refeitas para os can- soal de empresas e trabalhadores volantes em áreas já teiros de obras, estradas de acesso e vias remanejadas- habitadas por moradores tradicionais, ou em novos alo- por causa das obras ou da represa, ancoradouros e por jamentos ou vilas operárias. tos especiais, pistas de pouso, linhas de transmissão e- Nas áreas arrasadas por obras e nas áreas inundadas, a sub-estações; a alteração radical do relevo e da cober destruição de bens agrícolas de proprietários e de co- tura: onde era terra, mato, pasto, variado, com desní- munidades: matas, bosques, pomares, culturas e de veis, agora é um plano d’água. todos os patrimônios construídos e naturais num de- A interrupção do rio é quase sempre a interrupção dos terminado perímetro, destruição parcial e glebas de cardumes na migração usual e na piracema; o manejo terras remanescentes no entorno.

ritorial, somando V - Capítulo 12 enotã-Mõ - Parte das vazões para o trecho abaixo da barragem, pode Re-ordenamento fundiário e ter T resultar nos episódios extremos de enxurradas ou de glebas dentro do perímetro alagado, nas áreas de can- ressecamento completo da calha; acima da barragem, teiros e de extração de materiais, nas faixas de estra- 291 a submersão de todas barrancas e terras ribeirinhas in- das de serviço, remanejamentos de vicinais, e nas obras cluindo as bocas dos rios e córregos e os trechos bai- de construção de torres e lançamento de linhas de xos de seus afluentes que deságuam na represa. transmissão. , pro causa da re- Menos evidente, mas certeira é a substituição dos volu- Desestruturação dos núcleos sociais mes: onde era sólido, e depois gasoso, agora é líquido moção de famílias, ocupação de novos terrenos em sobre sólido; na capa das terras do vale foi erigida uma outros lugares, às vezes distantes da região da obra; re- pirâmide, um paredão, o restante virou fundo de re- organização produtiva; novas moradias e vizinhanças presa; uma casquinha de sua antiga atmosfera virou um volume de água e agora a atmosfera começa mais tas no reser- acima; haverá novas trocas térmicas entre atmosfera, D. Repercussões da operação de compor solo, rochas e água; com a insolação, a água evapora, e vatório e abaixo dele.

o modo alterações naturais, ... com o vapor, vai junto o calor latente do vapor; com a Operação das adufas e dos canais de desvio na época putrefação de matéria vegetal, emanam gases e ácidos das obras. Cronograma de formação do lago x cheias e orgânicos voláteis, eventualmente sulfetos. secas sazonais x vazão liberada a jusante. , acumular e verter - Alteração total da paisagem: obviamente serão outras, as Decisões operacionais de turbinar a luminosidade, a maior ou menor turbidez do ar e – a oscilação da lâmina d’água; os riscos de rio seco, cores, as áreas de luz e de sombras, além do próprio. ou de enxurrada violenta ou vazão extraordinária a ferências com outras captações de água, perfil e dos horizontes que se consiga enxergar jusante; as inter com os acessos (trapiches, pontões, escadas) e com as ológicos observados em construções nas margens da represa e rio abaixo; in- B. Os riscos geofísicos e hidr terferências com a navegação rio abaixo. elétricas: para avaliar de outr muitas obras sistemas hídricos sujei- Riscos geofísicos e hidrológicos inéditos em cada região Por isto, represas são também vatório; a sismicidade induzida ole, por parte dos homens da onde foi feito um reser tos a algum grau de contr está comprovada em numerosos casos, mesmo onde não empresa operadora e de seus mecanismos técnicos havia registros históricos de sismos.( no Brasil, p.ex., nas poderosos. Controlam em parte as vazões d’água e o- regiões no entorno das obras de Carmo do Cajuru, rio acúmulo ou diminuição de volume de água no reser Pará, perto de Divinópolis, MG; de Paraibuna, na Serra vatório; controlam em parte a dinâmica do rio abaixo do Mar, SP, de Capivara, rio Paranapanema, SP-PR ). da barragem e da usina; para isto, entretanto, seguem Alteração cumulativa de circulação subterrânea de critérios comerciais e de risco operacional, que fre- águas, aumento de pressões hidrostáticas nas qüentemente agravarão os desequilíbrios ambientais. porosidades e falhas rochosas; surgimento de nascentes (Quadro sinótico 4) e lagoas, desaparecimento de outras, risco de infiltra-

ção d’água e desmoronamento de diques. Conhecimento crítico das mega – hidr QUADRO SINÓTICO 4 Represa de hidrelétrica como um sistema inédito sobreposto ao precedente, e sujeito às degradações provenientes da bacia de montante novo ecossistema, as populações destas espécies po- elétrica é, em cada local, No O sistema hídrico represa de hidr derão se reproduzir enquanto as condições biogéoquí- inédito, algo que nunca houve antes; a represa se so- micas não se alterarem muito, enquanto não houver, na brepõe ao eco-sistema fluvial anterior; os habitats exis- descontinuidades grandes na cadeia alimentar tentes são destruídos, inteiramente ou em parte, e ou- oxigenação da água do rio, enquanto estiverem den- tros habitats serão criados na represa e nos novos rele- tro de um rio e de uma represa com condições vos e interfaces por ela definidos hidrodinâmicas e bioquímicas suportáveis, dentro de entes resultados em extremos delimitados (p.ex. de renovação e velocida- Mecanismos certeiros e com difer de ou estagnação da água, de sua acidez e temperatu- cada represa: ra, da concentração de íons metálicos e ou de compos- • estratificações de temperaturas e luz por camadas, tos orgânicos tóxicos) por parte das espécies que ali conforme se aprofunda na massa d’água, quanto mais vivem, e das que por ali passam. fundo mais frio e mais escuro; Represas sempre ficam sujeitas às possibilidades de • afogamento e putrefação da vegetação, do húmus e ovocadas por eventos e atividades na dos resíduos orgânicos do solo anterior - no fundo da degradação pr represa, com a emissão conseqüente de ácidos orgâni- bacia de montante cos voláteis ou gasosos, de hidrocarbonetos, de gases Aumento da sedimentação por causa de erosão e do carbônicos, e às vezes de sulfetos voláteis ou gasosos; acúmulo de esgotos e de efluentes industriais não – tratados; contaminação decorrente do uso de agro- •formação e decadência lenta dos paliteiros nas áreas vores, mais a formação e putrefa- químicos; fermentação do material orgânico exceden- onde antes havia ár te com consumo de uma parte do oxigênio dissolvido e 2, CH4 ção lenta dos falsos brejos nas margens mais rasas e na água. Aumentará a emissão de gases CO remansos da represa; ácidos orgânicos, com acidificação progressiva da água; •acúmulo de sedimentos trazidos pelo rio e afluentes poderá haver a solubilização de íons de metais pesa- da represa e retenção de uma parte desses sedimen- dos por causa do aumento da acidez, e por decorrên-

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 12 enotã-Mõ - Parte

T tos pelas plantas aquáticas; cia, o aumento da bio-metilação desses metais pesados e de sua bio-acumulação ao longo da cadeia alimentar •evaporação da lâmina d’ água, evaporação nos verte- aquática e peri-aquática (síndrome de Minamata). O 292 douros e no turbilhão dos canais de fuga da usina; excesso de nutrientes (nitratos, fosfatos) e de amônia evapotranspiração das plantas aquáticas; dissolvidos na água e nos sedimentos, provenientes dos •seleção forçada das espécies da microfauna, dos bi- esgotos e da agricultura, leva à proliferação de algas e chinhos que vivem nos sedimentos e dos peixes, crus- de plânctons de determinadas espécies, incluindo táceos, moluscos e batráquios que sobrevivem no lago; cianobactérias e outras que provocam intoxicações nos bloqueio ou dificuldades nas rotas migratórias de es- peixes e nos humanos. O processo todo é conhecido pécies aquáticas; novos pontos de parada em rotas como eutrofização do corpo d’água, e potencializa vá- migratórias de aves e de animais peri - aquáticos; pro- rios dos efeitos já descritos. liferação de insetos dos tipos de águas paradas (nos remansos) e dos tipos de águas revoltas (nos verte- douros da barragem).

o modo alterações naturais, ...

elétricas: para avaliar de outr

Conhecimento crítico das mega – hidr Bibliografia: obras mencionadas no texto e nas notas

BERMANN, Célio“Os limites dos apro- Rivers Review, vol 18, number 5/ October River and Indigenous People”, SANTOS, veitamentos energéticos para fins elétricos: 2003, publ. by IRN – International ANDRADE, editors, Cultural Survival uma análise política da questão energética Rivers Network, pp 1 e 6-7 Inc. Cambridge, MA., 1990, págs. 19- e de suas repercussões sócio-ambientais no PINTO, Lúcio F. “Hidrelétricas na Ama- 35. Brasil” - Tese de Doutorado, Faculda- zônia. Predestinação, fatalidade ou engodo?” ______”Ecologia ou Política no Xingu?” de de Engenharia Mecânica, Edição Jornal Pessoal, Belém, 2002. vol. 4 serie Documentos / Instituto de Es- UNICAMP, Campinas, SP, novembro tudos Avançados/USP, Ciências Ambien- de 1991. SANTOS,L. e ANDRADE, L. (orgs.) li- vro “As hidrelétricas do Xingu e os povos tais, junho 1990. ______“Energia no Brasil:para indígenas” Comissão Pró - Índio de São ______”Tópicos de Energia e Ideolo- quê? Para quem? Crise e Alternativas para Paulo, São Paulo, 1988. gia. O desenvolvimentismo como panacéia? um país sustentável”, Ed. Livraria da Fí- A sustentabilidade como guia de corporações sica, SP, FASE, RJ, 2002. SEVA Fo., A . Oswaldo “Sur les derniers espaces où le capitalisme avance - études poluidoras? Comunicação no I Encon- COELHO DOS SANTOS, Silvio e géographiques et politiques des investisse- tro da ANPPAS - Associação nacional NACKE, Aneliese (orgs) “Hidrelétricas e ments en hydroélectricité et en métallurgie, de Pesquisa e Pós-graduação em Am- Povos Indígenas”, Letras Contemporâne- biente e Sociedade, Indaiatuba, SP,

exemples pris en Afrique du Sud et de V - Capítulo 12 enotã-Mõ - Parte as Oficina Editorial, Florianópolis, 2003. l’Ouest, en Europe du Sud, aux Antilles, novembro de 2002 T CONFALONIERI e outros, “Novas pers- aux Guyanes et en Amazonie” – Thèse ______”Desfiguração do licenciamento pectivas para a Saúde Ambiental: a impor- de Doctorat en “Géographie Humaine ambiental de grandes investimentos (com 293 tância dos ecossistemas naturais” , pp 41-47 et Organisation de l’espace”. Univer- comentário sobre as hidrelétricas projetadas in II Seminário Nacional de Saúde e Ambien- sité de Paris-I - Panthéon-Sorbonne, no rio Xingu) Comunicação GT Histó- te, RJ, 9 a 13 de junho de 2002, Série Paris, 1982. ria, Sociedade e Meio Ambiente no Bra- O Fiocruz, Eventos Científicos 4, Rio de Ja- ______”O Sonho da energia limpa e a sil, 2 Encontro nacional da ANPPAS - neiro, Fundação Oswaldo Cruz, 2002. sua ressaca - ou - as dívidas dos governos e Associação Nacional de Pós graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, CONTI, Laura “Ecologia, Capital, Tra- cientistas para com a sociedade” – in Anais, Indaiatuba, SP, maio de 2004. balho e Meio Ambiente” 1977,Hucitec, S. vol II, pp 26-34 , Seminário Nacional de P.1986. História e Energia, Depto. de Patrimônio SEVA Fo., A . O . e BERMANN, Célio Histórico da ELETROPAULO, São “Energia para o Desenvolvimento ... enfim DEAN, Warren “A Ferro e Fogo. A Histó- Paulo,S P, 19 a 23 outubro 1986. Social”, Anais, VII Congresso Brasileiro de ria e a devastação da Mata Atlântica Bra- Energia, Rio de Janeiro, outubro 1996. o modo alterações naturais, ... sileira” 1ª edição, 1995 “With broadax ______”No limite dos riscos e da domi- and firebrand” ed. brasileira: Compa- nação - A politização dos investimentos in- TRONCONI, P.A., VALOTA,R., nhia das Letras SP, 1996 dustriais de grande porte” - Tese de Livre- AGOSTINELLI, M. e RAMPI, F. Docência, Depto. de Política Científi- “PIANETA IN PRESTITO - Energia, GOLDSMITH, HILDYARD “ The social ca e Tecnológica, I. G., Unicamp. Cam- entropia, economia. “ editora Macroe- and environmental effects of large dams”, pinas, SP, 1988. dizioni, Preggio, Italia, 1991. [trecho The Sierra Club Books, San Francisco, extraído do livro, “Energia, entropia, CA., 1984. ______”As obras na Volta Grande do Xingu : um trauma histórico provável?” e ...os termos do problema” traduzidos MC CULLY, Patrick “Silenced Rivers. The cap.II do livro “As hidrelétricas do Xingu das pgs.36 a 63, disponível no sítio

Ecology and Politics of Large Dams” Zed elétricas: para avaliar de outr e os povos indígenas” SANTOS,L. e www.fem.unicamp.br/~sevá Books, London (in association with ANDRADE, L. (orgs.) Comissão Pró - WCD - “Dams and Development. A new IRN, Berkeley,CA, and The Ecologist), Índio de Sp, São Paulo, 1988, pg. 26 – framework for decision-making”, The Re- London, 2001. 44. V. em inglês. “Works on the Great port of the World Commission on ______“Backlash! Shock of WCD spurs Bend of Xingu ; a Historic trauma?” in Dams, Earthscan Publications, Lon- the Big Dam Industry into Action”, in World “Hydroelectric Dams on Brazil’s Xingu don, November 2000.

Conhecimento crítico das mega – hidr Notas

1 Comunicação apresentada ao GT destinadas a submergir na represa da as hidrelétricas e também a energia em Energia e Meio Ambiente, do 2O En- futura usina, está no filme “A terceira geral, se prestam bastante às campa- contro Nacional da ANPPAS - Associa- morte de Joaquim Bolívar”, Flávio Cândi- nhas ideológicas em torno de um con- ção Nacional de Pós-graduação e Pes- do, 1999). ceito valorizado como o de desenvolvi- quisa em Ambiente e Sociedade, mento, e ainda, acrescentando o adje- 6 São as usinas de Itaipu, no rio Paraná, Indaiatuba, SP, maio de 2004. tivo sustentável. Ver a respeito SEVA, (divisa Paraná – Paraguai), perto da 2002, ANPPAS 2 São relatórios, reportagens e teses cidade de Foz do Iguaçu, e que assegu- acadêmicas feitos há poucas décadas ra quase metade do consumo elétrico 10 No caso das hidrelétricas e suas re- no Brasil e em muitos países onde fo- do Sudeste e uma parte da região Sul; presas, os métodos equivalem a: 1) ram construídas tais obras; ver na bi- de Balbina, no rio Uatumã, (AM), per- marcar pontos de observação acima, bliografia: BERMANN, 1991; to da cidade de Presidente Figueiredo, abaixo e no trecho em que o rio barra- HILDYARD, GOLDSMITH, 1984; e que assegura menos da metade da do e comparar tudo o que se via antes SANTOS, ANDRADE, 1988, MC eletricidade de Manaus, Samuel, no rio com tudo o que se vê depois da repre- CULLY, 2001, SEVA, 1982, 1986, 1988a, Jamari, (RO), que fornece metade ou sa existir e da usina funcionar- e – 2) b, 1990a, b; SEVA e BERMANN, 1996, mais da eletricidade da capital Porto descer o rio junto com a água da cor-

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 12 enotã-Mõenotã-Mo - Parte Velho, Tucuruí, no rio Tocantins, Pará, T 3 Exemplo disto é uma das primeiras renteza, antes dele ser barrado e de- ao lado da cidade de mesmo nome, e revistas técnicas periódicas sobre hidre- pois, e comparar as duas trajetórias, e que abastece as indústrias de alumínio 294 letricidade, lançada em Grenoble, no as medições feitas em cada uma delas. e de ferro-ligas, além da mineração e pré- Alpes da França, nos anos 1930, Na Física são conhecidos como os mé- exportação de ferro, e as capitais chamada “La Houille Blanche”, algo todos de Euler e de Lagrange, cientis- Belém(PA) e São Luiz, (MA). como o “carvão branco”, ou “carvão tas dos mais notáveis, criadores de “fa- limpo”, uma logomarca coerente com 7 Essas pessoas contraíram hepatoto- mílias de equações” que vêm sendo a mudança sofrida na estrutura de ge- xicoses relacionada com a ingestão e amplamente utilizadas no estudo do ração elétrica naquele país onde, na- contato com a água da represa, em lo- comportamento dos gases, dos líqui- quela época, se construíam muito mais cais próximos à antiga cidade de dos, dos materiais particulados e de centrais hidrelétricas do que as tradi- Petrolândia, que havia sido submersa suas misturas, e no estudo das ondas cionais usinas térmicas a carvão. poucos dias antes, sem as devidas me- mecânicas e magnéticas... didas de limpeza e descontaminação 11 4 Nos anos 1930 a 1940, a obra de Daí vem a noção conhecida dos ci- de esgotos, fossas e cemitério; as análi- o modo alterações naturais, ... Hoover Dam no rio Colorado, próxi- entistas há décadas, e modernamente ses da água provaram a concentração mo do Grand Canyon e de Las Vegas; difundida por TRONCONI e seus cole- de algas pigmentadas e de e as obras da Tennessee Valley gas, 1991, de que: o próprio planeta é cianobactérias Anabaena e Mycrocistis Authority, retratadas no filme de Elia também uma máquina termodinâmica (cf CONFALONIERI, e outros, 2002). Kazan “Wild River”, cujo “happy processando e dissipando permanente- ending” é o casamento entre uma mo- 8 Ver as recomendações da Comissão mente a energia recebida com a luz so- radora atingida pelas obras e um en- em anexo. lar e a sua própria energia interna, atra- vés das correntes marinhas, das ondas, genheiro da empresa! Nos anos 1970, 9 Os clichês mais ouvidos: não vamos da formação e deslocamento das nu- na mesma bacia do Tennessee, em sua voltar à idade da lamparina”, “não se pode vens, da força e barulho dos ventos, tem- parte alta, nos Montes Appalachean, ser contra o progresso”, “temos que evitar o elétricas: para avaliar de outr pestades e chuvas, e das energias absor- no percurso de um trecho de rio que black – out, o apagão”. As promessas não vidas e devolvidas pelos seres vivos. seria represado passa-se o enredo de assinadas, e no entanto a toda hora outro filme: “Deliverance”. repetidas: “haverá o aproveitamento múl- 12 Do lado dos empreendedores, as- 5 Por aqui, poucos exemplos: o vali- tiplo da represa, vai ter turismo e indústria sim chamados de forma tão neutra e oso “Repórter Especial: Kararaô, um gri- pesqueira”,“será deixada sempre uma va- aparentemente benévola, são podero- to de Guerra”, de Delfino Araújo, TV zão ecológica rio abaixo”; “todos serão in- sos os meios de execução das ações: - Cultura, 1989, sobre o primeiro “pa- denizados e recompensados”; “todos os no- como impedir que uma carga de ex- cote” de mega - projetos no Xingu; vos lotes terão irrigação”,“o município vai plosivos detone uma laje rochosa se uma telenovela global (“Fogo sobre ter- enriquecer com a arrecadação e o comércio, isto já está programado e decidido ?- ra”) usava o canteiro de obras como milhares de empregos”. quem resistirá a uma moto-niveladora cenário e no centro da trama estavam As repetições insistentes, que atraves- que está arrasando um pomar e uma as terras, fazendas e a cidade de sam vários meios culturais e partidári- casa, cujos donos não tiveram como

Conhecimento crítico das mega – hidr Divinéia, que iam ser “alagadas”. Uma os como verdades inquestionáveis:“o fazer valer sua recusa? - quem modifi- ficção baseada na história do interi- potencial hidrelétrico dos nossos rios tem que cará o fechamento ou a abertura de or do RJ e da política brasileira des- ser aproveitado”, “a energia hidrelétrica é uma comporta cuja operação está se- de os anos 1950, tendo no pivô dos limpa, renovável, uma maravilha”. cando o rio a jusante, - ou ao contrá- conflitos uma cidadezinha e fazendas Isto provavelmente se explica porque rio, está baixando o nível da represa (e nos dois casos provocando prejuí- foram re-assentados de vários modos: rio Uruguai(RS-SC). Na dissertação de zos sérios para os agricultores e outras às vezes, em glebas e agro - vilas na bei- Mestrado de Luciana KALINOWSKI, atividades beira – rio e beira- repre- ra da represa, mais comumente na fai- 2002, FEM/Unicamp, Planejamento sa...) - quando estas manobras técni- xa que contorna o “lago”, porém em Energético, é feita uma análise mais cas operacionais vêm determinadas terras altas, que podem ser impróprias detalhada dos problemas das hidrelé- por um “board” de despachantes - ven- para as culturas agrícolas e as criações tricas nos rios Iguaçu, Paranapanema dedores de eletricidade funcionando tradicionais, que estavam mais perto do e no seu afluente Tibagi. lá no RJ ou em Brasília? rio e dos aluviões sedimentares; às ve- 18 A superfície da represa de Itaipu é 13 Nos últimos anos, todas as inaugu- zes transferidos por dezenas ou cente- oficialmente, no Brasil, de 1.500km2; o rações de hidrelétricas, mesmo peque- nas de km longe de onde viviam. historiador DEAN cita uma fonte não 2 nas, e às vezes, uma simples partida de 15 Por exemplo, nos estudos de polui- oficial com mais de 3.700 km certamen- mais um Turbo-Gerador, sempre con- ção, o jargão técnico denomina tal re- te somando o alagamento da margem tam com a presença do Presidente e presa de um “corpo receptor”; na prá- direita, no Paraguai (DEAN, 1996, p. dos governadores, reafirmando a im- tica brasileira, já temos várias represas 310). Uma valiosa análise histórica e an- portância da eletricidade para o pro- que funcionam como uma bacia de de- tropológica dos problemas sofridos pe- gresso, advertindo dos riscos de outro cantação de esgotos urbanos e indus- los indígenas por causa das obras de racionamento de energia, se os inves- triais; é o caso da represa de America- Itaipu e de Yaciretá-Apipe(ARG-PAR), timentos não prosseguirem.... E lou- na cujo rio formador, o Atibaia traz um e na região dos projetos hidrelétricos vando os empregos dados pelas em- fluxo ponderável de esgoto urbano e no rio Tibagi, encontra-se na obra cole- preiteiras. Eventos eleitoreiros e descargas industriais de Campinas e de tiva organizada por Silvio COELHO marqueteiros, têm sido cobertos pelos Paulínia, SP; é o caso mais antigo e bem DOS SANTOS e Aneliese NACKE, 2003. jornais, revistas, os boletins das empre- maior, da conhecida represa Billings na 19 No livro-coletânea sobre os projetos sas e dos sindicatos, rádios e TVs. Por Região Metropolitana de SP; outras vão no Xingu, (SANTOS e ANDRADE, meio dos satélites e do cabo ótico, pu- se tornando bacias de rejeitos sólidos 1988) o artigo da profa Sonia Maga- demos ver há três, quatro anos, algo de mineração ou garimpo e de obras lhães detalha o quê foi a implantação das obras da maior usina de todas, Três de engenharia que provocam erosões desta mega-usina na região ribeirinha Gargantas, na China, no seu maior rio, e perda de solo. do baixo Tocantins. O livro do jorna- o Yang-tze. Inaugurada em 2003 a 1ª lista paraense Lucio Flávio PINTO, 16 Cada grupo de problemas foi deta- fase, prevista no total para instalar 18 2002, pode bem chocar os leitores por mil Megawatts (Itaipu tem hoje mais lhado nos quadros sinóticos 3 e 4, ao

causa das dimensões e da identificação V - Capítulo 12 enotã-Mõenotã-Mo - Parte final do artigo. As melhores avaliações T de 13.000 MW ); foram removidos qua- de alguns personagens do rombo e da das hidrelétricas sem dúvida são aque- se dois milhões de chineses. roubalheira que se montou por trás dos las que exercitam uma concepção in- 295 14 contratos de construção e montagem Dramas típicos destas rupturas se tegrada entre Energia, Ambiente e da usina de Tucuruí e dos contratos de comprovam lá onde foram diretamen- Condições de Vida. Por exemplo energia das indústrias e minerações da te atingidos, ou estão sob ameaça de CONTI, 1977, HILDYARD & região, às quais se destina a eletricida- perda de terras e de deslocamento for- GOLDSMITH, 1984, TRONCONI et de vendida pela Eletronorte; e comen- çado, os moradores de aldeias e terras alli, 1991, BERMANN, 1991, SEVA e ta nesse mesmo contexto, o significa- indígenas e dos quilombos antigos e as BERMANN, 1996; o famoso relatório do de continuidade desta jogada terras de santo, vivendo há muito tem- da Comissão Mundial de Barragens, energética internacional que poderiam po nos locais agora escolhidos para as WCD, 2000; McCULLY, 2001 e ter, caso fossem construídos, os proje- obras. Mesmo que seus patrimônios, BERMANN, 2002. roças e casas não sejam diretamente tos no rio Xingu, principalmente o fa- submersos pela represa, nem arrasados 17 Rio abaixo destas duas represas no moso Belo Monte. por canteiros de obras e “áreas de em- sul de Minas, o rio Grande tem outras 20 Foram seis obras previstas: a mais o modo alterações naturais, ... préstimo” de areia, brita e madeira, oito represas, e mais cinco no trecho alta, Jarina, alagaria trechos do sul do eles acabam tendo os seus rios em que se chama Paraná. O historia- Pará e do norte de Mato Grosso, até barrados, acessos alterados, seu peixe dor americano-brasileiro Warren perto do parque Indígena do Xingu; ameaçado...O quê relembra a antiga DEAN em sua obra póstuma (1996) rio abaixo,as obras de Kokraimoro, questão racial no país, e as antigas dis- registrou com detalhes os diversos Ipixuna( que alagaria a cidade de São putas pelos locais com mais riquezas: modos de degradação, ao longo da his- Felix do Xingu), de Babaquara e de passados cento e poucos anos da abo- tória brasileira, da vasta região cober- Belo Monte; além de um projeto no rio lição da escravatura, e parece repetir ta pela Mata Atlântica, desde o RGN Iriri, o maior afluente do Xingu. Se em várias áreas de hidrelétricas, a vio- até o RS, e adentrando por MG, GO e acaso fossem realmente construídas,

elétricas: para avaliar de outr lenta relação que já tiveram os bran- MS. Um dos destaques nesta perda da alagariam quase 20.000 km quadrados cos poderosos com os nativos que res- grande Mata foi justamente a constru- de floresta no perímetro das represas, taram e com os negros que consegui- ção de dezenas de hidrelétricas de e devastariam outro tanto de terreno, ram fugir. Em outros casos, moradores grande porte nos formadores do desmatado, rasgado, aterrado, para desalojados se tornaram sem – terras Paraná: Grande, Verde e Sapucaí, em passar linhas de transmissão, estradas em alguma região próxima ou distan- MG; Paranaíba(MG e GO), Tietê ,SP, de serviço, e para retirar material de te, uns poucos viraram colonos; outros Paranapanema, SP e PR, Iguaçu, PR e construção das obras

Conhecimento crítico das mega – hidr Capítulo 13

Contra-ataque! Choque da Comissão Mundial de Barragens estimula a indústria de grandes barragens a ação Patrick McCully

A publicação do relatório final da Comissão Mun- Índia e partes da Europa. A pretensa “guerra ao dial de Barragens (CMB) em novembro de 2000 terrorismo” conduzida pelo regime Bush ajudou 296 foi um forte golpe para o orgulho pessoal e profis- a promover uma cobertura para que governos au- sional de muitos na indústria de grandes barra- tocráticos como na Tailândia, Índia e Paquistão a gens.* A CMB criticou duramente não apenas o sejam mais severos com dissidentes de todos os ti- mau desempenho dos projetos de grandes barra- pos, incluindo movimentos populares e ONGs que gens, mas também a corrupção, os interesses se opõem às barragens. Os ataques de 11 de se- corporativos e a incompetência institucional que tembro e a resposta dos Estados Unidos também impulsionaram a construção de barragens. mexeram com os direitos humanos e os interesses ambientais na lista de prioridade dos governos e Sem surpresas, uma grande parte da indústria de público em geral. barragens e em particular governos construtores de grandes barragens como Índia, Brasil, Turquia Essa tendência reacionária também influenciou a e China, rejeitaram o relatório da CMB. As princi- política do conselho do Banco Mundial, mais per- pais associações profissionais de grandes barragens, ceptível pelo desprezo do Diretor Executivo dos especialmente a Comissão Internacional de Gran- Estados Unidos pelos interesses dos grupos de des Barragens (ICOLD) e a Comissão Internacio- intermediação progressista. Isto incentivou o Ban- nal sobre Irrigação e Drenagem (ICID), que tra- co a declarar recentemente seu apoio a uma nova balham intimamente com esses governos, também geração do que ele chama de “infra-estrutura hi- foram duras em suas críticas com relação à CMB. dráulica de ampla escala” (o banco fica mais tími- do quando chama uma barragem de barragem). O choque que a CMB proporcionou à indústria internacional de barragens estimulou uma indús- Ainda que a indústria esteja certamente protelan- tria tipicamente desligada, desorganizada e com- do através de muita retórica e relações públicas placente (ver quadro no site da ICOLD) a passar sobre a necessidade e a inevitabilidade de promo- para a ofensiva. Partes da indústria agora estão ver a construção de grandes barragens, há muitas desenvolvendo estratégias coerentes para influen- razões para crer que o declínio consistente na cons- ciar a opinião pública e as políticas globais de água trução de barragens continuará. e energia. Este contra-ataque em relação às recomendações progressistas no relatório da CMB foi auxiliado por Barragens são uma boa opção para você. tendências políticas mais amplas, e especialmente a Os principais governos construtores de grandes bar- grande guinada para a direita nos Estados Unidos, ragens, as associações industriais e o Banco Mundial trabalharam juntos para elaborar um novo discur- deve ser realizado de forma ambientalmente sustentável e so- so para as grandes barragens renováveis, favoráveis cialmente justa.” ao meio ambiente e importantes para reduzir a A IHA desde então afirmou que a Declaração de pobreza. Esta estratégia já produziu algumas recom- Kyoto e o Plano de Implementação de Johannesburg pensas para eles. O sucesso mais importante para a são “determinações essenciais para o futuro papel indústria estava em obter energia hidráulica em da energia hidrelétrica.” grande escala implicitamente definida como “ener- gia renovável” na Reunião Mundial sobre Desen- Que o Fórum Mundial de Águas transmitiu uma volvimento Sustentável (WSSD) realizada em forte disposição de apoio para energia hidrelé- Johannesburgo em setembro de 2002. Na reunião, trica e grandes barragens em geral não é surpre- os governos com importantes planos de desenvolvi- sa. O organizador desses fóruns no Conselho mento de energia hidráulica liderados pelo Irã, in- Mundial de Águas (WWC) é um grupo de troduziram a expressão “tecnologias de energia intermediação composto de empresas de enge- renovável, incluindo hidráulica” numa frase a res- nharia, construção e abastecimento de água, gran- peito da diversificação da energia no plano de des associações construtoras de barragens inclu- implementação da Reunião. indo ICOLD e IHA, e financiadores internacio- nais, incluindo o Banco Mundial. O Consultor Sênior de Águas do Banco Mundial, John Briscoe, introduziu diversas referências à lin- O WWC foi co-patrocinador do “Congresso Mun- guagem pró-hidroeletrica da WSSD na nova Estra- dial sobre Financiamento de Infra-estrutura tégia do Setor de Recursos Hídricos do Banco. A Hídrica” presidido pelo ex-Diretor Administrati- versão final da estratégia, publicada em fevereiro vo do Fundo Monetário Internacional, Michel de 2003, reivindica que “a declaração oficial da Camdessus. O “Relatório Camdessus” foi apresen- reunião enfatiza o papel que a energia hidrelétri- tado – no em meio a muita controvérsia – em

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13 enotã-Mõ - Parte ca pode ter na redução da pobreza em países de Kyoto. Embora enfatizando a forma de aumentar T desenvolvimento.” De fato, em nenhum lugar os os investimentos privados em abastecimento de 297 documentos da reunião relacionam energia hidre- água, o relatório também convoca doadores para létrica com redução da pobreza (a linguagem aci- angariar recursos para grandes barragens. Ele rei- ma mencionada é o único local em que os docu- vindica que a WSSD deu o “reconhecimento da mentos oficiais da WSSD mencionam energia hi- necessidade de armazenamento de água e desen- drelétrica ou barragens). Embora este “erro” te- volvimento de energia hidrelétrica, incluindo bar- nha sido destacado nos comentários sobre um es- ragens de todos os tamanhos, que significaram uma boço de estratégia, a declaração falsa continua no importante mudança de humor.” texto final do Banco. O documento estratégico também enfatiza que as conclusões da WSSD sig- O trabalho da Comissão Mundial de Barragens só nificam que os grandes projetos hidrelétricos de- foi mencionado numa nota de rodapé no Relató- vem beneficiar-se dos esquemas comerciais de tro- rio Camdessus – que contém a implicação de que ca do carbono destinado a ajudar a reduzir as o relatório CMB foi de um certo modo substituído emissões de gás de estufa. pela WSSD. É impressionante, e claramente absur- do reivindicar que o trabalho de dois anos da CMB, A indústria hidrelétrica ignorou amplamente o esforços sem precedentes de consultoria pública Segundo Fórum Mundial sobre Água em Haia, no e milhares de páginas de pesquisa e análise de vas- ano 2000. Mas a Associação Internacional de Ener- ta gama de problemas relativos a barragens foram gia Hidrelétrica (IHA) fez bom uso do valor das neutralizados por umas poucas palavras sobre hi- relações públicas do Terceiro Fórum Mundial so- drelétricas colocadas na última hora no Plano de bre Água deste ano, realizado em Kyoto. “Água Implementação da WSSD. para Energia” foi um dos temas principais do fórum, e as discussões organizadas da IHA sobre O Relatório Camdessus obedece à estratégia de este tema (com a ajuda do financiamento do Ban- água do Banco Mundial ao indicar uma ligação co Mundial) sob o título “Primeira Reunião Inter- bastante clara entre a construção de grandes pro- nacional sobre o Uso Sustentável da Água para jetos hidrelétricos e a redução da pobreza. Esta Energia.” Os esforços do IHA no Fórum Mundial ligação retórica agora está ajudando a justificar a de Água terminaram com a seguinte frase na de- inclusão de mega-projetos de hidrelétricas como claração ministerial final da reunião: componentes-chave de importantes esquemas re- “Reconhecemos o papel da energia hidrelétrica como uma gionais de desenvolvimento sustentável, como a

das fontes de energia renováveis e limpas, e que seu potencial Iniciativa da Bacia do Nilo e a Nova Parceria para Contra-ataque! Choque da Comissão Mundial de Barragens estimula a indústria de grandes barragens a ação o Desenvolvimento da África (NEPAD), pesada- “Nenhuma pessoa sensata argumentaria contra a mente promovido em qualquer reunião interna- principal investida do relatório da CMB …para evi- cional com a África na ordem do dia. tar o desperdício envolvido com discussões difíceis do passado, temos o dever de adaptar nossos méto- A nova legitimidade retórica dos mega-projetos hi- dos de trabalho para adequar-se às diretrizes reve- drelétricos e a possibilidade de que o Banco Mun- ladas pela CMB.” dial pudesse colocar algum dinheiro para construir tais projetos, também encorajaram os governos a Muitas empresas, financiadores e agências interna- apoiar projetos de infra-estrutura que há muito cionais estão levando a sério o relatório da CMB e povoam os sonhos dos planejadores. O mais notá- exigindo o cumprimento de suas recomendações. vel desses projetos é o esquema de “ligação de rios” A estatal norteamericana Overseas Private da Índia, uma fantasia stalinista que envolve o redi- Investment Corporation incluiu os princípios rele- mensionamento da geografia da Índia a custos eco- vantes das políticas da CMB para uma agência de nômicos, sociais e ambientais mutilantes. garantia de investimento ao seu esboço do manual do meio ambiente. Recentemente a Swiss Re, uma das maiores resseguradoras do mundo, adotou uma Retórica x Realidade norma exigindo que “os grandes projetos sejam tra- Embora a nível retórico as coisas pareçam ser ver- tados de acordo com os princípios e prioridades dadeiras para a indústria de barragens, na realida- [da CMB].” Em diversos países, incluindo África do de será muito difícil colocar de lado os oponentes Sul, Vietnã e Alemanha, os processos estão avan- e captar recursos maciços exigidos para a nova çando com o envolvimento do governo, da socie- geração esperançosa de mega-esquemas. Fazendo- dade civil e do setor privado para discutir como as se de bravo para o mundo exterior, em suas pró- recomendações da CMB podem ser implementadas prias reuniões os “experts” da indústria admitem na prática e na legislação nacional.

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13 enotã-Mõ - Parte T que os tempos são difíceis. Alison Bartle, editor 298 do jornal Hydropower & Dams (e presidente do co- mitê de relações públicas da Associação Internaci- Nenhum dinheiro, nenhuma barragem onal de Energia Hidrelétrica) declarou numa reu- Mais preocupante para a indústria de grandes bar- nião da ICOLD no ano passado que a comissão ragens, pelo menos a curto prazo, é a escassez de estava “enfrentando o período mais desafiador em financiamentos para grandes projetos. A briga seus 74 anos de história.” entre o colapso do Enron e a implosão dos fluxos de investimentos privados para os países em de- Fora do Banco Mundial, muitos financiadores do senvolvimento (especialmente para o setor de ener- setor público e privado estão cada vez mais preo- gia) interrompeu quase completamente o fluxo, cupados com os altos riscos – financeiros e em ter- que já era bem menor do que o esperado para os mos de reputação – envolvidos nos investimentos recursos do setor privado para barragens. Os pro- de grandes barragens. E mesmo dentro do Banco blemas econômicos e fiscais em muitas partes do há pessoas que não percebem melhorias para suas mundo significam que os investimentos públicos carreiras profissionais (ou auto-estima) através do também estão escassos. A retirada, em meados de envolvimento em outra polêmica barragem de 2003 dos principais agentes de desenvolvimento grande porte. das barragens de Bujagali (Uganda) e Nam Theun Embora muitos na indústria de grandes barragens 2 (Laos) é uma ilustração perfeita da profundida- continuem firmes em sua oposição aos achados da de dos problemas atualmente enfrentados pela comissão CMB, outros – incluindo muitos na IHA – indústria de barragens de grande porte. acham que não podem querer a CMB fora e devem As tendências políticas mais amplas talvez agora no mínimo ser vistas como aberta para os amplos não sejam também tão favoráveis quanto os entu- princípios que afirmou no discurso público sobre siastas de barragens podem esperar. Os limites do grandes barragens e desenvolvimento. Alguns na Império Americano agora estão sendo testados indústria estão preparados para seguir boa parte das pela queda do Iraque, abrindo mais uma vez o es- recomendações da CMB, compreendendo que isso paço político para que os progressistas possam significará menos barragens de grande porte, mas promover os direitos humanos e respeitar as nor- esperando que esses projetos, no futuro, possam ser mas internacionais. implementados sem os atrasos e dores de cabeça resultantes da oposição pública. O falecido Geoff O governo do Partido dos Trabalhadores no Bra- Sims, então vice-presidente da ICOLD, desafiou sil trouxe uma importante influência para o movi-

Contra-ataque! Choque da Comissão Mundial de Barragens estimula a indústria de grandes barragens a ação muitos de seus colegas declarando, em 2000, que mento nacional dinâmico deste país com relação às pessoas afetadas pelas barragens, bem como agentes de desenvolvimento fossem levar em conta outros movimentos sociais e ONGs. Foi fortalecida as mudanças climáticas, as barragens deveriam ter também a influência política das autoridades do maiores capacidades para dar passagem com segu- setor ambiental do País. Os desenvolvimentos no rança a altas inundações, e as projeções da geração Brasil tendem a aumentar a influência da socieda- de força teriam de permitir novos extremos de se- de civil em outras partes na América Latina e além. cas. Esses fatores aumentariam os custos e reduziri- am os benefícios esperados da energia hidrelétrica, As tendências tecnológicas também estão operan- tornando ainda mais difícil obter financiamento dos do contra os interesses da indústria de grandes agentes de desenvolvimento. barragens. Importantes aprimoramentos na efici- ência energética da tecnologia da dessalinização e A indústria freqüentemente afirma que as emis- subseqüentes reduções em seus custos significam sões de gás de estufa da energia hidrelétrica são que a dessalinização está cada vez mais barata do zero, ou no mínimo insignificantes comparadas que a transferência de água de longas distâncias com as usinas de combustível fóssil. Porém, as evi- (mais da metade das pessoas no mundo vive perto dências disponíveis sugerem que as emissões de os mares e oceanos). Tecnologias de energia lim- grandes reservatórios tropicais podem ser compa- pa, em particular energia eólica e solar, estão avan- ráveis ou até maiores do que as dos combustíveis çando rapidamente e poderão competir cada vez fósseis. A ciência de medir emissões da energia mais com as grandes hidrelétricas. A energia eólica hidráulica e compará-las a partir de outras já é mais barata (e mais publicamente aceitável) tecnologias de geração é complexa, altamente con- do que a energia hidrelétrica em muitos locais, e testada e ainda sujeita a muitas incógnitas. Até que há poucas dúvidas de que a energia solar não este- se possa esclarecer totalmente que os novos proje- ja muito atrás. tos hidrelétricos terão menos impacto climático do que as alternativas, será difícil para a indústria de

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A multinacional japonesa Sharp, a maior produ- T barragens justificar a captação de subsídios de car- tora de sistemas fotovoltaicos do mundo, prevê a bono para projetos importantes. queda dos custos de para US$ 2.500 por quilowatt 299 instalado na próxima década. Os custos atuais de O principal esquema de comércio internacional instalação de grandes projetos hidrelétricos tipi- de carbono é o Mecanismo de Desenvolvimento camente estão mais ou menos neste nível. E em- Limpo do Protocolo de Kyoto. Até agora parece bora os custos de energia solar e eólica estejam que grandes projetos hidrelétricos podem ter um caindo rapidamente, o custo da energia hidrelé- período difícil atendendo os requisitos de elegibi- trica está aumentando. Um estudo do Banco Mun- lidade da CDM e diversos projetos hidrelétricos já dial de 1990 concluiu que os custos constantes do foram rejeitados pelo CDM. As preocupações de dólar das instalações hidrelétricas estão aumentan- que o tratamento de mudanças climáticas não deve do em 3,5 a 4% ao ano. As razões para os custos fomentar outros problemas sociais e ambientais já crescentes incluem esgotamento do local (os lo- estão fazendo com que os compradores de crédi- cais mais baratos já foram usados), pressão para tos no mercado emergente de carbono acautelem- gastar mais dinheiro para minimizar os custos so- se em relação aos grandes projetos hidrelétricos. ciais e ambientais, e que a energia hidrelétrica é Os governos da Alemanha e da Holanda anuncia- uma tecnologia desenvolvida com pouco espaço ram que só originarão créditos de grandes proje- para aumentar a eficiência ou baixar os custos. (Ne- tos hidrelétricos que esteiam dentro das recomen- nhum estudo sobre a inflação da energia hidrelé- dações da CMB. trica foi publicado depois de 1990, mas não há Mas a razão mais importante para acreditar que a nenhuma razão para acreditar que a tendência nova aurora da indústria de grandes barragens não tenha sofrido qualquer mudança drástica). surgirá é que a oposição pública às suas propostas continua forte e só tende a crescer. O contra-ata- Os perigos da Mudança Climática que descrito acima foi uma reação não somente à CMB, mas também aos movimentos populares e As usinas hidrelétricas são construídas na suposi- ONGs, que se opuseram a muitos projetos de gran- ção de que os padrões de precipitação e fluxo plu- des barragens, e cujas críticas e protestos levaram vial podem ser usados para prever com precisão a o Banco Mundial a ajudar a estabelecer a CMB no produção futura de energia e a dimensão das inun- primeiro lugar. dações que poderiam ameaçar a segurança das bar- ragens. Mas a mudança climática trará extremos de Apesar da clara rejeição do relatório CMB por

seca e inundações fora do registro histórico. Se os muitos dentro da comissão ICOLD e das tentativas Contra-ataque! Choque da Comissão Mundial de Barragens estimula a indústria de grandes barragens a ação dissimuladas do Conselho Mundial de Águas e Com a queda da aceitação pública e com muitas Banco Mundial para desabonar o relatório, os opções melhores para fornecer água e eletricida- achados e recomendações continuarão a ser o de, cada vez mais apenas as grandes barragens padrão internacional contra o qual as propostas mais benignas e essenciais irão adiante. E isto sig- de barragens serão julgadas. A oposição às gran- nifica bem poucas barragens construídas do que des barragens continuará enquanto barragens nos dias de hoje. destrutivas forem propostas e seus defensores ten- tarem angariar fundos e obter apoio público com * A expressão “indústria de grandes barragens” que usei representa o complexo de pessoas e instituições que pro- base em estudos incompetentes e incompletos, movem, planejam, financiam, constroem e operam gran- promessas mentirosas e repressão de dissidentes. des barragens.

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T 300

Contra-ataque! Choque da Comissão Mundial de Barragens estimula a indústria de grandes barragens a ação 13.1. Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões

Comissão Mundial de Barragens

O Relatório da Comissão Mundial de •A CMB foi independente, com cada membro par- Barragens ticipando com sua capacidade individual, não re- presentando nenhuma instituição ou país. Em abril de 1997, com apoio do Banco Mundial e 301 da IUCN - União Para Conservação Mundial - gru- •A Comissão empreendeu o primeiro estudo pos representando diversos interesses reuniram- abrangente de natureza global e independente se em Gland, Suíça, por ocasião da publicação de do desempenho e impacto das grandes barragens um recente relatório do Banco Mundial, para dis- e das opções disponíveis para o desenvolvimen- cutirem questões altamente controversas envolven- to de recursos hídricos e energéticos. do as grandes barragens. O workshop reuniu 39 • Consultas públicas e o livre acesso à Comissão participantes de governos, do setor privado, de foram componentes fundamentais do processo. instituições financeiras internacionais, de organi- O Fórum da CMB, constituído por 68 membros zações da sociedade civil e de populações afeta- - formando uma amostra representativa fiel dos das. Uma das propostas resultantes do encontro vários interesses envolvidos, pontos de vista e ins- foi que todas as partes trabalhassem juntas para tituições - foi consultado ao longo de todo o tra- estabelecer a Comissão Mundial de Barragens balho da Comissão. (CMB) com mandato para: •A CMB foi pioneira num novo modelo de ob- • Examinar a eficácia da construção de grandes tenção de verbas envolvendo todos os grupos in- barragens e estudar alternativas para o desenvol- teressados no debate: 53 organizações públicas, vimento de recursos hídricos e energéticos; e privadas e da sociedade civil ofereceram fundos • Elaborar critérios, diretrizes e padrões interna- para o processo da CMB. cionalmente aceitáveis para o planejamento, pro- O relatório final da Comissão Mundial de Barra- jeto, avaliação, construção, operação, monitora- gens, Barragens e Desenvolvimento: Um Novo Mode- mento e desativação de barragens. lo para Tomada de Decisões, foi publicado em A CMB iniciou o seu trabalho em maio de 1998, novembro de 2000. sob a presidência do prof. Kader Asmal, ministro de Assuntos Hídricos e Florestais da África do Sul na época. Os membros foram escolhidos de tal Os Comissários da Comissão Mundial de modo que refletissem a diversidade regional, uma Barragens variada gama de conhecimentos e as diferentes Uma ampla consulta a todos os grupos interessa- expectativas das partes envolvidas. dos na questão das grandes barragens resultou em um convite a várias Kader Asmal e Nelson Mandela no lançamento do reconhecimento personalidades emi- Relatório da Comissão Mundial de Barragens, de direitos adquiri- Birgit Zimmerle nentes para torna- dos e compartilha- rem-se membros da mento de benefíci- Comissão Mundial os, garantia de de Barragens (CMB). cumprimento, e Essas pessoas foram compartilhamento selecionadas por sua dos rios para a paz, ampla e variada ex- desenvolvimento e periência, pontos de segurança; vista e conhecimen- •Critérios e diretri- tos que poderiam zes para boas práticas trazer para o debate. relacionadas às prio- Os membros foram: ridades estratégicas - Prof. Kader Asmal abrang endo desde a (Presidente), Ministro análise do ciclo de da Educação, África vida e de fluxos am- do Sul; Lakshmi Chand Jain (Vice-Presidente), Mem- bientais até análises de risco de empobrecimento bro do Conselho da Industrial Development e o estabelecimento de pactos de integridade; e Services, Índia; Don Blackmore, Diretor da Comis- são da Bacia Murray-Darling, Austrália; Joji Cariño, A posição filosófica e as recomendações da Comis- Fundação Tebtebba, Filipinas; Prof. José são oferecem espaços para avanços que nenhuma Goldenberg, Instituto de Eletrônica e Energia da perspectiva isolada é capaz, assegurando que a to-

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T Universidade de São Paulo, Brasil; Judy Henderson, mada de decisões sobre o desenvolvimento de re- Ex-presidente da Oxfam International, Austrália; cursos hídricos e energéticos: 302 Göran Lindahl, Presidente e CEO da ABB Ltd., • Reflita uma abordagem abrangente capaz de in- Suécia; Deborah Moore, Consultora Sênior, tegrar as dimensões sociais, ambientais e econô- Environmental Defense, Estados Unidos; Medha micas do desenvolvimento; Patkar, Narmada Bachao Andolan, (Luta para Sal- var o Rio Narmada), Índia; Thayer Scudder, Pro- • Crie um maior grau de transparência e certeza fessor de Antropologia, Instituto de Tecnologia da para todos os envolvidos; e Califórnia, Estados Unidos; Jan Veltrop, Presidente • Aumente o nível de confiança na capacidade das honorário da Comissão Internacional sobre Gran- nações e das comunidades de ter atendidas suas des Barragens (ICOLD), Estados Unidos; Achim necessidades futuras de água e energia. Steiner, Secretário-Geral da CMB, (membro ex- officio da Comissão), Alemanha. Barragens e Desenvolvimento - Uma O Relatório da CMB - Um Resumo Introdução Barragens têm sido construídas há milhares de O modelo para tomada de decisões apresentado anos - barragens para controlar inundações, para pela Comissão baseia-se em cinco valores essenci- represar águas como fonte de energia hidrelétri- ais: equidade, sustentabilidade, eficiência, proces- ca, para fornecer água para consumo humano di- so decisório participativo e responsabilidade. O reto, uso industrial ou para irrigar plantações. Em modelo propõe: torno de 1950 os governos - ou, em alguns países, • Uma abordagem de direitos e riscos que sirva de o setor privado - estavam construindo um número

Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões base prática e justa para identificar todos os legí- cada vez maior de barragens à medida que as po- timos grupos de interesse envolvidos na negoci- pulações aumentavam e as economias nacionais ação de opções de desenvolvimento e acordos. cresciam. Pelo menos 45.000 grandes barragens foram construídas para atender demandas de água • Sete prioridades estratégicas e os princípios po- ou energia. Hoje quase metade dos rios do mun- líticos correspondentes para o desenvolvimen- do tem ao menos uma grande barragem. to de recursos hídricos e energéticos - conquis- ta da aceitação pública, avaliação abrangente das Na entrada do novo século, um terço dos países opções, aproveitamento das barragens existen- do mundo depende de usinas hidrelétricas para tes, preservação de rios e meios de subsistência, produzir mais da metade da sua eletricidade. As grandes barragens geram 19% de toda a eletrici- ecossistemas e recursos pesqueiros importantes dade do mundo. Metade dessas grandes barragens e a divisão desigual dos custos e dos benefícios. foi construída exclusiva ou primordialmente para Após mais de dois anos de intensos estudos, refle- fins de irrigação, e cerca de 30% a 40% dos 271 xão e diálogos com partidários e oponentes de milhões de hectares irrigados no planeta depen- grandes barragens, a Comissão acredita não ser dem de barragens. As represas têm sido promovi- mais justificável questionar os cinco pontos-chave das como um importante meio de atender a ne- abaixo: cessidades percebidas de água e energia e como investimentos estratégicos de longo prazo capazes • As barragens prestaram uma importante e signi- de oferecer múltiplos benefícios. Alguns desses ficativa contribuição ao desenvolvimento huma- benefícios adicionais são típicos de todos os gran- no, e os benefícios derivados delas foram consi- des projetos de infra-estrutura, enquanto outros deráveis. são exclusivos das barragens e específicos de de- •Em um número excessivo de casos foi pago um terminados projetos. Desenvolvimento regional, preço inaceitável e muitas vezes desnecessário geração de empregos e fomento para uma base para assegurar esses benefícios, especialmente industrial com potencial exportador costumam ser em termos sociais e ambientais, pelas pessoas des- citados como motivos adicionais para a constru- locadas, pelas comunidades a jusante, pelos con- ção de grandes barragens. Outras metas incluem tribuintes e pelo meio ambiente natural. a geração de renda advinda de exportações, seja através da venda direta de eletricidade, de produ- •A falta de equidade na distribuição dos benefíci- tos agrícolas ou de produtos processados por in- os colocou em questão a capacidade de diversas dústrias eletro-intensivas, como a indústria do alu- barragens de atender de maneira ótima as ne- mínio. Claramente, as barragens podem desem- cessidades de desenvolvimento dos recursos

hídricos e energéticos quando confrontados com enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1. penhar um papel importante em atender as ne- T cessidades das pessoas. outras alternativas. 303 Mas os últimos 50 anos também deixaram claro o • Ao se incluir no debate todos aqueles cujos di- desempenho e os impactos sociais e ambientais das reitos estão envolvidos e que arcam com os ris- grandes barragens. Essas fragmentaram e transfor- cos associados às diferentes opções de desenvol- maram os rios do mundo, enquanto que estimati- vimento de recursos hídricos e energéticos, são vas globais sugerem que entre 40 e 80 milhões de criadas as condições para uma resolução positi- pessoas foram deslocadas pelas barragens. À me- va de interesses concorrentes e de conflitos. dida que as bases dos processos de tomada de de- • Soluções negociadas aumentarão sensivelmente cisão foram tornando-se mais abertas, participativas a eficiência do desenvolvimento de projetos de e transparentes em muitos países, a opção de cons- aproveitamento de recursos hídricos e truir grandes barragens foi sendo cada vez mais energéticos ao eliminarem projetos desfavoráveis contestada, chegando ao ponto de colocar-se em nos estágios iniciais do processo, oferecendo questão a construção de novas grandes barragens como opções apenas aqueles que as principais em muitos países. partes envolvidas concordam serem os melhores para atender as necessidades em questão. Os enormes investimentos envolvidos e os impac- tos gerados pelas grandes barragens provocaram conflitos acerca da localização e impactos dessas O Que Constatou o Estudo Global Da CMB construções - tanto das já existentes como das que Sobre Grandes Barragens? ainda estão em fase de projeto, tornando-se atu- Para cumprir seu mandato de examinar a eficácia almente uma das questões mais controvertidas das grandes represas no desenvolvimento e de ava- na área do desenvolvimento sustentável. Os par- Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões liar alternativas para a geração de recursos hídricos tidários das barragens apontam para as necessi- e energéticos, a Comissão preparou oito estudos dades de desenvolvimento social e econômico de caso detalhados de grandes barragens, elabo- que as barragens visam satisfazer, como a irriga- rou resenhas especiais sobre a Índia e a China e ção, a geração de eletricidade, o controle de preparou um relatório sobre a Rússia e os Novos inundações e o fornecimento de água potável. Estados Independentes. (Veja no Quadro 1 uma Os oponentes ressaltam os impactos adversos das lista das barragens estudadas). represas, como o aumento do endividamento, o estouro dos orçamentos, o deslocamento e o Foi realizado ainda um levantamento de 125 gran- empobrecimento de populações, a destruição de des barragens, acompanhado por 17 estudos temáticos sobre questões sociais, ambientais e eco- substanciais benefícios advindos das barragens, mas nômicas, sobre alternativas às barragens e sobre tenta responder por que algumas barragens atin- os processos institucionais e de governo. Além dis- gem suas metas e outras não. so, 947 trabalhos e apresentações foram submeti- dos a quatro consultas regionais. Todo esse mate- rial foi reunido para formar a Base de Conheci- Desempenho Técnico, Financeiro e mentos da CMB, que forneceu informações à Co- Econômico missão sobre as principais questões envolvendo as O grau em que as grandes barragens inclusas na barragens e suas alternativas. Base de Conhecimentos da CMB prestaram os ser- viços e benefícios pretendidos variou considera- velmente de projeto para projeto, sendo que uma Quadro 1. Barragens estudadas grande parcela deles ficou aquém dos alvos físicos pela CMB e econômicos. A despeito disso, os serviços produ- Barragem Aslantas, bacia do rio Ceyhan, Turquia zidos pelas barragens são imensos, como observa- Bacia do Glomma-Lågen, Noruega mos acima. Independente de cotejar desempenho Barragem Grand Coulee, rio Columbia, Estados e metas, a Base de Conhecimentos também con- Unidos/Canadá firmou a longevidade das grandes barragens, pois Barragem Kariba, rio Zambezi, Zâmbia/Zimbábue muitas delas continuam a gerar benefícios após 30- Barragem Pak Mun, bacia dos rios Mun-Mekong, 40 anos de operação. Tailândia Um exame setorial do desempenho técnico, finan- Barragem Tarbela, bacia do rio Indus, Paquistão ceiro e econômico das barragens constantes na Barragem Tucuruí, rio Tocantins, Brasil Base de Conhecimentos, comparando os resulta-

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1. Barragens Gariep e Vanderkloof, rio Orange, África dos planejados e os resultados efetivos, sugere o T do Sul (estudo piloto) seguinte: 304 • As grandes barragens construídas para oferecer O Estudo Global teve três componentes: serviços de irrigação, no geral, não alcançaram • Um exame independente do desempenho e im- as suas metas físicas, não recuperaram seus cus- pacto de grandes barragens (que considerou o tos e são menos lucrativas em termos econômi- desempenho técnico, financeiro e econômico, cos do que o esperado. os impactos sobre os ecossistemas e o clima, os •As grandes barragens construídas para gerar ele- impactos sociais, e a distribuição dos benefícios tricidade tendem a operar num nível próximo, e danos do projeto); mas ainda aquém, das metas estabelecidas. Elas • Uma avaliação das alternativas às barragens, das geralmente atingem suas metas financeiras, em- oportunidades que oferecem e dos obstáculos bora apresentem um desempenho econômico va- que enfrentam; e riável em relação a essas metas, e há diversos ca- sos de desempenho muito superior e muito in- • Uma análise de questões subjacentes à escolha, ferior à média. ao projeto, à construção, à operação e ao descomissionamento de barragens envolvendo • As grandes barragens construídas como fonte de o planejamento, a tomada de decisões e o cum- água potável e industrial não atingiram, de um primento dos preceitos. modo geral, as metas em termos de prazos e quantidade de água, além de apresentarem um A avaliação do desempenho das grandes barragens fraco desempenho financeiro e econômico na feita pela CMB baseou-se nas metas estabelecidas recuperação dos custos. Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões pelos seus próprios defensores - os critérios que ser- viram para obter aprovação e financiamento gover- • As grandes barragens construídas com o objeti- namentais. A análise da Comissão dedicou-se em vo mesmo acessório de controle de inundações especial à tentativa de compreender por que, como ofereceram importantes benefícios nesse aspec- e onde as barragens não apresentaram os resulta- to. Ao mesmo tempo, porém, provocaram uma dos pretendidos ou produziram resultados inespe- maior vulnerabilidade às inundações, pois veri- rados. Uma parte integrante dessa pesquisa envol- ficou-se concomitantemente um aumento no nú- veu a documentação de práticas positivas que sur- mero de povoados em áreas que continuaram giram para corrigir deficiências e dificuldades do sob o risco de inundação. Em alguns casos, as passado. A apresentação desta análise não relega os barragens agravaram os danos causados pelas inundações, por diversos motivos, inclusive má na operação das grandes barragens existentes e de operação. sua infra-estrutura. Considerando os enormes in- vestimentos feitos em grandes barragens, é surpre- • As grandes barragens construídas com finalida- endente que haja tão poucas avaliações indepen- des múltiplas também ficaram aquém de suas dentes do seu desempenho - e mesmo essas têm metas. Em alguns casos, as insuficiências foram um alcance restrito e não integram devidamente mais agudas do que as verificadas em projetos as categorias e escalas dos impactos. com uma só finalidade, demonstrando que as metas estabelecidas muitas vezes são exagerada- mente otimistas. Os Ecossistemas e as Grandes Barragens O estudo do desempenho das barragens sugere A natureza genérica dos impactos das grandes bar- ainda duas outras constatações: ragens sobre os ecossistemas, a biodiversidade e a subsistência das populações a jusante vai tornan- • As grandes barragens inclusas na Base de Conhe- do-se cada vez mais conhecida. A Base de Conhe- cimentos apresentam uma nítida tendência de cimentos da CMB deixa claro que as grandes bar- exceder os prazos e orçamentos previstos. ragens provocaram: •A crescente preocupação com o custo e eficácia •A destruição de florestas e habitats selvagens, o das grandes barragens e das medidas estruturais desaparecimento de espécies e a degradação das correlatas levou à adoção de um controle integra- áreas de captação a montante devido à inunda- do de inundações que enfatiza uma mistura de ção da área do reservatório; diretrizes e medidas não-estruturais para reduzir a vulnerabilidade das comunidades a inundações. •A redução da biodiversidade aquática, a diminui- ção das áreas de desova a montante e a jusante,

O estudo também examinou fatores relacionados enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1.

e o declínio dos serviços ambientais prestados T à sustentabilidade física das grandes barragens e pelas planícies aluviais a jusante, brejos, ecossis- seus benefícios, confirmando o seguinte: temas de rios e estuários, e ecossistemas mari- 305 •A segurança das barragens irá exigir cada vez nhos adjacentes; e mais atenção e investimentos, pois as barragens •Impactos cumulativos sobre a qualidade da água, estão envelhecendo e os custos de manutenção inundações naturais e a composição de espécies aumentando. Mudanças climáticas também po- quando várias barragens são implantadas em um dem possivelmente alterar os regimes hidrológi- mesmo rio. cos que basearam os projetos dos vertedouros das No saldo final, os impactos sobre o ecossistemas barragens. são mais negativos do que positivos e, em muitos •A sedimentação e a consequente redução no lon- casos, provocaram danos significativos e go prazo da capacidade de armazenamento é irreversíveis a espécies e ecossistemas. Em certos uma grave preocupação em todo o mundo, cujos casos, porém, houve um aumento do valor do ecos- efeitos serão sentidos particularmente nas baci- sistema, graças à criação de novos habitats em áre- as com taxas elevadas de erosão de origem geo- as alagadas e às oportunidades de pesca e recrea- lógica ou humana, em barragens construídas nas ção geradas pelos novos reservatórios. extensões a jusante dos rios e em barragens com A Comissão constatou que, das represas estuda- reservatórios de menor capacidade. das por cientistas até o momento, todas emitem • Alagamento e salinização afetam um quinto das gases que contribuem para o efeito estufa, como terras irrigadas do mundo - incluindo terras ocorre com os lagos naturais, devido à decompo- irrigadas por grandes barragens - e apresentam sição de vegetação e ao influxo de carbono na

Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões graves impactos de longo prazo, muitas vezes per- captação. A intensidade dessas emissões varia manentes, sobre a terra, a agricultura e a subsis- muito. Dados preliminares do Estudo de Caso tência da população se não forem empreendi- sobre uma usina hidrelétrica no Brasil mostram dos esforços de reabilitação ambiental. que o nível bruto dessas emissões é significativo quando comparado com as emissões de usinas Partindo das informações sobre o desempenho das termelétricas equivalentes. grandes barragens inclusas na Base de Conheci- mentos da CMB, o relatório da Comissão mostra Entretanto, em outras represas estudadas (par- que existe uma considerável margem de aperfei- ticularmente em zonas boreais), a emissão bru- çoamento na seleção de projetos de barragens e ta de gases do efeito estufa é significativamente menor do que a da alternativa termelétrica. Uma As Pessoas e as Grandes Barragens comparação plena exigiria que fossem medidas Quanto aos impactos sociais das barragens, a Co- as emissões de habitats naturais anteriores ao re- missão constatou que muitas vezes os efeitos nega- presamento. Novas pesquisas e estudos caso-a- tivos não são adequadamente avaliados ou sequer caso são necessários para demonstrar a possibi- considerados. A gama desses impactos é conside- lidade das usinas hidrelétricas provocarem mu- rável - sobre a vida, a subsistência e a saúde das danças climáticas. comunidades afetadas que dependem do ambien- Até o momento, os esforços para amenizar os im- te ribeirinho: pactos das grandes barragens sobre ecossistemas ti- • Entre 40 e 80 milhões de pessoas foram fisicamen- veram sucesso limitado devido ao descaso em se te deslocadas por barragens em todo o mundo. prever e evitar tais impactos, à má qualidade e pou- ca confiabilidade dos prognósticos, à dificuldade de •Milhões de pessoas que vivem a jusante de bar- enfrentar todos os impactos e à implementação e ragens - particularmente aquelas que dependem sucesso apenas parciais das medidas de mitigação das funções naturais das planícies aluviais e da ambiental. Mais especificamente: pesca - também sofreram graves prejuízos em seus meios de subsistência e a produtividade fu- •Não é possível mitigar muitos dos impactos de tura dos recursos foi colocada em risco. uma represa sobre os ecossistemas e a biodiver- sidade terrestres, e esforços para o resgate de •Muitas das pessoas deslocadas não foram reco- animais silvestres tiveram pouco êxito a longo nhecidas (ou cadastradas) como tal e, portanto, prazo. não foram reassentadas nem indenizadas. •O uso de escadas de peixes para mitigar os im- •Nos casos em que houve indenização, esta quase pactos sobre as espécies migratórias não teve su- sempre mostrou-se inadequada; e nos casos em

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1. T cesso, pois muitas vezes a tecnologia não era ade- que as pessoas deslocadas foram devidamente 306 quada para os locais e as espécies em questão. cadastradas, muitas não foram incluídas nos pro- gramas de reassentamento. •A mitigação eficiente dos impactos deletérios resulta de uma boa base de informações, da coo- • Aquelas que foram reassentadas raramente tive- peração antecipada entre ecologistas, projetistas ram seus meios de subsistência restaurados, pois da barragem e pessoas afetadas, e do monitora- os programas de reassentamento em geral con- mento e acompanhamento regulares da eficácia centram-se na mudança física, excluindo a recu- das medidas de mitigação. peração econômica e social dos deslocados. • Cada vez mais, os requerimentos ambientais para •Quanto maior a magnitude do deslocamento, o controle de vazões vêm sendo usados para re- menor a probabilidade de que os meios de sub- duzir os impactos das alterações nos regimes hi- sistência das populações afetadas possam ser drológicos sobre os ecossistemas aquáticos, restaurados. aluviais e costeiros a jusante. •Mesmo nos anos 90, em muitos casos os impactos Dado o sucesso limitado das medidas tradicionais sobre os meios de subsistência a jusante não fo- de mitigação, leis para evitar ou minimizar os im- ram adequadamente avaliados ou considerados pactos ecológicos têm recebido cada vez mais aten- no planejamento e projeto de grandes barragens. ção, preservando em seu estado natural segmen- Em suma, a Base de Conhecimentos demonstrou tos ou bacias fluviais específicas e selecionando haver uma falta generalizada de compromisso ou projetos, locais ou concepções alternativas. Além de capacidade ao se lidar com o deslocamento de disso, os governos têm experimentado uma abor- pessoas. Além disso, as grandes barragens incluí- Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões dagem “compensatória”, contrabalançando a per- das na Base de Conhecimentos também tiveram da de ecossistemas e biodiversidade provocada por grandes efeitos adversos sobre o patrimônio cul- uma grande barragem com investimentos em me- tural, devido ao desaparecimento de recursos cul- didas de conservação e regeneração, e através da turais das comunidades locais e à submersão e proteção de outros sítios ameaçados com valor degradação de restos vegetais e animais, sepulcros ecológico equivalente. Por fim, em diversos países e monumentos arqueológicos. industrializados, e particularmente nos Estados Unidos, a restauração de ecossistemas vem sendo A Base de Conhecimentos indica que é provável que implementada através da desativação de grandes os pobres, outros grupos vulneráveis e as gerações e pequenas barragens. futuras arquem com uma parcela desproporcional dos custos sociais e ambientais dos projetos de gran- Se essas opções forem vistas de maneira integrada, des barragens sem que obtenham uma parcela cor- e não destinadas a setores específicos, poderemos respondente dos benefícios econômicos: tirar algumas lições de âmbito geral: • Povos indígenas e tribais e minorias étnicas vulne- •No que diz respeito à administração da deman- ráveis sofreram um nível desproporcional de des- da, as opções incluem redução do consumo, locamentos e impactos negativos sobre os meios reciclagem e alternativas tecnológicas e políti- de subsistência, a cultura e a existência espiritual. cas capazes de promover um uso mais eficiente da água e da eletricidade pelo usuário final. O • Populações afetadas que moram perto de repre- potencial da administração da demanda ainda sas, bem como pessoas deslocadas e comunida- permanece em grande parte inexplorado, mas des a jusante, sofreram freqüentemente efeitos seus benefícios são universais e constituem uma adversos sobre sua saúde e meios de subsistên- grande oportunidade para reduzir a pressão so- cia, decorrentes das mudanças no meio ambien- bre os recursos hídricos e energéticos, e tam- te e da ruptura social. bém para obter outros benefícios - como a re- •Dentre as comunidades afetadas, a desigualda- dução das emissões de gases que contribuem de entre os sexos muitas vezes aumentou, com para o efeito estufa. as mulheres sofrendo uma parcela desproporci- onal dos custos sociais e, via de regra, sendo dis- •Melhorar a administração de sistemas - aumen- criminadas na partilha dos benefícios. tando-se a eficiência do fornecimento, do trans- porte e da transmissão - poderá adiar a necessi- Onde existem tais iniqüidades na distribuição dos dade de novas fontes de oferta. Perdas desneces- custos e benefícios, o Estudo Global ressalta que sárias podem ser evitadas consertando-se vaza- uma abordagem do tipo “balanço geral” para mentos de água no sistema, implementando-se

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1. contabilizar os custos e benefícios torna-se cada um programa adequado de manutenção e atua- T vez mais inaceitável em termos de equidade e como lizando-se a tecnologia de controle, transmissão 307 meio de escolher os “melhores” projetos. Seja e distribuição de eletricidade. como for, a verdadeira lucratividade econômica dos projetos de grandes barragens permanece •Em todos os setores, a administração das bacias imponderável, pois os custos ambientais e sociais e das áreas de captação por meio de medidas foram mal contabilizados em termos econômicos. vegetativas e estruturais representa uma oportu- Em particular, a não contabilização desses impac- nidade para se reduzir a sedimentação nas re- tos e o não cumprimento dos compromissos assu- presas e canais, e para se gerenciar o ritmo e midos levaram ao empobrecimento e sofrimento quantidade dos fluxos sazonais, anuais e de pico, de milhões de pessoas. Isso tem gerado em todo o e também a recomposição dos lençóis freáticos. mundo uma oposição crescente às barragens por •Diversas opções de fornecimento apropriadas a parte das comunidades afetadas. Mas têm surgido cada local e ambiente específico têm surgido, sen- alguns exemplos inovadores de processos de in- do economicamente viáveis e aceitáveis para o denização e compartilhamento de benefícios, dan- público. Essas incluem a reciclagem, o aproveita- do a esperança de que as injustiças do passado tal- mento de águas pluviais e o uso de energia eólia. vez possam ser remediadas e as do futuro evitadas. A capacidade das várias opções atenderem as ne- cessidades existentes e futuras, ou de substituí- Opções para o Desenvolvimento de Recur- rem as ofertas convencionais, depende de cada sos Hídricos e Energéticos contexto específico. No geral, porém, elas possu- O Estudo Global examinou as opções para se aten- em um grande potencial - tanto individual como der as necessidades de energia, água e alimentos coletivamente. Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões nas circunstâncias atuais, e também as barreiras e as condições propícias que determinam a escolha ou adoção de uma opção em particular. Hoje exis- Tomada de Decisões, Planejamento e Ga- tem muitas opções - incluindo o gerenciamento da rantia de Cumprimento demanda, o aumento da eficiência da oferta e a ofer- Como opção de desenvolvimento, as grandes bar- ta de novas opções de fornecimento. Todas podem ragens sempre tenderam a tornar-se o ponto fo- melhorar ou ampliar os serviços de água e ener- cal dos interesses de políticos, de órgãos gover- gia, atendendo a crescente necessidade de desen- namentais dominantes e centralizados, de agên- volvimento em todos os segmentos da sociedade. cias internacionais de financiamento e do setor de construção civil. O envolvimento da socieda- • Atividades insuficientes de monitoramento e ava- de varia conforme o grau de debate e de abertu- liação de barragens já construídas têm impedi- ra política de cada país. Porém, as barragens in- do que se aprenda por experiência. clusas na Base de Conhecimentos da CMB reve- • Muitos países ainda não estabeleceram períodos lam que houve um fracasso generalizado em se de licenciamento que estabeleçam as responsa- reconhecer as pessoas afetadas como parceiras, bilidades do proprietário ao fim da vida útil de com direitos, no processo de planejamento e em uma barragem. dar-lhes poder para participarem do processo. O efeito líquido dessas dificuldades é que, depois A ajuda estrangeira representa menos de 15% do que um projeto de barragem é aprovado em testes total das verbas destinadas à construção de bar- preliminares de viabilidade técnica e econômica e ragens nos países em desenvolvimento. Não atraiu o interesse do governo, de órgãos externos obstante, esses fundos - mais de US$ 4 bilhões de financiamento ou de políticos, a própria inércia por ano durante o pico de empréstimos entre do projeto em andamento costuma prevalecer so- 1975 e 1984 - desempenharam um papel impor- bre outras avaliações. Como resultado, inúmeras tante para promover e financiar grandes proje- barragens foram construídas sem qualquer avalia- tos em países que construíam somente algumas ção abrangente ou apreciação dos critérios técni- poucas barragens. Esses países costumam ser vul- cos, financeiros e econômicos aplicáveis na época - neráveis a conflitos de interesses entre governos, sem sequer um exame dos critérios sociais e ambi- doadores e setores da economia envolvidos em entais que se aplicam no contexto atual. O fato de programas de auxílio ao exterior, de um lado, e a que muitos desses projetos não atendem os padrões melhoria dos resultados do desenvolvimento para desses contextos não é, portanto, surpreendente - populações rurais, particularmente as mais po- mas nem por isso é menos preocupante. bres, de outro. Em menor grau, esse auxílio favo-

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1. T receu os países maiores que desejavam construir Os conflitos em torno das barragens também deri- 308 muitas barragens (incluindo China, Índia e Bra- vam da incapacidade dos seus defensores e dos sil), primordialmente através da provisão de fi- órgãos de financiamento cumprirem os compro- nanciamento para programas de construção. Em missos assumidos, respeitarem os regulamentos bacias fluviais compartilhadas por mais de um estabelecidos e se aterem às diretrizes e normas país, a falta de acordos sobre o uso da água é uma internas de suas instituições. Em alguns casos, as preocupação crescente e constitui motivo de ten- oportunidades de corrupção propiciadas pelas são. Isso é tanto mais verdade à medida que as barragens, como projetos infra-estruturais de gran- exigências vão aumentando e as decisões unilate- de porte, contribuíram para distorcer ainda mais rais de construir grandes barragens tomadas por o processo decisório, o planejamento e a um país alteram os fluxos de água de uma bacia, implementação. Embora tenha havido uma com conseqüências graves para os demais países melhoria significativa nas diretrizes públicas, nos que compartilham a mesma bacia. requisitos legais e nas normas de avaliação, parti- Um exame do ciclo de planejamento e projeto de cularmente nos anos 90, as coisas ainda parecem grandes barragens revela uma série de limitações, continuar como antes no que diz respeito ao pla- riscos e falhas no modo como essas construções nejamento e às decisões efetivas. são planejadas, operadas e avaliadas: Além do mais, quando há divergências substanci- ais entre os defensores de um projeto e aqueles •A participação nos processos de planejamento que serão afetados por ele, qualquer modificação de grandes barragens e a transparência desses nos planos e decisões exige que se recorra a medi- processos não costuma ser nem abrangente nem das jurídicas fora do processo normal de planeja-

Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões aberta. mento. Consultas regionais realizadas pela Comis- •A avaliação de opções, via de regra, tem âmbito são mostraram que, em sua maioria, os conflitos limitado e é confinada primordialmente a do passado continuam sem solução por diversos parâmetros técnicos e à aplicação restrita de aná- motivos - incluindo falta de experiência jurídica lises econômicas de custo/benefício. ao recorrer de sentenças, resolver disputas e ado- tar outros mecanismos de apelação. •A participação das populações afetadas e a avali- ação dos impactos ambientais e sociais só costu- O Estudo Global também apresenta exemplos e ma ocorrer tardiamente no processo, e tem al- ilustrações recentes de boas práticas, que servem cance limitado. de base para o otimismo da Comissão de que as barreiras são superáveis e as dificuldades não são de uma grande barragem e das opções alternati- inevitáveis. Como meios de reduzir impactos ne- vas para todas as partes envolvidas. Significa que é gativos e conflitos, essas experiências mostram que necessária a incorporação de novas vozes, perspec- existem oportunidades - e, na realidade, uma res- tivas e critérios ao processo decisório. Significa tam- ponsabilidade - de: bém que temos de adotar uma abordagem capaz • Aumentar a eficiência dos ativos existentes; de obter consenso em torno das decisões toma- das. Isso resultará em mudanças fundamentais no • Evitar e minimizar os impactos sobre ecossiste- modo como as decisões são tomadas. mas; Esses processo deve começar com um entendimen- • Adotar a análise participativa das opções e ne- to claro dos valores, objetivos e metas compartilha- cessidades de desenvolvimento, valendo-se de das de desenvolvimento. A Comissão agrupou os critérios diversos; valores essenciais que mostram o seu entendimen- •Assegurar a melhoria dos meios de subsistência to dessas questões sob cinco tópicos fundamentais: das pessoas desalojadas e afetadas pelo projeto; e • Eqüidade; •Resolver injustiças e desigualdades passadas, • Eficiência; transformando as pessoas afetadas pelo projeto em seus beneficiários; • Processo decisório participativo; • Realizar monitoramentos constantes e revisões • Sustentabilidade; periódicas; e • Responsabilidade. • Elaborar, aplicar e reforçar incentivos, sanções e Esses cinco valores estão presentes no relatório mecanismos de apelação - especialmente na área inteiro e são o foco das preocupações que surgi- de desempenho ambiental e social.

ram com as evidências apresentadas no Estudo enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1.

T As recomendações da Comissão indicam um ca- Global. Estão também alinhados com o modelo minho capaz de melhorar o planejamento, o pro- internacional de normas elaborado na Declaração 309 cesso decisório e o cumprimento dos preceitos dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que a envolvendo grandes barragens, ampliando assim Comissão considera um modelo importante de as opções disponíveis - sejam elas tecnológicas, padrões internacionalmente aceitos. Há hoje um políticas ou institucionais - e oferecendo soluções apoio considerável para que os direitos, e em par- economicamente eficientes, socialmente eqüitati- ticular os direitos humanos básicos, sejam consi- vas e ambientalmente sustentáveis para atender as derados um ponto de referência fundamental em necessidades futuras de água e energia. qualquer debate sobre barragens - desde a Decla- ração Universal dos Direitos Humanos adotada em 1948 e outros acordos similares adotados desde Como Podemos Obter Resultados Melhores? então até a Declaração sobre o Direito ao Desen- O debate sobre barragens é um debate sobre o volvimento adotada pela Assembléia Geral em 1986 próprio significado, propósito e caminhos do de- e os Princípios do Rio de Janeiro, estabelecidos na senvolvimento. Como toda e qualquer opção de Conferência das Nações Unidas sobre o Meio desenvolvimento, as decisões sobre barragens e Ambiente e Desenvolvimento em 1992. suas alternativas precisam atender uma ampla gama de necessidades, expectativas, objetivos e Dada a importância das questões envolvendo tais restrições. São uma função da escolha pública e direitos e a natureza e magnitude dos possíveis ris- de políticas públicas. Para resolver os conflitos cos a todas as partes envolvidas, a Comissão propõe subjacentes à eficácia das barragens e suas alter- que seja desenvolvida uma abordagem baseada no nativas, é preciso haver um amplo consenso acer- “reconhecimento dos direitos” e “avaliação dos ris-

Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões ca das normas que regem as escolhas de desenvol- cos” (particularmente dos direitos que correm ris- vimento e os critérios que devem definir o proces- co) e que esta se torne o instrumento quer norteará so de negociação e a tomada de decisões. o planejamento e a tomada de decisões no futuro. Tal abordagem também permitirá que se crie um Para melhorar os frutos do desenvolvimento no modelo mais eficaz para integrar as dimensões eco- futuro, precisamos considerar os projetos propos- nômica, social e ambiental na avaliação de opções tos para desenvolver recursos hídricos e e nos ciclos de planejamento e projeto. energéticos num cenário muito mais amplo - um cenário que reflita um conhecimento e compre- Contextualizar os direitos em um projeto pro- ensão plenas dos benefícios e impactos do projeto posto é um passo essencial para identificar as reivindicações e as prerrogativas (ou direitos ad- água, barragens e desenvolvimento. Ainda que quiridos) que possam vir a ser afetadas pelo pro- com tal abordagem os desafios sejam maiores nos jeto - ou por suas alternativas. É também a base primeiros estágios da avaliação de opções e con- para identificar claramente quais as partes en- cepção do projeto, ela conduz a uma maior clare- volvidas que devem ter um papel formal no pro- za e legitimidade nas etapas subsequentes do pro- cesso consultivo e, mais adiante, nas negociações cesso decisório e da implementação das decisões. de acordos específicos do projeto - envolvendo, por exemplo, distribuição dos benefícios, reas- Depois de estabelecer como fundamento os cinco sentamento ou indenizações. valores essenciais e uma abordagem que considera os direitos e os riscos, a Comissão formulou uma A noção de risco acrescenta uma dimensão impor- maneira construtiva e inovadora de promover a to- tante à compreensão de como, e em que grau, um mada de decisões, abrangendo sete prioridades es- projeto poderá afetar esses direitos. Na prática tra- tratégicas e os princípios normativos corresponden- dicional, a definição de risco restringe-se ao risco tes. Esses foram redigidos com base nos resultados dos construtores ou investidores institucionais em a serem alcançados e têm como suporte um con- termos do capital aplicado e dos retornos espera- junto de diretrizes e princípios práticos que devem dos. Esses indivíduos, que assumem tais riscos por ser adotados, adaptados e usados por todos os en- vontade própria, têm o poder de definir qual o volvidos no debate sobre barragens. Esses princípi- grau e tipo de risco que desejam assumir, e podem os deixam de lado a abordagem tradicional definir explicitamente quais são os limites aceitá- hierarquizada com foco na tecnologia e defendem veis desse risco. Em contraste, como o Estudo Glo- inovações significativas para avaliar opções, bal mostrou, há um grupo muito maior de pesso- gerenciar barragens existentes, conquistar a aceita- as que é obrigado contra a sua vontade a correr ção pública e negociar e compartilhar benefícios. riscos que são administrados por outros. Via de

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1.

T regra, aqueles que correm risco involuntariamente têm pouca ou nenhuma voz ativa na política 310 Prioridades Estratégicas para a Tomada de hídrica e energética em geral, na escolha de pro- Decisões: jetos específicos ou mesmo na concepção e Conquista da Aceitação Pública implementação de um projeto. Os riscos que en- A aceitação pública de decisões fundamentais é frentam afetam diretamente seu bem-estar indivi- essencial para o desenvolvimento equitativo e sus- dual, seus meios de subsistência, a qualidade de tentável de recursos hídricos e energéticos. A acei- vida e até a sua visão espiritual de mundo e a sua tação surge quando os direitos são reconhecidos, própria sobrevivência. os riscos são admitidos e estipulados, e as prerro- Lidar com riscos não é algo que possa ser reduzi- gativas de todas as populações afetadas são salva- do à consulta de tabelas atuariais ou à aplicação guardadas - particularmente as dos povos indíge- de uma fórmula matemática. No final, como no nas e tribais, das mulheres e de outros grupos vul- caso dos direitos, os riscos têm de ser identifica- neráveis. Processos e mecanismos decisórios espe- dos, nomeados e enfrentados explicitamente. Isso cíficos que permitam a participação esclarecida de exige que o reconhecimento de risco seja estendi- todos os grupos de pessoas devem ser adotados, do a um grupo maior, que abranja não apenas resultando na aceitação demonstrável das princi- governos e construtores mas também as pessoas pais decisões. Quando os projetos afetarem povos afetadas pelo projeto e o próprio meio ambiente indígenas e tribais, tais processos deverão ser gui- enquanto patrimônio público. ados pelo consentimento livre, prévio e esclareci- A avaliação das opções e os ciclos de planejamen- do dessas populações. to e projeto exigem uma abordagem que conside- • Reconhecer os direitos e avaliar os riscos constitu- Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões re tanto os direitos como os riscos e que possa cons- em a base para se identificar e incluir todas as par- tituir-se num modelo eficaz para determinar quem tes envolvidas na tomada de decisões sobre o de- detém um lugar legítimo na mesa de negociações senvolvimento de recursos hídricos e energéticos. e quais as questões que precisam ser colocadas em discussão. Tal abordagem habilita processos •Todas as partes envolvidas - particularmente po- decisórios voltados para a busca de resultados ne- vos indígenas e tribais, mulheres e outros gru- gociados, conduzidos de maneira aberta e trans- pos vulneráveis - dever ter livre acesso a informa- parente, que incluam todos que estão efetivamen- ções e contar com apoio jurídico para que pos- te envolvidos na questão - ajudando assim a resol- sam ter uma participação esclarecida nos pro- ver as inúmeras e complexas questões envolvendo cessos decisórios. •A aceitação pública demonstrável de todas as Aproveitamento das Barragens Existentes principais decisões é obtida através de acordos Em diversas barragens existentes, é possível otimizar negociados em processos abertos e transparentes, seus benefícios, resolver questões sociais penden- conduzido em boa-fé e com a participação tes e intensificar as medidas de mitigação e restau- esclarecida de todas as partes envolvidas. ração ambiental. As barragens e o contexto em que • As decisões sobre projetos que afetam povos in- operam não devem ser vistos como algo estático ao dígenas e tribais devem ser orientadas pelo con- longo do tempo. Os benefícios e impactos podem sentimento livre, prévio e esclarecido desses po- variar se houver alteração nas prioridades de uso vos através de corpos representativos formais e in- da água, mudanças físicas e de terreno nas bacias formais. fluviais, avanços tecnológicos e se forem modifica- das as diretrizes públicas expressas na legislação ambiental, econômica, técnica e de segurança. As Avaliação Abrangente das Opções práticas administrativas e operacionais devem se Muitas vezes existem alternativas a uma barragem. adaptar continuamente a circunstâncias novas du- Para explorar essas alternativas, as necessidades de rante toda a vida útil de um projeto e um esforço água, alimento e energia devem ser avaliadas e os especial deve ser empreendido para resolver as ques- objetivos definidos com clareza. O tipo de desen- tões sociais pendentes. volvimento apropriado será identificado dentre • Após a fase de projeto, deve ser introduzido um uma série de opções possíveis, com base numa ava- processo abrangente de monitoramento e avali- liação abrangente e participativa da gama completa ação da barragem. Deve-se igualmente criar um de opções políticas, institucionais e técnicas. Nes- sistema a longo prazo para rever periodicamen- se processo de avaliação, os aspectos sociais e am- te o desempenho, os benefícios e os impactos de bientais devem ter a mesma importância que os

todas as grandes barragens existentes. enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1. fatores econômicos e financeiros. O processo de T avaliação de opções continuará durante todos os • Programas para restaurar, melhorar e otimizar 311 estágios de planejamento, desenvolvimento e fun- os benefícios das grandes barragens existentes cionamento do projeto. devem ser identificados e implementados. As opções a serem consideradas incluem: refor- • As necessidades e objetivos de desenvolvimento mar, modernizar e atualizar equipamentos e ins- devem ser formulados com clareza através de um talações; otimizar o funcionamento das repre- processo aberto e participativo antes de serem sas; e introduzir medidas não-estruturais que identificadas e avaliadas as opções de desenvol- aumentem a eficiência da prestação e utiliza- vimento de recursos hídricos e energéticos. ção dos serviços. • Abordagens de planejamento que levam em • As questões sociais pendentes relativas às gran- consideração a gama completa de objetivos de des barragens existentes devem ser identificadas desenvolvimento devem ser usadas para avaliar e avaliadas. E processos e mecanismos devem ser todas as opções políticas, institucionais, admi- desenvolvidos junto com as comunidades afeta- nistrativas e técnicas antes de se tomar a deci- das para saná-las. são de proceder com um determinado progra- ma ou projeto. •A eficácia das medidas existentes de mitigação ambiental devem ser avaliadas e os impactos im- •Os aspectos sociais e ambientais têm a mesma previstos identificados. As oportunidades para importância que os fatores técnicos, econômicos mitigar, restaurar e melhorar o meio ambiente e financeiros na avaliação das opções. devem ser reconhecidas, identificadas e postas • Aumentar a eficácia e a sustentabilidade dos atu- em prática.

Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões ais sistemas de água, irrigação e energia deve •Em todas as grandes barragens existem acordos ser uma prioridade no processo de avaliação de operacionais formais com prazos estipulados de opções. licenciamento; nos casos em que os processos de • Se uma avaliação abrangente das opções resol- re-planejamento e re-licenciamento indicarem ver que uma barragem é a escolha preferencial, que mudanças profundas nas instalações ou até princípios sociais e ambientais deverão ser apli- o descomissionamento da barragem podem ser cados na revisão e seleção das opções durante vantajosas, deve ser empreendido um exame todas as fases de planejamento detalhado, proje- completo da viabilidade da barragem e uma ava- to, construção e operação. liação dos seus impactos sociais e ambientais. Preservação de rios e meios de subsistência Reconhecimento de direitos adquiridos e compar- Os rios, bacias hidrográficas e ecossistemas aquá- tilhamento de benefícios ticos são os motores biológicos do planeta e a base Negociações em conjunto com as populações ad- da vida e do sustento de comunidades locais. As versamente afetadas por uma barragem resultam barragens transformam a paisagem e criam o ris- em preceitos de desenvolvimento e mitigação am- co de impactos irreversíveis. Compreender, pro- biental estabelecidos de mútuo acordo e com fun- teger e restaurar os ecossistemas no nível das ba- damento jurídico. Esses preceitos reconhecem o cias fluviais é essencial para promover o desen- direito adquirido das populações afetadas aos volvimento humano eqüitativo e o bem-estar de meios de subsistência e à qualidade de vida, e re- todas as espécies. Avaliar opções e tomar decisões conhecem que essas populações devem ser levando em consideração o desenvolvimento dos beneficiárias do projeto. Iniciativas bem-sucedidas rios contribui para priorizar a minimização dos de mitigação ambiental, reassentamento e desen- impactos e para minimizar e mitigar os danos à volvimento são compromissos e responsabilidades saúde e à integridade do sistema fluvial. Evitar fundamentais do Estado e da construtora. Cabe a impactos mediante a seleção de locais apropria- eles o ônus de demonstrar a todas as pessoas afeta- dos e a escolha de um bom projeto deve ser das que seus meios de subsistência irão melhorar prioritário. Além disso, a liberação controlada de se deixarem o contexto e os recursos atuais. O com- fluxos ambientais pode contribuir para a preser- promisso das partes responsáveis em cumprir os vação dos ecossistemas a jusante e das comunida- preceitos mutuamente aceitos de mitigação ambi- ental, reassentamento e desenvolvimento deve ser des que deles dependem. garantido por meios legais, como contratos, e • Antes de serem tomadas decisões acerca das op- mediante acesso ao recursos jurídicos cabíveis em ções de desenvolvimento, é necessário compre- nível nacional e internacional.

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1. T ender não só as funções, valores e requisitos do •O reconhecimento dos direitos e a avaliação dos ecossistema considerando a bacia como um todo, 312 riscos constituem a base para identificar as partes mas também como o sustento da comunidade afetadas adversamente e incluí-las nas negociações depende desse ecossistema e o influencia. sobre mitigação ambiental e reassentamento e nas • As decisões devem valorizar as questões sociais decisões relativas ao desenvolvimento. e as questões ligadas à saúde e ao ecossistema •A avaliação dos impactos deve incluir todas as como parte integrante do projeto e do desen- pessoas - nas áreas da represa, a montante, a ju- volvimento da bacia fluvial. Evitar impactos é sante e de captação - cujas propriedades, meios prioritário, em conformidade com o princípio de subsistência e recursos não-materiais forem da precaução. afetados. Deve incluir também todos aqueles que • Uma política nacional para a preservação de rios forem afetados por obras de infra-estrutura liga- selecionados cujos ecossistemas possuem funções das à barragem, tais como canais, linhas de trans- e valores elevados em estado natural deve ser ela- missão e povoados de reassentamento. borada. Ao examinar-se sítios alternativos para •Todas as pessoas afetadas adversamente devem barragens em rios intocados, deve-se dar priori- negociar formalmente, de mútuo acordo e com dade a locais nos seus afluentes. fundamentação jurídica o seu direito à mitigação ambiental, reassentamento e desenvolvimento. • As opções de projetos que evitam impactos sig- nificativos sobre espécies comprometidas ou • As pessoas afetadas adversamente devem ser re- ameaçadas devem ser preferidas. Quando não conhecidas como as primeiras beneficiárias dos for possível evitar impactos, medidas viáveis de projeto. Os mecanismos que irão assegurar a Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões compensação devem ser postas em prática, re- devida implementação desses benefícios devem sultando num ganho líquido para a espécie den- ser negociados de mútuo acordo e com funda- tro daquela região. mentação jurídica. • Uma grande barragem deve ser capaz de libe- rar fluxos ambientais que contribuam para a Garantia de Cumprimento integridade do ecossistema e para o sustento Para assegurar a confiança do público, é preciso das comunidades a jusante, e deve ser projeta- que governos, construtoras, legisladores e opera- da, modificada e operada de acordo com este dores cumpram todos os compromissos assumidos preceito. no planejamento, implementação e operação das barragens. A obediência às leis pertinentes, medi- mútuo na cooperação regional e na colaboração ante critérios, diretrizes e acordos negociados para pacífica. Isso leva a uma mudança de enfoque - de cada projeto, deve ser assegurada em todos os es- uma abordagem estreita (a alocação de um recurso tágios críticos do planejamento e implementação finito) ao compartilhamento de rios e seus benefí- de uma barragem. cios correlatos - em que os Estados se mostram ino- vadores ao definirem o âmbito das questões que Um conjunto de incentivos e mecanismos que se fortaleçam reciprocamente é necessário para apli- serão discutidas. Os órgãos externos de financia- car as medidas sociais, ambientais e técnicas. Essas mento devem dar o seu apoio aos princípios de medidas devem envolver uma mistura adequada negociações de boa-fé entre Estados ribeirinhos. de normas regulamentares e não-regulamentares, •As políticas de recursos hídricos de uma nação e incluir incentivos e sanções. Para uma maior efi- devem estabelecer provisões específicas para acor- cácia, a estrutura de regulamentos e de mecanis- dos sobre o uso de bacias fluviais compartilhadas. mos que garantam o cumprimento dos compro- Esses acordos devem ser negociados de boa-fé missos assumidos deve fazer de uso incentivos e entre os Estados ripícolas e baseados em princípi- sanções nos casos em que for necessário flexibili- os de utilização equitativa e razoável, na ausência dade para adaptar-se a novas circunstâncias. de intenção dolosa, em informações prévias e nas • Um conjunto de critérios e diretrizes claras, con- prioridades estratégicas da Comissão. sistentes e comuns que assegurem o cumprimen- •Os Estados ripícolas devem ir além de conside- to dos compromissos assumidos deve ser adota- rar a água como um mero bem finito a ser divi- do pelas instituições patrocinadores, contratan- dido e adotar uma abordagem que distribua tes e financiadoras, sendo que o cumprimento equitativamente não só a água mas também to- deve estar sujeito a revisões independentes e dos os benefícios que podem advir dela. Nos ca- transparentes. sos apropriados, as negociações devem incluir be-

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1.

T • Antes do início de cada projeto, deve ser prepara- nefícios externos à bacia fluvial e outros aspec- do um plano que garanta o cumprimento dos com- tos de interesse mútuo. 313 promissos assumidos, especificando como isso será • Não devem ser construídas barragens em rios que alcançado e incluindo critérios e diretrizes relevan- atravessam mais de um país se um dos Estados tes. Devem também ser especificadas as disposições ripícolas levantar uma objeção que for confirma- que regerão os compromissos técnicos, sociais e da por um tribunal independente. Disputas in- ambientais de cada projeto específico. conciliáveis entre países devem ser resolvidas • Instituições financeiras públicas e privadas de- através dos diversos meios de resolução de dis- vem formular os incentivos que irão recompen- putas, inclusive, em última instância, o Tribunal sar os defensores do projeto que respeitarem os Internacional de Justiça. critérios e diretrizes. •No caso de projetos em rios que atravessam mais •Os custos para instituir e aplicar os mecanismos de uma unidade política de um país, as provisões institucionais ou não que garantirão o cumpri- legislativas cabíveis devem ocorrer nos níveis na- mento do que foi estabelecido devem ser incor- cional e subnacional, incorporando as priorida- porados ao orçamento do projeto. des estratégicas da Comissão para “conquistar acei- tação pública”, “reconhecer direitos adquiridos” • As práticas corruptas devem ser evitadas medi- e “preservar rios e meios de subsistência”. ante a aplicação rigorosa da legislação em vigor, pactos voluntários de integridade, cláusulas de • Se um órgão governamental planejar ou promo- exclusão e outros instrumentos. ver a construção de uma barragem num rio com- partilhado, transgredindo o princípio da nego- ciação de boa-fé entre unidades ripícolas, as agên-

Compartilhamento de rios para a paz, desenvolvi- cias externas de financiamento devem retirar seu Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões mento e segurança apoio aos projetos e programas patrocinados por O armazenamento e desvio da água de rios frontei- esse órgão. riços têm sido uma fonte de considerável tensão entre países limítrofes e dentro de um mesmo país. Um Novo Enfoque para o Planejamento e Uma barragem, sendo uma intervenção específica para desviar água, requer cooperação construtiva. a Tomada de Decisões Consequentemente, cada vez mais a utilização e o As prioridades estratégicas recomendadas pela gerenciamento dos recursos estarão sujeitos a acor- Comissão fazem parte de um amplo arcabouço de dos entre Estados que promovam o seu interesse diretrizes e normas existentes e emergentes em nível local, nacional e internacional. Para que es- conhecimentos sobre boas práticas e agregam va- sas prioridades e os princípios subjacentes tornem- lor às diretrizes nacionais e internacionais em vi- se realidade é preciso haver um novo enfoque para gor, incluindo aquelas envolvendo aspectos técni- o planejamento e o gerenciamento dos setores de cos, econômicos e financeiros. Tomados em con- recursos hídricos e energéticos. junto com os instrumentos que já existem para dar suporte à tomada de decisões, os critérios e dire- A melhor maneira de realizar isso é concentran- trizes da Comissão oferecem uma nova direção do-se naquelas etapas-chave do processo decisório para o desenvolvimento oportuno e sustentável. que influenciam os resultados finais e nas quais o cumprimento dos preceitos regulamentares possa Para que tal mudança se concretize é necessário que: ser verificado. A Comissão identificou cinco pon- • Planejadores identifiquem as partes envolvidas tos críticos do processo decisório envolvendo op- mediante um processo que reconheça os direi- ções de água e energia. Os dois primeiros dizem tos e avalie os riscos; respeito ao planejamento e levam a decisões so- bre o plano de desenvolvimento preferido: • Estados invistam mais em estágios preliminares de planejamento de modo a eliminar projetos 1. Avaliação das necessidades - validando as neces- inadequados e facilitar a integração entre seto- sidades de serviços de água e energia; res cujo contexto é a bacia hidrográfica; 2. Seleção de alternativas - identificando qual é o • Consultores e agências garantam que os resulta- plano de desenvolvimento preferido dentre dos dos estudos de viabilidade sejam social e uma ampla gama de opções. ambientalmente aceitáveis; Se esse processo determinar que uma barragem é •A participação seja aberta e significativa em to- a alternativa de desenvolvimento preferida, três das as fases de planejamento e implementação,

enotã-Mõ - Parte V - Capítulo 13.1. T outros pontos críticos de decisão ocorrem: promovendo resultados negociados; 314 3. Preparação do projeto - verificando que os de- • Construtores aceitem, através de compromissos vidos acordos estejam assinados antes da pro- contratuais, responsabilidade para efetivamente posta formal de construção; mitigar os impactos sociais e ambientais; 4. Implementação do projeto - confirmando que •O cumprimento dos preceitos seja reforçado atra- os preceitos estabelecidos estão sendo cumpri- vés de um processo de revisão independente; e dos antes do comissionamento do projeto; e •Donos de barragens apliquem as lições de expe- 5. Operação do projeto - adaptando-o a novos riências passadas com monitoramento constan- contextos. te e a devida adaptação a novas necessidades e Cada um dos cinco pontos de decisão representa contextos. um compromisso com as ações que devem reger a A Comissão apresenta esses critérios e diretrizes no conduta futura e a alocação de recursos. São os intuito de ajudar governos, construtores e proprie- pontos em que ministérios e órgãos governamen- tários - e também as comunidades afetadas e a soci- tais têm de testar a legitimidade dos processos an- edade civil em geral - a fazer face às novas expecta- teriores antes de darem o sinal verde para avançar tivas da nossa estrutura social diante das questões ao estágio seguinte. Os pontos não são exaustivos complexas envolvendo projetos de barragens. Isso e, em cada estágio, muitas outras decisões têm de contribuirá para decisões embasadas e apropriadas, ser tomadas e muitos outros acordos firmados. Os aumentando assim o nível de aceitação pública e cinco estágios e os pontos de decisões correlatos melhorando os resultados do desenvolvimento. devem ser interpretados no contexto geral de pla- Barragens e desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões nejamento de cada país. A Comissão observou ain- Barragens e Desenvolvimento: Um Novo Modelo para To- da que, mesmo quando esses pontos de decisão mada de Decisões são transpostos, certas medidas adicionais têm de O Relatório da Comissão Mundial de Barragens ser tomadas para melhorar os resultados. ISBN 1-85383-798-9 Disponível através da No passado, os aspectos sociais e ambientais, e Earthscan Publications Ltd também aqueles envolvendo governo e cumpri- 120 Pentonville Road, London, N1 9JN, UK mento de preceitos, foram desvalorizados no pro- Tel: +44 (0)20 7278 0433 • Fax: +44 (0)20 7278 1142 Email: [email protected] cesso decisório. Em vista disso, a Comissão formulou http://www.earthscan.co.uk critérios e 26 diretrizes que complementam nossos Na internet: http://www.dams.org Aguirre/Switkes, AMAZÔNIA

ANEXOS Cartas

Carta - SOS Xingu - Um chamamento ao bom senso sobre o represamento de rios na Amazônia Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu

Altamira, (Pará) Quarta-feira, 25 de Julho de 2001 317 Saudações Amazônicas,

O MDTX (Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu), que sempre lutou e propôs um modelo de desenvolvimento sustentável, baseado no uso racional das riquezas naturais e na preservação dos rios e florestas e na distribuição da renda da todos e todas, vem através desta carta abaixo pedir apoio e convocar todas as entidades ambientalistas e sociais do Brasil e do Mundo para junto nos opormos ao modelo de desenvol- vimento que vem sendo implantado na Amazônia pelo Governo Brasileiro baseado na construção de Hidrelétri- cas, Hidrovias, fomento à agricultura intensiva com elevada carga de insumos químicos (soja e outros grãos), pecuária extensiva e a exploração mineral sobre nossa floresta.

Precisamos de ajuda para enfrentar essa nova luta contra a insensatez dos políticos de velha mentalidade.

Atenciosamente,

Membros da Coordenação do Mdtx

Ademir Alfeu Federicci Membro da Federação dos Trabalhadores em Agricultura Reverendo Lucio Mendonça da Fonseca Pastor da Igreja Metodista Tarcísio Feitosa da Silva Membro do Conselho Indigenista Missionário Bruno Kempner Membro da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Antonia Melo da Silva Membro do Grupo de Trabalho Amazônico Adão Araújo de Jesus Membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória do Xingu Um chamamento ao bom senso sobre o represamento de rios na Amazônia Esta carta chama a atenção para o autoritarismo como o governo brasileiro, por meio da Eletronorte, vem tentando empurrar mais um projeto de grande impacto na Amazônia.

1. Governo Brasileiro está prestes a cometer mais um crime contra a Amazônia. Favorecido pela crise gerada pelos planejadores do setor elétrico, o governo investe na construção de novas hidrelétricas. O alvo prioritário dos novos mega-projetos são os rios da Amazônia, pois os rios das outras regiões estão entrando em colapso.

2. A Usina Hidrelétrica da vez é Belo Monte, em Vitória do Xingu, no Pará. Essa hidrelétrica está planejada desde os anos oitenta, tendo sido suspensa, principalmente pela pressão dos movimentos ambientalistas locais, nacionais e internacionais, quando era chamada de Kararaô.

3. Em 2000, a Centrais Elétrica do Norte do Brasil S/A - Eletronorte retomou os trabalhos na região, sendo que, ao mesmo tempo em que assenta construções de apoio já em funcionamento, dando a usina como fato consumado, desenvolve um intenso trabalho de convencimento da opinião pública regional e estadual com recursos públicos.

4. A opinião pública é aliciada pelas velhas e conhecidas promessas de progresso para todos, pelo discurso

tas simplista de que as soluções técnicas da nova barragem não ocasionarão danos ambientais e ancorado na legiti- midade criada pela crise energética que atinge o país, criando-se uma situação de fato consumado e de terror para qualquer pessoa /ou grupos que se oponham ao empreendimento anunciado.

5. A novidade que ancora o discurso de novos métodos na construção da UHE de Belo Monte é um “Plano de Inserção Regional” da obra e a promessa da criação de um Fundo de Compensação e de Mitigação de Impac- tos, medidas que, segundo a Eletronorte, minimizariam os efeitos negativos da obra. O Plano de Inserção seria a forma de evitar a prática de enclave de triste história na região. Mas, igualmente frágil e enganador, pois pelo que a Eletronorte anuncia, o forte de seu “Plano de Inserção Regional” é a capacitação de empreen- dedores para a população se viabilizar em outras atividades depois do fim da obra.

enotã-Mõ - Parte VI - Anexos - Car enotã-Mõ - Parte

T 6. A capacitação nunca foi uma solução em si, é apenas um meio que deve estar voltado para uma política de desenvolvimento estruturada em atividades sustentáveis, diversificadas e apropriadas às condições especiais da 318 região da Amazônia. A construção de hidrelétricas e grandes barramentos nunca foram atividades sustentáveis ao meio amazônico. Ao contrário, têm sido as intervenções do capital com maior poder de desordem e destrui- ção ecológica, econômica e social.

7. Paralelamente, a Eletronorte faz um trabalho de aliciamento dos prefeitos e vereadores da região, com base na promessa de financiamento de planos diretores para zonas urbanas dos municípios, prometendo construir infra-estrutura local. Essa prática política, de questionável legalidade, usando dinheiro público como moeda em troca ao apoio público e acrítico desses grupos políticos, repete a história da empresa em outros lugares. Ou seja, a busca de apoio nos aliados das empresas madeireiras, mineradoras e grandes agropecuárias animadas pela perspectiva de ganhos extraordinários com a vinda da Usina.

8. A mentalidade imediatista dos governantes locais e do Estado combina com os interesses políticos da Eletro- norte. Os prefeitos vêem na Eletronorte uma financiadora direta de suas reeleições através das obras prometidas e se tornam um filtro ao questionamento e ao verdadeiro processo democrático que deveria envolver a discussão

e o represamento de rios na Amazônia e o represamento de um projeto de barramento de um rio Amazônico.

9. Do lado do governo do Estado, a sociedade também está prejudicada em seu direito de receber informações sérias e críticas, contestar e criticar o projeto. O governo Almir Gabriel, também interessado nos dividendos políticos e financeiros da obra, tem simplesmente fechado os olhos para os efeitos negativos deste projeto, limitando-se a propor apenas barganhas, fragmentadas e imediatistas, interessado no horizonte eleitoral dos próximos anos. Essas propostas são precárias tecnicamente e insignificantes para responder aos efeitos encade- ados do ponto de vista ecológico, social e econômico e cultural na região.

10. Ou seja, antes da conclusão dos estudos de impacto ambiental e do licenciamento da obra, a Eletronorte já vem negociando com prefeitos e o governador do Pará, o aporte de recursos para várias obras, o tal “Plano de Inserção Regional” e várias ações locais para aliciar as organizações populares.

11. Essas obras e ações mitigatórias deveriam ser indicadas e debatidas exaustivamente no EIA-RIMA com funda- mentação científica, buscando a articulação entre as diversas ações de minimização dos impactos caso a Usina fosse construída.

12. Ora, o modo de contratação dos estudos junto à FADESP foi contestado na Justiça (Ministério Público Fede- ral) paralisando os trabalhos por dois meses. Isso indica irregularidades. Ou seja, os resultados desses estudos

Carta - SOS Xingu - Um chamamento ao bom senso sobr merecem um exame cuidadoso por parte de todos os interessados, pois são eles que vão dizer quais serão as obrigações das empresas que vão construir a Usina. Se já é difícil negociar com o governo que trabalha com nosso dinheiro, imaginem como será com as empresas que querem custos reduzidos e lucros aumentados! 13. Quem está financiando essas obras-meio, de objetivos persuasivos e com base em que estudos?

14. As evidências indicam que a Eletronorte está utilizando dinheiro público na barganha de apoios e adesão, construindo uma imagem negativa de excluindo quem deseja discutir em outros termos com processos mais amplos de análises e estudos.

15. O que se observa com extrema preocupação, é que a história autoritária da construção de grandes projetos na Amazônia se repete. Os mecanismos de diálogo social criados são voltados para a pressão e persuasão e não para o debate aberto, honesto e transparente.

16. Presidente da Eletronorte, em palestras na região e na imprensa do Estado, demonstra que já esgotou a paciência em apenas seis meses de discussão pública da obra. Da parte da empresa, são seis meses de ação propagandística junto aos segmentos empresariais e poder público. E a população continua sem saber o que pode acontecer se for construída tal hidrelétrica.

17. Os movimentos sociais começaram o debate público, com todas as suas dificuldades de mobilização, em abril, em Altamira, quando reuniu cerca de mil pessoas no primeiro embate público de idéias. A partir de então, a Eletronorte intensificou a pressão via os meios de comunicação locais e estaduais dizendo ser a Hidrelétrica de tas Belo Monte mais uma dádiva de Deus. Na busca do convencimento de lideranças locais, oferece meios para atender demandas sociais e dividir, no velho estilo maquiavélico, para governar.

18. Algumas atitudes da empresa lembram os tempos da ditadura militar no Brasil, como o registro audiovisual de todos os momentos dos eventos promovidos pelos movimentos sociais, a filmagem das lideranças, o estudo do discurso de quem a empresa considera seus opositores e o mapeamento das forças contrárias e favoráveis para uma estratégia de comunicação social mais eficaz.

19. Uma questão merece atenção sobre esses métodos: a empresa tem competência para lidar com essa aborda- gem de controle e uso das informações de inteligência ou estaria sendo assessorada pelos remanescentes do SNI

e da ABIN? VI - Anexos - Car enotã-Mõ - Parte

T 20. Que rumo e que usos são dados a essas imagens e análises do discurso das lideranças locais? 319 21. Essa prática é denunciadora de um Estado autoritário, repelido pelas forças democratizantes no mundo inteiro a partir dos anos oitenta do século passado. É uma prática inaceitável no debate em relação a grandes projetos na Amazônia, bioma cujas fragilidades ecológicas ainda são pouco estudadas e conhecidas. Ninguém da Eletronorte nem dos técnicos do governo estadual e nem das equipes de estudo do EIA-RIMA pode afirmar com segurança como será a reação da natureza com o fechamento do rio, principalmente para três hidrelétricas como está anunciado.

22. A ação propangandística da Eletronorte usa a UHE Tucuruí, onde a empresa corre atrás do atendimento de demandas das prefeituras, sem ter resolvido o problema central da regularização fundiária das populações das ilhas formadas pelo Lago. Não existe um programa de desenvolvimento eficaz e includente para a região do entorno do Lago. Tucuruí está sendo arrumada para venda (privatização) e seus conflitos / sociais com a popu- lação local estão sendo colocados embaixo do tapete para não espantar os possíveis compradores.

23. O debate sobre a construção de novas hidrelétricas na Amazônia é mais complexo do que a agenda governa- mental atual pode comportar. Por isso chamamos a atenção para tornarmos esse debate de interesse nacional de rios na Amazônia e o represamento com o máximo engajamento crítico para não referendarmos mais um desastre em nome do desenvolvimento.

24. Entre os pontos a serem discutidos com compromisso ético e conhecimento científico apropriado, pelo conjunto da sociedade, estão os seguintes:

25. Apesar da energia hidrelétrica ser a opção mais limpa que a nuclear - como exemplo extremo, colocado pelo governo Federal - e outras fontes com capacidade de armazenamento em grande escala, é a Amazônia o bioma mais apropriado para a extração desse recurso?

26. Num quadro de escassez e de commoditização da água doce do planeta e de iminência da crise dos recursos hídricos, é inaceitável que os rios da Amazônia, nossa principal reserva hídrica, sejam alvos prioritários de barra- mento. As barragens sempre trazem efeitos de desordem ecológica, econômica e social que comprometerão a qualidade dessas águas num futuro próximo.

27. Mesmo que valesse a pena provocar os distúrbios nesses rios para atender a demanda imediata de forneci- mento de energia, o país dificilmente terá dinheiro para arcar com os custos de despoluição para o aproveita- mento dessas águas no futuro.

28. Não nos parece conseqüente, um planejamento governamental que enfoca a obra hidrelétrica em si, enquanto

Carta - SOS Xingu - Um chamamento ao bom senso sobr intensifica-se o desmatamento das matas ciliares e das cabeceiras dos rios represados, provocando a alteração do regime hídrico, o assoreamento e a morte desses mananciais a médio e longo prazos, ao alcance das gerações presentes. O rio Tocantins, o Araguaia, o São Francisco estão morrendo e agora querem matar o Xingu. 29. Por que sacrificar o Rio Xingu com o uso hidrelétrico se sua Bacia representa um capital ecológico dos mais importantes do país em seu estado natural, podendo converter-se em instrumentos de desenvolvimento econô- mico sustentável e harmonioso com outras opções de investimento como turismo verde, a pesca, o lazer e tantos outros usos de importância estratégica como a própria fonte de água?

30. Não parece insensato que os países do G-7 invistam cerca de 300 milhões de dólares para minimizar o desmatamento da Amazônia, enquanto seus mesmos bancos públicos (Banco Mundial e outros) financiam bi- lhões em obras que comprometem ecossistemas gigantescos na região para um único fim, com os recursos da sociedade desses países?

31. O governo brasileiro irá repassar as usinas hidrelétricas construídas e, as em processo de construção, para as empresas privadas. Se aceitarmos estaremos autorizando a privatização dos rios da Amazônia e pagaremos caro por isso no futuro.

32. No caso do Xingu, com três usinas programadas para os próximos anos, o que restará do rio para uso de igual importância para os seres humanos como os povos indígenas (Kayapó, Parakanã-Apiterewa, Araweté do Igarapé Ipixuna, Asurini do Xingu, Arara do Pará, Juruna, Xipaia e Curuaia)? E para as populações ribeirinhas que

tas dependem desses ecossistemas ? E o que restará das florestas que devem ser protegidas por Florestas Nacionais, Terras Indígenas e Reservas Comunitárias desde a cabeceira do rio até sua foz no Rio Amazonas?

33. Num país ainda marcado pela lógica do planejamento autoritário, onde quem decide o destino dos investi- mentos públicos são as empresas privadas (no caso do setor elétrico, as barrageiras, ávidas por novas obras!), será impossível proteger os mais pobres que serão atraídos pelas promessas de emprego. Assim como serão barrados milhares de trabalhadores que virão de fora. Outros que já estão estabelecidos na região, terão quem deixar suas propriedades para dar lugar à barragem em troca de indenizações que nunca compensam os inves- timentos deixados para trás. Considerando que a Usina vai atrair trabalhadores do Pará inteiro e de outros estados, nas diversas etapas e após a conclusão do empreendimento, quem garante que a empresa que vai com- prar a Usina vai cuidar do futuro desse povo?

enotã-Mõ - Parte VI - Anexos - Car enotã-Mõ - Parte

T 34. Será impossível evitar o aumento da pressão sobre a floresta, milhões de hectares de mata serão colocados 320 abaixo com a chegada de mais madeireiras, especuladores de terra, pecuaristas e famílias de agricultores que ocuparão as terras distantes para produzir comida.

35. Quem irá financiar os efeitos da multiplicação da pobreza estrutural gerada pela Usina? Certamente não serão as empresas premiadas pelo governo na venda da Usina. Elas querem apenas os lucros bilionárias da construção da obra. O Fundo de Compensação e Mitigação que a Eletronorte está prometendo? Esse fundo será controlado pelos empresários políticos da região. A arrecadação dos Estados e municípios? Isso depende do rumo que a economia da região tomar.

36. Que setores da economia irão gerar essa arrecadação? Em Tucuruí, a economia continua estagnada, gerando poucas oportunidades no comércio e nenhuma novidade na indústria, pois os principais fornecedores da Ele- tronorte são de fora. Quem cresceu lá foi a Camargo Corrêa que montou uma indústria de silício metálico na beira do Lago, após ter descoberto o minério durante a construção da obra.

e o represamento de rios na Amazônia e o represamento 37. As imperfeições da atual lei dos royalties não permitem controle social e a segurança da aplicação correta dos recursos pelos governos. Os fundos de compensação criados para corrigir danos ambientais não são admi- nistrados com transparência nos outros grandes projetos. Esses recursos são remetidos para um fundo ambien- tal estadual, sem controle social.

38. A regulamentação ambiental no Brasil é muito recente e sua operacionalização ainda carece de capacidade institucional, recursos humanos qualificados e independência política para os licenciamentos nos estados. Isso compromete o conteúdo dos licenciamentos e a real possibilidade de implementação de suas recomendações.

39. Mesmo que as ações mitigatórias estejam inscritas no Edital que será lançado para a venda da Usina de Belo Monte, não temos segurança de sua aplicação pela empresa que comprar a obra. A experiência reguladora do país após as privatizações demonstram fragilidade dos instrumentos como Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e outras.

40. Não concordamos com a construção de hidrelétricas do porte de Belo Monte na Amazônia. Esse tipo de obra não combina com os padrões de desenvolvimento apropriados para a região. A modernidade na Amazônia significa ganhar dinheiro e gerar oportunidades de negócios lucrativos com o uso racional das florestas, dos rios, dos solos e dos sub-solos. A Construção de projetos que destroem essas riquezas e esses estoques de capital são pouco inteligentes e estão na contra-mão da modernidade na região e no país.

Carta - SOS Xingu - Um chamamento ao bom senso sobr 41. Isso nos remete para a necessidade dos estudos da Bacia do Xingu, com um macrozoneamento participativo que defina seus múltiplos usos. Desta forma, qualquer projeto para essa região deverá ser embasado cientificamen- te e com ampla aceitação social. Já sofremos e aprendemos o suficiente com os grandes projetos na Amazônia para cair na armadilha da realização de estudos isolados por hidrelétricas, sem considerar as interdependências de todos esses macro-ecossistemas e dinâmicas mais amplas.

42. Nossa avaliação é que a agenda governamental implementada pela Eletronorte sobre a construção da usina de Belo Monte é incompatível com a necessidade de uma discussão responsável e profunda sobre todos os aspectos que envolvem uma intervenção de grande porte num dos ecossistemas amazônicos mais protegidos, a Bacia do Xingu.

43. Consideramos também, que o EIA-RIMA, apenas atualizando os estudos anteriores e, limitando-se a seis municípios, não refletirá os efeitos prováveis em toda a sua extensão no espaço, nas dinâmicas econômicas e sociais. Nesse sentido, o estudo não terá a eficácia necessária para orientar as decisões sobre deslocamentos populacionais e pressão sobre os recursos naturais da região, como os remanescentes florestais, redes hídricas secundárias, pressão sobre as espécies-alvo de caça e demais interações de reprodução biológica que se esten- dem por um espaço superior ao foco do estudo.

44. A desordem que já vem sendo provocada por Belo Monte, ameaça a reprodução social da agricultura famili- ar na região pela intensificação dos problemas fundiários, o aliciamento dos especuladores de terra sobre as

famílias empobrecidas e as expectativas de emprego temporário oferecido pela empresa sem sustentabilidade tas no tempo e no espaço, as invasões de Terras Indígenas e a exploração ilegal de madeira na região.

45. Essa Hidrelétrica é inaceitável, pois está vinculada à privatização de rios na Amazônia.

46. Pedimos a suspensão de todas as negociações que estão sendo feitas entre a Eletronorte e as prefeituras e o governo do Estado, visando troca de apoio;

47. Exigimos que nosso projeto de desenvolvimento sustentável para a região da Transamazônica, que tem por base a agricultura familiar, criação e uso de reservas florestais, verticalização da produção, fomento à educação e eletrificação rural, trafegabilidade dos travessões e a rodovia transamazônica, demarcação e proteção das ter- ras indígenas e a viabilização de alternativas economicamente sustentáveis para as comunidades ribeirinhas e indígenas seja discutido e viabilizado imediatamente pelos ministérios do Meio Ambiente, Ministério da Justiça VI - Anexos - Car enotã-Mõ - Parte

T Planejamento Orçamento e Gestão e Integração nacional, assim como Ministério Público e Agência Nacional de Águas, Governo do estado e IBAMA. 321 48. O Projeto dos movimentos sociais da região, denominado “Fortalecimento da Produção Familiar e Conten- ção dos Desmatamentos da Transamazônica e Xingu”, elaborado em vinte anos de resistência nessa região, é um ponto de partida para a discussão de um macrozoneamento responsável para uma área que envolve 13 municí- pios, definindo rumos para um desenvolvimento em bases democráticas. Inclusive, corrigindo vários erros do projeto de colonização como a estrutura fundiária.

49. Não aceitamos que a Eletronorte seja a única interlocutora do governo Federal para liderar as discussões sobre a Usina de Belo Monte e nem para discutir ações de desenvolvimento.

50. Convocamos todas as entidades ambientais no Brasil e os parceiros no mundo para nos dedicarmos ao debate do uso sustentável do rio Xingu junto com sua população, famílias de agricultores, ribeirinhos, comuni- dades tradicionais e povos indígenas. Precisamos unir nossas forças para impedir que a Amazônia sofra mais um

golpe trágico em seus ecossistemas com efeitos desastrosos para suas populações e para o país. de rios na Amazônia e o represamento

51. A Amazônia é um patrimônio natural fundamental para todos os brasileiros e cidadãos do mundo. Merece cuidado e responsabilidade no uso de seus recursos naturais e evitar o represamento de seus rios que mudam a disposição dos elementos que a natureza construiu para outros fins.

52. Conclamamos os movimentos ambientalistas que vieram em nosso socorro e em socorro dos povos indígenas em 1987, a se unirem a nós mais uma vez para convencerem o governo brasileiro a mudar seus procedimentos em relação a Grandes Projetos na Amazônia. Precisamos desacelerar a agenda de construção de barragens, inclusive a de UHE Belo Monte prevista para ser licitada ainda este ano, ou seja, vendida a empresas particulares e iniciada a construção para 2002.

53. Precisamos de tempo para assimilar o que está acontecendo, informar a sociedade local, nacional e ONGs internacionais sobre o que representam os impactos e a relação custos-benefícios da obra.

54. Nesse sentido, propomos uma conferência sobre Belo Monte para setembro próximo, reunindo entidades ambientais do Brasil e do mundo para refletirmos e tirarmos uma posição que interesse não apenas aos setores que estão fazendo lobby sobre o governo para viabilizar a obra, mas aos interesses do país a longo prazo.

Carta - SOS Xingu - Um chamamento ao bom senso sobr Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu Rua Anchieta, 2092 - 68.371.190 Altamira - Pará [email protected] Carta ao Presidente do Brasil Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu

Altamira - Pará, Quinta-feira,

18 de Fevereiro de 2002 322

Senhor Presidente,

A história do Movimento Pela Sobrevivência da Transamazônica, hoje batizado por causa da nova dinâmica histórica e econômica da região de Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), nos leva com compromisso moral, social ético nos dirigirmos a Vossa Excelência para enumerar várias considera- ções quando aos modelos propostos de desenvolvimento para Bacia do Xingu e a Região da Transamazônica.

Muitos fatos marcaram a história do hoje MDTX, como por exemplo os grandes debates acerca do desen- volvimento, realizados em todos os municípios da região durante o ano de 1990 e que culminou com o grande acampamento dos povos da Transamazônica e Xingu em Altamira, no período de 31 de julho a 07 de agosto de 1991.

Durante o acampamento foi discutido um Projeto Geral de Desenvolvimento e traçou-se um plano de lutas para mostrar ao restante do país que aqui havia mais de 500 mil habitantes que tinham direito a uma fatia do desen- volvimento desse país.

Nesta época conseguimos desburocratizar o crédito, através do FNO, que tem financiado até o presente momen- to mais de 17 mil famílias na agricultura familiar, num montante de recursos de mais de R$ 150 milhões.

Além do mais foi recuperado um trecho da Rodovia Transamazônica e já temos a promessa de asfaltamento da mesma, a recuperação também das nossas vicinais e outros tantos recursos que vieram para as prefeituras da região.

Com isso foram criados neste período 28 projetos de assentamento, sendo assentadas 3.584 famílias de agricultores.

Temos, através de lutas do MDTX, o Campus Universitário de Altamira, o Curso de Ciências Agrárias e Agrono- mia, a Escola Agrícola de Altamira. Buscamos formas alternativas de Educação Rural, através das Casas Familia- res Rurais a forma exportada de experiência que mantém os filhos/as do homem e da mulher do campo em suas propriedades, produzindo de forma sustentável e tantas outras lutas que têm trazido ganhos para a Região.

São tantos os recursos que já vieram para esta região através de nossas lutas, que estamos citando apenas alguns exemplos, mais o que é mais importante é que nosso projeto de desenvolvimento está proposto para a grande maioria da população da região, principalmente para a agricultura familiar, que é a base econômica de todos os municípios desta região e não somente para um reduzido número empresários (privilegiados), como era o caso dos financiamentos da SUDAM. Estamos também consolidando a proposta da maior reserva do Mundo de preservação e de uso sustentável viável economicamente. O que colocará o Brasil em pódio de ser respeitado por sua política ambiental.

Dessa forma, os recursos que conquistamos foram e continuam sendo movimentados dentro da região, benefici- ando o comércio local e toda a população, gerando empregos numa quantidade muito maior do que os grandes projetos.

Nestes últimos anos as Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A - Eletronorte, anuncia O Complexo Hidroelé- trico de Belo Monte (CHE Belo Monte) vem no bojo desses grandes projetos pensados para a Amazônia.

O CHE Belo Monte é um conjunto de Cinco Barragens, que vão alagar mais de 15.000 Km2.

A Eletronorte anda dizendo que o CHE Belo Monte vai trazer desenvolvimento, que a obra vai melhorar a vida das pessoas, mas o que vemos e podemos constatar e que a população de Tucuruí, onde existe uma grande barragem há vinte anos, é muito mais pobre que a da nossa região. E aqui não temos barragem.

Se for construída estas barragens perderemos nossas terras e nossas águas que são patrimônio público, pois a

Eletronorte anuncia a privatização desse empreendimo. Perderemos nossas casas e a maioria das riquezas que a tas Amazônia Brasileira nos proporciona.

O povo da Amazônia já foi sacrificado demais, e continua cada vez mais pobre, como resultado desses grandes projetos e mais ainda pela privatização dos rios e igarapés e da Bacia do Xingu.

Isso não é desenvolvimento, pois a história da construção das Hidrelétricas na Amazônia tem provado que elas são um desastre ecológico, social e econômico, como podemos ver claramente bem próximo de nós em Tucuruí, além de tantas outras, como Balbina, Samuel, Serra da Mesa, Rio Cuiabá etc. elas têm nos mostrado que o tão propagandeado desenvolvimento, gera riquezas somente para um reduzido grupo de privilegiados, e que isso só dura durante o processo de construção da obra. Ao final o povo fica somente com os grandes impactos negativos e prejuízos da obra, aumento da pauperização.

enotã-Mõ - Parte VI - Anexos - Car enotã-Mõ - Parte

T Além dos mais, a obra está orçada em US$ 4,8 bilhões, mas Tucuruí estava orçada em menos de US$ 4 bilhões e custou o dobro aos cofres públicos. E que estamos pagando através da eterna dívida externa. 323 Na realidade com 10% do valor proposto para a obra, nós temos condições, dentro de um Projeto de Consolida- ção da Agricultura Familiar e de Geração de Emprego e Renda Urbana e Rural realmente discutido com o conjunto da sociedade, trazer condições reais de desenvolvimento, para todos da população da região, dentro de uma proposta de desenvolvimento sustentável, sem grande agressão ao meio ambiente, pois entendemos isto como um patrimônio que pertence também às gerações futuras, que devem ter garantidos os direitos de uma vida digna num ambiente saudável.

O nosso projeto de desenvolvimento não agride o meio ambiente, é inteligente e aproveita o potencial da região, incluindo as áreas de preservação, terras e populações indígenas, agricultores familiares, ribeirinhos e

todos que habitam nessa região. Garantindo assim qualidade de vida, conservação da floresta e o uso sustentável do Brasil Carta ao Presidente da Bacia do Xingu.

Esse é o desenvolvimento que queremos, sem barragem, mas com vida digna aos cidadãos e cidadãs de cada canto de nossa esquecida região.

Senhor Presidente ao invés de todo esse investimento para barrar e matar nosso patrimônio, o bem mais preci- oso o Rio Xingu, que Vossa Excelência. determine que seja investido em recuperação das barragens já em funci- onamento, em conclusão das já iniciadas, em aproveitamento das linhas de transmissão, em outras fonte de energia, tais como, energia solar, energia eólia, biomassa, e em investimentos na agricultura familiar, crédito, indústrias para gerar empregos etc. para poder desenvolver a região da Transamazônica.

O Vosso Governo com certeza não vai querer ser lembrado como o presidente que matou os Rios da Amazônia, e acabou com o sonho, a esperança e a vida de milhões de trabalhadores e trabalhadoras rurais, ribeirinhos (as), pescadores (as), povos indígenas e de muitas espécies da fauna e flora, e, acima de tudo, acabar com o direito das crianças e jovens brasileiros (as) de ter futuro e conhecer as belezas de seu país.

Tudo isso prova que não precisamos de barragens, pois em 1989, quando se falava que esta região dependia de energia para alavancar o seu desenvolvimento, propusemos uma forma alternativa para esta energia chegar até nós, levando-se em conta que havia uma grande hidrelétrica bem próxima de nós, que é Tucuruí, e que esta energia deveria vir até nós através do “Linhão de Tucuruí”. Hoje esse Linhão está aí propagandeado como obras que têm “pai, mãe, tios e avós”. E ainda não chegou as unidades de produção familiar rural. Estes que sustentam as duras penas o pão na mesa dos brasileiros e brasileiras.

Repudiamos a forma que a Eletronorte, vem persuadindo a população para se tornarem a favor do empreendi- mento, pagando jantares aos empresários locais, fornecendo passagens aéreas e rodoviárias para pessoas humil- des realizarem tratamento de saúde em outras cidades e bancando eventos festivos como por exemplo festas nas praias do Xingu, carnaval entre outros.

Senhor Presidente, o povo da Transamazônica e Xingu, as populações indígenas, em torno da Bacia do Rio Xingu, dizem com firmeza: “NÃO QUEREMOS BARRAGEM, É O GRITO DAS MILHARES DE TUÍRAS”.

Respeitosamente,

Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu

MDTX é um Movimento composto por 113 Entidades entre elas Sindicatos Rurais e Urbanos, Associações de Produtores, Cooperativas de Agricultores, Movimentos de Mulheres da Cidade e Campo, Fetagri Regional, Grupo de Trabalho Amazônico GTA-Altamira, Grupos de jovens, Pastorais Sociais e Religiosas, que lutam pelo Desenvolvimento Sustentável na Região.

tas

enotã-Mõ - Parte VI - Anexos - Car enotã-Mõ - Parte

T 324

Carta ao Presidente do Brasil Carta ao Presidente Complexo Hidrelétrico do Xingu Carta do MDTX, GTA, FETAGRI e FVPP

Altamira, 10 de março de 2002.

Exmo. Sr. Dr. Fernando Henrique Cardoso Presidente da República do Brasil 325

Senhor Presidente,

Há um ano e meio, trava-se um debate tenso em torno da retomada do Complexo Hidrelétrico do Xingu, tendo a Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás, representado o Governo Brasileiro nas discussões.

Talvez a empresa não tenha informado aos escalões superiores do Governo sobre as questões que os movimentos sociais da Transamazônica e Xingu e os setores críticos do Estado do Pará vêm apresentando em oposição à construção de Hidrelétricas na Amazônia.

Somos um movimento que reúne 113 organizações sociais, criadas no curso de trinta anos de colonização nesta região.

Nesses trinta anos, abandonados a nossa própria sorte, conseguimos, com o apoio das pastorais religiosas, da solidariedade internacional e de organizações de apoio e sindicais, construir um referencial de desenvolvimen- to apropriado para uma região de florestas tropicais.

A região em que se situa a Bacia Hidrográfica do Xingu é a fronteira da Amazônia Oriental, onde se trava uma das disputas mais acirradas e violentas pelo território e entre diferentes concepções de uso dos recursos naturais. Nesta região, estão situadas as últimas reservas maciças de mogno da Amazônia, uma das bacias hidrográficas mais preservadas do planeta e uma biodiversidade ainda desconhecida da comunidade científica.

Cerca de 800 mil habitantes povoam esta região, combinando várias atividades baseadas na exploração, dosa recursos da floresta, aquáticos, minerais e agropecuários.

Na década de 80, a Eletronorte tentou iniciar a construção do Complexo Hidrlétrico do Xingu, iniciando por duas barragens: Babaquara e Kararaô. As duas usinas inundariam mais de 7 mil km2. A sociedade repu- diou e os planos foram adiados.

Em 2000, a Eletronorte apresentou um plano reformulado, permeado de meias verdades e de uma prática autoritária e imediatista para justificar a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Com a crise energéti- ca, os tecnocratas da empresa encontraram o ambiente ideal para convencer a opinião pública da necessidade de novas obras a qualquer custo.

No decorrer do debate, os movimentos sociais da região, manifestaram sua preocupação com a Barragem. Prin- cipalmente, como veio a se confirmar por declarações do próprio presidente da Eletronorte, porque não se trata de uma UHE e sim do retorno do Complexo de cinco barragens na Bacia do rio Xingu: Belo Monte, Altamira, Jarina, Ipixuna e Kokraimoro. As cinco barragens comprometem toda a Bacia, alagando cerca de 20 mil km2 do território. É um projeto insano, na contramão da história e um atentado com a Amazônia.

Sr. Presidente, chamamos sua atenção para a importância da decisão e os métodos com os quais seu Governo está decidindo sobre o futuro ecológico dessa região e suas conseqüências para a Amazônia e para os estoques de água doce do planeta. Nós queremos discutir, com o tempo e os cuidados necessários, o que representa o represamento dos rios da Amazônia, diante do valor estratégico das águas no milênio que se inicia.

Soluções energéticas a partir do recurso renovável - água - devem ser buscadas e aproveitadas, evitando os impac- tos dos alagamentos gigantescos e a desestruturação territorial, ecológica e social que acompanha esses empre- endimentos. Tratando-se de Amazônia, esses efeitos são multiplicados. Certamente, setores da indústria no mundo estão empenhados em soluções tecnológicas que minimizem os impactos desses empreendimentos. Certamente também, os setores industriais que detém as atuais tecnologias fazem lobbies junto aos governos dos países mais pobres para vender suas máquinas e equipamentos que, talvez, em dez anos, estarão sucateados.

Muito cuidado, Sr. Presidente, com a decisão de investir 7 bilhões do dinheiro da sociedade brasileira, sob responsabilidade do BNDES, na construção de uma obra que, quando for concluída, estará defasada, acarretan- tas do um custo ambiental e social impagáveis.

O mesmo cuidado, Sr. Presidente, deve ser dado às pressões que as firmas de engenharia exercem sobre as decisões de governo, para a construção dessas obras gigantescas de concreto, vistas unicamente do ponto de vista do mercado. Nenhum desses setores industriais se responsabiliza pelas conseqüências de seus investimen- tos. Mas, nós, que sabemos de onde vêm os recursos que financiam essas obras, sentimos o quanto eles faltam na educação, na saúde, na infra-estrutura local e nos investimentos para que as economias regionais encontrem seus caminhos e oportunidades de inserção nacional e internacional.

Chamamos a atenção também, Sr. Presidente, para que seu Governo, não ignore o significado da nossa opinião. A Eletronorte, com sua postura autoritária, repete na região, o que sofremos no período da dita- dura. É proibido falar contra as barragens. A verdade das cinco hidrelétricas foi arrancada a duras penas.

enotã-Mõ - Parte VI - Anexos - Car enotã-Mõ - Parte

T Nosso principal líder, Ademir Federicci, foi assassinado no dia 25 de agosto do ano passado, quando denunciava as 326 irregularidades da extinta Sudam, hoje ADA, na região e levantava um vigoroso movimento contra as barragens no Xingu. Estamos há quatro meses solicitando que a Polícia Federal esclareça o crime e não obtivemos respostas.

A Eletronorte utiliza-se do poder de uma estatal para aliciar prefeitos, fazer propaganda na grande mídia e nos meios locais. Essa prática, Sr. Presidente, nos lembra os tempos do General Médici, o executor dessa colonização. Só que o mundo mudou e a sociedade deve ser ouvida e, com atenção especial, aqueles que não estão nos escalões do poder.

O que será feito com as 32 tribos indígenas que existem nessa área? Recentemente, em um seminário promovi- do pela Universidade Federal do Pará, em Altamira, um Índio da área de abrangência do projeto, declarou que se a Eletronorte vier “empurrar” à força uma barragem, eles estão dispostos a invadir a cidade de Altamira para mostrar, pela força também, que existem visões diferentes sobre o rio e o desenvolvimento da região.

Diante desses pontos de vistas, Sr. Presidente, é preciso ouvir outras vozes que não apenas a tecnocracia da Complexo Hidrelétrico do Xingu Complexo Hidrelétrico Eletrobrás. Saber mais da história das hidrelétricas na Amazônia. Não convêm colocar em jogo o futuro da Amazônia, para responder eleitoralmente para as regiões industrializadas, deixando aqui o caos social causado por um empreendimento dessa envergadura.

Ousamos fazer nosso próprio projeto de desenvolvimento. Isso é modernidade, Sr. Presidente: a sociedade local pensar políticas públicas e dialogar com seu governo sobre o futuro de uma região.

Nosso projeto visa aproveitar os recursos da floresta e do Rio Xingu compatibilizando desenvolvimento, cresci- mento econômico e conservação da base de recursos naturais.

Sobre esse projeto queremos discutir com o Governo. Porém, a construção de consensos de tal nível não é possível com a pressa, o autoritarismo e o receituário obreirista da Eletronorte.

Nesse sentido, reafirmamos o que solicitamos na carta do GTA, enviada a Vossa Excelência, no ano passado: suspensão de todas as obras de grande impacto ambiental na região, até que haja uma discussão exemplar e a construção de consensos com a sociedade local.

Respeitosamente,

Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu - MDTX

Grupo de Trabalho Amazônico - GTA

Federação dos Trabalhadores na Agricultura - FETAGRI/Regional

Fundação Viver, Produzir e Preservar - FVPP O desenvolvimento que queremos Manifesto de Indignação e Repúdio das Organizações Populares, Sindicais de Altamira e Região.

Altamira, 29 de abril de 2002.

Ao Presidente da Assembléia Legislativa do Pará. 327

Na última quinta-feira (25 de abril), os deputados estaduais do Pará reuniram-se em Assembléia Extraordinária, na cidade de Altamira, para debater o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte.

Uma política de velha mentalidade.

Mais uma vez, os deputados governistas só respeitaram uma visão do projeto.

Apenas o Presidente da Eletronorte teve o direito de falar. A nenhuma liderança popular de Altamira foi conce- dida a palavra, nem sequer a Dom Erwin, Bispo da Prelazia do Xingu. Não questionamos reuniões itinerantes da Assembléia Legislativa. Se, porém, essa reunião não era de caráter deliberativo, então o que os deputados/as vieram fazer aqui? Por que o povo não teve a oportunidade de se expressar, já que foi convidado? Era uma sessão oficial ou mais uma atividade de campanha Pró-Belo Monte, utilizando a referência institucional da Assembléia Legislativa e o dinheiro público para empurrar goela abaixo o seu falso projeto de desenvolvimento?

Qual é o resultado? Os deputados que ignoram os argumentos críticos e tentam vender seu peixe de forma irresponsável e eleitoreira, foram “vaiados”, pois essa foi a única forma de os movimentos sociais e os cidadãos comuns se expressarem naquele momento.

Mais uma vez, os deputados governistas não vieram discutir com o povo que tipo de projeto é importante para nós, que tipo de desenvolvimento queremos. Vieram tentar empurrar um projeto elaborado nos gabinetes de Brasília, pensado apenas pelas empresas interessadas em explorar os recursos naturais da Amazônia. É lamentável que se gaste tanto dinheiro público para trazer a Assembléia Legislativa para nossa região, somente para os parlamentares a utili- zarem como palanque eleitoral. Nenhuma proposição foi tirada em relação à segurança pública, ao sistema de saúde que continua sacrificando vidas, ao caos da educação, ao desenvolvimento regional. Tentam convencer-nos de que tudo que não foi feito até agora só acontecerá se for construída a Barragem.

Uma chantagem inaceitável! A Eletronorte se utiliza do poder de uma estatal para aliciar prefeitos, fazer propaganda enganosa na grande mídia e nos meios locais. Com sua postura autoritária ela repete na região o que sofremos no período da ditadu- ra e o que fez em todos os lugares onde construiu outros monstros de concreto. É proibido questionar qualquer projeto da empresa. Os verdadeiros planos são revelados e discutidos apenas com as empresas e políticos que se beneficiam deles. Para a população as informações chegam filtradas, a conta-gotas, maquiadas. A duras penas foi arrancada a verdade de que no Xingu não se trata apenas de uma, mas de um complexo de cinco barragens. Graças ao trabalho de pesquisa do MDTX e de seus colaboradores, descobrimos que, desde o início, Belo Monte é apenas a primeira de um grupo de cinco barragens interdependentes que vai afetar toda a bacia do Xingu. Por que a Eletronorte esconde da população os dados da totalidade da área que será alagada pelas cinco barragens?

Grandes Projetos e grande pobreza O Estado do Pará é detentor de vários grandes projetos, concebidos com a falsa propaganda de solução para os problemas sociais pelos quais a população passa. Tucuruí, por exemplo, está em situação precária. O relatório “Estudo de Caso de Tucuruí”, do qual tanto a Eletronorte quanto o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) participaram, mostra que a diversidade de espécies de peixes diminuiu, principalmente após a barra- gem, junto com a fertilidade dos solos da várzea.

Significativo é o fato de que os pescadores e agricultores que moram nessa área não receberam um tostão de indenização da Eletronorte. Isso mostra que é mera ficção afirmar que os únicos impactos ocorrem somente na área de inundação. O reservatório concentrou mercúrio dos garimpos. Os pescadores e suas famílias apresen- tam hoje uma elevada concentração de mercúrio em seus organismos, o que causa problemas neurológicos e outras doenças para várias gerações.

tas Hoje há 800 famílias em Tucuruí, muitas delas refugiadas da área à jusante, a maioria morando precariamente em ilhas no reservatório. A Eletronorte está subindo o nível desse reservatório em 2 metros. De acordo com o relato de moradores nas Ilhas, as famílias que aí se refugiaram e fizeram suas plantações, agora terão que sair de novo. A maioria, sem emprego e sem terra, está indo para as periferias de Breu Branco e Tucuruí.

Essa história de que barragem traz desenvolvimento pode ser desmentida com uma simples visita a Tucuruí. A maioria dos comerciantes locais foi substituída por empresas de fora. Serviços de hotelaria, táxi e restaurantes estão em crise, pois os turistas não procuram regiões com ambiente impactado por doenças e pela pobreza. O melhor hotel da cidade ainda é o da Eletronorte. Tucuruí só tem uma linha aérea diária. Altamira, com sua economia baseada na agricultura e na pecuária, dispõe de quatro empresas aéreas fazendo linha.

Importante é ressaltar que os estudos de viabilidade econômica e de engenharia do “novo” modelo de Belo Monte ficam escondidos dentro dos arquivos da ANEEL, Eletrobrás e da própria Eletronorte, e por isso fica 328 impossibilitada qualquer análise independente. Certamente as empresas construtoras e as que estão esperando a privatização da Barragem têm acesso.

emos VI - Anexos - Car - Parte Tenotã-Mõ A Eletronorte afirma que 16.000 pessoas só da zona rural de Altamira serão removidas num processo que é chamado de “desenvolvimento”. Mas segundo os levantamentos feitos pelo MAB, a grande parte dos 1 milhão de brasileiros já atingidos por barragens não receberam indenização adequada em compensação da perda de suas terras e casas. Famílias atingidas pela usina Manso, no Mato Grosso, uma obra começada pela Eletronorte e depois transferida para Furnas, estão, neste momento, acampadas há mais de 40 dias em frente ao Palácio do Governo em Cuiabá, esperando algum apoio. Estas famílias dizem que as terras para as quais foram remanejadas são 90% de areia e não permitem cultivar nada. Dezoito anos após a barragem de Tucuruí, milhares das famílias atingidas pela obra ainda reivindicam compensação justa para as suas perdas.

Meias verdades revelam más intenções

O desenvolvimento que quer Em relação ao CHE Belo Monte, tem muitas questões que a Eletronorte ainda não conseguiu responder. O que será feito com as comunidades indígenas que vivem no Xingu? Recentemente em um seminário promovido pela Univer- sidade Federal do Pará para discutir os caminhos do desenvolvimento regional, uma das lideranças indígenas presen- tes declarou que “se a Eletronorte vier ‘empurrar’ uma barragem à força, nós estamos dispostos a invadir a cidade de Altamira para mostrar, pela força também, que existem visões diferentes sobre o rio e o desenvolvimento da região”.

No caso da aldeia Paquiçamba, a questão não é se será inundada ou não, mas sim como os indígenas sobreviverão depois do fechamento da barragem, com perdas na sua pesca e o empobrecimento dos solos para agricultura, pois não receberão mais os sedimentos do rio Xingu. A rodovia Transamazônica está mantendo igarapés represados, matando a rede hídrica da região. As outras estradas que serão construídas na Volta Grande vão agravar essa situação com desmatamentos e morte dos igarapés que alimentam o Xingu e irrigam as terras. Impactos como estes os EIA-RIMA (Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental) nem registram. O exemplo de Balbina nos demonstra como as estradas acabaram com os pequenos rios, inclusive a rodovia que liga Manaus a Boa Vista, que afetou a terra dos Waimiri-Atroari. São perdas na natureza que não tem dinheiro que pague.

Recentemente o professor Célio Bermann, que é doutor em políticas energéticas da Universidade de São Paulo e respeitado conhecedor da questão, divulgou um texto intitulado: “O Brasil não precisa de Belo Monte”, onde ele dá quatro alternativas para o país sair da crise energética causada pela falta de investimento no setor. Também o deputado José Geraldo Torres, falou durante seu pronunciamento que tem 17 hidrelétricas em construção. Então por que essa pressa que a Eletronorte tem em vender a obra?

Diante desses pontos de vista, é preciso ouvir outras vozes e não apenas as da tecnocracia da Eletrobrás. É preciso conhecer mais os efeitos das hidrelétricas na Amazônia. Não convém colocar em jogo o futuro da região para responder eleitoralmente para as regiões industrializadas, deixando aqui o caos social causado por um empre- endimento dessa envergadura.

Driblando a legalidade O Ministério Público Federal do Estado do Pará em nota oficial, divulgada em 18 de abril, fala que uma das causas da obra estar embargada na justiça é que o Art. 231, parágrafo 30 da Constituição Federal, determina que o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas só pode ser efetivado com autorização do Congresso Nacional, ouvida as comunidades afetadas. A Eletronorte não consultou o Congresso Nacional e nem ouviu as comunidades indígenas. O que conseguiram foi a decisão de uma Comissão da Câmara Federal, manipulada pelos políticos do Pará comprometidos com os interesses da Eletronorte e os cofres de suas campanhas.

Como povo da Transamazônica e do Xingu queremos fazer nosso próprio projeto de desenvolvimento. Isso é democracia. A sociedade local tem o direito de pensar políticas públicas e dialogar com seu governo sobre o futuro de uma região. Nosso projeto visa aproveitar de modo inteligente os recursos da floresta e dos rios, compatibilizando desenvolvimento, crescimento econômico e conservação da base dos recursos naturais. Porém, a construção de consensos de tal nível não é possível com a pressa, o autoritarismo e o receituário obreirista da Eletronorte.

tas Nesse sentido, manifestamos nosso repúdio e nossa indignação em relação ao que aconteceu na vergonhosa Reunião Extraordinária da Assembléia Legislativa do Pará, na qual tentaram calar a voz do povo.

O BRASIL NÃO PRECISA DE BELO MONTE! HÁ OUTRAS ALTERNATIVAS!

Respeitosamente,

Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu Bispo da Prelazia do Xingu Fundação Viver, Produzir e Preservar Laboratório Agroecológico da Transamazônica 329 Sindicato dos Trabalhadores em Educação Subsede Altamira

Movimento das Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo/Cidade emos VI - Anexos - Car - Parte Tenotã-Mõ Grupo de Trabalho Amazônico FETAGRI Regional Transamazônica e Xingu Mutirão pela Cidadania - Comitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses Associação das Famílias Indígenas de Altamira Presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDICI) STR Altamira

Sindicato dos Funcionários Públicos de Altamira O desenvolvimento que quer CPT Igreja Católica Conselho Indigenista Missionário - Equipe Altamira Juventude Petista da Região Pastoral da Juventude do Bairro de Brasília Associação do CIBB Associação do Bairro Açaizal Diretório Acadêmico da UFPA Sindicato dos Funcionários Públicos Federais Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Urbanas do Pará Associação Rádio Comunitária de Altamira Partido dos Trabalhadores Partido Comunista do Brasil SOS VIDA International Rivers Network Carta da Volta Grande do Rio Xingu sobre o projeto de Belo Monte

Volta Grande do Rio Xingu, 10 de maio de 2002.

330 Nós, moradores da Volta Grande do Xingu (povos indígenas, ribeirinhos e agricultores) manifestamos ao povo brasileiro, nossas preocupações com o projeto de construção de barragens no rio Xingu. Seremos as pessoas mais afetadas com esse complexo, pois teremos que deixar nossas casas e nossa terra, onde foram investidas as energias de nossos ancestrais, para aventurar uma nova vida em outro lugar que não sabemos onde será. Teremos que começar tudo de novo. Coisas que levamos anos, e até gerações para construir, sendo obrigados a mudar nossa cultura e o nosso jeito de viver. Sabemos que, em todos os lugares onde foram construídas, as barragens aumentaram a pobreza dos que já tem pouco e tornaram-se negócios de altíssima lucratividade para as empreiteiras, indústrias de cimento e maquinários e para os mais ricos. No caso de Belo Monte, a usina será vendida antes mesmo de ser construída, lançando nossa sorte nas mãos das empresas estrangeiras que vão explorar a usina. Em Lageado (TO) e Manso (MT), barragens que foram vendidas para empresas privadas, as populações atingi- das vêm enfrentando muita luta e humilhação para negociar as suas indenizações. Em Tucuruí, bem perto de nós, 17 anos depois de inaugurada, muitas famílias lutam na justiça para conseguir inde- nização, e as que já foram indenizadas ainda não conseguiram se estabelecer em paz em suas novas propriedades. Não queremos essa desgraça para nós. Por isso, exigimos das autoridades que estudam e decidem sobre o setor elétrico brasileiro que: 1. Realizem novos estudos sobre o aproveitamento energético dos rios, sem precisar de barragens e nem de deslocamento dos moradores de suas áreas; 2. Que revelem seus planos completos para tomarmos conhecimento de todos os impactos a serem produzidos pelas cinco barragens; 3. Que os estudos sejam avaliados por cientistas independentes que possam avaliar criticamente as conclusões da Eletronorte; 4. Que a empresa financie visitas as outras barragens, levando os moradores da Volta Grande para ver o que aconteceu com os atingidos. Esta carta é o resultado do Encontro das Comunidades da Volta Grande do Rio Xingu, com a Presença do Ministério Público Federal do Pará, de ONG’s nacionais e internacionais, do MDTX, com mais de 500 morado- res da Volta Grande, entre eles, ribeirinhos, agricultores e povos indígenas. Carta do Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu ao Supremo Tribunal Federal sobre o projeto do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte

Altamira – Pará, 31 de maio de 2002.

Ao Sr. Marco Aurélio Mendes de Farias Melo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) 331

Sr. Ministro,

O Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX) é um Movimento composto por 113 Entidades, entre elas: Sindicatos Rurais e Urbanos, Associações de Produtores, Cooperativas de Agricultores, Movimento de Mulheres / Cidade e Campo, FETAGRI Regional, GTA Altamira, Grupos de Jovens, Pastorais Sociais e Religiosas, criados no curso de 30 anos de colonização, com o intuito de lutar pelo Desenvolvimento Sustentável da Região.

Desde sua criação, O MDTX, vem travando várias lutas para beneficiar os 800 mil habitantes que vieram para esta região do Brasil, trazidos pelo sonho de viver, produzir e preservar.

Há um ano e meio travamos um intenso debate sobre o Projeto de construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte (CHE Belo Monte).

O Governo Federal, através da Eletronorte, utilizando-se da crise energética brasileira, tenta empurrar o Com- plexo como sendo a única saída para essa crise pela qual passamos. Porém, há estudos que apontam para outras saídas, como explica o Professor Célio Bermann em seu artigo; “O Brasil não precisa de Belo Monte” (cópia em anexo), no qual ele dá quatro alternativas para o Brasil sair da crise sem gastar grandes somas do erário público e sem causar desastres ambientais e sociais.

A Eletronorte, porém, com uma postura autoritária, quer calar nossa voz, e tenta a todo custo impor sua visão totalmente deturpada sobre o desenvolvimento da nossa região.

Há, atualmente, um instrumento da Comissão Mundial de Barragens amplamente discutido no mundo inteiro que determina regras para serem seguidas no caso de construção de uma barragem, mas a Eletronorte teima em não cumprir as determinações desse documento queimando etapas na construção do CHE Belo Monte.

Uma das principais regras discutida no mundo todo é ouvir primeiro todos os setores que serão atingidos pelo projeto. Isso não vem ocorrendo em nossa região, pois, até o momento, nem o movimento social organizado, nem os Povos Indígenas foram consultados, no caso do CHE Belo Monte.

Recentemente, em um seminário promovido pela Universidade Federal do Pará (UFPA), para discutir o Desen- volvimento Regional, uma das lideranças indígenas presentes afirmou: “se a Eletronorte vier empurrar pela força o CHE Belo Monte, nós invadiremos a cidade de Altamira para mostrar, pela força também, que não queremos sair de nossas terras, heranças de nossos ancestrais, para dar lugar às barragens”. Isso não deveria ser levado em consideração?

Ao escrevermos para V. Exc., estamos tentando evitar esse tipo de confronto. Não queremos voltar aos noticiári- os nacionais como sendo incapazes de resolver nossos impasses, como foi o triste caso de Eldorado dos Carajás. Sr. Ministro, Queremos também dar total apoio ao Ministério Público Federal do Pará, visto que essa instância do Poder Judiciário tem ainda grande credibilidade em nosso Estado, devido à sua incansável luta por justiça. Outro item que não pode deixar de ser levado em consideração por V. Exc., é o fato da Eletronorte contratar a FADESP sem licitação para realizar os Estudos de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto Ambiental (EIA/ RIMA), usando para isso a desculpa de que a “renomada instituição” é “competente” para o serviço, gastando a fortuna de quatro milhões de reais dos cofres públicos. Isso é um crime que tem que ser apurado, senão abre precedentes para que outros setores da administração pública façam o mesmo com o nosso dinheiro. O Parecer do Procurador Geral da União, Geraldo Brindeiro, coloca em xeque o princípio da boa administração dos recursos públicos.

tas Informamos a V. Exc. que FADESP não passa de um ninho de luxo dentro de uma combalida UFPA, e que essa fundação já teve outros EIA/RIMA embargados por inconsistência, o que demonstra claramente a sua incompe- tência para realizar os estudos de um empreendimento dessa envergadura, a Maior Hidrelétrica do Brasil e a 3a Maior do Mundo, segundo a própria Eletronorte. Sr. Ministro, Reforçamos a importância de se ouvir todos os setores envolvidos no processo, através de uma audiência pública – coisa que já devia ter acontecido, não fosse a pressa e o autoritarismo com os quais a Eletro- norte e seus seguidores tenta implantar o Complexo. Sabemos também, Sr, Ministro, da intenção do presidente Fernando Henrique Cardoso, em construir o CHE Belo Monte, porém, talvez nem ele e nem V. Exc. estejam a par de todos problemas decorridos da vinda de uma obra desse porte para nossa região. Essa questão vai muito além de uma “birra ambientalista” como afirmou recentemente o Presidente FHC. Esperamos que essa intenção do presidente não interfira em vossa decisão, pois em nosso país, a exacerbação do 332 Poder Executivo sobre os Poderes Judiciários e Legislativo gerou um autoritarismo que minou todas as institui- ções democráticas. E transmite, agora, a toda sociedade, concretamente, a falência desses dois Poderes que e... VI - Anexos - Car - Parte Tenotã-Mõ deveriam funcionar como fiscais controladores da administração em geral e do exercício dos direitos e deveres da justiça. Essa hipertrofia do Poder Executivo sobre o Judiciário e o Legislativo, essa falta de aplicação do direito, de execução dos deveres e do exercício da justiça, gera na sociedade uma imensa frustração, que assiste impotente a violência, a corrupção, e impunidade e o sucesso de bajuladores, dos inescrupulosos, dos maliciosos, dos autoritários e todos aqueles que conseguem burlar as leis, desrespeitar os direitos e se subtrair da justiça. Presidentes, governadores, ministros, senadores, deputados, prefeitos, juizes, administradores e empresários emo Tribunal Federal sobr emo Tribunal que furtam, enriquecendo ilicitamente, que se locupletam com os bens públicos, são acatados na sociedade, elogiados pelos órgãos de comunicação de massa, e passam a conviver livre e abertamente, como se fossem cidadãos acima de qualquer suspeita. Sr. Ministro, são essas forças que estão tentado influenciar em sua decisão. Acreditamos, entretanto que V. Exc. não se deixará levar por especuladores dessa estirpe, e que sua decisão será uma amostra de que em nossos temos atuais não há lugar para aqueles que ainda usam a propaganda enganosa e o autoritarismo para tentar burlar a justiça. Ousamos planejar nosso desenvolvimento. Isso é modernidade, Sr. Ministro, a sociedade pensar políticas públi- cas que beneficiem a todos e discutir com o governo formas de implementá-las. Porém, a busca de consensos ransamazônica e Xingu ao Supr dessa natureza é impossível, devido a pressa e o autoritarismo da direção da Eletronorte. Respeitosamente,

Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu Fundação Viver, Produzir e Preservar FETAGRI / Regional Transamazônica e Xingu GTA / Altamira

Carta do Movimento pelo Desenvolvimento da T Carta aos Membros do Conselho Nacional de Política Energética Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu - MDTX

Fernando Henrique Cardoso, Presidente da República José Jorge de Vasconcelos Lima, Presidente do CNPE – Ministro de Estado de Minas e Energia Ronaldo Mota Sardenberg – Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia 333 Martus Antônio Rodrigues Tavares – Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão José Carlos de Carvalho – Ministro de Estado do Meio Ambiente Pedro Sampaio Malan – Ministro de Estado da Fazenda Pedro Pullen Parente – Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República Alcides Lopes Tápias – Ministro de Estado de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

Altamira, PA, 02 de setembro de 2002

Prezados Senhores;

Somos um movimento que reúne 113 organizações sociais, criadas no curso de trinta anos de colonização da Transamazônica e Xingu. Nesses trinta anos, abandonados à nossa própria sorte, conseguimos com o apoio de pastorais de Igrejas, da solidariedade internacional e de organizações de apoio e sindicais, construir um referencial de desenvolvimento apropriado para uma região de florestas tropicais.

A região em que vivemos é a Bacia Hidrográfica do Xingu, uma floresta da Amazônia Oriental, onde se trava uma das disputas mais acirradas e violentas pelo território e entre diferentes concepções de uso dos recursos naturais. Nesta região, estão situadas as últimas reservas maciças de mogno da Amazônia, uma das bacias hidro- gráficas mais preservadas do planeta e uma biodiversidade ainda desconhecida da comunidade científica. Cerca de 800 mil habitantes povoam esta região, combinando várias atividades baseadas na exploração dos recursos da floresta, aquáticos, minerais e agropecuários.

Há dois anos estamos travando uma verdadeira batalha com a Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás, acerca do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte (CHE Belo Monte). O projeto ressurge após 10 anos, trazendo em seu conjunto as preocupações e fragilidades anteriores, aliadas ao saque dos recursos naturais, práticas correntes na Amazônia que sempre deixaram um rastro de miséria e destruição para os povos da floresta.

Entramos nessa batalha porque vimos o nosso sonho de viver, produzir e preservar ameaçado por mais esse projeto na Amazônia que representa o modelo de “desenvolvimento destruidor” tão conhecido por essas ban- das. Isso não é desenvolvimento, pois a história da construção das Hidrelétricas nos rios da Amazônia tem provado que elas são um desastre ecológico, social e econômico, como podemos ver claramente bem próximo de nós em Tucuruí, além de tantas outras, como Balbina, Samuel, Serra da Mesa, Rio Cuiabá. Elas têm nos mostrado que o tão propagandeado modelo de desenvolvimento gera riquezas somente para um reduzido grupo de privilegia- dos. No final, o povo fica com grandes impactos negativos e prejuízos da obra, além do aumento da pauperização.

Manifestamos nosso apoio irrestrito aos encaminhamentos tomados pelo Ministério Público Federal do Pará que resultaram no embargo da obra, atitude sensata que só reforça nossa posição contrária à construção desse mega-empreendimento que pretende, de um lado, utilizar milhões de reais dos cofres públicos e privatizar rios e florestas, e de outro, envergonhar o país ao investir no aliciamento da população e não na sua participação efetiva no processo, escondendo do povo qualquer informação relevante sobre a obra. É isso que nos assusta.

Diante da evidente constatação de que mais um projeto caro e inútil está em curso na Amazônia, exigimos que o Conselho Nacional de Política Energética, convocado para tão importante tarefa, tome as providências cabí- veis, começando por escutar todas as partes envolvidas nesse projeto, em especial, os povos indígenas os quais nunca tiveram sequer suas proposições consideradas pelo governo. Estaremos sempre vigilantes para que a vida

tas e o destino do povo da Amazônia bem como suas riquezas, mais uma vez não caiam nas mãos daqueles que, por se considerarem acima das leis do Estado brasileiro e agirem deste modo, massacram o povo, depredam os recursos naturais e legitimam o caos social com o uso do dinheiro público e a conivência governamental.

Atenciosamente.

Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu

Fundação Viver, Produzir e Preservar

Prelazia do Xingu 334 Comissão Pastoral da Terra

Arikafú – Associação dos Povos Xipaya da Aldeia Tukamã

gética VI - Anexos - Car - Parte Tenotã-Mõ

Carta aos Membros do Conselho Nacional de Política Ener Carta aos Membros Glossário

Glossário de Termos Técnicos de Engenharia e de Energia Elétrica

Afluência – Volumes de água que passam numa Armazenamento Inativo (Volume Morto) – Volume dada secção transversal (de um rio, de um canal, d’água retido na represa abaixo da cota da tomada de uma tubulação) durante um período de tempo d’água da usina, que é o nível mínimo de exploração. 335 determinado. Afluente - em relação ao rio princi- Atingidos por Obras (moradores atingidos, traba- pal, afluente é um rio menor, ribeirão, igarapé que lhadores atingidos, populações atingidas) - popu- é tributário do maior, que desemboca no maior, lações humanas que sofrem prejuízos, que perdem cuja vazão d’água alimenta o rio principal. suas colheitas, seus empregos ou meios de vida, seus Ano Úmido - Ano baseado em critérios estatísti- patrimônios e benfeitorias, são forçados a sair de cos, em que o curso de água tem afluências supe- suas terras e de suas casas, como conseqüência da riores à média. construção de uma barragem, cujas obras,com seus canteiros, suas áreas de extração mineral, seus aces- Ano Seco – Ano baseado em critérios estatísticos, sos, alojamentos e vilas, tomam muitos terrenos, em que o curso de água tem afluências inferiores além das terras alagadas pela formação da represa à média. e pela construção das linhas de transmissão. “Apagão” ou “Blecaute” (da palavra inglesa Bacia Hidrográfica (Bacia Fluvial) - Superfície do black-out, escurecimento, desligamento) – Inter- terreno, medida em projeção horizontal, da qual rupção total, por um período de minutos e até provém efetivamente a água que alimenta um curso de horas, que pode acontecer numa rede local, de água até ao ponto considerado; formada por um regional ou nacional de eletricidade. Geralmen- rio principal e seus afluentes ou tributários e pelos te provocado por falhas em sistemas de trans- corpos d’água subterrâneos (aqüíferos ou lençóis) missão e por incidentes operacionais na rede e nas usinas; o risco de acontecer é maior quando Barragem – o quê barra um curso d’água, a estru- a demanda de energia supera a produção de tura construída em geral na forma de um paredão, energia numa dada rede. um muro, e que tem a função de represar a água, fazendo subir permanentemente o nível d’água do Aproveitamento de Fins Múltiplos - Aproveitamen- rio naquele ponto. Se for uma barragem de uma to hidráulico com diversos objetivos associados, usina hidrelétrica, e já existir uma queda natural, entre os quais se contam a produção de energia a barragem tem a função de criar na parte alta elétrica, a regularização das cheias, a proteção con- pontos de tomada d’água para alimentar, na parte tra as inundações, o abastecimento de água para baixa, as máquinas; se não existir a queda ou se as populações e para a irrigação, a navegação flu- for considerada pequena, a barragem tem também vial, os fins recreativos. a função de criar uma queda artificial. Canal de Restituição (Descarga ou de Saída ou de controle local e de proteção elétrica, e o barra- Canal de Fuga) – Canal construído na saída das mento elétrico que leva a eletricidade gerada para águas turbinadas na usina para restituir a água uti- os transformadores de saída. lizada ao leito natural do rio. Central Hidrelétrica a Fio Água – Central hidrelé- Capacidade de Transporte – Carga máxima trica alimentada por um curso de água, sem re- admissível em permanência de um circuito elétri- presa reguladora de volume significativo. co ou uma linha de transmissão tendo em conta o aquecimento, a estabilidade e a queda de tensão. Complexo Hidrelétrico (CHE) – Nome atribuído pelas empresas a um conjunto de obras de barra- Capacidade Elétrica Instalada (medida em unida- gens e usinas, vizinhos entre si e que funcionam de des de potência , Kilowatts, Megawatts, ver adian- modo combinado, p.ex. complexo formado pelas te) – é a soma, prevista pelos projetistas e fabri- usinas Jupiá e Ilha Solteira do rio Paraná (SP, MS) e cantes de máquinas, das potências dos grupos tur- pelo canal de Pereira Barreto e a usina de Três Ir- bo-geradores de uma usina hidrelétrica ou mãos, no Tietê (SP). Numa das alterações dos pro- termelétrica. É equivalente à potência máxima que jetos no rio Xingu, a Eletronorte passou a chamar a usina pode produzir. de Complexo Belo Monte um conjunto de uma Capacidade Útil do Reservatório - Volume de água barragem sobre o rio Xingu com uma pequena casa disponível numa represa entre o nível médio de de força, cinco barragens em igarapés da margem pleno armazenamento e o nível mínimo de ope- esquerda, mais de vinte diques, três canais e um ração (que fica na mesma cota que a tomada prédio de Casa de Força na margem esquerda. d’água das máquinas). Comportas – portões metálicos colocados no pré- Carga Elétrica de Base – é uma quantidade de dio da barragem e da casa de força, que podem energia que é sempre consumida/demandada ser abertos ou fechados deixando ou bloqueando pelos usuários conectados a uma rede elétrica. Essa a tomada d’água (para dentro do prédio) ou, ex- 336 carga é medida/avaliada durante um período de- ternamente, comportas de vertedor ou vertedouro, terminado (por exemplo : dia, mês, ano). que podem ser abertas quando uma parte da va-

gia VI - Anexos - Glossário - Parte Tenotã-Mõ zão afluente na represa tiver que ser vertida, pois Carga de Ponta - é a máxima quantidade de ener- o seu nível já estaria no máximo admissível em ter- gia demandada/consumida pelos usuários de uma mos de segurança. rede elétrica em determinado período (por exem- plo: dia, mês, ano, hora, minuto). É superior a Conselho Nacional de Política Energética – CNPE Carga elétrica de Base. - Órgão do Ministério das Minas e Energia encar- regado de assessorar o Presidente de República na Carga Própria de Energia (MWmed) – Demanda/ formulação de políticas e diretrizes de energia de Consumo médio de energia requerida de uma ins- talação ou conjunto de instalações durante um modo a promover o melhor aproveitamento naci- período de referência - (relação entre a eletrici- onal dos recursos energéticos do País, em confor- midade com o disposto na legislação aplicável. Foi

Canal de Restituição – Consumo de Ener dade gerada em MWh e o tempo de funciona- mento das instalações). Entenda instalação ou ins- criado pela Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 e talações como sinônimo de usinas hidrelétrica ou regulamentado pelo DECRETO Nº 2.457, de 14 termelétricas. de janeiro de 1998 que dispõe sobre a estrutura e funcionamento do Conselho. Carga Própria de Demanda (MWh/h) – A maior média de demanda/consumo de energia elétrica Consumidor – Pessoa física ou jurídica com víncu- medido num intervalo de 60 segundos, verificada lo à empresa fornecedora de energia elétrica, de- num período de referência. Esse período de refe- finido em condições contratuais específicas que rência pode ser, por exemplo, de 15 minutos, 1 dizem respeito à entrega e utilização (tarifas e hora ou 1 dia. qualidade do serviço) e que se mantêm constan- tes durante o período fixado no contrato. Casa de Força (Casa de Máquinas) – prédio construído sobre o rio, ou numa das margens , ou Consumo de Energia – Utilização de energia com no interior das rochas, abaixo da barragem, onde o objetivo da sua conversão em energia secundá- são instaladas as turbinas e os respectivos gerado- ria ou da produção de energia útil. Os níveis de res, e mais equipamentos e instalações auxiliares referência respectivos (energia primária, energia como comportas, motores elétricos, elevadores, secundária, energia final, energia útil) devem ser pontes rolantes, bombas d água e de óleo, armários indicados. Consumo em Horas de Ponta – Consumo máximo valor e período de vigência fixados no contrato de durante um curto período determinado de tempo. fornecimento e que deverá ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de Consumo Próprio - Consumo de energia que foi faturamento, expressa em kilowatts (kW) ou gerada pelo próprio utilizador da energia, em sua Megawatts (MW). fábrica, usina, destilaria, etc, na modalidade cha- mada de autoprodução de eletricidade. Desflorestação-(ou desmatamento) É o processo de abate de árvores cujo número não é reposto. A Consumo Próprio do Setor Energético – Quanti- desflorestação, em grandes extensões, tem um im- dades de Energia de todas as naturezas utilizadas pacto profundo em problemas ambientais globais, pelos produtores (geradores) e transformadores como poluição atmosférica e aquecimento global. de energia para o funcionamento das suas instala- ções (por exemplo, aquecimento, iluminação etc.). Eletro-Intensivo – Processo industrial ou serviço que utiliza de forma intensiva a energia; é caracte- Consumo Próprio de uma Rede - Consumo de rística de um processo de fabricação ou de um energia elétrica nas instalações elétricas auxiliares modo de funcionamento, que exige proporcional- ou anexas, necessárias ao bom funcionamento da mente bastante energia elétrica; aplica-se princi- própria rede, ou seja: energia gasta para transmi- palmente à obtenção do aço e de suas ligas (side- tir, modular e distribuir energia. Também deno- rurgia) e às indústrias metalúrgicas cuja fundição minado de perdas técnicas. é por meio de corrente elétrica ou da descarga de Consumo Real – Consumo final acrescido das per- um arco voltaico (alumínio, cobre, zinco, níquel, das de conversão, de transporte e de chumbo, silício) além das fábricas de celulose e distribuição.Representa a energia primária papel e das fábricas de cloro e soda cáustica requerida para cobrir o consumo final. Energia Firme- a máxima capacidade de produção

enotã-Mõ - Parte VI - Anexos - Glossário enotã-Mõ - Parte

T Conversora - Instalação elétrica que serve para ou de geração de energia elétrica em uma usina transformar um tipo de corrente noutro ou uma hidrelétrica ou termelétrica, que pode atender 337 freqüência noutra. Por exemplo, corrente contí- continuamente uma determinada demanda – ver nua em corrente alternada e, converter a freqüên- Demanda. cia de 50 Hz para 60Hz. Energia Útil Produzida – a energia elétrica real- Cota – nome técnico genérico da altura ou altitu- mente disponibilizada para o sistema elétrico por de de um terreno ou de uma construção, usual- uma usina hidrelétrica ou termelétrica já descon- mente medida em m, metros acima do nível do tando as perdas com a geração/produção. mar, e em geral vem indicada numa planta técni- EIA - Estudo de Impacto Ambiental – Estudo téc- ca, numa cartografia, num mapa. No caso de um nico exigido por lei, a ser apresentado pelos pro- rio ou de uma represa, as várias cotas são as altu- jetistas ou pelos sócios de um investimento, des- ras em que chega a água nas várias situações: cota crevendo e avaliando os impactos ou conseqüên- mínima, média, máxima. cias de uma obra ou de um processo técnico, de Curva de Carga- É a representação gráfica da vari- uma indústria, numa dada localização, sobre o ação da carga demandada/consumida, observada meio ambiente local e no seu entorno, chamado ou esperada, em função do tempo. Essa represen- de área de influência da obra. Todos os estudos Consumo em Horas de Ponta – Fator de Capacidade tação pode ser de apenas uma residência, um pré- desse tipo são chamados de estudos ambientais e dio, bairro, cidade, estado ou país. são apresentados quando se requer as licenças ambientais para ao projeto. Em geral contêm: Di- Demanda – Pode se referir à média da potência agnóstico Ambiental prévio da área, Estimativas de elétrica ativa (medida em MW), a média da potên- degradação e de poluição que seriam provocadas, cia elétrica reativa (Mvar), ou então, de ambas, a Plano ou Projeto de Controle Ambiental, Plano média da potência elétrica ativa e reativa – potên- de Manejo ou de Mitigação dos efeitos, Plano de cia aparente (medida em MVA). Indica a quanti- Recuperação de Área Degradada, Análise de Ris- dade de potência solicitada ao sistema elétrico por co de acidentes. uma determinada carga durante um intervalo de tempo especificado. Fator de Capacidade - Relação entre a carga pró- pria de energia e a capacidade elétrica instalada Demanda contratada - Demanda de potência ativa de uma instalação ou conjunto de instalações – ver a ser obrigatória e continuamente disponibilizada Carga Própria de Energia e Capacidade Elétrica pela concessionária, no ponto de entrega, conforme Instalada. Fio de Água (usina hidrelétrica a fio d’água) – Licença Ambiental – O licenciamento é um proce- Aproveitamento da queda d’água para gerar ener- dimento administrativo pelo qual o órgão ambiental gia sem um reservatório regulador de vazão, ou competente, estadual ou federal, outorga a um re- com reservatório de pequeno volume. querente, investidor ou empreendedor, as licenças necessárias ao início do empreendimento preten- Fundição – processo industrial de obtenção de me- dido (Licença Prévia), ao início da construção (Li- tais em estado puro ou quase puro por meio de cença de Instalação) e ao início ou a renovação do passagem de corrente elétrica de grande intensi- seu funcionamento (Licença de Operação). dade e ou do aquecimento a altas temperaturas, acima de 1.000 graus em geral, no recipiente onde Linha de Transmissão - Conjunto formado por fica o minério que contem o metal a ser fundido. cabos condutores suspensos entre seqüências de O nome se aplica para a obtenção de alumínio, torres metálicas, por meio de isoladores e outros cobre, zinco, níquel, chumbo, silício, ferro e ligas acessórios, usado para o transporte a distância ou de aço. para distribuição local de eletricidade. Gerador (elétrico) – Tipo de conversor de ener- Motor, Máquina – Nomes genéricos dos equipa- gia especializado em produzir corrente elétrica em mentos que permitem obter energia de rotação um enrolamento de fios de cobre que é “ativado” num eixo; no interior do país, “motor” pode signi- magneticamente a partir da rotação de um rotor ficar o grupo formado por um motor tipo diesel (esta rotação, por sua vez foi obtida por meio de ou um motor tipo gasolina ao qual é acoplado um outra transformação de energia, ver motor, turbi- gerador elétrico ; diz-se também que uma usina na e turbo - gerador) elétrica foi “motorizada” com x ou y “motores” , ou com x ou y “máquinas”, para indicar o número Hidrelétrica (Usina Hidrelétrica) - usina em que de moto-geradores ou de turbo-geradores. se obtém energia elétrica por meio do aproveita-

enotã-Mõ - Parte VI - Anexos - Glossário enotã-Mõ - Parte T mento da força da água após uma diferença de Nível de Água a Montante – Nível do plano de água 338 altura, após a queda. na represa , ou rio acima, indicando o ponto onde Instalação de Alta-Tensão - Instalação elétrica cuja se mede. tensão nominal é superior a 1.000V, em corrente Nível de Água a Jusante- Nível do plano de água alternada ou a 1.500V, em corrente contínua. rio abaixo, após a barragem, indicando o ponto Instalação de Baixa Tensão - Instalação elétrica cuja onde se mede. tensão nominal é inferior a 1.000V, em corrente Nível Máximo de Exploração (ou Cota máxima) -

Fio de Água – Potência alternada ou a 1.500V, em corrente contínua. É o nível mais alto permitido normalmente numa (a) Jusante – a jusante de um ponto do rio, a jusante represa (sem ter em conta as sobre-elevações devi- de uma ponte, de uma barragem, quer dizer sem- das a cheias). Corresponde ao nível de pleno pre rio abaixo daquele ponto, a favor da corrente- armazenamento da represa, máximo admissível em za. É o contrário de “a montante”, que quer dizer caso de cheias. rio acima. Perdas - Diferença entre a potência de entrada e a Kilovolts (kV) – igual a mil volts. Volt é unidade de potência de saída. tensão elétrica, de diferença de potencial entre Perdas no (de) Transporte – Perdas de transporte dois pólos elétricos. Para os consumidores, as ten- e de distribuição nas redes (até ao ponto de entre- sões mais comuns são de 110, 220 e 380 volts. As ga) principalmente da eletricidade, do gás e do linhas urbanas rurais de distribuição de eletricida- calor. Por exemplo: As perdas nos transformado- de têm tensão de 11 kV e de 13, 8 kV, e as Linhas res elétricos são contabilizadas nas perdas de trans- de Transmissão à longa distância têm tensões es- porte e de distribuição de eletricidade. pecificadas em 69, 138, 230, 345, 440 e 500 kV Pico de Demanda - MW - Máxima demanda ins- Kilowatts (kW) – igual a mil watts; Watt (W) – Uni- tantânea requerida num intervalo de tempo (dia, dade física de Potência mecânica ou elétrica , equi- mês, ano, etc.). valente ao trabalho de um Joule (equivale a uma força de um kg vezes a distância de um metro) feito Potência - Quantidade de energia elétrica solicita- durante o tempo de um segundo. um HP que mede da por unidade de tempo. No sistema internacio- a potência dos motores de veículos, equivale a 0, nal é expressa em watts (W). É comum se utilizar 746 kW;; Megawatts (MW) – igual à um milhão de potência como sinônimo de potência elétrica ati- watts; Gigawatts (GW) – igual a 1 bilhão de watts va ou potência aparente. Potência Aparente – O conjunto das potências ati- comercial ou terciário (comércio e serviços), se- va e reativa fornecidas (ou recebidas) por um equi- tor público ou administração pública, agricultu- pamento ou dispositivo. É esta potência que faz o ra (incluindo a pesca, caça e florestas), setor do- equipamento ou dispositivo funcionar. É represen- méstico ou residencial e transportes. tada por S, e exprime-se na unidade Volt Ampère Sistema de Distribuição (de Energia Elétrica) - (VA) e seus múltiplos. Parte de um sistema elétrico destinado à distribui- Potência Ativa – Representa a quantidade de po- ção de energia elétrica, numa determinada locali- tência que realmente foi convertida em trabalho, dade ou numa parte determinada desta. isto é, que a quantidade de potência que é útil ao homem. Exprime-se pela unidade Watt (W) e seus Sistema de Transmissão (de Energia Elétrica) - múltiplos. Parte de um sistema elétrico que compreende as linhas de transmissão e os equipamentos a elas as- Potência Nominal - Potência máxima que pode ser sociados. fornecida ou consumida em regime contínuo. Em geral é a potência para a qual a instalação foi pro- Sistema Elétrico (Sistema de Potência) - Em senti- jetada. Normalmente vem indicada nas do amplo, é o conjunto de todas as instalações e especificações fornecidas pelo fabricante e na cha- equipamentos destinados à geração, transmissão pa afixada nas máquinas. e distribuição de energia elétrica. Em sentido res- trito, é um conjunto definido de linhas e Rede Elétrica – a união de várias de linhas, subestações que assegura a transmissão e/ou a dis- subestações, transformadores e disjuntores, todos tribuição de energia elétrica, cujos limites são de- interligados, com o objetivo de abastecer/atender a finidos por meio de critérios apropriados, tais um conjunto de consumidores de energia elétrica. como localização geográfica, concessionário, ten- Rede de Transmissão - Rede ou sistema utilizado são, etc. para transmissão de energia elétrica entre regiões Sistema Interligado - Sistema de geração, transmis- 339 ou entre países, para alimentação de redes subsi- são e distribuição de energia elétrica á partir de diárias; o conjunto de equipamentos necessários uma fonte geradora. Comumente de origem hi- para a transmissão de energia da geração ou do drelétrica (UHE), mas pode ser originado de ou- ponto de conexão até a carga. tras fontes, como: Gerador diesel-elétrico(GGDE)

Retificador - Instalação elétrica destinada a trans- e usina termelétrica (UTE). No Brasil temos um ransformação VI - Anexos - Glossário - Parte Tenotã-Mõ formar corrente alternada (monofásica ou sistema interligado com as regiões Sul, Sudeste e polifásica) em corrente contínua. Centro oeste (até o Mato Grosso), Nordeste, e Norte até uma parte do Pará. RIMA - abreviatura de Relatório de Impacto sobre o meio ambiente, é um resumo parcial do EIA, Sistema isolado - Sistema de geração e distribui- feito para ser divulgado para a opinião pública, ção de energia não interligado ao sistema nacio- para a imprensa e os interessados. nal. Grande parte da Amazônia é atendida através de sistemas isolados. No Pará, diz respeito aos 35 Royalties (Expressão em inglês) – pagamentos (trinta e cinco) municípios localizados na margem anuais e por longo período de tempo, feitos ao

esquerda do Rio Amazonas, à região do arquipéla- – Subestação de T Potência Aparente poder público local ou a particulares em troca dos go do Marajó e municípios ou vilas do Sul e Oeste direitos de uso de recursos naturais existentes na- do Pará. quele território, ou em troca do uso de processos e marcas industriais. Os municípios de cujo subsolo Subestação (SE) - Parte de um sistema de potên- se extrai petróleo e gás recebem royalties da em- cia, concentrada em um dado local, compreenden- presa petrolífera; os municípios que perderam ter- do primordialmente as extremidades de linhas de ras para uma represa de usina hidrelétrica rece- transmissão e/ou de distribuição, com os respecti- bem royalties da empresa que opera a usina. vos dispositivos de manobra, controle e proteção, incluindo as obras civis e estruturas de montagem, Setor Consumidor – Categorias de utilizadores podendo incluir também transformadores, equi- finais de energia, desagregados geralmente da pamentos, conversões e/ou outros equipamentos. seguinte forma: indústria (fora da indústria energética) e muitas vezes desagregada em in- Subestação de Transformação - Instalação elétri- dústrias grandes consumidoras, nomeadamente ca na qual, por meio de transformadores, se reali- metalurgia (siderurgia e metais não ferrosos), za a transferência de energia elétrica entre redes a química, petroquímica e outras indústrias. Setor tensões diferentes. Tarifa - Preço da unidade de energia elétrica e/ auxiliares, as instalações de apoio (administrativas ou da demanda de potência ativa. e para pessoal), e também a subestação elevatória – que eleva a tensão da energia produzida para a Tensão Nominal - Tensão elétrica, medida em tensão de transmissão para outros locais. Volts, que figura nas especificações de uma má- quina ou de um aparelho, a partir da qual se de- Usina Hidrelétrica (UHE) - Usina composta por terminam as condições de ensaio e os limites da um ou mais grupos turbo - geradores do tipo hi- tensão de utilização. dráulicos. Idem, compreende também várias ins- talações vizinhas e anexas. Tomada da Água- Estruturas especiais do prédio de uma usina hidrelétrica destinadas a captar a Vazão – unidade de medida de fluxo de material água da represa para conduzí-la aos pontos em que por tempo, medida em m3/s, metros cúbicos (mil será turbinada. litros) por segundo ou então, em l/s, litros por segundo; vazão d’água de um rio é uma medida Transformador - 1) Transdutor de energia elétri- da correnteza, da quantidade de água passando ca, estático, que transfere energia elétrica sem durante um tempo x em uma secção transversal mudança da freqüência. 2) Equipamento elétrico da calha do rio, em um ponto determinado do rio. estático que, por indução eletromagnética, trans- forma tensão e corrente alternadas entre dois ou Vazão “Ecológica” – Vazão d’água que, numa to- mais enrolamentos, sem mudança de freqüência. mada ou derivação de água, deve deixar-se escoar obrigatoriamente (por força de uma prescrição do Transmissão - De energia elétrica: transporte de poder público ou de alguma lei) no leito primiti- energia elétrica caracterizado pelo valor nominal vo do rio, logo abaixo ou a jusante da tomada de tensão. A) Entre a subestação elevadora de uma d’água e até que toda a vazão turbinada seja resti- usina elétrica e a sua subestação abaixadora em tuída também ao leito do rio.

enotã-Mõ - Parte VI - Anexos - Glossário enotã-Mõ - Parte T que se inicia a subtransmissão, que alimenta um Vazão Turbinada – parte da vazão de um rio, acu- 340 sistema de distribuição ou que fornece energia elé- trica a um grande consumidor. B) Entre as mulada numa represa e que foi engolida por uma subestações que fazem a interligação dos sistemas turbina hidráulica, fazendo girar o seu eixo; se esti- elétricos de dois concessionários ou áreas diferen- ver acoplada num gerador, será gerada eletricidade. tes do sistema de um mesmo concessionário. Vertedouro (ou também vertedor) - uma parte do Turbina – tipo de conversor de energia composto corpo da barragem , em geral numa das laterais, de um corpo cônico com aletas fixas em seu interi- construída com comportas e estruturas especiais

arifa – Zona Inundável T or, e de um rotor com pás, num arranjo que permi- para poder, se necessário escoar uma parte da va- te transformar em energia de rotação, a energia do zão d’água afluente num reservatório. O mais co- movimento de um fluxo de água descendente (tur- mum é o vertedouro de crista, e quando aberto, a bina hidráulica); ou, a energia da expansão de ga- água vertida desce pelos “tobogãs” até a bacia de ses quentes (turbina a gases quentes, obtidos pela dissipação rio abaixo. Há barragens com vertedou- queima de um combustível com ar comprimido) ros de fundo, que quando abertos escoam também ou, a energia da expansão de vapor sob pressão (tur- o lodo acumulado e podem esvaziar totalmente a bina a vapor, que é obtido pela queima de um com- represa. bustível em uma caldeira à parte) Zona lnundável - Zona de uma represa compreen- Turbo – Gerador, TG – nome dado na engenha- dida entre o mais alto nível de operação normal e ria para um “grupo” ou um par formado por um o nível de água máximo possível do ponto de vista gerador elétrico cujo eixo é acoplado a uma turbi- da segurança (nível de máxima cheia). na de tipo hidráulico (os TGs de uma usina hiderlétrica) ou de tipo térmico (os TGs de uma usina térmica) Glossário adaptado pelos organizadores do livro e pelo en- Usina (elétrica). Instalação eletro-mecânica des- genheiro André Saraiva de Paula a partir de: tinada a gerar eletricidade em escala industrial, • Coordenação Geral de Informações Energéticas, Secreta- ria de Energia, Ministério de Minas e Energia http:// compreendendo o conjunto dos grupos turbo-ge- www.ecen.com/eee13/gloss.htm#EH1%20-Termos%20Gerais radores ou moto-geradores, e demais equipamen- • Grupo Rede http://www.gruporede.com.br/objeto_exibir. tos associados, as instalações hidráulicas ou - para php?oid=10225, ambos acessados em 15/10/2004 o manuseio do combustível (conforme o caso), • Dicionário de Terminologia Energética - 4ª edição. Ano as construções, as oficinas e demais instalações 2004. Editado por Furnas Centrais Elétricas S.A. Endereços de contato de grupos trabalhando em defesa do Xingu

Amazon Alliance Comissão Pró-Índio de São Paulo Forum da Amazônia Oriental 1367 Connecticut Ave., NW, Suite 400 Rua Padre Carvalho, 175, Bairro Pi- a/c FASE Pará Washington, DC 20036 nheiros Rua Bernal do Couto, 1329, Umarizal EUA São Paulo, SP - CEP 05427-100 Belém, PA Fone: +1 (202) 785.3334 Fone: (11) 3814.7228 Fone (91) 242.0318 Fax: +1 (202) 785.3335 Fax: (11) 3518.8961 [email protected] [email protected] [email protected] www.faor.org.br www.amazonalliance.org www.cpisp.org.br Greenpeace Amazon Watch Conselho Indigenista Missionário – Rua Alvarenga, 2331, Butantã 1 Haight St., Suite B CIMI Regional Norte II São Paulo, SP - CEP 05509-006 San Francisco, CA 94102 São Braz - Caixa Postal 12097 Fone: (11) 3035.1155 EUA Belém, PA - CEP 66090-970 Fax: (11) 3817.4600 Fone: +1 (415) 487.9600 Fone: (91) 226.5408 [email protected] Fax: +1 (415) 487.9601 Fax: (91) 246.7222 www.greenpeace.org.br [email protected] [email protected] www.amazonwatch.org www.cimi.org.br Grupo de Trabalho Amazônico SAIS - Canteiro Central do Metrô, Lote 341 Amigos da Terra - Amazônia Brasileira Conselho Nacional de Seringueiros 8, Galpão 1 Rua Bento de Andrade, 85 [email protected] Brasília, DF - CEP 70610-000 São Paulo, SP - CEP 04503-010 www.cnsnet.org.br Telefax (61) 346.7048 Fone.: (11) 3887.9369 www.gta.org.br Fax: (11) 3884.2795 Coordenação das Organizações Indíge- [email protected] Instituto Centro de Vida nas da Amazônia Brasileira – COIAB www.amazonia.org.br Av. José Estevam Torquato, 999, Jd. Vi- Av. Ayrão, 235, Bairro Presidente tória Vargas Associação dos Povos Indígenas Xipaya Cuiabá, MT - CEP 78055-731 Manaus, AM - CEP 69025-290 da Aldeia Tukamã – ARIKAFÚ Fone: (65) 641.1550 / 641.5382 Fone: (92) 233.0749 Rua Cel José Porfírio 1919, [email protected] Fax: (92) 233.0209 Bairro Catedral www.icv.org.br [email protected] Altamira, PA - CEP 69371-090 www.coiab.com.br Fone: (93) 515.4862 Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia Associação Ipren-re Environmental Defense Avda. Nazaré 669 Av. Ipiranga, 284 1875 Connecticut Ave., NW Belém, PA - CEP 66035-170 Colider, MT - CEP 78500-000 Washington, DC 20009 Telefax: (91) 283.4343 Fone: (65) 541.2285 Fone: +1 (202) 387.3500 www.ipam.org.br Fax: (65) 541.2011 Fax: +1 (202) 234.6049 www.environmentaldefense.org Instituto Socioambiental Central Único de Trabalhadores Av. Higienópolis, 901 (CUT) – Comissão da Amazônia Federação de Órgãos para Assistência Bairro Higienópolis Rua Caetano Pinto, 575, Brás Social e Educacional (FASE) São Paulo, S.P. - CEP 01238-001 São Paulo, SP - CEP 03041-000 Rua das Palmeiras, 90, Botafogo Fone: (11) 3660.7949 Fone: (11) 2108.9200 Rio de Janeiro, RJ - CEP 22270-070 Fax: (11) 3660.7941 Fax: (11) 2108.9310 Fone: (21) 2536.7350 [email protected] [email protected] [email protected] www.isa.org www.cut.org.br www.fase.org.br International Rivers Network Comissão Pastoral da Terra Federação de Trabalhadores em Agri- 1847 Berkeley Way Prelazia do Xingu cultura do estado do Pará Berkeley, CA 94703 Rua Sete de Setembro, 1587 (Altos) Travessa D. Pedro I, 1012, Umarizal Estados Unidos Altamira, PA - CEP 68371-000 Belém, PA - CEP 66050-100 Fone: +1 (510) 848.1155 Fone: (93) 515.4742 Fones: (91) 241.2419 / 241.7613 Fax +1 (510) 848.1008 Fax: (93) 515.4261 Fax: (91) 241.2419 [email protected] [email protected] [email protected] www.irn.org KoBra - Kooperation Brasilien e.V. Movimento dos Trabalhadores Rurais Rainforest Action Network União Nacional de Grupos de Solida- Sem Terra 221 Pine St., Suite 500 riedade ao Brasil [email protected] San Francisco, CA 94104 Habsburgerstr. 9 www.mst.org.br EUA 79104 Freiburg i. Br. Fone: +1 (415) 398.4404 Operação Amazônia Nativa Alemanha Fax: +1 (415) 398.2732 Fone: +49 (761)600.6926 Av. Ipiranga, 97, Bairro Goiabeira Cuiabá, MT - CEP 78020-550 [email protected] Fax: +49 (761) 600.6928 www.ran.org [email protected] Fone: (65) 322.2980 www.kobra.wdss.de Fax: (65) 322.4161 [email protected] Rainforest Foundation US www.opan.org.br 32 Broadway, Suite 1614 Movimento dos Atingidos por New York, NY 10004 Barragens Projeto Brasil Sustentável e Democrático EUA HIGS, Q. 705 Asa Sul, Bloco K, casa 11 Rua das Palmeiras, 90, Botafogo Fone: +1 (212) 431.9098 Brasília, D.F. - CEP 70350-711 Rio de Janeiro, RJ - CEP 22270-070 [email protected] Fones: (61) 242.8535 / 244.7534 Fone: (21) 286.1441 [email protected] [email protected] www.rffny.org eços www.mabnacional.org.br www.brasilsustentavel.org.br Pro-Regenwald Urgewald e.V. Movimento pelo Desenvolvimento da Frohschammerstr. 14 Von-Galen-Strasse 4 Transamazônica e Xingu D-80807 München 48336 Sassenberg Fundação Viver Produzir e Preservar Alemanha Alemanha Rua Anchieta, 2092 Fone: +49 (89) 359.8650 Fone: +49 2583.1031 Altamira, PA - CEP 68371-190 Fax: +49 (89) 359.6622 Fax: +49 2583.4220 Fone: (93) 515.2406 [email protected] [email protected] [email protected] www.pro-regenwald.org www.urgewald.de

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KoBra – Urgewald VI - Anexos - Ender - Parte Tenotã-Mõ Resumos Biográficos dos Autores

Arsenio Oswaldo Sevá Filho, 56 anos, professor do Lúcio Flávio Pinto, 55 anos, jornalista e sociólogo, Depto de Energia da Faculdade de Engenharia formado pela Escola de Sociologia e Política de São Mecânica da Unicamp, pesquisador na área de Paulo. Editor do Jornal Pessoal, quinzenário que cir- 343 Energia e Meio Ambiente, com trabalhos de cam- cula há 17 anos em Belém do Pará. Tem 10 livros po nas usinas hidrelétricas Tucurui, PA,em 1979, individuais publicados. Participou de numerosas Itaparica, PE e BA, 1985, Foz do Areia, PR, 1988, obras coletivas, sobre a Amazônia e o jornalismo du- Samuel, RO,1998, e na Volta Grande do Xingu, rante quase 40 anos. Foi professor visitante no Cen- PA, 2003. Colaborador de entidades não governa- tro de Estudos Latino-Americanos da Universidade mentais e sindicais, autor de capítulo no livro “As da Flórida, em Gainesville (EUA), e no Núcleo de hidrelétricas do Xingu e os povos Indígenas”, da Altos Estudos Amazônicos e Departamento de Co- CPI- SP, 1988. página www.fem.unicamp.br/~seva municação Social da Universidade Federal do Pará. email: [email protected] email: [email protected] Raul Silva Telles do Valle, 28 anos, advogado ambi- Andre Saraiva de Paula,. Engenheiro eletricista. entalista, mestre em Direito Econômico pela Uni- Professor Substituto da Faculdade Nacional de versidade de São Paulo, é assessor jurídico do Insti- Direito da UFRJ. Pós-graduando em Direito. Pes- tuto Socioambiental. (www.socioambiental.org) quisador do Centro de Pesquisas de Energia Elé- email: [email protected] trica (CEPEL). Especialização em Engenharia de Felício Pontes Júnior, Procurador da República Segurança do Trabalho. Trabalhos publicados em junto ao Ministério Público Federal em Belém com Congressos tanto na área de Direito quanto de atuação na área indígena, ambiental e ribeirinha. Engenharia Elétrica. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucio- email: [email protected] nal pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Diana Antonaz, professora do Departamento de de Janeiro (PUC/RJ). Antropologia do Programa de Pós-graduação em email: [email protected] ciências sociais da UFPA (Universidade Federal do Jane Felipe Beltrão, antropóloga e historiadora, Pará).É co-autora dos livros “A ambientalização dos professora junto ao Departamento de Antropolo- conflitos sociais. Participação e controle público da gia da Universidade Federal do Pará atuando no poluição industrial” (NUAP/Relume Dumará, Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais. 2004) e “Política no Brasil. Visões de antropólogos” Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq) Cidade, Al- (NUAP/Relume Dumará, 2004). Tem trabalhado deia e Patrimônio no qual vem atuando, sobretudo, em pesquisas sobre cultura das classes trabalhado- na área de perícias antropológicas ras, meio ambiente e movimentos sociais. email: [email protected] email: [email protected] Robert Goodland, 65 anos, canadense (via Guiana 2003 pelo INPA). Em 2004 ganhou o Prêmio ex-inglesa), aposentado desde 2001 pelo Banco Conrad Wessel (categoria ciência aplicada ao meio Mundial, como funcionário público durante 25 ambiente), o Prêmio Super ecologia (categoria: anos, onde ele escreveu a maioria das políticas socio- Ár, governo), e a Homenagem INPA 50 Anos. ambientais do Banco. Foi estagiário de ecologia na email: [email protected] Universidade de São Paulo, professor na Universi- Sônia Barbosa Magalhães, antropóloga, pesquisa- dade de Brasília e no Instituto Nacional de Pesqui- dora, com trabalhos publicados sobre os efeitos sas da Amazônia, Manaus. Lutou por 35 anos para sociais de grandes barragens, notadamente minimizar os impactos dos grandes projetos de de- Sobradinho (Vale do São Francisco, Bahia) e Tu- senvolvimento, em especial das hidrelétricas, inclu- curuí (Médio Rio Tocantins, Pará). Colaboradora sive Itaipu, Tucuruí e Três Gargantas. e consultora de instituições governamentais, não email: [email protected] governamentais e sindicais, organizadora e co-au- Ivan Fumeaux, 40 anos, engenheiro em recursos tora do livro Energia na Amazônia: avaliação e pers- hídricos, Facultad de Ingeniería y Ciencias pectivas sócio-ambientais, Belém, 1996 - uma publi- Hídricas, Universidad Nacional del Litoral. Traba- cação conjunta do Museu Paraense Emílio Goeldi, lhos em saneamento e água potável, Santa Fé, Ar- da Universidade Federal do Pará e da Associação gentina. Participação em conferências internacio- de Universidades Amazônicas, em 2 volumes, nais sobre impactos de grandes hidrelétricas. 966pgs.; e autora de capítulo no livro As hidrelétri- email: [email protected] cas do Xingu e os Povos Indígenas, publicado pela CPI-SP em 1988. Curriculum Vitae disponível na Philip Fearnside, pesquisador da Coordenação de Plataforma Lattes/CNPq. Pesquisas em Ecologia do Instituto Nacional de email: [email protected] Pesquisas da Amazônia (INPA), Manaus desde

enotã-Mõ - Parte VI - Anexos - Resumos Biográficos enotã-Mõ - Parte

T 1978. Tem estudado problemas ambientais na Antonio Carlos Magalhães, antropólogo e Amazônia brasileira durante 28 anos. Realiza pes- indigenista, realiza pesquisas com sociedades in- 344 quisas na área de ecologia, especialmente sobre a dígenas desde 1975. Escreveu um capítulo no li- estimativa de capacidade de suporte de agro-ecos- vro As hidrelétricas do Xingu e os Povos Indígenas e foi sistemas tropicais para populações humanas, e so- organizador do livro Sociedades indígenas e transfor- bre impactos e perspectivas de diferentes modos mações ambientais. (1993). de desenvolvimento na Amazônia, e sobre as mu- email: [email protected] danças ambientais decorrentes do desmatamen- Reinaldo Corrêa Costa, geógrafo (UFPA/1995), to da região. É autor de 345 publicações sobre Mestre em Geografia (1999) e Doutor em Geogra- meio ambiente e desenvolvimento. Seu livro Ca- fia (2004) pela Universidade de São Paulo. Traba- pacidade de Suporte Humano da Floresta Amazônica lha com comunidades camponesas e grupos indí- lhe rendeu o Prêmio Nacional de Ecologia (2o genas, estudando a relação de ambos com os espa- Robert Goodland – Patrick McCully lugar) em 1988, e ele compartilhou o 1o lugar em ços herdados da natureza. Atualmente trabalha no 1989 pelo livro A Ocupação Humana de Rondônia. INPA em Manaus. Em 1991 ganhou o Prêmio Global 500, do Pro- email: [email protected] grama Ambiental da ONU (UNEP). Ele foi eleito à Academia Brasileira de Ciências em 1993. Ou- Patrick McCully é Diretor Executivo da organiza- tras obras premiadas incluem as sobre emissões ção não-governamental International Rivers de gases de efeito estufa das hidrelétricas Network, e autor do livro Silenced Rivers: The Ecology (publicada em 1995 em Environmental and Politics of Large Dams (Zed Press, 2001), e co-au- Conservation), sobre serviços ambientais tor do Imperiled Planet (1990) e The Road to Rio: Na (publicada em 1997 em Ecological Economics), e o NGO action Guide to the Earth Summit (1992). livro Mudanças Globais na Amazônia (publicado em email: [email protected]

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Esperamos que esse livro seja uma ferramenta nova e importante para ampliar os debates públicos so- bre as hidrelétricas em geral e sobre a Amazônia, seus povos e seus recursos. Ajudará certamente a melhor fundamentar as razões, direitos e propos- tas daqueles que seriam prejudicados, caso fossem concretizados os projetos hidrelétricos planejados pelo governo federal e por grandes empresas. A publicação se originou em um Painel de especialis- tas e de entidades sobre os projetos hidrelétricos no rio Xin- gu, formado desde 2002 por iniciativa conjunta da entidade International Rivers Network, e contan- do com a participação das entidades populares e sindicais da região de Altamira, Pará, agrupadas no MDTX – Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu. A fase de pesquisas, de elaboração de textos e de cartografias, contando com mais de vinte pessoas, brasileiros e de outras nacionalidades, foi coordenada pelo professor Oswaldo Sevá, e nela colaboraram outras quatro entidades: o ISA -Insti- tuto Socioambiental, a FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, o Projeto Brasil Sustentável e Democrático, e a Comissão Pró- Índio de São Paulo - que havia editado em 1988 o primeiro livro sobre os projetos hidrelétricos do Xingu e os povos indígenas moradores da beira deste rio amazônico e da região. A foto acima é a mesma da capa daquele livro, de autoria do antro- pólogo Eduardo Viveiros de Castro, e mostra um grupo de índios Araweté na Terra Indígena do Igarapé Ipixuna, durante uma caçada. realização:

Pedro Martinelli/ISAPedro Bacia Fluvial do Xingu Hidrelétricas Projetadas e Terras Indígenas

Este mapa é parte integrante do livro "Tenotã-Mõ - Alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu” Imagens recentes e hipotéticas da Volta Grande bairros de alojamento e vilas residenciais (Aproximadamente 30 mil pessoas) do rio Xingu, Pará canteiro de obras área sujeita a catástrofe ecológica pela diminuição do volume de água área a ser alagada (formato aproximado)

Vista de muito alto, pelas câmeras dos satélites artificiais, a região da Volta Grande do rio Xingu, no centro linhas de transmissão projetadas do Pará, é um grande cruzamento entre a geometria da rodovia Transamazônica rasgando a mata de Leste para os canteiros de obras a Oeste e de suas estradas vicinais ou “travessões” por onde vão abrindo suas terras os assentados e colonos linhas de transmissão em 500 kV, projetadas para Amapá, Marabá e sistema CO-N-NE do Incra, os fazendeiros e seus empregados, os grileiros e os madeireiros – e – a sinuosidade indomável do aumento do tráfego terrestre rio Xingu escorrendo do Sul pelas lajes de rochas, por entre os arquipélagos, na direção do rio Amazonas, aumento do tráfego fluvial até o mas fazendo essa grande “barriga” para o Leste, voltando para o Sul e enfim retornando rumo Norte. porto da obra (máquinas, materiais e peças) Compare com a imagem do lado direito que agrupa sobre o mesmo chão da imagem anterior, as aumento do tráfego aéreo conseqüências certeiras que a região sofreria, na hipótese de serem feitas as duas grandes obras de Localização e formatos aproximados das hidrelétricas planejadas Belo Monte e Babaquara. principais conseqüências das obras projetadas barragens planejadas

Este mapa é parte integrante do livro "Tenotã-Mõ - Alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu”