Chil Rajchman

Eu sou o último judeu

Treblinka (1942-1943)

Prefácio Annette Wieviorka Diretora de Pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique

Tradução André Telles A todos a quem não foi possível contar. Andrés, Daniel, José Rajchman. “Mesmo quando terrível, o escritor deve dizer a verdade, e o leitor, conhecê-la. Esquivar-se, fechar os olhos, passar adiante é insultar a memória dos que pereceram.” VASSILI GROSSMAN

“Terminara a época em que os dias se sucediam vivos, preciosos, únicos: o futuro erguia-se à nossa frente, cinza e sem contornos, como uma invencível barreira. Para nós, a história tinha parado.” PRIMO LEVI Mapa da Polônia em 1943 Sumário

Prefácio, por Annette Wieviorka

1. Em vagões chumbados rumo a um destino desconhecido

2. Entramos num bosque. Uma imagem da morte. Os homens à direita, as mulheres à esquerda!

3. Descrição do campo

4. Viro tonsurador

5. A primeira noite no galpão. Moyshe Etinger conta que sobreviveu e que não se perdoa por isso. Outros fazem a prece do fim do dia e recitam o kaddish

6. Trabalho como tonsurador. O vestido da minha irmã. A última vontade de uma velha senhora. As gargalhadas de uma adolescente. Cantamos

7. Novos comboios. O shema-Israel nas câmaras de gás. Nossa primeira decisão de fugir. Meus últimos dias no campo nº 1

8. Treblinka – campo nº 2. Viro carregador de cadáveres. Arrancamos os dentes de ouro da boca dos mortos. A técnica de carregar cadáveres

9. O companheiro Yankel me escolhe como parceiro. Sonho com minha mãe morta. O corredor dos judeus enforcados

10. Partimos em colunas para o trabalho. A bebida sanguinolenta do meu vizinho. O salto na piscina profunda

11. Sou lotado na brigada dos dentistas. Quarenta e oito horas nas câmaras de gás. A corrida louca antes e depois do gás. A técnica “dentária”. Sou espancado por ter deixado passar dentes de ouro

12. Os judeus de Ostrowiec são levados à noite para as câmaras de gás. Eles resistem. Mathias, comandante do campo, é ferido… Uma nova distração. Escaramuça dentro das câmaras de gás

13. A vida no galpão. A epidemia de tifo. O Lazarett

14. O Obersturmführer Franz e seu cachorro Bari. Os assassinos bebem em homenagem à chegada de judeus ingleses. Um novo “especialista”

15. Cerca de 250.000 corpos esfumam-se no ar. Comboios de judeus búlgaros. E sempre a música…

16. Uma fogueira ainda mais eficaz é construída. Alguns dias sem comboios. Somos informados da revolta do gueto de Varsóvia. Os vestígios da matança são apagados. Plantamos tremoços. Himmler visita Treblinka

17. Um dia de grande calor. “Bugigangas”. Mikolai e Ivan. O assassino Tsake-tsake

18. Preparamos a revolta. Pessah no galpão. O levante de Treblinka

19. Batemos à casa de um camponês. Os assassinos nos procuram. Tomo o rumo de Varsóvia. Conheço um homem… Querem me entregar à polícia. Chego a Varsóvia

Bibliografia Créditos iconográficos

Agradecimentos Prefácio

“Os vagões tristes me carregam para lá. Eles vêm de toda parte: do leste e do oeste, do norte e do sul. De dia e de noite, seja qual for a estação: primavera, verão, outono, inverno. Os comboios chegam lá abarrotados, incessantemente, e Treblinka prospera mais a cada dia que passa. Quanto mais comboios chegam, mais Treblinka consegue absorvê-los.” Desde a abertura deste depoimento, escrito originalmente em íidiche, língua materna do narrador, o “eu” desaparece no encadeamento alucinado de trens deslizando para um destino coletivo: Treblinka. Transportam para a usina da morte incontáveis carregamentos de criaturas imediatamente tragadas pela máquina. Chil Rajchman foi um de seus raros sobreviventes. Após a insurreição do campo, em 2 de agosto de 1943 – seu segundo nascimento, como ele diz num depoimento –,1 ele vai de esconderijo em esconderijo, o último deles em Varsóvia. A guerra ainda não terminou, e ele registra num caderno o relato dos dez meses que passou em Treblinka. Esse texto pertence a uma categoria de escritos reduzida e bastante particular: a daqueles redigidos na sombra trazida pela morte, antes do fim da guerra, para preservar o rastro de acontecimentos que desafiam a imaginação. Dois outros textos desse gênero chegaram até nós. Calel Perechodnik, ex-policial judeu no gueto de Otwock, um balneário a poucos quilômetros de Varsóvia, escapou ao “expurgo” do local, refugiou-se – após diversas peregrinações – na Varsóvia “ariana” e do esconderijo redigiu em polonês seu livro, publicado sob o título Sou um assassino?.2 Simha Guterman, por sua vez, escapou com seu filho do “expurgo” do gueto de Plock e escreveu recordações que ocultou fragmentariamente pelos caminhos que o levaram a Varsóvia. Tanto ele quanto Calel Perechodnik pereceram na insurreição da cidade.3 Nesses três textos, os autores ofuscam-se diante do que pretendem descrever. A violência, a crueza do relato, a falta de indulgência ou de mascaramento sobre o que eles fizeram só se explicam pela incerteza sobre sua própria sobrevivência. Os fatos que eles descrevem prevalecem sobre o desejo de construir uma imagem de si ou de suscitar simpatia ou compaixão. Chil Rajchman conservou consigo esse depoimento, primeiro na Polônia, depois pelos caminhos da emigração que o levaram a Montevidéu, no Uruguai, onde formou uma família e construiu uma vida profissional. Buscou dá-lo a público? Nada é menos certo. Como seus companheiros, Rajchman testemunhou, porém tardiamente, nos Estados Unidos – por ocasião do processo de desnaturalização de Ivan Demjanjuk,a em quem ele julgara reconhecer o terrível Ivan que acionava o gás em Treblinka – e depois em Jerusalém, no julgamento deste último. Para o Uruguai, tornou-se então a grande figura do sobrevivente. Só hoje é possível lê-lo. A terrível beleza e a força desse curto relato residem na imprecisão alucinada, que traduz o que foi a vida em Treblinka, sem que outros testemunhos ou conhecimentos científicos interfiram. Homens correm incessantemente sob chicotadas, tosam cabelos de mulheres, arrancam dentes de cadáveres, voltam a correr transportando corpos decompostos. No texto de Chil Rajchman, poucos nomes – , naturalmente, e seu cão Bari; Mathias, provavelmente designando o SS Arthur Matthes; alguns epítetos, como é caro ao iídiche: o SS torna-se o “assassino”, o homem encarregado de aperfeiçoar a incineração de centenas de milhares de corpos em putrefação, cuja identidade os detentos ignoram (provavelmente ), e que inventa um engenhoso sistema de incineração utilizando trilhos é apelidado ironicamente de “o Artista”. Da mesma forma, vemos poucas datas nesse relato, excetuando-se a da revolta de 2 de agosto de 1943, que fez incontáveis mortos mas permitiu a evasão de algumas centenas de detentos então presentes no campo. Muitos foram mortos. A maioria destes foi recapturada após uma gigantesca batida; algumas dezenas ainda viviam depois da guerra. Para saber mais sobre o autor, é necessário remeter-se a outras fontes.4 Chil Rajchman nasceu em Lodz, na Polônia, em 14 de junho de 1914. Lá morou com o pai, as três irmãs e os dois irmãos até a guerra, tendo sua mãe falecido em 1931. Lodz situava-se no Wartherland, parte oriental da Polônia anexada à Alemanha e rebatizada como Litzmannstadt. Um de seus irmãos conseguiu alcançar a parte da Polônia anexada à União Soviética, onde sobreviveu à guerra. Em outubro de 1939, Chil e sua irmã mais nova – a mais velha era casada – chegam à cidade de Pruszkow, a uns 20km de Varsóvia no Governo Geral. O restante da família permanece em Lodz, sendo logo confinada no gueto. Chil é requisitado durante um tempo para trabalhos forçados, enquanto sua irmã é despachada para o gueto de Varsóvia, onde ele a reencontra quando a brigada do trabalho de Pruszkow é dissolvida e todos os judeus são para lá encaminhados. Por caminhos sobre os quais ele não dá nenhuma explicação, numa data que ignoramos, consegue arranjar documentos e, sempre com a irmã, alcança a cidade de Ostrow Lubleski, cerca de 30km a nordeste de Lublin. Do tempo que lá passou com a irmã, guarda a lembrança de uma vida sem sofrimento e sem fome. Até o momento em que os alemães decidem que a região deve ser judenfrei, expurgada dos judeus. Com a irmã e todos os judeus dos lugarejos circundantes, é conduzido a Lubartow. É quando começa o relato: “Os vagões tristes me carregam para lá.” Lá: Treblinka, lugar sobre o qual ele não sabe nada. Chil Rajchman viveu o inferno de Treblinka, para repetir o título da brochura5 que Vassili Grossman – na época correspondente de guerra para a imprensa soviética e corresponsável, com Ilya Ehrenbourg, pelo Livro negro que recolheu depoimentos sobre a destruição dos judeus da União Soviética – dedicou ao campo em 1944, a partir dos depoimentos que ele mesmo reunira e também de declarações escritas coligidas pela Comissão de Investigação dos Crimes Alemães na Polônia.b O escritor fornece uma descrição arrebatadora do local onde aporta em setembro de 1944: “A leste de Varsóvia, nas margens do Bug ocidental, estendem-se areias e pântanos, densas florestas de pinheiros e folhagens. Nessa terra indigente, as aldeias são raras: o homem evita os caminhos árduos onde o pé chafurda, onde a roda mergulha até a medula na areia profunda.” Ali, na linha férrea de Siedlce, acha-se a estaçãozinha ferroviária de Treblinka, a uns 60km de Varsóvia, não longe do entroncamento de Malkinia, por onde passam as ferrovias de Varsóvia, Bialystok, Siedlce, Lomza. Uma paisagem monótona, “pinheiros e areia, areia e pinheiros, com algumas poucas touceiras de urzes, um arbusto ressequido, uma parada morosa, uma cruzamento de linhas … uma agulha de via única partindo da estação para se embrenhar no bosque entre os pinheiros que a espremiam dos dois lados. Essa agulha conduzia a uma fábrica de areia branca usada nas construções industriais e urbanas. A fábrica situa-se num espaço “agreste, tão ingrato que os camponeses o desprezam como um deserto em plena floresta. Aqui e ali a terra é coberta de musgo; aqui e ali vemos perfilar-se a silhueta de um pinheiro franzino; uma gralha ou uma poupa colorida risca o céu de tempos em tempos. Esses lugares desolados haviam sido escolhidos, com a aprovação do Reichsführer da SS Heinrich Himmler, para se transformarem num açougue colossal, como a humanidade jamais vira antes dos nossos dias cruéis, ou mesmo na época de barbárie primitiva.” O campo de Treblinka foi implantado em junho de 1942 a 2km de um campo de trabalhos forçados construído em 1941. Era uma zona isolada a menos de 100km do nordeste de Varsóvia. Começou a funcionar no mês seguinte e foi inicialmente a destinação dos judeus do gueto de Varsóvia, “expurgados”, antes de receber comboios vindos de todo o Governo Geral e depois de outras regiões, como os búlgaros deportados de Salônica. Entre 700 e 900 mil judeus foram encaminhados para lá, levando consigo tudo que ainda possuíam: roupas, instrumentos de trabalho, joias, dinheiro, víveres. Um pequeno número de homens jovens (algumas mulheres também) foi arrancado dos comboios para formar os “Kommandos de trabalho”, também chamados “Kommandos judeus”, que cuidavam daquela massa considerável de bens e de corpos. Entre eles Chil Rajchman, que tonsurou as cabeças das mulheres, assim como Abraham Bomba,c cuidou dos dentes dos cadáveres, recolheu suas roupas, transportou os corpos. No fim de 1942, os SS quiseram, como todo assassino, dar sumiço nos corpos (que antes eram enterrados) queimando-os. Os prisioneiros que pertenciam aos “Kommandos judeus” desenterraram os corpos com suas mãos, antes de “o Artista” aperfeiçoar – estimulado pelo comandante do campo, – o sistema de tipo industrial combinando as retroescavadeiras e as “fornalhas” tão bem descritas por Rajchman. Diante da evidência de que os nazistas não deixariam subsistir nenhum vestígio, nenhuma testemunha do assassinato em massa, a revolta era a única possibilidade de sobreviver. Embora os detentos tenham incendiado vários prédios, não eliminaram todas as câmaras de gás, e o assassinato continuou, num ritmo lento, até outubro de 1943, quando todas as instalações foram desmanteladas, os tijolos das câmaras de gás servindo para a construção de uma fazenda restituída a um ucraniano encarregado de zelar pelo que ninguém se interessa naquele lugar. Foram plantados pinheiros e tremoços. Vassili Grossman, que chegou a Treblinka no início de 1944, escreve:

Entramos no campo, revolvemos o solo de Treblinka. A terra ondula sob os pés, mole e gosmenta como se tivesse sido regada com óleo de linhaça – a terra sem fundo de Treblinka, encapelada como um mar. Essa extensão deserta cercada por arames farpados tragou mais existências humanas do que todos os oceanos e todos os mares do globo desde que o gênero humano existe. A terra expele fragmentos de ossos, dentes, diversos objetos, papéis. Não quer ser cúmplice. As coisas escapam do solo que se fende, de suas feridas ainda abertas: camisas consumidas pela metade, calças, sapatos, charuteiras esverdeadas, engrenagens de relógios, canivete, pincéis de barba, castiçais, sapatinhos infantis com pompons vermelhos, lenços bordados da Ucrânia, rendados, tesouras, dados, sutiãs, bandagens. Mais adiante, pilhas de utensílios: cumbucas de alumínio, xícaras, frigideiras, panelas, marmitas, potes, galões, maletas, copinhos de plástico para crianças … . Continuamos a avançar por essa terra em que o passo afunda; de repente, estacamos. Cabelos grossos, crespos, cor de cobre, cabelos sedosos de garotas pisoteados, depois cachos louros, pesadas tranças negras sobre a areia clara, e mais, e mais. O conteúdo de um saco, de um único saco de cabelos, deve ter se espalhado por ali…

Durante uns 15 anos, o mundo fingiu esquecer. Os sobreviventes da revolta dispersaram-se pelo mundo, pelos Estados Unidos e sobretudo pelo jovem Estado de Israel. Casaram-se, procriaram, construíram sua vida profissional. Afora o depoimento de Yajkel Wiernik – que trazia o mapa do campo, publicado em Nova York em 1945 – e o de Samuel Rajzman por ocasião da sessão de 27 de fevereiro de 1946 do tribunal de Nuremberg, ninguém procurou relatar os fatos até o processo de Eichmann (1961), quando Treblinka foi evocado por Kalman Teigman, Eliahu Rosenberg e Abraham Lindwasser em torno da maquete do campo construída por Wiernik que ainda podemos ver no kibutz dos combatentes do gueto, não longe de Acco (São João de Acra). O processo de Eichmann suscitou a abertura de novos processos judiciais. Em 1964-65, o tribunal de Düsseldorf julgou, durante quase um ano, dez “assassinos”, entre os quais Kurt Franz, condenado, como outros três, a trabalhos forçados perpétuos. Chil Rajchman não foi de Montevidéu para testemunhar. O segundo processo de Treblinka teve como réu o seu comandante, Stangl, oriundo, como a maioria dos SS, do setor de ação T4, isto é, a operação de expurgo daqueles designados como doentes mentais, levando “vidas indignas de serem vividas”. Stangl, condenado à prisão perpétua, recorreu. Enquanto esperava seu segundo processo, aceitou dar longas entrevistas a Gitta Sereny. Morreu de um ataque cardíaco horas depois da última delas. A partir de suas entrevistas, de encontros com outros sobreviventes (, principalmente) e outros “assassinos” (Suchömel em especial), a jornalista escreveu No fundo das trevas, livro fundamental e até hoje não superado, sobre os mecanismos de transformação de um homem em assassino de massa. O terceiro julgamento foi o de Ivan Demjanjuk, em Jerusalém. Chil Rajchamn foi decisivo durante todo o processo e aceitou muito mal a dúvida acerca da identidade de um réu que ele julgara reconhecer. Durante todos os anos em que Chil Rajchman contou sua história, seu manuscrito não veio a público. Ei-lo enfim publicado, quando seu autor não está mais entre nós. A acuidade e crueza da descrição e a violência de um relato livre do estereótipo que às vezes encontramos nos testemunhos a posteriori dos sobreviventes deveriam pôr este livro no cânone dos grandes textos da literatura do desastre.

ANNETTE WIEVIORKA Diretora de Pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique

Notas

1. USC Shoah Foundation Institute, Los Angeles, 24 de outubro de 1994. 2. Calel Perechodnik, Suis-je un meurtrier?, trad. fr. do polonês de Aleksandra Kroh e Paul Zawadski, prefácio de Jacques Burko e Annette Wieviorka. Paris, Liana Levi, 1995. 3. Simha Gutterman, Le livre retrouvé, trad. fr. do iídiche de Aby Wieviorka, org. e apres. Nicole Lapierre. Paris, Plon, 1991. 4. Sobretudo o depoimento colhido pelo Holocaust Memorial Museum de Washington em 7 de dezembro de 1988. 5. Vassili Grossman, L’Enfer de Treblinka. Grenoble, B. Arthaud, 1945. O livro foi reeditado em 1966, na esteira do sucesso do romance de Jean-François Steiner Treblinka e da polêmica por ele gerada. Acha-se reproduzido em Le livre noir: Textes et témoignages, com testemunhos recolhidos por Ilya Ehrenbourg e Vassili Grossman. Solin, Actes Sud, 1995, p.868-903.

a O primeiro processo de Demjanjuk ocorreu em Cleveland, quando ele foi destituído de sua nacionalidade americana pela decisão judicial de 23 de junho de 1981, num prelúdio para sua transferência para Israel e seu processo em Jerusalém em 1987. Condenado, obteve indulto após recurso, “em benefício da dúvida” sobre sua identidade, e liberado pela Justiça israelense. b No depoimento já citado colhido em Los Angeles em 1994, Rajchman evoca seu retorno, que ele data de 1945, perante a Comissão. Entre as 13 testemunhas judias interrogadas pela Comissão figurava com efeito um certo Henryk Reichman. Ora, Chil se escondeu e permaneceu na Polônia sob o nome de Henry Romanowski. Na Libertação, conservou o prenome Henryk ao lado do de Yechiel (Chil). c Um dos personagens de Shoah, obra de Claude Lanzmann, que com Richard Glazar e o SS Suchömel revela o que foi Treblinka. Eu sou o último judeu 1 Em vagões chumbados rumo a um destino desconhecido

Os vagões tristes me carregam para lá. Eles vêm de toda parte: do leste e do oeste, do norte e do sul. De dia e de noite, seja qual for a estação: primavera, verão, outono, inverno. Os comboios chegam lá abarrotados, incessantemente, e Treblinka prospera mais a cada dia que passa. Quanto mais comboios chegam, mais Treblinka consegue absorvê-los.

Partimos da estação de Lubartow, a cerca de 20km de Lublin. Assim como todos nós, não sei para onde nos levam, nem por quê. Tentamos saber mais sobre isso durante o trajeto. Os guardas ucranianos que nos vigiam não dão mostras de nenhuma benevolência e se recusam a nos responder. A única coisa que ouvimos deles é: “Ouro, prata, objetos de valor!” Os assassinos não nos deixam em paz. Não se passa um instante sem que um deles nos aterrorize. Agridem-nos com coronhadas, e todos tentam molhar a mão desses criminosos a fim de evitar os golpes. Eis o retrato do nosso comboio.

Estou com a minha irmã caçula Rivke, uma bonita garota de 19 anos, e um de meus bons amigos, Volf Ber Rojzman, sua mulher e seus dois filhos. Conheço quase todos os que estão no vagão. Eles vêm do mesmo shtetld, Ostrow Lubelski. Somos 140, espremidos uns contra os outros, respirando um ar viciado. Como é impossível nos deslocarmos, somos obrigados a fazer nossas necessidades no local, embora homens e mulheres estejam misturados. Ouvimos gemidos, e as pessoas perguntam-se umas às outras: para onde vamos? Respondem dando de ombros e soltando um suspiro. Ninguém sabe para onde vamos, e, ao mesmo tempo, ninguém quer acreditar que somos levados para onde há meses nossos irmãos e irmãs, todos os nossos, são deportados. Outro amigo, Katz, engenheiro, está sentado ao meu lado. Ele me garante que vamos para a Ucrânia e que seremos instalados fora das cidades, que poderemos cultivar a terra. Ele sabe disso, pois um tenente alemão lhe contou. Era o diretor de uma fazenda estatal que fica a 7km do nosso shtetl, em Jedlanka. Ele lhe faz essa confidência para lhe agradecer por ter consertado um motor elétrico. Quero acreditar nisso, a despeito das aparências. Avançamos. Nosso comboio para com muita frequência, interrompido pela sinalização, pois não é prioritário e deve deixar passar os trens regulares. Passamos por diversas estações, entre as quais Lukow e Siedlce. A cada vez que o trem para, peço aos ucranianos que descem à plataforma para nos arranjarem água. Não respondem, mas, se lhes dermos um relógio de ouro, eles nos trazem um pouco d’água. Muitos entregaram seus objetos de valor sem receber em troca os poucos goles prometidos. Tenho sorte. Peço um pouco d’água a um ucraniano, ele exige cem zlotys por uma garrafa. Aceito. Pouco depois, ele volta com meio litro. Pergunto-lhe quanto tempo de viagem temos pela frente. Ele me responde: três dias, pois vamos para a Ucrânia. Começo a achar que é verdade… Faz praticamente 15 horas que partimos, e não percorremos mais de 120km.

d Shtetl: do iídiche, “lugarejo”, com maioria de população judaica. (N.T.) 2 Entramos num bosque. Uma imagem da morte. Os homens à direita, as mulheres à esquerda!

São 4h da manhã; nos aproximamos da estação de Treblinka, a 7km de Malkinia. O trem para. Os vagões permanecem fechados e ignoramos o que acontece. Aguardamos uma nova partida. Minha irmã me diz que sente fome. Mas não temos praticamente nada para comer. Como partimos precipitadamente do nosso shtetl, não conseguimos comprar nada. Explico à minha irmã que o caminho será longo e que devemos racionar tudo, com medo de que nossas provisões não sejam suficientes para toda a viagem. Ela compreende e resigna-se a não comer. Diz que não está com tanta fome assim… A espera dura algumas horas. O comboio volta a partir. Do lado de fora é dia. Estamos preocupados, pois o trem fez meia-volta. Avança lentamente, entramos num bosque. Olhamos uns para os outros. O que está acontecendo? Pela claraboia do vagão descobrimos um quadro aterrador, uma imagem da morte. Montes de roupas. Constato que estamos perdidos. É o fim. Pouco depois, os portões se abrem brutalmente e berram para nós: “Raus! Raus!” Não tenho mais nenhuma dúvida com relação ao nosso destino. Pego minha irmã pelo braço e me apresso em descer do vagão. Deixo tudo lá. Minha pobre irmã me pergunta por que estou deixando nossas malas. Respondo-lhe: – É inútil. Não tenho tempo de lhe dizer outra coisa, e a berraria recomeça: – Os homens à direita, as mulheres à esquerda! Nos beijamos rapidamente e nos despedimos para sempre. As estocadas vêm de tudo que é lado. Os assassinos nos empurram enfileirados até um pátio. Berram para entregarmos o ouro, a prata e os objetos de valor que ainda temos conosco. Os que tentarem dissimular o que quer que seja serão abatidos. Quase todos entregam tudo que lhes resta. Em seguida, eles nos ordenam que tiremos nossas roupas e amarremos nossos sapatos um no outro. Obedecemos o mais rápido possível, pois os chicotes voam acima de nossas cabeças. Quem demora muito a se despir é espancado sem cerimônia. Estou nu e olho à minha volta. Não tenho mais nenhuma ilusão, estamos perdidos. Observo que, nos galpões defronte, mulheres e crianças se despem. Ouvem-se gritos de angústia. Impossível se aproximar. Recebemos ordens para formar. Todo mundo obedece. Os que ainda estão tirando a roupa são ferozmente espancados. Uma vez todos alinhados, eles se aproximam e escolhem uma centena de homens, unicamente jovens. Faço parte desse grupo. Os outros são levados, não sabemos para onde. Encontro-me entre os cem jovens selecionados. De longe, vejo meu amigo Rojzman com o filho. Não sei de que lado vale mais a pena estar. Faço-lhe em todo caso um aceno com a mão para que se junte a mim.

Ficamos ali por alguns minutos, até que todos os demais sejam levados. Em seguida somos reconduzidos até as bagagens. Cada um de nós é obrigado a carregar um fardo maior que o nosso tamanho. Quem escolher uma mala pequena é chicoteado. Empurram-nos para uma esplanada. No caminho há guardas dispostos um ao lado do outro como as argolas de uma corrente viva, a fim de que nenhum de nós possa escapar ao chicote. Chego à esplanada e fico horrorizado com o que vejo: montanhas de bagagens de diferentes alturas. Levam-nos até uma delas, constituída de lenços, cobertores e bolsas. Diante dos montes, realizam uma triagem. Constato que são todos judeus e, correndo até eles, pergunto: – Meus irmãos, digam-me o que está acontecendo. Mas não obtenho resposta. Eles desviam a cabeça para não responder. Pergunto-lhes de novo: – Por favor, o que está acontecendo aqui? Alguém me responde: – Meu irmão, não faça perguntas: estamos perdidos!

Somos obrigados a correr tão rápido para ir e voltar de um lugar a outro que estou completamente desorientado. Fazemos várias vezes o percurso até que a plataforma seja desobstruída, depois somos levados até as roupas. Recebemos ordens para pegar os sapatos amarrados por pares e levá-los para outro monte, alto como um prédio de quatro andares, constituído unicamente de sapatos, dezenas de milhares de pares de sapatos. Depois dos sapatos, é a vez das roupas masculinas. Somos encaminhados até outro monte, constituído unicamente de roupas. Quando terminamos de remover todos os pertences, somos empurrados para dentro do galpão no qual as mulheres haviam se despido. As roupas dessas pobres mulheres jazem no chão. Misturadas no meio delas, estão as da minha irmãzinha. Olho em volta: não há mais ninguém. As mulheres foram todas levadas. Num instante de desvario, pego um pacote muito leve e recebo uma chibatada tão violenta que quase desmaio. O assassino muge em cima de mim: – Cão imundo, isso é muito pouco! Abaixo-me sem refletir, abro os braços o máximo possível e recolho às pressas tudo que posso. Saio correndo, pois os últimos são impiedosamente espancados. Fazemos várias idas e voltas sempre correndo e as chicotadas caem sobre nossas cabeças ao longo de todo o trajeto. 3 Descrição do campo

Treblinka foi concebido de maneira profissional. À primeira vista, poderíamos julgar tratar-se de uma estação ferroviária comum. A plataforma é suficientemente comprida para receber um trem normal, com até 40 vagões. A alguns metros da plataforma, dois galpões, um defronte do outro. No da direita, estoca-se a comida que as pessoas trouxeram em suas bagagens. No da esquerda, as mulheres e crianças deixam suas roupas. Os assassinos são tão educados que não exigem que as mulheres se dispam junto com os homens, ao ar livre. A caminho da morte, caminho sem volta, homens e mulheres se encontram, nus. À esquerda da plataforma, há algumas construções de madeira, entre as quais a cozinha e as oficinas. Em frente, os dormitórios. O galpão dos SS não fica longe. É equipado com todo o conforto. À direita da plataforma, o vasto espaço reservado ao empilhamento das peças de vestuário: calçados, roupas, lenços, cobertores etc. Detentos fazem a triagem das roupas e as armazenam num lugar separado para serem expedidas para a Alemanha. O acesso às câmaras de gás começa em frente à plataforma onde estão os dormitórios. É conhecido como Schlauch.e Plantado com arbustos, lembra uma aleia de um parque público. As pessoas que o percorrem são obrigadas a correr, nuas. Ninguém retorna. São violentamente espancadas e espetadas a golpes de cassetete e baioneta, de modo que, depois que passam, esse corredor de areia branca cobre-se de sangue. Uma brigada especial, “a brigada do Schlauch”, intervém após cada comboio para limpá-lo e espalhar areia limpa a fim de que as vítimas recém-desembarcadas não percebam nada. No Schlauch, os que conservaram alguns objetos ainda podem depositá-los num balcão, vigiados por um SS ou um guarda ucraniano. Na extremidade do Schlauch, entra-se num prédio branco marcado com uma grande estrela de Davi. Um alemão para nos degraus, aponta a entrada e diz, sorrindo: – Faça a gentileza! Esses poucos degraus levam a uma galeria decorada com flores. Nas paredes estão penduradas toalhas compridas. A câmara de gás mede 7m × 7m. No meio do recinto há orifícios de chuveiro, pelos quais o gás chega. Um tubo corre ao longo de uma parede para sugar o ar. As portas são acolchoadas. O prédio comporta dez câmaras de gás como essa. Um pouco adiante, uma construção menor abriga outras três. Na porta, SS empurram as pessoas para dentro. Agitam os braços sem parar e berram com sua voz demoníaca: “Schneller, schneller, los, mais rápido, mais rápido, já chega.”

e A passarela (“Schlauch”), apelidada pelos nazistas de “Himmelfahrstrasse”, “caminho do céu”, é uma passagem em ângulo reto que desemboca nas câmaras de gás. Esse traçado tinha como objetivo ocultar − o máximo de tempo possível e a fim de evitar qualquer revolta − instalações destinadas ao assassinato. 4 Viro tonsurador

Até a chegada do comboio seguinte, trabalho na triagem das roupas. Levanto-me uma vez e recebo golpes que me fazem sangrar. Quase perco os sentidos: onde estou? Subitamente, enquanto corro para pegar outras bagagens, ouço um SS gritar: – Quem de vocês sabe cortar cabelo? Quatro homens nus mantêm-se afastados, entre eles meu amigo Leybl Goldfarb. Corro até eles e digo que sei. O assassino me pergunta se estou dizendo a verdade. Respondo: “Jawohl!” Ele me aponta uma porta; sou o quinto. Outros me seguiram, mas eles os despacham dizendo: – Es reicht, basta! Ele nos manda segui-lo e nos leva até um entreposto onde estão guardadas as roupas masculinas. Diz aos judeus que ali se acham para nos dar algo com que nos vestir e recebemos um par de calças e um casaco cada. Peço uma camisa. O homem que me deu as roupas manda eu calar a boca e me vestir com presteza. Emenda: – Irmão, você acaba de escapar da morte! Visto rapidamente a calça e o casaco. Os outros quatro fazem a mesma coisa. O assassino nos leva mais adiante e diz para pegarmos calçados. Cada um pega um par e o calça sem reclamar. Em seguida, ele nos encaminha para um lugar onde judeus triam as bagagens. Somos intimados a participar da triagem com eles até um novo comboio chegar, pois seremos lotados no setor de tonsura. Não tenho talento algum para o corte de cabelos, e ignoro o que acontecerá quando eu me mostrar incapaz de fazer o que me pedem. Mas me digo que não pode haver coisa pior que a morte…

Enquanto me ocupo com a triagem, vejo homens do nosso comboio correndo, entre eles meu amigo Rojzman. Grito para ele ir até o alemão que me selecionou para lhe dizer que sabe cortar cabelos. Ele faz isso, e, como única resposta, recebe uma chibatada na cabeça. Vejo meu amigo pela última vez. Ele é rapidamente empurrado para o nada. Somos distribuídos em grupos. Nosso chefe mostra-nos o que devemos separar. O trabalho consiste em separar das outras roupas as calças, jaquetas, paletós de verão e de inverno. Ele nos diz para vasculhar bem cada peça de roupa, em particular bolsos, golas e bainhas de calças. Se algum objeto foi costurado no interior da roupa, temos que abri-la e resgatá-lo, e se não prestarmos a atenção devida seremos chicoteados. Damos início ao trabalho. Meu amigo Leybl se acha bem à minha direita. Verificamos cada roupa com o máximo de minúcia possível. À minha esquerda, do outro lado, está um deportado que faz esse trabalho há alguns dias. Pergunto-lhe qual o sentido daquilo; embora tenha diante dos olhos as roupas de vítimas inocentes, ainda não compreendi por que estamos ali. Ele me diz: – Lembre-se: não fale, abaixe a cabeça; não se levante, senão será surrado. Curvo um pouco mais a coluna e faço-lhe de novo minha pergunta. – Então não enxerga? Estão assassinando nossos irmãos. Você não percebeu que são as roupas de todos aqueles que trouxeram para cá… Ele receia falar demais, um receio constante. Conto-lhe que fomos retirados do comboio para servirmos como tonsuradores e que não sei em que vai consistir nosso trabalho. Ele me diz que também faz parte dos tonsuradores, e que temos que raspar o cabelo das mulheres. Pergunto-lhe como se faz isso. Ele me responde: – Você logo verá.

Deixo-o em paz e continuo a verificar, como os outros, uma por uma, as roupas. Baús estão dispostos à nossa volta e cada um contém um tipo de coisa. O principal destina-se a receber o dinheiro encontrado nas costuras. Ele se enche rapidamente de ouro, divisas e objetos preciosos. De tempos em tempos, passa um operário, apelidado de Goldjude, Judeu de Ouro; vem para pegar os baús cheios. Há também baús reservados a outros pequenos objetos de valor, aos relógios por exemplo; baús para barbeadores, isqueiros ou papéis. Devemos separar tudo de acordo com essas categorias. Meu vizinho me aconselha a escolher tesouras bem afiadas para realizar meu trabalho. Encontro um par de tesouras de barbeiro e digo ao meu amigo Leybl para fazer a mesma coisa, já que ele tem tanta noção do ofício quanto eu. O relógio dá 12h e ouve-se um toque de clarim. Todo mundo se dirige para o lugar onde nos devem dar alguma coisa para comer. Eu e meu companheiro nos esforçamos para ficar o mais próximo possível do nosso vizinho de trabalho, pois não sabemos como se dá a coisa. Convém ficar o mais perto possível da cozinha. Formamos filas de cinco. No fim de pouco tempo, avançamos para a cozinha. Quando chegamos lá, o guichê ainda está fechado. Esperamos alguns minutos; depois, em grupos de cinco, recebemos uma ração de sopa. Corremos para comer. O mais rápido possível, já se ouve novamente o clarim. Temos que formar. E fazê-lo imediatamente, pois aquele que não volta ao seu lugar a tempo recebe chicotadas. Reencontrei meu vizinho. Aproveitando alguns minutos de intervalo, pergunto-lhe como vai ser com os cabelos. Ele me explica: quando um comboio chega, um assassino, sempre o mesmo, se apresenta. Ele está aqui há muito tempo, chama-se Kiwe. Ele berra: – Os tonsuradores! Devemos imediatamente nos identificar e somos levados até as câmaras de gás, onde nossos irmãos e irmãs são assassinados. Meu vizinho me esclarece que é preciso cortar os cabelos o mais rapidamente possível, pois tudo deve ser feito muito rápido. Assassinos nos espreitam e aquele que demora muito é agredido.

O sinal toca de novo. Em seguida, cada grupo é inspecionado. Por fim, todos voltam ao seu lugar e o trabalho recomeça. Esforço-me para vasculhar as roupas o mais rápido que posso. Mas esqueço que não podemos nos levantar. Passados alguns minutos, um bandido se aproxima e me chicoteia com obstinação. Em seguida, me pergunta se sei por que fui chicoteado. Respondo: – Jawohl! O canalha me feriu na cabeça e o sangue escorre pelo meu rosto. Encontro uma garrafa d’água e me limpo com um pano molhado. Meu vizinho grita na minha direção: – Lembre-se de sempre abaixar a cabeça, senão vai levar chicotadas de novo. Curvo a espinha, seguro o pano molhado com uma das mãos e separo as roupas com a outra. O sangue leva um tempo para estancar. Meu rosto está todo lambuzado. Meu colega me diz para eu me limpar, pois eles matam os que têm marcas no rosto. Limpo-me e volto ao trabalho. O chefe do grupo me ordena que leve as roupas para um entreposto. Me aponta o caminho e me explica que não devo perder tempo, sobretudo quando volto de mãos vazias. Pego uma trouxa e me dirijo ao entreposto dos casacos para homens. Deposito minha carga. Há uma série de montes de roupas com uma tabuleta em cima indicando de que tipo são. Corro para voltar ao meu ponto de partida, e com tantas idas e vindas familiarizo-me com o local: acabo sabendo o lugar de cada coisa. Mas tudo acontece muito rápido. Sempre alertas, os assassinos estão ali com seus chicotes e berram: – Mais rápido, mexam-se! De vez em quando, nos ordenam para nos deitarmos e desferem alguns golpes violentos. Em seguida, temos que nos levantar rapidamente e voltar ao trabalho. Assim é o nosso trabalho. 5 A primeira noite no galpão. Moyshe Etinger conta que sobreviveu e que não se perdoa por isso. Outros fazem a prece do fim do dia e recitam o kaddish.

O relógio marca 6h da tarde. Soa o clarim. Abandonamos o trabalho e nos dispomos em filas de cinco para a chamada. O chefe dos kaposf, Galewski, um engenheiro judeu, faz a nossa contagem e o relatório. Ouve-se uma orquestra tocar, e nos dirigimos para a cozinha. O guichê se abre. Avançamos em fila, para a sopa. Depois nos fazem entrar no galpão do dormitório situado em frente à cozinha. Ele já está cheio quando nos deitamos no chão. Olho para Leybl, ele olha para mim e as lágrimas rolam pelas nossas faces. Nos perguntamos um ao outro: – Por que está chorando? Sou incapaz de responder, perdi a fala. Tentamos nos consolar mutuamente, na medida do possível. – Leybl, ontem a esta hora minha irmã ainda estava viva… Ele me responde: – E toda a minha família, assim como 12.000 judeus da minha cidade. Mas estamos vivos, e, diante dessa terrível tragédia, somos duros como pedra, ainda podemos comer e suportar esse sofrimento mortal. Como é possível ser tão duro, possuir a força sobrenatural para resistir a isso?

Enquanto ainda estamos de pé no balcão, percebemos Moyshe Etinger, que vem do mesmo lugarejo que nós. Ele cai em nossos braços, se lamenta, soluça. Uma vez acalmado, conta-nos que na véspera estava entre aqueles que corriam nus para a câmara de gás. No caminho, havia um monte de roupas. Ele se escondeu no monte, puxou um par de calças e um casaco e os vestiu. Ao lado, um judeu separava as roupas. Ele pediu para ajudá-lo e também um par de sapatos. Por sorte, o outro encontrou sapatos e os estendeu para ele. Em seguida, Moyshe saiu de sua toca e começou a fazer uma triagem no monte onde ele estava escondido. As outras pessoas que se encontravam ali ajudaram-no e lhe explicaram o que fazer. Foi assim que ele escapou da morte. E agora está aqui, ao nosso lado, em lágrimas. Mal consegue pensar que salvou a pele enquanto sua mulher e seu filho foram para a morte. Somos todos fulminados por esta ideia: ontem os nossos viviam, hoje estão todos mortos. Ficamos ali, petrificados. Choro pelo que me acaba de acontecer, pelo que vivi. É então que, do fundo do galpão, ergue-se um murmúrio: os infelizes sobreviventes desse primeiro dia reuniram-se para a prece do fim do dia. No fim do ofício, recitam, em lágrimas, o kaddish, a oração dos mortos. Ele me desperta. Abro os olhos: sim, todos os que estão ali são órfãos, criaturas malditas. Perco o controle e grito: – A quem se dirige sua prece? Ainda creem? Em quê? A quem agradecem por isso? Vocês louvam o Senhor por Sua clemência, vocês O louvam por lhes terem tomado irmãos e irmãs, pais e mães. É por isso que Lhe agradecem? Não! Isso não é verdade! Deus não existe. Se existisse, veria nossa angústia, seria testemunha dessa terrível injustiça, o assassinato de inocentes, de bebês recém-saídos do ventre das mães, de pessoas que queriam apenas trabalhar honestamente e serem úteis. E vocês, testemunhas vivas desse horror, vocês rendem graças, mas a quem?

Meu colega Leybl, aniquilado, tenta me acalmar: – Está bem, você tem razão. Ontem meus irmãos e irmãs ainda viviam como essas andorinhas no céu, e agora não estão mais aqui. Ele quer me acalmar, mas se exalta e me diz: – Yekhiel,g não grite, você sabe onde estamos… E berra ainda mais alto que eu… Esgotados, nos deitamos diretamente no chão e não levantamos mais. Lembro que não agi direito com a minha pobre irmã: poucos minutos antes de sua morte, eu a impedi de comer um pedaço de pão e ela foi para a morte de barriga vazia. Terá me perdoado por isso? Esses assassinos nos confiscaram até a razão. Jazemos em nossos sofrimentos. O relógio dá 9h da noite. Passam o cadeado no galpão, a luz é apagada. Permaneço assim a noite inteira, deitado no chão.

f Prisioneiros que ocupavam posições administrativas inferiores. (N.T.) g Em iídiche, “Chil” se escreve “Yechiel”. (Nota da tradução francesa, N.T.F.) 6 Trabalho como tonsurador. O vestido da minha irmã. A última vontade de uma velha senhora. As gargalhadas de uma adolescente. Cantamos.

Às 5h da manhã, uma campainha nos acorda brutalmente. Vamos à cozinha, onde nos dão café e pão. Às 6h começa o trabalho. Percebo que há várias brigadas de separadores. Após terem sido contadas todas juntas, o que representa cerca de 700 pessoas, cada brigada é enviada ao trabalho atrás de seu kapo e de seu chefe de grupo. Designam para mim a mesma tarefa da véspera, a triagem das roupas. Deparo-me com o vestido que minha irmã usava. Interrompo o serviço, pego o vestido, seguro-o entre minhas mãos por alguns minutos e o contemplo. Aponto-o para o meu vizinho. Ele também para um instante e lamenta comigo, mas logo se recobra e grita para mim: – Calma! De que serve isso? É tudo horrível, mas não se esqueça do chicote! Arranco um pedaço do vestido e o escondo no bolso. Conservei-o durante dez meses, todo o tempo que fiquei em Treblinka. O relógio dá 8h. O chefe berra: – Os tonsuradores! Todos os tonsuradores, dez ao todo, cinco antigos e os cinco novos, agrupam-se diante dele. Pergunta se temos tesouras (todos providenciamos uma) e nos leva para as câmaras de gás, onde transformam vivos em mortos. Ele nos faz entrar na primeira sala que dá para o corredor e para o lado de fora. Nesse belo dia, os raios de sol penetram na sala até nós. Dezenas de malas estão colocadas sobre bancos. O assassino nos ordena para nos instalarmos atrás de uma mala. Um bando de ucranianos, chicote na mão e fuzil no ombro, chega e nos cerca. Esperamos alguns instantes. O comandante de Treblinka faz sua entrada, um assassino grande e gordo, de uns 50 anos. Intima-nos a trabalhar rápido. Com cinco tesouradas, uma cabeça deve estar terminada. Temos que zelar para que os cabelos não toquem o solo e para que os baús fiquem bem cheios. Conclui dizendo: – Senão é o chicote, cães imundos!

Estamos petrificados. Logo depois, ouvimos os gritos de desespero. Mulheres nuas aparecem. No corredor, um assassino ordena-lhes que corram em nossa direção. Chicoteia sem piedade e grita: – Schneller, schneller, mais rápido! Observo aquelas infelizes e não acredito nos meus olhos. Todas estão sentadas diante de um tonsurador. Uma jovem mulher vem na minha direção. Minhas mãos estão paralisadas, não consigo mais mexer os dedos. Elas nos encaram e esperam que cortemos seus belos cabelos. Suas lágrimas são dilacerantes. Meu colega, ao lado, me diz: – Abra o olho, se você trabalhar muito devagar, um assassino vai perceber e você estará perdido. Abro os dedos da minha mão imunda, corto os cabelos daquela mulher e jogo-os no baú. Todos os outros fazem a mesma coisa. A mulher se levanta. Vê-se que está zonza dos golpes que recebeu. Pergunta-me para onde deve ir em seguida e lhe aponto a segunda porta. Mal tenho tempo de me voltar e uma segunda mulher já está sentada à minha frente, pega minha mão, quer beijá-la: – Diga-me o que eles vão fazer da gente? Será o fim? Ela chora e me pergunta se é uma morte penosa, se dura muito tempo, se vão para a câmara de gás ou serão eletrocutados. Não lhe respondo. Ela insiste, quer que eu lhe diga, pois sabe que está perdida. Não consigo lhe confessar a verdade e a reconforto. Essa conversa não durou mais de poucos segundos, o tempo de eu cortar seus cabelos. Viro a cabeça, pois tenho vergonha de fitá-la nos olhos. Um assassino berra ao meu lado: – Vamos, tem que cortar mais rápido! A mulher está completamente desorientada. Após um instante, recobra-se e sai correndo.

Uma depois da outra, as vítimas sentam-se e as tesouras cortam, cortam sem descanso. Uma chora, outra grita. Essas mulheres estão, em sua maioria, totalmente desamparadas. Somos espectadores de tudo isso, não podemos falar nada. Uma velha senhora senta-se à minha frente. Corto seus cabelos e ela me pede uma última coisa antes de morrer: cortar lentamente, pois em seguida a ela, em frente ao meu companheiro, acha-se sua filha, e ela queria estar com ela para se dirigirem juntas para a morte. Esforço-me para diminuir o ritmo e digo ao meu vizinho para acelerar o corte da senhorita, para que elas possam entrar juntas na câmara de gás. Eu gostaria de atender à última vontade daquela mulher, mas um assassino começa a berrar e o chicote assobia acima da minha cabeça. Tenho que correr e não posso segurá-la por mais muito tempo. Ela parte sem a filha… Enquanto continuo a cortar, ouço gritos. Surge uma moça que deve ter uns 18 anos e interpela as outras mulheres: – Mas o que há com vocês? Não têm vergonha? Por que choram? Em vez disso, deviam rir! A fim de que nossos inimigos vissem que não nos borramos diante da morte. Vocês estão vendo que eles se alegram com nossas lágrimas! Ninguém se mexe. Mas os assassinos logo redobram a crueldade e a moça não para de rir, até a saída. Entre as coitadas que sentam à minha frente há essa bonita adolescente que me diz: – Não corte totalmente meus cabelos, eu ficaria parecendo o quê? Não respondo, o que eu poderia lhe dizer? Tento tranquilizá-la… Outra mulher vem sentar. Tira alfinetes de seu cabelo e grita para mim – Rápido! Faça o que tem de fazer! Pode inclusive arrancar um pedaço da minha cabeça. Sabe que estou perdida… Sim, estamos todos perdidos.

Uma velha dama me pergunta se todos os homens foram selecionados para o trabalho. Ela sabe que vai morrer, mas ficaria feliz se o seu filho continuasse vivo. Improviso uma resposta para tranquilizá-la, ela me agradece, está contente de saber que seu filho viverá e poderá se vingar de seus assassinos… Foi assim que desfilaram centenas de mulheres em meio a um alarido de gritos e soluços. Quanto a mim, fui transformado no robô que as despojou de seus cabelos.

De repente, o caudal de vítimas se interrompe: as câmaras de gás estão cheias. O assassino que fica à porta delas anuncia uma pausa de meia hora e sai. Ucranianos e alguns SS ficam conosco. Aproveito o tempo para refletir e constato o horror, o inferno. Os assassinos nos obrigam a tonsurar nossas irmãs alguns minutos antes de despachá-las para a morte, e nós, mortos em condicional, obedecemos sob a autoridade do chicote. Confiscaram-nos o entendimento, para esses assassinos não passamos de ferramentas. O amigo que trabalhava na triagem ao meu lado me diz em voz baixa: – Como você mudou! Não te reconheço! Não respondo, e ele não insiste. No fim de alguns minutos, assassinos entram e exigem que cantemos uma canção, uma canção bonita. Os tonsuradores veteranos sabem o que isso significa: se não cantarmos, seremos ferozmente espancados. Temendo os golpes, alguns começam a cantar. Estou consternado: pessoas ao lado morrem asfixiadas e devemos cantar. Um assassino que observou minha boca fechada gritou para mim: – Você, cão imundo, quer sentir meu punho na sua boca? Abro a boca, fingindo cantar. Mas tenho que cantar, somos obrigados a satisfazer esses assassinos, para seu deleite. De tempos em tempos, um deles sai no corredor e olha por uma janelinha, a fim de verificar se as desafortunadas mulheres estão mortas. Passa-se meia hora. Um assassino vem anunciar que é hora de retornar ao trabalho. Voltamos aos nossos lugares a fim de receber novas vítimas. Gritos e choros se fazem ouvir de novo e mulheres nuas aparecem. O trabalho prossegue. No fim de uma hora, o comboio é despachado. Alguns milhares de pessoas morreram asfixiados nas câmaras de gás. 7 Novos comboios. O shema-Israel nas câmaras de gás. Nossa primeira decisão de fugir. Meus últimos dias no campo nº 1.

O trabalho terminou. O comandante chega e nos comunica que o comboio está liquidado. Fechamos os baús e os dispomos num canto. Somos imediatamente levados para a praça e, sob uma chuva de vergastadas, precisamos esquecer que acabamos de tonsurar milhares de mulheres. Temos novamente que procurar ouro, divisas, objetos de valor sob a vigilância dos assassinos, e continuar a vasculhar as roupas. O comandante assinala ao nosso chefe de grupo, um tal de Szer de Czestochowa, que ao meio-dia o monte de sheiße, de merda, deve estar limpo. De vez em quando SS vêm escolher para si belas roupas, belos relógios e belos trajes para suas mulheres. Corremos para dar conta do monte em tempo. O relógio dá meio-dia. Enquanto esperamos em frente à cozinha, ouvimos uma locomotiva entrar no campo, rebocando novas vítimas. Os mesmos vagões aparecem, as portas se abrem, e os ocupantes são empurrados para fora, como sempre, à base de coronhadas e chicotadas. No fim de alguns minutos, o super-assassino em chefe do campo chega e grita: – Tonsuradores, no picadeiro! Não tivemos tempo de comer. Somos imediatamente encaminhados para as câmaras de gás para realizar o trabalho sujo. E novamente aquela imagem terrível: novas vítimas aparecem, vêm de Ostrowiec. Uma hora depois, está tudo terminado para elas.

Uma jovem mulher está sentada à minha frente. Corto seus cabelos, ela pega minha mão e me pede para lembrar que eu também sou judeu. Sabe que está perdida, mas “lembre-se”, disse ela, “você vê o que fizeram de nós. Desejo que você sobreviva para poder vingar nosso sangue inocente, que não conhecerá o repouso…”. Respondo-lhe em voz baixa: – Cara senhora, o mesmo me espera. Sou judeu como a senhora. A mulher não consegue se levantar e leva uma chicotada na cabeça, pois um assassino passava entre os bancos. Escorre sangue sobre seu crânio raspado. Ela dá um pulo e corre junto com as outras. Terminamos nosso trabalho e ficamos por um instante de pé em nossos lugares, a passagem está ocupada pelos homens nus que são despachados para a câmara de gás. Eles correm entre duas fileiras de assassinos, chicotes e socos chovem dos dois lados. Os judeus correm com os braços para cima, os dedos afastados e clamam: “Shema-Israel, shema-Israel.” São empurrados para a morte com essas palavras nos lábios.

O desfile das vítimas é interrompido, as portas metálicas se fecham e os últimos gritos ressoam abafados. Os assassinos aparecem, nos levam para a praça, pois a pausa de meio-dia chegou a fim. Fazemos a triagem num ritmo puxado a fim de dar lugar a novas bagagens. Trabalho e levo os pertences para diferentes lugares de armazenamento.

A tarde passa. O relógio dá 6h. A esse sinal, largamos o trabalho e formamos para a chamada. Depois de nos contar, Galewski, chefe dos kapos, transmite o total a Kiwe, assassino-chefe. Este ordena: “Em frente, direita volver!” em direção à cozinha. Como ontem, nos dão sopa e voltamos para o galpão. Estou com meus companheiros Leybl e Moyshe Etinger, e as lágrimas começam a correr e não param mais. Começamos a compreender, enfim, como funciona aquele lugar. Trata-se de uma fábrica que se alimenta de sacrifícios humanos: ontem, 12.000, hoje, 15.000, e assim por diante, sem parar, em série… Tentamos saber o que acontece com as vítimas depois que são mortas − sem sucesso, pois os mortos saem no campo nº 2, que é totalmente isolado de nós, e não temos nenhum contato com os judeus que trabalham lá. Não paramos de nos indagar: e depois? Decidimos que devemos a todo custo tentar fugir, pois mais dia menos dia eles nos matarão. Decidimos que a partir de amanhã cada um de nós começará a pegar parte do dinheiro que passa em suas mãos no trabalho, a fim de juntar nos próximos dias algumas dezenas de milhares de zlotys. Enquanto isso, traçaremos um plano de fuga.

O relógio dá 9h. A luz é apagada. Deitamos, esgotados, diretamente no chão e, depois dos gemidos por causa das dores violentas, dormimos. Dormimos sem interrupção até as 4h30, quando é dado o toque de alvorada. Emergimos de um sono pesado e pergunto se há água em algum lugar para nos lavarmos. Meu companheiro me diz que faz dez dias que não toma banho, desde que chegou. Vamos para o desjejum. Dão-nos café e um pouco de pão. Guardo um pouco d’água para me lavar. Apresentamo-nos à chamada, e, depois de nos ter contado, nosso kapo e nosso chefe de grupo nos levam para a praça, para começarmos a trabalhar. Meu companheiro e eu começamos a trabalhar. Quando encontramos cédulas altas, nós as escondemos, prestando atenção para não sermos flagrados por um assassino: levaríamos uma bala na cabeça. Escondemos o dinheiro recolhido no meu casaco. Após algumas horas de trabalho, coletei cerca de 5.000 zlotys; meu companheiro Leybl, um pouco mais. Na pausa do meio-dia, decidimos subtrair mais dinheiro, pois sem dinheiro do lado de fora estaríamos perdidos.

À tarde, o trabalho se acelera. Acumulo outros milhares de zlotys. São mais ou menos 2h. Enquanto continuo na triagem, ouço não longe de mim a voz de um assassino: – Komm her, venha aqui! Largo meu trabalho e corro até ele. Ele me diz para esperar, assim como para uns 20 outros. Ignoramos o que ele vai nos pedir. Outros internos juntam-se a nós. Temendo que nos revistem, abandono imediatamente meu casaco com o dinheiro. Jogo-o num canto a pretexto de que estou com muito calor. Alguns minutos mais tarde, uns 30 de nós somos encaminhados para o pátio onde os recém-chegados se despem, e somos revistados para se certificarem de que ninguém escondeu dinheiro ou objetos de valor. Os assassinos encontram dinheiro com um homem, que é coberto de pancada. Depois o levam para um canto e terminam com ele a bala. Sou dos últimos a ser revistado. Verifico nos meus bolsos e encontro uma cédula de 100 zlotys. Não me desconcerto e enfio a cédula na boca. Os assassinos não viram nada, confiscam nossas tesouras e nossas giletes, fazem-nos formar em fileiras de cinco e nos encaminham na mesma direção dos condenados ao gás. Mas em vez de nos mandarem para a câmara de gás, nos conduzem para o campo nº 2, o que é bem pior. 8 Treblinka – campo nº 2. Viro carregador de cadáveres. Arrancamos os dentes de ouro da boca dos mortos. A técnica de carregar cadáveres.

Ao chegarmos a esse campo abominável, somos recebidos com vergastadas, que chovem sem trégua. Nossa atividade consiste em recolher areia de um monte e carregá-la em carrinhos de mão para outro monte. Quase desmaio nos primeiros minutos. Ainda não sei o que carrego nem para onde carrego. Mas quando chego ao lugar onde esvaziamos os carrinhos de mão, constato que despejamos areia sobre corpos que foram atirados em valas. Não consigo atinar direito com aquilo, pois não nos dão um segundo de trégua. Temos que encher rapidamente os carrinhos de mão, correr para despejar a areia sobre as vítimas e voltar sem nos determos. Suamos. Tiro meu casaco, mas isso não muda nada. Os assassinos estão em toda parte, rodopiam longos chicotes acima de nossas cabeças. Gasto minhas últimas forças. Não me aguento mais de pé. Um assassino se aproxima de mim e me chicoteia violentamente: – Cão imundo, meu chicote é usado todos os dias na mesma hora, hoje ainda mais cedo que de costume!

Ele continua a me espancar, tenho espuma nos lábios. Sinto que as forças me abandonam. Meus companheiros são submetidos ao mesmo tratamento. Um assassino mantém-se à parte e observa como trabalhamos. No fim de uma hora, o executor põe-se ao trabalho: um depois do outro, chama alguns de nós, ordena-lhes que se dispam e desçam numa vala. A vítima deve se debruçar para a frente, então recebe uma bala na cabeça e desmorona sobre os cadáveres que jazem no fundo do buraco. No fim de aproximadamente 15 minutos, noto a ausência de uns 20 companheiros. Nosso grupo foi dizimado: à minha volta, não há quase mais ninguém. Me ocorre que logo será minha vez. Não sei de onde me vêm forças, mas continuo meu trabalho com tamanha energia que o assassino do chicote me diz: “Está trabalhando bem, não vou te matar.” Vacilo, não aguento mais. O companheiro que trabalha ao meu lado me diz para resistir. É um pouco mais forte que eu e me dá uma ajuda: enche meu carrinho de mão a fim que eu possa descansar um minuto. São umas 4h. Dos 30 companheiros que foram trazidos comigo, vejo apenas seis sobreviventes. Os outros tiveram que se despir um a um e descer na vala para receberem uma bala na cabeça. Não se ouviu sequer um gemido. Na vala, dois judeus alinham os mortos. De repente, surge outro assassino. Ele nos diz para guardar nossos carrinhos e nos designa outra tarefa. Temos que pegar uma espécie de macas que se parecem com uma escada, cobertas de sangue. Pegamos as macas em duplas. Ele nos empurra para um galpão bem afastado. No interior, seres humanos inertes formam montes de cerca de um andar de altura. São as pessoas asfixiadas. Não temos mais tempo para refletir muito, pois os chicotes voam acima de nossas cabeças. Não sei o que devo fazer. Olho à minha volta. Vejo judeus correndo com macas vazias, largando-as de qualquer jeito e se precipitando para um monte de cadáveres. Um pega o morto por um braço, o segundo pelo outro braço, arrancam-no do monte, puxam-no até a maca e voltam a partir correndo. Tento imitá-los, mas sinto engulhos, pois estou aterrado com o que vejo. Agarro o braço de um morto que jaz sob outros, meu companheiro pega o outro braço a fim de que consigamos puxá-lo do monte, mas não conseguimos. O assassino notou que estamos tentando há vários minutos, corre até nós e nos enche de pancada. Sangramos no rosto, mas não ligamos. Tentamos separar outro morto do monte. Conseguimos. Captamos a técnica. Puxamos o cadáver velozmente para a maca coberta de sangue e corremos na mesma direção que os demais. Somos acompanhados pelo chicote dos assassinos, que se postam de ambos os lados da passagem. Como somos novatos, temos dificuldade em nos situar e recebemos mais vergastadas que os outros.

Os “dentistas” debruçam-se sobre as macas e verificam se os mortos têm dentes de ouro. Ainda ignoro isso. Recuso-me a parar, com medo do chicote. O dentista vê que o morto que eu carrego possui dentes de ouro. Me detém para efetuar seu trabalho. Grita isso para mim e obstrui a passagem. Exclamo: – Mas por que não me deixa continuar? Vou ser chicoteado por sua causa. Ele me tranquiliza e me diz que não me agredirão. Me conta que se deixar passar um morto com próteses dentárias receberá uma bala na cabeça. Suas mãos tremem. No fim de alguns segundos, me diz: – Pode ir. Nos juntamos a uma fileira de carregadores correndo um atrás do outro. Chegamos a um fosso profundo e tento imitar os que me precedem: despejar o cadáver inclinando a maca de lado. Mas a cabeça entala entre duas barras e fracassamos. Tentamos puxar a cabeça, sem sucesso. Atrasamos os que vêm atrás de nós. O judeu que alinha os mortos como arenques grita para eu depositar a maca no chão e desvencilhar a cabeça do cadáver. Um assassino, que se mantém na beira do fosso, acorre e nos desfere chicotadas até soltarmos a cabeça e, de maca vazia, voltarmos ao monte de cadáveres. No lapso de tempo que perdi por causa da cabeça, a corrente de carregadores foi rompida. Sou o primeiro e recebo um suplemento de chicotadas. Tenho a impressão de que meu corpo foi esmigalhado, de que não vou sair dessa. Estamos novamente diante do hediondo monte. Coloco a maca no chão, corremos até o monte, arrancamos um cadáver da camada mais alta. Vendo que um assassino se aproxima e que vai nos encher de pancada, deposito desajeitadamente o cadáver com o rosto para baixo. Erguemos a maca e nos preparamos para sair. A ordem nos detém. Ele começa a bater. Um carregador grita para mim ao passar que precisamos depositar a maca, revirar o cadáver e cuidar para que a cabeça repouse sobre uma barra, pois se ela passar por entre as alças, cai. Deposito a maca, reviro a pobre vítima e partimos de novo. No fim de algumas idas e vindas, visualizo finalmente o fundo da vala: alguns detentos, todos judeus, estão dentro dela e alinham os corpos, é este seu trabalho. A cada ida e volta, a vala está um pouco mais cheia. Nem pensar em fazer uma pausa, pois devemos nos revezar sem interrupção. Corremos de um ponto a outro. Assim transcorrem duas horas, até a noite, que me parecem durar um ano inteiro. O relógio dá 6h. Corremos todos para um armazém onde guardamos as macas, os carrinhos de mão e as pás. Temos que fazer isso rápido senão somos espancados. Formamos para a chamada. Após termos sido contados, com fundo musical, somos amontoados num galpão cercado de arames farpados. 9 O companheiro Yankel me escolhe como parceiro. Sonho com minha mãe morta. O corredor dos judeus enforcados.

Desabo, não consigo mais me mexer. Fico deitado por um instante, depois ouço um uivo que vem da cozinha: somos chamados para o café. Não consigo me levantar. Somos arrancados do galpão e devemos entrar em formações de cinco em frente à cozinha. Esperamos alguns minutos. O guichê é aberto e cada um de nós recebe um pedaço de pão e um pouco de água turva que eles dizem ser café. Estou morrendo de sede. Bebo o café e deixo o pão, sem tomar consciência do fato de que também estou morrendo de fome. Olho à minha volta: estamos todos extenuados e cobertos de sangue. Ouvimos estertores, de todos os lados. Cada um de nós chora sua própria desgraça. Sinto-me aniquilado pela dor e choro pelo que acabo de suportar. Bem ao meu lado, um outro geme da mesma forma. Pergunto-lhe quem é. É de Czestochowa, chama-se Yankel. Nos apresentamos e ele me conta um segredo: faz dez dias que está aqui. Ninguém sabe disso, pois as pessoas não se conhecem. É raríssimo alguém resistir tanto como ele. Diariamente eles abatem algumas dezenas de deportados, que são substituídos por outros egressos de comboios mais recentes, a fim de que não se estabeleçam relações. Ele me conta que dois dias antes mais de cem homens foram abatidos. E que, se alguém fica marcado no rosto, está irremediavelmente perdido, e por isso devo prestar muita atenção e sempre proteger o rosto. Conto-lhe por que fui espancado e ele zomba de mim: nada mais pode surpreendê-lo, está acostumado. Geme a cada palavra: – Oy, dói tudo… Proponho-lhe uma parceria. Ele se recusa, pois corre o risco de levar mais golpes por minha causa, por eu ainda ser novo por aqui. Suplico-lhe e lhe prometo que farei tudo que ele me disser para fazer. Ele aceita e esclarece que devo me colocar ao lado dele, durante a chamada, na manhã seguinte, pois no momento de correr para o trabalho é um verdadeiro inferno e aquele que fica sem parceiro é chicoteado. Conversamos ainda por uns instantes, e meu companheiro Yankel adormece a despeito da dureza das tábuas. Estou deitado ao lado dele, meu corpo inteiro dói. Ignoro como vou conseguir levantar na manhã seguinte. Onde estou? Estou no inferno, um inferno povoado de demônios. Esperamos a morte que pode chegar a qualquer instante, no melhor dos casos dentro de alguns dias. E, por alguns dias de sobrevida, temos que suar as mãos e assessorar esses bandidos em sua tarefa. Não, não temos esse direito! Cochilo, sonho com a minha mãe, mulher honesta e leal, morta há 15 anos. Eu tinha 15 anos. Choramos juntos a nossa sorte. Ela morreu jovem, tinha 30 anos quando foi arrancada de nós e nos abandonou. Esperar essa morte? Não deveríamos antes não sofrer tudo isso? Que bom que minha mãe não viveu até os sofrimentos, os guetos, as privações, a fome e, por fim, Treblinka − que não lhe rasparam os cabelos, que ela não foi para a câmara de gás nem atirada numa vala comum com dezenas de milhares de outros. Felizmente ela não viveu mais muito tempo.

Minhas dores na cabeça me despertam. Sinto dores no corpo inteiro e não consigo permanecer deitado. Tento me virar e, sem querer, toco no meu companheiro Leybl. Ele desperta em sobressalto e exclama: – Assassinos, o que querem de mim? Estou todo moído! Vou acalmá-lo e ele me responde num gemido: “Oy… oy…” Dou um jeito de não encostar mais nele. Tento dormir, sem sucesso. A noite me parece um ano inteiro, no fim do qual um grito ressoa: – De pé! Todo mundo se levanta sem rodeios e tentamos ficar o mais perto possível da porta, que ainda está fechada. Diante dos meus olhos, um corpo balança: um homem enforcou-se durante a noite. Aponto-o para o meu vizinho, e ele estica o braço para outros dois enforcados um pouco mais adiante. Isso não tem nada de excepcional. Há inclusive menos do que de costume. Ele me conta que diariamente alguns são evacuados e ninguém dá bola para aqueles detalhes. Observo os enforcados, desejo que tenham alcançado a paz. Alguns segundos mais tarde, a porta se abre brutalmente e somos empurrados para a cozinha. Dão-nos café. Guardei o pedaço de pão da véspera. A grande maioria bebe apenas café preto. O relógio dá 5h30. Ouvimos um grito: – Antreten! Reunir! Saímos todos correndo. Cada um procura um parceiro e dou um jeito de ficar ao lado do meu vizinho da noite. Que sorte! 10 Partimos em colunas para o trabalho. A bebida sanguinolenta do meu vizinho. O salto na piscina profunda.

Como de hábito, somos rapidamente contados. O portão se abre e saímos: na frente, um grupo de técnicos. São serralheiros. Fazem a manutenção dos motores dos automóveis que fornecem o gás para as câmaras.h Têm pressa, pois um comboio acaba de chegar e eles devem recepcionar as novas vítimas o mais rápido possível. Em seguida, chega a vez dos “dentistas”. Eles correm para a cela que lhes é destinada. Apoderam-se dos boticões odontológicos e prosseguem sua corrida até a praça, onde são encarregados de verificar as bocas dos mortos e arrancar as próteses dentárias. Depois dos dentistas, os marceneiros põem-se a caminho. Seu trabalho consiste em construir galpões e prédios e fazer reparos internos. Segue-se o grupo conhecido como a brigada do Schlauch. São encarregados de limpar o sangue. Eles espalham areia a fim de que não subsista nenhum rastro. Após terem dado um jeito na passarela, passam às câmaras de gás para lavar as paredes e o chão. Não deve ficar o menor vestígio de sangue. As portas das câmaras são abertas e um pintor deixa as paredes como novas. Tudo deve estar impecável para receber um novo contingente. Depois vem o grupo designado como “die Rampe”, a rampa. São os judeus que trabalham nas câmaras de gás depois da operação. Alguém indica o momento de abrir as portas e, em seguida, as pessoas da rampa devem retirar os cadáveres. Esse trabalho é especialmente duro, pois os mortos estão comprimidos uns contra os outros. O grupo dos cozinheiros vem depois do da rampa. Os que sobram são contados. Uma parte será expedida para o transporte dos cadáveres, outra para o da areia. Noto que os que já estão aqui há vários dias fazem de tudo para evitar o transporte da areia, pois o Scharführer dessa seção – seu apelido é “o Branco” – é um ás na pistola. Na chamada da noite, ele se apresenta frequentemente sozinho, pois abateu até o último dos seus operários. Meu companheiro e eu estamos entre os carregadores. Esse dia é terrivelmente penoso, como sempre. Levamos tantas chicotadas que nossas pernas já não se aguentam mais. Impossível beber uma gota d’água, a sede queima nossos lábios. Inútil pedir ou chorar: a resposta é a violência. Meu companheiro reparou, ao se deter por uns instantes ao lado de um dentista, que há um pouco d’água no fundo do recipiente do qual eles recolhem os dentes cheios de sangue. Ele se atira no chão e lambe aquela água misturada com sangue. É chicoteado, mas bebe.

É um dia tenebroso. Chega um trem com 18.000 pessoas e todas as câmaras de gás estão em atividade. Somos espezinhados. De tempos em tempos, carregadores abandonam suas ferramentas para se atirarem na piscina profunda situada na proximidade das câmaras da morte e assim terminam sua vida maldita. O relógio dá finalmente 6h. Um berro: “Antreten! Reunir!” Nos reagrupamos e nosso Scharführer, o comandante Mathias, nos intima a cantar uma bonita canção. Somos todos obrigados a cantar. Passa-se ainda uma hora antes que possamos voltar aos galpões.

h O monóxido de carbono era produzido por um motor a diesel proveniente de um tanque soviético recuperado pelos nazistas. (N.T.F.) 11 Sou lotado na brigada dos dentistas. Quarenta e oito horas nas câmaras de gás. A corrida louca antes e depois do gás. A técnica “dentária”. Sou espancado por ter deixado passar dentes de ouro.

Depois de ter trabalhado quatro semanas como carregador, fui admitido na brigada dos dentistas. Eram 19 dentistas no total, e eu fui o vigésimo. O comandante do campo da morte, o Scharführer Mathias, retornou da licença, e quando constatou, durante a chamada, que a brigada dos dentistas tinha apenas 19 membros, ordenou ao kapo dos dentistas, o dr. Zimerman, que eu conhecia, que completasse a brigada para totalizar 20. Isso aconteceu por volta de 3 de novembro. Os comboios voltaram a chegar abarrotados e eles precisavam de dentistas. Quando o dr. Zimerman anunciou que procurava um dentista, me adiantei e disse que era dentista. Outros se apresentaram, mas o dr. Zimerman me escolheu e me fez entrar em sua brigada.

Partimos para o trabalho. No prédio que abrigava as três pequenas câmaras de gás, havia um barraco de madeira ao qual tínhamos acesso pelo corredor que levava às câmaras de gás. No barraco havia uma mesa comprida sobre a qual os dentistas operavam. Num canto do recinto, um cofre-forte permitia armazenar o ouro e a platina das coroas dentárias, os diamantes dissimulados nas coroas e o dinheiro e as joias que era possível descobrir desfazendo as bandagens sobre os corpos nus ou inspecionando as vaginas das mulheres. Esse cofre era esvaziado uma vez por semana por Mathias ou por Karol Spezinger, seu assessor. Ao lado da mesa ficavam dispostos bancos compridos, sobre os quais nos espremíamos uns contra os outros para fazer nosso trabalho. Sobre a mesa eram colocados recipientes destinados a recolher os dentes arrancados e os diferentes instrumentos dentários. Nosso trabalho consistia em separar o metal dos dentes em si e raspar a argamassa e o chumbo. Também tínhamos que separar as coroas das pontes, limpar e isolar as próteses. Utilizávamos um pequeno lança-chamas para derreter a borracha. Os “dentistas” eram divididos em vários grupos. Cinco pessoas se ocupavam dos dentes brancos, outras tratavam dos dentes metálicos e dois especialistas faziam a triagem dos metais: ouro branco ou amarelo, platina e metais mais comuns. Os dentistas trabalhavam sob a direção do dr. Zimerman, que era um excelente homem. Os alemães vinham visitá-lo em circunstâncias especiais. Antes de sair de folga, eles nos visitavam para escolher algumas pedras bonitas ou moedas estrangeiras. No barraco, havia um pequeno forno. Uma das paredes do barraco tinha duas janelas que davam para a praça em frente ao prédio que abrigava as dez câmaras de gás. Quando um comboio havia sido expedido e se abriam as portas das câmaras de gás, os SS batiam na janela e gritavam: – Dentisten raus! Dentistas, saiam! Dependendo da importância do comboio, um ou mais grupos de seis saíam e se instalavam, de boticão na mão, no caminho que levava da rampa onde se amontoavam os cadáveres para uma ou várias valas comuns (quando os cadáveres começaram a ser incinerados, nós os carregávamos para a fogueira). É importante esclarecer que, quando comecei a trabalhar no campo dos mortos, os dois prédios das câmaras de gás estavam em atividade. Um abrigava as dez câmaras de gás maiores, cada uma com capacidade para 400 pessoas. Uma delas media 7m × 7m. As pessoas eram espremidas ali como sardinhas. Quando uma câmara de gás estava cheia, abria-se a seguinte, e assim por diante. Para os pequenos comboios, eles utilizavam o prédio que abrigava três câmaras de gás, cada uma com capacidade entre 450 e 500 pessoas. Nesse prédio, a asfixia durava 20 minutos, ao passo que no prédio mais recente durava aproximadamente 45. Nos dias em que esses Cavalheiros eram avisados por telefone pelo alto-comando do extermínio em Lublini de que nenhum comboio chegaria no dia seguinte, os carrascos, por puro sadismo, deixavam as pessoas presas nas câmaras de gás até morrerem sufocadas, por falta de ar. Um dia, ficaram assim 48 horas, e quando as portas foram reabertas, algumas pessoas ainda estertoravam e davam sinais de vida. A maioria dos corpos estava inchada e preta. Os SS e os ucranianos olhavam pelas janelinhas para verificar se todo mundo estava morto e se podiam reabrir as portas.

Quando eu estava na minha mesa de trabalho já fazia meia hora e começava a compreender o manejo das ferramentas, bateram na janela como descrevi acima. Nosso chefe de grupo percebeu atividade na rampa e que a brigada acabava de reabrir as portas. Designou seis homens para se colocarem no caminho dos carregadores de cadáveres. Eu era um deles.

Pegamos cada um dois pares de pinças. Saímos. Na marcenaria, onde Yankel Wiernik trabalha,j cada um instala-se numa mesinha. No nosso barraco não havia espaço, eis por que as mesas eram empilhadas na marcenaria. Tomamos todos um pouco d’água da bacia e corremos para o trabalho. Na praça diante da rampa, é um inferno. Quando as portas se abrem, as primeiras emanações são perigosas. Os cadáveres, de pé, estão tão espremidos uns nos outros, os braços enlaçados e as pernas umas sobre as outras, que os subalternos, na rampa, correm risco de vida enquanto não conseguirem retirar as primeiras dezenas de cadáveres. Em seguida, o monte se desagrega e os corpos se soltam por si sós. Essa compressão se dá porque as pessoas ficam apavoradas e se abraçam umas às outras quando são obrigadas a entrar na câmara de gás. Elas prendem a respiração para entrar e encontrar espaço. O corpo incha depois, durante a sufocação e a agonia, de maneira que os cadáveres não formam nada mais senão uma massa.

Os cadáveres apresentavam uma diferença dependendo se vinham das câmaras de gás pequenas ou grandes. Nas pequenas, a morte era mais rápida e fácil. Parecia, vendo seus rostos, que as pessoas estavam adormecidas: de olhos fechados, apenas a boca, numa parte das vítimas, ficava deformada, uma espuma misturada com sangue aparecendo nos lábios. Os corpos, cobertos de suor. Antes de expirar, haviam urinado e defecado. Os cadáveres provenientes das grandes câmaras de gás, onde a morte demorava mais a chegar, haviam conhecido uma atroz metamorfose, tinham o rosto todo preto, como se tivessem sido queimados, os corpos ficavam inchados e azuis. Tinham os maxilares tão trincados que era impossível abri-los para acessar as coroas de ouro, às vezes tínhamos que arrancar os dentes verdadeiros para lhes abrir a boca. As tarefas de evacuação dos cadáveres eram distribuídas por vários grupos. Além dos rampiazhes (os subalternos na rampa, uns 20 homens), havia também entre 30 e 40 carregadores, seis dentistas e, nas valas, uma brigada de coveiros. Entre estes, uma dezena de homens dispunha os cadáveres na fossa, cabeças com pés a fim de fazer caber o máximo. Outro grupo cobria cada camada com areia, antes de alinharem por cima a camada seguinte de cadáveres. As valas comuns eram escavadas por uma retroescavadeira (depois foram três). Eram imensas, com uns 50m de comprimento e 30m de largura e alcançando uma profundidade equivalente a vários andares de prédio, quatro pelas minhas estimativas. O movimento incessante, a corrida de um lugar para o outro e as chicotadas faziam essa faina assemelhar-se a um cortejo diabólico. Alemães ou ucranianos vigiavam os grupos, de chicote na mão. Faziam uso dele permanentemente, sem mirar num lugar preciso: na cabeça, nas costas, na barriga ou nos braços. Quando eventualmente miravam, buscavam atingir o local mais sensível, ou aquele que mais prejudicasse o organismo. Os rampiazhes e os carregadores, e todos de uma maneira geral, eram compelidos a um ritmo infernal. Os rampiazhes deviam agir de maneira a que houvesse sempre um monte de cadáveres pronto, a fim de que os carregadores não tivessem que esperar. Os carregadores tinham que recolher um cadáver na corrida (e escolher de longe, com o olho, um corpo fácil de tirar do monte), atirá-lo sobre sua maca e partir a galope para a vala comum. As macas tinham a forma de uma escada, com alças para enfiar sobre os ombros. No caminho da rampa para a vala comum ficavam os dentistas, enfileirados. O primeiro da fila tinha como tarefa verificar rapidamente o interior da boca do cadáver, e, se notasse dentes de ouro ou outras próteses, destinava o cadáver a um dentista livre. Os carregadores então se afastavam por alguns instantes para não atrapalhar as idas e vindas. Era-lhes proibido colocar o cadáver no chão. Tinham que segurá-lo enquanto o dentista rapidamente alcançava, com seus alicates, o dente de ouro ou a ponte e o arrancava o mais rápido possível. Ele precisava prestar muita atenção para não esquecer nenhum dente passível de ser arrancado. Em frente à vala comum, os SS efetuavam um controle. Coitado do dentista que tivesse esquecido um dente de ouro na boca de um cadáver… Uma vez, um alemão viu brilhar um dente de ouro na boca de um morto. Como eu era o último da fila dos dentistas, fui considerado culpado pelo deslize. Tive que pular imediatamente na vala, dei várias cambalhotas. Arranquei rapidamente o dente, e, quando subi de novo, o SS me ordenou que me deitasse no chão e me aplicou 25 chibatadas. Outra vez, um pouco mais tarde, deixei passar uma boca cheia de dentes. Eu era novamente o último da fila, os outros dentistas estavam ocupados, o cadáver era muito pesado e seus carregadores julgaram que conseguiriam jogá-lo na vala sem que fosse verificado. Nesse dia, trabalhávamos sob as ordens do Unterscharführer Gustav. Ele reparou nos dentes na boca do cadáver e a mesma cena se repetiu. Dessa vez, recebi algo como 70 chibatadas. Ele me chicoteou as costas com todas as suas forças e sempre no mesmo lugar. Quase quebrou minha coluna. Quando consegui, com grande dificuldade, me levantar, estava encharcado de sangue, que escorria até a minha calça. Fiquei com uma enorme casca de sangue nas costas, e no dia seguinte a ferida infeccionou. Eu não teria sobrevivido se o dr. Zimerman não tivesse me operado. Tive a sorte de ter acontecido num domingo, quando não trabalhávamos. O dr. Zimerman tinha seus instrumentos e procedeu à intervenção no barraco. Chegou até a me anestesiar, depois abriu a ferida e a limpou. Salvou minha vida.

i O extermínio dos judeus da Polônia era organizado no âmbito de um programa denominado “Aktion Reinhardt” e era dirigido a partir de Lublin, onde ficava o estado-maior. (N.T.F.) j Nascido em 1889, Yankel Wiernik foi deportado para Treblinka em 23 de agosto de 1942. Marceneiro de profissão, participou da construção de vários galpões no campo. Durante a revolta, conseguiu fugir e alcançar Varsóvia, onde se escondeu. Em 1944 escreveu um curto texto sobre Treblinka difundido pela resistência clandestina e transmitido ao governo polonês no exílio em Londres. Depois da guerra, Yankel Wiernik emigrou para Israel, onde testemunhou no processo de Adolf Eichmann em 1961. (N.T.F.) 12 Os judeus de Ostrowiec são levados à noite para as câmaras de gás. Eles resistem. Mathias, comandante do campo, é ferido… Uma nova distração. Escaramuça dentro das câmaras de gás.

Até 15 de dezembro, os comboios chegaram regularmente, na razão de cerca de 10.000 pessoas por dia. Se um comboio chegasse a Treblinka depois das seis horas da tarde, seus ocupantes em geral não iam para as câmaras no mesmo dia. O trem esperava na estação de Treblinka e só entrava no campo na manhã do dia seguinte. No dia 10 de dezembro, um comboio de judeus de Ostrowiec parava na estação e o comando do campo foi informado de que, na manhã seguinte, uma nova carga ia chegar a Treblinka. O comandante ordenou que os judeus de Ostrowiec entrassem à noite na câmara de gás. Assim foi feito. Estávamos trancados nos galpões e não tínhamos visto nada. Ouvimos apenas os gritos habituais. Porém, quando voltamos ao trabalho na manhã seguinte, descobrimos os vestígios dos acontecimentos da noite. Os rampiazhes abriram as portas das câmaras de gás e começaram a retirar os cadáveres. Os carregadores transportaram-nos para as valas. Dessa vez, carregadores e faxineiros da coluna dita do Schlauch tiveram que realizar uma tarefa inédita. O corredor do prédio que abrigava as três pequenas câmaras de gás estava apinhado de cadáveres. Havia sangue coagulado até a altura dos tornozelos. Ficamos sabendo do que acontecera pelos ucranianos. Um grupo de algumas dezenas de homens havia se recusado a entrar na câmara de gás. Tinham resistido e, inteiramente nus, usado os punhos para se debater e não se deixarem trancar. Os SS então abriram fogo com seus fuzis automáticos no corredor e abateram os resistentes ali mesmo. Os carregadores retiraram os cadáveres, os faxineiros lavaram o corredor. Como sempre, os pintores passaram uma camada de cal nos muros manchados pelo sangue e os miolos dos supliciados. O prédio estava mais uma vez pronto para receber novas vítimas. O comandante Mathias então veio nos visitar, a nós, os dentistas, e disse ao dr. Zimerman, nosso chefe de grupo: – Doutor, aqueles sujeitos tentaram me enganar! Mathias estava realmente ofendido e ainda sob o choque. Não conseguia compreender por que aqueles judeus não haviam se deixado matar docilmente, achava aquilo anormal. Esse dia foi particularmente penoso. Um outro comboio chegou logo depois e o acaso quis que houvesse muitas próteses e coroas para extrair.

Quando havíamos tratado uma parte dos cadáveres, reuníamos os dentes em dois recipientes e dois dentistas transferiam-nos para a bacia. Enxaguavam-nos antes de os devolverem a nós para a sequência do trabalho. No nosso barraco havia permanentemente uma reserva de dentes e, caso não tivéssemos limpado o sangue e os restos de gengiva neles agarrados, eles teriam acabado por empestear o ambiente.

Se nos acontecia fazer uma pausa, quando tínhamos liquidado uma câmara de gás e outra ainda não terminara seu trabalho, seja porque as pessoas no interior ainda davam sinais de vida, seja porque ainda se ouviam gritos, os animais nos obrigavam, durante essa breve trégua, a dançar e cantar ao ritmo da orquestra composta de judeus que tocava permanentemente nas proximidades do nosso galpão.

No mês de dezembro, os comboios foram menos frequentes. Parte dos SS estava de licença. Mathias partira mais cedo e só voltaria depois do Ano-Novo de 1943. Na sua volta, parecia menos em forma. Devia sentir-se melhor em Treblinka do que em casa. O ar de Treblinka lhe fazia bem. Durante os dois dias de Natal, não houve nenhum comboio. Os comboios voltaram a se tornar regulares em torno de 10 de janeiro. O dia em que os comboios recomeçaram foi um dia terrível, ainda mais que recebemos um “convidado” do campo nº 1, o Untersturmführer Franz, que tinha o apelido de Lalke, Boneca. Trouxera consigo seu cachorro Bari, que era tão célebre quanto o dono.

Quando o trabalho recomeçou, os alemães inauguraram novos métodos. Por volta de 10 de janeiro, comboios chegaram provenientes de Confins, Bialystok, Grodno e cercanias. O inverno era intenso. Fazia muito frio. Os sádicos imaginaram uma nova distração. A 20 graus abaixo de zero, deixam jovens mulheres esperarem nuas, de pé, sem despachá-las para a câmara de gás. Os homens e mulheres mais idosos já tinham sido asfixiados, mas aquelas jovens enregeladas esperavam, em fila, descalças na neve e no frio, tremiam, choravam, aconchegavam- se umas nas outras, suplicando em vão que lhes permitissem refugiar-se “no quente”, ali onde a morte as aguardava. Os ucranianos e alemães dirigiam olhares divertidos e trocistas para aqueles jovens corpos, faziam piadas, riam, até dignarem-se a dar mostras de clemência e despachá-las para a “ducha”. Essas cenas repetiram-se até o fim do inverno. No inverno, a extração dos dentes era nitidamente mais difícil. Fosse porque os cadáveres tinham tido tempo de congelar depois da reabertura das portas, fosse porque o frio agira sobre as vítimas antes que elas tivessem entrado nas câmaras de gás, tínhamos todas as dificuldades do mundo para abrir suas bocas. E, quanto mais pelejávamos, mais os assassinos vergastavam e batiam. No verão, após terem sido atormentados no Shlauch, aquele beco sem saída, as pessoas desejavam entrar o mais rápido possível. Queriam terminar com aquilo: as câmaras de gás as deixariam ao abrigo dos golpes.

Em fevereiro de 1943 surgiu o problema do acúmulo de cinzas proveniente da combustão dos corpos. Foi criada uma “brigada das cinzas”. De manhã, os carregadores começavam por transferir as cinzas para caixas que haviam sido fixadas nas macas. Convém dizer que os cadáveres que saíam das valas comuns achavam-se frequentemente em tal estado de decomposição que não podíamos mais instalá-los numa maca-escada. Eis por que os colocávamos em pedaços nas caixas e em seguida esvaziávamos as cinzas em montes. Os membros dos cadáveres que tinham sido queimados em fornalhas muitas vezes resistiam bem. Retirávamos cabeças, braços e pernas carbonizados mas inteiros. A brigada das cinzas tinha que quebrá-los com porretes de madeira. Esses porretes lembravam as pás de ferro que serviam para quebrar o cascalho nas estradas, assim como outras ferramentas lembravam os instrumentos utilizados para obras de terraplanagem. Haviam disposto fornalhas de arame com a malha cerrada: elas permitiam peneirar as cinzas batidas, da mesma maneira que separamos a areia do cascalho. O que não passava pelas malhas era novamente batido. Esse trabalho era feito sobre placas metálicas. Os membros da brigada não podiam retirar os ossos das fornalhas enquanto estes não estivessem totalmente carbonizados. Ficavam separados ao lado das fogueiras; quando se introduzia uma nova camada de cadáveres, esses ossos eram recolocados em cima. O trabalho estava “terminado” quando a cinza, depurada de qualquer ossinho inteiro, ficava tão fina quanto a de um cigarro. Quando uma profusão de montes dessa cinza suficientemente fina se acumulou, os alemães fizeram diversas tentativas para se livrar dela e dar fim a qualquer vestígio dos assassinatos perpetrados. Primeiro tentaram transformá-la em terra, usando líquidos especiais. Peritos foram chamados. De pé diante dos montes, misturavam a cinza com a areia segundo diferentes dosagens, depois despejavam misteriosos líquidos sobre a mistura. Mas o resultado não os satisfazia. No fim desses testes, decidiram enterrar a cinza sob espessas camadas de areia. No fundo das valas de onde haviam sido exumados os cadáveres, foi preciso espalhar uma fina camada de cinza, depois uma fina camada de areia e assim por diante até cerca de 2m abaixo do solo. Os 2m restantes eram preenchidos com areia. Era assim que os assassinos pretendiam apagar para sempre o vestígio de seus crimes. Os judeus designados para a limpeza das valas não perdiam uma oportunidade de deixar restos de ossadas humanas na terra. O fundo das valas era mais estreito e a terra caía dos lados. Qualquer distração de um alemão ou um delator era aproveitada para enterrar o máximo de ossadas possível. A cinza era espalhada em finas camadas: uma camada de cinza e uma camada de areia. Os que haviam carregado a cinza e a areia da manhã à noite alisavam o solo com os pés.

Quando voltávamos ao trabalho pela manhã, notávamos que a superfície das valas estava rachada em diversos lugares: de dia, ela era pisoteada permanentemente, mas à noite o sangue repelia a terra, que subia de tal forma que os carregadores tinham todas as dificuldades do mundo para descer nas valas com seus carrinhos cheios de cinza ou areia. O sangue das dezenas de milhares de vítimas não consegue descansar em paz. Sobe à superfície. 13 A vida no galpão. A epidemia de tifo. O Lazarett.

A vida é muito dura, estamos permanentemente sujos. Somos obrigados a trabalhar das 6h da manhã às 6h da tarde. Depois do trabalho, estamos tão cansados que desmoronamos quase mortos diretamente no chão. Não tem água no galpão. A fonte situa-se em outro lugar, longe, e, assim que o trabalho para, somos trancados no nosso galpão cercado de arames farpados e vigiado por uma guarda especial. Treblinka é vigiado por 144 ucranianos e uma centena de SS.k Cuidam de nós como se tivéssemos um valor incomensurável. Somos contados três vezes ao dia. Somos agredidos e espancados o tempo todo. Sentimos dores em toda parte, mas nunca declaramos nenhuma doença. Quando há recém-chegados, eles ignoram que não podem ficar doentes. Alguns dizem que estão doentes por ocasião das chamadas. São obrigados a sair da fila e se despir imediatamente. Os assassinos os deixam nus por um longo momento, a fim de lhes impor todo tipo de vexação, depois os liquidam. Em Treblinka, é proibido ficar doente. São muitos os que não toleram as condições de detenção e se suicidam. Os suicídios fazem parte da vida cotidiana. Todas as manhãs há enforcados em nosso galpão. Lembro-me que um pai e seu filho, após dois dias nesse inferno, decidiram se suicidar. Como tinham apenas um cinto, combinaram que o pai se enforcaria primeiro e que o filho o soltaria e se enforcaria em seguida no mesmo cinto. Foi o que fizeram. De manhã estavam ambos mortos, e os retiramos do galpão, a fim de que o assassino pudesse constatar que a conta batia. Um dia, fazem vir 70 pessoas novas, extraídas de um comboio recentemente desembarcado. Elas trabalham algumas horas até o toque de recolher. No dia seguinte, na hora da chamada, 20 desses homens declaram-se doentes. O assassino em chefe designa-as para o transporte dos cadáveres. Faz com que corram e carreguem três cadáveres ao mesmo tempo. Têm que correr ainda mais rápido, em cadência, e golpes violentos abatem-se sobre suas cabeças. Elas não se sustentam mais de pé. Meia hora depois, os assassinos ordenam-lhes que tirem a roupa e as agridem novamente. Berram: – Cães, vocês não querem trabalhar! E ordenam que se dirijam para a vala comum onde são jogados os mortos pelo gás. Os assassinos disputam entre si o privilégio de atirar. Entram num acordo e dividem o extermínio. Estão contentíssimos com essa piadinha e miram para atingir a cabeça. Raramente necessitarão de mais de uma bala por supliciado.

No início, era muito raro que os detentos se conhecessem entre si, pois diariamente recém- chegados substituíam os que haviam sido eliminados. Depois, como o trabalho não avançava suficientemente rápido em virtude da inexperiência dos novatos, os assassinos mudaram de tática. Vivíamos na sujeira. De dia, usávamos as mesmas roupas e os mesmos calçados cobertos de sangue. À noite, os enrolávamos sob nossas cabeças. Dormimos espremidos uns nos outros. Usamos a mesma camisa durante meses e nosso corpo estava coberto de vermes. Não podíamos mais lavar nossas camisas. Os celerados haviam despachado vagões inteiros cheios de roupas e não tínhamos nada para pôr sobre a pele. Morríamos de fome. Só recebíamos uma parte dos víveres que os judeus haviam trazido com eles. A fome era tanta que detentos comiam o pão encontrado entre os cadáveres que eles retiravam das câmaras de gás. Na metade do décimo segundo mês, o trabalho tornou-se irregular. Os comboios foram menos frequentes e o ritmo diminuiu. Grande parte dos SS havia partido de licença. Era época em que o tifo grassava, e vários detentos tinham 40°C de febre. Tínhamos dificuldade para nos manter sobre nossas pernas, mas temíamos nos comportar como doentes. Durante uma chamada, o assessor do comandante do campo, Karol Spezinger (um SS com patente de Vorführer), anuncia que os doentes devem ir consultar o médico, que não lhes fará nenhum mal e que poderão ficar deitados. Ele diz que o galpão que se acha na aleia do fundo será transformado em Lazarettl para receber os doentes. Isso não nos tranquiliza. Contudo, vários doentes declaram-se como tais, pois de toda forma não conseguem mais se aguentar de pé. No fim de alguns dias, o Lazarett está lotado, recebendo mais de cem doentes. Sou um deles. Ficamos deitados, ardendo de febre. Não recebemos nenhum tipo de tratamento. Mas já é ótimo podermos ficar deitados durante alguns dias. O celerado cumpriu a palavra, como cumpriram-se todas as outras ignóbeis promessas dos alemães. Alguns dias mais tarde, por volta das 5h, SS chegam e dão ordens para tirarem 90 doentes do Lazarett. Os ucranianos penetram no galpão e os retiram de seus estrados um depois do outro, puxando-os pelos pés. Chega minha vez: um assassino me agarra pelos pés, mas consigo me desvencilhar. Flexiono as pernas. No fim de 15 minutos, os assassinos já retiraram mais de 90 doentes. Estes não tiveram tempo de se vestir e levam as cobertas sob as quais estavam deitados. De cem doentes, somos agora apenas 13. Os outros estão reunidos na praça. Em poucos minutos, as metralhadoras começam a crepitar… Nós, os sobreviventes, estamos convencidos de que nossa vez chegará no dia seguinte. Declaramos que estamos curados. O médico dá ordens para nos entregarem roupas de baixo. Temos que nos despir para nos lavarmos. A porta e as janelas do galpão estão escancaradas, deve estar fazendo uns 20 abaixo de zero, e nos lavamos. Tento me vestir, mas não me sustento nas pernas. E meus companheiros acham-se no mesmo estado. São 4h da tarde. Às 6h temos que nos apresentar à chamada. Essa dura uma hora, somos obrigados a cantar. Karol Spezinger é grande amante de música. Também aprecia recitações. O companheiro Szpigel, que era ator em Varsóvia, deve declamar acompanhado pela orquestra. Após esse intermédio, troa uma ordem: – Abtreten, rechts um! Debandar, direita volver! Caminhamos em fila pela praça da chamada. O SS Gustav manda retirarem da formação os que têm dificuldade de caminhar a fim de brindá-los com algumas balas. Um dos convocados, sabendo o que o esperava, sai da fila sorrindo e despede-se de nós em voz alta: – Desejo que sobrevivam lá aonde não cheguei. Um instinto selvagem apodera-se do assassino, que o abate com uma bala. Faço o possível para levantar os pés e desfilamos cantando até nosso galpão, mais mortos do que vivos. Em virtude da sujeira, a sarna espalhou-se pelo campo e nos contaminou. Como não tínhamos nenhum remédio, utilizamos gasolina, o que nos provocou abscessos por todo o corpo. As dores eram insuportáveis. Mas em Treblinka também era preciso suportar isso…

k Na realidade, eram 30 ou 40 os SS lotados em Treblinka. Se levarmos em conta o revezamento das licenças e substituições, havia apenas uns 20 permanentemente no campo. Quanto aos guardas ucranianos, eram entre 90 e 120. (N.T.F.) l Havia um lugar chamado Lazarett em Treblinka. No desembarque dos trens, as pessoas doentes ou com dificuldade para se deslocar eram encaminhadas para esse prédio que parecia uma enfermaria. Uma vez lá dentro, eram imediatamente executadas a bala. Esse procedimento tinha com finalidade não atrasar as operações da câmara de gás. Aqui, o autor parece fazer referência a outro galpão, que teria sido transformado temporariamente em enfermaria para fazer face à epidemia de tifo. (N.T.F.) 14 O Obersturmführer Franz e seu cachorro Bari. Os assassinos bebem em homenagem à chegada de judeus ingleses. Um novo “especialista”.

É um dia bonito, os assassinos estão no seu bem-bom. Mathias, nosso chefe de campo, senta-se sobre um monte de terra e convida o comandante Obersturmführer Franz, que apelidamos de Boneca, a juntar-se a ele. Essa Boneca é um matador cruel. Quando aparece na praça do campo, todo mundo fica com medo. É especialista em bofetadas. De tempos em tempos, convoca um detento, ordena-lhe que fique em posição de sentido e o esbofeteia violentamente na cara. O detento desaba, mas é obrigado a se levantar imediatamente para receber uma bofetada na outra face. Em seguida, a Boneca chama seu cachorro Bari, que é quase do tamanho de um homem, e berra para ele: – Homem, morda esse cão! O cão obedece ao dono e se lança sobre o desafortunado judeu. Mathias manda o criminoso sentar-se e admirar o bom desenrolar do trabalho. Assistem, sorriso nos lábios. Estão de bom humor, satisfeitos com o andamento do trabalho. Seu coração exulta quando contemplam esses mortos-vivos incessantemente ocupados, como pequenos diabos. Cada um está em seu posto e, na presença deles, o trabalho anda ainda mais rápido do que de costume. Seus homens de confiança chicoteiam sem parar… Os assassinos estão satisfeitos. O chefe ordena a um ucraniano que vá pegar uma garrafa de conhaque na cantina. É imediatamente obedecido. Eles enchem um primeiro copinho e a Boneca diz: – Brindo à bela recepção que daremos daqui a pouco aos judeus da Inglaterra… O chefe gosta da piada e ri: – Ja, das ist gut, das kommt sicher! Sim, excelente, e não vai demorar!

No inverno, os criminosos deixam as mulheres condenadas às câmaras de gás num frio de 25 abaixo de zero. Há 50cm de neve e os criminosos riem: “Que beleza!” Em dezembro de 1942, fogueiras são instaladas para queimar os cadáveres. Mas os cadáveres não queriam queimar. Eis por que foi preciso construir uma fogueira que correspondesse a normas precisas. Enquanto um motor expelia ar, uma grande quantidade de gasolina era despejada sobre os cadáveres. Mas estes últimos continuavam não querendo queimar corretamente. Consumiram-se no máximo 1.000 corpos, o que não era suficiente para os assassinos. Não compreendíamos por que buscavam um meio de queimar as pessoas que eles tinham asfixiado com gás. Até aquele momento, não haviam parado de escavar fossos cada vez mais profundos e agora mudavam radicalmente de tática. Soubemos a razão disso por acaso: um dos assassinos nos trouxe um pedaço de pão, enrolado num jornal. Era para nós uma oportunidade excepcional. Uma das reportagens dizia que o exército alemão descobrira ao lado de Smolensk, em Katyn,m um cemitério clandestino contendo os corpos de 10.000 oficiais poloneses, que pareciam ter sido mortos pelos soviéticos. Era a razão pela qual eles queriam queimar os cadáveres, a fim de que não restasse vestígio de seus excessos.

Em janeiro, um novo especialista chega ao campo.n Nós o apelidamos de Artista, por desempenhar perfeitamente seu papel. Não há igual para dar sumiço nos cadáveres. Quando chega, precipita-se para as valas. Ri ao contemplá-las, está contente consigo mesmo e com seu trabalho. Depois de alguns dias, começa a trabalhar seriamente. Ordena que desmontemos a fogueira e zomba das instalações. Garante ao chefe do campo que tudo irá melhorar daqui para frente. Manda instalar trilhos de ferrovia ao longo de 30m. Algumas muretas de cimento, de cerca de 50cm de altura, são fincadas no solo. A largura da fogueira mede 1,50m. São colocados seis trilhos sobre essas muretas, e é tudo. O Artista ordena que disponham uma primeira camada de mulheres, mulheres particularmente gordas, a barriga sobre os trilhos, e depois que acrescentem o que vier: homens, mulheres e crianças. As camadas são superpostas em pirâmide até 2m de altura. Os mortos são arremessados por uma brigada especial apelidada de “brigada do fogo”. Dois elementos agarram um cadáver que foi trazido por carregadores. O primeiro pega uma mão e um pé de um lado, o segundo do outro, e arremessam o corpo. São colocados até 2.500 corpos sobre a fogueira. Em seguida, “o especialista” ordena que disponham lenha bem seca sob o monte de cadáveres. O fogo é ateado com um palito de fósforo. Minutos depois, o fogo é tão violento que é difícil se aproximar a menos de 50m. A primeira fogueira funcionou: o teste é conclusivo. O estado-maior do campo vem parabenizar o inventor. Mas ele ainda não está plenamente satisfeito, apenas uma fogueira está em atividade. Ordena que a retroescavadeira que servira para escavar as valas seja utilizada para exumar os corpos enterrados nos últimos meses… A pá mecânica começa a desenterrar mãos, pés, cabeças. O Artista, grande especialista na matéria, exige que a máquina despeje seu conteúdo em vários círculos. Os carregadores, cujas macas agora são equipadas com caixas para evitar que os pedaços de corpos caiam, devem correr, pegar os restos humanos, encher suas macas e carregá-las o mais rápido possível até a fogueira. O trabalho é mais penoso do que antes. O cheiro é pestilento. O líquido que espirra dos cadáveres lambuza os carregadores. Frequentemente o condutor da retroescavadeira despeja de propósito cadáveres em cima deles e os cobre de sangue. O chefe, ao ver um deles no chão, coberto de sangue, pergunta-lhe o que aconteceu. Quando o carregador responde que recebeu o conteúdo da retroescavadeira sobre a cabeça, recebe uma ração extra de chicotadas. Mas o Artista está louco de raiva, pois o trabalho não anda tão rápido quanto deveria. Encomendam imediatamente duas escavadeiras suplementares. Os assassinos estão contentes, pois seu trabalho vai ser considerado tadellos, impecável. No dia seguinte, todas as pás mecânicas entram em atividade. Para nós, é um verdadeiro inferno. Somos o mesmo número para servir essas três máquinas canibais. A cada investida, elas recolhem várias dezenas de cadáveres que devemos imediatamente evacuar para a fogueira. O assassino-especialista modifica então o sistema: cria uma pequena brigada cujo trabalho consiste em colocar os mortos sobre as macas a fim de que os carregadores não percam tempo com isso. Eles enchem as macas com pedaços humanos com a ajuda de forcados, e os carregadores não têm mais um instante, de manhã à noite, para descansar. Constata-se que os cadáveres desenterrados queimam nitidamente melhor que os corpos das pessoas recém-chegadas das câmaras de gás. Diariamente, novas fogueiras são construídas. Logo são seis. Uma equipe é designada para cada uma delas e a alimenta. Mas o Artista continua insatisfeito. Constata que o ritmo do trabalho diminuiu, pois o fogo impede que os homens se aproximem da fogueira. Os horários de trabalho são alterados. As fogueiras são alimentadas de dia e acesas às 5h30 da tarde.

m Em abril de 1943, a rádio alemã anuncia a descoberta de 4 mil cadáveres de oficiais poloneses na floresta de Katyn, perto de Smolensk, assassinados pelo Exército Vermelho. A URSS contesta a acusação, objeto de uma polêmica internacional ao longo de toda a Guerra Fria. Apenas em 1990 Mikhail Gorbatchev irá finalmente admitir a responsabilidade soviética. (N.T.F.) n Lotado sucessivamente em Belzec, Sobibor e Treblinka, o SS Herbert Floss (1912-1943) é considerado um especialista na cremação de corpos. Segundo o depoimento de Arthur Matthes durante seu processo, é ele quem põe em prática novas técnicas em Treblinka, em 1943. (N.T.F.) 15 Cerca de 250.000 corpos esfumam-se no ar. Comboios de judeus búlgaros. E sempre a música…

Março de 1943. O ritmo do trabalho aumenta sem parar. O comandante do campo ordena que as retroescavadeiras fiquem prontas duas horas antes da chamada da manhã, a fim de que não tenhamos que esperar. As valas são limpas umas depois das outras. Esvaziada uma vala, se um líquido misturado de sangue tivesse se acumulado num canto, um judeu devia despir-se completamente, descer na vala e limpá-la em meio aos últimos vestígios de corpos humanos. Dia a dia, o trabalho se aperfeiçoa. As fogueiras são deslocadas para mais perto das valas a fim de que o percurso de uma para outra seja encurtado e não se perca tempo. Um dia, instalam uma fogueira nas proximidades de uma vala na qual haviam atirado mais de 250.000 cadáveres. A fogueira tinha sido carregada conforme as instruções. À noite o fogo foi ateado. Mas um vento forte soprou e o fogo queimava tão forte que se propagou e incendiou a própria vala. O sangue de um quarto de milhão de pessoas inflamou-se e queimou até a noite do dia seguinte. A direção inteira do campo veio contemplar o milagre. Admirou aquele fogo grandioso. O sangue subiu à superfície e inflamou-se como combustível. Lembro-me do dia 29 de março, que ficou gravado na minha memória. Nosso companheiro Yankel de Czestochowa deitara-se e, de manhã, não se levantara mais. Todos nós almejávamos aquele destino. Nós o acompanhamos até a fogueira, o atiramos sobre os cadáveres em fogo e ele se consumiu.

Chove sem parar desde a manhã, mas temos que fazer nosso trabalho mesmo assim. Estamos encharcados. Os assassinos abrigaram-se sob um alpendre e gritam para nós “Schneller! Tempo! Mais rápido! Mantenham o ritmo!” De vez em quando, um SS acorre e distribui umas chicotadas. O solo está movediço. Não demora a virar um lamaçal. Temos cada vez mais dificuldade para correr. O comandante ordena que espalhemos algumas dezenas de carrinhos de mão de cinzas ao longo do nosso percurso. A lama absorve o sangue humano. De tempos em tempos, temos que acrescentar cinzas, pois a chuva cai cada vez mais forte. O dia chora conosco. Como as retroescavadeiras são em número de três, somos divididos em três grupos. Um dia uma pá mecânica para e o conserto leva alguns minutos. Paramos também. Surge o Artista e nos pergunta calmamente por que estamos de braços cruzados quando, perto das fogueiras, montes de cinzas esperam para ser transportados. O chefe de grupo diz que a pá não vai demorar a funcionar. O Artista responde que temos tempo para dar uma volta olímpica (ele usa o termo “Ehrenrunde”) com as cinzas. O mês de abril começa com trens provenientes do estrangeiro, principalmente da Bulgária.o

Pela manhã, o comandante se apresenta e ordena o fechamento das câmaras de gás. Diz: – Se vocês trabalharem bem, terão uma coisa boa para comer hoje. Logo em seguida, ouvimos gritos: “Socorro! Shema-Israel!” No fim de alguns minutos, cessam os gritos dentro das câmaras de gás e, meia hora mais tarde, são retirados novos corpos asfixiados. Observo os cadáveres: não se parecem conosco. Devem ter sido selecionados por sua juventude e beleza. Eu nunca tinha visto, entre nós, judeus, corpos tão suntuosos. Após o gás, parecem vivos, simplesmente adormecidos. Chegaram em ônibus de primeira classe, Pullman. Tinham inclusive trazido seus móveis, e comida em quantidade. Até o último minuto julgaram que iam ser despachados para a Rússia, para trabalhar. Pediram-lhes para que entregassem seus objetos de valor. Quando viram que amontoavam seus pertences de qualquer jeito num único monte, atalharam que quando saíssem do banho poderia haver enganos, pois não saberiam o que pertenceria a quem. Oh, mas os assassinos já sabiam quem eram os donos: o povo dos senhores. Soubemos por judeus do campo nº 1 que a orquestra tocava quando o comboio dos judeus búlgaros chegou. As pessoas estavam convencidas de que não lhes fariam mal algum. Ao descerem do trem, perguntaram se era realmente ali o complexo industrial de Treblinka… O SS Karol Spezinger nos adverte que nós, dentistas, devemos ficar muito atentos, pois quase todos os búlgaros têm próteses dentárias. Na verdade, temos grande dificuldade para operar: eles têm o maxilar repleto de próteses. Temos que arrancar tudo. Os carregadores choram, pois os cadáveres são extremamente pesados. Os assassinos estão fora de si: os dentistas param quase todo cadáver. Eles nos espancam como se fôssemos de gesso. O comandante declara que se a scheiße não sair das câmaras de gás daqui até 4h da tarde, não receberemos nada para comer. Nesse dia, não nos deram nada ao meio-dia, à guisa de punição. Um pouco depois das 4h, já não restava mais vestígio dos milhares de jovens e bonitos judeus búlgaros.

o No início da guerra, 48 mil judeus viviam na Bulgária, cujo governo alia-se ao III Reich. Vítimas de medidas antissemitas, foram todavia poupados as deportações, em consequência das pressões da sociedade civil e da Igreja. Onze mil e 300 judeus residentes nos territórios da Trácia e da Macedônia, anteriormente administrados pela Grécia e a Iugoslávia, foram mesmo assim deportados, em sua maioria para Treblinka. (N.T.F.) 16 Uma fogueira ainda mais eficaz é construída. Alguns dias sem comboios. Somos informados da revolta do gueto de Varsóvia. Os vestígios da matança são apagados. Plantamos tremoços. Himmler visita Treblinka.

Na segunda quinzena de abril, o estado-maior do campo, comandante Mathias à frente, surge com novos planos. Eles efetuam mensurações a alguns metros das dez grandes câmaras de gás. No dia seguinte, judeus são designados para escavar, sob as ordens de um SS. Trata-se de construir uma fogueira com uma capacidade bem superior às outras, nas proximidades das câmaras de gás, a fim de incinerar instantaneamente os supliciados. A construção leva dez dias. Começamos os preparativos para receber novos comboios. No fim de abril, a fogueira ainda não está terminada. O comandante dá ordens para construirmos em poucas horas outra fogueira bem próxima às câmaras de gás. Mas esse dia é um bom dia: embora as portas das câmaras estejam prontas para funcionar, não chega nenhum comboio. Os assassinos agitam-se como cães furiosos, nos espancam, mugem permanentemente.

Na mesma noite ouvimos o apito de uma locomotiva, mas tratava-se de uma carga de mercadorias. O dia se passa sem nenhum comboio. Os assassinos estão fora de si. Ignoramos o que aconteceu. Passam-se mais três dias. No terceiro, o comandante Mathias dá ordens para reabrirem as câmaras de gás. Pela primeira vez na história de Treblinka, as câmaras de gás haviam sido preparadas e nenhum comboio era anunciado.

Decorrido certo tempo, chega um comboio. Quase todos os assassinos, chicote nas mãos, comparecem ao encontro para receber os recém-chegados. Ivan segura com firmeza seu porrete de 2m. Estou no barraco dos dentistas e ouço gritos desesperados. Os assassinos mostram-se mais cruéis do que nunca. Arrancaram três mulheres do comboio e as designaram para a rouparia, sem dúvida para que fiquemos sabendo dos acontecimentos de Varsóvia. As três mulheres levam alguns dias para se refazer, não compreendem o que lhes dizemos. Mais tarde, contam que os judeus de Varsóvia resistiram heroicamente e não se deixaram assassinar sem reagir. O gueto está em chamas e os judeus combatem de armas na mão. Quando essas mulheres nos informam que o gueto está em chamas, isso nos deixa muito mal. Mas elas sentem orgulho ao nos contar que os judeus lutaram e que alemães tombaram sob suas balas. Essas notícias nos deixaram abatidos. Ao mesmo tempo, aqui, em Treblinka, cresce o anseio pela liberdade.

O trabalho avança com rapidez. Dir-se-ia que os assassinos fixaram um prazo para que tudo aqui seja liquidado. Mal esperam uma vala se esvaziar para abrir uma nova. O Artista, percebendo que há cadáveres inteiros entre as primeiras camadas das valas comuns, dá ordens aos carregadores para pegá-los e levá-los para a fogueira para serem incinerados. Os carregadores tentam aproveitar o momento em que a pá mecânica desce no fosso para pegar um cadáver e se afastar rapidamente antes de serem esmagados sob os corpos revolvidos pela máquina. Judeus são designados para a contagem dos cadáveres. Todas as noites, devem dizer ao comandante Mathias quantos cadáveres foram incinerados no dia. São recenseados apenas corpos inteiros, os que ainda têm cabeça. Sem cabeça, o cadáver não é considerado uma unidade. As cabeças isoladas são contabilizadas separadamente. O comandante tem a impressão de que querem enganá-lo, de que a contagem não é feita como deve. Espanca os judeus e ameaça liquidá-los. Nós, os dentistas, estamos assoberbados de trabalho. Temos permanentemente várias caixas cheias de dentes até a beirada. Temos que limpá-los e, a cada dois ou três dias, entregar um baú cheio de ouro e pedras preciosas. De tempos em tempos, o comandante em chefe de Treblinka nos faz uma visita. Fala muito calmamente e diz ao nosso chefe de grupo que, se nos depararmos com uma bela pedra, devemos entregar-lhe em mãos (normalmente é o comandante Mathias quem as guarda no cofre-forte; ficamos sabendo que o ouro e os objetos de valor são expedidos diretamente para Berlim, para o Reichsbank, onde os dentes de ouro são derretidos em lingotes). Mas o comandante nos pede uma como suvenir para o museuzinho que ele organizou em casa… Não temos dificuldade em satisfazer seu pedido, pois entregamos regularmente pedras desse tipo a seus subordinados a fim de nos pouparem algumas chicotadas. De vez em quando, acontece de um dos assassinos nos trazer um pão ou alguns cigarros, que dividimos por 20. No mês de maio, apareceu um novo SS. No dia seguinte à sua chegada, ele foi ao barraco dos dentistas para que consertássemos seu relógio de pulso. Um de nós, relojoeiro de profissão, faz o reparo. Nosso chefe de grupo aproveita a oportunidade para pedir ao SS que providencie alguns baús do campo nº 1 a fim de guardarmos o ouro. Ele promete fazê-lo (mas não sabe que é proibido passar do campo nº 1 para o campo nº 2). À tarde, o alemão volta, acompanhado de um interno do campo nº1, para trazer os baús. Quer em seguida despachar de volta seu acompanhante para o campo nº 1, mas, na porta, o comandante Mathias o detém, faz-lhe um sermão e xinga-o de todos os palavrões: ninguém pode passar de um campo para o outro. Mathias ordena ao interno que faça meia-volta, tire a roupa e desça para uma vala comum. Abate-o.

Em junho, recebemos poucos comboios. A nova fogueira está pronta, e seu carregamento é efetuado com uma agilidade bem maior. A limpeza das valas comuns segue igualmente um bom ritmo. Dez já foram esvaziadas. A décima primeira – a última – é uma das quatro maiores, contendo cerca de 250.000 cadáveres. Duas retroescavadeiras trabalham nela. Uma brigada especial é formada, a “brigada dos ossos”. Seu trabalho consiste em recolher os menores ossos numa caçamba, a fim de não subsistir nenhum vestígio. O comandante esclarece que qualquer desatenção será considerada sabotagem, e ele não precisa nos explicar o que isso significa. A terceira retroescavadeira não transporta cadáveres: revolve a terra e a desloca. Alguns internos, designados para essa máquina, devem localizar os ossos ou parcelas humanas que ainda se achem misturados na terra, recolhê-los e levá-los para a fogueira. A terra é revolvida duas vezes, a fim de apagar todos os rastros. Durante os últimos dias de junho, 11 valas, nas quais milhares de pessoas haviam sido enterradas, foram esvaziadas. A terra é alisada e plantada com tremoços. Os assassinos têm um prazo determinado para concluir o trabalho. No campo nº 1, o prazo é 1º de julho. Ficamos sabendo que um hóspede e tanto é esperado: Himmler. Fazem-se grandes preparativos para recebê-lo. O trabalho termina dois dias antes da expiração do prazo. Chega o 1º de julho. Deveríamos ter trabalho à tarde, mas, no último minuto, somos trancados no nosso barraco. Por uma janelinha, vemos uma guarda considerável disposta ao redor. Alguns minutos mais tarde, Himmler chega, seguido por seu séquito. Inspeciona as câmaras de gás e dirige-se ao local das valas, que havia passado por uma faxina. Himmler parece contentíssimo. Sorri, e seus subordinados, que se mantêm a poucos metros dele, exultam. Ouvem-se alguns disparos em sinal de vitória. 17 Um dia de grande calor. “Bugigangas”. Mikolai e Ivan. O assassino Tsake-tsake.

Fazia muito calor nesse dia. Alguns SS tinham voltado de 15 dias de folga. Em virtude de suas difíceis condições de “trabalho”, esses celerados tinham direito a 24 dias de licença a cada seis semanas. Quando saíam, vestiam roupas civis e deixavam seus sacrossantos uniformes no campo. De volta de seu “tratamento de repouso”, eram sempre cruéis. Um dia, surpreendemos uma conversa: um SS contava a outro que a cidade da qual ele retornava era bombardeada dia e noite e que as bombas tinham feito numerosas vítimas. Observamos igualmente que eles estão com a cara pior quando retornam de suas licenças: na terra deles, a vida é mais dura. Aqui, em Treblinka, eles podem compensar tudo, pois não falta dinheiro: as vítimas sempre chegam a Treblinka com um pecúlio. Esse dia é particularmente difícil. O Unterscharführer Chanke, que apelidamos de Chicote por ser perito na matéria, está de mau humor. Seu colega, o Unterscharführer Lefler, tampouco envergonha-se de seu sadismo. Seus olhos são temíveis, e todos receamos uma coisa: que seu olhar nos encare, pois nesse caso estamos perdidos. Apesar do cansaço da viagem, eles não param de bater. Lembro-me de uma situação: dois carregadores negligenciaram as ordens e, em vez de carregarem sua maca com um grande cadáver, colocaram três criancinhas. O Unterscharführer Lefler ordenou-lhes que parassem, chicoteou-os violentamente e berrou: – Cães, por que estão carregando essas bugigangas? (Era assim que eles chamavam as criancinhas.) O carregadores de “bugigangas” tiveram que fazer meia-volta e recolher um cadáver de adulto.

Durante os dias de grande calor, os asseclas ucranianos sentiam-se muito à vontade. Chicoteavam a torto e a direito. Mikolai e Ivan, que faziam a manutenção dos motores que alimentavam as câmaras de gás, cuidavam também dos geradores encarregados de iluminar Treblinka. Durante esses dias tórridos, tudo corria bem para eles. Ivan tinha uns 25 anos, era alto e forte, um verdadeiro cavalo. Gostava de descarregar sua energia sobre os internos. De tempos em tempos, era arrebatado por um delírio: detinha um interno que passasse à sua frente e lhe arrancava a orelha com uma facada. O sangue corria, o judeu berrava, mas era obrigado a ir em frente, carregando a maca. Ivan esperava até que o homem passasse de volta, ordenava-lhe que pusesse sua maca no chão e descesse na vala, então o abatia. Um dia, quando eu enxaguava dentes em companhia de outro dentista, chamado Finkelstein, Ivan aproximou-se da piscina munido de um atiçador de ferro. Deu ordens para Finkelstein deitar no chão e enfiou-lhe o espeto de ferro no ânus. Era o que eles chamavam de uma brincadeira. O pobre rapaz nem berrou, apenas gemeu, Ivan ria. Não parava de gritar: – Fique deitado, senão leva uma bala! Esse tipo de ato heroico era corriqueiro por parte dos fiéis servos ucranianos. Jamais esquecerei um que tinha o apelido de Tsake-tsake. Quando chicoteava, não parava de gritar “tsake”, “tsake”. Sua chibata era maior que a de todos os outros. Nesse dia, Tsake-tsake está em ação. Ele outorga-se privilégios: executa seu serviço nas proximidades do muro, pois a passagem ali é estreita, portanto mais fácil para ele descer o chicote. Vê todo mundo passar e é impossível escapar dele. Tsake-tsake é um animal selvagem. Um suor frio brota de seu rosto. Os internos choram e ele não para de bater. Quando ele se acha nesse estado, o dr. Zimerman, que fala russo, tenta amaciá-lo e é o único meio de acalmá-lo um pouco. Depois dessa sessão, Finkelstein foi obrigado a se levantar e voltar ao trabalho. Era jovem e forte. O dr. Zimerman levou-o assim que foi possível para tratar de sua ferida. Ela sarou. Finkelstein sobreviveu até a revolta. 18 Preparamos a revolta. Pessah no galpão. O levante de Treblinka.

Como já mencionei, no fim os internos sobreviviam mais tempo, o que foi determinante. Podíamos nos conhecer melhor uns aos outros. Passamos a estabelecer uma confiança mútua e começamos a pensar num jeito de sair dali. Sabíamos que se tratava de uma empreitada difícil e sempre receávamos nos comunicar, com medo de eventuais delações. Exploramos vários caminhos. Mas nossos planos eram difíceis de serem postos em prática. Nunca tínhamos armas. Considerávamos, entretanto, outras alternativas. Nossas conversas aconteciam sempre num canto do galpão. Um de nós ficava de atalaia para avisar da chegada de algum assassino. Em janeiro de 1943, mandaram vir 15 homens do campo nº 1. Muitas vezes acontecia de, em vez de abatê-los no campo nº 1, transferirem um grupo para cuidar dos cadáveres, pois a diferença entre ambos é mínima… Uma morte a curto prazo. Adolf, um ex-marinheiro, e Zhelo Bloch, um judeu oficial do exército tcheco, estavam entre esses 15 homens. São excelentes pessoas e, no fim de poucos dias, viramos bons amigos. Eles nos contam que uma revolta está sendo preparada no campo nº 1. A margem de manobra lá é maior, pois o campo dispõe de um depósito de armas. Planejam confeccionar uma cópia da chave desse depósito a fim de se armarem. Os dois companheiros são enérgicos, dedicados e sinceros. Consolam-nos e põem-se ao trabalho com determinação. Tentamos estabelecer um contato com o campo nº 1. É muito difícil, mas nos aproveitamos do fato de alguns de nós trabalharem no Schlauch, limpando o sangue das vítimas. O Schlauch estende-se até o limite do campo nº 1, e os nossos ali fazem contato com os que estão lotados no Schlauch do outro lado. Chegamos a nos entender com eles, apesar da presença de um SS e de um ucraniano nos vigiando. O método de comunicação é o seguinte: dois companheiros do nosso lado conversam em voz alta. Os homens do outro lado ouvem a conversa e respondem da mesma maneira, por intermédio de uma conversa entre eles. Os celerados ficam de olho apenas no que falamos entre nós. Lembro bem: após muitos esforços, tínhamos conseguido convencer o comandante do campo a autorizar aqueles dentre nós que tinham um irmão no outro campo a encontrá-lo. Ele dera seu assentimento nos advertindo de que os irmãos teriam apenas o direito de colher notícias um do outro. Não poderiam falar do seu trabalho nem descrever em que este consistia. O encontro aconteceu no campo nº 1 e a conversa foi limitada a cinco minutos. Nossos companheiros voltaram satisfeitos. Ainda que um SS tivesse se postado atrás de cada um deles e eles tivessem que falar em alemão, conseguiram trazer algumas notícias importantes: no campo nº 1 haviam fabricado uma cópia da chave do depósito de armas e em breve tentariam libertar o campo. Nossa alegria é indescritível. Mal nos sustentamos sobre nossas pernas, mas juntamos novas forças. Queremos todos acreditar que chegaremos lá. Enquanto isso, o trabalho continua. Quinze mulheres, selecionadas de um comboio proveniente de Byalistok, juntam-se a nós. Algumas são encaminhadas para a cozinha, outras para a rouparia que acabam de construir. As condições de higiene melhoraram ligeiramente. Deram ordens para nos entregarem uma camisa limpa todas as semanas. Todos os domingos temos água quente para nos lavar. A vida é um pouco menos rude do que antes. Na mesma época, são construídos banheiros, que ficam sob a responsabilidade de um certo Szwer, engenheiro de profissão. Eles lhe ordenam que se vista como um palhaço. Ele usa um solidéu na cabeça, uma pelerine comprida como a de um rabino, um cachecol vermelho, segura uma bengala preta e lhe penduraram um despertador em volta do pescoço. O homem-pipi tem ordens para não nos deixar demorar mais de dois minutos nos banheiros, caso contrário somos chicoteados. O chefe de campo esconde-se frequentemente num canto para controlar quanto tempo permanecemos nos banheiros e o vigia só deixa entrar os que possuem números – pois temos que arranjar números especiais para irmos ao banheiro, e é comum eles nos recusarem. Quase explodíamos, e em vez do número recebíamos chicotadas. O vigia dos banheiros é uma das distrações preferidas dos assassinos. Trazem-lhe regularmente novas fantasias para vestir, para que fique ainda mais ridículo. É fantasiado de rabino que ele deve limpar os banheiros. À noite, na chamada, deve apresentar-se nesse uniforme, e os assassinos lhe perguntam: – Gosta de merda, senhor rabino? E ele é obrigado a responder: – Gosto muito.

Pessah, a Páscoa judaica, se aproxima. Os assassinos representam sua pequena comédia e nos dão uma garrafa de vinho e farinha para confeccionarmos o pão ázimo. Preparamos um seder, os SS convidam-se para o nosso galpão para a noite. Um de nós era hazan em Varsóvia, cantava na sinagoga. Ele assa o pão ázimo e prepara o seder. Os assassinos divertem-se à larga com essa comédia. Deixam o galpão no fim de alguns minutos.

Lembro-me da noite do seder. Alguns companheiros participam da cerimônia. Do lado de fora, sopra uma brisa. As fogueiras ardem, o fogo crepita. Dez mil judeus partem na fumaça durante a noite, não haverá mais vestígios deles pela manhã. E celebramos o seder de acordo com as regras. No dia seguinte, na volta ao trabalho, o especialista em fogueiras dirige-se a nós (como se alguém lhe tivesse feito uma pergunta) e nos diz que sabe que nosso trabalho é assaz duro e insalubre. Pergunta-nos se desejamos mais 50 homens, para nos aliviar. Mas com a condição de que nos contentemos com as mesmas rações de comida para dividir com os recém-chegados. Sem esperar nossa resposta, ele nos diz que acha que preferimos trabalhar mais duro e conservar nossas rações. Assegura-nos, além disso, que não vai demorar muito, que logo teremos terminado com aquela scheiße. Teremos em seguida a vida muito mais fácil. Receberemos todos uma roupa nova e o trabalho será então menos cansativo. No dia seguinte, ele soube o que conversáramos entre nós: a bela vida limpa que chegará depois que tivermos terminado de limpar todos os vestígios de seus crimes era a morte. O celerado volta para nos explicar que não nos fará mal algum. Nós o escutamos e pensamos em nossa libertação.

Durante os primeiros dias de maio, articulados com os detentos do campo nº 1, decidimos semear sangue e fogo no campo. Alguns de nós não estão sabendo disso. A decisão é mantida em sigilo: apenas os chefes e os companheiros que ocupam determinados postos estão inteirados. O plano do motim apresenta-se da seguinte maneira: cada um faz seu trabalho normalmente, tomando cuidado para não demonstrar nenhuma mudança de atitude. Todos conhecem precisamente a missão e, a fim de poder cumpri-la, devem fazer de modo a se encontrarem próximos do lugar de sua consumação. O plano prevê que dois disparos provenientes do campo nº 1 marcarão o início do levante. Estamos todos prontos. Companheiros devem atear fogo nas câmaras de gás. Outros devem matar os SS e os ucranianos e tomar-lhes as armas. Os que trabalham nas proximidades das guaritas devem tentar corromper os ucranianos mostrando-lhes ouro. Cada um está em seu posto. Nós, os dentistas, temos a tarefa, durante os últimos dias, de separar o máximo de ouro possível, a fim de levá-lo. Planejamos, uma vez livres, nos dirigir ao campo de trabalho de Treblinka, que fica a 2km, a fim de libertar os homens nele aprisionados. Tudo foi bem planejado; infelizmente, um imprevisto atrapalhou nossos planos: no dia programado para o levante, um comboio chegou às 5h, e, junto com o comboio, uma porção de SS e ucranianos. Isso destruiu nosso plano, fomos obrigados a adiá-lo. Essa falta de sorte nos afetou muito. No campo nº 1, estão com muito medo. Terão que devolver ao depósito as armas que subtraíram com grande dificuldade. São bem-sucedidos e, por sorte, os assassinos não percebem nada. É o início de dias difíceis. Não podemos fazer nada, pois a guarda foi reforçada. No mês de maio, o calor se intensifica e os cadáveres que desenterramos empesteiam o ar. Os assassinos não se aproximam das valas e os SS que trabalham nas retroescavadeiras sufocam por causa da infecção. Os horários de trabalho são alterados. Começamos às 4h da manhã em vez de às 6h. A chamada começa às 2h30. Trabalhamos sem interrupção até as 2h da tarde, hora do almoço. Muitas vezes somos obrigados a trabalhar novamente à tarde, pois chegam novos comboios.

O ritmo se acelera. As valas são esvaziadas com uma frequência cada vez maior com o correr dos dias. Comunicamos ao campo nº 1 que, se eles não se apressarem para organizar o motim, tentaremos executá-lo nós mesmos antes que seja tarde demais. Entre nós, as opiniões estão divididas. Alguns acham que devemos nós mesmos libertar o campo, outros opõem-se a isso: acham que essa tentativa está fadada ao fracasso. Não podemos mais esperar. Um dia parece um ano. Decidimos dar um ultimato ao campo nº 1 e, se não obtivermos uma resposta clara, estipulando a data do levante, não iremos mais esperar. Respondem-nos para aguardamos mais uns dias. Finalmente recebemos uma resposta clara do campo nº 1: o levante está programado para 2 de agosto às 4h30 da tarde. Esperamos esse dia com impaciência.

Na manhã de 2 de agosto, faz um tempo magnífico. O sol brilha, estamos cheios de coragem. Apesar do medo, estamos felizes com o que vai acontecer. O sorriso está em nossos rostos. Sentimo-nos revigorados por novas forças, mais vivos do que nunca. Vamos para o trabalho com o coração em júbilo e nos intimamos a nada deixar transparecer. Preparamos galões de gasolina, supostamente para fazer o motor funcionar. Nosso chefe de galpão, que é empregado como açougueiro, vai falar com o comandante, Karol Spezinger, a fim de obter autorização para amolar os facões, pois vamos receber um cavalo morto e os facões estão cegos. Spezinger dá sua anuência. Kalman, o açougueiro, amola os facões, bem como alicates para cortarmos os arames farpados. Está tudo pronto. A excitação está no auge, assim como o receio de que os assassinos descubram o truque daqui até a tarde e nos fuzilem a todos. Fazemos uma pausa para almoçar. Pelas últimas notícias, o campo nº1 está pronto. Tememos também que um imprevisto deite tudo por terra. Calculamos tudo para que as pessoas ainda estivessem no trabalho na fogueira, para que ainda não tivessem terminado suas tarefas, a fim de não serem trancadas no galpão. Dissemos que era preciso melhorar a combustão, que não estava ideal. Na cozinha, não pegamos água suficiente, de maneira que pessoas são obrigadas a voltar lá para providenciá-la. São três bons soldados que terão como tarefa, no momento em que tudo começar, degolar ucranianos e confiscar-lhes as armas. A ração do meio-dia é distribuída. Todo mundo está faminto, como sempre, mas ninguém consegue comer. Ninguém pede mais. Dezenas de companheiros não tocam na comida. Depois da pausa de meio-dia, todo mundo volta ao seu posto de trabalho, feliz e contente. Dizemos uns aos outros: chegou o grande dia. O trabalho avança célere. Nossos carrascos estão felizes da vida com o nosso ritmo. Tentamos falar o menos possível, a fim de não chamar a atenção. Nossos instrumentos estão preparados no local estipulado. Sob diversos pretextos, o companheiro Adolf age de maneira a controlar cada posto. Apesar de todos os preparativos, muitos detentos não fazem a menor ideia do que vai acontecer. O tempo passa numa lentidão incrível, o medo de que alguma coisa ponha tudo a perder é insuportável. O relógio dá 4h30. Ouvimos dois disparos provenientes do campo nº 1, é o sinal do início do levante. Após alguns minutos, recebemos ordens para abandonar o trabalho. Corremos todos para os nossos postos. Após mais alguns segundos, um fogo violento ergue-se das câmaras de gás: foram incendiadas. O ucraniano que estava de guarda ao lado do galpão jaz por terra como um porco recém-abatido, empapado no próprio sangue. O camarada Zelo apoderou-se de sua arma. Ouvimos disparos de toda parte. Os ucranianos, que companheiros fizeram descer das guaritas prometendo-lhes mundos e fundos, também jazem mortos. Os dois SS que conduziam as retroescavadeiras foram mortos. Nos dirigimos para as cercas aos gritos de “Revolução Treblinka!”. Alguns ucranianos, em debandada, erguem os braços. Tomamos suas armas. Cortamos os arames farpados um depois do outro. Já estamos na terceira cerca. Ainda estou ao lado do barraco. Vários companheiros, sem entender nada, escondem-se no interior. Acompanhado de alguns outros, faço todo mundo sair, gritando: – Companheiros, saiam, salvem-se, mais rápido! Sai todo mundo. A terceira cerca está rompida. A 50m há ainda outra linha de cavaletes envoltos em arame farpado. Tentamos cortá-los também. Ouvimos o barulho das metralhadoras dos assassinos. Eles tinham se precipitado para suas armas e vários companheiros acabam emaranhados nos cavaletes assassinos, não tendo conseguido se desvencilhar. Estou entre os últimos. Consegui sair. O companheiro Kruk, de Plock, está ao lado. Corre na minha direção e exclama: – Companheiro, estamos livres! Nos beijamos. Após eu ter me afastado algumas dezenas de metros, percebo que os assassinos lançaram-se em nossa perseguição, equipados com fuzis e metralhadoras. Um veículo também nos persegue, carregando no teto uma metralhadora que atira em todas as direções. Muitos insurgentes estão mortos. Cadáveres juncam o solo. Mudo de direção, abrigo-me num barranco da estrada. A viatura continua sua carreira na estrada polonesa e me vejo atrás dela. Corremos em todas as direções. Os assassinos chegam de todos os lados. Observo que os camponeses que trabalham nas plantações e as pessoas que pastoreiam rebanhos fogem, com medo de serem mortos. Tivemos que percorrer aproximadamente 3km, até penetrar num pequeno bosque de árvores jovens. Percebemos que é inútil continuar a correr e nos escondemos na mata. Somos 20. Muito numerosos, nos dividimos em dois grupos de dez afastados 150m um do outro.

Permanecemos deitados alguns minutos e vemos ucranianos emoldurados por alguns SS cercarem o bosque e nele penetrarem. Encontram os insurgentes do outro grupo e os liquidam sumariamente. Masarik está entre nós. É sobrinho do presidente tcheco. Sua esposa é judia e ele acompanhou-a a Treblinka. Percebendo que os assassinos estão bem próximos, ele saca uma gilete do bolso e abre as veias do braço. O sangue se esvai de seus pulsos. Tento em vão impedi- lo, ele não desiste, com medo de voltar a cair nas mãos dos assassinos. Ficamos num silêncio absoluto. Por sorte, eles não nos viram e saíram do bosque. Faço um torniquete em Masarik com um pedaço de pano e consigo estancar o sangue. Permanecemos deitados mais um instante e ouvimos civis entrarem no bosque. Notaram nossa presença e fazem meia-volta. Decidimos fugir sem demora. Corremos várias centenas de metros e alcançamos um novo bosque. A tarde cai, anoitece. Numa semipenumbra, continuamos nosso caminho, sem sabermos para onde ir. Masarik é um oficial veterano. Consegue orientar-se à noite pelas estrelas e continuamos a avançar guiados por ele. Caminhamos a noite inteira. Amanhece quando encontramos uma mata fechada. Decidimos fazer uma pausa até a tarde. Estamos esgotados e mortos de fome. Permanecemos deitados o dia inteiro. Revezamos de tempos em tempos para não permitir que os que caíram no sono comecem a roncar, pois nessa floresta qualquer barulhinho é ouvido longe. 19 Batemos à casa de um camponês. Os assassinos nos procuram. Tomo o rumo de Varsóvia. Conheço um homem… Querem me entregar à polícia. Chego a Varsóvia.

À meia-noite, nos pomos a caminho e saímos da floresta. A noite está clara. Constatamos que estamos bem próximos de… Treblinka. Não sabemos aonde ir, entramos novamente na floresta e caminhamos até o amanhecer. Encontramos um charco enlameado. O companheiro Masarik põe- se de quatro e bebe a água turva. Nós o imitamos. Depois de três dias de deambulação, estamos esgotados e mortos de fome. Decidimos correr o risco de bater à casa de um camponês para perguntar o caminho e pedir alguma coisa para comer. Em companhia do companheiro Kalman, o que ateou fogo nas câmaras de gás, bato à casa de um camponês. Os outros ficam escondidos na floresta, temendo que não encontrássemos gente de bem. O camponês abre a porta, mas não nos deixa entrar. Conta que viaturas alemãs não param de ir e vir à nossa procura. O burgomestre anunciou que aquele que lhe entregar um judeu ou o denunciar à polícia receberá uma bela recompensa. O camponês nos dá um pão e um pouco de leite. Exige ouro em troca. Nós lhe damos dois relógios. Ficamos sabendo que estamos a 15km de Treblinka. Nós lhe perguntamos se ele sabe onde podemos encontrar grupos rebeldes. Ele não sabe, mas diz que a 5km há uma imensa floresta. Partimos nessa direção. Vagamos durante 14 dias sem encontrar os rebeldes. Muitas vezes camponeses se negam a abrir a porta de suas casas, às vezes nem respondem. Não nos aguentamos mais sobre nossas pernas, por causa da fome e da sede. Desenterramos batatas e beterrabas e as comemos cruas. Estamos num estado lastimável. De dia, temos medo de nos mostrar, pois as pessoas nos dizem que as batidas continuam.

Depois de 14 dias andando sem encontrar saída, minha sugestão é que tentemos ir para Varsóvia, pois alguns de nós têm conhecidos na cidade e talvez consigamos nos safar por lá. Minha proposta é rejeitada, pois os outros receiam cair nas mãos dos assassinos no caminho. Vendo que não posso permanecer ali, decido partir sozinho para Varsóvia. Sinto um aperto no coração ao me separar de meus companheiros, mas parto mesmo assim. Nos beijamos e expressamos nossos desejos de nos revermos em vida. No fim de alguns quilômetros chego a uma aldeia. Anoitece. Entro na casa de um camponês. Ele tem medo de falar comigo. Me dá um pedaço de pão e me diz que Varsóvia fica a 99km. Minutos depois, ouço tiros ao longe. O camponês entra correndo e diz para eu fugir. Corro até uma plantação de batatas e me escondo lá. Os tiros continuam. A noite caiu. Uma chuva grossa começa a cair, vai durar a noite inteira. Não me mexo durante 12 horas, até o amanhecer. Tenho a impressão que nunca mais conseguirei me levantar, mas, recorrendo às minhas últimas forças, ponho-me de pé. Após caminhar alguns quilômetros, vejo um homem vindo ao meu encontro. Nada mais importa para mim, então continuo a caminhar. O homem se aproxima e vejo pelas suas roupas que se trata de um camponês, pergunto-lhe o caminho. Ele não pensa muito tempo e me diz: – Talvez você seja um dos que fugiram de Treblinka… Como vejo que demonstra compaixão por mim, respondo-lhe que de fato fugi, e peço-lhe ajuda. Ele me diz que está indo ao moinho para comprar farinha de trigo para a festa do dia seguinte. Não obstante, me propõe fazer meia-volta e me levar até a casa dele, a 2km dali. Sigo- o. Quando entro em sua casa, vejo uma mulher com um bebê nos braços. Aperto o bebê no meu peito e beijo-o. Ela me olha, estupefata, e eu lhe digo: – Cara senhora, faz um ano que não vejo uma criança viva… Choramos juntos. Ela me dá de comer e, percebendo que estou encharcado, me traz uma camisa de seu marido. Ela sublinha que se trata de sua última camisa. Essas pessoas fazem tudo para me ajudar. A senhora me diz, chorando: – Quero realmente ajudá-lo, mas tenho medo dos vizinhos. É que tenho um filho… No fim de uma hora, agradeço-lhes calorosamente e digo até logo. Pela janela, o camponês me aponta um celeiro no meio das plantações, não muito longe. Pertence a um rico camponês e ninguém nunca vai lá. Ele me aconselha a me esconder lá e vir à noite até a casa dele para ele me dar comida. Agradeço-lhes de novo e me dirijo para o celeiro. Escondo-me no feno para não ser visto. Uma verdadeira felicidade. Anoitece, saio do feno e volto à casa dos meus amigos. Eles me recebem calorosamente. Passam-se alguns minutos, e um vizinho chega. Este nem se dá ao trabalho de dizer bom-dia, aproxima-se de mim e me aplica duas bofetadas no meio da cara. Grita: – Youpin, siga-me. Não tenho saída. A mulher, que compreendeu o que ele pretende fazer comigo, suplica-lhe que me deixe partir, mas ele se recusa. Ela beija-o e lhe diz: – Franek, o que quer com esse homem? Conhece-o? Ele lhe pergunta berrando por que razão ela quer me proteger. – Não sabe que foram esses judeus imundos que incendiaram Treblinka? Quero minha recompensa! Suas lágrimas e súplicas de nada adiantam. Percebendo que não conseguirá convencê-lo, a mulher enlaça-o com os braços e grita para eu fugir. Consigo escapar e fugir na disparada, atravesso o quintal, corro mais uma centena de passos e deito-me numa plantação. Decido não seguir adiante por ora, pois seria pena perder tão bons aliados. Quando constato que Franek partiu, rastejo até a casa dos meus novos amigos. Entro no celeiro e me deito. Na manhã seguinte, o camponês aparece, me vê e me cumprimenta calorosamente. Teme que eu seja preso, pois as pessoas das cercanias não têm escrúpulos. Me traz comida várias vezes por dia e, à noite, escondo-me no celeiro no meio das plantações. Ali permaneço duas semanas. À noite, vou para a casa dessas pessoas tão gentis e elas me passam comida pela janela. Um dia, porém, o proprietário veio descarregar cereais no celeiro. Tive a sensação de ter sido visto. Decidi abandonar aquele esconderijo e fazer tudo para chegar a Varsóvia. À noite, vou à casa deles para comunicar minha decisão. Tentam me dissuadir, pois temem que eu caia nas mãos dos policiais que vigiam as estradas. Não me deixo convencer e me despeço. O camponês me explica que a estação mais próxima chama-se Kotska, e fica a 7km. O caminho é difícil, pois os trens estão cheios de policiais que operam os controles. Entretanto, chego a Varsóvia sem incidentes, pois vou para Piastow, uma vez que Jonasz, um amigo polonês, mora lá. Ele não me reconhece à primeira vista e quer me dar cinco zlotys de esmola. Quando lhe digo quem sou, fica feliz de me receber e me oferece ajuda. Providencia documentos que fazem de mim um ariano, Henri Romanowski. Depois de alguns dias na casa dele, desmorono, moral e fisicamente. Perco o apetite e me convenço de que não tenho mais o direito de viver depois de tudo que vi e passei. Meus amigos cuidam de mim e conseguem me convencer de que pouquíssimas testemunhas como eu sobreviveram e que devo viver para poder contar.

Sim, vivi um ano nas piores condições em Treblinka. Após o levante do campo, perambulei durante dois meses até alcançar Piastow. Em seguida, após a insurreição de Varsóvia, passei três meses e meio num bunker da capital, até ser libertado em 17 de janeiro de 1945. Sim, sobrevivi e sou livre, mas para quê?, pergunto-me com frequência. Para contar o assassinato de milhões de vítimas inocentes, para dar testemunho de um sangue inocente, derramado por assassinos. Sim, sobrevivi para dar testemunho deste grande abatedouro: Treblinka. Chil Rajchman era o primogênito de uma família de seis filhos. Sua mãe, Java, morreu em consequência de uma doença alguns anos antes da guerra. O paradeiro de seu pai, Abraham Froim, após a eclosão da guerra é desconhecido. Salvas milagrosamente, essas fotografias são os únicos testemunhos dos anos do pré-guerra. No outono de 1941, Himmler decide pela criação de três campos da morte: Belzec é inaugurado em março de 1942, Sobibor em maio e Treblinka em junho. Foi para este último que mais de 330 mil judeus do gueto de Varsóvia foram deportados.

Kurt Franz entrou para a SS antes da guerra. Serviu em diversos centros de eutanásia e foi enviado para Treblinka no início do outono de 1942, tornando-se assessor do comandante seis meses antes de sucedê-lo. Costumava incitar seu imenso cachorro, Bari, contra os prisioneiros, gritando: “Homem, morda esse cão!” Preso na Alemanha em 1959, foi condenado à prisão perpétua em 1965. No fim de agosto de 1942, Franz Stangl assumiu a direção do campo por um ano, ordenando a construção de dez novas câmaras de gás e incrementando o processo industrial de assassinato. Preso no Brasil e extraditado para a Alemanha, foi julgado em Düsseldorf em 1970 e condenado à prisão perpétua. Cercado por arame farpado, o terreno do campo de Treblinka tinha dimensões relativamente reduzidas: 600m × 400m. A zona de extermínio localizava-se no interior. Em dezembro de 1942, uma falsa estação foi posta diante da plataforma a fim de ludibriar os que chegavam quanto à natureza das instalações. O campo funcionava então com seu rendimento máximo, recebendo por dia até seis comboios, prontamente dizimados.

No início de 1943, um embrião de organização clandestina formou-se entre os detentos do campo nº 1, em torno de Zhelo Bloch, Rudolf Masarik, Yankel Wiernik (acima) e, em especial, do engenheiro Galewski (próxima foto). O plano de insurreição previa penetrar no depósito de armas, dominar os guardas, destruir os principais dispositivos e transpor os domínios do campo para alcançar as florestas próximas. De início enterrados em imensas valas comuns, no final de 1942 os judeus mortos em Treblinka passaram a ser incinerados. Para isso, inclusive, prisioneiros escavaram as valas com as próprias mãos para transferir restos de corpos e roupas para as fogueiras. Todos os vestígios da execução em massa deviam desaparecer. As fotografias dos detentos e das ossadas eram formalmente proibidas. Esta é a única foto conhecida mostrando uma vala de Treblinka em atividade, em 1943. Estima-se entre 700 mil e 900 mil o número de vítimas desse campo.

De outubro de 1964 a agosto de 1965, dez antigos SS de Treblinka foram julgados pelo tribunal de Düsseldorf. Embora Kurt Franz, Arthur Matthes, Willy Mentz e August Miete tenham sido condenados à prisão perpétua, Albert Rum, , Franz Suchömel, Otto Sadie e Gustav Müntzberger receberam penas de três a 12 anos de prisão. Otto Horn foi inocentado. Chil Rajchman (à esq.) e seu irmão Moñek – que ele convencera a fugir para o leste da Polônia, para a zona ocupada pelos soviéticos – foram os únicos sobreviventes de sua família. Quando se reencontram após a guerra, Chil esperou algum tempo antes de entregar seu caderno com as memórias de Treblinka para ele ler. Bibliografia

ARAD, Yitzhak. Belzec, Sobibor, Treblinka. The Operation Reinhardt Death Camp. Bloomington, Indiana University Press, 1987. GROSSMAN, Vassili. L’Enfer de Treblinka. Grenoble, B. Arthaud, 1945. LANZMANN, Claude. Shoha. Paris, Gallimard, col. Folio, 1987. SERENY, Gitta. Au fond des ténèbres. Paris, Denoël, 2007. WILLENBERG, Samuel. Révolte à Treblinka. Paris, Ramsay, 2001. Créditos iconográficos

Chil Rajchman Mémorial de la Shoah/CDJC Landesarchiv NRW Düsseldorf Ullstein Bild/Roger-Viollet Beit Lohamei Hagheatot Mémorial de la Shoah/CDJC TopFoto/Roger-Viollet

Chil Rajchman Agradecimentos

A publicação deste livro jamais teria se concretizado sem Raoul Velazco. Amigo fiel da família de Chil Rajchman, ele é o fio condutor da aventura que levou à publicação desse texto inédito. Durante longos anos, conservou consigo esse testemunho, fez com que o lessem à sua volta e pediu conselhos. Cada um de seus encontros o fez refletir e enfim se convencer de que este relato deve ser lido e traduzido no mundo inteiro. Entre seus numerosos apoios, ele faz questão de agradecer especialmente a Hugo Burel, Mario Labrin, Mirta Gordon, Maribel Chenin, Abraham Bengio, Denis Peschanski, Emmanuelle e Christian Eggers, bem como a Isabelle e Pierre Cellier, Geneviève Sakarovitch, Martine Poirier e Rémi Duffourd. Sem esquecer Daniel, José e Andrés Rajchman por sua amizade e confiança sem limites. Título original: Je suis le dernier juïf (Treblinka 1942-1943)

Tradução autorizada da primeira edição francesa, publicada em 2009 por Les Arènes, de Paris, França

Copyright © 2009, Éditions des Arènes Copyright do texto original em íidiche © Chil Rajchman

Copyright da edição brasileira © 2010: Jorge Zahar Editor Ltda.

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Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Capa: Miriam Lerner Foto da capa: Ira Nowinski/Corbis/LatinStock Produção do arquivo ePub: Booknando Livros

Edição digital: junho de 2017 ISBN: 978-85-378-1684-4

Continente selvagem

Lowe, Keith 9788537816592 514 páginas

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Retrato chocante de uma Europa consumida por vingança, ressentimento e ódio

Lembrado como um momento em que multidões encheram as ruas celebrando a paz, o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa foi bem diferente na realidade. Em todo o continente, mais de 30 milhões de pessoas haviam sido mortas, com cidades inteiras arrasadas, paisagens devastadas e instituições totalmente ausentes.

Em Continente selvagem, o premiado escritor e historiador inglês Keith Lowe descreve uma Europa onde alemães e colaboradores foram caçados e executados sumariamente, um violento antissemitismo renasceu, minorias foram perseguidas e dezenas de milhões de pessoas foram expulsas de suas terras ancestrais.

Com base em documentos originais e pesquisa em diversos idiomas e países, o livro cobre os anos de 1944 a 1949, num arco temporal que vai do final da guerra ao estabelecimento de um equilíbrio ainda instável no fim da década de 1940.

Vencedor do prêmio PEN Hessell-Tiltman e na lista dos dez mais vendidos do Sunday Times, esta é a história definitiva da Europa nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.

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"Um livro soberbo e imensamente importante." The Washington Post "Um relato acachapante da desolação moral e física que assolou a Europa no final dos anos 1940. Com autoridade e embasamento, porém nunca árido, Continente selvagem derruba os mitos tranquilizadores e reconfortantes da unidade nacional e da vitimização — uma tarefa dolorosa mas necessária, realizada de maneira extraordinária." Kirkus Reviews "Minuciosamente pesquisado e escrito de modo rigoroso e objetivo, desde já um dos livros do ano." Financial Times

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Como aprendemos a comer

Wilson, Bee 9788537816806 284 páginas

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"Um manifesto para fazer com que a comida sem culpa seja prazerosa para todos." Nigella Lawson

A maneira como aprendemos a comer é a chave para entendermos por que a relação com a comida deu tão errado para tanta gente – e como é possível mudar. Não nascemos sabendo o que comer. Desde a infância aprendemos a combinar sabores e a definir quando uma porção é maior do que devia. Aprendemos a gostar de legumes e verduras – ou não. Mas como essa educação se dá? Como o paladar individual se forma?

A premiada escritora Bee Wilson usa as mais recentes pesquisas de nutricionistas, psicólogos e neurocientistas para revelar como nossos hábitos alimentares são moldados por diversos fatores: família e cultura, memória e gênero, fome e amor.

Com uma linguagem simples, a autora expõe resultados de estudos, como a influência de irmãos sobre nossas escolhas à mesa e novos caminhos encontrados para ajudar crianças a comer legumes e verduras. Aborda o tema dos distúrbios alimentares e investiga o papel que a fome tem na nossa relação com a comida. Conta sobre a realidade de lugares como a China, onde avós deixam de comer para superalimentar os netos, e o Japão, que transformou radicalmente a sua cozinha milenar para torná-la mais saudável.

Se comer é um comportamento aprendido, então é possível mudá-lo. Bee Wilson mostra que tanto crianças quanto adultos têm enorme potencial para desenvolver hábitos novos e mais saudáveis – e oferece dicas para nos ajudar.

*** "Especialistas bem-intencionados dão sermões sobre o que deveríamos comer; Bee Wilson quer compreender por que comemos o que comemos. E acredita que prazer, gosto, emoções e memórias (boas e ruins) são parte importante da história." The Guardian

"Deve ser lido por todos os pais, e é um bom recurso para adultos com desordens alimentares ou problemas mais prosaicos como efeito-sanfona. Traz ideias bem úteis e nada da pseudociência que costuma infestar livros de dieta." The Wall Street Journal

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Rebeliões no Brasil Colônia

Figueiredo, Luciano 9788537807644 88 páginas

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Inúmeras rebeliões e movimentos armados coletivos sacudiram a América portuguesa nos séculos XVII e XVIII. Esse livro propõe uma revisão das leituras tradicionais sobre o tema, mostrando como as lutas por direitos políticos, sociais e econômicos fizeram emergir uma nova identidade colonial.

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O destino da África

Meredith, Martin 9788537816813 742 páginas

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Um livro épico e fundamental sobre o continente africano, do Antigo Egito aos dias de hoje

A África tem sido cobiçada por suas riquezas desde sempre. Nos séculos passados, ouro, marfim e tráfico de escravos atraíram caçadores de fortunas, mercadores e conquistadores de todos os lugares. Nos tempos modernos, o foco passou a ser o petróleo, ao lado de diamantes e outros minerais valiosos.

Historiador inglês especialista em África, Martin Meredith faz um incrível tour de force, atravessando 5 mil anos de história para mergulhar no destino do continente africano – um destino construído em cima de riquezas incontáveis, ganância voraz e poder.

Do Antigo Egito aos dias de hoje, Meredith descreve a vida de reinos e impérios ancestrais; lendas e mitos históricos; a disseminação do cristianismo e do islamismo; a caça ao ouro e a outras riquezas; o tráfico de escravos; os feitos de exploradores e missionários; o impacto avassalador da colonização europeia; e a tão aguardada independência. Examinando também os Estados africanos modernos pós-coloniais, o autor conclui com uma projeção de seu futuro.

"Martin Meredith costura engenhosamente a exploração, o comércio e a geografia em uma narrativa cheia de detalhes que é, ao mesmo tempo, surpreendente e cativante.” The Economist

"É provável que mesmo o especialista de longa data aprenda muitas coisas por conta da quantidade extraordinária de terreno que o autor abrange.” The Wall Street Journal

"Este é o novo padrão de referência pelo qual as histórias futuras serão analisadas.” Publishers Weekly Compre agora e leia

Razões da crítica

Osorio, Luiz Camillo 9788537807750 70 páginas

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Entre tudo poder ser arte e qualquer coisa de fato ser arte reside uma diferença fundamental. Esse livro discute o papel e os lugares da crítica na atualidade, bem como sua participação no processo de criação e disseminação de sentido, deslocando-a da posição de juiz para a de testemunha.

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