Urdimento, Florianópolis, V

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Urdimento, Florianópolis, V U rdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas E-ISSN: 2358.6958 Teatro em silencio: onde foi parar o Jubileu de Amores, de Gil Vicente (c.1465 - c.1536)? Denise Rocha Para citar este artigo: ROCHA, Denise. Teatro em silencio: onde foi parar o Jubileu de Amores , de Gil Vicente (c.1465 - c.1536)?. Urdimento, Florianópolis, v. 2, n. 38, ago./set. 2020. DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/14145731023820200030 Este artigo passou peloPlagiaris m Detection Software | iThenticate 1 Urdimento Teatro em silencio: onde foi parar o Jubileu de Amores, de Gil Vicente (c.1465 - c.1536)? Teatro em silencio: onde foi parar o Jubileu de Amores, de Gil Vicente (c.1465 - c.1536)? Denise Rocha1 Resumo O texto propõe uma revisitação da inquisição literária e da censura teatral no século XVI em Portugal, em uma época de fausto e cultura, promovida pelos gigantescos lucros do colonialismo, que proporcionou à corte lisboeta a presença de Gil Vicente (c.1465- c.1536): Ourives, dramaturgo, encenador e artista, ele escreveu, desde o ano de 1502 até 1536, cerca de 45 peças teatrais, algumas das quais foram silenciadas pela máquina de censura do Tribunal do Santo Ofício, instalado em 1536. O objetivo do artigo é delinear, principalmente, um momento histórico que selou o destino de uma obra vicentina: Em Bruxelas (Flandres), no dia 21 de dezembro de 1531, foi apresentado um auto de Gil Vicente, Jubileu de Amores, por ocasião das comemorações do nascimento de D. Manuel, filho do rei D. João III. Presente estava o cardeal Girolano Aleandro, diplomata enviado pelo Papa para persuadir o imperador Carlos V a intervir contra a heresia alemã, desencadeada por Martim Luther. Em carta enviada para o secretário papal, Aleandro teceu severas críticas à comédia vicentina, a qual recriminava o sistema de indulgências de Roma. A peça foi encenada na corte lusa, mas não foi incluída na Copilaçam de Todalas obras de Gil Vicente de 1562 e desapareceu sem deixar vestígios. Palavras-chave: Teatro. Gil Vicente. Jubileu de Amores. Censura. Inquisição. Theater in silence: what happened to Jubileu de Amores by Gil Vicente (c.1465- c.1536)? Abstract The text proposes a new visit the literary inquisition and theatrical censorship in the 16th century in Portugal, a time when pomp and culture, provided by the huge profits of colonialism, which granted Lisbon court the presence of Gil Vicente (c.1465- c.1536): goldsmith, playwright, director and artist, he wrote, from 1502 to 1536, about 45 plays, some of them made silent by the machinery of the Holy Office Court, established in 1536. This paper was carried out to delineate, mainly, a historical moment which put an end to Gil Vicente’s work: In Brussels (Flandres), on December 21, 1531, a short play by Gil Vicente, Jubileu de Amores, to celebrate the birth of D. Manuel, son of the King D. João III. Among the people in the audience there was Girolano Aleandro, a diplomat sent by the Pope to persuade the Emperor Charles V to intervene against the German heresy, aroused by Martin Luther. In a letter sent to the Pope’s secretary, Aleandro wrote a severe criticism against Gil Vicente’s comedy, in which there was a recrimination of the system of indulgences granted by Rome. The play was staged in the Portuguese court nor was included into Copilaçam deTodalas obras de Gil Vicente of 1562 and disappeared without trace. Keywords: Theater. Gil Vicente. Jubileu de Amores. Censorship. Inquisition. 1 Doutorado em Literatura e Vida social, UNESP. Magister Artium na Ruprecht-Karls- Universität, em Heidelberg, Alemanha. [email protected] Denise Rocha Urdimento, Florianópolis, v.2, n.38, p.1-28, ago./set. 2020 2 Urdimento Teatro em silencio: onde foi parar o Jubileu de Amores, de Gil Vicente (c.1465 - c.1536)? Teatro en silencio: a donde fue el Jubileo de los Amores, de Gil Vicente (c. 1465- c. 1536)? Resumen El texto propone una revisión de la inquisición literaria y la censura teatral en el siglo XVI en Portugal, en una época de riqueza y cultura, impulsada por los gigantescos logros del colonialismo, que dotó a la corte de Lisboa de la presencia de Gil Vicente (c.1465-c. 1536): Orfebre, dramaturgo, director y artista, escribió, de 1502 a 1536, unas 45 obras, algunas de las cuales fueron silenciadas por la máquina de censura del Tribunal do Santo Oficio, instalado en 1536. El objetivo de la El artículo es esbozar, principalmente, un momento histórico que selló el destino de una obra vicenciana: en Bruselas (Flandes), en el 21 de diciembre de 1531 se presentó un carro Jubileo de Amores de Gil Vicente con motivo de las celebraciones del nacimiento de D. Manuel, hijo del rey D. João III. Estuvo presente el cardenal Girolano Aleandro, un diplomático enviado por el Papa para persuadir al emperador Carlos V de intervenir contra la herejía alemana, desencadenada por Martín Lutero. En una carta enviada al secretario papal, Aleander criticó severamente la comedia vicenciana, que reprochaba el sistema de indulgencias de Roma. La obra se representó en la corte portuguesa, pero no se incluyó en las obras Copilaçam de Todalas de Gil Vicente de 1562 y desapareció sin dejar rastro. Palabras clave: Teatro. Gil Vicente. Jubileo de los Amores. Censura. Inquisición. Denise Rocha Urdimento, Florianópolis, v.2, n.38, p.1-28, ago./set. 2020 3 Urdimento Teatro em silencio: onde foi parar o Jubileu de Amores, de Gil Vicente (c.1465 - c.1536)? Figura 1- Estátua de Gil Vicente, de Francisco de Assis Rodrigues (1842). Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa Fonte: http://www.teiaportuguesa.com/imagens/gilvicente.jpg Acesso em: 7 nov. 2019. Em 1562, com o apoio de D. Catarina, a rainha regente, Paula e Luís Vicente, filhos do consagrado dramaturgo e poeta português Gil, conseguiram a publicação da Copilaçam de toda las obras de Gil Vicente. Por causa da intervenção da censura inquisitorial e das consequentes publicações de listas de livros proibidos - os Indexe de 1551 e 1561- três peças teatrais do autor não foram mencionadas na antologia: o Auto da Aderência do Paço e o Auto da Vida do Paço, que continham ácidas críticas à vida na corte, e Jubileu de Amores, o qual expressava severas diatribes contra o papado. Jubileu de Amores foi apresentado primeiro em Lisboa e, posteriormente, no dia 21 de dezembro de 1531, no palácio da embaixada portuguesa, em Bruxelas (Flandres), em homenagem ao nascimento de D. Manuel, filho do rei luso, D. João III, e sua consorte D. Catarina. O menino era sobrinho e afilhado do Imperador Carlos V que vivia em Bruxelas. Na obra Jubileu, a autora Esperança Cardeira (1993) comenta que tal encenação: “Pode ter sido a primeira representação do teatro português fora de Portugal”. (Cardeira, 1993, p. 3). Denise Rocha Urdimento, Florianópolis, v.2, n.38, p.1-28, ago./set. 2020 4 Urdimento Teatro em silencio: onde foi parar o Jubileu de Amores, de Gil Vicente (c.1465 - c.1536)? Testemunhas da encenação, que suscitou na plateia uma entusiasmada aprovação à temática apresentada e gargalhadas contínuas, deixaram para a posteridade registros sobre o impactante evento cênico: as cartas do núncio papal Girolamo Aleandro (1531) e do embaixador Pedro Mascarenhas (1532) e um poema de André de Resende (1531?). Depois da excelente recepção da peça Jubileu de Amores no exterior, em 1531, um silêncio inquietante envolveu essa obra vicentina, que paira, desde então, como uma espécie de mordaça invisível na fala escrita de Gil Vicente que já dura mais de quatro séculos, sem que haja uma explicação incontestável para o sumiço sem rastros da sátira. As questões sobre a abrangência da censura literária, em Portugal, durante o século XVI, que se colocam no ano de 2020 são as seguintes: Qual teria sido o motivo de Jubileu dos Amores ter sido encenada na corte portuguesa e na flamenga, mas de não ter figurado na Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente (1562), tampouco ter sido encontrado nenhum manuscrito da peça ou exemplar impresso de folha volante em nenhum local até o presente momento? Inquisição literária em Portugal O estudo da história da literatura portuguesa no século XVI, durante os reinados de D. Manuel, D. João III e D. Sebastião, época de eclosão e de desenvolvimento do protestantismo alemão, envolve, principalmente, o conhecimento do papel da censura2 no controle de ideias e opiniões de docentes e escritores, bem como a escrita, a impressão e a circulação de obras consideradas perigosas e blasfemas. Os autores contemporâneos Gil Vicente, António Ferreira e Bernardim Ribeiro tiveram obras interditadas e mutiladas pela Inquisição: Uma instituição de controle 2 O poder régio português exerceu inicialmente a censura, durante o governo de Afonso V, que emitiu, no dia 18 de agosto de 1451, um alvará de proibição das obras de John Wycliffe e de Jan Hus que foram queimadas. D. Manuel autorizou a repressão contra a divulgação de textos luteranos, ação pela qual recebeu em 18 de agosto de 1451, um agradecimento oficial, enviado pelo Papa Leão X. (Censura, s.d., p. 1). Denise Rocha Urdimento, Florianópolis, v.2, n.38, p.1-28, ago./set. 2020 5 Urdimento Teatro em silencio: onde foi parar o Jubileu de Amores, de Gil Vicente (c.1465 - c.1536)? da religião cristã que disseminou terror na vida social e cultural da Península Ibérica nos séculos XVI a XVIII. Na obra Os índices expurgatórios e a cultura portuguesa, Raul Rego menciona que até mesmo no Colégio de Artes de Coimbra, fundado em 1546, a cargo da Companhia de Jesus, a força destruidora da censura interviu, como no caso dos mestres humanistas Jorge Buchanam, Diogo de Teive e João da Costa, que foram presos e tiveram seus livros confiscados.
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