Os institutos liberais e a consolidação da hegemonia neoliberal na América Latina e no Brasil

Liberal institutes and the consolidation of neoliberal hegemony in Latin America and

Ana Lúcia B. Faria [I] Vera Chaia [II]

Resumo Abstract Este artigo analisa as conexões entre o avanço da This article aims to analyze the connections direita neoliberal nos países latino-americanos, between the advance of the right-wing notadamente no Brasil, e as redes de institu- neoliberalism in Latin American countries, notably tos liberais. Examina-se especificamente o think in Brazil, and the networks of liberal institutes. tanks estadunidense, Atlas Network, e as redes We specifically examine the North American think parceiras dessa organização que atuam na Amé- tank Atlas Network and the partner networks of rica Latina e no Brasil. Trata-se de um movimen- this organization operating in Latin America and to profundamente articulado por essas redes em in Brazil. It is a movement deeply articulated by âmbito global, da batalha ideológica hayekiana these networks at a global level, grounded on de difusão da racionalidade neoliberal para legi- the Hayekian ideological battle of diffusion of timar e pavimentar o caminho da escalada des- the neoliberal rationality in order to legitimize mensurada do capital que mercantiliza a socie- and pave the way for the unbridled escalation of dade e expropria brutalmente direitos e políticas capital, which commodifies society and brutally sociais dos trabalhadores, mediante mudanças expropriates workers from rights and social policies, ortodoxas nos campos político, jurídico, ideológi- by means of orthodox changes in the political, legal, co e social. ideological and social fields. Palavras-chave: rede de think tanks; institutos libe- Keywords: think tanks network; liberal institutes; rais; batalha ideológica; neoliberalismo. ideological battle; neoliberalism.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 22, n. 49, pp. 1059-1080, set/dez 2020 Artigo publicado em Open Acess http://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2020-4917 Creative Commons Atribution Ana Lúcia B. Faria, Vera Chaia

Os institutos liberais formador­ de opinião pública. Requereria, ain- da, um movimento, uma cruzada que envol- e a batalha de ideias vesse o engajamento de acadêmicos, da inte- lectualidade e daqueles que ele denominava O presente artigo tem como objetivo analisar “vendedores de ideias de segunda mão”, quais os institutos liberais surgidos no Brasil e na sejam: professores, jornalistas e representan- América Latina com o objetivo de defender tes da mídia (Hayek, 1985, p. 82). uma nova ordem na configuração da políti- Hayek julgava que a intelectualidade dis- ca econômica e política dos governos latino- punha de capacidade ímpar para persuadir a -americanos: o neoliberalismo. Para tanto, opinião pública por meio de condicionamentos recorremos­ à origem dessas propostas, descre- cognitivos e políticos. Em razão dessa conside- vendo o surgimento desses institutos e consi- ração, argumentou: derando o poderoso papel desempenhado por essas organizações.­ Necessitamos de líderes intelectuais que estejam dispostos a trabalhar por um O neoliberalismo, cujo propósito é legi- ideal, por menor que sejam as perspec- timar ideologicamente o mercado, pode ser tivas de sua realização em curto prazo. compreendido como um projeto econômico- Eles devem ser homens que estejam dis- -político das elites capitalistas que envolve, na postos a aderir aos princípios e lutar por realidade econômica periférica da região lati- sua plena realização, todavia, ainda em no-americana, as seguintes diretrizes: descons- condições remotas [...] A principal lição truir completamente todos os vestígios das que o verdadeiro liberal deve aprender políticas desenvolvimentistas e da soberania com o sucesso dos socialistas é que foi a nacional; mercantilizar todas as áreas da vida sua coragem de ser utópico que lhes va- leu o apoio de intelectuais e, consequen- social; redefinir o papel do Estado concebido temente, uma influência sobre a opinião como mero agente dos interesses do grande pública que a cada dia torna possível o capital; privatizar, globalizar e desregulamentar que parecia recentemente totalmente a economia; reduzir o custo da força de traba- improvável. (Hayek, 2012, p. 15) lho; expropriar a classe trabalhadora de direi- tos e políticas sociais; transformar o emprego A iniciativa e a militância de Hayek para em trabalho e a sociedade em negócio. estabelecer uma rede internacional de funda- O neoliberalismo só se afirmou gradati- ções, institutos, centros de pesquisa, jornais e vamente como projeto hegemônico na década agências de relações públicas – para apoiar e de 1980, a partir da crise do Keynesianismo,1 difundir o pensamento neoliberal – revelaram- mas, para essa ascensão, foi fundamental a -se fecundas. A sociedade Mont Pélerin tor- longa batalha de ideias iniciada por Hayek.2 Ele nou-se uma das mais importantes redes neo- tinha clareza de que um projeto de tamanha liberais e trabalha, atualmente, com uma rede dimensão requereria planejamento: a cria- de 1000 membros e 100 think tanks.4 Os apli- ção de várias associações da Sociedade Mont cados discípulos de Hayek seguiram rigorosa- Pélerin­3 em escala mundial como aparato­ mente as orientações do mestre e permearam­

1060 Cad. Metrop., São Paulo, v. 22, n. 49, pp. 1059-1080, set/dez 2020 Os institutos liberais e a consolidação da hegemonia neoliberal... o terreno para o florescimento neo­liberal, se- de forma integrada a extensas redes em escala ja como visão de mundo, seja como projeto global, que atuam apoiando política, financeira econômico. Seguramente o triunfo da batalha e intelectualmente diversas organizações. de ideias se deveu, em larga medida, à atua- A Fundação de Pesquisa Econômica Atlas ção dos think tanks liberais — entidades ou (Atlas Economic Research Foundation), a tí- organizações liberais. Eles deram sequência tulo de exemplo, é uma rede de institutos de ao movimento estratégico de luta de ideias ideias liberais de conexão transnacional, com iniciado pela Associação Mont Pélerin, cons- sede em Washington, EUA, de grande inserção truindo redes de entidades fomentadoras de na América Latina. Essa organização foi cria- ideias liberais­ destinadas à obra de construção da com o propósito de “promover em âmbito e perpetuação­ da hegemonia neoliberal, em mundial a disseminação das ideias liberais, co- âmbito transnacional. mo as ideias de liberdade”.5 A Atlas foi funda- Segundo a organização TheBestSchools.org,­ ­ da pelo empresário Anthony Fisher, em 1981, o último levantamento realizado nos Estados­ e incorporada ao think tank British Institute Unidos revelou que existem, naquele país, of Economic Affairs, também fundado por ele, 1.984 think tanks, quase um terço do total em 1955. A partir de então “realmente come- de entidades de ideias políticas do mundo. A çou a ser construída a rede da Europa para a TheBestSchools.org­­ sustenta que essas enti- América do Norte, da América do Norte para dades se dedicam permanentemente à pes- a América do Sul e, até mesmo, para a Ásia e a quisa de soluções para uma multiplicidade de África” (Blundel, 2013). “problemas ­do mundo” dentro dos princípios A Atlas atuou, durante um longo perío­ básicos do sistema capitalista. Para tanto, do, como a principal rede de transferência constroem arcabouços argumentativos que de fundos e de diversos recursos no âmbito defendem e pressionam para que haja mudan- transnacional para fomentar a disseminação ças de políticas nos âmbitos local, estadual, fe- das ideias e das políticas neoliberais. Como o deral e mundial. seu principal objetivo é promover, por meio de Algumas entidades liberais, como o subsídio, o processo de criação de novos insti- Brookings Institution ou a Heritage Foundation,­ tutos liberais, a Atlas presta apoio financeiro; tornaram-se reconhecidas por sua atuação e dá suporte de infraestrutura; fornece treina- forte inserção na grande imprensa. Outras or- mento de líderes; patrocina e distribui prêmios ganizações têm uma inserção midiática mais e auxílios.6 tímida, algumas delas publicam seus próprios No momento inicial do processo de artigos e livros para um público específico, constituição de sua rede, a Atlas desempe- mas em proporção considerável. Esses institu- nhou atividades sistemáticas de consultoria tos são patrocinados por grandes corporações e treinamento das novas organizações. Esse econômicas para formular teorias, investigar, instituto forneceu um corpo de profissionais ficcionar e distorcer a realidade e, assim, as- aptos para orientar as tarefas de elaboração segurar os interesses de seus financiadores ao de estatutos dos novos institutos; assim co- transmitir e propagar essas formulações. Esses mo para instruir sobre a formação de conse- numerosos institutos de ideias liberais operam lhos de diretores, de conselhos de curadores,­

Cad. Metrop., São Paulo, v. 22, n. 49, pp. 1059-1080, set/dez 2020 1061 Ana Lúcia B. Faria, Vera Chaia instâncias,­ muitas­ vezes, integradas por mem- A formação de uma rede global compos- bros da própria Atlas. Os profissionais da ta por inúmeros institutos liberais destinados à fundação também atuaram preparando as fabricação de ardis discursivos e de estratégias novas organizações para a elaboração do pla- cada vez mais sofisticadas de persuasão do no de ação e do plano de orçamento e para pensamento e do programa neoliberal foi o re- iniciar projetos de pesquisa e publicação. A sultado da trajetória de ativismo político obsti- Atlas fomentou, ainda, a realização de con- nado e sistemático da Atlas. O diretório global ferências, palestras, seminários, colóquios e da fundação atualmente é composto por 481 cursos, sobretudo em âmbito regional, com parceiros em 95 países ao redor do mundo, vistas à disseminação do pensamento liberal sendo 82 instituições na América Latina e no e à expansão da Rede. ­Essas iniciativas foram Caribe, como mostra a Figura 1. fundamentais para a constituição e consoli- Os Institutos liberais ligados à Rede dação de sua órbita global da Atlas. Devido Atlas não são organizações associadas da fun- à sua bem-sucedida­ expansão, desde 2008, o dação, mas, sim, organizações parceiras inse- nome do site foi alterado – de AtlasUSA.org ridas em uma vasta rede transfronteiriça, da para AtlasNetwork.org­­ –, embora mantenha qual a Atlas é o núcleo. No Brasil, os Institutos o nome Atlas Economic­ Research Foundation liberais parceiros da Rede Atlas estão apresen- como registro legal da entidade. tados na Figura 2.

Figura 1 – Diretório Global da Atlas – 2018

Fonte: Atlas (2018a).

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Figura 2 – Parceiros da Rede Atlas no Brasil – 2018

Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista Instituto de Estudos Empresariais Porto Alegre do Instituto Liberdade de Porto Alegre Instituto Liberal do Rio de Janeiro Estudantes pela Liberdade de Belo Horizonte Instituto de Formação de Líderes de São Paulo Instituto de Formação de Líderes de Belo Horizonte Instituto Liberal de São Paulo Instituto de Líderes do Amanhã em Vitória Instituto Millenium Instituto Ludwig Von Mises Brasil

Fonte: Atlas (2018a).

A Rede Atlas é conectada a diversas re- entre os quais vários estão associados tam- des latino-americanas de Institutos Liberais, bém à Rede Atlas (Figura 3). O presidente da dentre as quais se destacam, pelo seu prota- Atlas, Alejandro Chafuen,7 integra o Conselho gonismo político, as Redes Centro Hispano- Curador do Hacer, o que evidencia a estreita -Americano de Pesquisa Econômica (Hacer), a aproximação entre as duas entidades. Os rela- Rede Liberal para a América Latina (Relial) e a tórios de notícias do Hacer fornecem, em fluxo Fundação Internacional pela Liberdade (FIL). contínuo, matérias atualizadas/recentes sobre Importa fazer uma breve sinopse des- as políticas governamentais dos países latino- sas redes para elucidar os níveis de entrela- -americanos. Essas informações chegam de çamento e articulação existentes entre elas Institutos liberais parceiros da América Latina e a Atlas, na definição e difusão de táticas e e são veiculadas em inglês e espanhol. estratégias econômicas e sociais, notadamen- O Hacer criou um blog de notícias cujo te para a América Latina. O Centro Hispano- foco são as reformas econômicas na América -Americano de Pesquisa Econômica (Hacer), Latina que têm como paradigma o Chile do go- fundado em 1996, com sede em Washington verno Pinochet, como revelam as informações DC, é uma organização sem fins lucrativos do próprio site do Hacer, com o seguinte teor: dedicada a promover o estudo de questões pertinentes aos países da América hispânica, A Transformação Econômica do Chile: bem como de hispano-americanos que vivem Neste projeto, desenvolvido pela Hacer­ nos Estados Unidos, especialmente em rela- a pedido da Fundação de Pesquisa Eco- ção a como eles se relacionam com os valores nômica da Atlas e Libertad y Desarrollo de liberdade­ pessoal e econômica, governo do Chile, criamos um blog repleto de notícias com uma grande seleção de ar- limitado­ sob o Estado de Direito e responsabi- tigos em inglês sobre a transformação lidade individual.­ econômica do Chile, uma referência de A Rede Hacer opera predominantemen- sucesso para o resto do mundo em de- te nos países da América do Norte e do Sul e é senvolvimento para aspirar, estudar e, composta por 108 institutos de ideias liberais, esperamos, imitar. (Hacer, 2018a)

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Figura 3 – Lista completa dos thinks tanks associados à Rede Hacer – 2018

Alca Área de Livre Comércio das Américas Centro de Estudos Legais contra o Terrorismo e suas Vítimas Centro de Estudos Liberdade e Responsabilidade Centro de Estudos Públicos Centro de Implementação de Políticas Públicas Centro para a Abertura e Desenvolvimento da América Latina Comisión Argentina Pro Derechos Humanos en Cuba Eseade Fiel Fores Fundação Atlas 1853 Fundación Bases Argentina Fundación Federalismo y Libertad Fundação Friedrich Von Hayek Fundação Global Fundación Jovenes Líderes Fundación Libertad Fundação Pensar Grupo Refundar Instituto Acton Libremente.net Liceo.org Res publica Fundação Civitas Bolívia Fundación Libertad Democracia e Desarrollo Notoria Sociedad Libre Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista Instituto de Estudos Empresariais Instituto Liberal Rio de Janeiro Brasil Instituto Liberdade Rio de Janeiro Instituto Ludwig Von Mises Brasil Instituto Millenium Centro de Estudios Públicos Centro de Investigação de Medios e Sociedad Andes Centro Internacional de Reforma da Previdência Chile Instituto Democracia e Mercado Instituto Libertad y Desarrollo Site do CEP em inglês Site Lyd English Centro de Pensamiento Primero Colombia Fundação Internacionalismo Democrático Colômbia Instituto de Ciência Política Instituto Libertad y Progreso Associação Nacional de Fomento Econômico Instituto Libertad Costa Rica Instituto para a Liberdade e Análise de Políticas Libro Libre Coordenadora da Inversão e do Trabalho do Equador Equador Fundación Ecuador Libre IEEP

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Circulo de Empresarios Fundação Burke Fundação Iberoamérica Europa Espanha Fundación Internacional para la Liberdad Fundação para a Análise e os Estudos Sociais - Faes Fundação Rafael Del Pino Instituto Juan de Mariana Cipe Fundação de Pesquisa econômica do Atlas Fundação Friedman para Escolha Educacional Fundo para Estudos Americanos Future of Freedom Foundation Instituto Acton EUA Instituto de Estudos Humanitários Instituto de Liderança Instituto de Pesquisa do Pacífico Instituto Independente Razão Instituto de Políticas Públicas Sociedade Internacional para a Liberdade Individual Centro de Estudos Econômicos e Sociais Guatemala Centro de Investigaciones Económicos Nacionales Inglês/Português Instituto Liberdade Latinoamerica Relial Centro de Investigação para o Desenvolvimento Centro de Investigações sobre a Libre Empresa Foro Libre México Fundación Friedrich Naumann Fundação Rafael Preciado Hernandez Instituto Cultural Ludwig Von Mises Instituto de Pensamento Estratégico Agora Instituto de Estudos Estratégicos e Políticas Públicas Nicarágua Poesía y Política Fundación Libertad Panamá ISA Centro Paraguaio para a Promoção da Liberdade Econômica e a Justiça Social Paraguai Fundación Libertad Andes Libres Centro de Estudios Públicos Centro de Investigaciones y Estudios Legales Coordenadora para a Inversão e o Trabalho Democracia e Desarollo Internacional Fundação Pensar Instituto Acción Peru Instituto de Estudos da Ação Humana Instituto de Libre Empresa Instituto Peruano de Economia Instituto Libertad y Democracia Instituto Político para la Libertad Peru Liberal Peru Ventures República Dominicana Fundação para o Desenvolvimento Integral da sociedade Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social Uruguai Centro de Estudos Jean François Revel AIPE Carlos Ball Venezuela Cedice Organização pela Democracia Liberal na Venezuela

Fonte: Hacer (2018a).

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Por intermédio da Rede Hacer, a Rede Li- A partir de outubro de 2009, a Relial pas- beral para a América Latina (Relial) está ligada sou a veicular informações e índices sobre a à Rede Atlas. Essa organização, com sede na economia de mercado e sobre o livre comércio Cidade do México, é presidida atualmente pe- na América Latina. Conforme discorre o Rela- lo brasileiro Ricardo Santos Gomes,8 membro­ tório de 2018 dessa rede, “todos os especialis- do Conselho Deliberativo do Instituto de Es- tas de todas as nossas organizações debatem tudos Empresariais. A entidade tem, como a situa­ção política, econômica e social da re- conselheiro­ honorífico, Mario Vargas Llosa. gião”. Eles “trocam boas práticas e experiên- A Relial foi criada em 2004 com o apoio da cias” as quais são sistematizadas e “replicadas Fundação­ ­­Friedrich­ Naumann para a Liberdade na região”­ (ibid.). da Alemanha.­ Segundo Alejandro Chafuen, presidente Essa rede é composta por 40 entidades da Atlas: liberais de 18 países da América Central e do A Rede Liberal para a América Latina Sul (Quadro 1). Sua estrutura organizacional (Relial),­ com aproximadamente 40 mem- é formada por uma junta diretiva composta bros e mais de 12 organizações asso- pela presidência, pela vice-presidência e por ciadas, é uma das redes mais fortes da cinco diretores. Todos os integrantes da junta América Latina. Sua missão é tornar-se diretiva ocupam cargos de direção em entida- uma rede liberal beligerante e eficiente des associadas à Relial. A entidade concebe-se que ajude a converter a América Latina numa região caracterizada por demo- como promotora do elo “mais representativo cracias liberais e sociedades prósperas, das organizações liberais na região” latino- comprometidas com os princípios da li- -americana. berdade, da responsabilidade individual, Na visão de seus integrantes, a ela: do respeito à propriedade privada, à eco- nomia de mercado e do primado do Esta- [...] é a união de organizações e de par- do de direito e da paz, a fim de elevar o tidos liberais mais representativa da re- nível de vida na região. (Chafuen, 2014; gião. Através da Relial, estimulamos um grifo nosso) diálogo entre nossos parceiros para coo- perar frente aos desafios que se impõem Nesse sentido, a Relial assume a postu- na região latino-americana. A Relial tem ra de guardiã por excelência da economia de como objetivo principal consolidar o li- mercado na América Latina. A sua pretensão, beralismo como um eixo sobre o qual se conforme seu site, é “consolidar o liberalismo tomam as decisões e as ações políticas como o eixo sobre o qual são tomadas deci- na América Latina. A atuação da Relial sões e ações políticas na América Latina”. Ela segue os seguintes princípios: defesa da se incumbe de operar como a organização democracia liberal; liberdade e respon- sabilidade individual; respeito pela pro- baluarte da batalha ideológica neoliberal. priedade privada; promoção do governo Para tanto, dedica-se a converter a América limitado, impulsionando a economia de Latina em uma região plenamente integra- mercado; primazia do Estado de Direito; da aos ditames­ da propriedade privada e da defesa da paz. (Relial, 2018) economia­ de mercado.

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Quadro 1 – Lista completa dos thinks tanks associados à Rede Relial – 2018

Argentina Honduras Fundación Libertad y Progreso Partido Liberal de Honduras Fundación Atlas 1853 Fundación Eleutera Fundación Cívico Republicana Honduras Investiga Fundación Libertad México Fundación Federalismo y Libertad Fundación Caminos de la Libertad Fundación Bases Se Busca Gente Libre Brasil Nicarágua Instituto de Estudos Empresariais Fundación Libertad Instituto Liberdade Panamá Bolívia Fundación Libertad Panamá Fundación Nueva Democracia Paraguai Chile Fundación Libertad Fundación Libertad y Desarrollo Partido Liberal Radical Auténtico Fundación para el Progreso Fundación Ciudadano Austral Peru Instituto Político para la Libertad Colômbia Instituto Invertir Instituto de Ciencia Política Hernán Echavarría Instituto de Estudios de la Acción Humana Costa Rica República Dominicana Asociación de Consumidores Libres Centro de Análisis de Política Pública Asociación Nacional de Fomento Económico Centro Regional de Estrategias Económicas Instituto de Desarrollo Empresarial y Acción Social Sostenibles Instituto Desarrollo Ambiente y Libertad Uruguai Cuba Instituto Manuel Oribe Unión Liberal Cubana Venezuela Equador Cedice Instituto Ecuatoriano de Economía Política Vente Libre Razón Fundación Ecuador Libre Fundación Ciudadanía y Desarrollo

Fonte: Relial (2018b).

A Rede Fundação Internacional pela Li- emerge na América do Sul, nos anos 2000, de berdade (FIL) foi fundada em um seminário sucessivos governantes de trajetória de es- realizado em 2003, quando líderes de labo- querda, “quebrando” o dogmatismo neoliberal ratórios de ideias liberais da América Latina e da década anterior. Portanto, a FIL origina-se dos EUA se reuniram na Espanha por iniciativa da ação ofensiva dos institutos de ideias li- da Fundação Ibero-americana e Europa (FIE). A berais transnacionais, destinada a bloquear a sua criação foi uma reação ao fenômeno deno- ascensão de governos oriundos de partidos de minado Maré Rosa – termo cunhado por Fran- tradição de esquerda na América do Sul. O es- cisco Panizza, acadêmico uruguaio da London­ critório da Rede FIL está localizado na cidade School of , para nominar o ciclo que de Rosário, município da província de Santa­ Fé,

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Figura 4 – Lista completa dos thinks tanks associados à Rede FIL – 2018

AIL – Asociación de Iberoamericanos por la Libertad – Espanha – www.asociacionail.com ANFE – Asociación Nacional de Fomento Económico – Costa Rica – www.anfe.cr ATLAS NETWORK – Estados Unidos – www.atlasnetwork.com CAMINOS DE LIBERTAD – México – www.caminosdelibertad.com CAPP – Centro de Análisis para Políticas Públicas – república Dominicana – www.capp.org.do CATO INSTITUTE – Estados Unidos – www.cato.org CEDICE – Centro de Divulgación del Conocimiento Económico – Venezuela – www.cedice.org.ve CEP – Centro de Estudios Públicos – Chile – www.cepchile.cl CIEN – Guatemala – www.cien.org.gt CITEL – Centro de Investigación y Estudios Legales – Peru – www.citel.org CREES –Centro Regional de Estrategias Económicas Sostenibles – República Dominicana – www.crees.org.do ESEADE – Argentina – www.eseade.edu.ar FAES – Fundación para el Análisis y los Estudios Sociales – Espanha – www.fundacionfaes.org FRASER INSTITUTE – Canadá – www.fraserinstitute.org FREEMARKET INTERNACIONAL – Espanha FRIEDRICH NAUMANN FOUNDATION FOR FREEDOM – Alemanha – www.fnst.org FRONTEIRAS DO PENSAMENTO – Brasil – www.fronteiras.com FUNDACIÓN PARA EL PROGRESO – Chile – www.fpp.org FUNDACIÓN GLOBAL – Argentina – www.fglobal.org FUNDACIÓN IBEROAMÉRICA EUROPA – Espanha – www.fundacionfie.org FUNDACIÓN LIBERTAD – Argentina – www.libertad.org.ar FUNDACIÓN LIBERTAD – Panamá – www.fundacionlibertad.org.pa FUNDACIÓN NUEVA DEMOCRACIA – Bolívia – www.nuevademocracia.org.bo ICP – INSTITUTO DE CIENCIA POLÍTICA – Colômbia – www.icpcolombia.org IEE – INSTITUTO DE ESTUDIOS ECONÓMICOS – Espanha – www.ieemadrid.es IEEP – INSTITUTO ECUATORIANO DE ECONOMÍA POLÍTICA – Equador – www.iepp.org.ec INSTITUTO DE ESTUDOS EMPRESARIAIS – Brasil – www.iee.com.br INSTITUTO JUAN DE MARIANA – Espanha – www.juandemariana.org INSTITUTO LIBERTAD Y DESARROLLO – Chile – www.lyd.org INTERAMERICAN INSTITUTO FOR DEMOCRACY – Estados Unidos – www.intdemocratic.org IPEA – INSTITUTO DE PENSAMIENTO ESTRATÉGICO ÁGORA – México – www.ipea.institute MANHATTAN INSTITUTE – Estados Unidos – www.manhattan-institute.org MÉXICO BUSINESS FORUM – México – www.mexicobusinesssevents.com RED LIBERAL DE AMÉRICA LATINA (RELIAL) – www.relial.org UNIVERSIDAD FRANCISCO MARROQUIN – Guatemala – www.ufm.edu

Fonte: FIL (2018a).

na Argentina. O seu presidente é Mario Vargas sua opinião em grandes debates de âmbito Llosa, e o presidente da Rede Atlas, Alejandro internacional. Essa é a caracterização da FIL, Chafuen, integra o Conselho de Administração organização­ que “adota uma estratégia de da fundação. Essa rede tem por finalidade “in- combate no campo das ideias aos valores que fluenciar a agenda internacional para apoiar ameaçam a liberdade, a democracia e a tole- os seus institutos e fundações na difusão das rância” (FIL, 2018a). ideias e fornecer informações sobre a realida- A FIL possui uma estrutura político- de latino-americana e suas relações com os -administrativa complexa que compreende Estados Unidos, com a Espanha e com a Eu- uma junta diretiva composta por 19 direto- ropa”. Para tanto, atua ativamente divulgando res, um conselho acadêmico constituído por

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34 conselheiros,­ um diretório associado in- frações­ da burguesia, com o objetivo­ de tegrado por 33 membros, um conselho em- idealizar,­ materializar­ e sustentar o triunfo presarial formado por 16 conselheiros e um neo­liberal no Brasil. comitê de comunicação constituído por três O Instituto Liberal foi criado em 1983, no componentes. Em todas essas instâncias, Rio de Janeiro, por um conjunto de empresá- atuam representantes de organizações latino- rios e intelectuais adeptos do ideário liberal, -americanas, europeias e estadunidenses. com a finalidade de propagar o pensamento Atualmente, existem 37 entidades associadas liberal no Brasil entre o empresariado e forma- em 18 países compondo a Rede FIL (Figura 4). dores de opinião. Tão logo o Instituto Liberal Os propósitos da FIL evidenciam, para além do Rio de Janeiro (IL-RL) iniciou suas ativida- da postura político-ideológica dessa organiza- des, verificou-se a necessidade de expansão ção, a sua veia hayekiana comprometida com para outros estados da federação, em razão de a batalha de ideias em âmbito transfronteiri- as especificidades regionais dificultarem a sua ço, articulan­do institutos de ideias liberais e inserção no País.11 fechando o cerco para o socialismo, o Estado Nessa perspectiva, buscou-se aumentar de Bem-Estar Social­ e, até mesmo, para os o número de mantenedores e ampliou-se a projetos neoliberais menos ortodoxos. A tí- entidade por meio de estrutura seccional de tulo de elucidação sobre a atua­ção articula­ institutos análogos no Distrito Federal e nos da da Rede FIL com as estratégias neoliberais seguintes estados: Rio Grande do Sul, São Pau- ardilosas nos países latino-americanos, o pró- lo, Paraná, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e ximo evento promovido por essa rede será o Ceará. Essa configuração possibilitou “a cons- Seminário Internacional: “Grandes desafios tituição de núcleos municipais no interior dos da Ibero-América”, que se realizou em 3 de diferentes estados, núcleos esses filiados aos dezembro de 2018 e que contou com as parti- respectivos institutos das capitais estaduais e cipações como expositores de Paulo Guedes,9 de acordo com o princípio federativo”.12 Sérgio Moro,10 além de outros mentores do A atuação dos Institutos liberais corres- neoliberalismo na região. pondeu, no Brasil, ao que foi o processo de reabilitação do liberalismo desencadeado pela Sociedade Mont Pélerin em 1947. A instituição dedicou-se inicialmente a tradução, edição, Os institutos de ideias publicação de livros e de panfletos, divulgando liberais que atuam no Brasil ideias, pressupostos teóricos e acepções alu- sivas ao liberalismo. Além da função de trans- O movimento político-ideológico liberal, es- missão do pensamento neoliberal, os ILs ope- tratégico e tático, articulado e planejado pe- raram como laboratório de ideias, pesquisas, dagogicamente em âmbito mundial para con- planejamento e consultoria das concepções da solidar e preservar a hegemonia do livre mer- Escola Austríaca, orientada à realidade política cado, teve início no Brasil com as organizações e sócio-histórica brasileira. Em consonância denominadas Institutos Liberais (ILs). Estes com esse ativismo político, os Institutos libe- atuaram como polo aglutinador de diferentes­ rais traduziram e publicaram obras da Escola

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Austríaca de Economia, literatura até então Liberdade.­ Também nesse mesmo período fo- pouco conhecida no Brasil, entre elas, O cami- ram constituídas várias entidades independen- nho da servidão e Direito, legislação e liberda- tes em defesa do neoliberalismo, como o Ins- de, de Friedrich Hayek. tituto Mises Brasil, os Institutos de Formação Os ILs congregaram inicialmente em- de Líderes, o Instituto Millenium, o Instituto presários de diversos estados que se identifi- Liberal do Nordeste, o Instituto Ordem Livre e caram com o liberalismo, figuras de projeção Estudantes pela Liberdade, todos atuantes em econômica e política, como: Jorge Gerdau­ parceria com IL-RJ (IL-RJ, 2018). Johannpeter­ (RS), Jorge Simeira Jacob (SP), Segundo dados divulgados pela 2017 Roberto Bornhausen (SP), João Pedro Gouvêa Global Go To Think Tank Index Report,14 o Bra- Vieira Filho (RJ) e Sérgio Andrade de Carvalho sil tem 93 think tanks, dentre os quais se des- e Winston Ling (RS). Todavia, a entidade esten- taca o Instituto Millenium (Imil), pela sua forte deu-se para além de um agrupamento empre- inserção política e midiática, característica que sarial, uma vez que arregimentou para seus confere a essa entidade posição de protagonis- quadros indivíduos de diversas ocupações, ta na batalha de ideias liberais no País, a partir abarcando advogados, economistas, estudan- de sua criação. O aporte financeiro assegurado tes, jornalistas, médicos, professores, etc. pelas mantenedoras/doadores, a estrutura po- As atividades dos ILs foram financiadas, lítica administrativa, o corpo de especialistas ao longo de sua trajetória, por vários mantene- e convidados aliado a um conjunto incessante dores, entre os quais se destacam: Aços Villa- de atividades desenvolvidas em âmbito nacio- res, Banco Itaú, Copersucar, Banco de Boston, nal conferem ao Imil a condição de polo de Dow Química, Gradiente, Nestlé, Philco, Sharp ideias liberais intelectualmente mais sofistica- e Votorantim (primeiros mantenedores), e do e mais bem instrumentalizado para realizar, posteriormente pelas empresas Amil Assistên- hoje no País, a sustentação política ideológica cia Médica Internacional, Arno, Banco Bame- liberal (McGann, 2018). rindus, Banco Bozano Simonsen, Banco Fení- O Imil foi criado formalmente em 2006, cia, Bombril, Bradesco, Companhia Brasileira durante o Fórum da Liberdade, em Porto Ale- de Petróleo Ipiranga, Companhia Antártica gre, pelo chicago-boy Armínio Fraga, para Paulista, Citibank, Companhia Nestlé Indústria ser um polo irradiador de ideias liberais no e Comércio, Construtora Norberto Odebrecht, Brasil. O instituto é uma organização político- Eucatex Indústria e Comércio, Indústrias Gra- -empresarial ­mantida por líderes de grandes diente, Rhodia, Indústrias Votorantim, White corporações – Gerdau; Globo; Pottencial Se- Martins, TV Globo, Unibanco Corretora de Se- guradora, uma das empresas de Salim Mattar, guros, Varig, Vasp e Xerox do Brasil. dono da locadora de veículos Localiza; Abril; De acordo com informações do IL-RJ, Banco Pactual;­ Bank of America Merrill Lynch; a partir de meados da década de 2000, em grupo Évora, dos irmãos Ling; grupo Ultra; e Hé- decorrência “de problemas administrativos, lio Beltrão. os ILs foram sendo reincorporados ao IL-RJ e De acordo com informações apresen- fechando ­suas filiais”.13 O Instituto Liberal do tadas no site da organização, o Imil é uma Rio Grande do Sul converteu-se em Instituto entidade ­sem fins lucrativos e sem vinculação

1070 Cad. Metrop., São Paulo, v. 22, n. 49, pp. 1059-1080, set/dez 2020 Os institutos liberais e a consolidação da hegemonia neoliberal... político-partidária, com sede no Rio de Janei- por notórios defensores­ do ideário­ liberal de ro. Formado por intelectuais e empresários, inserção na grande mídia, dentre os quais: “o instituto promove valores e princípios que acadêmicos, advogados, juristas, economistas,­ garantem uma sociedade livre, como liberda- cineastas, empresários, âncora de telejornal,­ de individual, direito de propriedade, econo- jornalistas e analistas políticos (Figura 5). mia de mercado, democracia representativa, O papel estratégico de relevo do Estado­ de Direito e limites institucionais à Millenium­ no fomento e na difusão do ideário ação do governo”. neoliberal, mais especificamente da economia­ A estrutura político-administrativa do de mercado no Brasil, deve-se, em larga Imil é formada pelas seguintes instâncias: Câ- medida,­ à atuação de intelectuais orgânicos­ mara de Mantenedores, Câmara de Fundado- da economia­ de mercado (os chicago-boys res, Conselho de Governança, Conselho Fiscal brasileiros),­ notadamente Armínio Fraga, e Comitê Gestor. O Millenium realiza regular- Gustavo­ Franco, Pedro Malam, Paulo Guedes; mente atividades como seminários, palestras de empresários brasileiros ligados ao gran- e encontros por todo o País que são cobertas de capital; e de empresários ligados à grande pela imprensa e publicadas no portal. Os even- imprensa, como Ali Kamel, diretor-geral de tos promovidos pelo Imil contam com o apoio Jornalismo e Esportes da Rede Globo. O insti- de um corpo de 200 especialistas de diversas tuto contribui, assim, significativamente, para áreas ­do conhecimento. Ademais, a entidade a disseminação e institucionalização das pres- dispõe de uma equipe de convidados­ composta­ crições neoliberais no Brasil.

Figura 5 – Relação da equipe de convidados do Millenium

Adeodato Neto Eugenio Mussak José Marcio Mendonça Oscar Vilhena Ali Kamel Everardo Maciel José Padilha Paulo Areas Alvaro Vargas Llosa Fábio Ostermann Lilian Zieger Paulo Brossard (in memoriam) André Franco Montoro Filho Gaudencio Torquato Lucas Mendes Paulo Feldman Anselmo Heidrich Guilherme Fiuza Luis Gomez Paulo Kramer Carlos Alberto Di Franco Guilherme Malzoni Rabello Luiz Alberto Machado Pedro Malan Carlos Alberto Montaner Gustavo Guida Reis Luiz Eduardo Vasconcelos Percival Puggina Carlos Alberto Sardenberg Helio Gurovitz Luiz Leonardo Fração Renato Lima Carlos Magno Xavier Igor Barenboim Mailson Ferreira da Nóbrega Renato Skaf Christopher Sabatini Ilan Goldfajn Marcelo Côrtes Neri Ricardo Amorim Claudia Costin J. R. Guzzo Marcos Cintra Ricardo Galuppo Cora Ronai Joel Pinheiro da Fonseca Mario Cesar Flores Rodrigo Mezzomo Demétrio Magnoli Jorge Gerdau Mary Anastasia O’Grady Thor Halvorssen Denis Rosenfield José Andres Lopes da Costa Merval Pereira Tom Palmer Edson Ronaldo Nascimento José Eli da Veiga Mozart Neves Ramos Vicente de Paulo Barretto Eduardo Zimmer Sampaio José Piñera Nelson Motta Wagner Lenhar Eugenio Bucci

Fonte: Instituto Millenium (2018).

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O Millenium, assim como os demais ins- muito boa a ideia de discutir as questões titutos que compõem a imensa rede interna- trabalhistas.­ O Estadão, aliás, publicou cional difusora do ideário liberal, rejeita e des- uma fantástica matéria sobre isso. (Insti- qualifica o arcabouço acadêmico da esquerda tuto Millenium, 2018) e contrapõe-se a ele fabricando e legitimando A matéria a que Armínio Fraga se refere­ produções de saberes, como se fossem a pró- trata do tema flexibilização da legislação pria racionalidade econômica. traba­lhista, veiculada também no Estado de Essa rede alinhada à agenda de S. Paulo:­ “Flexibilização da CLT pode ajudar a Washington­ veicula matérias, como do link impulsionar a economia, segundo especialis- conteúdo/artigo do site do Imil. Vale exami- tas”. Nesse texto jornalístico, tece-se crítica nar duas matérias disponíveis no referido link, mordaz ao que se nomeia “rigidez das leis cujos temas são obstinadamente defendidos trabalhistas brasileiras”. A estrutura do artigo pelos neoliberais: é intercalada com breves pareceres de vários 1) Governo Temer e as prescrições para su- “especialistas”, todos obviamente favoráveis à peração da crise econômica; flexibilização da legislação trabalhista. O em- 2) flexibilização da legislação trabalhista. presário David Neeleman, fundador da Azul, O tema do Governo Temer e das prescri- expressa as suas­ dificuldades com a legislação ções para superação da crise econômica é tra- trabalhista. Ele explica que pretendia criar um tado em entrevista concedida por Armínio Fra- call center remoto, no qual os trabalhadores ga ao jornal Estado de S.Paulo. A pergunta cen- atenderiam as ligações da clientela em suas tral da enquete era: “O País melhorou depois próprias casas. A proposta permitiria a mu- do impeachment?” e “O governo de Michel lheres com filhos pequenos, além de aposen- Temer segue na direção certa?”. Ele respon- tados e estudantes, organizar a jornada de de: “A mudança foi impressionante. O Brasil, trabalho de acordo com a sua disponibilidade. como estava, ia quebrar três vezes mais”. Na Essa proposta tão “avançada” não pôde ser sequência­ da entrevista, ele defende a agenda executada­ em razão do rigor da legislação tra- na linha do “consenso” de 1989: balhista brasileira (ibid.).

O ideal seria fazer o ajuste mais rápido, As matérias veiculadas nos sites dos ins- mas está atuando dentro do que é pos- titutos de ideias liberais apresentam os mes- sível no campo político a essa altura do mos conteúdos. Com grau maior ou menor de jogo. A agenda é boa. A PEC do teto do sofisticação argumentativa, essas entidades gasto (Proposta de Emenda Constitucio- se aglutinam em torno da agenda neoliberal. nal 241) é um avanço extraordinário. Ain- À proporção que essas organizações operam, da assim, exige a reforma da Previdência, vão inscrevendo ideologicamente pensamen- se não o teto não fica de pé. Mas eu acho tos, opções e convicções. Elas formam padrões que vai precisar de mais reformas. [...] se aprovar a reforma da Previdência no de comportamento, pontos de vista, enfoques, primeiro trimestre, vai ter tempo para fa- pareceres e concepções, reguladas em âm- zer mais e não vejo por que parar. Acho bito nacional e internacional. Essa formação

1072 Cad. Metrop., São Paulo, v. 22, n. 49, pp. 1059-1080, set/dez 2020 Os institutos liberais e a consolidação da hegemonia neoliberal... gradativa abarca um conjunto significativo de Estudantes pela Liberdade pessoas,­ conjunto este que se eleva rapida- mente em dimensão de massa. e o Movimento Brasil Livre (MBL) Com o propósito de aproximar ainda mais essa organização de importantes grupos A Atlas patrocina, no Brasil, com outras redes formadores de opinião, como os estudantes e laboratórios de ideias, estudantes, jovens la- universitários e os jornalistas, foram desenvol- tino-americanos para se engajarem na batalha vidos, pelo Instituto Millenium, desde 2012, os ideológica de desgastarem e de apertarem o seguintes projetos: cerco aos governos considerados de esquerda, 1) Imil na Sala de Aula – leva especialistas a empunhando os anacrônicos bordões liberais universidades de todo o País para debater com revestidos de uma nova retórica. Em 2016, o os alunos temas de relevância no cenário nacio- Estudantes pela Liberdade no Brasil – fundador nal, sempre atrelados aos valores do instituto. do Movimento Brasil Livre – recebeu da Atlas e 2) Millenium nas Redações – promove en- da Rede Students for Liberty, da qual é associa- contros com a imprensa. O objetivo é contri- da, aproximadamente, R$ 300 mil para investir buir para o fortalecimento da liberdade de ex- na batalha contra os governos populistas. pressão, por meio da promoção de uma visão Segundo informações contidas no site mais crítica e independente. desse laboratório de ideias, a sua criação teve Além disso, o Instituto Millenium dis- início em 2010, a partir do “blog no qual Juliano põe de um site bem constituído que divulga Torres e Anthony Ling escreviam conteúdos”. A as suas próprias produções e replica matérias entidade desenvolveu, como primeiro projeto, jornalísticas de diversos órgãos de imprensa, uma revista acadêmica, chamada Estudos pela sobretudo do jornal Estado de S.Paulo. Pos- Liberdade. A essa altura, “dois grupos faziam sivelmente, seja este, diferentemente das parte da organização: o Círculo de Estudos Ro- demais organizações, o papel por excelência berto Campos e Círculo Bastiat, um na UFRGS desse instituto. Em verdade, há um forte vín- e outro na Faculdade Pitágoras”. No Seminário culo de articulação e de complementaridade de Verão do Instituto Ordem Livre, em 2012 – entre os diversos institutos de ideias libe- organizado por Diogo Costa, Magno Karl e Elisa rais, e provavelmente distintas organizações Martins –, Juliano Torres, Anthony Ling e os ou- liberais atuem mais em outras frentes dessa tros integrantes do grupo criaram “um projeto mesma batalha; por exemplo, dedicando-se mais elaborado para mudar a vida dos estudan- a treinamento de jovens, realizando forma- tes nas universidades brasileiras”. Para tanto, ção de líderes, organizando fóruns de deba- deram “início às atividades de uma organização tes, ofertando cursos de graduação e pós- focada na divulgação das ideias de liberdade”. -graduação­, produzindo e veiculando infor- Essa empreitada foi assumida por Juliano Torres mações atualizadas do Brasil para municiar que contou com colaboração de “Anthony Ling, redes internacionais.­ Lino Gill, Pedro Menezes e Mano Ferreira”.

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Em entrevista à repórter Mariana Ama- do EPL. Eles atuam como integrantes do ral – por ocasião do Fórum pela Liberdade em Movimento Brasil Livre, mas foram trei- 2015 –, Juliano Torres, o diretor executivo do nados pela gente, em cursos de lideran- Estudantes pela Liberdade (EPL), explicita a li- ça”. (Agência Pública, 2015) gação entre o EPL e o Movimento Brasil Livre Esse relato evidencia como essas orga- (MBL): o Movimento Brasil Livre (MBL) foi uma nizações de ideias liberais investiram vigoro- legenda cunhada pelo EPL para possibilitar­ a samente no desgaste do governo Dilma. Elas sua atuação nas manifestações do Passe Livre não apenas se engajaram nas manifestações em 2013, resguardando as normas das “organi- de junho de 2013, mas a insuflaram. Infere-se, zações americanas que são impedidas de doar­ também, que o movimento de 2013 permeou recursos para ativistas políticos pela legislação ideologicamente o caminho para o movimen- da receita americana (IRS)”. Juliano relata: to pró-impeachment, desencadeado em 2015, Quando teve os protestos em 2013 pelo fomentado pelo Movimento Brasil Livre que Passe Livre, vários membros do Estudan- aglutinou as forças conservadoras do País e tes pela Liberdade queriam participar, só pôs em marcha o golpe, em atuação articulada que, como a gente recebe recursos de com seus correligionários, que operam em ou- organizações como a Atlas e a Students tras organizações liberais. for Liberty, por uma questão de imposto No processo eleitoral de 2018, as orga- de renda lá, eles não podem desenvolver nizações liberais, nomeadamente o MBL, para atividades políticas. Então a gente falou: “Os membros do EPL podem participar tentar evitar a divulgação de notícias falsas como pessoas físicas, mas não como pela rede social, atuaram disseminando ava- organização para evitar problemas. Aí a lanches de mensagens falsas nas redes sociais gente resolveu criar uma marca, não era com o objetivo de desqualificar os governos uma organização, era só uma marca pa- petistas e a esquerda e enaltecer a candida- ra a gente se vender nas manifestações tura de Bolsonaro. Segundo o jornal El País, como Movimento Brasil Livre. Então jun- esse movimento divulgou em vídeos e pos- tou eu, Fábio [Ostermann], juntou o Fe- tagens publicados na internet; os ativistas lipe França, que é de Recife e São Paulo, tentam desqualificar o trabalho das agências mais umas quatro, cinco pessoas, cria- mos o logo, a campanha de Facebook. E profissionais de checagem de dados, escolhi- aí acabaram as manifestações, acabou o das como parceiras pelo Facebook e até di- projeto. E a gente estava procurando al- vulgam perfis pessoais dos jornalistas desses guém para assumir, já tinha mais de 10 veículos para classificá-los como "militantes mil likes na página, panfletos. E aí a gente da esquerda". A ironia é que dirigentes do 15 encontrou o Kim [Kataguiri] e o Renan MBL. como o próprio Santos, Kim Kataguiri e [Haas], que afinal deram uma guinada Arthur do Val, mais conhecido pelo apelido de incrível no movimento com as passeatas Mamãefalei, e inclusive um deputado federal contra a Dilma e coisas do tipo. Inclusive, o Kim é membro da EPL, então ele foi e um procurador da Justiça do Rio de Janeiro treinado pela EPL também. E boa parte difundiram dados falsos para criticar o com- dos organizadores locais são membros bate aos dados falsos.

1074 Cad. Metrop., São Paulo, v. 22, n. 49, pp. 1059-1080, set/dez 2020 Os institutos liberais e a consolidação da hegemonia neoliberal...

O Fórum da Liberdade é um evento rea­ realizado ­em 2015, cujo caráter político lizado sob o auspício do Instituto de Estudos apoteó­tico, em razão da conjuntura do País, Empresariais (IEE) e, segundo informações do revela o nível de articulação e o grau de beli- site, em “2013, foi reconhecido pela Revista gerância da batalha ideológica neoliberal. O Forbes como o maior espaço de debate po- evento foi realizado nos dias 13 e 14 de abril lítico, econômico e social da América Latina” de 2015, na PUC-RS, em Porto Alegre, num au- (IEE, 2018). ditório de 2 mil lugares, totalmente repleto. O O Fórum tem o expresso propósito de fo- 28º Fórum contou, inclusive, com a participa- mentar alternativas objetivas de explicar e re- ção de Alejandro Chafuen, presidente da Atlas. plicar as ideias de livre mercado ao público jo- Os patrocinadores oficiais do evento foram vem universitário. Nessa perspectiva, promove Souza Cruz, Gerdau, Ipiranga e RBS (afiliada da debates como palestrantes liberais, como Luis Rede Globo). Felipe Pondé, Diogo Costa, Demétrio Magnoli, Mário Mesquita, Alejandro Chafuen e Ronaldo Caiado. Dessa forma, oferece uma contribui- ção imprescindível, nessa batalha, mediante a Considerações finais cobertura maciça da mídia nacional ao Fórum da Liberdade. As redes de organizações liberais exercem uma O evento propiciou, até os dias atuais, ação ofensiva e beligerante contra as ideias e a exposição de 300 palestrantes, sendo 103 os projetos políticos que se opõem à ordem deles estrangeiros, e cinco ganhadores do espontânea do mercado. Essa ofensiva não se Prêmio Nobel, quais sejam: James Buchanan, processa apenas por meio da grande mídia,­ Gary Becker,­ James Heckman, Douglass North mas, sobretudo, mediante as miríades de e Mario Vargas Llosa. Contou, também, com a redes­ liberais, que se imbricam local, regional presença de sete chefes de Estado, de 53 lide- e globalmente e se complementam, geran- ranças políticas nacionais e internacionais, e do uma dinâmica veloz de fomento à produ- de 16 ministros de Estado, além de lideranças ção de ideias, de táticas e de estratégias que empresariais, acadêmicos e estudiosos. O Fó- municiam,­ em fluxo contínuo, a artilharia da rum congrega anualmente um público médio batalha ideológica. de 5.000 pessoas e mais de 200.000 acessos A batalha protagonizada por essas orga- no Fórum da Liberdade On-line, sendo que, nizações envolve o engajamento não apenas destes, mais de 150.000 são por meio das re- do empresariado, mas de lideranças políticas des sociais – Facebook, Twitter e YouTube.­ O e religiosas, de discentes de diferentes níveis Fórum também é compartilhado por mais de de ensino, de diversos profissionais que atuam 25 mil fãs no Facebook; os vídeos do YouTube­ em atividades ligadas à formação de opinião, tiveram mais de 77.000 visualizações; e a como acadêmicos, economistas, jornalistas, transmissão ao vivo atinge mais de 100 mil publicitários, advogados, juristas, docentes e acessos no mês de realização do evento. artistas. Os materiais publicitários produzidos Cabe destacar o papel emblemático de- por essas redes de ideias compreendem: edi- sempenhado pelo 28º Fórum da Liberdade,­ ção de livros, pesquisas de cunho acadêmico,

Cad. Metrop., São Paulo, v. 22, n. 49, pp. 1059-1080, set/dez 2020 1075 Ana Lúcia B. Faria, Vera Chaia tradução de livros e artigos, periódicos, fo- desmensurados­ do livre mercado. A batalha lhetos, cartilhas. As atividades de divulgação político-ideológica liberal não se restringe ao ocorrem por meio de congressos, fóruns, sim- campo democrático. Ela é travada, a cada mo- pósios, seminários, colóquios, conferências e, mento, de forma mais radicalizada, ardilosa até mesmo, cimeiras. e desumana; a estratégia é demonizar, crimi- Verifica-se, assim, que a força operacio- nalizar, desestabilizar e, por fim, demolir es- nal desses institutos consiste em sistematizar, ses governos e os movimentos sociais que se alinhar e padronizar uma visão de mundo sob opõem ao projeto liberalizante. a qual a função do Estado se restringe a ape- O compromisso real do neoliberalismo nas assegurar os meios de reprodução do ca- é com os interesses do grande capital. Quan- pital, requeridos pelos setores hegemônicos do os interesses dos agentes do livre mercado da burguesia, ou seja, reduzir o Estado à esfera estão ameaçados, pela soberania da maioria, dos interesses do grande capital interno e in- pela maioria assalariada, a força bruta, a di- ternacional. Trata-se, em última instância, de tadura, torna-se uma alternativa defendida formar a convicção nos indivíduos de que o por seus mentores, a exemplo do golpe no princípio da igualdade é injusto e que a desi- Chile protagonizado pelo general Pinochet, gualdade encerra em si um caráter de justiça que tornou possível a implantação, naque- conferido pelo merecimento. le país, sob a batuta do regime ditatorial, do Revela-se falaciosa a ideia defendida por primeiro experimento neoliberal no mundo. Adam Smith, segundo a qual a “mão invisível” Ao contrário do que apregoam os ideólogos do mercado livre regula as relações econômi- do neoliberalismo, de que há uma correspon- cas sociais e produz o bem comum. Revela- dência direta entre democracia e liberalismo, -se também falaciosa a acepção hayekiana­ liberalismo e democracia são concepções an- da ordem espontânea do mercado que res- titéticas, não guardando quaisquer vínculos. salta a superioridade do mercado sobre a A concepção de democracia traz, na sua gê- cognição humana. A intervenção concreta, nese, o escopo de garantir a maior participa- orquestrada, deliberada, das organizações ção da coletividade no processo público de- liberais na América Latina, evidencia o opos- cisório; já a acepção neo­liberal ocupa-se, tão to da “mão invisível” e da “ordem espontâ- somente, de resguardar as elites econômicas nea”. O dirigismo neoliberal concentra-se nas (grupo minoritário) em face daqueles que so- ofensivas sistemáticas aos governos eleitos mente possuem a sua força de trabalho, para, de esquerda e de centro-esquerda, que não assim, manter a dinâmica de acumulação e de aderem ou aderem parcialmente aos ditames reprodução do capital.

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[I] https://orcid.org/0000-0001-6547-2891 Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Departamento de Ciências Sociais e Filosofia. Belo Horizonte, MG/Brasil. [email protected]

[II] https://orcid.org/0000-0001-5089-6720 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Departamento de Política, Programa de Estudos Pós- -Graduados em Ciências Sociais. São Paulo, SP/Brasil [email protected]

Notas

(1) Keynesianismo – modelo político-econômico, inspirado nas teses do economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946), que tinha como base a defesa da intervenção estatal na economia, com a finalidade de estabelecer um regime de pleno emprego e, assim, corrigir alguns problemas graves do liberalismo; notadamente, pretendia reduzir os patamares de desigualdade social. A doutrina keynesiana sustenta que, nas economias capitalistas desprovidas de regulação econômica, as crises tendem a se alastrar, atingindo diversos setores da economia e podendo atingir uma dimensão de desmoronamento em massa da vida social. A era keynesiana teve o seu apogeu como projeto hegemônico capitalista nas três décadas que sucederam ao pós-Segunda Guerra e inicia a sua escalada ao desmonte na década de 1970.

(2) Friedrich August von Hayek (1899-1992) – economista, filósofo, austríaco e acadêmico filiado à Escola Austríaca de pensamento econômico. Hayek, mentor intelectual e ativista político obstinado do liberalismo contemporâneo ou neoliberalismo, considerou o mercado como cerne da vida social e o individualismo como traço essencial da ação humana, fatores a serem reabilitados com toda pujança em âmbito global nos dias atuais. Hayek sustentava que o mercado garantiria uma supremacia sobre qualquer forma de planejamento econômico e político e sobre qualquer instituição social, devendo servir de base para o ordenamento das sociedades e das condutas humanas. Defendia, ainda, que o individualismo e o egoísmo não significariam o desapreço pelo outro. Em sua acepção, o egoísmo consistia em uma qualidade humana ligada à própria dimensão da razão. A sociabilidade neoliberal proposta por Hayek abarcaria três elementos fundamentais que deveriam ser fomentados nos procedimentos educativos escolares e não escolares: o individualismo como valor moral radical, o empreendedorismo e a competitividade.

(3) A Sociedade Mont Pélerin foi formada em 1947, quando o economista Friedrich von Hayek convidou 39 pessoas para se encontrarem no Mont Pélerin, na Suíça. O grupo, principalmente formado por economistas sob a liderança de Friedrich Hayek, foi reunido em um evento cujo propósito foi iniciar uma batalha ideológica, um movimento articulado em defesa da legitimação e hegemonia do capitalismo desregulamentado e do combate ao Estado de Bem-Estar Social. A Sociedade Mont Pélerin, criada nessa reunião, tornou-se o polo aglutinador desse movimento.

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4) Gros (2002), ao analisar as organizações políticas sustentadas por empresários na Nova República, uma organização denominada Instituto Liberal “think tank ideológico, que defende interesses de algumas frações da burguesia” e os preceitos do livre mercado, acabou por introduzir genericamente o termo instituto liberal para designar os think tanks que professam a doutrina do livre mercado. Após os estudos de Gros, o termo Instituto Liberal passou a identificar, no Brasil, de forma mais direta esse arquétipo de organização. Neste trabalho, emprega-se a categoria Institutos Liberais para designar esse modelo de organização, por considerar a terminologia mais adequada às atividades desempenhadas por essas entidades e por julgá-la mais apropriada à realidade brasileira. Os think tanks, também conhecidos como entidades políticas ou institutos políticos, são organizações que realizam pesquisas e análises relacionadas a políticas, bem como à defesa de uma ampla gama de assuntos domésticos e internacionais. Eles são importantes quando se trata de tomar decisões informadas entre os formuladores de políticas; a maioria deles são organizações sem fins lucrativos. Nos Estados Unidos e no Canadá, eles recebem o status de isenção de impostos. Todos os anos, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia realizam uma extensa análise de think tanks em todo o mundo, publicando um relatório listando e classificando cerca de 6.500 deles. 90,5% dos think tanks foram criados depois de 1951 e quase 55% deles estão localizados na Europa e na América do Norte. Em uma base de país a país, os EUA têm mais de 1.984, seguidos por 512 na China e 444 no Reino Unido. Nos EUA, DC tem mais de 397, seguido por Massachusetts com 177 e Califórnia com 169. A pesquisa também classificou think tanks globais por influência. Além de ter o máximo de qualquer país, os EUA também abrigam alguns dos think tanks mais influentes do mundo. Entre os 10 melhores, cinco são baseados nos EUA com o Instituto Brookings, em primeiro lugar, seguido pelo Instituto Francês de Relações Internacionais.

(5) Disponível em: . Acesso em: 14 abr 2018.

(6) Disponível em: . Acesso em: 14 abr 2018.

(7) Alex Chafuen tem desempenhado um papel de proeminência na defesa do projeto neoliberal na América Latina. Ele é o presidente da Atlas Network, presidente-fundador do Centro Hispânico para Pesquisa Econômica (Hacer) e membro da Mont Pélerin Society.

(8) Graduou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) em 2003. Em 2005, concluiu sua pós-graduação em Direito Trabalhista, também pela PUC- RS. Trabalhou no Gomes & Takeda Advogados Associados desde 1999, tornando-se sócio em 2005. No biênio 2008-2009 trabalhou como advogado associado na Baker & McKenzie, um escritório internacional de advocacia, voltando, ainda em 2009, para o Gomes & Takeda. É membro da Junta Diretora da Relial, foi presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), em 2011-2012, organizando a 25ª edição do Fórum da Liberdade, o maior fórum liberal da América Latina. Também foi vice-presidente (2010-2011) e diretor de formação (2009-2010) da mesma instituição. De 2003 a 2014, foi vice-presidente do Instituto Liberdade, um dos primeiros institutos liberais do Brasil. Participou de diversos colóquios, seminários e fóruns das maiores entidades liberais do mundo, como a Atlas Network, a Fundação Friedrich Naumann, o Liberty Fund, Foundation for Economic Education (FEE), sendo palestrante em três eventos da Atlas Network.

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(9) Paulo Roberto Nunes Guedes (Rio de Janeiro, 1949) escolhido como o superministro de Jair Bolsonaro, é velho conhecido do mercado. Trata-se do economista PhD pela Universidade de Chicago, berço dos Chicago Boys. Professor universitário e um dos fundadores do IBMEC, do think tank Instituto Millenium e do Banco Pactual; é também fundador e sócio majoritário do grupo BR (El País, 27 ago 2018).

(10) Sérgio Moro, juiz-estrela da operação Lava Jato, abandonou 22 anos de magistratura para fazer parte de um Governo. Ele foi o responsável por condenar centenas de políticos, empreiteiros, lobistas e doleiros que desviaram recursos públicos, principalmente da Petrobras. Foi por conta de uma decisão sua que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi preso e, após condenação em segunda instância, foi retirado da disputa eleitoral de 2018. Osite The Intercept Brasil, editado pelo jornalista Glenn Greewald, publicou conversas entre o ex-juiz federal e o então ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, Sérgio Moro, e os promotores da Lava Jato. Os vazamentos em áudio e mensagens foram coletados no aplicativo Telegram desde 2014 até dezembro de 2018. Moro pediu demissão do governo Bolsonaro em 24 de abril de 2020.

(11) Site do Instituto Liberal do Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.institutoliberal.org.br/. Acesso em: 21 abr 2018.

(12) Site do Instituto Liberal do Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.institutoliberal.org.br/. Acesso em: 21 abr 2018.

(13) Site do Instituto Liberal do Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.institutoliberal.org.br/. Acesso em: 21 abr 2018.

(14) Disponível em: https://repository.upenn.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1012&context=think_ tanks. Acesso em: 23 nov 2018.

(15) Kim Kataguiri (DEM) foi o quarto candidato mais votado no estado de São Paulo para a 56ª legislatura (2019-2023) da Câmara dos Deputados Federais. Ele foi eleito com mais de 400 mil votos (cerca de 2,21% do total de votos válidos).

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Texto recebido em 14/dez/2018 Texto aprovado em 13/jun/2019

1080 Cad. Metrop., São Paulo, v. 22, n. 49, pp. 1059-1080, set/dez 2020